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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
PRISCILA MARLENE DUARTE
POBREZA E CRIMINALIDADE NO BRASIL:
Uma análise sócio-jurídica
Itajaí
2008
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PRISCILA MARLENE DUARTE
POBREZA E CRIMINALIDADE NO BRASIL:
Uma análise sócio-jurídica
Monografia apresentada como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Direito, na
Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências
Jurídicas, Políticas e Sociais, Campus de Itajaí
Orientador: Prof. Dr. Jonas Modesto de Abreu
Itajaí
2008
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PRISCILA MARLENE DUARTE
POBREZA E CRIMINALIDADE NO BRASIL:
Uma análise sócio-jurídica
Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Direito e
aprovada pelo Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, Campus de Itajaí
Área de Concentração/Linha de Pesquisa: Teoria do Direito/Criminologia
Itajaí, 25 de junho de 2008.
Prof. Dr. Jonas Modesto de Abreu
Orientador
Prof. MSc. Antônio Augusto Lapa
Coordenação da Monografia
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DEDICATÓRIA
Para Raul e Marlene, exemplos de dignidade e amor. E para todos
aqueles que acreditam que é possível fazer algo.
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AGRADECIMENTOS
A Deus, fonte suprema de todo saber e do maior amor do mundo.
Aos meus pais, Raul e Marlene, pelo amor incondicional e por serem a fonte da minha alegria.
“In memorian” dos meus avós, Manoel e Adelaide, exemplos de vida.
Para minha avó, Cacilda, pelo exemplo de garra.
A minha irmã, Deise, por ser a melhor pessoa do mundo.
Ao meu primo Israel, pela amizade e companherismo.
As minhas primas, Graciela e Gleice, pelo carinho, pela alegria e por me fazer acreditar em
mim mesma.
Ao amigo, Carlos José Ferreira Martins, pelo apoio e presteza com quem me ajudou.
Ao amigo, Michael Quincio Pinto, pelo incentivo.
Ao orientador, Professor Jonas Modesto de Abreu, norte seguro na orientação deste trabalho.
Aos professores do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí do Campus de Tijucas,
que muito contribuíram para a minha formação jurídica.
Aos colegas de classe, pelos momentos que passamos juntos e pelas experiências trocadas.
A todos que, direita ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa.
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Que País é Este
Nas favelas, no senado
Sujeira pra todo lado
Ninguém respeita a constituição
Mas todos acreditam no futuro da nação
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
No amazonas, no araguaia iá, iá,
Na baixada fluminense
Mato grosso, minas gerais e no
Nordeste tudo em paz
Na morte o meu descanso, mas o
Sangue anda solto
Manchando os papéis e documentos fiéis
Ao descanso do patrão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Terceiro mundo, se for
Piada no exterior
Mas o brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
Quando vendermos todas as almas
Dos nossos índios num leilão
Que país é esse?
Que país é esse?
Que país é esse?
Legião Urbana - Composição: Renato Russo
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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca
do mesmo.
Itajaí, 25 de junho de 2008.
Priscila Marlene Duarte
Graduanda
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RESUMO
O objetivo deste trabalho monográfico é analisar os fatores sociais envolvidos no surgimento e na consolidação da violência e da criminalidade no Brasil. Na virada do século XIX para o XX houve uma significativa mudança na maneira de conceber a pobreza e seus sujeitos em nosso país. Neste período houve uma perseguição sistemática aos cortiços: moradia dos pobres que viviam em precárias condições de vida nos grandes centros urbanos. A estratégia adotada pelas elites foi a de marginalizar e criminalizar a população residente nos cortiços, na sua maioria ex-escravos, para poder expulsá-los da região central das cidades. Deste processo surgiram os subúrbios e as favelas brasileiras. Desde então, estabeleceu-se no Brasil, uma estreita ligação entre a pobreza e a criminalidade, na qual os habitantes dos territórios pobres passam a ser classificados como diferentes, carentes, incapazes e potencialmente perigosos. A tipificação psicológica do crime acaba fazendo parte de um sistema seletivo e discriminatório: o integrante do perfil da violência e da criminalidade é pobre. Deste modo, a pobreza torna-se uma forma de violência e de exclusão social. Os pobres estão em situação social que os torna vítimas preferenciais da marginalização. Isso é prejudicial para a consolidação de um modelo Democrático de Estado e de Sociedade.
Palavras-chave:
Pobreza Criminalidade Exclusão social
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SUMMARY
The main goal of this monographic work is to analyze the social events related with the
uprising, and within the strengthening of the violence and criminality in Brazil. About century
XIX to XX there was a huge change in the way to face the poverty in our land. In this period
there was a systematic oppression to the slums houses: place that very poor people live in a
precarious way of life in the middle of the urban center. The adopted strategy of the high
society people was mainly to criminalize the population lived in the slum, most of them were
ex-slaves, in order to banish them far from the central part of these rich cities. Then was born
the first Brazilian slums and confines. Since that time, exists a thin line between poverty and
criminality, fact that classified them as different, needy, inapt, unfit and potentially dangerous.
The psychological symbolism of the crime turns out in a selective and discriminative system:
highly the profile of the violence is the poor. Therefore, it brings up the social exclusion .
Poor people are in a social situation that unfortunately pushes them to the lowest edges of the
society. It is harmful for the consolidation of a Democratic Standard of State and Society.
Key-words:
Poverty Criminality Social exclusion
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CP – Código Penal
P. página
Etc – e as demais coisas
UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí
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LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS
Norma: regra social informal.
Lei: regra social formal.
Iluminismo: movimento político e filosófico
Criminologia: ciência empírica, pois utiliza o método indutivo, empírico, baseado
na análise da realidade.
Escola Clássica: referência histórica do iluminismo.
Escola Positiva: defendia a tese que o delito é produzido por causas biológicas,
físicas e sociais.
Antropologia criminal: representada pelo médico italiano César Lombroso,
defendia naturalísticas para a prática do crime.
Darwinismo social: Corrente filosófica inspirada na teoria da evolução das
espécies do biólogo Darwin, que influenciou o mundo das ciências na segunda metade do
século XIX.
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SUMÁRIO
RESUMO ........................................................................................................................ VIII
ABSTRACT ............................................................ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS..........................................................................X
LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS .......................... XI
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 1
2 O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DAS IDÉIAS PENAIS....................................4
2.1 O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO DAS IDÉIAS PENAIS ........................................ 4 2.1.1 Tempos Primitivos ........................................................................................................ 4 2.1.2 A vingança divina ......................................................................................................... 5 2.1.3 A vingança privada. ...................................................................................................... 5 2.1.4 A vingança pública........................................................................................................ 6 2.1.5 A pena vingativa nas famílias jurídicas. ........................................................................ 7 2.1.6 O iluminismo................................................................................................................. 8 2.1.7 Período humanitário. .................................................................................................... 8 2.2 O SURGIMENTO DA CRIMINOLOGIA. ......................................................................... 9 2.2.1 Empirismo e Interdisciplinariedade............................................................................. 10 2.3 OS PRINCÍPIOS DAS ESCOLAS DE CRIMINOLOGIA................................................. 11 2.3.1 Escola Clássica........................................................................................................... 11 2.3.2 Escola Positiva ........................................................................................................... 13 2.3.3 Terceira Escola Ou Escola Mista................................................................................ 18 2.3.4 A Política Criminal de Von Liszt ................................................................................. 18
3 POBREZA E CRIMINALIDADE NO BRASIL ............................................................20
3.1 MODERNIDADE JURÍDICA E PERFIL DA CRIMINALIDADE NO BRASIL .......... 20 3.1.1 O Código Penal brasileiro e a modernidade jurídica .................................................... 20 3.1.2 O cenário social da República e a criminologia no Brasil ........................................... 22 3.1.3 Escravidão, Pobreza e Criminalidade no Brasil Republicano...................................... 24 3.1.4 O Discurso Higienista e o cortiço ............................................................................... 25 3.1.5 O temor das “classes perigosas” ................................................................................ 27 3.2 A OPOSIÇÃO IDEOLÓGICA ENTRE TRABALHADORES E VADIO ...................... 29
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3.2.1 Pobreza, Criminalidade e Subemprego ........................................................................ 31 3.3 OPOSIÇÃO ENTRE TRABALHADORES POBRES E BANDIDOS............................ 34
4 CRIMINALIDADE E POBREZA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO.......................37
4.1 A Pobreza na Concepção do Estado Liberal Clássico ..................................................... 37 4.2 O respeito e a tolerância como fundamentos do Estado Democrático de Direito............ 41 4.3 A Pobreza e o Preconceito como formas de violência..................................................... 43 4.4 As Minorias Sociais e o Preconceito no Brasil Contemporâneo ..................................... 47 4.5 O Princípio da Igualdade no Brasil Contemporâneo...................................................... 48 4.6 As Ações Afirmativas como Mecanismos de Inclusão e de Democracia......................... 51
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................54
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................56
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13
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objeto o estudo dos fatores sociais envolvidos no
surgimento e na consolidação da violência e da criminalidade no Brasil.
A importância do estudo deste tema reside no fato de existir no Brasil contemporâneo
uma estreita ligação entre a pobreza e a criminalidade. De modo geral, os habitantes dos
territórios pobres passam a ser classificados como diferentes, carentes, incapazes e
potencialmente perigosos. A pobreza tornou-se uma forma de violência e de exclusão social,
pois os pobres são as vítimas preferenciais da marginalização e, isso, é prejudicial para a
consolidação da democracia social.
Ressalte-se que, além de ser requisito imprescindível à conclusão do curso de Direito
na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, o presente relatório monográfico também vem
colaborar para o conhecimento de um tema que, apesar de não poder ser tratado como
novidade no campo jurídico, na dimensão social-prática ainda pode ser tratado como elemento
novo e repleto de nuances a serem destacadas pelos intérpretes jurídicos.
O presente tema, na atualidade, encontra-se muito debatido, pois ainda são enormes os
problemas sociais e de violência no Brasil.
A escolha do tema é fruto do interesse pessoal do pesquisador em analisar os
problemas sociais e criminais no Brasil, assim como para instigar novas contribuições para
estes problemas na compreensão dos fenômenos jurídicos-políticos, especialmente no âmbito
de atuação da Teoria do Direito.
Em vista do parâmetro delineado, constitui-se como objetivo geral deste trabalho a
defesa da tese de que a pobreza tornou-se, no Brasil, uma nova forma de violência e de
exclusão social.
O objetivo institucional da presente Monografia é a obtenção do Título de Bacharel
em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Jurídicas, Políticas e
Sociais, Campus de Itajaí.
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Como objetivo específico, pretende-se comprovar que a criminalidade no Brasil possui
perfil definido e tem lugar de moradia: as periferias e as favelas são concebidas como o
espaço geográfico da marginalidade e do crime e, seus habitantes, principalmente os negros,
formam o estereótipo social do delinqüente e do criminoso.
A análise do objeto do presente estudo incidirá sobre as diretrizes teóricas propostas
pelas obras de LÍCIA DO PRADO VALLADARES e MARCOS CÉSAR ALVAREZ que
existe uma estreita relação histórica que une a pobreza à criminalidade no processo de
desenvolvimento político, jurídico e social do Brasil. Estes marcos teóricos que nortearão a
reflexão a ser realizada sobre o tema escolhido, servirão de auxílio para se demonstrar que
desde que as informações sobre a obra “O homem delinqüente” de CÉSAR LOMBROSO
chegaram ao Brasil na virada para o século XX, começou a se construir a imagem,
preconceituosa, do suspeito criminal em nosso país.
Para o desenvolvimento da presente pesquisa foram formulados os seguintes
questionamentos:
a) Existiu interesse das elites nacionais em associar a pobreza à criminalidade no
processo de desenvolvimento político, jurídico e social do Brasil moderno?
b) Há no Brasil contemporâneo um ESTEREÓTIPO geográfico e social da violência e
da criminalidade?
Já as hipóteses consideradas foram as seguintes:
a) Houve no Brasil da Era da modernidade política e jurídica (REPÚBLICA) forte
interesse das elites nacionais de associar a pobreza à criminalidade;
b) Produto da eficácia destes interesses, há hoje, no Brasil contemporâneo, uma clara
definição (ESTEREÓTIPOS) geográfica e social da violência e da criminalidade de nosso
país.
O relatório final da pesquisa foi estruturado em três capítulos, podendo-se, inclusive,
delineá-los como três molduras distintas, mas conexas: a primeira, atinente ao
desenvolvimento históricos das idéias penais e do surgimento da criminologia; a segunda trata
da ligação entre a pobreza e a criminalidade no Brasil; e, por último, trata a pobreza como
forma de violência.
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Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na fase de investigação foi utilizado
o método dedutivo, e, o relatório dos resultados expresso na presente monografia é composto
na base lógica dedutiva1, já que se parte de uma formulação geral do problema, buscando-se
posições científicas que os sustentem ou neguem, para que, ao final, seja apontada a
prevalência, ou não, das hipóteses elencadas.
Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as técnicas do referente, da categoria,
do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica2.
É conveniente ressaltar, enfim, que, seguindo as diretrizes metodológicas do Curso de
Direito da Universidade do Vale do Itajaí, as categorias fundamentais, são grafadas, sempre,
com a letra inicial maiúscula e seus conceitos operacionais apresentados em Lista de
Categorias e seus Conceitos Operacionais, ao início do trabalho.
Os acordos semânticos que procuram resguardar a linha lógica do relatório da
pesquisa e respectivas categorias, por opção metodológica, estão apresentados na Lista de
Categorias e seus Conceitos Operacionais, conforme sugestão apresentada por CESAR LUIZ
PASOLD, muito embora algumas delas tenham seus conceitos mais aprofundados no corpo
da pesquisa.
Ressalte-se que a estrutura metodológica e as técnicas aplicadas neste relatório estão
em conformidade com as propostas apresentadas no Caderno de Ensino: formação
continuada. Ano 2, número 4, assim como nas obras de Cezar Luiz Pasold, Prática da
pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis ao pesquisador do Direito e Valdir Francisco
Colzani, Guia para redação do trabalho científico.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais
são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos
estudos e das reflexões sobre a pobreza e a criminalidade no Brasil.
1 Sobre os “Métodos” e “Técnicas” nas diversas fases da pesquisa científica, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 99-125. 2 Quanto às “Técnicas” mencionadas, vide PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do Direito, p. 61-71, 31- 41, 45- 58, e 99-125, nesta ordem.
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Com este itinerário, espera-se alcançar o intuito que ensejou a preferência por este
estudo: analisar se há raízes históricas que unem a criminalidade à pobreza no Brasil.
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2 O DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DAS IDÉIAS PENAIS
2.1 O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO DAS IDÉIAS PENAIS
2.1.1 Tempos Primitivos
De acordo com ABREU3, historicamente, o exercício da autoridade nem sempre
esteve ligado às relações institucionais, ou melhor, às relações formais de poder que
caracterizam o Estado-jurídico moderno. Por isso, como ponto de partida, podemos dizer que
toda sociedade conheceu a autoridade informal (norma), porém, nem toda sociedade conheceu
o poder jurídico estatal (lei) 4.
A relação de autoridade que caracteriza as primeiras sociedades humanas, àquelas
temporalmente muito remotas, é sempre informal. Sabemos que os primeiros seres humanos
construíram suas relações de autoridade no contexto de um processo social que envolvia a
especulação sobre a sua vida sempre associada às diversas manifestações da natureza.
Provavelmente, há cerca de três milhões de anos atrás, os primeiros seres humanos,
vivendo em grupos para se protegerem de ataques de animais ferozes e de fatos naturais como
o frio e o vento, num dia de temporal, marcado por céu escuro, trovões e raios, observaram
um imenso paquiderme pré-histórico sendo atingido por um raio e, instantaneamente, caindo
morto. Pensando na relação que os ligava à natureza concluíram que o céu era habitado e que
seu habitante era um ser extremamente poderoso. Instantes depois observam que sinais de luz
azuis semelhantes àquele que provocou a morte imediata do paquiderme desciam do céu em
direção à terra ao mesmo tempo e em pontos significativamente distantes. Concluem que não
há apenas um habitante poderoso no céu, mas sim, vários: nasce a religiosidade politeísta.
3ABREU, Jonas Modesto de Abreu. Ciência Política. São Paulo: EDUCON, 2007. 4Norma: regra social informal; Lei: regra social formal.
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A religiosidade politeísta talvez tenha sido o primeiro mecanismo utilizado pelo ser
humano para tentar compreender e interpretar sua relação com a natureza. Também foi,
originariamente, o mais eficaz instrumento para exercer autoridade de liderança.
Segundo Julio Fabbrini MIRABETE5,
[...] constata-se que entre eles a justiça penal não tem senão uma forma embrionária, a qual, porém, sendo a expressão natural desse instinto de conservação individual e coletiva, porque cada ser vivo reage contra toda ação que ameaça ou põe em perigo as condições de existência, demonstra a origem natural, espontânea e inevitável da justiça penal, que assumirá depois, na sucessiva evolução social, formas bem mais complexas e moralmente mais elevadas.
Como um instinto natural, o ser humano quando sofre uma ofensa reage para
promover a sua defesa.
Com base neste tipo de reação constata-se historicamente o período das vinganças
defensivas, subdividido em três fases: vingança privada, vingança divina e vingança pública.
2.1.2 A vingança divina
Esta é a fase em que se começa a estabelecer as condutas passíveis de sanções ou
castigos. É importante destacar que nesta fase do desenvolvimento civilizatório da
humanidade a parte ofendida pelas ações delituosas são sempre as divindades. Os agentes
responsáveis pela punição são os sacerdotes: atores sociais que representam a comunicação -
ritual e mística – entre os seres humanos e as divindades.
O princípio que orienta a repressão condiciona-se ao grau de necessidade de satisfazer
a divindade ofendida pelo crime. Pune-se com rigor e crueldade, pois a severidade do castigo
deve estar em consonância com a grandeza da divindade ofendida. 6
5MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 35. 6NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 21.
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2.1.3 A vingança privada
Conforme os ensinamentos de MIRABETE7, na fase da vingança privada, uma vez
"cometido um crime, ocorria reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que
agiam sem proporção à ofensa, atingindo não só o ofensor, como também todo o seu grupo".
A reação da vítima e de seu grupo social, desproporcional à qualidade ou quantidade
do mal sofrido, enfraquecia os clãs e, às vezes, promovia a sua extinção.
Os primeiros progressos nos procedimentos de dosagem da pena podem ser apontados
com o surgimento do talião e da composição. Estes institutos representam um grande avanço
no sistema de aplicação da pena, delimitando-se o castigo. O talião representa a aplicação da
pena na sua medida exata, limitando a reação da vítima ou de seu grupo social a uma
proporção idêntica ao mal sofrido: olho por olho, dente por dente, vida por vida. A
composição é um método expiatório restitutivo que permite ao ofensor saudar o mal cometido
ao ofendido ofertando-lhe - ou ao seu grupo - gado, armas, utensílios de uso cotidiano ou
dinheiro.
2.1.4 A vingança pública
A pena deixa de ter caráter exclusivamente religioso e passa a ser uma sanção imposta
por autoridade pública. O agente de punição não é mais o ofendido (talião) ou o sacerdote
(vingança divina), mas sim, o monarca da Era medieval.
Conforme descreve CUELLO CALÓN8, nesta fase "o objetivo é a segurança do
príncipe ou soberano, através da pena, também severa e cruel, visando à intimidação”.
Michel FOUCAULT9, no capítulo denominado de “O corpo dos Condenados”,
presente em sua importante obra: “Vigiar e Punir” - produzida com base em documentos de
7MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal (Parte Geral). 17 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 35. 8NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 21. 9FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 26. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002, p. 09.
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20
época - descreve de forma realista e transparente as características da vingança pública
medieval ao tratar do caso do francês Damiens, suposto autor de parricídio, condenado em 02
de março de 1757 em Paris.
Finalmente foi esquartejado [relata a Gazette d’ Amsterdam]. Essa última operação foi muito longa, porque os cavalos utilizados não estavam afeitos à tração; de modo que, em vez de quatro, foi preciso colocar seis; e como isso não bastasse, foi necessário, para desmembrar as coxas do infeliz, cortar-lhe os nervos e retalhar-lhe as juntas...
2.1.5 A pena vingativa nas famílias jurídicas
O Direito Romano, com a Lei das XII Tábuas e com o período da Realeza, orientou-se
pelas imposições das vinganças divina e privada. Posteriormente, os romanos passam a adotar
penas vingativas de caráter público. A crucificação, convertida em símbolo do Cristianismo, é
um exemplo de vingança pública adotada pelo Direito Romano.
No Direito Germânico o crime podia ser de ordem pública ou privada. Quando se
tratava de crimes públicos, o ofensor ficava sujeito à vindicta da comunidade. Nos casos em
que os crimes fossem de ordem privada, o ofendido possuía o direito de praticar a justiça
privada através da vingança. No Direito Germânico não se considerava o elemento
intencional, punindo-se de acordo com a culpa objetiva.
O Direito Canônico ao contrário do Germânico considerava o elemento intencional no
crime. O caráter religioso da pena canônica, representada pela união institucional do Estado
Medieval à Igreja Cristã católica, transforma o pecador em criminoso e, por isso, a vingança
pública, caracterizada pela vexação e pelo sofrimento físico, passa a ser o instrumento que
redime as faltas pecaminosas através do arrependimento. Conforme menciona Noronha10, a
finalidade da pena no Direito Canônico objetiva “a regeneração ou emenda do criminoso, pelo
arrependimento ou purgação da culpa”.
Posteriormente à fase das vinganças, surge outro período de reação jurídico-social ao
crime, denominado de humanitário. Inserida no contexto das idéias iluministas, a fase
humanitária da pena representa as transformações no direito penal ocasionadas por essa
10NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 23.
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21
corrente filosófica e política que se consolidou no mundo ocidental após as vitórias das
Revoluções Liberais ocorridas na Europa durante os séculos XVII e XVIII.
2.1.6 O iluminismo
É no percurso do Iluminismo que se inicia o período humanitário do direito penal:
movimento – político e filosófico - que passou a defender a reforma das leis e da
administração da justiça penal do final do século XVIII. Conforme demonstra Luís Paulo
SIRVINSKAS11:
O Iluminismo nasceu para combater o Estado absolutista ilimitado. O respeito à lei passou a ser a pedra de toque do novo Estado, limitado pelo princípio da legalidade. O arbítrio deixou de existir com a submissão do juiz ao estrito cumprimento da lei. [...] Esse movimento visou estimular a luta da razão contra a autoridade, realizando a substituição da razão da autoridade pela autoridade da razão, a luta da luz contra a época das trevas [...]. Daí o nome de Iluminismo, tradução da palavra alemã Aufklarung, que significa a aclaração, esclarecimento, iluminação.
Inseridos no contexto dos ideais do liberalismo clássico, os pensadores iluministas
defendiam uma ampla reforma do ensino, criticavam duramente a intervenção do Estado na
economia e achincalhavam a Igreja e a nobreza medieval. O Iluminismo colocava em dúvidas
o historicismo bíblico questionando a autenticidade da narrativa propugnada pela Igreja e
defendia o pensamento orientado pela fé nas leis invioláveis da natureza: direitos naturais ou
contratualistas.
Para os filósofos iluministas os homens são naturalmente bons, livres e iguais e as leis
naturais regulam as relações sociais. Seus principais idealizadores foram John Locke (1632-
1704), Montesquieu (1689-1715), Voltaire (1694-1778) e Rousseau (1712-1778). No âmbito
do direito penal iluminista destaca-se o milanês Cesare Bonesana, o marquês de BECCARIA
(1738-1794).
11SIRVINSKAS, Luís Paulo. Introdução ao estudo do direito penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p.
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22
2.1.7 Período humanitário
O Marquês de Beccaria publicou anonimamente em 1764 o livro “Dos Delitos e das
Penas”, obra que representa a reação iluminista – humanitária - contra os horrores das leis
penais inquisitórias. Insistindo na separação entre a justiça divina e a justiça humana, Beccaria
propôs uma série de reformas penais que deveriam começar pela abolição da pena de morte e
da tortura. 12
Estudando a origem das penas e os fundamentos do direito de punir, Beccaria apóia-se
na teoria do Contrato Social de Rousseau, na qual, os seres humanos, vivendo em sociedade,
percebem que é essencial que cada um ceda uma parcela da sua liberdade para poder
preservar a segurança e a tranqüilidade geral.
Segundo a teoria de Beccaria, as penas a serem impostas aos infratores devem ser
proporcionais àquela parcela mínima de liberdade cedida, visto que ao cedê-la, o ser humano
não se priva de todos os seus direitos, mas apenas daquela pequena quantidade indispensável
à segurança geral. Marco pioneiro do direito penal iluminista, “Dos delitos e das penas”
defende a indistinção das pessoas perante a lei, a proporcionalidade das penas aos delitos e
apresenta os princípios modernos da legalidade e da presunção da inocência.
2.2 O SURGIMENTO DE CRIMINOLOGIA
A criminologia é uma ciência fundamentada na observação, nos fatos e na prática,
mais que em conceitos e julgamentos, interage com as demais ciências e não se relaciona
somente ao crime, senão também com o delinqüente, a vítima e o controle social do delito.
A diferença entre Criminologia e Direito Penal reside no fato de que enquanto a
Criminologia busca, por um lado, as razões que levam o ser humano a cometer crimes e, por
outro, os meios mais eficazes para combater a criminalidade; o Direito Penal, por sua vez, é
um conjunto de normas jurídicas que representam o poder punitivo do Estado: não se
preocupando com os fatores criminógenos.
12BECCARIA, César. Dos Delitos e das Penas. Bauru: Edipro, 1993.
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23
Para FARIAS JUNIOR13:
Enquanto a Criminologia entende que a solução para a criminalidade está
no combate às causas, o Direito Penal acha que essa solução está no
combate aos efeitos, que são os criminosos, deixando as causas intocadas.
Neste sentido, a Criminologia utiliza nos seus estudos o método indutivo, que extrai as
verdades da experiência, enquanto o Direito Penal opera com o dedutivo.
Segundo Antonio García-Pablos de MOLINA e Luiz Flávio GOMES14 a
“Criminologia é uma ciência. Reúne uma informação válida, confiável e contrastada sobre o
problema criminal, que é obtida graças a um método (empírico) que se baseia na análise e
observação da realidade”.
Citando João FARIAS JUNIOR15
A criminologia é uma ciência porque satisfaz todos os requisitos da
Epistemologia, uma vez que ela tem o objeto específico, que é o homem
criminoso e a criminalidade; usa método próprio, que é o indutivo, partindo
dos influxos exógenos e endógenos.
Ainda citando MOLINA e GOMES16
Cabe definir a Criminologia como ciência empírica e interdisciplinar, que se
ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle
social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma
informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis
principais do crime.
13FARIAS JUNIOR, João. Manual de criminologia. Curitiba: Editora Educa, 1990, p. 12. 14MOLINA, Antonio García-Pablos de & GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 40-41. 15FARIAS JUNIOR, João. Manual de criminologia. Curitiba: Editora Educa, 1990, p. 5. 16MOLINA, Antonio García-Pablos de & GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 39.
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24
2.2.1 Empirismo e Interdisciplinariedade
A Criminologia é uma ciência empírica, pois utiliza o método indutivo, empírico,
baseado na análise da realidade.
Como preleciona MOLINA e GOMES17
A Criminologia adquiriu autonomia e status de ciência quando o
positivismo generalizou o emprego do método empírico, isto é, quando a
análise, a observação e a indução substituíram a especulação, o silogismo,
superando o método abstrato, formal e dedutivo do mundo clássico.
No método empírico significa que o objeto da criminologia: o delito, o delinqüente, a
vítima e controle social, estão inseridos no mundo real, que pode ser verificado, mensurável, é
um fenômeno da realidade. A Criminologia se baseia em fatos e na observação.
Conforme MOLINA e GOMES18 a “Criminologia pretende conhecer a realidade para
explicá-la. O Direito valora, ordena e orienta aquela com apoio em uma série de critérios
axiológicos (Valorativos)”.
Buscando o conhecimento científico a Criminologia recebe a influência e a
contribuição de diversas outras ciências - psicologia, sociologia, biologia, medicina legal,
criminalística, direito, política, etc. - com seus métodos respectivos.
2.3 OS PRINCÍPIOS DAS ESCOLAS DE CRIMINOLOGIA
Para entender o desenvolvimento, ao longo do tempo, do direito penal, é necessário
estudar as várias concepções das escolas penais, ou seja, o percurso histórico do pensamento
17MOLINA, Antonio García-Pablos de & GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 43. 18MOLINA, Antonio García-Pablos de & GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 45.
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25
filosófico-jurídico sobre os crimes e as penas. Conforme relata Luis Regis PRADO19, as
“escolas penais podem ser concebidas como sendo o corpo orgânico de concepções
contrapostas sobre a legitimidade do direito de punir, sobre a natureza do delito e sobre o fim
das sanções”.
2.3.1 Escola Clássica
Referência histórica do Iluminismo, a Escola Clássica representa a transição da
economia feudal e do poder político do Absolutismo para a ordem econômica capitalista e
para o Estado liberal de direito na Europa. Conforme menciona ARAGÃO20, ela se baseia na
concepção liberal do livre-arbítrio e da responsabilidade moral.
[...] o livre-arbítrio fundamentou a justificação das penas, uma vez que estas
se impõem como castigo merecido, pela ação criminosa e voluntária. Só é
punível quem é moralmente livre e, por conseguinte, moralmente
responsável, porque só estes podem ser autores de delitos.
Para LYRA21, os representantes da Escola Clássica “eram livre-arbitrista,
individualistas e liberais, considerando o crime como ilícito jurídico e a pena como meio
retributivo, expiatório e aflitivo da tutela jurídica”. De acordo com ANDRADE22:
O classicismo penal não se deteve na análise da pessoa do criminoso,
porque nele não visualizou nenhuma normalidade em relação aos demais
homens, graças a sua racionalidade, são iguais perante a Lei e podem, por
isso, atuar responsavelmente, compreendendo o caráter benéfico do
consenso implícito no contrato social, o criminoso será quem, na posse do
19PRADO, Luis Regis. Curso de direito penal brasileiro (Parte Geral). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 73. 20ARAGÃO, Antonio Moniz Sodré de. As três escolas penais. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1928, p. 44. 21LYRA, Roberto. Novíssimas Escolas Penais. Rio de Janeiro: Borsoi, 1956, p. 6. 22ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança pública: do controle da violência à violência do controle penal: São Paulo: Livraria do advogado, 1997, p. 55.
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26
livre-arbítrio, viola livre e conscientemente, a norma penal. A única
diferença entre o criminoso e quem respeita a Lei é a diferença do fato.
Contudo, também é importante mencionar que não havia uniformidade de pensamento
entre os seguidores da Escola Clássica. Historicamente ela foi dividida em duas fases: a
primeira, de ordem mais filosófica racionalista e teórica, procurando fundamentar
filosoficamente a ciência do Direito Penal; a segunda, empenhou-se em desenvolver uma
concepção mais jurídica e prática do Direito Penal.
Conforme SIRVINSKAS23, por representar a humanização do sistema penal, a obra
pioneira de Beccaria pertence à primeira fase da Escola Clássica, à qual se preocupou
essencialmente com “o dano social e a defesa social” que constituíam “os elementos
fundamentais respectivamente, da teoria do delito e da teoria da pena”.
Além de Beccaria, esta fase da Escola Clássica que impusera a humanização ao direito
punitivo, também compreendeu, Filangieri, Romagnosi e Carmignani.
Na segunda e definitiva fase da Escola Clássica, destacaram-se Rossi, Carrara e
Pessina. Substituindo o Utilitarismo de Beccaria e Filangieri, Francesco Rossi defende o
moralismo metafísico, convertendo a utilidade social, anteriormente defendida, apenas em
limite sancionador. Agora é a metafísica jusnaturalista que invade a doutrina do Direito Penal
e, segundo SIRVINSKAS24, “sob a influência da metafísica jusnaturalista, essa escola passou
a exigir ética na retribuição da pena”.
Segundo Cezar Roberto BITENCOURT25,
Carrara foi o representante maior dessa escola e sustentava os seguintes
princípios: a) o crime como um ente jurídico; b) o livre-arbítrio como
fundamento da punibilidade; c) a pena como meio de tutela e retribuição da
culpa moral; d) o princípio da reserva legal.
23SIRVINSKAS, Luís Paulo. Introdução ao estudo do direito penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 55. 24SIRVINSKAS, Luís Paulo. Introdução ao estudo do direito penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 56. 25BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal (Parte Geral). 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 76.
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27
De forma concreta, o crime para o classicismo, mais do que ser uma violação, era uma
violação consciente e voluntária: uma vontade culpável de violar as normas. Desse modo, o
crime era produto da livre vontade do delinqüente, não sendo, portanto, produto natural ou
social.
2.3.2 Escola Positiva
Em resposta a crise do programa clássico no combate a criminalidade, buscando as
causas e os fatores da criminalidade, vários estudos sobre o fenômeno criminoso foram
desenvolvidos por psicólogos, médicos psiquiatras e biólogos que defendiam a idéia de que os
delinqüentes eram completamente diferentes das pessoas normais.
Segundo informa Aragão26:
A escola positiva considerava o livre-arbítrio como uma ilusão subjetiva,
desmentida pela psico-psicologia positiva. O homem não era dotado deste
poder arbitrário e soberano de decisão livre, ele estaria sujeito à lei da
causalidade e os seus atos conseqüência inevitável das circunstâncias
internas e externas que lhe influenciam a vontade determinada pelos
motivos mais fortes.
De acordo com FARIAS JUNIOR27, os “estudos frenológicos mais importantes foram
desenvolvidos pelo anatomista austríaco JOHAN FRANZ GALL. GALL foi reconhecido
como o fundador da ANTROPOLOGIA CRIMINAL”.
De modo geral, esses estudos visavam conhecer o caráter do homem criminoso e, a
partir deles, surgiram algumas noções como: criminosos por ímpeto, por instintos inatos, por
loucura moral ou criminoso louco, atavismo e de defeitos congênitos de criminosos.
Conforme demonstra FARIAS JUNIOR28, diferentemente “da Escola Clássica, onde o
criminoso é dotado de livre arbítrio, a Escola Positiva estuda os fatores criminógenos
26ARAGÃO, Antonio Moniz Sodré de. As três escolas penais. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1928, p. 46. 27FARIAS JUNIOR, João. Manual de criminologia. Curitiba: Editora Educa, 1990, p. 8.
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28
influenciadores do comportamento criminoso”. Por esse motivo, a Escola Positiva também
passou a ser denominada de Escola determinista italiana e seus principais expoentes foram
Lombroso (1836-1909), Ferri (1856-1929) e Garofalo (1851-1934), como demonstra
SIRVINSKAS29:
A escola positiva, após o surgimento das ciências sociais, pode ser dividida
em três fases: a) fase antropológica – cuja expressão máxima dói Cesare
Lombroso; b) fase sociológica – tendo como seu principal representante
Enrico Ferri; e c) fase jurídica – representada por Rafael Garafalo.
Para a Escola Positiva o delito não é visto apenas como uma fictícia abstração jurídica,
ele é ao mesmo tempo, um fato humano e social e um fenômeno natural: o delito é produzido
por causas biológicas, físicas e sociais. Desse modo, o crime, concedido como fato social e
natural, não deve ser estudado somente como ente jurídico, mas sim, analisado no âmbito da
profunda relação que guarda com o agente que o cometeu.
A primeira fase da Escola Positiva é representada pela Antropologia Criminal do
médico italiano César Lombroso. A obra “O homem delinqüente”, publicada em 1876 por
Lombroso, defendia causas naturalísticas para a prática do crime, estabelecendo, desse modo,
uma relação entre o instinto sanguinário e a regressão atávica, classificando o delinqüente em:
nato, louco, por paixão, de ocasião.
De acordo com FARIAS JUNIOR30, para “Lombroso, os fatores biológicos ou
antropológicos eram predominantes na influência do comportamento criminoso, embora
admitisse a influência dos fatores sociais, especialmente para os delinqüentes de ocasião”.
Vivendo em uma sociedade fortemente influenciada pelo darwinismo social31, o
famoso médico legista italiano acreditava que a resposta para uma conduta social desviante
28FARIAS JUNIOR, João. Manual de criminologia. Curitiba: Editora Educa, 1990, p. 13. 29SIRVINSKAS, Luís Paulo. Introdução ao estudo do direito penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 57. 30FARIAS JUNIOR, João. Manual de criminologia. Curitiba: Editora Educa, 1990, p. 9. 31Corrente filosófica - inspirada na teoria da evolução das espécies do biólogo Charles Darwin - que
influenciou o “mundo das ciências” na segunda metade do século XIX. Seu maior expoente foi Herbert Spencer,
cuja obra influenciou o positivismo social de Augusto Comte.
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29
deveria ser buscada na estrutura biológica (corpo) do ser humano delinqüente. Em seu
minucioso estudo (que envolvia desde a observação das características faciais dos criminosos
até a dessecação de seus cadáveres), após necropiciar 383 cadáveres, Lombroso deparou-se
com o defunto do famoso facínora milanês Vilela, personagem que possuía em seu crânio a
fosseta occipital média. Esta característica óssea não faz parte da estrutura biológica do ser
humano moderno (sapiens), sendo peculiar ao “homem” primitivo (concebido pelos “olhos
modernos” como um selvagem sanguinário e irracional). Esta descoberta induziu Lombroso a
concluir que o criminoso era uma espécie humana não evoluída: teoria do criminoso nato. Era
um ser humano cujo processo evolutivo não havia alcançado o seu estágio final: o estágio de
“homem” civilizado.
Conforme afirmam MOLINA e GOMES32:
Em sua teoria da criminalidade Lombroso inter-relaciona o atavismo, a
loucura moral e a epilepsia: o criminoso nato é um ser inferior, atávico, que
não evolucionou, igual a uma criança ou a um louco moral, que ainda
necessita de uma abertura ao mundo dos valores; é um indivíduo que,
ademais, sofre alguma forma de epilepsia, com suas correspondentes lesões
celebrais.
As principais conclusões de Lombroso defendiam que o criminoso era nato, idêntico
ao louco moral e apresentava base epilética explicável pelo atavismo. Todavia, devido aos
avanços científicos no campo das ciências biológicas, as idéias de Cesare Lombroso não
resistiram ao progresso científico.
A segunda fase da Escola Positiva é representada por Enrico Ferri, autor da obra
“Sociologia Criminal”, desenvolveu o trinômio causal do crime composto por fatores
antropológicos, físicos e sociais. Definiu a classificação dos criminosos nas seguintes
categorias: natos, loucos, habituais, de ocasião e por paixão.
Seguindo em direção contrária aos representantes da Escola Clássica, Ferri afasta-se
da idéia de que o livre-arbítrio é o elemento condutor da ação criminosa e, por isso, substitui a
32MOLINA, Antonio García-Pablos de & GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 192.
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30
responsabilidade moral pela responsabilidade social, afirmando que o delinqüente é sempre
responsável pelas ações antijurídicas que pratica. Neste sentido, FALCONI33 destaca:
O delinqüente deve ser visto e tratado como “produto do meio social” em
que vive e se desenvolve. Afinal, ninguém nasce mau; são os contornos
sociais que irão amoldar o homem. Aí ocorre um desencontro entre Ferri e
Lombroso, pois este último entende que o homem nasce com problemas
congênitos, dos quais não irá jamais se libertar. Ferri pensava ao contrário,
colocando nesse rol somente aqueles que não tem condições mínimas de
recuperação, não todos.
Por basear-se na tradição evolucionista da Escola Positiva, Enrico Ferri empresta da
biologia os termos classificatórios dos determinantes da ação criminosa: os determinantes
podem ser de ordem endógena ou exógena.
Do ponto de vista biológico muitos foram os estudiosos que acreditavam que os
fatores criminosos eram exclusivamente endógenos, que as glândulas tiróides, paratireóide,
hipófise, apífise, tomo, supra-renais, pâncreas, glândulas sexuais, o sistema nervoso, defeitos
cromossômicos, quantidade de glicose no sangue, podem influenciar no comportamento do
ser humano. Segundo Ferri, os portadores dessas anomalias, quando incidentes no crime, são
chamados de meso-endógenos.
Os criminosos de motivação exógena são denominados de patoendógenos, entre os
quais podemos incluir os portadores de demência senil ou pré-senil, psicoses em suas variadas
formas, esquizofrenias, epilepsia, paranóia, parafrenia, morfismo, cocainismo, alcoolismo34.
Desse modo, Ferri estabelece parâmetros internos e externos ao ser humano que
devem ser levados em consideração para se estabelecer a imputabilidade e a inimputabilidade
jurídico-criminal. Assim, de acordo com LYRA35:
Todo homem será responsável porque vive em sociedade, sujeito às sanções
penais pelas violações mais graves das normas de convivência. A
33FALCONI, Romeu. Lineamento de Direito Penal. 3 ed. São Paulo: Ícone, 2002, p. 90. 34FARIAS JUNIOR, João. Manual de criminologia. Curitiba: Editora Educa, 1990, p. 24. 35LYRA, Roberto. Novíssimas Escolas Penais. Rio de Janeiro: Borsoi, 1956, p. 8-9.
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31
responsabilidade penal passa da moral para o social. Para se punir bastava-se
que o indivíduo fosse imputável.
Ademais, de acordo com a menção de MOLINA e GOMES36, Ferri sustentava que a
pena seria ineficaz se não fosse precedida ou acompanhada por ações sociais “orientadas por
uma análise científica e etiológica do delito”.
A terceira fase é representada pela publicação em 1885 de “Criminologia”, de Rafaele Garofalo. Fortemente influenciadas pelo darwinismo social do filósofo inglês de Herbert
Spencer, as teorias apresentadas em Criminologia refletiam ceticismo quanto à readaptação do
homem criminoso. Esse ceticismo justificava as posições radicais de Garofalo em favor da
pena de morte, pois, para a teoria darwinista, os criminosos natos seriam inadaptáveis à
sociedade: eram irrecuperáveis.
Conforme relata Cezar Roberto BITENCOURT37, Rafaele Garofalo foi o autor que
conseguiu dar uma sistematização jurídica à escola Positiva estabelecendo os seguintes
princípios: a) a periculosidade como fundamento da responsabilidade do delinqüente; b) a
prevenção especial como fim da pena; c) fundamentou o direito de punir sobre a teoria da
Defesa Social (intimidação social), deixando em segundo plano os objetivos reabilitadores; d)
formulou uma definição sociológica do crime natural visando permitir ao cientista
criminólogo identificar a conduta que lhe interessasse mais: juízo de valor.
De acordo com os relatos de MOLINA e GOMES38, embora não se afastasse da idéia
naturalista para conceber o criminoso, a principal diferença da obra de Garofalo em relação às
idéias mestras de Lombroso, era a crença de que as anomalias que desencadeavam o crime,
em vez de distúrbios orgânicos, eram perturbações psíquicas ou morais.
O característico da teoria de Garofalo é a fundamentação do comportamento
e do tipo criminoso em uma suposta anomalia – não patológica – psíquica
36MOLINA, Antonio García-Pablos de & GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 196. 37BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal (Parte Geral). 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 49. 38MOLINA, Antonio García-Pablos de & GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 199.
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32
ou moral. Trata-se de um déficit na esfera moral da personalidade do
indivíduo, de base orgânica, endógena, de uma mutação psíquica (porém
não de uma enfermidade mental), transmissível por via hereditária e com
conotações atávicas e degenerativas.
Centrada na defesa da ordem social, a obra de Garofalo afirma que o direito penal
deve ser duro e rigoroso e que a pena deve estar sempre em consonância com o perfil do
delinqüente. Rejeita quaisquer outros critérios repressivos que não se moldem perfeitamente à
espécie de perturbação psíquica ou moral do criminoso: rejeitando, inclusive, ações jurídicas
de prevenção.
Para retratar a idéia de inadaptabilidade social do criminoso nato na obra de Garofalo,
MOLINA e GOMES39, prudentemente, o parafraseiam: “Do mesmo modo que a natureza
elimina a espécie que não se adapta ao meio, também o Estado deve eliminar o delinqüente
que não se adapta à sociedade e às exigências da convivência”.
Ardoroso defensor da pena de morte, Rafaele Garofalo foi um teórico que estabeleceu
sérios limites para as ações estatais voltadas à ressocialização do criminoso e, por isso, sua
contribuição jurídica acabou sendo pouco expressiva para o direito penal de seu tempo.
2.3.3 Terceira Escola ou Escola Mista
A escola mista surgiu em 1891 com a publicação do artigo de Manuel CARNEVALE
institulado “Uma terza scuola de diritto penale in Itália”. Era uma tentativa de conciliação
entre a escola clássica e a positiva.
Conforme relata Luiz Regis Prado40, a Escola Mista,
39MOLINA, Antonio García-Pablos de & GOMES, Luiz Flávio. Criminologia. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 200. 40PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro (Parte Geral). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 50.
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33
[...] apresentava as seguintes características: a) a responsabilidade penal tem
por base a imputabilidade moral, sem o livre-arbítrio, que é substituído pelo
determinismo psicológico: o homem está determinado pelo motivo mais
forte, sendo imputável aquele que é capaz de se deixar levar pelo motivo
mais forte. A imputabilidade funda-se na dirigibilidade do ato humano e na
intimidabilidade; b) o delito é contemplado no seu aspecto real – fenômeno
natural e social; e c) a pena tem uma função defensiva e preservadora da
sociedade.
Sendo assim, pode-se afirmar que a Terceira Escola aproveitou da Escola Clássica a
idéia de responsabilidade moral, baseada na culpabilidade, mas negou o fundamento de
referida responsabilidade no livre-arbítrio. Há na Escola Mista a distinção entre a
imputabilidade (culpa) e a inimputabilidade (não culpa). Da Escola Positiva mantém-se o
princípio de que o crime é um fenômeno, ao mesmo tempo, individual e social. Seus
principais expoentes foram ALIMENA e CARNEVALE.
2.3.4 A Política Criminal de Von Liszt
Rechaçando a tese do criminoso nato de Lombroso, a Política Criminal da Escola
Moderna Alemã de Franz Von Liszt substituiu o caráter da retributividade (Escola Clássica)
da pena pelo caráter de finalidade da pena. Para Liszt a sanção penal deve manter um caráter
intimidativo e, ao mesmo tempo, perfeitamente ajustado à natureza do apenado para poder
cumprir a sua função de defesa social.
Segundo FARIAS JUNIOR41, Liszt definiu,
[...] Política Criminal como sendo o conjunto sistemático de princípios
segundo os quais deve o Estado conduzir a LUTA contra o crime por meio da
pena e instituições afins e dos efeitos da pena e de suas medidas afins.
41FARIAS JUNIOR, João. Manual de criminologia. Curitiba: Editora Educa, 1990, p. 17.
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34
A finalidade da política criminal é adequar a legislação ao problema do crime e da
criminalidade, indicando os meios necessários para melhorar a defesa social.
Um dos princípios fundamentais da escola de Von Liszt é a contestação da eficácia da
retribuição, mostrando que a intimidação penal é uma luta fracassada e falida. Liszt defende a
tese do máximo de defesa social com o mínimo de castigo individual.
Por considerar que o delinqüente era produto do seu meio social ou de suas condições
de vida, a Escola Moderna Alemã de Franz Von Liszt também passou a ser chamada de
Escola Sociológica.
Segundo a Escola Moderna Alemã, o crime é fato jurídico, mas produto de
circunstâncias humanas de que podem ser de duas ordens: 1) internas: inerentes à natureza do
criminoso; 2) externas: de caráter ambiental ou social.
Ao tratar do caráter social da criminalidade, Von Liszt enfatiza, principalmente, a
desigualdade econômica. Sendo assim, a criminalidade deriva fundamentalmente da condição
de POBREZA.
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35
3 POBREZA E CRIMINALIDADE NO BRASIL
3.1 MODERNIDADE JURÍDICA E PERFIL DA CRIMINALIDADE NO BRASIL
3.1.1 O Código Penal Brasileiro e a Modernidade Jurídica
Sabe-se que o Brasil é um dos poucos – se não for o único - países do mundo que
ingressou na modernidade política e jurídica criando primeiro o Código Penal e, somente
depois, a Constituição: o Código Penal republicano é de 1890 e a Constituição de 1891. Um
país que se preocupa em dizer primeiro o que é crime para somente depois dizer o que é
direito deve, ao certo, possuir sérios problemas de ordem criminal ou social. Esse era o caso
do Brasil nos anos que marcaram o advento da Proclamação da República.
Para entender melhor essa história, é preciso saber que diferentemente das legislações
anteriores que eram fundadas nos dogmas da Igreja Católica e nas legislações das sociedades
primitivas, o Código Penal Brasileiro de 1830 foi influenciado pelos ideais da Revolução
Francesa e pelos demais códigos que surgiram na época: orientados pelas obras clássicas de
BECCARIA e de BENTHAM.
Com a abolição da escravidão em 1888 e o desmoronamento da monarquia com o
advento da proclamação da República em 1889, em 11 de outubro de 1890 o projeto de
Ministro Campos Sales criou o primeiro Código Penal da República do Brasil.
De acordo com SIRVINSKAS42:
Diferentemente do que ocorreu com o Código Criminal de 1830, o Código Penal de 1890 entrou em vigor antes da Constituição republicana de 1891, necessitando, depois disso, uma revisão mais intensa.
42SIRVINSKAS, Luís Paulo. Introdução ao estudo do direito penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 45.
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36
Tendo por referências teóricas os pensadores da Escola Clássica em um momento
histórico em que a Escola Positiva encontrava-se em seu auge, o Código Penal Republicano
foi veementemente criticado. Segundo BARBOSA43, “pela rapidez com que foi elaborado,
esse Código não foi bem recebido pela consciência jurídica nacional”.
Diante das críticas contra o Código Penal de 1890, através do Decreto n. 22.213,
de 14 de dezembro de 1932, foi promulgada a Consolidação das Leis Penais do
Desembargador Vicente PIRAGIBE. A Consolidação surgiu através de inúmeras leis,
objetivando corrigir - completando ou ajustando às novas condições - os defeitos do Código
Penal44.
Com o passar do tempo o Código Penal de 1890 sofreu inúmeras alterações e
vários projetos de Código Penal foram apresentados, porém, nenhum deles, teve sucesso.
Contudo, em 1937, diante do contexto político do Estado Novo, ALCÂNTARA MACHADO
foi incumbido de apresentar um novo projeto de Código Criminal.
Do projeto de ALCÂNTARA MACHADO surgiu o Código Penal de 1940,
fortemente influenciado pelos códigos penais italiano de 1930 e suíço de 1937, o novo Código
Penal brasileiro entrou em vigor em 1942.
Inspirado no modelo italiano, a novidade mais marcante, em relação ao sistema
anterior, foi a adoção do duplo binário que utiliza, conjuntamente, a pena e a medida de
segurança como respostas básicas ao crime45. Nas palavras de BARBOSA46, o CP de 1940 foi
um “código moderno, todavia considerado autoritário, pelo modelo inspirador, e tendo em
vista o regime sob o qual foi promulgado: O Estado Novo, uma versão do nazi-fascismo”.
Após o fracasso do anteprojeto de um novo Código Penal que não foi concluído,
devido às profundas modificações ocorridas no quadro social, político e econômico brasileiro,
43BARBOSA, Licínio, Direito Penal. Goiânia: Século XXI, 2002, p. 5. 44SIRVINSKAS, Luís Paulo. Introdução ao estudo do direito penal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 46. 45TOLEDO Op. Cit. p. 64 46BARBOSA, Licínio, Direito Penal. Goiânia: Século XXI, 2002, p. 6.
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37
sobretudo, após a Segunda Guerra mundial, o país optou pela reforma do Código de 1940: Lei
n. 6.416, de 1977, que introduziu significativas mudanças no sistema de penas.
O Código Penal de 1940 foi dividido em duas partes: a parte geral, que descrevia o
lineamento de todo o sistema penal; e a parte especial, que descreve os crimes.
A reforma de 1984, representativa de um novo sistema penal fundamentado nos
direitos humanos, promoveu diversas modificações no velho Código Penal, sendo a principal
delas a criação das penas restritivas de direitos: consistentes na prestação de serviço à
comunidade, na interdição temporária de direitos e na limitação de fim de semana.
3.1.2 O Cenário Social da República e a Criminologia no Brasil
Ao longo da Primeira República, vários autores divulgaram as abordagens
científicas acerca do crime e do criminoso: Clóvis Beviláqua, José Higino, Paulo Egídio de
Oliveira Carvalho, Raimundo Pontes de Miranda, Viveiros de Castro, Aurelino Leal, Cândido
Mota, Moniz Sodré de Aragão, Evaristo de Moraes, José Tavares Bastos, Esmeraldino
Bandeira e Lemos Brito entre tantos outros. Todavia, foi João Vieira de Araújo, professor da
faculdade do Recife, o primeiro autor a se mostrar informado sobre as correntes doutrinárias
da criminologia européia que chegavam ao Brasil nas últimas décadas do século XIX.
João Vieira de Araújo foi o mais empenhado divulgador das teorias de Cesare
Lombroso no Brasil. Conforme Marco César ALVAREZ47 “mesmo conhecendo as críticas
mais significativas apresentadas na Europa contra a antropologia criminal, os simpatizantes
no Brasil não deixaram de reafirmar a importância fundamental dos conceitos dessa escola”.
Apesar do predomínio dos ideais da Escola Positiva no debate penal europeu, o
Código Penal brasileiro de 1890 foi organizado de acordo com as referências da Escola
Clássica. Isso trouxe certa decepção para as elites nacionais, pois o Brasil vivia a
47ALVAREZ, Marcos César. A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. Revista de
Ciências Sociais. Rio de Janeiro, 2002, Vol.45, nº. 4, p. 685.
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38
transformação pós-abolição, com substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre e um
acelerado processo de urbanização no Rio de Janeiro e São Paulo. Neste contexto, os adeptos
da Escola Positiva irão propor reformas legais e institucionais para ampliar o papel da
intervenção estatal.
Diante de um cenário social marcado pela exclusão e marginalização do ex-
escravo, a teoria de Lombroso parecia responder às urgentes necessidades das elites nacionais
que, para atenuar o incômodo social provocado pela abolição da escravatura, encontraram na
doutrina da Escola Positiva um importante referencial para converter juridicamente os negros
brasileiros em criminosos natos.
De acordo com ALVAREZ48, no período posterior à proclamação da República, a
criminologia de Lombroso será vista no Brasil como um instrumento de controle social
necessário à contenção da criminalidade.
Para os criminologistas, a igualdade jurídica não poderia ser aplicada aqui tendo em vista as particularidades históricas, raciais e sociais do país. Os ideais de igualdade não poderiam afirmar-se em face das desigualdades percebidas como constitutivas da sociedade brasileira.
Baseado nos ensinamentos da antropologia jurídica, o médico Nina Rodrigues, um
dos mais importantes adeptos de Lombroso no Brasil, em seu ensaio “As raças humanas e a
responsabilidade penal no Brasil”, publicado em 1894, defendia que a legislação penal
deveria adaptar-se às condições nacionais, sobretudo, no que diz respeito à diversidade
racional da população. Criticando o Código de 1890, que pretendeu aplicar um mesmo
conjunto de regras a uma população amplamente diferenciada, afirmava que era preciso tratar
desigualmente os desiguais.
A discussão em torno da legislação da menoridade, que culminará na elaboração
do Código de Menores de 1927, e a criação de estabelecimentos como o Instituto Disciplinar
e a Penitenciária do Estado de São Paulo serão algumas das reformas legais e institucionais
48ALVAREZ, Marcos César. A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, 2002, Vol.45, nº. 4, p. 694.
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39
influenciadas pelas idéias dos seguidores de Lombroso no Brasil ao longo da Primeira
República49.
A incorporação da antropologia criminal no ordenamento jurídico brasileiro
produziu efeitos concretos e duradouros nas nossas práticas penais.
3.1.3 Escravidão, Pobreza e Criminalidade no Brasil Republicano
Pensar na sociedade brasileira contemporânea exige uma reflexão sobre sua
herança colonial que marcou a formação e o desenvolvimento das classes sociais do Brasil.
De acordo com Álvaro de VITA50 “A sociedade brasileira não pode ser
compreendida sem que se tenha em mente o peso de um passado colonial e escravista e um
presente marcado pela dependência em relação às economias dominantes no mundo atual”.
A crise da escravidão no século XIX foi resultado de pressões externas que
exigiam a implantação da sociedade capitalista, uma vez que a escravidão era um obstáculo
para as necessidades do capitalismo.
A Abolição da escravatura no Brasil decorreu das pressões externas pela extinção
do tráfico negreiro, vindas, sobretudo, da Inglaterra.
A Abolição da escravatura esteve diretamente ligada ao desenvolvimento do
capitalismo e à própria formação de um mercado de trabalho no Brasil. Foram essas as
condições, aliadas à perda de base moral da escravidão, que levaram ao seu questionamento e,
afinal, à sua liquidação.
Abolida a escravidão, surge a sociedade capitalista, na qual os homens são livres e
iguais para a realização de trocas comerciais e para busca do lucro, sendo à força de trabalho
uma mercadoria convertida à condição de salário. Como demonstra VITA51:
49ALVAREZ, Marcos César. A criminologia no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, 2002, Vol.45, nº. 4, p. 696. 50VITA, Álvaro de. Sociologia da Sociedade Brasileira. 9. ed. São Paulo: Editora Ática, 1999, p. 11. 51VITA, Álvaro de. Sociologia da Sociedade Brasileira. 9. ed. São Paulo: Editora Ática, 1999, p. 23.
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40
Uma coisa, entretanto, deve ser ressaltada: em uma sociedade capitalista, a
existência de uma classe de trabalhadores livres – possuidores apenas de sua
capacidade de trabalho – é essencial para que ocorra a geração e a
acumulação de riquezas, de capital.
Começou a ser formar, então, uma classe de trabalhadores livres, de negros no
processo pós-abolição. Sendo que, as exigências econômicas e sociais colocavam os negros
numa posição inferior, sem desenvolvimento de qualquer medida política para a focada
situação. Como forma de sobrevivência, restou para os ex-escravos os subempregos.
Todo esse processo de mudanças econômicas e sociais na sociedade urbana
brasileira trouxe uma mudança na maneira de conceber a pobreza e seus sujeitos. Como
descreve Sidney CHALHOUB52:
Somente no século XIX, a pobreza urbana emergiu como problema maior
aos olhos da elite nacional. Foi no processo de transição da sociedade
brasileira para uma ordem capitalista e no contexto de uma urbanização
incipiente, porém centrada num grande centro urbano (o Rio de Janeiro),
que se manifestou uma preocupação para com a pobreza.
A virada do século XIX para o XX representou a transição do país para uma ordem
capitalista, pois com a urbanização começa a se constituir no país um mercado de trabalho
industrial e urbano: constituído de imigrantes estrangeiros e ex-escravos.
3.1.4 O Discurso Higienista e o Cortiço
52CHALHOUB, Sidney. Trabalho, Lar e Botequim: O Cotidiano dos Trabalhadores do Rio de Janeiro da Belle Eroque. São Paulo: Brasilerense, 1986, p. 249.
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41
O movimento higienista possui como um de seus marcos o despejo e demolição de
um famoso cortiço do centro do Rio de Janeiro, o CABEÇA-DE-PORCO. Segundo Vera
Malaguti BATISTA53:
Calorosamente aclamado pela imprensa, a destruição do “valhacouto de
desordeiros” é um dos marcos iniciais de uma concepção que se fundava
para a gestão das diferenças sociais na cidade; construía-se a noção de que
as classes pobres eram perigosas.
Essa transição na sociedade brasileira, ainda na época em que a cidade do Rio de
Janeiro era a capital federal, representa a emergência da crise de moradias e da ocupação
irregular de habitações provocada pelo grande contingente populacional decorrente do
impacto das migrações oriundas da abolição da escravidão.
A campanha SANITÁRIA-HIGIENISTA chamava a atenção para as precárias
condições de vida de uma grande parte da população brasileira que, atraída pelo processo de
industrialização, vivia nos centros urbanos. No momento da virada para o século XX o Rio de
Janeiro era a capital das epidemias: febre amarela, peste, cólera, varíola. A propagação das
doenças relacionava-se às catastróficas condições de higiene às quais estava submetida grande
parte da população que vivia em habitações coletivas precárias: estalagens, casas de cômodo
e, sobretudo, os cortiços.
Neste período da história do Brasil os médicos tiveram um papel determinante,
alertando para o valor da higiene e para a necessidade de medidas voltadas para a saúde
pública. Conforme Lícia do Prado VALLADARES54, a “denúncia realizada pelos sanitaristas
abriu assim caminho para a própria intervenção sobre a pobreza”.
53BATISTA, Vera Malaguti. Discursos sediciosos: Crime, Direito e Sociedade. Rio de Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia, 1996, p. 36. 54VALLADARES, Lícia do Prado. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. Texto apresentado no
XIV Encontro da ANPOCS. Caxambu, 1990, p. 5.
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42
O cortiço tornava-se, com efeito, o alvo principal do discurso médico-
higienista. Local de moradia de nada menos que 130 mil pessoas ou um
quarto da população do Rio de Janeiro em 1890, era a própria expressão da
insalubridade, da doença e, por extensão, da pobreza. As condições
materiais de vida dos que aí se amontoavam eram propícias à propagação
das epidemias e muito embora se acreditasse que estas fossem mais fatais
entre os pobres que entre os ricos, era o cortiço que germinava o mal que
colocava em risco a saúde da população como um todo.
A perseguição sistemática aos cortiços representava a estratégica governamental
para expulsar os pobres dos centros do Rio de Janeiro. Amparado pela ideologia da higiene,
na qual os pobres ofereciam perigo de contágio e representavam focos de infecção, o
movimento higienista produzia uma estreita ligação entre a pobreza e a criminalidade.
A ideologia sanitarista foi instituída durante a gestão do prefeito Pereira Passos.
Cristalizada no ideal de limpeza urbana, quando na verdade objetiva separar pobres e ricos
que habitavam o mesmo espaço urbano, a campanha sanitarista foi a maior intervenção já
realizada no espaço urbano carioca: com leis, decretos, regulamentos, demolições e abertura e
alargamentos de avenidas e ruas. As conseqüências desta política representam, de um lado, o
surgimento e crescimento de favelas nos morros e, de outro, a emergência dos subúrbios.
3.1.5 O Temor das “Classes Perigosas”
Nesta fase da visa política, jurídica e social do Brasil, todos os habitantes dos
chamados territórios pobres passam a ser classificados como diferentes, carentes, incapazes e
potencialmente perigosos: representam ameaças para as classes dominantes e, por isso,
devem ser eliminados. Os pobres são vistos como CLASSE PERIGOSA porque além de
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43
serem focos de propagação de doenças ainda desafiam as políticas de controle social no meio
urbano. Conforme expõe VALLADARES55, o mesmo cortiço,
[...] que deveria ser eliminado para possibilitar o saneamento da cidade,
também inspiraria o discurso político relativo à necessidade de manutenção
da ordem social, discurso este que ganha corpo no fim do Império e início
da República. O que os médicos haviam diagnosticado como foco das
epidemias era também, e sobretudo, aos olhos da elite política nacional, “o
berço do vício e do crime” pois era aí que residia e se concentrava o que se
chamava de “classes perigosas”.
Ideologicamente, pobres eram as pessoas que estavam fora do universo das
empresas fabris. Eram as pessoas que - devido à falta de legislação trabalhista e à cultura
patronal de maus tratos advinda da escravidão – se recusavam a trabalhar nas fábricas e, por
isso, eram consideras vagabundas, desordeiras, criminosas ou delinqüentes. Em suma, eram as
pessoas que habitavam os cortiços e ganhavam seu sustento nas ruas. De acordo com
VALLADARES56:
Fazendo uso do discurso ideológico dualista as classes dominantes como
que viam o mundo dividido em dois: de um lado o mundo do trabalho, da
moral, da ordem; de outro, um mundo às avessas – amoral, vadio, caótico –
que deveria ser reprimido e controlado para não comprometer a ordem. A
cada um destes mundos correspondia um espaço: ao primeiro a fábrica; ao
segundo, o cortiço e a rua. A rua era tida, efetivamente, como
prolongamento do cortiço, como espaço-mor de socialização dos
personagens que ameaçavam a lei e os bons costumes.
55VALLADARES, Lícia do Prado. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. Texto apresentado no
XIV Encontro da ANPOCS. Caxambu, 1990, p. 6.
56VALLADARES, Lícia do Prado. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. Texto apresentado no
XIV Encontro da ANPOCS. Caxambu, 1990, p. 6 e 7.
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44
Ainda seguindo as informações de VALLADARES57, a rua transformou-se em um
cenário de freqüentes conflitos entre a população e a polícia. Todos os que não trabalhavam
na indústria, ou seja, vendedores ambulantes, músicos ambulantes, engraxates, tatuadores,
selistas, vendedores de orações, ratoeiros e apanhadores de papel eram vistos como vadios.
Desde a época imperial, quando fora aprovado o Código Criminal que
considerava, entre outros, como crimes policiais a prática da vadiagem e da
mendicância, a polícia usava e abusava do livre-arbítrio, prendendo
frequentemente aqueles que perambulavam pelos espaços públicos. Eram
considerados vadios todos aqueles que não possuíam ocupação honesta e
útil de que pudessem subsistir. A persistência em tal estado após a
advertência pelo Juiz da Paz implicava em pena de prisão com trabalho por
oito a vinte e quatro dias. Quanto aos mendigos, o fato de andar
mendigando tendo supostamente condições para trabalhar implicava em
prisão, simples ou com trabalho.
Os conflitos aumentaram quando o prefeito Pereira Passos, depois de proibir o
trânsito de vacas leiteiras nas ruas, a cultura das hortas, a criação de suínos, a venda
ambulante de bilhetes de loteria, o recolhimento dos mendigos a asilos, estabeleceu seguidas
campanhas sanitárias, comandadas por Oswaldo da Cruz. A ordem para conter as epidemias
de febre amarela, de peste bulbônica e de varíola, autorizavam as autoridades médicas e
policiais a invadirem as habitações para desinfetá-las e vacinar, se preciso á força, seus
moradores. Conforme expõe CAVALLARO58:
No Brasil, sob a direção do Prefeito Francisco Pereira Passos e depois de
outros governantes cariocas, a aplicação desse pensamento e o desejo de
57VALLADARES, Lícia do Prado. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. Texto apresentado no
XIV Encontro da ANPOCS. Caxambu, 1990, p. 7.
58CAVALLARO, James Louis. Operação Rio: o mito das classes perigosas. Niterói: Intertexto, 2001, p. 13.
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45
reproduzir as suas manifestações levam à expulsão de vendedores
ambulantes, engraxates e outros das classes populares das vias públicas e,
por conseguinte, o desenvolvimento das favelas, cena das mais violentas
violações dos direitos humanos [...] no Rio.
Contra a formação e crescimento das classes perigosas são adotadas decisões
políticas com o objetivo de proporem uma assepsia àqueles que não eram bem-vindos aos
ideais das elites nacionais.
A série de revoltas populares que ocorreram no país a partir do final do século XIX
serviu para sedimentar a noção ideológica de que as camadas populares eram, efetivamente,
“classes perigosas”. 59
Merecem destaque nesta época as seguintes revoltas: a Revolta do Vintém, que foi
uma reação popular contra o imposto sobre passagem de bonde (em 1880), a quebra de
lampiões em 1882 e as quebras de bonde e de trens nos primeiros anos do século XX e, a mais
importante, a REVOLTA DA VACINA em 1904.
Diante desse cenário, da ideologia das classes perigosas, emergem as teorias da
Escola Positiva de Criminologia defendendo a idéia da existência de criminosos natos:
propiciando assim, a produção de suspeitos a partir das características biológicas. O negro
foi considerado pela polícia brasileira, como padrão criminal, tipificado em boletins e
registros policiais.
3.2 A Oposição Ideológica entre Trabalhador e Vadio
Como a formação de um mercado de trabalho regular é condição indispensável
para a existência do modo capitalista de produção, com a abolição da escravatura no Brasil
tornou-se necessário engendrar uma nova ideologia sobre o trabalho, pois era preciso fazer
com que o liberto amasse o trabalho: era preciso transmitir a idéia de que o trabalho é o
59VALLADARES, Lícia do Prado. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. Texto apresentado no
XIV Encontro da ANPOCS. Caxambu, 1990, p. 8.
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46
valor supremo da vida em sociedade, pois os ex-escravos consideravam o trabalho
amaldiçoado, optando pelo ócio. VALLADARES60 citando CHALHOUB destaca:
[...] colocava-se o problema que o liberto, agora dono de sua força de
trabalho, se dispusesse a vender sua capacidade de trabalho ao capitalista
empreendedor. Para tanto o conceito de trabalho precisava se despir de seu
caráter aviltante e degradador – característico de uma sociedade escravista –
e ganhar uma valoração positiva.
Os ex-escravos não enxergavam o trabalho como positivo, a não ser quando
trabalhavam por conta própria. As humilhações, ressentimentos e ódios acumulados pelo
liberto sob a escravidão afetaram os ânimos dos negros e, pela necessidade de trabalhadores
exigidos pelo processo de industrialização recém constituído no país, era preciso atribuir uma
ética ao trabalho.
Conforme relata VITA61, havia no Brasil o medo que depois da abolição surgisse
uma massa de indivíduos que não mais se subordinariam ao trabalho regular e que se tornasse
uma classe que ameaçaria a propriedade e a ordem vigente. Isso fez com que o processo de
transição do cativeiro para o trabalho livre ocorresse com o máximo de controle por parte do
Estado.
O regime de trabalho escravo impôs uma deformação à própria idéia de
trabalho. Ainda que ninguém na sociedade escravocrata estivesse
completamente livre de trabalhar – nem mesmo os senhores – o trabalho,
especialmente as atividades manuais, era considerada algo próprio de
escravos, e não de homens livres.
60VALLADARES, Lícia do Prado. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. Texto apresentado no
XIV Encontro da ANPOCS. Caxambu, 1990, p. 9.
61VITA, Álvaro de. Sociologia da Sociedade Brasileira. 9. ed. São Paulo: Editora Ática, 1999, p. 41.
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47
A desvalorização social do trabalho era mais um dos motivos que impulsionavam
os ex-escravos a recusarem o trabalho, pois do ponto de visto do prestígio social, ser livre
significava não trabalhar para os outros: não servir a pessoa alguma. Neste contexto, segundo
VITA62:
Os fazendeiros (e muitos intelectuais brasileiros) entenderam essa
concepção de liberdade como uma “deformação moral” da raça negra: os
negos seriam “vadios”, “preguiçosos” e, por isso, não poderiam ser
integrados à “civilização”. O negro brasileiro escapava do cativeiro, mas
não do preconceito racial e da inferiorização social.
Deste modo, um verdadeiro exército de homens, mulheres e crianças, sobreviviam,
na maioria dos casos, à base de ganhos irregulares e, por esse motivo, não eram vistos como
um contingente humano produtivo, mas sim, como um “resíduo”. 63
As elites caracterizaram este contingente humano como integrantes de um mundo
do não-trabalho no qual viviam sob a égide de uma ética da malandragem. As pessoas que não
trabalhavam nas fábricas ou oficinas não eram consideradas trabalhadoras. Neste momento de
nossa história é notória a preocupação do governo com a disciplina do trabalho do liberto.
Havia o temor do ex-escravo não se sujeitar ao trabalho regular: tornando-se um “vadio” ou
rebelando-se contra o novo sistema de trabalho.
Nas palavras de VALLADARES64, a “concepção de trabalho era, portanto, restrita
e ligada às atividades econômicas que definiam a nova ordem industrial e urbana que se
implantava. E, no limite, só o trabalho assalariado era considerado trabalho”.
62VITA, Álvaro de. Sociologia da Sociedade Brasileira. 9. ed. São Paulo: Editora Ática, 1999, p. 41. 63VALLADARES, Lícia do Prado. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. Texto apresentado no XIV Encontro da ANPOCS. Caxambu, 1990, p. 10. 64VALLADARES, Lícia do Prado. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. Texto apresentado no XIV Encontro da ANPOCS. Caxambu, 1990, p. 10.
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48
Os seres humanos que não trabalhavam eram conhecidos como vadios e a
vadiagem era definida em oposição ao trabalho. “Vadio” era o termo utilizado pela sociedade
brasileira para se referir à pessoa que não laborava. Esta expressão apoiava-se na categoria
jurídica presente no Código Criminal brasileiro desde a época Imperial.
Política, jurídica e ideologicamente, a imagem da pobreza associou-se aos que não
trabalhavam nas fábricas. As pessoas que recusavam o trabalho fabril, provocando a alta no
valor dos salários, eram identificados com a ociosidade, a preguiça e a vagabundagem. Sendo
assim, a condição social da pobreza era remetida ao plano individual.
Essa ideologia também pressupunha que o trabalhador não fosse pobre. O
trabalhador recebia um salário e considerava-se que ele dispunha de um rendimento para sua
sobrevivência, fato que não acontecia com os que viviam na rua. O mundo da pobreza estava
ligado ao mundo do não trabalho, sendo o pobre aquele que não aceitava se transformar em
trabalhador.
Contudo, a CRIMINALIZAÇÃO do trabalho informal, decorrente da falta de
oferta de mão-de-obra, principalmente, nos primeiros anos decorrentes à abolição da
escravatura, somente começa a perder valor social depois da segunda metade do século XX. A
cultura de direito provocada por quase duas décadas de existência da legislação trabalhista no
Brasil e o acelerado crescimento do nosso processo de urbanização que tornou a demanda por
empregos maior que a sua oferta, foram os fatores responsáveis pela descriminalização formal
da pobreza.
3.2.1 Pobreza, Criminalidade e Subemprego
Com a aceleração da urbanização a partir da década de 50 do século passado as
estruturas do emprego no Brasil sofreram grandes transformações. Em decorrência de
significativos deslocamentos populacionais, principalmente, com as migrações do campo para
a cidade, os principais centros urbanos do país, sobretudo São Paulo e Rio de Janeiro,
sofreram o efeito de um volumoso processo de inchamento populacional. Este acelerado
processo de crescimento populacional que ultrapassava o desenvolvimento industrial tornou a
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49
criação de empregos no país insuficiente para atender as demandas impostas pelo crescimento
demográfico.
Neste novo cenário da vida social no Brasil, a preocupação com a pobreza
aumenta, pois seu crescimento torna-se visível. A própria noção de pobreza começa a sofrer
importantes alterações, pois, removido o fantasma da escravidão, agora se entendia que as
pessoas queriam trabalhar, porém, o mercado, em função de sua própria lógica de
funcionamento, não dispunha de mecanismos para suprir essa demanda. É neste contexto que
a pobreza urbana brasileira deixa de ser um caso de polícia e se torna uma questão social.
Deixando de ter como matriz espacial o cortiço carioca, a pobreza no Brasil,
depois dos anos 30, começa a se estampar sob outra forma espacial: a favela. Este novo
paradigma de configuração habitacional da pobreza, marcado por um acelerado processo de
urbanização, sorrateiramente vai se impondo no cenário das cidades em expansão - desde as
capitais regionais até os centros de médio e pequeno porte -, suplantando o cortiço e se
tornando o novo modelo de desenvolvimento econômico desigual. 65
Agora, a análise da pobreza se desloca da esfera do indivíduo para a estrutura
social, o subemprego e a favela tornam-se as maiores expressões do desenvolvimento
econômico desigual, do acelerado processo de urbanização e da exclusão social de amplos
segmentos da cidade.
A Carteira do Trabalho e a Previdência Social, popularizada como “Carteira
Profissional”, criada em 1932, além de documentar e registrar a trajetória profissional do
trabalhador, também passou a servir de atestado de antecedentes. 66 Ela oficializou a diferença
de duas classes, de um lado, os assalariados, e de outro, os não-assalariados. Esta nova
configuração da estrutura social do mundo do trabalho no Brasil valorizou a figura do
trabalhador.
65VALLADARES, Lícia do Prado. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. Texto apresentado no XIV Encontro da ANPOCS. Caxambu, 1990, p. 14. 66VALLADARES, Lícia do Prado. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. Texto apresentado no XIV Encontro da ANPOCS. Caxambu, 1990, p. 16.
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50
Houve também uma significativa mudança na concepção ideológica acerca do
espaço de moradia da pobreza. Diferentemente do cortiço que era concebido como o espaço
da pobreza e do crime, a favela, por sua vez, é vista como o local de moradia não somente de
criminosos, mas também, de trabalhadores pobres. De acordo com VALLADARES, desde os
anos 60 do século passado a renda passou a ser um importante referencial para a definição da
pobreza, uma vez que a população antes definida como marginal, agora passa a ser designada
como “população de baixa renda”. 67
A nova categorização, tomando o salário mínimo como parâmetro, introduz
a noção de pobreza enquanto o fenômeno de insuficiência de renda. Pobreza
torna-se sinônimo de carência, situação onde o atendimento das
necessidades biológicas e sociais dos indivíduos ou de suas famílias está
abaixo de um patamar mínimo. A partir deste novo princípio classificatório
torna-se possível diferenciar grupos no interior da população pobres aqueles
acima ou abaixo da linha da pobreza, aqueles com ou sem renda regular
medida em termos de salário-mínimo.
Durante a década 70 o Brasil sofreu profundas transformações na sua estrutura
econômica, social e urbana e, com isso, novas noções de pobreza se constituíram. 68
A partir dos anos 70, paralelamente à fase conhecida como do “milagre
econômico”, acentua-se a convivência da acumulação e da miséria,
chegando-se a índices de desigualdade social muito acentuado. Análises
feitas a partir a partir de dados agregados revelam a dimensão atingida pelo
fenômeno a nível nacional: em 1970, 53% das famílias residindo nas áreas
urbanas já tinham renda per capita inferior a meio salário-mínimo.
67VALLADARES, Lícia do Prado. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. Texto apresentado no XIV Encontro da ANPOCS. Caxambu, 1990, p. 18. 68VALLADARES, Lícia do Prado. Cem anos pensando a pobreza (urbana) no Brasil. Texto apresentado no XIV Encontro da ANPOCS. Caxambu, 1990, p. 20.
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51
O processo de urbanização brasileiro continua acelerado e em ritmo superior ao
demográfico. O crescimento rápido e desordenado das metrópoles provocou à “explosão” das
periferias e, os seus moradores, tornaram-se os novos excluídos da sociedade econômica
contemporânea.
Na esfera econômica o discurso sobre a pobreza adquire nova abordagem. Embora
permaneçam as concepções de setor econômico formal e setor econômico informal, agora há
mudanças significativas na sua relação com a pobreza. O setor informal, antes associado à
pobreza, converte-se em importante instrumento para o desenvolvimento econômico do país e
para a inclusão social: fala-se agora em trabalhador por conta própria ou trabalhador
independente.
3.3 A Oposição entre Trabalhadores Pobres e Bandidos
É possível afirmar que depois dos anos 50, no nosso país, houve um grande avanço
na concepção política e jurídica de pobreza, especialmente do ponto de vista da insuficiência
de renda, uma vez que o trabalhador passa a ser aquele que possui qualquer atividade lícita de
sobrevivência.
O trabalhador e o pobre como apregoava a ideologia do trabalho nas últimas
décadas do século XIX, posteriormente a segunda metade do século XX não são mais figuras
distintas, para analisar a linha de pobreza em que vivem, reconhece-se com a atual situação do
país que há muitos trabalhadores pobres que serão classificados conforme o valor da sua
renda. Sobre este tema Sonia ROCHA69 enfatiza que:
Com base no valor da renda, são consideradas pobres as pessoas cuja renda
familiar per capita é inferior à linha de pobreza, valor definido de forma a
refletir o custo de atendimento das necessidades básicas em determinado
momento e lugar.
69ROCHA, Sonia. Pobreza do Brasil: afinal, de que se trata? 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p. 76.
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52
Nesta nova etapa da vida econômica do Brasil não há mais a preocupação de
garantir o suprimento de mão-de-obra no mercado de trabalho, pois há muito mais
trabalhadores do que empregos, as pessoas que não estão trabalhando não são mais vistas
como vadias.
Apesar disso, não podemos dizer que o Brasil tornou-se uma referência de
democracia social. A segregação espacial provocada pelas políticas de remoção de população
e a expansão periférica decorrente da “explosão” urbana dos anos 70 e 80 fez com que pobres
e bandidos, duas referências originárias da exclusão econômica e social, compartilhassem o
mesmo ambiente geográfico. Isso provocou dificuldades para diferenciá-los e favoreceu a
criação de estereótipos e preconceitos.
Desta forma, como é nas favelas que a violência, a criminalidade, a desigualdade e
a exclusão social definem-se de forma mais abrangente, ela passa a ser entendida como um
gueto, exclusivamente, de marginais. De acordo com Newton FERNANDES e Valter
FERNANDES70:
Que esperar de crianças que vivem em favelas infectas, em promiscuidade
com elementos de toda a ordem, vendo as cenas mais deprimentes, os
gestos mais acanalhados, os procedimentos mais ignominiosos? Que esperar
de crianças que em pleno período de formação dormem ao relento, sentindo
frio, debaixo de pontes, à porta de casas comerciais, lado a lado com toda a
espécie de marginais adultos? Que esperar de crianças que prematuramente
conhecem os horrores da fome e que se alimentam de migalhas jogadas fora
ou da caridade pública?
A ausência de intervenção do Estado e a supremacia do poder paralelo do crime
organizado ajudam a reforçar os estereótipos que dão significado social à favela e aos seus
habitantes. As estatísticas sobre a criminalidade no Brasil possuem perfil bem definido e,
neste sentido, a criminalidade brasileira tem lugar de moradia e cor padrão.
70FERNANDES, Newton; FERNANDES, Valter. Criminologia Integrada. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 486-487.
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53
O perfil da pobreza, intimamente associado ao perfil da criminalidade no Brasil,
vem provocando uma série de confusões que acabam se convertendo em abusos da parte das
autoridades estatais incumbidas de reprimir a criminalidade. De acordo com Eugênio Raul
ZAFFARONI71 “o que ocorre geralmente nestes casos de violência às camadas mais baixas da
população é a aplicação da teoria da vulnerabilidade". Vulnerável aos abusos dos agentes do
Estado, do aparelho repressivo estatal, as pessoas pobres que vivem em lugares
marginalizados são o estereótipo para a prática do crime.
O brasileiro negro, por exemplo, mesmo deixando a condição de escravo e
ingressando no mercado assalariado de trabalho, ainda não alcançou o mesmo prestígio social
dos brancos. Por fazer parte do perfil da pobreza e da criminalidade, o negro brasileiro é a
principal vítima dos estereótipos que não conseguem dissociar pobreza de criminalidade.
Não é novidade que o passado escravo do negro brasileiro fez recair sobre ele um
preconceito racial que nunca deixou de ser exteriorizado, mesmo que de maneira discreta ou
camuflada, continuou se manifestando em maior ou menor grau, em todas as classes sociais.
Um exemplo deste preconceito pode ser verificado através dos métodos de abordagem da
polícia às pessoas negras, conforme relata o jornal “Folha de São Paulo”72:
Os negros são abordados com mais freqüência, recebem mais insultos e
mais agressões físicas que os brancos em São Paulo. A desvantagem,
revelada pela pesquisa Datafolha, não pára por aí: percentualmente, também
há mais revistados negros que qualquer outro grupo étnico.
Entre os da raça negra, quase metade (48%) já foi revistada alguma vez.
Desses, 21% já foram ofendidos verbalmente e 14%, agredidos fisicamente
por policiais.
Os pardos superam os negros em ofensas: 27% deles foram ofendidos
verbalmente e 12% agredidos fisicamente. Ao todo, 46% já foram
revistados alguma vez.
71ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p. 77. 72VERGARA, Rodrigo. Pesquisa sobre Violência Policial. São Paulo, 06 de abril de 1997. http://http://www.cefetsp.br/edu/eso/comportamento/pesquisaviolenciapolicia.html Acesso em 06 de maio de 2008.
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54
A população branca é menos visada pela polícia. Entre estes, 34% já
passaram por uma revista, 17% ouviram ofensas e 6% já foram agredidos,
menos da metade da incidência entre negros.
Conforme demonstram os dados desta pesquisa, as pessoas são abordadas por sua
aparência física – vestimentas - e grupo étnico: a pessoa que integra a tipificação psicológica
do crime acaba fazendo parte de um sistema seletivo e discriminatório: o integrante deste
perfil é POBRE. Isso faz da POBREZA uma forma de VIOLÊNCIA.
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55
4 CRIMINALIDADE E POBREZA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
4.1 A Pobreza na Concepção do Estado Liberal Clássico
Com a revolta social da burguesia em 1789, destruindo os alicerces que sustentavam o
absolutismo, O Estado Liberal surgiu com o lema dos revolucionários: "Liberdade,
Igualdade e Fraternidade", que resumia os reais desejos da burguesia: liberdade individual
para a expansão dos seus empreendimentos e a obtenção do lucro; igualdade jurídica com a
aristocracia visando à abolição das discriminações; e fraternidade dos camponeses com o
intuito de que apoiassem a revolução.
De acordo com José de Albuquerque ROCHA73, são as características básicas do Estado
Liberal:
[...] não intervenção do Estado na economia, vigência do princípio da igualdade formal, adoção da Teoria da Divisão dos Poderes de Montesquieu, supremacia da Constituição como norma limitadora do poder governamental e garantia de direitos individuais fundamentais.
Assim, o Estado Liberal cria os chamados direitos de primeira geração, que decorrem
da própria condição de indivíduo, de ser humano, situando-se no plano do ser, de conteúdo
civil e político, que exigem do Estado uma postura negativa, isto é, uma omissão estatal em
não invadir a esfera individual do nacional.
Conforme Ingo Wolfgang SARLET 74, os direitos civis e políticos são,
[...] por este motivo, apresentados como direitos de cunho “negativo”, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte
73 ROCHA, José de Albuquerque. Estudos sobre o Poder Judiciário. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 126 74 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. rev. Atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 56
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56
dos poderes públicos, sendo, nesse sentido, “direitos de resistência ou de oposição perante ao Estado”.
Na mesma linha de pensamento, expõe Sandro Cesar SELL75 que
[...] os direitos fundamentais têm sido tradicionalmente entendidos como direitos de defesa, cujas funções principais são:
1. limitar a ingerência do poder público na esfera individual;
2. atribuir ao indivíduo poder para exercer os direitos que sob a rubrica de “fundamentais” foram constituídos.
Por direitos de defesa entende-se a proteção do indivíduo contra o Estado, contra as
agressões sofridas à dignidade dos indivíduos em geral.
A igualdade formal do Estado Liberal foi substituída pela igualdade material, que não
somente considera todas as pessoas abstratamente iguais perante a lei, mas se preocupa com a
realidade de fato, que reclama um tratamento desigual para as pessoas efetivamente desiguais,
a fim de que possam desenvolver as oportunidades que lhes assegura, abstratamente, a
igualdade formal. Surge, então, a necessidade de tratar desigualmente as pessoas desiguais, na
medida de sua desigualdade.
Através dos direitos individuais, notadamente o da liberdade, foi construído os pilares
que fundamentam a criação dos direitos sociais. Surgem, desta forma, os direitos de segunda
geração, de conteúdo econômico e social, que almejam melhorar as condições de vida e
trabalho da população, exigindo do Estado uma atuação positiva em prol dos explorados,
compreendendo, dentre outros, o direito ao trabalho, à saúde, ao lazer, à educação e à
moradia. 76
Assim, ampliam-se os direitos subjetivos materiais, exigindo um compromisso dos
governantes em relação aos governados, com vistas a lhes proporcionar, dentre outros, direito
à educação, à saúde e ao trabalho, que se situam no plano do ter, diferentemente dos direitos
assegurados pelo liberalismo, que se estabelecem no plano do ser.
75SELL, Sandro Cesar. Ação Afirmativa e Democracia Racial: Uma introdução ao debate no Brasil.Florionópolis: Boiteux, 2002. p.38 76 Inserida no rol do art.6º da C.F./88 por meio da Emenda Constitucional nº. 26/2000.
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57
Os direitos sociais são todos indisponíveis, pois é um meio para se alcançar a
plenitude do ser humano, enquanto que os direitos individuais dividem-se em disponíveis.
O Estado Democrático de Direito surge como uma tentativa de corrigir algumas falhas
presentes no Estado Social, a igualdade pregada pelo Estado Liberal, fundada num elemento
puramente formal e abstrato, não tem base material que se realize na vida concreta.
De acordo com Noberto BOBBIO77:
Estado Liberal e Estado Democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais. Em outras palavras: é pouco provável que um Estado não liberal possa assegurar um correto funcionamento da democracia, e de outra parte é pouco provável que um Estado não democrático seja capaz de garantir as liberdades fundamentais.
O Estado Democrático de Direito cria os direitos de terceira geração, que se situam no
plano do respeito, de conteúdo fraternal, compreendendo os direitos essencial ou naturalmente
coletivos, isto é, os direitos difusos e os coletivos, passando o Estado a tutelar, além dos
interesses individuais e sociais, os transindividuais (ou metaindividuais), que compreendem,
dentre outros, o respeito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a paz, a
autodeterminação dos povos e a moralidade administrativa.
Paulo BONAVIDES78, ao tratar da existência dos direitos de quarta geração, nos
ensina que a "globalização política - na esfera da normatividade jurídica - introduz os direitos
de quarta geração que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado
Social”: compreendendo, dentre outros, o direito à democracia, à informação e ao pluralismo
político, étnico e cultural.
77 BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: uma defesa das regras do jogo. 2ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986, p. 20. 78 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 524.
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58
Segundo ABREU79, o liberalismo clássico limitava-se à concessão dos direitos civis e
políticos, pois a teoria do Contrato Social, seu pressuposto ideológico, defendia que as
desigualdades sociais resultavam da incompetência do ser humano para se adaptar à sociedade
industrial. Assim, dizia que todos os seres humanos se inseriram em condições de igualdade
na sociedade moderna: àqueles que manifestaram de forma competente sua liberdade e
igualdade prosperaram e enriqueceram e, àqueles que foram incompetentes no uso de seus
direitos civis e políticos, fracassaram e tornaram-se pobres. Por isso, a ideologia liberal
defendia que o Estado não deveria interferir na moderna economia industrial, criando uma
legislação trabalhista, por exemplo. As desigualdades eram vistas como produtos da
incompetência no uso de direitos e, não cabia ao Estado, corrigir erros decorrentes da
incompetência humana. Todavia, o liberalismo sempre foi ideologicamente concebido como o
regime político que propiciava a ascensão social: proporcionando ao pobre de hoje a
esperança de tornar-se rico no futuro.
Neste sentido, o Estado Liberal clássico assegurava à sociedade, em geral, apenas os
direitos de liberdade civil e de igualdade de participação nos mecanismos decisórios de poder:
1° geração; negligenciando os direitos de bem-estar-social: 2° geração.
Segundo KELSEN80, os "chamados Direitos Políticos costumam ser definidos como a
capacidade ou o poder de influir na formação da vontade do Estado, o que quer dizer: de
participar na produção da ordem jurídica - em que a vontade do Estado se exprime".
É dentro desse contexto que os direitos sociais, em regra, dependem de uma prestação
material do Estado, vinculada à melhoria e distribuição dos recursos existentes e à busca e
criação de meios e bens essenciais para o uso dos indivíduos. Apresentam-se como uma
dimensão positiva do Estado no intuito de patrocinar um bem-estar social. Caracterizam-se
por outorgarem aos indivíduos direitos a prestações sociais por parte do Estado, tais como
assistência social, saúde, educação e trabalho.
Justamente por terem como objeto uma conduta positiva, consistente em prestações, os
direitos sociais reclamam uma posição ativa do Estado nas esferas econômica e social.
79 ABREU, Jonas Modesto de. Ciência Política. São Paulo: EDUCON, 2007. 80 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra: Arménio Amado Editor, 1979, p. 165.
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59
Diferentemente do que ocorre com os direitos de defesa, que são diretamente aplicáveis e
capazes de desencadear todos os seus efeitos jurídicos extraídos do texto constitucional, a
questão da aplicabilidade e efetividade dos direitos sociais suscita grandes dúvidas em todo o
ordenamento jurídico pátrio, tornando os direitos sociais uma letra morta no texto
constitucional: os direitos sociais são definidos como direitos positivos, ou seja, são direitos
que o Estado objetiva dar ao cidadão. Contudo, objetivar é diferente de ser obrigação ou dever
e, por isso, o Estado somente propiciará os direitos sociais ao cidadão se houver condições
materiais para isso.
4.2 O Respeito e a Tolerância como Fundamentos do Estado Democrático de Direito
As lutas históricas de distintos grupos sociais contribuíram para a construção do
Estado Democrático de Direito, sendo que os direitos fundamentais são o produto peculiar do
pensamento liberal clássico.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, consolidou os direitos
de liberdades no mundo ocidental. Conforme SARLETS81:
Está consagrado no artigo 5° da Constituição da República Federativa do
Brasil o direito à liberdade, que é complementado por um leque de
liberdades: o direito à escolha, à opção, o livre arbítrio, ao poder de
coordenação consciente dos meios necessários à realização pessoal, à
liberdade de expressão coletiva, à participação política, ao ir e vir da pessoa
física, entre outras liberdades.
Contudo, sabemos que o art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil
fundamenta-se no art. 2º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948,
documento de Direitos Humanos instituído para proteger as minorias sociais da opressão de
estados autoritários ou do preconceito da sociedade. Apesar disso, não se pode afirmar que a
liberdade individual é exercida de forma plena, livre de cerceamentos e imposições sociais.
Na prática cotidiana, nem sempre esses direitos são respeitados, sendo que a sociedade
81 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 56
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60
estabelece limite de tolerância, você pode ser negro até certo ponto, pode ser homossexual até
certo ponto.
O preconceito segundo José Leon CROCHIKC82 “[...] é um fenômeno que não se
localiza somente no indivíduo que o contém e na sua vítima potencial ou real, mas também na
sociedade que pode inibi-lo ou suscitá-lo.”
Os direitos fundamentais sempre foram violados pelo preconceito do Estado, que
ocorre quando a moral social segrega e marginaliza as diferenças, e essas diferenças são
adotadas como política de governo. Conforme os ensinamentos de Ricardo Henriques83 “A
privação de direitos ocorre também à margem do próprio ordenamento, principalmente
quando não há garantias eficazes para assegurar a efetividade do direito à não-discriminação.”
Os direitos sociais também são violados pelo preconceito social, que é uma
manifestação da moral social que segrega e marginaliza os seres humanos que não se
enquadram nos padrões impostos pela sociedade. O direito à liberdade preserva a dignidade
da pessoa humana e, quando os direitos de liberdade são violados, uma parcela da sociedade
fica impedida de se tornar sujeito de direitos: é o caso da luta pela legalização da união civil
de pessoas do mesmo sexo no Brasil, por exemplo.
Há inúmeros exemplos históricos de privação legal de direitos. No Brasil, a
Constituição do Império excluía do direito de votar na eleição dos deputados, senadores e
membros dos Conselhos de província os escravos libertos, os que não tivessem renda líquida
anual de duzentos mil réis por bens, indústria, comércio ou emprego. O direito de voto
somente foi constitucionalmente assegurado às mulheres em 1934, e aos analfabetos em 1988.
Sendo que o artigo 5°, caput da Constituição da República Federativa do Brasil, declara que
todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
82 CROCHIK, José Leon. Preconceito: Indivíduo e Cultura. São Paulo: Rode Editorial, 1977. p. 42 83 HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade Racial no Brasil: Evolução das Condições de Vida na década de 90. Rio de Janeiro: IPEA, 2001. p.35
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61
Conforme Teresa Pires CALDEIRA84, “[...] uma das condições necessárias para a
democracia é que as pessoas reconheçam os membros de grupos sociais diferentes dos seus
concidadãos, isto é, como pessoas que têm os mesmos direitos.”
Sempre houve separação e seletividade, e o discurso liberal, que defendia as interações
sociais baseado na igualdade dos cidadãos, nunca se concretizou na sua totalidade, e com isso,
o preconceito impede que uma parcela da sociedade, ainda hoje, se torne sujeito de direitos.
4.3 A Pobreza e o Preconceito como Formas de Violência
O termo violência é usado nos mais diferentes contextos e significados, pode-se falar
em violência dos criminosos, dos policias, das leis, da política, da família, do trabalho, da
natureza, das diferenças sociais, entre outras situações. Sobre o conceito de violência salienta
Yves MICHAUD85:
[...] o termo “violência” designa fatos e ações; de outro, designa uma
maneira de ser da força, do sentimento ou de um elemento natural –
violência de uma paixão ou de natureza. No primeiro caso, a
violência opõe-se à paz, à ordem que ela perturba ou questiona. No
outro, é a força brutal ou desabrida que desrespeita as regras e passa
da medida.
A violência poderá estar implícita, como exemplo tem-se a privação, estando a
violência na idéia de privar, isto é, de destituir, despojar, desapossar alguém de suas coisas, de
seus direitos fundamentais, inclusive de se realizar como homem. Nesta violência não há
identificação do sujeito, não há como isolá-lo, é a violência mascarada, invisível, pode-se citar
84 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Enclaves fortificados: a nova segregação urbana. São Paulo: Novos Estudos CEBRAP, 1991, p. 175. 85 MICHAUD, Yves. A Violência. São Paulo: Editora Ática S.A, 1989, p. 7.
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62
inúmeras violências implícitas: propagandas de cigarro (violência à saúde), o preconceito, a
falta de informação, o não acesso aos estudos, a corrupção entre outras.
Para dar conta de nossos objetivos, vale destacar que a exclusão social e a pobreza
também são formas de violência, a sociedade brasileira convive com amplas parcelas de sua
população excluídas dos seus direitos. Muitos fatores contribuem para este cenário social:
situação ocupacional, carência de profissionalização, baixa escolaridade, gênero, origem
regional, idade, e acima de tudo, a cor. Os negros encontram-se situados nos degraus
inferiores da sociedade.
Conforme demonstra o Censo Demográfico de 2000 do IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística), o analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais anos varia de acordo
com a cor. Enquanto na população de cor branca o analfabetismo representa 8.3%; entre os da
cor preta o percentual é de 21.5%; entre os pardos a taxa é de 18.2%. Apesar da média de
anos de estudo ter aumentado de forma generalizada na última década, as desigualdades
raciais permanecem. Em 2000, a população branca tinha em média 6.6 anos de estudo,
enquanto a de cor preta tinha 4.6 anos e a parda, 4.9 anos.
O censo também destaca que os pardos e pretos ocupados recebem metade do
rendimento do branco. O rendimento médio da população ocupada preta e parda ficou em
torno de 50% do rendimento dos brancos: os pretos e pardos ganhavam em média 2.2 salários
mínimos mensais, enquanto a média para os brancos era de 4.5 mínimos.
Quanto à proporção de renda nacional, os 1% mais ricos da população brasileira que
detinham quase 14% do rendimento do país, 88% eram de cor branca, enquanto que entre os
10% mais pobres, que detinham apenas 1% do rendimento total, 68% se declararam de cor
preta ou parda.
O preconceito racial contra o negro é uma realidade que não pode ser negligenciada
em nosso país. É notório que até uma década atrás o negro somente era retratado em novelas
de TV interpretando papéis de agentes sociais subalternos. O negro nunca era apresentado
como uma pessoa bem sucedida na vida, um ser humano de sucesso. Ainda prevalece na
sociedade nacional o conceito da boa aparência, no qual o negro não se enquadra.
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63
A sociedade tenta disfarçar seu preconceito acusando o negro de também ser
preconceituoso, alegando que ele prefere namorar mulheres brancas, recusando as negras.
Não percebem que a cultura do preconceito diz ao negro o tempo todo que ser bonito é ser
branco, ser negro é ser feito. Nesse sentido, até quem sofre o preconceito prefere o bom e o
belo: o negro “preconceituoso” é uma vítima inconsciente do preconceito dos brancos.
É comum ver as pessoas utilizando expressões do vocabulário nacional que
reproduzem a cultura do preconceito contra o negro. Dizer “denegrir” tem sentido original
preconceituoso; o mesmo vale para “a coisa está preta” e tantas outras expressões
incorporadas à nossa língua. Até mesmo os índices criminais são chamados
preconceituosamente de cifras “negras” da criminalidade.
De modo geral, o perfil da pobreza e da discriminação racial, intimamente
associado ao perfil da criminalidade no Brasil, vem provocando uma série de confusões que
acabam se convertendo em abusos e violências da parte das autoridades estatais incumbidas
de reprimir a criminalidade. De acordo com Eugênio Raul ZAFFARONI86 “o que ocorre
geralmente nestes casos de violência às camadas mais baixas da população é a aplicação da
teoria da vulnerabilidade". Vulnerável aos abusos dos agentes do Estado, do aparelho
repressivo estatal, as pessoas pobres que vivem em lugares marginalizados, são o estereótipo
para a prática do crime: o negro continua sendo a principal vítima dessas teorias.
Muitas pesquisas comprovam que a pobreza provoca exclusão social e
marginalização, inclusive, a criminalização de minorias sociais. Segundo Pedro DEMO87:
Exclusão seria noção familiar nos últimos anos, destinada a retratar a
angústia de numerosos segmentos da população, “inquietos diante do
86 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p. 77.
87 DEMO, Pedro. Charme da Exclusão Social: Polêmicas do nosso tempo. Campinas: Editora Autores Associados, 1998, p. 17.
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64
risco de se ver um dia presos na espiral da precariedade”,
acompanhando “o sentimento quase generalizado de uma degradação
de coesão social”. Busca, então, distinguir entre precariedade e
exclusão, colocando a primeira como estágio anterior, e aparecendo
aí a novidade do fenômeno e mesmo a emergência de “novo
paradigma” de pobreza.
A respeito da exclusão social, ainda citando Pedro DEMO88:
Trata-se da população marcada pela vagabundagem, mendicância,
criminalidade e atividades infames. Seriam traços comuns: falta de
acesso ao patrimônio e ao trabalho regulado, obrigando-se a viver de
expedientes eventuais e da mendicância; mobilidade incontrolada;
formas típicas de relações familiares e sociais, estigmatizadas por
liames pouco coesos. Fala de “desenraizamento”, como fenômeno
fundamental no começo do processo de exclusão.
As classes médias e altas afastam-se das favelas e das periferias, espaço físico definido
como perigoso, no qual habitam os pobres e a grande maioria dos excluídos. É o espaço
concebido como da desordem, é a fábrica de marginais. É o lugar onde há precariedade nos
transportes e vias de acesso, na infra-estrutura, na segurança e em diversos serviços públicos:
é o espaço do isolamento em razão do padrão sócio-econômico dos habitantes.
Esses fatores sociais resultam na negação dos direitos e garantias oferecidas pelo
Estado Democrático, ou seja, a exclusão social, que favorece a violência criando e mantendo
grupos vulneráveis à violação dos seus direitos. Como salienta DEMO89: “Aqueles que são
chamados de pobres ou de excluídos são designados como tais em função das normas
específicas de bem-estar e de participação na vida coletiva em cada sociedade num momento
de sua história.”
88 DEMO, Pedro. Charme da Exclusão Social: Polêmicas do nosso tempo, p. 17. 89 DEMO, Pedro. Charme da Exclusão Social: Polêmicas do nosso tempo, p. 29.
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65
Sendo que a marginalização resulta de comportamentos anti-sociais, condutas
desviantes, as pessoas que vivem a partir da subalternidade, têm um conjunto de perspectivas,
interesses, ações e características específicas de sua categoria e reiteram a condição de
desigualdade vigente na sociedade. São esses fatores que caracterizam as relações nas quais a
pobreza tende a proporcionar a marginalização e a exclusão de pessoas nas interações sociais.
A exclusão social produz sujeitos que são alvos preferenciais de violência. O evitar
social prejudica a formação de um espaço público democrático no qual todos sejam
reconhecidos como portadores dos mesmos direitos. Os pobres, em geral, estão em uma
situação social que os torna vítimas preferenciais da marginalização.
É neste contexto que a pobreza causa criminalidade, nesta disparidade entre ricos e
pobres. Quanto mais desigualdade social, mais violência e criminalidade. O nível de
desigualdade social é a principal causa da criminalidade. Porém, outros fatores, nos quais
alguns também derivem do perfil da pobreza, também pesam e agravam o problema da
criminalidade no Brasil.
4.4 As Minorias Sociais e o Preconceito no Brasil Contemporâneo
De acordo com ABREU90, as minorias são grupos específicos que, em regra, não
compartilham dos interesses predominantes na sociedade. As minorias políticas e sociais são
compostas por idosos, crianças, mulheres, negros, indígenas, portadores de necessidades
especiais, pessoas com opção sexual diferenciada, pessoas que professam crenças religiosas
diferentes da predominante, pessoas que pertencentes a grupos étnicos minoritários etc.
Tratar de minorias não significa, necessariamente, falar de um grupo menor de
pessoas, mas sim, de grupos específicos que não compartilham dos interesses predominantes
da sociedade. É o ensinamento de PINSKY91
90 ABREU, Jonas Modesto de. Ciência Política. São Paulo: EDUCON, 2007. 91 PINSKY, James. 12 faces do preconceito. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 2000, p. 22.
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66
É evidente que o total de pessoas atingidas pelo preconceito constitui a maioria numérica da sociedade, principalmente se nela incluirmos as mulheres, [...] negros, nordestinos e descendentes de algumas das nacionalidades já mencionadas, as “minorias” se transformarão em esmagadora maioria.
Ainda citando PINSKY92, é “importante notar que, a partir de uma generalização, o
preconceito enquadra toda a minoria.”
Afinal, todos nós sabemos que a visão preconceituosa afirma, de forma generalizante,
que os franceses não tomam banho; que os mexicanos são preguiçosos; que os árabes são
desonestos, que os cariocas são folgados; que os nordestinos são miseráveis. O negro,
normalmente é visto com alguém que não tem o mesmo potencial que o branco, a não ser em
algumas atividades como o esporte, a música, a dança e algumas outras atividades que exigem
mais do corpo e menos da inteligência.
Os grupos minoritários da população são constrangidos em favor dos majoritários.
Sabe-se que o Brasil ostenta muitos crimes contra gays, lésbicas, travestis e negros. Não há
tolerância com o diferente, com o outro. Parece haver uma necessidade de car imbar o
“outro” com a marca de qualquer infer ior idade.
É nesse sentido que uma sociedade democrática deve combater com todas as forças
essas generalizações e imagens preconceituosas que permeiam o nosso cotidiano. Uma
democracia deve se basear na igualdade de oportunidades e na distribuição igualitária de
direitos e deveres entre seus membros.
4.5 O Princípio da Igualdade no Brasil Contemporâneo
A Constituição da República federativa do Brasil de 1988 trata do princípio da
igualdade de direitos, definindo que todos os cidadãos têm direito de tratamento idêntico pela
92 PINSKY, James. 12 faces do preconceito, p. 22.
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67
lei. Salienta SELL93 que tradicionalmente, “o Princípio da Isonomia, inscrito nas
constituições, refere-se à igualdade no seu regime jurídico-formal (igualdade perante a lei).
Conforme o artigo 5° da Constituição da República Federativa do Brasil94:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...].
Conforme expõe Alexandre de MORAES95, o que se veda são as diferenciações
arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na
medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça.
A desigualdade na lei se produz quando a norma não é razoável ou é arbitrária a um
tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser
consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva
e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência
deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar
presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a
finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias
constitucionalmente protegidos. 96
Os seres humanos na sociedade são diferenciados, há diferenças de sexo, de profissão,
de atividade, de situação financeira e de etnia, entre outras. Com isso, a lei deve atender essas
diferenças. Os tratamentos desiguais quando verificado uma finalidade proporcional estará em
compatibilidade com a Constituição Federativa do Brasil. Quando não há uma finalidade
proporcional ao fim visado, a conduta será considerada discriminatória, preconceituosa ou
racista.
93 SELL, Sandro César. Ação Afirmativa e Democracia Racial: Uma introdução ao debate no Brasil. Florionópolis: Boiteux, 2002, p. 42. 94 Constituição da república do Brasil: promulgada em 05 de outubro de 1988. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 5. 95 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p 31. 96 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 32.
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68
Contudo, não pode-se deixar de destacar que a nossa cultura está voltada para a
desigualdade: tem-se pavor da igualdade. Conforme descreve DAMATTA97, predomina na
sociedade brasileira a cultura “do você sabe com quem está falando?”. Sempre, independente
da situação de status ou classe social, gostamos de dizer que somos superiores aos outros:
isso é problemático para a formação de uma cultura de igualdade que favoreça a consolidação
do Estado Democrático de Direito. Pelos reflexos negativos dessa cultura que abomina a
igualdade, não há aceitação políticas de Ações Afirmativas para diminuir as desigualdades,
como acontece com as cotas para afro-descendentes e indígenas nas universidades, por
exemplo. Nessa hora é defendido que é inconstitucional, pois, somos todos iguais. É a falsa
igualdade que mantém e reproduz a desigualdade e a marginalização de minorias sociais.
Somente não se reconhece a desigualdade quando as diferenças são sociais, pois
quando as diferenças são físicas, ninguém reclama da violação da igualdade formal: perceba
que há uma tranqüila aceitação das cotas para deficientes físicos em concursos públicos, por
exemplo. Isso é fruto da ideologia liberal clássica que ainda norteia nossa visão de justiça:
concebendo as desigualdades sociais como oriundas da incompetência humana ou do uso do
livre-arbítrio. Assim, a explicação para os negros “nunca” aparecem na foto dos formandos do
“Largo de São Francisco”, encontra-se ou no argumento de que eles foram menos
competentes que os brancos no vestibular ou, simplesmente, no argumento de que eles não
quiseram estudar direito na mais conceituada faculdade pública do nosso país.
Mas, contemporaneamente, aponta José Afonso da SILVA98 [...] se o objetivo for dar
sentido operacional à norma isonômica, necessário se faz que se veja nela também um
elemento apto à construção de igualdades materiais. Essa construção de igualdade material
ocorre quando a lei privilegia os grupos sociais mais fragilizados, com o objetivo que esses
possam usufruir dos direitos das classes dominantes.
97DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis: um ensaio sobre a distinção entre indivíduo e pessoa
no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1997.
98 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 218.
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Quanto mais progridem e se organizam as coletividades, maior o grau de
diferenciação a que atinge seu sistema legislativo. A lei raramente colhe no
mesmo comando todos os indivíduos, quase sempre atende a diferenças de
sexo, profissão, de atividade, de situação econômica, de posição jurídica, de
direito anterior; raramente regula do mesmo modo a situação de todos os
bens, quase sempre os distingue conforme a natureza, a utilidade, a
raridade, a intensidade de valia que ofereceu a todos; raramente qualifica de
um modo único as múltiplas ocorrências de um mesmo fato, quase sempre
os distingue conforme as circunstâncias em que se produzem, ou conforme
a repercussão que têm no direito geral. Todas essas situações, inspiradas no
agrupamento natural e racional dos indivíduos e dos fatos, são essenciais ao
processo legislativo, e não ferem o princípio da igualdade. Servem, porém,
para indicar a necessidade de uma construção teórica, que permita distinguir
as leis arbitrárias das leis conforme o direito, e eleve até esta alta triagem a
tarefa do órgão do Poder Judiciário. 99
Diante disso, a diferença de tratamento é constitucional quando há uma finalidade.
Como lembra Alexandre MORAES100, “[...] o que está protegido pelo Princípio da Isonomia
não são determinadas situações, mas determinadas finalidades.” É preciso analisar se o
tratamento desigualitário está a serviço de uma finalidade pelo direito, se ele justifica a
desigualdade de tratamento.
Além do mais, a igualdade que está presente na Constituição Federativa da República
do Brasil é a igualdade formal e não a material, sendo necessário atender as exigências sociais
e culturais da sociedade brasileira.
4.6 As Ações Afirmativas como Mecanismos de Inclusão e de Democracia Social
99 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 8 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 6. 100MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, 8 ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 51-52.
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A ação afirmativa tem como objetivo eliminar as desigualdades historicamente
acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidades e tratamento, bem como, compensar
perdas provocadas pela discriminação e marginalização decorrentes de motivos raciais,
étnicos, religiosos, de gênero e outros. Sobre este tema, SELL101 destaca:
A Ação Afirmativa consiste numa série de medidas destinadas a corrigir uma forma específica de desigualdade de oportunidades sociais: aquela que parece estar associada a determinadas características biológicas (como raça e sexo) ou sociológicas (como etnia e religião), que marcam a identidade de certos grupos na sociedade. Inspira-se no princípio de que a negação social de oportunidades a esses grupos é um mal que deve ser combatido, enfaticamente, com políticas específicas.
Nas palavras de Petronilha Beatriz Gonçalves e SILVA e Valter Roberto SILVÉRIO102:
Ação afirmativa é um conceito que indica que, a fim de compensar os negros e outras minorias [...] pela discriminação sofrida no passado, devem ser distribuídos recursos sociais como empregos, educação, moradias, etc. De forma tal a promover o objeto social final da igualdade.
Essas Ações Afirmativas possibilitam um grau de cidadania mínima aos excluídos, de
forma que atinjam condições de serem efetivamente beneficiados por políticas públicas,
contrariando as velhas formas de privilégios: como o cientelismo. É o reconhecimento dos
grupos sociais mais oprimidos (índios, negros e mulheres) que passam a ser reconhecidos por
suas diferenças.
De acordo com SELL103, no passado, os negros ajudaram a construir as grandes
fortunas através de seu trabalho escravo. Tais fortunas – e o prestígio e respeito social que
lhes são agregadas – foram transmitidas à descedência branca. Agora seria a hora de ações
compensatórias aos negros.
Desta maneira, a sociedade estaria devolvendo aos negros e descendentes o
empréstimo feito no passado, estaria pagando a sua dívida social.
101SELL, Sandro Cesar. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no Brasil. Florionópolis: Fundação Boiteux, 2002, p. 15. 102SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e; SILVÉRIO, Valter Roberto. Educação e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2003, p. 86. 103 SELL, Sandro César. Ação afirmativa e democracia racial: uma introdução ao debate no Brasil. p.19
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O negro definido nas Ações Afirmativas não seria aquele resultante apenas do tipo de
pigmentação epidérmica, mas pela estrutura sócio-cultural. Conforme o pesquisador da
identidade negra no Brasil, Joel Rufino dos SANTOS104, as referências de definição seriam:
[...] a cor da pele, a cultura popular, a ancestralidade africana, a ascendência escravocrata (remota ou próxima), a pobreza, a atribuição da identidade de negro pelo outro e a assunção dessa identidade por si.
A Ações Afirmativas, são benéficas, em qualquer sentido de inclusão, para a
sociedade brasileira, pois somente no que diz respeito à questão do negro de nosso país,
pesquisas recentes realizadas pelo IBGE e pelo IPEA, demonstram a gravidade gritante da
exclusão do negro na sociedade brasileira.
Conforme demonstram SILVA e Roberto SILVÉRIO 105, do total dos universitários
brasileiros, 97% são brancos, 2% negros e 1% de descendentes de orientais. Dos 22 milhões
de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, 70% são negros. Dos 53 milhões de
brasileiros que vivem na pobreza, 63% são negros. Isso, por si só, já justificaria uma política
preferencial que justificasse reparar as perdas no processo de desenvolvimento social entre os
brancos e negros. Seria uma forma de atenuar os vários efeitos negativos que decorrem da
VIOLÊNCIA da POBREZA.
104 SANTOS, Joel Rufino dos. A inserção do negro e seus dilemas. Brasília: Centro de Estudos Estratégicos, 1996, p. 114. 105 SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e; SILVÉRIO, Valter Roberto. Educação e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2003, p. 118.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa bibliográfica que orientou este trabalho comprova as hipóteses iniciais de
que houve, historicamente no Brasil, um forte interesse das elites nacionais de associar a
pobreza à criminalidade. Isso, indubitavelmente, produziu ESTEREÓTIPOS tanto
geográficos, quanto sociais, da violência e da criminalidade brasileira da atualidade.
Com isso, pode-se concluir afirmando que a pobreza é uma forma de violência, pois
ela provoca a exclusão social e marginalização. De modo geral, o perfil da pobreza e da
discriminação racial está intimamente associado à criminalidade no Brasil.
Esses fatores sociais resultam na negação dos direitos fundamentais e garantias
oferecidas pelo Estado Democrático de Direito, criando grupos vulneráveis à violação de
direitos.
A sociedade brasileira possui sérios problemas sociais, exigindo um tratamento
diferenciado aos seus cidadãos, nos casos justificados, para tentar atenuar os efeitos negativos
provocados pelas desigualdades e pelos preconceitos. Um desses efeitos negativos é o
aumento constante da violência e da criminalidade.
Como foi possível perceber, o respeito e a tolerância são elementos fundamentais para
a consolidação do Estado Democrático de Direito e, reconhecido o processo histórico de
preconceitos e exclusões sofrido pelas minorias sociais de nosso país, torna-se relevante
defender as ações afirmativas como mecanismos de inclusão e de democracia social.
A criminalidade no Brasil é o resultado de fatores históricos, uma herança colonial
que marcou a formação e o desenvolvimento de suas classes sociais. A pobreza é uma forma
de violência que precisa ser combatida. Não pode-se continuar de olhos fechados para as
estatísticas da desigualdade social e racial brasileira. Não pode-se continuar reproduzindo a
cultura, predominante na sociedade brasileira, “do você sabe com quem está falando?”.
Precisamos para de falar em igualdade somente quando isso serve para manter as
desigualdades: porque culturalmente, não aceitamos ser iguais e, reconhecer a desigualdade, é
abrir caminho para a busca da igualdade. Não dá para continuar defendendo uma falsa
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igualdade que mantém e reproduz a desigualdade e a marginalização de minorias sociais. Na
dá para continuar alegando que as diferenças sociais são decorrências da incompetência
humana ou do uso do livre-arbítrio. Precisamos consolidar o ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO no Brasil: será um bem para todos!
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