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FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS - FESMPDFT
Curso de Pós-Graduação Ordem Jurídica e Ministério Público
CLARISSA SERPA DE SOUZA
DIVERSAS QUESTÕES SOBRE UM CRIME PASSIONAL:
aspectos penais, procedimentais e processuais diante de um caso hipotético
Orientador: Osvaldo Tovani
BRASÍLIA-DF 2008
CLARISSA SERPA DE SOUZA
DIVERSAS QUESTÕES SOBRE UM CRIME PASSIONAL:
aspectos penais, procedimentais e processuais diante de um caso hipotético
Monografia apresentada como requisito para
conclusão do curso de pós-graduação
“Ordem Jurídica e Ministério Público”, da
Fundação Escola Superior do Ministério
Público do Distrito Federal e Territórios -
FESMPDFT.
Orientador: Osvaldo Tovani.
BRASÍLIA-DF 2008
A Deus, por todas as bênçãos e vitórias que têm me concedido. À minha mãe Maria Clara Serpa F. Canto, por me ensinar, dentre tantas brilhantes e inesquecíveis lições, a importância de persistir, batalhar e acreditar na conquista dos meus sonhos e de um futuro melhor para se viver. Ao meu noivo Saulo Kasakevitch e Luna, pelo apoio e incentivo.
Ao ilustre professor Osvaldo Tovani, referência em minha vida acadêmica e profissional, por quem tive o grande privilégio de ter sido orientada. Muito obrigada!
“Não há nada mais relevante para a vida social que a formação do sentimento da justiça”.
Rui Barbosa
RESUMO
O objeto deste trabalho é a análise acerca de diversas questões sobre um crime passional: aspectos penais, procedimentais e processuais diante de um caso hipotético. Para tanto, previamente será analisado o caso em tela, desde seu contexto histórico-social, os personagens, a dinâmica do crime, e a atuação da polícia. Neste sentido, insta salientar que todos os nomes de personagens informados, bem como da cidade onde o caso hipotético é relatado são fictícios. A seguir, serão estudados os aspectos penais do crime em epígrafe, procedendo-se à tipificação das condutas, à análise do concurso de crimes, dos sistemas de aplicação da pena, e da existência de concurso material. Não obstante, serão examinados os aspectos procedimentais e processuais, partindo-se da averiguação das questões relacionadas ao expediente da polícia no inquérito policial, atravessando o estudo da ação penal, até a verificação da hipótese de ação penal pública incondicionada, constatada como a adequada para o caso em discussão. Ainda, será abordada a competência para o devido processamento e julgamento do crime em epígrafe, diante da conexão de crimes verificada, e, por conseqüência, de tratar-se de hipótese referente à competência do Tribunal do Júri.
Palavras-Chave: direito penal; direito processual penal; crime passional; caso
hipotético; tipicidade; concurso de crimes; sistemas de aplicação da pena; inquérito
policial; ação penal pública; ação penal pública incondicionada; conexão de crimes;
tribunal do júri.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................... 2
1 DO CASO HIPOTÉTICO....................................................................................................... 4
1.1 DO CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL...................................................................................... 4 1.2 OS PERSONAGENS................................................................................................................ 6
1.2.1 Caio ............................................................................................................................. 6
1.2.2 Mélvia.......................................................................................................................... 7
1.2.3 Tícia............................................................................................................................. 7
1.2.4 Prometeu ..................................................................................................................... 8
1.2.5 Epitemeu...................................................................................................................... 8
1.2.6 Grupo de Ações Táticas Especiais de Santa Clara - GATE........................................ 8
1.3 O CRIME .............................................................................................................................. 9 1.4 DA ATUAÇÃO DA POLICIA ................................................................................................. 16
2 DO DIREITO MATERIAL................................................................................................... 19
2.1 DA TIPIFICAÇÃO DAS CONDUTAS ...................................................................................... 19 2.1.1 Do homicídio duplamente qualificado por motivo torpe, e recurso que dificulte ou
torne impossível a defesa da vítima – contra Mélvia ......................................................... 21
2.1.2 Da tentativa de homicídio duplamente qualificado por motivo torpe, e recurso que
dificulte ou torne impossível a defesa da vítima – contra Tícia ......................................... 22
2.1.3 Da tentativa de homicídio qualificado para assegurar a execução de crimes – contra
o policial............................................................................................................................. 24
2.1.4 Do cárcere privado qualificado - contra Mélvia, Tícia, Prometeu e Epitemeu ........ 24
2.1.5 Do disparo de arma de fogo em lugar habitado ....................................................... 26
2.2 DO CONCURSO DE CRIMES................................................................................................. 26 2.3 SISTEMAS DE APLICAÇÃO DA PENA ................................................................................... 28 2.4 DO CONCURSO MATERIAL ................................................................................................. 31
3 DOS ASPECTOS PROCEDIMENTAIS E PROCESSUAIS............................................. 34
3.1 DO EXPEDIENTE POLICIAL ................................................................................................. 34 3.2 DA AÇÃO PENAL ................................................................................................................ 38
3.2.1 Da ação penal pública incondicionada..................................................................... 41
3.3 DA COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO ............................................. 43 3.3.1 Da conexão de crimes ............................................................................................... 43
3.3.2 Da competência do Tribunal do Júri......................................................................... 45
CONCLUSÃO ........................................................................................................................... 48
REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 50
2
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o escopo de proceder à análise de diversas
questões sobre um crime passional, especificamente no que diz respeito aos aspectos
penais, procedimentais e processuais diante de um caso hipotético. Assim, busca-se
examinar desde os fatos que deram origem ao crime passional em epígrafe, até as
conseqüências jurídicas provocadas pela prática das condutas delituosas.
O tema mostra-se de grande relevância e pertinência, na medida em
que se aprecia um caso hipotético envolvendo um grupo de pessoas aparentemente
comuns, cujas vidas foram radicalmente transformadas após a ocorrência de um crime
passional de trágico desfecho, evidenciado por alta repercussão social.
Neste sentido, cumpre-se destacar que os nomes indicados dos
personagens, bem como da cidade apresentada no caso em tela são meramente
ilustrativos e fictícios, utilizados a fim de facilitar o entendimento do enredo do caso,
bem como de suas implicações jurídicas.
Outrossim, a apresentação do contexto histórico-social, do perfil dos
personagens, da dinâmica do crime, bem como da atuação policial, se faz necessária
para a melhor compreensão da trajetória dos fatos que culminaram em sua ocorrência.
Neste sentido, o fim de um relacionamento entre dois jovens apresenta-se determinante
para o desenlace dos eventos, eis que agravado pelo comportamento do ex-namorado,
que acabou por incorrer em diferentes condutas ilícitas contra várias pessoas.
Não obstante, tratando-se de um dos crimes passionais de maior
duração da história do país, que restou por produzir um resultado calamitoso, há de se
3
verificar a eficiência da atuação policial no caso em discussão. Neste sentido, observa-
se que jovens foram feitos reféns por várias horas, disparos de arma de fogo foram
produzidos, tentativas de homicídio foram verificadas e uma morte alcançada.
Com efeito, demonstra-se mister a tipificação da condutas praticadas
pelo agente, devendo-se proceder, portanto, à adequação dos fatos ocorridos às
respectivas normas penais pertinentes, conforme o expresso no ordenamento jurídico
vigente.
Outrossim, diante da existência de mais de uma ação do agente, e,
tendo este praticado mais de uma conduta, insta relevante examinar a hipótese de
concurso de crimes, bem como do instituto do concurso material de crimes, além do
concernente ao sistema de aplicação de pena, com relação ao caso em epígrafe.
Destarte, serão analisados os aspectos procedimentais e processuais, a
fim de se apreciar o percurso das conseqüências jurídicas do caso hipotético. Assim,
serão examinados seus aspectos em suas principais fases, desde o expediente policial,
por meio da instauração do inquérito policial, à avaliação da ação penal adequada diante
das espécies existentes, em especial a hipótese de ação penal pública incondicionada.
Por fim, cumpre-se verificar a devida competência para
processamento e julgamento dos crimes praticados, analisando o instituto da conexão de
crimes e, por conseqüência, da eventual competência do Tribunal do Júri como
adequada para a apreciação do caso hipotético apresentado.
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1 DO CASO HIPOTÉTICO
1.1 Do contexto histórico-social
Primavera de 2008.
O mundo acompanha a eleição presidencial nos Estados Unidos.
Diversos países preocupam-se com o advento de uma possível crise econômica diante
da recessão na maior economia do mundo, e a Declaração Universal dos Direitos
Humanos1 está prestes a completar sessenta anos de existência.
No Brasil, realizam-se eleições municipais para escolha de prefeitos e
vereadores, celebram-se os vinte anos de promulgação da Constituição Federal, e
começam a vigorar as três leis2 que promoveram importantes alterações no Código de
Processo Penal.
A cidade Santa Clara, localizada na região metropolitana de uma
grande capital brasileira, é tradicionalmente reconhecida por sua produção industrial, e
atualmente movimentada pelos ramos do comércio e de serviços.
É o município mais populoso da região. Parte de sua população
descende ou é imigrante de outros estados brasileiros, ou do exterior. Em geral, tal fluxo
migratório representa a busca de melhores perspectivas para a conquista de um futuro
melhor para viver.
1 A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos documentos básicos das Nações Unidas, e nela são enumerados todos os direitos que os seres humanos possuem. Foi aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembléia Geral das Organizações Unidas, tendo como signatários vários países ao redor do mundo. 2 Lei 11.689, de 09 de junho de 2008, que alterou os dispositivos concernentes ao Tribunal do Júri; Lei 11.690, de 10 de junho de 2008, que modificou os artigos relativos à prova; Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, que trouxe alterações quanto à suspensão do processo, os institutos da mutatio libelli e da emendatio libelli, e aos procedimentos.
5
A fim de desenvolver um plano de habitação popular voltado para a
população de baixa renda, ao final da década de oitenta, a Companhia de
Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado onde se localiza Santa Clara
construiu uma série de conjuntos habitacionais.
Os imóveis são de propriedade do governo. O financiamento neste
tipo de programa vale por vinte e cinco anos, e o valor das prestações varia de acordo
com a renda do mutuário, em consonância com os ditames do programa desenvolvido
especialmente para a população de Santa Clara menos favorecida.
Cada imóvel dos conjuntos habitacionais possui uma disposição
simplificada: dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. Atualmente, em
cada conjunto habitacional moram cerca de duas mil pessoas.
Santa Clara, aparentemente, não possui o perfil de uma cidade com
altos índices de criminalidade.
No entanto, há de se sinalizar a ocorrência de dois crimes de destaque
nacional, com repercussões de âmbito internacional: um, contra o chefe do poder
executivo local, ocorrido há pelo menos mais de cinco anos3, e outro, atual, ao qual
gerou intensa comoção em todo o país, modificando radicalmente a vida de um grupo
de pessoas, em especial a dos moradores do apartamento quarenta e dois, no Jardim
Santa Clara, um dos conjuntos habitacionais da cidade.
3 O ex-prefeito de Santa Clara foi encontrado morto, baleado com dezoito tiros, em uma estrada próxima à cidade. O caso ainda se encontra sem solução.
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1.2 Os personagens
1.2.1 Caio
Brasileiro, solteiro, vinte e dois anos.
Trabalhava como auxiliar de produção, terceirizado em uma empresa
de produtos de limpeza. A noite, para complementar sua renda, laborava em um
restaurante, onde era entregador de pizzas e esfirras.
De mãe empregada doméstica e irmão mais novo de três mulheres,
mudou-se com sua família do interior de uma capital nordestina para Santa Clara, aos
dois anos. Não foi criado pelo pai, que se separou de sua mãe quando ainda era criança.
Era tido por familiares e amigos como um jovem trabalhador, calmo e
de pouca fala. Gostava de jogar futebol, e costumava participar de partidas informais
junto com amigos aos finais de semana.
Um mês antes do jovem se tornar um dos protagonistas de uma trágica
história em Santa Clara, e de alta comoção nacional, pessoas próximas ao rapaz notaram
razoável diferença em seu comportamento habitual. Ele teria entrado em profunda
depressão após o rompimento do relacionamento de dois anos e sete meses com sua ex-
namorada.
O namoro foi repleto de idas e vindas. Revelando-se frio, ciumento e
agressivo, o ex-namorado teria ficado insatisfeito com o término do relacionamento,
sentindo-se sozinho e inconformado, e teria passado a ameaçar a ex-namorada.
7
1.2.2 Mélvia
Brasileira, solteira, quinze anos.
Estudante, cursava o primeiro ano do Ensino Médio em uma escola
pública de Santa Clara.
Sua família é proveniente do nordeste do país. Morava no conjunto
habitacional Jardim Santa Clara com seus pais e com o irmão mais velho, há mais de
dez anos. A mãe é merendeira em uma escola, e seu pai afastado da carreira policial,
trabalha com vigilante.
Era considerada uma garota estudiosa, meiga e feliz. Gostava de tirar
fotos, ouvir música e de navegar em sites da internet. Em sua escola, era popular e
reconhecida como uma das garotas mais bonitas de sua turma.
Tinha apenas doze anos quando começou a namorar Caio. Sua família
aprovava o relacionamento, que, por sua vez, demonstrava-se conturbado. Foi ela quem
decidiu terminar o namoro.
Nos últimos tempos, Mélvia havia se aproximado de uma colega de
escola, Tícia, de quem e se tornou melhor amiga e inseparável.
1.2.3 Tícia
Brasileira, solteira, quinze anos.
Estudante, freqüentava a mesma escola pública onde estudava sua
amiga, ex-namorada de Caio. Cursava o primeiro do ano do Ensino Médio.
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De família oriunda de Santa Clara, e de pais separados, Tícia morava
com a avó e com sua mãe, que trabalha como professora. A jovem não encontrava o pai
há um ano.
Assim como sua melhor amiga, era reconhecida como uma garota
estudiosa, e uma das mais populares e bonitas de sua turma na escola.
Tícia namora um de seus colegas de turma na escola.
1.2.4 Prometeu
Brasileiro, solteiro, quinze anos.
Estudante do primeiro ano do ensino médio. É namorado de Tícia.
1.2.5 Epitemeu
Brasileiro, solteiro, quinze anos.
É estudante do primeiro ano do ensino médio, e colega de turma de
Mélvia, Tícia e Prometeu.
1.2.6 Grupo de Ações Táticas Especiais de Santa Clara - GATE
Conhecido como GATE, o Grupo de Ações Táticas Especiais do
Estado onde se localiza Santa Clara é uma unidade de operações policiais especiais,
constituindo o batalhão de choque da Polícia Militar.
Os policiais integrantes do GATE são capacitados e treinados para o
desenvolvimento de atividades específicas e suportar as exigências físicas, técnicas,
psicológicas e profissionais.
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Neste sentido, recebem treinamento específico para atuação nas mais
diversas operações especiais que requerem um alto grau de desempenho tático, bem
como para uma eventual necessidade de ação em conjunto com outras instituições.
Seus policiais são divididos em equipes táticas de serviço e em
quadros de apoio, além de contar com um arsenal de armamentos e equipamentos
militares avançados.
Trata-se de um dos mais modernos grupos de táticas especiais do país,
focando sua atuação em situações de alto risco, como desarmamento de bombas e
resgate de reféns.
1.3 O Crime
Segunda-feira, primeiro dia.
Ao chegarem da escola, Mélvia, Tícia, Prometeu e Epitemeu
reuniram-se no apartamento daquela, a fim de realizar um trabalho escolar. O
apartamento, de número quarenta e dois, está localizado no bloco de um dos conjuntos
habitacionais da cidade, o Jardim Santa Clara.
A porta estava aberta. Caio, surpreendendo a todos, entrou no
apartamento da ex-namorada armado com um revólver calibre trinta e dois, de
procedência duvidosa4. A seguir, rendeu os quatro colegas, informando sua intenção de
matar a ex-namorada, e a seguir, de suicidar-se.
4 A arma pertencia a um homem residente em um estado do nordeste brasileiro, segundo apurou a Polícia. O antigo dono contou que o revólver foi roubado há cerca de vinte anos, quando foi deixado no banco de uma Kombi, em sua cidade. Entretanto, ainda de acordo com a polícia, a arma registrada era de calibre trinta e oito, e não trinta e dois, conforme ficou constatado. Agora, os investigadores buscam informações se houve alguma alteração no equipamento, ou se ocorreu erro no registro de apreensão do revólver.
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Caio apresentava forte instabilidade emocional, contrapondo, assim
seu perfil habitual, descrito por familiares e amigos.
Na tentativa de amenizar a situação, Mélvia chegou a propor a Caio
que reatassem o namoro. Caio não concordou, alegando que se isso ocorresse, ocorreria
por medo, e não por amor a ele.
Caio, a todo o momento, ameaçava os quatro jovens que fazia reféns,
reafirmando sua intenção de assassinar Mélvia e, de logo em seguida, ceifar sua vida.
Caio ainda afirmava sentir raiva de Tícia, pois acreditava que ela havia influenciado
Mélvia na decisão desta em terminar o relacionamento com ele.
No início da noite, chegou ao local uma equipe do GATE de Santa
Clara para negociar a entrega dos reféns e a rendição do rapaz.
Os policiais se utilizam principalmente de contato telefônico para
desenvolver as negociações com Caio. Autoridades policiais, executivas e judiciais
foram envolvidas na comunicação com Caio, além de familiares de Caio e de todos os
reféns.
Prometeu e Epitemeu são libertados por Caio. Frustram-se as
tentativas da polícia de dar fim a situação.
Terça-feira, segundo dia.
A imprensa iniciou intensa cobertura sobre o caso.
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Por volta das 9h, Caio efetuou dois disparos de arma de fogo contra
vizinhos, curiosos e jornalistas que estavam nos arredores do prédio, dentro do
condomínio onde manteve os jovens reféns por um considerável período de tempo. Não
houve feridos, segundo a polícia.
Às 10h, Caio liga para o celular do pai de Tícia, e promete a libertação
da garota em breve, sem precisar data e horário. Um pouco antes, também conversou
com a mãe de Tícia, prometendo a libertação da jovem.
No inicio da tarde, o pai de Tícia afirmou que, de acordo com
informações que obteve durante conversa telefônica com Caio, a garota deveria ter sido
libertada na tarde de segunda-feira, junto com Epitemeu e Prometeu. Contudo, Tícia se
recusou a deixar Mélvia sozinha com o ex-namorado, temendo pela morte de sua amiga.
Por volta das 15h30, Caio efetuou outros dois disparos de arma de
fogo contra vizinhos, curiosos e jornalistas que estavam nos arredores do prédio, dentro
do condomínio onde manteve os jovens reféns por um considerável período de tempo.
Segundo a polícia, ninguém se feriu.
A energia elétrica do apartamento é cortada às 16h. Somente o
fornecimento de água é mantido.
Às 19h, Caio suspende as negociações com o GATE. No último
contato telefônico com a polícia, o rapaz afirma que voltaria a se comunicar somente na
manhã da quarta-feira.
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Contudo, após Caio afirmar que somente voltaria a negociar com a
polícia se a eletricidade fosse religada, em torno das 22h, a energia elétrica do
apartamento é restabelecida.
Caio libera Tícia, às 23h. Entretanto, Mélvia persiste no cárcere
privado.
Quarta-feira, terceiro dia.
Às 7h, o GATE tenta retomar as negociações com Caio.
Mais tarde, às 15h30, uma das reféns joga pela janela uma corda feita
com lençóis, a fim de receber alimentação. Caio se posiciona atrás da refém para
observar a movimentação.
Diante da repercussão do caso, às 15h30 um programa de televisão de
âmbito nacional exibe, ao vivo, uma entrevista com Caio. Ele diz à apresentadora do
programa que pretende libertar a ex-namorada, mas que teme a reação da polícia.
Algumas horas mais tarde, um policial do GATE, sem aviso, apertou a
campainha do apartamento, na tentativa de se aproximar e de acelerar as negociações
com Caio, sem sucesso. Caio, nervoso, atirou contra o policial.
Por volta das 17h30, Tícia, deixa a delegacia de Santa Clara, onde
prestava depoimento desde as 11h30.
Novamente a polícia não obtém êxito na resolução do caso.
Quinta-feira, quarto dia.
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Durante a madrugada, a polícia tentou manter a negociação com Caio,
mas novamente não obteve sucesso.
Às 10h, a polícia acerta negociação com Caio, mas é surpreendida
pelo retorno de Tícia ao apartamento, que havia sido libertada na noite de terça-feira.
Tendo em vista uma negociação da policia com Caio, para um suposto
procedimento de libertação de Mélvia, Tícia deveria subir apenas dois jogos de escada
do prédio, junto com o irmão de Mélvia, a fim de dar cobertura e dar proteção a Caio.
Contudo, Caio conseguiu o retorno da refém, que estava sem escolta policial ou escudo
balístico.
Por volta de 12h45, uma das reféns jogou pela janela uma mochila,
contendo utensílios onde seriam colocados alimentos. Novamente Caio posicionou-se
atrás da refém para observar toda a movimentação.
Às 13h30, o cárcere privado em Santa Clara completa setenta e duas
horas, tornando-se o mais longo da história do Estado.
As negociações para libertação das reféns permanecem sem solução.
Sexta-feira, quinto dia.
No inicio da manhã, a polícia acopla à porta duas fitas com adesivos
de explosivos, preparando-se uma eventual invasão ao apartamento.
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Às 14h, um Promotor de Justiça, assessor da Procuradoria Geral de
Justiça do Estado, elaborou uma declaração que garantiria que a integridade física de
Caio estaria resguardada no momento em as reféns deixassem o cárcere privado.
Por volta das 18h10, o GATE de Santa Clara invadiu o apartamento e
prendeu Caio. Tícia estava deitada em um colchão estendido no chão, e Mélvia no sofá,
ambas na sala, dormindo. Caio estava sentado, em frente às garotas. Ouviu-se uma
explosão. Entre o explosivo colocado pela polícia ser detonado, e Caio surgir preso,
passaram-se pouco mais de três minutos.
Reagindo à invasão policial, Caio desferiu tiros contra Tícia, atingindo
na mão direita, e em seu rosto, e contra Mélvia, baleando-a na região da virilha e na
cabeça.
A polícia militar alegou que decidiu invadir o apartamento após
supostamente ouvir um tiro, e porque o comportamento de Caio durante a tarde de
sexta-feira era muito agressivo.
Depois de explodir a porta, os policiais ainda levam quinze segundos
para conseguirem, de fato, entrar no apartamento.
Quarenta segundos depois da primeira explosão, ferida e com um tiro
no rosto, Tícia sai do apartamento, acompanhada de um policial. Eles caminhavam pelo
corredor do prédio agachados, temendo uma possível troca de tiros.
Em seguida, Caio, saiu do apartamento, e dominado por um policial é
levado até o corredor do prédio. Ele ainda tentou resistir, e são necessários mais dois
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homens para poder imobilizá-lo. Emocionados, vizinhos e curiosos gritavam, indagando
o que haveria ocorrido e onde estaria Mélvia.
Um médico sobre as escadas do prédio correndo, tentando chegar ao
apartamento. Instantes depois, um policial sai do apartamento carregando Mélvia. Ela
estava ferida, com um tiro na virilha e outro na cabeça.
Pouco tempo depois, Caio é levado para fora do prédio, e
encaminhado à carceragem de uma delegacia de Santa Clara. Durante a madrugada, é
transferido para o Centro de Detenção Provisória.
Mélvia e Tícia são encaminhadas para um hospital da cidade. Tícia,
após submeter-se a algumas cirurgias, recuperou-se e voltou para sua casa. Em
depoimento posterior, afirmou que não ouve nenhum disparo de arma de fogo antes da
entrada dos policiais ao cativeiro, confrontando a versão inicial dada pela polícia.
Mélvia, que foi gravemente ferida, teve perda de massa encefálica, foi
operada, mas não resistiu aos ferimentos e teve sua morte cerebral atestada quase
quarenta e oito horas depois do desfecho do crime.
Assim, após mais de cem horas, termina o caso passional de cárcere
privado mais longo da história do Estado onde se localiza Santa Clara. O resultado
trágico da operação policial contra o crime que persistiu por cinco dias foi criticado, e a
atuação da policia, amplamente questionada diante do trágico resultado obtido.
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1.4 Da atuação da policia
A atuação policial no crime passional em tela gerou críticas acerca da
eficiência de sua ação, além da discussão sobre a adoção de procedimentos alternativos,
diante do trágico desfecho.
Depreende-se que o propósito da ação policial no caso em epígrafe foi
a tentativa de se esgotar todas as formas de negociação junto ao criminoso,
privilegiando, assim, o exaurimento das possibilidades de transação admitidas pela
equipe de policiais.
Tal decisão foi determinante para que o crime se prolongasse no
tempo, perdurando por mais de cem horas. Deste modo, transformou-se em dos casos de
cárcere privado mais longos da história do país, com repercussão de altas proporções.
Neste sentido, verifica-se a postura policial no sentido de evitar o
disparo de armas de fogo, da utilização de atiradores de elite e de outros mecanismos de
ataque direto ao criminoso, indicando a pretensão de preservar a vida não somente dos
reféns, mas de todos os envolvidos.
Outrossim, observa-se a utilização de familiares, parentes e amigos
nas negociações, além de autoridades de diversas esferas, como artifício na tentativa de
incentivar a resolução pacífica do crime.
Assim, tem-se a participação, inclusive, de uma das reféns, em duas
ocasiões: a primeira, cuja libertação foi negociada em troca do restabelecimento de
energia no apartamento, e a segunda, com o retorno da refém ao cativeiro, tendo em
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vista sua vulnerabilidade, caminhando rumo ao apartamento sem escolta ou a utilização
de escudo balístico.
Não obstante, horas antes de decidir pela invasão ao local do cativeiro,
em decorrência da forte instabilidade emocional de Caio, a polícia acoplou adesivos
com carga de explosivos a fim de deflagrar a porta do apartamento e deixar a passagem
livre para os policiais.
Entretanto, afirmando ter ouvido um suposto tiro disparado pelo
criminoso - o que, posteriormente, admitiu-se a possibilidade de erro - optou-se pela
invasão do apartamento. Contudo, os policiais encontraram um obstáculo posicionado
atrás da porta do apartamento, do que se depreende terem se surpreendido com tal
barreira.
O referido fato teria retardado o ingresso da equipe de policiais e, por
conseqüência, do atendimento médico às reféns. Além disso, pode-se inferir que a
quantidade de explosivos colocada não teria sido adequada.
De outro giro, observa-se que a polícia não ingressou simultaneamente
no apartamento pela porta, janela e fundos, e nem se utilizou de recursos como o
emprego de bombas de luz e som, que poderia facilitar sua atuação e, por conseqüência,
dificultar a ação do criminoso.
O resultado da atuação policial não se mostrou positivo.
Após cem horas de tentativas de negociação com Caio, nenhum dos
envolvidos saiu ileso. Uma das reféns, alvejada e ferida, teve de submeter-se a cirurgias
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para recuperação, e a outra, baleada duas vezes, faleceu. Caio apresentou apenas
ferimentos leves.
Após a invasão do apartamento pela polícia, Caio foi preso em
flagrante, e deve ser denunciado pelo Ministério Público pela prática de uma série de
condutas ilícitas, conforme a seguir demonstrado. Sendo a denúncia recebida,
responderá a um processo criminal, formalmente acusado da realização de uma série de
crimes que se desenvolveram durante os cinco dias em que perdurou um dos mais
longos crimes passionais da história do país.
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2 DO DIREITO MATERIAL
2.1 Da tipificação das condutas
Diversos são os fatos da vida social que ensejam a aplicação da sanção
penal por lesionar ou colocar em perigo interesses jurídicos relevantes. Para tanto, o
legislador infraconstitucional descreve as condutas proibidas na ordem jurídica vigente.
A essa definição legal fornecida pela ordem jurídico-penal, dá-se o nome de tipicidade.
Segundo Damásio de Jesus, “Tipicidade é a correspondência entre o
fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie da infração contida na lei penal
incriminadora5”. Configura-se em um dos postulados básicos do princípio da reserva
legal, expressamente consagrado pela Constituição Federal de 19886.
Tipificar a conduta significa subsumir, justapor, amoldar, enquadrar a
conduta praticada no mundo real ao modelo descritivo constante na lei. Assim, um fato
para ser considerado típico, deve se adequar a um modelo descrito na lei penal. É a
adequação típica, que consiste na subsunção da conduta ao tipo penal7.
A adequação típica pode se operar de formas distintas, quais sejam, de
forma mediata ou indireta, ou ainda de forma imediata, direta ou por extensão.
Configura-se a adequação penal imediata, direta ou por extensão
quando o fato de subsume imediatamente ao determinado na lei, sem a necessidade de
concorrência de qualquer outra norma.
5 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1: parte geral. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 260. 6 Consoante preceitua o artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, também reconhecido como princípio da reserva legal: nullum crimen nulla poena signe praevia lege. 7 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1: parte geral. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 269-270.
20
Já a adequação penal mediata ou indireta, constitui exceção, e exige
a concorrência de outra norma, secundária, de caráter extensivo, que amplie a
abrangência da figura típica8.
Nas palavras de Damásio de Jesus:
[...] nem sempre é coisa simples que resulte de análise ligeira e mecânica da lei, pois os tipos não são valores numéricos, nem puros conceitos lógicos, e sim normas que contêm uma essência que forma um complexo sistema de relações entre uma figura e outra. Para conseguir uma adequação correta é sempre necessário indagar a que figura típica deve atender-se entre as muitas que em regra podem ser aplicadas a determinado comportamento. Na maior parte das vezes o problema assume feição de uma operação complexa, seja porque várias leis podem aplicar-se a ela. Em alguns casos, é correta a aplicação de várias leis ao mesmo fato; em outros, não. A solução se condiciona às relações existentes entre os múltiplos tipos, com base nos princípios que resolvem os conflitos aparentes de normas penais9. [grifo nosso].
A doutrina moderna reconhece duas funções ao tipo penal10. A
primeira é a de garantia, tendo em vista seu aperfeiçoamento e sustentação no princípio
da reserva legal. Assim, os indivíduos, antes de realizarem um fato, devem ter a
possibilidade de saber se sua ação é ou não punível.
A segunda, denominada de indiciária, proclama que a realização do
tipo já antecipa uma possibilidade de também haver uma infringência do Direito,
embora esse indício não integre a proibição, cuja presunção somente cessa diante de
uma causa que a exclua.
8 O caso hipotético apresentado no presente trabalho oportunamente exemplifica situações de adequação penal mediata, indireta ou por extensão. 9 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1: parte geral. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 270. 10 Neste sentido, Cezar Bitencourt, em sua obra “Tratado de Direito Penal” ainda indica uma terceira função, denominada de “função diferenciadora do erro”. Neste sentido, o autor somente poderá ser punido pela prática de um fato doloso quando conhecer as circunstâncias fáticas que o constituem.
21
Não obstante, para que a conduta humana seja considerada crime, faz-
se necessário seu ajustamento a uma descrição abstrata que expressa os elementos da
conduta lesiva.
Contudo, o tipo legal deve conter apenas os elementos necessários
para individualizar a conduta considerada nociva, manejando a um plano secundário as
outras circunstâncias que servem para exacerbar ou diminuir a pena, ou ainda que
forneçam subsídios à sua dosagem11.
Ante o exposto, verificadas as condições para a adequação do fato ao
tipo penal, e as condutas praticadas no caso hipotético apresentado, eis que lesivas ao
ordenamento jurídico, é possível realizar a congruência entre a ação concreta e o
paradigma legal, conforme será a seguir demonstrado.
2.1.1 Do homicídio duplamente qualificado por motivo torpe, e recurso
que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima – contra Mélvia
Caio matou Mélvia, enquanto esta dormia no sofá da sala de seu
apartamento, no momento da invasão da polícia ao cativeiro.
Caio afirmara desde o início do crime que seu principal propósito era
o de matar a ex-namorada, pelo fato dela ter decidido terminar o relacionamento com
ele, o que o deixou sozinho e inconformado.
Ora, Caio matou Mélvia. Atingiu-a enquanto dormia no sofá de seu
apartamento, o que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima.
11 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1: parte geral. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 270.
22
De outro giro, demonstra-se repugnante, vil e mesquinho o propósito
de matar Mélvia pelo fato dela ter terminado o relacionamento com Caio. Tal motivo
gera intensa repulsa social, eis que diante de tal fato a sociedade demonstra-se
particularmente indignada.
Assim, Caio praticou a conduta tipificada no artigo 121, parágrafo 2º,
inciso III.
De acordo com o expresso no Código Penal12:
Matar alguém: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. § 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. § 2º - Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo fútil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; [grifo nosso]
2.1.2 Da tentativa de homicídio duplamente qualificado por motivo torpe,
e recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima – contra Tícia
Caio tentou matar Tícia, desferindo tiros contra ela enquanto dormia
no colchão da sala do apartamento, no momento da invasão da polícia ao local do
cativeiro. Caio asseverara sentir raiva de Tícia, pois acreditava que ela havia
influenciado Mélvia em sua decisão de terminar o relacionamento com ele.
Ora, Caio atirou contra Mélvia, na tentativa de ceifar sua vida. Porém,
iniciada a execução, o homicídio não se consumou por circunstâncias alheias à sua
vontade. Atingiu-a enquanto dormia em um colchão ao lado do sofá do apartamento, o
que dificultou ou tornou impossível a defesa da vítima.
12 Artigo 121, parágrafo II, inciso III, do Código Penal.
23
Não obstante, configura-se repugnante, vil e mesquinho o propósito de
tentar matar Tícia por raiva, pelo fato de acreditar que influenciou na decisão de Mélvia
em terminar o relacionamento com Caio. Tal fato causa intensa repulsa social, eis que a
sociedade demonstra-se particularmente indignada.
Ante o exposto, Caio cometeu infração repudiada pelo ordenamento
jurídico, eis que a tipicidade surge da junção do artigo 121 e do artigo 14, inciso II, do
Código Penal.
Conforme preconiza o Código Penal13:
Diz-se o crime: I - consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. [grifo nosso]
Matar alguém: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. § 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. § 2º - Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo fútil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; [grifo nosso]
13 Artigos 14, inciso II, e 121 parágrafo 2º, incisos I e III, do Código Penal.
24
2.1.3 Da tentativa de homicídio qualificado para assegurar a execução de
crimes – contra o policial
Caio atirou contra o policial do GATE que, sem comunicá-lo, apertou
a companhia do apartamento, com o objetivo de se aproximar dele e de acelerar as
negociações para a resolução do caso, sem sucesso.
Ora, Caio tentou matar o policial, a fim de que a execução do crime
em epígrafe não restasse prejudicada. Todavia, iniciada a execução, o homicídio não se
consumou por circunstâncias alheias à sua vontade.
Consoante o previsto no Código Penal14:
Matar alguém: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. § 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. § 2º - Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo fútil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. [grifo nosso]
Por agir assim, Caio praticou a conduta tipificada no artigo 121,
parágrafo 2º, inciso V, do Código Penal.
2.1.4 Do cárcere privado qualificado - contra Mélvia, Tícia, Prometeu e
Epitemeu
Caio privou Mélvia, Tícia, Prometeu e Epitemeu de sua liberdade, por
um período de tempo razoável. Assim, Caio manteve os quatro jovens encerrados em
um apartamento, sem poder de locomoção.
14 Artigo 121, parágrafo 2º, inciso V, do Código Penal.
25
Todos os jovens possuíam quinze anos de idade, sendo, portanto,
menores de dezoito anos. Ainda, Caio cerceou a liberdade de Tícia por duas vezes, eis
que após a libertação da refém, fez com ela retornasse ao cativeiro.
Caio privou a liberdade de Mélvia, Tícia, Prometeu e Epitemeu,
desapossando-os do direito de ir e vir. Não obstante, Caio cerceou a liberdade de quatro
jovens menores de idade.
Com relação à Tícia, Caio ainda a privou de sua liberdade duas vezes,
eis que depois de libertada, fez com que a jovem retornasse ao cativeiro, mantendo-a
tolhida de sua liberdade. Novamente por um considerável lapso temporal
Conforme determinado no Código Penal15:
Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. § 1º - A pena é de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos: I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos. II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital; III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias. IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; V - se o crime é praticado com fins libidinosos. [grifo nosso]
Desta forma, Caio praticou a conduta tipificada no artigo 148, do
Código Penal, contra Tícia (duas vezes) e contra Mélvia, Prometeu e Epitemeu (uma
vez em relação cada um).
15 Artigo 148, do Código Penal.
26
2.1.5 Do disparo de arma de fogo em lugar habitado
Caio efetuou quatro disparos de arma de fogo contra vizinhos,
curiosos e jornalistas que estavam nos arredores do prédio, dentro do condomínio onde
manteve os jovens reféns por um considerável período de tempo.
Neste sentido, verifica-se que Caio disparou arma de fogo por quatro
vezes, em lugar habitado.
Reza a lei 10.826/0316:
Disparo de arma de fogo: Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável. [grifo nosso]
Assim sendo, Caio incorreu na conduta tipificada no artigo 15, da Lei
10.826/03 (quatro vezes).
Diante do exposto, verifica-se que as diversas condutas praticadas por
Caio se subsumem a um respectivo tipo penal legalmente previsto.
Assim, cometidas uma ou mais infrações penais, em uma
oportunidade ou em ocasiões diversas, que, de alguma forma estejam
circunstancialmente ligadas, faz-se pertinente, diante do caso hipotético em epígrafe, a
análise acerca do instituto do concurso de crimes.
2.2 Do concurso de crimes
Diz-se concurso de crimes quando da ocorrência de dois ou mais
delitos, por meio da prática de uma ou mais ações. Assim, configurar-se-á o concurso de
16 Artigo 15, Lei 10.826/03.
27
crimes quando um indivíduo, mediante unidade ou pluralidade de fatos, praticar dois ou
mais delitos.
Nas palavras de Júlio Fabbrine Mirabete:
É possível que, em uma mesma oportunidade ou em ocasiões diversas, uma mesma pessoa cometa duas ou mais infrações penais que, e algum modo, estejam ligadas por circunstancias várias. Quando isso ocorre, estamos diante do chamado concurso de crimes (concursus delictorium), que dá origem a suas penas. Não se confunde essa hipótese com a reincidência, circunstancia agravante que ocorre quando o agente, após ter sido condenado irrecorrivelmente por um crime, vem a cometer outro delito17.
O concurso de crimes diferencia-se do concurso de agentes (concursus
delinquentium), pois este se configura quando duas ou mais pessoas praticam um crime.
Todavia, é possível que um fato apresente a ocorrência do concurso de agentes e de
concurso de crimes, como quando dois ou mais agentes, em concurso, praticarem dois
ou mais crimes.
Não obstante, o concurso de crimes não se confunde com o concurso
aparente de normas, em que há a unidade do fato, mas também se observa a existência
de diversas leis que definem o mesmo fato como sendo criminoso.
Outrossim, quando da verificação de hipótese de pluralidade de ações,
não há de se falar em conflito aparente de normas penais, eis que se trata de hipótese de
concurso de crimes18.
Desta forma, destaca-se no caso em tela a existência de um concurso
de crimes, eis que se verifica a ocorrência de cinco delitos realizados, diante da prática
de duas ou mais ações pelo agente.
17 MIRABETE, Júlio Fabbrine. Manual de direito penal: parte geral - arts. 1º ao 120 do CP. São Paulo: Atlas, 2002, p. 314. 18 JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1: parte geral. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 597.
28
Porquanto, demonstra-se mister examinar a forma de aplicação da
reprimenda diante de um concurso de crimes, cuja realização se opera por meio dos
sistemas de aplicação da pena.
2.3 Sistemas de aplicação da pena
Os sistemas de aplicação da pena referem-se à forma de gradação da
pena a ser estabelecida diante de um concurso de crimes, eis que um indivíduo que
comete diversos delitos deve ser apenado de forma mais severa do que aquele que
praticou apenas um.
Nas palavras de Julio Fabbrine Mirabete:
É possível que, em uma mesma oportunidade ou em ocasiões diversas, uma mesma pessoa cometa duas ou mais infrações penais que, de algum modo, estejam ligadas por circunstâncias várias. Quando isso ocorre, estamos diante do chamado concurso de crimes (concursus delictorum), que dá origem ao concurso de penas. Não se confunde essa hipótese coma reincidência, circunstância agravante que ocorre quando o agente, após ter condenado irrecorrivelmente por um crime, vem a cometer outro delito. São vários os sistemas teóricos preconizados pela doutrina para a aplicação da pena nas várias formas de concurso de crimes19.
Neste sentido, verifica-se a existência de cinco sistemas de aplicação
da pena20, essenciais para a forma de determinação das reprimendas.
De acordo com o sistema de unificação, soma, acumulação
material ou do cúmulo material, determina-se a soma das penas aplicadas para cada
um dos crimes (tot poena quot delicta)21.
19 MIRABETE, Júlio Fabbrine. Manual de direito penal: parte geral - arts. 1º ao 120 do CP. São Paulo: Atlas, 2002, p. 314. 20 Idem, p. 598-599. 21 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 472.
29
O sistema de unificação, da soma, acumulação material ou do cúmulo
material é utilizado pelo instituto do concurso material para a fixação da pena ao agente
que, tendo praticado mais de uma ação ou omissão, tenha cometido dois ou mais crimes.
Todavia, tal sistema também é adotado em outras hipóteses, quando
expressamente recomendada a sua utilização pela lei22. Foi adotado pelo Brasil nas
hipóteses de concurso material ou real23 e concurso formal imperfeito24.
O sistema de acumulação jurídica determina que a pena aplicável
não é será da soma das penas concorrentes, mas sim de tal rigidez que esteja em
consonância à gravidade dos crimes cometidos.
Neste sentido, faz com que exista uma pena ponderada entre as várias
previstas para os diversos crimes, com o objetivo de impedir excessos punitivos. Não é
adotado pelo Brasil.
De acordo com o sistema da absorção, a pena mais grave absorve a
menos grave. Assim, considera-se que, na hipótese de concurso de crimes pode haver a
fixação da pena com base na mais grave, restando a absorvição das demais.
O Brasil não adota expressamente o sistema da absorção. Contudo, há
casos em que a jurisprudência, no conflito aparente de normas levando em consideração
22 Como exemplo, a hipótese de coação no curso do processo, prevista pelo artigo 344 do Código Penal e a de alteração de limites, usurpação de águas e esbulho possessório, conforme prevê o artigo 161 do Código Penal. 23 Artigo 69, caput, do Código Penal. 24 Artigo 70, caput, 2ª parte, do Código Penal.
30
o critério da consunção, determina que o crime mais grave, normalmente denominando
de crime-fim, absorva o menos grave, chamado crime-meio25.
O sistema da exasperação da pena invoca a aplicação da pena mais
gravosa, aumentada de um determinado percentual. Foi adotado pelo Brasil nos
institutos do concurso formal26 e do crime continuado27.
Deste modo, permite que o agente, quando da prática de mais de um
delito, tenha a fixação de somente uma das penas, porém com o acréscimo de uma cota
parte que sirva para representar a punição a todos os demais crimes. Configura-se em
espécie de derrogação da regra do cúmulo material das penas28.
O sistema da responsabilidade única e da pena progressiva implica
na concorrência dos crimes, mas não em sua acumulação, devendo-se aumentar a
responsabilidade do agente na medida em que se aumenta o numero de crimes por ele
praticado.
Destarte, de acordo com o sistema da responsabilidade única e da pena
progressiva, cada novo crime realizado não é fonte de nova responsabilidade, mas uma
causa posterior que agrava a responsabilidade já configurada. Não é adotado pelo Brasil.
No caso hipotético em tela, já encontra-se verificada a hipótese de um
concurso de crimes. Igualmente, resta constatada a incidência de sistema de unificação,
25 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 410. 26 Artigo 70, do Código Penal. 27 Artigo 71, do Código Penal. 28 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, volume 1. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 517.
31
da soma, acumulação ou do cúmulo material, eis que adequada para a situação em que o
agente, mediante mais de uma ação, perpetra dois ou mais delitos.
Assim sendo, demonstra-se pertinente a verificação de qual espécie de
concurso de crimes encontra-se presente no caso hipotético em epígrafe, conforme a
seguir exposto.
2.4 Do concurso material
Configura-se o concurso material ou real de crimes em uma espécie de
concurso29. Há o concurso material quando o agente, mediante mais de uma ação ou
omissão, pratica dois ou mais crimes, sendo idênticos ou não.
Ressalta-se que todas as condutas devem estar vinculadas pela
identidade do agente que as praticou, não importando se o fato aconteceu na mesma
ocasião, ou em oportunidades diferentes.
De acordo com Guilherme de Souza Nucci:
“Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, sua punição deve se articular pela soma das penas privativas de liberdade que haja incorrrido, porque se adota o sistema de acumulação material neste contexto30”.
O concurso material pode ser classificado em concurso material
homogêneo e concurso material heterogêneo31.
29 Em contraposição as demais espécies, quais sejam, o concurso formal ou ideal, expresso no Código Penal, e o instituto do crime continuado, consoante proclama o artigo 71, ambos do Código Penal. 30 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 410. 31 Idem.
32
Diz-se concurso material homogêneo quando diz respeito a crimes
idênticos. Já o concurso material heterogêneo se configura quando não se trata de
crimes idênticos.
As penas devem ser somadas. Assim, o Juiz deve proceder à fixação
de forma se apartada à pena de cada um dos crimes, e, depois, proceder à sua soma na
própria sentença.
Uma eventual aplicação conjunta poderia provocar a violação do
princípio da individualização da pena32, constitucionalmente prestigiado, e que
determina que a reprimenda necessita ser individualizada, a fim de se evitar a
padronização das sanções penais33.
Com relação às causas especiais de aumento de pena, se autoriza a sua
incidência sobre cada um dos crimes, desses fatores de majoração da sanção penal, sem
que isso caracterize sua dupla incidência de majoração da sanção penal.
No concurso material ou real é possível a hipótese de pena privativa
de liberdade somada com restritivas de direitos, caso tenha sido concedida a suspensão
condicional da penal privativa de liberdade. Ainda, se compatíveis, a pena restritiva de
direitos junto à outra pena restritiva diversa devem ser executadas simultaneamente, ou,
ainda, uma após a outra34.
32 Artigo 5º, inciso XLVI, 1ª parte, da Constituição Federal. 33 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, volume 1. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 518. 34 Idem.
33
No que se refere à competência do Juiz para a aplicação da regra do
concurso material, se houver conexão entre os crimes com a respectiva unidade
processual, há de se realizar a aplicação pelo próprio Juiz sentenciante.
Se não houver conexão entre os diversos delitos, que são objetos de
diversas ações penais, a regra do concurso material será aplicada pelo Juiz da execução
penal, haja vista que, com o trânsito em julgado, todas as condenações são reunidas na
mesma execução, momento em que há soma das penas.
No que tange ao prazo prescricional no concurso material, para cada
uma das infrações penais deve este ser contado separadamente, consoante proclama o
expresso no artigo 119 do Código Penal35.
Diante da análise do caso em tela, depreende-se tratar-se de hipótese
de concurso material ou real de crimes, tendo em vista a realização de mais de uma ação
pelo agente, conforme a apresentação das condutas anteriormente tipificadas.
Assim, tendo sido praticada a infração penal pelo agente, deve-se
proceder à apuração e os esclarecimentos acerca dos fatos e de todas as circunstâncias a
ele relacionadas.
Para tanto, como regra, a lei confere a atribuição investigatória a
autoridades administrativas (havendo, ainda, a possibilidade de se realizar por atuação
particular, desde que por meio da realização atividades lícitas), acerca da efetiva
existência de crimes e de sua respectiva autoria, conforme será a seguir demonstrado.
35 Determina o artigo 119, do Código Penal: “no caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente”.
34
3 DOS ASPECTOS PROCEDIMENTAIS E PROCESSUAIS
3.1 Do expediente policial
O inquérito policial configura-se em um expediente administrativo,
pré-processual, cautelar, provisório, sigiloso, indisponível, dispensável e inquisitivo,
destinando a recolher indícios de autoria e provas de materialidade do crime,
caracterizando-se por sua discricionariedade e pela ausência de contraditório.
Outrossim, é por meio do inquérito policial que são fornecidos os
subsídios mínimos ao titular da ação penal para que se possa demonstrar a existência de
um delito e os de indícios de sua autoria.
Conforme preceitua Eugênio Pacelli de Oliveira:
Como regra é a iniciativa (legitimação ativa) da ação penal a cargo do Estado, também a fase pré-processual da persecução penal, nos crimes comuns, é atribuída a órgãos estatais, competindo às autoridades administrativas, excepcionalmente, quando expressamente autorizadas por lei e no exercício de suas funções, e à Polícia Judiciária, como regra, o esclarecimento das infrações penais. O inquérito policial, atividade específica da polícia denominada judiciária, isto é, a Polícia Civil, no âmbito da Justiça Estadual, e a Polícia Federal, no caso da Justiça Federal, tem por objetivo a apuração das infrações penais e de sua autoria (art. 4º. CPP)36.
O inquérito policial poderá ser iniciado de ofício, ou mediante
requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou, ainda, por meio de
requerimento do ofendido ou de se representante legal, conforme determinação legal37.
Todavia, é certo de seu início dependerá da espécie de ação penal a
que se subordina o delito38. No caso em tela, há de se verificar tratar-se de ação penal
36 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 9. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumens Juris, 2008, p. 39. 37 Artigo 5º, do Código de Processo Penal. 38 Em contraposição à Ação Penal Pública Incondicionada, tem-se à Ação Pública Condicionada à requisição do Ministro da Justiça e a Ação Penal Privada mediante o requerimento da vítima ou de seu representante legal. Por outro lado, tratando-se de agente com prerrogativa de função, atual jurisprudência
35
pública incondicionada39, em que a autoridade policial não dependerá de nenhuma
providência da vítima ou de outrem, devendo proceder à instauração do inquérito,
conforme a seguir exposto.
São peças iniciais do inquérito policial a portaria40 da autoridade
policial, o auto de prisão em flagrante ou os requerimentos e requisições para
instauração do inquérito.
Destaca-se que, tratando-se de hipótese de flagrante delito, conforme
se observa no caso apresentado, eis que o acusado fora preso em flagrante, a peça inicial
será o respectivo auto, que substituirá a portaria da autoridade policial.
Não obstante, o inquérito policial decorre de uma notícia criminis, que
se configura no conhecimento da autoridade policial, espontâneo, conforme o caso
hipotético em epígrafe, ou provocado, quando transmitida por algum meio formal de
comunicação, do fato delituoso. É possível que se instaure o inquérito policial sem a
autoria do delito, sendo necessários apenas indícios de um fato criminoso.
Na fase do inquérito policial o acusado, suposto infrator da prática do
ilícito penal, é denominado de indiciado. O indiciamento é ato privativo da autoridade
policial, e pressupõe indícios razoáveis de autoria, sob pena de constrangimento ilegal41.
do Supremo Tribunal Federal denota que a autoridade policial não pode indiciá-lo sem prévia autorização do Ministro-Relator do respectivo inquérito. 39 A Ação Penal Pública Incondicionada será particularmente examinada no presente trabalho em tópico próprio. 40 Trata-se de peça singela na qual a autoridade policial descreve o fato delituoso, esclarece as circunstâncias conhecidas, determina as primeiras diligências a serem realizadas e procede à classificação do delito. 41 ALVES, Reinaldo Rossano. Direito processual penal. 1. ed. Brasília: Fortium Editora, 2008, p. 29.
36
Após o indiciamento, a autoridade policial deve ouvir o indiciado,
com observância, no que for aplicável, das disposições concernentes ao interrogatório
do acusado. Com efeito, o respectivo termo deve ser assinado por duas testemunhas42
que lhe tenham ouvido a leitura, sob pena de nulidade do ato devendo a prisão, caso
exista, ser imediatamente relaxada pela autoridade policial43.
De forma diversa da qual ocorre na fase processual, não se faz
necessária a presença de defensor, o qual, no caso queira o indiciado, poderá
acompanhá-lo e orientá-lo, não podendo aquele, todavia, influir nas perguntas.
O indiciado, por sua vez, é sujeito de direitos e possuidor de
garantias, como o de permanecer calado, sem que o silêncio seja interpretado em seu
desfavor.
No caso em tela, em que um dos tipos examinados refere-se ao
homicídio doloso, deve o indiciado submeter-se à identificação criminal, ainda que seja
civilmente identificado, conforme determinação legal44.
Além da identificação criminal, outras providências devem ser
realizadas pela autoridade policial. Nas palavras de Reinaldo Rossano:
Além do indiciamento, da oitiva e da identificação criminal do indiciado, deve a autoridade policial cumprir as providências previstas no artigo 6º do CPP, quais sejam: visitar o local do crime para resguardar as provas, apreender os objetos relacionados ao fato delituoso, colher provas (inclusive testemunhais), ouvir o ofendido, realizar conhecimentos e acareações, determinar a realização de exames e perícias, apurar os antecedentes e a vida pregressa do indiciado, e realizar reprodução simulada do crime, se não ofender a moral. A propósito, é pacífico que o indiciado não está obrigado a participar da reprodução simulada do crime, em face do privilégio contra a
42 Denominadas de testemunhas instrumentárias, não precisam estar presentes na oitiva em si, mas apenas no ato da leitura do termo de declaração do acusado. 43 ALVES, Reinaldo Rossano. Direito processual penal. 1. ed. Brasília: Fortium Editora, 2008, p. 29. 44 Artigo 3º, inciso II, da Lei 10.054/00.
37
auto-incriminação. Poderá, entretanto, ser compelido a comparecer ao ato [...] para invocar o seu direito de não produzir provas contra si45.
O inquérito policial tem prazo determinado para a conclusão das
investigações, devendo encerrar-se, como regra, em dez dias, quando o indiciado estiver
preso, por força de flagrante – como no caso hipotético em epígrafe, de prisão
preventiva ou temporária, contados da data da prisão ou do término do prazo da prisão
temporária. Neste caso, o prazo é improrrogável.
Diferentemente do crime em discussão, quando tratar-se de hipótese
de indiciado solto, o inquérito policial deve ser encerrado em 30 dias, quando o
indiciado estiver solto, contados da expedição da portaria pela autoridade policial ou da
requisição do Ministério Público, ou do requerimento da vítima. No crime em tela, o
prazo poderá ser prorrogado quantas vezes se fizerem necessárias, devendo a
prorrogação ser requerida ao Juiz, depois de ouvido o Ministério Público46.
Tendo em vista o caso hipotético apresentado tratar-se crimes sujeitos
à ação penal pública incondicionada, deve o inquérito policial, após devidamente
concluído, ser remetido ao Juiz competente que, por sua vez, dará vista, imediatamente
dos autos ao Ministério Público.
Assim, recebidos os autos, o Promotor de Justiça poderá tomar uma
das três ações: requerer o arquivamento dos autos, requisitar novas diligências ou
oferecer denúncia contra o agente.
Com efeito, afastadas as duas primeiras hipóteses no crime em
discussão, deve ser a denúncia oferecida pelo membro do Ministério Público contra o
45 ALVES, Reinaldo Rossano. Direito processual penal. 1. ed. Brasília: Fortium Editora, 2008, p. 33. 46 Idem.
38
agente. Caso seja recebida, dar-se-á início à ação penal pública incondicionada,
conforme será a seguir demonstrado.
3.2 Da ação penal
A ação penal é o direito do Estado-acusação ou da vítima de ingressar
em juízo, requerendo a prestação jurisdicional das normas de direito penal no caso
concreto. Tendo em vista a existência de uma infração penal precedente, é por meio de
uma ação penal que o Estado ou a vítima alcança a realização de sua pretensão, qual
seja, de proceder à punição do infrator47.
Nas palavras de Luiz Regis Prado:
A ação penal é o momento da persecução do crime no qual se concretiza a acusação contra seu autor. Através dela, instaura-se o processo penal, vale dizer, a instrução judicial contraditória, e invoca-se a aplicação da pena, se verificada a procedência da acusação em face da verdade real. A transgressão da norma penal dá lugar ao nascimento da lide penal: de um lado a pretensão punitiva estatal e de outro a resistência do acusado. Para solucioná-la exsurgem o processo penal e, no seu bojo, a ação penal, que é exatamente o direito público subjetivo a uma decisão jurisdicional sobre a referida lide ou conflito de interesses.48
As ações penais podem ser classificadas como ações de
conhecimento, cautelares e executórias. As ações penais de conhecimento dizem
respeito ao mérito do processo, enquanto as ações penais cautelares tratam de incidentes
processuais que ocorrem ao mesmo tempo da ação penal de conhecimento, podendo, de
alguma maneira, influenciá-la. Já as ações executórias tratam da execução da pena
prolatada pelo Juiz após o término da ação de conhecimento49.
47 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 114. 48 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 751-752. 49 TUBINO, Cristina Alves. Direito Penal e processual penal. 3. ed. Brasília: Fortium Editora, 2007, p. 13.
39
Outra classificação apresentada com relação à ação penal, diz respeito
à sua pretensão ou ao seu conteúdo, perfazendo-se em ações penais condenatórias50,
declaratórias51 e constitutivas52.
Contudo, a classificação da ação penal mais conhecida diz respeito ao
titular da ação penal para seu início e desenvolvimento. A ação penal pode ser
classificada em a ação penal pública e ação penal privada.
Em quaisquer das hipóteses, será o Estado responsável efetivo pelo
julgamento da lide penal, por meio de um órgão imparcial, ou seja, o Juiz (Estado-
Juiz).53
A ação penal privada, modalidade de ação penal movida por
particular, cuja peça inicial configura-se na queixa-crime, subdivide-se em ação penal
propriamente dita ou exclusiva, em ação penal privada personalíssima e em ação
penal privada subsidiária da pública ou supletiva.
A ação penal propriamente dita ou exclusiva poderá ser proposta
pela vítima, pelo ofendido, por seu representante legal e por seus sucessores. Havendo
falecimento da vítima, se obedece ao disposto Código de Processo Penal. Seu prazo
para propositura é de seis meses a contar da data em que a vítima tomou conhecimento
de quem seja o autor do fato, salvo disposição em contrário, nos termos da lei.
50 Visam uma sentença de condenação do réu. Tais ações tendem a uma sentença em que, além da declaração quanto à existência de uma relação jurídica, contém a aplicação da regra sancionadora. 51 Objetivam a declaração quanto a uma relação jurídica, e a ação visa desfazer, tornando certo aquilo que é incerto, desfazer a dúvida em que se encontram as partes quanto à relação jurídica. 52 Propõe à verificação e declaração da existência das condições, segundo as quais a lei permite a modificação de uma relação ou situação jurídica e, em conseqüência dessa declaração, a criação, modificação ou extinção de uma situação jurídica. 53 A competência para julgamento do caso hipotético em epígrafe será objeto de exame em ponto específico no presente trabalho.
40
Com relação à ação penal privada personalíssima, esta somente
poderá ser iniciada pela vítima ou pelo ofendido, tendo em vista tratar-se de interesses
altamente pessoais. O direito de proposição não se estende aos herdeiros, não se
admitindo, assim, o instituto da sucessão processual.
Já no que se refere à ação penal privada subsidiária da pública ou
supletiva, esta será promovida por meio da apresentação de queixa-crime, em demanda
que inicialmente seria de natureza pública, como no caso de inércia do Ministério
Público em iniciá-la. Com efeito, o Ministério Público deve acompanhar todos os atos a
serem praticados, e, caso o particular deixe de realizar algum ato processual, deve o
Ministério Público reassumir a titularidade da demanda.
A ação penal pública, por sua vez, é subdividida em ação penal
pública condicionada à representação ou à requisição do Ministro da Justiça e em
ação penal pública incondicionada.
Já a ação penal pública condicionada à representação ou à
requisição do Ministro da Justiça ocorre quando sua propositura depende da
manifestação de vontade do ofendido, da vítima ou de seu representante legal, por meio
do termo de representação. Pode ocorrer em situações específicas, como por exemplo,
em crimes perpetrados contra o Presidente da República, por meio de requisição do
Ministro da Justiça.
Não obstante, o início e a forma de como se desenvolverá a
persecução penal dependerá da espécie da ação penal a que se subordina o respectivo
delito.
41
Caso seja a ação pública condicionada, a ação do Estado irá depender
de representação do ofendido ou da requisição do Ministro da Justiça. De outro giro,
tratando-se de ação penal privada, a persecução penal só poderá ser iniciada mediante
iniciativa da vítima.
De acordo com Luiz Regis Prado:
A ação penal será pública, portanto, quando for o Ministério Público seu titular. No nosso ordenamento jurídico, porém, não impera de modo absoluto o caráter publicístico da ação penal. Há casos em que o Estado considera outros interesses que não estritamente o público, mormente em se tratando de delitos que afetem profundamente a esfera íntima do indivíduo, de modo que somente a vítima competirá decidir sobre a conveniência de se incitar a atividade persecutória. Isso porque a propositura da ação penal poderá gerar gravame maior à intimidade pessoal do ofendido do que a própria impunidade do infrator, e, perante o conflito entre o interesse público e o particular, prefere o Estado deixar o arbítrio individual a sua punição. Nessas hipóteses, tem-se que a ação penal será privada. O Estado, embora continue como detentor exclusivo do jus
puniendi, concede excepcionalmente à vítima do delito, ou ao seu representante legal, a titularidade da ação penal. Para a determinação da espécie da ação penal a que está submetida determinada infração, dispõe a lei que a regra geral será a publicidade da ação, só afastada quando houver expressa referência à modalidade da ação cabível. A ação penal é pública. Só excepcionalmente será privada, quando a lei declarar como tal. Destarte, no caso dos crimes, cuja a punição dependa da iniciativa do ofendido, dispõe o próprio texto legal que “somente se procede mediante queixa”. Já nos casos de ser a ação penal pública, não há menção na lei quanto à necessidade de que seja intentada exclusivamente pelo Ministério Público. Apenas em se tratando de ação penal pública incondicionada, dispõe a lei que “somente se procede mediante representação”, ou que “procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça54”. [grifo nosso]
3.2.1 Da ação penal pública incondicionada
A ação penal pública incondicionada configura-se pela relevância
do bem jurídico ofendido e de seus reflexos no mundo. Preenchidos os requisitos legais,
deverá ser feita sua propositura.
54 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 472.
42
Destarte, de modo geral, tratando-se de ação penal pública
incondicionada, o Estado não irá depender de qualquer providência do ofendido para
promover a persecução criminal.
O Ministério Público é o titular dessa ação penal, e independe da
vontade de terceiros ou da vítima para o seu exercício.
Com efeito, todos os crimes previstos na legislação brasileira sobre os
quais o texto legal não especifique o cabimento de outro tipo de ação penal diversa
pertencem à ação penal pública incondicionada.
Trata-se da espécie mais comum no ordenamento jurídico brasileiro,
eis que mais presente nos tipos penais. Pode-se afirmar que é a regra geral, enquanto as
exceções configuram-se nas ações penais públicas condicionadas e nas ações penais
privadas55.
Consoante acima exposto, e, de acordo com o caso hipotético em
discussão, evidencia-se que a lide em tela será manejada por meio da ação penal pública
incondicionada, haja vista que a legislação brasileira não especifica nenhum tipo
específico de ação para tal, e, ainda, por não haver dependência de qualquer providência
para que se dê início à devida persecução criminal.
Assim, demonstra-se pertinente a análise da competência para o
processamento e julgamento dos crimes, em especial, levando-se em consideração a
natureza da lide em epígrafe.
55 ALVES, Reinaldo Rossano. Direito processual penal. 1. ed. Brasília: Fortium Editora, 2008, p. 64.
43
3.3 Da competência para processamento e julgamento
Competência é a delimitação da jurisdição, ou a possibilidade que
possui o Poder Judiciário de manifestar-se concretamente na aplicação do direito
objetivo em cada caso concreto, ou seja, o espaço onde cada autoridade judiciária pode
aplicar o direito aos litígios que lhe foram apresentados56.
3.3.1 Da conexão de crimes
A conexão é hipótese de modificação de competência, acarretando,
como regra, a unidade de processos, a fim de resguardar a segurança jurídica e a
economia processual, e evitando-se, sobretudo, decisões contraditórias57.
Neste sentido, conexão é o nexo, a dependência recíproca que os fatos
guardam entre si. Irá existir a conexão quando duas ou mais infrações se configurarem
de forma que deverá haver apenas um processo para que seja possível o julgador para a
verificação da situação como um todo. Neste sentido, verifica-se a ocorrência de
conexão de crimes no caso hipotético em tela.
Diferencia-se de outra forma de modificação de competência, a
continência, pois esta ocorre quando uma causa está contida na outra, não sendo
possível separá-las.
Assim, haverá continência na hipótese em que um fato criminoso
conter outros, tornando-os uma unidade indivisível. Entretanto, a conexão e a
56 NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 189. 57 A Súmula 704 do Supremo Tribunal Federal determina que “não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo penal a atração por conexão ou continência do processo do co-réu ao for por prerrogativa de função de um dos condenados”.
44
continência têm como conseqüência a unidade de processo e a prorrogação da
competência.
Existem três espécies de conexão previstas no dispositivo legal: a
conexão intersubjetiva (entre pessoas), a conexão material (lógica ou objetiva) e a
conexão probatória (testemunhal).
A conexão intersubjetiva (entre pessoas) se subdivide em conexão
intersubjetiva por simultaneidade (subjetiva objetiva ou meramente ocasional),
quando ocorrem duas ou mais infrações, praticadas ao mesmo tempo por várias pessoas
reunidas, em que não há a atuação em concurso de agentes, mas sim em conexão
intersubjetiva por simultaneidade.
A conexão intersubjetiva concursal se configura quando duas ou
mais infrações tiverem sido praticadas por várias pessoas em concurso, ao mesmo
tempo, ou em lugar e tempo diversos. Diferencia-se da conexão intersubjetiva por
simultaneidade em razão de nela haver concurso de agentes.
Não se confunde, também, com o instituto da continência, eis que
nesta há concurso de agentes para a prática de um crime, enquanto na conexão
intersubjetiva concursal existe o concurso entre os agentes, mas é praticado mais de um
delito.
A conexão intersubjetiva por reciprocidade se se dá quando ocorre
duas ou mais infrações, praticadas por várias pessoas, umas contra as outras.
45
A conexão material (lógica ou objetiva) é a que se configura
quando, no mesmo caso, houverem infrações praticadas a fim de facilitar (conexão
teleológica) ou ocultar as outras, ou, ainda, para alcançar impunidade ou vantagem
(conexão conseqüencial) em relação a qualquer delas.
A conexão probatória (ou instrumental) se realiza quando a prova
de uma infração gera influência na prova de outra.
Com efeito, conforme ressaltado anteriormente, além de verificada a
presença de conexão de crimes no caso em epígrafe, a conseqüência da presença da
conexão é que haverá a reunião de processos. Assim, o processamento e julgamento dos
crimes será manejado em apenas um só processo.
Contudo, deve-se determinar qual foro deverá correr o processo
unificado, sendo competente para tal. Assim, é preciso encontrar o foro prevalecente, no
qual serão julgadas as causas devidamente reunidas.
3.3.2 Da competência do Tribunal do Júri
A Constituição Federal de 1988 reconheceu expressamente a
instituição do Tribunal do Júri, com a organização que a lei lhe prover, assegurados a
plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência
para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, por meio de um corpo de
jurados58.
Destaca-se que a Carta Magna permite que a lei ordinária venha
eventualmente ampliar eventualmente esta competência.
58 Artigo 5º, inciso XXXVIII, da Consitutição Federal de 1988.
46
Neste sentido, e, de acordo com o Código Penal, são considerados
crimes dolosos contra a vida, o homicídio doloso, simples, privilegiado ou qualificado59,
o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio60, o infanticídio61 e o aborto provocado
pela gestante, ou com seu consentimento62 ou por terceiro63, sejam consumados ou
tentados.
Ainda, o Código de Processo Penal destaca a importância da
competência do Tribunal do Júri, eis que determina que a competência pela natureza da
infração será regulada pelas leis de organização judiciária, ressalvando-se a
competência privativa do tribunal do júri.
No caso de conexão entre crime doloso contra a vida e qualquer outra
espécie de crime, conforme se verifica no caso hipotético em tela, a regra aplicada é a
de prevalência da competência do júri.
Determina o Código de Processo Penal:
Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: I - no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri; II - no concurso de jurisdições da mesma categoria: a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave; b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade; c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos; III - no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação; IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta64. [grifo nosso]
59 Artigo 121, parágrafos 1º e 2º, do Código Penal. 60 Artigo 122, parágrafo único, do Código Penal. 61 Artigo 123, do Código Penal. 62 Artigo 124, do Código Penal. 63 Artigos 125, 126 e 127, do Código Penal. 64 Artigo 78, do Código de Processo Penal.
47
Neste sentido, havendo concurso de infrações do Tribunal do Júri e da
competência comum, prevalece a competência do sinédrio popular. Não obstante, o
Tribunal do Júri permanece competente para julgar o crime conexo mesmo tendo
absolvido o réu da imputação principal65.
Assim, no caso em tela, tratando-se de conexão de crimes, e, diante da
verificação da prática de crimes dolosos contra a vida, o processo contra o agente será
submetido a processamento e julgamento pelo corpo popular de jurados do Tribunal do
Júri, eis que se configura no órgão competente para tal, conforme as disposições
legalmente previstas.
65 ALVES, Reinaldo Rossano. Direito processual penal. 1. ed. Brasília: Fortium Editora, 2008, p. 130.
48
CONCLUSÃO
Resta plausível e de indubitável importância a análise realizada acerca
das diversas questões nos aspectos penais, procedimentais e processuais que envolvem
o crime passional hipotético apresentado. Deste modo, se procedeu a um exame
completo dos fatos relatados, abarcando-se desde sua origem até as implicações
jurídicas decorrentes dos delitos praticados.
Assim, foi demonstrada a latente modificação ocorrida na vida dos
personagens do caso em epígrafe, diante do trágico desfecho do crime passional. Como
resultado, obteu-se a morte de uma das reféns, duas tentativas de homicídio, sendo uma
contra a refém sobrevivente e outra contra um policial que participara das negociações,
além do cárcere privado contra dois rapazes.
Não obstante, observou-se a atuação policial diante do caso em tela.
Conclui-se que, perante as dificuldades para o alcance de uma resolução pacífica, do
tempo total em que perdurou o delito, e, sobretudo, do lamentável resultado obtido, não
se mostrou positiva a atuação policial, questionando-se a postura adotada pelos
responsáveis pelas negociações.
De outro giro, foram devidamente tipificadas as condutas praticadas
pelo agente, procedendo-se à adequação típica direta e indireta, conforme o tipo
específico e de acordo com a determinação legal. Assim, o agente praticou o delito
previsto no artigo 121, parágrafo 2º, inciso III, do Código Penal, qual seja, homicídio
duplamente qualificado por motivo torpe, e recurso que dificulte ou torne impossível a
defesa da vítima, contra Mélvia. Do mesmo modo, incorreu na conduta tipificada a
partir da junção do artigo 121 e do artigo 14, inciso II, ambos do Código Penal, a saber,
49
tentativa de homicídio duplamente qualificado por motivo torpe, e recurso que dificulte
ou torne impossível a defesa da vítima, contra Tícia.
Ainda, praticou a conduta descrita pelo artigo 121, parágrafo 2º, inciso
V, do Código Penal: tentativa de homicídio qualificado para assegurar a execução de
crimes, contra o policial participante das negociações. Outrossim, praticou o delito
previsto artigo 148, do Código Penal, contra Tícia (duas vezes) e contra Mélvia,
Prometeu e Epitemeu (uma vez cada), ou seja, cárcere privado qualificado contra
Mélvia, Tícia, Prometeu e Epitemeu. Por fim, o agente incorreu na conduta tipificada no
artigo 15, da Lei 10.826/03 (quatro vezes), qual seja, disparo de arma de fogo em lugar
habitado.
Reconhecida, também a hipótese de concurso crises, mais
especificamente de concurso material ou real de crimes, eis que o agente, mediante mais
de uma ação, praticou mais de dois crimes, tais como anteriormente indicados. Neste
sentido, também restou demonstrada adequada a utilização do sistema de unificação, da
soma, acumulação material ou do cúmulo material no crime em discussão, para a
fixação da pena ao agente.
Por fim, foram apresentados os aspectos procedimentais e processuais,
com detalhes acerca dos procedimentos na fase pré-processual, por ocasião do inquérito
policial. Ainda, averiguadas as espécies de ação penal existentes, restou apropriada a
ação penal pública incondicionada. Do mesmo modo, verificada a hipótese de conexão
de crimes, foi constatada a competência do Tribunal do Júri para processamento e
julgamento dos crimes praticados no caso hipotético apresentado.
50
REFERÊNCIAS
ALVES, Reinaldo Rossano. Direito processual penal. 1. ed. Brasília: Fortium Editora, 2008. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, volume 1. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. Código Penal Brasileiro. Código de Processo Penal Brasileiro. Constituição da República Federativa do Brasil. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS: Disponível em: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php >. Acesso em 12 nov 08. GRECCO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2007. _____. Curso de direito penal: parte especial. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2007. JARDIM, Afrânio Silva. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. JESUS, Damásio E. de, Direito Penal, volume 1: parte geral. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. Lei 10.054, de 07 dez de 2000. Dispõe sobre a identificação criminal e dá outras providências. DOU de 08.12.2000.
Lei 11.689, de 09 de jun de 2008. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 03 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos ao Tribunal do Júri, e dá outras providências. DOU de 10.06.2008.
Lei 11.690, de 10 de jun de 2008. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prova, e dá outras providências. DOU de 10.06.2008. Lei 11.719, de 20 de jun de 2000. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos. DOU de 23.06.2008. MIRABETE, Júlio Fabbrine. Manual de direito penal: parte geral - arts. 1º ao 120 do CP. São Paulo: Atlas, 2002. _____. Código de processo penal interpretado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
51
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