Post on 06-Nov-2020
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE BIOLOGIA
CURSO DE MESTRADO PROFISSIONAL EM DIVERSIDADE E INCLUSAtildeO
DAISE DOS SANTOS PEREIRA
A QUESTAtildeO EacuteTNICO-RACIAL A PARTIR DO OLHAR DA
CRIANCcedilA A INCLUSAtildeO DA DIVERSIDADE POR MEIO
DE EXPERIEcircNCIAS ESCOLARES INSTITUINTES
Dissertaccedilatildeo de Mestrado submetida agrave Universidade Federal Fluminense visando agrave obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Diversidade e Inclusatildeo
Orientadora Profordf Drordf Rejany dos Santos Dominick
Niteroacutei 2016
II
DAISE DOS SANTOS PEREIRA
A QUESTAtildeO EacuteTNICO-RACIAL A PARTIR DO OLHAR DA CRIANCcedilA A
INCLUSAtildeO DA DIVERSIDADE POR MEIO DE EXPERIEcircNCIAS
ESCOLARES INSTITUINTES
Trabalho desenvolvido no Instituto de Biologia Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo Universidade Federal Fluminense
Dissertaccedilatildeo de Mestrado submetida a Universidade Federal Fluminense como requisito parcial visando agrave obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Diversidade e Inclusatildeo
Orientadora Profordf Drordf Rejany dos Santos Dominick
III
Ficha Catalograacutefica elaborada pela Biblioteca Central do Valonguinho
IV
DAISE DOS SANTOS PEREIRA
A QUESTAtildeO EacuteTNICO-RACIAL A PARTIR DO OLHAR DA CRIANCcedilA A
INCLUSAtildeO DA DIVERSIDADE POR MEIO DE EXPERIEcircNCIAS
ESCOLARES INSTITUINTES
Dissertaccedilatildeo de Mestrado submetida a Universidade Federal Fluminense como requisito parcial visando agrave obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Diversidade e Inclusatildeo
Banca Examinadora
_________________________________________________________________________ Rejany dos Santos Dominick ndash Departamento de Sociedade Educaccedilatildeo e Conhecimento ndash Faculdade de Educaccedilatildeo UFF (OrientadorPresidente)
Maacutercia Guerra Pereira ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuterias e Culturas Africanas e Afro-Brasileiras IFRJ _________________________________________________________________________ Luiz Antocircnio Botelho Andrade ndash Departamento de Imunobiologia ndash Instituto de Biologia UFF _________________________________________________________________________ Niacutevea Maria da Silva Andrade ndash Departamento Sociedade Educaccedilatildeo e Conhecimento ndash
Faculdade de Educaccedilatildeo UFF
_________________________________________________________________________
Dagmar de Mello e Silva ndash Departamento de Fundamentos ndash Faculdade de Educaccedilatildeo
UFF (Suplente e Revisora)
V
Dedico a todos os meus alunos sem distinccedilatildeo
VI
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo aos meus pais David e Neuza pelo incentivo e dedicaccedilatildeo ao longo da vida
Ao meu irmatildeo David pela parceria em todos os momentos Aos meus avoacutes e tios que
sempre soliacutecitos contribuiacuteram de alguma maneira para essa conquista
Agradeccedilo agrave Rejany Dominick que em 2008 me apresentou e tem me ensinado os
caminhos da pesquisa cientiacutefica das experiecircncias instituintes e das artes de fazer e fazer-
me professora Obrigada por compartilhar saberes e por ajudar-me a ver outras estradas
Agradeccedilo ao corpo docente do CMPDI e agravequeles que colaboraram diretamente com
a elaboraccedilatildeo deste trabalho Assim natildeo posso deixar de mencionar a professora Niacutevea
Andrade que no curso de especializaccedilatildeo em ensino de histoacuteria me brindou com conversas
sobre o cotidiano escolar e sobre as taacuteticas docentes para uma educaccedilatildeo outra
Agradeccedilo tambeacutem agrave professora Mocircnica Pereira dos Santos que com disponibilidade
me recebeu para conversamos sobre diversidade e inclusatildeo Agrave professora Dagmar Mello
pelas contribuiccedilotildees no periacuteodo da qualificaccedilatildeo e nesta reta final Ao professor Luiz Andrade
pela disponibilidade para compor a banca Agrave professora Maacutercia Guerra que chegou
recentemente mas parece que jaacute estava aqui por perto haacute algum tempo Obrigada Maacutercia
pela parceria incentivo e amizade
Aos amigos que descobri no Mestrado e agravequeles que ao longo desse caminho se
fizeram presentes compartilhando saberes anguacutestias expectativas Natildeo posso deixar de
mencionar meus colegas de orientaccedilatildeo Camila Matheus irmatilde loira sempre soliacutecita Ao
Luiz Marcelo Ana Ceciacutelia Ana Peacutersia pessoas queridas e companheiras E Lindiane matildee da
pequena Laiacutes que nessa reta final foi a extensatildeo dos meus braccedilos auxiliando-me na parte
teacutecnica para o fechamento deste trabalho
A Seacutergio Felipe Thiago Monique e Mary por serem presentes nos momentos em que
precisei de uma matildeo amiga Agrave Iolanda que me recorda de algumas verdades que por vezes
esqueccedilo
Agradeccedilo ao Gustavo pelas contribuiccedilotildees na elaboraccedilatildeo da arte do caderno
pedagoacutegico
Aos profissionais da Escola Municipal Dinorah do Santos Bastos pela acolhida e
saberes compartilhados Agraves famiacutelias dos estudantes pela parceria de sucesso Agraves
professoras do Preacute-escolar Fabiana e Sarah pela confianccedila conversas e amizade
VII
construiacuteda ao longo desse processo Agrave Lindaura pela parceria e generosidade Devo
tambeacutem agradecer a presenccedila doce e soliacutecita do seu Joatildeo
Agrave gestora da escola Veluma Luciane pelo comprometimento com a educaccedilatildeo que
muito me ensinou e tambeacutem pela confianccedila depositada no meu trabalho Veluma obrigada
por colaborar com a retirada das pedras do caminho
Agrave Pacircmela bolsista de extensatildeo que colaborou na fase inicial da pesquisa com a parte
teacutecnica da coleta de dados e com quem compartilhei saberes
Agrave Laucimary funcionaacuteria da biblioteca pela colaboraccedilatildeo em diversos momentos
Agradeccedilo tambeacutem agraves parcerias institucionais Agrave UFF e agrave PROEX pelo financiamento
de uma bolsista para o desenvolvimento das accedilotildees de ensino pesquisa e extensatildeo Agrave ONG
Aacutegua Doce que potencializou o trabalho com a inserccedilatildeo da biblioteca Eco Futuro no terreno
da escola com uma infraestrutura e um acervo de livros excelentes Agrave Secretaria de
educaccedilatildeo de Mageacute pela autorizaccedilatildeo da pesquisa na escola
A todos da Fundaccedilatildeo Educacional de Cultura de Mageacute por me receber tatildeo bem E agrave
Cristina pelo apoio nesta reta final
E um agradecimento especial aos meus alunos desde agravequeles que laacute em 2008 na
Escola Municipal Nossa Senhora da Penha me instigaram a pensarconstruir experiecircncias
instituintes para a inclusatildeo da vida na sua diversidade e tambeacutem aos estudantes da ldquoEscola
Dinorahrdquo que me encheram de alegria e satisfaccedilatildeo durante esse processo de construccedilatildeo
de conhecimento para a inclusatildeo da diversidade
E agravequele que eacute Alfa e Ocircmega princiacutepio e fim DEUS
VIII
SUMAacuteRIO
Lista de abreviaturas X
Lista de ilustraccedilotildees XI
Lista de figuras XI
Lista de graacuteficos XI
Resumo XII
Abstract XIII
1 Introduccedilatildeo 1
11 Apresentaccedilatildeo 1
12 Eacute preciso falar sobre Diversidade e Inclusatildeo 9
13 A lei 1063903 um marco histoacuterico na luta Antirracista 13
14 O Ensino das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais algumas reflexotildees 15
15 Valores Civilizatoacuterios Afro-brasileiros na Educaccedilatildeo Infantil 18
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio 21
16 A crianccedila pequena e o negro quem satildeo esses outros 24
2 Objetivos 27
21 Objetivo geral 27
22 Objetivos especiacuteficos 27
3 Material e Meacutetodos (Metodologia) 28
31 Puacuteblico alvo 28
32 Etnografia e interdisciplinaridade caminhos metodoloacutegicos 28
33 Questotildees eacuteticas na pesquisa com crianccedilas 31
34 Fases da pesquisa 32
341 As oficinas 33
35 Colaboradores na coleta de dados 35
36 Caderno Pedagoacutegico 36
4 Resultados e Discussatildeo 40
41 Dados coletados reflexotildees iniciais 40
42 Percebendo as vozes oficinas iniciais 41
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (Idade entre 4 e 5 anos) 41
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (Idade entre 5 e 6 anos) 43
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II) 45
IX
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I) 47
43 Oficina 3 - Conhecendo Maria a menina que veio do Congo 51
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso 55
44 Oficina 4 - Uma sensibilizaccedilatildeo para a Pedagogia Griocirc 57
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II) 60
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I) 62
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias 64
45 Oficina 5 - Musicalidade e as ldquoartes de fazerrdquo 65
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica 66
4511 Preacute-escolar II 66
4512 Preacute-escolar I 68
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais 69
453 Confecccedilatildeo de objetos sonoros 72
4531 Preacute-escolar II 72
4532 Preacute-escolar I 73
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis 74
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical 75
46 Oficina 6 - Lendas que nos encantam 77
461 O Segredo do Baobaacute uma lenda Africana 78
47 Narrativa da Professora do Preacute-escolar I 80
5 Consideraccedilotildees Finais 82
51 Conclusotildees 82
52 Perspectivas 84
6 Referenciais bibliograacuteficos 86
7 Apecircndices e Anexos 91
71 Apecircndices 91
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados 91
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 92
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem 95
72 Anexos 98
721 Imagens utilizadas 98
722 Premiaccedilatildeo 100
X
LISTA DE ABREVIATURAS
CMPDI Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo
CNE Conselho Nacional de Educaccedilatildeo
DCN ERER Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees
Eacutetnico-Raciais
DCNs Diretrizes Curriculares Nacionais
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IES Instituiccedilatildeo de Ensino Superior
LDB Lei de Diretrizes e Bases
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios
PROEX Proacute-reitoria de Extensatildeo
RCNEI Referencial Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil
SIGProj Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo de Projetos
TICs Tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo
UFF Universidade Federal Fluminense
XI
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Paacutegina na rede social 38
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos 46
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos 49
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas 50
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) 54
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) 55
Figura 7 Vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade 61
Figura 8 Vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais 64
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos musicais 72
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais 73
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas 76
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo 80
LISTA DE GRAacuteFICOS
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I 43
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II 45
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) 48
XII
RESUMO
A educaccedilatildeo inclusiva e para a diversidade eacute um tema que natildeo pode ser analisado apenas pelo acircngulo da falta de matriacutecula nas escolas Hoje pessoas com deficiecircncia altas habilidades negras indiacutegenas brancas crianccedilas jovens e adultos de todas as religiotildees estatildeo matriculados nas escolas Contudo nem sempre tal fato significa uma inclusatildeo real da diversidade no espaccedilo escolar A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais em contexto escolar eacute um desafio ainda hoje presente em nosso cotidiano Identificamos atitudes que fortalecem segregaccedilotildees do negro e da cultura africana em todas as esferas da sociedade ao longo da histoacuteria brasileira mas na escola apesar da legislaccedilatildeo e de ser um espaccedilo de inclusatildeo da diversidade ainda vemos segregaccedilotildees silenciamentos e indiferenccedilas aos afrodescendentes e suas heranccedilas eacutetnicas Considerando que os mecanismos de discriminaccedilatildeo e preconceitos eacutetnico-raciais devem ser discutidos na escola desde a mais tenra idade este trabalho buscou pesquisar construir aprofundar e difundir conhecimentos sobre aspectos da histoacuteria e da cultura afro-brasileira na Educaccedilatildeo Infantil O foco de nossa pesquisa foram as crianccedilas entre 4 e 5 anos de uma escola municipal de MageacuteRJ localizada em uma aacuterea rural Partindo da Sociologia da Infacircncia dialogamos com metodologias de ensino e de pesquisa interativas interdisciplinares e tambeacutem com princiacutepios etnograacuteficos Importante ressaltar aqui que a escolha pela faixa etaacuteria ocorreu por percebermos que a crianccedila pequena assim como o negro fazem parte de uma minoria social e que apenas recentemente vecircm tendo seus direitos sociais reconhecidos Ateacute haacute pouco tempo eram ldquoos outrosrdquo aqueles cujas vozes natildeo precisavam ser ouvidas Nossa luta poliacutetica eacute para gerar praacuteticas voltadas para a formaccedilatildeo de uma cultura inclusiva que alcance todos os sujeitos no contexto educacional Buscou-se intervir no cotidiano escolar construindo com os estudantes algumas experiecircncias instituintes Tais experiecircncias concretizadas em oficinas pedagoacutegicas compotildeem um caderno pedagoacutegico voltado para docentes da Educaccedilatildeo Infantil visando contribuir para que novas reflexotildees sobre os sentidos da educaccedilatildeo para a diversidade surjam e se efetive uma educaccedilatildeo inclusiva para todos
Palavras-chave raccedila etnia sociologia da infacircncia inclusatildeo metodologias interativas
XIII
Abstract
The inclusive education and to diversity is a theme that cannot be parsed only from the angle of lack of enrollment in schools Today people with disabilities high skills black white indigenous children youth and adults of all religions are enrolled in schools However not always it means a real inclusion of diversity in the school space Education for ethnic-racial relations in school is a challenge even today present in our daily lives Identify attitudes that strengthen the segregation of black and African culture in all spheres of society along the Brazilian history but in school despite legislation and be a space for inclusion of diversity we still see segregation silences and indifference to African descendants and their ethnic heritage Whereas the mechanisms of discrimination and ethnic and racial prejudices should be discussed in school from an early age this study sought to search build deepen and disseminate knowledge about aspects of Afro-Brazilian history and culture in early childhood education The focus of our research were children between 4 and 5 years of a municipal school of MageacuteRJ located in a rural area From the Sociology of childhood deal with teaching methodologies and interactive interdisciplinary research and ethnographic principles Important to note here that the choice by age group occurred because we realize that the small child as well as black are part of a social minority and who just recently been having their social rights recognized Until recently were the other those whose voices need not be answered Our struggle is to generate practical policy geared to the formation of an inclusive culture that reach all subjects in the school context Sought to intervene in the daily school building with students some experiences institutor significations Such experiences implemented in educational workshops compose a book focused on teaching teachers of early childhood education aiming to contribute to new reflections on the directions of education for diversity arise and if such an inclusive education for all
Keywords race ethnicity sociology of childhood inclusion interactive methodologies
1
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 APRESENTACcedilAtildeO
Quando o homem compreende a sua realidade pode levantar hipoacuteteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluccedilotildees Assim pode transformaacute-la e o seu trabalho pode criar um mundo proacuteprio seu Eu e as suas circunstacircncias (FREIRE 1983 p 30)
Esta pesquisa eacute fruto de um trabalho de reflexatildeo accedilatildeo ao longo de uma trajetoacuteria
acadecircmica e profissional inquieta e questionadora acerca dos acontecimentos do cotidiano
escolar Sou professora da Educaccedilatildeo Baacutesica (Ensino Fundamental I) no Municiacutepio de Mageacute
haacute 3 anos e meio Desde a entrada no Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e
Inclusatildeo (CMPDI) venho ocupando a funccedilatildeo de Implementadora de Leitura1 Em maio de
2015 tomei conhecimento de uma escola Rural onde havia grandes possibilidades para a
realizaccedilatildeo da pesquisa de mestrado Ateacute entatildeo na escola onde eu estava natildeo havia turmas
com os anos iniciais do Ensino Fundamental tatildeo pouco de Educaccedilatildeo Infantil
Neste mesmo periacuteodo surge a parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF)
por meio do projeto de extensatildeo ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos
iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo registrado no Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo
de Projetos (SIGProj) sob o nuacutemero 1974399372842612022015
Logo as accedilotildees na escola receberam apoio da Proacute-reitora de Extensatildeo (Proex) no que
se refere a uma bolsa que contemplou uma estudante de graduaccedilatildeo da Pedagogia Aleacutem
dessa parceria contamos tambeacutem com o apoio da Secretaria de Educaccedilatildeo de Mageacute
instituiccedilatildeo governamental municipal que nos possibilitou a realizaccedilatildeo da pesquisa na
Escola Dinorah dos Santos Bastos
A origem histoacuterica do lugar de onde falo observo e escrevo ou seja o loacutecus da
pesquisa possui memoacuterias ldquonatildeo ditasrdquo sobre as quais tentarei narrar algumas para que o
leitor entenda sua articulaccedilatildeo com a temaacutetica da pesquisa
O Municiacutepio de Mageacute localizado na Regiatildeo Metropolitana do Rio de Janeiro eacute um
dos mais antigos do estado Ele tem muito o que revelar tendo em vista seus 451 anos de
1 Aqui na Rede esse profissional eacute um professor itinerante que trabalha com os anos iniciais do Ensino Fundamental Seu enfoque estaacute no trabalho de incentivo agrave leitura
2
existecircncia e sua consideraacutevel densidade demograacutefica de aproximadamente 233634
habitantes segundo dados do IBGE (2014) O Municiacutepio eacute marcado por forte influecircncia das
etnias indiacutegenas e africanas A proacutepria etimologia do nome Mageacute que significa feiticeiro ou
pajeacute2 eacute de origem tupi-guarani
Ao chegar na regiatildeo rural onde aconteceria a pesquisa me deparei com um lugar
repleto de histoacuterias que dialogavam a todo tempo com minha temaacutetica entre elas a
existecircncia de uma fazenda centenaacuteria que ateacute haacute uns poucos anos possuiacutea resquiacutecios de
uma senzala Havia tambeacutem a presenccedila de engenhos de mandioca onde ainda hoje se
produz farinha artesanal e igrejas com mais de 300 anos de existecircncia Tudo me trazia agrave
memoacuteria os trabalhadores da terra os homens escravizados as geraccedilotildees fragilizadas
Impossiacutevel foi natildeo rememorar algumas leituras e escritos meus sobre aquele municiacutepio
que sempre me despertou curiosidade
Mageacute foi ganhando evidecircncia a priori graccedilas agraves suas riquezas naturais e agravequeles que ajudaram a cultivar a terra neste periacuteodo colonial os negros escravizados No entanto na terra dos heroacuteis e tradiccedilotildees3 os negros escravizados natildeo recebiam status de heroacuteis sequer satildeo mencionados hoje na histoacuteria do tempo presente como aqueles que contribuiacuteram para construccedilatildeo de igrejas da primeira linha feacuterrea do Brasil e para o abastecimento econocircmico da Capital a partir do cultivo do solo Para eles sempre sobrou a histoacuteria uacutenica que comumente o rotulava de indolentes preguiccedilosos e sem qualquer valor moral (PEREIRA 2016 p 16)
Conceiccedilatildeo de Suruiacute regiatildeo rural onde estaacute situada a Escola Municipal Dinorah dos
Santos Bastos localiza-se no 4deg distrito de Mageacute chamado Suruiacute Este lugar possui muitas
memoacuterias no que tange a escravidatildeo de negros nas lavouras locais Evidenciar as memoacuterias
e as contribuiccedilotildees de heroacuteis a contrapelo4 me aponta caminhos para uma educaccedilatildeo outra
onde os diferentes sujeitos sejam reconhecidos como outros legiacutetimos outros (MATURANA
VARELA 1995) Ao longo deste trabalho a expressatildeo mencionada seraacute uma constante
tendo em vista a forccedila que ela representa em minha trajetoacuteria
2 Ver etimologia dos nomes afro-indiacutegenas no seguinte trabalho httpwwwpgletrascombr2014 dissertacoes diss-Sivaldo-Correia-da-Silvapdf 3 Trecho do hino do Municiacutepio de Mageacute Link httpswwwletrasmusbrhinos-de-cidades941163 4 Expressatildeo do filoacutesofo alematildeo Walter Benjamin Em seus escritos o autor fala sobre a histoacuteria a contrapelo (LOumlWY 2011) Ou seja a histoacuteria contada sob o ponto de vista dos vencidos Nesse contexto nossos heroacuteis a contrapelo satildeo todos que a histoacuteria oficial natildeo evidencia
3
Os bioacutelogos Humberto Maturana e Francisco Varela expoentes desta expressatildeo
constroem redes de conhecimentos para pensar o ser humano de forma global
integradora e relacional rompendo com os determinismos bioloacutegicos da ciecircncia
tradicional Para eles a construccedilatildeo do conhecimento se daacute porque o ser vivo possui a
capacidade de se auto organizar autogerir e isso acontece quando na relaccedilatildeo com o outro
no social
Rossetto (2010) ao refletir sobre as contribuiccedilotildees de Maturana na educaccedilatildeo afirma
que haacute uma forte defesa da cultura da diversidade pois eacute afirmado que natildeo existem
pessoas iguais ao romper com a geneacutetica como algo predeterminado Por esse motivo os
estudos de Humberto Maturana e Francisco Varela5 satildeo muito recorrentes no campo
educacional jaacute que a formaccedilatildeo do outro como totalmente outro constitui-se como objetivo
da educaccedilatildeo ou ao menos deveria ser
Desse modo tenho me apropriado dessa rica referecircncia ao longo da escrita
entendendo que suas leituras podem ampliar meu olhar para melhor conversar e conhecer
o outro na sua diversidade
A esse ato de ampliar nosso domiacutenio cognitivo reflexivo que sempre implica uma experiecircncia nova soacute podemos chegar pelo raciociacutenio motivado pelo encontro com o outro pela possibilidade de olhar o outro como um igual num ato que habitualmente chamamos de amor ndash ou se natildeo quisermos usar uma palavra tatildeo forte a aceitaccedilatildeo do outro ao nosso lado na convivecircncia (MATURANA VARELA 1995 p 263)
E estimulada a ver o outro como legiacutetimo outro eacute que inicio o trabalho em 2015 com
estudantes da Educaccedilatildeo Infantil contemplando e tambeacutem sendo contemplados com as
duas turmas de Preacute-escolar (I e II) que havia na escola
A opccedilatildeo pela primeira etapa de escolarizaccedilatildeo ocorreu por entender que as relaccedilotildees
raciais desiguais e segregadoras se constroem desde a mais tenra idade Foi notado
tambeacutem que haacute uma certa carecircncia de produccedilotildees acadecircmicas que privilegiem as categorias
raccedila e infacircncia Silva e Souza (2013) em pesquisa realizada de 2003 a 2011 chegam agrave
seguinte conclusatildeo
5 Pois juntos inauguram a Teoria Epistecircmica que discorreremos mais a frente
4
Com relaccedilatildeo ao objeto especiacutefico que buscamos escritos sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais em Educaccedilatildeo Infantil foram localizados publicados a partir de 2003 somente 4 artigos 1 livro 5 capiacutetulos de livro uma tese e 14 dissertaccedilotildees Escalonando as publicaccedilotildees pelos anos de 2003 a 2011 observa-se uma tendecircncia a ligeiro aumento no decorrer dos anos Os 4 artigos localizados foram publicados 2 em 2006 e 2 em 2010 A uacutenica tese identificada foi publicada em 2007 e gerou outras publicaccedilotildees nos anos posteriores 1 capiacutetulo de livro em 2008 e 1 artigo em 2010 As dissertaccedilotildees foram o uacutenico formato permanentemente presente que teve maior concentraccedilatildeo em 2007 e 2008 (trecircs publicaccedilotildees em cada ano) Ou seja aleacutem de uma publicaccedilatildeo de pequena monta a concentraccedilatildeo estaacute na realizaccedilatildeo de trabalhos de pesquisadores em formaccedilatildeo (p 37)
Para aleacutem dessas questotildees venho percebendo que nossa formaccedilatildeo desde muito
cedo tem sido perpassada por paradigmas que nos impotildeem narrativas hegemocircnicas de
identidade (SILVA 2007) levando-nos a acreditar em histoacuterias uacutenicas em processos e
praacuteticas singulares que acabam por segregar e excluir os sujeitos da diferenccedila que
necessitam de um olhar natildeo homogeneizante O enfoque na Educaccedilatildeo Infantil aleacutem dos
motivos apresentados deveu-se ao fato por tratar de importante fase para se pensar e
praticar uma educaccedilatildeo para a Diversidade e Inclusatildeo
Desse modo o ensino da diversidade eacutetnico-racial passou a ser um desafio tendo em
vista que um dos seus objetivos eacute o de romper com os paradigmas da escola moderna
centrados no ensino monocultural reducionista e etnocecircntrico Haacute algum tempo meus
caminhos de formaccedilatildeo tecircm me levado a questionar os sentidos da escola da qual somos
oriundos Fruto da razatildeo iluminista instrumental as escolas brasileiras se construiacuteram
sobre as bases de uma loacutegica cartesiana que pouco espaccedilo tem cedido para a diversidade
de sujeitos e saberes Como docente-pesquisadora6 da escola baacutesica haacute um pouco mais de
7 anos venho refletindo sobre a importacircncia de uma educaccedilatildeo multicultural que privilegie
as experiecircncias dos praticantes do cotidiano escolar
Entendendo a experiecircncia como algo que nos passa (LARROSA 2002 p 21) posso
afirmar que o que me orienta para outros caminhos de reflexatildeo-accedilatildeo onde a inclusatildeo da
diversidade eacute uma constante tem forte ligaccedilatildeo com os diferentes espaccedilos tempos dos
quais experienciei durante a vida
6 Importante salientar que minha trajetoacuteria como professora-pesquisadora se iniciou no ano de 2008 quando entrei em um projeto de iniciaccedilatildeo agrave docecircncia permanecendo por 4 anos Quando formada apoacutes um ano ingressei no Municiacutepio de Mageacute como professora dos anos iniciais estando ateacute os dias atuais
5
Vale ressaltar que para Larrosa (2002) a experiecircncia eacute um acontecimento que nos
atravessa e nos transforma O autor fundamenta-se em Walter Benjamin para afirmar que
nunca se passaram tantas coisas mas a experiecircncia eacute cada vez mais rara (p 20) e tem
relaccedilatildeo direta com o excesso de informaccedilatildeo Ao considerar que a experiecircncia eacute algo que
me atravessa devo supor que ela eacute externa a mim e eu sou o lugar da experiecircncia Para
que ela afete minhas palavras minhas ideias e meus projetos eacute necessaacuterio um movimento
reflexivo e o excesso de informaccedilatildeo pode limitar a ocorrecircncia dessa experiecircncia
Desse modo ao discorrer sobre as dimensotildees da experiecircncia Jorge Larrosa se
apropria de trecircs princiacutepios reflexividade subjetividade e transformaccedilatildeo Todos eles vatildeo
implicar em um processo de alteridade onde o sujeito deve se reconhecer natildeo enquanto
o sujeito do saber ou do poder ou do querer senatildeo o sujeito da formaccedilatildeo e da
transformaccedilatildeo (LARROSA 2011 p 7)
Com isso compartilho as diferentes experiecircncias que me afetaram e que vecircm me
transformando Posso atribuir tal transformaccedilatildeo aos diferentes percursos experienciados
ao longo da vida
Nilda Alves (2004) aborda a necessidade de superaccedilatildeo da ideia de que a formaccedilatildeo
docente se daacute em percursos individuais A autora evidencia que as redes que nos formam
estatildeo interligadas ao espaccedilo acadecircmico agraves experiecircncias das pesquisas em educaccedilatildeo da
praacutetica pedagoacutegica da accedilatildeo governamental e tambeacutem da praacutetica coletiva poliacutetica (ALVES
2004 p 20)
Acrescento que minhas escolhas ideoloacutegicas e assim os caminhos de formaccedilatildeo pelos
quais me enveredei tecircm muito a ver tambeacutem com as memoacuterias de uma infacircncia permeada
por questionamentos diversos sobretudo acerca das heranccedilas raciais que marcam minha
existecircncia A seguir um trecho de algumas dessas memoacuterias de infacircncia
Lembrei-me que na infacircncia por algum tempo neguei os traccedilos fiacutesicos que herdaraacute do meu pai homem negro Lembro-me de ser chamada de nariz de batatinha Isso me incomodava pois natildeo tinha um nariz ldquoafiladordquo como dizia minha avoacute materna (mulher negra) Outro incocircmodo constante era o meu cabelo muito cheio e com cachos que se embaraccedilavam com facilidade Certa vez ouvi dizer que o desprezo da cor eacute o mesmo que o do corpo Concordei pois sem ter consciecircncia desprezava minha histoacuteria minhas raiacutezes desprezava que por debaixo dos caracoacuteis daqueles cabelos tinha uma histoacuteria para contar parafraseando o cantor Histoacuteria de carinho e dedicaccedilatildeo de quando minha matildee e minha tia perdiam horas moldando meus cachinhos
6
exaltando a beleza de um cabelo afro Talvez o desprezo sem querer da figura do meu pai de quem sempre tive muito orgulho Este por sua vez foi um dos que me serviu de inspiraccedilatildeo Em sua histoacuteria de vida natildeo satildeo poucas as narrativas envolvendo violecircncias simboacutelicas constantes e crueacuteis Lembro-me de quando ele teve a oportunidade de comprar seu primeiro carro 0Km Saiu da concessionaacuteria com o carro sem placa e foi abordado em nossa cidade por policiais que ao fazerem a identificaccedilatildeo com os documentos soltaram o seguinte discurso constrangido ldquoA cor do carro eacute muito chamativardquo Cresci ouvindo essa histoacuteria de descaso desrespeito a dignidade de um trabalhador que queria apenas natildeo ter a sua dignidade roubada por desconfianccedilas e assim ser reconhecido como outro legiacutetimo outro Agora quase quinze anos depois percebo com maior clareza o que estaacute por traacutes daquele discurso preconceituoso Na verdade o que chamava atenccedilatildeo natildeo era a cor vermelha do Gol mas a cor do homem que o dirigia Outra figura importante que me inspirou foi meu irmatildeo Ele chegou durante a minha primeira infacircncia Com os olhos de jabuticaba e talvez com a mesma cor de pele Desde muito cedo eu tive que conviver com questionamentos na escola do gecircnero -ldquoEle eacute adotadordquo Aos 6 anos de idade na minha inocecircncia eu respondia conforme minha matildee mandava - ldquoEle eacute diferente porque puxou o meu pai Eu puxei a cor da minha matildeerdquo (PEREIRA PEREIRA 2016 p 8)
Fica expliacutecito que os caminhos pelos quais tenho percorrido possuem estreita relaccedilatildeo
com uma infacircncia perpassada por histoacuterias uacutenicas ndash reforccediladas pela educaccedilatildeo escolar ndash
onde as bonecas e as personagens das histoacuterias jamais tinham cabelos cacheados e ldquonariz
de batatinhardquo como os meus para que eu pudesse me sentir representada e satisfeita
comigo mesma Hoje como professora percebo o quatildeo perigosas podem se tornar tais
histoacuterias quando observamos a construccedilatildeo da identidade de uma crianccedila Me incomoda
saber que tais enredos satildeo reforccedilados diariamente no cotidiano de nossas escolas sob
outras imagens mas que geralmente possuem o intuito de legitimar padrotildees hegemocircnicos
e reforccedilar maneiras uacutenicas de ser e estar no mundo
Compreendido isto minha atuaccedilatildeo profissional tem sido um constante
questionamento natildeo soacute sobre o caraacuteter monocultural e reducionista que permeiam o
curriacuteculo escolar bem como sobre as poliacuteticas e praacuteticas que hoje tecircm tensionado o debate
acerca da inclusatildeo da diversidade eacutetnico-racial nos estabelecimentos oficiais de ensino No
ano de 2013 ao ingressar no curso de especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias
Sociais na Universidade Federal Fluminense aprofundei minhas redes de conhecimento
sobre a relevacircncia de uma educaccedilatildeo a contrapelo onde as histoacuterias de vida e as teorias
cientiacuteficas se entrelaccedilam formando redes colaborativas Ao cursar a disciplina Raccedila
7
curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica fui surpreendida com a existecircncia de um dispositivo legal7
que torna obrigatoacuterio o Ensino da Histoacuteria da Aacutefrica e da Cultura Afro-brasileira nas
instituiccedilotildees escolares A surpresa era porque sendo professora e formada haacute poucos mais
de dois anos a questatildeo nunca me alcanccedilou quando docente em formaccedilatildeo inicial Mesmo
sabendo que os conteuacutedos ligados agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira eram atribuiccedilotildees
especialmente das aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria natildeo me sentia
isenta de apresentar para os meus estudantes dos anos iniciais as memoacuterias e
contribuiccedilotildees culturais da populaccedilatildeo negra para a construccedilatildeo da sociedade brasileira
Refleti sobre minha trajetoacuteria na academia iniciada em 2007 me certificando de que
nenhuma das disciplinas oferecidas se aproximaram da discussatildeo racial Em 2011 quando
concluiacute a formaccedilatildeo em Pedagogia na UFF o curso passara por uma reformulaccedilatildeo curricular
no qual a disciplina Relaccedilotildees eacutetnico-raciais na escola foi incluiacuteda por forccedila da lei federal
1063903 com 60h de carga horaacuteria
Natildeo obstante ao retomar meus estudos na poacutes-graduaccedilatildeo tive como desafio
compreender o porquecirc noacutes professores principalmente dos anos iniciais da Educaccedilatildeo
Baacutesica natildeo estaacutevamos sendo alcanccedilados com as orientaccedilotildees de um dispositivo que tem
como objetivo banir a perpetuaccedilatildeo das desigualdades eacutetnico-raciais A partir de entatildeo
comecei a entrelaccedilar os fios que mais tarde se tornariam objeto de pesquisa8 na
especializaccedilatildeo e posteriormente no mestrado
Ao ingressar no Mestrado Profissional9 em Diversidade e Inclusatildeo vi a possibilidade
de ampliar minhas reflexotildees acerca dos processos teacutecnicas e teorias cientiacuteficas que fossem
mais includentes da vida na sua diversidade Assim ao me inserir na linha de pesquisa
Interdisciplinaridade e Questotildees de Ensino propus a realizaccedilatildeo de um estudo que
atendesse agraves minhas demandas de praticante reflexiva do cotidiano Tambeacutem objetivei a
partir da minha experiecircncia apontar caminhos para a complexa tarefa que eacute a formaccedilatildeo
docente sobretudo quando se trata de incluir a diversidade
7 A lei federal 1063903 foi promulgada no governo do presidente Luiz Inaacutecio Lula da Silva e representa um dispositivo que marca a luta antirracista nos espaccedilos formais de ensino Ver Brasil (2003) 8 O trabalho final de conclusatildeo de curso foi intitulado por ldquoConversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeosrdquo Orientado pela professora Nivea Maria da Silva Andrade 9 Segundo o Capes o Mestrado Profissional (MP) eacute uma modalidade de Poacutes-Graduaccedilatildeo stricto sensu voltada para a capacitaccedilatildeo de profissionais nas diversas aacutereas do conhecimento mediante o estudo de teacutecnicas processos ou temaacuteticas que atendam a alguma demanda do mercado de trabalho
8
Acreditando que esta pesquisa se deu em via de matildeo dupla pois ao passo que
ensinei sempre aprendi mais apresento como produto final desta pesquisa as oficinas
desenvolvidas com os meus alunos sobre a temaacutetica eacutetnico-racial Tais oficinas compotildeem
um caderno pedagoacutegico que seraacute disponibilizando gratuitamente online visando
contribuir com os docentes na construccedilatildeo de um repertoacuterio mais amplo de atividades a
serem desenvolvidas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil sobre a temaacutetica
Para situar o leitor apresento os caminhos percorridos para a elaboraccedilatildeo deste
trabalho No primeiro momento discorro sobre a necessaacuteria reflexatildeo acerca da educaccedilatildeo
inclusiva bem como a diversidade de sujeitos praacuteticas e culturas que esta educaccedilatildeo
contempla Seguido dessas anaacutelises elaboro reflexotildees sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais a lei que o institui e os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros como saberes
instituintes na Educaccedilatildeo Infantil para a superaccedilatildeo do saber universal que secundariza e ateacute
mesmo silencia a produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra (GONCcedilALVES 1987) Apoacutes essas
discussotildees apresento os atores da pesquisa o lugar de onde falo e as parcerias
estabelecidas Essa primeira parte eacute finalizada com a construccedilatildeo de redes reflexivas em
torno da dimensatildeo eacutetnico-racial e da infacircncia
No segundo momento apresento os objetivos geral e os especiacuteficos deste trabalho
O objetivo geral eacute abordar as questotildees eacutetnico-raciais a partir de metodologias interativas
com enfoque na sociologia da infacircncia em uma escola rural do municiacutepio de Mageacute
Enquanto que os objetivos especiacuteficos representam as metas delimitadas para a
concretizaccedilatildeo do objetivo geral
No terceiro momento trago a metodologia da pesquisa explicitando como ocorreu
o levantamento de dados e as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas Enquanto o quarto
momento eacute dedicado aos resultados Busco analisar e discutir as oficinas que satildeo a base
para a elaboraccedilatildeo do Caderno Pedagoacutegico para os professores da Educaccedilatildeo Infantil
Concluo com o quinto momento ao retomar os objetivos especiacuteficos demonstrando suas
contribuiccedilotildees para o desfecho do objetivo geral
Portanto convido o leitor a percorrer os caminhos da pesquisa ldquoA dimensatildeo eacutetnico-
racial a partir do olhar da crianccedila a inclusatildeo da diversidade por meio de experiecircncias
instituintesrdquo
9
12 Eacute PRECISO FALAR SOBRE DIVERSIDADE E INCLUSAtildeO
Haacute quem possa pensar que o conceito de inclusatildeo escolar estaacute estritamente
relacionado agrave questatildeo das deficiecircncias (cognitivas visuais auditivas e outras) Ao iniciar o
mestrado natildeo me surpreendeu questionamentos de algumas pessoas acerca da minha
temaacutetica e consequentemente minha inserccedilatildeo naquele espaccedilo acadecircmico10 Natildeo obstante
em meio a questionamentos e provocaccedilotildees percebi que era urgente uma reflexatildeo mais
aprofundada sobre a diversidade e a inclusatildeo
Igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia na escola eacute o que prevecirc um dos
princiacutepios da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) lei federal nordm 93949611 Contudo essa
importante previsatildeo natildeo tem sido percebida no contexto da educaccedilatildeo brasileira em virtude
das desigualdades de oportunidade para os grupos minoritaacuterios Haacute quem pergunte que
grupos satildeo esses Penso que satildeo todos aqueles que estatildeo em desvantagens sociais e
econocircmicas tais como mulheres crianccedilas grupos eacutetnico-raciais pessoas com deficiecircncia
e altas habilidades populaccedilatildeo pobre e do campo Esses e outros grupos chamo de minoria
que compotildee a diversidade brasileira
Cabe ressaltar que a categoria minoria pode causar confusatildeo quando referida a
grupos de mulheres negros indiacutegenas crianccedilas populaccedilatildeo pobre jaacute que estes
representam a maioria Importante esclarecer que no discurso hegemocircnico minoria daacute a
ideia de grupo inferior No entanto esse conceito na Contemporaneidade vem romper com
as questotildees quantitativas dando vez agraves demandas das singularidades dos grupos culturais
Segundo o antropoacutelogo indiano Arjun Appadurai (2009) as minorias lembram agraves maiorias
que elas natildeo satildeo plenas e totais
Dessa maneira eacute preciso reconhecer que os grupos citados possuem direitos para
aleacutem daqueles que jaacute satildeo garantidos agravequeles que sempre tiveram condiccedilotildees favoraacuteveis de
acesso e de permanecircncia escolar Entendo que a educaccedilatildeo inclusiva deve buscar dar mais
condiccedilotildees de acesso e permanecircncia para aqueles que menos tecircm e isso implica em pensar
natildeo soacute nos sujeitos mas nas praacuteticas que tecircm norteado o cotidiano escolar
10 O Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo estaacute situado no Instituto de Biologia da UFF 11 Este eacute o primeiro princiacutepio do tiacutetulo II que trata da Educaccedilatildeo Nacional Os doze incisos compreendidos nesse tiacutetulo dizem como o ensino deve ser regido Conforme Brasil (1996)
10
Santos (2014) nos provoca a pensar na educaccedilatildeo inclusiva enquanto um processo
para todos e natildeo como propriedade de determinados grupos Quando esse processo natildeo
alcanccedila a todos haacute a exclusatildeo e acabamos reforccedilando a ideia de que a inclusatildeo eacute apenas
para alguns e natildeo para todos Para banir o processo de exclusatildeo eacute preciso fazer um
movimento a contrapelo um movimento de inclusatildeo de todos por inteiro onde haja a
aceitaccedilatildeo de uns aos lados dos outros enquanto legiacutetimos outros
A ideia de inclusatildeo como afirma a autora natildeo pode ser focada em determinados
grupos eacute preciso adotar uma perspectiva de anaacutelise Omnileacutetica12 Tal neologismo
compreende aspectos morfoloacutegicos e categoriais que desde a sua criaccedilatildeo tem exigido
inuacutemeras reflexotildees coletivas por parte dos integrantes do grupo de pesquisa13 do qual a
mesma eacute coordenadora Em suma a Omnileacutetica vai se afirmar como tudo em relaccedilatildeo ndash
entendendo tambeacutem a diversidade onde o olhar para a totalidade eacute uma constante Satildeo
trecircs as categorias que embasam o conceito tridimensionalidade dialeacutetica e pensamento
complexo (SANTOS 2015 p 54) Buscamos neste momento apresentar alguns princiacutepios
do instrumento de anaacutelise que tem favorecido o desenvolvimento da omnileacutetica o Index
para Inclusatildeo (BOOTH AISCOW 2011) Trata-se de um material que permite pensar a
educaccedilatildeo inclusiva a partir de praacuteticas poliacuteticas e culturas que contemplam a vida humana
Essas trecircs dimensotildees satildeo apropriadas por noacutes no transcorrer deste trabalho Percebemos
que as ideias dialogam com o que identificamos como uma educaccedilatildeo instituinte onde a
inclusatildeo da vida na diversidade eacute um valor
No que se refere agrave dimensatildeo das culturas inclusivas podemos ler que
() refere-se agrave criaccedilatildeo de comunidades seguras acolhedoras colaborativas estimulantes em que todos satildeo valorizados Os valores inclusivos compartilhados satildeo desenvolvidos e transmitidos a todos os professores agraves crianccedilas e suas famiacutelias gestores comunidades circunvizinhas e todos os outros que trabalham na escola e com ela Os valores inclusivos de cultura orientam decisotildees sobre poliacuteticas e a praacutetica a cada momento de modo que o desenvolvimento eacute coerente e contiacutenuo A incorporaccedilatildeo de mudanccedila dentro das culturas da escola assegura que
12Omni eacute um prefixo latino que representa tudo Leto eacute um radical grego que no substantivo refere-se a variedade e como verbo eacute tudo aquilo que estaacute oculto O sufixo ico eacute de origem grega e daacute sentido de relaccedilatildeo participaccedilatildeo O conceito pode ser encontrado no texto Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura omnileacutetica disponiacutevel em httpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdf 13LAPEADE - Laboratoacuterio de Pesquisa Estudos e Apoio agrave Participaccedilatildeo e agrave Diversidade em Educaccedilatildeo Para mais informaccedilotildees consultar httpwwwlapeadecombr
11
ela esteja integrada nas identidades de adultos e crianccedilas e seja transmitida aos que estatildeo chegando agrave escola (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
A dimensatildeo que aborda as poliacuteticas inclusivas visa garantir
()que a inclusatildeo permeie todos os planos da escola e envolva a todos As poliacuteticas encorajam a participaccedilatildeo das crianccedilas e professores desde quando estes chegam agrave escola Elas encorajam a escola a atingir todas as crianccedilas na localidade e minimiza as pressotildees exclusionaacuterias As poliacuteticas de suporte envolvem todas as atividades que aumentam a capacidade da ambientaccedilatildeo de responder agrave diversidade dos envolvidos nela de forma a valorizar a todos igualmente Todas as formas de suporte estatildeo ligadas numa uacutenica estrutura que pretende garantir a participaccedilatildeo de todos e o desenvolvimento da escola como um todo (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Com relaccedilatildeo a dimensatildeo das praacuteticas inclusivas estas relacionam-se com o pensar
sobre o que se ensina e se aprende e o como se ensina e se aprende visando a reflexatildeo e a
praacutetica de valores e poliacuteticas inclusivos
() As implicaccedilotildees de valores inclusivos para estruturar o conteuacutedo de atividades de aprendizagem satildeo trabalhadas na seccedilatildeo lsquoConstruindo curriacuteculos para todosrsquo Esta liga a aprendizagem agrave experiecircncia local e globalmente bem como a Direitos e incorpora assuntos de sustentabilidade A aprendizagem eacute orquestrada de modo que o ensino e as atividades de aprendizagem se tornam responsivos agrave diversidade de jovens na escola As crianccedilas satildeo encorajadas a ser ativas reflexivas aprendizes criacuteticas e satildeo vistas como um recurso para a aprendizagem umas das outras Os adultos trabalham juntos de modo que todos assumem responsabilidade pela aprendizagem de todas as crianccedilas (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Desse modo fica reforccedilado que a diversidade e a inclusatildeo estatildeo para aleacutem de acolher
os sujeitos com deficiecircncia ou com altas habilidades visto que tambeacutem trabalham com as
diferenccedilas culturais como os modos de estabelecer valores e construir praacuteticas onde
todos sem exceccedilatildeo sejam alcanccedilados Por entender a urgente necessidade de se trabalhar
a diversidade e a inclusatildeo na escola nos baseamos nos movimentos de direitos humanos
destacando o que estaacute inscrito na Declaraccedilatildeo de Salamanca
O princiacutepio que orienta esta Estrutura eacute o de que escolas deveriam acomodar todas as crianccedilas independentemente de suas condiccedilotildees
12
fiacutesicas intelectuais sociais emocionais linguumliacutesticas ou outras Aquelas deveriam incluir crianccedilas deficientes e super-dotadas crianccedilas de rua e que trabalham crianccedilas de origem remota ou de populaccedilatildeo nocircmade crianccedilas pertencentes a minorias linguumliacutesticas eacutetnicas ou culturais e crianccedilas de outros grupos desavantajados ou marginalizados (UNESCO 1994 p 3)
Partindo do entendimento de que a inclusatildeo escolar refere-se mais agrave reinvenccedilatildeo do
modo de pensar e de fazer a educaccedilatildeo do que propriamente acolher determinados grupos
eacute que foram emergindo algumas memoacuterias instituintes da minha trajetoacuteria de formaccedilatildeo do
tempo em que iniciei meu percurso como professora-pesquisadora no grupo de pesquisa
ldquoAs ldquoartes de fazerrdquo educaccedilatildeo em ciclosrdquo14 Este grupo tem baseado o trabalho no diaacutelogo
entre os diferentes sujeitos da escola baacutesica e da universidade considerando que a troca
de conhecimentos possibilita a emergecircncia de experiecircncias instituintes Para aleacutem de
favorecer uma relaccedilatildeo dialoacutegica com o outro os projetos do grupo ldquoAs artes de fazerrdquo
estiveram voltados para a percepccedilatildeo de manifestaccedilotildees poliacutetico-culturais do cotidiano que
possibilitassem a inclusatildeo democraacutetica e participativa de diferentes sujeitos por inteiro na
cultura (DOMINICK 2011 p 151)
Estar sensiacutevel agraves urgecircncias de uma educaccedilatildeo que atenda agraves diversas especificidades
humanassociais tem ligaccedilatildeo direta com meus percursos de formaccedilatildeo Mas tambeacutem tem
muito a ver com as imagens-memoacuterias15de uma infacircncia que deixaram marcas e que hoje
gritam para serem questionadas e reinventadas Tenho aprendido que um caminho
possiacutevel para romper com as histoacuterias uacutenicas satildeo as experiecircncias instituintes defendida por
Ceacutelia Linhares como
()accedilotildees poliacuteticas produzidas historicamente que vatildeo se endereccedilando para uma outra educaccedilatildeo e uma outra cultura marcadas pela construccedilatildeo permanente de uma maior includecircncia da vida uma dignificaccedilatildeo permanente do humano em sua pluralidade eacutetica uma afirmaccedilatildeo intransigente da igualdade humana em suas dimensotildees educacionais e
escolares poliacuteticas econocircmicas sociais e culturais (LINHARES [200] p 8)
14 Em 2007 comecei a cursar Pedagogia na Universidade Federal Fluminense Em 2008 entrei para o grupo de pesquisa ldquoAs lsquoartes de fazerrsquo educaccedilatildeo em ciclos na rede municipal de educaccedilatildeo de Niteroacuteirdquo onde tive minhas primeiras vivecircncias enquanto professora-pesquisadora em formaccedilatildeo 15 Segundo a autora as imagens-memoacuterias satildeo tatuagens psicoculturais impressas em nossa corporeidade Satildeo memoacuterias do esquecimento da repeticcedilatildeo Elas nos conduzem agrave repeticcedilatildeo sem questionamentos fazem parte dos haacutebitos de determinados grupos e natildeo nos perguntamos sobre sua gecircnese ou sobre sua eficaacutecia
13
Para melhor entender esta categoria da qual venho me apropriando vale esclarecer
que o instituinte segundo a autora natildeo pode se confundir com o novo Esta categoria eacute
entendida a partir de um movimento dialeacutetico no sentido da palavra onde passado
presente e futuro devem estar em constantes interaccedilotildees Dessa maneira ao rememorar as
histoacuterias uacutenicas vivenciadas em minha infacircncia e perceber hoje o quanto elas podem ser
perigosas no que tange agrave formaccedilatildeo identitaacuteria dos sujeitos eacute que busco brechas e subverto
o instituiacutedo para incluir em minha praacutetica cotidiana um olhar mais conectado com a vida
em sua diversidade e inclusatildeo
13 A LEI 1063903 UM MARCO HISTOacuteRICO NA LUTA ANTIRRACISTA
Na busca pela superaccedilatildeo do racismo do preconceito e de praacuteticas segregacionistas
os militantes de movimentos sociais e intelectuais negros sempre souberam que a escola
enquanto um aparelho ideoloacutegico sucessivamente reproduziu os interesses das classes
hegemocircnicas Contudo tambeacutem foi percebido que a escola tem sido um espaccedilo de disputa
onde as classes dominantes e subordinadas tecircm buscado atingir seus mais diferentes
objetivos (YOUNG 2007 p 1292) Desse modo conhecimentos outros podem ser
construiacutedos a favor do rompimento das desigualdades raciais e emancipaccedilatildeo dos sujeitos
Aprovada no Congresso e sancionada pelo Governo Federal a Lei 1063903 alterou
a Lei 939496 (LDB) e tornou obrigatoacuterio o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura afro-
brasileira no curriacuteculo escolar do Ensino Fundamental e Meacutedio Hoje essa lei eacute reconhecida
como um marco na luta por uma educaccedilatildeo antirracista no Brasil Eacute importante frisar que
este dispositivo foi uma grande conquista que natildeo nasceu da noite para o dia mas que foi
alcanccedilada por meio de muitos embates
Mas quais as alteraccedilotildees que este dispositivo traz perguntariam alguns professores
A referida lei altera a LDB com o acreacutescimo dos artigos 26-A e 79-B tornando obrigatoacuterio
o ensino da histoacuteria e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de Ensino Fundamental
e Meacutedio Aleacutem de garantir que esses conteuacutedos sejam ministrados no acircmbito de todo o
curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria
Brasileiras Tambeacutem inclui no calendaacuterio escolar o dia 20 de novembro (Art 79-B) como
ldquoDia Nacional da Consciecircncia Negrardquo por meio da figura de Zumbi dos Palmares
14
Segundo Paula (2010) houve muitas resistecircncias para a implementaccedilatildeo da lei
mesmo sendo um instrumento que apresenta uma obrigatoriedade Buscando sua
efetividade um ano apoacutes a sua implementaccedilatildeo foram instituiacutedas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura
Afro-Brasileira e Africana (DCN ERER) por meio da Resoluccedilatildeo nordm 1 de 17 de junho de 2004
Como parte de uma poliacutetica de accedilotildees afirmativas tais dispositivos buscaram uma
educaccedilatildeo que reparasse os direitos que foram negados agrave populaccedilatildeo negra do Brasil ao
longo da histoacuteria Podemos afirmar que se trata de uma exigecircncia legal eacutetica e moral que
as instituiccedilotildees de ensino devem cumprir Para Paula (2010) o debate da lei e os dispositivos
que a complementam fazem parte de accedilotildees poliacutetico-pedagoacutegicas que devem ser
compromisso de todos os atores do cotidiano escolar O autor afirma ainda que as
diretrizes devem ser observadas por todas as instituiccedilotildees de ensino e desmonta a ideia de
que as discussotildees sobre a questatildeo racial se limitam a estudiosos e ao movimento negro
Desse modo as Diretrizes Curriculares Nacionais afirmam
A escola enquanto instituiccedilatildeo social responsaacutevel por assegurar o direito da educaccedilatildeo a todo e qualquer cidadatildeo deveraacute se posicionar politicamente como jaacute vimos contra toda e qualquer forma de discriminaccedilatildeo A luta pela superaccedilatildeo do racismo e da discriminaccedilatildeo racial eacute pois tarefa de todo educador independentemente de seu pertencimento eacutetnico-racial crenccedila religiosa ou posiccedilatildeo poliacutetica (BRASIL 2004 p 16)
Como citado anteriormente a LDB e a lei percursora da luta educacional antirracista
(lei 1063903) sofrem alteraccedilotildees apoacutes cinco anos de existecircncia desta uacuteltima A mudanccedila
ocorrida veio contemplar a questatildeo indiacutegena como parte da educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais A partir deste momento a lei 1164508 torna obrigatoacuterio o estudo da histoacuteria e
cultura afro-brasileira e indiacutegena Paula (2010) explica que
() a questatildeo indiacutegena na legislaccedilatildeo educacional jaacute possuiacutea certa normatizaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dentre as quais Diretrizes Curriculares Nacionais especiacuteficas para a Educaccedilatildeo Indiacutegena Resoluccedilotildees quanto agrave organizaccedilatildeo das escolas indiacutegenas regulamentando uso das liacutenguas nativas etc Faltava inserir a temaacutetica no contexto da luta anti-racista anti-excludente com vistas a uma integraccedilatildeo positiva no processo de construccedilatildeo e formaccedilatildeo da identidade educacional e nacional Tarefa cumprida sob o ponto de vista legal com a alteraccedilatildeo e modificaccedilatildeo da Lei em questatildeo (p 4)
15
Nesse sentido fica claro que essas alteraccedilotildees natildeo invalidam as prerrogativas da lei
anterior A meu ver apenas reforccedilam a importacircncia da sensibilizaccedilatildeo para o conhecimento
da diversidade eacutetnica que temos por heranccedila
14 O ENSINO DAS RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS ALGUMAS REFLEXOtildeES
As aulas da disciplina Raccedila curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica da especializaccedilatildeo me
provocaram a pensar no quanto pode ser desafiador mudar uma perspectiva educacional
pautada em padrotildees hegemocircnicos onde os saberes ditos universais se utilizam dos
mecanismos de poder para discriminar inferiorizar e segregar os sujeitos da diferenccedila
Comeccedilo a refletir sobre os movimentos necessaacuterios para potencializar a educaccedilatildeo
para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais Vale ressaltar que a expressatildeo eacutetnico-racial eacute defendida
pelas DCNs como a ldquonecessidade de marcar o reconhecimento de que as tensotildees existentes
devido agrave cor e aos traccedilos fisionocircmicos estatildeo entrelaccediladas agraves diferenccedilas culturaisrdquo
(ARANTES ANDRADE 2013 p 388)
Estabeleci conversas com diversos autores para melhor entender as consequecircncias
de viver e ser educado sob o domiacutenio de uma sociedade construiacuteda e legitimada com base
em uma soacute cultura uma soacute liacutengua uma soacute religiatildeo Poreacutem eacute sabido que o Brasil nasceu do
encontro com as diferentes etnias e culturas dos povos indiacutegenas europeus e africanos
Estes que no seacuteculo XVI foram reconhecidos como as grandes trecircs raccedilas16 seriam
respectivamente a raccedila amarela branca e negra
Vale ressaltar que classificar a diversidade humana em raccedilas distintas desde sempre
funcionou como uma maneira de operacionalizar o pensamento (MUNANGA 2000 p 18)
Assim no imaginaacuterio coletivo por muito tempo o homem foi classificado a partir da cor
de sua pele O problema natildeo estava na classificaccedilatildeo dos seres humanos em funccedilatildeo de suas
caracteriacutesticas fiacutesicas como afirmou Munanga (2000) Mas na divisatildeo desses indiviacuteduos a
partir da escala de valores emergindo grupos hieraacuterquicos segundo a cor de pele e
caracteriacutesticas fenotiacutepicas fazendo relaccedilatildeo com os traccedilos morais psicoloacutegicos do sujeito
16 Para o historiador francecircs Ernest Renan (1823-92) existiriam trecircs grandes raccedilas especificas em sua origem e desenvolvimento
16
O resultado disso eacute o sujeito da ldquoraccedila brancardquo enquanto portador de valores
divinizados inteligentes e criativos Enquanto o sujeito da ldquoraccedila negrardquo foi estereotipado
em seus traccedilos fiacutesicos escolhas religiosas estando fadado a ser expressatildeo de todo mal que
pudesse existir Segundo Ernest Renan os grupos negros ldquoseriam povos inferiores natildeo por
serem incivilizados mas por serem incivilizaacuteveis natildeo perfectiacuteveis e natildeo suscetiacuteveis ao
progressordquo (RENAN 1961 apud SCHWARCZ 1993 p 62)
Tal ideia se propagou ideologicamente instituindo o que conhecemos como racismo
Segundo Arantes e Andrade (2013) o cientificismo do seacuteculo XIX construiu teorias
racistas que relacionavam caracteriacutesticas fiacutesicas a comportamentais Para muitos autores
a misturas das raccedilas ou seja a mesticcedilagem comprometia o progresso nacional pois era
considerada como fenocircmeno degenerativo sendo o mesticcedilo depositaacuterio de defeitos
bioloacutegicos e morais (ARANTES ANDRADE 2013 p385)
Esse movimento segregador tomou diferentes facetas ao longo do tempo passando
pelo campo da ciecircncia bioloacutegica ao campo da sociologia Para contextualizar
historicamente essa ideia cabe ressaltar que no iniacutecio da Modernidade foi criado um
discurso racional que justificou e naturalizou as segregaccedilotildees e exclusotildees
O sangue do negro e do indiacutegena eram considerados impuros em demasia para se
misturarem agrave sacralidade do sangue azul europeu E as medidas tomadas para sanar o
problema da mesticcedilagem foram embranquecer a populaccedilatildeo Comeccedila-se entatildeo a financiar
a entrada de imigrantes europeus tais como alematildees italianos espanhoacuteis para compor a
sociedade brasileira e assim contribuir com a construccedilatildeo de uma sociedade com mais
ldquosangue bomrdquo Dado esse passo os negros iam perdendo cada vez mais as possibilidades
de serem vistos como cidadatildeos de direito pois estavam sendo ofuscados pela presenccedila dos
brancos de pele alva
Essa realidade comeccedila a mudar apoacutes a Primeira Guerra Mundial com as criacuteticas agraves
teorias de racismo cientiacutefico tatildeo fortes na Europa No Brasil houve tentativas de construir
uma identidade nacional valorizando a sua diversidade Nesse periacuteodo o mesticcedilamento jaacute
natildeo era visto como um problema mas como estrateacutegia para superaccedilatildeo do racismo
A miscigenaccedilatildeo portanto soacute poderia ser fruto da consolidaccedilatildeo de trecircs raccedilas
europeia negra e indiacutegena que consequentemente viveriam paciacutefica e harmoniosamente
bem Como um dos principais expoentes desta teoria Gilberto Freire escritor e cientista
social pernambucano escreve no iniacutecio de 1930 Casa Grande e Senzala Este livro ficou
17
consagrado na histoacuteria por inaugurar o que conhecemos por ldquomito da democracia racialrdquo
Esse pensamento reconheceu a presenccedila negra enquanto formadora da sociedade
brasileira fortalecendo a ideia de que todos os sujeitos independentemente da cor
viveriam harmoniosamente bem Desse modo a mistura de raccedilas e culturas (a
mesticcedilagem) era uma ideia plausiacutevel
O mesticcedilamento construiu uma ideia idiacutelica afirmando que a mistura das raccedilas
geraria uma democracia racial quando na verdade funcionou como uma barreira para o
entendimento da cultura e identidade negras impedindo o nascimento de uma consciecircncia
poliacutetica que firmassem os negros e mesticcedilos enquanto legiacutetimos outros
Acreditar no mito eacute esquecerdesconhecer que se o negro natildeo atinge os mesmos
patamares que o branco natildeo foi por falta de competecircncia intelectual mas porque ele se
encontra historicamente em grandes desvantagens Acreditar no mito eacute defender que natildeo
haacute racismo no cotidiano escolar quando na verdade o discurso de tratamento igualitaacuterio a
todos os estudantes demonstra uma maneira sutil de manifestar a discriminaccedilatildeo racial na
escola
Por isso eacute preciso reconhecer sobretudo os docentes
() as pedagogias de combate ao racismo e as discriminaccedilotildees elaboradas com o objetivo de educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais positivas que tem por objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciecircncia negra (BRASIL 2004 p 16)
E foi buscando o rompimento com praacuteticas educativas segregadoras e indiferentes a
diversidade eacutetnico-racial no cotidiano escolar eacute que comeccedilo a pensar essa pesquisa com o
foco na Educaccedilatildeo Infantil visto que a construccedilatildeo da visatildeo de mundo e dos sentidos
comeccedilam desde a infacircncia Gonccedilalves (1987) discorre sobre a particularidade cultural na
educaccedilatildeo de crianccedilas negras e alerta para o ritual pedagoacutegico que impotildee um ego branco a
educaccedilatildeo de crianccedilas (p 27) Segundo este autor existe um silenciamento acerca da
produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra quando natildeo verificamos a sua inferiorizaccedilatildeo e
folclorizaccedilatildeo
Tal silenciamento eacute legitimado por exemplo quando a crianccedila na escola explicita
sua preferecircncia por histoacuterias cujos protagonistas satildeo brancos em detrimento daquelas que
tecircm como personagem principal um negro (e quando tem) Tal construccedilatildeo natildeo acontece
18
na escola ndash tendo em vista outros meios de socializaccedilatildeo da crianccedila mas esse
comportamento muitas vezes vai sendo reforccedilado pelo professor de maneira inconsciente
ndash vide imagens-memoacuterias17 citadas anteriormente Quando o professor eacute indiferente agrave
formaccedilatildeo eacutetnico-cultural brasileira ele reitera o preconceito racial permitindo que a
crianccedila negra tenha um processo de socializaccedilatildeo diferente da crianccedila branca
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012 p 54)
O docente formado dentro da mesma cultura que exclui em geral negligencia o
direito baacutesico de seu estudante oriundo de outras realidades sentir-se protagonista de
histoacuterias reais e afetivas E na maioria das vezes esse mesmo professor vai se apropriar do
discurso baseado na democracia racial eliminando o direito dos alunos de se perceberem
nas suas diferenccedilas
Portanto para que tenhamos uma escola que nos eduque para a diversidade e a
inclusatildeo eacute necessaacuterio que haja a possibilidade de que estudantes brancos negros
indiacutegenas ou de qualquer outra etnia reconheccedilam a diferenccedila e que valorizem respeitem
e convivam com elas tornando a existecircncia mais plena de sentido
15 VALORES CIVILIZATOacuteRIOS AFRO-BRASILEIROS NA EDUCACcedilAtildeO
INFANTIL
Ao fazer referecircncia aos valores civilizatoacuterios afro-brasileiros evidencio as
contribuiccedilotildees de africanos e afro-brasileiros que resistiram agraves muacuteltiplas perversidades ao
longo da histoacuteria No entanto esses mesmos homens e mulheres nos brindam com a
construccedilatildeo de nossa identidade que eacute rica em cores formas e movimentos Para Trindade
(2013) tais valores civilizatoacuterios estatildeo carimbados em nossa memoacuteria em nossos modos
de pensar e de agir A muacutesica que apreciamos a feacute que professamos a literatura que nos
provoca a gastronomia que saboreamos dentre outros realccedilam em noacutes uma beleza
incomum dos padrotildees instituiacutedos pela racionalidade moderna eurocecircntrica
Com isso ao propor a reflexatildeo-accedilatildeo sobre os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros na
educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas afirmo de maneira concreta e afetiva a nossa
17 Indico sobre essa questatildeo a leitura do seguinte artigo ldquoA (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidaderdquo de Pereira e Pereira (2016)
19
afrodescendecircncia E tambeacutem reitero a urgente necessidade de exploramos a produccedilatildeo
cultural negra no cotidiano da escola e natildeo de maneira pontual e folclorizada que
inferioriza a populaccedilatildeo negra
Ao optar pelo trabalho com categoria da reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005)
penso na capacidade de interpretaccedilatildeo e transformaccedilatildeo que as crianccedilas tecircm pois como
atores de suas histoacuterias as crianccedilas satildeo potencialmente capazes de contribuir para
repensar o seu contexto social
Falar de contexto social eacute ter em mente que somos herdeiros de uma sociedade
patriarcal monocultural e determinista que subalterniza e desumaniza o diverso Eacute preciso
pensar e buscar a inclusatildeo da diversidade no ambiente escolar quando a sociedade tem
como projeto inclusive educacional desconsiderar o que possuiacutemos de mais precioso a
diferenccedila que nos caracteriza como seres humanos e sociais Concordamos com Gonccedilalves
(1987) quando realiza a brilhante defesa
ldquose a produccedilatildeo e a transmissatildeo do saber na escola natildeo forem mediados pela particularidade cultural da populaccedilatildeo negra as praacuteticas pedagoacutegicas continuaratildeo punindo as crianccedilas negras que o sistema de ensino natildeo conseguiu ainda excluir aplicando-lhes o seguinte castigo reclusatildeo ritualizada em procedimentos escolares de efeito impeditivo cujo resultado imediato eacute o silenciamento da crianccedila negra a curto prazo e o do cidadatildeo para o resto da vidardquo (p 29)
Azoilda Trindade (2010 2013) nos inspira a pensar sobre os valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e nas suas potencialidades para inaugurar experiecircncias instituintes que
valorize a diversidade eacutetnico-racial na Educaccedilatildeo Infantil Mergulhei nas memoacuterias da
autora me encontrei nelas e fui levada a bradar tambeacutem opto pela VIDA E a vida em sua
plenitude Quando por ventura escutar ldquoesse aluno natildeo tem jeitordquo ldquoeles natildeo tecircm
valoresrdquo reconhecerei as brechas para burlar o instituiacutedo e potencializar uma praacutetica
educativa mais conectada com o ser humano na sua diversidade A conexatildeo com a vida
deve nos conduzir a descoberta de outras searas muito proacuteximas daquela filosofia
humanista africana que afirma que eu soacute posso ser na medida que todos noacutes somos
Pensar o Ubuntu em uma sociedade onde seu processo civilizatoacuterio foi pautado no
individualismo na competiccedilatildeo e no materialismo eacute um ato revolucionaacuterio Portanto tenho
por compromisso eacutetico e humano trazer para a cena ndash inclusive para minha praacutetica
20
docente ndash os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros que estatildeo impressos em nossas maneiras
de ser e viver
E assim evidenciar18a Energia Vital (Axeacute) que nos remete a construccedilatildeo da
afetividade (pelos gestos palavras olhares) dimensatildeo tatildeo importante na Educaccedilatildeo
Infantil A Circularidade que vem nos lembrar que o iniacutecio e fim estatildeo ligados Natildeo haacute
hierarquia pois quando se estaacute em ciacuterculo todos se veem com a mesma oacutetica A
Corporeidade que nos mostra que o corpo tem muito a falar com seus movimentos ora
retraiacutedos ora expressivos O corpo eacute histoacuteria que precisa ser contada A Memoacuteria nos ajuda
a compreender que somos feitos de histoacuterias mas que por vezes satildeo distorcidas nos
tirando o sentimento de pertenccedila do que podemos vir a ser A Ancestralidade nos faz
transcender para aleacutem da materialidade da vida onde a memoacuteria dos nossos anciatildeos
carrega um grande legado
A Territorialidade nos remete aos espaccedilos casa e escola Lugares de iniciaccedilatildeo e que
precisam estar imbricados quando pensamos na educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas A
Religiosidade nos convida a uma relaccedilatildeo com os elementos da natureza e com o ser
humano de maneira mais transcendente respeitosa e harmoniosa A
CooperaccedilatildeoComunitarismo evidenciam a nossa essecircncia humana nascemos de uma
comunhatildeo e soacute vivemos em plenitude a partir dela E essa ideia eacute fundamentalmente
especial quando pensamos na formaccedilatildeo de crianccedilas pequenas que requer um ambiente
cooperativo acolhedor e amoroso para que seu aprendizado se realize de maneira afetiva
e efetiva Afinal de contas o adulto que a crianccedila se tornaraacute vai depender das relaccedilotildees
estabelecidas na infacircncia
A Oralidade provoca-nos a perceber as muacuteltiplas vozes do cotidiano e aqui nos
remetemos principalmente agraves crianccedilas enquanto portadoras de saberes-poderes A
Ludicidade nos rememora a necessaacuteria arte de viver em meio agraves contrariedades da vida
sem perder a capacidade de brincar e sorrir Aqui entendemos a brincadeira como uma
potente ferramenta pedagoacutegica visto que eacute considerada como uma linguagem infantil E a
Musicalidade nos daacute o tom para embalar nossos enredos cheios de ritmo sonoridade e
melodia
18 Os valores aqui pontuados podem ser encontrados no link httpwwwacordaculturaorgbrsitesdefault fileskitMODOSBRINCAR-WEB-CORRIGIDApdf
21
Todos esses valores civilizatoacuterios afro-brasileiros nos provocam a pensar sobre nossa
condiccedilatildeo de indiviacuteduos marcados pela diversidade e que refletem imagens drsquoAacutefrica de
ontem e de hoje de filhos e filhas que natildeo podem negar a riqueza do Patrimocircnio Africano
afrodiaspoacuterico e afro-brasileiro como bem dizia Trindade (2010 p 13) Eles tambeacutem nos
alimentam e fortalecem no caminho para a superaccedilatildeo de curriacuteculos escolares que
legitimam os saberes ditos universais como uacutenicos verdadeiros e superiores
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio
Por considerar que a musicalidade compotildee um dos valores civilizatoacuterios da cultura
afro-brasileira e por ela ser um importante componente curricular para a Educaccedilatildeo Infantil
e os anos iniciais que traz contribuiccedilotildees para a formaccedilatildeo de sujeitos criativos e reflexivos
pensamos neste subcapiacutetulo Vale ressaltar que para essa fase do ensino pensar a muacutesica
em contextos educativos natildeo demanda necessariamente ter formaccedilatildeo especiacutefica para tal
A consciecircncia de que a muacutesica faz parte do cotidiano do estudante desde a tenra idade e
que por isso ela representa uma linguagem jaacute eacute motivo para maiores reflexotildees
Pensando nisso procuramos trazer possibilidades de trabalho com a muacutesica na
Educaccedilatildeo Infantil Ao considerarmos a muacutesica enquanto aacuterea de conhecimento concluiacutemos
que nossas accedilotildees soacute faratildeo sentido quando dialogadas com os saberes dos educandos e com
a cultura na qual eles estatildeo inseridos Com isso rompemos com concepccedilotildees pedagoacutegicas
reducionistas que tratam a educaccedilatildeo musical de forma reprodutora pontual e rotineira
Ao defendermos uma mudanccedila de paradigma buscamos a desconstruccedilatildeo da ideia de que
a muacutesica eacute um artefato cultural instituiacutedo para apenas a sua reproduccedilatildeo em datas
comemorativas da escola Desmontamos tambeacutem a noccedilatildeo de que as muacutesicas cantadas na
Educaccedilatildeo Infantil satildeo formas de marcar a rotina e estimular a expressividade quando na
verdade tem como premissa a criaccedilatildeo ou reforccedilo de comportamentos
Concordamos com Brito (2003) quando afirma que a muacutesica deve emancipar o ser
humano ndash a partir da reflexatildeo-accedilatildeo e natildeo reproduccedilatildeo ndash e deve incluir a todos os estudantes
sem distinccedilatildeo
() longe da visatildeo europeia do seacuteculo passado que selecionava os ldquotalentos naturaisrdquo eacute preciso lembrar que a muacutesica eacute linguagem cujo conhecimento se constroacutei com base em vivecircncias e reflexotildees orientadas
22
Desse modo todos devem ter o direito de cantar ainda que desafinado Todos devem poder tocar um instrumento ainda que natildeo tenham naturalmente um senso riacutetmico fluente e equilibrado pois as competecircncias musicais desenvolvem-se com a pratica regular e orientada em contextos de respeito valorizaccedilatildeo e estiacutemulo a cada aluno por meio de propostas que consideram todo o processo de trabalho e natildeo apenas o produto final (p 53)
Importante ressaltar que nosso objetivo natildeo eacute formar muacutesicos mirins ou futuros
maestros musicais Desejamos a partir do eixo musicalidade ndash expresso no Referencial
Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil (RCNEI)19 ndash desenvolver competecircncias para a
formaccedilatildeo integral dos estudantes sob uma perspectiva interdisciplinar e inclusiva de
valores outros Tais valores satildeo pensados por noacutes como aqueles que refletem a diversidade
da sociedade brasileira
O cotidiano das crianccedilas principalmente em fase inicial da escolarizaccedilatildeo deve ser
permeado de brinquedos musicais Se pararmos para pensar a crianccedila nos seus primeiros
dias de vida jaacute eacute iniciada no universo musical a partir do que chamamos de acalantos
(cantigas de ninar) Natildeo eacute preciso muito tempo para os jogos e brinquedos musicais
tomarem o imaginaacuterio delas tendo em vista que tais artefatos satildeo heranccedilas culturais
transmitidas por tradiccedilatildeo oral chegando agraves crianccedilas por meio das brincadeiras de roda
(poesia muacutesica e danccedila) cirandas parlendas adivinhas etc
As brincadeiras de roda estatildeo relacionadas com as canccedilotildees populares Estas por sua
vez fazem parte do folclore20 brasileiro Considerando que tais canccedilotildees faccedilam parte da
cultura de um povo e sendo o nosso povo rico culturalmente poderiacuteamos afirmar que elas
satildeo um potente instrumento para a educaccedilatildeo de nossas crianccedilas Segundo o RCNEI as
brincadeiras de roda tambeacutem conhecidas como rondas receberam influecircncias de culturas
como lusitana africana ameriacutendia espanhola e francesa Poreacutem sua origem eacute
fundamentalmente europeia (Portugal e Espanha)
Brito (2003) afirma que a linguagem musical eacute construiacuteda de acordo com cada cultura
e eacutepoca estando assim associada aos costumes sociais de um povo Se portanto os
costumes da eacutepoca eram deslegitimar o outro enquanto legiacutetimo outro por meio da
subalternizaccedilatildeo o que diriacuteamos do conteuacutedo de algumas cantigas Assim se ouvirmos
19 Link de acesso httpportalmecgovbrsebarquivospdfrcnei_vol1pdf 20 O folclore cuja etimologia eacute de origem inglesa significa conhecimento de um povo (folk-povo e lore-conhecimento)
23
dizer que as cantigas populares estatildeo associadas agraves tradiccedilotildees e histoacuterias de um povo
corremos o risco de nos depararmos com narrativas nada idiacutelicas
Por isso acreditamos que eacute preciso falar das cantigas populares sobretudo quando
elas fazem parte da rotina educacional de crianccedilas pequenas Peixoto (2015) em sua
pesquisa sobre a violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda nos alerta para a
urgecircncia de reflexotildees sobre esses brinquedos musicais que inculcam valores de uma
cultura (dominante) Muito grave tambeacutem eacute a banalizaccedilatildeo daquele que eacute diferente dos
padrotildees hegemocircnicos
A autora recorre ao poder simboacutelico (BOURDIEU 1989) a fim de esclarecer o
processo de induccedilatildeo de certos valores de forma que quando naturalizados passam a
representar um certo tipo de violecircncia que por sua vez tambeacutem eacute simboacutelica Se avaliarmos
a linguagem das cantigas populares com um olhar descolonizado ndash livre dos padrotildees
hegemocircnicos instituiacutedos ndash perceberemos os simbolismos bem estruturados e sutilmente
representados nos campos de violecircncia de gecircnero domeacutestica racial entre outros Natildeo eacute
de se estranhar que a percepccedilatildeo dessas questotildees seja limitada tendo em vista que a
violecircncia nem sempre representaraacute algo tangiacutevel O entendimento de violecircncia para aleacutem
da fiacutesica supotildee pensarmos na ausecircncia Carecircncia talvez de justiccedila de liberdade de
solidariedade e de igualdade Quando em nossa existecircncia nos faltam tais elementos
certamente nos faltaraacute tambeacutem o sentimento de cidadatildeo de direitos plenos e subjetivos
Todavia parece estar cada vez mais difiacutecil a percepccedilatildeo do poder simboacutelico que gera
a violecircncia simboacutelica em virtude das inversotildees de valores do mundo contemporacircneo
Concordamos com o socioacutelogo quando afirma
Eacute necessaacuterio saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos onde ele eacute mais completamente ignorado portanto reconhecido o poder simboacutelico eacute com efeito esse poder invisiacutevel o qual soacute pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que natildeo querem saber que lhe estatildeo sujeitos ou mesmo que o exercem (BOURDIEU 1989 p 9)
Para essa difiacutecil tarefa de fazer conhecer o desconhecido e o ignorado elegemos o
professor sujeito este que consideramos peccedila fundamental na emancipaccedilatildeo das
consciecircncias Mas esse professor a quem tantos chamam de mediador do conhecimento
precisa para aleacutem de outras atribuiccedilotildees uma que consideramos chave a curiosidade Mas
como afirmava Paulo Freire natildeo se trata de uma curiosidade ingecircnua mas aquela que
24
encaminha para o movimento a inquietaccedilatildeo e a criticidade Portanto acreditamos que o
docente precisa ser epistemologicamente curioso para perceber as ideologias que Freire
(2007) relaciona com a ldquoocultaccedilatildeo da verdade dos fatos com o uso da linguagem para
penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna miacuteopesrdquo (p 125)
Tal postura deve ser de tal modo libertadora que o seu exerciacutecio suscite no discente
o mesmo sentimento o da curiosidade criacutetica que de matildeos dadas com a imaginaccedilatildeo e a
emoccedilatildeo eacute capaz de conduzir a experiecircncias instituintes Quando definimos as temaacuteticas das
oficinas logo pensamos em uma que contemplasse a musicalidade Nesse sentido levamos
para a sala de aula um repertoacuterio musical de cantigas populares sendo que uma delas
carregava em sua letra uma mensagem de violecircncia A partir da sensibilizaccedilatildeo convidamos
os estudantes agrave reinvenccedilatildeo da mesma que em breve seraacute apresentada neste trabalho
Assim o leitor estaraacute em contato com algumas taacuteticas de docentes e discentes que
descobriram que para aleacutem de um repertoacuterio musical envolvente mas instituiacutedo existe
um mundo de possibilidades
16 A CRIANCcedilA PEQUENA E O NEGRO QUEM SAtildeO ESSES OUTROS
A Ciecircncia Moderna vem pensar o outro como uma categoria da diferenccedila
evidenciando suas singularidades e multiplicidades Buscamos contribuiccedilotildees de autores
para pensar o sujeito da diferenccedila o outro e assim sinalizar como eles (a crianccedila e o negro)
tecircm sido enunciados
Ao iniciar a leitura deste trabalho e ao longo dele eacute possiacutevel deparar-se com a
expressatildeo outro como legiacutetimo outro dos bioacutelogos Maturana e Varela (1995) Tais autores
inauguram algo instituinte na Biologia e que vai ao encontro do outro enquanto sujeito
da diferenccedila eles pensam o homem para aleacutem dos determinismos geneacuteticos Ou seja o
indiviacuteduo eacute fruto tanto dos sistemas bioloacutegicos quanto das relaccedilotildees sociais Desse modo
ao defender a cultura como parte do desenvolvimento humano os autores apoiam que
natildeo existem pessoas iguais e que a diferenccedila estaacute dentro da normalidade ao contraacuterio da
homogeneidade (ROSSETTO 2010)
Com isso defender o outro enquanto legiacutetimo outro eacute aceitar o sujeito da diferenccedila
na relaccedilatildeo comprazendo-se com os seus diferentes modos de ser e viver
25
Paradoxalmente ao que os autores acima apresentam Pletsch e Carvalho (2011) vatildeo
pensar o ldquooutrordquo a partir de ldquonoacutesrdquo que impotildee por sua vez um discurso de superioridade
e autoridade Com isso o ldquooutrordquo eacute a representaccedilatildeo de algo inanimado (objeto) sobre o
qual eacute possiacutevel exercer o poder e domiacutenio Em dossiecirc sobre processos de inclusatildeo e
exclusatildeo escolar esses autores alimentam uma urgecircncia dar visibilidade agrave dor e ao
sofrimento dos ldquooutrosrdquo Mas fica um questionamento para noacutes quem satildeo os outros
efetivamente
O outro eacute todo aquele que natildeo pode ser noacutes recebendo status de ldquodiferenterdquo Sendo
assim os ldquooutrosrdquo satildeo
() os analfabetos os negros os iacutendios os drogados as mulheres as crianccedilas os velhos os gays as leacutesbicas os pederastas os presidiaacuterios as prostitutas os deficientes fiacutesicos e mentais os pobres e os miseraacuteveis enfim todos aqueles seres humanos que satildeo desumanizados maltratados ignorados enfim invisibilizados mesmo quando queremos tornaacute-los visiacuteveis (PLETSCH CARVALHO 2011 p 3)
Neste trabalho temos buscado evidenciar os outros na figura da crianccedila pequena e
do negro (afro-brasileiro) natildeo enquanto sujeitos destinados agrave opressatildeo e dominaccedilatildeo mas
como indiviacuteduos que precisam ser incluiacutedos no cotidiano escolar enquanto outros legiacutetimos
outros Dessa maneira desejamos estar com eles pesquisar com eles e criar estrateacutegias
para incluiacute-los na sua corporeidade diversidade e maneiras de pensar e sentir
Nos anos de 1990 comeccedilaram a surgir na Europa discussotildees socioloacutegicas em torno
da infacircncia A crianccedila passou a integrar uma categoria social e deixa de ser olhada apenas
como sujeito de tutela sem voz para ser vista como sujeito de direito e capaz de construir
e modificar culturas a partir da interaccedilatildeo com seus pares e com os adultos As crianccedilas que
passam a ser consideradas atores sociais iratildeo reproduzir comportamentos sociais
interpretando-os de maneira singular Esse modo de agir jaacute foi aqui identificado
anteriormente como reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005) Interpretativa porque
as crianccedilas criam e participam de suas culturas E reproduccedilatildeo porque elas tambeacutem podem
contribuir para a reproduccedilatildeo da sociedade ou para a mudanccedila social
Como a crianccedila eacute capaz de interpretar e reproduzir a cultura da qual faz parte nos
perguntamos qual eacute a cultura na qual a crianccedila tem sido formada Esse meio tem
favorecido o reconhecimento da crianccedila a partir de suas diferenccedilas Esse meio tem
26
provocado a inclusatildeo da diversidade eacutetnico-cultural nos espaccedilos educativos e fora deles
Se levarmos em conta o caraacuteter monocultural reducionista e etnocecircntrico que permeia a
instituiccedilatildeo escolar desde a sua origem nos certificaremos que a escola corre grande risco
de desfavorecer a cultura da diversidade Concordamos com Oliveira e Farias (2014)
quando afirmam que
ldquo() ao longo de nossa histoacuteria como naccedilatildeo o tratamento dado as matrizes eacutetnicas que configuram a nossa gente tem sido feito de maneira desigual privilegiando o grupo eacutetnico europeu em detrimento dos nativos e dos africanos colaborando assim para a produccedilatildeo de desigualdades e injusticcedilas sociaisrdquo (p 89)
Ou seja a figura do negro e seus modos de ser e estar no mundo tal como de outras
matrizes eacutetnicas que natildeo representavam os padrotildees sociais dominantes da hierarquia
colonizadora se constituiu ao longo dos seacuteculos como uma natildeo cultura Eles os nativos
da terra e os que aqui posteriormente chegaram para serem escravizados historicamente
sempre foram ldquoos outrosrdquo conforme Pletsch e Carvalho (2011)
Na histoacuteria da Educaccedilatildeo o negro representou ldquoum outro que devia ser anulado
apagadordquo (SKLIAR 2003 p 41) Basta saber que no Brasil Impeacuterio foram estabelecidos dois
decretos21 impedindo que o negro participasse do espaccedilo escolar de forma plena e com
direitos iguais ao da populaccedilatildeo branca
Apesar de hoje natildeo termos mais esse tipo de lei como haacute 162 anos ainda estatildeo
presentes marcas dessa maneira de pensar que aparece algumas vezes de forma muito
sutil e de outras nem tanto visto que o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo foram
internalizados e naturalizados no imaginaacuterio e consequentemente no comportamento do
brasileiro O que dizer dos filmes da Disney dos contos europeus das histoacuterias de priacutencipes
e princesas que comeccedilam a fazer parte do imaginaacuterio de nossas crianccedilas sobretudo em
fase inicial de escolarizaccedilatildeo Pois entatildeo nessas narrativas os negros natildeo existem pelo
menos da maneira que deveriam existir
21 Decreto nordm 1331 de 17 de fevereiro de 1854 estabelecia que nas escolas puacuteblicas do paiacutes natildeo seriam admitidos escravos e a previsatildeo de instruccedilatildeo para adultos negros dependia da disponibilidade de professores O Decreto nordm 7031-A de 6 de setembro de 1878 estabelecia que os negros soacute podiam estudar no periacuteodo noturno e diversas estrateacutegias foram montadas no sentido de impedir o acesso pleno dessa populaccedilatildeo aos bancos escolares Tais dados podem ser encontrados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africanas
27
2 OBJETIVOS
21 OBJETIVO GERAL
Realizar pesquisa a partir de metodologias interativas ndash interdisciplinaridade e
etnografia ndash com enfoque na Sociologia da Infacircncia com estudantes entre 4 e 6 anos
abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola rural do municiacutepio de MageacuteRJ
22 OBJETIVOS ESPECIacuteFICOS
Analisar os desdobramentos da lei 1164508 e os dispositivos legais que a
complementam em uma escola Rural no Municiacutepio de Mageacute
Compreender a infacircncia enquanto categoria social por meio da Sociologia da
Infacircncia
Identificar no ambiente escolar se haacute imagens e materiais que evidenciem etnias de
matriz afro-brasileiras e indiacutegenas
Aproximar a famiacutelia da escola a fim de construir redes colaborativas mais efetivas e
afetivas
Dialogar e refletir com os docentes e equipe pedagoacutegica sobre os desafios da inclusatildeo
da diversidade na escola
Desenvolver com os estudantes estrateacutegias didaacuteticas mediadas por atividades
luacutedicas onde os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros sejam uma constante
Produzir e revisitar tecnologias educacionais que potencializem as accedilotildees pedagoacutegicas
no trato das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
Desenvolver um suporte midiaacutetico para o compartilhamento dos processos e
materiais que mediaram as experiecircncias instituintes
Elaborar um caderno com orientaccedilotildees pedagoacutegicas a partir de experiecircncias
instituintes sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo como puacuteblico alvo
professores da Educaccedilatildeo Infantil
28
3 MATERIAIS E MEacuteTODOS (METODOLOGIA)
31 PUacuteBLICO ALVO
A pesquisa foi realizada com a Educaccedilatildeo Infantil compreendendo duas turmas da
Preacute-escola A turma do ldquoPreacute Irdquo possuiacutea 18 estudantes dentre eles 9 meninos e 9 meninas
com idades entre 4 e 5 anos No ldquoPreacute IIrdquo eram 19 estudantes sendo que 11 meninos e 8
meninas com idades entre 5 a 6 anos incompletos
As docentes de ambas as turmas satildeo concursadas e residem no municiacutepio em
distritos vizinhos ao da escola A professora do Preacute-escolar I tem formaccedilatildeo na Escola
Normal em niacutevel meacutedio Enquanto a professora do Preacute-escolar II formou-se em Histoacuteria
recentemente tendo como tema monograacutefico jogos e relaccedilotildees raciais
32 ETNOGRAFIA E INTERDISCIPLINARIDADE CAMINHOS METODOLOacuteGICOS
A Sociologia da Infacircncia enquanto campo cientiacutefico que concebe a infacircncia como
objeto socioloacutegico tem nos apontado caminhos metodoloacutegicos para a percepccedilatildeo e
reinvenccedilatildeo das praacuteticas poliacuteticas e culturas em torno do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
desde a tenra idade As muacuteltiplas vertentes teoacutericas que dialogam com a Sociologia da
Infacircncia tecircm caminhado em busca de definiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas no que tange a
construccedilatildeo social da crianccedila na sociedade da qual ela eacute agente ativa de transformaccedilatildeo
Ao considerarmos a infacircncia como parte da sociedade (MUumlLLER 2006) somos
provocados a refletir sobre as diferentes aacutereas do conhecimento com os quais ela dialoga
psicologia antropologia histoacuteria sociologia Pensar a crianccedila a partir do entrelaccedilamento
dessas ciecircncias eacute conferir-lhe status de um ser social complexo e em devir
Buscando atender as especificidades dessa categoria de anaacutelise complexa que eacute a
infacircncia eacute que estabelecemos redes reflexivas com metodologias interativas que
consideram o sujeito da pesquisa enquanto ator social ativo e participante da cultura de
pares e tambeacutem de adultos Dessa maneira os caminhos percorridos para o conhecimento
das vozes dos estudantes foram o da pesquisa interdisciplinar e etnograacutefica Destacamos
primeiramente a pesquisa etnograacutefica que segundo Kramer (2002) garante
29
procedimentos metodoloacutegicos e estrateacutegias favoraacuteveis agraves interaccedilotildees adulto e crianccedila (p
44)
Inicialmente tal escolha se deu por entendermos que seria no miacutenimo incoerente
chegar com uma entrevista fechada para crianccedilas entre 4 a 6 anos responderem O diaacutelogo
com a crianccedila demanda uma postura especial que requer a utilizaccedilatildeo de uma linguagem
proacutepria
Corsaro (2005) jaacute nos falava sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de crianccedilas
explicitando a origem antropoloacutegica desta metodologia que se sustenta em um movimento
de tornar-se nativo Ou seja a construccedilatildeo de uma relaccedilatildeo efetiva e afetiva que contribua
para a anaacutelise das vivecircncias da crianccedila e assim a sua sistematizaccedilatildeo implica em
reconhecer sua cultura e com ela estar disposto a conviver numa relaccedilatildeo de alteridade
Aqui vamos nos referir agraves vozes das crianccedilas como sendo as nossas aliadas nesse
processo de confirmaccedilatildeo das hipoacuteteses Desse modo tais vozes se datildeo de diferentes
formas a partir de ilustraccedilotildees conversas informais conversas entre os pares
silenciamentos Uma ferramenta muito importante para o trabalho foram as notas
registradas no caderno de campo que satildeo parte da metodologia etnograacutefica Todos esses
meios forneceram subsiacutedios para a criaccedilatildeo de praacuteticas e culturas inclusivas sobre a questatildeo
eacutetnico-racial desde a tenra idade
William Corsaro importante pesquisador no campo da Sociologia da Infacircncia com
sua vasta experiecircncia sobre pesquisa etnograacutefica com crianccedilas do Preacute-escolar tem
contribuiacutedo sobremaneira para a reflexatildeo das relaccedilotildees hierarquizantes e portanto
opressoras entre adultos e crianccedilas Suas teorias sobre etnografia na infacircncia reproduccedilatildeo
interpretativa e cultura de pares (CORSARO 2005) reforccedilam a ideia de que a crianccedila eacute um
ator social capaz de receber cultura mas tambeacutem de construir as suas proacuteprias na
interaccedilatildeo
As pesquisas empiacutericas do autor demonstram que o olhar do adulto reconhecendo a
legitimidade da alteridade infantil eacute uma via potente no processo de construccedilatildeo do
conhecimento Ele nos ajuda a pensar sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de
crianccedilas e relata que ao longo de 28 anos escrevendo sobre o tema seu trabalho passou
por significativa transformaccedilatildeo quando deixou de pesquisar sobre para pesquisar com
crianccedilas A seguir um trecho sobre a pesquisa etnograacutefica
30
A etnografia eacute o meacutetodo que os antropoacutelogos mais empregam para estudar as culturas exoacuteticas Ela exige que os pesquisadores entrem e sejam aceitos na vida daqueles que estudam e dela participem Neste sentido por assim dizer a etnografia envolve ldquotornar-se nativordquo Estou convicto de que as crianccedilas tecircm suas proacuteprias culturas e sempre quis participar delas e documentaacute-las Para tanto precisava entrar na vida cotidiana das crianccedilas ndash ser uma delas tanto quanto podia (CORSARO 2005 p 446)
Obviamente que eu natildeo me tornaria uma delas tatildeo pouco falaria por elas Mas o
movimento que William Corsaro defende eacute o de entrar e ser aceito pela comunidade
pesquisada e para isso eu natildeo deveria ldquoagir como um adulto tiacutepicordquo (p 446)
Depreende-se que ldquotornar-se nativordquo envolve falar as linguagens que satildeo proacuteprias
das crianccedilas para entatildeo melhor dialogar com elas ndash E que linguagens satildeo essas Ouso
dizer que satildeo as linguagens do corpo da sonoridade da ludicidade entre outras que
atraem as crianccedilas
Importante afirmar que a infacircncia eacute uma categoria social complexa e pensaacute-la
demanda muitas redes de saberes especialmente nos processos educacionais uma
perspectiva de pesquisa interdisciplinar agrega conhecimentos importantes para pensar a
crianccedila na sua totalidade E para tal buscamos pensar a interdisciplinaridade a partir de
dois autores Juares da Silva Thiesen (2008) e Ivani Fazenda (2010) sobre a qual vamos
aprofundar nossas reflexotildees Vale frisar que cada autor concebe esta metodologia agrave luz de
seus saberes e formaccedilatildeo mas o importante eacute ter consciecircncia de que a essecircncia de suas
percepccedilotildees converge para um soacute caminho o rompimento com a loacutegica fragmentada e
linear do conhecimento imposta pela corrente hegemocircnica das Ciecircncias Modernas
Desse modo Thiesen (2008) nos conduz a pensar na necessaacuteria reforma do
pensamento pelas vias da interdisciplinaridade Para ele a sociedade contemporacircnea
impotildee uma seacuterie de complexificaccedilotildees e para entendecirc-las se faz necessaacuterio uma rede de
sistematizaccedilotildees com saberes interligados
Jaacute Fazenda (2010) aborda a indispensaacutevel transformaccedilatildeo da pedagogia onde a
transmissatildeo do saber precisa dar lugar agraves trocas dialoacutegicas Nos anos 1970 Ivani Fazenda
recebeu influecircncias do pensamento de Hilton Japiassuacute (1976) o primeiro a pesquisar a
Interdisciplinaridade no Brasil enquanto que na Europa (Franccedila e Itaacutelia) esse movimento
jaacute acontecia desde de 1960 Ivani Fazenda pensou inicialmente na construccedilatildeo
epistemoloacutegica do conceito emergindo as seguintes conclusotildees a interdisciplinaridade eacute
31
uma atitude que envolve inovaccedilatildeo dialogo reciprocidade ousadia humildade coerecircncia
espera respeito e desapego
Humildade porque a investigaccedilatildeo interdisciplinar natildeo se limita a meacutetodos senatildeo a
vestiacutegios percebidos na interaccedilatildeo com os atores sociais E tambeacutem parte-se do
entendimento que a dimensatildeo individual eacute deficitaacuteria para a resoluccedilatildeo de conflitos (HAAS
2011) Havendo entatildeo a necessidade de constante diaacutelogo com o outro
Outra atitude importante que dialoga com a interdisciplinaridade eacute a ousadia que
busca e transforma a inseguranccedila em redes reflexivas E eacute esta ousadia que constroacutei as
parcerias entre professoraluno professorprofessor gestorcomunidade escolar
Concordamos com a autora quando reconhece que a interdisciplinaridade eacute senatildeo
um processo um caminho que transforma uma realidade instituiacuteda em experiecircncias
instituintes a partir da relaccedilatildeo de reciprocidade com o outro legiacutetimo outro
Tendo em vista a relevacircncia da interdisciplinaridade e sua urgecircncia em propor novas
formas de investigar de dialogar e construir saberes eacute que realizamos a ponte com a
Sociologia da Infacircncia de modo que fosse possiacutevel articular com suas vertentes teoacutericas
Explicitamos aqui o meacutetodo comparativo da etnografia longitudinal (CORSARO 2005) onde
acompanhamos a transiccedilatildeo dos atores da pesquisa para o ano seguinte em 2016
A etnografia a interdisciplinaridade e a pesquisa-participante enquanto pensar-
fazer se complementam formando redes reflexivas e criando de maneira instituinte um
ensino que dialogue com as relaccedilotildees eacutetnico-raciais na infacircncia
33 QUESTOtildeES EacuteTICAS NA PESQUISA COM CRIANCcedilAS
A reflexatildeo sobre as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas eacute um movimento
contemporacircneo e inovador que natildeo soacute beneficia a comunidade cientiacutefica como tambeacutem o
proacuteprio sujeito participante da pesquisa O que antes representava um sujeito silenciado
em seus saberes e receptor de culturas hoje o vemos como um ator de direitos
reconhecidos resguardados e legitimados
Kramer (2002) ao discorrer sobre autoria e autorizaccedilatildeo na pesquisa com crianccedilas
nos sinaliza alguns pontos importantes quando trabalhamos com a infacircncia enquanto
categoria social As reflexotildees da autora em torno da divulgaccedilatildeo dos nomes das crianccedilas
32
exibiccedilatildeo de seus rostos e devoluccedilatildeo dos achados nos provoca a pensar nos caminhos que
temos percorrido
Ao iniciar a pesquisa adotamos como procedimento eacutetico dar a conhecer os aspectos
da pesquisa aos responsaacuteveis dos estudantes do Preacute-escolar I e II Assim realizamos uma
reuniatildeo onde foi solicitada a participaccedilatildeo dos estudantes Naquele momento foi
endossado que a participaccedilatildeo era voluntaacuteria e o consentimento poderia ser retirado a
qualquer tempo sem prejuiacutezos agrave continuidade das atividades nas minhas aulas
O termo de consentimento assinado pelos responsaacuteveis autoriza a coleta de dados
bem como suas anaacutelises e publicaccedilatildeo dos mesmos Nesse documento foi firmado o
compromisso de omitir os nomes dos participantes tal como a exibiccedilatildeo de suas imagens
Tambeacutem foi garantida a confidencialidade das informaccedilotildees geradas e a privacidade dos
sujeitos da pesquisa
A omissatildeo dos nomes deveu-se a compreensatildeo de que era necessaacuterio resguardar a
integridade da crianccedila mesmo sabendo que o que estava sendo proposto na pesquisa natildeo
apresentasse riscos aparentes O mesmo posicionamento ocorreu em relaccedilatildeo agraves suas
imagens levando em consideraccedilatildeo o alerta de Kramer (2002) sobre o cuidado com a
exposiccedilatildeo de crianccedilas pequenas em que pese a sua necessidade de ser reconhecida
Sobre a devoluccedilatildeo dos achados temos pensado em nosso compromisso com aquela
comunidade escolar que nos recebeu acreditou e incentivou a pesquisa Vislumbramos
socializar os resultados com todos os envolvidos diretamente na pesquisa por diferentes
meios
34 FASES DA PESQUISA
A pesquisa foi dividida em cinco fases transcorrendo de agosto do ano de 2014 a
julho de 2016
Na primeira fase foi realizada pesquisa bibliograacutefica acerca do ensino das relaccedilotildees
eacutetnico-raciais e sua ocorrecircncia nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica Concomitante a essa
busca foram cursadas as disciplinas do programa que possibilitaram uma melhor
aproximaccedilatildeo com o objeto de estudo e deste com os diferentes campos de conhecimento
sob um vieacutes interdisciplinar
33
Na segunda fase a partir de maio de 2015 foi estabelecido contato com a escola para
apresentaccedilatildeo da proposta e solicitaccedilatildeo de autorizaccedilatildeo institucional22 para a coleta de
dados Apoacutes tal autorizaccedilatildeo iniciaram-se as conversas com os responsaacuteveis pelos
estudantes visando uma sensibilizaccedilatildeo sobre a temaacutetica e sua autorizaccedilatildeo para que os
alunos pudessem participar da pesquisa
A terceira fase tendo seu iniacutecio no mecircs de junho de 2015 eacute identificada como
sondagem das percepccedilotildees dos estudantes sobre a temaacutetica eacutetnico-racial durante as
oficinas iniciais nas aulas de Dinamizaccedilatildeo de Leitura Esta teve como objetivo perceber as
preferecircncias desejos e recusas dos alunos com relaccedilatildeo agrave proposta Nessa fase tambeacutem
foram importantes as conversas estabelecidas com os docentes da escola
Na quarta fase iniciada em agosto e perdurando por 6 meses foram realizadas as
oficinas pedagoacutegicas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil com faixa-etaacuteria entre 4 a 6
anos Tais oficinas buscaram articular os conhecimentos propostos pelos RCNEI e pelas DCN
ERER As experiecircncias construiacutedas coletivamente e sistematizadas deram forma ao
caderno23 com orientaccedilotildees pedagoacutegicas sobre o ensino da relaccedilotildees eacutetnico-raciais na
Educaccedilatildeo Infantil A seguir buscamos apresentar os caminhos percorridos em cada uma
das oito oficinas
341 As oficinas
Foram realizadas um total de oito oficinas que tiveram como caminhos
metodoloacutegicos a interdisciplinaridade (FAZENDA 2010 THIESEN 2008) e os princiacutepios
etnograacuteficos de pesquisa com crianccedilas pequenas (CORSARO 2005) Ao longo de cada uma
das accedilotildees buscamos um jeito proacuteprio de pensar e construir saberes desejaacutevamos romper
com a loacutegica cartesiana da razatildeo instrumental que desconsidera os saberes dos sujeitos da
diversidade Assim fomos ao encontro deles buscando entrecom eles na alteridade para
entendermos seus mundos por meio de conversas que nos conduzissem a aprendizagens
Apresentamos as duas primeiras oficinas que representam a terceira fase do projeto
Foram Accedilotildees iniciais para perceber os indiacutecios que os estudantes nos apontavam sobre a
urgecircncia de incluir a temaacutetica naquele contexto Elas tiveram como enfoque a literatura
22 A autorizaccedilatildeo institucional se encontra no apecircndice 711 23Este caderno seraacute disponibilizado em formato digital
34
infanto-juvenil Nos dois momentos que aconteceram em dias distintos com duraccedilatildeo de
50 minutos cada buscamos perceber as narrativas que estavam povoando o imaginaacuterio
daqueles atores sociais e sensibilizaacute-los para a existecircncia de outras histoacuterias especialmente
aquelas nas quais os afrodescendentes e suas matrizes eacutetnicas fossem evidenciadas
A terceira oficina sendo a quarta fase do projeto buscou tornar conhecida uma
Heroiacutena a contrapelo a liacuteder quilombola mageense Maria Conga A oficina foi realizada
com a participaccedilatildeo de matildees tias avoacutes ou irmatildes que foram convidadas para ali estarem
Aconteceu em um soacute dia com duraccedilatildeo total de 1hora e 20 minutos mas foi dividida em
dois momentos No primeiro narramos a histoacuteria de Maria a menina que veio do Congo
Buscou-se uma narrativa intertextual ligando a vida de Maria Conga com a histoacuteria dos
muitos africanos que foram trazidos para o Brasil Em um segundo momento foi proposto
a confecccedilatildeo de bonecas abayomis pelas jovens adultas e idosas que naquele instante
acompanhavam os estudantes
A quarta oficina foi uma sensibilizaccedilatildeo baseada na Pedagogia Griocirc Tal pedagogia
idealizada pela educadora Lilian Pacheco24 baseia-se na valorizaccedilatildeo e transmissatildeo dos
saberesfazeres (ALVES 2001)25 da cultura oral dos sujeitos da regiatildeo Desse modo nesta
oficina buscou-se aproximar os saberes das novas geraccedilotildees aos saberes das geraccedilotildees
passadas por meio das histoacuterias contadas pelas griocirctes locais Neste trabalho as griocirctes
foram duas avoacutes dos estudantes Elas foram escolhidas porque eram mulheres idosas que
representavam os sujeitos da diversidade a avoacute do estudante do ldquoPreacute IIrdquo tem nanismo fato
que chama atenccedilatildeo das crianccedilas pois embora fosse do tamanho deles ela jaacute tinha vivido
quase 60 anos A outra avoacute da estudante do ldquoPreacute Irdquo eacute negra
A oficina foi realizada em dois momentos distintos ocorrendo em duas semanas No
primeiro momento realizou-se a contaccedilatildeo de histoacuterias pelas avoacutes com duraccedilatildeo de cerca de
50 minutos Na semana seguinte os estudantes recontaram aspectos das histoacuterias ouvidas
com massinha de modelar Com os registros desta experiecircncia posteriormente seraacute
confeccionado um viacutedeo animado e legendado com a temaacutetica Histoacuterias de nossa gente
A quinta oficina envolveu a Musicalidade enquanto valor civilizatoacuterio afro-brasileiro
e foi dividida em cinco momentos distintos ocorrendo em um periacuteodo de um mecircs e meio
24 Mais agrave frente discorreremos sobre esta pedagogia 25 Nilda Alves utiliza o recurso de aglutinaccedilatildeo de palavras para indicar a necessidade de ir aleacutem dos limites herdados das Ciecircncias Modernas
35
mais ou menos 6 encontros Buscou-se nesta proposta trabalhar o desenvolvimento de
diferentes competecircncias como a de construccedilatildeo de conceitos a descoberta de instrumentos
musicais eacutetnicos e a confecccedilatildeo deles a construccedilatildeo de rimas ritmos e movimentos As accedilotildees
desta oficina culminaram no ano de 2016 quando foram compartilhadas algumas criaccedilotildees
musicais dos estudantes com as famiacutelias via dispositivos moacuteveis
A sexta oficina foi nomeada como Lendas que nos encantam e teve por objetivo
retornar aos gecircneros literaacuterios como na primeira oficina evidenciando histoacuterias que
precisam ser contadas nas escolas brasileiras Desse modo apresentamos a histoacuteria de uma
aacutervore que representa a ancestralidade africana o Baobaacute
Para trabalharmos a histoacuteria do Baobaacute realizamos dinacircmicas em dois momentos
distintos tendo cada um 50 minutos Na primeira semana foi contada a lenda da seguinte
maneira organizei um cenaacuterio com cartolinas coloridas agrave frente da sala de aula com uma
aacutervore (de papel) de troncos largos cheia de frutos Realizei a leitura da lenda e
posteriormente foram escolhidos alguns estudantes para encenar a histoacuteria sendo os
seguintes personagens o Baobaacute a hiena dois coelhos e outros trecircs bichos Logo em
seguida a partir da minha mediaccedilatildeo os estudantes dinamizaram a lenda expressando
criatividade imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Foi possiacutevel realizar a contaccedilatildeo de histoacuteria pelos
estudantes por trecircs vezes O objetivo era que todos participassem
Na semana seguinte resgatamos a histoacuteria e pedimos agraves crianccedilas que representassem
aspectos daquela histoacuteria por meio de ilustraccedilotildees em folhas e de massinha de modelar
Tais produccedilotildees foram registradas para compor um viacutedeo animado sobre a histoacuteria do Baobaacute
contada a partir do olhar dos estudantes de Conceiccedilatildeo de Suruiacute
35 COLABORADORES NA COLETA DE DADOS
As docentes das turmas a bolsista de extensatildeo e a equipe pedagoacutegicagestora foram
as colaboradoras diretas da pesquisa e contribuiacuteram significativamente para o processo de
investigaccedilatildeo
As professoras regentes das turmas pesquisadas foram fontes importantes para
percepccedilatildeo da urgecircncia em pesquisar o contexto da Educaccedilatildeo Infantil Os relatos de suas
praacuteticas cotidianas das relaccedilotildees interpessoais entre os estudantes e suas famiacutelias da
relaccedilatildeo entre os pares foram fundamentais para potencializar as reflexotildees em direccedilatildeo a
36
inclusatildeo da diversidade Cabe ressaltar que ambas as professoras embora soliacutecitas e agrave
disposiccedilatildeo para contribuir com os achados dificilmente participavam das oficinas Os 50
minutos semanais eram os uacutenicos que elas tinham para realizar o seu planejamento visto
que no municiacutepio de Mageacute os docentes de 1deg segmento natildeo tinham garantido o 13 de
carga horaacuteria semanal para planejamento conforme estabelece a lei federal 117380826
A parceria com a discente da graduaccedilatildeo (bolsista de extensatildeo) durante o processo
de coleta de dados foi um apoio fundamental pois representava um olhar a mais naquele
momento de achados Aleacutem disso a estudante realizou grande parte dos registros
fotograacuteficos enquanto eu mediava as oficinas
A gestora por sua vez foi quem prontamente viabilizou a coleta de dados a partir da
autorizaccedilatildeo institucional e que no decorrer desse processo tambeacutem representou uma
fonte de validaccedilatildeo dos dados coletados visto sua relaccedilatildeo direta com as famiacutelias estudantes
e docentes
Por fim eacute possiacutevel concluir que a coleta de dados desta pesquisa foi permeada por
olhares atentos que culminaram em conversas27 entre noacutes docentes e tambeacutem com
discentes para potencializar um ensino onde a inclusatildeo da diversidade se tornasse uma
constante
36 PRODUTOS DO PROJETO
Os produtos desta pesquisa satildeo tecnologias educacionais Todas elas estatildeoseratildeo28
disponibilizadas online29 visando contribuir para que outros docentes da Educaccedilatildeo Infantil
(e tambeacutem dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica) possam trabalhar com o ensino das
relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo em consideraccedilatildeo a diversidade e a inclusatildeo
26 Lei que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magisteacuterio puacuteblico da Educaccedilatildeo Baacutesica E prevecirc ldquoo limite maacuteximo de 23 (dois terccedilos) da carga horaacuteria para o desempenho das atividades de interaccedilatildeo com os educandosrdquo (sect 4ordm do art 2ordm) Significando assim que 13 (um terccedilo) da jornada destinar-se-ia agraves atividades de planejamento e formaccedilatildeo continuada do docente Conforme Brasil (2008) 27 Concordamos com CARVALHO (2011) que ao pensar o curriacuteculo como comunidade de afetos orienta que professores e alunos professores e professores conversem e ao considerar a alteridade construam inteligecircncia coletiva 28 Alguns produtos jaacute foram publicados como o cataacutelogo de livros eacutetnicos Outros seratildeo lanccedilados apoacutes a publicaccedilatildeo do caderno digital 29 Paacutegina na rede social (Facebook) construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo Link httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoeudantesetnicoraciaisartesdefazer
37
Os produtos deste trabalho podem ser definidos como
1 A construccedilatildeo do espaccedilo virtual (uma paacutegina na rede social) para o compartilhamento
das accedilotildees pedagoacutegicas e os produtos da pesquisa Este suporte midiaacutetico foi validado
pelo acesso que tem recebido chegando a um alcance de 160 pessoas em algumas
semanas no ar A maior parte desse puacuteblico eram pessoas da proacutepria comunidade
escolar pais dos estudantes professores funcionaacuterios da escola e os proacuteprios alunos
Vale ressaltar que esta paacutegina foi construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo
ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos iniciais artes de fazer e fazer-
se professorrdquo sendo assim intitulada por ldquoO ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais artes
de fazer e fazer-se professorrdquo Portanto ao vincular-se ao projeto de extensatildeo sua
criaccedilatildeo visou divulgar tambeacutem as accedilotildees extensionistas que aconteciam na
escolauniversidade contemplando as turmas do Ensino Fundamental Vale frisar
que temos difundido para aleacutem dos muros da escola o pensamento inclusivo sobre
a diversidade atingindo a comunidade escolar docentes e outros sujeitos de Mageacute
2 Um cataacutelogo de livros disponiacutevel na biblioteca comunitaacuteria localizada na Escola
Municipal Dinorah dos Santos Bastos e que tambeacutem se encontra no espaccedilo virtual
citado acima Este material tem auxiliado os docentes dos anos iniciais na busca pelas
temaacuteticas indiacutegenas e africanidades
3 Coletacircnea de muacutesicas com as vozes das crianccedilas A gravaccedilatildeo das cantigas populares
pelos proacuteprios estudantes foi compartilhada com os responsaacuteveis no iniacutecio do ano
corrente O principal objetivo foi dar um feedback das accedilotildees do ano anterior e
tambeacutem possibilitar a apreciaccedilatildeo de um trabalho autoral feito por seus proacuteprios
filhos Com a finalizaccedilatildeo do caderno e sua publicaccedilatildeo estas muacutesicas seratildeo lanccediladas
na paacutegina do Facebook
4 Dois viacutedeos animados elaborados a partir das produccedilotildees artiacutesticas dos estudantes
Esses viacutedeos tambeacutem foram feitos a partir das produccedilotildees dos estudantes tendo
como temaacutetica lendas locais e de ancestralidade africana O procedimento seraacute o
mesmo sua publicaccedilatildeo seraacute concomitante agrave publicaccedilatildeo do caderno na paacutegina virtual
5 Um caderno pedagoacutegico digital que tambeacutem disponibilizaremos na paacutegina em
formato PDF Adotamos alguns criteacuterios para a estruturaccedilatildeo do caderno pedagoacutegico
que foram linguagem adequada ao puacuteblico formato claro e estruturado propostas
38
exequiacuteveis articulaccedilatildeo entre teoria e praacutetica e adequaccedilatildeo aos paracircmetros da
Educaccedilatildeo Infantil Acreditamos na capacidade desde produto em potencializar o
pensamento inclusivo sobre a diversidade eacutetnico-cultural do povo brasileiro E com
isso suscitar modos de pensar e de produzir experiecircncias instituintes na Educaccedilatildeo
Infantil A priori vamos identificar esse produto como uma tecnologia de transmissatildeo
de conhecimento visto que nele seratildeo apresentados saberes construiacutedos nas oficinas
sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais e que foram validadas por estudantes e docentes da
Educaccedilatildeo Infantil durante as praacuteticas cotidianas Acreditamos que o professor na sua
capacidade reflexiva ao interagir com este material tambeacutem poderaacute modificar e
servir de inspiraccedilatildeo para outras praacuteticas natildeo buscando ser um modelo para
reproduccedilatildeo Dessa forma o docente enquanto sujeito reflexivo precisa reinventar
as atividades propostas de acordo com sua realidade criando e recriando artes de
fazer
Figura 1 Paacutegina na Rede Social Fonte Daise dos Santos Pereira
Na Figura 1 temos um registro da paacutegina virtual jaacute citada anteriormente Dominick
(2015) nos provoca a pensar nos possiacuteveis status dessa tecnologia informacional Seria ela
interativa ou difusora Para a autora haacute miacutedias difusoras onde o conhecimento eacute
produzido por alguns e difundido como eacute o caso da televisatildeo e do raacutedio Mas haacute aquelas
39
que possibilitam uma interaccedilatildeo entre os sujeitos pois se apresentam como uma
possibilidade de dialogia Esse espaccedilo na internet busca difundir um conhecimento mas
tambeacutem eacute um lugar de diaacutelogo de possibilidades de interaccedilotildees com professores que vatildeo
aleacutem da reproduccedilatildeo de ideias
Neste endereccedilo tambeacutem disponibilizamos alguns livros infanto-juvenis em formato
PDF que podem ser baixados um cataacutelogo com os livros de literatura com temaacutetica eacutetnica
(indiacutegena e africana) que elaboramos a partir da busca no acervo da biblioteca da escola
Neste material satildeo encontrados o resumo a faixa-etaacuteria e o nuacutemero de paacuteginas de cada
obra A elaboraccedilatildeo deste cataacutelogo surgiu pela necessidade de identificarmos as obras
literaacuterias eacutetnicas e por identificarmos nas atividades de implementaccedilatildeo de leitura pouca ou
nenhuma familiaridade dos docentes da escola com o acervo das matrizes eacutetnicas africanas
e indiacutegenas Por exemplo na semana do dia do iacutendio uma das docentes relatou dificuldade
para achar uma obra que tratasse do tema Ao procurar achamos 39 exemplares de
temaacutetica indiacutegena e africana Hoje contamos com um pouco mais de 50 livros em nosso
acervo escolar
Logo seraacute possiacutevel encontrar na paacutegina gravaccedilotildees musicais dos estudantes os viacutedeos
animados das histoacuterias locais produzidos com os mesmos e algumas fotografias das accedilotildees
realizadas na escola Buscaremos assim que publicados esses produtos disponibilizar o
texto dessas histoacuterias em PDF Esta eacute uma estrateacutegia de ferramenta acessiacutevel para pessoas
cegas Assim a histoacuteria pode ser lida pelo leitor de tela para os deficientes visuais
Intencionamos com isso abrir caminhos para ampliar o diaacutelogo com a tecnologia acessiacutevel
(DOMINICK 2015) de modo a alcanccedilar crianccedilas surdas cegas ou com deficiecircncias fiacutesicas
Desse modo acreditamos estar favorecendo praacuteticas docentes inclusivas da
diversidade Reafirmamos no entanto que tais meios soacute seratildeo de fato aliados a um saber-
fazer emancipatoacuterio na medida em que o docente os assumir como extensatildeo de suas
reflexotildees e de seus braccedilos natildeo como modelo a ser seguido Para tal ele precisa ser o que
Schoumln (2000) denominou como professor reflexivo um sujeito que para Castels (1999) eacute
interagente De forma que quando ele entrar em contato com os produtos desta pesquisa
iraacute se apropriar e dialogar com os conhecimentos ali expostos assim como apresentar
outras ideias e tambeacutem suas praacuteticas
40
4 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
41 DADOS COLETADOS REFLEXOtildeES INICIAIS
Em nossa pesquisa bibliograacutefica identificamos a invisibilidade da questatildeo racial no
sistema educacional brasileiro principalmente no que tange a produccedilatildeo teoacuterica
articulando as questotildees de raccedila e etnia para o trabalho com a Educaccedilatildeo Infantil
Posteriormente na escola buscamos identificar se de fato havia a observacircncia e
cumprimento da lei federal 1164508 Ao confirmar nossa hipoacutetese de que pouco estava
sendo trabalhado buscou-se intervir para promover uma cultura escolar mais inclusiva das
matrizes eacutetnicas e culturais que fazem parte de nossa gente
Identificamos alguns aspectos no cotidiano da escola que confirmaram a relevacircncia
da pesquisa com aquele grupo tais como raras praacuteticas abordando a diversidade eacutetnico-
racial com foco nas influecircncias africanas e indiacutegenas tendo em vista inclusive as influecircncias
das etnias afro e indiacutegena (e que por sinal satildeo muito fortes na regiatildeo) presenccedila de um
ambiente fortemente marcado por narrativas monoculturais isto eacute murais com
personagens brancos e somente os claacutessicos literaacuterios europeus compondo a oferta de
leitura para as crianccedilas Identificamos ainda no diaacutelogo com as professoras evidecircncias de
accedilotildees discriminatoacuterias entre as crianccedilas pequenas silecircncio em torno de situaccedilotildees
conflituosas e a falta de formaccedilatildeo que as ajudasse a lidar com a questatildeo de forma a superar
o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo
Os dados coletados inicialmente foram ao encontro de minhas primeiras anguacutestias
quando ao ingressar na especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria me dei conta de que as
praacuteticas dos docentes da Educaccedilatildeo Infantil e dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica estavam
ainda distantes do que entendemos por Educaccedilatildeo para Todos visto que ateacute aquele
momento natildeo existiam orientaccedilotildees legais para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais e assim
para o rompimento da cultura do racismo no cotidiano escolar
Acreditando que poderia organizar praacuteticas instituintes em diversidade e inclusatildeo
com crianccedilas pequenas sobre as questotildees eacutetnico-raciais foi que caminhei mais alguns
passos
41
42 PERCEBENDO AS VOZES OFICINAS INICIAIS
Durante 2 meses interagindo com os discentes30 busquei indiacutecios que me
conduziram para a estruturaccedilatildeo das primeiras oficinas Logo apoacutes foram apresentadas
duas oficinas que buscaram confirmar ou refutar as observaccedilotildees feitas e as informaccedilotildees
coletadas com os adultos Elas tiveram como enfoque o trabalho com a literatura infantil
Importante salientar que estas accedilotildees com os estudantes sustentaram as hipoacuteteses iniciais
sobre a urgecircncia de um rompimento com as praacuteticas e culturas do cotidiano escolar que
natildeo alcanccedilam a diversidade eacutetnico-racial presente na localidade Majoritariamente as
praacuteticas curriculares cotidianas reforccedilam praacuteticas monoculturais e etnocecircntricas
contribuindo muitas vezes para a existecircncia de comportamentos racistas e segregadores
entre os estudantes e mesmo entre os profissionais da escola
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (idade entre 4 e 5 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje a turma estava com 14 alunos no total Iniciamos a aula no paacutetio da escola tendo em vista a obra que estaacute acontecendo no preacutedio desde o recesso escolar Expusemos em um varal alguns livros do acervo da biblioteca da escola A opccedilatildeo pelo varal foi uma estrateacutegia para que os estudantes visualizassem melhor as obras para assim apontarem suas preferecircncias As obras estavam divididas em contos claacutessicos da literatura europeia e histoacuterias de temaacutetica eacutetnica Foram apresentados 12 livros Entre os contos claacutessicos estavam ldquoO chapeuzinho vermelhordquo ldquoOs trecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoCinderelardquo ldquoPinoacutequiordquo e ldquoJoatildeo e o peacute de feijatildeordquo Entre os livros que contavam histoacuterias com temaacutetica eacutetnico-racial estavam ldquoO cabelo de Lelecircrdquo ldquoLilaacute e o segredo da Chuvardquo ldquoCadecircrdquo ldquoA menina e o tamborrdquo ldquoChuva de mangardquo ldquoHistoacuterias da nossa genterdquo e ldquoBichos da Aacutefricardquo Iniciamos a dinacircmica perguntando aos alunos as suas preferecircncias Todos demonstraram grande interesse pelos contos claacutessicos mas buscando saber sobre o que pensavam sobre os outros livros perguntei se algueacutem conhecia ou se gostaria de conhecer Apresentamos cada um deles e depois solicitamos que fossem ao varal pegar o que fosse de interesse do grupo Como era de imaginar a grande maioria foi para o lado dos contos claacutessicos europeus
30 Interagia enquanto professora itinerante da sala de leitura uma vez por semana
42
Eu e Pacircmela (bolsista da extensatildeo) insistimos na provocaccedilatildeo mostrando os outros
livros ldquoE aqueles livros ningueacutem quer lerrdquo
Ateacute que uma estudante negra foi ateacute o livro ldquoCadecircrdquo (Graccedila Lima) e o pegou Haacute em
sua capa um menininho negro e pensei naquele momento que talvez houvesse uma
tiacutemida identificaccedilatildeo por parte da menina com o personagem O livro conta a histoacuteria das
fantasias de um menino pequeno que vai descobrindo o mundo ao seu redor A cada
descoberta uma surpresa Nesse enredo uma mesa se torna uma girafa O sofaacute um
rinoceronte E a matildee participa junto com o menino dessas descobertas emoccedilotildees e
fantasias
A partir de sua escolha questionamos aos colegas se eles gostariam de ouvir a
histoacuteria daquele livro Cabe ressaltar que esta menina demonstrava ao longo das atividades
uma identificaccedilatildeo positiva com a sua cor sem recusas quando lhe era proposto ser
personagem negra por exemplo Entre os 14 alunos 10 concordaram em ouvir Ao final da
histoacuteria perguntamos se ali tinha algueacutem parecido com o menininho do enredo e trecircs
crianccedilas disseram prontamente que sim que eram muito parecidos
Fizemos tambeacutem uma votaccedilatildeo para saber quais as preferecircncias deles sobre os
claacutessicos O resultado foi 12 alunos votaram nos Trecircs porquinhos 10 em Joatildeo e o peacute de
feijatildeo 11 em Pinoacutequio 14 em Joatildeo e Maria 7 em Chapeuzinho vermelho 10 em Cinderela
Joatildeo e Maria foi o enredo de preferecircncia da turma Importante ressaltar que a votaccedilatildeo
naquele primeiro momento foi para sondar as preferecircncias Ao longo das atividades e
oficinas estabelecemos diaacutelogos com as obras a partir de sua releitura e intercaladas com
as obras eacutetnico-raciais
43
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I Fonte Daise dos Santos Pereira
Apoacutes a contaccedilatildeo da histoacuteria do livro ldquoCadecircrdquo sugerimos que cada um registrasse em
um desenho em folha A4 a histoacuteria que quisesse Podia ser a que tiacutenhamos acabado de ler
ou uma das que estavam no varal Trecircs crianccedilas natildeo quiseram realizar a tarefa Dentre elas
dois meninos e uma menina Apesar disso pegaram os livros para folhear Dos 11 desenhos
entregues apenas dois representaram um livro de temaacutetica eacutetnica ldquoO Cabelo de Lelecircrdquo Os
demais foram representaccedilotildees de ldquoTrecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoChapeuzinho
Vermelhordquo Em um dos desenhos havia 2 personagens que a estudante identificou como
Joatildeo e Maria e um terceiro personagem com feiccedilatildeo de mal identificado como ruim
Quando perguntamos quem era o personagem a estudante apontou para o livro ldquoChuva
de mangardquo que tem na capa um menininho negro
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (idade entre 5 e 6 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje demos continuidade agrave oficina de preferecircncia literaacuteria a partir dos livros que compotildee o acervo da escola Assim como realizado com a turma do Preacute-escolar I exibimos 12 livros sendo metade deles com a temaacutetica
44
eacutetnico-racial e a outra com os contos europeus Cabe ressaltar que na escola haacute pouca literatura com a temaacutetica eacutetnico-racial que atenda agrave faixa-etaacuteria do Preacute-escolar Neste sentido dois dos livros exibidos para os alunos estavam para aleacutem da faixa etaacuteria das crianccedilas Natildeo obstante a escolha por eles deveu-se aos nomes e ilustraccedilotildees da capa serem bem sugestivas Pensamos que poderiam aguccedilar a curiosidade das crianccedilas E foi o que aconteceu A turma possui um total de 18 alunos Neste dia estavam presentes apenas 12 O horaacuterio escolhido para as atividades foi o de 10h agraves 11h Este foi escolhido a partir de negociaccedilatildeo com a professora regente visto a sua solicitaccedilatildeo No entanto temos percebido grande necessidade de rever o horaacuterio da aula realizando-a no primeiro tempo pois entendemos que no iniacutecio do dia o aproveitamento da atividade eacute maior
Importante salientar que ao iniciarmos a pesquisa de campo nos deparamos com
diferentes limitaccedilotildees inclusive estruturais que consideramos relevantes evidenciar neste
trabalho No mecircs de agosto de 2015 a escola passou por obras em todo o preacutedio pois o
telhado desmoronou durante o recesso escolar Para natildeo haver prejuiacutezos nas atividades
escolares e natildeo deixar lacunas no calendaacuterio letivo foi decido que as aulas prosseguiriam
e a gestora improvisou duas ldquosalas de aulardquo dentro da biblioteca31 localizada em uma
estrutura anexa ao preacutedio em reforma Contamos tambeacutem com o quintal da escola onde
foi improvisado um espaccedilo com carteiras e quadro Vale ressaltar que a associaccedilatildeo de
moradores cedeu o espaccedilo para as aulas de 2 turmas do turno da manhatilde Identificamos
assim que haacute uma boa relaccedilatildeo da escola com a comunidade e que a gestora juntamente
com sua equipe buscou soluccedilotildees para os problemas
Com todos esses acontecimentos na escola os momentos para o trabalho com as
crianccedilas ficaram um pouco limitados tendo em vista a necessidade de reestruturaccedilatildeo dos
tempos e espaccedilos da escola e assim a adaptaccedilatildeo dos estudantes A turma do Preacute-escolar
II da manhatilde ficou um pouco prejudicada na atividade de leitura pois com a mudanccedila da
rotina ao final do dia as crianccedilas estavam bastante agitadas dificultando a realizaccedilatildeo de
nossa proposta No horaacuterio da tarde quando realizamos a atividade com o Preacute-escolar I o
horaacuterio era mais flexiacutevel pois a escola possuiacutea apenas 3 turmas
Intencionaacutevamos no primeiro momento realizar uma sensibilizaccedilatildeo para as
literaturas expostas para em seguida identificar as preferecircncias das crianccedilas Em um
segundo momento contariacuteamos a histoacuteria escolhida e depois iriacuteamos sugerir ilustraccedilotildees
31 Temos em nossa escola uma biblioteca comunitaacuteria que faz parte de iniciativas de organizaccedilotildees natildeo governamentais das seguintes instituiccedilotildees Instituto Ecofuturo e ONG Aacutegua Doce
45
que representassem a histoacuteria narrada No entanto o curto tempo inviabilizou estas accedilotildees
Apesar disso coletamos as preferecircncias dos estudantes acerca das literaturas Como jaacute
sinalizado anteriormente expusemos as 12 obras Das obras relacionadas agrave relaccedilotildees
eacutetnico-raciais apenas uma chamou atenccedilatildeo dos alunos talvez pela capa e pelo nome
sugestivo ldquoBichos da Aacutefricardquo Nenhuma das obras era conhecida pelos alunos Ao contraacuterio
dos claacutessicos onde se destacou a histoacuteria dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II Fonte Daise dos Santos Pereira
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar II
Tendo em vista o interesse dos estudantes pela obra dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo a escolhemos como tema central para guiar nossa atividade de hoje que visa identificar a percepccedilatildeo que as crianccedilas trazem do negro Eacute sabido que toda accedilatildeo educativa eacute potencializada quando os conhecimentos e interesses preacutevios dos estudantes satildeo reconhecidos para integrar as atividades cotidianas Segundo a Sociologia da Infacircncia o coletivo deve exercer uma grande importacircncia no cotidiano escolar e sendo a crianccedila um ator social eacute preciso considerar que ela estaacute a todo momento negociando compartilhando e criando cultura com os adultos e entre seus pares A atividade transcorreu inicialmente com a contaccedilatildeo
46
da histoacuteria Havia na turma 9 alunos sendo que apenas 7 participaram da atividade pois 2 estudantes precisaram ir embora mais cedo devido a conduccedilatildeo32 Propositalmente invertemos as cores dos personagens os porquinhos que no geral se apresentam nas cores rosa ou branco foram representados em marrom O lobo que tendencialmente eacute preto ou marrom foi apresentado como branco Tal provocaccedilatildeo baseou-se em uma ideia construiacuteda ao longo da histoacuteria de que o negro seria a origem de todo o mal E assim queriacuteamos realizar uma ruptura com o padratildeo ldquobranco divinizado x negro endemoniadordquo Tambeacutem intencionaacutevamos perceber se haveria algum impacto na percepccedilatildeo das crianccedilas (Narrativa registrada no meu caderno de campo dia 18082015)
Optamos por contar a histoacuteria usando nossas taacuteticas de praticantes do cotidiano
(CERTEAU 1994) Assim confeccionamos um avental temaacutetico com fantoches para
narrarmos a histoacuteria dos Trecircs Porquinhos
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tivemos a participaccedilatildeo direta de todos os discentes ao longo da narrativa Estavam
atentos a cada movimento Ao final do enredo os estudantes disseram a claacutessica frase ldquoE
eles viveram felizes para semprerdquo
Interrompi-os dizendo que a histoacuteria ainda natildeo tinha acabado Contei-lhes que havia
duas famiacutelias muito interessadas em adotar os dois porquinhos mais novos e que noacutes
32 O ocircnibus nesta regiatildeo passa de hora em hora Precisamos alterar o horaacuterio das aulas em virtude dos estudantes terem que sair meia hora antes do teacutermino das oficinas
47
teriacuteamos uma tarefa muito importante escolher qual seria a famiacutelia ldquomais legalrdquo para
adotar os dois porquinhos
As imagens construiacutedas para representar as duas famiacutelias eram com as seguintes
caracteriacutesticas a primeira famiacutelia sendo branca com olhos azuis de cabelos lisos com pai
matildee e um casal de filhos pequenos Enquanto a segunda famiacutelia era representada por
pessoas negras com avoacute avocirc pai matildee e um casal de filhos pequenos Assim expusemos
os dois cartazes cada um com um retrato da famiacutelia e uma casa representando o lar de
tijolos com o tiacutetulo Famiacutelia legal
Cada crianccedila recebeu uma ficha com o seu respectivo nome para colocar no cartaz
conforme fosse solicitado As perguntas que dinamizaram as escolhas foram ldquoQual eacute a
famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Tivemos muito cuidado
para natildeo influenciar na opiniatildeo deles com as nossas falas
Chamamos entatildeo a primeira aluna dentre os sete que estavam participando da
aula Perguntamos sobre sua escolha prontamente respondeu que a famiacutelia era legal
porque era da mesma cor dos porquinhos e tambeacutem igual a ela Fomos chamando os
demais que escolheram a famiacutelia branca Todos responderam que aquela era a famiacutelia mais
legal pois pareciam com eles ndash os estudantes ndash que eram brancos Dentre os cinco que
deram esta resposta trecircs foram bastante expressivos respondendo prontamente sem
hesitar
O uacuteltimo aluno a realizar a escolha optou pela famiacutelia afro-brasileira Respondeu que
a famiacutelia era legal porque era igual a ele e ao ldquoporquinho pretinhordquo Foi uma resposta
surpreendente pois ateacute entatildeo em atividades anteriores os indiacutecios apresentados por esse
estudante eram de distanciamento da figura do negro
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo A escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar I
A turma do Preacute-escolar composta inicialmente por 18 estudantes natildeo estava completa Contamos nesse dia com apenas 14 alunos A dinacircmica foi a mesma realizada com a turma do ldquoPreacute IIrdquo e no primeiro momento das aulas Escolhemos o enredo dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo tendo em vista que este conto tambeacutem faz parte do repertoacuterio de preferecircncias literaacuterias dos estudantes Iniciamos a contaccedilatildeo de histoacuteria a partir de fantoches
48
como jaacute sinalizado anteriormente A inversatildeo das cores dos personagens natildeo provocou nenhum comentaacuterio por parte dos estudantes Durante todo enredo os estudantes se colocaram atentos e participativos a cada provocaccedilatildeo Quando foram chamados a realizar a tarefa de escolher as famiacutelias para adoccedilatildeo dos 2 porquinhos prontamente pegaram as fichas com seus nomes Vale ressaltar que estas crianccedilas jaacute fazem o reconhecimento de seus nomes e tambeacutem de seus colegas agrave exceccedilatildeo de uma estudante A cada crianccedila escolhida para votar faziacuteamos o seguinte questionamento ldquoQual eacute a famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Timidamente as crianccedilas iam ateacute os cartazes e escolhiam as famiacutelias Como jaacute relatado eram dois modelos de famiacutelia uma branca e outra negra As primeiras escolhas foram para as famiacutelias brancas e as respostas quando questionadas sobre a razatildeo da escolha eram ldquoPorque simrdquo Ateacute o momento em que uma crianccedila negra votou na famiacutelia negra Mas natildeo quis dizer a razatildeo O resultado foi 9 crianccedilas escolheram a famiacutelia branca e 5 escolheram a famiacutelia negra Dentre as que escolheram a famiacutelia branca a maioria eu considero como crianccedila branca ou parda As crianccedilas que escolheram a famiacutelia negra satildeo identificadas como uma eacute negra e as demais pardas (Narrativa da oficina em meu caderno de campo dia 18082015)
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) Fonte Daise dos Santos Pereira
Essas oficinas iniciais abriram caminhos para que houvesse uma mudanccedila na cultura
escolar no sentido de tornaacute-la acolhedora agrave diversidade Elas revelaram a necessidade de
construccedilatildeo de um ambiente que provocasse a ruptura com as histoacuterias uacutenicas Aleacutem de
49
identificarmos a ausecircncia de imagens e materiais que evidenciassem a etnia de matriz afro-
brasileira no espaccedilo escolar identificamos que a maioria das crianccedilas natildeo se identificava
com sua origem eacutetnica
Cuidamos a partir de entatildeo para que os murais de nossa escola passassem a ter
personagens negros bem como brancos e indiacutegenas As estantes de nossas salas passaram
a ter natildeo soacute os contos claacutessicos europeus Outras histoacuterias passaram a fazer parte do acervo
das salas e os estudantes passaram a pedir para ouvir e contar histoacuterias protagonizadas por
afrodescendentes E elas agora compotildee o acervo particular das salas de aula33
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tambeacutem foi iniciado um projeto de incentivo agrave leitura onde os estudantes do Preacute-
escolar levavam para as suas casas semanalmente livros da temaacutetica eacutetnico-racial
(indiacutegena e africana) Para que esse projeto acontecesse houve a necessidade de descobrir
aonde estavam essas literaturas
33 Obras mais solicitadas pelos estudantes Cadecirc (Graccedila Lima) Abareacute (Graccedila Lima) O Senhor da Histoacuterias (Wellington Srbek) O Cabelo de Lelecirc (Valeacuteria Beleacutem) A menina e o tambor (Mariacircngela Haddad) Menina bonita do laccedilo de fita (Ana Maria Machado) e as lendas do Baobaacute e a da Mirindiba
50
Com a colaboraccedilatildeo da funcionaacuteria da biblioteca da escola e da bolsista de extensatildeo
achamos 39 livros da temaacutetica procurada alguns catalogados e outros natildeo Havia mais
livros infanto-juvenis do que infantis34 para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar
Apoacutes esses achados decidimos elaborar um cataacutelogo35 com as obras eacutetnicas para
potencializar as nossas accedilotildees e viabilizar o contato dos docentes da escola com essas
literaturas
As accedilotildees proporcionaram resultados positivos desde o iniacutecio da pesquisa Pudemos
perceber o fortalecimento das identidades dos estudantes negros o respeito e o diaacutelogo
com a diversidade quando os estudantes em sua maioria passaram a optar por enredos
protagonizados por crianccedilas mulheres e homens afrodescendentes A parceria com as
famiacutelias tambeacutem foi fundamental nesse processo que para aleacutem de contribuir para o
rompimento com as histoacuterias uacutenicas ajudou na formaccedilatildeo de sujeitos leitores responsaacuteveis
e cuidadosos com os livros que carregavam e que teriam que retornar na semana seguinte
para dar continuidade aos empreacutestimos36
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas Fonte Arquivo pessoal da autora
34 Esse problema nos levou a confeccionar alguns livros infantis Estes foram baixados na internet e podem ser encontrados na paacutegina do projeto de extensatildeo 35 Esse cataacutelogo foi um primeiro produto gerado pelo projeto e estaacute disponiacutevel em httpswwwfacebook comoensinodasrelacoesetnicoraciaisartesdefazerphotostab=albumampalbum_id=1561437514148129 36 Dispuacutenhamos de 8 livros infantis para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar Cada turma ficou com 4 livros que semanalmente contemplavam 4 estudantes
51
Nesse primeiro momento para aleacutem de construir uma cultura inclusiva (BOOTH e
AISCOW 2011) no ambiente escolar estaacutevamos buscando alcanccedilar a todos familiares
estudantes e professores
43 OFICINA 3 - CONHECENDO MARIA A MENINA QUE VEIO DO CONGO
A histoacuteria que vocecircs iratildeo ouvir aconteceu haacute algum tempo quando as pessoas eram vendidas como coisas e obrigadas a servir os mais fortes como escravos37 Nossa personagem principal eacute a menina Maria que nasceu no Continente Africano em um paiacutes chamado Congo Maria nasceu em 1792 Ela sua famiacutelia e seus amigos foram trazidos para o Brasil pelos portugueses para trabalharem pesado Maria e os demais africanos sofreram muito para chegar ao Brasil Na eacutepoca o uacutenico transporte que fazia longas viagens era o navio E o que transportava os africanos chamava-se navio negreiro Os navios atravessavam o oceano atlacircntico e isso durava meses de muito sofrimento Quem mais sofria nessa viagem eram as crianccedilas pois natildeo tinham o que comer beber vestir dormir e brincar Elas choravam assustadas ao ver tanta dor e sofrimento As matildees faziam de tudo para diminuir aquela dor e trazer um pouco de alegria para seus filhos Sabendo que Maria gostava muito de bonecas a matildee dela resolveu cortar pedaccedilos de sua roupa para fazer uma boneca para ela A matildee de Maria e outras mulheres em um gesto de amor rasgam suas roupas com as proacuteprias matildeos e fazem bonecas muito especiais chamadas Abayomi Satildeo pequenas bonecas negras feitas de pano e sem costura apenas com noacutes ou tranccedilas A palavra abayomi tem origem no Iorubaacute e significa aquele que traz felicidade ou alegria Sabemos que o ato de rasgar as roupas com suas proacuteprias unhas representa um grande gesto de amor de uma matildee que quer ver seu filho feliz A matildee de Maria estava dando o que ela tinha de melhor as suas vestes Dar uma boneca Abayomi a algueacutem eacute um ato de carinho e nobreza Desde esse dia Maria guardou com muito cuidado e carinho o presente de sua matildee Quando em 1804 chegou ao Brasil aos 12 anos ela carregava sua boneca no colo Infelizmente foi separada de sua famiacutelia e vendida para um senhor de engenho em Salvador Aos 18 anos foi transferida para o Rio de Janeiro E com 24 chegou no Porto de Piedade em Mageacute Cidade onde construiu um linda histoacuteria mas que poucos tiveram o privileacutegio de conhecer Vamos assim como Maria confeccionar uma abayomi e presentear a quem noacutes amamos38
37 Importante ressaltar que os negros natildeo nasceram escravos A expressatildeo escravizados marca um processo de pessoas que sofreram com a escravidatildeo Jaacute a expressatildeo escravo remete a condiccedilatildeo de quem foi considerado como uma simples mercadoria 38 Releitura da histoacuteria da boneca Abayomi resignificada a partir da biografia da liacuteder quilombola mageense Maria Conga Esta narrativa foi construiacuteda por mim a fim compor a oficina de contaccedilatildeo de histoacuterias
52
A narrativa acima abre a oficina que resgatou a histoacuteria da liacuteder quilombola mageense
Maria Conga39
Maria Conga nasceu no Continente africano no ano de 1792 Veio para o Brasil pilhada junto com seus pais e irmatildeos por volta de 1804 Ganhou a liberdade apoacutes 11 anos de trabalho e logo foi alforriada por volta do ano 1854 Aos 35 anos de idade assumiu o compromisso de lutar pela liberdade e dignidade de sua raccedila Dela ficou a lembranccedila de que nunca a viu chorar Contavam que foi estuprada pelo senhor de engenho e que ele tinha tomado seu corpo poreacutem natildeo a sua alma Mulher de luta mulher guerreira Maria fez histoacuteria no municiacutepio de Mageacute A partir de sua alforria Maria iniciou sua trajetoacuteria como lideranccedila deste quilombo Recebendo aqui os escravos fugidos de diversas outras comunidade e fazendas que jaacute conheciam ou ouviram falar da mulher que Maria era e representava para todos eles Aqui Maria vivia com orgulho Aqui Maria mulher negra escrava guerreira alforriada protegia seus irmatildeos e os acolhia Aqui morreu Maria Maria Guerreira Que veio do Congo Orgulho de ser Quilombola40
Esta oficina foi dividida em duas partes em um primeiro momento foi realizada a
contaccedilatildeo de histoacuteria para os pais e estudantes das duas turmas de Educaccedilatildeo Infantil (Preacute-
escolar I e II)41 e no segundo momento foi realizada a confecccedilatildeo de bonecas abayomis
onde as matildees tias avoacutes e irmatildes dos estudantes agrave moda das negras confeccionaram
bonecas com apenas alguns pedaccedilos de pano para a diversatildeo de suas crianccedilas
Os fios condutores da elaboraccedilatildeo desta oficina foram alguns dos valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e femininos representados pela oralidade ludicidade memoacuteria
cooperativismo e ancestralidade Evidenciar a histoacuteria de uma mulher quilombola que eacute
hoje esquecidadesconhecida em sua proacutepria ldquoaldeiardquo por meio desses valores foi o
objetivo desta oficina
Esta pesquisa com os atores sociais de uma escola no Municiacutepio de Mageacute natildeo estaria
completa sem o descortinar das memoacuterias da ancestral negra pobre e guerreira que lutou
ateacute o fim da vida pelos seus representando para noacutes uma heroiacutena a contrapelo
Certamente as relaccedilotildees de poder que classificam excluem e segregam fizeram questatildeo de
39 Maria Conga foi reconhecida no ano de 1988 (centenaacuterio da Aboliccedilatildeo da escravatura) heroiacutena negra mageense No ano de 2007 o quilombo por onde passou torna-se reconhecido por seu valor histoacuterico pela Fundaccedilatildeo Palmares 40 Narrativa do documentaacuterio Maria Conga Orgulho de ser Quilombola Disponiacutevel em lthttpcinemina pontodevisaoblogspotcombrgt Consultado em 06042016 41 Esta oficina foi realizada nas duas turmas tendo duraccedilatildeo de 1h30 minutos
53
submergir a imagem desta personalidade por meio do racismo e preconceito42 Natildeo
obstante enquanto professora-pesquisadora mageense e sensiacutevel aos silenciamentos
acerca do passado e dos heroacuteis que a histoacuteria oficial natildeo privilegia eacute que me movo em
direccedilatildeo agraves praacuteticas inclusivas que propotildeem um olhar diferenciado para o outro da
diversidade
Entendemos que para ser universal eacute preciso comeccedilar pintando a proacutepria aldeia De
fato os primeiros traccedilos de uma educaccedilatildeo inclusiva para a diversidade comeccedilaratildeo a ganhar
nuances quando em nossas praacuteticas cotidianas rompermos com a educaccedilatildeo monocultural
machista e reducionista que o sistema educacional nos impotildee Quando o professor
compreender que seu saber eacute poder suas ldquoartes de fazerrdquo (CERTEAU 1994) o levaratildeo a
ldquoaldeiasrdquo ateacute entatildeo inimaginaacuteveis
Portanto reforccedilo que urge o rompimento de praacuteticas educativas excludentes que
marginalizam as histoacuterias locais e de seus heroacuteis e heroiacutenas sejam brancos negros ou
indiacutegenas Os nossos estudantes tecircm o direito de ouvir e contar outras histoacuterias histoacuterias
de seu povo de um passado que ainda sobrevive nos seus modos de falar agir danccedilar
sorrir e brincar
A proposta pensada inicialmente era a contaccedilatildeo de histoacuteria para os estudantes
seguida da confecccedilatildeo das bonecas abayomis com o auxiacutelio da professora regente e da
bolsista de extensatildeo No entanto apoacutes reflexotildees sobre os proacuteprios valores da cultura afro-
brasileira e tambeacutem sobre a necessidade de tornar conhecida ndash em maior extensatildeo ndash a
histoacuteria de uma heroiacutena negra mageense talvez nunca antes contada nas escolas de Mageacute
decidimos convidar as matildees avoacutes tias e irmatildes para participarem desse momento
Reconhecendo a potecircncia da accedilatildeo coletiva na educaccedilatildeo da crianccedila e recordando o
valores civilizatoacuterios afro-brasileiro do cooperativismo memoacuteria e ludicidade iniciamos a
dinamizaccedilatildeo da histoacuteria para tornar conhecida a vida da menina Maria que veio do Congo
A oralidade por meio da contaccedilatildeo de histoacuteria nos permitiu compartilhar saberes e
ao passo que eu a narrava sabia que natildeo estava soacute pois os olhares que se voltavam para
mim estavam afetados de algo que chamo de Ubuntu filosofia africana que diz que ldquoeu sou
porque noacutes somosrdquo
42 A figura de Maria Conga eacute na religiatildeo de matriz afro-brasileira (Umbanda) considerada como uma entidade espiritual
54
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) Fonte Arquivo pessoal da autora
Ao longo do enredo a fala vinha acompanhada de imagens43 do artista francecircs Jean-
Baptiste Debret do pintor alematildeo Johann Moritz Rugendas e do fotoacutegrafo franco-brasileiro
Marc Ferrez Estes representaram o sofrimento de nossos ancestrais no Navio Negreiro e
as relaccedilotildees crueacuteis estabelecidas entre os senhores brancos e os africanos escravizados Ao
longo da narrativa era possiacutevel perceber os olhares atentos para a vida daquela Maria
Esta que era uma deles e eles naquele momento jaacute faziam parte dela Ao final uma matildee
surpreendida com a histoacuteria disse ter gostado do que ouviu e lamentou natildeo a ter
aprendido no tempo em que esteve na escola
Estaacutevamos formando pessoas que contariam essa histoacuteria para as futuras geraccedilotildees
Essa experiecircncia nos provocou a pensar na importacircncia de extrapolar os muros da escola
de modo que todos sejam afetados e assim afetem outras consciecircncias De certo que
concordamos com a sabedoria dos povos indiacutegenas e africanos quando afirmam que ldquoeacute
preciso uma aldeia inteira para educar uma crianccedilardquo
43 No iniacutecio do seacuteculo XIX Jean-Baptiste Debret retratou o cotidiano dos senhores e dos escravizados em uma das missotildees artiacutesticas francesas pelo Brasil O alematildeo Johann Moritz Rugendas pintou os povos e costumes que encontrou durante suas viagens pelo Brasil no periacuteodo de 1822 a 1825 Marc Ferrez (1843-1923) foi um fotoacutegrafo que retratou cenas do Impeacuterio e iniacutecio da Repuacuteblica (1865 e 1918) Seu trabalho eacute um dos mais importantes legados visuais daquelas eacutepocas Todas as imagens utilizadas na oficina estatildeo no anexo 722
55
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso
ldquoVou te contar os olhos jaacute natildeo podem ver rdquo (Tom Jobim)
Imaginemos um povo arrancado brutalmente de sua terra que atravessou o Atlacircntico em tumbeiros escravizado humilhado mas que natildeo perdeu a capacidade de sorrir de brincar de jogar de danccedilar e assim conseguiu marcar a cultura de um paiacutes com este profundo desejo de viver e ser feliz Isso resume a ludicidade na perspectiva a favor da vida da humanidade da sobrevivecircncia A alegria frente ao real ao concreto ao aqui e ao agora da vida (Ludicidade Da Cor da Cultura)44
Abayomi que na liacutengua Iorubaacute representa encontro precioso (Abay ndash encontro Omi
ndash precioso) eacute feita de pano (podendo ser retalhos) noacutes e sem qualquer costura Natildeo possui
nariz boca olhos e orelhas justamente para representar os vaacuterios povos de diferentes
civilizaccedilotildees e reinos que aqui chegaram Confeccionar uma boneca Abayomi eacute ir ao
encontro de sentimentos bons e nobres de uma gente que sabe que soacute vai ser feliz quem
viver para fazer da existecircncia do outro mais leve mais livre e mais fecunda
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
44 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
56
Apoacutes a confecccedilatildeo da boneca com a ajuda das mulheres (matildees avoacutes tias e irmatildes) que
ali estavam e de noacutes professoras e bolsista ficou acordado com elas que dessem a boneca
de presente para seus filhos da mesma maneira que evidencia a histoacuteria Contudo aquelas
crianccedilas que por ventura natildeo tiveram a presenccedila de seus responsaacuteveis fariam o inverso
Assim ao chegar em casa contariam para sua famiacutelia a histoacuteria presenteando algueacutem da
famiacutelia com a boneca
Em seguida permitimos que os estudantes45 brincassem entre si de modo que fosse
um momento de folga pausa e relaxamento criteacuterios entendidos como fundamentais na
constituiccedilatildeo do brincar segundo as Diretrizes Curriculares para a Educaccedilatildeo Infantil
(DCNEI46)
Na brincadeira eacute possiacutevel perceber os modos de representaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da
crianccedila por meio da linguagem do pensamento das accedilotildees Desse modo eacute evidenciado
uma caracteriacutestica muito proacutepria da crianccedila a sua identidade enquanto produtora de
cultura Ela natildeo apenas reproduz comportamentos sociais como tambeacutem os reinventa de
maneira criativa e singular
Em um dado momento da interaccedilatildeo percebi que os meninos estavam bastante
eufoacutericos com aquele artefato Me aproximei afim de entender as relaccedilotildees que estavam
sendo estabelecidas Certamente influenciada pelos estereoacutetipos de gecircnero acreditei que
fosse ter conflitos entre os meninos ao propor a confecccedilatildeo de bonecas Me surpreendi
com o modo que eles burlaram o sistema de regras socialmente construiacutedas onde
esperamos coisas diferentes de meninos e meninas (SILVA 2007 p 92)
Ao me aproximar desses atores provoquei-os questionando sobre os nomes que
dariam para suas bonecas O primeiro estudante titubeou em responder enquanto os
colegas gritavam vaacuterios nomes dentre eles Ana Mas o que agradou foi Emanuele Logo os
proacuteximos estudantes afirmaram natildeo se tratar de uma boneca mas um boneco e
escolheram os seguintes nomes Silvio Santos Ratinho Moiseacutes Aaratildeo Estes dois uacuteltimos
segundo eles eram por causa da novela ldquoOs dez mandamentosrdquo47 Alguns apontaram para
as roupas (eram vestidos e saias) demonstrando sua semelhanccedila com os personagens
45 A partir desse momento estaremos fazendo menccedilatildeo aos estudantes do Preacute-escolar II 46 Definidas pela Resoluccedilatildeo CNECEB ndeg 5 de 17 de dezembro de 2009 47Os Dez Mandamentos eacute uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Record Escrita por Vivian de Oliveira e com direccedilatildeo geral de Alexandre Avancini Eacute uma adaptaccedilatildeo de quatro dos livros que compotildeem a Biacuteblia Ecircxodo Leviacutetico Nuacutemeros e Deuteronocircmio
57
biacuteblicos do antigo testamento A imaginaccedilatildeo e a criatividade dos estudantes transformaram
suas bonecas em personagens outros nos levando a refletir sobre o fato de que ao brincar
a crianccedila se apropria de elementos do meio sociocultural de origem (DELGADO MULLER
2005 p 163)
Neste instante pude compreender na relaccedilatildeo com a cultura infantil a reproduccedilatildeo
interpretativa na empiria e o quanto o diaacutelogo entre os pares (crianccedilas) revela os interesses
e saberes para os que estatildeo no entorno Ao relacionarem a boneca a algo que lhes eacute
familiar os estudantes estatildeo reproduzindo a cultura em que vivem fazendo uso da
imitaccedilatildeo de modo criativo e prazeroso A respeito do prazer concordamos com Gomes
(2008) quando afirma
As crianccedilas natildeo adiam o prazer ao contraacuterio buscam-no nas suas brincadeiras e nos jogos e para isso utilizam as brechas modificam e rompem ndash ainda que momentaneamente ndash com os gostos as crenccedilas as regras e os valores culturais Assim elas vivenciam as regras e tecircm experiecircncias imediatas diversas e uacutenicas que alteram e destroem as
significaccedilotildees da vida cotidiana (p 187)
Diante do exposto eacute possiacutevel afirmar que o cotidiano da Educaccedilatildeo Infantil estaacute
repleto de desafios que precisam ser evidenciados E mesmo sendo este trabalho de
pesquisa voltado para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais dentro da perspectiva da
diversidade e da inclusatildeo se faz importante dar atenccedilatildeo agraves praacuteticas sexistas tatildeo comuns na
escola que limitam a percepccedilatildeo da pluralidade humana
Nossa experiecircncia com essa oficina nos levou a reafirmar que a crianccedila eacute capaz de
burlar a visatildeo monoliacutetica e reprodutivista da educaccedilatildeo quando na relaccedilatildeo com o outro eacute
permitido o exerciacutecio pleno de sua imaginaccedilatildeo curiosidade e criatividade
44 OFICINA 4 - UMA SENSIBILIZACcedilAtildeO PARA A PEDAGOGIA GRIOcirc
A fala a palavra dita ou silenciada ouvida ou pronunciada ndash ou mesmo segregada ndash tem uma carga de poder muito grande Pelana oralidade os saberes poderes quereres satildeo transmitidos compartilhados legitimados Se a fala eacute valorizada a escuta tambeacutem eacute O conto a lenda a histoacuteria a muacutesica o dito o natildeo dito o fuxico A palavra carrega uma grande e poderosa carga afetiva (Oralidade ndash A Cor da Cultura48)
48 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
58
Esta quarta oficina foi dividida em dois periacuteodos distintos que compreenderam a
contaccedilatildeo de histoacuteria por parte das avoacutes agraves quais chamamos de griocirctes e um segundo
momento que foi a representaccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos estudantes do Preacute-escolar
I e II por meio de massinha de modelar para que em uma fase posterior tais produccedilotildees se
transformassem em um viacutedeo animado para ser compartilhado na rede social49
Tendo em vista que cada oficina dura cerca de 50 minutos a 1h e que acontece uma
vez por semana precisamos de trecircs semanas para concluir com os estudantes a
representaccedilatildeo das histoacuterias que ouviram Ao todo as etapas desta 4ordf oficina
compreenderam um mecircs de duraccedilatildeo nas duas turmas que denominarei de Turma A e
Turma B A seguir descrevo as potencialidades dessas accedilotildees
Ao reconhecer a fecundidade da palavra ndash dita cantada silenciada ndash na construccedilatildeo
de um indiviacuteduo trazemos para esta oficina uma accedilatildeo que buscou valorizar os aspectos da
tradiccedilatildeo oral uma vez que vivemos em uma sociedade hierarquicamente grafocecircntrica
Importante sinalizar que o caraacuteter letrado da escola natildeo lhe confere status de democraacutetica
no acesso aos bens culturais ndash sobretudo aos bens imateriais ndash uma vez que os saberes
reconhecidos estatildeo limitados aos conhecimentos cientiacuteficos produzidos por um
determinado grupo
Entendemos que os saberes da experiecircncia dos atores da comunidade satildeo tatildeo
importantes quanto os conhecimentos cientiacuteficos que permeiam a loacutegica da escola Por
esse motivo esta oficina objetivou vincular os saberesfazeres dos idosos (avoacutes dos
estudantes) da comunidade com as vivecircncias cotidianas da praacutetica escolar Eacute sabido que
quanto mais proacutexima a comunidade estiver da escola mais potente se torna o processo de
ensino aprendizagem A sabedoria africana que jaacute mencionamos de que eacute preciso toda
uma aldeia para educar uma crianccedila ganha forccedila e legitimidade em nossas accedilotildees que
prezam pela coletividade e cooperativismo
Assim conduzidos principalmente pela perspectiva dialoacutegica onde o conhecimento
se constroacutei pela interaccedilatildeo entre e com o outro abrimos as portas da escola para que novas
relaccedilotildees fossem estabelecidas Privilegiamos a figura da avoacute nesse momento por ela
representar uma personalidade que carrega histoacuterias de vida ricas de afetos sensibilidade
e memoacuterias que por vezes ficaram esquecidas no imaginaacuterio coletivo Aleacutem disso
49 O viacutedeo eacute encontrado na paacutegina do projeto httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnicoraciais artesdefazer
59
buscamos descontruir valores hierarquizados de nossa sociedade ndash fruto da loacutegica
ocidental ndash onde o idoso natildeo possui importacircncia social pois jaacute natildeo tem o vigor de outrora
para beneficiar o mercado capitalista com sua forccedila de trabalho Inevitavelmente essa
ideia se perpetua por diversas instituiccedilotildees sociais chegando agrave escola de maneira sutil
Contudo o nosso objetivo eacute romper com esses valores dominantes entatildeo legitimados e
propor novos olhares sobre os mais velhos que segundo a ancestralidade africana
possuem um saber-poder imbuiacutedo de um grande legado o de ter sido testemunha e
sobrevivente da histoacuteria
Desse modo nos apropriamos da Pedagogia Griocirc como um caminho metodoloacutegico
possiacutevel para construccedilatildeo de experiecircncias instituintes onde a vida eacute valorizada na sua
integralidade Tal pedagogia tem ligaccedilatildeo direta com a memoacuteria oralidade ancestralidade
dentre outros valores
Criada pela educadora Lilian Pacheco50 a Pedagogia Griocirc dialoga com metodologias
ativas como educaccedilatildeo biocecircntrica dialoacutegica educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais arte
educaccedilatildeo comunitaacuteria e educaccedilatildeo para a corporeidade A idealizadora desta proposta
vislumbrou romper com a loacutegica cientiacutefico instrumental da escola por meio da valorizaccedilatildeo
do patrimocircnio cultural brasileiro (danccedila contos lendas tradiccedilotildees) Ao evidenciar os
saberes tradicionais a partir da oralidade eacute dado a entender que o conhecimento natildeo eacute
propriedade de determinados grupos (letrados diga-se de passagem) tatildeo pouco estaacute
restrito aos livros
Com isso a figura do mestre griocirc ganha destaque De origem francesa a palavra griot
eacute traduzida para o portuguecircs ganhando as seguintes expressotildees griocircs (homens) e griocirctes
(mulheres) Segundo Pacheco (2006) os griocircs satildeo oriundos da regiatildeo do Mali51 paiacutes
colonizado por franceses A partir de uma reinvenccedilatildeo dos portugueses podemos entendecirc-
los como aqueles que gritavam em praccedila puacuteblica afim de tornar conhecida e jamais
esquecida suas memoacuterias tradiccedilotildees e ancestralidade Assim de maneira mais completa o
griocirc eacute entendido como
() todo(a) cidadatildeo(atilde) que se reconheccedila e seja reconhecido(a) pela sua proacutepria comunidade como herdeiro(a) dos saberes e fazeres da tradiccedilatildeo
50 Conceito criado pela educadora Lilian Pacheco coordenadora da ONG Gratildeos de Luz (LenccediloacuteisBA) Para outras informaccedilotildees consultar httpwwwacaogrioorgbr 51 Paiacutes situado ao Noroeste da Aacutefrica
60
oral e que atraveacutes do poder da palavra da oralidade da corporeidade e da vivecircncia dialoga aprende ensina e torna-se a memoacuteria viva e afetiva da tradiccedilatildeo oral transmitindo saberes e fazeres de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo garantindo a ancestralidade e identidade do seu povo52
Assim partindo da perspectiva do conceito de griocirc como universalizante por agregar
todos os segmentos de tradiccedilatildeo oral ndash muacutesicos rezadeiras cordelistas benzedeiras
poetas contadores de histoacuteria genealogistas dentre outros ndash nos apropriamos da
pedagogia que carrega princiacutepios da ancestralidade africana sob um vieacutes dialoacutegico com a
comunidade escolar Importante afirmar que um dos objetivos de nossa proposta de
pesquisa se justifica por entendermos que os conhecimentos da tradiccedilatildeo oral natildeo podem
se perder e que quando dialogados com a cultura escolar ndash que eacute fundamentalmente
escrita ndash ganham maiores significados para os atores da escola Portanto reconhecendo
que nossos atores sociais gritam silenciosamente em accedilotildees e omissotildees para serem
reconhecidos em suas subjetividades e nas suas histoacuterias de vida eacute que contamos histoacuterias
ateacute entatildeo nunca pronunciadas compartilhadas e sentidas naquele lugar do saber Entram
em cena as narradoras de Conceiccedilatildeo de Suruiacute nossas avoacutes nossas griocirctes
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II)
Taacute vendo essa estrada aiacute que vocecircs andam O pai o avocirc os tios de vocecircs que trabalharam na pedreira que ajudaram a construir Cada pedrinha que tem nessa estrada aiacute eacute do pai de vocecircs eacute do avoacute do Davi E vocecircs sabem porque eles trabalharam tanto Para fazer uma estrada boa para vocecircs andarem irem para o coleacutegio Quase todos os pais avoacutes tios de vocecircs trabalharam no calccedilamento da estrada Hoje quando chove ningueacutem tem que andar na lama (Vovoacute Ivete)
A narrativa acima eacute da avoacute de um estudante do Preacute-escolar II Dona Ivete assim como
eacute conhecida na regiatildeo tem 58 anos de idade e tem nanismo A escolha por ela ocorreu
porque estamos em um contexto onde a inclusatildeo da vida na sua diversidade deve ser uma
constante Por esse motivo foi com grande satisfaccedilatildeo que recebemos esta vovoacute que com
disponibilidade e afeto narrou memoacuterias de Conceiccedilatildeo de Suruiacute e de seus moradores de
uma maneira que muito nos surpreendeu
52 Informaccedilotildees disponiacuteveis na paacutegina da iniciativa Gratildeos de Luz e Griocirc ponto de cultura de onde iniciou a Pedagogia Griocirc httpwwwacaogrioorgbracao-grio-nacionalo-que-e-grio
61
Figura 7 A vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade Fonte Arquivo pessoal da autora
Vale destacar que natildeo houve um roteiro preacutevio porque nosso objetivo era que a vovoacute
nos fornecesse elementos de sua memoacuteria afetiva e tambeacutem optamos que o diaacutelogo com
as crianccedilas fosse o mais espontacircneo possiacutevel Dessa maneira ela inicia sua narrativa
remetendo agrave figura do neto enquanto algueacutem que tem histoacuterias a contar sobretudo
porque satildeo histoacuterias da comunidade que tecircm relaccedilatildeo direta com seus pais e avoacutes Assim
a vovoacute evidencia uma fase da histoacuteria que considera marcante natildeo soacute para ela mas para
todos daquela regiatildeo rural que foi a pavimentaccedilatildeo da estrada de Conceiccedilatildeo de Suruiacute Ao
passo que trazia os fatos descritos acima os estudantes dialogavam demonstrando
pertencimento ao que estava sendo dito sobretudo quando dizia a respeito da
participaccedilatildeo de suas famiacutelias na construccedilatildeo da estrada No processo ouvimos as seguintes
falas
ldquoMeu pai jaacute trabalhou na pedreira de carretardquo ldquoMinha avoacute falou que meu pai fez essas pedras pra colocar na ruardquo ldquoMeu avocirc trabalha na pedreira Ele coloca pedra nos caminhotildeesrdquo (Estudantes do Preacute II)
Nesse momento foi possiacutevel validar alguns dos objetivos da Pedagogia Griocirc dos
quais destacamos protagonismo dos sujeitos envolvidos que aqui evidenciamos o
62
protagonismo infantil e a criaccedilatildeo de viacutenculo afetivo com o passado com os
saberesfazeres da ancestralidade Mas esta pedagogia natildeo se limita agraves questotildees pontuadas
Para aleacutem delas eacute possiacutevel desenvolver habilidades e competecircncias que envolvem
corporeidade musicalidade religiosidade dentre outros aspectos
Para concluir evidenciamos que nossa griocircte a vovoacute Ivete parece entender bem o
poder da palavra compartilhada visto que atraiu a atenccedilatildeo de todos para si para suas
histoacuterias que tambeacutem eram as histoacuterias de vida daqueles estudantes Ficou entendido
naquele encontro que a regiatildeo em que vivem tem muitas memoacuterias que dialogam com o
presente E que os protagonistas satildeo os proacuteprios moradores da regiatildeo avoacutes pais tios
crianccedilas e adultos
Importante ressaltar que essa proposta buscou realizar um duplo movimento
empoderar quem conta a narrativa mas tambeacutem aquele que ouve Nessa troca dialoacutegica
eacute impossiacutevel natildeo trazer para a conversa o consagrado educador popular Paulo Freire
quando afirma que ldquoquem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprenderrdquo (FREIRE 2007 p 23)
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I)
E as histoacuterias natildeo podem parar
Quem reabre as janelas da histoacuteria que eacute continuidade da anterior eacute a dona Faacutetima
Ela eacute avoacute de uma estudante do Preacute-escolar II sempre morou na regiatildeo e tem 48 anos
Quando convidada para estar conosco compartilhando um pouco de suas memoacuterias dona
Faacutetima nos fez alguns questionamentos pois natildeo sabia por onde comeccedilar E um dos
motivos que a deixou insegura foi o fato de natildeo entender suas memoacuterias e da comunidade
onde cresceu como parte de uma histoacuteria que merece ser contada
Apoacutes algumas conversas dona Faacutetima parece ter entendido que em suas memoacuterias
poderiam ter aspectos importantes e interessantes E que desvelaacute-las seria uma
possibilidade de tornar conhecidos fatos marcantes da vida de uma comunidade que tem
sido desconsiderada ao longo do tempo Dessa maneira nossa griocircte de Conceiccedilatildeo de
Suruiacute pocircs-se a narrar suas vivecircncias mas natildeo soacute as dela fala tambeacutem de um grupo que
63
tem sobrevivido ao longo da histoacuteria por meio de muita luta por melhores condiccedilotildees de
vida E que hoje continua enfrentando desafios de vaacuterias ordens
Quando falamos que esta narrativa eacute continuidade da anterior natildeo eacute por acaso Vovoacute
Faacutetima traacutes para noacutes histoacuterias de trabalhadores da regiatildeo que transformaram suas
realidades a partir do trabalho Vovoacute Faacutetima relembra como foi sua infacircncia e juventude
naquela regiatildeo quando natildeo existia energia eleacutetrica nas ruas calccedilamento na estrada
transporte puacuteblico e estabelecimentos comerciais
ndash No meu tempo de crianccedila quando chovia as ruas ficavam cheias de lama com buracos Para sair de casa era muito difiacutecil Ocircnibus aqui nem sonhava em ter Natildeo tinha postes nas ruas Era uma escuridatildeo Hoje temos ruas iluminadas a estrada calccedilada e ocircnibus de hora em hora (Vovoacute Faacutetima)
A griocircte falava para duas turmas o Preacute-escolar II e o 1deg ano Enquanto narrava todos
estavam atentos e curiosos em descobrir o passado que eacute ao mesmo tempo tatildeo presente
em seus cotidianos visto que ainda haacute inuacutemeros problemas de infraestrutura baacutesica que
afetam diretamente a vida escolar daqueles estudantes Infelizmente o calccedilamento soacute
chegou na estrada principal As ruas que fazem ligaccedilatildeo com a estrada ficam em condiccedilotildees
precaacuterias quando chove aleacutem do transporte puacuteblico natildeo passar por elas E isso representa
um grande problema visto que alguns dos estudantes moram em lugares de difiacutecil acesso
tendo que andar mais de 2km para chegar na escola Um dos estudantes sinalizou que o
ocircnibus demora muito Tivemos que concordar pois satildeo poucos os coletivos que estatildeo
disponibilizados para rodar naquela aacuterea rural
Apoacutes suscitar reflexotildees acerca de questotildees estruturais do bairro as memoacuterias de
dona Faacutetima se encaminharam para uma outra importante fase da histoacuteria daquela regiatildeo
ao fazer menccedilatildeo ao engenho de farinha de mandioca que existe ali Para dialogar com ela
a vovoacute faz referecircncia a uma estudante do 1deg ano que eacute neta do responsaacutevel pelo engenho
A menina de 7 anos explica em detalhes para todos como eacute produzida a farinha de
mandioca mostrando-se sabedora daquele processo artesanal Todos escutaram
atentamente a brilhante narrativa da menina pois precisavam saber como eacute feito o
alimento que tanto gostam e que geralmente natildeo falta em seus lares a Farinha Suruiacute
64
Alimento este que nos finais de semana especiais se transforma em ldquofarofinha com
linguiccedila farofinha com ovordquo53
Nossa griocircte aos poucos foi se apropriando do seu lugar de fala reconhecendo-se
como sujeito histoacuterico que testemunhou fatos e sobrevive participando de novos
contextos com novos atores Oportunizar o (re)conhecimento de histoacuterias reais de vida no
diaacutelogo com o passado reconstroacutei um presente mais esperanccediloso com pessoas que se
enxergam enquanto atores de suas histoacuterias
Figura 8 A vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais Fonte Arquivo pessoal da autora
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias
Pudemos conhecer outras histoacuterias contadas pelos heroacuteis de Conceiccedilatildeo de Suruiacute na
oficina em que aproximamos as memoacuterias das avoacutes com a Pedagogia Griocirc Como sinalizado
anteriormente apoacutes esse momento com as avoacutes na semana seguinte os estudantes fariam
a representaccedilatildeo do que ouviram com uma atividade com massinhas de modelar O objetivo
53 Fala dos estudantes do Preacute-escolar I quando questionados sobre o que faziam com a farinha
65
dessa fase foi a releitura das narrativas de maneira criativa e prazerosa ao utilizar um
recurso pedagoacutegico que eacute parte da rotina escolar de crianccedilas pequenas
E com isso a partir da mediaccedilatildeo buscamos enriquecer os sentidos do estica enrola
amassa movimentos tatildeo comuns quando a crianccedila faz uso da massa de modelar mas que
satildeo caminhos para o desenvolvimento de inuacutemeras competecircncias nessa fase inicial de
escolarizaccedilatildeo54 Dentre as vaacuterias habilidades trabalhadas com o uso da massinha podemos
citar a motora a sensorial a olfativa e a visual
Concluiacuteda essa atividade luacutedica fotografamos suas produccedilotildees e registramos algumas
falas no caderno de campo para que junto das narrativas da griocirctes pudeacutessemos produzir
um pequeno viacutedeo para ser divulgado em miacutedias digitais Com esta proposta vislumbramos
dar um novo sentido aos saberesfazeres que encontramos na Educaccedilatildeo Infantil como
tambeacutem apontar caminhos para o uso das miacutedias digitais enquanto artefato tecnoloacutegico a
favor da praacutetica docente
45 OFICINA 5 - MUSICALIDADE E AS ldquoARTES DE FAZERrdquo
Inicialmente chamamos para a conversa o historiador francecircs Michel de Certeau
(1994) ao utilizarmos a expressatildeo ldquoas lsquoartesrsquo de fazerrdquo que segundo o autor satildeo taacuteticas
criativas que os praticantes do cotidiano ao se apropriarem dos tempos-espaccedilos vatildeo
criando
O trabalho com a linguagem musical eacute um desafio por se tratar de um campo de
conhecimento rico em sensibilidade poeacutetica percepccedilatildeo experimentaccedilatildeo criaccedilatildeo e
reflexatildeo Mesmo assim ainda eacute pouco explorado Consideramos que o seu
aprofundamento eacute potencialmente capaz de promover reflexotildees e apropriaccedilotildees reflexivas
pelos praticantes do cotidiano de forma que sejam estimulados a criarem suas ldquoartes de
fazerrdquo
Descobri no meu dia a dia uma maneira de compartilhar saberes de forma luacutedica
prazerosa criativa e reflexiva com estudantes da Educaccedilatildeo Infantil Apostando na
musicalidade como um valor civilizatoacuterio afro-brasileiro realizei oficinas que foram
54 Esse termo deve ser entendido no sentido de proporcionar agrave crianccedila o amparo necessaacuterio para seu desenvolvimento integral e natildeo a escolarizaccedilatildeo precoce
66
divididas em etapas das quais identifico como sensibilizaccedilatildeo da muacutesica escolha do
repertoacuterio e reinvenccedilatildeo musical apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais confecccedilatildeo de
objetos sonoros gravaccedilatildeo do repertoacuterio e compartilhamento do mesmo Todas essas
etapas foram realizadas com as turmas de Preacute-escolar I e II e tiveram duraccedilatildeo de 5 semanas
considerando que para cada encontro foram usados 50 minutos de aula uma vez por
semana
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica
4511 Preacute-escolar II
A proposta inicialmente foi apresentar aos estudantes trecircs cantigas populares com
as quais eles iriam interagir e refletir sobre a letra a partir da mediaccedilatildeo docente Vale
ressaltar que durante as etapas a participaccedilatildeo da professora regente foi fundamental para
a consolidaccedilatildeo das accedilotildees visto que para cada oficina dispusemos apenas de 50 minutos
semanais Vale destacar que em grande parte dessas oficinas a professora regente
participou durante e posteriormente consolidando alguns conhecimentos como a
apropriaccedilatildeo da letra da muacutesica
As muacutesicas apresentadas foram ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de Joacuterdquo55
Iniciamos a escuta das muacutesicas e frisei que teriacuteamos de escolher a que fosse mais legal para
gravarmos A primeira foi ldquoNa Bahia temrdquo cantiga do folclore brasileiro
Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem
Na Bahia tem vou mandar buscar Lampiatildeo de vidro ocirc baiana ferro de engomar
Na Bahia tem vou mandar buscar Maacutequina de costura ocirc baiana fole de assoprar
Os estudantes natildeo a conheciam Natildeo obstante a cada verso explorado eles
manifestavam suas percepccedilotildees ideias e certezas Logo alguns fizeram relaccedilotildees com
55 Cantigas populares encontradas em httpwwwletrascombrmusicas-infantisescravos-de-jo
67
questotildees cotidianas Um estudante disse que em sua casa tem coco Entatildeo uma das
crianccedilas pediu para escrever a palavra coco no quadro Questionei se sabiam o que era
ferro de engomar ao que um estudante respondeu corretamente O mesmo disse saber o
que era lampiatildeo e outros reforccedilaram sua resposta ao dizer que se tratava de um tipo de
lacircmpada para clarear quando Conceiccedilatildeo de Suruiacute (bairro onde moram) natildeo tinha luz
Me apropriei das interpretaccedilotildees e do contexto da muacutesica que remete agrave Bahia para
rememorar a histoacuteria da quilombola mageense Maria Conga que veio da Aacutefrica se
estabelecendo primeiramente na Bahia antes de chegar em Mageacute Em oficina anterior os
estudantes aprenderam que a menina Maria veio do Congo paiacutes da Aacutefrica Junto com ela
vieram outros africanos que foram obrigados a trabalhar forccediladamente sem receber
nenhum dinheiro Por isso os negros eram chamados de escravos Um dos estudantes
entatildeo disse que onde ele mora moraram ldquoescravosrdquo Certamente ele estava fazendo
alusatildeo agrave Fazenda Santa Margarida lugar conhecido na regiatildeo por ter tido pessoas
escravizadas e ateacute hoje possui resquiacutecios de paredes da senzala e correntes
A segunda muacutesica apresentada foi ldquoEscravos de Joacuterdquo todos danccedilaram e disseram
conhecer a muacutesica da Galinha Pintadinha56
Escravos de Joacute Jogavam caxangaacute
Tira potildee
Deixa ficar
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
A terceira muacutesica foi ldquoSamba Lelecircrdquo Extremamente eufoacutericos por jaacute conhecerem toda
a letra da muacutesica cantaram e danccedilaram quando ensaiei uma coreografia
Samba Lelecirc taacute doente
Taacute com a cabeccedila quebrada Samba Lelecirc precisava
Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc
56 Desenho animado infantil criado por Juliano Prado e Marcos Luporini
68
samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Samba Lelecirc taacute doente Taacute com a cabeccedila quebrada
Samba Lelecirc precisava Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc Samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Em um segundo momento sugeri uma votaccedilatildeo para saber a muacutesica da preferecircncia
da turma ldquoSamba Lelecircrdquo venceu Apoacutes a votaccedilatildeo refletimos sobre a muacutesica que afirma que
a menina estaacute doente e precisa de umas boas palmadas Questionei sobre o que temos que
ter quando estamos doentes E continuei a provocaccedilatildeo perguntando ldquoapanhar cura a
doenccedilardquo Em coro disseram que natildeo pois quando ficam doentes eles recebem remeacutedio e
carinho Propus entatildeo que mudaacutessemos a letra da muacutesica trocando a palavra palmadas
por outra
Mas tinha um detalhe a palavrinha tinha que rimar com palmadas Alguns falaram
palavras com sentido mas sem a rima Logo um estudante sugeriu ldquopaparacadardquo Natildeo foi
preciso muito para entendermos (eu e a professora regente) que se tratava de paparicada
Todos concordaram e jaacute comeccedilaram a ensaiar a muacutesica com a nova versatildeo
4512 Preacute-escolar I
O caminho percorrido com o Preacute-escolar I foi o mesmo que realizamos com o Preacute II
Foram apresentadas as trecircs cantigas aos estudantes e os questionamos sobre se algueacutem as
conhecia Duas delas eram bastante familiares Samba Lelecirc e Escravos de Joacute Assim durante
a escuta das muacutesicas os estudantes danccedilaram cantaram bateram palmas e ensaiaram uns
passinhos Contudo passado esse momento propus que escolhecircssemos uma muacutesica para
que gravaacutessemos A escolha seria por votaccedilatildeo vencendo aquelas que tivessem mais votos
Para minha surpresa a voz de uma menininha laacute no fundo da sala brada ldquondash Eu
escolho todasrdquo Logo em seguida outros estudantes opinaram querendo que gravaacutessemos
natildeo soacute uma mas as trecircs cantigas populares ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de
69
Joacuterdquo Considerando as vozes e os desejos daqueles atores sociais concordei57 em realizar a
gravaccedilatildeo de todas as muacutesicas Assim comeccedilamos a explorar a letra e melodia de cada
repertoacuterio58
Assim como na outra turma contextualizamos cada enredo Quando chegou na
muacutesica Samba Lelecirc propusemos a troca da palavra palmada por outra que rimasse ndash
explicamos o que era rima ndash levando-os a refletir sobre a condiccedilatildeo da personagem que se
encontrava doente Prontamente um estudante disse que Lelecirc precisava de uma pomada
Naquele momento pude confirmar que a crianccedila estaacute interpretando de maneira singular a
cultura em que vive e nos surpreende ao burlar o instituiacutedo
Eacute possiacutevel notar que em ambas as turmas buscamos trabalhar diferentes habilidades
e competecircncias como sensibilizaccedilatildeo musical corporeidade concentraccedilatildeo apropriaccedilatildeo
dos sons para a formaccedilatildeo de palavras dentre outras questotildees Todavia a releitura da
muacutesica a partir da criaccedilatildeo de um novo sentido para o enredo me pareceu um movimento
potente para sensibilizar os atores sociais da importacircncia de pensar o outro como legiacutetimo
outro na diferenccedila
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais
O trabalho com os instrumentos musicais se deu por entendermos com o apoio de
Brito (2003) que a linguagem musical deve contemplar dentre outras atividades a
construccedilatildeo de instrumentos e objetos sonoros Eacute sabido que desde a tenra idade a crianccedila
produz sons pela exploraccedilatildeo e de forma afetiva e intuitiva Com o tempo essa exploraccedilatildeo
vai ganhando uma intencionalidade Foi a observacircncia desta intenccedilatildeo musical que
fortaleceu a ideia de aprofundarmos sobre a temaacutetica
Os estudantes durante a escuta das cantigas transformaram suas mesas em
instrumentos sonoros ao bater com as matildeos sobre elas Naquele instante entendemos que
a criaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo de artefatos musicais potencializariam sua relaccedilatildeo com as muacutesicas
que estaacutevamos propondo Para aleacutem disso acredito que o ato de criar desperta no sujeito
a criatividade a organizaccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo entre os pares
57 Essa decisatildeo acabou influenciando a outra turma (Preacute II) que tambeacutem gravaram as trecircs muacutesicas e adoraram essa ideia 58 Ao longo de 3 semanas ateacute a gravaccedilatildeo das cantigas a professora regente auxiliou de maneira singular ao ensaiar as muacutesicas com os estudantes
70
Quando iniciei o trabalho na escola a diretora me informou que haviam alguns
instrumentos musicais guardados e que seria muito interessante utilizaacute-los em minha
proposta Logo fui identificando as muacuteltiplas possibilidades que aquele espaccedilo me
oferecia Quando me deparei com o berimbau o caxixi e o atabaque ndash instrumentos eacutetnicos
ndash pensei nas experiecircncias instituintes que estavam prestes a surgir Naquele momento a
urgecircncia estava em resgatar aqueles instrumentos de dentro do armaacuterio e dar a eles
visibilidade de modo a tornar conhecidas suas raiacutezes culturais
Tomei conhecimento de que os instrumentos eram usados durante as oficinas de
capoeira do Mais Educaccedilatildeo59 No entanto havia meses que eles natildeo estavam sendo
usados pois as atividades haviam sido suspensas Por alguns instantes refleti sobre ateacute
onde a formaccedilatildeo docente inicial e continuada tem alcanccedilado as manifestaccedilotildees poliacutetico-
culturais que propotildeem um rompimento com praacuteticas reducionistas e anti-dialoacutegicas com a
diversidade cultural
Pensei na urgecircncia de aprofundar as conversas com os professores vislumbrando
uma maior reflexatildeo sobre seus papeacuteis de sujeitos criativos muacuteltiplos e fazedores de artes
de artes de fazer
Ao iniciar o trabalho com os instrumentos musicais junto ao Preacute-escolar estes foram
expostos com seus respectivos nomes Foi realizada a contaccedilatildeo de histoacuteria sobre a origem
daqueles instrumentos de musicalidade ressaltando a influecircncia que os homens e
mulheres oriundos das diaacutesporas africanas tecircm sobre eles Para que a apropriaccedilatildeo da
histoacuteria fosse afetiva e efetiva o enredo foi articulado agrave vinda da menina Maria Conga com
seus amigos para o Brasil Foi ressaltado na narrativa que na longa viagem triste e sofrida
os africanos cantavam e tocavam para aliviar a dor Quando chegaram ao Brasil
continuaram tocando mas agraves vezes de forma diferente O berimbau por exemplo era
utilizado pelos negros escravizados para fazer barulho a fim de chamar fregueses na rua
visto que alguns eram vendedores ambulantes O tambor por sua vez foi apresentado
como um objeto sagrado natildeo soacute para os negros mas tambeacutem para os indiacutegenas
59 O Programa Mais Educaccedilatildeo constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induzir a ampliaccedilatildeo da jornada escolar e a organizaccedilatildeo curricular na perspectiva da Educaccedilatildeo Integral Para maiores informaccedilotildees consultar httpportalmecgovbrprograma-mais-educacao
71
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I conhecendo a histoacuteria dos instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
72
Entre uma explicaccedilatildeo e outra falas dos estudantes iam evidenciando que aqueles
objetos lhes eram familiares Alguns meninos jaacute tinham tido contato com a capoeira outros
tocavam pandeiro na igreja O mais surpreendente para as crianccedilas foi o tambor atabaque
A interaccedilatildeo com a diversidade de objetos musicais com diferentes sons e formas
proporcionou grande satisfaccedilatildeo e curiosidade entre os estudantes
453 Confecccedilatildeo dos objetos sonoros
4531 Preacute-escolar II
A confecccedilatildeo dos instrumentos musicais com o Preacute-escolar II ocorreu na semana
seguinte apoacutes o contato com os instrumentos da escola Optamos pelo trabalho com
sucata materiais reciclaacuteveis e tambeacutem com gratildeos durex colorido e paetecircs Estes dois
uacuteltimos seriam para a decoraccedilatildeo dos mini tambores Encaminhamos para casa um recado
solicitando latas de alumiacutenio (de leite em poacute de suplemento e etc) para a confecccedilatildeo dos
objetos
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos Fonte Arquivo pessoal da autora
73
No entanto natildeo tivemos um retorno positivo pois apenas dois estudantes levaram
as latas Mudamos a estrateacutegia para aqueles que natildeo haviam levado o material solicitado
e construiacutemos mini chocalhos com rolo de papel Dessa maneira em um primeiro
momento os estudantes pintaram os rolinhos e em seguida enfeitaram com os paetecircs
4532 Preacute-escolar I
A confecccedilatildeo dos objetos sonoros com a turma do Preacute-escolar I foi pensada a partir da
mesma dinacircmica do Preacute II Aconteceu na semana seguinte apoacutes a sensibilizaccedilatildeo com os
instrumentos musicais eacutetnicos da escola e objetivou a elaboraccedilatildeo de um mini tambor a
partir do reaproveitamento de materiais como lata de leite aleacutem da utilizaccedilatildeo de outros
materiais como gratildeos durex colorido paetecircs e palito de churrasco Ao contraacuterio da turma
anterior tivemos um retorno positivo ao enviar o recado solicitando a lata de alumiacutenio
Dessa maneira pudemos confeccionar os mini tambores com todos os estudantes Com
materiais disponibilizados os alunos enfeitaram a lata e tambeacutem os palitos de churrasco
que se transformaram em baquetas Ambas as oficinas (do mini tambor e do chocalho)
tiveram duraccedilatildeo de 1 hora cada uma
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais Fonte Arquivo pessoal da autora
74
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis
Para Brito (2003) a crianccedila enquanto sujeito ldquobrincanterdquo faz muacutesica brincando
Nesse processo de criaccedilatildeo ela percebe e explora os sons de modo que refletindo o seu
mundo seus saberes eacute capaz de criar (recriar) novos sons novos movimentos e
instrumentos Assim tem sido nossa experiecircncia com os estudantes do Preacute-escolar com
muita interaccedilatildeo-accedilatildeo-reflexatildeo
No entanto mesmo compreendendo a riqueza das oficinas no sentido de promover
a exploraccedilatildeo a pesquisa a criatividade a corporeidade dentre outras competecircncias
sentia que faltava algo mais A leitura sobre a obra de Teca Alencar de Brito (2003) autora
referecircncia em estudos na aacuterea de educaccedilatildeo musical para crianccedilas ampliou o meu olhar
sobre o que jaacute vinha pensando Segundo a autora a produccedilatildeo musical ocorre a partir de
dois eixos fundamentais a criaccedilatildeo e reproduccedilatildeo Estes por sua vez possibilitaram a accedilatildeo
de interpretar improvisar e compor
Os estudantes demonstraram criatividade para interpretar e improvisar Natildeo
podiacuteamos perder a oportunidade de registrar suas artes de fazer A composiccedilatildeo musical
enquanto efeito de criar eacute tambeacutem caracterizada por sua condiccedilatildeo de permanecircncia
(BRITO 2003) Portanto eacute todo o movimento de registro seja na memoacuteria ou em artefatos
culturais (CD dispositivos moacuteveis) Com isso observou-se a necessidade de guardar natildeo
soacute na memoacuteria as criativas composiccedilotildees dos estudantes como tambeacutem de registraacute-las de
modo que fossem divulgadas
Surge entatildeo a ideia de gravar as trecircs muacutesicas em dispositivo moacutevel (celular) para
serem compartilhadas posteriormente com os responsaacuteveis dos estudantes A proposta
surgiu por entendermos que as crianccedilas desde muito cedo estatildeo rodeadas de artefatos
tecnoloacutegicos de todos os tipos computador celular iPod televisatildeo raacutedio dentre outros
Para confirmar essa suposiccedilatildeo encaminhamos para casa um questionaacuterio a fim de
que os responsaacuteveis respondessem sobre a utilizaccedilatildeo das tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo (TICs) Perguntamos sobre o tipo de artefato digital mais utilizado pelos
estudantes e com quais finalidades os utilizavam
Os aparelhos e seus usos foram diversos tais como celulares tablets e
computadores Mas a que prevaleceu (nos estudantes de ambas as turmas) foi a utilizaccedilatildeo
do celular para ouvir muacutesica e jogar
75
Assim eacute notaacutevel que as tecnologias digitais podem ser grandes aliadas no processo
de ensino aprendizagem Embora nem todos os estudantes tenham o dispositivo moacutevel e
leve para a sala de aula ficamos sabendo que em casa eles interagem e exploram os
aparelhos de seus pais desenvolvendo habilidades e competecircncias como raciociacutenio loacutegico
atenccedilatildeo e curiosidade em explorar o novo O professor que consciente de seu papel
formador deve saber que a escola eacute potencialmente capaz de ampliar e potencializar tais
habilidades Nesse sentido certa dessa identidade docente me apropriei da tecnologia
digital (celular) como recurso para registrar e divulgar a criaccedilatildeo musical dos estudantes
Foi realizada em ambas as turmas (Preacute-escolar I e II) uma oficina de gravaccedilatildeo
musical Aos estudantes foi dito que iriacuteamos gravar muacutesicas (as nossas muacutesicas) e isso foi
empolgante para todos Vale frisar o importante papel dos professores regentes enquanto
mediadores no processo de apropriaccedilatildeo da letra dos ritmos das rimas ou seja no
desenvolvimento da expressatildeo musical Foram semanas de preparaccedilatildeo desde a primeira
oficina com a sensibilizaccedilatildeo para as cantigas populares Foram expostos em sala de aula os
cartazes com as letras das muacutesicas jaacute reinventadas para que ao longo dos dias as
professoras cantassem a muacutesica com os estudantes
Com o apoio de Brito (2003) refletimos sobre a importacircncia de intervenccedilotildees
educativas no desenvolvimento da expressatildeo musical Em todo o processo levamos os
estudantes a refletirem sobre a letra da muacutesica as hipoacuteteses e expressotildees que fizessem
sentido Com isso acreditamos ter ampliado e enriquecido o universo luacutedico e social onde
a inclusatildeo da diferenccedila deve ser uma constante nas praacuteticas pedagoacutegicas
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical
Como sinalizado anteriormente essa uacuteltima etapa da oficina de musicalidade ocorreu
no iniacutecio do ano de 2016 com os responsaacuteveis dos estudantes das duas turmas (Preacute I e II)
que participaram das accedilotildees da pesquisa Ao propor um encontro com os responsaacuteveis
intencionamos para aleacutem de dar-lhes um retorno de parte de nossas accedilotildees tambeacutem ouvi-
los a respeito deles na educaccedilatildeo de seus filhos
Dessa maneira a reuniatildeo foi dividida em duas partes Na primeira parte foi exibida
uma apresentaccedilatildeo em PowerPoint de momentos da oficina de musicalidade identificando
o repertoacuterio musical trabalhado a reinvenccedilatildeo da cantiga popular ldquoSamba Lelecircrdquo e imagens
76
dos momentos de apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais eacutetnicos e confecccedilatildeo dos objetos
sonoros (instrumentos musicais)
No segundo momento foi realizado o compartilhamento das trecircs muacutesicas que
fizeram parte do repertoacuterio gravado pelos estudantes Importante frisar que para
compartilhar60 as muacutesicas foi necessaacuterio que cada responsaacutevel tivesse em matildeos seus
dispositivos moacuteveis (celulares) Para tal encaminhamos previamente um recado
solicitando a imprescindiacutevel presenccedila do celular na reuniatildeo
Em ambos os encontros os responsaacuteveis levaram seus celulares possibilitando um
retorno positivo para aquela proposta Expliquei como se daria o processo tendo em vista
que algumas pessoas natildeo sabiam utilizar a ferramenta do bluetooth de forma colaborativa
os demais que sabiam foram compartilhando os arquivos com aquele que estava proacuteximo
Foi um momento de aprendizado muacutetuo onde pudemos contar com a participaccedilatildeo de
todos os sujeitos envolvidos
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
60 O compartilhamento ocorreu via bluetooth Este eacute uma tecnologia de comunicaccedilatildeo sem fio que permite que dispositivos moacuteveis troquem dados entre si e se conectem a outros artefatos como mouses teclados fones de ouvido impressoras e outros acessoacuterios
77
Ao passo que eu compartilhava as produccedilotildees musicais fazia alguns comentaacuterios
acerca das apropriaccedilotildees por parte dos estudantes em sala de aula Quando chegou na
muacutesica ldquoSamba Lelecircrdquo provoquei os responsaacuteveis a descobrirem as palavras que
substituiacuteram o termo palmada Natildeo demoraram para perceber que se tratavam de
paparicada (releitura do Preacute II) e pomada (releitura do Preacute I)
Logo para a nossa surpresa uma matildee de uma estudante do Preacute-escolar I nos relatou
que havia corrigido a filha que chegou em casa cantando a muacutesica de forma incorreta E a
filha insistiu que Lelecirc precisava de pomada e natildeo palmada Embora o que a menina disse
fizesse sentido para a matildee esta continuou insistindo em reproduzir a letra real da muacutesica
Contudo naquele momento de troca ela se deu conta de que sua filha estava construindo
saberes instituintes para uma nova relaccedilatildeo de alteridade entre o adulto e a crianccedila
46 OFICINA 6 - LENDAS QUE NOS ENCANTAM
Como jaacute relatado iniciamos o ano de 2016 dando continuidade agraves accedilotildees do ano
anterior disponibilizando o repertoacuterio de muacutesicas para os pais compartilharem com os
estudantes No encontro com os responsaacuteveis foi frisado que as accedilotildees voltadas para o
ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais seriam contiacutenuas no ano corrente mesmo apoacutes
finalizada a pesquisa Ou seja continuariacuteamos realizando o empreacutestimo dos livros eacutetnicos
semanais e o nosso cotidiano estaria permeado por histoacuterias outras nas quais todos
pudessem se sentir representados
A continuidade deste trabalho no ano de 2016 se sustentou nos princiacutepios da
etnografia longitudinal (CORSARO 2005) visto que estariacuteamos acompanhando a transiccedilatildeo
de uma parte dos sujeitos da pesquisa para outras fases de escolarizaccedilatildeo sendo o Preacute-
escolar II indo para o 1deg ano do Ensino Fundamental e o Preacute-escolar I para o Preacute II
Desse modo buscamos por meio de oficinas de contaccedilatildeo de histoacuterias perceber como
se consolidaram as aprendizagens sobre a diversidade eacutetnico-racial entre os estudantes A
seguir vamos detalhar uma atividade realizada com a turma do 1deg ano
78
461 O segredo do Baobaacute uma lenda africana
Ao meio dia corria pela planiacutecie um coelho fugindo do sol escaldante e abrigou-se sob o peacute de um Baobaacute Ele se sentiu tatildeo bem que disse ndash Estaacute sombra eacute muito boa obrigado O Baobaacute se sentiu reconhecido e balanccedilou seus galhos como em uma danccedila alegre Mais uma vez o coelho quis se aproveitar da situaccedilatildeo e disse ndash Sua sombra eacute realmente muito boa Mas e esses seus frutos seraacute que tambeacutem satildeo Baobaacute entatildeo caiu na armadilha e soltou um dos seus frutos O coelho natildeo satisfeito disse ndash Sua sombra e seus frutos satildeo oacutetimos Mas e o seu coraccedilatildeo Baobaacute O Baobaacute sentiu uma forte emoccedilatildeo Mas ele natildeo poderia mostrar seu coraccedilatildeo Era tatildeo difiacutecil Mas o coelhinho era tatildeo gentil O Baobaacute foi abrindo seu tronco e logo o coelho jaacute podia ver um brilho que ofuscava os olhos Era um grande tesouro Baobaacute oferece ao seu amigo O coelho entatildeo pegou algumas joias e agradeceu ao Baobaacute ndash Obrigado linda aacutervore Jamais te esquecerei O coelho presenteou sua esposa e disse para sua amiga hiena tudo que lhe acorreu No dia seguinte ao meio dia a hiena foi ateacute o Baobaacute e repetiu passo a passo as dicas do seu amigo coelho O Baobaacute sem hesitar abriu seu tronco para a hiena Mas ela estava faminta pelo ouro e foi agressiva pegaacute-lo Logo a aacutervore fechou-se e chorou porque ficou apavorada A partir desse dia a hiena passou a vasculhar as entranhas dos animais mortos para achar tesouro Mas esse tesouro soacute existe enquanto o coraccedilatildeo eacute vivo Quanto ao Baobaacute nunca mais se abriu A ferida que ele sofreu eacute invisiacutevel mas dificilmente curaacutevel61
Mais uma vez encontramos um enredo em que a aacutervore eacute um elemento central nas
histoacuterias que nos marcam A narrativa acima representa uma das vaacuterias lendas existentes
sobre a famosa aacutervore de origem africana chamada Baobaacute62 Sentimos a necessidade de
tornar conhecido esse siacutembolo de resistecircncia e guardiatildeo da ancestralidade africana que eacute
o Baobaacute
Iniciamos a aula em grande roda como de costume Logo a frente no quadro
encontrava-se uma representaccedilatildeo de uma aacutervore diferente com troncos largos e alguns
frutos que chamaram a atenccedilatildeo dos estudantes Logo perguntaram ldquondash Tia vocecirc vai contar
a histoacuteria da Mirindibardquo63 Respondi que aquela natildeo era a Mirindiba e realizando as
61 A Aacutervore dos Tesouros recriaccedilatildeo de Henri Gougaud traduccedilatildeo de Maria do Rosaacuterio Pedreira Lenda disponiacutevel no blog httpbravoafrobrasilblogspotcombr2010_06_01_archivehtml consultado em 10 abril 2016 62 Aacutervore siacutembolo do Continente Africano famosa por suas caracteriacutesticas naturais sobretudo por sua resistecircncia agraves intempeacuteries Por chegar a viver por milecircnios ela ganha status de guardiatilde de memoacuterias e tradiccedilotildees dos povos africanos 63 Como sinalizado na introduccedilatildeo deste trabalho Mageacute possui heranccedilas de etnia indiacutegena muito fortes A Mirindiba eacute o nome de uma aacutervore centenaacuteria da cidade que segundo a lenda mageense era uma iacutendia que foi encantada pelo pajeacute e desde entatildeo vive no alto do Morro do Bonfim
79
comparaccedilotildees fiacutesicas apresentei o Baobaacute64 enquanto siacutembolo da ancestralidade dos povos
africanos
Foi apresentado tambeacutem o valor afetivo que aquele siacutembolo tem para os povos
africanos por sua resistecircncia ao sobreviver milecircnios e assim servir de palco de inuacutemeros
acontecimentos tornando-se guardiatilde das histoacuterias mais preciosas de diversos povos
Sensibilizados sobre a importacircncia do Baobaacute para os povos africanos tal como a Mirindiba
eacute para os mageenses logo iniciamos a narrativa da lenda
Encantados com o enredo os estudantes encenaram a histoacuteria expressando
sentimento imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Em aula posterior lhes foi apresentada a mesma lenda
mas em miacutedia digital65 O viacutedeo exibido para os estudantes foi realizado com teacutecnicas de
animaccedilatildeo a partir de desenhos e muacutesicas de fundo
Apoacutes assistirem ao viacutedeo propus que eles recontassem a lenda utilizando massinha
de modelar ilustraccedilatildeo em papel e muita criatividade O combinado foi que na medida em
eles fossem confeccionando a histoacuteria eu fotografaria cada etapa para produzir um viacutedeo
do grupo Dessa maneira todos deveriam ser muito caprichosos pois iriacuteamos divulgar essa
histoacuteria na internet66 para que todos conhecessem a lenda do Baobaacute do coelho e da hiena
feita por noacutes Prontamente todos concordaram com a ideia e ficaram animados com a
possibilidade de fazer uma atividade ldquotatildeo legalrdquo
Natildeo nos surpreendeu que durante todo o processo os estudantes se sentissem
motivados a criarem personagens e cenaacuterios Foi possiacutevel perceber que falar de miacutedias
artefatos tecnoloacutegicos de diferentes gecircneros com as crianccedilas soa como muacutesica aos seus
ouvidos porque elas estatildeo a todo momento experimentando essas tecnologias no seu dia
a dia
Mocircnica Fantin ao tratar da formaccedilatildeo docente dialogada com a cultura experiecircncia
e multimiacutedia defende que eacute necessaacuterio ldquoo trabalho diferenciado com a cultura audiovisual
imageacutetica literaacuteria artiacutestica musical midiaacutetica e digital articulada com as mais diversas
formas de participaccedilatildeo de crianccedilas e jovens na culturardquo (FANTIN 2012 p 298) Com isso
64 Foram levadas fotografias para que os estudantes pudessem compreender melhor as caracteriacutesticas fiacutesicas da aacutervore sendo evidenciado que existem vaacuterias espeacutecies da mesma 65 O viacutedeo que conta a lenda do Baobaacute e da hiena apresentado aos estudantes foi produzido por Camila SgLe Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=V1BmVhT05HQ consultado em 10042016gt 66 Link da paacutegina onde o viacutedeo seraacute disponibilizado httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnico raciaisartesdefazer
80
reconhecemos a urgecircncia de contar e permitir que os nossos estudantes contem novas
histoacuterias e se apropriem dos artefatos do cotidiano como ferramentas para que suas
aprendizagens sejam prazerosas e significativas
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo Fonte Arquivo pessoal da autora
47 NARRATIVA DA PROFESSORA DO PREacute-ESCOLAR I
A seguir compartilho uma breve narrativa da docente Sarah Rosa professora do Preacute-
escolar I do ano de 2015 Esta pocircde acompanhar a turma no ano corrente o que foi algo
favoraacutevel para todos os envolvidos na pesquisa visto que possibilitou a permanecircncia das
conversas
A participaccedilatildeo da professora Daise tem sido grandemente proveitosa e enriquecedora para os alunos da Educaccedilatildeo Infantil Sua pesquisa e trabalho tecircm colaborado para o desenvolvimento dos alunos em vaacuterios aspectos um deles eacute contra o preconceito racial Haacute tambeacutem um trabalho sobre as diferenccedilas o respeito e o amor ao proacuteximo aleacutem de desenvolver o gosto das crianccedilas pela leitura pela linguagem oral e corporal As crianccedilas apresentam prazer e satisfaccedilatildeo pelas suas aulas que por sinal satildeo bem dinacircmicas e atrativas para elas O trabalho feito tem ido aleacutem da sala de aula tem alcanccedilado os familiares dos alunos e ajudado a trazer a presenccedila dos mesmos agrave escola Ela tem realizado atividades envolvendo
81
a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo dos familiares juntamente com as crianccedilas O que tem proporcionado experiecircncias prazerosas para todos envolvidos (Professora Sarah Rosa 2015)
82
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
51 CONCLUSOtildeES
Este estudo teve como objetivo geral ldquorealizar pesquisa a partir de metodologias
interativas ndash interdisciplinaridade e etnografia ndash com enfoque na sociologia da infacircncia
com estudantes entre 4 e 6 anos abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola
rural do municiacutepio de Mageacuterdquo para aleacutem de contribuir com minha formaccedilatildeo continuada
Pude construir novos saberes e compartilhaacute-los Nesse processo tambeacutem confirmei a
necessidade de mudanccedila de olhar sobre a escola que temos
As escolas brasileiras ainda se enquadram dentro do modelo instrumental e
cartesiano sobre o qual elas foram pensadas Este modelo limita a compreensatildeo da
multiplicidade de contextos e sujeitos que compotildeem a diversidade humana Natildeo obstante
sabe-se que aos poucos essa mesma instituiccedilatildeo tem incluiacutedo a diversidade a partir de
movimentos que visam o rompimento com o instituiacutedo
Este trabalho desejou suscitar um novo olhar sobre a diversidade em contexto escolar
e construir caminhos que alcanccedilassem os diferentes atores sociais de maneira afetiva e
efetiva Assim foi se estabelecendo conversas e fui descobrindo que elas satildeo mais longas
quando acontecem entre os sujeitos da diferenccedila
Pensar a crianccedila desde a mais tenra idade implicou em realizar redes reflexivas com
diversas aacutereas do saber As metodologias trabalhadas sobretudo a interdisciplinaridade
nos pareceu desde o iniacutecio uma decisatildeo acertada A Sociologia da Infacircncia (CORSARO
2005) favoreceu minhas aproximaccedilotildees com as crianccedilas e entre elas proacuteprias Favoreceu
ainda o desafio de trabalhar com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais jaacute que pensar as
culturas infantis implica em refletir sobre diferenccedila diversidade e alteridade
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012)
Os objetivos especiacuteficos foram as metas traccediladas para o alcance do objetivo geral
Visaacutevamos romper com praacuteticas e culturas que excluem a diversidade do cotidiano escolar
a partir de intervenccedilotildees pedagoacutegicas Para tais intervenccedilotildees precisei construir objetivos de
ensino que me orientassem no trabalho
A Sociologia da Infacircncia enquanto constructo epistemoloacutegico possibilitou maiores
reflexotildees sobre a crianccedila enquanto produtora de cultura e reveladora das possibilidades
83
da estrutura social (SARMENTO 2005 p 363) Dessa maneira ao longo da pesquisa com
as crianccedilas e natildeo sobre elas fui notando o quanto eram ativas criativas e dotadas de
saberes que gritavam para serem reconhecidos Ao reconhecer suas vozes me aproximei
da cultura da diversidade e juntos realizamos interaccedilotildees dialoacutegicas
Tambeacutem busquei construir redes colaborativas e de conhecimentos com a
comunidade escolar compreendendo os docentes (natildeo soacute os professores da Educaccedilatildeo
Infantil) e a equipe pedagoacutegica O objetivo foi a reflexatildeo sobre os desafios da inclusatildeo da
diversidade nas escolas brasileiras Realizamos grupos de estudos dinamizado por mim67
Estabelecemos conversas as quais me trazem agrave memoacuteria uma palestra que escutei haacute
algum tempo na UFF sobre ldquoTempos e conversasrdquo O palestrante Carlos Skliar68 sinalizou
que os professores precisam ser formados na arte da conversa pois sem conversaccedilatildeo natildeo
existe educaccedilatildeo
Me aproprio de sua fala para explicitar como foi a relaccedilatildeo entrecom as professoras
envolvidas na pesquisa Eacute certo que somos diferentes mas foram essas diferenccedilas
somadas a solidariedade que fizeram a conversa fluir emergindo trocas reflexivas sobre o
cotidiano escolar diversidade e inclusatildeo
Como jaacute sinalizado os atores do cotidiano possuem muacuteltiplas linguagens que
precisam ser alcanccediladas O que se aprende fora dos muros da escola necessita ser
considerado como fonte de aprendizagem significativa no ambiente escolar E por
aprendizagem significativa entendemos ser aquela que proporciona a ldquointeraccedilatildeo cognitiva
entre o novo conhecimento e o conhecimento preacuteviordquo (MOREIRA 2000 p 4)
E embora o objetivo do trabalho natildeo fosse alcanccedilar diretamente as pessoas com
deficiecircncia as oficinas realizadas podem ser utilizadas para o trabalho com pessoas surdas
cegas ou com outras deficiecircncias desde que se realize as adaptaccedilotildees necessaacuterias Eacute possiacutevel
notar que procuramos incluir a diversidade na escola na figura de uma avoacute com nanismo
com a presenccedila de pessoas com diferentes faixas etaacuterias com mulheres ou seja pessoas
que representam as minorias que fazem parte da diversidade humana
67 Nesse grupo de estudos a supervisora da escola me convidou para realizar uma formaccedilatildeo para as professoras das duas creches em que ela trabalhava A formaccedilatildeo aconteceu no mecircs de agosto para 21 professoras do Municiacutepio de Mageacute 68 Pesquisador principal da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales - Argentina Tem experiecircncia na aacuterea de Educaccedilatildeo com ecircnfase em Fundamentos da Educaccedilatildeo Atuando principalmente nos seguintes temas Comunicaccedilatildeo Inteligecircncia Surdos Alteridade e Diferenccedila
84
Entendendo que a teoria funciona como lupa para melhor ver o que acontece na
praacutetica assim todas as atividades foram pensadas agrave luz de diferentes correntes teoacutericas-
metodoloacutegicas complementares tais como Sociologia da Infacircncia Interdisciplinaridade e
Etnografia Em todas as etapas procuramos adequar as atividades e reflexotildees aos
paracircmetros da Educaccedilatildeo Infantil e do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais sem perder de
vista o protagonismo infantil
Como jaacute salientado meus caminhos de formaccedilatildeo tecircm me provocado a olhar o
cotidiano escolar a partir de uma curiosidade epistemoloacutegica (FREIRE 2007) Mas
reconheccedilo que foi um desafio o trabalho com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais uma vez
que as poliacuteticas e praacuteticas existentes tendem a burocratizar a questatildeo natildeo possibilitando
a criaccedilatildeo de uma cultura inclusiva sobre a temaacutetica no cotidiano escolar Igualmente
reconheccedilo que graccedilas a curiosidade inquieta que me move em direccedilatildeo ao Outro tenho
buscado a construccedilatildeo de taacuteticas que representem a possibilidade de incluir a diversidade
52 PERSPECTIVAS
Foram traccediladas algumas perspectivas apoacutes a conclusatildeo deste trabalho A primeira
delas e que foi um compromisso com as famiacutelias dos estudantes foi a devoluccedilatildeo dos
achados que ainda seraacute decido a natureza do material Temos como opccedilatildeo o caderno
pedagoacutegico em CD mas tambeacutem podemos pensar na sua versatildeo impressa ou disponibiliza-
lo no espaccedilo criado para a divulgaccedilatildeo das accedilotildees e demais produtos Para tal devoluccedilatildeo
podemos repensar a colocaccedilatildeo dos nomes e exibiccedilatildeo dos rostos das crianccedilas pois
entendemos que elas precisam se reconhecerem no texto no qual sua histoacuteria de vida estaacute
sendo contada mas que para esse trabalho por questotildees eacuteticas foram suprimidas
Outra perspectiva eacute tornar o Caderno Pedagoacutegico uma Tecnologia Acessiacutevel para o
trabalho com crianccedilas deficientes A Tecnologia Acessiacutevel na escola tem por objetivo
() proporcionar agrave pessoa com deficiecircncia maior independecircncia para o aprendizado melhor qualidade de vida e inclusatildeo social por meio da ampliaccedilatildeo de sua comunicaccedilatildeo e de sua mobilidade maior controle do ambiente e desenvolvimento de trabalho integrado com a famiacutelia
colegas e profissionais da educaccedilatildeo (DOMINICK 2015 p 9)
85
Dessa maneira vislumbramos construir outras estrateacutegias para a acessibilidade do
conhecimento das relaccedilotildees eacutetnico-raciais Quando pensamos em outras eacute porque como jaacute
dito anteriormente algumas oficinas podem ser adaptadas para trabalhar com pessoas
cegas surdas cadeirantes com altas habilidades desde que o professor coloque em
praacutetica as suas invenccedilotildees cotidianas (CERTEAU 1994) e se torne um professor pesquisador
e inventor de novas taacuteticas educacionais
86
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABRAMOWICZ Anete OLIVEIRA Fabiana As relaccedilotildees eacutetnico-raciais e a sociologia da infacircncia no Brasil alguns aportes In BENTO Maria Aparecida Silva (Org) Educaccedilatildeo infantil igualdade racial e diversidade aspectos poliacuteticos juriacutedicos conceituais Satildeo Paulo Centro de Estudos das Relaccedilotildees de Trabalho e Desigualdades - CEERT 2012 ALVES Nilda Imagens de professoras e redes cotidianas de conhecimentos Educar Curitiba n 24 p 19-36 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfern24 n24a02pdfgt Acesso em 10 de marccedilo de 2016 ______ Decifrando o pergaminho o cotidiano das escolas nas loacutegicas das redes cotidianas In OLIVEIRA IB ALVES N (Orgs) Pesquisa nodo cotidiano das escolas sobre redes de saberes Rio de Janeiro DPampA 2001 ARANTES Erika ANDRADRE Nivea Diana e os orixaacutes imagens da questatildeo racial em escolas Revista de Estudos Universitaacuterios Sorocaba v 39 n 2 p 379-391 2013 Disponiacutevel em lthttpperiodicosunisobrojsindexphpjournal=reuamppage=articleampop= viewamppath5B 5D=1712gt Acesso em 20 de abril de 2015 APPADURAI Arjun O medo ao pequeno nuacutemero ensaio sobre a geografia da raiva Satildeo Paulo Iluminuras Itauacute Cultural 2009 CASTELLS Manuel A Era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura vol I 6ordf ed Satildeo Paulo Paz e terra 1999 BOOTH T AISCOW M Index para a inclusatildeo desenvolvendo a aprendizagem e a participaccedilatildeo nas escolas Traduzido por Mocircnica Pereira dos Santos e Joatildeo Batista Esteves Londres CSIE 2011 BOURDIEU Pierre O poder simboacutelico Traduccedilatildeo Fernando Tomaz Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 BRASIL Lei nordm 9394 Brasiacutelia 20 de dezembro de 1996 Disponiacutevel em lt
httpswwwplanaltogovbrccivil_03LeisL9394htmgt ______ Lei nordm 10639 Brasiacutelia 9 de janeiro de 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03leis2003L10639htmgt Acesso em 26 marccedilo de 2015 ______ Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana Brasiacutelia MEC SEF 2004 ______ Lei nordm 11738 Brasiacutelia 16 de julho de 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102008leil11738htmgt
87
_____ Referencial curricular nacional para a educaccedilatildeo infantil Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e do Desporto Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MECSEF 1998 3v il BRITO Teca A de Muacutesica na Educaccedilatildeo Infantil Satildeo Paulo Petroacutepolis 2003 CERTEAU Michel de A Invenccedilatildeo do cotidiano Artes de fazer Petroacutepolis Vozes 1994 CORSARO WA Entrada no campo aceitaccedilatildeo e natureza da participaccedilatildeo nos estudos etnograacuteficos com crianccedilas pequenas Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 26 n 91 p 443-464 maio-ago 2005 DELGADO Ana Cristina Coll MULLER Fernanda Em busca de metodologias investigativas com crianccedilas e suas culturas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo v 35 n 125 p 161-179 maioago 2005 DOMINICK Rejany dos S A arte de fazer e nos fazermos no ALEPH explicitando alguns princiacutepios na e da formaccedilatildeo de professores In LINHARES Ceacutelia Portinari e a cultura brasileira um convite agrave educaccedilatildeo a contrapelo Niteroacutei Editora da UFF 2011 [Segunda parte p 145-161] ______ Discutindo e conceituando as tecnologias para a formaccedilatildeo de professores na EJA-I e na diversidade In MEDEIROS C C Educaccedilatildeo de jovens adultos e idosos na diversidade saberes sujeitos e praacuteticas Niteroacutei UFFCEAD 2015 p 295-314 FANTIN Monica O lugar da experiecircncia da cultura e da aprendizagem multimiacutedia na formaccedilatildeo de professores Educaccedilatildeo Santa MariaRS v 37 n 2 p 291-306 2012 FAZENDA Ivani Catarina Arantes Desafios e perspectivas do trabalho interdisciplinar no Ensino Fundamental contribuiccedilotildees das pesquisas sobre interdisciplinaridade no Brasil o reconhecimento de um percurso Trabalho publicado nos Anais do XIV ENDIPE Belo Horizonte 2010 FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia saberes necessaacuterios agrave praacutetica educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007
______ Educaccedilatildeo e mudanccedila Rio de Janeiro Paz e Terra 1983
GOMES Lisandra O cotidiano as crianccedilas suas infacircncias e a miacutedia imagens concatenadas Proacute-Posiccedilotildees CampinasSP v 19 n 3 p 175-193 setdez 2008 GONCcedilALVES Luiz Alberto Oliveira Reflexatildeo sobre a particularidade cultural na educaccedilatildeo das crianccedilas negras Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 63 p 27-29 nov 1987 HAAS Celia Maria A Interdisciplinaridade em Ivani Fazenda construccedilatildeo de uma atitude pedagoacutegica International Studies On Law And Education Satildeo Paulo n 8 p55-64 maiago 2011
88
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICA (IBGE) Dados gerais do municiacutepio de Mageacute 2014 Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=amp codmun=330250ampsearch=||infoE1ficos-informaE7F5es-completas Acesso em 20072015 JAPIASSU H Interdisciplinaridade e patologia do saber Rio de Janeiro Imago 1976 KRAMER Sonia Autoria e autorizaccedilatildeo questotildees eacuteticas nas pesquisas com crianccedilas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 116 p 41-59 2002 LARROSA Jorge Notas sobre a experiecircncia e o saber de experiecircncia Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro n 19 p 20-28 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfrbedun19n19a02pdfgtAcessado 20052015 LARROSA Jorge Experiecircncia e alteridade em educaccedilatildeo Revista Reflexatildeo e Accedilatildeo Santa Cruz do SulSC v 19 n 2 p 04-27 2011 LINHARES Celia Movimentos instituintes na escola buscando dar visibilidade ao invisiacutevel Revista Aleph Niteroacutei [200] Disponiacutevel em lthttpwwwuffbralephtextos_em_pdf
politicas_de_formacao_de_professorespdfgt Acessado em 02 agosto 2015 LOumlWY Michael A ldquocontrapelordquo A concepccedilatildeo dialeacutetica da cultura nas teses de Walter Benjamin (1940) Lutas Sociais Satildeo Paulo n 2526 p20-28 2ordm semestre 2011 MATURANA H e VARELA F A aacutervore do conhecimento As bases bioloacutegicas do entendimento humano CampinasSP Editorial Psy II 1995 MOREIRA Marco Antonio Aprendizagem significativa Brasiacutelia Ed da UnB 2000 MUumlLLER F Infacircncia nas vozes das crianccedilas culturas infantis trabalho e resistecircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 27 n 95 p 553-573 ago 2006 MUNANGA Kabengele Uma abordagem conceitual das noccedilotildees de raccedila racismo identidade e etnia In BRANDAtildeO A A P (Org) Programa de educaccedilatildeo sobre o negro na sociedade brasileira Niteroacutei EdUFF 2000 OLIVEIRA Luiz Fernandes FARIAS Ursula Pinto Lopes A Aacutefrica e o negro nos anos iniciais do ensino fundamental desafios para a escola In GOUVEcircA Fernando Ceacutesar Ferreira OLIVEIRA Luiz Fernandes de SALES Sandra Regina (Orgs) Educaccedilatildeo e relaccedilotildees eacutetnico-raciais entre diaacutelogos contemporacircneos e poliacuteticas puacuteblicas 1 ed PetroacutepolisRJ De Petrus et Alii BrasiacuteliaDF CAPES 2014 PACHECO Liacutellian Pedagogia Griocirc a reinvenccedilatildeo da roda da vida LenccediloacuteisBA Graacutefica Santa Helena 2006
89
PAULA Benjamin Xavier de A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais e os desafios a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo anti-racista Anais do XIV Regional da ANPUH Rio de Janeiro 2010 PEIXOTO I C L A violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda e seus reflexos no comportamento de gecircnero Anais do Encontro Nacional do GT ndash GecircneroANPUH Espiacuterito Santo 2004 Disponiacutevel em lthttplegpvufesbrsiteslegpvufesbrfilesfieldanexo isabella_cotta_lanza_peixotopdfgt PEREIRA Daise dos S Conversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da educaccedilatildeo baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeos Trabalho de conclusatildeo de curso (Poacutes-graduaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais) Universidade Federal Fluminense 2016 PEREIRA Maacutercia G PEREIRA Daise dos S A (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidade XVIII Endipe CuiabaacuteMT 2016 PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICIacuteLIOS (PNAD) Retrato das Desigualdades de Gecircnero e Raccedila 4ordf ediccedilatildeo 2012 Disponiacutevel em httpwwwipeagovbrigualdaderacial indexphpoption=com_contentampview=articleampid=614ampItemid=18
PLETSCH Maacutercia Denise CARVALHO Carlos Roberto Editorial do dossiecirc Processos de Inclusatildeo e Exclusatildeo Escolar e Movimentos Sociais Revista Teias Rio de Janeiro v 12 n 24 p 01-08 janabr 2011 Disponiacutevel em lthttpperiodicospropedprobrindexphprevistateiasarticleview822gt Acessado em 010716 ROSSETTO Elisabeth A contribuiccedilatildeo do pensamento de Maturana para a educaccedilatildeo Educere et Educare ndash Revista de Educaccedilatildeo vol 5 n 10 2ordm Semestre de 2010
SANTOS Mocircnica Pereira dos Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura Omnileacutetica In CASTRO Paula Almeida de Inovaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia desafios e perspectivas na contemporaneidade Campina GrandePB Editora Realize 2015 Disponiacutevel em lthttpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdfgt Acesso em 20022016 SANTOS Sandro V S dos Sociologia da infacircncia aproximaccedilotildees entre Willian Corsaro e Florestan Fernandes Educaccedilatildeo em Perspectiva Viccedilosa v 5 n 1 p 117-139 janjun 2014 SARMENTO Manuel Jacinto Geraccedilotildees e alteridade interrogaccedilotildees a partir da sociologia da infacircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas vol 26 n 91 p 361-378 MaioAgo 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwcedesunicampbrgt SCHOumlN D Educando o Profissional Reflexivo um novo design para o ensino e aprendizagem
Trad Roberto Cataldo Costa Porto Alegre Artes Meacutedicas Sul 2000
SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das trecircs raccedilas ndash cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil 1870-1930 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993
90
SILVA Tomaz Tadeu da Documentos de identidade uma introduccedilatildeo agraves teorias do curriacuteculo Belo Horizonte Autecircntica 2007 SILVA P V B da SOUZA G de Relaccedilotildees eacutetnico-raciais e praacuteticas pedagoacutegicas em Educaccedilatildeo Infantil Educar em Revista Curitiba n 47 p 35-50 janmar 2013 SKLIAR Carlos A educaccedilatildeo e a pergunta pelos Outros diferenccedila alteridade diversidade e os outros outros Revista eletrocircnica Ponto de Vista Florianoacutepolis n 5 p 37-49 2003 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosufscbrindexphppontodevistaarticleview1244gt THIESEN Juares da Silva A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 13 n 39 p 545-554 2008 TRINDADE Azoilda Loretto (org) Africanidades brasileiras e educaccedilatildeo [livro eletrocircnico] Salto para o Futuro Rio de Janeiro ACERP Brasiacutelia TV Escola 2013 ______ Valores Civilizatoacuterios e a Educaccedilatildeo Infantil uma contribuiccedilatildeo afro-brasileiras In BRANDAtildeO Ana Paula TRINDADE Azoilda Loretto da (Orgs) Modos de brincar caderno de atividades saberes e fazeres Rio de Janeiro Fundaccedilatildeo Roberto Marinho 2010 UNESCO Declaraccedilatildeo de Salamanca Necessidades Educativas Especiais ndash NEE In Conferecircncia Mundial sobre NEE Acesso em Qualidade ndash UNESCO Salamanca Espanha UNESCO 1994 YOUNG Michael Para que servem as Escolas Educ Soc Campinas vol 28 n 101 p 1287-1302 setdez 2007 Disponiacutevel em lt httpwwwcedesunicampbr gt
91
7 APEcircNDICES E ANEXOS
71 APEcircNDICES
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados
92
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
93
94
95
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem
96
97
98
72 ANEXOS 721 Imagens utilizadas
Navio Negreiro - Litogravura de Johann Moritz Rugendas (1835)
Navio negreiro real na costa brasileira ndash Marc Ferrez (1882)
99
Mulher brasileira em seu lar - Jean Baptiste Debret
O Jantar no Brasil - Jean Baptiste Debret
100
722 Premiaccedilatildeo
Esta premiaccedilatildeo eacute fruto das accedilotildees de incentivo agrave leitura que desenvolvi na escola em
parceria com o projeto de Extensatildeo da UFF ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos
anos iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo e a presente pesquisa O projeto ldquoOs
contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo com histoacuterias uacutenicasrdquo buscou
romper com as histoacuterias uacutenicas e oportunizar que os sujeitos da diferenccedila tivessem o direito
de serem protagonistas e construtores de suas proacuteprias histoacuterias
A seguir reproduccedilatildeo na iacutentegra do texto sobre os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio
Ecofuturo de Bibliotecas
O Instituto Ecofuturo anuncia os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio Ecofuturo de
Bibliotecas iniciativa que visa reconhecer o trabalho de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria
realizado nas 107 bibliotecas comunitaacuterias da Rede Ler Eacute Preciso implantadas pelo Instituto
em parceria com a iniciativa privada poder puacuteblico e comunidade
Para Paulo Groke Diretor de Sustentabilidade do Ecofuturo o precircmio eacute tambeacutem uma
forma de compartilhar boas praacuteticas que incentivam e inspiram a leitura no Paiacutes
ldquoA cada ediccedilatildeo eacute possiacutevel identificar uma melhora consideraacutevel na qualidade e na
periodicidade das atividades promovidasrdquo conclui
Os projetos vencedores foram selecionados por um juacuteri formado pela equipe do
Ecofuturo e especialistas nas aacutereas de educaccedilatildeo leitura e biblioteconomia que entre
101
outros criteacuterios analisaram o planejamento de atividades de promoccedilatildeo de leitura e sua
execuccedilatildeo ao longo de todo o ano acervo selecionado articulaccedilatildeo e atendimento a diversos
puacuteblicos
Os trecircs primeiros colocados ganham 50 livros de literatura novos para complementar
o acervo da unidade e dois representantes de cada biblioteca vencedora participaratildeo da
24ordf Bienal Internacional do Livro de Satildeo Paulo evento que possibilitaraacute por meio de sua
programaccedilatildeo atualizaccedilatildeo profissional e troca de conhecimento Todas as Bibliotecas
Comunitaacuterias participantes recebem certificados com suas respectivas classificaccedilotildees
O Precircmio Ecofuturo de Bibliotecas foi criado pelo Instituto em 2009 A proacutexima ediccedilatildeo
acontece em 2017 e as inscriccedilotildees satildeo restritas agrave Rede Bibliotecas Comunitaacuterias Ler eacute
Preciso Aleacutem dessa iniciativa o Instituto eacute responsaacutevel por outras accedilotildees importantes na
aacuterea como a instituiccedilatildeo de 12 de outubro como Dia Nacional da Leitura e a campanha Eu
Quero Minha Biblioteca
Vencedores
A Biblioteca Prof Maria Olivia Otero Artioli localizada em Agudos Satildeo Paulo
conquistou o primeiro lugar com o projeto ldquoEacute preciso gostar de lerrdquo no qual realizou
atividades de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria durante todo o ano de 2015 O planejamento
anual compreendeu accedilotildees envolvendo puacuteblico diverso de bebecircs a idosos Foram iniciativas
promovidas dentro e fora da biblioteca como a ldquoMala Viajanterdquo que levava leitura a escolas
e creches e que tiveram o livro a leitura e o leitor como atores principais
Jaacute em Mageacute no Rio de Janeiro a Biblioteca Prof Elzira Bastos Amaro em parceria
com o departamento pedagoacutegico da Secretaria de Educaccedilatildeo ficou com a segunda
colocaccedilatildeo com o projeto ldquoOs contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo
com histoacuterias uacutenicasrdquo Aleacutem de accedilotildees de promoccedilatildeo de leitura com forte embasamento
teoacuterico e teacutecnico realizadas semanalmente todo o espaccedilo da unidade foi reorganizado
incluindo catalogaccedilatildeo das obras e separaccedilatildeo dos livros que seriam trabalhados nas
atividades que tiveram como foco o resgate da identidade local utilizando a cultura do
municiacutepio como tema principal
A terceira colocada foi a Biblioteca Mestra Augusta de Turmalina Minas Gerais que
focou seu projeto ldquoDe matildeo em matildeo de voz em voz livros agrave matildeo cheia semprerdquo jaacute
realizado haacute quatro anos em atividades de promoccedilatildeo de leitura que relataram a diferenccedila
102
entre ler e contar trabalhando a articulaccedilatildeo com puacuteblicos variados e a divulgaccedilatildeo em
diversos canais de comunicaccedilatildeo do municiacutepio ndash demonstrando a sustentabilidade do
projeto ndash e a importacircncia do envolvimento do poder puacuteblico
Outro destaque desta ediccedilatildeo foi a Biblioteca Comunitaacuteria Ler eacute Preciso Nelson
Mandela que estaacute localizada na Penitenciaacuteria II de Bauru em Satildeo Paulo e que com o
projeto ldquoUm conto como eu contordquo recebeu a Menccedilatildeo Honrosa O objetivo das atividades
foi utilizar o conto como gecircnero literaacuterio para contemplar as possibilidades de leitura dos
detentos que frequentam a escola dentro da penitenciaacuteria A partir das accedilotildees de promoccedilatildeo
de leitura os professores disseminaram a literatura como fonte de conhecimento e
reflexatildeo
Autor Ecofuturo
Disponiacutevel em httpblogecofuturoorgbrconheca-os-vencedores-do-6o-premio-
ecofuturo-de-bibliotecas
II
DAISE DOS SANTOS PEREIRA
A QUESTAtildeO EacuteTNICO-RACIAL A PARTIR DO OLHAR DA CRIANCcedilA A
INCLUSAtildeO DA DIVERSIDADE POR MEIO DE EXPERIEcircNCIAS
ESCOLARES INSTITUINTES
Trabalho desenvolvido no Instituto de Biologia Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo Universidade Federal Fluminense
Dissertaccedilatildeo de Mestrado submetida a Universidade Federal Fluminense como requisito parcial visando agrave obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Diversidade e Inclusatildeo
Orientadora Profordf Drordf Rejany dos Santos Dominick
III
Ficha Catalograacutefica elaborada pela Biblioteca Central do Valonguinho
IV
DAISE DOS SANTOS PEREIRA
A QUESTAtildeO EacuteTNICO-RACIAL A PARTIR DO OLHAR DA CRIANCcedilA A
INCLUSAtildeO DA DIVERSIDADE POR MEIO DE EXPERIEcircNCIAS
ESCOLARES INSTITUINTES
Dissertaccedilatildeo de Mestrado submetida a Universidade Federal Fluminense como requisito parcial visando agrave obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Diversidade e Inclusatildeo
Banca Examinadora
_________________________________________________________________________ Rejany dos Santos Dominick ndash Departamento de Sociedade Educaccedilatildeo e Conhecimento ndash Faculdade de Educaccedilatildeo UFF (OrientadorPresidente)
Maacutercia Guerra Pereira ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuterias e Culturas Africanas e Afro-Brasileiras IFRJ _________________________________________________________________________ Luiz Antocircnio Botelho Andrade ndash Departamento de Imunobiologia ndash Instituto de Biologia UFF _________________________________________________________________________ Niacutevea Maria da Silva Andrade ndash Departamento Sociedade Educaccedilatildeo e Conhecimento ndash
Faculdade de Educaccedilatildeo UFF
_________________________________________________________________________
Dagmar de Mello e Silva ndash Departamento de Fundamentos ndash Faculdade de Educaccedilatildeo
UFF (Suplente e Revisora)
V
Dedico a todos os meus alunos sem distinccedilatildeo
VI
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo aos meus pais David e Neuza pelo incentivo e dedicaccedilatildeo ao longo da vida
Ao meu irmatildeo David pela parceria em todos os momentos Aos meus avoacutes e tios que
sempre soliacutecitos contribuiacuteram de alguma maneira para essa conquista
Agradeccedilo agrave Rejany Dominick que em 2008 me apresentou e tem me ensinado os
caminhos da pesquisa cientiacutefica das experiecircncias instituintes e das artes de fazer e fazer-
me professora Obrigada por compartilhar saberes e por ajudar-me a ver outras estradas
Agradeccedilo ao corpo docente do CMPDI e agravequeles que colaboraram diretamente com
a elaboraccedilatildeo deste trabalho Assim natildeo posso deixar de mencionar a professora Niacutevea
Andrade que no curso de especializaccedilatildeo em ensino de histoacuteria me brindou com conversas
sobre o cotidiano escolar e sobre as taacuteticas docentes para uma educaccedilatildeo outra
Agradeccedilo tambeacutem agrave professora Mocircnica Pereira dos Santos que com disponibilidade
me recebeu para conversamos sobre diversidade e inclusatildeo Agrave professora Dagmar Mello
pelas contribuiccedilotildees no periacuteodo da qualificaccedilatildeo e nesta reta final Ao professor Luiz Andrade
pela disponibilidade para compor a banca Agrave professora Maacutercia Guerra que chegou
recentemente mas parece que jaacute estava aqui por perto haacute algum tempo Obrigada Maacutercia
pela parceria incentivo e amizade
Aos amigos que descobri no Mestrado e agravequeles que ao longo desse caminho se
fizeram presentes compartilhando saberes anguacutestias expectativas Natildeo posso deixar de
mencionar meus colegas de orientaccedilatildeo Camila Matheus irmatilde loira sempre soliacutecita Ao
Luiz Marcelo Ana Ceciacutelia Ana Peacutersia pessoas queridas e companheiras E Lindiane matildee da
pequena Laiacutes que nessa reta final foi a extensatildeo dos meus braccedilos auxiliando-me na parte
teacutecnica para o fechamento deste trabalho
A Seacutergio Felipe Thiago Monique e Mary por serem presentes nos momentos em que
precisei de uma matildeo amiga Agrave Iolanda que me recorda de algumas verdades que por vezes
esqueccedilo
Agradeccedilo ao Gustavo pelas contribuiccedilotildees na elaboraccedilatildeo da arte do caderno
pedagoacutegico
Aos profissionais da Escola Municipal Dinorah do Santos Bastos pela acolhida e
saberes compartilhados Agraves famiacutelias dos estudantes pela parceria de sucesso Agraves
professoras do Preacute-escolar Fabiana e Sarah pela confianccedila conversas e amizade
VII
construiacuteda ao longo desse processo Agrave Lindaura pela parceria e generosidade Devo
tambeacutem agradecer a presenccedila doce e soliacutecita do seu Joatildeo
Agrave gestora da escola Veluma Luciane pelo comprometimento com a educaccedilatildeo que
muito me ensinou e tambeacutem pela confianccedila depositada no meu trabalho Veluma obrigada
por colaborar com a retirada das pedras do caminho
Agrave Pacircmela bolsista de extensatildeo que colaborou na fase inicial da pesquisa com a parte
teacutecnica da coleta de dados e com quem compartilhei saberes
Agrave Laucimary funcionaacuteria da biblioteca pela colaboraccedilatildeo em diversos momentos
Agradeccedilo tambeacutem agraves parcerias institucionais Agrave UFF e agrave PROEX pelo financiamento
de uma bolsista para o desenvolvimento das accedilotildees de ensino pesquisa e extensatildeo Agrave ONG
Aacutegua Doce que potencializou o trabalho com a inserccedilatildeo da biblioteca Eco Futuro no terreno
da escola com uma infraestrutura e um acervo de livros excelentes Agrave Secretaria de
educaccedilatildeo de Mageacute pela autorizaccedilatildeo da pesquisa na escola
A todos da Fundaccedilatildeo Educacional de Cultura de Mageacute por me receber tatildeo bem E agrave
Cristina pelo apoio nesta reta final
E um agradecimento especial aos meus alunos desde agravequeles que laacute em 2008 na
Escola Municipal Nossa Senhora da Penha me instigaram a pensarconstruir experiecircncias
instituintes para a inclusatildeo da vida na sua diversidade e tambeacutem aos estudantes da ldquoEscola
Dinorahrdquo que me encheram de alegria e satisfaccedilatildeo durante esse processo de construccedilatildeo
de conhecimento para a inclusatildeo da diversidade
E agravequele que eacute Alfa e Ocircmega princiacutepio e fim DEUS
VIII
SUMAacuteRIO
Lista de abreviaturas X
Lista de ilustraccedilotildees XI
Lista de figuras XI
Lista de graacuteficos XI
Resumo XII
Abstract XIII
1 Introduccedilatildeo 1
11 Apresentaccedilatildeo 1
12 Eacute preciso falar sobre Diversidade e Inclusatildeo 9
13 A lei 1063903 um marco histoacuterico na luta Antirracista 13
14 O Ensino das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais algumas reflexotildees 15
15 Valores Civilizatoacuterios Afro-brasileiros na Educaccedilatildeo Infantil 18
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio 21
16 A crianccedila pequena e o negro quem satildeo esses outros 24
2 Objetivos 27
21 Objetivo geral 27
22 Objetivos especiacuteficos 27
3 Material e Meacutetodos (Metodologia) 28
31 Puacuteblico alvo 28
32 Etnografia e interdisciplinaridade caminhos metodoloacutegicos 28
33 Questotildees eacuteticas na pesquisa com crianccedilas 31
34 Fases da pesquisa 32
341 As oficinas 33
35 Colaboradores na coleta de dados 35
36 Caderno Pedagoacutegico 36
4 Resultados e Discussatildeo 40
41 Dados coletados reflexotildees iniciais 40
42 Percebendo as vozes oficinas iniciais 41
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (Idade entre 4 e 5 anos) 41
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (Idade entre 5 e 6 anos) 43
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II) 45
IX
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I) 47
43 Oficina 3 - Conhecendo Maria a menina que veio do Congo 51
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso 55
44 Oficina 4 - Uma sensibilizaccedilatildeo para a Pedagogia Griocirc 57
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II) 60
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I) 62
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias 64
45 Oficina 5 - Musicalidade e as ldquoartes de fazerrdquo 65
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica 66
4511 Preacute-escolar II 66
4512 Preacute-escolar I 68
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais 69
453 Confecccedilatildeo de objetos sonoros 72
4531 Preacute-escolar II 72
4532 Preacute-escolar I 73
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis 74
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical 75
46 Oficina 6 - Lendas que nos encantam 77
461 O Segredo do Baobaacute uma lenda Africana 78
47 Narrativa da Professora do Preacute-escolar I 80
5 Consideraccedilotildees Finais 82
51 Conclusotildees 82
52 Perspectivas 84
6 Referenciais bibliograacuteficos 86
7 Apecircndices e Anexos 91
71 Apecircndices 91
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados 91
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 92
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem 95
72 Anexos 98
721 Imagens utilizadas 98
722 Premiaccedilatildeo 100
X
LISTA DE ABREVIATURAS
CMPDI Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo
CNE Conselho Nacional de Educaccedilatildeo
DCN ERER Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees
Eacutetnico-Raciais
DCNs Diretrizes Curriculares Nacionais
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IES Instituiccedilatildeo de Ensino Superior
LDB Lei de Diretrizes e Bases
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios
PROEX Proacute-reitoria de Extensatildeo
RCNEI Referencial Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil
SIGProj Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo de Projetos
TICs Tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo
UFF Universidade Federal Fluminense
XI
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Paacutegina na rede social 38
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos 46
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos 49
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas 50
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) 54
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) 55
Figura 7 Vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade 61
Figura 8 Vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais 64
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos musicais 72
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais 73
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas 76
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo 80
LISTA DE GRAacuteFICOS
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I 43
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II 45
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) 48
XII
RESUMO
A educaccedilatildeo inclusiva e para a diversidade eacute um tema que natildeo pode ser analisado apenas pelo acircngulo da falta de matriacutecula nas escolas Hoje pessoas com deficiecircncia altas habilidades negras indiacutegenas brancas crianccedilas jovens e adultos de todas as religiotildees estatildeo matriculados nas escolas Contudo nem sempre tal fato significa uma inclusatildeo real da diversidade no espaccedilo escolar A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais em contexto escolar eacute um desafio ainda hoje presente em nosso cotidiano Identificamos atitudes que fortalecem segregaccedilotildees do negro e da cultura africana em todas as esferas da sociedade ao longo da histoacuteria brasileira mas na escola apesar da legislaccedilatildeo e de ser um espaccedilo de inclusatildeo da diversidade ainda vemos segregaccedilotildees silenciamentos e indiferenccedilas aos afrodescendentes e suas heranccedilas eacutetnicas Considerando que os mecanismos de discriminaccedilatildeo e preconceitos eacutetnico-raciais devem ser discutidos na escola desde a mais tenra idade este trabalho buscou pesquisar construir aprofundar e difundir conhecimentos sobre aspectos da histoacuteria e da cultura afro-brasileira na Educaccedilatildeo Infantil O foco de nossa pesquisa foram as crianccedilas entre 4 e 5 anos de uma escola municipal de MageacuteRJ localizada em uma aacuterea rural Partindo da Sociologia da Infacircncia dialogamos com metodologias de ensino e de pesquisa interativas interdisciplinares e tambeacutem com princiacutepios etnograacuteficos Importante ressaltar aqui que a escolha pela faixa etaacuteria ocorreu por percebermos que a crianccedila pequena assim como o negro fazem parte de uma minoria social e que apenas recentemente vecircm tendo seus direitos sociais reconhecidos Ateacute haacute pouco tempo eram ldquoos outrosrdquo aqueles cujas vozes natildeo precisavam ser ouvidas Nossa luta poliacutetica eacute para gerar praacuteticas voltadas para a formaccedilatildeo de uma cultura inclusiva que alcance todos os sujeitos no contexto educacional Buscou-se intervir no cotidiano escolar construindo com os estudantes algumas experiecircncias instituintes Tais experiecircncias concretizadas em oficinas pedagoacutegicas compotildeem um caderno pedagoacutegico voltado para docentes da Educaccedilatildeo Infantil visando contribuir para que novas reflexotildees sobre os sentidos da educaccedilatildeo para a diversidade surjam e se efetive uma educaccedilatildeo inclusiva para todos
Palavras-chave raccedila etnia sociologia da infacircncia inclusatildeo metodologias interativas
XIII
Abstract
The inclusive education and to diversity is a theme that cannot be parsed only from the angle of lack of enrollment in schools Today people with disabilities high skills black white indigenous children youth and adults of all religions are enrolled in schools However not always it means a real inclusion of diversity in the school space Education for ethnic-racial relations in school is a challenge even today present in our daily lives Identify attitudes that strengthen the segregation of black and African culture in all spheres of society along the Brazilian history but in school despite legislation and be a space for inclusion of diversity we still see segregation silences and indifference to African descendants and their ethnic heritage Whereas the mechanisms of discrimination and ethnic and racial prejudices should be discussed in school from an early age this study sought to search build deepen and disseminate knowledge about aspects of Afro-Brazilian history and culture in early childhood education The focus of our research were children between 4 and 5 years of a municipal school of MageacuteRJ located in a rural area From the Sociology of childhood deal with teaching methodologies and interactive interdisciplinary research and ethnographic principles Important to note here that the choice by age group occurred because we realize that the small child as well as black are part of a social minority and who just recently been having their social rights recognized Until recently were the other those whose voices need not be answered Our struggle is to generate practical policy geared to the formation of an inclusive culture that reach all subjects in the school context Sought to intervene in the daily school building with students some experiences institutor significations Such experiences implemented in educational workshops compose a book focused on teaching teachers of early childhood education aiming to contribute to new reflections on the directions of education for diversity arise and if such an inclusive education for all
Keywords race ethnicity sociology of childhood inclusion interactive methodologies
1
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 APRESENTACcedilAtildeO
Quando o homem compreende a sua realidade pode levantar hipoacuteteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluccedilotildees Assim pode transformaacute-la e o seu trabalho pode criar um mundo proacuteprio seu Eu e as suas circunstacircncias (FREIRE 1983 p 30)
Esta pesquisa eacute fruto de um trabalho de reflexatildeo accedilatildeo ao longo de uma trajetoacuteria
acadecircmica e profissional inquieta e questionadora acerca dos acontecimentos do cotidiano
escolar Sou professora da Educaccedilatildeo Baacutesica (Ensino Fundamental I) no Municiacutepio de Mageacute
haacute 3 anos e meio Desde a entrada no Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e
Inclusatildeo (CMPDI) venho ocupando a funccedilatildeo de Implementadora de Leitura1 Em maio de
2015 tomei conhecimento de uma escola Rural onde havia grandes possibilidades para a
realizaccedilatildeo da pesquisa de mestrado Ateacute entatildeo na escola onde eu estava natildeo havia turmas
com os anos iniciais do Ensino Fundamental tatildeo pouco de Educaccedilatildeo Infantil
Neste mesmo periacuteodo surge a parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF)
por meio do projeto de extensatildeo ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos
iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo registrado no Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo
de Projetos (SIGProj) sob o nuacutemero 1974399372842612022015
Logo as accedilotildees na escola receberam apoio da Proacute-reitora de Extensatildeo (Proex) no que
se refere a uma bolsa que contemplou uma estudante de graduaccedilatildeo da Pedagogia Aleacutem
dessa parceria contamos tambeacutem com o apoio da Secretaria de Educaccedilatildeo de Mageacute
instituiccedilatildeo governamental municipal que nos possibilitou a realizaccedilatildeo da pesquisa na
Escola Dinorah dos Santos Bastos
A origem histoacuterica do lugar de onde falo observo e escrevo ou seja o loacutecus da
pesquisa possui memoacuterias ldquonatildeo ditasrdquo sobre as quais tentarei narrar algumas para que o
leitor entenda sua articulaccedilatildeo com a temaacutetica da pesquisa
O Municiacutepio de Mageacute localizado na Regiatildeo Metropolitana do Rio de Janeiro eacute um
dos mais antigos do estado Ele tem muito o que revelar tendo em vista seus 451 anos de
1 Aqui na Rede esse profissional eacute um professor itinerante que trabalha com os anos iniciais do Ensino Fundamental Seu enfoque estaacute no trabalho de incentivo agrave leitura
2
existecircncia e sua consideraacutevel densidade demograacutefica de aproximadamente 233634
habitantes segundo dados do IBGE (2014) O Municiacutepio eacute marcado por forte influecircncia das
etnias indiacutegenas e africanas A proacutepria etimologia do nome Mageacute que significa feiticeiro ou
pajeacute2 eacute de origem tupi-guarani
Ao chegar na regiatildeo rural onde aconteceria a pesquisa me deparei com um lugar
repleto de histoacuterias que dialogavam a todo tempo com minha temaacutetica entre elas a
existecircncia de uma fazenda centenaacuteria que ateacute haacute uns poucos anos possuiacutea resquiacutecios de
uma senzala Havia tambeacutem a presenccedila de engenhos de mandioca onde ainda hoje se
produz farinha artesanal e igrejas com mais de 300 anos de existecircncia Tudo me trazia agrave
memoacuteria os trabalhadores da terra os homens escravizados as geraccedilotildees fragilizadas
Impossiacutevel foi natildeo rememorar algumas leituras e escritos meus sobre aquele municiacutepio
que sempre me despertou curiosidade
Mageacute foi ganhando evidecircncia a priori graccedilas agraves suas riquezas naturais e agravequeles que ajudaram a cultivar a terra neste periacuteodo colonial os negros escravizados No entanto na terra dos heroacuteis e tradiccedilotildees3 os negros escravizados natildeo recebiam status de heroacuteis sequer satildeo mencionados hoje na histoacuteria do tempo presente como aqueles que contribuiacuteram para construccedilatildeo de igrejas da primeira linha feacuterrea do Brasil e para o abastecimento econocircmico da Capital a partir do cultivo do solo Para eles sempre sobrou a histoacuteria uacutenica que comumente o rotulava de indolentes preguiccedilosos e sem qualquer valor moral (PEREIRA 2016 p 16)
Conceiccedilatildeo de Suruiacute regiatildeo rural onde estaacute situada a Escola Municipal Dinorah dos
Santos Bastos localiza-se no 4deg distrito de Mageacute chamado Suruiacute Este lugar possui muitas
memoacuterias no que tange a escravidatildeo de negros nas lavouras locais Evidenciar as memoacuterias
e as contribuiccedilotildees de heroacuteis a contrapelo4 me aponta caminhos para uma educaccedilatildeo outra
onde os diferentes sujeitos sejam reconhecidos como outros legiacutetimos outros (MATURANA
VARELA 1995) Ao longo deste trabalho a expressatildeo mencionada seraacute uma constante
tendo em vista a forccedila que ela representa em minha trajetoacuteria
2 Ver etimologia dos nomes afro-indiacutegenas no seguinte trabalho httpwwwpgletrascombr2014 dissertacoes diss-Sivaldo-Correia-da-Silvapdf 3 Trecho do hino do Municiacutepio de Mageacute Link httpswwwletrasmusbrhinos-de-cidades941163 4 Expressatildeo do filoacutesofo alematildeo Walter Benjamin Em seus escritos o autor fala sobre a histoacuteria a contrapelo (LOumlWY 2011) Ou seja a histoacuteria contada sob o ponto de vista dos vencidos Nesse contexto nossos heroacuteis a contrapelo satildeo todos que a histoacuteria oficial natildeo evidencia
3
Os bioacutelogos Humberto Maturana e Francisco Varela expoentes desta expressatildeo
constroem redes de conhecimentos para pensar o ser humano de forma global
integradora e relacional rompendo com os determinismos bioloacutegicos da ciecircncia
tradicional Para eles a construccedilatildeo do conhecimento se daacute porque o ser vivo possui a
capacidade de se auto organizar autogerir e isso acontece quando na relaccedilatildeo com o outro
no social
Rossetto (2010) ao refletir sobre as contribuiccedilotildees de Maturana na educaccedilatildeo afirma
que haacute uma forte defesa da cultura da diversidade pois eacute afirmado que natildeo existem
pessoas iguais ao romper com a geneacutetica como algo predeterminado Por esse motivo os
estudos de Humberto Maturana e Francisco Varela5 satildeo muito recorrentes no campo
educacional jaacute que a formaccedilatildeo do outro como totalmente outro constitui-se como objetivo
da educaccedilatildeo ou ao menos deveria ser
Desse modo tenho me apropriado dessa rica referecircncia ao longo da escrita
entendendo que suas leituras podem ampliar meu olhar para melhor conversar e conhecer
o outro na sua diversidade
A esse ato de ampliar nosso domiacutenio cognitivo reflexivo que sempre implica uma experiecircncia nova soacute podemos chegar pelo raciociacutenio motivado pelo encontro com o outro pela possibilidade de olhar o outro como um igual num ato que habitualmente chamamos de amor ndash ou se natildeo quisermos usar uma palavra tatildeo forte a aceitaccedilatildeo do outro ao nosso lado na convivecircncia (MATURANA VARELA 1995 p 263)
E estimulada a ver o outro como legiacutetimo outro eacute que inicio o trabalho em 2015 com
estudantes da Educaccedilatildeo Infantil contemplando e tambeacutem sendo contemplados com as
duas turmas de Preacute-escolar (I e II) que havia na escola
A opccedilatildeo pela primeira etapa de escolarizaccedilatildeo ocorreu por entender que as relaccedilotildees
raciais desiguais e segregadoras se constroem desde a mais tenra idade Foi notado
tambeacutem que haacute uma certa carecircncia de produccedilotildees acadecircmicas que privilegiem as categorias
raccedila e infacircncia Silva e Souza (2013) em pesquisa realizada de 2003 a 2011 chegam agrave
seguinte conclusatildeo
5 Pois juntos inauguram a Teoria Epistecircmica que discorreremos mais a frente
4
Com relaccedilatildeo ao objeto especiacutefico que buscamos escritos sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais em Educaccedilatildeo Infantil foram localizados publicados a partir de 2003 somente 4 artigos 1 livro 5 capiacutetulos de livro uma tese e 14 dissertaccedilotildees Escalonando as publicaccedilotildees pelos anos de 2003 a 2011 observa-se uma tendecircncia a ligeiro aumento no decorrer dos anos Os 4 artigos localizados foram publicados 2 em 2006 e 2 em 2010 A uacutenica tese identificada foi publicada em 2007 e gerou outras publicaccedilotildees nos anos posteriores 1 capiacutetulo de livro em 2008 e 1 artigo em 2010 As dissertaccedilotildees foram o uacutenico formato permanentemente presente que teve maior concentraccedilatildeo em 2007 e 2008 (trecircs publicaccedilotildees em cada ano) Ou seja aleacutem de uma publicaccedilatildeo de pequena monta a concentraccedilatildeo estaacute na realizaccedilatildeo de trabalhos de pesquisadores em formaccedilatildeo (p 37)
Para aleacutem dessas questotildees venho percebendo que nossa formaccedilatildeo desde muito
cedo tem sido perpassada por paradigmas que nos impotildeem narrativas hegemocircnicas de
identidade (SILVA 2007) levando-nos a acreditar em histoacuterias uacutenicas em processos e
praacuteticas singulares que acabam por segregar e excluir os sujeitos da diferenccedila que
necessitam de um olhar natildeo homogeneizante O enfoque na Educaccedilatildeo Infantil aleacutem dos
motivos apresentados deveu-se ao fato por tratar de importante fase para se pensar e
praticar uma educaccedilatildeo para a Diversidade e Inclusatildeo
Desse modo o ensino da diversidade eacutetnico-racial passou a ser um desafio tendo em
vista que um dos seus objetivos eacute o de romper com os paradigmas da escola moderna
centrados no ensino monocultural reducionista e etnocecircntrico Haacute algum tempo meus
caminhos de formaccedilatildeo tecircm me levado a questionar os sentidos da escola da qual somos
oriundos Fruto da razatildeo iluminista instrumental as escolas brasileiras se construiacuteram
sobre as bases de uma loacutegica cartesiana que pouco espaccedilo tem cedido para a diversidade
de sujeitos e saberes Como docente-pesquisadora6 da escola baacutesica haacute um pouco mais de
7 anos venho refletindo sobre a importacircncia de uma educaccedilatildeo multicultural que privilegie
as experiecircncias dos praticantes do cotidiano escolar
Entendendo a experiecircncia como algo que nos passa (LARROSA 2002 p 21) posso
afirmar que o que me orienta para outros caminhos de reflexatildeo-accedilatildeo onde a inclusatildeo da
diversidade eacute uma constante tem forte ligaccedilatildeo com os diferentes espaccedilos tempos dos
quais experienciei durante a vida
6 Importante salientar que minha trajetoacuteria como professora-pesquisadora se iniciou no ano de 2008 quando entrei em um projeto de iniciaccedilatildeo agrave docecircncia permanecendo por 4 anos Quando formada apoacutes um ano ingressei no Municiacutepio de Mageacute como professora dos anos iniciais estando ateacute os dias atuais
5
Vale ressaltar que para Larrosa (2002) a experiecircncia eacute um acontecimento que nos
atravessa e nos transforma O autor fundamenta-se em Walter Benjamin para afirmar que
nunca se passaram tantas coisas mas a experiecircncia eacute cada vez mais rara (p 20) e tem
relaccedilatildeo direta com o excesso de informaccedilatildeo Ao considerar que a experiecircncia eacute algo que
me atravessa devo supor que ela eacute externa a mim e eu sou o lugar da experiecircncia Para
que ela afete minhas palavras minhas ideias e meus projetos eacute necessaacuterio um movimento
reflexivo e o excesso de informaccedilatildeo pode limitar a ocorrecircncia dessa experiecircncia
Desse modo ao discorrer sobre as dimensotildees da experiecircncia Jorge Larrosa se
apropria de trecircs princiacutepios reflexividade subjetividade e transformaccedilatildeo Todos eles vatildeo
implicar em um processo de alteridade onde o sujeito deve se reconhecer natildeo enquanto
o sujeito do saber ou do poder ou do querer senatildeo o sujeito da formaccedilatildeo e da
transformaccedilatildeo (LARROSA 2011 p 7)
Com isso compartilho as diferentes experiecircncias que me afetaram e que vecircm me
transformando Posso atribuir tal transformaccedilatildeo aos diferentes percursos experienciados
ao longo da vida
Nilda Alves (2004) aborda a necessidade de superaccedilatildeo da ideia de que a formaccedilatildeo
docente se daacute em percursos individuais A autora evidencia que as redes que nos formam
estatildeo interligadas ao espaccedilo acadecircmico agraves experiecircncias das pesquisas em educaccedilatildeo da
praacutetica pedagoacutegica da accedilatildeo governamental e tambeacutem da praacutetica coletiva poliacutetica (ALVES
2004 p 20)
Acrescento que minhas escolhas ideoloacutegicas e assim os caminhos de formaccedilatildeo pelos
quais me enveredei tecircm muito a ver tambeacutem com as memoacuterias de uma infacircncia permeada
por questionamentos diversos sobretudo acerca das heranccedilas raciais que marcam minha
existecircncia A seguir um trecho de algumas dessas memoacuterias de infacircncia
Lembrei-me que na infacircncia por algum tempo neguei os traccedilos fiacutesicos que herdaraacute do meu pai homem negro Lembro-me de ser chamada de nariz de batatinha Isso me incomodava pois natildeo tinha um nariz ldquoafiladordquo como dizia minha avoacute materna (mulher negra) Outro incocircmodo constante era o meu cabelo muito cheio e com cachos que se embaraccedilavam com facilidade Certa vez ouvi dizer que o desprezo da cor eacute o mesmo que o do corpo Concordei pois sem ter consciecircncia desprezava minha histoacuteria minhas raiacutezes desprezava que por debaixo dos caracoacuteis daqueles cabelos tinha uma histoacuteria para contar parafraseando o cantor Histoacuteria de carinho e dedicaccedilatildeo de quando minha matildee e minha tia perdiam horas moldando meus cachinhos
6
exaltando a beleza de um cabelo afro Talvez o desprezo sem querer da figura do meu pai de quem sempre tive muito orgulho Este por sua vez foi um dos que me serviu de inspiraccedilatildeo Em sua histoacuteria de vida natildeo satildeo poucas as narrativas envolvendo violecircncias simboacutelicas constantes e crueacuteis Lembro-me de quando ele teve a oportunidade de comprar seu primeiro carro 0Km Saiu da concessionaacuteria com o carro sem placa e foi abordado em nossa cidade por policiais que ao fazerem a identificaccedilatildeo com os documentos soltaram o seguinte discurso constrangido ldquoA cor do carro eacute muito chamativardquo Cresci ouvindo essa histoacuteria de descaso desrespeito a dignidade de um trabalhador que queria apenas natildeo ter a sua dignidade roubada por desconfianccedilas e assim ser reconhecido como outro legiacutetimo outro Agora quase quinze anos depois percebo com maior clareza o que estaacute por traacutes daquele discurso preconceituoso Na verdade o que chamava atenccedilatildeo natildeo era a cor vermelha do Gol mas a cor do homem que o dirigia Outra figura importante que me inspirou foi meu irmatildeo Ele chegou durante a minha primeira infacircncia Com os olhos de jabuticaba e talvez com a mesma cor de pele Desde muito cedo eu tive que conviver com questionamentos na escola do gecircnero -ldquoEle eacute adotadordquo Aos 6 anos de idade na minha inocecircncia eu respondia conforme minha matildee mandava - ldquoEle eacute diferente porque puxou o meu pai Eu puxei a cor da minha matildeerdquo (PEREIRA PEREIRA 2016 p 8)
Fica expliacutecito que os caminhos pelos quais tenho percorrido possuem estreita relaccedilatildeo
com uma infacircncia perpassada por histoacuterias uacutenicas ndash reforccediladas pela educaccedilatildeo escolar ndash
onde as bonecas e as personagens das histoacuterias jamais tinham cabelos cacheados e ldquonariz
de batatinhardquo como os meus para que eu pudesse me sentir representada e satisfeita
comigo mesma Hoje como professora percebo o quatildeo perigosas podem se tornar tais
histoacuterias quando observamos a construccedilatildeo da identidade de uma crianccedila Me incomoda
saber que tais enredos satildeo reforccedilados diariamente no cotidiano de nossas escolas sob
outras imagens mas que geralmente possuem o intuito de legitimar padrotildees hegemocircnicos
e reforccedilar maneiras uacutenicas de ser e estar no mundo
Compreendido isto minha atuaccedilatildeo profissional tem sido um constante
questionamento natildeo soacute sobre o caraacuteter monocultural e reducionista que permeiam o
curriacuteculo escolar bem como sobre as poliacuteticas e praacuteticas que hoje tecircm tensionado o debate
acerca da inclusatildeo da diversidade eacutetnico-racial nos estabelecimentos oficiais de ensino No
ano de 2013 ao ingressar no curso de especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias
Sociais na Universidade Federal Fluminense aprofundei minhas redes de conhecimento
sobre a relevacircncia de uma educaccedilatildeo a contrapelo onde as histoacuterias de vida e as teorias
cientiacuteficas se entrelaccedilam formando redes colaborativas Ao cursar a disciplina Raccedila
7
curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica fui surpreendida com a existecircncia de um dispositivo legal7
que torna obrigatoacuterio o Ensino da Histoacuteria da Aacutefrica e da Cultura Afro-brasileira nas
instituiccedilotildees escolares A surpresa era porque sendo professora e formada haacute poucos mais
de dois anos a questatildeo nunca me alcanccedilou quando docente em formaccedilatildeo inicial Mesmo
sabendo que os conteuacutedos ligados agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira eram atribuiccedilotildees
especialmente das aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria natildeo me sentia
isenta de apresentar para os meus estudantes dos anos iniciais as memoacuterias e
contribuiccedilotildees culturais da populaccedilatildeo negra para a construccedilatildeo da sociedade brasileira
Refleti sobre minha trajetoacuteria na academia iniciada em 2007 me certificando de que
nenhuma das disciplinas oferecidas se aproximaram da discussatildeo racial Em 2011 quando
concluiacute a formaccedilatildeo em Pedagogia na UFF o curso passara por uma reformulaccedilatildeo curricular
no qual a disciplina Relaccedilotildees eacutetnico-raciais na escola foi incluiacuteda por forccedila da lei federal
1063903 com 60h de carga horaacuteria
Natildeo obstante ao retomar meus estudos na poacutes-graduaccedilatildeo tive como desafio
compreender o porquecirc noacutes professores principalmente dos anos iniciais da Educaccedilatildeo
Baacutesica natildeo estaacutevamos sendo alcanccedilados com as orientaccedilotildees de um dispositivo que tem
como objetivo banir a perpetuaccedilatildeo das desigualdades eacutetnico-raciais A partir de entatildeo
comecei a entrelaccedilar os fios que mais tarde se tornariam objeto de pesquisa8 na
especializaccedilatildeo e posteriormente no mestrado
Ao ingressar no Mestrado Profissional9 em Diversidade e Inclusatildeo vi a possibilidade
de ampliar minhas reflexotildees acerca dos processos teacutecnicas e teorias cientiacuteficas que fossem
mais includentes da vida na sua diversidade Assim ao me inserir na linha de pesquisa
Interdisciplinaridade e Questotildees de Ensino propus a realizaccedilatildeo de um estudo que
atendesse agraves minhas demandas de praticante reflexiva do cotidiano Tambeacutem objetivei a
partir da minha experiecircncia apontar caminhos para a complexa tarefa que eacute a formaccedilatildeo
docente sobretudo quando se trata de incluir a diversidade
7 A lei federal 1063903 foi promulgada no governo do presidente Luiz Inaacutecio Lula da Silva e representa um dispositivo que marca a luta antirracista nos espaccedilos formais de ensino Ver Brasil (2003) 8 O trabalho final de conclusatildeo de curso foi intitulado por ldquoConversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeosrdquo Orientado pela professora Nivea Maria da Silva Andrade 9 Segundo o Capes o Mestrado Profissional (MP) eacute uma modalidade de Poacutes-Graduaccedilatildeo stricto sensu voltada para a capacitaccedilatildeo de profissionais nas diversas aacutereas do conhecimento mediante o estudo de teacutecnicas processos ou temaacuteticas que atendam a alguma demanda do mercado de trabalho
8
Acreditando que esta pesquisa se deu em via de matildeo dupla pois ao passo que
ensinei sempre aprendi mais apresento como produto final desta pesquisa as oficinas
desenvolvidas com os meus alunos sobre a temaacutetica eacutetnico-racial Tais oficinas compotildeem
um caderno pedagoacutegico que seraacute disponibilizando gratuitamente online visando
contribuir com os docentes na construccedilatildeo de um repertoacuterio mais amplo de atividades a
serem desenvolvidas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil sobre a temaacutetica
Para situar o leitor apresento os caminhos percorridos para a elaboraccedilatildeo deste
trabalho No primeiro momento discorro sobre a necessaacuteria reflexatildeo acerca da educaccedilatildeo
inclusiva bem como a diversidade de sujeitos praacuteticas e culturas que esta educaccedilatildeo
contempla Seguido dessas anaacutelises elaboro reflexotildees sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais a lei que o institui e os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros como saberes
instituintes na Educaccedilatildeo Infantil para a superaccedilatildeo do saber universal que secundariza e ateacute
mesmo silencia a produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra (GONCcedilALVES 1987) Apoacutes essas
discussotildees apresento os atores da pesquisa o lugar de onde falo e as parcerias
estabelecidas Essa primeira parte eacute finalizada com a construccedilatildeo de redes reflexivas em
torno da dimensatildeo eacutetnico-racial e da infacircncia
No segundo momento apresento os objetivos geral e os especiacuteficos deste trabalho
O objetivo geral eacute abordar as questotildees eacutetnico-raciais a partir de metodologias interativas
com enfoque na sociologia da infacircncia em uma escola rural do municiacutepio de Mageacute
Enquanto que os objetivos especiacuteficos representam as metas delimitadas para a
concretizaccedilatildeo do objetivo geral
No terceiro momento trago a metodologia da pesquisa explicitando como ocorreu
o levantamento de dados e as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas Enquanto o quarto
momento eacute dedicado aos resultados Busco analisar e discutir as oficinas que satildeo a base
para a elaboraccedilatildeo do Caderno Pedagoacutegico para os professores da Educaccedilatildeo Infantil
Concluo com o quinto momento ao retomar os objetivos especiacuteficos demonstrando suas
contribuiccedilotildees para o desfecho do objetivo geral
Portanto convido o leitor a percorrer os caminhos da pesquisa ldquoA dimensatildeo eacutetnico-
racial a partir do olhar da crianccedila a inclusatildeo da diversidade por meio de experiecircncias
instituintesrdquo
9
12 Eacute PRECISO FALAR SOBRE DIVERSIDADE E INCLUSAtildeO
Haacute quem possa pensar que o conceito de inclusatildeo escolar estaacute estritamente
relacionado agrave questatildeo das deficiecircncias (cognitivas visuais auditivas e outras) Ao iniciar o
mestrado natildeo me surpreendeu questionamentos de algumas pessoas acerca da minha
temaacutetica e consequentemente minha inserccedilatildeo naquele espaccedilo acadecircmico10 Natildeo obstante
em meio a questionamentos e provocaccedilotildees percebi que era urgente uma reflexatildeo mais
aprofundada sobre a diversidade e a inclusatildeo
Igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia na escola eacute o que prevecirc um dos
princiacutepios da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) lei federal nordm 93949611 Contudo essa
importante previsatildeo natildeo tem sido percebida no contexto da educaccedilatildeo brasileira em virtude
das desigualdades de oportunidade para os grupos minoritaacuterios Haacute quem pergunte que
grupos satildeo esses Penso que satildeo todos aqueles que estatildeo em desvantagens sociais e
econocircmicas tais como mulheres crianccedilas grupos eacutetnico-raciais pessoas com deficiecircncia
e altas habilidades populaccedilatildeo pobre e do campo Esses e outros grupos chamo de minoria
que compotildee a diversidade brasileira
Cabe ressaltar que a categoria minoria pode causar confusatildeo quando referida a
grupos de mulheres negros indiacutegenas crianccedilas populaccedilatildeo pobre jaacute que estes
representam a maioria Importante esclarecer que no discurso hegemocircnico minoria daacute a
ideia de grupo inferior No entanto esse conceito na Contemporaneidade vem romper com
as questotildees quantitativas dando vez agraves demandas das singularidades dos grupos culturais
Segundo o antropoacutelogo indiano Arjun Appadurai (2009) as minorias lembram agraves maiorias
que elas natildeo satildeo plenas e totais
Dessa maneira eacute preciso reconhecer que os grupos citados possuem direitos para
aleacutem daqueles que jaacute satildeo garantidos agravequeles que sempre tiveram condiccedilotildees favoraacuteveis de
acesso e de permanecircncia escolar Entendo que a educaccedilatildeo inclusiva deve buscar dar mais
condiccedilotildees de acesso e permanecircncia para aqueles que menos tecircm e isso implica em pensar
natildeo soacute nos sujeitos mas nas praacuteticas que tecircm norteado o cotidiano escolar
10 O Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo estaacute situado no Instituto de Biologia da UFF 11 Este eacute o primeiro princiacutepio do tiacutetulo II que trata da Educaccedilatildeo Nacional Os doze incisos compreendidos nesse tiacutetulo dizem como o ensino deve ser regido Conforme Brasil (1996)
10
Santos (2014) nos provoca a pensar na educaccedilatildeo inclusiva enquanto um processo
para todos e natildeo como propriedade de determinados grupos Quando esse processo natildeo
alcanccedila a todos haacute a exclusatildeo e acabamos reforccedilando a ideia de que a inclusatildeo eacute apenas
para alguns e natildeo para todos Para banir o processo de exclusatildeo eacute preciso fazer um
movimento a contrapelo um movimento de inclusatildeo de todos por inteiro onde haja a
aceitaccedilatildeo de uns aos lados dos outros enquanto legiacutetimos outros
A ideia de inclusatildeo como afirma a autora natildeo pode ser focada em determinados
grupos eacute preciso adotar uma perspectiva de anaacutelise Omnileacutetica12 Tal neologismo
compreende aspectos morfoloacutegicos e categoriais que desde a sua criaccedilatildeo tem exigido
inuacutemeras reflexotildees coletivas por parte dos integrantes do grupo de pesquisa13 do qual a
mesma eacute coordenadora Em suma a Omnileacutetica vai se afirmar como tudo em relaccedilatildeo ndash
entendendo tambeacutem a diversidade onde o olhar para a totalidade eacute uma constante Satildeo
trecircs as categorias que embasam o conceito tridimensionalidade dialeacutetica e pensamento
complexo (SANTOS 2015 p 54) Buscamos neste momento apresentar alguns princiacutepios
do instrumento de anaacutelise que tem favorecido o desenvolvimento da omnileacutetica o Index
para Inclusatildeo (BOOTH AISCOW 2011) Trata-se de um material que permite pensar a
educaccedilatildeo inclusiva a partir de praacuteticas poliacuteticas e culturas que contemplam a vida humana
Essas trecircs dimensotildees satildeo apropriadas por noacutes no transcorrer deste trabalho Percebemos
que as ideias dialogam com o que identificamos como uma educaccedilatildeo instituinte onde a
inclusatildeo da vida na diversidade eacute um valor
No que se refere agrave dimensatildeo das culturas inclusivas podemos ler que
() refere-se agrave criaccedilatildeo de comunidades seguras acolhedoras colaborativas estimulantes em que todos satildeo valorizados Os valores inclusivos compartilhados satildeo desenvolvidos e transmitidos a todos os professores agraves crianccedilas e suas famiacutelias gestores comunidades circunvizinhas e todos os outros que trabalham na escola e com ela Os valores inclusivos de cultura orientam decisotildees sobre poliacuteticas e a praacutetica a cada momento de modo que o desenvolvimento eacute coerente e contiacutenuo A incorporaccedilatildeo de mudanccedila dentro das culturas da escola assegura que
12Omni eacute um prefixo latino que representa tudo Leto eacute um radical grego que no substantivo refere-se a variedade e como verbo eacute tudo aquilo que estaacute oculto O sufixo ico eacute de origem grega e daacute sentido de relaccedilatildeo participaccedilatildeo O conceito pode ser encontrado no texto Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura omnileacutetica disponiacutevel em httpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdf 13LAPEADE - Laboratoacuterio de Pesquisa Estudos e Apoio agrave Participaccedilatildeo e agrave Diversidade em Educaccedilatildeo Para mais informaccedilotildees consultar httpwwwlapeadecombr
11
ela esteja integrada nas identidades de adultos e crianccedilas e seja transmitida aos que estatildeo chegando agrave escola (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
A dimensatildeo que aborda as poliacuteticas inclusivas visa garantir
()que a inclusatildeo permeie todos os planos da escola e envolva a todos As poliacuteticas encorajam a participaccedilatildeo das crianccedilas e professores desde quando estes chegam agrave escola Elas encorajam a escola a atingir todas as crianccedilas na localidade e minimiza as pressotildees exclusionaacuterias As poliacuteticas de suporte envolvem todas as atividades que aumentam a capacidade da ambientaccedilatildeo de responder agrave diversidade dos envolvidos nela de forma a valorizar a todos igualmente Todas as formas de suporte estatildeo ligadas numa uacutenica estrutura que pretende garantir a participaccedilatildeo de todos e o desenvolvimento da escola como um todo (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Com relaccedilatildeo a dimensatildeo das praacuteticas inclusivas estas relacionam-se com o pensar
sobre o que se ensina e se aprende e o como se ensina e se aprende visando a reflexatildeo e a
praacutetica de valores e poliacuteticas inclusivos
() As implicaccedilotildees de valores inclusivos para estruturar o conteuacutedo de atividades de aprendizagem satildeo trabalhadas na seccedilatildeo lsquoConstruindo curriacuteculos para todosrsquo Esta liga a aprendizagem agrave experiecircncia local e globalmente bem como a Direitos e incorpora assuntos de sustentabilidade A aprendizagem eacute orquestrada de modo que o ensino e as atividades de aprendizagem se tornam responsivos agrave diversidade de jovens na escola As crianccedilas satildeo encorajadas a ser ativas reflexivas aprendizes criacuteticas e satildeo vistas como um recurso para a aprendizagem umas das outras Os adultos trabalham juntos de modo que todos assumem responsabilidade pela aprendizagem de todas as crianccedilas (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Desse modo fica reforccedilado que a diversidade e a inclusatildeo estatildeo para aleacutem de acolher
os sujeitos com deficiecircncia ou com altas habilidades visto que tambeacutem trabalham com as
diferenccedilas culturais como os modos de estabelecer valores e construir praacuteticas onde
todos sem exceccedilatildeo sejam alcanccedilados Por entender a urgente necessidade de se trabalhar
a diversidade e a inclusatildeo na escola nos baseamos nos movimentos de direitos humanos
destacando o que estaacute inscrito na Declaraccedilatildeo de Salamanca
O princiacutepio que orienta esta Estrutura eacute o de que escolas deveriam acomodar todas as crianccedilas independentemente de suas condiccedilotildees
12
fiacutesicas intelectuais sociais emocionais linguumliacutesticas ou outras Aquelas deveriam incluir crianccedilas deficientes e super-dotadas crianccedilas de rua e que trabalham crianccedilas de origem remota ou de populaccedilatildeo nocircmade crianccedilas pertencentes a minorias linguumliacutesticas eacutetnicas ou culturais e crianccedilas de outros grupos desavantajados ou marginalizados (UNESCO 1994 p 3)
Partindo do entendimento de que a inclusatildeo escolar refere-se mais agrave reinvenccedilatildeo do
modo de pensar e de fazer a educaccedilatildeo do que propriamente acolher determinados grupos
eacute que foram emergindo algumas memoacuterias instituintes da minha trajetoacuteria de formaccedilatildeo do
tempo em que iniciei meu percurso como professora-pesquisadora no grupo de pesquisa
ldquoAs ldquoartes de fazerrdquo educaccedilatildeo em ciclosrdquo14 Este grupo tem baseado o trabalho no diaacutelogo
entre os diferentes sujeitos da escola baacutesica e da universidade considerando que a troca
de conhecimentos possibilita a emergecircncia de experiecircncias instituintes Para aleacutem de
favorecer uma relaccedilatildeo dialoacutegica com o outro os projetos do grupo ldquoAs artes de fazerrdquo
estiveram voltados para a percepccedilatildeo de manifestaccedilotildees poliacutetico-culturais do cotidiano que
possibilitassem a inclusatildeo democraacutetica e participativa de diferentes sujeitos por inteiro na
cultura (DOMINICK 2011 p 151)
Estar sensiacutevel agraves urgecircncias de uma educaccedilatildeo que atenda agraves diversas especificidades
humanassociais tem ligaccedilatildeo direta com meus percursos de formaccedilatildeo Mas tambeacutem tem
muito a ver com as imagens-memoacuterias15de uma infacircncia que deixaram marcas e que hoje
gritam para serem questionadas e reinventadas Tenho aprendido que um caminho
possiacutevel para romper com as histoacuterias uacutenicas satildeo as experiecircncias instituintes defendida por
Ceacutelia Linhares como
()accedilotildees poliacuteticas produzidas historicamente que vatildeo se endereccedilando para uma outra educaccedilatildeo e uma outra cultura marcadas pela construccedilatildeo permanente de uma maior includecircncia da vida uma dignificaccedilatildeo permanente do humano em sua pluralidade eacutetica uma afirmaccedilatildeo intransigente da igualdade humana em suas dimensotildees educacionais e
escolares poliacuteticas econocircmicas sociais e culturais (LINHARES [200] p 8)
14 Em 2007 comecei a cursar Pedagogia na Universidade Federal Fluminense Em 2008 entrei para o grupo de pesquisa ldquoAs lsquoartes de fazerrsquo educaccedilatildeo em ciclos na rede municipal de educaccedilatildeo de Niteroacuteirdquo onde tive minhas primeiras vivecircncias enquanto professora-pesquisadora em formaccedilatildeo 15 Segundo a autora as imagens-memoacuterias satildeo tatuagens psicoculturais impressas em nossa corporeidade Satildeo memoacuterias do esquecimento da repeticcedilatildeo Elas nos conduzem agrave repeticcedilatildeo sem questionamentos fazem parte dos haacutebitos de determinados grupos e natildeo nos perguntamos sobre sua gecircnese ou sobre sua eficaacutecia
13
Para melhor entender esta categoria da qual venho me apropriando vale esclarecer
que o instituinte segundo a autora natildeo pode se confundir com o novo Esta categoria eacute
entendida a partir de um movimento dialeacutetico no sentido da palavra onde passado
presente e futuro devem estar em constantes interaccedilotildees Dessa maneira ao rememorar as
histoacuterias uacutenicas vivenciadas em minha infacircncia e perceber hoje o quanto elas podem ser
perigosas no que tange agrave formaccedilatildeo identitaacuteria dos sujeitos eacute que busco brechas e subverto
o instituiacutedo para incluir em minha praacutetica cotidiana um olhar mais conectado com a vida
em sua diversidade e inclusatildeo
13 A LEI 1063903 UM MARCO HISTOacuteRICO NA LUTA ANTIRRACISTA
Na busca pela superaccedilatildeo do racismo do preconceito e de praacuteticas segregacionistas
os militantes de movimentos sociais e intelectuais negros sempre souberam que a escola
enquanto um aparelho ideoloacutegico sucessivamente reproduziu os interesses das classes
hegemocircnicas Contudo tambeacutem foi percebido que a escola tem sido um espaccedilo de disputa
onde as classes dominantes e subordinadas tecircm buscado atingir seus mais diferentes
objetivos (YOUNG 2007 p 1292) Desse modo conhecimentos outros podem ser
construiacutedos a favor do rompimento das desigualdades raciais e emancipaccedilatildeo dos sujeitos
Aprovada no Congresso e sancionada pelo Governo Federal a Lei 1063903 alterou
a Lei 939496 (LDB) e tornou obrigatoacuterio o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura afro-
brasileira no curriacuteculo escolar do Ensino Fundamental e Meacutedio Hoje essa lei eacute reconhecida
como um marco na luta por uma educaccedilatildeo antirracista no Brasil Eacute importante frisar que
este dispositivo foi uma grande conquista que natildeo nasceu da noite para o dia mas que foi
alcanccedilada por meio de muitos embates
Mas quais as alteraccedilotildees que este dispositivo traz perguntariam alguns professores
A referida lei altera a LDB com o acreacutescimo dos artigos 26-A e 79-B tornando obrigatoacuterio
o ensino da histoacuteria e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de Ensino Fundamental
e Meacutedio Aleacutem de garantir que esses conteuacutedos sejam ministrados no acircmbito de todo o
curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria
Brasileiras Tambeacutem inclui no calendaacuterio escolar o dia 20 de novembro (Art 79-B) como
ldquoDia Nacional da Consciecircncia Negrardquo por meio da figura de Zumbi dos Palmares
14
Segundo Paula (2010) houve muitas resistecircncias para a implementaccedilatildeo da lei
mesmo sendo um instrumento que apresenta uma obrigatoriedade Buscando sua
efetividade um ano apoacutes a sua implementaccedilatildeo foram instituiacutedas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura
Afro-Brasileira e Africana (DCN ERER) por meio da Resoluccedilatildeo nordm 1 de 17 de junho de 2004
Como parte de uma poliacutetica de accedilotildees afirmativas tais dispositivos buscaram uma
educaccedilatildeo que reparasse os direitos que foram negados agrave populaccedilatildeo negra do Brasil ao
longo da histoacuteria Podemos afirmar que se trata de uma exigecircncia legal eacutetica e moral que
as instituiccedilotildees de ensino devem cumprir Para Paula (2010) o debate da lei e os dispositivos
que a complementam fazem parte de accedilotildees poliacutetico-pedagoacutegicas que devem ser
compromisso de todos os atores do cotidiano escolar O autor afirma ainda que as
diretrizes devem ser observadas por todas as instituiccedilotildees de ensino e desmonta a ideia de
que as discussotildees sobre a questatildeo racial se limitam a estudiosos e ao movimento negro
Desse modo as Diretrizes Curriculares Nacionais afirmam
A escola enquanto instituiccedilatildeo social responsaacutevel por assegurar o direito da educaccedilatildeo a todo e qualquer cidadatildeo deveraacute se posicionar politicamente como jaacute vimos contra toda e qualquer forma de discriminaccedilatildeo A luta pela superaccedilatildeo do racismo e da discriminaccedilatildeo racial eacute pois tarefa de todo educador independentemente de seu pertencimento eacutetnico-racial crenccedila religiosa ou posiccedilatildeo poliacutetica (BRASIL 2004 p 16)
Como citado anteriormente a LDB e a lei percursora da luta educacional antirracista
(lei 1063903) sofrem alteraccedilotildees apoacutes cinco anos de existecircncia desta uacuteltima A mudanccedila
ocorrida veio contemplar a questatildeo indiacutegena como parte da educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais A partir deste momento a lei 1164508 torna obrigatoacuterio o estudo da histoacuteria e
cultura afro-brasileira e indiacutegena Paula (2010) explica que
() a questatildeo indiacutegena na legislaccedilatildeo educacional jaacute possuiacutea certa normatizaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dentre as quais Diretrizes Curriculares Nacionais especiacuteficas para a Educaccedilatildeo Indiacutegena Resoluccedilotildees quanto agrave organizaccedilatildeo das escolas indiacutegenas regulamentando uso das liacutenguas nativas etc Faltava inserir a temaacutetica no contexto da luta anti-racista anti-excludente com vistas a uma integraccedilatildeo positiva no processo de construccedilatildeo e formaccedilatildeo da identidade educacional e nacional Tarefa cumprida sob o ponto de vista legal com a alteraccedilatildeo e modificaccedilatildeo da Lei em questatildeo (p 4)
15
Nesse sentido fica claro que essas alteraccedilotildees natildeo invalidam as prerrogativas da lei
anterior A meu ver apenas reforccedilam a importacircncia da sensibilizaccedilatildeo para o conhecimento
da diversidade eacutetnica que temos por heranccedila
14 O ENSINO DAS RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS ALGUMAS REFLEXOtildeES
As aulas da disciplina Raccedila curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica da especializaccedilatildeo me
provocaram a pensar no quanto pode ser desafiador mudar uma perspectiva educacional
pautada em padrotildees hegemocircnicos onde os saberes ditos universais se utilizam dos
mecanismos de poder para discriminar inferiorizar e segregar os sujeitos da diferenccedila
Comeccedilo a refletir sobre os movimentos necessaacuterios para potencializar a educaccedilatildeo
para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais Vale ressaltar que a expressatildeo eacutetnico-racial eacute defendida
pelas DCNs como a ldquonecessidade de marcar o reconhecimento de que as tensotildees existentes
devido agrave cor e aos traccedilos fisionocircmicos estatildeo entrelaccediladas agraves diferenccedilas culturaisrdquo
(ARANTES ANDRADE 2013 p 388)
Estabeleci conversas com diversos autores para melhor entender as consequecircncias
de viver e ser educado sob o domiacutenio de uma sociedade construiacuteda e legitimada com base
em uma soacute cultura uma soacute liacutengua uma soacute religiatildeo Poreacutem eacute sabido que o Brasil nasceu do
encontro com as diferentes etnias e culturas dos povos indiacutegenas europeus e africanos
Estes que no seacuteculo XVI foram reconhecidos como as grandes trecircs raccedilas16 seriam
respectivamente a raccedila amarela branca e negra
Vale ressaltar que classificar a diversidade humana em raccedilas distintas desde sempre
funcionou como uma maneira de operacionalizar o pensamento (MUNANGA 2000 p 18)
Assim no imaginaacuterio coletivo por muito tempo o homem foi classificado a partir da cor
de sua pele O problema natildeo estava na classificaccedilatildeo dos seres humanos em funccedilatildeo de suas
caracteriacutesticas fiacutesicas como afirmou Munanga (2000) Mas na divisatildeo desses indiviacuteduos a
partir da escala de valores emergindo grupos hieraacuterquicos segundo a cor de pele e
caracteriacutesticas fenotiacutepicas fazendo relaccedilatildeo com os traccedilos morais psicoloacutegicos do sujeito
16 Para o historiador francecircs Ernest Renan (1823-92) existiriam trecircs grandes raccedilas especificas em sua origem e desenvolvimento
16
O resultado disso eacute o sujeito da ldquoraccedila brancardquo enquanto portador de valores
divinizados inteligentes e criativos Enquanto o sujeito da ldquoraccedila negrardquo foi estereotipado
em seus traccedilos fiacutesicos escolhas religiosas estando fadado a ser expressatildeo de todo mal que
pudesse existir Segundo Ernest Renan os grupos negros ldquoseriam povos inferiores natildeo por
serem incivilizados mas por serem incivilizaacuteveis natildeo perfectiacuteveis e natildeo suscetiacuteveis ao
progressordquo (RENAN 1961 apud SCHWARCZ 1993 p 62)
Tal ideia se propagou ideologicamente instituindo o que conhecemos como racismo
Segundo Arantes e Andrade (2013) o cientificismo do seacuteculo XIX construiu teorias
racistas que relacionavam caracteriacutesticas fiacutesicas a comportamentais Para muitos autores
a misturas das raccedilas ou seja a mesticcedilagem comprometia o progresso nacional pois era
considerada como fenocircmeno degenerativo sendo o mesticcedilo depositaacuterio de defeitos
bioloacutegicos e morais (ARANTES ANDRADE 2013 p385)
Esse movimento segregador tomou diferentes facetas ao longo do tempo passando
pelo campo da ciecircncia bioloacutegica ao campo da sociologia Para contextualizar
historicamente essa ideia cabe ressaltar que no iniacutecio da Modernidade foi criado um
discurso racional que justificou e naturalizou as segregaccedilotildees e exclusotildees
O sangue do negro e do indiacutegena eram considerados impuros em demasia para se
misturarem agrave sacralidade do sangue azul europeu E as medidas tomadas para sanar o
problema da mesticcedilagem foram embranquecer a populaccedilatildeo Comeccedila-se entatildeo a financiar
a entrada de imigrantes europeus tais como alematildees italianos espanhoacuteis para compor a
sociedade brasileira e assim contribuir com a construccedilatildeo de uma sociedade com mais
ldquosangue bomrdquo Dado esse passo os negros iam perdendo cada vez mais as possibilidades
de serem vistos como cidadatildeos de direito pois estavam sendo ofuscados pela presenccedila dos
brancos de pele alva
Essa realidade comeccedila a mudar apoacutes a Primeira Guerra Mundial com as criacuteticas agraves
teorias de racismo cientiacutefico tatildeo fortes na Europa No Brasil houve tentativas de construir
uma identidade nacional valorizando a sua diversidade Nesse periacuteodo o mesticcedilamento jaacute
natildeo era visto como um problema mas como estrateacutegia para superaccedilatildeo do racismo
A miscigenaccedilatildeo portanto soacute poderia ser fruto da consolidaccedilatildeo de trecircs raccedilas
europeia negra e indiacutegena que consequentemente viveriam paciacutefica e harmoniosamente
bem Como um dos principais expoentes desta teoria Gilberto Freire escritor e cientista
social pernambucano escreve no iniacutecio de 1930 Casa Grande e Senzala Este livro ficou
17
consagrado na histoacuteria por inaugurar o que conhecemos por ldquomito da democracia racialrdquo
Esse pensamento reconheceu a presenccedila negra enquanto formadora da sociedade
brasileira fortalecendo a ideia de que todos os sujeitos independentemente da cor
viveriam harmoniosamente bem Desse modo a mistura de raccedilas e culturas (a
mesticcedilagem) era uma ideia plausiacutevel
O mesticcedilamento construiu uma ideia idiacutelica afirmando que a mistura das raccedilas
geraria uma democracia racial quando na verdade funcionou como uma barreira para o
entendimento da cultura e identidade negras impedindo o nascimento de uma consciecircncia
poliacutetica que firmassem os negros e mesticcedilos enquanto legiacutetimos outros
Acreditar no mito eacute esquecerdesconhecer que se o negro natildeo atinge os mesmos
patamares que o branco natildeo foi por falta de competecircncia intelectual mas porque ele se
encontra historicamente em grandes desvantagens Acreditar no mito eacute defender que natildeo
haacute racismo no cotidiano escolar quando na verdade o discurso de tratamento igualitaacuterio a
todos os estudantes demonstra uma maneira sutil de manifestar a discriminaccedilatildeo racial na
escola
Por isso eacute preciso reconhecer sobretudo os docentes
() as pedagogias de combate ao racismo e as discriminaccedilotildees elaboradas com o objetivo de educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais positivas que tem por objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciecircncia negra (BRASIL 2004 p 16)
E foi buscando o rompimento com praacuteticas educativas segregadoras e indiferentes a
diversidade eacutetnico-racial no cotidiano escolar eacute que comeccedilo a pensar essa pesquisa com o
foco na Educaccedilatildeo Infantil visto que a construccedilatildeo da visatildeo de mundo e dos sentidos
comeccedilam desde a infacircncia Gonccedilalves (1987) discorre sobre a particularidade cultural na
educaccedilatildeo de crianccedilas negras e alerta para o ritual pedagoacutegico que impotildee um ego branco a
educaccedilatildeo de crianccedilas (p 27) Segundo este autor existe um silenciamento acerca da
produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra quando natildeo verificamos a sua inferiorizaccedilatildeo e
folclorizaccedilatildeo
Tal silenciamento eacute legitimado por exemplo quando a crianccedila na escola explicita
sua preferecircncia por histoacuterias cujos protagonistas satildeo brancos em detrimento daquelas que
tecircm como personagem principal um negro (e quando tem) Tal construccedilatildeo natildeo acontece
18
na escola ndash tendo em vista outros meios de socializaccedilatildeo da crianccedila mas esse
comportamento muitas vezes vai sendo reforccedilado pelo professor de maneira inconsciente
ndash vide imagens-memoacuterias17 citadas anteriormente Quando o professor eacute indiferente agrave
formaccedilatildeo eacutetnico-cultural brasileira ele reitera o preconceito racial permitindo que a
crianccedila negra tenha um processo de socializaccedilatildeo diferente da crianccedila branca
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012 p 54)
O docente formado dentro da mesma cultura que exclui em geral negligencia o
direito baacutesico de seu estudante oriundo de outras realidades sentir-se protagonista de
histoacuterias reais e afetivas E na maioria das vezes esse mesmo professor vai se apropriar do
discurso baseado na democracia racial eliminando o direito dos alunos de se perceberem
nas suas diferenccedilas
Portanto para que tenhamos uma escola que nos eduque para a diversidade e a
inclusatildeo eacute necessaacuterio que haja a possibilidade de que estudantes brancos negros
indiacutegenas ou de qualquer outra etnia reconheccedilam a diferenccedila e que valorizem respeitem
e convivam com elas tornando a existecircncia mais plena de sentido
15 VALORES CIVILIZATOacuteRIOS AFRO-BRASILEIROS NA EDUCACcedilAtildeO
INFANTIL
Ao fazer referecircncia aos valores civilizatoacuterios afro-brasileiros evidencio as
contribuiccedilotildees de africanos e afro-brasileiros que resistiram agraves muacuteltiplas perversidades ao
longo da histoacuteria No entanto esses mesmos homens e mulheres nos brindam com a
construccedilatildeo de nossa identidade que eacute rica em cores formas e movimentos Para Trindade
(2013) tais valores civilizatoacuterios estatildeo carimbados em nossa memoacuteria em nossos modos
de pensar e de agir A muacutesica que apreciamos a feacute que professamos a literatura que nos
provoca a gastronomia que saboreamos dentre outros realccedilam em noacutes uma beleza
incomum dos padrotildees instituiacutedos pela racionalidade moderna eurocecircntrica
Com isso ao propor a reflexatildeo-accedilatildeo sobre os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros na
educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas afirmo de maneira concreta e afetiva a nossa
17 Indico sobre essa questatildeo a leitura do seguinte artigo ldquoA (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidaderdquo de Pereira e Pereira (2016)
19
afrodescendecircncia E tambeacutem reitero a urgente necessidade de exploramos a produccedilatildeo
cultural negra no cotidiano da escola e natildeo de maneira pontual e folclorizada que
inferioriza a populaccedilatildeo negra
Ao optar pelo trabalho com categoria da reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005)
penso na capacidade de interpretaccedilatildeo e transformaccedilatildeo que as crianccedilas tecircm pois como
atores de suas histoacuterias as crianccedilas satildeo potencialmente capazes de contribuir para
repensar o seu contexto social
Falar de contexto social eacute ter em mente que somos herdeiros de uma sociedade
patriarcal monocultural e determinista que subalterniza e desumaniza o diverso Eacute preciso
pensar e buscar a inclusatildeo da diversidade no ambiente escolar quando a sociedade tem
como projeto inclusive educacional desconsiderar o que possuiacutemos de mais precioso a
diferenccedila que nos caracteriza como seres humanos e sociais Concordamos com Gonccedilalves
(1987) quando realiza a brilhante defesa
ldquose a produccedilatildeo e a transmissatildeo do saber na escola natildeo forem mediados pela particularidade cultural da populaccedilatildeo negra as praacuteticas pedagoacutegicas continuaratildeo punindo as crianccedilas negras que o sistema de ensino natildeo conseguiu ainda excluir aplicando-lhes o seguinte castigo reclusatildeo ritualizada em procedimentos escolares de efeito impeditivo cujo resultado imediato eacute o silenciamento da crianccedila negra a curto prazo e o do cidadatildeo para o resto da vidardquo (p 29)
Azoilda Trindade (2010 2013) nos inspira a pensar sobre os valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e nas suas potencialidades para inaugurar experiecircncias instituintes que
valorize a diversidade eacutetnico-racial na Educaccedilatildeo Infantil Mergulhei nas memoacuterias da
autora me encontrei nelas e fui levada a bradar tambeacutem opto pela VIDA E a vida em sua
plenitude Quando por ventura escutar ldquoesse aluno natildeo tem jeitordquo ldquoeles natildeo tecircm
valoresrdquo reconhecerei as brechas para burlar o instituiacutedo e potencializar uma praacutetica
educativa mais conectada com o ser humano na sua diversidade A conexatildeo com a vida
deve nos conduzir a descoberta de outras searas muito proacuteximas daquela filosofia
humanista africana que afirma que eu soacute posso ser na medida que todos noacutes somos
Pensar o Ubuntu em uma sociedade onde seu processo civilizatoacuterio foi pautado no
individualismo na competiccedilatildeo e no materialismo eacute um ato revolucionaacuterio Portanto tenho
por compromisso eacutetico e humano trazer para a cena ndash inclusive para minha praacutetica
20
docente ndash os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros que estatildeo impressos em nossas maneiras
de ser e viver
E assim evidenciar18a Energia Vital (Axeacute) que nos remete a construccedilatildeo da
afetividade (pelos gestos palavras olhares) dimensatildeo tatildeo importante na Educaccedilatildeo
Infantil A Circularidade que vem nos lembrar que o iniacutecio e fim estatildeo ligados Natildeo haacute
hierarquia pois quando se estaacute em ciacuterculo todos se veem com a mesma oacutetica A
Corporeidade que nos mostra que o corpo tem muito a falar com seus movimentos ora
retraiacutedos ora expressivos O corpo eacute histoacuteria que precisa ser contada A Memoacuteria nos ajuda
a compreender que somos feitos de histoacuterias mas que por vezes satildeo distorcidas nos
tirando o sentimento de pertenccedila do que podemos vir a ser A Ancestralidade nos faz
transcender para aleacutem da materialidade da vida onde a memoacuteria dos nossos anciatildeos
carrega um grande legado
A Territorialidade nos remete aos espaccedilos casa e escola Lugares de iniciaccedilatildeo e que
precisam estar imbricados quando pensamos na educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas A
Religiosidade nos convida a uma relaccedilatildeo com os elementos da natureza e com o ser
humano de maneira mais transcendente respeitosa e harmoniosa A
CooperaccedilatildeoComunitarismo evidenciam a nossa essecircncia humana nascemos de uma
comunhatildeo e soacute vivemos em plenitude a partir dela E essa ideia eacute fundamentalmente
especial quando pensamos na formaccedilatildeo de crianccedilas pequenas que requer um ambiente
cooperativo acolhedor e amoroso para que seu aprendizado se realize de maneira afetiva
e efetiva Afinal de contas o adulto que a crianccedila se tornaraacute vai depender das relaccedilotildees
estabelecidas na infacircncia
A Oralidade provoca-nos a perceber as muacuteltiplas vozes do cotidiano e aqui nos
remetemos principalmente agraves crianccedilas enquanto portadoras de saberes-poderes A
Ludicidade nos rememora a necessaacuteria arte de viver em meio agraves contrariedades da vida
sem perder a capacidade de brincar e sorrir Aqui entendemos a brincadeira como uma
potente ferramenta pedagoacutegica visto que eacute considerada como uma linguagem infantil E a
Musicalidade nos daacute o tom para embalar nossos enredos cheios de ritmo sonoridade e
melodia
18 Os valores aqui pontuados podem ser encontrados no link httpwwwacordaculturaorgbrsitesdefault fileskitMODOSBRINCAR-WEB-CORRIGIDApdf
21
Todos esses valores civilizatoacuterios afro-brasileiros nos provocam a pensar sobre nossa
condiccedilatildeo de indiviacuteduos marcados pela diversidade e que refletem imagens drsquoAacutefrica de
ontem e de hoje de filhos e filhas que natildeo podem negar a riqueza do Patrimocircnio Africano
afrodiaspoacuterico e afro-brasileiro como bem dizia Trindade (2010 p 13) Eles tambeacutem nos
alimentam e fortalecem no caminho para a superaccedilatildeo de curriacuteculos escolares que
legitimam os saberes ditos universais como uacutenicos verdadeiros e superiores
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio
Por considerar que a musicalidade compotildee um dos valores civilizatoacuterios da cultura
afro-brasileira e por ela ser um importante componente curricular para a Educaccedilatildeo Infantil
e os anos iniciais que traz contribuiccedilotildees para a formaccedilatildeo de sujeitos criativos e reflexivos
pensamos neste subcapiacutetulo Vale ressaltar que para essa fase do ensino pensar a muacutesica
em contextos educativos natildeo demanda necessariamente ter formaccedilatildeo especiacutefica para tal
A consciecircncia de que a muacutesica faz parte do cotidiano do estudante desde a tenra idade e
que por isso ela representa uma linguagem jaacute eacute motivo para maiores reflexotildees
Pensando nisso procuramos trazer possibilidades de trabalho com a muacutesica na
Educaccedilatildeo Infantil Ao considerarmos a muacutesica enquanto aacuterea de conhecimento concluiacutemos
que nossas accedilotildees soacute faratildeo sentido quando dialogadas com os saberes dos educandos e com
a cultura na qual eles estatildeo inseridos Com isso rompemos com concepccedilotildees pedagoacutegicas
reducionistas que tratam a educaccedilatildeo musical de forma reprodutora pontual e rotineira
Ao defendermos uma mudanccedila de paradigma buscamos a desconstruccedilatildeo da ideia de que
a muacutesica eacute um artefato cultural instituiacutedo para apenas a sua reproduccedilatildeo em datas
comemorativas da escola Desmontamos tambeacutem a noccedilatildeo de que as muacutesicas cantadas na
Educaccedilatildeo Infantil satildeo formas de marcar a rotina e estimular a expressividade quando na
verdade tem como premissa a criaccedilatildeo ou reforccedilo de comportamentos
Concordamos com Brito (2003) quando afirma que a muacutesica deve emancipar o ser
humano ndash a partir da reflexatildeo-accedilatildeo e natildeo reproduccedilatildeo ndash e deve incluir a todos os estudantes
sem distinccedilatildeo
() longe da visatildeo europeia do seacuteculo passado que selecionava os ldquotalentos naturaisrdquo eacute preciso lembrar que a muacutesica eacute linguagem cujo conhecimento se constroacutei com base em vivecircncias e reflexotildees orientadas
22
Desse modo todos devem ter o direito de cantar ainda que desafinado Todos devem poder tocar um instrumento ainda que natildeo tenham naturalmente um senso riacutetmico fluente e equilibrado pois as competecircncias musicais desenvolvem-se com a pratica regular e orientada em contextos de respeito valorizaccedilatildeo e estiacutemulo a cada aluno por meio de propostas que consideram todo o processo de trabalho e natildeo apenas o produto final (p 53)
Importante ressaltar que nosso objetivo natildeo eacute formar muacutesicos mirins ou futuros
maestros musicais Desejamos a partir do eixo musicalidade ndash expresso no Referencial
Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil (RCNEI)19 ndash desenvolver competecircncias para a
formaccedilatildeo integral dos estudantes sob uma perspectiva interdisciplinar e inclusiva de
valores outros Tais valores satildeo pensados por noacutes como aqueles que refletem a diversidade
da sociedade brasileira
O cotidiano das crianccedilas principalmente em fase inicial da escolarizaccedilatildeo deve ser
permeado de brinquedos musicais Se pararmos para pensar a crianccedila nos seus primeiros
dias de vida jaacute eacute iniciada no universo musical a partir do que chamamos de acalantos
(cantigas de ninar) Natildeo eacute preciso muito tempo para os jogos e brinquedos musicais
tomarem o imaginaacuterio delas tendo em vista que tais artefatos satildeo heranccedilas culturais
transmitidas por tradiccedilatildeo oral chegando agraves crianccedilas por meio das brincadeiras de roda
(poesia muacutesica e danccedila) cirandas parlendas adivinhas etc
As brincadeiras de roda estatildeo relacionadas com as canccedilotildees populares Estas por sua
vez fazem parte do folclore20 brasileiro Considerando que tais canccedilotildees faccedilam parte da
cultura de um povo e sendo o nosso povo rico culturalmente poderiacuteamos afirmar que elas
satildeo um potente instrumento para a educaccedilatildeo de nossas crianccedilas Segundo o RCNEI as
brincadeiras de roda tambeacutem conhecidas como rondas receberam influecircncias de culturas
como lusitana africana ameriacutendia espanhola e francesa Poreacutem sua origem eacute
fundamentalmente europeia (Portugal e Espanha)
Brito (2003) afirma que a linguagem musical eacute construiacuteda de acordo com cada cultura
e eacutepoca estando assim associada aos costumes sociais de um povo Se portanto os
costumes da eacutepoca eram deslegitimar o outro enquanto legiacutetimo outro por meio da
subalternizaccedilatildeo o que diriacuteamos do conteuacutedo de algumas cantigas Assim se ouvirmos
19 Link de acesso httpportalmecgovbrsebarquivospdfrcnei_vol1pdf 20 O folclore cuja etimologia eacute de origem inglesa significa conhecimento de um povo (folk-povo e lore-conhecimento)
23
dizer que as cantigas populares estatildeo associadas agraves tradiccedilotildees e histoacuterias de um povo
corremos o risco de nos depararmos com narrativas nada idiacutelicas
Por isso acreditamos que eacute preciso falar das cantigas populares sobretudo quando
elas fazem parte da rotina educacional de crianccedilas pequenas Peixoto (2015) em sua
pesquisa sobre a violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda nos alerta para a
urgecircncia de reflexotildees sobre esses brinquedos musicais que inculcam valores de uma
cultura (dominante) Muito grave tambeacutem eacute a banalizaccedilatildeo daquele que eacute diferente dos
padrotildees hegemocircnicos
A autora recorre ao poder simboacutelico (BOURDIEU 1989) a fim de esclarecer o
processo de induccedilatildeo de certos valores de forma que quando naturalizados passam a
representar um certo tipo de violecircncia que por sua vez tambeacutem eacute simboacutelica Se avaliarmos
a linguagem das cantigas populares com um olhar descolonizado ndash livre dos padrotildees
hegemocircnicos instituiacutedos ndash perceberemos os simbolismos bem estruturados e sutilmente
representados nos campos de violecircncia de gecircnero domeacutestica racial entre outros Natildeo eacute
de se estranhar que a percepccedilatildeo dessas questotildees seja limitada tendo em vista que a
violecircncia nem sempre representaraacute algo tangiacutevel O entendimento de violecircncia para aleacutem
da fiacutesica supotildee pensarmos na ausecircncia Carecircncia talvez de justiccedila de liberdade de
solidariedade e de igualdade Quando em nossa existecircncia nos faltam tais elementos
certamente nos faltaraacute tambeacutem o sentimento de cidadatildeo de direitos plenos e subjetivos
Todavia parece estar cada vez mais difiacutecil a percepccedilatildeo do poder simboacutelico que gera
a violecircncia simboacutelica em virtude das inversotildees de valores do mundo contemporacircneo
Concordamos com o socioacutelogo quando afirma
Eacute necessaacuterio saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos onde ele eacute mais completamente ignorado portanto reconhecido o poder simboacutelico eacute com efeito esse poder invisiacutevel o qual soacute pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que natildeo querem saber que lhe estatildeo sujeitos ou mesmo que o exercem (BOURDIEU 1989 p 9)
Para essa difiacutecil tarefa de fazer conhecer o desconhecido e o ignorado elegemos o
professor sujeito este que consideramos peccedila fundamental na emancipaccedilatildeo das
consciecircncias Mas esse professor a quem tantos chamam de mediador do conhecimento
precisa para aleacutem de outras atribuiccedilotildees uma que consideramos chave a curiosidade Mas
como afirmava Paulo Freire natildeo se trata de uma curiosidade ingecircnua mas aquela que
24
encaminha para o movimento a inquietaccedilatildeo e a criticidade Portanto acreditamos que o
docente precisa ser epistemologicamente curioso para perceber as ideologias que Freire
(2007) relaciona com a ldquoocultaccedilatildeo da verdade dos fatos com o uso da linguagem para
penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna miacuteopesrdquo (p 125)
Tal postura deve ser de tal modo libertadora que o seu exerciacutecio suscite no discente
o mesmo sentimento o da curiosidade criacutetica que de matildeos dadas com a imaginaccedilatildeo e a
emoccedilatildeo eacute capaz de conduzir a experiecircncias instituintes Quando definimos as temaacuteticas das
oficinas logo pensamos em uma que contemplasse a musicalidade Nesse sentido levamos
para a sala de aula um repertoacuterio musical de cantigas populares sendo que uma delas
carregava em sua letra uma mensagem de violecircncia A partir da sensibilizaccedilatildeo convidamos
os estudantes agrave reinvenccedilatildeo da mesma que em breve seraacute apresentada neste trabalho
Assim o leitor estaraacute em contato com algumas taacuteticas de docentes e discentes que
descobriram que para aleacutem de um repertoacuterio musical envolvente mas instituiacutedo existe
um mundo de possibilidades
16 A CRIANCcedilA PEQUENA E O NEGRO QUEM SAtildeO ESSES OUTROS
A Ciecircncia Moderna vem pensar o outro como uma categoria da diferenccedila
evidenciando suas singularidades e multiplicidades Buscamos contribuiccedilotildees de autores
para pensar o sujeito da diferenccedila o outro e assim sinalizar como eles (a crianccedila e o negro)
tecircm sido enunciados
Ao iniciar a leitura deste trabalho e ao longo dele eacute possiacutevel deparar-se com a
expressatildeo outro como legiacutetimo outro dos bioacutelogos Maturana e Varela (1995) Tais autores
inauguram algo instituinte na Biologia e que vai ao encontro do outro enquanto sujeito
da diferenccedila eles pensam o homem para aleacutem dos determinismos geneacuteticos Ou seja o
indiviacuteduo eacute fruto tanto dos sistemas bioloacutegicos quanto das relaccedilotildees sociais Desse modo
ao defender a cultura como parte do desenvolvimento humano os autores apoiam que
natildeo existem pessoas iguais e que a diferenccedila estaacute dentro da normalidade ao contraacuterio da
homogeneidade (ROSSETTO 2010)
Com isso defender o outro enquanto legiacutetimo outro eacute aceitar o sujeito da diferenccedila
na relaccedilatildeo comprazendo-se com os seus diferentes modos de ser e viver
25
Paradoxalmente ao que os autores acima apresentam Pletsch e Carvalho (2011) vatildeo
pensar o ldquooutrordquo a partir de ldquonoacutesrdquo que impotildee por sua vez um discurso de superioridade
e autoridade Com isso o ldquooutrordquo eacute a representaccedilatildeo de algo inanimado (objeto) sobre o
qual eacute possiacutevel exercer o poder e domiacutenio Em dossiecirc sobre processos de inclusatildeo e
exclusatildeo escolar esses autores alimentam uma urgecircncia dar visibilidade agrave dor e ao
sofrimento dos ldquooutrosrdquo Mas fica um questionamento para noacutes quem satildeo os outros
efetivamente
O outro eacute todo aquele que natildeo pode ser noacutes recebendo status de ldquodiferenterdquo Sendo
assim os ldquooutrosrdquo satildeo
() os analfabetos os negros os iacutendios os drogados as mulheres as crianccedilas os velhos os gays as leacutesbicas os pederastas os presidiaacuterios as prostitutas os deficientes fiacutesicos e mentais os pobres e os miseraacuteveis enfim todos aqueles seres humanos que satildeo desumanizados maltratados ignorados enfim invisibilizados mesmo quando queremos tornaacute-los visiacuteveis (PLETSCH CARVALHO 2011 p 3)
Neste trabalho temos buscado evidenciar os outros na figura da crianccedila pequena e
do negro (afro-brasileiro) natildeo enquanto sujeitos destinados agrave opressatildeo e dominaccedilatildeo mas
como indiviacuteduos que precisam ser incluiacutedos no cotidiano escolar enquanto outros legiacutetimos
outros Dessa maneira desejamos estar com eles pesquisar com eles e criar estrateacutegias
para incluiacute-los na sua corporeidade diversidade e maneiras de pensar e sentir
Nos anos de 1990 comeccedilaram a surgir na Europa discussotildees socioloacutegicas em torno
da infacircncia A crianccedila passou a integrar uma categoria social e deixa de ser olhada apenas
como sujeito de tutela sem voz para ser vista como sujeito de direito e capaz de construir
e modificar culturas a partir da interaccedilatildeo com seus pares e com os adultos As crianccedilas que
passam a ser consideradas atores sociais iratildeo reproduzir comportamentos sociais
interpretando-os de maneira singular Esse modo de agir jaacute foi aqui identificado
anteriormente como reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005) Interpretativa porque
as crianccedilas criam e participam de suas culturas E reproduccedilatildeo porque elas tambeacutem podem
contribuir para a reproduccedilatildeo da sociedade ou para a mudanccedila social
Como a crianccedila eacute capaz de interpretar e reproduzir a cultura da qual faz parte nos
perguntamos qual eacute a cultura na qual a crianccedila tem sido formada Esse meio tem
favorecido o reconhecimento da crianccedila a partir de suas diferenccedilas Esse meio tem
26
provocado a inclusatildeo da diversidade eacutetnico-cultural nos espaccedilos educativos e fora deles
Se levarmos em conta o caraacuteter monocultural reducionista e etnocecircntrico que permeia a
instituiccedilatildeo escolar desde a sua origem nos certificaremos que a escola corre grande risco
de desfavorecer a cultura da diversidade Concordamos com Oliveira e Farias (2014)
quando afirmam que
ldquo() ao longo de nossa histoacuteria como naccedilatildeo o tratamento dado as matrizes eacutetnicas que configuram a nossa gente tem sido feito de maneira desigual privilegiando o grupo eacutetnico europeu em detrimento dos nativos e dos africanos colaborando assim para a produccedilatildeo de desigualdades e injusticcedilas sociaisrdquo (p 89)
Ou seja a figura do negro e seus modos de ser e estar no mundo tal como de outras
matrizes eacutetnicas que natildeo representavam os padrotildees sociais dominantes da hierarquia
colonizadora se constituiu ao longo dos seacuteculos como uma natildeo cultura Eles os nativos
da terra e os que aqui posteriormente chegaram para serem escravizados historicamente
sempre foram ldquoos outrosrdquo conforme Pletsch e Carvalho (2011)
Na histoacuteria da Educaccedilatildeo o negro representou ldquoum outro que devia ser anulado
apagadordquo (SKLIAR 2003 p 41) Basta saber que no Brasil Impeacuterio foram estabelecidos dois
decretos21 impedindo que o negro participasse do espaccedilo escolar de forma plena e com
direitos iguais ao da populaccedilatildeo branca
Apesar de hoje natildeo termos mais esse tipo de lei como haacute 162 anos ainda estatildeo
presentes marcas dessa maneira de pensar que aparece algumas vezes de forma muito
sutil e de outras nem tanto visto que o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo foram
internalizados e naturalizados no imaginaacuterio e consequentemente no comportamento do
brasileiro O que dizer dos filmes da Disney dos contos europeus das histoacuterias de priacutencipes
e princesas que comeccedilam a fazer parte do imaginaacuterio de nossas crianccedilas sobretudo em
fase inicial de escolarizaccedilatildeo Pois entatildeo nessas narrativas os negros natildeo existem pelo
menos da maneira que deveriam existir
21 Decreto nordm 1331 de 17 de fevereiro de 1854 estabelecia que nas escolas puacuteblicas do paiacutes natildeo seriam admitidos escravos e a previsatildeo de instruccedilatildeo para adultos negros dependia da disponibilidade de professores O Decreto nordm 7031-A de 6 de setembro de 1878 estabelecia que os negros soacute podiam estudar no periacuteodo noturno e diversas estrateacutegias foram montadas no sentido de impedir o acesso pleno dessa populaccedilatildeo aos bancos escolares Tais dados podem ser encontrados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africanas
27
2 OBJETIVOS
21 OBJETIVO GERAL
Realizar pesquisa a partir de metodologias interativas ndash interdisciplinaridade e
etnografia ndash com enfoque na Sociologia da Infacircncia com estudantes entre 4 e 6 anos
abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola rural do municiacutepio de MageacuteRJ
22 OBJETIVOS ESPECIacuteFICOS
Analisar os desdobramentos da lei 1164508 e os dispositivos legais que a
complementam em uma escola Rural no Municiacutepio de Mageacute
Compreender a infacircncia enquanto categoria social por meio da Sociologia da
Infacircncia
Identificar no ambiente escolar se haacute imagens e materiais que evidenciem etnias de
matriz afro-brasileiras e indiacutegenas
Aproximar a famiacutelia da escola a fim de construir redes colaborativas mais efetivas e
afetivas
Dialogar e refletir com os docentes e equipe pedagoacutegica sobre os desafios da inclusatildeo
da diversidade na escola
Desenvolver com os estudantes estrateacutegias didaacuteticas mediadas por atividades
luacutedicas onde os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros sejam uma constante
Produzir e revisitar tecnologias educacionais que potencializem as accedilotildees pedagoacutegicas
no trato das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
Desenvolver um suporte midiaacutetico para o compartilhamento dos processos e
materiais que mediaram as experiecircncias instituintes
Elaborar um caderno com orientaccedilotildees pedagoacutegicas a partir de experiecircncias
instituintes sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo como puacuteblico alvo
professores da Educaccedilatildeo Infantil
28
3 MATERIAIS E MEacuteTODOS (METODOLOGIA)
31 PUacuteBLICO ALVO
A pesquisa foi realizada com a Educaccedilatildeo Infantil compreendendo duas turmas da
Preacute-escola A turma do ldquoPreacute Irdquo possuiacutea 18 estudantes dentre eles 9 meninos e 9 meninas
com idades entre 4 e 5 anos No ldquoPreacute IIrdquo eram 19 estudantes sendo que 11 meninos e 8
meninas com idades entre 5 a 6 anos incompletos
As docentes de ambas as turmas satildeo concursadas e residem no municiacutepio em
distritos vizinhos ao da escola A professora do Preacute-escolar I tem formaccedilatildeo na Escola
Normal em niacutevel meacutedio Enquanto a professora do Preacute-escolar II formou-se em Histoacuteria
recentemente tendo como tema monograacutefico jogos e relaccedilotildees raciais
32 ETNOGRAFIA E INTERDISCIPLINARIDADE CAMINHOS METODOLOacuteGICOS
A Sociologia da Infacircncia enquanto campo cientiacutefico que concebe a infacircncia como
objeto socioloacutegico tem nos apontado caminhos metodoloacutegicos para a percepccedilatildeo e
reinvenccedilatildeo das praacuteticas poliacuteticas e culturas em torno do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
desde a tenra idade As muacuteltiplas vertentes teoacutericas que dialogam com a Sociologia da
Infacircncia tecircm caminhado em busca de definiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas no que tange a
construccedilatildeo social da crianccedila na sociedade da qual ela eacute agente ativa de transformaccedilatildeo
Ao considerarmos a infacircncia como parte da sociedade (MUumlLLER 2006) somos
provocados a refletir sobre as diferentes aacutereas do conhecimento com os quais ela dialoga
psicologia antropologia histoacuteria sociologia Pensar a crianccedila a partir do entrelaccedilamento
dessas ciecircncias eacute conferir-lhe status de um ser social complexo e em devir
Buscando atender as especificidades dessa categoria de anaacutelise complexa que eacute a
infacircncia eacute que estabelecemos redes reflexivas com metodologias interativas que
consideram o sujeito da pesquisa enquanto ator social ativo e participante da cultura de
pares e tambeacutem de adultos Dessa maneira os caminhos percorridos para o conhecimento
das vozes dos estudantes foram o da pesquisa interdisciplinar e etnograacutefica Destacamos
primeiramente a pesquisa etnograacutefica que segundo Kramer (2002) garante
29
procedimentos metodoloacutegicos e estrateacutegias favoraacuteveis agraves interaccedilotildees adulto e crianccedila (p
44)
Inicialmente tal escolha se deu por entendermos que seria no miacutenimo incoerente
chegar com uma entrevista fechada para crianccedilas entre 4 a 6 anos responderem O diaacutelogo
com a crianccedila demanda uma postura especial que requer a utilizaccedilatildeo de uma linguagem
proacutepria
Corsaro (2005) jaacute nos falava sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de crianccedilas
explicitando a origem antropoloacutegica desta metodologia que se sustenta em um movimento
de tornar-se nativo Ou seja a construccedilatildeo de uma relaccedilatildeo efetiva e afetiva que contribua
para a anaacutelise das vivecircncias da crianccedila e assim a sua sistematizaccedilatildeo implica em
reconhecer sua cultura e com ela estar disposto a conviver numa relaccedilatildeo de alteridade
Aqui vamos nos referir agraves vozes das crianccedilas como sendo as nossas aliadas nesse
processo de confirmaccedilatildeo das hipoacuteteses Desse modo tais vozes se datildeo de diferentes
formas a partir de ilustraccedilotildees conversas informais conversas entre os pares
silenciamentos Uma ferramenta muito importante para o trabalho foram as notas
registradas no caderno de campo que satildeo parte da metodologia etnograacutefica Todos esses
meios forneceram subsiacutedios para a criaccedilatildeo de praacuteticas e culturas inclusivas sobre a questatildeo
eacutetnico-racial desde a tenra idade
William Corsaro importante pesquisador no campo da Sociologia da Infacircncia com
sua vasta experiecircncia sobre pesquisa etnograacutefica com crianccedilas do Preacute-escolar tem
contribuiacutedo sobremaneira para a reflexatildeo das relaccedilotildees hierarquizantes e portanto
opressoras entre adultos e crianccedilas Suas teorias sobre etnografia na infacircncia reproduccedilatildeo
interpretativa e cultura de pares (CORSARO 2005) reforccedilam a ideia de que a crianccedila eacute um
ator social capaz de receber cultura mas tambeacutem de construir as suas proacuteprias na
interaccedilatildeo
As pesquisas empiacutericas do autor demonstram que o olhar do adulto reconhecendo a
legitimidade da alteridade infantil eacute uma via potente no processo de construccedilatildeo do
conhecimento Ele nos ajuda a pensar sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de
crianccedilas e relata que ao longo de 28 anos escrevendo sobre o tema seu trabalho passou
por significativa transformaccedilatildeo quando deixou de pesquisar sobre para pesquisar com
crianccedilas A seguir um trecho sobre a pesquisa etnograacutefica
30
A etnografia eacute o meacutetodo que os antropoacutelogos mais empregam para estudar as culturas exoacuteticas Ela exige que os pesquisadores entrem e sejam aceitos na vida daqueles que estudam e dela participem Neste sentido por assim dizer a etnografia envolve ldquotornar-se nativordquo Estou convicto de que as crianccedilas tecircm suas proacuteprias culturas e sempre quis participar delas e documentaacute-las Para tanto precisava entrar na vida cotidiana das crianccedilas ndash ser uma delas tanto quanto podia (CORSARO 2005 p 446)
Obviamente que eu natildeo me tornaria uma delas tatildeo pouco falaria por elas Mas o
movimento que William Corsaro defende eacute o de entrar e ser aceito pela comunidade
pesquisada e para isso eu natildeo deveria ldquoagir como um adulto tiacutepicordquo (p 446)
Depreende-se que ldquotornar-se nativordquo envolve falar as linguagens que satildeo proacuteprias
das crianccedilas para entatildeo melhor dialogar com elas ndash E que linguagens satildeo essas Ouso
dizer que satildeo as linguagens do corpo da sonoridade da ludicidade entre outras que
atraem as crianccedilas
Importante afirmar que a infacircncia eacute uma categoria social complexa e pensaacute-la
demanda muitas redes de saberes especialmente nos processos educacionais uma
perspectiva de pesquisa interdisciplinar agrega conhecimentos importantes para pensar a
crianccedila na sua totalidade E para tal buscamos pensar a interdisciplinaridade a partir de
dois autores Juares da Silva Thiesen (2008) e Ivani Fazenda (2010) sobre a qual vamos
aprofundar nossas reflexotildees Vale frisar que cada autor concebe esta metodologia agrave luz de
seus saberes e formaccedilatildeo mas o importante eacute ter consciecircncia de que a essecircncia de suas
percepccedilotildees converge para um soacute caminho o rompimento com a loacutegica fragmentada e
linear do conhecimento imposta pela corrente hegemocircnica das Ciecircncias Modernas
Desse modo Thiesen (2008) nos conduz a pensar na necessaacuteria reforma do
pensamento pelas vias da interdisciplinaridade Para ele a sociedade contemporacircnea
impotildee uma seacuterie de complexificaccedilotildees e para entendecirc-las se faz necessaacuterio uma rede de
sistematizaccedilotildees com saberes interligados
Jaacute Fazenda (2010) aborda a indispensaacutevel transformaccedilatildeo da pedagogia onde a
transmissatildeo do saber precisa dar lugar agraves trocas dialoacutegicas Nos anos 1970 Ivani Fazenda
recebeu influecircncias do pensamento de Hilton Japiassuacute (1976) o primeiro a pesquisar a
Interdisciplinaridade no Brasil enquanto que na Europa (Franccedila e Itaacutelia) esse movimento
jaacute acontecia desde de 1960 Ivani Fazenda pensou inicialmente na construccedilatildeo
epistemoloacutegica do conceito emergindo as seguintes conclusotildees a interdisciplinaridade eacute
31
uma atitude que envolve inovaccedilatildeo dialogo reciprocidade ousadia humildade coerecircncia
espera respeito e desapego
Humildade porque a investigaccedilatildeo interdisciplinar natildeo se limita a meacutetodos senatildeo a
vestiacutegios percebidos na interaccedilatildeo com os atores sociais E tambeacutem parte-se do
entendimento que a dimensatildeo individual eacute deficitaacuteria para a resoluccedilatildeo de conflitos (HAAS
2011) Havendo entatildeo a necessidade de constante diaacutelogo com o outro
Outra atitude importante que dialoga com a interdisciplinaridade eacute a ousadia que
busca e transforma a inseguranccedila em redes reflexivas E eacute esta ousadia que constroacutei as
parcerias entre professoraluno professorprofessor gestorcomunidade escolar
Concordamos com a autora quando reconhece que a interdisciplinaridade eacute senatildeo
um processo um caminho que transforma uma realidade instituiacuteda em experiecircncias
instituintes a partir da relaccedilatildeo de reciprocidade com o outro legiacutetimo outro
Tendo em vista a relevacircncia da interdisciplinaridade e sua urgecircncia em propor novas
formas de investigar de dialogar e construir saberes eacute que realizamos a ponte com a
Sociologia da Infacircncia de modo que fosse possiacutevel articular com suas vertentes teoacutericas
Explicitamos aqui o meacutetodo comparativo da etnografia longitudinal (CORSARO 2005) onde
acompanhamos a transiccedilatildeo dos atores da pesquisa para o ano seguinte em 2016
A etnografia a interdisciplinaridade e a pesquisa-participante enquanto pensar-
fazer se complementam formando redes reflexivas e criando de maneira instituinte um
ensino que dialogue com as relaccedilotildees eacutetnico-raciais na infacircncia
33 QUESTOtildeES EacuteTICAS NA PESQUISA COM CRIANCcedilAS
A reflexatildeo sobre as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas eacute um movimento
contemporacircneo e inovador que natildeo soacute beneficia a comunidade cientiacutefica como tambeacutem o
proacuteprio sujeito participante da pesquisa O que antes representava um sujeito silenciado
em seus saberes e receptor de culturas hoje o vemos como um ator de direitos
reconhecidos resguardados e legitimados
Kramer (2002) ao discorrer sobre autoria e autorizaccedilatildeo na pesquisa com crianccedilas
nos sinaliza alguns pontos importantes quando trabalhamos com a infacircncia enquanto
categoria social As reflexotildees da autora em torno da divulgaccedilatildeo dos nomes das crianccedilas
32
exibiccedilatildeo de seus rostos e devoluccedilatildeo dos achados nos provoca a pensar nos caminhos que
temos percorrido
Ao iniciar a pesquisa adotamos como procedimento eacutetico dar a conhecer os aspectos
da pesquisa aos responsaacuteveis dos estudantes do Preacute-escolar I e II Assim realizamos uma
reuniatildeo onde foi solicitada a participaccedilatildeo dos estudantes Naquele momento foi
endossado que a participaccedilatildeo era voluntaacuteria e o consentimento poderia ser retirado a
qualquer tempo sem prejuiacutezos agrave continuidade das atividades nas minhas aulas
O termo de consentimento assinado pelos responsaacuteveis autoriza a coleta de dados
bem como suas anaacutelises e publicaccedilatildeo dos mesmos Nesse documento foi firmado o
compromisso de omitir os nomes dos participantes tal como a exibiccedilatildeo de suas imagens
Tambeacutem foi garantida a confidencialidade das informaccedilotildees geradas e a privacidade dos
sujeitos da pesquisa
A omissatildeo dos nomes deveu-se a compreensatildeo de que era necessaacuterio resguardar a
integridade da crianccedila mesmo sabendo que o que estava sendo proposto na pesquisa natildeo
apresentasse riscos aparentes O mesmo posicionamento ocorreu em relaccedilatildeo agraves suas
imagens levando em consideraccedilatildeo o alerta de Kramer (2002) sobre o cuidado com a
exposiccedilatildeo de crianccedilas pequenas em que pese a sua necessidade de ser reconhecida
Sobre a devoluccedilatildeo dos achados temos pensado em nosso compromisso com aquela
comunidade escolar que nos recebeu acreditou e incentivou a pesquisa Vislumbramos
socializar os resultados com todos os envolvidos diretamente na pesquisa por diferentes
meios
34 FASES DA PESQUISA
A pesquisa foi dividida em cinco fases transcorrendo de agosto do ano de 2014 a
julho de 2016
Na primeira fase foi realizada pesquisa bibliograacutefica acerca do ensino das relaccedilotildees
eacutetnico-raciais e sua ocorrecircncia nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica Concomitante a essa
busca foram cursadas as disciplinas do programa que possibilitaram uma melhor
aproximaccedilatildeo com o objeto de estudo e deste com os diferentes campos de conhecimento
sob um vieacutes interdisciplinar
33
Na segunda fase a partir de maio de 2015 foi estabelecido contato com a escola para
apresentaccedilatildeo da proposta e solicitaccedilatildeo de autorizaccedilatildeo institucional22 para a coleta de
dados Apoacutes tal autorizaccedilatildeo iniciaram-se as conversas com os responsaacuteveis pelos
estudantes visando uma sensibilizaccedilatildeo sobre a temaacutetica e sua autorizaccedilatildeo para que os
alunos pudessem participar da pesquisa
A terceira fase tendo seu iniacutecio no mecircs de junho de 2015 eacute identificada como
sondagem das percepccedilotildees dos estudantes sobre a temaacutetica eacutetnico-racial durante as
oficinas iniciais nas aulas de Dinamizaccedilatildeo de Leitura Esta teve como objetivo perceber as
preferecircncias desejos e recusas dos alunos com relaccedilatildeo agrave proposta Nessa fase tambeacutem
foram importantes as conversas estabelecidas com os docentes da escola
Na quarta fase iniciada em agosto e perdurando por 6 meses foram realizadas as
oficinas pedagoacutegicas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil com faixa-etaacuteria entre 4 a 6
anos Tais oficinas buscaram articular os conhecimentos propostos pelos RCNEI e pelas DCN
ERER As experiecircncias construiacutedas coletivamente e sistematizadas deram forma ao
caderno23 com orientaccedilotildees pedagoacutegicas sobre o ensino da relaccedilotildees eacutetnico-raciais na
Educaccedilatildeo Infantil A seguir buscamos apresentar os caminhos percorridos em cada uma
das oito oficinas
341 As oficinas
Foram realizadas um total de oito oficinas que tiveram como caminhos
metodoloacutegicos a interdisciplinaridade (FAZENDA 2010 THIESEN 2008) e os princiacutepios
etnograacuteficos de pesquisa com crianccedilas pequenas (CORSARO 2005) Ao longo de cada uma
das accedilotildees buscamos um jeito proacuteprio de pensar e construir saberes desejaacutevamos romper
com a loacutegica cartesiana da razatildeo instrumental que desconsidera os saberes dos sujeitos da
diversidade Assim fomos ao encontro deles buscando entrecom eles na alteridade para
entendermos seus mundos por meio de conversas que nos conduzissem a aprendizagens
Apresentamos as duas primeiras oficinas que representam a terceira fase do projeto
Foram Accedilotildees iniciais para perceber os indiacutecios que os estudantes nos apontavam sobre a
urgecircncia de incluir a temaacutetica naquele contexto Elas tiveram como enfoque a literatura
22 A autorizaccedilatildeo institucional se encontra no apecircndice 711 23Este caderno seraacute disponibilizado em formato digital
34
infanto-juvenil Nos dois momentos que aconteceram em dias distintos com duraccedilatildeo de
50 minutos cada buscamos perceber as narrativas que estavam povoando o imaginaacuterio
daqueles atores sociais e sensibilizaacute-los para a existecircncia de outras histoacuterias especialmente
aquelas nas quais os afrodescendentes e suas matrizes eacutetnicas fossem evidenciadas
A terceira oficina sendo a quarta fase do projeto buscou tornar conhecida uma
Heroiacutena a contrapelo a liacuteder quilombola mageense Maria Conga A oficina foi realizada
com a participaccedilatildeo de matildees tias avoacutes ou irmatildes que foram convidadas para ali estarem
Aconteceu em um soacute dia com duraccedilatildeo total de 1hora e 20 minutos mas foi dividida em
dois momentos No primeiro narramos a histoacuteria de Maria a menina que veio do Congo
Buscou-se uma narrativa intertextual ligando a vida de Maria Conga com a histoacuteria dos
muitos africanos que foram trazidos para o Brasil Em um segundo momento foi proposto
a confecccedilatildeo de bonecas abayomis pelas jovens adultas e idosas que naquele instante
acompanhavam os estudantes
A quarta oficina foi uma sensibilizaccedilatildeo baseada na Pedagogia Griocirc Tal pedagogia
idealizada pela educadora Lilian Pacheco24 baseia-se na valorizaccedilatildeo e transmissatildeo dos
saberesfazeres (ALVES 2001)25 da cultura oral dos sujeitos da regiatildeo Desse modo nesta
oficina buscou-se aproximar os saberes das novas geraccedilotildees aos saberes das geraccedilotildees
passadas por meio das histoacuterias contadas pelas griocirctes locais Neste trabalho as griocirctes
foram duas avoacutes dos estudantes Elas foram escolhidas porque eram mulheres idosas que
representavam os sujeitos da diversidade a avoacute do estudante do ldquoPreacute IIrdquo tem nanismo fato
que chama atenccedilatildeo das crianccedilas pois embora fosse do tamanho deles ela jaacute tinha vivido
quase 60 anos A outra avoacute da estudante do ldquoPreacute Irdquo eacute negra
A oficina foi realizada em dois momentos distintos ocorrendo em duas semanas No
primeiro momento realizou-se a contaccedilatildeo de histoacuterias pelas avoacutes com duraccedilatildeo de cerca de
50 minutos Na semana seguinte os estudantes recontaram aspectos das histoacuterias ouvidas
com massinha de modelar Com os registros desta experiecircncia posteriormente seraacute
confeccionado um viacutedeo animado e legendado com a temaacutetica Histoacuterias de nossa gente
A quinta oficina envolveu a Musicalidade enquanto valor civilizatoacuterio afro-brasileiro
e foi dividida em cinco momentos distintos ocorrendo em um periacuteodo de um mecircs e meio
24 Mais agrave frente discorreremos sobre esta pedagogia 25 Nilda Alves utiliza o recurso de aglutinaccedilatildeo de palavras para indicar a necessidade de ir aleacutem dos limites herdados das Ciecircncias Modernas
35
mais ou menos 6 encontros Buscou-se nesta proposta trabalhar o desenvolvimento de
diferentes competecircncias como a de construccedilatildeo de conceitos a descoberta de instrumentos
musicais eacutetnicos e a confecccedilatildeo deles a construccedilatildeo de rimas ritmos e movimentos As accedilotildees
desta oficina culminaram no ano de 2016 quando foram compartilhadas algumas criaccedilotildees
musicais dos estudantes com as famiacutelias via dispositivos moacuteveis
A sexta oficina foi nomeada como Lendas que nos encantam e teve por objetivo
retornar aos gecircneros literaacuterios como na primeira oficina evidenciando histoacuterias que
precisam ser contadas nas escolas brasileiras Desse modo apresentamos a histoacuteria de uma
aacutervore que representa a ancestralidade africana o Baobaacute
Para trabalharmos a histoacuteria do Baobaacute realizamos dinacircmicas em dois momentos
distintos tendo cada um 50 minutos Na primeira semana foi contada a lenda da seguinte
maneira organizei um cenaacuterio com cartolinas coloridas agrave frente da sala de aula com uma
aacutervore (de papel) de troncos largos cheia de frutos Realizei a leitura da lenda e
posteriormente foram escolhidos alguns estudantes para encenar a histoacuteria sendo os
seguintes personagens o Baobaacute a hiena dois coelhos e outros trecircs bichos Logo em
seguida a partir da minha mediaccedilatildeo os estudantes dinamizaram a lenda expressando
criatividade imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Foi possiacutevel realizar a contaccedilatildeo de histoacuteria pelos
estudantes por trecircs vezes O objetivo era que todos participassem
Na semana seguinte resgatamos a histoacuteria e pedimos agraves crianccedilas que representassem
aspectos daquela histoacuteria por meio de ilustraccedilotildees em folhas e de massinha de modelar
Tais produccedilotildees foram registradas para compor um viacutedeo animado sobre a histoacuteria do Baobaacute
contada a partir do olhar dos estudantes de Conceiccedilatildeo de Suruiacute
35 COLABORADORES NA COLETA DE DADOS
As docentes das turmas a bolsista de extensatildeo e a equipe pedagoacutegicagestora foram
as colaboradoras diretas da pesquisa e contribuiacuteram significativamente para o processo de
investigaccedilatildeo
As professoras regentes das turmas pesquisadas foram fontes importantes para
percepccedilatildeo da urgecircncia em pesquisar o contexto da Educaccedilatildeo Infantil Os relatos de suas
praacuteticas cotidianas das relaccedilotildees interpessoais entre os estudantes e suas famiacutelias da
relaccedilatildeo entre os pares foram fundamentais para potencializar as reflexotildees em direccedilatildeo a
36
inclusatildeo da diversidade Cabe ressaltar que ambas as professoras embora soliacutecitas e agrave
disposiccedilatildeo para contribuir com os achados dificilmente participavam das oficinas Os 50
minutos semanais eram os uacutenicos que elas tinham para realizar o seu planejamento visto
que no municiacutepio de Mageacute os docentes de 1deg segmento natildeo tinham garantido o 13 de
carga horaacuteria semanal para planejamento conforme estabelece a lei federal 117380826
A parceria com a discente da graduaccedilatildeo (bolsista de extensatildeo) durante o processo
de coleta de dados foi um apoio fundamental pois representava um olhar a mais naquele
momento de achados Aleacutem disso a estudante realizou grande parte dos registros
fotograacuteficos enquanto eu mediava as oficinas
A gestora por sua vez foi quem prontamente viabilizou a coleta de dados a partir da
autorizaccedilatildeo institucional e que no decorrer desse processo tambeacutem representou uma
fonte de validaccedilatildeo dos dados coletados visto sua relaccedilatildeo direta com as famiacutelias estudantes
e docentes
Por fim eacute possiacutevel concluir que a coleta de dados desta pesquisa foi permeada por
olhares atentos que culminaram em conversas27 entre noacutes docentes e tambeacutem com
discentes para potencializar um ensino onde a inclusatildeo da diversidade se tornasse uma
constante
36 PRODUTOS DO PROJETO
Os produtos desta pesquisa satildeo tecnologias educacionais Todas elas estatildeoseratildeo28
disponibilizadas online29 visando contribuir para que outros docentes da Educaccedilatildeo Infantil
(e tambeacutem dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica) possam trabalhar com o ensino das
relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo em consideraccedilatildeo a diversidade e a inclusatildeo
26 Lei que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magisteacuterio puacuteblico da Educaccedilatildeo Baacutesica E prevecirc ldquoo limite maacuteximo de 23 (dois terccedilos) da carga horaacuteria para o desempenho das atividades de interaccedilatildeo com os educandosrdquo (sect 4ordm do art 2ordm) Significando assim que 13 (um terccedilo) da jornada destinar-se-ia agraves atividades de planejamento e formaccedilatildeo continuada do docente Conforme Brasil (2008) 27 Concordamos com CARVALHO (2011) que ao pensar o curriacuteculo como comunidade de afetos orienta que professores e alunos professores e professores conversem e ao considerar a alteridade construam inteligecircncia coletiva 28 Alguns produtos jaacute foram publicados como o cataacutelogo de livros eacutetnicos Outros seratildeo lanccedilados apoacutes a publicaccedilatildeo do caderno digital 29 Paacutegina na rede social (Facebook) construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo Link httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoeudantesetnicoraciaisartesdefazer
37
Os produtos deste trabalho podem ser definidos como
1 A construccedilatildeo do espaccedilo virtual (uma paacutegina na rede social) para o compartilhamento
das accedilotildees pedagoacutegicas e os produtos da pesquisa Este suporte midiaacutetico foi validado
pelo acesso que tem recebido chegando a um alcance de 160 pessoas em algumas
semanas no ar A maior parte desse puacuteblico eram pessoas da proacutepria comunidade
escolar pais dos estudantes professores funcionaacuterios da escola e os proacuteprios alunos
Vale ressaltar que esta paacutegina foi construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo
ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos iniciais artes de fazer e fazer-
se professorrdquo sendo assim intitulada por ldquoO ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais artes
de fazer e fazer-se professorrdquo Portanto ao vincular-se ao projeto de extensatildeo sua
criaccedilatildeo visou divulgar tambeacutem as accedilotildees extensionistas que aconteciam na
escolauniversidade contemplando as turmas do Ensino Fundamental Vale frisar
que temos difundido para aleacutem dos muros da escola o pensamento inclusivo sobre
a diversidade atingindo a comunidade escolar docentes e outros sujeitos de Mageacute
2 Um cataacutelogo de livros disponiacutevel na biblioteca comunitaacuteria localizada na Escola
Municipal Dinorah dos Santos Bastos e que tambeacutem se encontra no espaccedilo virtual
citado acima Este material tem auxiliado os docentes dos anos iniciais na busca pelas
temaacuteticas indiacutegenas e africanidades
3 Coletacircnea de muacutesicas com as vozes das crianccedilas A gravaccedilatildeo das cantigas populares
pelos proacuteprios estudantes foi compartilhada com os responsaacuteveis no iniacutecio do ano
corrente O principal objetivo foi dar um feedback das accedilotildees do ano anterior e
tambeacutem possibilitar a apreciaccedilatildeo de um trabalho autoral feito por seus proacuteprios
filhos Com a finalizaccedilatildeo do caderno e sua publicaccedilatildeo estas muacutesicas seratildeo lanccediladas
na paacutegina do Facebook
4 Dois viacutedeos animados elaborados a partir das produccedilotildees artiacutesticas dos estudantes
Esses viacutedeos tambeacutem foram feitos a partir das produccedilotildees dos estudantes tendo
como temaacutetica lendas locais e de ancestralidade africana O procedimento seraacute o
mesmo sua publicaccedilatildeo seraacute concomitante agrave publicaccedilatildeo do caderno na paacutegina virtual
5 Um caderno pedagoacutegico digital que tambeacutem disponibilizaremos na paacutegina em
formato PDF Adotamos alguns criteacuterios para a estruturaccedilatildeo do caderno pedagoacutegico
que foram linguagem adequada ao puacuteblico formato claro e estruturado propostas
38
exequiacuteveis articulaccedilatildeo entre teoria e praacutetica e adequaccedilatildeo aos paracircmetros da
Educaccedilatildeo Infantil Acreditamos na capacidade desde produto em potencializar o
pensamento inclusivo sobre a diversidade eacutetnico-cultural do povo brasileiro E com
isso suscitar modos de pensar e de produzir experiecircncias instituintes na Educaccedilatildeo
Infantil A priori vamos identificar esse produto como uma tecnologia de transmissatildeo
de conhecimento visto que nele seratildeo apresentados saberes construiacutedos nas oficinas
sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais e que foram validadas por estudantes e docentes da
Educaccedilatildeo Infantil durante as praacuteticas cotidianas Acreditamos que o professor na sua
capacidade reflexiva ao interagir com este material tambeacutem poderaacute modificar e
servir de inspiraccedilatildeo para outras praacuteticas natildeo buscando ser um modelo para
reproduccedilatildeo Dessa forma o docente enquanto sujeito reflexivo precisa reinventar
as atividades propostas de acordo com sua realidade criando e recriando artes de
fazer
Figura 1 Paacutegina na Rede Social Fonte Daise dos Santos Pereira
Na Figura 1 temos um registro da paacutegina virtual jaacute citada anteriormente Dominick
(2015) nos provoca a pensar nos possiacuteveis status dessa tecnologia informacional Seria ela
interativa ou difusora Para a autora haacute miacutedias difusoras onde o conhecimento eacute
produzido por alguns e difundido como eacute o caso da televisatildeo e do raacutedio Mas haacute aquelas
39
que possibilitam uma interaccedilatildeo entre os sujeitos pois se apresentam como uma
possibilidade de dialogia Esse espaccedilo na internet busca difundir um conhecimento mas
tambeacutem eacute um lugar de diaacutelogo de possibilidades de interaccedilotildees com professores que vatildeo
aleacutem da reproduccedilatildeo de ideias
Neste endereccedilo tambeacutem disponibilizamos alguns livros infanto-juvenis em formato
PDF que podem ser baixados um cataacutelogo com os livros de literatura com temaacutetica eacutetnica
(indiacutegena e africana) que elaboramos a partir da busca no acervo da biblioteca da escola
Neste material satildeo encontrados o resumo a faixa-etaacuteria e o nuacutemero de paacuteginas de cada
obra A elaboraccedilatildeo deste cataacutelogo surgiu pela necessidade de identificarmos as obras
literaacuterias eacutetnicas e por identificarmos nas atividades de implementaccedilatildeo de leitura pouca ou
nenhuma familiaridade dos docentes da escola com o acervo das matrizes eacutetnicas africanas
e indiacutegenas Por exemplo na semana do dia do iacutendio uma das docentes relatou dificuldade
para achar uma obra que tratasse do tema Ao procurar achamos 39 exemplares de
temaacutetica indiacutegena e africana Hoje contamos com um pouco mais de 50 livros em nosso
acervo escolar
Logo seraacute possiacutevel encontrar na paacutegina gravaccedilotildees musicais dos estudantes os viacutedeos
animados das histoacuterias locais produzidos com os mesmos e algumas fotografias das accedilotildees
realizadas na escola Buscaremos assim que publicados esses produtos disponibilizar o
texto dessas histoacuterias em PDF Esta eacute uma estrateacutegia de ferramenta acessiacutevel para pessoas
cegas Assim a histoacuteria pode ser lida pelo leitor de tela para os deficientes visuais
Intencionamos com isso abrir caminhos para ampliar o diaacutelogo com a tecnologia acessiacutevel
(DOMINICK 2015) de modo a alcanccedilar crianccedilas surdas cegas ou com deficiecircncias fiacutesicas
Desse modo acreditamos estar favorecendo praacuteticas docentes inclusivas da
diversidade Reafirmamos no entanto que tais meios soacute seratildeo de fato aliados a um saber-
fazer emancipatoacuterio na medida em que o docente os assumir como extensatildeo de suas
reflexotildees e de seus braccedilos natildeo como modelo a ser seguido Para tal ele precisa ser o que
Schoumln (2000) denominou como professor reflexivo um sujeito que para Castels (1999) eacute
interagente De forma que quando ele entrar em contato com os produtos desta pesquisa
iraacute se apropriar e dialogar com os conhecimentos ali expostos assim como apresentar
outras ideias e tambeacutem suas praacuteticas
40
4 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
41 DADOS COLETADOS REFLEXOtildeES INICIAIS
Em nossa pesquisa bibliograacutefica identificamos a invisibilidade da questatildeo racial no
sistema educacional brasileiro principalmente no que tange a produccedilatildeo teoacuterica
articulando as questotildees de raccedila e etnia para o trabalho com a Educaccedilatildeo Infantil
Posteriormente na escola buscamos identificar se de fato havia a observacircncia e
cumprimento da lei federal 1164508 Ao confirmar nossa hipoacutetese de que pouco estava
sendo trabalhado buscou-se intervir para promover uma cultura escolar mais inclusiva das
matrizes eacutetnicas e culturais que fazem parte de nossa gente
Identificamos alguns aspectos no cotidiano da escola que confirmaram a relevacircncia
da pesquisa com aquele grupo tais como raras praacuteticas abordando a diversidade eacutetnico-
racial com foco nas influecircncias africanas e indiacutegenas tendo em vista inclusive as influecircncias
das etnias afro e indiacutegena (e que por sinal satildeo muito fortes na regiatildeo) presenccedila de um
ambiente fortemente marcado por narrativas monoculturais isto eacute murais com
personagens brancos e somente os claacutessicos literaacuterios europeus compondo a oferta de
leitura para as crianccedilas Identificamos ainda no diaacutelogo com as professoras evidecircncias de
accedilotildees discriminatoacuterias entre as crianccedilas pequenas silecircncio em torno de situaccedilotildees
conflituosas e a falta de formaccedilatildeo que as ajudasse a lidar com a questatildeo de forma a superar
o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo
Os dados coletados inicialmente foram ao encontro de minhas primeiras anguacutestias
quando ao ingressar na especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria me dei conta de que as
praacuteticas dos docentes da Educaccedilatildeo Infantil e dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica estavam
ainda distantes do que entendemos por Educaccedilatildeo para Todos visto que ateacute aquele
momento natildeo existiam orientaccedilotildees legais para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais e assim
para o rompimento da cultura do racismo no cotidiano escolar
Acreditando que poderia organizar praacuteticas instituintes em diversidade e inclusatildeo
com crianccedilas pequenas sobre as questotildees eacutetnico-raciais foi que caminhei mais alguns
passos
41
42 PERCEBENDO AS VOZES OFICINAS INICIAIS
Durante 2 meses interagindo com os discentes30 busquei indiacutecios que me
conduziram para a estruturaccedilatildeo das primeiras oficinas Logo apoacutes foram apresentadas
duas oficinas que buscaram confirmar ou refutar as observaccedilotildees feitas e as informaccedilotildees
coletadas com os adultos Elas tiveram como enfoque o trabalho com a literatura infantil
Importante salientar que estas accedilotildees com os estudantes sustentaram as hipoacuteteses iniciais
sobre a urgecircncia de um rompimento com as praacuteticas e culturas do cotidiano escolar que
natildeo alcanccedilam a diversidade eacutetnico-racial presente na localidade Majoritariamente as
praacuteticas curriculares cotidianas reforccedilam praacuteticas monoculturais e etnocecircntricas
contribuindo muitas vezes para a existecircncia de comportamentos racistas e segregadores
entre os estudantes e mesmo entre os profissionais da escola
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (idade entre 4 e 5 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje a turma estava com 14 alunos no total Iniciamos a aula no paacutetio da escola tendo em vista a obra que estaacute acontecendo no preacutedio desde o recesso escolar Expusemos em um varal alguns livros do acervo da biblioteca da escola A opccedilatildeo pelo varal foi uma estrateacutegia para que os estudantes visualizassem melhor as obras para assim apontarem suas preferecircncias As obras estavam divididas em contos claacutessicos da literatura europeia e histoacuterias de temaacutetica eacutetnica Foram apresentados 12 livros Entre os contos claacutessicos estavam ldquoO chapeuzinho vermelhordquo ldquoOs trecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoCinderelardquo ldquoPinoacutequiordquo e ldquoJoatildeo e o peacute de feijatildeordquo Entre os livros que contavam histoacuterias com temaacutetica eacutetnico-racial estavam ldquoO cabelo de Lelecircrdquo ldquoLilaacute e o segredo da Chuvardquo ldquoCadecircrdquo ldquoA menina e o tamborrdquo ldquoChuva de mangardquo ldquoHistoacuterias da nossa genterdquo e ldquoBichos da Aacutefricardquo Iniciamos a dinacircmica perguntando aos alunos as suas preferecircncias Todos demonstraram grande interesse pelos contos claacutessicos mas buscando saber sobre o que pensavam sobre os outros livros perguntei se algueacutem conhecia ou se gostaria de conhecer Apresentamos cada um deles e depois solicitamos que fossem ao varal pegar o que fosse de interesse do grupo Como era de imaginar a grande maioria foi para o lado dos contos claacutessicos europeus
30 Interagia enquanto professora itinerante da sala de leitura uma vez por semana
42
Eu e Pacircmela (bolsista da extensatildeo) insistimos na provocaccedilatildeo mostrando os outros
livros ldquoE aqueles livros ningueacutem quer lerrdquo
Ateacute que uma estudante negra foi ateacute o livro ldquoCadecircrdquo (Graccedila Lima) e o pegou Haacute em
sua capa um menininho negro e pensei naquele momento que talvez houvesse uma
tiacutemida identificaccedilatildeo por parte da menina com o personagem O livro conta a histoacuteria das
fantasias de um menino pequeno que vai descobrindo o mundo ao seu redor A cada
descoberta uma surpresa Nesse enredo uma mesa se torna uma girafa O sofaacute um
rinoceronte E a matildee participa junto com o menino dessas descobertas emoccedilotildees e
fantasias
A partir de sua escolha questionamos aos colegas se eles gostariam de ouvir a
histoacuteria daquele livro Cabe ressaltar que esta menina demonstrava ao longo das atividades
uma identificaccedilatildeo positiva com a sua cor sem recusas quando lhe era proposto ser
personagem negra por exemplo Entre os 14 alunos 10 concordaram em ouvir Ao final da
histoacuteria perguntamos se ali tinha algueacutem parecido com o menininho do enredo e trecircs
crianccedilas disseram prontamente que sim que eram muito parecidos
Fizemos tambeacutem uma votaccedilatildeo para saber quais as preferecircncias deles sobre os
claacutessicos O resultado foi 12 alunos votaram nos Trecircs porquinhos 10 em Joatildeo e o peacute de
feijatildeo 11 em Pinoacutequio 14 em Joatildeo e Maria 7 em Chapeuzinho vermelho 10 em Cinderela
Joatildeo e Maria foi o enredo de preferecircncia da turma Importante ressaltar que a votaccedilatildeo
naquele primeiro momento foi para sondar as preferecircncias Ao longo das atividades e
oficinas estabelecemos diaacutelogos com as obras a partir de sua releitura e intercaladas com
as obras eacutetnico-raciais
43
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I Fonte Daise dos Santos Pereira
Apoacutes a contaccedilatildeo da histoacuteria do livro ldquoCadecircrdquo sugerimos que cada um registrasse em
um desenho em folha A4 a histoacuteria que quisesse Podia ser a que tiacutenhamos acabado de ler
ou uma das que estavam no varal Trecircs crianccedilas natildeo quiseram realizar a tarefa Dentre elas
dois meninos e uma menina Apesar disso pegaram os livros para folhear Dos 11 desenhos
entregues apenas dois representaram um livro de temaacutetica eacutetnica ldquoO Cabelo de Lelecircrdquo Os
demais foram representaccedilotildees de ldquoTrecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoChapeuzinho
Vermelhordquo Em um dos desenhos havia 2 personagens que a estudante identificou como
Joatildeo e Maria e um terceiro personagem com feiccedilatildeo de mal identificado como ruim
Quando perguntamos quem era o personagem a estudante apontou para o livro ldquoChuva
de mangardquo que tem na capa um menininho negro
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (idade entre 5 e 6 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje demos continuidade agrave oficina de preferecircncia literaacuteria a partir dos livros que compotildee o acervo da escola Assim como realizado com a turma do Preacute-escolar I exibimos 12 livros sendo metade deles com a temaacutetica
44
eacutetnico-racial e a outra com os contos europeus Cabe ressaltar que na escola haacute pouca literatura com a temaacutetica eacutetnico-racial que atenda agrave faixa-etaacuteria do Preacute-escolar Neste sentido dois dos livros exibidos para os alunos estavam para aleacutem da faixa etaacuteria das crianccedilas Natildeo obstante a escolha por eles deveu-se aos nomes e ilustraccedilotildees da capa serem bem sugestivas Pensamos que poderiam aguccedilar a curiosidade das crianccedilas E foi o que aconteceu A turma possui um total de 18 alunos Neste dia estavam presentes apenas 12 O horaacuterio escolhido para as atividades foi o de 10h agraves 11h Este foi escolhido a partir de negociaccedilatildeo com a professora regente visto a sua solicitaccedilatildeo No entanto temos percebido grande necessidade de rever o horaacuterio da aula realizando-a no primeiro tempo pois entendemos que no iniacutecio do dia o aproveitamento da atividade eacute maior
Importante salientar que ao iniciarmos a pesquisa de campo nos deparamos com
diferentes limitaccedilotildees inclusive estruturais que consideramos relevantes evidenciar neste
trabalho No mecircs de agosto de 2015 a escola passou por obras em todo o preacutedio pois o
telhado desmoronou durante o recesso escolar Para natildeo haver prejuiacutezos nas atividades
escolares e natildeo deixar lacunas no calendaacuterio letivo foi decido que as aulas prosseguiriam
e a gestora improvisou duas ldquosalas de aulardquo dentro da biblioteca31 localizada em uma
estrutura anexa ao preacutedio em reforma Contamos tambeacutem com o quintal da escola onde
foi improvisado um espaccedilo com carteiras e quadro Vale ressaltar que a associaccedilatildeo de
moradores cedeu o espaccedilo para as aulas de 2 turmas do turno da manhatilde Identificamos
assim que haacute uma boa relaccedilatildeo da escola com a comunidade e que a gestora juntamente
com sua equipe buscou soluccedilotildees para os problemas
Com todos esses acontecimentos na escola os momentos para o trabalho com as
crianccedilas ficaram um pouco limitados tendo em vista a necessidade de reestruturaccedilatildeo dos
tempos e espaccedilos da escola e assim a adaptaccedilatildeo dos estudantes A turma do Preacute-escolar
II da manhatilde ficou um pouco prejudicada na atividade de leitura pois com a mudanccedila da
rotina ao final do dia as crianccedilas estavam bastante agitadas dificultando a realizaccedilatildeo de
nossa proposta No horaacuterio da tarde quando realizamos a atividade com o Preacute-escolar I o
horaacuterio era mais flexiacutevel pois a escola possuiacutea apenas 3 turmas
Intencionaacutevamos no primeiro momento realizar uma sensibilizaccedilatildeo para as
literaturas expostas para em seguida identificar as preferecircncias das crianccedilas Em um
segundo momento contariacuteamos a histoacuteria escolhida e depois iriacuteamos sugerir ilustraccedilotildees
31 Temos em nossa escola uma biblioteca comunitaacuteria que faz parte de iniciativas de organizaccedilotildees natildeo governamentais das seguintes instituiccedilotildees Instituto Ecofuturo e ONG Aacutegua Doce
45
que representassem a histoacuteria narrada No entanto o curto tempo inviabilizou estas accedilotildees
Apesar disso coletamos as preferecircncias dos estudantes acerca das literaturas Como jaacute
sinalizado anteriormente expusemos as 12 obras Das obras relacionadas agrave relaccedilotildees
eacutetnico-raciais apenas uma chamou atenccedilatildeo dos alunos talvez pela capa e pelo nome
sugestivo ldquoBichos da Aacutefricardquo Nenhuma das obras era conhecida pelos alunos Ao contraacuterio
dos claacutessicos onde se destacou a histoacuteria dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II Fonte Daise dos Santos Pereira
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar II
Tendo em vista o interesse dos estudantes pela obra dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo a escolhemos como tema central para guiar nossa atividade de hoje que visa identificar a percepccedilatildeo que as crianccedilas trazem do negro Eacute sabido que toda accedilatildeo educativa eacute potencializada quando os conhecimentos e interesses preacutevios dos estudantes satildeo reconhecidos para integrar as atividades cotidianas Segundo a Sociologia da Infacircncia o coletivo deve exercer uma grande importacircncia no cotidiano escolar e sendo a crianccedila um ator social eacute preciso considerar que ela estaacute a todo momento negociando compartilhando e criando cultura com os adultos e entre seus pares A atividade transcorreu inicialmente com a contaccedilatildeo
46
da histoacuteria Havia na turma 9 alunos sendo que apenas 7 participaram da atividade pois 2 estudantes precisaram ir embora mais cedo devido a conduccedilatildeo32 Propositalmente invertemos as cores dos personagens os porquinhos que no geral se apresentam nas cores rosa ou branco foram representados em marrom O lobo que tendencialmente eacute preto ou marrom foi apresentado como branco Tal provocaccedilatildeo baseou-se em uma ideia construiacuteda ao longo da histoacuteria de que o negro seria a origem de todo o mal E assim queriacuteamos realizar uma ruptura com o padratildeo ldquobranco divinizado x negro endemoniadordquo Tambeacutem intencionaacutevamos perceber se haveria algum impacto na percepccedilatildeo das crianccedilas (Narrativa registrada no meu caderno de campo dia 18082015)
Optamos por contar a histoacuteria usando nossas taacuteticas de praticantes do cotidiano
(CERTEAU 1994) Assim confeccionamos um avental temaacutetico com fantoches para
narrarmos a histoacuteria dos Trecircs Porquinhos
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tivemos a participaccedilatildeo direta de todos os discentes ao longo da narrativa Estavam
atentos a cada movimento Ao final do enredo os estudantes disseram a claacutessica frase ldquoE
eles viveram felizes para semprerdquo
Interrompi-os dizendo que a histoacuteria ainda natildeo tinha acabado Contei-lhes que havia
duas famiacutelias muito interessadas em adotar os dois porquinhos mais novos e que noacutes
32 O ocircnibus nesta regiatildeo passa de hora em hora Precisamos alterar o horaacuterio das aulas em virtude dos estudantes terem que sair meia hora antes do teacutermino das oficinas
47
teriacuteamos uma tarefa muito importante escolher qual seria a famiacutelia ldquomais legalrdquo para
adotar os dois porquinhos
As imagens construiacutedas para representar as duas famiacutelias eram com as seguintes
caracteriacutesticas a primeira famiacutelia sendo branca com olhos azuis de cabelos lisos com pai
matildee e um casal de filhos pequenos Enquanto a segunda famiacutelia era representada por
pessoas negras com avoacute avocirc pai matildee e um casal de filhos pequenos Assim expusemos
os dois cartazes cada um com um retrato da famiacutelia e uma casa representando o lar de
tijolos com o tiacutetulo Famiacutelia legal
Cada crianccedila recebeu uma ficha com o seu respectivo nome para colocar no cartaz
conforme fosse solicitado As perguntas que dinamizaram as escolhas foram ldquoQual eacute a
famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Tivemos muito cuidado
para natildeo influenciar na opiniatildeo deles com as nossas falas
Chamamos entatildeo a primeira aluna dentre os sete que estavam participando da
aula Perguntamos sobre sua escolha prontamente respondeu que a famiacutelia era legal
porque era da mesma cor dos porquinhos e tambeacutem igual a ela Fomos chamando os
demais que escolheram a famiacutelia branca Todos responderam que aquela era a famiacutelia mais
legal pois pareciam com eles ndash os estudantes ndash que eram brancos Dentre os cinco que
deram esta resposta trecircs foram bastante expressivos respondendo prontamente sem
hesitar
O uacuteltimo aluno a realizar a escolha optou pela famiacutelia afro-brasileira Respondeu que
a famiacutelia era legal porque era igual a ele e ao ldquoporquinho pretinhordquo Foi uma resposta
surpreendente pois ateacute entatildeo em atividades anteriores os indiacutecios apresentados por esse
estudante eram de distanciamento da figura do negro
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo A escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar I
A turma do Preacute-escolar composta inicialmente por 18 estudantes natildeo estava completa Contamos nesse dia com apenas 14 alunos A dinacircmica foi a mesma realizada com a turma do ldquoPreacute IIrdquo e no primeiro momento das aulas Escolhemos o enredo dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo tendo em vista que este conto tambeacutem faz parte do repertoacuterio de preferecircncias literaacuterias dos estudantes Iniciamos a contaccedilatildeo de histoacuteria a partir de fantoches
48
como jaacute sinalizado anteriormente A inversatildeo das cores dos personagens natildeo provocou nenhum comentaacuterio por parte dos estudantes Durante todo enredo os estudantes se colocaram atentos e participativos a cada provocaccedilatildeo Quando foram chamados a realizar a tarefa de escolher as famiacutelias para adoccedilatildeo dos 2 porquinhos prontamente pegaram as fichas com seus nomes Vale ressaltar que estas crianccedilas jaacute fazem o reconhecimento de seus nomes e tambeacutem de seus colegas agrave exceccedilatildeo de uma estudante A cada crianccedila escolhida para votar faziacuteamos o seguinte questionamento ldquoQual eacute a famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Timidamente as crianccedilas iam ateacute os cartazes e escolhiam as famiacutelias Como jaacute relatado eram dois modelos de famiacutelia uma branca e outra negra As primeiras escolhas foram para as famiacutelias brancas e as respostas quando questionadas sobre a razatildeo da escolha eram ldquoPorque simrdquo Ateacute o momento em que uma crianccedila negra votou na famiacutelia negra Mas natildeo quis dizer a razatildeo O resultado foi 9 crianccedilas escolheram a famiacutelia branca e 5 escolheram a famiacutelia negra Dentre as que escolheram a famiacutelia branca a maioria eu considero como crianccedila branca ou parda As crianccedilas que escolheram a famiacutelia negra satildeo identificadas como uma eacute negra e as demais pardas (Narrativa da oficina em meu caderno de campo dia 18082015)
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) Fonte Daise dos Santos Pereira
Essas oficinas iniciais abriram caminhos para que houvesse uma mudanccedila na cultura
escolar no sentido de tornaacute-la acolhedora agrave diversidade Elas revelaram a necessidade de
construccedilatildeo de um ambiente que provocasse a ruptura com as histoacuterias uacutenicas Aleacutem de
49
identificarmos a ausecircncia de imagens e materiais que evidenciassem a etnia de matriz afro-
brasileira no espaccedilo escolar identificamos que a maioria das crianccedilas natildeo se identificava
com sua origem eacutetnica
Cuidamos a partir de entatildeo para que os murais de nossa escola passassem a ter
personagens negros bem como brancos e indiacutegenas As estantes de nossas salas passaram
a ter natildeo soacute os contos claacutessicos europeus Outras histoacuterias passaram a fazer parte do acervo
das salas e os estudantes passaram a pedir para ouvir e contar histoacuterias protagonizadas por
afrodescendentes E elas agora compotildee o acervo particular das salas de aula33
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tambeacutem foi iniciado um projeto de incentivo agrave leitura onde os estudantes do Preacute-
escolar levavam para as suas casas semanalmente livros da temaacutetica eacutetnico-racial
(indiacutegena e africana) Para que esse projeto acontecesse houve a necessidade de descobrir
aonde estavam essas literaturas
33 Obras mais solicitadas pelos estudantes Cadecirc (Graccedila Lima) Abareacute (Graccedila Lima) O Senhor da Histoacuterias (Wellington Srbek) O Cabelo de Lelecirc (Valeacuteria Beleacutem) A menina e o tambor (Mariacircngela Haddad) Menina bonita do laccedilo de fita (Ana Maria Machado) e as lendas do Baobaacute e a da Mirindiba
50
Com a colaboraccedilatildeo da funcionaacuteria da biblioteca da escola e da bolsista de extensatildeo
achamos 39 livros da temaacutetica procurada alguns catalogados e outros natildeo Havia mais
livros infanto-juvenis do que infantis34 para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar
Apoacutes esses achados decidimos elaborar um cataacutelogo35 com as obras eacutetnicas para
potencializar as nossas accedilotildees e viabilizar o contato dos docentes da escola com essas
literaturas
As accedilotildees proporcionaram resultados positivos desde o iniacutecio da pesquisa Pudemos
perceber o fortalecimento das identidades dos estudantes negros o respeito e o diaacutelogo
com a diversidade quando os estudantes em sua maioria passaram a optar por enredos
protagonizados por crianccedilas mulheres e homens afrodescendentes A parceria com as
famiacutelias tambeacutem foi fundamental nesse processo que para aleacutem de contribuir para o
rompimento com as histoacuterias uacutenicas ajudou na formaccedilatildeo de sujeitos leitores responsaacuteveis
e cuidadosos com os livros que carregavam e que teriam que retornar na semana seguinte
para dar continuidade aos empreacutestimos36
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas Fonte Arquivo pessoal da autora
34 Esse problema nos levou a confeccionar alguns livros infantis Estes foram baixados na internet e podem ser encontrados na paacutegina do projeto de extensatildeo 35 Esse cataacutelogo foi um primeiro produto gerado pelo projeto e estaacute disponiacutevel em httpswwwfacebook comoensinodasrelacoesetnicoraciaisartesdefazerphotostab=albumampalbum_id=1561437514148129 36 Dispuacutenhamos de 8 livros infantis para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar Cada turma ficou com 4 livros que semanalmente contemplavam 4 estudantes
51
Nesse primeiro momento para aleacutem de construir uma cultura inclusiva (BOOTH e
AISCOW 2011) no ambiente escolar estaacutevamos buscando alcanccedilar a todos familiares
estudantes e professores
43 OFICINA 3 - CONHECENDO MARIA A MENINA QUE VEIO DO CONGO
A histoacuteria que vocecircs iratildeo ouvir aconteceu haacute algum tempo quando as pessoas eram vendidas como coisas e obrigadas a servir os mais fortes como escravos37 Nossa personagem principal eacute a menina Maria que nasceu no Continente Africano em um paiacutes chamado Congo Maria nasceu em 1792 Ela sua famiacutelia e seus amigos foram trazidos para o Brasil pelos portugueses para trabalharem pesado Maria e os demais africanos sofreram muito para chegar ao Brasil Na eacutepoca o uacutenico transporte que fazia longas viagens era o navio E o que transportava os africanos chamava-se navio negreiro Os navios atravessavam o oceano atlacircntico e isso durava meses de muito sofrimento Quem mais sofria nessa viagem eram as crianccedilas pois natildeo tinham o que comer beber vestir dormir e brincar Elas choravam assustadas ao ver tanta dor e sofrimento As matildees faziam de tudo para diminuir aquela dor e trazer um pouco de alegria para seus filhos Sabendo que Maria gostava muito de bonecas a matildee dela resolveu cortar pedaccedilos de sua roupa para fazer uma boneca para ela A matildee de Maria e outras mulheres em um gesto de amor rasgam suas roupas com as proacuteprias matildeos e fazem bonecas muito especiais chamadas Abayomi Satildeo pequenas bonecas negras feitas de pano e sem costura apenas com noacutes ou tranccedilas A palavra abayomi tem origem no Iorubaacute e significa aquele que traz felicidade ou alegria Sabemos que o ato de rasgar as roupas com suas proacuteprias unhas representa um grande gesto de amor de uma matildee que quer ver seu filho feliz A matildee de Maria estava dando o que ela tinha de melhor as suas vestes Dar uma boneca Abayomi a algueacutem eacute um ato de carinho e nobreza Desde esse dia Maria guardou com muito cuidado e carinho o presente de sua matildee Quando em 1804 chegou ao Brasil aos 12 anos ela carregava sua boneca no colo Infelizmente foi separada de sua famiacutelia e vendida para um senhor de engenho em Salvador Aos 18 anos foi transferida para o Rio de Janeiro E com 24 chegou no Porto de Piedade em Mageacute Cidade onde construiu um linda histoacuteria mas que poucos tiveram o privileacutegio de conhecer Vamos assim como Maria confeccionar uma abayomi e presentear a quem noacutes amamos38
37 Importante ressaltar que os negros natildeo nasceram escravos A expressatildeo escravizados marca um processo de pessoas que sofreram com a escravidatildeo Jaacute a expressatildeo escravo remete a condiccedilatildeo de quem foi considerado como uma simples mercadoria 38 Releitura da histoacuteria da boneca Abayomi resignificada a partir da biografia da liacuteder quilombola mageense Maria Conga Esta narrativa foi construiacuteda por mim a fim compor a oficina de contaccedilatildeo de histoacuterias
52
A narrativa acima abre a oficina que resgatou a histoacuteria da liacuteder quilombola mageense
Maria Conga39
Maria Conga nasceu no Continente africano no ano de 1792 Veio para o Brasil pilhada junto com seus pais e irmatildeos por volta de 1804 Ganhou a liberdade apoacutes 11 anos de trabalho e logo foi alforriada por volta do ano 1854 Aos 35 anos de idade assumiu o compromisso de lutar pela liberdade e dignidade de sua raccedila Dela ficou a lembranccedila de que nunca a viu chorar Contavam que foi estuprada pelo senhor de engenho e que ele tinha tomado seu corpo poreacutem natildeo a sua alma Mulher de luta mulher guerreira Maria fez histoacuteria no municiacutepio de Mageacute A partir de sua alforria Maria iniciou sua trajetoacuteria como lideranccedila deste quilombo Recebendo aqui os escravos fugidos de diversas outras comunidade e fazendas que jaacute conheciam ou ouviram falar da mulher que Maria era e representava para todos eles Aqui Maria vivia com orgulho Aqui Maria mulher negra escrava guerreira alforriada protegia seus irmatildeos e os acolhia Aqui morreu Maria Maria Guerreira Que veio do Congo Orgulho de ser Quilombola40
Esta oficina foi dividida em duas partes em um primeiro momento foi realizada a
contaccedilatildeo de histoacuteria para os pais e estudantes das duas turmas de Educaccedilatildeo Infantil (Preacute-
escolar I e II)41 e no segundo momento foi realizada a confecccedilatildeo de bonecas abayomis
onde as matildees tias avoacutes e irmatildes dos estudantes agrave moda das negras confeccionaram
bonecas com apenas alguns pedaccedilos de pano para a diversatildeo de suas crianccedilas
Os fios condutores da elaboraccedilatildeo desta oficina foram alguns dos valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e femininos representados pela oralidade ludicidade memoacuteria
cooperativismo e ancestralidade Evidenciar a histoacuteria de uma mulher quilombola que eacute
hoje esquecidadesconhecida em sua proacutepria ldquoaldeiardquo por meio desses valores foi o
objetivo desta oficina
Esta pesquisa com os atores sociais de uma escola no Municiacutepio de Mageacute natildeo estaria
completa sem o descortinar das memoacuterias da ancestral negra pobre e guerreira que lutou
ateacute o fim da vida pelos seus representando para noacutes uma heroiacutena a contrapelo
Certamente as relaccedilotildees de poder que classificam excluem e segregam fizeram questatildeo de
39 Maria Conga foi reconhecida no ano de 1988 (centenaacuterio da Aboliccedilatildeo da escravatura) heroiacutena negra mageense No ano de 2007 o quilombo por onde passou torna-se reconhecido por seu valor histoacuterico pela Fundaccedilatildeo Palmares 40 Narrativa do documentaacuterio Maria Conga Orgulho de ser Quilombola Disponiacutevel em lthttpcinemina pontodevisaoblogspotcombrgt Consultado em 06042016 41 Esta oficina foi realizada nas duas turmas tendo duraccedilatildeo de 1h30 minutos
53
submergir a imagem desta personalidade por meio do racismo e preconceito42 Natildeo
obstante enquanto professora-pesquisadora mageense e sensiacutevel aos silenciamentos
acerca do passado e dos heroacuteis que a histoacuteria oficial natildeo privilegia eacute que me movo em
direccedilatildeo agraves praacuteticas inclusivas que propotildeem um olhar diferenciado para o outro da
diversidade
Entendemos que para ser universal eacute preciso comeccedilar pintando a proacutepria aldeia De
fato os primeiros traccedilos de uma educaccedilatildeo inclusiva para a diversidade comeccedilaratildeo a ganhar
nuances quando em nossas praacuteticas cotidianas rompermos com a educaccedilatildeo monocultural
machista e reducionista que o sistema educacional nos impotildee Quando o professor
compreender que seu saber eacute poder suas ldquoartes de fazerrdquo (CERTEAU 1994) o levaratildeo a
ldquoaldeiasrdquo ateacute entatildeo inimaginaacuteveis
Portanto reforccedilo que urge o rompimento de praacuteticas educativas excludentes que
marginalizam as histoacuterias locais e de seus heroacuteis e heroiacutenas sejam brancos negros ou
indiacutegenas Os nossos estudantes tecircm o direito de ouvir e contar outras histoacuterias histoacuterias
de seu povo de um passado que ainda sobrevive nos seus modos de falar agir danccedilar
sorrir e brincar
A proposta pensada inicialmente era a contaccedilatildeo de histoacuteria para os estudantes
seguida da confecccedilatildeo das bonecas abayomis com o auxiacutelio da professora regente e da
bolsista de extensatildeo No entanto apoacutes reflexotildees sobre os proacuteprios valores da cultura afro-
brasileira e tambeacutem sobre a necessidade de tornar conhecida ndash em maior extensatildeo ndash a
histoacuteria de uma heroiacutena negra mageense talvez nunca antes contada nas escolas de Mageacute
decidimos convidar as matildees avoacutes tias e irmatildes para participarem desse momento
Reconhecendo a potecircncia da accedilatildeo coletiva na educaccedilatildeo da crianccedila e recordando o
valores civilizatoacuterios afro-brasileiro do cooperativismo memoacuteria e ludicidade iniciamos a
dinamizaccedilatildeo da histoacuteria para tornar conhecida a vida da menina Maria que veio do Congo
A oralidade por meio da contaccedilatildeo de histoacuteria nos permitiu compartilhar saberes e
ao passo que eu a narrava sabia que natildeo estava soacute pois os olhares que se voltavam para
mim estavam afetados de algo que chamo de Ubuntu filosofia africana que diz que ldquoeu sou
porque noacutes somosrdquo
42 A figura de Maria Conga eacute na religiatildeo de matriz afro-brasileira (Umbanda) considerada como uma entidade espiritual
54
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) Fonte Arquivo pessoal da autora
Ao longo do enredo a fala vinha acompanhada de imagens43 do artista francecircs Jean-
Baptiste Debret do pintor alematildeo Johann Moritz Rugendas e do fotoacutegrafo franco-brasileiro
Marc Ferrez Estes representaram o sofrimento de nossos ancestrais no Navio Negreiro e
as relaccedilotildees crueacuteis estabelecidas entre os senhores brancos e os africanos escravizados Ao
longo da narrativa era possiacutevel perceber os olhares atentos para a vida daquela Maria
Esta que era uma deles e eles naquele momento jaacute faziam parte dela Ao final uma matildee
surpreendida com a histoacuteria disse ter gostado do que ouviu e lamentou natildeo a ter
aprendido no tempo em que esteve na escola
Estaacutevamos formando pessoas que contariam essa histoacuteria para as futuras geraccedilotildees
Essa experiecircncia nos provocou a pensar na importacircncia de extrapolar os muros da escola
de modo que todos sejam afetados e assim afetem outras consciecircncias De certo que
concordamos com a sabedoria dos povos indiacutegenas e africanos quando afirmam que ldquoeacute
preciso uma aldeia inteira para educar uma crianccedilardquo
43 No iniacutecio do seacuteculo XIX Jean-Baptiste Debret retratou o cotidiano dos senhores e dos escravizados em uma das missotildees artiacutesticas francesas pelo Brasil O alematildeo Johann Moritz Rugendas pintou os povos e costumes que encontrou durante suas viagens pelo Brasil no periacuteodo de 1822 a 1825 Marc Ferrez (1843-1923) foi um fotoacutegrafo que retratou cenas do Impeacuterio e iniacutecio da Repuacuteblica (1865 e 1918) Seu trabalho eacute um dos mais importantes legados visuais daquelas eacutepocas Todas as imagens utilizadas na oficina estatildeo no anexo 722
55
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso
ldquoVou te contar os olhos jaacute natildeo podem ver rdquo (Tom Jobim)
Imaginemos um povo arrancado brutalmente de sua terra que atravessou o Atlacircntico em tumbeiros escravizado humilhado mas que natildeo perdeu a capacidade de sorrir de brincar de jogar de danccedilar e assim conseguiu marcar a cultura de um paiacutes com este profundo desejo de viver e ser feliz Isso resume a ludicidade na perspectiva a favor da vida da humanidade da sobrevivecircncia A alegria frente ao real ao concreto ao aqui e ao agora da vida (Ludicidade Da Cor da Cultura)44
Abayomi que na liacutengua Iorubaacute representa encontro precioso (Abay ndash encontro Omi
ndash precioso) eacute feita de pano (podendo ser retalhos) noacutes e sem qualquer costura Natildeo possui
nariz boca olhos e orelhas justamente para representar os vaacuterios povos de diferentes
civilizaccedilotildees e reinos que aqui chegaram Confeccionar uma boneca Abayomi eacute ir ao
encontro de sentimentos bons e nobres de uma gente que sabe que soacute vai ser feliz quem
viver para fazer da existecircncia do outro mais leve mais livre e mais fecunda
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
44 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
56
Apoacutes a confecccedilatildeo da boneca com a ajuda das mulheres (matildees avoacutes tias e irmatildes) que
ali estavam e de noacutes professoras e bolsista ficou acordado com elas que dessem a boneca
de presente para seus filhos da mesma maneira que evidencia a histoacuteria Contudo aquelas
crianccedilas que por ventura natildeo tiveram a presenccedila de seus responsaacuteveis fariam o inverso
Assim ao chegar em casa contariam para sua famiacutelia a histoacuteria presenteando algueacutem da
famiacutelia com a boneca
Em seguida permitimos que os estudantes45 brincassem entre si de modo que fosse
um momento de folga pausa e relaxamento criteacuterios entendidos como fundamentais na
constituiccedilatildeo do brincar segundo as Diretrizes Curriculares para a Educaccedilatildeo Infantil
(DCNEI46)
Na brincadeira eacute possiacutevel perceber os modos de representaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da
crianccedila por meio da linguagem do pensamento das accedilotildees Desse modo eacute evidenciado
uma caracteriacutestica muito proacutepria da crianccedila a sua identidade enquanto produtora de
cultura Ela natildeo apenas reproduz comportamentos sociais como tambeacutem os reinventa de
maneira criativa e singular
Em um dado momento da interaccedilatildeo percebi que os meninos estavam bastante
eufoacutericos com aquele artefato Me aproximei afim de entender as relaccedilotildees que estavam
sendo estabelecidas Certamente influenciada pelos estereoacutetipos de gecircnero acreditei que
fosse ter conflitos entre os meninos ao propor a confecccedilatildeo de bonecas Me surpreendi
com o modo que eles burlaram o sistema de regras socialmente construiacutedas onde
esperamos coisas diferentes de meninos e meninas (SILVA 2007 p 92)
Ao me aproximar desses atores provoquei-os questionando sobre os nomes que
dariam para suas bonecas O primeiro estudante titubeou em responder enquanto os
colegas gritavam vaacuterios nomes dentre eles Ana Mas o que agradou foi Emanuele Logo os
proacuteximos estudantes afirmaram natildeo se tratar de uma boneca mas um boneco e
escolheram os seguintes nomes Silvio Santos Ratinho Moiseacutes Aaratildeo Estes dois uacuteltimos
segundo eles eram por causa da novela ldquoOs dez mandamentosrdquo47 Alguns apontaram para
as roupas (eram vestidos e saias) demonstrando sua semelhanccedila com os personagens
45 A partir desse momento estaremos fazendo menccedilatildeo aos estudantes do Preacute-escolar II 46 Definidas pela Resoluccedilatildeo CNECEB ndeg 5 de 17 de dezembro de 2009 47Os Dez Mandamentos eacute uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Record Escrita por Vivian de Oliveira e com direccedilatildeo geral de Alexandre Avancini Eacute uma adaptaccedilatildeo de quatro dos livros que compotildeem a Biacuteblia Ecircxodo Leviacutetico Nuacutemeros e Deuteronocircmio
57
biacuteblicos do antigo testamento A imaginaccedilatildeo e a criatividade dos estudantes transformaram
suas bonecas em personagens outros nos levando a refletir sobre o fato de que ao brincar
a crianccedila se apropria de elementos do meio sociocultural de origem (DELGADO MULLER
2005 p 163)
Neste instante pude compreender na relaccedilatildeo com a cultura infantil a reproduccedilatildeo
interpretativa na empiria e o quanto o diaacutelogo entre os pares (crianccedilas) revela os interesses
e saberes para os que estatildeo no entorno Ao relacionarem a boneca a algo que lhes eacute
familiar os estudantes estatildeo reproduzindo a cultura em que vivem fazendo uso da
imitaccedilatildeo de modo criativo e prazeroso A respeito do prazer concordamos com Gomes
(2008) quando afirma
As crianccedilas natildeo adiam o prazer ao contraacuterio buscam-no nas suas brincadeiras e nos jogos e para isso utilizam as brechas modificam e rompem ndash ainda que momentaneamente ndash com os gostos as crenccedilas as regras e os valores culturais Assim elas vivenciam as regras e tecircm experiecircncias imediatas diversas e uacutenicas que alteram e destroem as
significaccedilotildees da vida cotidiana (p 187)
Diante do exposto eacute possiacutevel afirmar que o cotidiano da Educaccedilatildeo Infantil estaacute
repleto de desafios que precisam ser evidenciados E mesmo sendo este trabalho de
pesquisa voltado para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais dentro da perspectiva da
diversidade e da inclusatildeo se faz importante dar atenccedilatildeo agraves praacuteticas sexistas tatildeo comuns na
escola que limitam a percepccedilatildeo da pluralidade humana
Nossa experiecircncia com essa oficina nos levou a reafirmar que a crianccedila eacute capaz de
burlar a visatildeo monoliacutetica e reprodutivista da educaccedilatildeo quando na relaccedilatildeo com o outro eacute
permitido o exerciacutecio pleno de sua imaginaccedilatildeo curiosidade e criatividade
44 OFICINA 4 - UMA SENSIBILIZACcedilAtildeO PARA A PEDAGOGIA GRIOcirc
A fala a palavra dita ou silenciada ouvida ou pronunciada ndash ou mesmo segregada ndash tem uma carga de poder muito grande Pelana oralidade os saberes poderes quereres satildeo transmitidos compartilhados legitimados Se a fala eacute valorizada a escuta tambeacutem eacute O conto a lenda a histoacuteria a muacutesica o dito o natildeo dito o fuxico A palavra carrega uma grande e poderosa carga afetiva (Oralidade ndash A Cor da Cultura48)
48 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
58
Esta quarta oficina foi dividida em dois periacuteodos distintos que compreenderam a
contaccedilatildeo de histoacuteria por parte das avoacutes agraves quais chamamos de griocirctes e um segundo
momento que foi a representaccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos estudantes do Preacute-escolar
I e II por meio de massinha de modelar para que em uma fase posterior tais produccedilotildees se
transformassem em um viacutedeo animado para ser compartilhado na rede social49
Tendo em vista que cada oficina dura cerca de 50 minutos a 1h e que acontece uma
vez por semana precisamos de trecircs semanas para concluir com os estudantes a
representaccedilatildeo das histoacuterias que ouviram Ao todo as etapas desta 4ordf oficina
compreenderam um mecircs de duraccedilatildeo nas duas turmas que denominarei de Turma A e
Turma B A seguir descrevo as potencialidades dessas accedilotildees
Ao reconhecer a fecundidade da palavra ndash dita cantada silenciada ndash na construccedilatildeo
de um indiviacuteduo trazemos para esta oficina uma accedilatildeo que buscou valorizar os aspectos da
tradiccedilatildeo oral uma vez que vivemos em uma sociedade hierarquicamente grafocecircntrica
Importante sinalizar que o caraacuteter letrado da escola natildeo lhe confere status de democraacutetica
no acesso aos bens culturais ndash sobretudo aos bens imateriais ndash uma vez que os saberes
reconhecidos estatildeo limitados aos conhecimentos cientiacuteficos produzidos por um
determinado grupo
Entendemos que os saberes da experiecircncia dos atores da comunidade satildeo tatildeo
importantes quanto os conhecimentos cientiacuteficos que permeiam a loacutegica da escola Por
esse motivo esta oficina objetivou vincular os saberesfazeres dos idosos (avoacutes dos
estudantes) da comunidade com as vivecircncias cotidianas da praacutetica escolar Eacute sabido que
quanto mais proacutexima a comunidade estiver da escola mais potente se torna o processo de
ensino aprendizagem A sabedoria africana que jaacute mencionamos de que eacute preciso toda
uma aldeia para educar uma crianccedila ganha forccedila e legitimidade em nossas accedilotildees que
prezam pela coletividade e cooperativismo
Assim conduzidos principalmente pela perspectiva dialoacutegica onde o conhecimento
se constroacutei pela interaccedilatildeo entre e com o outro abrimos as portas da escola para que novas
relaccedilotildees fossem estabelecidas Privilegiamos a figura da avoacute nesse momento por ela
representar uma personalidade que carrega histoacuterias de vida ricas de afetos sensibilidade
e memoacuterias que por vezes ficaram esquecidas no imaginaacuterio coletivo Aleacutem disso
49 O viacutedeo eacute encontrado na paacutegina do projeto httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnicoraciais artesdefazer
59
buscamos descontruir valores hierarquizados de nossa sociedade ndash fruto da loacutegica
ocidental ndash onde o idoso natildeo possui importacircncia social pois jaacute natildeo tem o vigor de outrora
para beneficiar o mercado capitalista com sua forccedila de trabalho Inevitavelmente essa
ideia se perpetua por diversas instituiccedilotildees sociais chegando agrave escola de maneira sutil
Contudo o nosso objetivo eacute romper com esses valores dominantes entatildeo legitimados e
propor novos olhares sobre os mais velhos que segundo a ancestralidade africana
possuem um saber-poder imbuiacutedo de um grande legado o de ter sido testemunha e
sobrevivente da histoacuteria
Desse modo nos apropriamos da Pedagogia Griocirc como um caminho metodoloacutegico
possiacutevel para construccedilatildeo de experiecircncias instituintes onde a vida eacute valorizada na sua
integralidade Tal pedagogia tem ligaccedilatildeo direta com a memoacuteria oralidade ancestralidade
dentre outros valores
Criada pela educadora Lilian Pacheco50 a Pedagogia Griocirc dialoga com metodologias
ativas como educaccedilatildeo biocecircntrica dialoacutegica educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais arte
educaccedilatildeo comunitaacuteria e educaccedilatildeo para a corporeidade A idealizadora desta proposta
vislumbrou romper com a loacutegica cientiacutefico instrumental da escola por meio da valorizaccedilatildeo
do patrimocircnio cultural brasileiro (danccedila contos lendas tradiccedilotildees) Ao evidenciar os
saberes tradicionais a partir da oralidade eacute dado a entender que o conhecimento natildeo eacute
propriedade de determinados grupos (letrados diga-se de passagem) tatildeo pouco estaacute
restrito aos livros
Com isso a figura do mestre griocirc ganha destaque De origem francesa a palavra griot
eacute traduzida para o portuguecircs ganhando as seguintes expressotildees griocircs (homens) e griocirctes
(mulheres) Segundo Pacheco (2006) os griocircs satildeo oriundos da regiatildeo do Mali51 paiacutes
colonizado por franceses A partir de uma reinvenccedilatildeo dos portugueses podemos entendecirc-
los como aqueles que gritavam em praccedila puacuteblica afim de tornar conhecida e jamais
esquecida suas memoacuterias tradiccedilotildees e ancestralidade Assim de maneira mais completa o
griocirc eacute entendido como
() todo(a) cidadatildeo(atilde) que se reconheccedila e seja reconhecido(a) pela sua proacutepria comunidade como herdeiro(a) dos saberes e fazeres da tradiccedilatildeo
50 Conceito criado pela educadora Lilian Pacheco coordenadora da ONG Gratildeos de Luz (LenccediloacuteisBA) Para outras informaccedilotildees consultar httpwwwacaogrioorgbr 51 Paiacutes situado ao Noroeste da Aacutefrica
60
oral e que atraveacutes do poder da palavra da oralidade da corporeidade e da vivecircncia dialoga aprende ensina e torna-se a memoacuteria viva e afetiva da tradiccedilatildeo oral transmitindo saberes e fazeres de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo garantindo a ancestralidade e identidade do seu povo52
Assim partindo da perspectiva do conceito de griocirc como universalizante por agregar
todos os segmentos de tradiccedilatildeo oral ndash muacutesicos rezadeiras cordelistas benzedeiras
poetas contadores de histoacuteria genealogistas dentre outros ndash nos apropriamos da
pedagogia que carrega princiacutepios da ancestralidade africana sob um vieacutes dialoacutegico com a
comunidade escolar Importante afirmar que um dos objetivos de nossa proposta de
pesquisa se justifica por entendermos que os conhecimentos da tradiccedilatildeo oral natildeo podem
se perder e que quando dialogados com a cultura escolar ndash que eacute fundamentalmente
escrita ndash ganham maiores significados para os atores da escola Portanto reconhecendo
que nossos atores sociais gritam silenciosamente em accedilotildees e omissotildees para serem
reconhecidos em suas subjetividades e nas suas histoacuterias de vida eacute que contamos histoacuterias
ateacute entatildeo nunca pronunciadas compartilhadas e sentidas naquele lugar do saber Entram
em cena as narradoras de Conceiccedilatildeo de Suruiacute nossas avoacutes nossas griocirctes
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II)
Taacute vendo essa estrada aiacute que vocecircs andam O pai o avocirc os tios de vocecircs que trabalharam na pedreira que ajudaram a construir Cada pedrinha que tem nessa estrada aiacute eacute do pai de vocecircs eacute do avoacute do Davi E vocecircs sabem porque eles trabalharam tanto Para fazer uma estrada boa para vocecircs andarem irem para o coleacutegio Quase todos os pais avoacutes tios de vocecircs trabalharam no calccedilamento da estrada Hoje quando chove ningueacutem tem que andar na lama (Vovoacute Ivete)
A narrativa acima eacute da avoacute de um estudante do Preacute-escolar II Dona Ivete assim como
eacute conhecida na regiatildeo tem 58 anos de idade e tem nanismo A escolha por ela ocorreu
porque estamos em um contexto onde a inclusatildeo da vida na sua diversidade deve ser uma
constante Por esse motivo foi com grande satisfaccedilatildeo que recebemos esta vovoacute que com
disponibilidade e afeto narrou memoacuterias de Conceiccedilatildeo de Suruiacute e de seus moradores de
uma maneira que muito nos surpreendeu
52 Informaccedilotildees disponiacuteveis na paacutegina da iniciativa Gratildeos de Luz e Griocirc ponto de cultura de onde iniciou a Pedagogia Griocirc httpwwwacaogrioorgbracao-grio-nacionalo-que-e-grio
61
Figura 7 A vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade Fonte Arquivo pessoal da autora
Vale destacar que natildeo houve um roteiro preacutevio porque nosso objetivo era que a vovoacute
nos fornecesse elementos de sua memoacuteria afetiva e tambeacutem optamos que o diaacutelogo com
as crianccedilas fosse o mais espontacircneo possiacutevel Dessa maneira ela inicia sua narrativa
remetendo agrave figura do neto enquanto algueacutem que tem histoacuterias a contar sobretudo
porque satildeo histoacuterias da comunidade que tecircm relaccedilatildeo direta com seus pais e avoacutes Assim
a vovoacute evidencia uma fase da histoacuteria que considera marcante natildeo soacute para ela mas para
todos daquela regiatildeo rural que foi a pavimentaccedilatildeo da estrada de Conceiccedilatildeo de Suruiacute Ao
passo que trazia os fatos descritos acima os estudantes dialogavam demonstrando
pertencimento ao que estava sendo dito sobretudo quando dizia a respeito da
participaccedilatildeo de suas famiacutelias na construccedilatildeo da estrada No processo ouvimos as seguintes
falas
ldquoMeu pai jaacute trabalhou na pedreira de carretardquo ldquoMinha avoacute falou que meu pai fez essas pedras pra colocar na ruardquo ldquoMeu avocirc trabalha na pedreira Ele coloca pedra nos caminhotildeesrdquo (Estudantes do Preacute II)
Nesse momento foi possiacutevel validar alguns dos objetivos da Pedagogia Griocirc dos
quais destacamos protagonismo dos sujeitos envolvidos que aqui evidenciamos o
62
protagonismo infantil e a criaccedilatildeo de viacutenculo afetivo com o passado com os
saberesfazeres da ancestralidade Mas esta pedagogia natildeo se limita agraves questotildees pontuadas
Para aleacutem delas eacute possiacutevel desenvolver habilidades e competecircncias que envolvem
corporeidade musicalidade religiosidade dentre outros aspectos
Para concluir evidenciamos que nossa griocircte a vovoacute Ivete parece entender bem o
poder da palavra compartilhada visto que atraiu a atenccedilatildeo de todos para si para suas
histoacuterias que tambeacutem eram as histoacuterias de vida daqueles estudantes Ficou entendido
naquele encontro que a regiatildeo em que vivem tem muitas memoacuterias que dialogam com o
presente E que os protagonistas satildeo os proacuteprios moradores da regiatildeo avoacutes pais tios
crianccedilas e adultos
Importante ressaltar que essa proposta buscou realizar um duplo movimento
empoderar quem conta a narrativa mas tambeacutem aquele que ouve Nessa troca dialoacutegica
eacute impossiacutevel natildeo trazer para a conversa o consagrado educador popular Paulo Freire
quando afirma que ldquoquem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprenderrdquo (FREIRE 2007 p 23)
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I)
E as histoacuterias natildeo podem parar
Quem reabre as janelas da histoacuteria que eacute continuidade da anterior eacute a dona Faacutetima
Ela eacute avoacute de uma estudante do Preacute-escolar II sempre morou na regiatildeo e tem 48 anos
Quando convidada para estar conosco compartilhando um pouco de suas memoacuterias dona
Faacutetima nos fez alguns questionamentos pois natildeo sabia por onde comeccedilar E um dos
motivos que a deixou insegura foi o fato de natildeo entender suas memoacuterias e da comunidade
onde cresceu como parte de uma histoacuteria que merece ser contada
Apoacutes algumas conversas dona Faacutetima parece ter entendido que em suas memoacuterias
poderiam ter aspectos importantes e interessantes E que desvelaacute-las seria uma
possibilidade de tornar conhecidos fatos marcantes da vida de uma comunidade que tem
sido desconsiderada ao longo do tempo Dessa maneira nossa griocircte de Conceiccedilatildeo de
Suruiacute pocircs-se a narrar suas vivecircncias mas natildeo soacute as dela fala tambeacutem de um grupo que
63
tem sobrevivido ao longo da histoacuteria por meio de muita luta por melhores condiccedilotildees de
vida E que hoje continua enfrentando desafios de vaacuterias ordens
Quando falamos que esta narrativa eacute continuidade da anterior natildeo eacute por acaso Vovoacute
Faacutetima traacutes para noacutes histoacuterias de trabalhadores da regiatildeo que transformaram suas
realidades a partir do trabalho Vovoacute Faacutetima relembra como foi sua infacircncia e juventude
naquela regiatildeo quando natildeo existia energia eleacutetrica nas ruas calccedilamento na estrada
transporte puacuteblico e estabelecimentos comerciais
ndash No meu tempo de crianccedila quando chovia as ruas ficavam cheias de lama com buracos Para sair de casa era muito difiacutecil Ocircnibus aqui nem sonhava em ter Natildeo tinha postes nas ruas Era uma escuridatildeo Hoje temos ruas iluminadas a estrada calccedilada e ocircnibus de hora em hora (Vovoacute Faacutetima)
A griocircte falava para duas turmas o Preacute-escolar II e o 1deg ano Enquanto narrava todos
estavam atentos e curiosos em descobrir o passado que eacute ao mesmo tempo tatildeo presente
em seus cotidianos visto que ainda haacute inuacutemeros problemas de infraestrutura baacutesica que
afetam diretamente a vida escolar daqueles estudantes Infelizmente o calccedilamento soacute
chegou na estrada principal As ruas que fazem ligaccedilatildeo com a estrada ficam em condiccedilotildees
precaacuterias quando chove aleacutem do transporte puacuteblico natildeo passar por elas E isso representa
um grande problema visto que alguns dos estudantes moram em lugares de difiacutecil acesso
tendo que andar mais de 2km para chegar na escola Um dos estudantes sinalizou que o
ocircnibus demora muito Tivemos que concordar pois satildeo poucos os coletivos que estatildeo
disponibilizados para rodar naquela aacuterea rural
Apoacutes suscitar reflexotildees acerca de questotildees estruturais do bairro as memoacuterias de
dona Faacutetima se encaminharam para uma outra importante fase da histoacuteria daquela regiatildeo
ao fazer menccedilatildeo ao engenho de farinha de mandioca que existe ali Para dialogar com ela
a vovoacute faz referecircncia a uma estudante do 1deg ano que eacute neta do responsaacutevel pelo engenho
A menina de 7 anos explica em detalhes para todos como eacute produzida a farinha de
mandioca mostrando-se sabedora daquele processo artesanal Todos escutaram
atentamente a brilhante narrativa da menina pois precisavam saber como eacute feito o
alimento que tanto gostam e que geralmente natildeo falta em seus lares a Farinha Suruiacute
64
Alimento este que nos finais de semana especiais se transforma em ldquofarofinha com
linguiccedila farofinha com ovordquo53
Nossa griocircte aos poucos foi se apropriando do seu lugar de fala reconhecendo-se
como sujeito histoacuterico que testemunhou fatos e sobrevive participando de novos
contextos com novos atores Oportunizar o (re)conhecimento de histoacuterias reais de vida no
diaacutelogo com o passado reconstroacutei um presente mais esperanccediloso com pessoas que se
enxergam enquanto atores de suas histoacuterias
Figura 8 A vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais Fonte Arquivo pessoal da autora
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias
Pudemos conhecer outras histoacuterias contadas pelos heroacuteis de Conceiccedilatildeo de Suruiacute na
oficina em que aproximamos as memoacuterias das avoacutes com a Pedagogia Griocirc Como sinalizado
anteriormente apoacutes esse momento com as avoacutes na semana seguinte os estudantes fariam
a representaccedilatildeo do que ouviram com uma atividade com massinhas de modelar O objetivo
53 Fala dos estudantes do Preacute-escolar I quando questionados sobre o que faziam com a farinha
65
dessa fase foi a releitura das narrativas de maneira criativa e prazerosa ao utilizar um
recurso pedagoacutegico que eacute parte da rotina escolar de crianccedilas pequenas
E com isso a partir da mediaccedilatildeo buscamos enriquecer os sentidos do estica enrola
amassa movimentos tatildeo comuns quando a crianccedila faz uso da massa de modelar mas que
satildeo caminhos para o desenvolvimento de inuacutemeras competecircncias nessa fase inicial de
escolarizaccedilatildeo54 Dentre as vaacuterias habilidades trabalhadas com o uso da massinha podemos
citar a motora a sensorial a olfativa e a visual
Concluiacuteda essa atividade luacutedica fotografamos suas produccedilotildees e registramos algumas
falas no caderno de campo para que junto das narrativas da griocirctes pudeacutessemos produzir
um pequeno viacutedeo para ser divulgado em miacutedias digitais Com esta proposta vislumbramos
dar um novo sentido aos saberesfazeres que encontramos na Educaccedilatildeo Infantil como
tambeacutem apontar caminhos para o uso das miacutedias digitais enquanto artefato tecnoloacutegico a
favor da praacutetica docente
45 OFICINA 5 - MUSICALIDADE E AS ldquoARTES DE FAZERrdquo
Inicialmente chamamos para a conversa o historiador francecircs Michel de Certeau
(1994) ao utilizarmos a expressatildeo ldquoas lsquoartesrsquo de fazerrdquo que segundo o autor satildeo taacuteticas
criativas que os praticantes do cotidiano ao se apropriarem dos tempos-espaccedilos vatildeo
criando
O trabalho com a linguagem musical eacute um desafio por se tratar de um campo de
conhecimento rico em sensibilidade poeacutetica percepccedilatildeo experimentaccedilatildeo criaccedilatildeo e
reflexatildeo Mesmo assim ainda eacute pouco explorado Consideramos que o seu
aprofundamento eacute potencialmente capaz de promover reflexotildees e apropriaccedilotildees reflexivas
pelos praticantes do cotidiano de forma que sejam estimulados a criarem suas ldquoartes de
fazerrdquo
Descobri no meu dia a dia uma maneira de compartilhar saberes de forma luacutedica
prazerosa criativa e reflexiva com estudantes da Educaccedilatildeo Infantil Apostando na
musicalidade como um valor civilizatoacuterio afro-brasileiro realizei oficinas que foram
54 Esse termo deve ser entendido no sentido de proporcionar agrave crianccedila o amparo necessaacuterio para seu desenvolvimento integral e natildeo a escolarizaccedilatildeo precoce
66
divididas em etapas das quais identifico como sensibilizaccedilatildeo da muacutesica escolha do
repertoacuterio e reinvenccedilatildeo musical apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais confecccedilatildeo de
objetos sonoros gravaccedilatildeo do repertoacuterio e compartilhamento do mesmo Todas essas
etapas foram realizadas com as turmas de Preacute-escolar I e II e tiveram duraccedilatildeo de 5 semanas
considerando que para cada encontro foram usados 50 minutos de aula uma vez por
semana
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica
4511 Preacute-escolar II
A proposta inicialmente foi apresentar aos estudantes trecircs cantigas populares com
as quais eles iriam interagir e refletir sobre a letra a partir da mediaccedilatildeo docente Vale
ressaltar que durante as etapas a participaccedilatildeo da professora regente foi fundamental para
a consolidaccedilatildeo das accedilotildees visto que para cada oficina dispusemos apenas de 50 minutos
semanais Vale destacar que em grande parte dessas oficinas a professora regente
participou durante e posteriormente consolidando alguns conhecimentos como a
apropriaccedilatildeo da letra da muacutesica
As muacutesicas apresentadas foram ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de Joacuterdquo55
Iniciamos a escuta das muacutesicas e frisei que teriacuteamos de escolher a que fosse mais legal para
gravarmos A primeira foi ldquoNa Bahia temrdquo cantiga do folclore brasileiro
Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem
Na Bahia tem vou mandar buscar Lampiatildeo de vidro ocirc baiana ferro de engomar
Na Bahia tem vou mandar buscar Maacutequina de costura ocirc baiana fole de assoprar
Os estudantes natildeo a conheciam Natildeo obstante a cada verso explorado eles
manifestavam suas percepccedilotildees ideias e certezas Logo alguns fizeram relaccedilotildees com
55 Cantigas populares encontradas em httpwwwletrascombrmusicas-infantisescravos-de-jo
67
questotildees cotidianas Um estudante disse que em sua casa tem coco Entatildeo uma das
crianccedilas pediu para escrever a palavra coco no quadro Questionei se sabiam o que era
ferro de engomar ao que um estudante respondeu corretamente O mesmo disse saber o
que era lampiatildeo e outros reforccedilaram sua resposta ao dizer que se tratava de um tipo de
lacircmpada para clarear quando Conceiccedilatildeo de Suruiacute (bairro onde moram) natildeo tinha luz
Me apropriei das interpretaccedilotildees e do contexto da muacutesica que remete agrave Bahia para
rememorar a histoacuteria da quilombola mageense Maria Conga que veio da Aacutefrica se
estabelecendo primeiramente na Bahia antes de chegar em Mageacute Em oficina anterior os
estudantes aprenderam que a menina Maria veio do Congo paiacutes da Aacutefrica Junto com ela
vieram outros africanos que foram obrigados a trabalhar forccediladamente sem receber
nenhum dinheiro Por isso os negros eram chamados de escravos Um dos estudantes
entatildeo disse que onde ele mora moraram ldquoescravosrdquo Certamente ele estava fazendo
alusatildeo agrave Fazenda Santa Margarida lugar conhecido na regiatildeo por ter tido pessoas
escravizadas e ateacute hoje possui resquiacutecios de paredes da senzala e correntes
A segunda muacutesica apresentada foi ldquoEscravos de Joacuterdquo todos danccedilaram e disseram
conhecer a muacutesica da Galinha Pintadinha56
Escravos de Joacute Jogavam caxangaacute
Tira potildee
Deixa ficar
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
A terceira muacutesica foi ldquoSamba Lelecircrdquo Extremamente eufoacutericos por jaacute conhecerem toda
a letra da muacutesica cantaram e danccedilaram quando ensaiei uma coreografia
Samba Lelecirc taacute doente
Taacute com a cabeccedila quebrada Samba Lelecirc precisava
Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc
56 Desenho animado infantil criado por Juliano Prado e Marcos Luporini
68
samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Samba Lelecirc taacute doente Taacute com a cabeccedila quebrada
Samba Lelecirc precisava Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc Samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Em um segundo momento sugeri uma votaccedilatildeo para saber a muacutesica da preferecircncia
da turma ldquoSamba Lelecircrdquo venceu Apoacutes a votaccedilatildeo refletimos sobre a muacutesica que afirma que
a menina estaacute doente e precisa de umas boas palmadas Questionei sobre o que temos que
ter quando estamos doentes E continuei a provocaccedilatildeo perguntando ldquoapanhar cura a
doenccedilardquo Em coro disseram que natildeo pois quando ficam doentes eles recebem remeacutedio e
carinho Propus entatildeo que mudaacutessemos a letra da muacutesica trocando a palavra palmadas
por outra
Mas tinha um detalhe a palavrinha tinha que rimar com palmadas Alguns falaram
palavras com sentido mas sem a rima Logo um estudante sugeriu ldquopaparacadardquo Natildeo foi
preciso muito para entendermos (eu e a professora regente) que se tratava de paparicada
Todos concordaram e jaacute comeccedilaram a ensaiar a muacutesica com a nova versatildeo
4512 Preacute-escolar I
O caminho percorrido com o Preacute-escolar I foi o mesmo que realizamos com o Preacute II
Foram apresentadas as trecircs cantigas aos estudantes e os questionamos sobre se algueacutem as
conhecia Duas delas eram bastante familiares Samba Lelecirc e Escravos de Joacute Assim durante
a escuta das muacutesicas os estudantes danccedilaram cantaram bateram palmas e ensaiaram uns
passinhos Contudo passado esse momento propus que escolhecircssemos uma muacutesica para
que gravaacutessemos A escolha seria por votaccedilatildeo vencendo aquelas que tivessem mais votos
Para minha surpresa a voz de uma menininha laacute no fundo da sala brada ldquondash Eu
escolho todasrdquo Logo em seguida outros estudantes opinaram querendo que gravaacutessemos
natildeo soacute uma mas as trecircs cantigas populares ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de
69
Joacuterdquo Considerando as vozes e os desejos daqueles atores sociais concordei57 em realizar a
gravaccedilatildeo de todas as muacutesicas Assim comeccedilamos a explorar a letra e melodia de cada
repertoacuterio58
Assim como na outra turma contextualizamos cada enredo Quando chegou na
muacutesica Samba Lelecirc propusemos a troca da palavra palmada por outra que rimasse ndash
explicamos o que era rima ndash levando-os a refletir sobre a condiccedilatildeo da personagem que se
encontrava doente Prontamente um estudante disse que Lelecirc precisava de uma pomada
Naquele momento pude confirmar que a crianccedila estaacute interpretando de maneira singular a
cultura em que vive e nos surpreende ao burlar o instituiacutedo
Eacute possiacutevel notar que em ambas as turmas buscamos trabalhar diferentes habilidades
e competecircncias como sensibilizaccedilatildeo musical corporeidade concentraccedilatildeo apropriaccedilatildeo
dos sons para a formaccedilatildeo de palavras dentre outras questotildees Todavia a releitura da
muacutesica a partir da criaccedilatildeo de um novo sentido para o enredo me pareceu um movimento
potente para sensibilizar os atores sociais da importacircncia de pensar o outro como legiacutetimo
outro na diferenccedila
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais
O trabalho com os instrumentos musicais se deu por entendermos com o apoio de
Brito (2003) que a linguagem musical deve contemplar dentre outras atividades a
construccedilatildeo de instrumentos e objetos sonoros Eacute sabido que desde a tenra idade a crianccedila
produz sons pela exploraccedilatildeo e de forma afetiva e intuitiva Com o tempo essa exploraccedilatildeo
vai ganhando uma intencionalidade Foi a observacircncia desta intenccedilatildeo musical que
fortaleceu a ideia de aprofundarmos sobre a temaacutetica
Os estudantes durante a escuta das cantigas transformaram suas mesas em
instrumentos sonoros ao bater com as matildeos sobre elas Naquele instante entendemos que
a criaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo de artefatos musicais potencializariam sua relaccedilatildeo com as muacutesicas
que estaacutevamos propondo Para aleacutem disso acredito que o ato de criar desperta no sujeito
a criatividade a organizaccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo entre os pares
57 Essa decisatildeo acabou influenciando a outra turma (Preacute II) que tambeacutem gravaram as trecircs muacutesicas e adoraram essa ideia 58 Ao longo de 3 semanas ateacute a gravaccedilatildeo das cantigas a professora regente auxiliou de maneira singular ao ensaiar as muacutesicas com os estudantes
70
Quando iniciei o trabalho na escola a diretora me informou que haviam alguns
instrumentos musicais guardados e que seria muito interessante utilizaacute-los em minha
proposta Logo fui identificando as muacuteltiplas possibilidades que aquele espaccedilo me
oferecia Quando me deparei com o berimbau o caxixi e o atabaque ndash instrumentos eacutetnicos
ndash pensei nas experiecircncias instituintes que estavam prestes a surgir Naquele momento a
urgecircncia estava em resgatar aqueles instrumentos de dentro do armaacuterio e dar a eles
visibilidade de modo a tornar conhecidas suas raiacutezes culturais
Tomei conhecimento de que os instrumentos eram usados durante as oficinas de
capoeira do Mais Educaccedilatildeo59 No entanto havia meses que eles natildeo estavam sendo
usados pois as atividades haviam sido suspensas Por alguns instantes refleti sobre ateacute
onde a formaccedilatildeo docente inicial e continuada tem alcanccedilado as manifestaccedilotildees poliacutetico-
culturais que propotildeem um rompimento com praacuteticas reducionistas e anti-dialoacutegicas com a
diversidade cultural
Pensei na urgecircncia de aprofundar as conversas com os professores vislumbrando
uma maior reflexatildeo sobre seus papeacuteis de sujeitos criativos muacuteltiplos e fazedores de artes
de artes de fazer
Ao iniciar o trabalho com os instrumentos musicais junto ao Preacute-escolar estes foram
expostos com seus respectivos nomes Foi realizada a contaccedilatildeo de histoacuteria sobre a origem
daqueles instrumentos de musicalidade ressaltando a influecircncia que os homens e
mulheres oriundos das diaacutesporas africanas tecircm sobre eles Para que a apropriaccedilatildeo da
histoacuteria fosse afetiva e efetiva o enredo foi articulado agrave vinda da menina Maria Conga com
seus amigos para o Brasil Foi ressaltado na narrativa que na longa viagem triste e sofrida
os africanos cantavam e tocavam para aliviar a dor Quando chegaram ao Brasil
continuaram tocando mas agraves vezes de forma diferente O berimbau por exemplo era
utilizado pelos negros escravizados para fazer barulho a fim de chamar fregueses na rua
visto que alguns eram vendedores ambulantes O tambor por sua vez foi apresentado
como um objeto sagrado natildeo soacute para os negros mas tambeacutem para os indiacutegenas
59 O Programa Mais Educaccedilatildeo constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induzir a ampliaccedilatildeo da jornada escolar e a organizaccedilatildeo curricular na perspectiva da Educaccedilatildeo Integral Para maiores informaccedilotildees consultar httpportalmecgovbrprograma-mais-educacao
71
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I conhecendo a histoacuteria dos instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
72
Entre uma explicaccedilatildeo e outra falas dos estudantes iam evidenciando que aqueles
objetos lhes eram familiares Alguns meninos jaacute tinham tido contato com a capoeira outros
tocavam pandeiro na igreja O mais surpreendente para as crianccedilas foi o tambor atabaque
A interaccedilatildeo com a diversidade de objetos musicais com diferentes sons e formas
proporcionou grande satisfaccedilatildeo e curiosidade entre os estudantes
453 Confecccedilatildeo dos objetos sonoros
4531 Preacute-escolar II
A confecccedilatildeo dos instrumentos musicais com o Preacute-escolar II ocorreu na semana
seguinte apoacutes o contato com os instrumentos da escola Optamos pelo trabalho com
sucata materiais reciclaacuteveis e tambeacutem com gratildeos durex colorido e paetecircs Estes dois
uacuteltimos seriam para a decoraccedilatildeo dos mini tambores Encaminhamos para casa um recado
solicitando latas de alumiacutenio (de leite em poacute de suplemento e etc) para a confecccedilatildeo dos
objetos
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos Fonte Arquivo pessoal da autora
73
No entanto natildeo tivemos um retorno positivo pois apenas dois estudantes levaram
as latas Mudamos a estrateacutegia para aqueles que natildeo haviam levado o material solicitado
e construiacutemos mini chocalhos com rolo de papel Dessa maneira em um primeiro
momento os estudantes pintaram os rolinhos e em seguida enfeitaram com os paetecircs
4532 Preacute-escolar I
A confecccedilatildeo dos objetos sonoros com a turma do Preacute-escolar I foi pensada a partir da
mesma dinacircmica do Preacute II Aconteceu na semana seguinte apoacutes a sensibilizaccedilatildeo com os
instrumentos musicais eacutetnicos da escola e objetivou a elaboraccedilatildeo de um mini tambor a
partir do reaproveitamento de materiais como lata de leite aleacutem da utilizaccedilatildeo de outros
materiais como gratildeos durex colorido paetecircs e palito de churrasco Ao contraacuterio da turma
anterior tivemos um retorno positivo ao enviar o recado solicitando a lata de alumiacutenio
Dessa maneira pudemos confeccionar os mini tambores com todos os estudantes Com
materiais disponibilizados os alunos enfeitaram a lata e tambeacutem os palitos de churrasco
que se transformaram em baquetas Ambas as oficinas (do mini tambor e do chocalho)
tiveram duraccedilatildeo de 1 hora cada uma
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais Fonte Arquivo pessoal da autora
74
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis
Para Brito (2003) a crianccedila enquanto sujeito ldquobrincanterdquo faz muacutesica brincando
Nesse processo de criaccedilatildeo ela percebe e explora os sons de modo que refletindo o seu
mundo seus saberes eacute capaz de criar (recriar) novos sons novos movimentos e
instrumentos Assim tem sido nossa experiecircncia com os estudantes do Preacute-escolar com
muita interaccedilatildeo-accedilatildeo-reflexatildeo
No entanto mesmo compreendendo a riqueza das oficinas no sentido de promover
a exploraccedilatildeo a pesquisa a criatividade a corporeidade dentre outras competecircncias
sentia que faltava algo mais A leitura sobre a obra de Teca Alencar de Brito (2003) autora
referecircncia em estudos na aacuterea de educaccedilatildeo musical para crianccedilas ampliou o meu olhar
sobre o que jaacute vinha pensando Segundo a autora a produccedilatildeo musical ocorre a partir de
dois eixos fundamentais a criaccedilatildeo e reproduccedilatildeo Estes por sua vez possibilitaram a accedilatildeo
de interpretar improvisar e compor
Os estudantes demonstraram criatividade para interpretar e improvisar Natildeo
podiacuteamos perder a oportunidade de registrar suas artes de fazer A composiccedilatildeo musical
enquanto efeito de criar eacute tambeacutem caracterizada por sua condiccedilatildeo de permanecircncia
(BRITO 2003) Portanto eacute todo o movimento de registro seja na memoacuteria ou em artefatos
culturais (CD dispositivos moacuteveis) Com isso observou-se a necessidade de guardar natildeo
soacute na memoacuteria as criativas composiccedilotildees dos estudantes como tambeacutem de registraacute-las de
modo que fossem divulgadas
Surge entatildeo a ideia de gravar as trecircs muacutesicas em dispositivo moacutevel (celular) para
serem compartilhadas posteriormente com os responsaacuteveis dos estudantes A proposta
surgiu por entendermos que as crianccedilas desde muito cedo estatildeo rodeadas de artefatos
tecnoloacutegicos de todos os tipos computador celular iPod televisatildeo raacutedio dentre outros
Para confirmar essa suposiccedilatildeo encaminhamos para casa um questionaacuterio a fim de
que os responsaacuteveis respondessem sobre a utilizaccedilatildeo das tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo (TICs) Perguntamos sobre o tipo de artefato digital mais utilizado pelos
estudantes e com quais finalidades os utilizavam
Os aparelhos e seus usos foram diversos tais como celulares tablets e
computadores Mas a que prevaleceu (nos estudantes de ambas as turmas) foi a utilizaccedilatildeo
do celular para ouvir muacutesica e jogar
75
Assim eacute notaacutevel que as tecnologias digitais podem ser grandes aliadas no processo
de ensino aprendizagem Embora nem todos os estudantes tenham o dispositivo moacutevel e
leve para a sala de aula ficamos sabendo que em casa eles interagem e exploram os
aparelhos de seus pais desenvolvendo habilidades e competecircncias como raciociacutenio loacutegico
atenccedilatildeo e curiosidade em explorar o novo O professor que consciente de seu papel
formador deve saber que a escola eacute potencialmente capaz de ampliar e potencializar tais
habilidades Nesse sentido certa dessa identidade docente me apropriei da tecnologia
digital (celular) como recurso para registrar e divulgar a criaccedilatildeo musical dos estudantes
Foi realizada em ambas as turmas (Preacute-escolar I e II) uma oficina de gravaccedilatildeo
musical Aos estudantes foi dito que iriacuteamos gravar muacutesicas (as nossas muacutesicas) e isso foi
empolgante para todos Vale frisar o importante papel dos professores regentes enquanto
mediadores no processo de apropriaccedilatildeo da letra dos ritmos das rimas ou seja no
desenvolvimento da expressatildeo musical Foram semanas de preparaccedilatildeo desde a primeira
oficina com a sensibilizaccedilatildeo para as cantigas populares Foram expostos em sala de aula os
cartazes com as letras das muacutesicas jaacute reinventadas para que ao longo dos dias as
professoras cantassem a muacutesica com os estudantes
Com o apoio de Brito (2003) refletimos sobre a importacircncia de intervenccedilotildees
educativas no desenvolvimento da expressatildeo musical Em todo o processo levamos os
estudantes a refletirem sobre a letra da muacutesica as hipoacuteteses e expressotildees que fizessem
sentido Com isso acreditamos ter ampliado e enriquecido o universo luacutedico e social onde
a inclusatildeo da diferenccedila deve ser uma constante nas praacuteticas pedagoacutegicas
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical
Como sinalizado anteriormente essa uacuteltima etapa da oficina de musicalidade ocorreu
no iniacutecio do ano de 2016 com os responsaacuteveis dos estudantes das duas turmas (Preacute I e II)
que participaram das accedilotildees da pesquisa Ao propor um encontro com os responsaacuteveis
intencionamos para aleacutem de dar-lhes um retorno de parte de nossas accedilotildees tambeacutem ouvi-
los a respeito deles na educaccedilatildeo de seus filhos
Dessa maneira a reuniatildeo foi dividida em duas partes Na primeira parte foi exibida
uma apresentaccedilatildeo em PowerPoint de momentos da oficina de musicalidade identificando
o repertoacuterio musical trabalhado a reinvenccedilatildeo da cantiga popular ldquoSamba Lelecircrdquo e imagens
76
dos momentos de apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais eacutetnicos e confecccedilatildeo dos objetos
sonoros (instrumentos musicais)
No segundo momento foi realizado o compartilhamento das trecircs muacutesicas que
fizeram parte do repertoacuterio gravado pelos estudantes Importante frisar que para
compartilhar60 as muacutesicas foi necessaacuterio que cada responsaacutevel tivesse em matildeos seus
dispositivos moacuteveis (celulares) Para tal encaminhamos previamente um recado
solicitando a imprescindiacutevel presenccedila do celular na reuniatildeo
Em ambos os encontros os responsaacuteveis levaram seus celulares possibilitando um
retorno positivo para aquela proposta Expliquei como se daria o processo tendo em vista
que algumas pessoas natildeo sabiam utilizar a ferramenta do bluetooth de forma colaborativa
os demais que sabiam foram compartilhando os arquivos com aquele que estava proacuteximo
Foi um momento de aprendizado muacutetuo onde pudemos contar com a participaccedilatildeo de
todos os sujeitos envolvidos
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
60 O compartilhamento ocorreu via bluetooth Este eacute uma tecnologia de comunicaccedilatildeo sem fio que permite que dispositivos moacuteveis troquem dados entre si e se conectem a outros artefatos como mouses teclados fones de ouvido impressoras e outros acessoacuterios
77
Ao passo que eu compartilhava as produccedilotildees musicais fazia alguns comentaacuterios
acerca das apropriaccedilotildees por parte dos estudantes em sala de aula Quando chegou na
muacutesica ldquoSamba Lelecircrdquo provoquei os responsaacuteveis a descobrirem as palavras que
substituiacuteram o termo palmada Natildeo demoraram para perceber que se tratavam de
paparicada (releitura do Preacute II) e pomada (releitura do Preacute I)
Logo para a nossa surpresa uma matildee de uma estudante do Preacute-escolar I nos relatou
que havia corrigido a filha que chegou em casa cantando a muacutesica de forma incorreta E a
filha insistiu que Lelecirc precisava de pomada e natildeo palmada Embora o que a menina disse
fizesse sentido para a matildee esta continuou insistindo em reproduzir a letra real da muacutesica
Contudo naquele momento de troca ela se deu conta de que sua filha estava construindo
saberes instituintes para uma nova relaccedilatildeo de alteridade entre o adulto e a crianccedila
46 OFICINA 6 - LENDAS QUE NOS ENCANTAM
Como jaacute relatado iniciamos o ano de 2016 dando continuidade agraves accedilotildees do ano
anterior disponibilizando o repertoacuterio de muacutesicas para os pais compartilharem com os
estudantes No encontro com os responsaacuteveis foi frisado que as accedilotildees voltadas para o
ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais seriam contiacutenuas no ano corrente mesmo apoacutes
finalizada a pesquisa Ou seja continuariacuteamos realizando o empreacutestimo dos livros eacutetnicos
semanais e o nosso cotidiano estaria permeado por histoacuterias outras nas quais todos
pudessem se sentir representados
A continuidade deste trabalho no ano de 2016 se sustentou nos princiacutepios da
etnografia longitudinal (CORSARO 2005) visto que estariacuteamos acompanhando a transiccedilatildeo
de uma parte dos sujeitos da pesquisa para outras fases de escolarizaccedilatildeo sendo o Preacute-
escolar II indo para o 1deg ano do Ensino Fundamental e o Preacute-escolar I para o Preacute II
Desse modo buscamos por meio de oficinas de contaccedilatildeo de histoacuterias perceber como
se consolidaram as aprendizagens sobre a diversidade eacutetnico-racial entre os estudantes A
seguir vamos detalhar uma atividade realizada com a turma do 1deg ano
78
461 O segredo do Baobaacute uma lenda africana
Ao meio dia corria pela planiacutecie um coelho fugindo do sol escaldante e abrigou-se sob o peacute de um Baobaacute Ele se sentiu tatildeo bem que disse ndash Estaacute sombra eacute muito boa obrigado O Baobaacute se sentiu reconhecido e balanccedilou seus galhos como em uma danccedila alegre Mais uma vez o coelho quis se aproveitar da situaccedilatildeo e disse ndash Sua sombra eacute realmente muito boa Mas e esses seus frutos seraacute que tambeacutem satildeo Baobaacute entatildeo caiu na armadilha e soltou um dos seus frutos O coelho natildeo satisfeito disse ndash Sua sombra e seus frutos satildeo oacutetimos Mas e o seu coraccedilatildeo Baobaacute O Baobaacute sentiu uma forte emoccedilatildeo Mas ele natildeo poderia mostrar seu coraccedilatildeo Era tatildeo difiacutecil Mas o coelhinho era tatildeo gentil O Baobaacute foi abrindo seu tronco e logo o coelho jaacute podia ver um brilho que ofuscava os olhos Era um grande tesouro Baobaacute oferece ao seu amigo O coelho entatildeo pegou algumas joias e agradeceu ao Baobaacute ndash Obrigado linda aacutervore Jamais te esquecerei O coelho presenteou sua esposa e disse para sua amiga hiena tudo que lhe acorreu No dia seguinte ao meio dia a hiena foi ateacute o Baobaacute e repetiu passo a passo as dicas do seu amigo coelho O Baobaacute sem hesitar abriu seu tronco para a hiena Mas ela estava faminta pelo ouro e foi agressiva pegaacute-lo Logo a aacutervore fechou-se e chorou porque ficou apavorada A partir desse dia a hiena passou a vasculhar as entranhas dos animais mortos para achar tesouro Mas esse tesouro soacute existe enquanto o coraccedilatildeo eacute vivo Quanto ao Baobaacute nunca mais se abriu A ferida que ele sofreu eacute invisiacutevel mas dificilmente curaacutevel61
Mais uma vez encontramos um enredo em que a aacutervore eacute um elemento central nas
histoacuterias que nos marcam A narrativa acima representa uma das vaacuterias lendas existentes
sobre a famosa aacutervore de origem africana chamada Baobaacute62 Sentimos a necessidade de
tornar conhecido esse siacutembolo de resistecircncia e guardiatildeo da ancestralidade africana que eacute
o Baobaacute
Iniciamos a aula em grande roda como de costume Logo a frente no quadro
encontrava-se uma representaccedilatildeo de uma aacutervore diferente com troncos largos e alguns
frutos que chamaram a atenccedilatildeo dos estudantes Logo perguntaram ldquondash Tia vocecirc vai contar
a histoacuteria da Mirindibardquo63 Respondi que aquela natildeo era a Mirindiba e realizando as
61 A Aacutervore dos Tesouros recriaccedilatildeo de Henri Gougaud traduccedilatildeo de Maria do Rosaacuterio Pedreira Lenda disponiacutevel no blog httpbravoafrobrasilblogspotcombr2010_06_01_archivehtml consultado em 10 abril 2016 62 Aacutervore siacutembolo do Continente Africano famosa por suas caracteriacutesticas naturais sobretudo por sua resistecircncia agraves intempeacuteries Por chegar a viver por milecircnios ela ganha status de guardiatilde de memoacuterias e tradiccedilotildees dos povos africanos 63 Como sinalizado na introduccedilatildeo deste trabalho Mageacute possui heranccedilas de etnia indiacutegena muito fortes A Mirindiba eacute o nome de uma aacutervore centenaacuteria da cidade que segundo a lenda mageense era uma iacutendia que foi encantada pelo pajeacute e desde entatildeo vive no alto do Morro do Bonfim
79
comparaccedilotildees fiacutesicas apresentei o Baobaacute64 enquanto siacutembolo da ancestralidade dos povos
africanos
Foi apresentado tambeacutem o valor afetivo que aquele siacutembolo tem para os povos
africanos por sua resistecircncia ao sobreviver milecircnios e assim servir de palco de inuacutemeros
acontecimentos tornando-se guardiatilde das histoacuterias mais preciosas de diversos povos
Sensibilizados sobre a importacircncia do Baobaacute para os povos africanos tal como a Mirindiba
eacute para os mageenses logo iniciamos a narrativa da lenda
Encantados com o enredo os estudantes encenaram a histoacuteria expressando
sentimento imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Em aula posterior lhes foi apresentada a mesma lenda
mas em miacutedia digital65 O viacutedeo exibido para os estudantes foi realizado com teacutecnicas de
animaccedilatildeo a partir de desenhos e muacutesicas de fundo
Apoacutes assistirem ao viacutedeo propus que eles recontassem a lenda utilizando massinha
de modelar ilustraccedilatildeo em papel e muita criatividade O combinado foi que na medida em
eles fossem confeccionando a histoacuteria eu fotografaria cada etapa para produzir um viacutedeo
do grupo Dessa maneira todos deveriam ser muito caprichosos pois iriacuteamos divulgar essa
histoacuteria na internet66 para que todos conhecessem a lenda do Baobaacute do coelho e da hiena
feita por noacutes Prontamente todos concordaram com a ideia e ficaram animados com a
possibilidade de fazer uma atividade ldquotatildeo legalrdquo
Natildeo nos surpreendeu que durante todo o processo os estudantes se sentissem
motivados a criarem personagens e cenaacuterios Foi possiacutevel perceber que falar de miacutedias
artefatos tecnoloacutegicos de diferentes gecircneros com as crianccedilas soa como muacutesica aos seus
ouvidos porque elas estatildeo a todo momento experimentando essas tecnologias no seu dia
a dia
Mocircnica Fantin ao tratar da formaccedilatildeo docente dialogada com a cultura experiecircncia
e multimiacutedia defende que eacute necessaacuterio ldquoo trabalho diferenciado com a cultura audiovisual
imageacutetica literaacuteria artiacutestica musical midiaacutetica e digital articulada com as mais diversas
formas de participaccedilatildeo de crianccedilas e jovens na culturardquo (FANTIN 2012 p 298) Com isso
64 Foram levadas fotografias para que os estudantes pudessem compreender melhor as caracteriacutesticas fiacutesicas da aacutervore sendo evidenciado que existem vaacuterias espeacutecies da mesma 65 O viacutedeo que conta a lenda do Baobaacute e da hiena apresentado aos estudantes foi produzido por Camila SgLe Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=V1BmVhT05HQ consultado em 10042016gt 66 Link da paacutegina onde o viacutedeo seraacute disponibilizado httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnico raciaisartesdefazer
80
reconhecemos a urgecircncia de contar e permitir que os nossos estudantes contem novas
histoacuterias e se apropriem dos artefatos do cotidiano como ferramentas para que suas
aprendizagens sejam prazerosas e significativas
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo Fonte Arquivo pessoal da autora
47 NARRATIVA DA PROFESSORA DO PREacute-ESCOLAR I
A seguir compartilho uma breve narrativa da docente Sarah Rosa professora do Preacute-
escolar I do ano de 2015 Esta pocircde acompanhar a turma no ano corrente o que foi algo
favoraacutevel para todos os envolvidos na pesquisa visto que possibilitou a permanecircncia das
conversas
A participaccedilatildeo da professora Daise tem sido grandemente proveitosa e enriquecedora para os alunos da Educaccedilatildeo Infantil Sua pesquisa e trabalho tecircm colaborado para o desenvolvimento dos alunos em vaacuterios aspectos um deles eacute contra o preconceito racial Haacute tambeacutem um trabalho sobre as diferenccedilas o respeito e o amor ao proacuteximo aleacutem de desenvolver o gosto das crianccedilas pela leitura pela linguagem oral e corporal As crianccedilas apresentam prazer e satisfaccedilatildeo pelas suas aulas que por sinal satildeo bem dinacircmicas e atrativas para elas O trabalho feito tem ido aleacutem da sala de aula tem alcanccedilado os familiares dos alunos e ajudado a trazer a presenccedila dos mesmos agrave escola Ela tem realizado atividades envolvendo
81
a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo dos familiares juntamente com as crianccedilas O que tem proporcionado experiecircncias prazerosas para todos envolvidos (Professora Sarah Rosa 2015)
82
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
51 CONCLUSOtildeES
Este estudo teve como objetivo geral ldquorealizar pesquisa a partir de metodologias
interativas ndash interdisciplinaridade e etnografia ndash com enfoque na sociologia da infacircncia
com estudantes entre 4 e 6 anos abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola
rural do municiacutepio de Mageacuterdquo para aleacutem de contribuir com minha formaccedilatildeo continuada
Pude construir novos saberes e compartilhaacute-los Nesse processo tambeacutem confirmei a
necessidade de mudanccedila de olhar sobre a escola que temos
As escolas brasileiras ainda se enquadram dentro do modelo instrumental e
cartesiano sobre o qual elas foram pensadas Este modelo limita a compreensatildeo da
multiplicidade de contextos e sujeitos que compotildeem a diversidade humana Natildeo obstante
sabe-se que aos poucos essa mesma instituiccedilatildeo tem incluiacutedo a diversidade a partir de
movimentos que visam o rompimento com o instituiacutedo
Este trabalho desejou suscitar um novo olhar sobre a diversidade em contexto escolar
e construir caminhos que alcanccedilassem os diferentes atores sociais de maneira afetiva e
efetiva Assim foi se estabelecendo conversas e fui descobrindo que elas satildeo mais longas
quando acontecem entre os sujeitos da diferenccedila
Pensar a crianccedila desde a mais tenra idade implicou em realizar redes reflexivas com
diversas aacutereas do saber As metodologias trabalhadas sobretudo a interdisciplinaridade
nos pareceu desde o iniacutecio uma decisatildeo acertada A Sociologia da Infacircncia (CORSARO
2005) favoreceu minhas aproximaccedilotildees com as crianccedilas e entre elas proacuteprias Favoreceu
ainda o desafio de trabalhar com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais jaacute que pensar as
culturas infantis implica em refletir sobre diferenccedila diversidade e alteridade
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012)
Os objetivos especiacuteficos foram as metas traccediladas para o alcance do objetivo geral
Visaacutevamos romper com praacuteticas e culturas que excluem a diversidade do cotidiano escolar
a partir de intervenccedilotildees pedagoacutegicas Para tais intervenccedilotildees precisei construir objetivos de
ensino que me orientassem no trabalho
A Sociologia da Infacircncia enquanto constructo epistemoloacutegico possibilitou maiores
reflexotildees sobre a crianccedila enquanto produtora de cultura e reveladora das possibilidades
83
da estrutura social (SARMENTO 2005 p 363) Dessa maneira ao longo da pesquisa com
as crianccedilas e natildeo sobre elas fui notando o quanto eram ativas criativas e dotadas de
saberes que gritavam para serem reconhecidos Ao reconhecer suas vozes me aproximei
da cultura da diversidade e juntos realizamos interaccedilotildees dialoacutegicas
Tambeacutem busquei construir redes colaborativas e de conhecimentos com a
comunidade escolar compreendendo os docentes (natildeo soacute os professores da Educaccedilatildeo
Infantil) e a equipe pedagoacutegica O objetivo foi a reflexatildeo sobre os desafios da inclusatildeo da
diversidade nas escolas brasileiras Realizamos grupos de estudos dinamizado por mim67
Estabelecemos conversas as quais me trazem agrave memoacuteria uma palestra que escutei haacute
algum tempo na UFF sobre ldquoTempos e conversasrdquo O palestrante Carlos Skliar68 sinalizou
que os professores precisam ser formados na arte da conversa pois sem conversaccedilatildeo natildeo
existe educaccedilatildeo
Me aproprio de sua fala para explicitar como foi a relaccedilatildeo entrecom as professoras
envolvidas na pesquisa Eacute certo que somos diferentes mas foram essas diferenccedilas
somadas a solidariedade que fizeram a conversa fluir emergindo trocas reflexivas sobre o
cotidiano escolar diversidade e inclusatildeo
Como jaacute sinalizado os atores do cotidiano possuem muacuteltiplas linguagens que
precisam ser alcanccediladas O que se aprende fora dos muros da escola necessita ser
considerado como fonte de aprendizagem significativa no ambiente escolar E por
aprendizagem significativa entendemos ser aquela que proporciona a ldquointeraccedilatildeo cognitiva
entre o novo conhecimento e o conhecimento preacuteviordquo (MOREIRA 2000 p 4)
E embora o objetivo do trabalho natildeo fosse alcanccedilar diretamente as pessoas com
deficiecircncia as oficinas realizadas podem ser utilizadas para o trabalho com pessoas surdas
cegas ou com outras deficiecircncias desde que se realize as adaptaccedilotildees necessaacuterias Eacute possiacutevel
notar que procuramos incluir a diversidade na escola na figura de uma avoacute com nanismo
com a presenccedila de pessoas com diferentes faixas etaacuterias com mulheres ou seja pessoas
que representam as minorias que fazem parte da diversidade humana
67 Nesse grupo de estudos a supervisora da escola me convidou para realizar uma formaccedilatildeo para as professoras das duas creches em que ela trabalhava A formaccedilatildeo aconteceu no mecircs de agosto para 21 professoras do Municiacutepio de Mageacute 68 Pesquisador principal da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales - Argentina Tem experiecircncia na aacuterea de Educaccedilatildeo com ecircnfase em Fundamentos da Educaccedilatildeo Atuando principalmente nos seguintes temas Comunicaccedilatildeo Inteligecircncia Surdos Alteridade e Diferenccedila
84
Entendendo que a teoria funciona como lupa para melhor ver o que acontece na
praacutetica assim todas as atividades foram pensadas agrave luz de diferentes correntes teoacutericas-
metodoloacutegicas complementares tais como Sociologia da Infacircncia Interdisciplinaridade e
Etnografia Em todas as etapas procuramos adequar as atividades e reflexotildees aos
paracircmetros da Educaccedilatildeo Infantil e do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais sem perder de
vista o protagonismo infantil
Como jaacute salientado meus caminhos de formaccedilatildeo tecircm me provocado a olhar o
cotidiano escolar a partir de uma curiosidade epistemoloacutegica (FREIRE 2007) Mas
reconheccedilo que foi um desafio o trabalho com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais uma vez
que as poliacuteticas e praacuteticas existentes tendem a burocratizar a questatildeo natildeo possibilitando
a criaccedilatildeo de uma cultura inclusiva sobre a temaacutetica no cotidiano escolar Igualmente
reconheccedilo que graccedilas a curiosidade inquieta que me move em direccedilatildeo ao Outro tenho
buscado a construccedilatildeo de taacuteticas que representem a possibilidade de incluir a diversidade
52 PERSPECTIVAS
Foram traccediladas algumas perspectivas apoacutes a conclusatildeo deste trabalho A primeira
delas e que foi um compromisso com as famiacutelias dos estudantes foi a devoluccedilatildeo dos
achados que ainda seraacute decido a natureza do material Temos como opccedilatildeo o caderno
pedagoacutegico em CD mas tambeacutem podemos pensar na sua versatildeo impressa ou disponibiliza-
lo no espaccedilo criado para a divulgaccedilatildeo das accedilotildees e demais produtos Para tal devoluccedilatildeo
podemos repensar a colocaccedilatildeo dos nomes e exibiccedilatildeo dos rostos das crianccedilas pois
entendemos que elas precisam se reconhecerem no texto no qual sua histoacuteria de vida estaacute
sendo contada mas que para esse trabalho por questotildees eacuteticas foram suprimidas
Outra perspectiva eacute tornar o Caderno Pedagoacutegico uma Tecnologia Acessiacutevel para o
trabalho com crianccedilas deficientes A Tecnologia Acessiacutevel na escola tem por objetivo
() proporcionar agrave pessoa com deficiecircncia maior independecircncia para o aprendizado melhor qualidade de vida e inclusatildeo social por meio da ampliaccedilatildeo de sua comunicaccedilatildeo e de sua mobilidade maior controle do ambiente e desenvolvimento de trabalho integrado com a famiacutelia
colegas e profissionais da educaccedilatildeo (DOMINICK 2015 p 9)
85
Dessa maneira vislumbramos construir outras estrateacutegias para a acessibilidade do
conhecimento das relaccedilotildees eacutetnico-raciais Quando pensamos em outras eacute porque como jaacute
dito anteriormente algumas oficinas podem ser adaptadas para trabalhar com pessoas
cegas surdas cadeirantes com altas habilidades desde que o professor coloque em
praacutetica as suas invenccedilotildees cotidianas (CERTEAU 1994) e se torne um professor pesquisador
e inventor de novas taacuteticas educacionais
86
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABRAMOWICZ Anete OLIVEIRA Fabiana As relaccedilotildees eacutetnico-raciais e a sociologia da infacircncia no Brasil alguns aportes In BENTO Maria Aparecida Silva (Org) Educaccedilatildeo infantil igualdade racial e diversidade aspectos poliacuteticos juriacutedicos conceituais Satildeo Paulo Centro de Estudos das Relaccedilotildees de Trabalho e Desigualdades - CEERT 2012 ALVES Nilda Imagens de professoras e redes cotidianas de conhecimentos Educar Curitiba n 24 p 19-36 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfern24 n24a02pdfgt Acesso em 10 de marccedilo de 2016 ______ Decifrando o pergaminho o cotidiano das escolas nas loacutegicas das redes cotidianas In OLIVEIRA IB ALVES N (Orgs) Pesquisa nodo cotidiano das escolas sobre redes de saberes Rio de Janeiro DPampA 2001 ARANTES Erika ANDRADRE Nivea Diana e os orixaacutes imagens da questatildeo racial em escolas Revista de Estudos Universitaacuterios Sorocaba v 39 n 2 p 379-391 2013 Disponiacutevel em lthttpperiodicosunisobrojsindexphpjournal=reuamppage=articleampop= viewamppath5B 5D=1712gt Acesso em 20 de abril de 2015 APPADURAI Arjun O medo ao pequeno nuacutemero ensaio sobre a geografia da raiva Satildeo Paulo Iluminuras Itauacute Cultural 2009 CASTELLS Manuel A Era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura vol I 6ordf ed Satildeo Paulo Paz e terra 1999 BOOTH T AISCOW M Index para a inclusatildeo desenvolvendo a aprendizagem e a participaccedilatildeo nas escolas Traduzido por Mocircnica Pereira dos Santos e Joatildeo Batista Esteves Londres CSIE 2011 BOURDIEU Pierre O poder simboacutelico Traduccedilatildeo Fernando Tomaz Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 BRASIL Lei nordm 9394 Brasiacutelia 20 de dezembro de 1996 Disponiacutevel em lt
httpswwwplanaltogovbrccivil_03LeisL9394htmgt ______ Lei nordm 10639 Brasiacutelia 9 de janeiro de 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03leis2003L10639htmgt Acesso em 26 marccedilo de 2015 ______ Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana Brasiacutelia MEC SEF 2004 ______ Lei nordm 11738 Brasiacutelia 16 de julho de 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102008leil11738htmgt
87
_____ Referencial curricular nacional para a educaccedilatildeo infantil Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e do Desporto Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MECSEF 1998 3v il BRITO Teca A de Muacutesica na Educaccedilatildeo Infantil Satildeo Paulo Petroacutepolis 2003 CERTEAU Michel de A Invenccedilatildeo do cotidiano Artes de fazer Petroacutepolis Vozes 1994 CORSARO WA Entrada no campo aceitaccedilatildeo e natureza da participaccedilatildeo nos estudos etnograacuteficos com crianccedilas pequenas Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 26 n 91 p 443-464 maio-ago 2005 DELGADO Ana Cristina Coll MULLER Fernanda Em busca de metodologias investigativas com crianccedilas e suas culturas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo v 35 n 125 p 161-179 maioago 2005 DOMINICK Rejany dos S A arte de fazer e nos fazermos no ALEPH explicitando alguns princiacutepios na e da formaccedilatildeo de professores In LINHARES Ceacutelia Portinari e a cultura brasileira um convite agrave educaccedilatildeo a contrapelo Niteroacutei Editora da UFF 2011 [Segunda parte p 145-161] ______ Discutindo e conceituando as tecnologias para a formaccedilatildeo de professores na EJA-I e na diversidade In MEDEIROS C C Educaccedilatildeo de jovens adultos e idosos na diversidade saberes sujeitos e praacuteticas Niteroacutei UFFCEAD 2015 p 295-314 FANTIN Monica O lugar da experiecircncia da cultura e da aprendizagem multimiacutedia na formaccedilatildeo de professores Educaccedilatildeo Santa MariaRS v 37 n 2 p 291-306 2012 FAZENDA Ivani Catarina Arantes Desafios e perspectivas do trabalho interdisciplinar no Ensino Fundamental contribuiccedilotildees das pesquisas sobre interdisciplinaridade no Brasil o reconhecimento de um percurso Trabalho publicado nos Anais do XIV ENDIPE Belo Horizonte 2010 FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia saberes necessaacuterios agrave praacutetica educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007
______ Educaccedilatildeo e mudanccedila Rio de Janeiro Paz e Terra 1983
GOMES Lisandra O cotidiano as crianccedilas suas infacircncias e a miacutedia imagens concatenadas Proacute-Posiccedilotildees CampinasSP v 19 n 3 p 175-193 setdez 2008 GONCcedilALVES Luiz Alberto Oliveira Reflexatildeo sobre a particularidade cultural na educaccedilatildeo das crianccedilas negras Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 63 p 27-29 nov 1987 HAAS Celia Maria A Interdisciplinaridade em Ivani Fazenda construccedilatildeo de uma atitude pedagoacutegica International Studies On Law And Education Satildeo Paulo n 8 p55-64 maiago 2011
88
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICA (IBGE) Dados gerais do municiacutepio de Mageacute 2014 Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=amp codmun=330250ampsearch=||infoE1ficos-informaE7F5es-completas Acesso em 20072015 JAPIASSU H Interdisciplinaridade e patologia do saber Rio de Janeiro Imago 1976 KRAMER Sonia Autoria e autorizaccedilatildeo questotildees eacuteticas nas pesquisas com crianccedilas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 116 p 41-59 2002 LARROSA Jorge Notas sobre a experiecircncia e o saber de experiecircncia Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro n 19 p 20-28 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfrbedun19n19a02pdfgtAcessado 20052015 LARROSA Jorge Experiecircncia e alteridade em educaccedilatildeo Revista Reflexatildeo e Accedilatildeo Santa Cruz do SulSC v 19 n 2 p 04-27 2011 LINHARES Celia Movimentos instituintes na escola buscando dar visibilidade ao invisiacutevel Revista Aleph Niteroacutei [200] Disponiacutevel em lthttpwwwuffbralephtextos_em_pdf
politicas_de_formacao_de_professorespdfgt Acessado em 02 agosto 2015 LOumlWY Michael A ldquocontrapelordquo A concepccedilatildeo dialeacutetica da cultura nas teses de Walter Benjamin (1940) Lutas Sociais Satildeo Paulo n 2526 p20-28 2ordm semestre 2011 MATURANA H e VARELA F A aacutervore do conhecimento As bases bioloacutegicas do entendimento humano CampinasSP Editorial Psy II 1995 MOREIRA Marco Antonio Aprendizagem significativa Brasiacutelia Ed da UnB 2000 MUumlLLER F Infacircncia nas vozes das crianccedilas culturas infantis trabalho e resistecircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 27 n 95 p 553-573 ago 2006 MUNANGA Kabengele Uma abordagem conceitual das noccedilotildees de raccedila racismo identidade e etnia In BRANDAtildeO A A P (Org) Programa de educaccedilatildeo sobre o negro na sociedade brasileira Niteroacutei EdUFF 2000 OLIVEIRA Luiz Fernandes FARIAS Ursula Pinto Lopes A Aacutefrica e o negro nos anos iniciais do ensino fundamental desafios para a escola In GOUVEcircA Fernando Ceacutesar Ferreira OLIVEIRA Luiz Fernandes de SALES Sandra Regina (Orgs) Educaccedilatildeo e relaccedilotildees eacutetnico-raciais entre diaacutelogos contemporacircneos e poliacuteticas puacuteblicas 1 ed PetroacutepolisRJ De Petrus et Alii BrasiacuteliaDF CAPES 2014 PACHECO Liacutellian Pedagogia Griocirc a reinvenccedilatildeo da roda da vida LenccediloacuteisBA Graacutefica Santa Helena 2006
89
PAULA Benjamin Xavier de A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais e os desafios a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo anti-racista Anais do XIV Regional da ANPUH Rio de Janeiro 2010 PEIXOTO I C L A violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda e seus reflexos no comportamento de gecircnero Anais do Encontro Nacional do GT ndash GecircneroANPUH Espiacuterito Santo 2004 Disponiacutevel em lthttplegpvufesbrsiteslegpvufesbrfilesfieldanexo isabella_cotta_lanza_peixotopdfgt PEREIRA Daise dos S Conversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da educaccedilatildeo baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeos Trabalho de conclusatildeo de curso (Poacutes-graduaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais) Universidade Federal Fluminense 2016 PEREIRA Maacutercia G PEREIRA Daise dos S A (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidade XVIII Endipe CuiabaacuteMT 2016 PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICIacuteLIOS (PNAD) Retrato das Desigualdades de Gecircnero e Raccedila 4ordf ediccedilatildeo 2012 Disponiacutevel em httpwwwipeagovbrigualdaderacial indexphpoption=com_contentampview=articleampid=614ampItemid=18
PLETSCH Maacutercia Denise CARVALHO Carlos Roberto Editorial do dossiecirc Processos de Inclusatildeo e Exclusatildeo Escolar e Movimentos Sociais Revista Teias Rio de Janeiro v 12 n 24 p 01-08 janabr 2011 Disponiacutevel em lthttpperiodicospropedprobrindexphprevistateiasarticleview822gt Acessado em 010716 ROSSETTO Elisabeth A contribuiccedilatildeo do pensamento de Maturana para a educaccedilatildeo Educere et Educare ndash Revista de Educaccedilatildeo vol 5 n 10 2ordm Semestre de 2010
SANTOS Mocircnica Pereira dos Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura Omnileacutetica In CASTRO Paula Almeida de Inovaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia desafios e perspectivas na contemporaneidade Campina GrandePB Editora Realize 2015 Disponiacutevel em lthttpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdfgt Acesso em 20022016 SANTOS Sandro V S dos Sociologia da infacircncia aproximaccedilotildees entre Willian Corsaro e Florestan Fernandes Educaccedilatildeo em Perspectiva Viccedilosa v 5 n 1 p 117-139 janjun 2014 SARMENTO Manuel Jacinto Geraccedilotildees e alteridade interrogaccedilotildees a partir da sociologia da infacircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas vol 26 n 91 p 361-378 MaioAgo 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwcedesunicampbrgt SCHOumlN D Educando o Profissional Reflexivo um novo design para o ensino e aprendizagem
Trad Roberto Cataldo Costa Porto Alegre Artes Meacutedicas Sul 2000
SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das trecircs raccedilas ndash cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil 1870-1930 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993
90
SILVA Tomaz Tadeu da Documentos de identidade uma introduccedilatildeo agraves teorias do curriacuteculo Belo Horizonte Autecircntica 2007 SILVA P V B da SOUZA G de Relaccedilotildees eacutetnico-raciais e praacuteticas pedagoacutegicas em Educaccedilatildeo Infantil Educar em Revista Curitiba n 47 p 35-50 janmar 2013 SKLIAR Carlos A educaccedilatildeo e a pergunta pelos Outros diferenccedila alteridade diversidade e os outros outros Revista eletrocircnica Ponto de Vista Florianoacutepolis n 5 p 37-49 2003 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosufscbrindexphppontodevistaarticleview1244gt THIESEN Juares da Silva A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 13 n 39 p 545-554 2008 TRINDADE Azoilda Loretto (org) Africanidades brasileiras e educaccedilatildeo [livro eletrocircnico] Salto para o Futuro Rio de Janeiro ACERP Brasiacutelia TV Escola 2013 ______ Valores Civilizatoacuterios e a Educaccedilatildeo Infantil uma contribuiccedilatildeo afro-brasileiras In BRANDAtildeO Ana Paula TRINDADE Azoilda Loretto da (Orgs) Modos de brincar caderno de atividades saberes e fazeres Rio de Janeiro Fundaccedilatildeo Roberto Marinho 2010 UNESCO Declaraccedilatildeo de Salamanca Necessidades Educativas Especiais ndash NEE In Conferecircncia Mundial sobre NEE Acesso em Qualidade ndash UNESCO Salamanca Espanha UNESCO 1994 YOUNG Michael Para que servem as Escolas Educ Soc Campinas vol 28 n 101 p 1287-1302 setdez 2007 Disponiacutevel em lt httpwwwcedesunicampbr gt
91
7 APEcircNDICES E ANEXOS
71 APEcircNDICES
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados
92
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
93
94
95
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem
96
97
98
72 ANEXOS 721 Imagens utilizadas
Navio Negreiro - Litogravura de Johann Moritz Rugendas (1835)
Navio negreiro real na costa brasileira ndash Marc Ferrez (1882)
99
Mulher brasileira em seu lar - Jean Baptiste Debret
O Jantar no Brasil - Jean Baptiste Debret
100
722 Premiaccedilatildeo
Esta premiaccedilatildeo eacute fruto das accedilotildees de incentivo agrave leitura que desenvolvi na escola em
parceria com o projeto de Extensatildeo da UFF ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos
anos iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo e a presente pesquisa O projeto ldquoOs
contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo com histoacuterias uacutenicasrdquo buscou
romper com as histoacuterias uacutenicas e oportunizar que os sujeitos da diferenccedila tivessem o direito
de serem protagonistas e construtores de suas proacuteprias histoacuterias
A seguir reproduccedilatildeo na iacutentegra do texto sobre os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio
Ecofuturo de Bibliotecas
O Instituto Ecofuturo anuncia os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio Ecofuturo de
Bibliotecas iniciativa que visa reconhecer o trabalho de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria
realizado nas 107 bibliotecas comunitaacuterias da Rede Ler Eacute Preciso implantadas pelo Instituto
em parceria com a iniciativa privada poder puacuteblico e comunidade
Para Paulo Groke Diretor de Sustentabilidade do Ecofuturo o precircmio eacute tambeacutem uma
forma de compartilhar boas praacuteticas que incentivam e inspiram a leitura no Paiacutes
ldquoA cada ediccedilatildeo eacute possiacutevel identificar uma melhora consideraacutevel na qualidade e na
periodicidade das atividades promovidasrdquo conclui
Os projetos vencedores foram selecionados por um juacuteri formado pela equipe do
Ecofuturo e especialistas nas aacutereas de educaccedilatildeo leitura e biblioteconomia que entre
101
outros criteacuterios analisaram o planejamento de atividades de promoccedilatildeo de leitura e sua
execuccedilatildeo ao longo de todo o ano acervo selecionado articulaccedilatildeo e atendimento a diversos
puacuteblicos
Os trecircs primeiros colocados ganham 50 livros de literatura novos para complementar
o acervo da unidade e dois representantes de cada biblioteca vencedora participaratildeo da
24ordf Bienal Internacional do Livro de Satildeo Paulo evento que possibilitaraacute por meio de sua
programaccedilatildeo atualizaccedilatildeo profissional e troca de conhecimento Todas as Bibliotecas
Comunitaacuterias participantes recebem certificados com suas respectivas classificaccedilotildees
O Precircmio Ecofuturo de Bibliotecas foi criado pelo Instituto em 2009 A proacutexima ediccedilatildeo
acontece em 2017 e as inscriccedilotildees satildeo restritas agrave Rede Bibliotecas Comunitaacuterias Ler eacute
Preciso Aleacutem dessa iniciativa o Instituto eacute responsaacutevel por outras accedilotildees importantes na
aacuterea como a instituiccedilatildeo de 12 de outubro como Dia Nacional da Leitura e a campanha Eu
Quero Minha Biblioteca
Vencedores
A Biblioteca Prof Maria Olivia Otero Artioli localizada em Agudos Satildeo Paulo
conquistou o primeiro lugar com o projeto ldquoEacute preciso gostar de lerrdquo no qual realizou
atividades de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria durante todo o ano de 2015 O planejamento
anual compreendeu accedilotildees envolvendo puacuteblico diverso de bebecircs a idosos Foram iniciativas
promovidas dentro e fora da biblioteca como a ldquoMala Viajanterdquo que levava leitura a escolas
e creches e que tiveram o livro a leitura e o leitor como atores principais
Jaacute em Mageacute no Rio de Janeiro a Biblioteca Prof Elzira Bastos Amaro em parceria
com o departamento pedagoacutegico da Secretaria de Educaccedilatildeo ficou com a segunda
colocaccedilatildeo com o projeto ldquoOs contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo
com histoacuterias uacutenicasrdquo Aleacutem de accedilotildees de promoccedilatildeo de leitura com forte embasamento
teoacuterico e teacutecnico realizadas semanalmente todo o espaccedilo da unidade foi reorganizado
incluindo catalogaccedilatildeo das obras e separaccedilatildeo dos livros que seriam trabalhados nas
atividades que tiveram como foco o resgate da identidade local utilizando a cultura do
municiacutepio como tema principal
A terceira colocada foi a Biblioteca Mestra Augusta de Turmalina Minas Gerais que
focou seu projeto ldquoDe matildeo em matildeo de voz em voz livros agrave matildeo cheia semprerdquo jaacute
realizado haacute quatro anos em atividades de promoccedilatildeo de leitura que relataram a diferenccedila
102
entre ler e contar trabalhando a articulaccedilatildeo com puacuteblicos variados e a divulgaccedilatildeo em
diversos canais de comunicaccedilatildeo do municiacutepio ndash demonstrando a sustentabilidade do
projeto ndash e a importacircncia do envolvimento do poder puacuteblico
Outro destaque desta ediccedilatildeo foi a Biblioteca Comunitaacuteria Ler eacute Preciso Nelson
Mandela que estaacute localizada na Penitenciaacuteria II de Bauru em Satildeo Paulo e que com o
projeto ldquoUm conto como eu contordquo recebeu a Menccedilatildeo Honrosa O objetivo das atividades
foi utilizar o conto como gecircnero literaacuterio para contemplar as possibilidades de leitura dos
detentos que frequentam a escola dentro da penitenciaacuteria A partir das accedilotildees de promoccedilatildeo
de leitura os professores disseminaram a literatura como fonte de conhecimento e
reflexatildeo
Autor Ecofuturo
Disponiacutevel em httpblogecofuturoorgbrconheca-os-vencedores-do-6o-premio-
ecofuturo-de-bibliotecas
III
Ficha Catalograacutefica elaborada pela Biblioteca Central do Valonguinho
IV
DAISE DOS SANTOS PEREIRA
A QUESTAtildeO EacuteTNICO-RACIAL A PARTIR DO OLHAR DA CRIANCcedilA A
INCLUSAtildeO DA DIVERSIDADE POR MEIO DE EXPERIEcircNCIAS
ESCOLARES INSTITUINTES
Dissertaccedilatildeo de Mestrado submetida a Universidade Federal Fluminense como requisito parcial visando agrave obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Diversidade e Inclusatildeo
Banca Examinadora
_________________________________________________________________________ Rejany dos Santos Dominick ndash Departamento de Sociedade Educaccedilatildeo e Conhecimento ndash Faculdade de Educaccedilatildeo UFF (OrientadorPresidente)
Maacutercia Guerra Pereira ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuterias e Culturas Africanas e Afro-Brasileiras IFRJ _________________________________________________________________________ Luiz Antocircnio Botelho Andrade ndash Departamento de Imunobiologia ndash Instituto de Biologia UFF _________________________________________________________________________ Niacutevea Maria da Silva Andrade ndash Departamento Sociedade Educaccedilatildeo e Conhecimento ndash
Faculdade de Educaccedilatildeo UFF
_________________________________________________________________________
Dagmar de Mello e Silva ndash Departamento de Fundamentos ndash Faculdade de Educaccedilatildeo
UFF (Suplente e Revisora)
V
Dedico a todos os meus alunos sem distinccedilatildeo
VI
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo aos meus pais David e Neuza pelo incentivo e dedicaccedilatildeo ao longo da vida
Ao meu irmatildeo David pela parceria em todos os momentos Aos meus avoacutes e tios que
sempre soliacutecitos contribuiacuteram de alguma maneira para essa conquista
Agradeccedilo agrave Rejany Dominick que em 2008 me apresentou e tem me ensinado os
caminhos da pesquisa cientiacutefica das experiecircncias instituintes e das artes de fazer e fazer-
me professora Obrigada por compartilhar saberes e por ajudar-me a ver outras estradas
Agradeccedilo ao corpo docente do CMPDI e agravequeles que colaboraram diretamente com
a elaboraccedilatildeo deste trabalho Assim natildeo posso deixar de mencionar a professora Niacutevea
Andrade que no curso de especializaccedilatildeo em ensino de histoacuteria me brindou com conversas
sobre o cotidiano escolar e sobre as taacuteticas docentes para uma educaccedilatildeo outra
Agradeccedilo tambeacutem agrave professora Mocircnica Pereira dos Santos que com disponibilidade
me recebeu para conversamos sobre diversidade e inclusatildeo Agrave professora Dagmar Mello
pelas contribuiccedilotildees no periacuteodo da qualificaccedilatildeo e nesta reta final Ao professor Luiz Andrade
pela disponibilidade para compor a banca Agrave professora Maacutercia Guerra que chegou
recentemente mas parece que jaacute estava aqui por perto haacute algum tempo Obrigada Maacutercia
pela parceria incentivo e amizade
Aos amigos que descobri no Mestrado e agravequeles que ao longo desse caminho se
fizeram presentes compartilhando saberes anguacutestias expectativas Natildeo posso deixar de
mencionar meus colegas de orientaccedilatildeo Camila Matheus irmatilde loira sempre soliacutecita Ao
Luiz Marcelo Ana Ceciacutelia Ana Peacutersia pessoas queridas e companheiras E Lindiane matildee da
pequena Laiacutes que nessa reta final foi a extensatildeo dos meus braccedilos auxiliando-me na parte
teacutecnica para o fechamento deste trabalho
A Seacutergio Felipe Thiago Monique e Mary por serem presentes nos momentos em que
precisei de uma matildeo amiga Agrave Iolanda que me recorda de algumas verdades que por vezes
esqueccedilo
Agradeccedilo ao Gustavo pelas contribuiccedilotildees na elaboraccedilatildeo da arte do caderno
pedagoacutegico
Aos profissionais da Escola Municipal Dinorah do Santos Bastos pela acolhida e
saberes compartilhados Agraves famiacutelias dos estudantes pela parceria de sucesso Agraves
professoras do Preacute-escolar Fabiana e Sarah pela confianccedila conversas e amizade
VII
construiacuteda ao longo desse processo Agrave Lindaura pela parceria e generosidade Devo
tambeacutem agradecer a presenccedila doce e soliacutecita do seu Joatildeo
Agrave gestora da escola Veluma Luciane pelo comprometimento com a educaccedilatildeo que
muito me ensinou e tambeacutem pela confianccedila depositada no meu trabalho Veluma obrigada
por colaborar com a retirada das pedras do caminho
Agrave Pacircmela bolsista de extensatildeo que colaborou na fase inicial da pesquisa com a parte
teacutecnica da coleta de dados e com quem compartilhei saberes
Agrave Laucimary funcionaacuteria da biblioteca pela colaboraccedilatildeo em diversos momentos
Agradeccedilo tambeacutem agraves parcerias institucionais Agrave UFF e agrave PROEX pelo financiamento
de uma bolsista para o desenvolvimento das accedilotildees de ensino pesquisa e extensatildeo Agrave ONG
Aacutegua Doce que potencializou o trabalho com a inserccedilatildeo da biblioteca Eco Futuro no terreno
da escola com uma infraestrutura e um acervo de livros excelentes Agrave Secretaria de
educaccedilatildeo de Mageacute pela autorizaccedilatildeo da pesquisa na escola
A todos da Fundaccedilatildeo Educacional de Cultura de Mageacute por me receber tatildeo bem E agrave
Cristina pelo apoio nesta reta final
E um agradecimento especial aos meus alunos desde agravequeles que laacute em 2008 na
Escola Municipal Nossa Senhora da Penha me instigaram a pensarconstruir experiecircncias
instituintes para a inclusatildeo da vida na sua diversidade e tambeacutem aos estudantes da ldquoEscola
Dinorahrdquo que me encheram de alegria e satisfaccedilatildeo durante esse processo de construccedilatildeo
de conhecimento para a inclusatildeo da diversidade
E agravequele que eacute Alfa e Ocircmega princiacutepio e fim DEUS
VIII
SUMAacuteRIO
Lista de abreviaturas X
Lista de ilustraccedilotildees XI
Lista de figuras XI
Lista de graacuteficos XI
Resumo XII
Abstract XIII
1 Introduccedilatildeo 1
11 Apresentaccedilatildeo 1
12 Eacute preciso falar sobre Diversidade e Inclusatildeo 9
13 A lei 1063903 um marco histoacuterico na luta Antirracista 13
14 O Ensino das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais algumas reflexotildees 15
15 Valores Civilizatoacuterios Afro-brasileiros na Educaccedilatildeo Infantil 18
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio 21
16 A crianccedila pequena e o negro quem satildeo esses outros 24
2 Objetivos 27
21 Objetivo geral 27
22 Objetivos especiacuteficos 27
3 Material e Meacutetodos (Metodologia) 28
31 Puacuteblico alvo 28
32 Etnografia e interdisciplinaridade caminhos metodoloacutegicos 28
33 Questotildees eacuteticas na pesquisa com crianccedilas 31
34 Fases da pesquisa 32
341 As oficinas 33
35 Colaboradores na coleta de dados 35
36 Caderno Pedagoacutegico 36
4 Resultados e Discussatildeo 40
41 Dados coletados reflexotildees iniciais 40
42 Percebendo as vozes oficinas iniciais 41
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (Idade entre 4 e 5 anos) 41
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (Idade entre 5 e 6 anos) 43
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II) 45
IX
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I) 47
43 Oficina 3 - Conhecendo Maria a menina que veio do Congo 51
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso 55
44 Oficina 4 - Uma sensibilizaccedilatildeo para a Pedagogia Griocirc 57
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II) 60
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I) 62
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias 64
45 Oficina 5 - Musicalidade e as ldquoartes de fazerrdquo 65
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica 66
4511 Preacute-escolar II 66
4512 Preacute-escolar I 68
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais 69
453 Confecccedilatildeo de objetos sonoros 72
4531 Preacute-escolar II 72
4532 Preacute-escolar I 73
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis 74
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical 75
46 Oficina 6 - Lendas que nos encantam 77
461 O Segredo do Baobaacute uma lenda Africana 78
47 Narrativa da Professora do Preacute-escolar I 80
5 Consideraccedilotildees Finais 82
51 Conclusotildees 82
52 Perspectivas 84
6 Referenciais bibliograacuteficos 86
7 Apecircndices e Anexos 91
71 Apecircndices 91
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados 91
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 92
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem 95
72 Anexos 98
721 Imagens utilizadas 98
722 Premiaccedilatildeo 100
X
LISTA DE ABREVIATURAS
CMPDI Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo
CNE Conselho Nacional de Educaccedilatildeo
DCN ERER Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees
Eacutetnico-Raciais
DCNs Diretrizes Curriculares Nacionais
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IES Instituiccedilatildeo de Ensino Superior
LDB Lei de Diretrizes e Bases
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios
PROEX Proacute-reitoria de Extensatildeo
RCNEI Referencial Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil
SIGProj Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo de Projetos
TICs Tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo
UFF Universidade Federal Fluminense
XI
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Paacutegina na rede social 38
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos 46
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos 49
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas 50
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) 54
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) 55
Figura 7 Vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade 61
Figura 8 Vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais 64
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos musicais 72
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais 73
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas 76
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo 80
LISTA DE GRAacuteFICOS
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I 43
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II 45
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) 48
XII
RESUMO
A educaccedilatildeo inclusiva e para a diversidade eacute um tema que natildeo pode ser analisado apenas pelo acircngulo da falta de matriacutecula nas escolas Hoje pessoas com deficiecircncia altas habilidades negras indiacutegenas brancas crianccedilas jovens e adultos de todas as religiotildees estatildeo matriculados nas escolas Contudo nem sempre tal fato significa uma inclusatildeo real da diversidade no espaccedilo escolar A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais em contexto escolar eacute um desafio ainda hoje presente em nosso cotidiano Identificamos atitudes que fortalecem segregaccedilotildees do negro e da cultura africana em todas as esferas da sociedade ao longo da histoacuteria brasileira mas na escola apesar da legislaccedilatildeo e de ser um espaccedilo de inclusatildeo da diversidade ainda vemos segregaccedilotildees silenciamentos e indiferenccedilas aos afrodescendentes e suas heranccedilas eacutetnicas Considerando que os mecanismos de discriminaccedilatildeo e preconceitos eacutetnico-raciais devem ser discutidos na escola desde a mais tenra idade este trabalho buscou pesquisar construir aprofundar e difundir conhecimentos sobre aspectos da histoacuteria e da cultura afro-brasileira na Educaccedilatildeo Infantil O foco de nossa pesquisa foram as crianccedilas entre 4 e 5 anos de uma escola municipal de MageacuteRJ localizada em uma aacuterea rural Partindo da Sociologia da Infacircncia dialogamos com metodologias de ensino e de pesquisa interativas interdisciplinares e tambeacutem com princiacutepios etnograacuteficos Importante ressaltar aqui que a escolha pela faixa etaacuteria ocorreu por percebermos que a crianccedila pequena assim como o negro fazem parte de uma minoria social e que apenas recentemente vecircm tendo seus direitos sociais reconhecidos Ateacute haacute pouco tempo eram ldquoos outrosrdquo aqueles cujas vozes natildeo precisavam ser ouvidas Nossa luta poliacutetica eacute para gerar praacuteticas voltadas para a formaccedilatildeo de uma cultura inclusiva que alcance todos os sujeitos no contexto educacional Buscou-se intervir no cotidiano escolar construindo com os estudantes algumas experiecircncias instituintes Tais experiecircncias concretizadas em oficinas pedagoacutegicas compotildeem um caderno pedagoacutegico voltado para docentes da Educaccedilatildeo Infantil visando contribuir para que novas reflexotildees sobre os sentidos da educaccedilatildeo para a diversidade surjam e se efetive uma educaccedilatildeo inclusiva para todos
Palavras-chave raccedila etnia sociologia da infacircncia inclusatildeo metodologias interativas
XIII
Abstract
The inclusive education and to diversity is a theme that cannot be parsed only from the angle of lack of enrollment in schools Today people with disabilities high skills black white indigenous children youth and adults of all religions are enrolled in schools However not always it means a real inclusion of diversity in the school space Education for ethnic-racial relations in school is a challenge even today present in our daily lives Identify attitudes that strengthen the segregation of black and African culture in all spheres of society along the Brazilian history but in school despite legislation and be a space for inclusion of diversity we still see segregation silences and indifference to African descendants and their ethnic heritage Whereas the mechanisms of discrimination and ethnic and racial prejudices should be discussed in school from an early age this study sought to search build deepen and disseminate knowledge about aspects of Afro-Brazilian history and culture in early childhood education The focus of our research were children between 4 and 5 years of a municipal school of MageacuteRJ located in a rural area From the Sociology of childhood deal with teaching methodologies and interactive interdisciplinary research and ethnographic principles Important to note here that the choice by age group occurred because we realize that the small child as well as black are part of a social minority and who just recently been having their social rights recognized Until recently were the other those whose voices need not be answered Our struggle is to generate practical policy geared to the formation of an inclusive culture that reach all subjects in the school context Sought to intervene in the daily school building with students some experiences institutor significations Such experiences implemented in educational workshops compose a book focused on teaching teachers of early childhood education aiming to contribute to new reflections on the directions of education for diversity arise and if such an inclusive education for all
Keywords race ethnicity sociology of childhood inclusion interactive methodologies
1
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 APRESENTACcedilAtildeO
Quando o homem compreende a sua realidade pode levantar hipoacuteteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluccedilotildees Assim pode transformaacute-la e o seu trabalho pode criar um mundo proacuteprio seu Eu e as suas circunstacircncias (FREIRE 1983 p 30)
Esta pesquisa eacute fruto de um trabalho de reflexatildeo accedilatildeo ao longo de uma trajetoacuteria
acadecircmica e profissional inquieta e questionadora acerca dos acontecimentos do cotidiano
escolar Sou professora da Educaccedilatildeo Baacutesica (Ensino Fundamental I) no Municiacutepio de Mageacute
haacute 3 anos e meio Desde a entrada no Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e
Inclusatildeo (CMPDI) venho ocupando a funccedilatildeo de Implementadora de Leitura1 Em maio de
2015 tomei conhecimento de uma escola Rural onde havia grandes possibilidades para a
realizaccedilatildeo da pesquisa de mestrado Ateacute entatildeo na escola onde eu estava natildeo havia turmas
com os anos iniciais do Ensino Fundamental tatildeo pouco de Educaccedilatildeo Infantil
Neste mesmo periacuteodo surge a parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF)
por meio do projeto de extensatildeo ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos
iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo registrado no Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo
de Projetos (SIGProj) sob o nuacutemero 1974399372842612022015
Logo as accedilotildees na escola receberam apoio da Proacute-reitora de Extensatildeo (Proex) no que
se refere a uma bolsa que contemplou uma estudante de graduaccedilatildeo da Pedagogia Aleacutem
dessa parceria contamos tambeacutem com o apoio da Secretaria de Educaccedilatildeo de Mageacute
instituiccedilatildeo governamental municipal que nos possibilitou a realizaccedilatildeo da pesquisa na
Escola Dinorah dos Santos Bastos
A origem histoacuterica do lugar de onde falo observo e escrevo ou seja o loacutecus da
pesquisa possui memoacuterias ldquonatildeo ditasrdquo sobre as quais tentarei narrar algumas para que o
leitor entenda sua articulaccedilatildeo com a temaacutetica da pesquisa
O Municiacutepio de Mageacute localizado na Regiatildeo Metropolitana do Rio de Janeiro eacute um
dos mais antigos do estado Ele tem muito o que revelar tendo em vista seus 451 anos de
1 Aqui na Rede esse profissional eacute um professor itinerante que trabalha com os anos iniciais do Ensino Fundamental Seu enfoque estaacute no trabalho de incentivo agrave leitura
2
existecircncia e sua consideraacutevel densidade demograacutefica de aproximadamente 233634
habitantes segundo dados do IBGE (2014) O Municiacutepio eacute marcado por forte influecircncia das
etnias indiacutegenas e africanas A proacutepria etimologia do nome Mageacute que significa feiticeiro ou
pajeacute2 eacute de origem tupi-guarani
Ao chegar na regiatildeo rural onde aconteceria a pesquisa me deparei com um lugar
repleto de histoacuterias que dialogavam a todo tempo com minha temaacutetica entre elas a
existecircncia de uma fazenda centenaacuteria que ateacute haacute uns poucos anos possuiacutea resquiacutecios de
uma senzala Havia tambeacutem a presenccedila de engenhos de mandioca onde ainda hoje se
produz farinha artesanal e igrejas com mais de 300 anos de existecircncia Tudo me trazia agrave
memoacuteria os trabalhadores da terra os homens escravizados as geraccedilotildees fragilizadas
Impossiacutevel foi natildeo rememorar algumas leituras e escritos meus sobre aquele municiacutepio
que sempre me despertou curiosidade
Mageacute foi ganhando evidecircncia a priori graccedilas agraves suas riquezas naturais e agravequeles que ajudaram a cultivar a terra neste periacuteodo colonial os negros escravizados No entanto na terra dos heroacuteis e tradiccedilotildees3 os negros escravizados natildeo recebiam status de heroacuteis sequer satildeo mencionados hoje na histoacuteria do tempo presente como aqueles que contribuiacuteram para construccedilatildeo de igrejas da primeira linha feacuterrea do Brasil e para o abastecimento econocircmico da Capital a partir do cultivo do solo Para eles sempre sobrou a histoacuteria uacutenica que comumente o rotulava de indolentes preguiccedilosos e sem qualquer valor moral (PEREIRA 2016 p 16)
Conceiccedilatildeo de Suruiacute regiatildeo rural onde estaacute situada a Escola Municipal Dinorah dos
Santos Bastos localiza-se no 4deg distrito de Mageacute chamado Suruiacute Este lugar possui muitas
memoacuterias no que tange a escravidatildeo de negros nas lavouras locais Evidenciar as memoacuterias
e as contribuiccedilotildees de heroacuteis a contrapelo4 me aponta caminhos para uma educaccedilatildeo outra
onde os diferentes sujeitos sejam reconhecidos como outros legiacutetimos outros (MATURANA
VARELA 1995) Ao longo deste trabalho a expressatildeo mencionada seraacute uma constante
tendo em vista a forccedila que ela representa em minha trajetoacuteria
2 Ver etimologia dos nomes afro-indiacutegenas no seguinte trabalho httpwwwpgletrascombr2014 dissertacoes diss-Sivaldo-Correia-da-Silvapdf 3 Trecho do hino do Municiacutepio de Mageacute Link httpswwwletrasmusbrhinos-de-cidades941163 4 Expressatildeo do filoacutesofo alematildeo Walter Benjamin Em seus escritos o autor fala sobre a histoacuteria a contrapelo (LOumlWY 2011) Ou seja a histoacuteria contada sob o ponto de vista dos vencidos Nesse contexto nossos heroacuteis a contrapelo satildeo todos que a histoacuteria oficial natildeo evidencia
3
Os bioacutelogos Humberto Maturana e Francisco Varela expoentes desta expressatildeo
constroem redes de conhecimentos para pensar o ser humano de forma global
integradora e relacional rompendo com os determinismos bioloacutegicos da ciecircncia
tradicional Para eles a construccedilatildeo do conhecimento se daacute porque o ser vivo possui a
capacidade de se auto organizar autogerir e isso acontece quando na relaccedilatildeo com o outro
no social
Rossetto (2010) ao refletir sobre as contribuiccedilotildees de Maturana na educaccedilatildeo afirma
que haacute uma forte defesa da cultura da diversidade pois eacute afirmado que natildeo existem
pessoas iguais ao romper com a geneacutetica como algo predeterminado Por esse motivo os
estudos de Humberto Maturana e Francisco Varela5 satildeo muito recorrentes no campo
educacional jaacute que a formaccedilatildeo do outro como totalmente outro constitui-se como objetivo
da educaccedilatildeo ou ao menos deveria ser
Desse modo tenho me apropriado dessa rica referecircncia ao longo da escrita
entendendo que suas leituras podem ampliar meu olhar para melhor conversar e conhecer
o outro na sua diversidade
A esse ato de ampliar nosso domiacutenio cognitivo reflexivo que sempre implica uma experiecircncia nova soacute podemos chegar pelo raciociacutenio motivado pelo encontro com o outro pela possibilidade de olhar o outro como um igual num ato que habitualmente chamamos de amor ndash ou se natildeo quisermos usar uma palavra tatildeo forte a aceitaccedilatildeo do outro ao nosso lado na convivecircncia (MATURANA VARELA 1995 p 263)
E estimulada a ver o outro como legiacutetimo outro eacute que inicio o trabalho em 2015 com
estudantes da Educaccedilatildeo Infantil contemplando e tambeacutem sendo contemplados com as
duas turmas de Preacute-escolar (I e II) que havia na escola
A opccedilatildeo pela primeira etapa de escolarizaccedilatildeo ocorreu por entender que as relaccedilotildees
raciais desiguais e segregadoras se constroem desde a mais tenra idade Foi notado
tambeacutem que haacute uma certa carecircncia de produccedilotildees acadecircmicas que privilegiem as categorias
raccedila e infacircncia Silva e Souza (2013) em pesquisa realizada de 2003 a 2011 chegam agrave
seguinte conclusatildeo
5 Pois juntos inauguram a Teoria Epistecircmica que discorreremos mais a frente
4
Com relaccedilatildeo ao objeto especiacutefico que buscamos escritos sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais em Educaccedilatildeo Infantil foram localizados publicados a partir de 2003 somente 4 artigos 1 livro 5 capiacutetulos de livro uma tese e 14 dissertaccedilotildees Escalonando as publicaccedilotildees pelos anos de 2003 a 2011 observa-se uma tendecircncia a ligeiro aumento no decorrer dos anos Os 4 artigos localizados foram publicados 2 em 2006 e 2 em 2010 A uacutenica tese identificada foi publicada em 2007 e gerou outras publicaccedilotildees nos anos posteriores 1 capiacutetulo de livro em 2008 e 1 artigo em 2010 As dissertaccedilotildees foram o uacutenico formato permanentemente presente que teve maior concentraccedilatildeo em 2007 e 2008 (trecircs publicaccedilotildees em cada ano) Ou seja aleacutem de uma publicaccedilatildeo de pequena monta a concentraccedilatildeo estaacute na realizaccedilatildeo de trabalhos de pesquisadores em formaccedilatildeo (p 37)
Para aleacutem dessas questotildees venho percebendo que nossa formaccedilatildeo desde muito
cedo tem sido perpassada por paradigmas que nos impotildeem narrativas hegemocircnicas de
identidade (SILVA 2007) levando-nos a acreditar em histoacuterias uacutenicas em processos e
praacuteticas singulares que acabam por segregar e excluir os sujeitos da diferenccedila que
necessitam de um olhar natildeo homogeneizante O enfoque na Educaccedilatildeo Infantil aleacutem dos
motivos apresentados deveu-se ao fato por tratar de importante fase para se pensar e
praticar uma educaccedilatildeo para a Diversidade e Inclusatildeo
Desse modo o ensino da diversidade eacutetnico-racial passou a ser um desafio tendo em
vista que um dos seus objetivos eacute o de romper com os paradigmas da escola moderna
centrados no ensino monocultural reducionista e etnocecircntrico Haacute algum tempo meus
caminhos de formaccedilatildeo tecircm me levado a questionar os sentidos da escola da qual somos
oriundos Fruto da razatildeo iluminista instrumental as escolas brasileiras se construiacuteram
sobre as bases de uma loacutegica cartesiana que pouco espaccedilo tem cedido para a diversidade
de sujeitos e saberes Como docente-pesquisadora6 da escola baacutesica haacute um pouco mais de
7 anos venho refletindo sobre a importacircncia de uma educaccedilatildeo multicultural que privilegie
as experiecircncias dos praticantes do cotidiano escolar
Entendendo a experiecircncia como algo que nos passa (LARROSA 2002 p 21) posso
afirmar que o que me orienta para outros caminhos de reflexatildeo-accedilatildeo onde a inclusatildeo da
diversidade eacute uma constante tem forte ligaccedilatildeo com os diferentes espaccedilos tempos dos
quais experienciei durante a vida
6 Importante salientar que minha trajetoacuteria como professora-pesquisadora se iniciou no ano de 2008 quando entrei em um projeto de iniciaccedilatildeo agrave docecircncia permanecendo por 4 anos Quando formada apoacutes um ano ingressei no Municiacutepio de Mageacute como professora dos anos iniciais estando ateacute os dias atuais
5
Vale ressaltar que para Larrosa (2002) a experiecircncia eacute um acontecimento que nos
atravessa e nos transforma O autor fundamenta-se em Walter Benjamin para afirmar que
nunca se passaram tantas coisas mas a experiecircncia eacute cada vez mais rara (p 20) e tem
relaccedilatildeo direta com o excesso de informaccedilatildeo Ao considerar que a experiecircncia eacute algo que
me atravessa devo supor que ela eacute externa a mim e eu sou o lugar da experiecircncia Para
que ela afete minhas palavras minhas ideias e meus projetos eacute necessaacuterio um movimento
reflexivo e o excesso de informaccedilatildeo pode limitar a ocorrecircncia dessa experiecircncia
Desse modo ao discorrer sobre as dimensotildees da experiecircncia Jorge Larrosa se
apropria de trecircs princiacutepios reflexividade subjetividade e transformaccedilatildeo Todos eles vatildeo
implicar em um processo de alteridade onde o sujeito deve se reconhecer natildeo enquanto
o sujeito do saber ou do poder ou do querer senatildeo o sujeito da formaccedilatildeo e da
transformaccedilatildeo (LARROSA 2011 p 7)
Com isso compartilho as diferentes experiecircncias que me afetaram e que vecircm me
transformando Posso atribuir tal transformaccedilatildeo aos diferentes percursos experienciados
ao longo da vida
Nilda Alves (2004) aborda a necessidade de superaccedilatildeo da ideia de que a formaccedilatildeo
docente se daacute em percursos individuais A autora evidencia que as redes que nos formam
estatildeo interligadas ao espaccedilo acadecircmico agraves experiecircncias das pesquisas em educaccedilatildeo da
praacutetica pedagoacutegica da accedilatildeo governamental e tambeacutem da praacutetica coletiva poliacutetica (ALVES
2004 p 20)
Acrescento que minhas escolhas ideoloacutegicas e assim os caminhos de formaccedilatildeo pelos
quais me enveredei tecircm muito a ver tambeacutem com as memoacuterias de uma infacircncia permeada
por questionamentos diversos sobretudo acerca das heranccedilas raciais que marcam minha
existecircncia A seguir um trecho de algumas dessas memoacuterias de infacircncia
Lembrei-me que na infacircncia por algum tempo neguei os traccedilos fiacutesicos que herdaraacute do meu pai homem negro Lembro-me de ser chamada de nariz de batatinha Isso me incomodava pois natildeo tinha um nariz ldquoafiladordquo como dizia minha avoacute materna (mulher negra) Outro incocircmodo constante era o meu cabelo muito cheio e com cachos que se embaraccedilavam com facilidade Certa vez ouvi dizer que o desprezo da cor eacute o mesmo que o do corpo Concordei pois sem ter consciecircncia desprezava minha histoacuteria minhas raiacutezes desprezava que por debaixo dos caracoacuteis daqueles cabelos tinha uma histoacuteria para contar parafraseando o cantor Histoacuteria de carinho e dedicaccedilatildeo de quando minha matildee e minha tia perdiam horas moldando meus cachinhos
6
exaltando a beleza de um cabelo afro Talvez o desprezo sem querer da figura do meu pai de quem sempre tive muito orgulho Este por sua vez foi um dos que me serviu de inspiraccedilatildeo Em sua histoacuteria de vida natildeo satildeo poucas as narrativas envolvendo violecircncias simboacutelicas constantes e crueacuteis Lembro-me de quando ele teve a oportunidade de comprar seu primeiro carro 0Km Saiu da concessionaacuteria com o carro sem placa e foi abordado em nossa cidade por policiais que ao fazerem a identificaccedilatildeo com os documentos soltaram o seguinte discurso constrangido ldquoA cor do carro eacute muito chamativardquo Cresci ouvindo essa histoacuteria de descaso desrespeito a dignidade de um trabalhador que queria apenas natildeo ter a sua dignidade roubada por desconfianccedilas e assim ser reconhecido como outro legiacutetimo outro Agora quase quinze anos depois percebo com maior clareza o que estaacute por traacutes daquele discurso preconceituoso Na verdade o que chamava atenccedilatildeo natildeo era a cor vermelha do Gol mas a cor do homem que o dirigia Outra figura importante que me inspirou foi meu irmatildeo Ele chegou durante a minha primeira infacircncia Com os olhos de jabuticaba e talvez com a mesma cor de pele Desde muito cedo eu tive que conviver com questionamentos na escola do gecircnero -ldquoEle eacute adotadordquo Aos 6 anos de idade na minha inocecircncia eu respondia conforme minha matildee mandava - ldquoEle eacute diferente porque puxou o meu pai Eu puxei a cor da minha matildeerdquo (PEREIRA PEREIRA 2016 p 8)
Fica expliacutecito que os caminhos pelos quais tenho percorrido possuem estreita relaccedilatildeo
com uma infacircncia perpassada por histoacuterias uacutenicas ndash reforccediladas pela educaccedilatildeo escolar ndash
onde as bonecas e as personagens das histoacuterias jamais tinham cabelos cacheados e ldquonariz
de batatinhardquo como os meus para que eu pudesse me sentir representada e satisfeita
comigo mesma Hoje como professora percebo o quatildeo perigosas podem se tornar tais
histoacuterias quando observamos a construccedilatildeo da identidade de uma crianccedila Me incomoda
saber que tais enredos satildeo reforccedilados diariamente no cotidiano de nossas escolas sob
outras imagens mas que geralmente possuem o intuito de legitimar padrotildees hegemocircnicos
e reforccedilar maneiras uacutenicas de ser e estar no mundo
Compreendido isto minha atuaccedilatildeo profissional tem sido um constante
questionamento natildeo soacute sobre o caraacuteter monocultural e reducionista que permeiam o
curriacuteculo escolar bem como sobre as poliacuteticas e praacuteticas que hoje tecircm tensionado o debate
acerca da inclusatildeo da diversidade eacutetnico-racial nos estabelecimentos oficiais de ensino No
ano de 2013 ao ingressar no curso de especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias
Sociais na Universidade Federal Fluminense aprofundei minhas redes de conhecimento
sobre a relevacircncia de uma educaccedilatildeo a contrapelo onde as histoacuterias de vida e as teorias
cientiacuteficas se entrelaccedilam formando redes colaborativas Ao cursar a disciplina Raccedila
7
curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica fui surpreendida com a existecircncia de um dispositivo legal7
que torna obrigatoacuterio o Ensino da Histoacuteria da Aacutefrica e da Cultura Afro-brasileira nas
instituiccedilotildees escolares A surpresa era porque sendo professora e formada haacute poucos mais
de dois anos a questatildeo nunca me alcanccedilou quando docente em formaccedilatildeo inicial Mesmo
sabendo que os conteuacutedos ligados agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira eram atribuiccedilotildees
especialmente das aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria natildeo me sentia
isenta de apresentar para os meus estudantes dos anos iniciais as memoacuterias e
contribuiccedilotildees culturais da populaccedilatildeo negra para a construccedilatildeo da sociedade brasileira
Refleti sobre minha trajetoacuteria na academia iniciada em 2007 me certificando de que
nenhuma das disciplinas oferecidas se aproximaram da discussatildeo racial Em 2011 quando
concluiacute a formaccedilatildeo em Pedagogia na UFF o curso passara por uma reformulaccedilatildeo curricular
no qual a disciplina Relaccedilotildees eacutetnico-raciais na escola foi incluiacuteda por forccedila da lei federal
1063903 com 60h de carga horaacuteria
Natildeo obstante ao retomar meus estudos na poacutes-graduaccedilatildeo tive como desafio
compreender o porquecirc noacutes professores principalmente dos anos iniciais da Educaccedilatildeo
Baacutesica natildeo estaacutevamos sendo alcanccedilados com as orientaccedilotildees de um dispositivo que tem
como objetivo banir a perpetuaccedilatildeo das desigualdades eacutetnico-raciais A partir de entatildeo
comecei a entrelaccedilar os fios que mais tarde se tornariam objeto de pesquisa8 na
especializaccedilatildeo e posteriormente no mestrado
Ao ingressar no Mestrado Profissional9 em Diversidade e Inclusatildeo vi a possibilidade
de ampliar minhas reflexotildees acerca dos processos teacutecnicas e teorias cientiacuteficas que fossem
mais includentes da vida na sua diversidade Assim ao me inserir na linha de pesquisa
Interdisciplinaridade e Questotildees de Ensino propus a realizaccedilatildeo de um estudo que
atendesse agraves minhas demandas de praticante reflexiva do cotidiano Tambeacutem objetivei a
partir da minha experiecircncia apontar caminhos para a complexa tarefa que eacute a formaccedilatildeo
docente sobretudo quando se trata de incluir a diversidade
7 A lei federal 1063903 foi promulgada no governo do presidente Luiz Inaacutecio Lula da Silva e representa um dispositivo que marca a luta antirracista nos espaccedilos formais de ensino Ver Brasil (2003) 8 O trabalho final de conclusatildeo de curso foi intitulado por ldquoConversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeosrdquo Orientado pela professora Nivea Maria da Silva Andrade 9 Segundo o Capes o Mestrado Profissional (MP) eacute uma modalidade de Poacutes-Graduaccedilatildeo stricto sensu voltada para a capacitaccedilatildeo de profissionais nas diversas aacutereas do conhecimento mediante o estudo de teacutecnicas processos ou temaacuteticas que atendam a alguma demanda do mercado de trabalho
8
Acreditando que esta pesquisa se deu em via de matildeo dupla pois ao passo que
ensinei sempre aprendi mais apresento como produto final desta pesquisa as oficinas
desenvolvidas com os meus alunos sobre a temaacutetica eacutetnico-racial Tais oficinas compotildeem
um caderno pedagoacutegico que seraacute disponibilizando gratuitamente online visando
contribuir com os docentes na construccedilatildeo de um repertoacuterio mais amplo de atividades a
serem desenvolvidas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil sobre a temaacutetica
Para situar o leitor apresento os caminhos percorridos para a elaboraccedilatildeo deste
trabalho No primeiro momento discorro sobre a necessaacuteria reflexatildeo acerca da educaccedilatildeo
inclusiva bem como a diversidade de sujeitos praacuteticas e culturas que esta educaccedilatildeo
contempla Seguido dessas anaacutelises elaboro reflexotildees sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais a lei que o institui e os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros como saberes
instituintes na Educaccedilatildeo Infantil para a superaccedilatildeo do saber universal que secundariza e ateacute
mesmo silencia a produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra (GONCcedilALVES 1987) Apoacutes essas
discussotildees apresento os atores da pesquisa o lugar de onde falo e as parcerias
estabelecidas Essa primeira parte eacute finalizada com a construccedilatildeo de redes reflexivas em
torno da dimensatildeo eacutetnico-racial e da infacircncia
No segundo momento apresento os objetivos geral e os especiacuteficos deste trabalho
O objetivo geral eacute abordar as questotildees eacutetnico-raciais a partir de metodologias interativas
com enfoque na sociologia da infacircncia em uma escola rural do municiacutepio de Mageacute
Enquanto que os objetivos especiacuteficos representam as metas delimitadas para a
concretizaccedilatildeo do objetivo geral
No terceiro momento trago a metodologia da pesquisa explicitando como ocorreu
o levantamento de dados e as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas Enquanto o quarto
momento eacute dedicado aos resultados Busco analisar e discutir as oficinas que satildeo a base
para a elaboraccedilatildeo do Caderno Pedagoacutegico para os professores da Educaccedilatildeo Infantil
Concluo com o quinto momento ao retomar os objetivos especiacuteficos demonstrando suas
contribuiccedilotildees para o desfecho do objetivo geral
Portanto convido o leitor a percorrer os caminhos da pesquisa ldquoA dimensatildeo eacutetnico-
racial a partir do olhar da crianccedila a inclusatildeo da diversidade por meio de experiecircncias
instituintesrdquo
9
12 Eacute PRECISO FALAR SOBRE DIVERSIDADE E INCLUSAtildeO
Haacute quem possa pensar que o conceito de inclusatildeo escolar estaacute estritamente
relacionado agrave questatildeo das deficiecircncias (cognitivas visuais auditivas e outras) Ao iniciar o
mestrado natildeo me surpreendeu questionamentos de algumas pessoas acerca da minha
temaacutetica e consequentemente minha inserccedilatildeo naquele espaccedilo acadecircmico10 Natildeo obstante
em meio a questionamentos e provocaccedilotildees percebi que era urgente uma reflexatildeo mais
aprofundada sobre a diversidade e a inclusatildeo
Igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia na escola eacute o que prevecirc um dos
princiacutepios da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) lei federal nordm 93949611 Contudo essa
importante previsatildeo natildeo tem sido percebida no contexto da educaccedilatildeo brasileira em virtude
das desigualdades de oportunidade para os grupos minoritaacuterios Haacute quem pergunte que
grupos satildeo esses Penso que satildeo todos aqueles que estatildeo em desvantagens sociais e
econocircmicas tais como mulheres crianccedilas grupos eacutetnico-raciais pessoas com deficiecircncia
e altas habilidades populaccedilatildeo pobre e do campo Esses e outros grupos chamo de minoria
que compotildee a diversidade brasileira
Cabe ressaltar que a categoria minoria pode causar confusatildeo quando referida a
grupos de mulheres negros indiacutegenas crianccedilas populaccedilatildeo pobre jaacute que estes
representam a maioria Importante esclarecer que no discurso hegemocircnico minoria daacute a
ideia de grupo inferior No entanto esse conceito na Contemporaneidade vem romper com
as questotildees quantitativas dando vez agraves demandas das singularidades dos grupos culturais
Segundo o antropoacutelogo indiano Arjun Appadurai (2009) as minorias lembram agraves maiorias
que elas natildeo satildeo plenas e totais
Dessa maneira eacute preciso reconhecer que os grupos citados possuem direitos para
aleacutem daqueles que jaacute satildeo garantidos agravequeles que sempre tiveram condiccedilotildees favoraacuteveis de
acesso e de permanecircncia escolar Entendo que a educaccedilatildeo inclusiva deve buscar dar mais
condiccedilotildees de acesso e permanecircncia para aqueles que menos tecircm e isso implica em pensar
natildeo soacute nos sujeitos mas nas praacuteticas que tecircm norteado o cotidiano escolar
10 O Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo estaacute situado no Instituto de Biologia da UFF 11 Este eacute o primeiro princiacutepio do tiacutetulo II que trata da Educaccedilatildeo Nacional Os doze incisos compreendidos nesse tiacutetulo dizem como o ensino deve ser regido Conforme Brasil (1996)
10
Santos (2014) nos provoca a pensar na educaccedilatildeo inclusiva enquanto um processo
para todos e natildeo como propriedade de determinados grupos Quando esse processo natildeo
alcanccedila a todos haacute a exclusatildeo e acabamos reforccedilando a ideia de que a inclusatildeo eacute apenas
para alguns e natildeo para todos Para banir o processo de exclusatildeo eacute preciso fazer um
movimento a contrapelo um movimento de inclusatildeo de todos por inteiro onde haja a
aceitaccedilatildeo de uns aos lados dos outros enquanto legiacutetimos outros
A ideia de inclusatildeo como afirma a autora natildeo pode ser focada em determinados
grupos eacute preciso adotar uma perspectiva de anaacutelise Omnileacutetica12 Tal neologismo
compreende aspectos morfoloacutegicos e categoriais que desde a sua criaccedilatildeo tem exigido
inuacutemeras reflexotildees coletivas por parte dos integrantes do grupo de pesquisa13 do qual a
mesma eacute coordenadora Em suma a Omnileacutetica vai se afirmar como tudo em relaccedilatildeo ndash
entendendo tambeacutem a diversidade onde o olhar para a totalidade eacute uma constante Satildeo
trecircs as categorias que embasam o conceito tridimensionalidade dialeacutetica e pensamento
complexo (SANTOS 2015 p 54) Buscamos neste momento apresentar alguns princiacutepios
do instrumento de anaacutelise que tem favorecido o desenvolvimento da omnileacutetica o Index
para Inclusatildeo (BOOTH AISCOW 2011) Trata-se de um material que permite pensar a
educaccedilatildeo inclusiva a partir de praacuteticas poliacuteticas e culturas que contemplam a vida humana
Essas trecircs dimensotildees satildeo apropriadas por noacutes no transcorrer deste trabalho Percebemos
que as ideias dialogam com o que identificamos como uma educaccedilatildeo instituinte onde a
inclusatildeo da vida na diversidade eacute um valor
No que se refere agrave dimensatildeo das culturas inclusivas podemos ler que
() refere-se agrave criaccedilatildeo de comunidades seguras acolhedoras colaborativas estimulantes em que todos satildeo valorizados Os valores inclusivos compartilhados satildeo desenvolvidos e transmitidos a todos os professores agraves crianccedilas e suas famiacutelias gestores comunidades circunvizinhas e todos os outros que trabalham na escola e com ela Os valores inclusivos de cultura orientam decisotildees sobre poliacuteticas e a praacutetica a cada momento de modo que o desenvolvimento eacute coerente e contiacutenuo A incorporaccedilatildeo de mudanccedila dentro das culturas da escola assegura que
12Omni eacute um prefixo latino que representa tudo Leto eacute um radical grego que no substantivo refere-se a variedade e como verbo eacute tudo aquilo que estaacute oculto O sufixo ico eacute de origem grega e daacute sentido de relaccedilatildeo participaccedilatildeo O conceito pode ser encontrado no texto Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura omnileacutetica disponiacutevel em httpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdf 13LAPEADE - Laboratoacuterio de Pesquisa Estudos e Apoio agrave Participaccedilatildeo e agrave Diversidade em Educaccedilatildeo Para mais informaccedilotildees consultar httpwwwlapeadecombr
11
ela esteja integrada nas identidades de adultos e crianccedilas e seja transmitida aos que estatildeo chegando agrave escola (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
A dimensatildeo que aborda as poliacuteticas inclusivas visa garantir
()que a inclusatildeo permeie todos os planos da escola e envolva a todos As poliacuteticas encorajam a participaccedilatildeo das crianccedilas e professores desde quando estes chegam agrave escola Elas encorajam a escola a atingir todas as crianccedilas na localidade e minimiza as pressotildees exclusionaacuterias As poliacuteticas de suporte envolvem todas as atividades que aumentam a capacidade da ambientaccedilatildeo de responder agrave diversidade dos envolvidos nela de forma a valorizar a todos igualmente Todas as formas de suporte estatildeo ligadas numa uacutenica estrutura que pretende garantir a participaccedilatildeo de todos e o desenvolvimento da escola como um todo (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Com relaccedilatildeo a dimensatildeo das praacuteticas inclusivas estas relacionam-se com o pensar
sobre o que se ensina e se aprende e o como se ensina e se aprende visando a reflexatildeo e a
praacutetica de valores e poliacuteticas inclusivos
() As implicaccedilotildees de valores inclusivos para estruturar o conteuacutedo de atividades de aprendizagem satildeo trabalhadas na seccedilatildeo lsquoConstruindo curriacuteculos para todosrsquo Esta liga a aprendizagem agrave experiecircncia local e globalmente bem como a Direitos e incorpora assuntos de sustentabilidade A aprendizagem eacute orquestrada de modo que o ensino e as atividades de aprendizagem se tornam responsivos agrave diversidade de jovens na escola As crianccedilas satildeo encorajadas a ser ativas reflexivas aprendizes criacuteticas e satildeo vistas como um recurso para a aprendizagem umas das outras Os adultos trabalham juntos de modo que todos assumem responsabilidade pela aprendizagem de todas as crianccedilas (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Desse modo fica reforccedilado que a diversidade e a inclusatildeo estatildeo para aleacutem de acolher
os sujeitos com deficiecircncia ou com altas habilidades visto que tambeacutem trabalham com as
diferenccedilas culturais como os modos de estabelecer valores e construir praacuteticas onde
todos sem exceccedilatildeo sejam alcanccedilados Por entender a urgente necessidade de se trabalhar
a diversidade e a inclusatildeo na escola nos baseamos nos movimentos de direitos humanos
destacando o que estaacute inscrito na Declaraccedilatildeo de Salamanca
O princiacutepio que orienta esta Estrutura eacute o de que escolas deveriam acomodar todas as crianccedilas independentemente de suas condiccedilotildees
12
fiacutesicas intelectuais sociais emocionais linguumliacutesticas ou outras Aquelas deveriam incluir crianccedilas deficientes e super-dotadas crianccedilas de rua e que trabalham crianccedilas de origem remota ou de populaccedilatildeo nocircmade crianccedilas pertencentes a minorias linguumliacutesticas eacutetnicas ou culturais e crianccedilas de outros grupos desavantajados ou marginalizados (UNESCO 1994 p 3)
Partindo do entendimento de que a inclusatildeo escolar refere-se mais agrave reinvenccedilatildeo do
modo de pensar e de fazer a educaccedilatildeo do que propriamente acolher determinados grupos
eacute que foram emergindo algumas memoacuterias instituintes da minha trajetoacuteria de formaccedilatildeo do
tempo em que iniciei meu percurso como professora-pesquisadora no grupo de pesquisa
ldquoAs ldquoartes de fazerrdquo educaccedilatildeo em ciclosrdquo14 Este grupo tem baseado o trabalho no diaacutelogo
entre os diferentes sujeitos da escola baacutesica e da universidade considerando que a troca
de conhecimentos possibilita a emergecircncia de experiecircncias instituintes Para aleacutem de
favorecer uma relaccedilatildeo dialoacutegica com o outro os projetos do grupo ldquoAs artes de fazerrdquo
estiveram voltados para a percepccedilatildeo de manifestaccedilotildees poliacutetico-culturais do cotidiano que
possibilitassem a inclusatildeo democraacutetica e participativa de diferentes sujeitos por inteiro na
cultura (DOMINICK 2011 p 151)
Estar sensiacutevel agraves urgecircncias de uma educaccedilatildeo que atenda agraves diversas especificidades
humanassociais tem ligaccedilatildeo direta com meus percursos de formaccedilatildeo Mas tambeacutem tem
muito a ver com as imagens-memoacuterias15de uma infacircncia que deixaram marcas e que hoje
gritam para serem questionadas e reinventadas Tenho aprendido que um caminho
possiacutevel para romper com as histoacuterias uacutenicas satildeo as experiecircncias instituintes defendida por
Ceacutelia Linhares como
()accedilotildees poliacuteticas produzidas historicamente que vatildeo se endereccedilando para uma outra educaccedilatildeo e uma outra cultura marcadas pela construccedilatildeo permanente de uma maior includecircncia da vida uma dignificaccedilatildeo permanente do humano em sua pluralidade eacutetica uma afirmaccedilatildeo intransigente da igualdade humana em suas dimensotildees educacionais e
escolares poliacuteticas econocircmicas sociais e culturais (LINHARES [200] p 8)
14 Em 2007 comecei a cursar Pedagogia na Universidade Federal Fluminense Em 2008 entrei para o grupo de pesquisa ldquoAs lsquoartes de fazerrsquo educaccedilatildeo em ciclos na rede municipal de educaccedilatildeo de Niteroacuteirdquo onde tive minhas primeiras vivecircncias enquanto professora-pesquisadora em formaccedilatildeo 15 Segundo a autora as imagens-memoacuterias satildeo tatuagens psicoculturais impressas em nossa corporeidade Satildeo memoacuterias do esquecimento da repeticcedilatildeo Elas nos conduzem agrave repeticcedilatildeo sem questionamentos fazem parte dos haacutebitos de determinados grupos e natildeo nos perguntamos sobre sua gecircnese ou sobre sua eficaacutecia
13
Para melhor entender esta categoria da qual venho me apropriando vale esclarecer
que o instituinte segundo a autora natildeo pode se confundir com o novo Esta categoria eacute
entendida a partir de um movimento dialeacutetico no sentido da palavra onde passado
presente e futuro devem estar em constantes interaccedilotildees Dessa maneira ao rememorar as
histoacuterias uacutenicas vivenciadas em minha infacircncia e perceber hoje o quanto elas podem ser
perigosas no que tange agrave formaccedilatildeo identitaacuteria dos sujeitos eacute que busco brechas e subverto
o instituiacutedo para incluir em minha praacutetica cotidiana um olhar mais conectado com a vida
em sua diversidade e inclusatildeo
13 A LEI 1063903 UM MARCO HISTOacuteRICO NA LUTA ANTIRRACISTA
Na busca pela superaccedilatildeo do racismo do preconceito e de praacuteticas segregacionistas
os militantes de movimentos sociais e intelectuais negros sempre souberam que a escola
enquanto um aparelho ideoloacutegico sucessivamente reproduziu os interesses das classes
hegemocircnicas Contudo tambeacutem foi percebido que a escola tem sido um espaccedilo de disputa
onde as classes dominantes e subordinadas tecircm buscado atingir seus mais diferentes
objetivos (YOUNG 2007 p 1292) Desse modo conhecimentos outros podem ser
construiacutedos a favor do rompimento das desigualdades raciais e emancipaccedilatildeo dos sujeitos
Aprovada no Congresso e sancionada pelo Governo Federal a Lei 1063903 alterou
a Lei 939496 (LDB) e tornou obrigatoacuterio o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura afro-
brasileira no curriacuteculo escolar do Ensino Fundamental e Meacutedio Hoje essa lei eacute reconhecida
como um marco na luta por uma educaccedilatildeo antirracista no Brasil Eacute importante frisar que
este dispositivo foi uma grande conquista que natildeo nasceu da noite para o dia mas que foi
alcanccedilada por meio de muitos embates
Mas quais as alteraccedilotildees que este dispositivo traz perguntariam alguns professores
A referida lei altera a LDB com o acreacutescimo dos artigos 26-A e 79-B tornando obrigatoacuterio
o ensino da histoacuteria e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de Ensino Fundamental
e Meacutedio Aleacutem de garantir que esses conteuacutedos sejam ministrados no acircmbito de todo o
curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria
Brasileiras Tambeacutem inclui no calendaacuterio escolar o dia 20 de novembro (Art 79-B) como
ldquoDia Nacional da Consciecircncia Negrardquo por meio da figura de Zumbi dos Palmares
14
Segundo Paula (2010) houve muitas resistecircncias para a implementaccedilatildeo da lei
mesmo sendo um instrumento que apresenta uma obrigatoriedade Buscando sua
efetividade um ano apoacutes a sua implementaccedilatildeo foram instituiacutedas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura
Afro-Brasileira e Africana (DCN ERER) por meio da Resoluccedilatildeo nordm 1 de 17 de junho de 2004
Como parte de uma poliacutetica de accedilotildees afirmativas tais dispositivos buscaram uma
educaccedilatildeo que reparasse os direitos que foram negados agrave populaccedilatildeo negra do Brasil ao
longo da histoacuteria Podemos afirmar que se trata de uma exigecircncia legal eacutetica e moral que
as instituiccedilotildees de ensino devem cumprir Para Paula (2010) o debate da lei e os dispositivos
que a complementam fazem parte de accedilotildees poliacutetico-pedagoacutegicas que devem ser
compromisso de todos os atores do cotidiano escolar O autor afirma ainda que as
diretrizes devem ser observadas por todas as instituiccedilotildees de ensino e desmonta a ideia de
que as discussotildees sobre a questatildeo racial se limitam a estudiosos e ao movimento negro
Desse modo as Diretrizes Curriculares Nacionais afirmam
A escola enquanto instituiccedilatildeo social responsaacutevel por assegurar o direito da educaccedilatildeo a todo e qualquer cidadatildeo deveraacute se posicionar politicamente como jaacute vimos contra toda e qualquer forma de discriminaccedilatildeo A luta pela superaccedilatildeo do racismo e da discriminaccedilatildeo racial eacute pois tarefa de todo educador independentemente de seu pertencimento eacutetnico-racial crenccedila religiosa ou posiccedilatildeo poliacutetica (BRASIL 2004 p 16)
Como citado anteriormente a LDB e a lei percursora da luta educacional antirracista
(lei 1063903) sofrem alteraccedilotildees apoacutes cinco anos de existecircncia desta uacuteltima A mudanccedila
ocorrida veio contemplar a questatildeo indiacutegena como parte da educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais A partir deste momento a lei 1164508 torna obrigatoacuterio o estudo da histoacuteria e
cultura afro-brasileira e indiacutegena Paula (2010) explica que
() a questatildeo indiacutegena na legislaccedilatildeo educacional jaacute possuiacutea certa normatizaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dentre as quais Diretrizes Curriculares Nacionais especiacuteficas para a Educaccedilatildeo Indiacutegena Resoluccedilotildees quanto agrave organizaccedilatildeo das escolas indiacutegenas regulamentando uso das liacutenguas nativas etc Faltava inserir a temaacutetica no contexto da luta anti-racista anti-excludente com vistas a uma integraccedilatildeo positiva no processo de construccedilatildeo e formaccedilatildeo da identidade educacional e nacional Tarefa cumprida sob o ponto de vista legal com a alteraccedilatildeo e modificaccedilatildeo da Lei em questatildeo (p 4)
15
Nesse sentido fica claro que essas alteraccedilotildees natildeo invalidam as prerrogativas da lei
anterior A meu ver apenas reforccedilam a importacircncia da sensibilizaccedilatildeo para o conhecimento
da diversidade eacutetnica que temos por heranccedila
14 O ENSINO DAS RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS ALGUMAS REFLEXOtildeES
As aulas da disciplina Raccedila curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica da especializaccedilatildeo me
provocaram a pensar no quanto pode ser desafiador mudar uma perspectiva educacional
pautada em padrotildees hegemocircnicos onde os saberes ditos universais se utilizam dos
mecanismos de poder para discriminar inferiorizar e segregar os sujeitos da diferenccedila
Comeccedilo a refletir sobre os movimentos necessaacuterios para potencializar a educaccedilatildeo
para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais Vale ressaltar que a expressatildeo eacutetnico-racial eacute defendida
pelas DCNs como a ldquonecessidade de marcar o reconhecimento de que as tensotildees existentes
devido agrave cor e aos traccedilos fisionocircmicos estatildeo entrelaccediladas agraves diferenccedilas culturaisrdquo
(ARANTES ANDRADE 2013 p 388)
Estabeleci conversas com diversos autores para melhor entender as consequecircncias
de viver e ser educado sob o domiacutenio de uma sociedade construiacuteda e legitimada com base
em uma soacute cultura uma soacute liacutengua uma soacute religiatildeo Poreacutem eacute sabido que o Brasil nasceu do
encontro com as diferentes etnias e culturas dos povos indiacutegenas europeus e africanos
Estes que no seacuteculo XVI foram reconhecidos como as grandes trecircs raccedilas16 seriam
respectivamente a raccedila amarela branca e negra
Vale ressaltar que classificar a diversidade humana em raccedilas distintas desde sempre
funcionou como uma maneira de operacionalizar o pensamento (MUNANGA 2000 p 18)
Assim no imaginaacuterio coletivo por muito tempo o homem foi classificado a partir da cor
de sua pele O problema natildeo estava na classificaccedilatildeo dos seres humanos em funccedilatildeo de suas
caracteriacutesticas fiacutesicas como afirmou Munanga (2000) Mas na divisatildeo desses indiviacuteduos a
partir da escala de valores emergindo grupos hieraacuterquicos segundo a cor de pele e
caracteriacutesticas fenotiacutepicas fazendo relaccedilatildeo com os traccedilos morais psicoloacutegicos do sujeito
16 Para o historiador francecircs Ernest Renan (1823-92) existiriam trecircs grandes raccedilas especificas em sua origem e desenvolvimento
16
O resultado disso eacute o sujeito da ldquoraccedila brancardquo enquanto portador de valores
divinizados inteligentes e criativos Enquanto o sujeito da ldquoraccedila negrardquo foi estereotipado
em seus traccedilos fiacutesicos escolhas religiosas estando fadado a ser expressatildeo de todo mal que
pudesse existir Segundo Ernest Renan os grupos negros ldquoseriam povos inferiores natildeo por
serem incivilizados mas por serem incivilizaacuteveis natildeo perfectiacuteveis e natildeo suscetiacuteveis ao
progressordquo (RENAN 1961 apud SCHWARCZ 1993 p 62)
Tal ideia se propagou ideologicamente instituindo o que conhecemos como racismo
Segundo Arantes e Andrade (2013) o cientificismo do seacuteculo XIX construiu teorias
racistas que relacionavam caracteriacutesticas fiacutesicas a comportamentais Para muitos autores
a misturas das raccedilas ou seja a mesticcedilagem comprometia o progresso nacional pois era
considerada como fenocircmeno degenerativo sendo o mesticcedilo depositaacuterio de defeitos
bioloacutegicos e morais (ARANTES ANDRADE 2013 p385)
Esse movimento segregador tomou diferentes facetas ao longo do tempo passando
pelo campo da ciecircncia bioloacutegica ao campo da sociologia Para contextualizar
historicamente essa ideia cabe ressaltar que no iniacutecio da Modernidade foi criado um
discurso racional que justificou e naturalizou as segregaccedilotildees e exclusotildees
O sangue do negro e do indiacutegena eram considerados impuros em demasia para se
misturarem agrave sacralidade do sangue azul europeu E as medidas tomadas para sanar o
problema da mesticcedilagem foram embranquecer a populaccedilatildeo Comeccedila-se entatildeo a financiar
a entrada de imigrantes europeus tais como alematildees italianos espanhoacuteis para compor a
sociedade brasileira e assim contribuir com a construccedilatildeo de uma sociedade com mais
ldquosangue bomrdquo Dado esse passo os negros iam perdendo cada vez mais as possibilidades
de serem vistos como cidadatildeos de direito pois estavam sendo ofuscados pela presenccedila dos
brancos de pele alva
Essa realidade comeccedila a mudar apoacutes a Primeira Guerra Mundial com as criacuteticas agraves
teorias de racismo cientiacutefico tatildeo fortes na Europa No Brasil houve tentativas de construir
uma identidade nacional valorizando a sua diversidade Nesse periacuteodo o mesticcedilamento jaacute
natildeo era visto como um problema mas como estrateacutegia para superaccedilatildeo do racismo
A miscigenaccedilatildeo portanto soacute poderia ser fruto da consolidaccedilatildeo de trecircs raccedilas
europeia negra e indiacutegena que consequentemente viveriam paciacutefica e harmoniosamente
bem Como um dos principais expoentes desta teoria Gilberto Freire escritor e cientista
social pernambucano escreve no iniacutecio de 1930 Casa Grande e Senzala Este livro ficou
17
consagrado na histoacuteria por inaugurar o que conhecemos por ldquomito da democracia racialrdquo
Esse pensamento reconheceu a presenccedila negra enquanto formadora da sociedade
brasileira fortalecendo a ideia de que todos os sujeitos independentemente da cor
viveriam harmoniosamente bem Desse modo a mistura de raccedilas e culturas (a
mesticcedilagem) era uma ideia plausiacutevel
O mesticcedilamento construiu uma ideia idiacutelica afirmando que a mistura das raccedilas
geraria uma democracia racial quando na verdade funcionou como uma barreira para o
entendimento da cultura e identidade negras impedindo o nascimento de uma consciecircncia
poliacutetica que firmassem os negros e mesticcedilos enquanto legiacutetimos outros
Acreditar no mito eacute esquecerdesconhecer que se o negro natildeo atinge os mesmos
patamares que o branco natildeo foi por falta de competecircncia intelectual mas porque ele se
encontra historicamente em grandes desvantagens Acreditar no mito eacute defender que natildeo
haacute racismo no cotidiano escolar quando na verdade o discurso de tratamento igualitaacuterio a
todos os estudantes demonstra uma maneira sutil de manifestar a discriminaccedilatildeo racial na
escola
Por isso eacute preciso reconhecer sobretudo os docentes
() as pedagogias de combate ao racismo e as discriminaccedilotildees elaboradas com o objetivo de educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais positivas que tem por objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciecircncia negra (BRASIL 2004 p 16)
E foi buscando o rompimento com praacuteticas educativas segregadoras e indiferentes a
diversidade eacutetnico-racial no cotidiano escolar eacute que comeccedilo a pensar essa pesquisa com o
foco na Educaccedilatildeo Infantil visto que a construccedilatildeo da visatildeo de mundo e dos sentidos
comeccedilam desde a infacircncia Gonccedilalves (1987) discorre sobre a particularidade cultural na
educaccedilatildeo de crianccedilas negras e alerta para o ritual pedagoacutegico que impotildee um ego branco a
educaccedilatildeo de crianccedilas (p 27) Segundo este autor existe um silenciamento acerca da
produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra quando natildeo verificamos a sua inferiorizaccedilatildeo e
folclorizaccedilatildeo
Tal silenciamento eacute legitimado por exemplo quando a crianccedila na escola explicita
sua preferecircncia por histoacuterias cujos protagonistas satildeo brancos em detrimento daquelas que
tecircm como personagem principal um negro (e quando tem) Tal construccedilatildeo natildeo acontece
18
na escola ndash tendo em vista outros meios de socializaccedilatildeo da crianccedila mas esse
comportamento muitas vezes vai sendo reforccedilado pelo professor de maneira inconsciente
ndash vide imagens-memoacuterias17 citadas anteriormente Quando o professor eacute indiferente agrave
formaccedilatildeo eacutetnico-cultural brasileira ele reitera o preconceito racial permitindo que a
crianccedila negra tenha um processo de socializaccedilatildeo diferente da crianccedila branca
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012 p 54)
O docente formado dentro da mesma cultura que exclui em geral negligencia o
direito baacutesico de seu estudante oriundo de outras realidades sentir-se protagonista de
histoacuterias reais e afetivas E na maioria das vezes esse mesmo professor vai se apropriar do
discurso baseado na democracia racial eliminando o direito dos alunos de se perceberem
nas suas diferenccedilas
Portanto para que tenhamos uma escola que nos eduque para a diversidade e a
inclusatildeo eacute necessaacuterio que haja a possibilidade de que estudantes brancos negros
indiacutegenas ou de qualquer outra etnia reconheccedilam a diferenccedila e que valorizem respeitem
e convivam com elas tornando a existecircncia mais plena de sentido
15 VALORES CIVILIZATOacuteRIOS AFRO-BRASILEIROS NA EDUCACcedilAtildeO
INFANTIL
Ao fazer referecircncia aos valores civilizatoacuterios afro-brasileiros evidencio as
contribuiccedilotildees de africanos e afro-brasileiros que resistiram agraves muacuteltiplas perversidades ao
longo da histoacuteria No entanto esses mesmos homens e mulheres nos brindam com a
construccedilatildeo de nossa identidade que eacute rica em cores formas e movimentos Para Trindade
(2013) tais valores civilizatoacuterios estatildeo carimbados em nossa memoacuteria em nossos modos
de pensar e de agir A muacutesica que apreciamos a feacute que professamos a literatura que nos
provoca a gastronomia que saboreamos dentre outros realccedilam em noacutes uma beleza
incomum dos padrotildees instituiacutedos pela racionalidade moderna eurocecircntrica
Com isso ao propor a reflexatildeo-accedilatildeo sobre os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros na
educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas afirmo de maneira concreta e afetiva a nossa
17 Indico sobre essa questatildeo a leitura do seguinte artigo ldquoA (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidaderdquo de Pereira e Pereira (2016)
19
afrodescendecircncia E tambeacutem reitero a urgente necessidade de exploramos a produccedilatildeo
cultural negra no cotidiano da escola e natildeo de maneira pontual e folclorizada que
inferioriza a populaccedilatildeo negra
Ao optar pelo trabalho com categoria da reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005)
penso na capacidade de interpretaccedilatildeo e transformaccedilatildeo que as crianccedilas tecircm pois como
atores de suas histoacuterias as crianccedilas satildeo potencialmente capazes de contribuir para
repensar o seu contexto social
Falar de contexto social eacute ter em mente que somos herdeiros de uma sociedade
patriarcal monocultural e determinista que subalterniza e desumaniza o diverso Eacute preciso
pensar e buscar a inclusatildeo da diversidade no ambiente escolar quando a sociedade tem
como projeto inclusive educacional desconsiderar o que possuiacutemos de mais precioso a
diferenccedila que nos caracteriza como seres humanos e sociais Concordamos com Gonccedilalves
(1987) quando realiza a brilhante defesa
ldquose a produccedilatildeo e a transmissatildeo do saber na escola natildeo forem mediados pela particularidade cultural da populaccedilatildeo negra as praacuteticas pedagoacutegicas continuaratildeo punindo as crianccedilas negras que o sistema de ensino natildeo conseguiu ainda excluir aplicando-lhes o seguinte castigo reclusatildeo ritualizada em procedimentos escolares de efeito impeditivo cujo resultado imediato eacute o silenciamento da crianccedila negra a curto prazo e o do cidadatildeo para o resto da vidardquo (p 29)
Azoilda Trindade (2010 2013) nos inspira a pensar sobre os valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e nas suas potencialidades para inaugurar experiecircncias instituintes que
valorize a diversidade eacutetnico-racial na Educaccedilatildeo Infantil Mergulhei nas memoacuterias da
autora me encontrei nelas e fui levada a bradar tambeacutem opto pela VIDA E a vida em sua
plenitude Quando por ventura escutar ldquoesse aluno natildeo tem jeitordquo ldquoeles natildeo tecircm
valoresrdquo reconhecerei as brechas para burlar o instituiacutedo e potencializar uma praacutetica
educativa mais conectada com o ser humano na sua diversidade A conexatildeo com a vida
deve nos conduzir a descoberta de outras searas muito proacuteximas daquela filosofia
humanista africana que afirma que eu soacute posso ser na medida que todos noacutes somos
Pensar o Ubuntu em uma sociedade onde seu processo civilizatoacuterio foi pautado no
individualismo na competiccedilatildeo e no materialismo eacute um ato revolucionaacuterio Portanto tenho
por compromisso eacutetico e humano trazer para a cena ndash inclusive para minha praacutetica
20
docente ndash os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros que estatildeo impressos em nossas maneiras
de ser e viver
E assim evidenciar18a Energia Vital (Axeacute) que nos remete a construccedilatildeo da
afetividade (pelos gestos palavras olhares) dimensatildeo tatildeo importante na Educaccedilatildeo
Infantil A Circularidade que vem nos lembrar que o iniacutecio e fim estatildeo ligados Natildeo haacute
hierarquia pois quando se estaacute em ciacuterculo todos se veem com a mesma oacutetica A
Corporeidade que nos mostra que o corpo tem muito a falar com seus movimentos ora
retraiacutedos ora expressivos O corpo eacute histoacuteria que precisa ser contada A Memoacuteria nos ajuda
a compreender que somos feitos de histoacuterias mas que por vezes satildeo distorcidas nos
tirando o sentimento de pertenccedila do que podemos vir a ser A Ancestralidade nos faz
transcender para aleacutem da materialidade da vida onde a memoacuteria dos nossos anciatildeos
carrega um grande legado
A Territorialidade nos remete aos espaccedilos casa e escola Lugares de iniciaccedilatildeo e que
precisam estar imbricados quando pensamos na educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas A
Religiosidade nos convida a uma relaccedilatildeo com os elementos da natureza e com o ser
humano de maneira mais transcendente respeitosa e harmoniosa A
CooperaccedilatildeoComunitarismo evidenciam a nossa essecircncia humana nascemos de uma
comunhatildeo e soacute vivemos em plenitude a partir dela E essa ideia eacute fundamentalmente
especial quando pensamos na formaccedilatildeo de crianccedilas pequenas que requer um ambiente
cooperativo acolhedor e amoroso para que seu aprendizado se realize de maneira afetiva
e efetiva Afinal de contas o adulto que a crianccedila se tornaraacute vai depender das relaccedilotildees
estabelecidas na infacircncia
A Oralidade provoca-nos a perceber as muacuteltiplas vozes do cotidiano e aqui nos
remetemos principalmente agraves crianccedilas enquanto portadoras de saberes-poderes A
Ludicidade nos rememora a necessaacuteria arte de viver em meio agraves contrariedades da vida
sem perder a capacidade de brincar e sorrir Aqui entendemos a brincadeira como uma
potente ferramenta pedagoacutegica visto que eacute considerada como uma linguagem infantil E a
Musicalidade nos daacute o tom para embalar nossos enredos cheios de ritmo sonoridade e
melodia
18 Os valores aqui pontuados podem ser encontrados no link httpwwwacordaculturaorgbrsitesdefault fileskitMODOSBRINCAR-WEB-CORRIGIDApdf
21
Todos esses valores civilizatoacuterios afro-brasileiros nos provocam a pensar sobre nossa
condiccedilatildeo de indiviacuteduos marcados pela diversidade e que refletem imagens drsquoAacutefrica de
ontem e de hoje de filhos e filhas que natildeo podem negar a riqueza do Patrimocircnio Africano
afrodiaspoacuterico e afro-brasileiro como bem dizia Trindade (2010 p 13) Eles tambeacutem nos
alimentam e fortalecem no caminho para a superaccedilatildeo de curriacuteculos escolares que
legitimam os saberes ditos universais como uacutenicos verdadeiros e superiores
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio
Por considerar que a musicalidade compotildee um dos valores civilizatoacuterios da cultura
afro-brasileira e por ela ser um importante componente curricular para a Educaccedilatildeo Infantil
e os anos iniciais que traz contribuiccedilotildees para a formaccedilatildeo de sujeitos criativos e reflexivos
pensamos neste subcapiacutetulo Vale ressaltar que para essa fase do ensino pensar a muacutesica
em contextos educativos natildeo demanda necessariamente ter formaccedilatildeo especiacutefica para tal
A consciecircncia de que a muacutesica faz parte do cotidiano do estudante desde a tenra idade e
que por isso ela representa uma linguagem jaacute eacute motivo para maiores reflexotildees
Pensando nisso procuramos trazer possibilidades de trabalho com a muacutesica na
Educaccedilatildeo Infantil Ao considerarmos a muacutesica enquanto aacuterea de conhecimento concluiacutemos
que nossas accedilotildees soacute faratildeo sentido quando dialogadas com os saberes dos educandos e com
a cultura na qual eles estatildeo inseridos Com isso rompemos com concepccedilotildees pedagoacutegicas
reducionistas que tratam a educaccedilatildeo musical de forma reprodutora pontual e rotineira
Ao defendermos uma mudanccedila de paradigma buscamos a desconstruccedilatildeo da ideia de que
a muacutesica eacute um artefato cultural instituiacutedo para apenas a sua reproduccedilatildeo em datas
comemorativas da escola Desmontamos tambeacutem a noccedilatildeo de que as muacutesicas cantadas na
Educaccedilatildeo Infantil satildeo formas de marcar a rotina e estimular a expressividade quando na
verdade tem como premissa a criaccedilatildeo ou reforccedilo de comportamentos
Concordamos com Brito (2003) quando afirma que a muacutesica deve emancipar o ser
humano ndash a partir da reflexatildeo-accedilatildeo e natildeo reproduccedilatildeo ndash e deve incluir a todos os estudantes
sem distinccedilatildeo
() longe da visatildeo europeia do seacuteculo passado que selecionava os ldquotalentos naturaisrdquo eacute preciso lembrar que a muacutesica eacute linguagem cujo conhecimento se constroacutei com base em vivecircncias e reflexotildees orientadas
22
Desse modo todos devem ter o direito de cantar ainda que desafinado Todos devem poder tocar um instrumento ainda que natildeo tenham naturalmente um senso riacutetmico fluente e equilibrado pois as competecircncias musicais desenvolvem-se com a pratica regular e orientada em contextos de respeito valorizaccedilatildeo e estiacutemulo a cada aluno por meio de propostas que consideram todo o processo de trabalho e natildeo apenas o produto final (p 53)
Importante ressaltar que nosso objetivo natildeo eacute formar muacutesicos mirins ou futuros
maestros musicais Desejamos a partir do eixo musicalidade ndash expresso no Referencial
Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil (RCNEI)19 ndash desenvolver competecircncias para a
formaccedilatildeo integral dos estudantes sob uma perspectiva interdisciplinar e inclusiva de
valores outros Tais valores satildeo pensados por noacutes como aqueles que refletem a diversidade
da sociedade brasileira
O cotidiano das crianccedilas principalmente em fase inicial da escolarizaccedilatildeo deve ser
permeado de brinquedos musicais Se pararmos para pensar a crianccedila nos seus primeiros
dias de vida jaacute eacute iniciada no universo musical a partir do que chamamos de acalantos
(cantigas de ninar) Natildeo eacute preciso muito tempo para os jogos e brinquedos musicais
tomarem o imaginaacuterio delas tendo em vista que tais artefatos satildeo heranccedilas culturais
transmitidas por tradiccedilatildeo oral chegando agraves crianccedilas por meio das brincadeiras de roda
(poesia muacutesica e danccedila) cirandas parlendas adivinhas etc
As brincadeiras de roda estatildeo relacionadas com as canccedilotildees populares Estas por sua
vez fazem parte do folclore20 brasileiro Considerando que tais canccedilotildees faccedilam parte da
cultura de um povo e sendo o nosso povo rico culturalmente poderiacuteamos afirmar que elas
satildeo um potente instrumento para a educaccedilatildeo de nossas crianccedilas Segundo o RCNEI as
brincadeiras de roda tambeacutem conhecidas como rondas receberam influecircncias de culturas
como lusitana africana ameriacutendia espanhola e francesa Poreacutem sua origem eacute
fundamentalmente europeia (Portugal e Espanha)
Brito (2003) afirma que a linguagem musical eacute construiacuteda de acordo com cada cultura
e eacutepoca estando assim associada aos costumes sociais de um povo Se portanto os
costumes da eacutepoca eram deslegitimar o outro enquanto legiacutetimo outro por meio da
subalternizaccedilatildeo o que diriacuteamos do conteuacutedo de algumas cantigas Assim se ouvirmos
19 Link de acesso httpportalmecgovbrsebarquivospdfrcnei_vol1pdf 20 O folclore cuja etimologia eacute de origem inglesa significa conhecimento de um povo (folk-povo e lore-conhecimento)
23
dizer que as cantigas populares estatildeo associadas agraves tradiccedilotildees e histoacuterias de um povo
corremos o risco de nos depararmos com narrativas nada idiacutelicas
Por isso acreditamos que eacute preciso falar das cantigas populares sobretudo quando
elas fazem parte da rotina educacional de crianccedilas pequenas Peixoto (2015) em sua
pesquisa sobre a violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda nos alerta para a
urgecircncia de reflexotildees sobre esses brinquedos musicais que inculcam valores de uma
cultura (dominante) Muito grave tambeacutem eacute a banalizaccedilatildeo daquele que eacute diferente dos
padrotildees hegemocircnicos
A autora recorre ao poder simboacutelico (BOURDIEU 1989) a fim de esclarecer o
processo de induccedilatildeo de certos valores de forma que quando naturalizados passam a
representar um certo tipo de violecircncia que por sua vez tambeacutem eacute simboacutelica Se avaliarmos
a linguagem das cantigas populares com um olhar descolonizado ndash livre dos padrotildees
hegemocircnicos instituiacutedos ndash perceberemos os simbolismos bem estruturados e sutilmente
representados nos campos de violecircncia de gecircnero domeacutestica racial entre outros Natildeo eacute
de se estranhar que a percepccedilatildeo dessas questotildees seja limitada tendo em vista que a
violecircncia nem sempre representaraacute algo tangiacutevel O entendimento de violecircncia para aleacutem
da fiacutesica supotildee pensarmos na ausecircncia Carecircncia talvez de justiccedila de liberdade de
solidariedade e de igualdade Quando em nossa existecircncia nos faltam tais elementos
certamente nos faltaraacute tambeacutem o sentimento de cidadatildeo de direitos plenos e subjetivos
Todavia parece estar cada vez mais difiacutecil a percepccedilatildeo do poder simboacutelico que gera
a violecircncia simboacutelica em virtude das inversotildees de valores do mundo contemporacircneo
Concordamos com o socioacutelogo quando afirma
Eacute necessaacuterio saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos onde ele eacute mais completamente ignorado portanto reconhecido o poder simboacutelico eacute com efeito esse poder invisiacutevel o qual soacute pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que natildeo querem saber que lhe estatildeo sujeitos ou mesmo que o exercem (BOURDIEU 1989 p 9)
Para essa difiacutecil tarefa de fazer conhecer o desconhecido e o ignorado elegemos o
professor sujeito este que consideramos peccedila fundamental na emancipaccedilatildeo das
consciecircncias Mas esse professor a quem tantos chamam de mediador do conhecimento
precisa para aleacutem de outras atribuiccedilotildees uma que consideramos chave a curiosidade Mas
como afirmava Paulo Freire natildeo se trata de uma curiosidade ingecircnua mas aquela que
24
encaminha para o movimento a inquietaccedilatildeo e a criticidade Portanto acreditamos que o
docente precisa ser epistemologicamente curioso para perceber as ideologias que Freire
(2007) relaciona com a ldquoocultaccedilatildeo da verdade dos fatos com o uso da linguagem para
penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna miacuteopesrdquo (p 125)
Tal postura deve ser de tal modo libertadora que o seu exerciacutecio suscite no discente
o mesmo sentimento o da curiosidade criacutetica que de matildeos dadas com a imaginaccedilatildeo e a
emoccedilatildeo eacute capaz de conduzir a experiecircncias instituintes Quando definimos as temaacuteticas das
oficinas logo pensamos em uma que contemplasse a musicalidade Nesse sentido levamos
para a sala de aula um repertoacuterio musical de cantigas populares sendo que uma delas
carregava em sua letra uma mensagem de violecircncia A partir da sensibilizaccedilatildeo convidamos
os estudantes agrave reinvenccedilatildeo da mesma que em breve seraacute apresentada neste trabalho
Assim o leitor estaraacute em contato com algumas taacuteticas de docentes e discentes que
descobriram que para aleacutem de um repertoacuterio musical envolvente mas instituiacutedo existe
um mundo de possibilidades
16 A CRIANCcedilA PEQUENA E O NEGRO QUEM SAtildeO ESSES OUTROS
A Ciecircncia Moderna vem pensar o outro como uma categoria da diferenccedila
evidenciando suas singularidades e multiplicidades Buscamos contribuiccedilotildees de autores
para pensar o sujeito da diferenccedila o outro e assim sinalizar como eles (a crianccedila e o negro)
tecircm sido enunciados
Ao iniciar a leitura deste trabalho e ao longo dele eacute possiacutevel deparar-se com a
expressatildeo outro como legiacutetimo outro dos bioacutelogos Maturana e Varela (1995) Tais autores
inauguram algo instituinte na Biologia e que vai ao encontro do outro enquanto sujeito
da diferenccedila eles pensam o homem para aleacutem dos determinismos geneacuteticos Ou seja o
indiviacuteduo eacute fruto tanto dos sistemas bioloacutegicos quanto das relaccedilotildees sociais Desse modo
ao defender a cultura como parte do desenvolvimento humano os autores apoiam que
natildeo existem pessoas iguais e que a diferenccedila estaacute dentro da normalidade ao contraacuterio da
homogeneidade (ROSSETTO 2010)
Com isso defender o outro enquanto legiacutetimo outro eacute aceitar o sujeito da diferenccedila
na relaccedilatildeo comprazendo-se com os seus diferentes modos de ser e viver
25
Paradoxalmente ao que os autores acima apresentam Pletsch e Carvalho (2011) vatildeo
pensar o ldquooutrordquo a partir de ldquonoacutesrdquo que impotildee por sua vez um discurso de superioridade
e autoridade Com isso o ldquooutrordquo eacute a representaccedilatildeo de algo inanimado (objeto) sobre o
qual eacute possiacutevel exercer o poder e domiacutenio Em dossiecirc sobre processos de inclusatildeo e
exclusatildeo escolar esses autores alimentam uma urgecircncia dar visibilidade agrave dor e ao
sofrimento dos ldquooutrosrdquo Mas fica um questionamento para noacutes quem satildeo os outros
efetivamente
O outro eacute todo aquele que natildeo pode ser noacutes recebendo status de ldquodiferenterdquo Sendo
assim os ldquooutrosrdquo satildeo
() os analfabetos os negros os iacutendios os drogados as mulheres as crianccedilas os velhos os gays as leacutesbicas os pederastas os presidiaacuterios as prostitutas os deficientes fiacutesicos e mentais os pobres e os miseraacuteveis enfim todos aqueles seres humanos que satildeo desumanizados maltratados ignorados enfim invisibilizados mesmo quando queremos tornaacute-los visiacuteveis (PLETSCH CARVALHO 2011 p 3)
Neste trabalho temos buscado evidenciar os outros na figura da crianccedila pequena e
do negro (afro-brasileiro) natildeo enquanto sujeitos destinados agrave opressatildeo e dominaccedilatildeo mas
como indiviacuteduos que precisam ser incluiacutedos no cotidiano escolar enquanto outros legiacutetimos
outros Dessa maneira desejamos estar com eles pesquisar com eles e criar estrateacutegias
para incluiacute-los na sua corporeidade diversidade e maneiras de pensar e sentir
Nos anos de 1990 comeccedilaram a surgir na Europa discussotildees socioloacutegicas em torno
da infacircncia A crianccedila passou a integrar uma categoria social e deixa de ser olhada apenas
como sujeito de tutela sem voz para ser vista como sujeito de direito e capaz de construir
e modificar culturas a partir da interaccedilatildeo com seus pares e com os adultos As crianccedilas que
passam a ser consideradas atores sociais iratildeo reproduzir comportamentos sociais
interpretando-os de maneira singular Esse modo de agir jaacute foi aqui identificado
anteriormente como reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005) Interpretativa porque
as crianccedilas criam e participam de suas culturas E reproduccedilatildeo porque elas tambeacutem podem
contribuir para a reproduccedilatildeo da sociedade ou para a mudanccedila social
Como a crianccedila eacute capaz de interpretar e reproduzir a cultura da qual faz parte nos
perguntamos qual eacute a cultura na qual a crianccedila tem sido formada Esse meio tem
favorecido o reconhecimento da crianccedila a partir de suas diferenccedilas Esse meio tem
26
provocado a inclusatildeo da diversidade eacutetnico-cultural nos espaccedilos educativos e fora deles
Se levarmos em conta o caraacuteter monocultural reducionista e etnocecircntrico que permeia a
instituiccedilatildeo escolar desde a sua origem nos certificaremos que a escola corre grande risco
de desfavorecer a cultura da diversidade Concordamos com Oliveira e Farias (2014)
quando afirmam que
ldquo() ao longo de nossa histoacuteria como naccedilatildeo o tratamento dado as matrizes eacutetnicas que configuram a nossa gente tem sido feito de maneira desigual privilegiando o grupo eacutetnico europeu em detrimento dos nativos e dos africanos colaborando assim para a produccedilatildeo de desigualdades e injusticcedilas sociaisrdquo (p 89)
Ou seja a figura do negro e seus modos de ser e estar no mundo tal como de outras
matrizes eacutetnicas que natildeo representavam os padrotildees sociais dominantes da hierarquia
colonizadora se constituiu ao longo dos seacuteculos como uma natildeo cultura Eles os nativos
da terra e os que aqui posteriormente chegaram para serem escravizados historicamente
sempre foram ldquoos outrosrdquo conforme Pletsch e Carvalho (2011)
Na histoacuteria da Educaccedilatildeo o negro representou ldquoum outro que devia ser anulado
apagadordquo (SKLIAR 2003 p 41) Basta saber que no Brasil Impeacuterio foram estabelecidos dois
decretos21 impedindo que o negro participasse do espaccedilo escolar de forma plena e com
direitos iguais ao da populaccedilatildeo branca
Apesar de hoje natildeo termos mais esse tipo de lei como haacute 162 anos ainda estatildeo
presentes marcas dessa maneira de pensar que aparece algumas vezes de forma muito
sutil e de outras nem tanto visto que o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo foram
internalizados e naturalizados no imaginaacuterio e consequentemente no comportamento do
brasileiro O que dizer dos filmes da Disney dos contos europeus das histoacuterias de priacutencipes
e princesas que comeccedilam a fazer parte do imaginaacuterio de nossas crianccedilas sobretudo em
fase inicial de escolarizaccedilatildeo Pois entatildeo nessas narrativas os negros natildeo existem pelo
menos da maneira que deveriam existir
21 Decreto nordm 1331 de 17 de fevereiro de 1854 estabelecia que nas escolas puacuteblicas do paiacutes natildeo seriam admitidos escravos e a previsatildeo de instruccedilatildeo para adultos negros dependia da disponibilidade de professores O Decreto nordm 7031-A de 6 de setembro de 1878 estabelecia que os negros soacute podiam estudar no periacuteodo noturno e diversas estrateacutegias foram montadas no sentido de impedir o acesso pleno dessa populaccedilatildeo aos bancos escolares Tais dados podem ser encontrados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africanas
27
2 OBJETIVOS
21 OBJETIVO GERAL
Realizar pesquisa a partir de metodologias interativas ndash interdisciplinaridade e
etnografia ndash com enfoque na Sociologia da Infacircncia com estudantes entre 4 e 6 anos
abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola rural do municiacutepio de MageacuteRJ
22 OBJETIVOS ESPECIacuteFICOS
Analisar os desdobramentos da lei 1164508 e os dispositivos legais que a
complementam em uma escola Rural no Municiacutepio de Mageacute
Compreender a infacircncia enquanto categoria social por meio da Sociologia da
Infacircncia
Identificar no ambiente escolar se haacute imagens e materiais que evidenciem etnias de
matriz afro-brasileiras e indiacutegenas
Aproximar a famiacutelia da escola a fim de construir redes colaborativas mais efetivas e
afetivas
Dialogar e refletir com os docentes e equipe pedagoacutegica sobre os desafios da inclusatildeo
da diversidade na escola
Desenvolver com os estudantes estrateacutegias didaacuteticas mediadas por atividades
luacutedicas onde os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros sejam uma constante
Produzir e revisitar tecnologias educacionais que potencializem as accedilotildees pedagoacutegicas
no trato das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
Desenvolver um suporte midiaacutetico para o compartilhamento dos processos e
materiais que mediaram as experiecircncias instituintes
Elaborar um caderno com orientaccedilotildees pedagoacutegicas a partir de experiecircncias
instituintes sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo como puacuteblico alvo
professores da Educaccedilatildeo Infantil
28
3 MATERIAIS E MEacuteTODOS (METODOLOGIA)
31 PUacuteBLICO ALVO
A pesquisa foi realizada com a Educaccedilatildeo Infantil compreendendo duas turmas da
Preacute-escola A turma do ldquoPreacute Irdquo possuiacutea 18 estudantes dentre eles 9 meninos e 9 meninas
com idades entre 4 e 5 anos No ldquoPreacute IIrdquo eram 19 estudantes sendo que 11 meninos e 8
meninas com idades entre 5 a 6 anos incompletos
As docentes de ambas as turmas satildeo concursadas e residem no municiacutepio em
distritos vizinhos ao da escola A professora do Preacute-escolar I tem formaccedilatildeo na Escola
Normal em niacutevel meacutedio Enquanto a professora do Preacute-escolar II formou-se em Histoacuteria
recentemente tendo como tema monograacutefico jogos e relaccedilotildees raciais
32 ETNOGRAFIA E INTERDISCIPLINARIDADE CAMINHOS METODOLOacuteGICOS
A Sociologia da Infacircncia enquanto campo cientiacutefico que concebe a infacircncia como
objeto socioloacutegico tem nos apontado caminhos metodoloacutegicos para a percepccedilatildeo e
reinvenccedilatildeo das praacuteticas poliacuteticas e culturas em torno do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
desde a tenra idade As muacuteltiplas vertentes teoacutericas que dialogam com a Sociologia da
Infacircncia tecircm caminhado em busca de definiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas no que tange a
construccedilatildeo social da crianccedila na sociedade da qual ela eacute agente ativa de transformaccedilatildeo
Ao considerarmos a infacircncia como parte da sociedade (MUumlLLER 2006) somos
provocados a refletir sobre as diferentes aacutereas do conhecimento com os quais ela dialoga
psicologia antropologia histoacuteria sociologia Pensar a crianccedila a partir do entrelaccedilamento
dessas ciecircncias eacute conferir-lhe status de um ser social complexo e em devir
Buscando atender as especificidades dessa categoria de anaacutelise complexa que eacute a
infacircncia eacute que estabelecemos redes reflexivas com metodologias interativas que
consideram o sujeito da pesquisa enquanto ator social ativo e participante da cultura de
pares e tambeacutem de adultos Dessa maneira os caminhos percorridos para o conhecimento
das vozes dos estudantes foram o da pesquisa interdisciplinar e etnograacutefica Destacamos
primeiramente a pesquisa etnograacutefica que segundo Kramer (2002) garante
29
procedimentos metodoloacutegicos e estrateacutegias favoraacuteveis agraves interaccedilotildees adulto e crianccedila (p
44)
Inicialmente tal escolha se deu por entendermos que seria no miacutenimo incoerente
chegar com uma entrevista fechada para crianccedilas entre 4 a 6 anos responderem O diaacutelogo
com a crianccedila demanda uma postura especial que requer a utilizaccedilatildeo de uma linguagem
proacutepria
Corsaro (2005) jaacute nos falava sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de crianccedilas
explicitando a origem antropoloacutegica desta metodologia que se sustenta em um movimento
de tornar-se nativo Ou seja a construccedilatildeo de uma relaccedilatildeo efetiva e afetiva que contribua
para a anaacutelise das vivecircncias da crianccedila e assim a sua sistematizaccedilatildeo implica em
reconhecer sua cultura e com ela estar disposto a conviver numa relaccedilatildeo de alteridade
Aqui vamos nos referir agraves vozes das crianccedilas como sendo as nossas aliadas nesse
processo de confirmaccedilatildeo das hipoacuteteses Desse modo tais vozes se datildeo de diferentes
formas a partir de ilustraccedilotildees conversas informais conversas entre os pares
silenciamentos Uma ferramenta muito importante para o trabalho foram as notas
registradas no caderno de campo que satildeo parte da metodologia etnograacutefica Todos esses
meios forneceram subsiacutedios para a criaccedilatildeo de praacuteticas e culturas inclusivas sobre a questatildeo
eacutetnico-racial desde a tenra idade
William Corsaro importante pesquisador no campo da Sociologia da Infacircncia com
sua vasta experiecircncia sobre pesquisa etnograacutefica com crianccedilas do Preacute-escolar tem
contribuiacutedo sobremaneira para a reflexatildeo das relaccedilotildees hierarquizantes e portanto
opressoras entre adultos e crianccedilas Suas teorias sobre etnografia na infacircncia reproduccedilatildeo
interpretativa e cultura de pares (CORSARO 2005) reforccedilam a ideia de que a crianccedila eacute um
ator social capaz de receber cultura mas tambeacutem de construir as suas proacuteprias na
interaccedilatildeo
As pesquisas empiacutericas do autor demonstram que o olhar do adulto reconhecendo a
legitimidade da alteridade infantil eacute uma via potente no processo de construccedilatildeo do
conhecimento Ele nos ajuda a pensar sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de
crianccedilas e relata que ao longo de 28 anos escrevendo sobre o tema seu trabalho passou
por significativa transformaccedilatildeo quando deixou de pesquisar sobre para pesquisar com
crianccedilas A seguir um trecho sobre a pesquisa etnograacutefica
30
A etnografia eacute o meacutetodo que os antropoacutelogos mais empregam para estudar as culturas exoacuteticas Ela exige que os pesquisadores entrem e sejam aceitos na vida daqueles que estudam e dela participem Neste sentido por assim dizer a etnografia envolve ldquotornar-se nativordquo Estou convicto de que as crianccedilas tecircm suas proacuteprias culturas e sempre quis participar delas e documentaacute-las Para tanto precisava entrar na vida cotidiana das crianccedilas ndash ser uma delas tanto quanto podia (CORSARO 2005 p 446)
Obviamente que eu natildeo me tornaria uma delas tatildeo pouco falaria por elas Mas o
movimento que William Corsaro defende eacute o de entrar e ser aceito pela comunidade
pesquisada e para isso eu natildeo deveria ldquoagir como um adulto tiacutepicordquo (p 446)
Depreende-se que ldquotornar-se nativordquo envolve falar as linguagens que satildeo proacuteprias
das crianccedilas para entatildeo melhor dialogar com elas ndash E que linguagens satildeo essas Ouso
dizer que satildeo as linguagens do corpo da sonoridade da ludicidade entre outras que
atraem as crianccedilas
Importante afirmar que a infacircncia eacute uma categoria social complexa e pensaacute-la
demanda muitas redes de saberes especialmente nos processos educacionais uma
perspectiva de pesquisa interdisciplinar agrega conhecimentos importantes para pensar a
crianccedila na sua totalidade E para tal buscamos pensar a interdisciplinaridade a partir de
dois autores Juares da Silva Thiesen (2008) e Ivani Fazenda (2010) sobre a qual vamos
aprofundar nossas reflexotildees Vale frisar que cada autor concebe esta metodologia agrave luz de
seus saberes e formaccedilatildeo mas o importante eacute ter consciecircncia de que a essecircncia de suas
percepccedilotildees converge para um soacute caminho o rompimento com a loacutegica fragmentada e
linear do conhecimento imposta pela corrente hegemocircnica das Ciecircncias Modernas
Desse modo Thiesen (2008) nos conduz a pensar na necessaacuteria reforma do
pensamento pelas vias da interdisciplinaridade Para ele a sociedade contemporacircnea
impotildee uma seacuterie de complexificaccedilotildees e para entendecirc-las se faz necessaacuterio uma rede de
sistematizaccedilotildees com saberes interligados
Jaacute Fazenda (2010) aborda a indispensaacutevel transformaccedilatildeo da pedagogia onde a
transmissatildeo do saber precisa dar lugar agraves trocas dialoacutegicas Nos anos 1970 Ivani Fazenda
recebeu influecircncias do pensamento de Hilton Japiassuacute (1976) o primeiro a pesquisar a
Interdisciplinaridade no Brasil enquanto que na Europa (Franccedila e Itaacutelia) esse movimento
jaacute acontecia desde de 1960 Ivani Fazenda pensou inicialmente na construccedilatildeo
epistemoloacutegica do conceito emergindo as seguintes conclusotildees a interdisciplinaridade eacute
31
uma atitude que envolve inovaccedilatildeo dialogo reciprocidade ousadia humildade coerecircncia
espera respeito e desapego
Humildade porque a investigaccedilatildeo interdisciplinar natildeo se limita a meacutetodos senatildeo a
vestiacutegios percebidos na interaccedilatildeo com os atores sociais E tambeacutem parte-se do
entendimento que a dimensatildeo individual eacute deficitaacuteria para a resoluccedilatildeo de conflitos (HAAS
2011) Havendo entatildeo a necessidade de constante diaacutelogo com o outro
Outra atitude importante que dialoga com a interdisciplinaridade eacute a ousadia que
busca e transforma a inseguranccedila em redes reflexivas E eacute esta ousadia que constroacutei as
parcerias entre professoraluno professorprofessor gestorcomunidade escolar
Concordamos com a autora quando reconhece que a interdisciplinaridade eacute senatildeo
um processo um caminho que transforma uma realidade instituiacuteda em experiecircncias
instituintes a partir da relaccedilatildeo de reciprocidade com o outro legiacutetimo outro
Tendo em vista a relevacircncia da interdisciplinaridade e sua urgecircncia em propor novas
formas de investigar de dialogar e construir saberes eacute que realizamos a ponte com a
Sociologia da Infacircncia de modo que fosse possiacutevel articular com suas vertentes teoacutericas
Explicitamos aqui o meacutetodo comparativo da etnografia longitudinal (CORSARO 2005) onde
acompanhamos a transiccedilatildeo dos atores da pesquisa para o ano seguinte em 2016
A etnografia a interdisciplinaridade e a pesquisa-participante enquanto pensar-
fazer se complementam formando redes reflexivas e criando de maneira instituinte um
ensino que dialogue com as relaccedilotildees eacutetnico-raciais na infacircncia
33 QUESTOtildeES EacuteTICAS NA PESQUISA COM CRIANCcedilAS
A reflexatildeo sobre as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas eacute um movimento
contemporacircneo e inovador que natildeo soacute beneficia a comunidade cientiacutefica como tambeacutem o
proacuteprio sujeito participante da pesquisa O que antes representava um sujeito silenciado
em seus saberes e receptor de culturas hoje o vemos como um ator de direitos
reconhecidos resguardados e legitimados
Kramer (2002) ao discorrer sobre autoria e autorizaccedilatildeo na pesquisa com crianccedilas
nos sinaliza alguns pontos importantes quando trabalhamos com a infacircncia enquanto
categoria social As reflexotildees da autora em torno da divulgaccedilatildeo dos nomes das crianccedilas
32
exibiccedilatildeo de seus rostos e devoluccedilatildeo dos achados nos provoca a pensar nos caminhos que
temos percorrido
Ao iniciar a pesquisa adotamos como procedimento eacutetico dar a conhecer os aspectos
da pesquisa aos responsaacuteveis dos estudantes do Preacute-escolar I e II Assim realizamos uma
reuniatildeo onde foi solicitada a participaccedilatildeo dos estudantes Naquele momento foi
endossado que a participaccedilatildeo era voluntaacuteria e o consentimento poderia ser retirado a
qualquer tempo sem prejuiacutezos agrave continuidade das atividades nas minhas aulas
O termo de consentimento assinado pelos responsaacuteveis autoriza a coleta de dados
bem como suas anaacutelises e publicaccedilatildeo dos mesmos Nesse documento foi firmado o
compromisso de omitir os nomes dos participantes tal como a exibiccedilatildeo de suas imagens
Tambeacutem foi garantida a confidencialidade das informaccedilotildees geradas e a privacidade dos
sujeitos da pesquisa
A omissatildeo dos nomes deveu-se a compreensatildeo de que era necessaacuterio resguardar a
integridade da crianccedila mesmo sabendo que o que estava sendo proposto na pesquisa natildeo
apresentasse riscos aparentes O mesmo posicionamento ocorreu em relaccedilatildeo agraves suas
imagens levando em consideraccedilatildeo o alerta de Kramer (2002) sobre o cuidado com a
exposiccedilatildeo de crianccedilas pequenas em que pese a sua necessidade de ser reconhecida
Sobre a devoluccedilatildeo dos achados temos pensado em nosso compromisso com aquela
comunidade escolar que nos recebeu acreditou e incentivou a pesquisa Vislumbramos
socializar os resultados com todos os envolvidos diretamente na pesquisa por diferentes
meios
34 FASES DA PESQUISA
A pesquisa foi dividida em cinco fases transcorrendo de agosto do ano de 2014 a
julho de 2016
Na primeira fase foi realizada pesquisa bibliograacutefica acerca do ensino das relaccedilotildees
eacutetnico-raciais e sua ocorrecircncia nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica Concomitante a essa
busca foram cursadas as disciplinas do programa que possibilitaram uma melhor
aproximaccedilatildeo com o objeto de estudo e deste com os diferentes campos de conhecimento
sob um vieacutes interdisciplinar
33
Na segunda fase a partir de maio de 2015 foi estabelecido contato com a escola para
apresentaccedilatildeo da proposta e solicitaccedilatildeo de autorizaccedilatildeo institucional22 para a coleta de
dados Apoacutes tal autorizaccedilatildeo iniciaram-se as conversas com os responsaacuteveis pelos
estudantes visando uma sensibilizaccedilatildeo sobre a temaacutetica e sua autorizaccedilatildeo para que os
alunos pudessem participar da pesquisa
A terceira fase tendo seu iniacutecio no mecircs de junho de 2015 eacute identificada como
sondagem das percepccedilotildees dos estudantes sobre a temaacutetica eacutetnico-racial durante as
oficinas iniciais nas aulas de Dinamizaccedilatildeo de Leitura Esta teve como objetivo perceber as
preferecircncias desejos e recusas dos alunos com relaccedilatildeo agrave proposta Nessa fase tambeacutem
foram importantes as conversas estabelecidas com os docentes da escola
Na quarta fase iniciada em agosto e perdurando por 6 meses foram realizadas as
oficinas pedagoacutegicas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil com faixa-etaacuteria entre 4 a 6
anos Tais oficinas buscaram articular os conhecimentos propostos pelos RCNEI e pelas DCN
ERER As experiecircncias construiacutedas coletivamente e sistematizadas deram forma ao
caderno23 com orientaccedilotildees pedagoacutegicas sobre o ensino da relaccedilotildees eacutetnico-raciais na
Educaccedilatildeo Infantil A seguir buscamos apresentar os caminhos percorridos em cada uma
das oito oficinas
341 As oficinas
Foram realizadas um total de oito oficinas que tiveram como caminhos
metodoloacutegicos a interdisciplinaridade (FAZENDA 2010 THIESEN 2008) e os princiacutepios
etnograacuteficos de pesquisa com crianccedilas pequenas (CORSARO 2005) Ao longo de cada uma
das accedilotildees buscamos um jeito proacuteprio de pensar e construir saberes desejaacutevamos romper
com a loacutegica cartesiana da razatildeo instrumental que desconsidera os saberes dos sujeitos da
diversidade Assim fomos ao encontro deles buscando entrecom eles na alteridade para
entendermos seus mundos por meio de conversas que nos conduzissem a aprendizagens
Apresentamos as duas primeiras oficinas que representam a terceira fase do projeto
Foram Accedilotildees iniciais para perceber os indiacutecios que os estudantes nos apontavam sobre a
urgecircncia de incluir a temaacutetica naquele contexto Elas tiveram como enfoque a literatura
22 A autorizaccedilatildeo institucional se encontra no apecircndice 711 23Este caderno seraacute disponibilizado em formato digital
34
infanto-juvenil Nos dois momentos que aconteceram em dias distintos com duraccedilatildeo de
50 minutos cada buscamos perceber as narrativas que estavam povoando o imaginaacuterio
daqueles atores sociais e sensibilizaacute-los para a existecircncia de outras histoacuterias especialmente
aquelas nas quais os afrodescendentes e suas matrizes eacutetnicas fossem evidenciadas
A terceira oficina sendo a quarta fase do projeto buscou tornar conhecida uma
Heroiacutena a contrapelo a liacuteder quilombola mageense Maria Conga A oficina foi realizada
com a participaccedilatildeo de matildees tias avoacutes ou irmatildes que foram convidadas para ali estarem
Aconteceu em um soacute dia com duraccedilatildeo total de 1hora e 20 minutos mas foi dividida em
dois momentos No primeiro narramos a histoacuteria de Maria a menina que veio do Congo
Buscou-se uma narrativa intertextual ligando a vida de Maria Conga com a histoacuteria dos
muitos africanos que foram trazidos para o Brasil Em um segundo momento foi proposto
a confecccedilatildeo de bonecas abayomis pelas jovens adultas e idosas que naquele instante
acompanhavam os estudantes
A quarta oficina foi uma sensibilizaccedilatildeo baseada na Pedagogia Griocirc Tal pedagogia
idealizada pela educadora Lilian Pacheco24 baseia-se na valorizaccedilatildeo e transmissatildeo dos
saberesfazeres (ALVES 2001)25 da cultura oral dos sujeitos da regiatildeo Desse modo nesta
oficina buscou-se aproximar os saberes das novas geraccedilotildees aos saberes das geraccedilotildees
passadas por meio das histoacuterias contadas pelas griocirctes locais Neste trabalho as griocirctes
foram duas avoacutes dos estudantes Elas foram escolhidas porque eram mulheres idosas que
representavam os sujeitos da diversidade a avoacute do estudante do ldquoPreacute IIrdquo tem nanismo fato
que chama atenccedilatildeo das crianccedilas pois embora fosse do tamanho deles ela jaacute tinha vivido
quase 60 anos A outra avoacute da estudante do ldquoPreacute Irdquo eacute negra
A oficina foi realizada em dois momentos distintos ocorrendo em duas semanas No
primeiro momento realizou-se a contaccedilatildeo de histoacuterias pelas avoacutes com duraccedilatildeo de cerca de
50 minutos Na semana seguinte os estudantes recontaram aspectos das histoacuterias ouvidas
com massinha de modelar Com os registros desta experiecircncia posteriormente seraacute
confeccionado um viacutedeo animado e legendado com a temaacutetica Histoacuterias de nossa gente
A quinta oficina envolveu a Musicalidade enquanto valor civilizatoacuterio afro-brasileiro
e foi dividida em cinco momentos distintos ocorrendo em um periacuteodo de um mecircs e meio
24 Mais agrave frente discorreremos sobre esta pedagogia 25 Nilda Alves utiliza o recurso de aglutinaccedilatildeo de palavras para indicar a necessidade de ir aleacutem dos limites herdados das Ciecircncias Modernas
35
mais ou menos 6 encontros Buscou-se nesta proposta trabalhar o desenvolvimento de
diferentes competecircncias como a de construccedilatildeo de conceitos a descoberta de instrumentos
musicais eacutetnicos e a confecccedilatildeo deles a construccedilatildeo de rimas ritmos e movimentos As accedilotildees
desta oficina culminaram no ano de 2016 quando foram compartilhadas algumas criaccedilotildees
musicais dos estudantes com as famiacutelias via dispositivos moacuteveis
A sexta oficina foi nomeada como Lendas que nos encantam e teve por objetivo
retornar aos gecircneros literaacuterios como na primeira oficina evidenciando histoacuterias que
precisam ser contadas nas escolas brasileiras Desse modo apresentamos a histoacuteria de uma
aacutervore que representa a ancestralidade africana o Baobaacute
Para trabalharmos a histoacuteria do Baobaacute realizamos dinacircmicas em dois momentos
distintos tendo cada um 50 minutos Na primeira semana foi contada a lenda da seguinte
maneira organizei um cenaacuterio com cartolinas coloridas agrave frente da sala de aula com uma
aacutervore (de papel) de troncos largos cheia de frutos Realizei a leitura da lenda e
posteriormente foram escolhidos alguns estudantes para encenar a histoacuteria sendo os
seguintes personagens o Baobaacute a hiena dois coelhos e outros trecircs bichos Logo em
seguida a partir da minha mediaccedilatildeo os estudantes dinamizaram a lenda expressando
criatividade imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Foi possiacutevel realizar a contaccedilatildeo de histoacuteria pelos
estudantes por trecircs vezes O objetivo era que todos participassem
Na semana seguinte resgatamos a histoacuteria e pedimos agraves crianccedilas que representassem
aspectos daquela histoacuteria por meio de ilustraccedilotildees em folhas e de massinha de modelar
Tais produccedilotildees foram registradas para compor um viacutedeo animado sobre a histoacuteria do Baobaacute
contada a partir do olhar dos estudantes de Conceiccedilatildeo de Suruiacute
35 COLABORADORES NA COLETA DE DADOS
As docentes das turmas a bolsista de extensatildeo e a equipe pedagoacutegicagestora foram
as colaboradoras diretas da pesquisa e contribuiacuteram significativamente para o processo de
investigaccedilatildeo
As professoras regentes das turmas pesquisadas foram fontes importantes para
percepccedilatildeo da urgecircncia em pesquisar o contexto da Educaccedilatildeo Infantil Os relatos de suas
praacuteticas cotidianas das relaccedilotildees interpessoais entre os estudantes e suas famiacutelias da
relaccedilatildeo entre os pares foram fundamentais para potencializar as reflexotildees em direccedilatildeo a
36
inclusatildeo da diversidade Cabe ressaltar que ambas as professoras embora soliacutecitas e agrave
disposiccedilatildeo para contribuir com os achados dificilmente participavam das oficinas Os 50
minutos semanais eram os uacutenicos que elas tinham para realizar o seu planejamento visto
que no municiacutepio de Mageacute os docentes de 1deg segmento natildeo tinham garantido o 13 de
carga horaacuteria semanal para planejamento conforme estabelece a lei federal 117380826
A parceria com a discente da graduaccedilatildeo (bolsista de extensatildeo) durante o processo
de coleta de dados foi um apoio fundamental pois representava um olhar a mais naquele
momento de achados Aleacutem disso a estudante realizou grande parte dos registros
fotograacuteficos enquanto eu mediava as oficinas
A gestora por sua vez foi quem prontamente viabilizou a coleta de dados a partir da
autorizaccedilatildeo institucional e que no decorrer desse processo tambeacutem representou uma
fonte de validaccedilatildeo dos dados coletados visto sua relaccedilatildeo direta com as famiacutelias estudantes
e docentes
Por fim eacute possiacutevel concluir que a coleta de dados desta pesquisa foi permeada por
olhares atentos que culminaram em conversas27 entre noacutes docentes e tambeacutem com
discentes para potencializar um ensino onde a inclusatildeo da diversidade se tornasse uma
constante
36 PRODUTOS DO PROJETO
Os produtos desta pesquisa satildeo tecnologias educacionais Todas elas estatildeoseratildeo28
disponibilizadas online29 visando contribuir para que outros docentes da Educaccedilatildeo Infantil
(e tambeacutem dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica) possam trabalhar com o ensino das
relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo em consideraccedilatildeo a diversidade e a inclusatildeo
26 Lei que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magisteacuterio puacuteblico da Educaccedilatildeo Baacutesica E prevecirc ldquoo limite maacuteximo de 23 (dois terccedilos) da carga horaacuteria para o desempenho das atividades de interaccedilatildeo com os educandosrdquo (sect 4ordm do art 2ordm) Significando assim que 13 (um terccedilo) da jornada destinar-se-ia agraves atividades de planejamento e formaccedilatildeo continuada do docente Conforme Brasil (2008) 27 Concordamos com CARVALHO (2011) que ao pensar o curriacuteculo como comunidade de afetos orienta que professores e alunos professores e professores conversem e ao considerar a alteridade construam inteligecircncia coletiva 28 Alguns produtos jaacute foram publicados como o cataacutelogo de livros eacutetnicos Outros seratildeo lanccedilados apoacutes a publicaccedilatildeo do caderno digital 29 Paacutegina na rede social (Facebook) construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo Link httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoeudantesetnicoraciaisartesdefazer
37
Os produtos deste trabalho podem ser definidos como
1 A construccedilatildeo do espaccedilo virtual (uma paacutegina na rede social) para o compartilhamento
das accedilotildees pedagoacutegicas e os produtos da pesquisa Este suporte midiaacutetico foi validado
pelo acesso que tem recebido chegando a um alcance de 160 pessoas em algumas
semanas no ar A maior parte desse puacuteblico eram pessoas da proacutepria comunidade
escolar pais dos estudantes professores funcionaacuterios da escola e os proacuteprios alunos
Vale ressaltar que esta paacutegina foi construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo
ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos iniciais artes de fazer e fazer-
se professorrdquo sendo assim intitulada por ldquoO ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais artes
de fazer e fazer-se professorrdquo Portanto ao vincular-se ao projeto de extensatildeo sua
criaccedilatildeo visou divulgar tambeacutem as accedilotildees extensionistas que aconteciam na
escolauniversidade contemplando as turmas do Ensino Fundamental Vale frisar
que temos difundido para aleacutem dos muros da escola o pensamento inclusivo sobre
a diversidade atingindo a comunidade escolar docentes e outros sujeitos de Mageacute
2 Um cataacutelogo de livros disponiacutevel na biblioteca comunitaacuteria localizada na Escola
Municipal Dinorah dos Santos Bastos e que tambeacutem se encontra no espaccedilo virtual
citado acima Este material tem auxiliado os docentes dos anos iniciais na busca pelas
temaacuteticas indiacutegenas e africanidades
3 Coletacircnea de muacutesicas com as vozes das crianccedilas A gravaccedilatildeo das cantigas populares
pelos proacuteprios estudantes foi compartilhada com os responsaacuteveis no iniacutecio do ano
corrente O principal objetivo foi dar um feedback das accedilotildees do ano anterior e
tambeacutem possibilitar a apreciaccedilatildeo de um trabalho autoral feito por seus proacuteprios
filhos Com a finalizaccedilatildeo do caderno e sua publicaccedilatildeo estas muacutesicas seratildeo lanccediladas
na paacutegina do Facebook
4 Dois viacutedeos animados elaborados a partir das produccedilotildees artiacutesticas dos estudantes
Esses viacutedeos tambeacutem foram feitos a partir das produccedilotildees dos estudantes tendo
como temaacutetica lendas locais e de ancestralidade africana O procedimento seraacute o
mesmo sua publicaccedilatildeo seraacute concomitante agrave publicaccedilatildeo do caderno na paacutegina virtual
5 Um caderno pedagoacutegico digital que tambeacutem disponibilizaremos na paacutegina em
formato PDF Adotamos alguns criteacuterios para a estruturaccedilatildeo do caderno pedagoacutegico
que foram linguagem adequada ao puacuteblico formato claro e estruturado propostas
38
exequiacuteveis articulaccedilatildeo entre teoria e praacutetica e adequaccedilatildeo aos paracircmetros da
Educaccedilatildeo Infantil Acreditamos na capacidade desde produto em potencializar o
pensamento inclusivo sobre a diversidade eacutetnico-cultural do povo brasileiro E com
isso suscitar modos de pensar e de produzir experiecircncias instituintes na Educaccedilatildeo
Infantil A priori vamos identificar esse produto como uma tecnologia de transmissatildeo
de conhecimento visto que nele seratildeo apresentados saberes construiacutedos nas oficinas
sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais e que foram validadas por estudantes e docentes da
Educaccedilatildeo Infantil durante as praacuteticas cotidianas Acreditamos que o professor na sua
capacidade reflexiva ao interagir com este material tambeacutem poderaacute modificar e
servir de inspiraccedilatildeo para outras praacuteticas natildeo buscando ser um modelo para
reproduccedilatildeo Dessa forma o docente enquanto sujeito reflexivo precisa reinventar
as atividades propostas de acordo com sua realidade criando e recriando artes de
fazer
Figura 1 Paacutegina na Rede Social Fonte Daise dos Santos Pereira
Na Figura 1 temos um registro da paacutegina virtual jaacute citada anteriormente Dominick
(2015) nos provoca a pensar nos possiacuteveis status dessa tecnologia informacional Seria ela
interativa ou difusora Para a autora haacute miacutedias difusoras onde o conhecimento eacute
produzido por alguns e difundido como eacute o caso da televisatildeo e do raacutedio Mas haacute aquelas
39
que possibilitam uma interaccedilatildeo entre os sujeitos pois se apresentam como uma
possibilidade de dialogia Esse espaccedilo na internet busca difundir um conhecimento mas
tambeacutem eacute um lugar de diaacutelogo de possibilidades de interaccedilotildees com professores que vatildeo
aleacutem da reproduccedilatildeo de ideias
Neste endereccedilo tambeacutem disponibilizamos alguns livros infanto-juvenis em formato
PDF que podem ser baixados um cataacutelogo com os livros de literatura com temaacutetica eacutetnica
(indiacutegena e africana) que elaboramos a partir da busca no acervo da biblioteca da escola
Neste material satildeo encontrados o resumo a faixa-etaacuteria e o nuacutemero de paacuteginas de cada
obra A elaboraccedilatildeo deste cataacutelogo surgiu pela necessidade de identificarmos as obras
literaacuterias eacutetnicas e por identificarmos nas atividades de implementaccedilatildeo de leitura pouca ou
nenhuma familiaridade dos docentes da escola com o acervo das matrizes eacutetnicas africanas
e indiacutegenas Por exemplo na semana do dia do iacutendio uma das docentes relatou dificuldade
para achar uma obra que tratasse do tema Ao procurar achamos 39 exemplares de
temaacutetica indiacutegena e africana Hoje contamos com um pouco mais de 50 livros em nosso
acervo escolar
Logo seraacute possiacutevel encontrar na paacutegina gravaccedilotildees musicais dos estudantes os viacutedeos
animados das histoacuterias locais produzidos com os mesmos e algumas fotografias das accedilotildees
realizadas na escola Buscaremos assim que publicados esses produtos disponibilizar o
texto dessas histoacuterias em PDF Esta eacute uma estrateacutegia de ferramenta acessiacutevel para pessoas
cegas Assim a histoacuteria pode ser lida pelo leitor de tela para os deficientes visuais
Intencionamos com isso abrir caminhos para ampliar o diaacutelogo com a tecnologia acessiacutevel
(DOMINICK 2015) de modo a alcanccedilar crianccedilas surdas cegas ou com deficiecircncias fiacutesicas
Desse modo acreditamos estar favorecendo praacuteticas docentes inclusivas da
diversidade Reafirmamos no entanto que tais meios soacute seratildeo de fato aliados a um saber-
fazer emancipatoacuterio na medida em que o docente os assumir como extensatildeo de suas
reflexotildees e de seus braccedilos natildeo como modelo a ser seguido Para tal ele precisa ser o que
Schoumln (2000) denominou como professor reflexivo um sujeito que para Castels (1999) eacute
interagente De forma que quando ele entrar em contato com os produtos desta pesquisa
iraacute se apropriar e dialogar com os conhecimentos ali expostos assim como apresentar
outras ideias e tambeacutem suas praacuteticas
40
4 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
41 DADOS COLETADOS REFLEXOtildeES INICIAIS
Em nossa pesquisa bibliograacutefica identificamos a invisibilidade da questatildeo racial no
sistema educacional brasileiro principalmente no que tange a produccedilatildeo teoacuterica
articulando as questotildees de raccedila e etnia para o trabalho com a Educaccedilatildeo Infantil
Posteriormente na escola buscamos identificar se de fato havia a observacircncia e
cumprimento da lei federal 1164508 Ao confirmar nossa hipoacutetese de que pouco estava
sendo trabalhado buscou-se intervir para promover uma cultura escolar mais inclusiva das
matrizes eacutetnicas e culturais que fazem parte de nossa gente
Identificamos alguns aspectos no cotidiano da escola que confirmaram a relevacircncia
da pesquisa com aquele grupo tais como raras praacuteticas abordando a diversidade eacutetnico-
racial com foco nas influecircncias africanas e indiacutegenas tendo em vista inclusive as influecircncias
das etnias afro e indiacutegena (e que por sinal satildeo muito fortes na regiatildeo) presenccedila de um
ambiente fortemente marcado por narrativas monoculturais isto eacute murais com
personagens brancos e somente os claacutessicos literaacuterios europeus compondo a oferta de
leitura para as crianccedilas Identificamos ainda no diaacutelogo com as professoras evidecircncias de
accedilotildees discriminatoacuterias entre as crianccedilas pequenas silecircncio em torno de situaccedilotildees
conflituosas e a falta de formaccedilatildeo que as ajudasse a lidar com a questatildeo de forma a superar
o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo
Os dados coletados inicialmente foram ao encontro de minhas primeiras anguacutestias
quando ao ingressar na especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria me dei conta de que as
praacuteticas dos docentes da Educaccedilatildeo Infantil e dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica estavam
ainda distantes do que entendemos por Educaccedilatildeo para Todos visto que ateacute aquele
momento natildeo existiam orientaccedilotildees legais para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais e assim
para o rompimento da cultura do racismo no cotidiano escolar
Acreditando que poderia organizar praacuteticas instituintes em diversidade e inclusatildeo
com crianccedilas pequenas sobre as questotildees eacutetnico-raciais foi que caminhei mais alguns
passos
41
42 PERCEBENDO AS VOZES OFICINAS INICIAIS
Durante 2 meses interagindo com os discentes30 busquei indiacutecios que me
conduziram para a estruturaccedilatildeo das primeiras oficinas Logo apoacutes foram apresentadas
duas oficinas que buscaram confirmar ou refutar as observaccedilotildees feitas e as informaccedilotildees
coletadas com os adultos Elas tiveram como enfoque o trabalho com a literatura infantil
Importante salientar que estas accedilotildees com os estudantes sustentaram as hipoacuteteses iniciais
sobre a urgecircncia de um rompimento com as praacuteticas e culturas do cotidiano escolar que
natildeo alcanccedilam a diversidade eacutetnico-racial presente na localidade Majoritariamente as
praacuteticas curriculares cotidianas reforccedilam praacuteticas monoculturais e etnocecircntricas
contribuindo muitas vezes para a existecircncia de comportamentos racistas e segregadores
entre os estudantes e mesmo entre os profissionais da escola
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (idade entre 4 e 5 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje a turma estava com 14 alunos no total Iniciamos a aula no paacutetio da escola tendo em vista a obra que estaacute acontecendo no preacutedio desde o recesso escolar Expusemos em um varal alguns livros do acervo da biblioteca da escola A opccedilatildeo pelo varal foi uma estrateacutegia para que os estudantes visualizassem melhor as obras para assim apontarem suas preferecircncias As obras estavam divididas em contos claacutessicos da literatura europeia e histoacuterias de temaacutetica eacutetnica Foram apresentados 12 livros Entre os contos claacutessicos estavam ldquoO chapeuzinho vermelhordquo ldquoOs trecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoCinderelardquo ldquoPinoacutequiordquo e ldquoJoatildeo e o peacute de feijatildeordquo Entre os livros que contavam histoacuterias com temaacutetica eacutetnico-racial estavam ldquoO cabelo de Lelecircrdquo ldquoLilaacute e o segredo da Chuvardquo ldquoCadecircrdquo ldquoA menina e o tamborrdquo ldquoChuva de mangardquo ldquoHistoacuterias da nossa genterdquo e ldquoBichos da Aacutefricardquo Iniciamos a dinacircmica perguntando aos alunos as suas preferecircncias Todos demonstraram grande interesse pelos contos claacutessicos mas buscando saber sobre o que pensavam sobre os outros livros perguntei se algueacutem conhecia ou se gostaria de conhecer Apresentamos cada um deles e depois solicitamos que fossem ao varal pegar o que fosse de interesse do grupo Como era de imaginar a grande maioria foi para o lado dos contos claacutessicos europeus
30 Interagia enquanto professora itinerante da sala de leitura uma vez por semana
42
Eu e Pacircmela (bolsista da extensatildeo) insistimos na provocaccedilatildeo mostrando os outros
livros ldquoE aqueles livros ningueacutem quer lerrdquo
Ateacute que uma estudante negra foi ateacute o livro ldquoCadecircrdquo (Graccedila Lima) e o pegou Haacute em
sua capa um menininho negro e pensei naquele momento que talvez houvesse uma
tiacutemida identificaccedilatildeo por parte da menina com o personagem O livro conta a histoacuteria das
fantasias de um menino pequeno que vai descobrindo o mundo ao seu redor A cada
descoberta uma surpresa Nesse enredo uma mesa se torna uma girafa O sofaacute um
rinoceronte E a matildee participa junto com o menino dessas descobertas emoccedilotildees e
fantasias
A partir de sua escolha questionamos aos colegas se eles gostariam de ouvir a
histoacuteria daquele livro Cabe ressaltar que esta menina demonstrava ao longo das atividades
uma identificaccedilatildeo positiva com a sua cor sem recusas quando lhe era proposto ser
personagem negra por exemplo Entre os 14 alunos 10 concordaram em ouvir Ao final da
histoacuteria perguntamos se ali tinha algueacutem parecido com o menininho do enredo e trecircs
crianccedilas disseram prontamente que sim que eram muito parecidos
Fizemos tambeacutem uma votaccedilatildeo para saber quais as preferecircncias deles sobre os
claacutessicos O resultado foi 12 alunos votaram nos Trecircs porquinhos 10 em Joatildeo e o peacute de
feijatildeo 11 em Pinoacutequio 14 em Joatildeo e Maria 7 em Chapeuzinho vermelho 10 em Cinderela
Joatildeo e Maria foi o enredo de preferecircncia da turma Importante ressaltar que a votaccedilatildeo
naquele primeiro momento foi para sondar as preferecircncias Ao longo das atividades e
oficinas estabelecemos diaacutelogos com as obras a partir de sua releitura e intercaladas com
as obras eacutetnico-raciais
43
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I Fonte Daise dos Santos Pereira
Apoacutes a contaccedilatildeo da histoacuteria do livro ldquoCadecircrdquo sugerimos que cada um registrasse em
um desenho em folha A4 a histoacuteria que quisesse Podia ser a que tiacutenhamos acabado de ler
ou uma das que estavam no varal Trecircs crianccedilas natildeo quiseram realizar a tarefa Dentre elas
dois meninos e uma menina Apesar disso pegaram os livros para folhear Dos 11 desenhos
entregues apenas dois representaram um livro de temaacutetica eacutetnica ldquoO Cabelo de Lelecircrdquo Os
demais foram representaccedilotildees de ldquoTrecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoChapeuzinho
Vermelhordquo Em um dos desenhos havia 2 personagens que a estudante identificou como
Joatildeo e Maria e um terceiro personagem com feiccedilatildeo de mal identificado como ruim
Quando perguntamos quem era o personagem a estudante apontou para o livro ldquoChuva
de mangardquo que tem na capa um menininho negro
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (idade entre 5 e 6 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje demos continuidade agrave oficina de preferecircncia literaacuteria a partir dos livros que compotildee o acervo da escola Assim como realizado com a turma do Preacute-escolar I exibimos 12 livros sendo metade deles com a temaacutetica
44
eacutetnico-racial e a outra com os contos europeus Cabe ressaltar que na escola haacute pouca literatura com a temaacutetica eacutetnico-racial que atenda agrave faixa-etaacuteria do Preacute-escolar Neste sentido dois dos livros exibidos para os alunos estavam para aleacutem da faixa etaacuteria das crianccedilas Natildeo obstante a escolha por eles deveu-se aos nomes e ilustraccedilotildees da capa serem bem sugestivas Pensamos que poderiam aguccedilar a curiosidade das crianccedilas E foi o que aconteceu A turma possui um total de 18 alunos Neste dia estavam presentes apenas 12 O horaacuterio escolhido para as atividades foi o de 10h agraves 11h Este foi escolhido a partir de negociaccedilatildeo com a professora regente visto a sua solicitaccedilatildeo No entanto temos percebido grande necessidade de rever o horaacuterio da aula realizando-a no primeiro tempo pois entendemos que no iniacutecio do dia o aproveitamento da atividade eacute maior
Importante salientar que ao iniciarmos a pesquisa de campo nos deparamos com
diferentes limitaccedilotildees inclusive estruturais que consideramos relevantes evidenciar neste
trabalho No mecircs de agosto de 2015 a escola passou por obras em todo o preacutedio pois o
telhado desmoronou durante o recesso escolar Para natildeo haver prejuiacutezos nas atividades
escolares e natildeo deixar lacunas no calendaacuterio letivo foi decido que as aulas prosseguiriam
e a gestora improvisou duas ldquosalas de aulardquo dentro da biblioteca31 localizada em uma
estrutura anexa ao preacutedio em reforma Contamos tambeacutem com o quintal da escola onde
foi improvisado um espaccedilo com carteiras e quadro Vale ressaltar que a associaccedilatildeo de
moradores cedeu o espaccedilo para as aulas de 2 turmas do turno da manhatilde Identificamos
assim que haacute uma boa relaccedilatildeo da escola com a comunidade e que a gestora juntamente
com sua equipe buscou soluccedilotildees para os problemas
Com todos esses acontecimentos na escola os momentos para o trabalho com as
crianccedilas ficaram um pouco limitados tendo em vista a necessidade de reestruturaccedilatildeo dos
tempos e espaccedilos da escola e assim a adaptaccedilatildeo dos estudantes A turma do Preacute-escolar
II da manhatilde ficou um pouco prejudicada na atividade de leitura pois com a mudanccedila da
rotina ao final do dia as crianccedilas estavam bastante agitadas dificultando a realizaccedilatildeo de
nossa proposta No horaacuterio da tarde quando realizamos a atividade com o Preacute-escolar I o
horaacuterio era mais flexiacutevel pois a escola possuiacutea apenas 3 turmas
Intencionaacutevamos no primeiro momento realizar uma sensibilizaccedilatildeo para as
literaturas expostas para em seguida identificar as preferecircncias das crianccedilas Em um
segundo momento contariacuteamos a histoacuteria escolhida e depois iriacuteamos sugerir ilustraccedilotildees
31 Temos em nossa escola uma biblioteca comunitaacuteria que faz parte de iniciativas de organizaccedilotildees natildeo governamentais das seguintes instituiccedilotildees Instituto Ecofuturo e ONG Aacutegua Doce
45
que representassem a histoacuteria narrada No entanto o curto tempo inviabilizou estas accedilotildees
Apesar disso coletamos as preferecircncias dos estudantes acerca das literaturas Como jaacute
sinalizado anteriormente expusemos as 12 obras Das obras relacionadas agrave relaccedilotildees
eacutetnico-raciais apenas uma chamou atenccedilatildeo dos alunos talvez pela capa e pelo nome
sugestivo ldquoBichos da Aacutefricardquo Nenhuma das obras era conhecida pelos alunos Ao contraacuterio
dos claacutessicos onde se destacou a histoacuteria dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II Fonte Daise dos Santos Pereira
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar II
Tendo em vista o interesse dos estudantes pela obra dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo a escolhemos como tema central para guiar nossa atividade de hoje que visa identificar a percepccedilatildeo que as crianccedilas trazem do negro Eacute sabido que toda accedilatildeo educativa eacute potencializada quando os conhecimentos e interesses preacutevios dos estudantes satildeo reconhecidos para integrar as atividades cotidianas Segundo a Sociologia da Infacircncia o coletivo deve exercer uma grande importacircncia no cotidiano escolar e sendo a crianccedila um ator social eacute preciso considerar que ela estaacute a todo momento negociando compartilhando e criando cultura com os adultos e entre seus pares A atividade transcorreu inicialmente com a contaccedilatildeo
46
da histoacuteria Havia na turma 9 alunos sendo que apenas 7 participaram da atividade pois 2 estudantes precisaram ir embora mais cedo devido a conduccedilatildeo32 Propositalmente invertemos as cores dos personagens os porquinhos que no geral se apresentam nas cores rosa ou branco foram representados em marrom O lobo que tendencialmente eacute preto ou marrom foi apresentado como branco Tal provocaccedilatildeo baseou-se em uma ideia construiacuteda ao longo da histoacuteria de que o negro seria a origem de todo o mal E assim queriacuteamos realizar uma ruptura com o padratildeo ldquobranco divinizado x negro endemoniadordquo Tambeacutem intencionaacutevamos perceber se haveria algum impacto na percepccedilatildeo das crianccedilas (Narrativa registrada no meu caderno de campo dia 18082015)
Optamos por contar a histoacuteria usando nossas taacuteticas de praticantes do cotidiano
(CERTEAU 1994) Assim confeccionamos um avental temaacutetico com fantoches para
narrarmos a histoacuteria dos Trecircs Porquinhos
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tivemos a participaccedilatildeo direta de todos os discentes ao longo da narrativa Estavam
atentos a cada movimento Ao final do enredo os estudantes disseram a claacutessica frase ldquoE
eles viveram felizes para semprerdquo
Interrompi-os dizendo que a histoacuteria ainda natildeo tinha acabado Contei-lhes que havia
duas famiacutelias muito interessadas em adotar os dois porquinhos mais novos e que noacutes
32 O ocircnibus nesta regiatildeo passa de hora em hora Precisamos alterar o horaacuterio das aulas em virtude dos estudantes terem que sair meia hora antes do teacutermino das oficinas
47
teriacuteamos uma tarefa muito importante escolher qual seria a famiacutelia ldquomais legalrdquo para
adotar os dois porquinhos
As imagens construiacutedas para representar as duas famiacutelias eram com as seguintes
caracteriacutesticas a primeira famiacutelia sendo branca com olhos azuis de cabelos lisos com pai
matildee e um casal de filhos pequenos Enquanto a segunda famiacutelia era representada por
pessoas negras com avoacute avocirc pai matildee e um casal de filhos pequenos Assim expusemos
os dois cartazes cada um com um retrato da famiacutelia e uma casa representando o lar de
tijolos com o tiacutetulo Famiacutelia legal
Cada crianccedila recebeu uma ficha com o seu respectivo nome para colocar no cartaz
conforme fosse solicitado As perguntas que dinamizaram as escolhas foram ldquoQual eacute a
famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Tivemos muito cuidado
para natildeo influenciar na opiniatildeo deles com as nossas falas
Chamamos entatildeo a primeira aluna dentre os sete que estavam participando da
aula Perguntamos sobre sua escolha prontamente respondeu que a famiacutelia era legal
porque era da mesma cor dos porquinhos e tambeacutem igual a ela Fomos chamando os
demais que escolheram a famiacutelia branca Todos responderam que aquela era a famiacutelia mais
legal pois pareciam com eles ndash os estudantes ndash que eram brancos Dentre os cinco que
deram esta resposta trecircs foram bastante expressivos respondendo prontamente sem
hesitar
O uacuteltimo aluno a realizar a escolha optou pela famiacutelia afro-brasileira Respondeu que
a famiacutelia era legal porque era igual a ele e ao ldquoporquinho pretinhordquo Foi uma resposta
surpreendente pois ateacute entatildeo em atividades anteriores os indiacutecios apresentados por esse
estudante eram de distanciamento da figura do negro
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo A escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar I
A turma do Preacute-escolar composta inicialmente por 18 estudantes natildeo estava completa Contamos nesse dia com apenas 14 alunos A dinacircmica foi a mesma realizada com a turma do ldquoPreacute IIrdquo e no primeiro momento das aulas Escolhemos o enredo dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo tendo em vista que este conto tambeacutem faz parte do repertoacuterio de preferecircncias literaacuterias dos estudantes Iniciamos a contaccedilatildeo de histoacuteria a partir de fantoches
48
como jaacute sinalizado anteriormente A inversatildeo das cores dos personagens natildeo provocou nenhum comentaacuterio por parte dos estudantes Durante todo enredo os estudantes se colocaram atentos e participativos a cada provocaccedilatildeo Quando foram chamados a realizar a tarefa de escolher as famiacutelias para adoccedilatildeo dos 2 porquinhos prontamente pegaram as fichas com seus nomes Vale ressaltar que estas crianccedilas jaacute fazem o reconhecimento de seus nomes e tambeacutem de seus colegas agrave exceccedilatildeo de uma estudante A cada crianccedila escolhida para votar faziacuteamos o seguinte questionamento ldquoQual eacute a famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Timidamente as crianccedilas iam ateacute os cartazes e escolhiam as famiacutelias Como jaacute relatado eram dois modelos de famiacutelia uma branca e outra negra As primeiras escolhas foram para as famiacutelias brancas e as respostas quando questionadas sobre a razatildeo da escolha eram ldquoPorque simrdquo Ateacute o momento em que uma crianccedila negra votou na famiacutelia negra Mas natildeo quis dizer a razatildeo O resultado foi 9 crianccedilas escolheram a famiacutelia branca e 5 escolheram a famiacutelia negra Dentre as que escolheram a famiacutelia branca a maioria eu considero como crianccedila branca ou parda As crianccedilas que escolheram a famiacutelia negra satildeo identificadas como uma eacute negra e as demais pardas (Narrativa da oficina em meu caderno de campo dia 18082015)
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) Fonte Daise dos Santos Pereira
Essas oficinas iniciais abriram caminhos para que houvesse uma mudanccedila na cultura
escolar no sentido de tornaacute-la acolhedora agrave diversidade Elas revelaram a necessidade de
construccedilatildeo de um ambiente que provocasse a ruptura com as histoacuterias uacutenicas Aleacutem de
49
identificarmos a ausecircncia de imagens e materiais que evidenciassem a etnia de matriz afro-
brasileira no espaccedilo escolar identificamos que a maioria das crianccedilas natildeo se identificava
com sua origem eacutetnica
Cuidamos a partir de entatildeo para que os murais de nossa escola passassem a ter
personagens negros bem como brancos e indiacutegenas As estantes de nossas salas passaram
a ter natildeo soacute os contos claacutessicos europeus Outras histoacuterias passaram a fazer parte do acervo
das salas e os estudantes passaram a pedir para ouvir e contar histoacuterias protagonizadas por
afrodescendentes E elas agora compotildee o acervo particular das salas de aula33
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tambeacutem foi iniciado um projeto de incentivo agrave leitura onde os estudantes do Preacute-
escolar levavam para as suas casas semanalmente livros da temaacutetica eacutetnico-racial
(indiacutegena e africana) Para que esse projeto acontecesse houve a necessidade de descobrir
aonde estavam essas literaturas
33 Obras mais solicitadas pelos estudantes Cadecirc (Graccedila Lima) Abareacute (Graccedila Lima) O Senhor da Histoacuterias (Wellington Srbek) O Cabelo de Lelecirc (Valeacuteria Beleacutem) A menina e o tambor (Mariacircngela Haddad) Menina bonita do laccedilo de fita (Ana Maria Machado) e as lendas do Baobaacute e a da Mirindiba
50
Com a colaboraccedilatildeo da funcionaacuteria da biblioteca da escola e da bolsista de extensatildeo
achamos 39 livros da temaacutetica procurada alguns catalogados e outros natildeo Havia mais
livros infanto-juvenis do que infantis34 para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar
Apoacutes esses achados decidimos elaborar um cataacutelogo35 com as obras eacutetnicas para
potencializar as nossas accedilotildees e viabilizar o contato dos docentes da escola com essas
literaturas
As accedilotildees proporcionaram resultados positivos desde o iniacutecio da pesquisa Pudemos
perceber o fortalecimento das identidades dos estudantes negros o respeito e o diaacutelogo
com a diversidade quando os estudantes em sua maioria passaram a optar por enredos
protagonizados por crianccedilas mulheres e homens afrodescendentes A parceria com as
famiacutelias tambeacutem foi fundamental nesse processo que para aleacutem de contribuir para o
rompimento com as histoacuterias uacutenicas ajudou na formaccedilatildeo de sujeitos leitores responsaacuteveis
e cuidadosos com os livros que carregavam e que teriam que retornar na semana seguinte
para dar continuidade aos empreacutestimos36
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas Fonte Arquivo pessoal da autora
34 Esse problema nos levou a confeccionar alguns livros infantis Estes foram baixados na internet e podem ser encontrados na paacutegina do projeto de extensatildeo 35 Esse cataacutelogo foi um primeiro produto gerado pelo projeto e estaacute disponiacutevel em httpswwwfacebook comoensinodasrelacoesetnicoraciaisartesdefazerphotostab=albumampalbum_id=1561437514148129 36 Dispuacutenhamos de 8 livros infantis para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar Cada turma ficou com 4 livros que semanalmente contemplavam 4 estudantes
51
Nesse primeiro momento para aleacutem de construir uma cultura inclusiva (BOOTH e
AISCOW 2011) no ambiente escolar estaacutevamos buscando alcanccedilar a todos familiares
estudantes e professores
43 OFICINA 3 - CONHECENDO MARIA A MENINA QUE VEIO DO CONGO
A histoacuteria que vocecircs iratildeo ouvir aconteceu haacute algum tempo quando as pessoas eram vendidas como coisas e obrigadas a servir os mais fortes como escravos37 Nossa personagem principal eacute a menina Maria que nasceu no Continente Africano em um paiacutes chamado Congo Maria nasceu em 1792 Ela sua famiacutelia e seus amigos foram trazidos para o Brasil pelos portugueses para trabalharem pesado Maria e os demais africanos sofreram muito para chegar ao Brasil Na eacutepoca o uacutenico transporte que fazia longas viagens era o navio E o que transportava os africanos chamava-se navio negreiro Os navios atravessavam o oceano atlacircntico e isso durava meses de muito sofrimento Quem mais sofria nessa viagem eram as crianccedilas pois natildeo tinham o que comer beber vestir dormir e brincar Elas choravam assustadas ao ver tanta dor e sofrimento As matildees faziam de tudo para diminuir aquela dor e trazer um pouco de alegria para seus filhos Sabendo que Maria gostava muito de bonecas a matildee dela resolveu cortar pedaccedilos de sua roupa para fazer uma boneca para ela A matildee de Maria e outras mulheres em um gesto de amor rasgam suas roupas com as proacuteprias matildeos e fazem bonecas muito especiais chamadas Abayomi Satildeo pequenas bonecas negras feitas de pano e sem costura apenas com noacutes ou tranccedilas A palavra abayomi tem origem no Iorubaacute e significa aquele que traz felicidade ou alegria Sabemos que o ato de rasgar as roupas com suas proacuteprias unhas representa um grande gesto de amor de uma matildee que quer ver seu filho feliz A matildee de Maria estava dando o que ela tinha de melhor as suas vestes Dar uma boneca Abayomi a algueacutem eacute um ato de carinho e nobreza Desde esse dia Maria guardou com muito cuidado e carinho o presente de sua matildee Quando em 1804 chegou ao Brasil aos 12 anos ela carregava sua boneca no colo Infelizmente foi separada de sua famiacutelia e vendida para um senhor de engenho em Salvador Aos 18 anos foi transferida para o Rio de Janeiro E com 24 chegou no Porto de Piedade em Mageacute Cidade onde construiu um linda histoacuteria mas que poucos tiveram o privileacutegio de conhecer Vamos assim como Maria confeccionar uma abayomi e presentear a quem noacutes amamos38
37 Importante ressaltar que os negros natildeo nasceram escravos A expressatildeo escravizados marca um processo de pessoas que sofreram com a escravidatildeo Jaacute a expressatildeo escravo remete a condiccedilatildeo de quem foi considerado como uma simples mercadoria 38 Releitura da histoacuteria da boneca Abayomi resignificada a partir da biografia da liacuteder quilombola mageense Maria Conga Esta narrativa foi construiacuteda por mim a fim compor a oficina de contaccedilatildeo de histoacuterias
52
A narrativa acima abre a oficina que resgatou a histoacuteria da liacuteder quilombola mageense
Maria Conga39
Maria Conga nasceu no Continente africano no ano de 1792 Veio para o Brasil pilhada junto com seus pais e irmatildeos por volta de 1804 Ganhou a liberdade apoacutes 11 anos de trabalho e logo foi alforriada por volta do ano 1854 Aos 35 anos de idade assumiu o compromisso de lutar pela liberdade e dignidade de sua raccedila Dela ficou a lembranccedila de que nunca a viu chorar Contavam que foi estuprada pelo senhor de engenho e que ele tinha tomado seu corpo poreacutem natildeo a sua alma Mulher de luta mulher guerreira Maria fez histoacuteria no municiacutepio de Mageacute A partir de sua alforria Maria iniciou sua trajetoacuteria como lideranccedila deste quilombo Recebendo aqui os escravos fugidos de diversas outras comunidade e fazendas que jaacute conheciam ou ouviram falar da mulher que Maria era e representava para todos eles Aqui Maria vivia com orgulho Aqui Maria mulher negra escrava guerreira alforriada protegia seus irmatildeos e os acolhia Aqui morreu Maria Maria Guerreira Que veio do Congo Orgulho de ser Quilombola40
Esta oficina foi dividida em duas partes em um primeiro momento foi realizada a
contaccedilatildeo de histoacuteria para os pais e estudantes das duas turmas de Educaccedilatildeo Infantil (Preacute-
escolar I e II)41 e no segundo momento foi realizada a confecccedilatildeo de bonecas abayomis
onde as matildees tias avoacutes e irmatildes dos estudantes agrave moda das negras confeccionaram
bonecas com apenas alguns pedaccedilos de pano para a diversatildeo de suas crianccedilas
Os fios condutores da elaboraccedilatildeo desta oficina foram alguns dos valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e femininos representados pela oralidade ludicidade memoacuteria
cooperativismo e ancestralidade Evidenciar a histoacuteria de uma mulher quilombola que eacute
hoje esquecidadesconhecida em sua proacutepria ldquoaldeiardquo por meio desses valores foi o
objetivo desta oficina
Esta pesquisa com os atores sociais de uma escola no Municiacutepio de Mageacute natildeo estaria
completa sem o descortinar das memoacuterias da ancestral negra pobre e guerreira que lutou
ateacute o fim da vida pelos seus representando para noacutes uma heroiacutena a contrapelo
Certamente as relaccedilotildees de poder que classificam excluem e segregam fizeram questatildeo de
39 Maria Conga foi reconhecida no ano de 1988 (centenaacuterio da Aboliccedilatildeo da escravatura) heroiacutena negra mageense No ano de 2007 o quilombo por onde passou torna-se reconhecido por seu valor histoacuterico pela Fundaccedilatildeo Palmares 40 Narrativa do documentaacuterio Maria Conga Orgulho de ser Quilombola Disponiacutevel em lthttpcinemina pontodevisaoblogspotcombrgt Consultado em 06042016 41 Esta oficina foi realizada nas duas turmas tendo duraccedilatildeo de 1h30 minutos
53
submergir a imagem desta personalidade por meio do racismo e preconceito42 Natildeo
obstante enquanto professora-pesquisadora mageense e sensiacutevel aos silenciamentos
acerca do passado e dos heroacuteis que a histoacuteria oficial natildeo privilegia eacute que me movo em
direccedilatildeo agraves praacuteticas inclusivas que propotildeem um olhar diferenciado para o outro da
diversidade
Entendemos que para ser universal eacute preciso comeccedilar pintando a proacutepria aldeia De
fato os primeiros traccedilos de uma educaccedilatildeo inclusiva para a diversidade comeccedilaratildeo a ganhar
nuances quando em nossas praacuteticas cotidianas rompermos com a educaccedilatildeo monocultural
machista e reducionista que o sistema educacional nos impotildee Quando o professor
compreender que seu saber eacute poder suas ldquoartes de fazerrdquo (CERTEAU 1994) o levaratildeo a
ldquoaldeiasrdquo ateacute entatildeo inimaginaacuteveis
Portanto reforccedilo que urge o rompimento de praacuteticas educativas excludentes que
marginalizam as histoacuterias locais e de seus heroacuteis e heroiacutenas sejam brancos negros ou
indiacutegenas Os nossos estudantes tecircm o direito de ouvir e contar outras histoacuterias histoacuterias
de seu povo de um passado que ainda sobrevive nos seus modos de falar agir danccedilar
sorrir e brincar
A proposta pensada inicialmente era a contaccedilatildeo de histoacuteria para os estudantes
seguida da confecccedilatildeo das bonecas abayomis com o auxiacutelio da professora regente e da
bolsista de extensatildeo No entanto apoacutes reflexotildees sobre os proacuteprios valores da cultura afro-
brasileira e tambeacutem sobre a necessidade de tornar conhecida ndash em maior extensatildeo ndash a
histoacuteria de uma heroiacutena negra mageense talvez nunca antes contada nas escolas de Mageacute
decidimos convidar as matildees avoacutes tias e irmatildes para participarem desse momento
Reconhecendo a potecircncia da accedilatildeo coletiva na educaccedilatildeo da crianccedila e recordando o
valores civilizatoacuterios afro-brasileiro do cooperativismo memoacuteria e ludicidade iniciamos a
dinamizaccedilatildeo da histoacuteria para tornar conhecida a vida da menina Maria que veio do Congo
A oralidade por meio da contaccedilatildeo de histoacuteria nos permitiu compartilhar saberes e
ao passo que eu a narrava sabia que natildeo estava soacute pois os olhares que se voltavam para
mim estavam afetados de algo que chamo de Ubuntu filosofia africana que diz que ldquoeu sou
porque noacutes somosrdquo
42 A figura de Maria Conga eacute na religiatildeo de matriz afro-brasileira (Umbanda) considerada como uma entidade espiritual
54
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) Fonte Arquivo pessoal da autora
Ao longo do enredo a fala vinha acompanhada de imagens43 do artista francecircs Jean-
Baptiste Debret do pintor alematildeo Johann Moritz Rugendas e do fotoacutegrafo franco-brasileiro
Marc Ferrez Estes representaram o sofrimento de nossos ancestrais no Navio Negreiro e
as relaccedilotildees crueacuteis estabelecidas entre os senhores brancos e os africanos escravizados Ao
longo da narrativa era possiacutevel perceber os olhares atentos para a vida daquela Maria
Esta que era uma deles e eles naquele momento jaacute faziam parte dela Ao final uma matildee
surpreendida com a histoacuteria disse ter gostado do que ouviu e lamentou natildeo a ter
aprendido no tempo em que esteve na escola
Estaacutevamos formando pessoas que contariam essa histoacuteria para as futuras geraccedilotildees
Essa experiecircncia nos provocou a pensar na importacircncia de extrapolar os muros da escola
de modo que todos sejam afetados e assim afetem outras consciecircncias De certo que
concordamos com a sabedoria dos povos indiacutegenas e africanos quando afirmam que ldquoeacute
preciso uma aldeia inteira para educar uma crianccedilardquo
43 No iniacutecio do seacuteculo XIX Jean-Baptiste Debret retratou o cotidiano dos senhores e dos escravizados em uma das missotildees artiacutesticas francesas pelo Brasil O alematildeo Johann Moritz Rugendas pintou os povos e costumes que encontrou durante suas viagens pelo Brasil no periacuteodo de 1822 a 1825 Marc Ferrez (1843-1923) foi um fotoacutegrafo que retratou cenas do Impeacuterio e iniacutecio da Repuacuteblica (1865 e 1918) Seu trabalho eacute um dos mais importantes legados visuais daquelas eacutepocas Todas as imagens utilizadas na oficina estatildeo no anexo 722
55
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso
ldquoVou te contar os olhos jaacute natildeo podem ver rdquo (Tom Jobim)
Imaginemos um povo arrancado brutalmente de sua terra que atravessou o Atlacircntico em tumbeiros escravizado humilhado mas que natildeo perdeu a capacidade de sorrir de brincar de jogar de danccedilar e assim conseguiu marcar a cultura de um paiacutes com este profundo desejo de viver e ser feliz Isso resume a ludicidade na perspectiva a favor da vida da humanidade da sobrevivecircncia A alegria frente ao real ao concreto ao aqui e ao agora da vida (Ludicidade Da Cor da Cultura)44
Abayomi que na liacutengua Iorubaacute representa encontro precioso (Abay ndash encontro Omi
ndash precioso) eacute feita de pano (podendo ser retalhos) noacutes e sem qualquer costura Natildeo possui
nariz boca olhos e orelhas justamente para representar os vaacuterios povos de diferentes
civilizaccedilotildees e reinos que aqui chegaram Confeccionar uma boneca Abayomi eacute ir ao
encontro de sentimentos bons e nobres de uma gente que sabe que soacute vai ser feliz quem
viver para fazer da existecircncia do outro mais leve mais livre e mais fecunda
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
44 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
56
Apoacutes a confecccedilatildeo da boneca com a ajuda das mulheres (matildees avoacutes tias e irmatildes) que
ali estavam e de noacutes professoras e bolsista ficou acordado com elas que dessem a boneca
de presente para seus filhos da mesma maneira que evidencia a histoacuteria Contudo aquelas
crianccedilas que por ventura natildeo tiveram a presenccedila de seus responsaacuteveis fariam o inverso
Assim ao chegar em casa contariam para sua famiacutelia a histoacuteria presenteando algueacutem da
famiacutelia com a boneca
Em seguida permitimos que os estudantes45 brincassem entre si de modo que fosse
um momento de folga pausa e relaxamento criteacuterios entendidos como fundamentais na
constituiccedilatildeo do brincar segundo as Diretrizes Curriculares para a Educaccedilatildeo Infantil
(DCNEI46)
Na brincadeira eacute possiacutevel perceber os modos de representaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da
crianccedila por meio da linguagem do pensamento das accedilotildees Desse modo eacute evidenciado
uma caracteriacutestica muito proacutepria da crianccedila a sua identidade enquanto produtora de
cultura Ela natildeo apenas reproduz comportamentos sociais como tambeacutem os reinventa de
maneira criativa e singular
Em um dado momento da interaccedilatildeo percebi que os meninos estavam bastante
eufoacutericos com aquele artefato Me aproximei afim de entender as relaccedilotildees que estavam
sendo estabelecidas Certamente influenciada pelos estereoacutetipos de gecircnero acreditei que
fosse ter conflitos entre os meninos ao propor a confecccedilatildeo de bonecas Me surpreendi
com o modo que eles burlaram o sistema de regras socialmente construiacutedas onde
esperamos coisas diferentes de meninos e meninas (SILVA 2007 p 92)
Ao me aproximar desses atores provoquei-os questionando sobre os nomes que
dariam para suas bonecas O primeiro estudante titubeou em responder enquanto os
colegas gritavam vaacuterios nomes dentre eles Ana Mas o que agradou foi Emanuele Logo os
proacuteximos estudantes afirmaram natildeo se tratar de uma boneca mas um boneco e
escolheram os seguintes nomes Silvio Santos Ratinho Moiseacutes Aaratildeo Estes dois uacuteltimos
segundo eles eram por causa da novela ldquoOs dez mandamentosrdquo47 Alguns apontaram para
as roupas (eram vestidos e saias) demonstrando sua semelhanccedila com os personagens
45 A partir desse momento estaremos fazendo menccedilatildeo aos estudantes do Preacute-escolar II 46 Definidas pela Resoluccedilatildeo CNECEB ndeg 5 de 17 de dezembro de 2009 47Os Dez Mandamentos eacute uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Record Escrita por Vivian de Oliveira e com direccedilatildeo geral de Alexandre Avancini Eacute uma adaptaccedilatildeo de quatro dos livros que compotildeem a Biacuteblia Ecircxodo Leviacutetico Nuacutemeros e Deuteronocircmio
57
biacuteblicos do antigo testamento A imaginaccedilatildeo e a criatividade dos estudantes transformaram
suas bonecas em personagens outros nos levando a refletir sobre o fato de que ao brincar
a crianccedila se apropria de elementos do meio sociocultural de origem (DELGADO MULLER
2005 p 163)
Neste instante pude compreender na relaccedilatildeo com a cultura infantil a reproduccedilatildeo
interpretativa na empiria e o quanto o diaacutelogo entre os pares (crianccedilas) revela os interesses
e saberes para os que estatildeo no entorno Ao relacionarem a boneca a algo que lhes eacute
familiar os estudantes estatildeo reproduzindo a cultura em que vivem fazendo uso da
imitaccedilatildeo de modo criativo e prazeroso A respeito do prazer concordamos com Gomes
(2008) quando afirma
As crianccedilas natildeo adiam o prazer ao contraacuterio buscam-no nas suas brincadeiras e nos jogos e para isso utilizam as brechas modificam e rompem ndash ainda que momentaneamente ndash com os gostos as crenccedilas as regras e os valores culturais Assim elas vivenciam as regras e tecircm experiecircncias imediatas diversas e uacutenicas que alteram e destroem as
significaccedilotildees da vida cotidiana (p 187)
Diante do exposto eacute possiacutevel afirmar que o cotidiano da Educaccedilatildeo Infantil estaacute
repleto de desafios que precisam ser evidenciados E mesmo sendo este trabalho de
pesquisa voltado para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais dentro da perspectiva da
diversidade e da inclusatildeo se faz importante dar atenccedilatildeo agraves praacuteticas sexistas tatildeo comuns na
escola que limitam a percepccedilatildeo da pluralidade humana
Nossa experiecircncia com essa oficina nos levou a reafirmar que a crianccedila eacute capaz de
burlar a visatildeo monoliacutetica e reprodutivista da educaccedilatildeo quando na relaccedilatildeo com o outro eacute
permitido o exerciacutecio pleno de sua imaginaccedilatildeo curiosidade e criatividade
44 OFICINA 4 - UMA SENSIBILIZACcedilAtildeO PARA A PEDAGOGIA GRIOcirc
A fala a palavra dita ou silenciada ouvida ou pronunciada ndash ou mesmo segregada ndash tem uma carga de poder muito grande Pelana oralidade os saberes poderes quereres satildeo transmitidos compartilhados legitimados Se a fala eacute valorizada a escuta tambeacutem eacute O conto a lenda a histoacuteria a muacutesica o dito o natildeo dito o fuxico A palavra carrega uma grande e poderosa carga afetiva (Oralidade ndash A Cor da Cultura48)
48 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
58
Esta quarta oficina foi dividida em dois periacuteodos distintos que compreenderam a
contaccedilatildeo de histoacuteria por parte das avoacutes agraves quais chamamos de griocirctes e um segundo
momento que foi a representaccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos estudantes do Preacute-escolar
I e II por meio de massinha de modelar para que em uma fase posterior tais produccedilotildees se
transformassem em um viacutedeo animado para ser compartilhado na rede social49
Tendo em vista que cada oficina dura cerca de 50 minutos a 1h e que acontece uma
vez por semana precisamos de trecircs semanas para concluir com os estudantes a
representaccedilatildeo das histoacuterias que ouviram Ao todo as etapas desta 4ordf oficina
compreenderam um mecircs de duraccedilatildeo nas duas turmas que denominarei de Turma A e
Turma B A seguir descrevo as potencialidades dessas accedilotildees
Ao reconhecer a fecundidade da palavra ndash dita cantada silenciada ndash na construccedilatildeo
de um indiviacuteduo trazemos para esta oficina uma accedilatildeo que buscou valorizar os aspectos da
tradiccedilatildeo oral uma vez que vivemos em uma sociedade hierarquicamente grafocecircntrica
Importante sinalizar que o caraacuteter letrado da escola natildeo lhe confere status de democraacutetica
no acesso aos bens culturais ndash sobretudo aos bens imateriais ndash uma vez que os saberes
reconhecidos estatildeo limitados aos conhecimentos cientiacuteficos produzidos por um
determinado grupo
Entendemos que os saberes da experiecircncia dos atores da comunidade satildeo tatildeo
importantes quanto os conhecimentos cientiacuteficos que permeiam a loacutegica da escola Por
esse motivo esta oficina objetivou vincular os saberesfazeres dos idosos (avoacutes dos
estudantes) da comunidade com as vivecircncias cotidianas da praacutetica escolar Eacute sabido que
quanto mais proacutexima a comunidade estiver da escola mais potente se torna o processo de
ensino aprendizagem A sabedoria africana que jaacute mencionamos de que eacute preciso toda
uma aldeia para educar uma crianccedila ganha forccedila e legitimidade em nossas accedilotildees que
prezam pela coletividade e cooperativismo
Assim conduzidos principalmente pela perspectiva dialoacutegica onde o conhecimento
se constroacutei pela interaccedilatildeo entre e com o outro abrimos as portas da escola para que novas
relaccedilotildees fossem estabelecidas Privilegiamos a figura da avoacute nesse momento por ela
representar uma personalidade que carrega histoacuterias de vida ricas de afetos sensibilidade
e memoacuterias que por vezes ficaram esquecidas no imaginaacuterio coletivo Aleacutem disso
49 O viacutedeo eacute encontrado na paacutegina do projeto httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnicoraciais artesdefazer
59
buscamos descontruir valores hierarquizados de nossa sociedade ndash fruto da loacutegica
ocidental ndash onde o idoso natildeo possui importacircncia social pois jaacute natildeo tem o vigor de outrora
para beneficiar o mercado capitalista com sua forccedila de trabalho Inevitavelmente essa
ideia se perpetua por diversas instituiccedilotildees sociais chegando agrave escola de maneira sutil
Contudo o nosso objetivo eacute romper com esses valores dominantes entatildeo legitimados e
propor novos olhares sobre os mais velhos que segundo a ancestralidade africana
possuem um saber-poder imbuiacutedo de um grande legado o de ter sido testemunha e
sobrevivente da histoacuteria
Desse modo nos apropriamos da Pedagogia Griocirc como um caminho metodoloacutegico
possiacutevel para construccedilatildeo de experiecircncias instituintes onde a vida eacute valorizada na sua
integralidade Tal pedagogia tem ligaccedilatildeo direta com a memoacuteria oralidade ancestralidade
dentre outros valores
Criada pela educadora Lilian Pacheco50 a Pedagogia Griocirc dialoga com metodologias
ativas como educaccedilatildeo biocecircntrica dialoacutegica educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais arte
educaccedilatildeo comunitaacuteria e educaccedilatildeo para a corporeidade A idealizadora desta proposta
vislumbrou romper com a loacutegica cientiacutefico instrumental da escola por meio da valorizaccedilatildeo
do patrimocircnio cultural brasileiro (danccedila contos lendas tradiccedilotildees) Ao evidenciar os
saberes tradicionais a partir da oralidade eacute dado a entender que o conhecimento natildeo eacute
propriedade de determinados grupos (letrados diga-se de passagem) tatildeo pouco estaacute
restrito aos livros
Com isso a figura do mestre griocirc ganha destaque De origem francesa a palavra griot
eacute traduzida para o portuguecircs ganhando as seguintes expressotildees griocircs (homens) e griocirctes
(mulheres) Segundo Pacheco (2006) os griocircs satildeo oriundos da regiatildeo do Mali51 paiacutes
colonizado por franceses A partir de uma reinvenccedilatildeo dos portugueses podemos entendecirc-
los como aqueles que gritavam em praccedila puacuteblica afim de tornar conhecida e jamais
esquecida suas memoacuterias tradiccedilotildees e ancestralidade Assim de maneira mais completa o
griocirc eacute entendido como
() todo(a) cidadatildeo(atilde) que se reconheccedila e seja reconhecido(a) pela sua proacutepria comunidade como herdeiro(a) dos saberes e fazeres da tradiccedilatildeo
50 Conceito criado pela educadora Lilian Pacheco coordenadora da ONG Gratildeos de Luz (LenccediloacuteisBA) Para outras informaccedilotildees consultar httpwwwacaogrioorgbr 51 Paiacutes situado ao Noroeste da Aacutefrica
60
oral e que atraveacutes do poder da palavra da oralidade da corporeidade e da vivecircncia dialoga aprende ensina e torna-se a memoacuteria viva e afetiva da tradiccedilatildeo oral transmitindo saberes e fazeres de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo garantindo a ancestralidade e identidade do seu povo52
Assim partindo da perspectiva do conceito de griocirc como universalizante por agregar
todos os segmentos de tradiccedilatildeo oral ndash muacutesicos rezadeiras cordelistas benzedeiras
poetas contadores de histoacuteria genealogistas dentre outros ndash nos apropriamos da
pedagogia que carrega princiacutepios da ancestralidade africana sob um vieacutes dialoacutegico com a
comunidade escolar Importante afirmar que um dos objetivos de nossa proposta de
pesquisa se justifica por entendermos que os conhecimentos da tradiccedilatildeo oral natildeo podem
se perder e que quando dialogados com a cultura escolar ndash que eacute fundamentalmente
escrita ndash ganham maiores significados para os atores da escola Portanto reconhecendo
que nossos atores sociais gritam silenciosamente em accedilotildees e omissotildees para serem
reconhecidos em suas subjetividades e nas suas histoacuterias de vida eacute que contamos histoacuterias
ateacute entatildeo nunca pronunciadas compartilhadas e sentidas naquele lugar do saber Entram
em cena as narradoras de Conceiccedilatildeo de Suruiacute nossas avoacutes nossas griocirctes
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II)
Taacute vendo essa estrada aiacute que vocecircs andam O pai o avocirc os tios de vocecircs que trabalharam na pedreira que ajudaram a construir Cada pedrinha que tem nessa estrada aiacute eacute do pai de vocecircs eacute do avoacute do Davi E vocecircs sabem porque eles trabalharam tanto Para fazer uma estrada boa para vocecircs andarem irem para o coleacutegio Quase todos os pais avoacutes tios de vocecircs trabalharam no calccedilamento da estrada Hoje quando chove ningueacutem tem que andar na lama (Vovoacute Ivete)
A narrativa acima eacute da avoacute de um estudante do Preacute-escolar II Dona Ivete assim como
eacute conhecida na regiatildeo tem 58 anos de idade e tem nanismo A escolha por ela ocorreu
porque estamos em um contexto onde a inclusatildeo da vida na sua diversidade deve ser uma
constante Por esse motivo foi com grande satisfaccedilatildeo que recebemos esta vovoacute que com
disponibilidade e afeto narrou memoacuterias de Conceiccedilatildeo de Suruiacute e de seus moradores de
uma maneira que muito nos surpreendeu
52 Informaccedilotildees disponiacuteveis na paacutegina da iniciativa Gratildeos de Luz e Griocirc ponto de cultura de onde iniciou a Pedagogia Griocirc httpwwwacaogrioorgbracao-grio-nacionalo-que-e-grio
61
Figura 7 A vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade Fonte Arquivo pessoal da autora
Vale destacar que natildeo houve um roteiro preacutevio porque nosso objetivo era que a vovoacute
nos fornecesse elementos de sua memoacuteria afetiva e tambeacutem optamos que o diaacutelogo com
as crianccedilas fosse o mais espontacircneo possiacutevel Dessa maneira ela inicia sua narrativa
remetendo agrave figura do neto enquanto algueacutem que tem histoacuterias a contar sobretudo
porque satildeo histoacuterias da comunidade que tecircm relaccedilatildeo direta com seus pais e avoacutes Assim
a vovoacute evidencia uma fase da histoacuteria que considera marcante natildeo soacute para ela mas para
todos daquela regiatildeo rural que foi a pavimentaccedilatildeo da estrada de Conceiccedilatildeo de Suruiacute Ao
passo que trazia os fatos descritos acima os estudantes dialogavam demonstrando
pertencimento ao que estava sendo dito sobretudo quando dizia a respeito da
participaccedilatildeo de suas famiacutelias na construccedilatildeo da estrada No processo ouvimos as seguintes
falas
ldquoMeu pai jaacute trabalhou na pedreira de carretardquo ldquoMinha avoacute falou que meu pai fez essas pedras pra colocar na ruardquo ldquoMeu avocirc trabalha na pedreira Ele coloca pedra nos caminhotildeesrdquo (Estudantes do Preacute II)
Nesse momento foi possiacutevel validar alguns dos objetivos da Pedagogia Griocirc dos
quais destacamos protagonismo dos sujeitos envolvidos que aqui evidenciamos o
62
protagonismo infantil e a criaccedilatildeo de viacutenculo afetivo com o passado com os
saberesfazeres da ancestralidade Mas esta pedagogia natildeo se limita agraves questotildees pontuadas
Para aleacutem delas eacute possiacutevel desenvolver habilidades e competecircncias que envolvem
corporeidade musicalidade religiosidade dentre outros aspectos
Para concluir evidenciamos que nossa griocircte a vovoacute Ivete parece entender bem o
poder da palavra compartilhada visto que atraiu a atenccedilatildeo de todos para si para suas
histoacuterias que tambeacutem eram as histoacuterias de vida daqueles estudantes Ficou entendido
naquele encontro que a regiatildeo em que vivem tem muitas memoacuterias que dialogam com o
presente E que os protagonistas satildeo os proacuteprios moradores da regiatildeo avoacutes pais tios
crianccedilas e adultos
Importante ressaltar que essa proposta buscou realizar um duplo movimento
empoderar quem conta a narrativa mas tambeacutem aquele que ouve Nessa troca dialoacutegica
eacute impossiacutevel natildeo trazer para a conversa o consagrado educador popular Paulo Freire
quando afirma que ldquoquem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprenderrdquo (FREIRE 2007 p 23)
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I)
E as histoacuterias natildeo podem parar
Quem reabre as janelas da histoacuteria que eacute continuidade da anterior eacute a dona Faacutetima
Ela eacute avoacute de uma estudante do Preacute-escolar II sempre morou na regiatildeo e tem 48 anos
Quando convidada para estar conosco compartilhando um pouco de suas memoacuterias dona
Faacutetima nos fez alguns questionamentos pois natildeo sabia por onde comeccedilar E um dos
motivos que a deixou insegura foi o fato de natildeo entender suas memoacuterias e da comunidade
onde cresceu como parte de uma histoacuteria que merece ser contada
Apoacutes algumas conversas dona Faacutetima parece ter entendido que em suas memoacuterias
poderiam ter aspectos importantes e interessantes E que desvelaacute-las seria uma
possibilidade de tornar conhecidos fatos marcantes da vida de uma comunidade que tem
sido desconsiderada ao longo do tempo Dessa maneira nossa griocircte de Conceiccedilatildeo de
Suruiacute pocircs-se a narrar suas vivecircncias mas natildeo soacute as dela fala tambeacutem de um grupo que
63
tem sobrevivido ao longo da histoacuteria por meio de muita luta por melhores condiccedilotildees de
vida E que hoje continua enfrentando desafios de vaacuterias ordens
Quando falamos que esta narrativa eacute continuidade da anterior natildeo eacute por acaso Vovoacute
Faacutetima traacutes para noacutes histoacuterias de trabalhadores da regiatildeo que transformaram suas
realidades a partir do trabalho Vovoacute Faacutetima relembra como foi sua infacircncia e juventude
naquela regiatildeo quando natildeo existia energia eleacutetrica nas ruas calccedilamento na estrada
transporte puacuteblico e estabelecimentos comerciais
ndash No meu tempo de crianccedila quando chovia as ruas ficavam cheias de lama com buracos Para sair de casa era muito difiacutecil Ocircnibus aqui nem sonhava em ter Natildeo tinha postes nas ruas Era uma escuridatildeo Hoje temos ruas iluminadas a estrada calccedilada e ocircnibus de hora em hora (Vovoacute Faacutetima)
A griocircte falava para duas turmas o Preacute-escolar II e o 1deg ano Enquanto narrava todos
estavam atentos e curiosos em descobrir o passado que eacute ao mesmo tempo tatildeo presente
em seus cotidianos visto que ainda haacute inuacutemeros problemas de infraestrutura baacutesica que
afetam diretamente a vida escolar daqueles estudantes Infelizmente o calccedilamento soacute
chegou na estrada principal As ruas que fazem ligaccedilatildeo com a estrada ficam em condiccedilotildees
precaacuterias quando chove aleacutem do transporte puacuteblico natildeo passar por elas E isso representa
um grande problema visto que alguns dos estudantes moram em lugares de difiacutecil acesso
tendo que andar mais de 2km para chegar na escola Um dos estudantes sinalizou que o
ocircnibus demora muito Tivemos que concordar pois satildeo poucos os coletivos que estatildeo
disponibilizados para rodar naquela aacuterea rural
Apoacutes suscitar reflexotildees acerca de questotildees estruturais do bairro as memoacuterias de
dona Faacutetima se encaminharam para uma outra importante fase da histoacuteria daquela regiatildeo
ao fazer menccedilatildeo ao engenho de farinha de mandioca que existe ali Para dialogar com ela
a vovoacute faz referecircncia a uma estudante do 1deg ano que eacute neta do responsaacutevel pelo engenho
A menina de 7 anos explica em detalhes para todos como eacute produzida a farinha de
mandioca mostrando-se sabedora daquele processo artesanal Todos escutaram
atentamente a brilhante narrativa da menina pois precisavam saber como eacute feito o
alimento que tanto gostam e que geralmente natildeo falta em seus lares a Farinha Suruiacute
64
Alimento este que nos finais de semana especiais se transforma em ldquofarofinha com
linguiccedila farofinha com ovordquo53
Nossa griocircte aos poucos foi se apropriando do seu lugar de fala reconhecendo-se
como sujeito histoacuterico que testemunhou fatos e sobrevive participando de novos
contextos com novos atores Oportunizar o (re)conhecimento de histoacuterias reais de vida no
diaacutelogo com o passado reconstroacutei um presente mais esperanccediloso com pessoas que se
enxergam enquanto atores de suas histoacuterias
Figura 8 A vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais Fonte Arquivo pessoal da autora
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias
Pudemos conhecer outras histoacuterias contadas pelos heroacuteis de Conceiccedilatildeo de Suruiacute na
oficina em que aproximamos as memoacuterias das avoacutes com a Pedagogia Griocirc Como sinalizado
anteriormente apoacutes esse momento com as avoacutes na semana seguinte os estudantes fariam
a representaccedilatildeo do que ouviram com uma atividade com massinhas de modelar O objetivo
53 Fala dos estudantes do Preacute-escolar I quando questionados sobre o que faziam com a farinha
65
dessa fase foi a releitura das narrativas de maneira criativa e prazerosa ao utilizar um
recurso pedagoacutegico que eacute parte da rotina escolar de crianccedilas pequenas
E com isso a partir da mediaccedilatildeo buscamos enriquecer os sentidos do estica enrola
amassa movimentos tatildeo comuns quando a crianccedila faz uso da massa de modelar mas que
satildeo caminhos para o desenvolvimento de inuacutemeras competecircncias nessa fase inicial de
escolarizaccedilatildeo54 Dentre as vaacuterias habilidades trabalhadas com o uso da massinha podemos
citar a motora a sensorial a olfativa e a visual
Concluiacuteda essa atividade luacutedica fotografamos suas produccedilotildees e registramos algumas
falas no caderno de campo para que junto das narrativas da griocirctes pudeacutessemos produzir
um pequeno viacutedeo para ser divulgado em miacutedias digitais Com esta proposta vislumbramos
dar um novo sentido aos saberesfazeres que encontramos na Educaccedilatildeo Infantil como
tambeacutem apontar caminhos para o uso das miacutedias digitais enquanto artefato tecnoloacutegico a
favor da praacutetica docente
45 OFICINA 5 - MUSICALIDADE E AS ldquoARTES DE FAZERrdquo
Inicialmente chamamos para a conversa o historiador francecircs Michel de Certeau
(1994) ao utilizarmos a expressatildeo ldquoas lsquoartesrsquo de fazerrdquo que segundo o autor satildeo taacuteticas
criativas que os praticantes do cotidiano ao se apropriarem dos tempos-espaccedilos vatildeo
criando
O trabalho com a linguagem musical eacute um desafio por se tratar de um campo de
conhecimento rico em sensibilidade poeacutetica percepccedilatildeo experimentaccedilatildeo criaccedilatildeo e
reflexatildeo Mesmo assim ainda eacute pouco explorado Consideramos que o seu
aprofundamento eacute potencialmente capaz de promover reflexotildees e apropriaccedilotildees reflexivas
pelos praticantes do cotidiano de forma que sejam estimulados a criarem suas ldquoartes de
fazerrdquo
Descobri no meu dia a dia uma maneira de compartilhar saberes de forma luacutedica
prazerosa criativa e reflexiva com estudantes da Educaccedilatildeo Infantil Apostando na
musicalidade como um valor civilizatoacuterio afro-brasileiro realizei oficinas que foram
54 Esse termo deve ser entendido no sentido de proporcionar agrave crianccedila o amparo necessaacuterio para seu desenvolvimento integral e natildeo a escolarizaccedilatildeo precoce
66
divididas em etapas das quais identifico como sensibilizaccedilatildeo da muacutesica escolha do
repertoacuterio e reinvenccedilatildeo musical apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais confecccedilatildeo de
objetos sonoros gravaccedilatildeo do repertoacuterio e compartilhamento do mesmo Todas essas
etapas foram realizadas com as turmas de Preacute-escolar I e II e tiveram duraccedilatildeo de 5 semanas
considerando que para cada encontro foram usados 50 minutos de aula uma vez por
semana
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica
4511 Preacute-escolar II
A proposta inicialmente foi apresentar aos estudantes trecircs cantigas populares com
as quais eles iriam interagir e refletir sobre a letra a partir da mediaccedilatildeo docente Vale
ressaltar que durante as etapas a participaccedilatildeo da professora regente foi fundamental para
a consolidaccedilatildeo das accedilotildees visto que para cada oficina dispusemos apenas de 50 minutos
semanais Vale destacar que em grande parte dessas oficinas a professora regente
participou durante e posteriormente consolidando alguns conhecimentos como a
apropriaccedilatildeo da letra da muacutesica
As muacutesicas apresentadas foram ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de Joacuterdquo55
Iniciamos a escuta das muacutesicas e frisei que teriacuteamos de escolher a que fosse mais legal para
gravarmos A primeira foi ldquoNa Bahia temrdquo cantiga do folclore brasileiro
Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem
Na Bahia tem vou mandar buscar Lampiatildeo de vidro ocirc baiana ferro de engomar
Na Bahia tem vou mandar buscar Maacutequina de costura ocirc baiana fole de assoprar
Os estudantes natildeo a conheciam Natildeo obstante a cada verso explorado eles
manifestavam suas percepccedilotildees ideias e certezas Logo alguns fizeram relaccedilotildees com
55 Cantigas populares encontradas em httpwwwletrascombrmusicas-infantisescravos-de-jo
67
questotildees cotidianas Um estudante disse que em sua casa tem coco Entatildeo uma das
crianccedilas pediu para escrever a palavra coco no quadro Questionei se sabiam o que era
ferro de engomar ao que um estudante respondeu corretamente O mesmo disse saber o
que era lampiatildeo e outros reforccedilaram sua resposta ao dizer que se tratava de um tipo de
lacircmpada para clarear quando Conceiccedilatildeo de Suruiacute (bairro onde moram) natildeo tinha luz
Me apropriei das interpretaccedilotildees e do contexto da muacutesica que remete agrave Bahia para
rememorar a histoacuteria da quilombola mageense Maria Conga que veio da Aacutefrica se
estabelecendo primeiramente na Bahia antes de chegar em Mageacute Em oficina anterior os
estudantes aprenderam que a menina Maria veio do Congo paiacutes da Aacutefrica Junto com ela
vieram outros africanos que foram obrigados a trabalhar forccediladamente sem receber
nenhum dinheiro Por isso os negros eram chamados de escravos Um dos estudantes
entatildeo disse que onde ele mora moraram ldquoescravosrdquo Certamente ele estava fazendo
alusatildeo agrave Fazenda Santa Margarida lugar conhecido na regiatildeo por ter tido pessoas
escravizadas e ateacute hoje possui resquiacutecios de paredes da senzala e correntes
A segunda muacutesica apresentada foi ldquoEscravos de Joacuterdquo todos danccedilaram e disseram
conhecer a muacutesica da Galinha Pintadinha56
Escravos de Joacute Jogavam caxangaacute
Tira potildee
Deixa ficar
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
A terceira muacutesica foi ldquoSamba Lelecircrdquo Extremamente eufoacutericos por jaacute conhecerem toda
a letra da muacutesica cantaram e danccedilaram quando ensaiei uma coreografia
Samba Lelecirc taacute doente
Taacute com a cabeccedila quebrada Samba Lelecirc precisava
Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc
56 Desenho animado infantil criado por Juliano Prado e Marcos Luporini
68
samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Samba Lelecirc taacute doente Taacute com a cabeccedila quebrada
Samba Lelecirc precisava Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc Samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Em um segundo momento sugeri uma votaccedilatildeo para saber a muacutesica da preferecircncia
da turma ldquoSamba Lelecircrdquo venceu Apoacutes a votaccedilatildeo refletimos sobre a muacutesica que afirma que
a menina estaacute doente e precisa de umas boas palmadas Questionei sobre o que temos que
ter quando estamos doentes E continuei a provocaccedilatildeo perguntando ldquoapanhar cura a
doenccedilardquo Em coro disseram que natildeo pois quando ficam doentes eles recebem remeacutedio e
carinho Propus entatildeo que mudaacutessemos a letra da muacutesica trocando a palavra palmadas
por outra
Mas tinha um detalhe a palavrinha tinha que rimar com palmadas Alguns falaram
palavras com sentido mas sem a rima Logo um estudante sugeriu ldquopaparacadardquo Natildeo foi
preciso muito para entendermos (eu e a professora regente) que se tratava de paparicada
Todos concordaram e jaacute comeccedilaram a ensaiar a muacutesica com a nova versatildeo
4512 Preacute-escolar I
O caminho percorrido com o Preacute-escolar I foi o mesmo que realizamos com o Preacute II
Foram apresentadas as trecircs cantigas aos estudantes e os questionamos sobre se algueacutem as
conhecia Duas delas eram bastante familiares Samba Lelecirc e Escravos de Joacute Assim durante
a escuta das muacutesicas os estudantes danccedilaram cantaram bateram palmas e ensaiaram uns
passinhos Contudo passado esse momento propus que escolhecircssemos uma muacutesica para
que gravaacutessemos A escolha seria por votaccedilatildeo vencendo aquelas que tivessem mais votos
Para minha surpresa a voz de uma menininha laacute no fundo da sala brada ldquondash Eu
escolho todasrdquo Logo em seguida outros estudantes opinaram querendo que gravaacutessemos
natildeo soacute uma mas as trecircs cantigas populares ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de
69
Joacuterdquo Considerando as vozes e os desejos daqueles atores sociais concordei57 em realizar a
gravaccedilatildeo de todas as muacutesicas Assim comeccedilamos a explorar a letra e melodia de cada
repertoacuterio58
Assim como na outra turma contextualizamos cada enredo Quando chegou na
muacutesica Samba Lelecirc propusemos a troca da palavra palmada por outra que rimasse ndash
explicamos o que era rima ndash levando-os a refletir sobre a condiccedilatildeo da personagem que se
encontrava doente Prontamente um estudante disse que Lelecirc precisava de uma pomada
Naquele momento pude confirmar que a crianccedila estaacute interpretando de maneira singular a
cultura em que vive e nos surpreende ao burlar o instituiacutedo
Eacute possiacutevel notar que em ambas as turmas buscamos trabalhar diferentes habilidades
e competecircncias como sensibilizaccedilatildeo musical corporeidade concentraccedilatildeo apropriaccedilatildeo
dos sons para a formaccedilatildeo de palavras dentre outras questotildees Todavia a releitura da
muacutesica a partir da criaccedilatildeo de um novo sentido para o enredo me pareceu um movimento
potente para sensibilizar os atores sociais da importacircncia de pensar o outro como legiacutetimo
outro na diferenccedila
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais
O trabalho com os instrumentos musicais se deu por entendermos com o apoio de
Brito (2003) que a linguagem musical deve contemplar dentre outras atividades a
construccedilatildeo de instrumentos e objetos sonoros Eacute sabido que desde a tenra idade a crianccedila
produz sons pela exploraccedilatildeo e de forma afetiva e intuitiva Com o tempo essa exploraccedilatildeo
vai ganhando uma intencionalidade Foi a observacircncia desta intenccedilatildeo musical que
fortaleceu a ideia de aprofundarmos sobre a temaacutetica
Os estudantes durante a escuta das cantigas transformaram suas mesas em
instrumentos sonoros ao bater com as matildeos sobre elas Naquele instante entendemos que
a criaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo de artefatos musicais potencializariam sua relaccedilatildeo com as muacutesicas
que estaacutevamos propondo Para aleacutem disso acredito que o ato de criar desperta no sujeito
a criatividade a organizaccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo entre os pares
57 Essa decisatildeo acabou influenciando a outra turma (Preacute II) que tambeacutem gravaram as trecircs muacutesicas e adoraram essa ideia 58 Ao longo de 3 semanas ateacute a gravaccedilatildeo das cantigas a professora regente auxiliou de maneira singular ao ensaiar as muacutesicas com os estudantes
70
Quando iniciei o trabalho na escola a diretora me informou que haviam alguns
instrumentos musicais guardados e que seria muito interessante utilizaacute-los em minha
proposta Logo fui identificando as muacuteltiplas possibilidades que aquele espaccedilo me
oferecia Quando me deparei com o berimbau o caxixi e o atabaque ndash instrumentos eacutetnicos
ndash pensei nas experiecircncias instituintes que estavam prestes a surgir Naquele momento a
urgecircncia estava em resgatar aqueles instrumentos de dentro do armaacuterio e dar a eles
visibilidade de modo a tornar conhecidas suas raiacutezes culturais
Tomei conhecimento de que os instrumentos eram usados durante as oficinas de
capoeira do Mais Educaccedilatildeo59 No entanto havia meses que eles natildeo estavam sendo
usados pois as atividades haviam sido suspensas Por alguns instantes refleti sobre ateacute
onde a formaccedilatildeo docente inicial e continuada tem alcanccedilado as manifestaccedilotildees poliacutetico-
culturais que propotildeem um rompimento com praacuteticas reducionistas e anti-dialoacutegicas com a
diversidade cultural
Pensei na urgecircncia de aprofundar as conversas com os professores vislumbrando
uma maior reflexatildeo sobre seus papeacuteis de sujeitos criativos muacuteltiplos e fazedores de artes
de artes de fazer
Ao iniciar o trabalho com os instrumentos musicais junto ao Preacute-escolar estes foram
expostos com seus respectivos nomes Foi realizada a contaccedilatildeo de histoacuteria sobre a origem
daqueles instrumentos de musicalidade ressaltando a influecircncia que os homens e
mulheres oriundos das diaacutesporas africanas tecircm sobre eles Para que a apropriaccedilatildeo da
histoacuteria fosse afetiva e efetiva o enredo foi articulado agrave vinda da menina Maria Conga com
seus amigos para o Brasil Foi ressaltado na narrativa que na longa viagem triste e sofrida
os africanos cantavam e tocavam para aliviar a dor Quando chegaram ao Brasil
continuaram tocando mas agraves vezes de forma diferente O berimbau por exemplo era
utilizado pelos negros escravizados para fazer barulho a fim de chamar fregueses na rua
visto que alguns eram vendedores ambulantes O tambor por sua vez foi apresentado
como um objeto sagrado natildeo soacute para os negros mas tambeacutem para os indiacutegenas
59 O Programa Mais Educaccedilatildeo constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induzir a ampliaccedilatildeo da jornada escolar e a organizaccedilatildeo curricular na perspectiva da Educaccedilatildeo Integral Para maiores informaccedilotildees consultar httpportalmecgovbrprograma-mais-educacao
71
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I conhecendo a histoacuteria dos instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
72
Entre uma explicaccedilatildeo e outra falas dos estudantes iam evidenciando que aqueles
objetos lhes eram familiares Alguns meninos jaacute tinham tido contato com a capoeira outros
tocavam pandeiro na igreja O mais surpreendente para as crianccedilas foi o tambor atabaque
A interaccedilatildeo com a diversidade de objetos musicais com diferentes sons e formas
proporcionou grande satisfaccedilatildeo e curiosidade entre os estudantes
453 Confecccedilatildeo dos objetos sonoros
4531 Preacute-escolar II
A confecccedilatildeo dos instrumentos musicais com o Preacute-escolar II ocorreu na semana
seguinte apoacutes o contato com os instrumentos da escola Optamos pelo trabalho com
sucata materiais reciclaacuteveis e tambeacutem com gratildeos durex colorido e paetecircs Estes dois
uacuteltimos seriam para a decoraccedilatildeo dos mini tambores Encaminhamos para casa um recado
solicitando latas de alumiacutenio (de leite em poacute de suplemento e etc) para a confecccedilatildeo dos
objetos
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos Fonte Arquivo pessoal da autora
73
No entanto natildeo tivemos um retorno positivo pois apenas dois estudantes levaram
as latas Mudamos a estrateacutegia para aqueles que natildeo haviam levado o material solicitado
e construiacutemos mini chocalhos com rolo de papel Dessa maneira em um primeiro
momento os estudantes pintaram os rolinhos e em seguida enfeitaram com os paetecircs
4532 Preacute-escolar I
A confecccedilatildeo dos objetos sonoros com a turma do Preacute-escolar I foi pensada a partir da
mesma dinacircmica do Preacute II Aconteceu na semana seguinte apoacutes a sensibilizaccedilatildeo com os
instrumentos musicais eacutetnicos da escola e objetivou a elaboraccedilatildeo de um mini tambor a
partir do reaproveitamento de materiais como lata de leite aleacutem da utilizaccedilatildeo de outros
materiais como gratildeos durex colorido paetecircs e palito de churrasco Ao contraacuterio da turma
anterior tivemos um retorno positivo ao enviar o recado solicitando a lata de alumiacutenio
Dessa maneira pudemos confeccionar os mini tambores com todos os estudantes Com
materiais disponibilizados os alunos enfeitaram a lata e tambeacutem os palitos de churrasco
que se transformaram em baquetas Ambas as oficinas (do mini tambor e do chocalho)
tiveram duraccedilatildeo de 1 hora cada uma
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais Fonte Arquivo pessoal da autora
74
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis
Para Brito (2003) a crianccedila enquanto sujeito ldquobrincanterdquo faz muacutesica brincando
Nesse processo de criaccedilatildeo ela percebe e explora os sons de modo que refletindo o seu
mundo seus saberes eacute capaz de criar (recriar) novos sons novos movimentos e
instrumentos Assim tem sido nossa experiecircncia com os estudantes do Preacute-escolar com
muita interaccedilatildeo-accedilatildeo-reflexatildeo
No entanto mesmo compreendendo a riqueza das oficinas no sentido de promover
a exploraccedilatildeo a pesquisa a criatividade a corporeidade dentre outras competecircncias
sentia que faltava algo mais A leitura sobre a obra de Teca Alencar de Brito (2003) autora
referecircncia em estudos na aacuterea de educaccedilatildeo musical para crianccedilas ampliou o meu olhar
sobre o que jaacute vinha pensando Segundo a autora a produccedilatildeo musical ocorre a partir de
dois eixos fundamentais a criaccedilatildeo e reproduccedilatildeo Estes por sua vez possibilitaram a accedilatildeo
de interpretar improvisar e compor
Os estudantes demonstraram criatividade para interpretar e improvisar Natildeo
podiacuteamos perder a oportunidade de registrar suas artes de fazer A composiccedilatildeo musical
enquanto efeito de criar eacute tambeacutem caracterizada por sua condiccedilatildeo de permanecircncia
(BRITO 2003) Portanto eacute todo o movimento de registro seja na memoacuteria ou em artefatos
culturais (CD dispositivos moacuteveis) Com isso observou-se a necessidade de guardar natildeo
soacute na memoacuteria as criativas composiccedilotildees dos estudantes como tambeacutem de registraacute-las de
modo que fossem divulgadas
Surge entatildeo a ideia de gravar as trecircs muacutesicas em dispositivo moacutevel (celular) para
serem compartilhadas posteriormente com os responsaacuteveis dos estudantes A proposta
surgiu por entendermos que as crianccedilas desde muito cedo estatildeo rodeadas de artefatos
tecnoloacutegicos de todos os tipos computador celular iPod televisatildeo raacutedio dentre outros
Para confirmar essa suposiccedilatildeo encaminhamos para casa um questionaacuterio a fim de
que os responsaacuteveis respondessem sobre a utilizaccedilatildeo das tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo (TICs) Perguntamos sobre o tipo de artefato digital mais utilizado pelos
estudantes e com quais finalidades os utilizavam
Os aparelhos e seus usos foram diversos tais como celulares tablets e
computadores Mas a que prevaleceu (nos estudantes de ambas as turmas) foi a utilizaccedilatildeo
do celular para ouvir muacutesica e jogar
75
Assim eacute notaacutevel que as tecnologias digitais podem ser grandes aliadas no processo
de ensino aprendizagem Embora nem todos os estudantes tenham o dispositivo moacutevel e
leve para a sala de aula ficamos sabendo que em casa eles interagem e exploram os
aparelhos de seus pais desenvolvendo habilidades e competecircncias como raciociacutenio loacutegico
atenccedilatildeo e curiosidade em explorar o novo O professor que consciente de seu papel
formador deve saber que a escola eacute potencialmente capaz de ampliar e potencializar tais
habilidades Nesse sentido certa dessa identidade docente me apropriei da tecnologia
digital (celular) como recurso para registrar e divulgar a criaccedilatildeo musical dos estudantes
Foi realizada em ambas as turmas (Preacute-escolar I e II) uma oficina de gravaccedilatildeo
musical Aos estudantes foi dito que iriacuteamos gravar muacutesicas (as nossas muacutesicas) e isso foi
empolgante para todos Vale frisar o importante papel dos professores regentes enquanto
mediadores no processo de apropriaccedilatildeo da letra dos ritmos das rimas ou seja no
desenvolvimento da expressatildeo musical Foram semanas de preparaccedilatildeo desde a primeira
oficina com a sensibilizaccedilatildeo para as cantigas populares Foram expostos em sala de aula os
cartazes com as letras das muacutesicas jaacute reinventadas para que ao longo dos dias as
professoras cantassem a muacutesica com os estudantes
Com o apoio de Brito (2003) refletimos sobre a importacircncia de intervenccedilotildees
educativas no desenvolvimento da expressatildeo musical Em todo o processo levamos os
estudantes a refletirem sobre a letra da muacutesica as hipoacuteteses e expressotildees que fizessem
sentido Com isso acreditamos ter ampliado e enriquecido o universo luacutedico e social onde
a inclusatildeo da diferenccedila deve ser uma constante nas praacuteticas pedagoacutegicas
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical
Como sinalizado anteriormente essa uacuteltima etapa da oficina de musicalidade ocorreu
no iniacutecio do ano de 2016 com os responsaacuteveis dos estudantes das duas turmas (Preacute I e II)
que participaram das accedilotildees da pesquisa Ao propor um encontro com os responsaacuteveis
intencionamos para aleacutem de dar-lhes um retorno de parte de nossas accedilotildees tambeacutem ouvi-
los a respeito deles na educaccedilatildeo de seus filhos
Dessa maneira a reuniatildeo foi dividida em duas partes Na primeira parte foi exibida
uma apresentaccedilatildeo em PowerPoint de momentos da oficina de musicalidade identificando
o repertoacuterio musical trabalhado a reinvenccedilatildeo da cantiga popular ldquoSamba Lelecircrdquo e imagens
76
dos momentos de apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais eacutetnicos e confecccedilatildeo dos objetos
sonoros (instrumentos musicais)
No segundo momento foi realizado o compartilhamento das trecircs muacutesicas que
fizeram parte do repertoacuterio gravado pelos estudantes Importante frisar que para
compartilhar60 as muacutesicas foi necessaacuterio que cada responsaacutevel tivesse em matildeos seus
dispositivos moacuteveis (celulares) Para tal encaminhamos previamente um recado
solicitando a imprescindiacutevel presenccedila do celular na reuniatildeo
Em ambos os encontros os responsaacuteveis levaram seus celulares possibilitando um
retorno positivo para aquela proposta Expliquei como se daria o processo tendo em vista
que algumas pessoas natildeo sabiam utilizar a ferramenta do bluetooth de forma colaborativa
os demais que sabiam foram compartilhando os arquivos com aquele que estava proacuteximo
Foi um momento de aprendizado muacutetuo onde pudemos contar com a participaccedilatildeo de
todos os sujeitos envolvidos
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
60 O compartilhamento ocorreu via bluetooth Este eacute uma tecnologia de comunicaccedilatildeo sem fio que permite que dispositivos moacuteveis troquem dados entre si e se conectem a outros artefatos como mouses teclados fones de ouvido impressoras e outros acessoacuterios
77
Ao passo que eu compartilhava as produccedilotildees musicais fazia alguns comentaacuterios
acerca das apropriaccedilotildees por parte dos estudantes em sala de aula Quando chegou na
muacutesica ldquoSamba Lelecircrdquo provoquei os responsaacuteveis a descobrirem as palavras que
substituiacuteram o termo palmada Natildeo demoraram para perceber que se tratavam de
paparicada (releitura do Preacute II) e pomada (releitura do Preacute I)
Logo para a nossa surpresa uma matildee de uma estudante do Preacute-escolar I nos relatou
que havia corrigido a filha que chegou em casa cantando a muacutesica de forma incorreta E a
filha insistiu que Lelecirc precisava de pomada e natildeo palmada Embora o que a menina disse
fizesse sentido para a matildee esta continuou insistindo em reproduzir a letra real da muacutesica
Contudo naquele momento de troca ela se deu conta de que sua filha estava construindo
saberes instituintes para uma nova relaccedilatildeo de alteridade entre o adulto e a crianccedila
46 OFICINA 6 - LENDAS QUE NOS ENCANTAM
Como jaacute relatado iniciamos o ano de 2016 dando continuidade agraves accedilotildees do ano
anterior disponibilizando o repertoacuterio de muacutesicas para os pais compartilharem com os
estudantes No encontro com os responsaacuteveis foi frisado que as accedilotildees voltadas para o
ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais seriam contiacutenuas no ano corrente mesmo apoacutes
finalizada a pesquisa Ou seja continuariacuteamos realizando o empreacutestimo dos livros eacutetnicos
semanais e o nosso cotidiano estaria permeado por histoacuterias outras nas quais todos
pudessem se sentir representados
A continuidade deste trabalho no ano de 2016 se sustentou nos princiacutepios da
etnografia longitudinal (CORSARO 2005) visto que estariacuteamos acompanhando a transiccedilatildeo
de uma parte dos sujeitos da pesquisa para outras fases de escolarizaccedilatildeo sendo o Preacute-
escolar II indo para o 1deg ano do Ensino Fundamental e o Preacute-escolar I para o Preacute II
Desse modo buscamos por meio de oficinas de contaccedilatildeo de histoacuterias perceber como
se consolidaram as aprendizagens sobre a diversidade eacutetnico-racial entre os estudantes A
seguir vamos detalhar uma atividade realizada com a turma do 1deg ano
78
461 O segredo do Baobaacute uma lenda africana
Ao meio dia corria pela planiacutecie um coelho fugindo do sol escaldante e abrigou-se sob o peacute de um Baobaacute Ele se sentiu tatildeo bem que disse ndash Estaacute sombra eacute muito boa obrigado O Baobaacute se sentiu reconhecido e balanccedilou seus galhos como em uma danccedila alegre Mais uma vez o coelho quis se aproveitar da situaccedilatildeo e disse ndash Sua sombra eacute realmente muito boa Mas e esses seus frutos seraacute que tambeacutem satildeo Baobaacute entatildeo caiu na armadilha e soltou um dos seus frutos O coelho natildeo satisfeito disse ndash Sua sombra e seus frutos satildeo oacutetimos Mas e o seu coraccedilatildeo Baobaacute O Baobaacute sentiu uma forte emoccedilatildeo Mas ele natildeo poderia mostrar seu coraccedilatildeo Era tatildeo difiacutecil Mas o coelhinho era tatildeo gentil O Baobaacute foi abrindo seu tronco e logo o coelho jaacute podia ver um brilho que ofuscava os olhos Era um grande tesouro Baobaacute oferece ao seu amigo O coelho entatildeo pegou algumas joias e agradeceu ao Baobaacute ndash Obrigado linda aacutervore Jamais te esquecerei O coelho presenteou sua esposa e disse para sua amiga hiena tudo que lhe acorreu No dia seguinte ao meio dia a hiena foi ateacute o Baobaacute e repetiu passo a passo as dicas do seu amigo coelho O Baobaacute sem hesitar abriu seu tronco para a hiena Mas ela estava faminta pelo ouro e foi agressiva pegaacute-lo Logo a aacutervore fechou-se e chorou porque ficou apavorada A partir desse dia a hiena passou a vasculhar as entranhas dos animais mortos para achar tesouro Mas esse tesouro soacute existe enquanto o coraccedilatildeo eacute vivo Quanto ao Baobaacute nunca mais se abriu A ferida que ele sofreu eacute invisiacutevel mas dificilmente curaacutevel61
Mais uma vez encontramos um enredo em que a aacutervore eacute um elemento central nas
histoacuterias que nos marcam A narrativa acima representa uma das vaacuterias lendas existentes
sobre a famosa aacutervore de origem africana chamada Baobaacute62 Sentimos a necessidade de
tornar conhecido esse siacutembolo de resistecircncia e guardiatildeo da ancestralidade africana que eacute
o Baobaacute
Iniciamos a aula em grande roda como de costume Logo a frente no quadro
encontrava-se uma representaccedilatildeo de uma aacutervore diferente com troncos largos e alguns
frutos que chamaram a atenccedilatildeo dos estudantes Logo perguntaram ldquondash Tia vocecirc vai contar
a histoacuteria da Mirindibardquo63 Respondi que aquela natildeo era a Mirindiba e realizando as
61 A Aacutervore dos Tesouros recriaccedilatildeo de Henri Gougaud traduccedilatildeo de Maria do Rosaacuterio Pedreira Lenda disponiacutevel no blog httpbravoafrobrasilblogspotcombr2010_06_01_archivehtml consultado em 10 abril 2016 62 Aacutervore siacutembolo do Continente Africano famosa por suas caracteriacutesticas naturais sobretudo por sua resistecircncia agraves intempeacuteries Por chegar a viver por milecircnios ela ganha status de guardiatilde de memoacuterias e tradiccedilotildees dos povos africanos 63 Como sinalizado na introduccedilatildeo deste trabalho Mageacute possui heranccedilas de etnia indiacutegena muito fortes A Mirindiba eacute o nome de uma aacutervore centenaacuteria da cidade que segundo a lenda mageense era uma iacutendia que foi encantada pelo pajeacute e desde entatildeo vive no alto do Morro do Bonfim
79
comparaccedilotildees fiacutesicas apresentei o Baobaacute64 enquanto siacutembolo da ancestralidade dos povos
africanos
Foi apresentado tambeacutem o valor afetivo que aquele siacutembolo tem para os povos
africanos por sua resistecircncia ao sobreviver milecircnios e assim servir de palco de inuacutemeros
acontecimentos tornando-se guardiatilde das histoacuterias mais preciosas de diversos povos
Sensibilizados sobre a importacircncia do Baobaacute para os povos africanos tal como a Mirindiba
eacute para os mageenses logo iniciamos a narrativa da lenda
Encantados com o enredo os estudantes encenaram a histoacuteria expressando
sentimento imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Em aula posterior lhes foi apresentada a mesma lenda
mas em miacutedia digital65 O viacutedeo exibido para os estudantes foi realizado com teacutecnicas de
animaccedilatildeo a partir de desenhos e muacutesicas de fundo
Apoacutes assistirem ao viacutedeo propus que eles recontassem a lenda utilizando massinha
de modelar ilustraccedilatildeo em papel e muita criatividade O combinado foi que na medida em
eles fossem confeccionando a histoacuteria eu fotografaria cada etapa para produzir um viacutedeo
do grupo Dessa maneira todos deveriam ser muito caprichosos pois iriacuteamos divulgar essa
histoacuteria na internet66 para que todos conhecessem a lenda do Baobaacute do coelho e da hiena
feita por noacutes Prontamente todos concordaram com a ideia e ficaram animados com a
possibilidade de fazer uma atividade ldquotatildeo legalrdquo
Natildeo nos surpreendeu que durante todo o processo os estudantes se sentissem
motivados a criarem personagens e cenaacuterios Foi possiacutevel perceber que falar de miacutedias
artefatos tecnoloacutegicos de diferentes gecircneros com as crianccedilas soa como muacutesica aos seus
ouvidos porque elas estatildeo a todo momento experimentando essas tecnologias no seu dia
a dia
Mocircnica Fantin ao tratar da formaccedilatildeo docente dialogada com a cultura experiecircncia
e multimiacutedia defende que eacute necessaacuterio ldquoo trabalho diferenciado com a cultura audiovisual
imageacutetica literaacuteria artiacutestica musical midiaacutetica e digital articulada com as mais diversas
formas de participaccedilatildeo de crianccedilas e jovens na culturardquo (FANTIN 2012 p 298) Com isso
64 Foram levadas fotografias para que os estudantes pudessem compreender melhor as caracteriacutesticas fiacutesicas da aacutervore sendo evidenciado que existem vaacuterias espeacutecies da mesma 65 O viacutedeo que conta a lenda do Baobaacute e da hiena apresentado aos estudantes foi produzido por Camila SgLe Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=V1BmVhT05HQ consultado em 10042016gt 66 Link da paacutegina onde o viacutedeo seraacute disponibilizado httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnico raciaisartesdefazer
80
reconhecemos a urgecircncia de contar e permitir que os nossos estudantes contem novas
histoacuterias e se apropriem dos artefatos do cotidiano como ferramentas para que suas
aprendizagens sejam prazerosas e significativas
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo Fonte Arquivo pessoal da autora
47 NARRATIVA DA PROFESSORA DO PREacute-ESCOLAR I
A seguir compartilho uma breve narrativa da docente Sarah Rosa professora do Preacute-
escolar I do ano de 2015 Esta pocircde acompanhar a turma no ano corrente o que foi algo
favoraacutevel para todos os envolvidos na pesquisa visto que possibilitou a permanecircncia das
conversas
A participaccedilatildeo da professora Daise tem sido grandemente proveitosa e enriquecedora para os alunos da Educaccedilatildeo Infantil Sua pesquisa e trabalho tecircm colaborado para o desenvolvimento dos alunos em vaacuterios aspectos um deles eacute contra o preconceito racial Haacute tambeacutem um trabalho sobre as diferenccedilas o respeito e o amor ao proacuteximo aleacutem de desenvolver o gosto das crianccedilas pela leitura pela linguagem oral e corporal As crianccedilas apresentam prazer e satisfaccedilatildeo pelas suas aulas que por sinal satildeo bem dinacircmicas e atrativas para elas O trabalho feito tem ido aleacutem da sala de aula tem alcanccedilado os familiares dos alunos e ajudado a trazer a presenccedila dos mesmos agrave escola Ela tem realizado atividades envolvendo
81
a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo dos familiares juntamente com as crianccedilas O que tem proporcionado experiecircncias prazerosas para todos envolvidos (Professora Sarah Rosa 2015)
82
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
51 CONCLUSOtildeES
Este estudo teve como objetivo geral ldquorealizar pesquisa a partir de metodologias
interativas ndash interdisciplinaridade e etnografia ndash com enfoque na sociologia da infacircncia
com estudantes entre 4 e 6 anos abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola
rural do municiacutepio de Mageacuterdquo para aleacutem de contribuir com minha formaccedilatildeo continuada
Pude construir novos saberes e compartilhaacute-los Nesse processo tambeacutem confirmei a
necessidade de mudanccedila de olhar sobre a escola que temos
As escolas brasileiras ainda se enquadram dentro do modelo instrumental e
cartesiano sobre o qual elas foram pensadas Este modelo limita a compreensatildeo da
multiplicidade de contextos e sujeitos que compotildeem a diversidade humana Natildeo obstante
sabe-se que aos poucos essa mesma instituiccedilatildeo tem incluiacutedo a diversidade a partir de
movimentos que visam o rompimento com o instituiacutedo
Este trabalho desejou suscitar um novo olhar sobre a diversidade em contexto escolar
e construir caminhos que alcanccedilassem os diferentes atores sociais de maneira afetiva e
efetiva Assim foi se estabelecendo conversas e fui descobrindo que elas satildeo mais longas
quando acontecem entre os sujeitos da diferenccedila
Pensar a crianccedila desde a mais tenra idade implicou em realizar redes reflexivas com
diversas aacutereas do saber As metodologias trabalhadas sobretudo a interdisciplinaridade
nos pareceu desde o iniacutecio uma decisatildeo acertada A Sociologia da Infacircncia (CORSARO
2005) favoreceu minhas aproximaccedilotildees com as crianccedilas e entre elas proacuteprias Favoreceu
ainda o desafio de trabalhar com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais jaacute que pensar as
culturas infantis implica em refletir sobre diferenccedila diversidade e alteridade
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012)
Os objetivos especiacuteficos foram as metas traccediladas para o alcance do objetivo geral
Visaacutevamos romper com praacuteticas e culturas que excluem a diversidade do cotidiano escolar
a partir de intervenccedilotildees pedagoacutegicas Para tais intervenccedilotildees precisei construir objetivos de
ensino que me orientassem no trabalho
A Sociologia da Infacircncia enquanto constructo epistemoloacutegico possibilitou maiores
reflexotildees sobre a crianccedila enquanto produtora de cultura e reveladora das possibilidades
83
da estrutura social (SARMENTO 2005 p 363) Dessa maneira ao longo da pesquisa com
as crianccedilas e natildeo sobre elas fui notando o quanto eram ativas criativas e dotadas de
saberes que gritavam para serem reconhecidos Ao reconhecer suas vozes me aproximei
da cultura da diversidade e juntos realizamos interaccedilotildees dialoacutegicas
Tambeacutem busquei construir redes colaborativas e de conhecimentos com a
comunidade escolar compreendendo os docentes (natildeo soacute os professores da Educaccedilatildeo
Infantil) e a equipe pedagoacutegica O objetivo foi a reflexatildeo sobre os desafios da inclusatildeo da
diversidade nas escolas brasileiras Realizamos grupos de estudos dinamizado por mim67
Estabelecemos conversas as quais me trazem agrave memoacuteria uma palestra que escutei haacute
algum tempo na UFF sobre ldquoTempos e conversasrdquo O palestrante Carlos Skliar68 sinalizou
que os professores precisam ser formados na arte da conversa pois sem conversaccedilatildeo natildeo
existe educaccedilatildeo
Me aproprio de sua fala para explicitar como foi a relaccedilatildeo entrecom as professoras
envolvidas na pesquisa Eacute certo que somos diferentes mas foram essas diferenccedilas
somadas a solidariedade que fizeram a conversa fluir emergindo trocas reflexivas sobre o
cotidiano escolar diversidade e inclusatildeo
Como jaacute sinalizado os atores do cotidiano possuem muacuteltiplas linguagens que
precisam ser alcanccediladas O que se aprende fora dos muros da escola necessita ser
considerado como fonte de aprendizagem significativa no ambiente escolar E por
aprendizagem significativa entendemos ser aquela que proporciona a ldquointeraccedilatildeo cognitiva
entre o novo conhecimento e o conhecimento preacuteviordquo (MOREIRA 2000 p 4)
E embora o objetivo do trabalho natildeo fosse alcanccedilar diretamente as pessoas com
deficiecircncia as oficinas realizadas podem ser utilizadas para o trabalho com pessoas surdas
cegas ou com outras deficiecircncias desde que se realize as adaptaccedilotildees necessaacuterias Eacute possiacutevel
notar que procuramos incluir a diversidade na escola na figura de uma avoacute com nanismo
com a presenccedila de pessoas com diferentes faixas etaacuterias com mulheres ou seja pessoas
que representam as minorias que fazem parte da diversidade humana
67 Nesse grupo de estudos a supervisora da escola me convidou para realizar uma formaccedilatildeo para as professoras das duas creches em que ela trabalhava A formaccedilatildeo aconteceu no mecircs de agosto para 21 professoras do Municiacutepio de Mageacute 68 Pesquisador principal da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales - Argentina Tem experiecircncia na aacuterea de Educaccedilatildeo com ecircnfase em Fundamentos da Educaccedilatildeo Atuando principalmente nos seguintes temas Comunicaccedilatildeo Inteligecircncia Surdos Alteridade e Diferenccedila
84
Entendendo que a teoria funciona como lupa para melhor ver o que acontece na
praacutetica assim todas as atividades foram pensadas agrave luz de diferentes correntes teoacutericas-
metodoloacutegicas complementares tais como Sociologia da Infacircncia Interdisciplinaridade e
Etnografia Em todas as etapas procuramos adequar as atividades e reflexotildees aos
paracircmetros da Educaccedilatildeo Infantil e do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais sem perder de
vista o protagonismo infantil
Como jaacute salientado meus caminhos de formaccedilatildeo tecircm me provocado a olhar o
cotidiano escolar a partir de uma curiosidade epistemoloacutegica (FREIRE 2007) Mas
reconheccedilo que foi um desafio o trabalho com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais uma vez
que as poliacuteticas e praacuteticas existentes tendem a burocratizar a questatildeo natildeo possibilitando
a criaccedilatildeo de uma cultura inclusiva sobre a temaacutetica no cotidiano escolar Igualmente
reconheccedilo que graccedilas a curiosidade inquieta que me move em direccedilatildeo ao Outro tenho
buscado a construccedilatildeo de taacuteticas que representem a possibilidade de incluir a diversidade
52 PERSPECTIVAS
Foram traccediladas algumas perspectivas apoacutes a conclusatildeo deste trabalho A primeira
delas e que foi um compromisso com as famiacutelias dos estudantes foi a devoluccedilatildeo dos
achados que ainda seraacute decido a natureza do material Temos como opccedilatildeo o caderno
pedagoacutegico em CD mas tambeacutem podemos pensar na sua versatildeo impressa ou disponibiliza-
lo no espaccedilo criado para a divulgaccedilatildeo das accedilotildees e demais produtos Para tal devoluccedilatildeo
podemos repensar a colocaccedilatildeo dos nomes e exibiccedilatildeo dos rostos das crianccedilas pois
entendemos que elas precisam se reconhecerem no texto no qual sua histoacuteria de vida estaacute
sendo contada mas que para esse trabalho por questotildees eacuteticas foram suprimidas
Outra perspectiva eacute tornar o Caderno Pedagoacutegico uma Tecnologia Acessiacutevel para o
trabalho com crianccedilas deficientes A Tecnologia Acessiacutevel na escola tem por objetivo
() proporcionar agrave pessoa com deficiecircncia maior independecircncia para o aprendizado melhor qualidade de vida e inclusatildeo social por meio da ampliaccedilatildeo de sua comunicaccedilatildeo e de sua mobilidade maior controle do ambiente e desenvolvimento de trabalho integrado com a famiacutelia
colegas e profissionais da educaccedilatildeo (DOMINICK 2015 p 9)
85
Dessa maneira vislumbramos construir outras estrateacutegias para a acessibilidade do
conhecimento das relaccedilotildees eacutetnico-raciais Quando pensamos em outras eacute porque como jaacute
dito anteriormente algumas oficinas podem ser adaptadas para trabalhar com pessoas
cegas surdas cadeirantes com altas habilidades desde que o professor coloque em
praacutetica as suas invenccedilotildees cotidianas (CERTEAU 1994) e se torne um professor pesquisador
e inventor de novas taacuteticas educacionais
86
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABRAMOWICZ Anete OLIVEIRA Fabiana As relaccedilotildees eacutetnico-raciais e a sociologia da infacircncia no Brasil alguns aportes In BENTO Maria Aparecida Silva (Org) Educaccedilatildeo infantil igualdade racial e diversidade aspectos poliacuteticos juriacutedicos conceituais Satildeo Paulo Centro de Estudos das Relaccedilotildees de Trabalho e Desigualdades - CEERT 2012 ALVES Nilda Imagens de professoras e redes cotidianas de conhecimentos Educar Curitiba n 24 p 19-36 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfern24 n24a02pdfgt Acesso em 10 de marccedilo de 2016 ______ Decifrando o pergaminho o cotidiano das escolas nas loacutegicas das redes cotidianas In OLIVEIRA IB ALVES N (Orgs) Pesquisa nodo cotidiano das escolas sobre redes de saberes Rio de Janeiro DPampA 2001 ARANTES Erika ANDRADRE Nivea Diana e os orixaacutes imagens da questatildeo racial em escolas Revista de Estudos Universitaacuterios Sorocaba v 39 n 2 p 379-391 2013 Disponiacutevel em lthttpperiodicosunisobrojsindexphpjournal=reuamppage=articleampop= viewamppath5B 5D=1712gt Acesso em 20 de abril de 2015 APPADURAI Arjun O medo ao pequeno nuacutemero ensaio sobre a geografia da raiva Satildeo Paulo Iluminuras Itauacute Cultural 2009 CASTELLS Manuel A Era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura vol I 6ordf ed Satildeo Paulo Paz e terra 1999 BOOTH T AISCOW M Index para a inclusatildeo desenvolvendo a aprendizagem e a participaccedilatildeo nas escolas Traduzido por Mocircnica Pereira dos Santos e Joatildeo Batista Esteves Londres CSIE 2011 BOURDIEU Pierre O poder simboacutelico Traduccedilatildeo Fernando Tomaz Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 BRASIL Lei nordm 9394 Brasiacutelia 20 de dezembro de 1996 Disponiacutevel em lt
httpswwwplanaltogovbrccivil_03LeisL9394htmgt ______ Lei nordm 10639 Brasiacutelia 9 de janeiro de 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03leis2003L10639htmgt Acesso em 26 marccedilo de 2015 ______ Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana Brasiacutelia MEC SEF 2004 ______ Lei nordm 11738 Brasiacutelia 16 de julho de 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102008leil11738htmgt
87
_____ Referencial curricular nacional para a educaccedilatildeo infantil Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e do Desporto Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MECSEF 1998 3v il BRITO Teca A de Muacutesica na Educaccedilatildeo Infantil Satildeo Paulo Petroacutepolis 2003 CERTEAU Michel de A Invenccedilatildeo do cotidiano Artes de fazer Petroacutepolis Vozes 1994 CORSARO WA Entrada no campo aceitaccedilatildeo e natureza da participaccedilatildeo nos estudos etnograacuteficos com crianccedilas pequenas Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 26 n 91 p 443-464 maio-ago 2005 DELGADO Ana Cristina Coll MULLER Fernanda Em busca de metodologias investigativas com crianccedilas e suas culturas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo v 35 n 125 p 161-179 maioago 2005 DOMINICK Rejany dos S A arte de fazer e nos fazermos no ALEPH explicitando alguns princiacutepios na e da formaccedilatildeo de professores In LINHARES Ceacutelia Portinari e a cultura brasileira um convite agrave educaccedilatildeo a contrapelo Niteroacutei Editora da UFF 2011 [Segunda parte p 145-161] ______ Discutindo e conceituando as tecnologias para a formaccedilatildeo de professores na EJA-I e na diversidade In MEDEIROS C C Educaccedilatildeo de jovens adultos e idosos na diversidade saberes sujeitos e praacuteticas Niteroacutei UFFCEAD 2015 p 295-314 FANTIN Monica O lugar da experiecircncia da cultura e da aprendizagem multimiacutedia na formaccedilatildeo de professores Educaccedilatildeo Santa MariaRS v 37 n 2 p 291-306 2012 FAZENDA Ivani Catarina Arantes Desafios e perspectivas do trabalho interdisciplinar no Ensino Fundamental contribuiccedilotildees das pesquisas sobre interdisciplinaridade no Brasil o reconhecimento de um percurso Trabalho publicado nos Anais do XIV ENDIPE Belo Horizonte 2010 FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia saberes necessaacuterios agrave praacutetica educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007
______ Educaccedilatildeo e mudanccedila Rio de Janeiro Paz e Terra 1983
GOMES Lisandra O cotidiano as crianccedilas suas infacircncias e a miacutedia imagens concatenadas Proacute-Posiccedilotildees CampinasSP v 19 n 3 p 175-193 setdez 2008 GONCcedilALVES Luiz Alberto Oliveira Reflexatildeo sobre a particularidade cultural na educaccedilatildeo das crianccedilas negras Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 63 p 27-29 nov 1987 HAAS Celia Maria A Interdisciplinaridade em Ivani Fazenda construccedilatildeo de uma atitude pedagoacutegica International Studies On Law And Education Satildeo Paulo n 8 p55-64 maiago 2011
88
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICA (IBGE) Dados gerais do municiacutepio de Mageacute 2014 Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=amp codmun=330250ampsearch=||infoE1ficos-informaE7F5es-completas Acesso em 20072015 JAPIASSU H Interdisciplinaridade e patologia do saber Rio de Janeiro Imago 1976 KRAMER Sonia Autoria e autorizaccedilatildeo questotildees eacuteticas nas pesquisas com crianccedilas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 116 p 41-59 2002 LARROSA Jorge Notas sobre a experiecircncia e o saber de experiecircncia Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro n 19 p 20-28 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfrbedun19n19a02pdfgtAcessado 20052015 LARROSA Jorge Experiecircncia e alteridade em educaccedilatildeo Revista Reflexatildeo e Accedilatildeo Santa Cruz do SulSC v 19 n 2 p 04-27 2011 LINHARES Celia Movimentos instituintes na escola buscando dar visibilidade ao invisiacutevel Revista Aleph Niteroacutei [200] Disponiacutevel em lthttpwwwuffbralephtextos_em_pdf
politicas_de_formacao_de_professorespdfgt Acessado em 02 agosto 2015 LOumlWY Michael A ldquocontrapelordquo A concepccedilatildeo dialeacutetica da cultura nas teses de Walter Benjamin (1940) Lutas Sociais Satildeo Paulo n 2526 p20-28 2ordm semestre 2011 MATURANA H e VARELA F A aacutervore do conhecimento As bases bioloacutegicas do entendimento humano CampinasSP Editorial Psy II 1995 MOREIRA Marco Antonio Aprendizagem significativa Brasiacutelia Ed da UnB 2000 MUumlLLER F Infacircncia nas vozes das crianccedilas culturas infantis trabalho e resistecircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 27 n 95 p 553-573 ago 2006 MUNANGA Kabengele Uma abordagem conceitual das noccedilotildees de raccedila racismo identidade e etnia In BRANDAtildeO A A P (Org) Programa de educaccedilatildeo sobre o negro na sociedade brasileira Niteroacutei EdUFF 2000 OLIVEIRA Luiz Fernandes FARIAS Ursula Pinto Lopes A Aacutefrica e o negro nos anos iniciais do ensino fundamental desafios para a escola In GOUVEcircA Fernando Ceacutesar Ferreira OLIVEIRA Luiz Fernandes de SALES Sandra Regina (Orgs) Educaccedilatildeo e relaccedilotildees eacutetnico-raciais entre diaacutelogos contemporacircneos e poliacuteticas puacuteblicas 1 ed PetroacutepolisRJ De Petrus et Alii BrasiacuteliaDF CAPES 2014 PACHECO Liacutellian Pedagogia Griocirc a reinvenccedilatildeo da roda da vida LenccediloacuteisBA Graacutefica Santa Helena 2006
89
PAULA Benjamin Xavier de A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais e os desafios a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo anti-racista Anais do XIV Regional da ANPUH Rio de Janeiro 2010 PEIXOTO I C L A violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda e seus reflexos no comportamento de gecircnero Anais do Encontro Nacional do GT ndash GecircneroANPUH Espiacuterito Santo 2004 Disponiacutevel em lthttplegpvufesbrsiteslegpvufesbrfilesfieldanexo isabella_cotta_lanza_peixotopdfgt PEREIRA Daise dos S Conversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da educaccedilatildeo baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeos Trabalho de conclusatildeo de curso (Poacutes-graduaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais) Universidade Federal Fluminense 2016 PEREIRA Maacutercia G PEREIRA Daise dos S A (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidade XVIII Endipe CuiabaacuteMT 2016 PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICIacuteLIOS (PNAD) Retrato das Desigualdades de Gecircnero e Raccedila 4ordf ediccedilatildeo 2012 Disponiacutevel em httpwwwipeagovbrigualdaderacial indexphpoption=com_contentampview=articleampid=614ampItemid=18
PLETSCH Maacutercia Denise CARVALHO Carlos Roberto Editorial do dossiecirc Processos de Inclusatildeo e Exclusatildeo Escolar e Movimentos Sociais Revista Teias Rio de Janeiro v 12 n 24 p 01-08 janabr 2011 Disponiacutevel em lthttpperiodicospropedprobrindexphprevistateiasarticleview822gt Acessado em 010716 ROSSETTO Elisabeth A contribuiccedilatildeo do pensamento de Maturana para a educaccedilatildeo Educere et Educare ndash Revista de Educaccedilatildeo vol 5 n 10 2ordm Semestre de 2010
SANTOS Mocircnica Pereira dos Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura Omnileacutetica In CASTRO Paula Almeida de Inovaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia desafios e perspectivas na contemporaneidade Campina GrandePB Editora Realize 2015 Disponiacutevel em lthttpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdfgt Acesso em 20022016 SANTOS Sandro V S dos Sociologia da infacircncia aproximaccedilotildees entre Willian Corsaro e Florestan Fernandes Educaccedilatildeo em Perspectiva Viccedilosa v 5 n 1 p 117-139 janjun 2014 SARMENTO Manuel Jacinto Geraccedilotildees e alteridade interrogaccedilotildees a partir da sociologia da infacircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas vol 26 n 91 p 361-378 MaioAgo 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwcedesunicampbrgt SCHOumlN D Educando o Profissional Reflexivo um novo design para o ensino e aprendizagem
Trad Roberto Cataldo Costa Porto Alegre Artes Meacutedicas Sul 2000
SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das trecircs raccedilas ndash cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil 1870-1930 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993
90
SILVA Tomaz Tadeu da Documentos de identidade uma introduccedilatildeo agraves teorias do curriacuteculo Belo Horizonte Autecircntica 2007 SILVA P V B da SOUZA G de Relaccedilotildees eacutetnico-raciais e praacuteticas pedagoacutegicas em Educaccedilatildeo Infantil Educar em Revista Curitiba n 47 p 35-50 janmar 2013 SKLIAR Carlos A educaccedilatildeo e a pergunta pelos Outros diferenccedila alteridade diversidade e os outros outros Revista eletrocircnica Ponto de Vista Florianoacutepolis n 5 p 37-49 2003 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosufscbrindexphppontodevistaarticleview1244gt THIESEN Juares da Silva A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 13 n 39 p 545-554 2008 TRINDADE Azoilda Loretto (org) Africanidades brasileiras e educaccedilatildeo [livro eletrocircnico] Salto para o Futuro Rio de Janeiro ACERP Brasiacutelia TV Escola 2013 ______ Valores Civilizatoacuterios e a Educaccedilatildeo Infantil uma contribuiccedilatildeo afro-brasileiras In BRANDAtildeO Ana Paula TRINDADE Azoilda Loretto da (Orgs) Modos de brincar caderno de atividades saberes e fazeres Rio de Janeiro Fundaccedilatildeo Roberto Marinho 2010 UNESCO Declaraccedilatildeo de Salamanca Necessidades Educativas Especiais ndash NEE In Conferecircncia Mundial sobre NEE Acesso em Qualidade ndash UNESCO Salamanca Espanha UNESCO 1994 YOUNG Michael Para que servem as Escolas Educ Soc Campinas vol 28 n 101 p 1287-1302 setdez 2007 Disponiacutevel em lt httpwwwcedesunicampbr gt
91
7 APEcircNDICES E ANEXOS
71 APEcircNDICES
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados
92
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
93
94
95
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem
96
97
98
72 ANEXOS 721 Imagens utilizadas
Navio Negreiro - Litogravura de Johann Moritz Rugendas (1835)
Navio negreiro real na costa brasileira ndash Marc Ferrez (1882)
99
Mulher brasileira em seu lar - Jean Baptiste Debret
O Jantar no Brasil - Jean Baptiste Debret
100
722 Premiaccedilatildeo
Esta premiaccedilatildeo eacute fruto das accedilotildees de incentivo agrave leitura que desenvolvi na escola em
parceria com o projeto de Extensatildeo da UFF ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos
anos iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo e a presente pesquisa O projeto ldquoOs
contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo com histoacuterias uacutenicasrdquo buscou
romper com as histoacuterias uacutenicas e oportunizar que os sujeitos da diferenccedila tivessem o direito
de serem protagonistas e construtores de suas proacuteprias histoacuterias
A seguir reproduccedilatildeo na iacutentegra do texto sobre os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio
Ecofuturo de Bibliotecas
O Instituto Ecofuturo anuncia os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio Ecofuturo de
Bibliotecas iniciativa que visa reconhecer o trabalho de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria
realizado nas 107 bibliotecas comunitaacuterias da Rede Ler Eacute Preciso implantadas pelo Instituto
em parceria com a iniciativa privada poder puacuteblico e comunidade
Para Paulo Groke Diretor de Sustentabilidade do Ecofuturo o precircmio eacute tambeacutem uma
forma de compartilhar boas praacuteticas que incentivam e inspiram a leitura no Paiacutes
ldquoA cada ediccedilatildeo eacute possiacutevel identificar uma melhora consideraacutevel na qualidade e na
periodicidade das atividades promovidasrdquo conclui
Os projetos vencedores foram selecionados por um juacuteri formado pela equipe do
Ecofuturo e especialistas nas aacutereas de educaccedilatildeo leitura e biblioteconomia que entre
101
outros criteacuterios analisaram o planejamento de atividades de promoccedilatildeo de leitura e sua
execuccedilatildeo ao longo de todo o ano acervo selecionado articulaccedilatildeo e atendimento a diversos
puacuteblicos
Os trecircs primeiros colocados ganham 50 livros de literatura novos para complementar
o acervo da unidade e dois representantes de cada biblioteca vencedora participaratildeo da
24ordf Bienal Internacional do Livro de Satildeo Paulo evento que possibilitaraacute por meio de sua
programaccedilatildeo atualizaccedilatildeo profissional e troca de conhecimento Todas as Bibliotecas
Comunitaacuterias participantes recebem certificados com suas respectivas classificaccedilotildees
O Precircmio Ecofuturo de Bibliotecas foi criado pelo Instituto em 2009 A proacutexima ediccedilatildeo
acontece em 2017 e as inscriccedilotildees satildeo restritas agrave Rede Bibliotecas Comunitaacuterias Ler eacute
Preciso Aleacutem dessa iniciativa o Instituto eacute responsaacutevel por outras accedilotildees importantes na
aacuterea como a instituiccedilatildeo de 12 de outubro como Dia Nacional da Leitura e a campanha Eu
Quero Minha Biblioteca
Vencedores
A Biblioteca Prof Maria Olivia Otero Artioli localizada em Agudos Satildeo Paulo
conquistou o primeiro lugar com o projeto ldquoEacute preciso gostar de lerrdquo no qual realizou
atividades de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria durante todo o ano de 2015 O planejamento
anual compreendeu accedilotildees envolvendo puacuteblico diverso de bebecircs a idosos Foram iniciativas
promovidas dentro e fora da biblioteca como a ldquoMala Viajanterdquo que levava leitura a escolas
e creches e que tiveram o livro a leitura e o leitor como atores principais
Jaacute em Mageacute no Rio de Janeiro a Biblioteca Prof Elzira Bastos Amaro em parceria
com o departamento pedagoacutegico da Secretaria de Educaccedilatildeo ficou com a segunda
colocaccedilatildeo com o projeto ldquoOs contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo
com histoacuterias uacutenicasrdquo Aleacutem de accedilotildees de promoccedilatildeo de leitura com forte embasamento
teoacuterico e teacutecnico realizadas semanalmente todo o espaccedilo da unidade foi reorganizado
incluindo catalogaccedilatildeo das obras e separaccedilatildeo dos livros que seriam trabalhados nas
atividades que tiveram como foco o resgate da identidade local utilizando a cultura do
municiacutepio como tema principal
A terceira colocada foi a Biblioteca Mestra Augusta de Turmalina Minas Gerais que
focou seu projeto ldquoDe matildeo em matildeo de voz em voz livros agrave matildeo cheia semprerdquo jaacute
realizado haacute quatro anos em atividades de promoccedilatildeo de leitura que relataram a diferenccedila
102
entre ler e contar trabalhando a articulaccedilatildeo com puacuteblicos variados e a divulgaccedilatildeo em
diversos canais de comunicaccedilatildeo do municiacutepio ndash demonstrando a sustentabilidade do
projeto ndash e a importacircncia do envolvimento do poder puacuteblico
Outro destaque desta ediccedilatildeo foi a Biblioteca Comunitaacuteria Ler eacute Preciso Nelson
Mandela que estaacute localizada na Penitenciaacuteria II de Bauru em Satildeo Paulo e que com o
projeto ldquoUm conto como eu contordquo recebeu a Menccedilatildeo Honrosa O objetivo das atividades
foi utilizar o conto como gecircnero literaacuterio para contemplar as possibilidades de leitura dos
detentos que frequentam a escola dentro da penitenciaacuteria A partir das accedilotildees de promoccedilatildeo
de leitura os professores disseminaram a literatura como fonte de conhecimento e
reflexatildeo
Autor Ecofuturo
Disponiacutevel em httpblogecofuturoorgbrconheca-os-vencedores-do-6o-premio-
ecofuturo-de-bibliotecas
IV
DAISE DOS SANTOS PEREIRA
A QUESTAtildeO EacuteTNICO-RACIAL A PARTIR DO OLHAR DA CRIANCcedilA A
INCLUSAtildeO DA DIVERSIDADE POR MEIO DE EXPERIEcircNCIAS
ESCOLARES INSTITUINTES
Dissertaccedilatildeo de Mestrado submetida a Universidade Federal Fluminense como requisito parcial visando agrave obtenccedilatildeo do grau de Mestre em Diversidade e Inclusatildeo
Banca Examinadora
_________________________________________________________________________ Rejany dos Santos Dominick ndash Departamento de Sociedade Educaccedilatildeo e Conhecimento ndash Faculdade de Educaccedilatildeo UFF (OrientadorPresidente)
Maacutercia Guerra Pereira ndash Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuterias e Culturas Africanas e Afro-Brasileiras IFRJ _________________________________________________________________________ Luiz Antocircnio Botelho Andrade ndash Departamento de Imunobiologia ndash Instituto de Biologia UFF _________________________________________________________________________ Niacutevea Maria da Silva Andrade ndash Departamento Sociedade Educaccedilatildeo e Conhecimento ndash
Faculdade de Educaccedilatildeo UFF
_________________________________________________________________________
Dagmar de Mello e Silva ndash Departamento de Fundamentos ndash Faculdade de Educaccedilatildeo
UFF (Suplente e Revisora)
V
Dedico a todos os meus alunos sem distinccedilatildeo
VI
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo aos meus pais David e Neuza pelo incentivo e dedicaccedilatildeo ao longo da vida
Ao meu irmatildeo David pela parceria em todos os momentos Aos meus avoacutes e tios que
sempre soliacutecitos contribuiacuteram de alguma maneira para essa conquista
Agradeccedilo agrave Rejany Dominick que em 2008 me apresentou e tem me ensinado os
caminhos da pesquisa cientiacutefica das experiecircncias instituintes e das artes de fazer e fazer-
me professora Obrigada por compartilhar saberes e por ajudar-me a ver outras estradas
Agradeccedilo ao corpo docente do CMPDI e agravequeles que colaboraram diretamente com
a elaboraccedilatildeo deste trabalho Assim natildeo posso deixar de mencionar a professora Niacutevea
Andrade que no curso de especializaccedilatildeo em ensino de histoacuteria me brindou com conversas
sobre o cotidiano escolar e sobre as taacuteticas docentes para uma educaccedilatildeo outra
Agradeccedilo tambeacutem agrave professora Mocircnica Pereira dos Santos que com disponibilidade
me recebeu para conversamos sobre diversidade e inclusatildeo Agrave professora Dagmar Mello
pelas contribuiccedilotildees no periacuteodo da qualificaccedilatildeo e nesta reta final Ao professor Luiz Andrade
pela disponibilidade para compor a banca Agrave professora Maacutercia Guerra que chegou
recentemente mas parece que jaacute estava aqui por perto haacute algum tempo Obrigada Maacutercia
pela parceria incentivo e amizade
Aos amigos que descobri no Mestrado e agravequeles que ao longo desse caminho se
fizeram presentes compartilhando saberes anguacutestias expectativas Natildeo posso deixar de
mencionar meus colegas de orientaccedilatildeo Camila Matheus irmatilde loira sempre soliacutecita Ao
Luiz Marcelo Ana Ceciacutelia Ana Peacutersia pessoas queridas e companheiras E Lindiane matildee da
pequena Laiacutes que nessa reta final foi a extensatildeo dos meus braccedilos auxiliando-me na parte
teacutecnica para o fechamento deste trabalho
A Seacutergio Felipe Thiago Monique e Mary por serem presentes nos momentos em que
precisei de uma matildeo amiga Agrave Iolanda que me recorda de algumas verdades que por vezes
esqueccedilo
Agradeccedilo ao Gustavo pelas contribuiccedilotildees na elaboraccedilatildeo da arte do caderno
pedagoacutegico
Aos profissionais da Escola Municipal Dinorah do Santos Bastos pela acolhida e
saberes compartilhados Agraves famiacutelias dos estudantes pela parceria de sucesso Agraves
professoras do Preacute-escolar Fabiana e Sarah pela confianccedila conversas e amizade
VII
construiacuteda ao longo desse processo Agrave Lindaura pela parceria e generosidade Devo
tambeacutem agradecer a presenccedila doce e soliacutecita do seu Joatildeo
Agrave gestora da escola Veluma Luciane pelo comprometimento com a educaccedilatildeo que
muito me ensinou e tambeacutem pela confianccedila depositada no meu trabalho Veluma obrigada
por colaborar com a retirada das pedras do caminho
Agrave Pacircmela bolsista de extensatildeo que colaborou na fase inicial da pesquisa com a parte
teacutecnica da coleta de dados e com quem compartilhei saberes
Agrave Laucimary funcionaacuteria da biblioteca pela colaboraccedilatildeo em diversos momentos
Agradeccedilo tambeacutem agraves parcerias institucionais Agrave UFF e agrave PROEX pelo financiamento
de uma bolsista para o desenvolvimento das accedilotildees de ensino pesquisa e extensatildeo Agrave ONG
Aacutegua Doce que potencializou o trabalho com a inserccedilatildeo da biblioteca Eco Futuro no terreno
da escola com uma infraestrutura e um acervo de livros excelentes Agrave Secretaria de
educaccedilatildeo de Mageacute pela autorizaccedilatildeo da pesquisa na escola
A todos da Fundaccedilatildeo Educacional de Cultura de Mageacute por me receber tatildeo bem E agrave
Cristina pelo apoio nesta reta final
E um agradecimento especial aos meus alunos desde agravequeles que laacute em 2008 na
Escola Municipal Nossa Senhora da Penha me instigaram a pensarconstruir experiecircncias
instituintes para a inclusatildeo da vida na sua diversidade e tambeacutem aos estudantes da ldquoEscola
Dinorahrdquo que me encheram de alegria e satisfaccedilatildeo durante esse processo de construccedilatildeo
de conhecimento para a inclusatildeo da diversidade
E agravequele que eacute Alfa e Ocircmega princiacutepio e fim DEUS
VIII
SUMAacuteRIO
Lista de abreviaturas X
Lista de ilustraccedilotildees XI
Lista de figuras XI
Lista de graacuteficos XI
Resumo XII
Abstract XIII
1 Introduccedilatildeo 1
11 Apresentaccedilatildeo 1
12 Eacute preciso falar sobre Diversidade e Inclusatildeo 9
13 A lei 1063903 um marco histoacuterico na luta Antirracista 13
14 O Ensino das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais algumas reflexotildees 15
15 Valores Civilizatoacuterios Afro-brasileiros na Educaccedilatildeo Infantil 18
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio 21
16 A crianccedila pequena e o negro quem satildeo esses outros 24
2 Objetivos 27
21 Objetivo geral 27
22 Objetivos especiacuteficos 27
3 Material e Meacutetodos (Metodologia) 28
31 Puacuteblico alvo 28
32 Etnografia e interdisciplinaridade caminhos metodoloacutegicos 28
33 Questotildees eacuteticas na pesquisa com crianccedilas 31
34 Fases da pesquisa 32
341 As oficinas 33
35 Colaboradores na coleta de dados 35
36 Caderno Pedagoacutegico 36
4 Resultados e Discussatildeo 40
41 Dados coletados reflexotildees iniciais 40
42 Percebendo as vozes oficinas iniciais 41
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (Idade entre 4 e 5 anos) 41
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (Idade entre 5 e 6 anos) 43
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II) 45
IX
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I) 47
43 Oficina 3 - Conhecendo Maria a menina que veio do Congo 51
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso 55
44 Oficina 4 - Uma sensibilizaccedilatildeo para a Pedagogia Griocirc 57
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II) 60
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I) 62
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias 64
45 Oficina 5 - Musicalidade e as ldquoartes de fazerrdquo 65
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica 66
4511 Preacute-escolar II 66
4512 Preacute-escolar I 68
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais 69
453 Confecccedilatildeo de objetos sonoros 72
4531 Preacute-escolar II 72
4532 Preacute-escolar I 73
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis 74
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical 75
46 Oficina 6 - Lendas que nos encantam 77
461 O Segredo do Baobaacute uma lenda Africana 78
47 Narrativa da Professora do Preacute-escolar I 80
5 Consideraccedilotildees Finais 82
51 Conclusotildees 82
52 Perspectivas 84
6 Referenciais bibliograacuteficos 86
7 Apecircndices e Anexos 91
71 Apecircndices 91
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados 91
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 92
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem 95
72 Anexos 98
721 Imagens utilizadas 98
722 Premiaccedilatildeo 100
X
LISTA DE ABREVIATURAS
CMPDI Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo
CNE Conselho Nacional de Educaccedilatildeo
DCN ERER Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees
Eacutetnico-Raciais
DCNs Diretrizes Curriculares Nacionais
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IES Instituiccedilatildeo de Ensino Superior
LDB Lei de Diretrizes e Bases
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios
PROEX Proacute-reitoria de Extensatildeo
RCNEI Referencial Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil
SIGProj Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo de Projetos
TICs Tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo
UFF Universidade Federal Fluminense
XI
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Paacutegina na rede social 38
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos 46
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos 49
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas 50
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) 54
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) 55
Figura 7 Vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade 61
Figura 8 Vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais 64
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos musicais 72
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais 73
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas 76
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo 80
LISTA DE GRAacuteFICOS
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I 43
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II 45
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) 48
XII
RESUMO
A educaccedilatildeo inclusiva e para a diversidade eacute um tema que natildeo pode ser analisado apenas pelo acircngulo da falta de matriacutecula nas escolas Hoje pessoas com deficiecircncia altas habilidades negras indiacutegenas brancas crianccedilas jovens e adultos de todas as religiotildees estatildeo matriculados nas escolas Contudo nem sempre tal fato significa uma inclusatildeo real da diversidade no espaccedilo escolar A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais em contexto escolar eacute um desafio ainda hoje presente em nosso cotidiano Identificamos atitudes que fortalecem segregaccedilotildees do negro e da cultura africana em todas as esferas da sociedade ao longo da histoacuteria brasileira mas na escola apesar da legislaccedilatildeo e de ser um espaccedilo de inclusatildeo da diversidade ainda vemos segregaccedilotildees silenciamentos e indiferenccedilas aos afrodescendentes e suas heranccedilas eacutetnicas Considerando que os mecanismos de discriminaccedilatildeo e preconceitos eacutetnico-raciais devem ser discutidos na escola desde a mais tenra idade este trabalho buscou pesquisar construir aprofundar e difundir conhecimentos sobre aspectos da histoacuteria e da cultura afro-brasileira na Educaccedilatildeo Infantil O foco de nossa pesquisa foram as crianccedilas entre 4 e 5 anos de uma escola municipal de MageacuteRJ localizada em uma aacuterea rural Partindo da Sociologia da Infacircncia dialogamos com metodologias de ensino e de pesquisa interativas interdisciplinares e tambeacutem com princiacutepios etnograacuteficos Importante ressaltar aqui que a escolha pela faixa etaacuteria ocorreu por percebermos que a crianccedila pequena assim como o negro fazem parte de uma minoria social e que apenas recentemente vecircm tendo seus direitos sociais reconhecidos Ateacute haacute pouco tempo eram ldquoos outrosrdquo aqueles cujas vozes natildeo precisavam ser ouvidas Nossa luta poliacutetica eacute para gerar praacuteticas voltadas para a formaccedilatildeo de uma cultura inclusiva que alcance todos os sujeitos no contexto educacional Buscou-se intervir no cotidiano escolar construindo com os estudantes algumas experiecircncias instituintes Tais experiecircncias concretizadas em oficinas pedagoacutegicas compotildeem um caderno pedagoacutegico voltado para docentes da Educaccedilatildeo Infantil visando contribuir para que novas reflexotildees sobre os sentidos da educaccedilatildeo para a diversidade surjam e se efetive uma educaccedilatildeo inclusiva para todos
Palavras-chave raccedila etnia sociologia da infacircncia inclusatildeo metodologias interativas
XIII
Abstract
The inclusive education and to diversity is a theme that cannot be parsed only from the angle of lack of enrollment in schools Today people with disabilities high skills black white indigenous children youth and adults of all religions are enrolled in schools However not always it means a real inclusion of diversity in the school space Education for ethnic-racial relations in school is a challenge even today present in our daily lives Identify attitudes that strengthen the segregation of black and African culture in all spheres of society along the Brazilian history but in school despite legislation and be a space for inclusion of diversity we still see segregation silences and indifference to African descendants and their ethnic heritage Whereas the mechanisms of discrimination and ethnic and racial prejudices should be discussed in school from an early age this study sought to search build deepen and disseminate knowledge about aspects of Afro-Brazilian history and culture in early childhood education The focus of our research were children between 4 and 5 years of a municipal school of MageacuteRJ located in a rural area From the Sociology of childhood deal with teaching methodologies and interactive interdisciplinary research and ethnographic principles Important to note here that the choice by age group occurred because we realize that the small child as well as black are part of a social minority and who just recently been having their social rights recognized Until recently were the other those whose voices need not be answered Our struggle is to generate practical policy geared to the formation of an inclusive culture that reach all subjects in the school context Sought to intervene in the daily school building with students some experiences institutor significations Such experiences implemented in educational workshops compose a book focused on teaching teachers of early childhood education aiming to contribute to new reflections on the directions of education for diversity arise and if such an inclusive education for all
Keywords race ethnicity sociology of childhood inclusion interactive methodologies
1
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 APRESENTACcedilAtildeO
Quando o homem compreende a sua realidade pode levantar hipoacuteteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluccedilotildees Assim pode transformaacute-la e o seu trabalho pode criar um mundo proacuteprio seu Eu e as suas circunstacircncias (FREIRE 1983 p 30)
Esta pesquisa eacute fruto de um trabalho de reflexatildeo accedilatildeo ao longo de uma trajetoacuteria
acadecircmica e profissional inquieta e questionadora acerca dos acontecimentos do cotidiano
escolar Sou professora da Educaccedilatildeo Baacutesica (Ensino Fundamental I) no Municiacutepio de Mageacute
haacute 3 anos e meio Desde a entrada no Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e
Inclusatildeo (CMPDI) venho ocupando a funccedilatildeo de Implementadora de Leitura1 Em maio de
2015 tomei conhecimento de uma escola Rural onde havia grandes possibilidades para a
realizaccedilatildeo da pesquisa de mestrado Ateacute entatildeo na escola onde eu estava natildeo havia turmas
com os anos iniciais do Ensino Fundamental tatildeo pouco de Educaccedilatildeo Infantil
Neste mesmo periacuteodo surge a parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF)
por meio do projeto de extensatildeo ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos
iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo registrado no Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo
de Projetos (SIGProj) sob o nuacutemero 1974399372842612022015
Logo as accedilotildees na escola receberam apoio da Proacute-reitora de Extensatildeo (Proex) no que
se refere a uma bolsa que contemplou uma estudante de graduaccedilatildeo da Pedagogia Aleacutem
dessa parceria contamos tambeacutem com o apoio da Secretaria de Educaccedilatildeo de Mageacute
instituiccedilatildeo governamental municipal que nos possibilitou a realizaccedilatildeo da pesquisa na
Escola Dinorah dos Santos Bastos
A origem histoacuterica do lugar de onde falo observo e escrevo ou seja o loacutecus da
pesquisa possui memoacuterias ldquonatildeo ditasrdquo sobre as quais tentarei narrar algumas para que o
leitor entenda sua articulaccedilatildeo com a temaacutetica da pesquisa
O Municiacutepio de Mageacute localizado na Regiatildeo Metropolitana do Rio de Janeiro eacute um
dos mais antigos do estado Ele tem muito o que revelar tendo em vista seus 451 anos de
1 Aqui na Rede esse profissional eacute um professor itinerante que trabalha com os anos iniciais do Ensino Fundamental Seu enfoque estaacute no trabalho de incentivo agrave leitura
2
existecircncia e sua consideraacutevel densidade demograacutefica de aproximadamente 233634
habitantes segundo dados do IBGE (2014) O Municiacutepio eacute marcado por forte influecircncia das
etnias indiacutegenas e africanas A proacutepria etimologia do nome Mageacute que significa feiticeiro ou
pajeacute2 eacute de origem tupi-guarani
Ao chegar na regiatildeo rural onde aconteceria a pesquisa me deparei com um lugar
repleto de histoacuterias que dialogavam a todo tempo com minha temaacutetica entre elas a
existecircncia de uma fazenda centenaacuteria que ateacute haacute uns poucos anos possuiacutea resquiacutecios de
uma senzala Havia tambeacutem a presenccedila de engenhos de mandioca onde ainda hoje se
produz farinha artesanal e igrejas com mais de 300 anos de existecircncia Tudo me trazia agrave
memoacuteria os trabalhadores da terra os homens escravizados as geraccedilotildees fragilizadas
Impossiacutevel foi natildeo rememorar algumas leituras e escritos meus sobre aquele municiacutepio
que sempre me despertou curiosidade
Mageacute foi ganhando evidecircncia a priori graccedilas agraves suas riquezas naturais e agravequeles que ajudaram a cultivar a terra neste periacuteodo colonial os negros escravizados No entanto na terra dos heroacuteis e tradiccedilotildees3 os negros escravizados natildeo recebiam status de heroacuteis sequer satildeo mencionados hoje na histoacuteria do tempo presente como aqueles que contribuiacuteram para construccedilatildeo de igrejas da primeira linha feacuterrea do Brasil e para o abastecimento econocircmico da Capital a partir do cultivo do solo Para eles sempre sobrou a histoacuteria uacutenica que comumente o rotulava de indolentes preguiccedilosos e sem qualquer valor moral (PEREIRA 2016 p 16)
Conceiccedilatildeo de Suruiacute regiatildeo rural onde estaacute situada a Escola Municipal Dinorah dos
Santos Bastos localiza-se no 4deg distrito de Mageacute chamado Suruiacute Este lugar possui muitas
memoacuterias no que tange a escravidatildeo de negros nas lavouras locais Evidenciar as memoacuterias
e as contribuiccedilotildees de heroacuteis a contrapelo4 me aponta caminhos para uma educaccedilatildeo outra
onde os diferentes sujeitos sejam reconhecidos como outros legiacutetimos outros (MATURANA
VARELA 1995) Ao longo deste trabalho a expressatildeo mencionada seraacute uma constante
tendo em vista a forccedila que ela representa em minha trajetoacuteria
2 Ver etimologia dos nomes afro-indiacutegenas no seguinte trabalho httpwwwpgletrascombr2014 dissertacoes diss-Sivaldo-Correia-da-Silvapdf 3 Trecho do hino do Municiacutepio de Mageacute Link httpswwwletrasmusbrhinos-de-cidades941163 4 Expressatildeo do filoacutesofo alematildeo Walter Benjamin Em seus escritos o autor fala sobre a histoacuteria a contrapelo (LOumlWY 2011) Ou seja a histoacuteria contada sob o ponto de vista dos vencidos Nesse contexto nossos heroacuteis a contrapelo satildeo todos que a histoacuteria oficial natildeo evidencia
3
Os bioacutelogos Humberto Maturana e Francisco Varela expoentes desta expressatildeo
constroem redes de conhecimentos para pensar o ser humano de forma global
integradora e relacional rompendo com os determinismos bioloacutegicos da ciecircncia
tradicional Para eles a construccedilatildeo do conhecimento se daacute porque o ser vivo possui a
capacidade de se auto organizar autogerir e isso acontece quando na relaccedilatildeo com o outro
no social
Rossetto (2010) ao refletir sobre as contribuiccedilotildees de Maturana na educaccedilatildeo afirma
que haacute uma forte defesa da cultura da diversidade pois eacute afirmado que natildeo existem
pessoas iguais ao romper com a geneacutetica como algo predeterminado Por esse motivo os
estudos de Humberto Maturana e Francisco Varela5 satildeo muito recorrentes no campo
educacional jaacute que a formaccedilatildeo do outro como totalmente outro constitui-se como objetivo
da educaccedilatildeo ou ao menos deveria ser
Desse modo tenho me apropriado dessa rica referecircncia ao longo da escrita
entendendo que suas leituras podem ampliar meu olhar para melhor conversar e conhecer
o outro na sua diversidade
A esse ato de ampliar nosso domiacutenio cognitivo reflexivo que sempre implica uma experiecircncia nova soacute podemos chegar pelo raciociacutenio motivado pelo encontro com o outro pela possibilidade de olhar o outro como um igual num ato que habitualmente chamamos de amor ndash ou se natildeo quisermos usar uma palavra tatildeo forte a aceitaccedilatildeo do outro ao nosso lado na convivecircncia (MATURANA VARELA 1995 p 263)
E estimulada a ver o outro como legiacutetimo outro eacute que inicio o trabalho em 2015 com
estudantes da Educaccedilatildeo Infantil contemplando e tambeacutem sendo contemplados com as
duas turmas de Preacute-escolar (I e II) que havia na escola
A opccedilatildeo pela primeira etapa de escolarizaccedilatildeo ocorreu por entender que as relaccedilotildees
raciais desiguais e segregadoras se constroem desde a mais tenra idade Foi notado
tambeacutem que haacute uma certa carecircncia de produccedilotildees acadecircmicas que privilegiem as categorias
raccedila e infacircncia Silva e Souza (2013) em pesquisa realizada de 2003 a 2011 chegam agrave
seguinte conclusatildeo
5 Pois juntos inauguram a Teoria Epistecircmica que discorreremos mais a frente
4
Com relaccedilatildeo ao objeto especiacutefico que buscamos escritos sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais em Educaccedilatildeo Infantil foram localizados publicados a partir de 2003 somente 4 artigos 1 livro 5 capiacutetulos de livro uma tese e 14 dissertaccedilotildees Escalonando as publicaccedilotildees pelos anos de 2003 a 2011 observa-se uma tendecircncia a ligeiro aumento no decorrer dos anos Os 4 artigos localizados foram publicados 2 em 2006 e 2 em 2010 A uacutenica tese identificada foi publicada em 2007 e gerou outras publicaccedilotildees nos anos posteriores 1 capiacutetulo de livro em 2008 e 1 artigo em 2010 As dissertaccedilotildees foram o uacutenico formato permanentemente presente que teve maior concentraccedilatildeo em 2007 e 2008 (trecircs publicaccedilotildees em cada ano) Ou seja aleacutem de uma publicaccedilatildeo de pequena monta a concentraccedilatildeo estaacute na realizaccedilatildeo de trabalhos de pesquisadores em formaccedilatildeo (p 37)
Para aleacutem dessas questotildees venho percebendo que nossa formaccedilatildeo desde muito
cedo tem sido perpassada por paradigmas que nos impotildeem narrativas hegemocircnicas de
identidade (SILVA 2007) levando-nos a acreditar em histoacuterias uacutenicas em processos e
praacuteticas singulares que acabam por segregar e excluir os sujeitos da diferenccedila que
necessitam de um olhar natildeo homogeneizante O enfoque na Educaccedilatildeo Infantil aleacutem dos
motivos apresentados deveu-se ao fato por tratar de importante fase para se pensar e
praticar uma educaccedilatildeo para a Diversidade e Inclusatildeo
Desse modo o ensino da diversidade eacutetnico-racial passou a ser um desafio tendo em
vista que um dos seus objetivos eacute o de romper com os paradigmas da escola moderna
centrados no ensino monocultural reducionista e etnocecircntrico Haacute algum tempo meus
caminhos de formaccedilatildeo tecircm me levado a questionar os sentidos da escola da qual somos
oriundos Fruto da razatildeo iluminista instrumental as escolas brasileiras se construiacuteram
sobre as bases de uma loacutegica cartesiana que pouco espaccedilo tem cedido para a diversidade
de sujeitos e saberes Como docente-pesquisadora6 da escola baacutesica haacute um pouco mais de
7 anos venho refletindo sobre a importacircncia de uma educaccedilatildeo multicultural que privilegie
as experiecircncias dos praticantes do cotidiano escolar
Entendendo a experiecircncia como algo que nos passa (LARROSA 2002 p 21) posso
afirmar que o que me orienta para outros caminhos de reflexatildeo-accedilatildeo onde a inclusatildeo da
diversidade eacute uma constante tem forte ligaccedilatildeo com os diferentes espaccedilos tempos dos
quais experienciei durante a vida
6 Importante salientar que minha trajetoacuteria como professora-pesquisadora se iniciou no ano de 2008 quando entrei em um projeto de iniciaccedilatildeo agrave docecircncia permanecendo por 4 anos Quando formada apoacutes um ano ingressei no Municiacutepio de Mageacute como professora dos anos iniciais estando ateacute os dias atuais
5
Vale ressaltar que para Larrosa (2002) a experiecircncia eacute um acontecimento que nos
atravessa e nos transforma O autor fundamenta-se em Walter Benjamin para afirmar que
nunca se passaram tantas coisas mas a experiecircncia eacute cada vez mais rara (p 20) e tem
relaccedilatildeo direta com o excesso de informaccedilatildeo Ao considerar que a experiecircncia eacute algo que
me atravessa devo supor que ela eacute externa a mim e eu sou o lugar da experiecircncia Para
que ela afete minhas palavras minhas ideias e meus projetos eacute necessaacuterio um movimento
reflexivo e o excesso de informaccedilatildeo pode limitar a ocorrecircncia dessa experiecircncia
Desse modo ao discorrer sobre as dimensotildees da experiecircncia Jorge Larrosa se
apropria de trecircs princiacutepios reflexividade subjetividade e transformaccedilatildeo Todos eles vatildeo
implicar em um processo de alteridade onde o sujeito deve se reconhecer natildeo enquanto
o sujeito do saber ou do poder ou do querer senatildeo o sujeito da formaccedilatildeo e da
transformaccedilatildeo (LARROSA 2011 p 7)
Com isso compartilho as diferentes experiecircncias que me afetaram e que vecircm me
transformando Posso atribuir tal transformaccedilatildeo aos diferentes percursos experienciados
ao longo da vida
Nilda Alves (2004) aborda a necessidade de superaccedilatildeo da ideia de que a formaccedilatildeo
docente se daacute em percursos individuais A autora evidencia que as redes que nos formam
estatildeo interligadas ao espaccedilo acadecircmico agraves experiecircncias das pesquisas em educaccedilatildeo da
praacutetica pedagoacutegica da accedilatildeo governamental e tambeacutem da praacutetica coletiva poliacutetica (ALVES
2004 p 20)
Acrescento que minhas escolhas ideoloacutegicas e assim os caminhos de formaccedilatildeo pelos
quais me enveredei tecircm muito a ver tambeacutem com as memoacuterias de uma infacircncia permeada
por questionamentos diversos sobretudo acerca das heranccedilas raciais que marcam minha
existecircncia A seguir um trecho de algumas dessas memoacuterias de infacircncia
Lembrei-me que na infacircncia por algum tempo neguei os traccedilos fiacutesicos que herdaraacute do meu pai homem negro Lembro-me de ser chamada de nariz de batatinha Isso me incomodava pois natildeo tinha um nariz ldquoafiladordquo como dizia minha avoacute materna (mulher negra) Outro incocircmodo constante era o meu cabelo muito cheio e com cachos que se embaraccedilavam com facilidade Certa vez ouvi dizer que o desprezo da cor eacute o mesmo que o do corpo Concordei pois sem ter consciecircncia desprezava minha histoacuteria minhas raiacutezes desprezava que por debaixo dos caracoacuteis daqueles cabelos tinha uma histoacuteria para contar parafraseando o cantor Histoacuteria de carinho e dedicaccedilatildeo de quando minha matildee e minha tia perdiam horas moldando meus cachinhos
6
exaltando a beleza de um cabelo afro Talvez o desprezo sem querer da figura do meu pai de quem sempre tive muito orgulho Este por sua vez foi um dos que me serviu de inspiraccedilatildeo Em sua histoacuteria de vida natildeo satildeo poucas as narrativas envolvendo violecircncias simboacutelicas constantes e crueacuteis Lembro-me de quando ele teve a oportunidade de comprar seu primeiro carro 0Km Saiu da concessionaacuteria com o carro sem placa e foi abordado em nossa cidade por policiais que ao fazerem a identificaccedilatildeo com os documentos soltaram o seguinte discurso constrangido ldquoA cor do carro eacute muito chamativardquo Cresci ouvindo essa histoacuteria de descaso desrespeito a dignidade de um trabalhador que queria apenas natildeo ter a sua dignidade roubada por desconfianccedilas e assim ser reconhecido como outro legiacutetimo outro Agora quase quinze anos depois percebo com maior clareza o que estaacute por traacutes daquele discurso preconceituoso Na verdade o que chamava atenccedilatildeo natildeo era a cor vermelha do Gol mas a cor do homem que o dirigia Outra figura importante que me inspirou foi meu irmatildeo Ele chegou durante a minha primeira infacircncia Com os olhos de jabuticaba e talvez com a mesma cor de pele Desde muito cedo eu tive que conviver com questionamentos na escola do gecircnero -ldquoEle eacute adotadordquo Aos 6 anos de idade na minha inocecircncia eu respondia conforme minha matildee mandava - ldquoEle eacute diferente porque puxou o meu pai Eu puxei a cor da minha matildeerdquo (PEREIRA PEREIRA 2016 p 8)
Fica expliacutecito que os caminhos pelos quais tenho percorrido possuem estreita relaccedilatildeo
com uma infacircncia perpassada por histoacuterias uacutenicas ndash reforccediladas pela educaccedilatildeo escolar ndash
onde as bonecas e as personagens das histoacuterias jamais tinham cabelos cacheados e ldquonariz
de batatinhardquo como os meus para que eu pudesse me sentir representada e satisfeita
comigo mesma Hoje como professora percebo o quatildeo perigosas podem se tornar tais
histoacuterias quando observamos a construccedilatildeo da identidade de uma crianccedila Me incomoda
saber que tais enredos satildeo reforccedilados diariamente no cotidiano de nossas escolas sob
outras imagens mas que geralmente possuem o intuito de legitimar padrotildees hegemocircnicos
e reforccedilar maneiras uacutenicas de ser e estar no mundo
Compreendido isto minha atuaccedilatildeo profissional tem sido um constante
questionamento natildeo soacute sobre o caraacuteter monocultural e reducionista que permeiam o
curriacuteculo escolar bem como sobre as poliacuteticas e praacuteticas que hoje tecircm tensionado o debate
acerca da inclusatildeo da diversidade eacutetnico-racial nos estabelecimentos oficiais de ensino No
ano de 2013 ao ingressar no curso de especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias
Sociais na Universidade Federal Fluminense aprofundei minhas redes de conhecimento
sobre a relevacircncia de uma educaccedilatildeo a contrapelo onde as histoacuterias de vida e as teorias
cientiacuteficas se entrelaccedilam formando redes colaborativas Ao cursar a disciplina Raccedila
7
curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica fui surpreendida com a existecircncia de um dispositivo legal7
que torna obrigatoacuterio o Ensino da Histoacuteria da Aacutefrica e da Cultura Afro-brasileira nas
instituiccedilotildees escolares A surpresa era porque sendo professora e formada haacute poucos mais
de dois anos a questatildeo nunca me alcanccedilou quando docente em formaccedilatildeo inicial Mesmo
sabendo que os conteuacutedos ligados agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira eram atribuiccedilotildees
especialmente das aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria natildeo me sentia
isenta de apresentar para os meus estudantes dos anos iniciais as memoacuterias e
contribuiccedilotildees culturais da populaccedilatildeo negra para a construccedilatildeo da sociedade brasileira
Refleti sobre minha trajetoacuteria na academia iniciada em 2007 me certificando de que
nenhuma das disciplinas oferecidas se aproximaram da discussatildeo racial Em 2011 quando
concluiacute a formaccedilatildeo em Pedagogia na UFF o curso passara por uma reformulaccedilatildeo curricular
no qual a disciplina Relaccedilotildees eacutetnico-raciais na escola foi incluiacuteda por forccedila da lei federal
1063903 com 60h de carga horaacuteria
Natildeo obstante ao retomar meus estudos na poacutes-graduaccedilatildeo tive como desafio
compreender o porquecirc noacutes professores principalmente dos anos iniciais da Educaccedilatildeo
Baacutesica natildeo estaacutevamos sendo alcanccedilados com as orientaccedilotildees de um dispositivo que tem
como objetivo banir a perpetuaccedilatildeo das desigualdades eacutetnico-raciais A partir de entatildeo
comecei a entrelaccedilar os fios que mais tarde se tornariam objeto de pesquisa8 na
especializaccedilatildeo e posteriormente no mestrado
Ao ingressar no Mestrado Profissional9 em Diversidade e Inclusatildeo vi a possibilidade
de ampliar minhas reflexotildees acerca dos processos teacutecnicas e teorias cientiacuteficas que fossem
mais includentes da vida na sua diversidade Assim ao me inserir na linha de pesquisa
Interdisciplinaridade e Questotildees de Ensino propus a realizaccedilatildeo de um estudo que
atendesse agraves minhas demandas de praticante reflexiva do cotidiano Tambeacutem objetivei a
partir da minha experiecircncia apontar caminhos para a complexa tarefa que eacute a formaccedilatildeo
docente sobretudo quando se trata de incluir a diversidade
7 A lei federal 1063903 foi promulgada no governo do presidente Luiz Inaacutecio Lula da Silva e representa um dispositivo que marca a luta antirracista nos espaccedilos formais de ensino Ver Brasil (2003) 8 O trabalho final de conclusatildeo de curso foi intitulado por ldquoConversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeosrdquo Orientado pela professora Nivea Maria da Silva Andrade 9 Segundo o Capes o Mestrado Profissional (MP) eacute uma modalidade de Poacutes-Graduaccedilatildeo stricto sensu voltada para a capacitaccedilatildeo de profissionais nas diversas aacutereas do conhecimento mediante o estudo de teacutecnicas processos ou temaacuteticas que atendam a alguma demanda do mercado de trabalho
8
Acreditando que esta pesquisa se deu em via de matildeo dupla pois ao passo que
ensinei sempre aprendi mais apresento como produto final desta pesquisa as oficinas
desenvolvidas com os meus alunos sobre a temaacutetica eacutetnico-racial Tais oficinas compotildeem
um caderno pedagoacutegico que seraacute disponibilizando gratuitamente online visando
contribuir com os docentes na construccedilatildeo de um repertoacuterio mais amplo de atividades a
serem desenvolvidas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil sobre a temaacutetica
Para situar o leitor apresento os caminhos percorridos para a elaboraccedilatildeo deste
trabalho No primeiro momento discorro sobre a necessaacuteria reflexatildeo acerca da educaccedilatildeo
inclusiva bem como a diversidade de sujeitos praacuteticas e culturas que esta educaccedilatildeo
contempla Seguido dessas anaacutelises elaboro reflexotildees sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais a lei que o institui e os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros como saberes
instituintes na Educaccedilatildeo Infantil para a superaccedilatildeo do saber universal que secundariza e ateacute
mesmo silencia a produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra (GONCcedilALVES 1987) Apoacutes essas
discussotildees apresento os atores da pesquisa o lugar de onde falo e as parcerias
estabelecidas Essa primeira parte eacute finalizada com a construccedilatildeo de redes reflexivas em
torno da dimensatildeo eacutetnico-racial e da infacircncia
No segundo momento apresento os objetivos geral e os especiacuteficos deste trabalho
O objetivo geral eacute abordar as questotildees eacutetnico-raciais a partir de metodologias interativas
com enfoque na sociologia da infacircncia em uma escola rural do municiacutepio de Mageacute
Enquanto que os objetivos especiacuteficos representam as metas delimitadas para a
concretizaccedilatildeo do objetivo geral
No terceiro momento trago a metodologia da pesquisa explicitando como ocorreu
o levantamento de dados e as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas Enquanto o quarto
momento eacute dedicado aos resultados Busco analisar e discutir as oficinas que satildeo a base
para a elaboraccedilatildeo do Caderno Pedagoacutegico para os professores da Educaccedilatildeo Infantil
Concluo com o quinto momento ao retomar os objetivos especiacuteficos demonstrando suas
contribuiccedilotildees para o desfecho do objetivo geral
Portanto convido o leitor a percorrer os caminhos da pesquisa ldquoA dimensatildeo eacutetnico-
racial a partir do olhar da crianccedila a inclusatildeo da diversidade por meio de experiecircncias
instituintesrdquo
9
12 Eacute PRECISO FALAR SOBRE DIVERSIDADE E INCLUSAtildeO
Haacute quem possa pensar que o conceito de inclusatildeo escolar estaacute estritamente
relacionado agrave questatildeo das deficiecircncias (cognitivas visuais auditivas e outras) Ao iniciar o
mestrado natildeo me surpreendeu questionamentos de algumas pessoas acerca da minha
temaacutetica e consequentemente minha inserccedilatildeo naquele espaccedilo acadecircmico10 Natildeo obstante
em meio a questionamentos e provocaccedilotildees percebi que era urgente uma reflexatildeo mais
aprofundada sobre a diversidade e a inclusatildeo
Igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia na escola eacute o que prevecirc um dos
princiacutepios da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) lei federal nordm 93949611 Contudo essa
importante previsatildeo natildeo tem sido percebida no contexto da educaccedilatildeo brasileira em virtude
das desigualdades de oportunidade para os grupos minoritaacuterios Haacute quem pergunte que
grupos satildeo esses Penso que satildeo todos aqueles que estatildeo em desvantagens sociais e
econocircmicas tais como mulheres crianccedilas grupos eacutetnico-raciais pessoas com deficiecircncia
e altas habilidades populaccedilatildeo pobre e do campo Esses e outros grupos chamo de minoria
que compotildee a diversidade brasileira
Cabe ressaltar que a categoria minoria pode causar confusatildeo quando referida a
grupos de mulheres negros indiacutegenas crianccedilas populaccedilatildeo pobre jaacute que estes
representam a maioria Importante esclarecer que no discurso hegemocircnico minoria daacute a
ideia de grupo inferior No entanto esse conceito na Contemporaneidade vem romper com
as questotildees quantitativas dando vez agraves demandas das singularidades dos grupos culturais
Segundo o antropoacutelogo indiano Arjun Appadurai (2009) as minorias lembram agraves maiorias
que elas natildeo satildeo plenas e totais
Dessa maneira eacute preciso reconhecer que os grupos citados possuem direitos para
aleacutem daqueles que jaacute satildeo garantidos agravequeles que sempre tiveram condiccedilotildees favoraacuteveis de
acesso e de permanecircncia escolar Entendo que a educaccedilatildeo inclusiva deve buscar dar mais
condiccedilotildees de acesso e permanecircncia para aqueles que menos tecircm e isso implica em pensar
natildeo soacute nos sujeitos mas nas praacuteticas que tecircm norteado o cotidiano escolar
10 O Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo estaacute situado no Instituto de Biologia da UFF 11 Este eacute o primeiro princiacutepio do tiacutetulo II que trata da Educaccedilatildeo Nacional Os doze incisos compreendidos nesse tiacutetulo dizem como o ensino deve ser regido Conforme Brasil (1996)
10
Santos (2014) nos provoca a pensar na educaccedilatildeo inclusiva enquanto um processo
para todos e natildeo como propriedade de determinados grupos Quando esse processo natildeo
alcanccedila a todos haacute a exclusatildeo e acabamos reforccedilando a ideia de que a inclusatildeo eacute apenas
para alguns e natildeo para todos Para banir o processo de exclusatildeo eacute preciso fazer um
movimento a contrapelo um movimento de inclusatildeo de todos por inteiro onde haja a
aceitaccedilatildeo de uns aos lados dos outros enquanto legiacutetimos outros
A ideia de inclusatildeo como afirma a autora natildeo pode ser focada em determinados
grupos eacute preciso adotar uma perspectiva de anaacutelise Omnileacutetica12 Tal neologismo
compreende aspectos morfoloacutegicos e categoriais que desde a sua criaccedilatildeo tem exigido
inuacutemeras reflexotildees coletivas por parte dos integrantes do grupo de pesquisa13 do qual a
mesma eacute coordenadora Em suma a Omnileacutetica vai se afirmar como tudo em relaccedilatildeo ndash
entendendo tambeacutem a diversidade onde o olhar para a totalidade eacute uma constante Satildeo
trecircs as categorias que embasam o conceito tridimensionalidade dialeacutetica e pensamento
complexo (SANTOS 2015 p 54) Buscamos neste momento apresentar alguns princiacutepios
do instrumento de anaacutelise que tem favorecido o desenvolvimento da omnileacutetica o Index
para Inclusatildeo (BOOTH AISCOW 2011) Trata-se de um material que permite pensar a
educaccedilatildeo inclusiva a partir de praacuteticas poliacuteticas e culturas que contemplam a vida humana
Essas trecircs dimensotildees satildeo apropriadas por noacutes no transcorrer deste trabalho Percebemos
que as ideias dialogam com o que identificamos como uma educaccedilatildeo instituinte onde a
inclusatildeo da vida na diversidade eacute um valor
No que se refere agrave dimensatildeo das culturas inclusivas podemos ler que
() refere-se agrave criaccedilatildeo de comunidades seguras acolhedoras colaborativas estimulantes em que todos satildeo valorizados Os valores inclusivos compartilhados satildeo desenvolvidos e transmitidos a todos os professores agraves crianccedilas e suas famiacutelias gestores comunidades circunvizinhas e todos os outros que trabalham na escola e com ela Os valores inclusivos de cultura orientam decisotildees sobre poliacuteticas e a praacutetica a cada momento de modo que o desenvolvimento eacute coerente e contiacutenuo A incorporaccedilatildeo de mudanccedila dentro das culturas da escola assegura que
12Omni eacute um prefixo latino que representa tudo Leto eacute um radical grego que no substantivo refere-se a variedade e como verbo eacute tudo aquilo que estaacute oculto O sufixo ico eacute de origem grega e daacute sentido de relaccedilatildeo participaccedilatildeo O conceito pode ser encontrado no texto Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura omnileacutetica disponiacutevel em httpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdf 13LAPEADE - Laboratoacuterio de Pesquisa Estudos e Apoio agrave Participaccedilatildeo e agrave Diversidade em Educaccedilatildeo Para mais informaccedilotildees consultar httpwwwlapeadecombr
11
ela esteja integrada nas identidades de adultos e crianccedilas e seja transmitida aos que estatildeo chegando agrave escola (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
A dimensatildeo que aborda as poliacuteticas inclusivas visa garantir
()que a inclusatildeo permeie todos os planos da escola e envolva a todos As poliacuteticas encorajam a participaccedilatildeo das crianccedilas e professores desde quando estes chegam agrave escola Elas encorajam a escola a atingir todas as crianccedilas na localidade e minimiza as pressotildees exclusionaacuterias As poliacuteticas de suporte envolvem todas as atividades que aumentam a capacidade da ambientaccedilatildeo de responder agrave diversidade dos envolvidos nela de forma a valorizar a todos igualmente Todas as formas de suporte estatildeo ligadas numa uacutenica estrutura que pretende garantir a participaccedilatildeo de todos e o desenvolvimento da escola como um todo (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Com relaccedilatildeo a dimensatildeo das praacuteticas inclusivas estas relacionam-se com o pensar
sobre o que se ensina e se aprende e o como se ensina e se aprende visando a reflexatildeo e a
praacutetica de valores e poliacuteticas inclusivos
() As implicaccedilotildees de valores inclusivos para estruturar o conteuacutedo de atividades de aprendizagem satildeo trabalhadas na seccedilatildeo lsquoConstruindo curriacuteculos para todosrsquo Esta liga a aprendizagem agrave experiecircncia local e globalmente bem como a Direitos e incorpora assuntos de sustentabilidade A aprendizagem eacute orquestrada de modo que o ensino e as atividades de aprendizagem se tornam responsivos agrave diversidade de jovens na escola As crianccedilas satildeo encorajadas a ser ativas reflexivas aprendizes criacuteticas e satildeo vistas como um recurso para a aprendizagem umas das outras Os adultos trabalham juntos de modo que todos assumem responsabilidade pela aprendizagem de todas as crianccedilas (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Desse modo fica reforccedilado que a diversidade e a inclusatildeo estatildeo para aleacutem de acolher
os sujeitos com deficiecircncia ou com altas habilidades visto que tambeacutem trabalham com as
diferenccedilas culturais como os modos de estabelecer valores e construir praacuteticas onde
todos sem exceccedilatildeo sejam alcanccedilados Por entender a urgente necessidade de se trabalhar
a diversidade e a inclusatildeo na escola nos baseamos nos movimentos de direitos humanos
destacando o que estaacute inscrito na Declaraccedilatildeo de Salamanca
O princiacutepio que orienta esta Estrutura eacute o de que escolas deveriam acomodar todas as crianccedilas independentemente de suas condiccedilotildees
12
fiacutesicas intelectuais sociais emocionais linguumliacutesticas ou outras Aquelas deveriam incluir crianccedilas deficientes e super-dotadas crianccedilas de rua e que trabalham crianccedilas de origem remota ou de populaccedilatildeo nocircmade crianccedilas pertencentes a minorias linguumliacutesticas eacutetnicas ou culturais e crianccedilas de outros grupos desavantajados ou marginalizados (UNESCO 1994 p 3)
Partindo do entendimento de que a inclusatildeo escolar refere-se mais agrave reinvenccedilatildeo do
modo de pensar e de fazer a educaccedilatildeo do que propriamente acolher determinados grupos
eacute que foram emergindo algumas memoacuterias instituintes da minha trajetoacuteria de formaccedilatildeo do
tempo em que iniciei meu percurso como professora-pesquisadora no grupo de pesquisa
ldquoAs ldquoartes de fazerrdquo educaccedilatildeo em ciclosrdquo14 Este grupo tem baseado o trabalho no diaacutelogo
entre os diferentes sujeitos da escola baacutesica e da universidade considerando que a troca
de conhecimentos possibilita a emergecircncia de experiecircncias instituintes Para aleacutem de
favorecer uma relaccedilatildeo dialoacutegica com o outro os projetos do grupo ldquoAs artes de fazerrdquo
estiveram voltados para a percepccedilatildeo de manifestaccedilotildees poliacutetico-culturais do cotidiano que
possibilitassem a inclusatildeo democraacutetica e participativa de diferentes sujeitos por inteiro na
cultura (DOMINICK 2011 p 151)
Estar sensiacutevel agraves urgecircncias de uma educaccedilatildeo que atenda agraves diversas especificidades
humanassociais tem ligaccedilatildeo direta com meus percursos de formaccedilatildeo Mas tambeacutem tem
muito a ver com as imagens-memoacuterias15de uma infacircncia que deixaram marcas e que hoje
gritam para serem questionadas e reinventadas Tenho aprendido que um caminho
possiacutevel para romper com as histoacuterias uacutenicas satildeo as experiecircncias instituintes defendida por
Ceacutelia Linhares como
()accedilotildees poliacuteticas produzidas historicamente que vatildeo se endereccedilando para uma outra educaccedilatildeo e uma outra cultura marcadas pela construccedilatildeo permanente de uma maior includecircncia da vida uma dignificaccedilatildeo permanente do humano em sua pluralidade eacutetica uma afirmaccedilatildeo intransigente da igualdade humana em suas dimensotildees educacionais e
escolares poliacuteticas econocircmicas sociais e culturais (LINHARES [200] p 8)
14 Em 2007 comecei a cursar Pedagogia na Universidade Federal Fluminense Em 2008 entrei para o grupo de pesquisa ldquoAs lsquoartes de fazerrsquo educaccedilatildeo em ciclos na rede municipal de educaccedilatildeo de Niteroacuteirdquo onde tive minhas primeiras vivecircncias enquanto professora-pesquisadora em formaccedilatildeo 15 Segundo a autora as imagens-memoacuterias satildeo tatuagens psicoculturais impressas em nossa corporeidade Satildeo memoacuterias do esquecimento da repeticcedilatildeo Elas nos conduzem agrave repeticcedilatildeo sem questionamentos fazem parte dos haacutebitos de determinados grupos e natildeo nos perguntamos sobre sua gecircnese ou sobre sua eficaacutecia
13
Para melhor entender esta categoria da qual venho me apropriando vale esclarecer
que o instituinte segundo a autora natildeo pode se confundir com o novo Esta categoria eacute
entendida a partir de um movimento dialeacutetico no sentido da palavra onde passado
presente e futuro devem estar em constantes interaccedilotildees Dessa maneira ao rememorar as
histoacuterias uacutenicas vivenciadas em minha infacircncia e perceber hoje o quanto elas podem ser
perigosas no que tange agrave formaccedilatildeo identitaacuteria dos sujeitos eacute que busco brechas e subverto
o instituiacutedo para incluir em minha praacutetica cotidiana um olhar mais conectado com a vida
em sua diversidade e inclusatildeo
13 A LEI 1063903 UM MARCO HISTOacuteRICO NA LUTA ANTIRRACISTA
Na busca pela superaccedilatildeo do racismo do preconceito e de praacuteticas segregacionistas
os militantes de movimentos sociais e intelectuais negros sempre souberam que a escola
enquanto um aparelho ideoloacutegico sucessivamente reproduziu os interesses das classes
hegemocircnicas Contudo tambeacutem foi percebido que a escola tem sido um espaccedilo de disputa
onde as classes dominantes e subordinadas tecircm buscado atingir seus mais diferentes
objetivos (YOUNG 2007 p 1292) Desse modo conhecimentos outros podem ser
construiacutedos a favor do rompimento das desigualdades raciais e emancipaccedilatildeo dos sujeitos
Aprovada no Congresso e sancionada pelo Governo Federal a Lei 1063903 alterou
a Lei 939496 (LDB) e tornou obrigatoacuterio o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura afro-
brasileira no curriacuteculo escolar do Ensino Fundamental e Meacutedio Hoje essa lei eacute reconhecida
como um marco na luta por uma educaccedilatildeo antirracista no Brasil Eacute importante frisar que
este dispositivo foi uma grande conquista que natildeo nasceu da noite para o dia mas que foi
alcanccedilada por meio de muitos embates
Mas quais as alteraccedilotildees que este dispositivo traz perguntariam alguns professores
A referida lei altera a LDB com o acreacutescimo dos artigos 26-A e 79-B tornando obrigatoacuterio
o ensino da histoacuteria e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de Ensino Fundamental
e Meacutedio Aleacutem de garantir que esses conteuacutedos sejam ministrados no acircmbito de todo o
curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria
Brasileiras Tambeacutem inclui no calendaacuterio escolar o dia 20 de novembro (Art 79-B) como
ldquoDia Nacional da Consciecircncia Negrardquo por meio da figura de Zumbi dos Palmares
14
Segundo Paula (2010) houve muitas resistecircncias para a implementaccedilatildeo da lei
mesmo sendo um instrumento que apresenta uma obrigatoriedade Buscando sua
efetividade um ano apoacutes a sua implementaccedilatildeo foram instituiacutedas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura
Afro-Brasileira e Africana (DCN ERER) por meio da Resoluccedilatildeo nordm 1 de 17 de junho de 2004
Como parte de uma poliacutetica de accedilotildees afirmativas tais dispositivos buscaram uma
educaccedilatildeo que reparasse os direitos que foram negados agrave populaccedilatildeo negra do Brasil ao
longo da histoacuteria Podemos afirmar que se trata de uma exigecircncia legal eacutetica e moral que
as instituiccedilotildees de ensino devem cumprir Para Paula (2010) o debate da lei e os dispositivos
que a complementam fazem parte de accedilotildees poliacutetico-pedagoacutegicas que devem ser
compromisso de todos os atores do cotidiano escolar O autor afirma ainda que as
diretrizes devem ser observadas por todas as instituiccedilotildees de ensino e desmonta a ideia de
que as discussotildees sobre a questatildeo racial se limitam a estudiosos e ao movimento negro
Desse modo as Diretrizes Curriculares Nacionais afirmam
A escola enquanto instituiccedilatildeo social responsaacutevel por assegurar o direito da educaccedilatildeo a todo e qualquer cidadatildeo deveraacute se posicionar politicamente como jaacute vimos contra toda e qualquer forma de discriminaccedilatildeo A luta pela superaccedilatildeo do racismo e da discriminaccedilatildeo racial eacute pois tarefa de todo educador independentemente de seu pertencimento eacutetnico-racial crenccedila religiosa ou posiccedilatildeo poliacutetica (BRASIL 2004 p 16)
Como citado anteriormente a LDB e a lei percursora da luta educacional antirracista
(lei 1063903) sofrem alteraccedilotildees apoacutes cinco anos de existecircncia desta uacuteltima A mudanccedila
ocorrida veio contemplar a questatildeo indiacutegena como parte da educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais A partir deste momento a lei 1164508 torna obrigatoacuterio o estudo da histoacuteria e
cultura afro-brasileira e indiacutegena Paula (2010) explica que
() a questatildeo indiacutegena na legislaccedilatildeo educacional jaacute possuiacutea certa normatizaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dentre as quais Diretrizes Curriculares Nacionais especiacuteficas para a Educaccedilatildeo Indiacutegena Resoluccedilotildees quanto agrave organizaccedilatildeo das escolas indiacutegenas regulamentando uso das liacutenguas nativas etc Faltava inserir a temaacutetica no contexto da luta anti-racista anti-excludente com vistas a uma integraccedilatildeo positiva no processo de construccedilatildeo e formaccedilatildeo da identidade educacional e nacional Tarefa cumprida sob o ponto de vista legal com a alteraccedilatildeo e modificaccedilatildeo da Lei em questatildeo (p 4)
15
Nesse sentido fica claro que essas alteraccedilotildees natildeo invalidam as prerrogativas da lei
anterior A meu ver apenas reforccedilam a importacircncia da sensibilizaccedilatildeo para o conhecimento
da diversidade eacutetnica que temos por heranccedila
14 O ENSINO DAS RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS ALGUMAS REFLEXOtildeES
As aulas da disciplina Raccedila curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica da especializaccedilatildeo me
provocaram a pensar no quanto pode ser desafiador mudar uma perspectiva educacional
pautada em padrotildees hegemocircnicos onde os saberes ditos universais se utilizam dos
mecanismos de poder para discriminar inferiorizar e segregar os sujeitos da diferenccedila
Comeccedilo a refletir sobre os movimentos necessaacuterios para potencializar a educaccedilatildeo
para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais Vale ressaltar que a expressatildeo eacutetnico-racial eacute defendida
pelas DCNs como a ldquonecessidade de marcar o reconhecimento de que as tensotildees existentes
devido agrave cor e aos traccedilos fisionocircmicos estatildeo entrelaccediladas agraves diferenccedilas culturaisrdquo
(ARANTES ANDRADE 2013 p 388)
Estabeleci conversas com diversos autores para melhor entender as consequecircncias
de viver e ser educado sob o domiacutenio de uma sociedade construiacuteda e legitimada com base
em uma soacute cultura uma soacute liacutengua uma soacute religiatildeo Poreacutem eacute sabido que o Brasil nasceu do
encontro com as diferentes etnias e culturas dos povos indiacutegenas europeus e africanos
Estes que no seacuteculo XVI foram reconhecidos como as grandes trecircs raccedilas16 seriam
respectivamente a raccedila amarela branca e negra
Vale ressaltar que classificar a diversidade humana em raccedilas distintas desde sempre
funcionou como uma maneira de operacionalizar o pensamento (MUNANGA 2000 p 18)
Assim no imaginaacuterio coletivo por muito tempo o homem foi classificado a partir da cor
de sua pele O problema natildeo estava na classificaccedilatildeo dos seres humanos em funccedilatildeo de suas
caracteriacutesticas fiacutesicas como afirmou Munanga (2000) Mas na divisatildeo desses indiviacuteduos a
partir da escala de valores emergindo grupos hieraacuterquicos segundo a cor de pele e
caracteriacutesticas fenotiacutepicas fazendo relaccedilatildeo com os traccedilos morais psicoloacutegicos do sujeito
16 Para o historiador francecircs Ernest Renan (1823-92) existiriam trecircs grandes raccedilas especificas em sua origem e desenvolvimento
16
O resultado disso eacute o sujeito da ldquoraccedila brancardquo enquanto portador de valores
divinizados inteligentes e criativos Enquanto o sujeito da ldquoraccedila negrardquo foi estereotipado
em seus traccedilos fiacutesicos escolhas religiosas estando fadado a ser expressatildeo de todo mal que
pudesse existir Segundo Ernest Renan os grupos negros ldquoseriam povos inferiores natildeo por
serem incivilizados mas por serem incivilizaacuteveis natildeo perfectiacuteveis e natildeo suscetiacuteveis ao
progressordquo (RENAN 1961 apud SCHWARCZ 1993 p 62)
Tal ideia se propagou ideologicamente instituindo o que conhecemos como racismo
Segundo Arantes e Andrade (2013) o cientificismo do seacuteculo XIX construiu teorias
racistas que relacionavam caracteriacutesticas fiacutesicas a comportamentais Para muitos autores
a misturas das raccedilas ou seja a mesticcedilagem comprometia o progresso nacional pois era
considerada como fenocircmeno degenerativo sendo o mesticcedilo depositaacuterio de defeitos
bioloacutegicos e morais (ARANTES ANDRADE 2013 p385)
Esse movimento segregador tomou diferentes facetas ao longo do tempo passando
pelo campo da ciecircncia bioloacutegica ao campo da sociologia Para contextualizar
historicamente essa ideia cabe ressaltar que no iniacutecio da Modernidade foi criado um
discurso racional que justificou e naturalizou as segregaccedilotildees e exclusotildees
O sangue do negro e do indiacutegena eram considerados impuros em demasia para se
misturarem agrave sacralidade do sangue azul europeu E as medidas tomadas para sanar o
problema da mesticcedilagem foram embranquecer a populaccedilatildeo Comeccedila-se entatildeo a financiar
a entrada de imigrantes europeus tais como alematildees italianos espanhoacuteis para compor a
sociedade brasileira e assim contribuir com a construccedilatildeo de uma sociedade com mais
ldquosangue bomrdquo Dado esse passo os negros iam perdendo cada vez mais as possibilidades
de serem vistos como cidadatildeos de direito pois estavam sendo ofuscados pela presenccedila dos
brancos de pele alva
Essa realidade comeccedila a mudar apoacutes a Primeira Guerra Mundial com as criacuteticas agraves
teorias de racismo cientiacutefico tatildeo fortes na Europa No Brasil houve tentativas de construir
uma identidade nacional valorizando a sua diversidade Nesse periacuteodo o mesticcedilamento jaacute
natildeo era visto como um problema mas como estrateacutegia para superaccedilatildeo do racismo
A miscigenaccedilatildeo portanto soacute poderia ser fruto da consolidaccedilatildeo de trecircs raccedilas
europeia negra e indiacutegena que consequentemente viveriam paciacutefica e harmoniosamente
bem Como um dos principais expoentes desta teoria Gilberto Freire escritor e cientista
social pernambucano escreve no iniacutecio de 1930 Casa Grande e Senzala Este livro ficou
17
consagrado na histoacuteria por inaugurar o que conhecemos por ldquomito da democracia racialrdquo
Esse pensamento reconheceu a presenccedila negra enquanto formadora da sociedade
brasileira fortalecendo a ideia de que todos os sujeitos independentemente da cor
viveriam harmoniosamente bem Desse modo a mistura de raccedilas e culturas (a
mesticcedilagem) era uma ideia plausiacutevel
O mesticcedilamento construiu uma ideia idiacutelica afirmando que a mistura das raccedilas
geraria uma democracia racial quando na verdade funcionou como uma barreira para o
entendimento da cultura e identidade negras impedindo o nascimento de uma consciecircncia
poliacutetica que firmassem os negros e mesticcedilos enquanto legiacutetimos outros
Acreditar no mito eacute esquecerdesconhecer que se o negro natildeo atinge os mesmos
patamares que o branco natildeo foi por falta de competecircncia intelectual mas porque ele se
encontra historicamente em grandes desvantagens Acreditar no mito eacute defender que natildeo
haacute racismo no cotidiano escolar quando na verdade o discurso de tratamento igualitaacuterio a
todos os estudantes demonstra uma maneira sutil de manifestar a discriminaccedilatildeo racial na
escola
Por isso eacute preciso reconhecer sobretudo os docentes
() as pedagogias de combate ao racismo e as discriminaccedilotildees elaboradas com o objetivo de educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais positivas que tem por objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciecircncia negra (BRASIL 2004 p 16)
E foi buscando o rompimento com praacuteticas educativas segregadoras e indiferentes a
diversidade eacutetnico-racial no cotidiano escolar eacute que comeccedilo a pensar essa pesquisa com o
foco na Educaccedilatildeo Infantil visto que a construccedilatildeo da visatildeo de mundo e dos sentidos
comeccedilam desde a infacircncia Gonccedilalves (1987) discorre sobre a particularidade cultural na
educaccedilatildeo de crianccedilas negras e alerta para o ritual pedagoacutegico que impotildee um ego branco a
educaccedilatildeo de crianccedilas (p 27) Segundo este autor existe um silenciamento acerca da
produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra quando natildeo verificamos a sua inferiorizaccedilatildeo e
folclorizaccedilatildeo
Tal silenciamento eacute legitimado por exemplo quando a crianccedila na escola explicita
sua preferecircncia por histoacuterias cujos protagonistas satildeo brancos em detrimento daquelas que
tecircm como personagem principal um negro (e quando tem) Tal construccedilatildeo natildeo acontece
18
na escola ndash tendo em vista outros meios de socializaccedilatildeo da crianccedila mas esse
comportamento muitas vezes vai sendo reforccedilado pelo professor de maneira inconsciente
ndash vide imagens-memoacuterias17 citadas anteriormente Quando o professor eacute indiferente agrave
formaccedilatildeo eacutetnico-cultural brasileira ele reitera o preconceito racial permitindo que a
crianccedila negra tenha um processo de socializaccedilatildeo diferente da crianccedila branca
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012 p 54)
O docente formado dentro da mesma cultura que exclui em geral negligencia o
direito baacutesico de seu estudante oriundo de outras realidades sentir-se protagonista de
histoacuterias reais e afetivas E na maioria das vezes esse mesmo professor vai se apropriar do
discurso baseado na democracia racial eliminando o direito dos alunos de se perceberem
nas suas diferenccedilas
Portanto para que tenhamos uma escola que nos eduque para a diversidade e a
inclusatildeo eacute necessaacuterio que haja a possibilidade de que estudantes brancos negros
indiacutegenas ou de qualquer outra etnia reconheccedilam a diferenccedila e que valorizem respeitem
e convivam com elas tornando a existecircncia mais plena de sentido
15 VALORES CIVILIZATOacuteRIOS AFRO-BRASILEIROS NA EDUCACcedilAtildeO
INFANTIL
Ao fazer referecircncia aos valores civilizatoacuterios afro-brasileiros evidencio as
contribuiccedilotildees de africanos e afro-brasileiros que resistiram agraves muacuteltiplas perversidades ao
longo da histoacuteria No entanto esses mesmos homens e mulheres nos brindam com a
construccedilatildeo de nossa identidade que eacute rica em cores formas e movimentos Para Trindade
(2013) tais valores civilizatoacuterios estatildeo carimbados em nossa memoacuteria em nossos modos
de pensar e de agir A muacutesica que apreciamos a feacute que professamos a literatura que nos
provoca a gastronomia que saboreamos dentre outros realccedilam em noacutes uma beleza
incomum dos padrotildees instituiacutedos pela racionalidade moderna eurocecircntrica
Com isso ao propor a reflexatildeo-accedilatildeo sobre os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros na
educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas afirmo de maneira concreta e afetiva a nossa
17 Indico sobre essa questatildeo a leitura do seguinte artigo ldquoA (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidaderdquo de Pereira e Pereira (2016)
19
afrodescendecircncia E tambeacutem reitero a urgente necessidade de exploramos a produccedilatildeo
cultural negra no cotidiano da escola e natildeo de maneira pontual e folclorizada que
inferioriza a populaccedilatildeo negra
Ao optar pelo trabalho com categoria da reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005)
penso na capacidade de interpretaccedilatildeo e transformaccedilatildeo que as crianccedilas tecircm pois como
atores de suas histoacuterias as crianccedilas satildeo potencialmente capazes de contribuir para
repensar o seu contexto social
Falar de contexto social eacute ter em mente que somos herdeiros de uma sociedade
patriarcal monocultural e determinista que subalterniza e desumaniza o diverso Eacute preciso
pensar e buscar a inclusatildeo da diversidade no ambiente escolar quando a sociedade tem
como projeto inclusive educacional desconsiderar o que possuiacutemos de mais precioso a
diferenccedila que nos caracteriza como seres humanos e sociais Concordamos com Gonccedilalves
(1987) quando realiza a brilhante defesa
ldquose a produccedilatildeo e a transmissatildeo do saber na escola natildeo forem mediados pela particularidade cultural da populaccedilatildeo negra as praacuteticas pedagoacutegicas continuaratildeo punindo as crianccedilas negras que o sistema de ensino natildeo conseguiu ainda excluir aplicando-lhes o seguinte castigo reclusatildeo ritualizada em procedimentos escolares de efeito impeditivo cujo resultado imediato eacute o silenciamento da crianccedila negra a curto prazo e o do cidadatildeo para o resto da vidardquo (p 29)
Azoilda Trindade (2010 2013) nos inspira a pensar sobre os valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e nas suas potencialidades para inaugurar experiecircncias instituintes que
valorize a diversidade eacutetnico-racial na Educaccedilatildeo Infantil Mergulhei nas memoacuterias da
autora me encontrei nelas e fui levada a bradar tambeacutem opto pela VIDA E a vida em sua
plenitude Quando por ventura escutar ldquoesse aluno natildeo tem jeitordquo ldquoeles natildeo tecircm
valoresrdquo reconhecerei as brechas para burlar o instituiacutedo e potencializar uma praacutetica
educativa mais conectada com o ser humano na sua diversidade A conexatildeo com a vida
deve nos conduzir a descoberta de outras searas muito proacuteximas daquela filosofia
humanista africana que afirma que eu soacute posso ser na medida que todos noacutes somos
Pensar o Ubuntu em uma sociedade onde seu processo civilizatoacuterio foi pautado no
individualismo na competiccedilatildeo e no materialismo eacute um ato revolucionaacuterio Portanto tenho
por compromisso eacutetico e humano trazer para a cena ndash inclusive para minha praacutetica
20
docente ndash os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros que estatildeo impressos em nossas maneiras
de ser e viver
E assim evidenciar18a Energia Vital (Axeacute) que nos remete a construccedilatildeo da
afetividade (pelos gestos palavras olhares) dimensatildeo tatildeo importante na Educaccedilatildeo
Infantil A Circularidade que vem nos lembrar que o iniacutecio e fim estatildeo ligados Natildeo haacute
hierarquia pois quando se estaacute em ciacuterculo todos se veem com a mesma oacutetica A
Corporeidade que nos mostra que o corpo tem muito a falar com seus movimentos ora
retraiacutedos ora expressivos O corpo eacute histoacuteria que precisa ser contada A Memoacuteria nos ajuda
a compreender que somos feitos de histoacuterias mas que por vezes satildeo distorcidas nos
tirando o sentimento de pertenccedila do que podemos vir a ser A Ancestralidade nos faz
transcender para aleacutem da materialidade da vida onde a memoacuteria dos nossos anciatildeos
carrega um grande legado
A Territorialidade nos remete aos espaccedilos casa e escola Lugares de iniciaccedilatildeo e que
precisam estar imbricados quando pensamos na educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas A
Religiosidade nos convida a uma relaccedilatildeo com os elementos da natureza e com o ser
humano de maneira mais transcendente respeitosa e harmoniosa A
CooperaccedilatildeoComunitarismo evidenciam a nossa essecircncia humana nascemos de uma
comunhatildeo e soacute vivemos em plenitude a partir dela E essa ideia eacute fundamentalmente
especial quando pensamos na formaccedilatildeo de crianccedilas pequenas que requer um ambiente
cooperativo acolhedor e amoroso para que seu aprendizado se realize de maneira afetiva
e efetiva Afinal de contas o adulto que a crianccedila se tornaraacute vai depender das relaccedilotildees
estabelecidas na infacircncia
A Oralidade provoca-nos a perceber as muacuteltiplas vozes do cotidiano e aqui nos
remetemos principalmente agraves crianccedilas enquanto portadoras de saberes-poderes A
Ludicidade nos rememora a necessaacuteria arte de viver em meio agraves contrariedades da vida
sem perder a capacidade de brincar e sorrir Aqui entendemos a brincadeira como uma
potente ferramenta pedagoacutegica visto que eacute considerada como uma linguagem infantil E a
Musicalidade nos daacute o tom para embalar nossos enredos cheios de ritmo sonoridade e
melodia
18 Os valores aqui pontuados podem ser encontrados no link httpwwwacordaculturaorgbrsitesdefault fileskitMODOSBRINCAR-WEB-CORRIGIDApdf
21
Todos esses valores civilizatoacuterios afro-brasileiros nos provocam a pensar sobre nossa
condiccedilatildeo de indiviacuteduos marcados pela diversidade e que refletem imagens drsquoAacutefrica de
ontem e de hoje de filhos e filhas que natildeo podem negar a riqueza do Patrimocircnio Africano
afrodiaspoacuterico e afro-brasileiro como bem dizia Trindade (2010 p 13) Eles tambeacutem nos
alimentam e fortalecem no caminho para a superaccedilatildeo de curriacuteculos escolares que
legitimam os saberes ditos universais como uacutenicos verdadeiros e superiores
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio
Por considerar que a musicalidade compotildee um dos valores civilizatoacuterios da cultura
afro-brasileira e por ela ser um importante componente curricular para a Educaccedilatildeo Infantil
e os anos iniciais que traz contribuiccedilotildees para a formaccedilatildeo de sujeitos criativos e reflexivos
pensamos neste subcapiacutetulo Vale ressaltar que para essa fase do ensino pensar a muacutesica
em contextos educativos natildeo demanda necessariamente ter formaccedilatildeo especiacutefica para tal
A consciecircncia de que a muacutesica faz parte do cotidiano do estudante desde a tenra idade e
que por isso ela representa uma linguagem jaacute eacute motivo para maiores reflexotildees
Pensando nisso procuramos trazer possibilidades de trabalho com a muacutesica na
Educaccedilatildeo Infantil Ao considerarmos a muacutesica enquanto aacuterea de conhecimento concluiacutemos
que nossas accedilotildees soacute faratildeo sentido quando dialogadas com os saberes dos educandos e com
a cultura na qual eles estatildeo inseridos Com isso rompemos com concepccedilotildees pedagoacutegicas
reducionistas que tratam a educaccedilatildeo musical de forma reprodutora pontual e rotineira
Ao defendermos uma mudanccedila de paradigma buscamos a desconstruccedilatildeo da ideia de que
a muacutesica eacute um artefato cultural instituiacutedo para apenas a sua reproduccedilatildeo em datas
comemorativas da escola Desmontamos tambeacutem a noccedilatildeo de que as muacutesicas cantadas na
Educaccedilatildeo Infantil satildeo formas de marcar a rotina e estimular a expressividade quando na
verdade tem como premissa a criaccedilatildeo ou reforccedilo de comportamentos
Concordamos com Brito (2003) quando afirma que a muacutesica deve emancipar o ser
humano ndash a partir da reflexatildeo-accedilatildeo e natildeo reproduccedilatildeo ndash e deve incluir a todos os estudantes
sem distinccedilatildeo
() longe da visatildeo europeia do seacuteculo passado que selecionava os ldquotalentos naturaisrdquo eacute preciso lembrar que a muacutesica eacute linguagem cujo conhecimento se constroacutei com base em vivecircncias e reflexotildees orientadas
22
Desse modo todos devem ter o direito de cantar ainda que desafinado Todos devem poder tocar um instrumento ainda que natildeo tenham naturalmente um senso riacutetmico fluente e equilibrado pois as competecircncias musicais desenvolvem-se com a pratica regular e orientada em contextos de respeito valorizaccedilatildeo e estiacutemulo a cada aluno por meio de propostas que consideram todo o processo de trabalho e natildeo apenas o produto final (p 53)
Importante ressaltar que nosso objetivo natildeo eacute formar muacutesicos mirins ou futuros
maestros musicais Desejamos a partir do eixo musicalidade ndash expresso no Referencial
Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil (RCNEI)19 ndash desenvolver competecircncias para a
formaccedilatildeo integral dos estudantes sob uma perspectiva interdisciplinar e inclusiva de
valores outros Tais valores satildeo pensados por noacutes como aqueles que refletem a diversidade
da sociedade brasileira
O cotidiano das crianccedilas principalmente em fase inicial da escolarizaccedilatildeo deve ser
permeado de brinquedos musicais Se pararmos para pensar a crianccedila nos seus primeiros
dias de vida jaacute eacute iniciada no universo musical a partir do que chamamos de acalantos
(cantigas de ninar) Natildeo eacute preciso muito tempo para os jogos e brinquedos musicais
tomarem o imaginaacuterio delas tendo em vista que tais artefatos satildeo heranccedilas culturais
transmitidas por tradiccedilatildeo oral chegando agraves crianccedilas por meio das brincadeiras de roda
(poesia muacutesica e danccedila) cirandas parlendas adivinhas etc
As brincadeiras de roda estatildeo relacionadas com as canccedilotildees populares Estas por sua
vez fazem parte do folclore20 brasileiro Considerando que tais canccedilotildees faccedilam parte da
cultura de um povo e sendo o nosso povo rico culturalmente poderiacuteamos afirmar que elas
satildeo um potente instrumento para a educaccedilatildeo de nossas crianccedilas Segundo o RCNEI as
brincadeiras de roda tambeacutem conhecidas como rondas receberam influecircncias de culturas
como lusitana africana ameriacutendia espanhola e francesa Poreacutem sua origem eacute
fundamentalmente europeia (Portugal e Espanha)
Brito (2003) afirma que a linguagem musical eacute construiacuteda de acordo com cada cultura
e eacutepoca estando assim associada aos costumes sociais de um povo Se portanto os
costumes da eacutepoca eram deslegitimar o outro enquanto legiacutetimo outro por meio da
subalternizaccedilatildeo o que diriacuteamos do conteuacutedo de algumas cantigas Assim se ouvirmos
19 Link de acesso httpportalmecgovbrsebarquivospdfrcnei_vol1pdf 20 O folclore cuja etimologia eacute de origem inglesa significa conhecimento de um povo (folk-povo e lore-conhecimento)
23
dizer que as cantigas populares estatildeo associadas agraves tradiccedilotildees e histoacuterias de um povo
corremos o risco de nos depararmos com narrativas nada idiacutelicas
Por isso acreditamos que eacute preciso falar das cantigas populares sobretudo quando
elas fazem parte da rotina educacional de crianccedilas pequenas Peixoto (2015) em sua
pesquisa sobre a violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda nos alerta para a
urgecircncia de reflexotildees sobre esses brinquedos musicais que inculcam valores de uma
cultura (dominante) Muito grave tambeacutem eacute a banalizaccedilatildeo daquele que eacute diferente dos
padrotildees hegemocircnicos
A autora recorre ao poder simboacutelico (BOURDIEU 1989) a fim de esclarecer o
processo de induccedilatildeo de certos valores de forma que quando naturalizados passam a
representar um certo tipo de violecircncia que por sua vez tambeacutem eacute simboacutelica Se avaliarmos
a linguagem das cantigas populares com um olhar descolonizado ndash livre dos padrotildees
hegemocircnicos instituiacutedos ndash perceberemos os simbolismos bem estruturados e sutilmente
representados nos campos de violecircncia de gecircnero domeacutestica racial entre outros Natildeo eacute
de se estranhar que a percepccedilatildeo dessas questotildees seja limitada tendo em vista que a
violecircncia nem sempre representaraacute algo tangiacutevel O entendimento de violecircncia para aleacutem
da fiacutesica supotildee pensarmos na ausecircncia Carecircncia talvez de justiccedila de liberdade de
solidariedade e de igualdade Quando em nossa existecircncia nos faltam tais elementos
certamente nos faltaraacute tambeacutem o sentimento de cidadatildeo de direitos plenos e subjetivos
Todavia parece estar cada vez mais difiacutecil a percepccedilatildeo do poder simboacutelico que gera
a violecircncia simboacutelica em virtude das inversotildees de valores do mundo contemporacircneo
Concordamos com o socioacutelogo quando afirma
Eacute necessaacuterio saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos onde ele eacute mais completamente ignorado portanto reconhecido o poder simboacutelico eacute com efeito esse poder invisiacutevel o qual soacute pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que natildeo querem saber que lhe estatildeo sujeitos ou mesmo que o exercem (BOURDIEU 1989 p 9)
Para essa difiacutecil tarefa de fazer conhecer o desconhecido e o ignorado elegemos o
professor sujeito este que consideramos peccedila fundamental na emancipaccedilatildeo das
consciecircncias Mas esse professor a quem tantos chamam de mediador do conhecimento
precisa para aleacutem de outras atribuiccedilotildees uma que consideramos chave a curiosidade Mas
como afirmava Paulo Freire natildeo se trata de uma curiosidade ingecircnua mas aquela que
24
encaminha para o movimento a inquietaccedilatildeo e a criticidade Portanto acreditamos que o
docente precisa ser epistemologicamente curioso para perceber as ideologias que Freire
(2007) relaciona com a ldquoocultaccedilatildeo da verdade dos fatos com o uso da linguagem para
penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna miacuteopesrdquo (p 125)
Tal postura deve ser de tal modo libertadora que o seu exerciacutecio suscite no discente
o mesmo sentimento o da curiosidade criacutetica que de matildeos dadas com a imaginaccedilatildeo e a
emoccedilatildeo eacute capaz de conduzir a experiecircncias instituintes Quando definimos as temaacuteticas das
oficinas logo pensamos em uma que contemplasse a musicalidade Nesse sentido levamos
para a sala de aula um repertoacuterio musical de cantigas populares sendo que uma delas
carregava em sua letra uma mensagem de violecircncia A partir da sensibilizaccedilatildeo convidamos
os estudantes agrave reinvenccedilatildeo da mesma que em breve seraacute apresentada neste trabalho
Assim o leitor estaraacute em contato com algumas taacuteticas de docentes e discentes que
descobriram que para aleacutem de um repertoacuterio musical envolvente mas instituiacutedo existe
um mundo de possibilidades
16 A CRIANCcedilA PEQUENA E O NEGRO QUEM SAtildeO ESSES OUTROS
A Ciecircncia Moderna vem pensar o outro como uma categoria da diferenccedila
evidenciando suas singularidades e multiplicidades Buscamos contribuiccedilotildees de autores
para pensar o sujeito da diferenccedila o outro e assim sinalizar como eles (a crianccedila e o negro)
tecircm sido enunciados
Ao iniciar a leitura deste trabalho e ao longo dele eacute possiacutevel deparar-se com a
expressatildeo outro como legiacutetimo outro dos bioacutelogos Maturana e Varela (1995) Tais autores
inauguram algo instituinte na Biologia e que vai ao encontro do outro enquanto sujeito
da diferenccedila eles pensam o homem para aleacutem dos determinismos geneacuteticos Ou seja o
indiviacuteduo eacute fruto tanto dos sistemas bioloacutegicos quanto das relaccedilotildees sociais Desse modo
ao defender a cultura como parte do desenvolvimento humano os autores apoiam que
natildeo existem pessoas iguais e que a diferenccedila estaacute dentro da normalidade ao contraacuterio da
homogeneidade (ROSSETTO 2010)
Com isso defender o outro enquanto legiacutetimo outro eacute aceitar o sujeito da diferenccedila
na relaccedilatildeo comprazendo-se com os seus diferentes modos de ser e viver
25
Paradoxalmente ao que os autores acima apresentam Pletsch e Carvalho (2011) vatildeo
pensar o ldquooutrordquo a partir de ldquonoacutesrdquo que impotildee por sua vez um discurso de superioridade
e autoridade Com isso o ldquooutrordquo eacute a representaccedilatildeo de algo inanimado (objeto) sobre o
qual eacute possiacutevel exercer o poder e domiacutenio Em dossiecirc sobre processos de inclusatildeo e
exclusatildeo escolar esses autores alimentam uma urgecircncia dar visibilidade agrave dor e ao
sofrimento dos ldquooutrosrdquo Mas fica um questionamento para noacutes quem satildeo os outros
efetivamente
O outro eacute todo aquele que natildeo pode ser noacutes recebendo status de ldquodiferenterdquo Sendo
assim os ldquooutrosrdquo satildeo
() os analfabetos os negros os iacutendios os drogados as mulheres as crianccedilas os velhos os gays as leacutesbicas os pederastas os presidiaacuterios as prostitutas os deficientes fiacutesicos e mentais os pobres e os miseraacuteveis enfim todos aqueles seres humanos que satildeo desumanizados maltratados ignorados enfim invisibilizados mesmo quando queremos tornaacute-los visiacuteveis (PLETSCH CARVALHO 2011 p 3)
Neste trabalho temos buscado evidenciar os outros na figura da crianccedila pequena e
do negro (afro-brasileiro) natildeo enquanto sujeitos destinados agrave opressatildeo e dominaccedilatildeo mas
como indiviacuteduos que precisam ser incluiacutedos no cotidiano escolar enquanto outros legiacutetimos
outros Dessa maneira desejamos estar com eles pesquisar com eles e criar estrateacutegias
para incluiacute-los na sua corporeidade diversidade e maneiras de pensar e sentir
Nos anos de 1990 comeccedilaram a surgir na Europa discussotildees socioloacutegicas em torno
da infacircncia A crianccedila passou a integrar uma categoria social e deixa de ser olhada apenas
como sujeito de tutela sem voz para ser vista como sujeito de direito e capaz de construir
e modificar culturas a partir da interaccedilatildeo com seus pares e com os adultos As crianccedilas que
passam a ser consideradas atores sociais iratildeo reproduzir comportamentos sociais
interpretando-os de maneira singular Esse modo de agir jaacute foi aqui identificado
anteriormente como reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005) Interpretativa porque
as crianccedilas criam e participam de suas culturas E reproduccedilatildeo porque elas tambeacutem podem
contribuir para a reproduccedilatildeo da sociedade ou para a mudanccedila social
Como a crianccedila eacute capaz de interpretar e reproduzir a cultura da qual faz parte nos
perguntamos qual eacute a cultura na qual a crianccedila tem sido formada Esse meio tem
favorecido o reconhecimento da crianccedila a partir de suas diferenccedilas Esse meio tem
26
provocado a inclusatildeo da diversidade eacutetnico-cultural nos espaccedilos educativos e fora deles
Se levarmos em conta o caraacuteter monocultural reducionista e etnocecircntrico que permeia a
instituiccedilatildeo escolar desde a sua origem nos certificaremos que a escola corre grande risco
de desfavorecer a cultura da diversidade Concordamos com Oliveira e Farias (2014)
quando afirmam que
ldquo() ao longo de nossa histoacuteria como naccedilatildeo o tratamento dado as matrizes eacutetnicas que configuram a nossa gente tem sido feito de maneira desigual privilegiando o grupo eacutetnico europeu em detrimento dos nativos e dos africanos colaborando assim para a produccedilatildeo de desigualdades e injusticcedilas sociaisrdquo (p 89)
Ou seja a figura do negro e seus modos de ser e estar no mundo tal como de outras
matrizes eacutetnicas que natildeo representavam os padrotildees sociais dominantes da hierarquia
colonizadora se constituiu ao longo dos seacuteculos como uma natildeo cultura Eles os nativos
da terra e os que aqui posteriormente chegaram para serem escravizados historicamente
sempre foram ldquoos outrosrdquo conforme Pletsch e Carvalho (2011)
Na histoacuteria da Educaccedilatildeo o negro representou ldquoum outro que devia ser anulado
apagadordquo (SKLIAR 2003 p 41) Basta saber que no Brasil Impeacuterio foram estabelecidos dois
decretos21 impedindo que o negro participasse do espaccedilo escolar de forma plena e com
direitos iguais ao da populaccedilatildeo branca
Apesar de hoje natildeo termos mais esse tipo de lei como haacute 162 anos ainda estatildeo
presentes marcas dessa maneira de pensar que aparece algumas vezes de forma muito
sutil e de outras nem tanto visto que o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo foram
internalizados e naturalizados no imaginaacuterio e consequentemente no comportamento do
brasileiro O que dizer dos filmes da Disney dos contos europeus das histoacuterias de priacutencipes
e princesas que comeccedilam a fazer parte do imaginaacuterio de nossas crianccedilas sobretudo em
fase inicial de escolarizaccedilatildeo Pois entatildeo nessas narrativas os negros natildeo existem pelo
menos da maneira que deveriam existir
21 Decreto nordm 1331 de 17 de fevereiro de 1854 estabelecia que nas escolas puacuteblicas do paiacutes natildeo seriam admitidos escravos e a previsatildeo de instruccedilatildeo para adultos negros dependia da disponibilidade de professores O Decreto nordm 7031-A de 6 de setembro de 1878 estabelecia que os negros soacute podiam estudar no periacuteodo noturno e diversas estrateacutegias foram montadas no sentido de impedir o acesso pleno dessa populaccedilatildeo aos bancos escolares Tais dados podem ser encontrados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africanas
27
2 OBJETIVOS
21 OBJETIVO GERAL
Realizar pesquisa a partir de metodologias interativas ndash interdisciplinaridade e
etnografia ndash com enfoque na Sociologia da Infacircncia com estudantes entre 4 e 6 anos
abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola rural do municiacutepio de MageacuteRJ
22 OBJETIVOS ESPECIacuteFICOS
Analisar os desdobramentos da lei 1164508 e os dispositivos legais que a
complementam em uma escola Rural no Municiacutepio de Mageacute
Compreender a infacircncia enquanto categoria social por meio da Sociologia da
Infacircncia
Identificar no ambiente escolar se haacute imagens e materiais que evidenciem etnias de
matriz afro-brasileiras e indiacutegenas
Aproximar a famiacutelia da escola a fim de construir redes colaborativas mais efetivas e
afetivas
Dialogar e refletir com os docentes e equipe pedagoacutegica sobre os desafios da inclusatildeo
da diversidade na escola
Desenvolver com os estudantes estrateacutegias didaacuteticas mediadas por atividades
luacutedicas onde os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros sejam uma constante
Produzir e revisitar tecnologias educacionais que potencializem as accedilotildees pedagoacutegicas
no trato das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
Desenvolver um suporte midiaacutetico para o compartilhamento dos processos e
materiais que mediaram as experiecircncias instituintes
Elaborar um caderno com orientaccedilotildees pedagoacutegicas a partir de experiecircncias
instituintes sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo como puacuteblico alvo
professores da Educaccedilatildeo Infantil
28
3 MATERIAIS E MEacuteTODOS (METODOLOGIA)
31 PUacuteBLICO ALVO
A pesquisa foi realizada com a Educaccedilatildeo Infantil compreendendo duas turmas da
Preacute-escola A turma do ldquoPreacute Irdquo possuiacutea 18 estudantes dentre eles 9 meninos e 9 meninas
com idades entre 4 e 5 anos No ldquoPreacute IIrdquo eram 19 estudantes sendo que 11 meninos e 8
meninas com idades entre 5 a 6 anos incompletos
As docentes de ambas as turmas satildeo concursadas e residem no municiacutepio em
distritos vizinhos ao da escola A professora do Preacute-escolar I tem formaccedilatildeo na Escola
Normal em niacutevel meacutedio Enquanto a professora do Preacute-escolar II formou-se em Histoacuteria
recentemente tendo como tema monograacutefico jogos e relaccedilotildees raciais
32 ETNOGRAFIA E INTERDISCIPLINARIDADE CAMINHOS METODOLOacuteGICOS
A Sociologia da Infacircncia enquanto campo cientiacutefico que concebe a infacircncia como
objeto socioloacutegico tem nos apontado caminhos metodoloacutegicos para a percepccedilatildeo e
reinvenccedilatildeo das praacuteticas poliacuteticas e culturas em torno do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
desde a tenra idade As muacuteltiplas vertentes teoacutericas que dialogam com a Sociologia da
Infacircncia tecircm caminhado em busca de definiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas no que tange a
construccedilatildeo social da crianccedila na sociedade da qual ela eacute agente ativa de transformaccedilatildeo
Ao considerarmos a infacircncia como parte da sociedade (MUumlLLER 2006) somos
provocados a refletir sobre as diferentes aacutereas do conhecimento com os quais ela dialoga
psicologia antropologia histoacuteria sociologia Pensar a crianccedila a partir do entrelaccedilamento
dessas ciecircncias eacute conferir-lhe status de um ser social complexo e em devir
Buscando atender as especificidades dessa categoria de anaacutelise complexa que eacute a
infacircncia eacute que estabelecemos redes reflexivas com metodologias interativas que
consideram o sujeito da pesquisa enquanto ator social ativo e participante da cultura de
pares e tambeacutem de adultos Dessa maneira os caminhos percorridos para o conhecimento
das vozes dos estudantes foram o da pesquisa interdisciplinar e etnograacutefica Destacamos
primeiramente a pesquisa etnograacutefica que segundo Kramer (2002) garante
29
procedimentos metodoloacutegicos e estrateacutegias favoraacuteveis agraves interaccedilotildees adulto e crianccedila (p
44)
Inicialmente tal escolha se deu por entendermos que seria no miacutenimo incoerente
chegar com uma entrevista fechada para crianccedilas entre 4 a 6 anos responderem O diaacutelogo
com a crianccedila demanda uma postura especial que requer a utilizaccedilatildeo de uma linguagem
proacutepria
Corsaro (2005) jaacute nos falava sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de crianccedilas
explicitando a origem antropoloacutegica desta metodologia que se sustenta em um movimento
de tornar-se nativo Ou seja a construccedilatildeo de uma relaccedilatildeo efetiva e afetiva que contribua
para a anaacutelise das vivecircncias da crianccedila e assim a sua sistematizaccedilatildeo implica em
reconhecer sua cultura e com ela estar disposto a conviver numa relaccedilatildeo de alteridade
Aqui vamos nos referir agraves vozes das crianccedilas como sendo as nossas aliadas nesse
processo de confirmaccedilatildeo das hipoacuteteses Desse modo tais vozes se datildeo de diferentes
formas a partir de ilustraccedilotildees conversas informais conversas entre os pares
silenciamentos Uma ferramenta muito importante para o trabalho foram as notas
registradas no caderno de campo que satildeo parte da metodologia etnograacutefica Todos esses
meios forneceram subsiacutedios para a criaccedilatildeo de praacuteticas e culturas inclusivas sobre a questatildeo
eacutetnico-racial desde a tenra idade
William Corsaro importante pesquisador no campo da Sociologia da Infacircncia com
sua vasta experiecircncia sobre pesquisa etnograacutefica com crianccedilas do Preacute-escolar tem
contribuiacutedo sobremaneira para a reflexatildeo das relaccedilotildees hierarquizantes e portanto
opressoras entre adultos e crianccedilas Suas teorias sobre etnografia na infacircncia reproduccedilatildeo
interpretativa e cultura de pares (CORSARO 2005) reforccedilam a ideia de que a crianccedila eacute um
ator social capaz de receber cultura mas tambeacutem de construir as suas proacuteprias na
interaccedilatildeo
As pesquisas empiacutericas do autor demonstram que o olhar do adulto reconhecendo a
legitimidade da alteridade infantil eacute uma via potente no processo de construccedilatildeo do
conhecimento Ele nos ajuda a pensar sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de
crianccedilas e relata que ao longo de 28 anos escrevendo sobre o tema seu trabalho passou
por significativa transformaccedilatildeo quando deixou de pesquisar sobre para pesquisar com
crianccedilas A seguir um trecho sobre a pesquisa etnograacutefica
30
A etnografia eacute o meacutetodo que os antropoacutelogos mais empregam para estudar as culturas exoacuteticas Ela exige que os pesquisadores entrem e sejam aceitos na vida daqueles que estudam e dela participem Neste sentido por assim dizer a etnografia envolve ldquotornar-se nativordquo Estou convicto de que as crianccedilas tecircm suas proacuteprias culturas e sempre quis participar delas e documentaacute-las Para tanto precisava entrar na vida cotidiana das crianccedilas ndash ser uma delas tanto quanto podia (CORSARO 2005 p 446)
Obviamente que eu natildeo me tornaria uma delas tatildeo pouco falaria por elas Mas o
movimento que William Corsaro defende eacute o de entrar e ser aceito pela comunidade
pesquisada e para isso eu natildeo deveria ldquoagir como um adulto tiacutepicordquo (p 446)
Depreende-se que ldquotornar-se nativordquo envolve falar as linguagens que satildeo proacuteprias
das crianccedilas para entatildeo melhor dialogar com elas ndash E que linguagens satildeo essas Ouso
dizer que satildeo as linguagens do corpo da sonoridade da ludicidade entre outras que
atraem as crianccedilas
Importante afirmar que a infacircncia eacute uma categoria social complexa e pensaacute-la
demanda muitas redes de saberes especialmente nos processos educacionais uma
perspectiva de pesquisa interdisciplinar agrega conhecimentos importantes para pensar a
crianccedila na sua totalidade E para tal buscamos pensar a interdisciplinaridade a partir de
dois autores Juares da Silva Thiesen (2008) e Ivani Fazenda (2010) sobre a qual vamos
aprofundar nossas reflexotildees Vale frisar que cada autor concebe esta metodologia agrave luz de
seus saberes e formaccedilatildeo mas o importante eacute ter consciecircncia de que a essecircncia de suas
percepccedilotildees converge para um soacute caminho o rompimento com a loacutegica fragmentada e
linear do conhecimento imposta pela corrente hegemocircnica das Ciecircncias Modernas
Desse modo Thiesen (2008) nos conduz a pensar na necessaacuteria reforma do
pensamento pelas vias da interdisciplinaridade Para ele a sociedade contemporacircnea
impotildee uma seacuterie de complexificaccedilotildees e para entendecirc-las se faz necessaacuterio uma rede de
sistematizaccedilotildees com saberes interligados
Jaacute Fazenda (2010) aborda a indispensaacutevel transformaccedilatildeo da pedagogia onde a
transmissatildeo do saber precisa dar lugar agraves trocas dialoacutegicas Nos anos 1970 Ivani Fazenda
recebeu influecircncias do pensamento de Hilton Japiassuacute (1976) o primeiro a pesquisar a
Interdisciplinaridade no Brasil enquanto que na Europa (Franccedila e Itaacutelia) esse movimento
jaacute acontecia desde de 1960 Ivani Fazenda pensou inicialmente na construccedilatildeo
epistemoloacutegica do conceito emergindo as seguintes conclusotildees a interdisciplinaridade eacute
31
uma atitude que envolve inovaccedilatildeo dialogo reciprocidade ousadia humildade coerecircncia
espera respeito e desapego
Humildade porque a investigaccedilatildeo interdisciplinar natildeo se limita a meacutetodos senatildeo a
vestiacutegios percebidos na interaccedilatildeo com os atores sociais E tambeacutem parte-se do
entendimento que a dimensatildeo individual eacute deficitaacuteria para a resoluccedilatildeo de conflitos (HAAS
2011) Havendo entatildeo a necessidade de constante diaacutelogo com o outro
Outra atitude importante que dialoga com a interdisciplinaridade eacute a ousadia que
busca e transforma a inseguranccedila em redes reflexivas E eacute esta ousadia que constroacutei as
parcerias entre professoraluno professorprofessor gestorcomunidade escolar
Concordamos com a autora quando reconhece que a interdisciplinaridade eacute senatildeo
um processo um caminho que transforma uma realidade instituiacuteda em experiecircncias
instituintes a partir da relaccedilatildeo de reciprocidade com o outro legiacutetimo outro
Tendo em vista a relevacircncia da interdisciplinaridade e sua urgecircncia em propor novas
formas de investigar de dialogar e construir saberes eacute que realizamos a ponte com a
Sociologia da Infacircncia de modo que fosse possiacutevel articular com suas vertentes teoacutericas
Explicitamos aqui o meacutetodo comparativo da etnografia longitudinal (CORSARO 2005) onde
acompanhamos a transiccedilatildeo dos atores da pesquisa para o ano seguinte em 2016
A etnografia a interdisciplinaridade e a pesquisa-participante enquanto pensar-
fazer se complementam formando redes reflexivas e criando de maneira instituinte um
ensino que dialogue com as relaccedilotildees eacutetnico-raciais na infacircncia
33 QUESTOtildeES EacuteTICAS NA PESQUISA COM CRIANCcedilAS
A reflexatildeo sobre as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas eacute um movimento
contemporacircneo e inovador que natildeo soacute beneficia a comunidade cientiacutefica como tambeacutem o
proacuteprio sujeito participante da pesquisa O que antes representava um sujeito silenciado
em seus saberes e receptor de culturas hoje o vemos como um ator de direitos
reconhecidos resguardados e legitimados
Kramer (2002) ao discorrer sobre autoria e autorizaccedilatildeo na pesquisa com crianccedilas
nos sinaliza alguns pontos importantes quando trabalhamos com a infacircncia enquanto
categoria social As reflexotildees da autora em torno da divulgaccedilatildeo dos nomes das crianccedilas
32
exibiccedilatildeo de seus rostos e devoluccedilatildeo dos achados nos provoca a pensar nos caminhos que
temos percorrido
Ao iniciar a pesquisa adotamos como procedimento eacutetico dar a conhecer os aspectos
da pesquisa aos responsaacuteveis dos estudantes do Preacute-escolar I e II Assim realizamos uma
reuniatildeo onde foi solicitada a participaccedilatildeo dos estudantes Naquele momento foi
endossado que a participaccedilatildeo era voluntaacuteria e o consentimento poderia ser retirado a
qualquer tempo sem prejuiacutezos agrave continuidade das atividades nas minhas aulas
O termo de consentimento assinado pelos responsaacuteveis autoriza a coleta de dados
bem como suas anaacutelises e publicaccedilatildeo dos mesmos Nesse documento foi firmado o
compromisso de omitir os nomes dos participantes tal como a exibiccedilatildeo de suas imagens
Tambeacutem foi garantida a confidencialidade das informaccedilotildees geradas e a privacidade dos
sujeitos da pesquisa
A omissatildeo dos nomes deveu-se a compreensatildeo de que era necessaacuterio resguardar a
integridade da crianccedila mesmo sabendo que o que estava sendo proposto na pesquisa natildeo
apresentasse riscos aparentes O mesmo posicionamento ocorreu em relaccedilatildeo agraves suas
imagens levando em consideraccedilatildeo o alerta de Kramer (2002) sobre o cuidado com a
exposiccedilatildeo de crianccedilas pequenas em que pese a sua necessidade de ser reconhecida
Sobre a devoluccedilatildeo dos achados temos pensado em nosso compromisso com aquela
comunidade escolar que nos recebeu acreditou e incentivou a pesquisa Vislumbramos
socializar os resultados com todos os envolvidos diretamente na pesquisa por diferentes
meios
34 FASES DA PESQUISA
A pesquisa foi dividida em cinco fases transcorrendo de agosto do ano de 2014 a
julho de 2016
Na primeira fase foi realizada pesquisa bibliograacutefica acerca do ensino das relaccedilotildees
eacutetnico-raciais e sua ocorrecircncia nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica Concomitante a essa
busca foram cursadas as disciplinas do programa que possibilitaram uma melhor
aproximaccedilatildeo com o objeto de estudo e deste com os diferentes campos de conhecimento
sob um vieacutes interdisciplinar
33
Na segunda fase a partir de maio de 2015 foi estabelecido contato com a escola para
apresentaccedilatildeo da proposta e solicitaccedilatildeo de autorizaccedilatildeo institucional22 para a coleta de
dados Apoacutes tal autorizaccedilatildeo iniciaram-se as conversas com os responsaacuteveis pelos
estudantes visando uma sensibilizaccedilatildeo sobre a temaacutetica e sua autorizaccedilatildeo para que os
alunos pudessem participar da pesquisa
A terceira fase tendo seu iniacutecio no mecircs de junho de 2015 eacute identificada como
sondagem das percepccedilotildees dos estudantes sobre a temaacutetica eacutetnico-racial durante as
oficinas iniciais nas aulas de Dinamizaccedilatildeo de Leitura Esta teve como objetivo perceber as
preferecircncias desejos e recusas dos alunos com relaccedilatildeo agrave proposta Nessa fase tambeacutem
foram importantes as conversas estabelecidas com os docentes da escola
Na quarta fase iniciada em agosto e perdurando por 6 meses foram realizadas as
oficinas pedagoacutegicas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil com faixa-etaacuteria entre 4 a 6
anos Tais oficinas buscaram articular os conhecimentos propostos pelos RCNEI e pelas DCN
ERER As experiecircncias construiacutedas coletivamente e sistematizadas deram forma ao
caderno23 com orientaccedilotildees pedagoacutegicas sobre o ensino da relaccedilotildees eacutetnico-raciais na
Educaccedilatildeo Infantil A seguir buscamos apresentar os caminhos percorridos em cada uma
das oito oficinas
341 As oficinas
Foram realizadas um total de oito oficinas que tiveram como caminhos
metodoloacutegicos a interdisciplinaridade (FAZENDA 2010 THIESEN 2008) e os princiacutepios
etnograacuteficos de pesquisa com crianccedilas pequenas (CORSARO 2005) Ao longo de cada uma
das accedilotildees buscamos um jeito proacuteprio de pensar e construir saberes desejaacutevamos romper
com a loacutegica cartesiana da razatildeo instrumental que desconsidera os saberes dos sujeitos da
diversidade Assim fomos ao encontro deles buscando entrecom eles na alteridade para
entendermos seus mundos por meio de conversas que nos conduzissem a aprendizagens
Apresentamos as duas primeiras oficinas que representam a terceira fase do projeto
Foram Accedilotildees iniciais para perceber os indiacutecios que os estudantes nos apontavam sobre a
urgecircncia de incluir a temaacutetica naquele contexto Elas tiveram como enfoque a literatura
22 A autorizaccedilatildeo institucional se encontra no apecircndice 711 23Este caderno seraacute disponibilizado em formato digital
34
infanto-juvenil Nos dois momentos que aconteceram em dias distintos com duraccedilatildeo de
50 minutos cada buscamos perceber as narrativas que estavam povoando o imaginaacuterio
daqueles atores sociais e sensibilizaacute-los para a existecircncia de outras histoacuterias especialmente
aquelas nas quais os afrodescendentes e suas matrizes eacutetnicas fossem evidenciadas
A terceira oficina sendo a quarta fase do projeto buscou tornar conhecida uma
Heroiacutena a contrapelo a liacuteder quilombola mageense Maria Conga A oficina foi realizada
com a participaccedilatildeo de matildees tias avoacutes ou irmatildes que foram convidadas para ali estarem
Aconteceu em um soacute dia com duraccedilatildeo total de 1hora e 20 minutos mas foi dividida em
dois momentos No primeiro narramos a histoacuteria de Maria a menina que veio do Congo
Buscou-se uma narrativa intertextual ligando a vida de Maria Conga com a histoacuteria dos
muitos africanos que foram trazidos para o Brasil Em um segundo momento foi proposto
a confecccedilatildeo de bonecas abayomis pelas jovens adultas e idosas que naquele instante
acompanhavam os estudantes
A quarta oficina foi uma sensibilizaccedilatildeo baseada na Pedagogia Griocirc Tal pedagogia
idealizada pela educadora Lilian Pacheco24 baseia-se na valorizaccedilatildeo e transmissatildeo dos
saberesfazeres (ALVES 2001)25 da cultura oral dos sujeitos da regiatildeo Desse modo nesta
oficina buscou-se aproximar os saberes das novas geraccedilotildees aos saberes das geraccedilotildees
passadas por meio das histoacuterias contadas pelas griocirctes locais Neste trabalho as griocirctes
foram duas avoacutes dos estudantes Elas foram escolhidas porque eram mulheres idosas que
representavam os sujeitos da diversidade a avoacute do estudante do ldquoPreacute IIrdquo tem nanismo fato
que chama atenccedilatildeo das crianccedilas pois embora fosse do tamanho deles ela jaacute tinha vivido
quase 60 anos A outra avoacute da estudante do ldquoPreacute Irdquo eacute negra
A oficina foi realizada em dois momentos distintos ocorrendo em duas semanas No
primeiro momento realizou-se a contaccedilatildeo de histoacuterias pelas avoacutes com duraccedilatildeo de cerca de
50 minutos Na semana seguinte os estudantes recontaram aspectos das histoacuterias ouvidas
com massinha de modelar Com os registros desta experiecircncia posteriormente seraacute
confeccionado um viacutedeo animado e legendado com a temaacutetica Histoacuterias de nossa gente
A quinta oficina envolveu a Musicalidade enquanto valor civilizatoacuterio afro-brasileiro
e foi dividida em cinco momentos distintos ocorrendo em um periacuteodo de um mecircs e meio
24 Mais agrave frente discorreremos sobre esta pedagogia 25 Nilda Alves utiliza o recurso de aglutinaccedilatildeo de palavras para indicar a necessidade de ir aleacutem dos limites herdados das Ciecircncias Modernas
35
mais ou menos 6 encontros Buscou-se nesta proposta trabalhar o desenvolvimento de
diferentes competecircncias como a de construccedilatildeo de conceitos a descoberta de instrumentos
musicais eacutetnicos e a confecccedilatildeo deles a construccedilatildeo de rimas ritmos e movimentos As accedilotildees
desta oficina culminaram no ano de 2016 quando foram compartilhadas algumas criaccedilotildees
musicais dos estudantes com as famiacutelias via dispositivos moacuteveis
A sexta oficina foi nomeada como Lendas que nos encantam e teve por objetivo
retornar aos gecircneros literaacuterios como na primeira oficina evidenciando histoacuterias que
precisam ser contadas nas escolas brasileiras Desse modo apresentamos a histoacuteria de uma
aacutervore que representa a ancestralidade africana o Baobaacute
Para trabalharmos a histoacuteria do Baobaacute realizamos dinacircmicas em dois momentos
distintos tendo cada um 50 minutos Na primeira semana foi contada a lenda da seguinte
maneira organizei um cenaacuterio com cartolinas coloridas agrave frente da sala de aula com uma
aacutervore (de papel) de troncos largos cheia de frutos Realizei a leitura da lenda e
posteriormente foram escolhidos alguns estudantes para encenar a histoacuteria sendo os
seguintes personagens o Baobaacute a hiena dois coelhos e outros trecircs bichos Logo em
seguida a partir da minha mediaccedilatildeo os estudantes dinamizaram a lenda expressando
criatividade imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Foi possiacutevel realizar a contaccedilatildeo de histoacuteria pelos
estudantes por trecircs vezes O objetivo era que todos participassem
Na semana seguinte resgatamos a histoacuteria e pedimos agraves crianccedilas que representassem
aspectos daquela histoacuteria por meio de ilustraccedilotildees em folhas e de massinha de modelar
Tais produccedilotildees foram registradas para compor um viacutedeo animado sobre a histoacuteria do Baobaacute
contada a partir do olhar dos estudantes de Conceiccedilatildeo de Suruiacute
35 COLABORADORES NA COLETA DE DADOS
As docentes das turmas a bolsista de extensatildeo e a equipe pedagoacutegicagestora foram
as colaboradoras diretas da pesquisa e contribuiacuteram significativamente para o processo de
investigaccedilatildeo
As professoras regentes das turmas pesquisadas foram fontes importantes para
percepccedilatildeo da urgecircncia em pesquisar o contexto da Educaccedilatildeo Infantil Os relatos de suas
praacuteticas cotidianas das relaccedilotildees interpessoais entre os estudantes e suas famiacutelias da
relaccedilatildeo entre os pares foram fundamentais para potencializar as reflexotildees em direccedilatildeo a
36
inclusatildeo da diversidade Cabe ressaltar que ambas as professoras embora soliacutecitas e agrave
disposiccedilatildeo para contribuir com os achados dificilmente participavam das oficinas Os 50
minutos semanais eram os uacutenicos que elas tinham para realizar o seu planejamento visto
que no municiacutepio de Mageacute os docentes de 1deg segmento natildeo tinham garantido o 13 de
carga horaacuteria semanal para planejamento conforme estabelece a lei federal 117380826
A parceria com a discente da graduaccedilatildeo (bolsista de extensatildeo) durante o processo
de coleta de dados foi um apoio fundamental pois representava um olhar a mais naquele
momento de achados Aleacutem disso a estudante realizou grande parte dos registros
fotograacuteficos enquanto eu mediava as oficinas
A gestora por sua vez foi quem prontamente viabilizou a coleta de dados a partir da
autorizaccedilatildeo institucional e que no decorrer desse processo tambeacutem representou uma
fonte de validaccedilatildeo dos dados coletados visto sua relaccedilatildeo direta com as famiacutelias estudantes
e docentes
Por fim eacute possiacutevel concluir que a coleta de dados desta pesquisa foi permeada por
olhares atentos que culminaram em conversas27 entre noacutes docentes e tambeacutem com
discentes para potencializar um ensino onde a inclusatildeo da diversidade se tornasse uma
constante
36 PRODUTOS DO PROJETO
Os produtos desta pesquisa satildeo tecnologias educacionais Todas elas estatildeoseratildeo28
disponibilizadas online29 visando contribuir para que outros docentes da Educaccedilatildeo Infantil
(e tambeacutem dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica) possam trabalhar com o ensino das
relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo em consideraccedilatildeo a diversidade e a inclusatildeo
26 Lei que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magisteacuterio puacuteblico da Educaccedilatildeo Baacutesica E prevecirc ldquoo limite maacuteximo de 23 (dois terccedilos) da carga horaacuteria para o desempenho das atividades de interaccedilatildeo com os educandosrdquo (sect 4ordm do art 2ordm) Significando assim que 13 (um terccedilo) da jornada destinar-se-ia agraves atividades de planejamento e formaccedilatildeo continuada do docente Conforme Brasil (2008) 27 Concordamos com CARVALHO (2011) que ao pensar o curriacuteculo como comunidade de afetos orienta que professores e alunos professores e professores conversem e ao considerar a alteridade construam inteligecircncia coletiva 28 Alguns produtos jaacute foram publicados como o cataacutelogo de livros eacutetnicos Outros seratildeo lanccedilados apoacutes a publicaccedilatildeo do caderno digital 29 Paacutegina na rede social (Facebook) construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo Link httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoeudantesetnicoraciaisartesdefazer
37
Os produtos deste trabalho podem ser definidos como
1 A construccedilatildeo do espaccedilo virtual (uma paacutegina na rede social) para o compartilhamento
das accedilotildees pedagoacutegicas e os produtos da pesquisa Este suporte midiaacutetico foi validado
pelo acesso que tem recebido chegando a um alcance de 160 pessoas em algumas
semanas no ar A maior parte desse puacuteblico eram pessoas da proacutepria comunidade
escolar pais dos estudantes professores funcionaacuterios da escola e os proacuteprios alunos
Vale ressaltar que esta paacutegina foi construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo
ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos iniciais artes de fazer e fazer-
se professorrdquo sendo assim intitulada por ldquoO ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais artes
de fazer e fazer-se professorrdquo Portanto ao vincular-se ao projeto de extensatildeo sua
criaccedilatildeo visou divulgar tambeacutem as accedilotildees extensionistas que aconteciam na
escolauniversidade contemplando as turmas do Ensino Fundamental Vale frisar
que temos difundido para aleacutem dos muros da escola o pensamento inclusivo sobre
a diversidade atingindo a comunidade escolar docentes e outros sujeitos de Mageacute
2 Um cataacutelogo de livros disponiacutevel na biblioteca comunitaacuteria localizada na Escola
Municipal Dinorah dos Santos Bastos e que tambeacutem se encontra no espaccedilo virtual
citado acima Este material tem auxiliado os docentes dos anos iniciais na busca pelas
temaacuteticas indiacutegenas e africanidades
3 Coletacircnea de muacutesicas com as vozes das crianccedilas A gravaccedilatildeo das cantigas populares
pelos proacuteprios estudantes foi compartilhada com os responsaacuteveis no iniacutecio do ano
corrente O principal objetivo foi dar um feedback das accedilotildees do ano anterior e
tambeacutem possibilitar a apreciaccedilatildeo de um trabalho autoral feito por seus proacuteprios
filhos Com a finalizaccedilatildeo do caderno e sua publicaccedilatildeo estas muacutesicas seratildeo lanccediladas
na paacutegina do Facebook
4 Dois viacutedeos animados elaborados a partir das produccedilotildees artiacutesticas dos estudantes
Esses viacutedeos tambeacutem foram feitos a partir das produccedilotildees dos estudantes tendo
como temaacutetica lendas locais e de ancestralidade africana O procedimento seraacute o
mesmo sua publicaccedilatildeo seraacute concomitante agrave publicaccedilatildeo do caderno na paacutegina virtual
5 Um caderno pedagoacutegico digital que tambeacutem disponibilizaremos na paacutegina em
formato PDF Adotamos alguns criteacuterios para a estruturaccedilatildeo do caderno pedagoacutegico
que foram linguagem adequada ao puacuteblico formato claro e estruturado propostas
38
exequiacuteveis articulaccedilatildeo entre teoria e praacutetica e adequaccedilatildeo aos paracircmetros da
Educaccedilatildeo Infantil Acreditamos na capacidade desde produto em potencializar o
pensamento inclusivo sobre a diversidade eacutetnico-cultural do povo brasileiro E com
isso suscitar modos de pensar e de produzir experiecircncias instituintes na Educaccedilatildeo
Infantil A priori vamos identificar esse produto como uma tecnologia de transmissatildeo
de conhecimento visto que nele seratildeo apresentados saberes construiacutedos nas oficinas
sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais e que foram validadas por estudantes e docentes da
Educaccedilatildeo Infantil durante as praacuteticas cotidianas Acreditamos que o professor na sua
capacidade reflexiva ao interagir com este material tambeacutem poderaacute modificar e
servir de inspiraccedilatildeo para outras praacuteticas natildeo buscando ser um modelo para
reproduccedilatildeo Dessa forma o docente enquanto sujeito reflexivo precisa reinventar
as atividades propostas de acordo com sua realidade criando e recriando artes de
fazer
Figura 1 Paacutegina na Rede Social Fonte Daise dos Santos Pereira
Na Figura 1 temos um registro da paacutegina virtual jaacute citada anteriormente Dominick
(2015) nos provoca a pensar nos possiacuteveis status dessa tecnologia informacional Seria ela
interativa ou difusora Para a autora haacute miacutedias difusoras onde o conhecimento eacute
produzido por alguns e difundido como eacute o caso da televisatildeo e do raacutedio Mas haacute aquelas
39
que possibilitam uma interaccedilatildeo entre os sujeitos pois se apresentam como uma
possibilidade de dialogia Esse espaccedilo na internet busca difundir um conhecimento mas
tambeacutem eacute um lugar de diaacutelogo de possibilidades de interaccedilotildees com professores que vatildeo
aleacutem da reproduccedilatildeo de ideias
Neste endereccedilo tambeacutem disponibilizamos alguns livros infanto-juvenis em formato
PDF que podem ser baixados um cataacutelogo com os livros de literatura com temaacutetica eacutetnica
(indiacutegena e africana) que elaboramos a partir da busca no acervo da biblioteca da escola
Neste material satildeo encontrados o resumo a faixa-etaacuteria e o nuacutemero de paacuteginas de cada
obra A elaboraccedilatildeo deste cataacutelogo surgiu pela necessidade de identificarmos as obras
literaacuterias eacutetnicas e por identificarmos nas atividades de implementaccedilatildeo de leitura pouca ou
nenhuma familiaridade dos docentes da escola com o acervo das matrizes eacutetnicas africanas
e indiacutegenas Por exemplo na semana do dia do iacutendio uma das docentes relatou dificuldade
para achar uma obra que tratasse do tema Ao procurar achamos 39 exemplares de
temaacutetica indiacutegena e africana Hoje contamos com um pouco mais de 50 livros em nosso
acervo escolar
Logo seraacute possiacutevel encontrar na paacutegina gravaccedilotildees musicais dos estudantes os viacutedeos
animados das histoacuterias locais produzidos com os mesmos e algumas fotografias das accedilotildees
realizadas na escola Buscaremos assim que publicados esses produtos disponibilizar o
texto dessas histoacuterias em PDF Esta eacute uma estrateacutegia de ferramenta acessiacutevel para pessoas
cegas Assim a histoacuteria pode ser lida pelo leitor de tela para os deficientes visuais
Intencionamos com isso abrir caminhos para ampliar o diaacutelogo com a tecnologia acessiacutevel
(DOMINICK 2015) de modo a alcanccedilar crianccedilas surdas cegas ou com deficiecircncias fiacutesicas
Desse modo acreditamos estar favorecendo praacuteticas docentes inclusivas da
diversidade Reafirmamos no entanto que tais meios soacute seratildeo de fato aliados a um saber-
fazer emancipatoacuterio na medida em que o docente os assumir como extensatildeo de suas
reflexotildees e de seus braccedilos natildeo como modelo a ser seguido Para tal ele precisa ser o que
Schoumln (2000) denominou como professor reflexivo um sujeito que para Castels (1999) eacute
interagente De forma que quando ele entrar em contato com os produtos desta pesquisa
iraacute se apropriar e dialogar com os conhecimentos ali expostos assim como apresentar
outras ideias e tambeacutem suas praacuteticas
40
4 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
41 DADOS COLETADOS REFLEXOtildeES INICIAIS
Em nossa pesquisa bibliograacutefica identificamos a invisibilidade da questatildeo racial no
sistema educacional brasileiro principalmente no que tange a produccedilatildeo teoacuterica
articulando as questotildees de raccedila e etnia para o trabalho com a Educaccedilatildeo Infantil
Posteriormente na escola buscamos identificar se de fato havia a observacircncia e
cumprimento da lei federal 1164508 Ao confirmar nossa hipoacutetese de que pouco estava
sendo trabalhado buscou-se intervir para promover uma cultura escolar mais inclusiva das
matrizes eacutetnicas e culturais que fazem parte de nossa gente
Identificamos alguns aspectos no cotidiano da escola que confirmaram a relevacircncia
da pesquisa com aquele grupo tais como raras praacuteticas abordando a diversidade eacutetnico-
racial com foco nas influecircncias africanas e indiacutegenas tendo em vista inclusive as influecircncias
das etnias afro e indiacutegena (e que por sinal satildeo muito fortes na regiatildeo) presenccedila de um
ambiente fortemente marcado por narrativas monoculturais isto eacute murais com
personagens brancos e somente os claacutessicos literaacuterios europeus compondo a oferta de
leitura para as crianccedilas Identificamos ainda no diaacutelogo com as professoras evidecircncias de
accedilotildees discriminatoacuterias entre as crianccedilas pequenas silecircncio em torno de situaccedilotildees
conflituosas e a falta de formaccedilatildeo que as ajudasse a lidar com a questatildeo de forma a superar
o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo
Os dados coletados inicialmente foram ao encontro de minhas primeiras anguacutestias
quando ao ingressar na especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria me dei conta de que as
praacuteticas dos docentes da Educaccedilatildeo Infantil e dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica estavam
ainda distantes do que entendemos por Educaccedilatildeo para Todos visto que ateacute aquele
momento natildeo existiam orientaccedilotildees legais para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais e assim
para o rompimento da cultura do racismo no cotidiano escolar
Acreditando que poderia organizar praacuteticas instituintes em diversidade e inclusatildeo
com crianccedilas pequenas sobre as questotildees eacutetnico-raciais foi que caminhei mais alguns
passos
41
42 PERCEBENDO AS VOZES OFICINAS INICIAIS
Durante 2 meses interagindo com os discentes30 busquei indiacutecios que me
conduziram para a estruturaccedilatildeo das primeiras oficinas Logo apoacutes foram apresentadas
duas oficinas que buscaram confirmar ou refutar as observaccedilotildees feitas e as informaccedilotildees
coletadas com os adultos Elas tiveram como enfoque o trabalho com a literatura infantil
Importante salientar que estas accedilotildees com os estudantes sustentaram as hipoacuteteses iniciais
sobre a urgecircncia de um rompimento com as praacuteticas e culturas do cotidiano escolar que
natildeo alcanccedilam a diversidade eacutetnico-racial presente na localidade Majoritariamente as
praacuteticas curriculares cotidianas reforccedilam praacuteticas monoculturais e etnocecircntricas
contribuindo muitas vezes para a existecircncia de comportamentos racistas e segregadores
entre os estudantes e mesmo entre os profissionais da escola
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (idade entre 4 e 5 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje a turma estava com 14 alunos no total Iniciamos a aula no paacutetio da escola tendo em vista a obra que estaacute acontecendo no preacutedio desde o recesso escolar Expusemos em um varal alguns livros do acervo da biblioteca da escola A opccedilatildeo pelo varal foi uma estrateacutegia para que os estudantes visualizassem melhor as obras para assim apontarem suas preferecircncias As obras estavam divididas em contos claacutessicos da literatura europeia e histoacuterias de temaacutetica eacutetnica Foram apresentados 12 livros Entre os contos claacutessicos estavam ldquoO chapeuzinho vermelhordquo ldquoOs trecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoCinderelardquo ldquoPinoacutequiordquo e ldquoJoatildeo e o peacute de feijatildeordquo Entre os livros que contavam histoacuterias com temaacutetica eacutetnico-racial estavam ldquoO cabelo de Lelecircrdquo ldquoLilaacute e o segredo da Chuvardquo ldquoCadecircrdquo ldquoA menina e o tamborrdquo ldquoChuva de mangardquo ldquoHistoacuterias da nossa genterdquo e ldquoBichos da Aacutefricardquo Iniciamos a dinacircmica perguntando aos alunos as suas preferecircncias Todos demonstraram grande interesse pelos contos claacutessicos mas buscando saber sobre o que pensavam sobre os outros livros perguntei se algueacutem conhecia ou se gostaria de conhecer Apresentamos cada um deles e depois solicitamos que fossem ao varal pegar o que fosse de interesse do grupo Como era de imaginar a grande maioria foi para o lado dos contos claacutessicos europeus
30 Interagia enquanto professora itinerante da sala de leitura uma vez por semana
42
Eu e Pacircmela (bolsista da extensatildeo) insistimos na provocaccedilatildeo mostrando os outros
livros ldquoE aqueles livros ningueacutem quer lerrdquo
Ateacute que uma estudante negra foi ateacute o livro ldquoCadecircrdquo (Graccedila Lima) e o pegou Haacute em
sua capa um menininho negro e pensei naquele momento que talvez houvesse uma
tiacutemida identificaccedilatildeo por parte da menina com o personagem O livro conta a histoacuteria das
fantasias de um menino pequeno que vai descobrindo o mundo ao seu redor A cada
descoberta uma surpresa Nesse enredo uma mesa se torna uma girafa O sofaacute um
rinoceronte E a matildee participa junto com o menino dessas descobertas emoccedilotildees e
fantasias
A partir de sua escolha questionamos aos colegas se eles gostariam de ouvir a
histoacuteria daquele livro Cabe ressaltar que esta menina demonstrava ao longo das atividades
uma identificaccedilatildeo positiva com a sua cor sem recusas quando lhe era proposto ser
personagem negra por exemplo Entre os 14 alunos 10 concordaram em ouvir Ao final da
histoacuteria perguntamos se ali tinha algueacutem parecido com o menininho do enredo e trecircs
crianccedilas disseram prontamente que sim que eram muito parecidos
Fizemos tambeacutem uma votaccedilatildeo para saber quais as preferecircncias deles sobre os
claacutessicos O resultado foi 12 alunos votaram nos Trecircs porquinhos 10 em Joatildeo e o peacute de
feijatildeo 11 em Pinoacutequio 14 em Joatildeo e Maria 7 em Chapeuzinho vermelho 10 em Cinderela
Joatildeo e Maria foi o enredo de preferecircncia da turma Importante ressaltar que a votaccedilatildeo
naquele primeiro momento foi para sondar as preferecircncias Ao longo das atividades e
oficinas estabelecemos diaacutelogos com as obras a partir de sua releitura e intercaladas com
as obras eacutetnico-raciais
43
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I Fonte Daise dos Santos Pereira
Apoacutes a contaccedilatildeo da histoacuteria do livro ldquoCadecircrdquo sugerimos que cada um registrasse em
um desenho em folha A4 a histoacuteria que quisesse Podia ser a que tiacutenhamos acabado de ler
ou uma das que estavam no varal Trecircs crianccedilas natildeo quiseram realizar a tarefa Dentre elas
dois meninos e uma menina Apesar disso pegaram os livros para folhear Dos 11 desenhos
entregues apenas dois representaram um livro de temaacutetica eacutetnica ldquoO Cabelo de Lelecircrdquo Os
demais foram representaccedilotildees de ldquoTrecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoChapeuzinho
Vermelhordquo Em um dos desenhos havia 2 personagens que a estudante identificou como
Joatildeo e Maria e um terceiro personagem com feiccedilatildeo de mal identificado como ruim
Quando perguntamos quem era o personagem a estudante apontou para o livro ldquoChuva
de mangardquo que tem na capa um menininho negro
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (idade entre 5 e 6 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje demos continuidade agrave oficina de preferecircncia literaacuteria a partir dos livros que compotildee o acervo da escola Assim como realizado com a turma do Preacute-escolar I exibimos 12 livros sendo metade deles com a temaacutetica
44
eacutetnico-racial e a outra com os contos europeus Cabe ressaltar que na escola haacute pouca literatura com a temaacutetica eacutetnico-racial que atenda agrave faixa-etaacuteria do Preacute-escolar Neste sentido dois dos livros exibidos para os alunos estavam para aleacutem da faixa etaacuteria das crianccedilas Natildeo obstante a escolha por eles deveu-se aos nomes e ilustraccedilotildees da capa serem bem sugestivas Pensamos que poderiam aguccedilar a curiosidade das crianccedilas E foi o que aconteceu A turma possui um total de 18 alunos Neste dia estavam presentes apenas 12 O horaacuterio escolhido para as atividades foi o de 10h agraves 11h Este foi escolhido a partir de negociaccedilatildeo com a professora regente visto a sua solicitaccedilatildeo No entanto temos percebido grande necessidade de rever o horaacuterio da aula realizando-a no primeiro tempo pois entendemos que no iniacutecio do dia o aproveitamento da atividade eacute maior
Importante salientar que ao iniciarmos a pesquisa de campo nos deparamos com
diferentes limitaccedilotildees inclusive estruturais que consideramos relevantes evidenciar neste
trabalho No mecircs de agosto de 2015 a escola passou por obras em todo o preacutedio pois o
telhado desmoronou durante o recesso escolar Para natildeo haver prejuiacutezos nas atividades
escolares e natildeo deixar lacunas no calendaacuterio letivo foi decido que as aulas prosseguiriam
e a gestora improvisou duas ldquosalas de aulardquo dentro da biblioteca31 localizada em uma
estrutura anexa ao preacutedio em reforma Contamos tambeacutem com o quintal da escola onde
foi improvisado um espaccedilo com carteiras e quadro Vale ressaltar que a associaccedilatildeo de
moradores cedeu o espaccedilo para as aulas de 2 turmas do turno da manhatilde Identificamos
assim que haacute uma boa relaccedilatildeo da escola com a comunidade e que a gestora juntamente
com sua equipe buscou soluccedilotildees para os problemas
Com todos esses acontecimentos na escola os momentos para o trabalho com as
crianccedilas ficaram um pouco limitados tendo em vista a necessidade de reestruturaccedilatildeo dos
tempos e espaccedilos da escola e assim a adaptaccedilatildeo dos estudantes A turma do Preacute-escolar
II da manhatilde ficou um pouco prejudicada na atividade de leitura pois com a mudanccedila da
rotina ao final do dia as crianccedilas estavam bastante agitadas dificultando a realizaccedilatildeo de
nossa proposta No horaacuterio da tarde quando realizamos a atividade com o Preacute-escolar I o
horaacuterio era mais flexiacutevel pois a escola possuiacutea apenas 3 turmas
Intencionaacutevamos no primeiro momento realizar uma sensibilizaccedilatildeo para as
literaturas expostas para em seguida identificar as preferecircncias das crianccedilas Em um
segundo momento contariacuteamos a histoacuteria escolhida e depois iriacuteamos sugerir ilustraccedilotildees
31 Temos em nossa escola uma biblioteca comunitaacuteria que faz parte de iniciativas de organizaccedilotildees natildeo governamentais das seguintes instituiccedilotildees Instituto Ecofuturo e ONG Aacutegua Doce
45
que representassem a histoacuteria narrada No entanto o curto tempo inviabilizou estas accedilotildees
Apesar disso coletamos as preferecircncias dos estudantes acerca das literaturas Como jaacute
sinalizado anteriormente expusemos as 12 obras Das obras relacionadas agrave relaccedilotildees
eacutetnico-raciais apenas uma chamou atenccedilatildeo dos alunos talvez pela capa e pelo nome
sugestivo ldquoBichos da Aacutefricardquo Nenhuma das obras era conhecida pelos alunos Ao contraacuterio
dos claacutessicos onde se destacou a histoacuteria dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II Fonte Daise dos Santos Pereira
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar II
Tendo em vista o interesse dos estudantes pela obra dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo a escolhemos como tema central para guiar nossa atividade de hoje que visa identificar a percepccedilatildeo que as crianccedilas trazem do negro Eacute sabido que toda accedilatildeo educativa eacute potencializada quando os conhecimentos e interesses preacutevios dos estudantes satildeo reconhecidos para integrar as atividades cotidianas Segundo a Sociologia da Infacircncia o coletivo deve exercer uma grande importacircncia no cotidiano escolar e sendo a crianccedila um ator social eacute preciso considerar que ela estaacute a todo momento negociando compartilhando e criando cultura com os adultos e entre seus pares A atividade transcorreu inicialmente com a contaccedilatildeo
46
da histoacuteria Havia na turma 9 alunos sendo que apenas 7 participaram da atividade pois 2 estudantes precisaram ir embora mais cedo devido a conduccedilatildeo32 Propositalmente invertemos as cores dos personagens os porquinhos que no geral se apresentam nas cores rosa ou branco foram representados em marrom O lobo que tendencialmente eacute preto ou marrom foi apresentado como branco Tal provocaccedilatildeo baseou-se em uma ideia construiacuteda ao longo da histoacuteria de que o negro seria a origem de todo o mal E assim queriacuteamos realizar uma ruptura com o padratildeo ldquobranco divinizado x negro endemoniadordquo Tambeacutem intencionaacutevamos perceber se haveria algum impacto na percepccedilatildeo das crianccedilas (Narrativa registrada no meu caderno de campo dia 18082015)
Optamos por contar a histoacuteria usando nossas taacuteticas de praticantes do cotidiano
(CERTEAU 1994) Assim confeccionamos um avental temaacutetico com fantoches para
narrarmos a histoacuteria dos Trecircs Porquinhos
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tivemos a participaccedilatildeo direta de todos os discentes ao longo da narrativa Estavam
atentos a cada movimento Ao final do enredo os estudantes disseram a claacutessica frase ldquoE
eles viveram felizes para semprerdquo
Interrompi-os dizendo que a histoacuteria ainda natildeo tinha acabado Contei-lhes que havia
duas famiacutelias muito interessadas em adotar os dois porquinhos mais novos e que noacutes
32 O ocircnibus nesta regiatildeo passa de hora em hora Precisamos alterar o horaacuterio das aulas em virtude dos estudantes terem que sair meia hora antes do teacutermino das oficinas
47
teriacuteamos uma tarefa muito importante escolher qual seria a famiacutelia ldquomais legalrdquo para
adotar os dois porquinhos
As imagens construiacutedas para representar as duas famiacutelias eram com as seguintes
caracteriacutesticas a primeira famiacutelia sendo branca com olhos azuis de cabelos lisos com pai
matildee e um casal de filhos pequenos Enquanto a segunda famiacutelia era representada por
pessoas negras com avoacute avocirc pai matildee e um casal de filhos pequenos Assim expusemos
os dois cartazes cada um com um retrato da famiacutelia e uma casa representando o lar de
tijolos com o tiacutetulo Famiacutelia legal
Cada crianccedila recebeu uma ficha com o seu respectivo nome para colocar no cartaz
conforme fosse solicitado As perguntas que dinamizaram as escolhas foram ldquoQual eacute a
famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Tivemos muito cuidado
para natildeo influenciar na opiniatildeo deles com as nossas falas
Chamamos entatildeo a primeira aluna dentre os sete que estavam participando da
aula Perguntamos sobre sua escolha prontamente respondeu que a famiacutelia era legal
porque era da mesma cor dos porquinhos e tambeacutem igual a ela Fomos chamando os
demais que escolheram a famiacutelia branca Todos responderam que aquela era a famiacutelia mais
legal pois pareciam com eles ndash os estudantes ndash que eram brancos Dentre os cinco que
deram esta resposta trecircs foram bastante expressivos respondendo prontamente sem
hesitar
O uacuteltimo aluno a realizar a escolha optou pela famiacutelia afro-brasileira Respondeu que
a famiacutelia era legal porque era igual a ele e ao ldquoporquinho pretinhordquo Foi uma resposta
surpreendente pois ateacute entatildeo em atividades anteriores os indiacutecios apresentados por esse
estudante eram de distanciamento da figura do negro
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo A escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar I
A turma do Preacute-escolar composta inicialmente por 18 estudantes natildeo estava completa Contamos nesse dia com apenas 14 alunos A dinacircmica foi a mesma realizada com a turma do ldquoPreacute IIrdquo e no primeiro momento das aulas Escolhemos o enredo dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo tendo em vista que este conto tambeacutem faz parte do repertoacuterio de preferecircncias literaacuterias dos estudantes Iniciamos a contaccedilatildeo de histoacuteria a partir de fantoches
48
como jaacute sinalizado anteriormente A inversatildeo das cores dos personagens natildeo provocou nenhum comentaacuterio por parte dos estudantes Durante todo enredo os estudantes se colocaram atentos e participativos a cada provocaccedilatildeo Quando foram chamados a realizar a tarefa de escolher as famiacutelias para adoccedilatildeo dos 2 porquinhos prontamente pegaram as fichas com seus nomes Vale ressaltar que estas crianccedilas jaacute fazem o reconhecimento de seus nomes e tambeacutem de seus colegas agrave exceccedilatildeo de uma estudante A cada crianccedila escolhida para votar faziacuteamos o seguinte questionamento ldquoQual eacute a famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Timidamente as crianccedilas iam ateacute os cartazes e escolhiam as famiacutelias Como jaacute relatado eram dois modelos de famiacutelia uma branca e outra negra As primeiras escolhas foram para as famiacutelias brancas e as respostas quando questionadas sobre a razatildeo da escolha eram ldquoPorque simrdquo Ateacute o momento em que uma crianccedila negra votou na famiacutelia negra Mas natildeo quis dizer a razatildeo O resultado foi 9 crianccedilas escolheram a famiacutelia branca e 5 escolheram a famiacutelia negra Dentre as que escolheram a famiacutelia branca a maioria eu considero como crianccedila branca ou parda As crianccedilas que escolheram a famiacutelia negra satildeo identificadas como uma eacute negra e as demais pardas (Narrativa da oficina em meu caderno de campo dia 18082015)
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) Fonte Daise dos Santos Pereira
Essas oficinas iniciais abriram caminhos para que houvesse uma mudanccedila na cultura
escolar no sentido de tornaacute-la acolhedora agrave diversidade Elas revelaram a necessidade de
construccedilatildeo de um ambiente que provocasse a ruptura com as histoacuterias uacutenicas Aleacutem de
49
identificarmos a ausecircncia de imagens e materiais que evidenciassem a etnia de matriz afro-
brasileira no espaccedilo escolar identificamos que a maioria das crianccedilas natildeo se identificava
com sua origem eacutetnica
Cuidamos a partir de entatildeo para que os murais de nossa escola passassem a ter
personagens negros bem como brancos e indiacutegenas As estantes de nossas salas passaram
a ter natildeo soacute os contos claacutessicos europeus Outras histoacuterias passaram a fazer parte do acervo
das salas e os estudantes passaram a pedir para ouvir e contar histoacuterias protagonizadas por
afrodescendentes E elas agora compotildee o acervo particular das salas de aula33
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tambeacutem foi iniciado um projeto de incentivo agrave leitura onde os estudantes do Preacute-
escolar levavam para as suas casas semanalmente livros da temaacutetica eacutetnico-racial
(indiacutegena e africana) Para que esse projeto acontecesse houve a necessidade de descobrir
aonde estavam essas literaturas
33 Obras mais solicitadas pelos estudantes Cadecirc (Graccedila Lima) Abareacute (Graccedila Lima) O Senhor da Histoacuterias (Wellington Srbek) O Cabelo de Lelecirc (Valeacuteria Beleacutem) A menina e o tambor (Mariacircngela Haddad) Menina bonita do laccedilo de fita (Ana Maria Machado) e as lendas do Baobaacute e a da Mirindiba
50
Com a colaboraccedilatildeo da funcionaacuteria da biblioteca da escola e da bolsista de extensatildeo
achamos 39 livros da temaacutetica procurada alguns catalogados e outros natildeo Havia mais
livros infanto-juvenis do que infantis34 para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar
Apoacutes esses achados decidimos elaborar um cataacutelogo35 com as obras eacutetnicas para
potencializar as nossas accedilotildees e viabilizar o contato dos docentes da escola com essas
literaturas
As accedilotildees proporcionaram resultados positivos desde o iniacutecio da pesquisa Pudemos
perceber o fortalecimento das identidades dos estudantes negros o respeito e o diaacutelogo
com a diversidade quando os estudantes em sua maioria passaram a optar por enredos
protagonizados por crianccedilas mulheres e homens afrodescendentes A parceria com as
famiacutelias tambeacutem foi fundamental nesse processo que para aleacutem de contribuir para o
rompimento com as histoacuterias uacutenicas ajudou na formaccedilatildeo de sujeitos leitores responsaacuteveis
e cuidadosos com os livros que carregavam e que teriam que retornar na semana seguinte
para dar continuidade aos empreacutestimos36
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas Fonte Arquivo pessoal da autora
34 Esse problema nos levou a confeccionar alguns livros infantis Estes foram baixados na internet e podem ser encontrados na paacutegina do projeto de extensatildeo 35 Esse cataacutelogo foi um primeiro produto gerado pelo projeto e estaacute disponiacutevel em httpswwwfacebook comoensinodasrelacoesetnicoraciaisartesdefazerphotostab=albumampalbum_id=1561437514148129 36 Dispuacutenhamos de 8 livros infantis para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar Cada turma ficou com 4 livros que semanalmente contemplavam 4 estudantes
51
Nesse primeiro momento para aleacutem de construir uma cultura inclusiva (BOOTH e
AISCOW 2011) no ambiente escolar estaacutevamos buscando alcanccedilar a todos familiares
estudantes e professores
43 OFICINA 3 - CONHECENDO MARIA A MENINA QUE VEIO DO CONGO
A histoacuteria que vocecircs iratildeo ouvir aconteceu haacute algum tempo quando as pessoas eram vendidas como coisas e obrigadas a servir os mais fortes como escravos37 Nossa personagem principal eacute a menina Maria que nasceu no Continente Africano em um paiacutes chamado Congo Maria nasceu em 1792 Ela sua famiacutelia e seus amigos foram trazidos para o Brasil pelos portugueses para trabalharem pesado Maria e os demais africanos sofreram muito para chegar ao Brasil Na eacutepoca o uacutenico transporte que fazia longas viagens era o navio E o que transportava os africanos chamava-se navio negreiro Os navios atravessavam o oceano atlacircntico e isso durava meses de muito sofrimento Quem mais sofria nessa viagem eram as crianccedilas pois natildeo tinham o que comer beber vestir dormir e brincar Elas choravam assustadas ao ver tanta dor e sofrimento As matildees faziam de tudo para diminuir aquela dor e trazer um pouco de alegria para seus filhos Sabendo que Maria gostava muito de bonecas a matildee dela resolveu cortar pedaccedilos de sua roupa para fazer uma boneca para ela A matildee de Maria e outras mulheres em um gesto de amor rasgam suas roupas com as proacuteprias matildeos e fazem bonecas muito especiais chamadas Abayomi Satildeo pequenas bonecas negras feitas de pano e sem costura apenas com noacutes ou tranccedilas A palavra abayomi tem origem no Iorubaacute e significa aquele que traz felicidade ou alegria Sabemos que o ato de rasgar as roupas com suas proacuteprias unhas representa um grande gesto de amor de uma matildee que quer ver seu filho feliz A matildee de Maria estava dando o que ela tinha de melhor as suas vestes Dar uma boneca Abayomi a algueacutem eacute um ato de carinho e nobreza Desde esse dia Maria guardou com muito cuidado e carinho o presente de sua matildee Quando em 1804 chegou ao Brasil aos 12 anos ela carregava sua boneca no colo Infelizmente foi separada de sua famiacutelia e vendida para um senhor de engenho em Salvador Aos 18 anos foi transferida para o Rio de Janeiro E com 24 chegou no Porto de Piedade em Mageacute Cidade onde construiu um linda histoacuteria mas que poucos tiveram o privileacutegio de conhecer Vamos assim como Maria confeccionar uma abayomi e presentear a quem noacutes amamos38
37 Importante ressaltar que os negros natildeo nasceram escravos A expressatildeo escravizados marca um processo de pessoas que sofreram com a escravidatildeo Jaacute a expressatildeo escravo remete a condiccedilatildeo de quem foi considerado como uma simples mercadoria 38 Releitura da histoacuteria da boneca Abayomi resignificada a partir da biografia da liacuteder quilombola mageense Maria Conga Esta narrativa foi construiacuteda por mim a fim compor a oficina de contaccedilatildeo de histoacuterias
52
A narrativa acima abre a oficina que resgatou a histoacuteria da liacuteder quilombola mageense
Maria Conga39
Maria Conga nasceu no Continente africano no ano de 1792 Veio para o Brasil pilhada junto com seus pais e irmatildeos por volta de 1804 Ganhou a liberdade apoacutes 11 anos de trabalho e logo foi alforriada por volta do ano 1854 Aos 35 anos de idade assumiu o compromisso de lutar pela liberdade e dignidade de sua raccedila Dela ficou a lembranccedila de que nunca a viu chorar Contavam que foi estuprada pelo senhor de engenho e que ele tinha tomado seu corpo poreacutem natildeo a sua alma Mulher de luta mulher guerreira Maria fez histoacuteria no municiacutepio de Mageacute A partir de sua alforria Maria iniciou sua trajetoacuteria como lideranccedila deste quilombo Recebendo aqui os escravos fugidos de diversas outras comunidade e fazendas que jaacute conheciam ou ouviram falar da mulher que Maria era e representava para todos eles Aqui Maria vivia com orgulho Aqui Maria mulher negra escrava guerreira alforriada protegia seus irmatildeos e os acolhia Aqui morreu Maria Maria Guerreira Que veio do Congo Orgulho de ser Quilombola40
Esta oficina foi dividida em duas partes em um primeiro momento foi realizada a
contaccedilatildeo de histoacuteria para os pais e estudantes das duas turmas de Educaccedilatildeo Infantil (Preacute-
escolar I e II)41 e no segundo momento foi realizada a confecccedilatildeo de bonecas abayomis
onde as matildees tias avoacutes e irmatildes dos estudantes agrave moda das negras confeccionaram
bonecas com apenas alguns pedaccedilos de pano para a diversatildeo de suas crianccedilas
Os fios condutores da elaboraccedilatildeo desta oficina foram alguns dos valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e femininos representados pela oralidade ludicidade memoacuteria
cooperativismo e ancestralidade Evidenciar a histoacuteria de uma mulher quilombola que eacute
hoje esquecidadesconhecida em sua proacutepria ldquoaldeiardquo por meio desses valores foi o
objetivo desta oficina
Esta pesquisa com os atores sociais de uma escola no Municiacutepio de Mageacute natildeo estaria
completa sem o descortinar das memoacuterias da ancestral negra pobre e guerreira que lutou
ateacute o fim da vida pelos seus representando para noacutes uma heroiacutena a contrapelo
Certamente as relaccedilotildees de poder que classificam excluem e segregam fizeram questatildeo de
39 Maria Conga foi reconhecida no ano de 1988 (centenaacuterio da Aboliccedilatildeo da escravatura) heroiacutena negra mageense No ano de 2007 o quilombo por onde passou torna-se reconhecido por seu valor histoacuterico pela Fundaccedilatildeo Palmares 40 Narrativa do documentaacuterio Maria Conga Orgulho de ser Quilombola Disponiacutevel em lthttpcinemina pontodevisaoblogspotcombrgt Consultado em 06042016 41 Esta oficina foi realizada nas duas turmas tendo duraccedilatildeo de 1h30 minutos
53
submergir a imagem desta personalidade por meio do racismo e preconceito42 Natildeo
obstante enquanto professora-pesquisadora mageense e sensiacutevel aos silenciamentos
acerca do passado e dos heroacuteis que a histoacuteria oficial natildeo privilegia eacute que me movo em
direccedilatildeo agraves praacuteticas inclusivas que propotildeem um olhar diferenciado para o outro da
diversidade
Entendemos que para ser universal eacute preciso comeccedilar pintando a proacutepria aldeia De
fato os primeiros traccedilos de uma educaccedilatildeo inclusiva para a diversidade comeccedilaratildeo a ganhar
nuances quando em nossas praacuteticas cotidianas rompermos com a educaccedilatildeo monocultural
machista e reducionista que o sistema educacional nos impotildee Quando o professor
compreender que seu saber eacute poder suas ldquoartes de fazerrdquo (CERTEAU 1994) o levaratildeo a
ldquoaldeiasrdquo ateacute entatildeo inimaginaacuteveis
Portanto reforccedilo que urge o rompimento de praacuteticas educativas excludentes que
marginalizam as histoacuterias locais e de seus heroacuteis e heroiacutenas sejam brancos negros ou
indiacutegenas Os nossos estudantes tecircm o direito de ouvir e contar outras histoacuterias histoacuterias
de seu povo de um passado que ainda sobrevive nos seus modos de falar agir danccedilar
sorrir e brincar
A proposta pensada inicialmente era a contaccedilatildeo de histoacuteria para os estudantes
seguida da confecccedilatildeo das bonecas abayomis com o auxiacutelio da professora regente e da
bolsista de extensatildeo No entanto apoacutes reflexotildees sobre os proacuteprios valores da cultura afro-
brasileira e tambeacutem sobre a necessidade de tornar conhecida ndash em maior extensatildeo ndash a
histoacuteria de uma heroiacutena negra mageense talvez nunca antes contada nas escolas de Mageacute
decidimos convidar as matildees avoacutes tias e irmatildes para participarem desse momento
Reconhecendo a potecircncia da accedilatildeo coletiva na educaccedilatildeo da crianccedila e recordando o
valores civilizatoacuterios afro-brasileiro do cooperativismo memoacuteria e ludicidade iniciamos a
dinamizaccedilatildeo da histoacuteria para tornar conhecida a vida da menina Maria que veio do Congo
A oralidade por meio da contaccedilatildeo de histoacuteria nos permitiu compartilhar saberes e
ao passo que eu a narrava sabia que natildeo estava soacute pois os olhares que se voltavam para
mim estavam afetados de algo que chamo de Ubuntu filosofia africana que diz que ldquoeu sou
porque noacutes somosrdquo
42 A figura de Maria Conga eacute na religiatildeo de matriz afro-brasileira (Umbanda) considerada como uma entidade espiritual
54
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) Fonte Arquivo pessoal da autora
Ao longo do enredo a fala vinha acompanhada de imagens43 do artista francecircs Jean-
Baptiste Debret do pintor alematildeo Johann Moritz Rugendas e do fotoacutegrafo franco-brasileiro
Marc Ferrez Estes representaram o sofrimento de nossos ancestrais no Navio Negreiro e
as relaccedilotildees crueacuteis estabelecidas entre os senhores brancos e os africanos escravizados Ao
longo da narrativa era possiacutevel perceber os olhares atentos para a vida daquela Maria
Esta que era uma deles e eles naquele momento jaacute faziam parte dela Ao final uma matildee
surpreendida com a histoacuteria disse ter gostado do que ouviu e lamentou natildeo a ter
aprendido no tempo em que esteve na escola
Estaacutevamos formando pessoas que contariam essa histoacuteria para as futuras geraccedilotildees
Essa experiecircncia nos provocou a pensar na importacircncia de extrapolar os muros da escola
de modo que todos sejam afetados e assim afetem outras consciecircncias De certo que
concordamos com a sabedoria dos povos indiacutegenas e africanos quando afirmam que ldquoeacute
preciso uma aldeia inteira para educar uma crianccedilardquo
43 No iniacutecio do seacuteculo XIX Jean-Baptiste Debret retratou o cotidiano dos senhores e dos escravizados em uma das missotildees artiacutesticas francesas pelo Brasil O alematildeo Johann Moritz Rugendas pintou os povos e costumes que encontrou durante suas viagens pelo Brasil no periacuteodo de 1822 a 1825 Marc Ferrez (1843-1923) foi um fotoacutegrafo que retratou cenas do Impeacuterio e iniacutecio da Repuacuteblica (1865 e 1918) Seu trabalho eacute um dos mais importantes legados visuais daquelas eacutepocas Todas as imagens utilizadas na oficina estatildeo no anexo 722
55
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso
ldquoVou te contar os olhos jaacute natildeo podem ver rdquo (Tom Jobim)
Imaginemos um povo arrancado brutalmente de sua terra que atravessou o Atlacircntico em tumbeiros escravizado humilhado mas que natildeo perdeu a capacidade de sorrir de brincar de jogar de danccedilar e assim conseguiu marcar a cultura de um paiacutes com este profundo desejo de viver e ser feliz Isso resume a ludicidade na perspectiva a favor da vida da humanidade da sobrevivecircncia A alegria frente ao real ao concreto ao aqui e ao agora da vida (Ludicidade Da Cor da Cultura)44
Abayomi que na liacutengua Iorubaacute representa encontro precioso (Abay ndash encontro Omi
ndash precioso) eacute feita de pano (podendo ser retalhos) noacutes e sem qualquer costura Natildeo possui
nariz boca olhos e orelhas justamente para representar os vaacuterios povos de diferentes
civilizaccedilotildees e reinos que aqui chegaram Confeccionar uma boneca Abayomi eacute ir ao
encontro de sentimentos bons e nobres de uma gente que sabe que soacute vai ser feliz quem
viver para fazer da existecircncia do outro mais leve mais livre e mais fecunda
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
44 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
56
Apoacutes a confecccedilatildeo da boneca com a ajuda das mulheres (matildees avoacutes tias e irmatildes) que
ali estavam e de noacutes professoras e bolsista ficou acordado com elas que dessem a boneca
de presente para seus filhos da mesma maneira que evidencia a histoacuteria Contudo aquelas
crianccedilas que por ventura natildeo tiveram a presenccedila de seus responsaacuteveis fariam o inverso
Assim ao chegar em casa contariam para sua famiacutelia a histoacuteria presenteando algueacutem da
famiacutelia com a boneca
Em seguida permitimos que os estudantes45 brincassem entre si de modo que fosse
um momento de folga pausa e relaxamento criteacuterios entendidos como fundamentais na
constituiccedilatildeo do brincar segundo as Diretrizes Curriculares para a Educaccedilatildeo Infantil
(DCNEI46)
Na brincadeira eacute possiacutevel perceber os modos de representaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da
crianccedila por meio da linguagem do pensamento das accedilotildees Desse modo eacute evidenciado
uma caracteriacutestica muito proacutepria da crianccedila a sua identidade enquanto produtora de
cultura Ela natildeo apenas reproduz comportamentos sociais como tambeacutem os reinventa de
maneira criativa e singular
Em um dado momento da interaccedilatildeo percebi que os meninos estavam bastante
eufoacutericos com aquele artefato Me aproximei afim de entender as relaccedilotildees que estavam
sendo estabelecidas Certamente influenciada pelos estereoacutetipos de gecircnero acreditei que
fosse ter conflitos entre os meninos ao propor a confecccedilatildeo de bonecas Me surpreendi
com o modo que eles burlaram o sistema de regras socialmente construiacutedas onde
esperamos coisas diferentes de meninos e meninas (SILVA 2007 p 92)
Ao me aproximar desses atores provoquei-os questionando sobre os nomes que
dariam para suas bonecas O primeiro estudante titubeou em responder enquanto os
colegas gritavam vaacuterios nomes dentre eles Ana Mas o que agradou foi Emanuele Logo os
proacuteximos estudantes afirmaram natildeo se tratar de uma boneca mas um boneco e
escolheram os seguintes nomes Silvio Santos Ratinho Moiseacutes Aaratildeo Estes dois uacuteltimos
segundo eles eram por causa da novela ldquoOs dez mandamentosrdquo47 Alguns apontaram para
as roupas (eram vestidos e saias) demonstrando sua semelhanccedila com os personagens
45 A partir desse momento estaremos fazendo menccedilatildeo aos estudantes do Preacute-escolar II 46 Definidas pela Resoluccedilatildeo CNECEB ndeg 5 de 17 de dezembro de 2009 47Os Dez Mandamentos eacute uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Record Escrita por Vivian de Oliveira e com direccedilatildeo geral de Alexandre Avancini Eacute uma adaptaccedilatildeo de quatro dos livros que compotildeem a Biacuteblia Ecircxodo Leviacutetico Nuacutemeros e Deuteronocircmio
57
biacuteblicos do antigo testamento A imaginaccedilatildeo e a criatividade dos estudantes transformaram
suas bonecas em personagens outros nos levando a refletir sobre o fato de que ao brincar
a crianccedila se apropria de elementos do meio sociocultural de origem (DELGADO MULLER
2005 p 163)
Neste instante pude compreender na relaccedilatildeo com a cultura infantil a reproduccedilatildeo
interpretativa na empiria e o quanto o diaacutelogo entre os pares (crianccedilas) revela os interesses
e saberes para os que estatildeo no entorno Ao relacionarem a boneca a algo que lhes eacute
familiar os estudantes estatildeo reproduzindo a cultura em que vivem fazendo uso da
imitaccedilatildeo de modo criativo e prazeroso A respeito do prazer concordamos com Gomes
(2008) quando afirma
As crianccedilas natildeo adiam o prazer ao contraacuterio buscam-no nas suas brincadeiras e nos jogos e para isso utilizam as brechas modificam e rompem ndash ainda que momentaneamente ndash com os gostos as crenccedilas as regras e os valores culturais Assim elas vivenciam as regras e tecircm experiecircncias imediatas diversas e uacutenicas que alteram e destroem as
significaccedilotildees da vida cotidiana (p 187)
Diante do exposto eacute possiacutevel afirmar que o cotidiano da Educaccedilatildeo Infantil estaacute
repleto de desafios que precisam ser evidenciados E mesmo sendo este trabalho de
pesquisa voltado para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais dentro da perspectiva da
diversidade e da inclusatildeo se faz importante dar atenccedilatildeo agraves praacuteticas sexistas tatildeo comuns na
escola que limitam a percepccedilatildeo da pluralidade humana
Nossa experiecircncia com essa oficina nos levou a reafirmar que a crianccedila eacute capaz de
burlar a visatildeo monoliacutetica e reprodutivista da educaccedilatildeo quando na relaccedilatildeo com o outro eacute
permitido o exerciacutecio pleno de sua imaginaccedilatildeo curiosidade e criatividade
44 OFICINA 4 - UMA SENSIBILIZACcedilAtildeO PARA A PEDAGOGIA GRIOcirc
A fala a palavra dita ou silenciada ouvida ou pronunciada ndash ou mesmo segregada ndash tem uma carga de poder muito grande Pelana oralidade os saberes poderes quereres satildeo transmitidos compartilhados legitimados Se a fala eacute valorizada a escuta tambeacutem eacute O conto a lenda a histoacuteria a muacutesica o dito o natildeo dito o fuxico A palavra carrega uma grande e poderosa carga afetiva (Oralidade ndash A Cor da Cultura48)
48 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
58
Esta quarta oficina foi dividida em dois periacuteodos distintos que compreenderam a
contaccedilatildeo de histoacuteria por parte das avoacutes agraves quais chamamos de griocirctes e um segundo
momento que foi a representaccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos estudantes do Preacute-escolar
I e II por meio de massinha de modelar para que em uma fase posterior tais produccedilotildees se
transformassem em um viacutedeo animado para ser compartilhado na rede social49
Tendo em vista que cada oficina dura cerca de 50 minutos a 1h e que acontece uma
vez por semana precisamos de trecircs semanas para concluir com os estudantes a
representaccedilatildeo das histoacuterias que ouviram Ao todo as etapas desta 4ordf oficina
compreenderam um mecircs de duraccedilatildeo nas duas turmas que denominarei de Turma A e
Turma B A seguir descrevo as potencialidades dessas accedilotildees
Ao reconhecer a fecundidade da palavra ndash dita cantada silenciada ndash na construccedilatildeo
de um indiviacuteduo trazemos para esta oficina uma accedilatildeo que buscou valorizar os aspectos da
tradiccedilatildeo oral uma vez que vivemos em uma sociedade hierarquicamente grafocecircntrica
Importante sinalizar que o caraacuteter letrado da escola natildeo lhe confere status de democraacutetica
no acesso aos bens culturais ndash sobretudo aos bens imateriais ndash uma vez que os saberes
reconhecidos estatildeo limitados aos conhecimentos cientiacuteficos produzidos por um
determinado grupo
Entendemos que os saberes da experiecircncia dos atores da comunidade satildeo tatildeo
importantes quanto os conhecimentos cientiacuteficos que permeiam a loacutegica da escola Por
esse motivo esta oficina objetivou vincular os saberesfazeres dos idosos (avoacutes dos
estudantes) da comunidade com as vivecircncias cotidianas da praacutetica escolar Eacute sabido que
quanto mais proacutexima a comunidade estiver da escola mais potente se torna o processo de
ensino aprendizagem A sabedoria africana que jaacute mencionamos de que eacute preciso toda
uma aldeia para educar uma crianccedila ganha forccedila e legitimidade em nossas accedilotildees que
prezam pela coletividade e cooperativismo
Assim conduzidos principalmente pela perspectiva dialoacutegica onde o conhecimento
se constroacutei pela interaccedilatildeo entre e com o outro abrimos as portas da escola para que novas
relaccedilotildees fossem estabelecidas Privilegiamos a figura da avoacute nesse momento por ela
representar uma personalidade que carrega histoacuterias de vida ricas de afetos sensibilidade
e memoacuterias que por vezes ficaram esquecidas no imaginaacuterio coletivo Aleacutem disso
49 O viacutedeo eacute encontrado na paacutegina do projeto httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnicoraciais artesdefazer
59
buscamos descontruir valores hierarquizados de nossa sociedade ndash fruto da loacutegica
ocidental ndash onde o idoso natildeo possui importacircncia social pois jaacute natildeo tem o vigor de outrora
para beneficiar o mercado capitalista com sua forccedila de trabalho Inevitavelmente essa
ideia se perpetua por diversas instituiccedilotildees sociais chegando agrave escola de maneira sutil
Contudo o nosso objetivo eacute romper com esses valores dominantes entatildeo legitimados e
propor novos olhares sobre os mais velhos que segundo a ancestralidade africana
possuem um saber-poder imbuiacutedo de um grande legado o de ter sido testemunha e
sobrevivente da histoacuteria
Desse modo nos apropriamos da Pedagogia Griocirc como um caminho metodoloacutegico
possiacutevel para construccedilatildeo de experiecircncias instituintes onde a vida eacute valorizada na sua
integralidade Tal pedagogia tem ligaccedilatildeo direta com a memoacuteria oralidade ancestralidade
dentre outros valores
Criada pela educadora Lilian Pacheco50 a Pedagogia Griocirc dialoga com metodologias
ativas como educaccedilatildeo biocecircntrica dialoacutegica educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais arte
educaccedilatildeo comunitaacuteria e educaccedilatildeo para a corporeidade A idealizadora desta proposta
vislumbrou romper com a loacutegica cientiacutefico instrumental da escola por meio da valorizaccedilatildeo
do patrimocircnio cultural brasileiro (danccedila contos lendas tradiccedilotildees) Ao evidenciar os
saberes tradicionais a partir da oralidade eacute dado a entender que o conhecimento natildeo eacute
propriedade de determinados grupos (letrados diga-se de passagem) tatildeo pouco estaacute
restrito aos livros
Com isso a figura do mestre griocirc ganha destaque De origem francesa a palavra griot
eacute traduzida para o portuguecircs ganhando as seguintes expressotildees griocircs (homens) e griocirctes
(mulheres) Segundo Pacheco (2006) os griocircs satildeo oriundos da regiatildeo do Mali51 paiacutes
colonizado por franceses A partir de uma reinvenccedilatildeo dos portugueses podemos entendecirc-
los como aqueles que gritavam em praccedila puacuteblica afim de tornar conhecida e jamais
esquecida suas memoacuterias tradiccedilotildees e ancestralidade Assim de maneira mais completa o
griocirc eacute entendido como
() todo(a) cidadatildeo(atilde) que se reconheccedila e seja reconhecido(a) pela sua proacutepria comunidade como herdeiro(a) dos saberes e fazeres da tradiccedilatildeo
50 Conceito criado pela educadora Lilian Pacheco coordenadora da ONG Gratildeos de Luz (LenccediloacuteisBA) Para outras informaccedilotildees consultar httpwwwacaogrioorgbr 51 Paiacutes situado ao Noroeste da Aacutefrica
60
oral e que atraveacutes do poder da palavra da oralidade da corporeidade e da vivecircncia dialoga aprende ensina e torna-se a memoacuteria viva e afetiva da tradiccedilatildeo oral transmitindo saberes e fazeres de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo garantindo a ancestralidade e identidade do seu povo52
Assim partindo da perspectiva do conceito de griocirc como universalizante por agregar
todos os segmentos de tradiccedilatildeo oral ndash muacutesicos rezadeiras cordelistas benzedeiras
poetas contadores de histoacuteria genealogistas dentre outros ndash nos apropriamos da
pedagogia que carrega princiacutepios da ancestralidade africana sob um vieacutes dialoacutegico com a
comunidade escolar Importante afirmar que um dos objetivos de nossa proposta de
pesquisa se justifica por entendermos que os conhecimentos da tradiccedilatildeo oral natildeo podem
se perder e que quando dialogados com a cultura escolar ndash que eacute fundamentalmente
escrita ndash ganham maiores significados para os atores da escola Portanto reconhecendo
que nossos atores sociais gritam silenciosamente em accedilotildees e omissotildees para serem
reconhecidos em suas subjetividades e nas suas histoacuterias de vida eacute que contamos histoacuterias
ateacute entatildeo nunca pronunciadas compartilhadas e sentidas naquele lugar do saber Entram
em cena as narradoras de Conceiccedilatildeo de Suruiacute nossas avoacutes nossas griocirctes
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II)
Taacute vendo essa estrada aiacute que vocecircs andam O pai o avocirc os tios de vocecircs que trabalharam na pedreira que ajudaram a construir Cada pedrinha que tem nessa estrada aiacute eacute do pai de vocecircs eacute do avoacute do Davi E vocecircs sabem porque eles trabalharam tanto Para fazer uma estrada boa para vocecircs andarem irem para o coleacutegio Quase todos os pais avoacutes tios de vocecircs trabalharam no calccedilamento da estrada Hoje quando chove ningueacutem tem que andar na lama (Vovoacute Ivete)
A narrativa acima eacute da avoacute de um estudante do Preacute-escolar II Dona Ivete assim como
eacute conhecida na regiatildeo tem 58 anos de idade e tem nanismo A escolha por ela ocorreu
porque estamos em um contexto onde a inclusatildeo da vida na sua diversidade deve ser uma
constante Por esse motivo foi com grande satisfaccedilatildeo que recebemos esta vovoacute que com
disponibilidade e afeto narrou memoacuterias de Conceiccedilatildeo de Suruiacute e de seus moradores de
uma maneira que muito nos surpreendeu
52 Informaccedilotildees disponiacuteveis na paacutegina da iniciativa Gratildeos de Luz e Griocirc ponto de cultura de onde iniciou a Pedagogia Griocirc httpwwwacaogrioorgbracao-grio-nacionalo-que-e-grio
61
Figura 7 A vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade Fonte Arquivo pessoal da autora
Vale destacar que natildeo houve um roteiro preacutevio porque nosso objetivo era que a vovoacute
nos fornecesse elementos de sua memoacuteria afetiva e tambeacutem optamos que o diaacutelogo com
as crianccedilas fosse o mais espontacircneo possiacutevel Dessa maneira ela inicia sua narrativa
remetendo agrave figura do neto enquanto algueacutem que tem histoacuterias a contar sobretudo
porque satildeo histoacuterias da comunidade que tecircm relaccedilatildeo direta com seus pais e avoacutes Assim
a vovoacute evidencia uma fase da histoacuteria que considera marcante natildeo soacute para ela mas para
todos daquela regiatildeo rural que foi a pavimentaccedilatildeo da estrada de Conceiccedilatildeo de Suruiacute Ao
passo que trazia os fatos descritos acima os estudantes dialogavam demonstrando
pertencimento ao que estava sendo dito sobretudo quando dizia a respeito da
participaccedilatildeo de suas famiacutelias na construccedilatildeo da estrada No processo ouvimos as seguintes
falas
ldquoMeu pai jaacute trabalhou na pedreira de carretardquo ldquoMinha avoacute falou que meu pai fez essas pedras pra colocar na ruardquo ldquoMeu avocirc trabalha na pedreira Ele coloca pedra nos caminhotildeesrdquo (Estudantes do Preacute II)
Nesse momento foi possiacutevel validar alguns dos objetivos da Pedagogia Griocirc dos
quais destacamos protagonismo dos sujeitos envolvidos que aqui evidenciamos o
62
protagonismo infantil e a criaccedilatildeo de viacutenculo afetivo com o passado com os
saberesfazeres da ancestralidade Mas esta pedagogia natildeo se limita agraves questotildees pontuadas
Para aleacutem delas eacute possiacutevel desenvolver habilidades e competecircncias que envolvem
corporeidade musicalidade religiosidade dentre outros aspectos
Para concluir evidenciamos que nossa griocircte a vovoacute Ivete parece entender bem o
poder da palavra compartilhada visto que atraiu a atenccedilatildeo de todos para si para suas
histoacuterias que tambeacutem eram as histoacuterias de vida daqueles estudantes Ficou entendido
naquele encontro que a regiatildeo em que vivem tem muitas memoacuterias que dialogam com o
presente E que os protagonistas satildeo os proacuteprios moradores da regiatildeo avoacutes pais tios
crianccedilas e adultos
Importante ressaltar que essa proposta buscou realizar um duplo movimento
empoderar quem conta a narrativa mas tambeacutem aquele que ouve Nessa troca dialoacutegica
eacute impossiacutevel natildeo trazer para a conversa o consagrado educador popular Paulo Freire
quando afirma que ldquoquem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprenderrdquo (FREIRE 2007 p 23)
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I)
E as histoacuterias natildeo podem parar
Quem reabre as janelas da histoacuteria que eacute continuidade da anterior eacute a dona Faacutetima
Ela eacute avoacute de uma estudante do Preacute-escolar II sempre morou na regiatildeo e tem 48 anos
Quando convidada para estar conosco compartilhando um pouco de suas memoacuterias dona
Faacutetima nos fez alguns questionamentos pois natildeo sabia por onde comeccedilar E um dos
motivos que a deixou insegura foi o fato de natildeo entender suas memoacuterias e da comunidade
onde cresceu como parte de uma histoacuteria que merece ser contada
Apoacutes algumas conversas dona Faacutetima parece ter entendido que em suas memoacuterias
poderiam ter aspectos importantes e interessantes E que desvelaacute-las seria uma
possibilidade de tornar conhecidos fatos marcantes da vida de uma comunidade que tem
sido desconsiderada ao longo do tempo Dessa maneira nossa griocircte de Conceiccedilatildeo de
Suruiacute pocircs-se a narrar suas vivecircncias mas natildeo soacute as dela fala tambeacutem de um grupo que
63
tem sobrevivido ao longo da histoacuteria por meio de muita luta por melhores condiccedilotildees de
vida E que hoje continua enfrentando desafios de vaacuterias ordens
Quando falamos que esta narrativa eacute continuidade da anterior natildeo eacute por acaso Vovoacute
Faacutetima traacutes para noacutes histoacuterias de trabalhadores da regiatildeo que transformaram suas
realidades a partir do trabalho Vovoacute Faacutetima relembra como foi sua infacircncia e juventude
naquela regiatildeo quando natildeo existia energia eleacutetrica nas ruas calccedilamento na estrada
transporte puacuteblico e estabelecimentos comerciais
ndash No meu tempo de crianccedila quando chovia as ruas ficavam cheias de lama com buracos Para sair de casa era muito difiacutecil Ocircnibus aqui nem sonhava em ter Natildeo tinha postes nas ruas Era uma escuridatildeo Hoje temos ruas iluminadas a estrada calccedilada e ocircnibus de hora em hora (Vovoacute Faacutetima)
A griocircte falava para duas turmas o Preacute-escolar II e o 1deg ano Enquanto narrava todos
estavam atentos e curiosos em descobrir o passado que eacute ao mesmo tempo tatildeo presente
em seus cotidianos visto que ainda haacute inuacutemeros problemas de infraestrutura baacutesica que
afetam diretamente a vida escolar daqueles estudantes Infelizmente o calccedilamento soacute
chegou na estrada principal As ruas que fazem ligaccedilatildeo com a estrada ficam em condiccedilotildees
precaacuterias quando chove aleacutem do transporte puacuteblico natildeo passar por elas E isso representa
um grande problema visto que alguns dos estudantes moram em lugares de difiacutecil acesso
tendo que andar mais de 2km para chegar na escola Um dos estudantes sinalizou que o
ocircnibus demora muito Tivemos que concordar pois satildeo poucos os coletivos que estatildeo
disponibilizados para rodar naquela aacuterea rural
Apoacutes suscitar reflexotildees acerca de questotildees estruturais do bairro as memoacuterias de
dona Faacutetima se encaminharam para uma outra importante fase da histoacuteria daquela regiatildeo
ao fazer menccedilatildeo ao engenho de farinha de mandioca que existe ali Para dialogar com ela
a vovoacute faz referecircncia a uma estudante do 1deg ano que eacute neta do responsaacutevel pelo engenho
A menina de 7 anos explica em detalhes para todos como eacute produzida a farinha de
mandioca mostrando-se sabedora daquele processo artesanal Todos escutaram
atentamente a brilhante narrativa da menina pois precisavam saber como eacute feito o
alimento que tanto gostam e que geralmente natildeo falta em seus lares a Farinha Suruiacute
64
Alimento este que nos finais de semana especiais se transforma em ldquofarofinha com
linguiccedila farofinha com ovordquo53
Nossa griocircte aos poucos foi se apropriando do seu lugar de fala reconhecendo-se
como sujeito histoacuterico que testemunhou fatos e sobrevive participando de novos
contextos com novos atores Oportunizar o (re)conhecimento de histoacuterias reais de vida no
diaacutelogo com o passado reconstroacutei um presente mais esperanccediloso com pessoas que se
enxergam enquanto atores de suas histoacuterias
Figura 8 A vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais Fonte Arquivo pessoal da autora
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias
Pudemos conhecer outras histoacuterias contadas pelos heroacuteis de Conceiccedilatildeo de Suruiacute na
oficina em que aproximamos as memoacuterias das avoacutes com a Pedagogia Griocirc Como sinalizado
anteriormente apoacutes esse momento com as avoacutes na semana seguinte os estudantes fariam
a representaccedilatildeo do que ouviram com uma atividade com massinhas de modelar O objetivo
53 Fala dos estudantes do Preacute-escolar I quando questionados sobre o que faziam com a farinha
65
dessa fase foi a releitura das narrativas de maneira criativa e prazerosa ao utilizar um
recurso pedagoacutegico que eacute parte da rotina escolar de crianccedilas pequenas
E com isso a partir da mediaccedilatildeo buscamos enriquecer os sentidos do estica enrola
amassa movimentos tatildeo comuns quando a crianccedila faz uso da massa de modelar mas que
satildeo caminhos para o desenvolvimento de inuacutemeras competecircncias nessa fase inicial de
escolarizaccedilatildeo54 Dentre as vaacuterias habilidades trabalhadas com o uso da massinha podemos
citar a motora a sensorial a olfativa e a visual
Concluiacuteda essa atividade luacutedica fotografamos suas produccedilotildees e registramos algumas
falas no caderno de campo para que junto das narrativas da griocirctes pudeacutessemos produzir
um pequeno viacutedeo para ser divulgado em miacutedias digitais Com esta proposta vislumbramos
dar um novo sentido aos saberesfazeres que encontramos na Educaccedilatildeo Infantil como
tambeacutem apontar caminhos para o uso das miacutedias digitais enquanto artefato tecnoloacutegico a
favor da praacutetica docente
45 OFICINA 5 - MUSICALIDADE E AS ldquoARTES DE FAZERrdquo
Inicialmente chamamos para a conversa o historiador francecircs Michel de Certeau
(1994) ao utilizarmos a expressatildeo ldquoas lsquoartesrsquo de fazerrdquo que segundo o autor satildeo taacuteticas
criativas que os praticantes do cotidiano ao se apropriarem dos tempos-espaccedilos vatildeo
criando
O trabalho com a linguagem musical eacute um desafio por se tratar de um campo de
conhecimento rico em sensibilidade poeacutetica percepccedilatildeo experimentaccedilatildeo criaccedilatildeo e
reflexatildeo Mesmo assim ainda eacute pouco explorado Consideramos que o seu
aprofundamento eacute potencialmente capaz de promover reflexotildees e apropriaccedilotildees reflexivas
pelos praticantes do cotidiano de forma que sejam estimulados a criarem suas ldquoartes de
fazerrdquo
Descobri no meu dia a dia uma maneira de compartilhar saberes de forma luacutedica
prazerosa criativa e reflexiva com estudantes da Educaccedilatildeo Infantil Apostando na
musicalidade como um valor civilizatoacuterio afro-brasileiro realizei oficinas que foram
54 Esse termo deve ser entendido no sentido de proporcionar agrave crianccedila o amparo necessaacuterio para seu desenvolvimento integral e natildeo a escolarizaccedilatildeo precoce
66
divididas em etapas das quais identifico como sensibilizaccedilatildeo da muacutesica escolha do
repertoacuterio e reinvenccedilatildeo musical apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais confecccedilatildeo de
objetos sonoros gravaccedilatildeo do repertoacuterio e compartilhamento do mesmo Todas essas
etapas foram realizadas com as turmas de Preacute-escolar I e II e tiveram duraccedilatildeo de 5 semanas
considerando que para cada encontro foram usados 50 minutos de aula uma vez por
semana
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica
4511 Preacute-escolar II
A proposta inicialmente foi apresentar aos estudantes trecircs cantigas populares com
as quais eles iriam interagir e refletir sobre a letra a partir da mediaccedilatildeo docente Vale
ressaltar que durante as etapas a participaccedilatildeo da professora regente foi fundamental para
a consolidaccedilatildeo das accedilotildees visto que para cada oficina dispusemos apenas de 50 minutos
semanais Vale destacar que em grande parte dessas oficinas a professora regente
participou durante e posteriormente consolidando alguns conhecimentos como a
apropriaccedilatildeo da letra da muacutesica
As muacutesicas apresentadas foram ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de Joacuterdquo55
Iniciamos a escuta das muacutesicas e frisei que teriacuteamos de escolher a que fosse mais legal para
gravarmos A primeira foi ldquoNa Bahia temrdquo cantiga do folclore brasileiro
Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem
Na Bahia tem vou mandar buscar Lampiatildeo de vidro ocirc baiana ferro de engomar
Na Bahia tem vou mandar buscar Maacutequina de costura ocirc baiana fole de assoprar
Os estudantes natildeo a conheciam Natildeo obstante a cada verso explorado eles
manifestavam suas percepccedilotildees ideias e certezas Logo alguns fizeram relaccedilotildees com
55 Cantigas populares encontradas em httpwwwletrascombrmusicas-infantisescravos-de-jo
67
questotildees cotidianas Um estudante disse que em sua casa tem coco Entatildeo uma das
crianccedilas pediu para escrever a palavra coco no quadro Questionei se sabiam o que era
ferro de engomar ao que um estudante respondeu corretamente O mesmo disse saber o
que era lampiatildeo e outros reforccedilaram sua resposta ao dizer que se tratava de um tipo de
lacircmpada para clarear quando Conceiccedilatildeo de Suruiacute (bairro onde moram) natildeo tinha luz
Me apropriei das interpretaccedilotildees e do contexto da muacutesica que remete agrave Bahia para
rememorar a histoacuteria da quilombola mageense Maria Conga que veio da Aacutefrica se
estabelecendo primeiramente na Bahia antes de chegar em Mageacute Em oficina anterior os
estudantes aprenderam que a menina Maria veio do Congo paiacutes da Aacutefrica Junto com ela
vieram outros africanos que foram obrigados a trabalhar forccediladamente sem receber
nenhum dinheiro Por isso os negros eram chamados de escravos Um dos estudantes
entatildeo disse que onde ele mora moraram ldquoescravosrdquo Certamente ele estava fazendo
alusatildeo agrave Fazenda Santa Margarida lugar conhecido na regiatildeo por ter tido pessoas
escravizadas e ateacute hoje possui resquiacutecios de paredes da senzala e correntes
A segunda muacutesica apresentada foi ldquoEscravos de Joacuterdquo todos danccedilaram e disseram
conhecer a muacutesica da Galinha Pintadinha56
Escravos de Joacute Jogavam caxangaacute
Tira potildee
Deixa ficar
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
A terceira muacutesica foi ldquoSamba Lelecircrdquo Extremamente eufoacutericos por jaacute conhecerem toda
a letra da muacutesica cantaram e danccedilaram quando ensaiei uma coreografia
Samba Lelecirc taacute doente
Taacute com a cabeccedila quebrada Samba Lelecirc precisava
Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc
56 Desenho animado infantil criado por Juliano Prado e Marcos Luporini
68
samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Samba Lelecirc taacute doente Taacute com a cabeccedila quebrada
Samba Lelecirc precisava Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc Samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Em um segundo momento sugeri uma votaccedilatildeo para saber a muacutesica da preferecircncia
da turma ldquoSamba Lelecircrdquo venceu Apoacutes a votaccedilatildeo refletimos sobre a muacutesica que afirma que
a menina estaacute doente e precisa de umas boas palmadas Questionei sobre o que temos que
ter quando estamos doentes E continuei a provocaccedilatildeo perguntando ldquoapanhar cura a
doenccedilardquo Em coro disseram que natildeo pois quando ficam doentes eles recebem remeacutedio e
carinho Propus entatildeo que mudaacutessemos a letra da muacutesica trocando a palavra palmadas
por outra
Mas tinha um detalhe a palavrinha tinha que rimar com palmadas Alguns falaram
palavras com sentido mas sem a rima Logo um estudante sugeriu ldquopaparacadardquo Natildeo foi
preciso muito para entendermos (eu e a professora regente) que se tratava de paparicada
Todos concordaram e jaacute comeccedilaram a ensaiar a muacutesica com a nova versatildeo
4512 Preacute-escolar I
O caminho percorrido com o Preacute-escolar I foi o mesmo que realizamos com o Preacute II
Foram apresentadas as trecircs cantigas aos estudantes e os questionamos sobre se algueacutem as
conhecia Duas delas eram bastante familiares Samba Lelecirc e Escravos de Joacute Assim durante
a escuta das muacutesicas os estudantes danccedilaram cantaram bateram palmas e ensaiaram uns
passinhos Contudo passado esse momento propus que escolhecircssemos uma muacutesica para
que gravaacutessemos A escolha seria por votaccedilatildeo vencendo aquelas que tivessem mais votos
Para minha surpresa a voz de uma menininha laacute no fundo da sala brada ldquondash Eu
escolho todasrdquo Logo em seguida outros estudantes opinaram querendo que gravaacutessemos
natildeo soacute uma mas as trecircs cantigas populares ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de
69
Joacuterdquo Considerando as vozes e os desejos daqueles atores sociais concordei57 em realizar a
gravaccedilatildeo de todas as muacutesicas Assim comeccedilamos a explorar a letra e melodia de cada
repertoacuterio58
Assim como na outra turma contextualizamos cada enredo Quando chegou na
muacutesica Samba Lelecirc propusemos a troca da palavra palmada por outra que rimasse ndash
explicamos o que era rima ndash levando-os a refletir sobre a condiccedilatildeo da personagem que se
encontrava doente Prontamente um estudante disse que Lelecirc precisava de uma pomada
Naquele momento pude confirmar que a crianccedila estaacute interpretando de maneira singular a
cultura em que vive e nos surpreende ao burlar o instituiacutedo
Eacute possiacutevel notar que em ambas as turmas buscamos trabalhar diferentes habilidades
e competecircncias como sensibilizaccedilatildeo musical corporeidade concentraccedilatildeo apropriaccedilatildeo
dos sons para a formaccedilatildeo de palavras dentre outras questotildees Todavia a releitura da
muacutesica a partir da criaccedilatildeo de um novo sentido para o enredo me pareceu um movimento
potente para sensibilizar os atores sociais da importacircncia de pensar o outro como legiacutetimo
outro na diferenccedila
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais
O trabalho com os instrumentos musicais se deu por entendermos com o apoio de
Brito (2003) que a linguagem musical deve contemplar dentre outras atividades a
construccedilatildeo de instrumentos e objetos sonoros Eacute sabido que desde a tenra idade a crianccedila
produz sons pela exploraccedilatildeo e de forma afetiva e intuitiva Com o tempo essa exploraccedilatildeo
vai ganhando uma intencionalidade Foi a observacircncia desta intenccedilatildeo musical que
fortaleceu a ideia de aprofundarmos sobre a temaacutetica
Os estudantes durante a escuta das cantigas transformaram suas mesas em
instrumentos sonoros ao bater com as matildeos sobre elas Naquele instante entendemos que
a criaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo de artefatos musicais potencializariam sua relaccedilatildeo com as muacutesicas
que estaacutevamos propondo Para aleacutem disso acredito que o ato de criar desperta no sujeito
a criatividade a organizaccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo entre os pares
57 Essa decisatildeo acabou influenciando a outra turma (Preacute II) que tambeacutem gravaram as trecircs muacutesicas e adoraram essa ideia 58 Ao longo de 3 semanas ateacute a gravaccedilatildeo das cantigas a professora regente auxiliou de maneira singular ao ensaiar as muacutesicas com os estudantes
70
Quando iniciei o trabalho na escola a diretora me informou que haviam alguns
instrumentos musicais guardados e que seria muito interessante utilizaacute-los em minha
proposta Logo fui identificando as muacuteltiplas possibilidades que aquele espaccedilo me
oferecia Quando me deparei com o berimbau o caxixi e o atabaque ndash instrumentos eacutetnicos
ndash pensei nas experiecircncias instituintes que estavam prestes a surgir Naquele momento a
urgecircncia estava em resgatar aqueles instrumentos de dentro do armaacuterio e dar a eles
visibilidade de modo a tornar conhecidas suas raiacutezes culturais
Tomei conhecimento de que os instrumentos eram usados durante as oficinas de
capoeira do Mais Educaccedilatildeo59 No entanto havia meses que eles natildeo estavam sendo
usados pois as atividades haviam sido suspensas Por alguns instantes refleti sobre ateacute
onde a formaccedilatildeo docente inicial e continuada tem alcanccedilado as manifestaccedilotildees poliacutetico-
culturais que propotildeem um rompimento com praacuteticas reducionistas e anti-dialoacutegicas com a
diversidade cultural
Pensei na urgecircncia de aprofundar as conversas com os professores vislumbrando
uma maior reflexatildeo sobre seus papeacuteis de sujeitos criativos muacuteltiplos e fazedores de artes
de artes de fazer
Ao iniciar o trabalho com os instrumentos musicais junto ao Preacute-escolar estes foram
expostos com seus respectivos nomes Foi realizada a contaccedilatildeo de histoacuteria sobre a origem
daqueles instrumentos de musicalidade ressaltando a influecircncia que os homens e
mulheres oriundos das diaacutesporas africanas tecircm sobre eles Para que a apropriaccedilatildeo da
histoacuteria fosse afetiva e efetiva o enredo foi articulado agrave vinda da menina Maria Conga com
seus amigos para o Brasil Foi ressaltado na narrativa que na longa viagem triste e sofrida
os africanos cantavam e tocavam para aliviar a dor Quando chegaram ao Brasil
continuaram tocando mas agraves vezes de forma diferente O berimbau por exemplo era
utilizado pelos negros escravizados para fazer barulho a fim de chamar fregueses na rua
visto que alguns eram vendedores ambulantes O tambor por sua vez foi apresentado
como um objeto sagrado natildeo soacute para os negros mas tambeacutem para os indiacutegenas
59 O Programa Mais Educaccedilatildeo constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induzir a ampliaccedilatildeo da jornada escolar e a organizaccedilatildeo curricular na perspectiva da Educaccedilatildeo Integral Para maiores informaccedilotildees consultar httpportalmecgovbrprograma-mais-educacao
71
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I conhecendo a histoacuteria dos instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
72
Entre uma explicaccedilatildeo e outra falas dos estudantes iam evidenciando que aqueles
objetos lhes eram familiares Alguns meninos jaacute tinham tido contato com a capoeira outros
tocavam pandeiro na igreja O mais surpreendente para as crianccedilas foi o tambor atabaque
A interaccedilatildeo com a diversidade de objetos musicais com diferentes sons e formas
proporcionou grande satisfaccedilatildeo e curiosidade entre os estudantes
453 Confecccedilatildeo dos objetos sonoros
4531 Preacute-escolar II
A confecccedilatildeo dos instrumentos musicais com o Preacute-escolar II ocorreu na semana
seguinte apoacutes o contato com os instrumentos da escola Optamos pelo trabalho com
sucata materiais reciclaacuteveis e tambeacutem com gratildeos durex colorido e paetecircs Estes dois
uacuteltimos seriam para a decoraccedilatildeo dos mini tambores Encaminhamos para casa um recado
solicitando latas de alumiacutenio (de leite em poacute de suplemento e etc) para a confecccedilatildeo dos
objetos
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos Fonte Arquivo pessoal da autora
73
No entanto natildeo tivemos um retorno positivo pois apenas dois estudantes levaram
as latas Mudamos a estrateacutegia para aqueles que natildeo haviam levado o material solicitado
e construiacutemos mini chocalhos com rolo de papel Dessa maneira em um primeiro
momento os estudantes pintaram os rolinhos e em seguida enfeitaram com os paetecircs
4532 Preacute-escolar I
A confecccedilatildeo dos objetos sonoros com a turma do Preacute-escolar I foi pensada a partir da
mesma dinacircmica do Preacute II Aconteceu na semana seguinte apoacutes a sensibilizaccedilatildeo com os
instrumentos musicais eacutetnicos da escola e objetivou a elaboraccedilatildeo de um mini tambor a
partir do reaproveitamento de materiais como lata de leite aleacutem da utilizaccedilatildeo de outros
materiais como gratildeos durex colorido paetecircs e palito de churrasco Ao contraacuterio da turma
anterior tivemos um retorno positivo ao enviar o recado solicitando a lata de alumiacutenio
Dessa maneira pudemos confeccionar os mini tambores com todos os estudantes Com
materiais disponibilizados os alunos enfeitaram a lata e tambeacutem os palitos de churrasco
que se transformaram em baquetas Ambas as oficinas (do mini tambor e do chocalho)
tiveram duraccedilatildeo de 1 hora cada uma
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais Fonte Arquivo pessoal da autora
74
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis
Para Brito (2003) a crianccedila enquanto sujeito ldquobrincanterdquo faz muacutesica brincando
Nesse processo de criaccedilatildeo ela percebe e explora os sons de modo que refletindo o seu
mundo seus saberes eacute capaz de criar (recriar) novos sons novos movimentos e
instrumentos Assim tem sido nossa experiecircncia com os estudantes do Preacute-escolar com
muita interaccedilatildeo-accedilatildeo-reflexatildeo
No entanto mesmo compreendendo a riqueza das oficinas no sentido de promover
a exploraccedilatildeo a pesquisa a criatividade a corporeidade dentre outras competecircncias
sentia que faltava algo mais A leitura sobre a obra de Teca Alencar de Brito (2003) autora
referecircncia em estudos na aacuterea de educaccedilatildeo musical para crianccedilas ampliou o meu olhar
sobre o que jaacute vinha pensando Segundo a autora a produccedilatildeo musical ocorre a partir de
dois eixos fundamentais a criaccedilatildeo e reproduccedilatildeo Estes por sua vez possibilitaram a accedilatildeo
de interpretar improvisar e compor
Os estudantes demonstraram criatividade para interpretar e improvisar Natildeo
podiacuteamos perder a oportunidade de registrar suas artes de fazer A composiccedilatildeo musical
enquanto efeito de criar eacute tambeacutem caracterizada por sua condiccedilatildeo de permanecircncia
(BRITO 2003) Portanto eacute todo o movimento de registro seja na memoacuteria ou em artefatos
culturais (CD dispositivos moacuteveis) Com isso observou-se a necessidade de guardar natildeo
soacute na memoacuteria as criativas composiccedilotildees dos estudantes como tambeacutem de registraacute-las de
modo que fossem divulgadas
Surge entatildeo a ideia de gravar as trecircs muacutesicas em dispositivo moacutevel (celular) para
serem compartilhadas posteriormente com os responsaacuteveis dos estudantes A proposta
surgiu por entendermos que as crianccedilas desde muito cedo estatildeo rodeadas de artefatos
tecnoloacutegicos de todos os tipos computador celular iPod televisatildeo raacutedio dentre outros
Para confirmar essa suposiccedilatildeo encaminhamos para casa um questionaacuterio a fim de
que os responsaacuteveis respondessem sobre a utilizaccedilatildeo das tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo (TICs) Perguntamos sobre o tipo de artefato digital mais utilizado pelos
estudantes e com quais finalidades os utilizavam
Os aparelhos e seus usos foram diversos tais como celulares tablets e
computadores Mas a que prevaleceu (nos estudantes de ambas as turmas) foi a utilizaccedilatildeo
do celular para ouvir muacutesica e jogar
75
Assim eacute notaacutevel que as tecnologias digitais podem ser grandes aliadas no processo
de ensino aprendizagem Embora nem todos os estudantes tenham o dispositivo moacutevel e
leve para a sala de aula ficamos sabendo que em casa eles interagem e exploram os
aparelhos de seus pais desenvolvendo habilidades e competecircncias como raciociacutenio loacutegico
atenccedilatildeo e curiosidade em explorar o novo O professor que consciente de seu papel
formador deve saber que a escola eacute potencialmente capaz de ampliar e potencializar tais
habilidades Nesse sentido certa dessa identidade docente me apropriei da tecnologia
digital (celular) como recurso para registrar e divulgar a criaccedilatildeo musical dos estudantes
Foi realizada em ambas as turmas (Preacute-escolar I e II) uma oficina de gravaccedilatildeo
musical Aos estudantes foi dito que iriacuteamos gravar muacutesicas (as nossas muacutesicas) e isso foi
empolgante para todos Vale frisar o importante papel dos professores regentes enquanto
mediadores no processo de apropriaccedilatildeo da letra dos ritmos das rimas ou seja no
desenvolvimento da expressatildeo musical Foram semanas de preparaccedilatildeo desde a primeira
oficina com a sensibilizaccedilatildeo para as cantigas populares Foram expostos em sala de aula os
cartazes com as letras das muacutesicas jaacute reinventadas para que ao longo dos dias as
professoras cantassem a muacutesica com os estudantes
Com o apoio de Brito (2003) refletimos sobre a importacircncia de intervenccedilotildees
educativas no desenvolvimento da expressatildeo musical Em todo o processo levamos os
estudantes a refletirem sobre a letra da muacutesica as hipoacuteteses e expressotildees que fizessem
sentido Com isso acreditamos ter ampliado e enriquecido o universo luacutedico e social onde
a inclusatildeo da diferenccedila deve ser uma constante nas praacuteticas pedagoacutegicas
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical
Como sinalizado anteriormente essa uacuteltima etapa da oficina de musicalidade ocorreu
no iniacutecio do ano de 2016 com os responsaacuteveis dos estudantes das duas turmas (Preacute I e II)
que participaram das accedilotildees da pesquisa Ao propor um encontro com os responsaacuteveis
intencionamos para aleacutem de dar-lhes um retorno de parte de nossas accedilotildees tambeacutem ouvi-
los a respeito deles na educaccedilatildeo de seus filhos
Dessa maneira a reuniatildeo foi dividida em duas partes Na primeira parte foi exibida
uma apresentaccedilatildeo em PowerPoint de momentos da oficina de musicalidade identificando
o repertoacuterio musical trabalhado a reinvenccedilatildeo da cantiga popular ldquoSamba Lelecircrdquo e imagens
76
dos momentos de apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais eacutetnicos e confecccedilatildeo dos objetos
sonoros (instrumentos musicais)
No segundo momento foi realizado o compartilhamento das trecircs muacutesicas que
fizeram parte do repertoacuterio gravado pelos estudantes Importante frisar que para
compartilhar60 as muacutesicas foi necessaacuterio que cada responsaacutevel tivesse em matildeos seus
dispositivos moacuteveis (celulares) Para tal encaminhamos previamente um recado
solicitando a imprescindiacutevel presenccedila do celular na reuniatildeo
Em ambos os encontros os responsaacuteveis levaram seus celulares possibilitando um
retorno positivo para aquela proposta Expliquei como se daria o processo tendo em vista
que algumas pessoas natildeo sabiam utilizar a ferramenta do bluetooth de forma colaborativa
os demais que sabiam foram compartilhando os arquivos com aquele que estava proacuteximo
Foi um momento de aprendizado muacutetuo onde pudemos contar com a participaccedilatildeo de
todos os sujeitos envolvidos
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
60 O compartilhamento ocorreu via bluetooth Este eacute uma tecnologia de comunicaccedilatildeo sem fio que permite que dispositivos moacuteveis troquem dados entre si e se conectem a outros artefatos como mouses teclados fones de ouvido impressoras e outros acessoacuterios
77
Ao passo que eu compartilhava as produccedilotildees musicais fazia alguns comentaacuterios
acerca das apropriaccedilotildees por parte dos estudantes em sala de aula Quando chegou na
muacutesica ldquoSamba Lelecircrdquo provoquei os responsaacuteveis a descobrirem as palavras que
substituiacuteram o termo palmada Natildeo demoraram para perceber que se tratavam de
paparicada (releitura do Preacute II) e pomada (releitura do Preacute I)
Logo para a nossa surpresa uma matildee de uma estudante do Preacute-escolar I nos relatou
que havia corrigido a filha que chegou em casa cantando a muacutesica de forma incorreta E a
filha insistiu que Lelecirc precisava de pomada e natildeo palmada Embora o que a menina disse
fizesse sentido para a matildee esta continuou insistindo em reproduzir a letra real da muacutesica
Contudo naquele momento de troca ela se deu conta de que sua filha estava construindo
saberes instituintes para uma nova relaccedilatildeo de alteridade entre o adulto e a crianccedila
46 OFICINA 6 - LENDAS QUE NOS ENCANTAM
Como jaacute relatado iniciamos o ano de 2016 dando continuidade agraves accedilotildees do ano
anterior disponibilizando o repertoacuterio de muacutesicas para os pais compartilharem com os
estudantes No encontro com os responsaacuteveis foi frisado que as accedilotildees voltadas para o
ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais seriam contiacutenuas no ano corrente mesmo apoacutes
finalizada a pesquisa Ou seja continuariacuteamos realizando o empreacutestimo dos livros eacutetnicos
semanais e o nosso cotidiano estaria permeado por histoacuterias outras nas quais todos
pudessem se sentir representados
A continuidade deste trabalho no ano de 2016 se sustentou nos princiacutepios da
etnografia longitudinal (CORSARO 2005) visto que estariacuteamos acompanhando a transiccedilatildeo
de uma parte dos sujeitos da pesquisa para outras fases de escolarizaccedilatildeo sendo o Preacute-
escolar II indo para o 1deg ano do Ensino Fundamental e o Preacute-escolar I para o Preacute II
Desse modo buscamos por meio de oficinas de contaccedilatildeo de histoacuterias perceber como
se consolidaram as aprendizagens sobre a diversidade eacutetnico-racial entre os estudantes A
seguir vamos detalhar uma atividade realizada com a turma do 1deg ano
78
461 O segredo do Baobaacute uma lenda africana
Ao meio dia corria pela planiacutecie um coelho fugindo do sol escaldante e abrigou-se sob o peacute de um Baobaacute Ele se sentiu tatildeo bem que disse ndash Estaacute sombra eacute muito boa obrigado O Baobaacute se sentiu reconhecido e balanccedilou seus galhos como em uma danccedila alegre Mais uma vez o coelho quis se aproveitar da situaccedilatildeo e disse ndash Sua sombra eacute realmente muito boa Mas e esses seus frutos seraacute que tambeacutem satildeo Baobaacute entatildeo caiu na armadilha e soltou um dos seus frutos O coelho natildeo satisfeito disse ndash Sua sombra e seus frutos satildeo oacutetimos Mas e o seu coraccedilatildeo Baobaacute O Baobaacute sentiu uma forte emoccedilatildeo Mas ele natildeo poderia mostrar seu coraccedilatildeo Era tatildeo difiacutecil Mas o coelhinho era tatildeo gentil O Baobaacute foi abrindo seu tronco e logo o coelho jaacute podia ver um brilho que ofuscava os olhos Era um grande tesouro Baobaacute oferece ao seu amigo O coelho entatildeo pegou algumas joias e agradeceu ao Baobaacute ndash Obrigado linda aacutervore Jamais te esquecerei O coelho presenteou sua esposa e disse para sua amiga hiena tudo que lhe acorreu No dia seguinte ao meio dia a hiena foi ateacute o Baobaacute e repetiu passo a passo as dicas do seu amigo coelho O Baobaacute sem hesitar abriu seu tronco para a hiena Mas ela estava faminta pelo ouro e foi agressiva pegaacute-lo Logo a aacutervore fechou-se e chorou porque ficou apavorada A partir desse dia a hiena passou a vasculhar as entranhas dos animais mortos para achar tesouro Mas esse tesouro soacute existe enquanto o coraccedilatildeo eacute vivo Quanto ao Baobaacute nunca mais se abriu A ferida que ele sofreu eacute invisiacutevel mas dificilmente curaacutevel61
Mais uma vez encontramos um enredo em que a aacutervore eacute um elemento central nas
histoacuterias que nos marcam A narrativa acima representa uma das vaacuterias lendas existentes
sobre a famosa aacutervore de origem africana chamada Baobaacute62 Sentimos a necessidade de
tornar conhecido esse siacutembolo de resistecircncia e guardiatildeo da ancestralidade africana que eacute
o Baobaacute
Iniciamos a aula em grande roda como de costume Logo a frente no quadro
encontrava-se uma representaccedilatildeo de uma aacutervore diferente com troncos largos e alguns
frutos que chamaram a atenccedilatildeo dos estudantes Logo perguntaram ldquondash Tia vocecirc vai contar
a histoacuteria da Mirindibardquo63 Respondi que aquela natildeo era a Mirindiba e realizando as
61 A Aacutervore dos Tesouros recriaccedilatildeo de Henri Gougaud traduccedilatildeo de Maria do Rosaacuterio Pedreira Lenda disponiacutevel no blog httpbravoafrobrasilblogspotcombr2010_06_01_archivehtml consultado em 10 abril 2016 62 Aacutervore siacutembolo do Continente Africano famosa por suas caracteriacutesticas naturais sobretudo por sua resistecircncia agraves intempeacuteries Por chegar a viver por milecircnios ela ganha status de guardiatilde de memoacuterias e tradiccedilotildees dos povos africanos 63 Como sinalizado na introduccedilatildeo deste trabalho Mageacute possui heranccedilas de etnia indiacutegena muito fortes A Mirindiba eacute o nome de uma aacutervore centenaacuteria da cidade que segundo a lenda mageense era uma iacutendia que foi encantada pelo pajeacute e desde entatildeo vive no alto do Morro do Bonfim
79
comparaccedilotildees fiacutesicas apresentei o Baobaacute64 enquanto siacutembolo da ancestralidade dos povos
africanos
Foi apresentado tambeacutem o valor afetivo que aquele siacutembolo tem para os povos
africanos por sua resistecircncia ao sobreviver milecircnios e assim servir de palco de inuacutemeros
acontecimentos tornando-se guardiatilde das histoacuterias mais preciosas de diversos povos
Sensibilizados sobre a importacircncia do Baobaacute para os povos africanos tal como a Mirindiba
eacute para os mageenses logo iniciamos a narrativa da lenda
Encantados com o enredo os estudantes encenaram a histoacuteria expressando
sentimento imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Em aula posterior lhes foi apresentada a mesma lenda
mas em miacutedia digital65 O viacutedeo exibido para os estudantes foi realizado com teacutecnicas de
animaccedilatildeo a partir de desenhos e muacutesicas de fundo
Apoacutes assistirem ao viacutedeo propus que eles recontassem a lenda utilizando massinha
de modelar ilustraccedilatildeo em papel e muita criatividade O combinado foi que na medida em
eles fossem confeccionando a histoacuteria eu fotografaria cada etapa para produzir um viacutedeo
do grupo Dessa maneira todos deveriam ser muito caprichosos pois iriacuteamos divulgar essa
histoacuteria na internet66 para que todos conhecessem a lenda do Baobaacute do coelho e da hiena
feita por noacutes Prontamente todos concordaram com a ideia e ficaram animados com a
possibilidade de fazer uma atividade ldquotatildeo legalrdquo
Natildeo nos surpreendeu que durante todo o processo os estudantes se sentissem
motivados a criarem personagens e cenaacuterios Foi possiacutevel perceber que falar de miacutedias
artefatos tecnoloacutegicos de diferentes gecircneros com as crianccedilas soa como muacutesica aos seus
ouvidos porque elas estatildeo a todo momento experimentando essas tecnologias no seu dia
a dia
Mocircnica Fantin ao tratar da formaccedilatildeo docente dialogada com a cultura experiecircncia
e multimiacutedia defende que eacute necessaacuterio ldquoo trabalho diferenciado com a cultura audiovisual
imageacutetica literaacuteria artiacutestica musical midiaacutetica e digital articulada com as mais diversas
formas de participaccedilatildeo de crianccedilas e jovens na culturardquo (FANTIN 2012 p 298) Com isso
64 Foram levadas fotografias para que os estudantes pudessem compreender melhor as caracteriacutesticas fiacutesicas da aacutervore sendo evidenciado que existem vaacuterias espeacutecies da mesma 65 O viacutedeo que conta a lenda do Baobaacute e da hiena apresentado aos estudantes foi produzido por Camila SgLe Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=V1BmVhT05HQ consultado em 10042016gt 66 Link da paacutegina onde o viacutedeo seraacute disponibilizado httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnico raciaisartesdefazer
80
reconhecemos a urgecircncia de contar e permitir que os nossos estudantes contem novas
histoacuterias e se apropriem dos artefatos do cotidiano como ferramentas para que suas
aprendizagens sejam prazerosas e significativas
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo Fonte Arquivo pessoal da autora
47 NARRATIVA DA PROFESSORA DO PREacute-ESCOLAR I
A seguir compartilho uma breve narrativa da docente Sarah Rosa professora do Preacute-
escolar I do ano de 2015 Esta pocircde acompanhar a turma no ano corrente o que foi algo
favoraacutevel para todos os envolvidos na pesquisa visto que possibilitou a permanecircncia das
conversas
A participaccedilatildeo da professora Daise tem sido grandemente proveitosa e enriquecedora para os alunos da Educaccedilatildeo Infantil Sua pesquisa e trabalho tecircm colaborado para o desenvolvimento dos alunos em vaacuterios aspectos um deles eacute contra o preconceito racial Haacute tambeacutem um trabalho sobre as diferenccedilas o respeito e o amor ao proacuteximo aleacutem de desenvolver o gosto das crianccedilas pela leitura pela linguagem oral e corporal As crianccedilas apresentam prazer e satisfaccedilatildeo pelas suas aulas que por sinal satildeo bem dinacircmicas e atrativas para elas O trabalho feito tem ido aleacutem da sala de aula tem alcanccedilado os familiares dos alunos e ajudado a trazer a presenccedila dos mesmos agrave escola Ela tem realizado atividades envolvendo
81
a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo dos familiares juntamente com as crianccedilas O que tem proporcionado experiecircncias prazerosas para todos envolvidos (Professora Sarah Rosa 2015)
82
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
51 CONCLUSOtildeES
Este estudo teve como objetivo geral ldquorealizar pesquisa a partir de metodologias
interativas ndash interdisciplinaridade e etnografia ndash com enfoque na sociologia da infacircncia
com estudantes entre 4 e 6 anos abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola
rural do municiacutepio de Mageacuterdquo para aleacutem de contribuir com minha formaccedilatildeo continuada
Pude construir novos saberes e compartilhaacute-los Nesse processo tambeacutem confirmei a
necessidade de mudanccedila de olhar sobre a escola que temos
As escolas brasileiras ainda se enquadram dentro do modelo instrumental e
cartesiano sobre o qual elas foram pensadas Este modelo limita a compreensatildeo da
multiplicidade de contextos e sujeitos que compotildeem a diversidade humana Natildeo obstante
sabe-se que aos poucos essa mesma instituiccedilatildeo tem incluiacutedo a diversidade a partir de
movimentos que visam o rompimento com o instituiacutedo
Este trabalho desejou suscitar um novo olhar sobre a diversidade em contexto escolar
e construir caminhos que alcanccedilassem os diferentes atores sociais de maneira afetiva e
efetiva Assim foi se estabelecendo conversas e fui descobrindo que elas satildeo mais longas
quando acontecem entre os sujeitos da diferenccedila
Pensar a crianccedila desde a mais tenra idade implicou em realizar redes reflexivas com
diversas aacutereas do saber As metodologias trabalhadas sobretudo a interdisciplinaridade
nos pareceu desde o iniacutecio uma decisatildeo acertada A Sociologia da Infacircncia (CORSARO
2005) favoreceu minhas aproximaccedilotildees com as crianccedilas e entre elas proacuteprias Favoreceu
ainda o desafio de trabalhar com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais jaacute que pensar as
culturas infantis implica em refletir sobre diferenccedila diversidade e alteridade
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012)
Os objetivos especiacuteficos foram as metas traccediladas para o alcance do objetivo geral
Visaacutevamos romper com praacuteticas e culturas que excluem a diversidade do cotidiano escolar
a partir de intervenccedilotildees pedagoacutegicas Para tais intervenccedilotildees precisei construir objetivos de
ensino que me orientassem no trabalho
A Sociologia da Infacircncia enquanto constructo epistemoloacutegico possibilitou maiores
reflexotildees sobre a crianccedila enquanto produtora de cultura e reveladora das possibilidades
83
da estrutura social (SARMENTO 2005 p 363) Dessa maneira ao longo da pesquisa com
as crianccedilas e natildeo sobre elas fui notando o quanto eram ativas criativas e dotadas de
saberes que gritavam para serem reconhecidos Ao reconhecer suas vozes me aproximei
da cultura da diversidade e juntos realizamos interaccedilotildees dialoacutegicas
Tambeacutem busquei construir redes colaborativas e de conhecimentos com a
comunidade escolar compreendendo os docentes (natildeo soacute os professores da Educaccedilatildeo
Infantil) e a equipe pedagoacutegica O objetivo foi a reflexatildeo sobre os desafios da inclusatildeo da
diversidade nas escolas brasileiras Realizamos grupos de estudos dinamizado por mim67
Estabelecemos conversas as quais me trazem agrave memoacuteria uma palestra que escutei haacute
algum tempo na UFF sobre ldquoTempos e conversasrdquo O palestrante Carlos Skliar68 sinalizou
que os professores precisam ser formados na arte da conversa pois sem conversaccedilatildeo natildeo
existe educaccedilatildeo
Me aproprio de sua fala para explicitar como foi a relaccedilatildeo entrecom as professoras
envolvidas na pesquisa Eacute certo que somos diferentes mas foram essas diferenccedilas
somadas a solidariedade que fizeram a conversa fluir emergindo trocas reflexivas sobre o
cotidiano escolar diversidade e inclusatildeo
Como jaacute sinalizado os atores do cotidiano possuem muacuteltiplas linguagens que
precisam ser alcanccediladas O que se aprende fora dos muros da escola necessita ser
considerado como fonte de aprendizagem significativa no ambiente escolar E por
aprendizagem significativa entendemos ser aquela que proporciona a ldquointeraccedilatildeo cognitiva
entre o novo conhecimento e o conhecimento preacuteviordquo (MOREIRA 2000 p 4)
E embora o objetivo do trabalho natildeo fosse alcanccedilar diretamente as pessoas com
deficiecircncia as oficinas realizadas podem ser utilizadas para o trabalho com pessoas surdas
cegas ou com outras deficiecircncias desde que se realize as adaptaccedilotildees necessaacuterias Eacute possiacutevel
notar que procuramos incluir a diversidade na escola na figura de uma avoacute com nanismo
com a presenccedila de pessoas com diferentes faixas etaacuterias com mulheres ou seja pessoas
que representam as minorias que fazem parte da diversidade humana
67 Nesse grupo de estudos a supervisora da escola me convidou para realizar uma formaccedilatildeo para as professoras das duas creches em que ela trabalhava A formaccedilatildeo aconteceu no mecircs de agosto para 21 professoras do Municiacutepio de Mageacute 68 Pesquisador principal da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales - Argentina Tem experiecircncia na aacuterea de Educaccedilatildeo com ecircnfase em Fundamentos da Educaccedilatildeo Atuando principalmente nos seguintes temas Comunicaccedilatildeo Inteligecircncia Surdos Alteridade e Diferenccedila
84
Entendendo que a teoria funciona como lupa para melhor ver o que acontece na
praacutetica assim todas as atividades foram pensadas agrave luz de diferentes correntes teoacutericas-
metodoloacutegicas complementares tais como Sociologia da Infacircncia Interdisciplinaridade e
Etnografia Em todas as etapas procuramos adequar as atividades e reflexotildees aos
paracircmetros da Educaccedilatildeo Infantil e do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais sem perder de
vista o protagonismo infantil
Como jaacute salientado meus caminhos de formaccedilatildeo tecircm me provocado a olhar o
cotidiano escolar a partir de uma curiosidade epistemoloacutegica (FREIRE 2007) Mas
reconheccedilo que foi um desafio o trabalho com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais uma vez
que as poliacuteticas e praacuteticas existentes tendem a burocratizar a questatildeo natildeo possibilitando
a criaccedilatildeo de uma cultura inclusiva sobre a temaacutetica no cotidiano escolar Igualmente
reconheccedilo que graccedilas a curiosidade inquieta que me move em direccedilatildeo ao Outro tenho
buscado a construccedilatildeo de taacuteticas que representem a possibilidade de incluir a diversidade
52 PERSPECTIVAS
Foram traccediladas algumas perspectivas apoacutes a conclusatildeo deste trabalho A primeira
delas e que foi um compromisso com as famiacutelias dos estudantes foi a devoluccedilatildeo dos
achados que ainda seraacute decido a natureza do material Temos como opccedilatildeo o caderno
pedagoacutegico em CD mas tambeacutem podemos pensar na sua versatildeo impressa ou disponibiliza-
lo no espaccedilo criado para a divulgaccedilatildeo das accedilotildees e demais produtos Para tal devoluccedilatildeo
podemos repensar a colocaccedilatildeo dos nomes e exibiccedilatildeo dos rostos das crianccedilas pois
entendemos que elas precisam se reconhecerem no texto no qual sua histoacuteria de vida estaacute
sendo contada mas que para esse trabalho por questotildees eacuteticas foram suprimidas
Outra perspectiva eacute tornar o Caderno Pedagoacutegico uma Tecnologia Acessiacutevel para o
trabalho com crianccedilas deficientes A Tecnologia Acessiacutevel na escola tem por objetivo
() proporcionar agrave pessoa com deficiecircncia maior independecircncia para o aprendizado melhor qualidade de vida e inclusatildeo social por meio da ampliaccedilatildeo de sua comunicaccedilatildeo e de sua mobilidade maior controle do ambiente e desenvolvimento de trabalho integrado com a famiacutelia
colegas e profissionais da educaccedilatildeo (DOMINICK 2015 p 9)
85
Dessa maneira vislumbramos construir outras estrateacutegias para a acessibilidade do
conhecimento das relaccedilotildees eacutetnico-raciais Quando pensamos em outras eacute porque como jaacute
dito anteriormente algumas oficinas podem ser adaptadas para trabalhar com pessoas
cegas surdas cadeirantes com altas habilidades desde que o professor coloque em
praacutetica as suas invenccedilotildees cotidianas (CERTEAU 1994) e se torne um professor pesquisador
e inventor de novas taacuteticas educacionais
86
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABRAMOWICZ Anete OLIVEIRA Fabiana As relaccedilotildees eacutetnico-raciais e a sociologia da infacircncia no Brasil alguns aportes In BENTO Maria Aparecida Silva (Org) Educaccedilatildeo infantil igualdade racial e diversidade aspectos poliacuteticos juriacutedicos conceituais Satildeo Paulo Centro de Estudos das Relaccedilotildees de Trabalho e Desigualdades - CEERT 2012 ALVES Nilda Imagens de professoras e redes cotidianas de conhecimentos Educar Curitiba n 24 p 19-36 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfern24 n24a02pdfgt Acesso em 10 de marccedilo de 2016 ______ Decifrando o pergaminho o cotidiano das escolas nas loacutegicas das redes cotidianas In OLIVEIRA IB ALVES N (Orgs) Pesquisa nodo cotidiano das escolas sobre redes de saberes Rio de Janeiro DPampA 2001 ARANTES Erika ANDRADRE Nivea Diana e os orixaacutes imagens da questatildeo racial em escolas Revista de Estudos Universitaacuterios Sorocaba v 39 n 2 p 379-391 2013 Disponiacutevel em lthttpperiodicosunisobrojsindexphpjournal=reuamppage=articleampop= viewamppath5B 5D=1712gt Acesso em 20 de abril de 2015 APPADURAI Arjun O medo ao pequeno nuacutemero ensaio sobre a geografia da raiva Satildeo Paulo Iluminuras Itauacute Cultural 2009 CASTELLS Manuel A Era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura vol I 6ordf ed Satildeo Paulo Paz e terra 1999 BOOTH T AISCOW M Index para a inclusatildeo desenvolvendo a aprendizagem e a participaccedilatildeo nas escolas Traduzido por Mocircnica Pereira dos Santos e Joatildeo Batista Esteves Londres CSIE 2011 BOURDIEU Pierre O poder simboacutelico Traduccedilatildeo Fernando Tomaz Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 BRASIL Lei nordm 9394 Brasiacutelia 20 de dezembro de 1996 Disponiacutevel em lt
httpswwwplanaltogovbrccivil_03LeisL9394htmgt ______ Lei nordm 10639 Brasiacutelia 9 de janeiro de 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03leis2003L10639htmgt Acesso em 26 marccedilo de 2015 ______ Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana Brasiacutelia MEC SEF 2004 ______ Lei nordm 11738 Brasiacutelia 16 de julho de 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102008leil11738htmgt
87
_____ Referencial curricular nacional para a educaccedilatildeo infantil Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e do Desporto Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MECSEF 1998 3v il BRITO Teca A de Muacutesica na Educaccedilatildeo Infantil Satildeo Paulo Petroacutepolis 2003 CERTEAU Michel de A Invenccedilatildeo do cotidiano Artes de fazer Petroacutepolis Vozes 1994 CORSARO WA Entrada no campo aceitaccedilatildeo e natureza da participaccedilatildeo nos estudos etnograacuteficos com crianccedilas pequenas Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 26 n 91 p 443-464 maio-ago 2005 DELGADO Ana Cristina Coll MULLER Fernanda Em busca de metodologias investigativas com crianccedilas e suas culturas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo v 35 n 125 p 161-179 maioago 2005 DOMINICK Rejany dos S A arte de fazer e nos fazermos no ALEPH explicitando alguns princiacutepios na e da formaccedilatildeo de professores In LINHARES Ceacutelia Portinari e a cultura brasileira um convite agrave educaccedilatildeo a contrapelo Niteroacutei Editora da UFF 2011 [Segunda parte p 145-161] ______ Discutindo e conceituando as tecnologias para a formaccedilatildeo de professores na EJA-I e na diversidade In MEDEIROS C C Educaccedilatildeo de jovens adultos e idosos na diversidade saberes sujeitos e praacuteticas Niteroacutei UFFCEAD 2015 p 295-314 FANTIN Monica O lugar da experiecircncia da cultura e da aprendizagem multimiacutedia na formaccedilatildeo de professores Educaccedilatildeo Santa MariaRS v 37 n 2 p 291-306 2012 FAZENDA Ivani Catarina Arantes Desafios e perspectivas do trabalho interdisciplinar no Ensino Fundamental contribuiccedilotildees das pesquisas sobre interdisciplinaridade no Brasil o reconhecimento de um percurso Trabalho publicado nos Anais do XIV ENDIPE Belo Horizonte 2010 FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia saberes necessaacuterios agrave praacutetica educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007
______ Educaccedilatildeo e mudanccedila Rio de Janeiro Paz e Terra 1983
GOMES Lisandra O cotidiano as crianccedilas suas infacircncias e a miacutedia imagens concatenadas Proacute-Posiccedilotildees CampinasSP v 19 n 3 p 175-193 setdez 2008 GONCcedilALVES Luiz Alberto Oliveira Reflexatildeo sobre a particularidade cultural na educaccedilatildeo das crianccedilas negras Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 63 p 27-29 nov 1987 HAAS Celia Maria A Interdisciplinaridade em Ivani Fazenda construccedilatildeo de uma atitude pedagoacutegica International Studies On Law And Education Satildeo Paulo n 8 p55-64 maiago 2011
88
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICA (IBGE) Dados gerais do municiacutepio de Mageacute 2014 Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=amp codmun=330250ampsearch=||infoE1ficos-informaE7F5es-completas Acesso em 20072015 JAPIASSU H Interdisciplinaridade e patologia do saber Rio de Janeiro Imago 1976 KRAMER Sonia Autoria e autorizaccedilatildeo questotildees eacuteticas nas pesquisas com crianccedilas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 116 p 41-59 2002 LARROSA Jorge Notas sobre a experiecircncia e o saber de experiecircncia Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro n 19 p 20-28 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfrbedun19n19a02pdfgtAcessado 20052015 LARROSA Jorge Experiecircncia e alteridade em educaccedilatildeo Revista Reflexatildeo e Accedilatildeo Santa Cruz do SulSC v 19 n 2 p 04-27 2011 LINHARES Celia Movimentos instituintes na escola buscando dar visibilidade ao invisiacutevel Revista Aleph Niteroacutei [200] Disponiacutevel em lthttpwwwuffbralephtextos_em_pdf
politicas_de_formacao_de_professorespdfgt Acessado em 02 agosto 2015 LOumlWY Michael A ldquocontrapelordquo A concepccedilatildeo dialeacutetica da cultura nas teses de Walter Benjamin (1940) Lutas Sociais Satildeo Paulo n 2526 p20-28 2ordm semestre 2011 MATURANA H e VARELA F A aacutervore do conhecimento As bases bioloacutegicas do entendimento humano CampinasSP Editorial Psy II 1995 MOREIRA Marco Antonio Aprendizagem significativa Brasiacutelia Ed da UnB 2000 MUumlLLER F Infacircncia nas vozes das crianccedilas culturas infantis trabalho e resistecircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 27 n 95 p 553-573 ago 2006 MUNANGA Kabengele Uma abordagem conceitual das noccedilotildees de raccedila racismo identidade e etnia In BRANDAtildeO A A P (Org) Programa de educaccedilatildeo sobre o negro na sociedade brasileira Niteroacutei EdUFF 2000 OLIVEIRA Luiz Fernandes FARIAS Ursula Pinto Lopes A Aacutefrica e o negro nos anos iniciais do ensino fundamental desafios para a escola In GOUVEcircA Fernando Ceacutesar Ferreira OLIVEIRA Luiz Fernandes de SALES Sandra Regina (Orgs) Educaccedilatildeo e relaccedilotildees eacutetnico-raciais entre diaacutelogos contemporacircneos e poliacuteticas puacuteblicas 1 ed PetroacutepolisRJ De Petrus et Alii BrasiacuteliaDF CAPES 2014 PACHECO Liacutellian Pedagogia Griocirc a reinvenccedilatildeo da roda da vida LenccediloacuteisBA Graacutefica Santa Helena 2006
89
PAULA Benjamin Xavier de A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais e os desafios a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo anti-racista Anais do XIV Regional da ANPUH Rio de Janeiro 2010 PEIXOTO I C L A violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda e seus reflexos no comportamento de gecircnero Anais do Encontro Nacional do GT ndash GecircneroANPUH Espiacuterito Santo 2004 Disponiacutevel em lthttplegpvufesbrsiteslegpvufesbrfilesfieldanexo isabella_cotta_lanza_peixotopdfgt PEREIRA Daise dos S Conversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da educaccedilatildeo baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeos Trabalho de conclusatildeo de curso (Poacutes-graduaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais) Universidade Federal Fluminense 2016 PEREIRA Maacutercia G PEREIRA Daise dos S A (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidade XVIII Endipe CuiabaacuteMT 2016 PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICIacuteLIOS (PNAD) Retrato das Desigualdades de Gecircnero e Raccedila 4ordf ediccedilatildeo 2012 Disponiacutevel em httpwwwipeagovbrigualdaderacial indexphpoption=com_contentampview=articleampid=614ampItemid=18
PLETSCH Maacutercia Denise CARVALHO Carlos Roberto Editorial do dossiecirc Processos de Inclusatildeo e Exclusatildeo Escolar e Movimentos Sociais Revista Teias Rio de Janeiro v 12 n 24 p 01-08 janabr 2011 Disponiacutevel em lthttpperiodicospropedprobrindexphprevistateiasarticleview822gt Acessado em 010716 ROSSETTO Elisabeth A contribuiccedilatildeo do pensamento de Maturana para a educaccedilatildeo Educere et Educare ndash Revista de Educaccedilatildeo vol 5 n 10 2ordm Semestre de 2010
SANTOS Mocircnica Pereira dos Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura Omnileacutetica In CASTRO Paula Almeida de Inovaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia desafios e perspectivas na contemporaneidade Campina GrandePB Editora Realize 2015 Disponiacutevel em lthttpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdfgt Acesso em 20022016 SANTOS Sandro V S dos Sociologia da infacircncia aproximaccedilotildees entre Willian Corsaro e Florestan Fernandes Educaccedilatildeo em Perspectiva Viccedilosa v 5 n 1 p 117-139 janjun 2014 SARMENTO Manuel Jacinto Geraccedilotildees e alteridade interrogaccedilotildees a partir da sociologia da infacircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas vol 26 n 91 p 361-378 MaioAgo 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwcedesunicampbrgt SCHOumlN D Educando o Profissional Reflexivo um novo design para o ensino e aprendizagem
Trad Roberto Cataldo Costa Porto Alegre Artes Meacutedicas Sul 2000
SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das trecircs raccedilas ndash cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil 1870-1930 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993
90
SILVA Tomaz Tadeu da Documentos de identidade uma introduccedilatildeo agraves teorias do curriacuteculo Belo Horizonte Autecircntica 2007 SILVA P V B da SOUZA G de Relaccedilotildees eacutetnico-raciais e praacuteticas pedagoacutegicas em Educaccedilatildeo Infantil Educar em Revista Curitiba n 47 p 35-50 janmar 2013 SKLIAR Carlos A educaccedilatildeo e a pergunta pelos Outros diferenccedila alteridade diversidade e os outros outros Revista eletrocircnica Ponto de Vista Florianoacutepolis n 5 p 37-49 2003 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosufscbrindexphppontodevistaarticleview1244gt THIESEN Juares da Silva A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 13 n 39 p 545-554 2008 TRINDADE Azoilda Loretto (org) Africanidades brasileiras e educaccedilatildeo [livro eletrocircnico] Salto para o Futuro Rio de Janeiro ACERP Brasiacutelia TV Escola 2013 ______ Valores Civilizatoacuterios e a Educaccedilatildeo Infantil uma contribuiccedilatildeo afro-brasileiras In BRANDAtildeO Ana Paula TRINDADE Azoilda Loretto da (Orgs) Modos de brincar caderno de atividades saberes e fazeres Rio de Janeiro Fundaccedilatildeo Roberto Marinho 2010 UNESCO Declaraccedilatildeo de Salamanca Necessidades Educativas Especiais ndash NEE In Conferecircncia Mundial sobre NEE Acesso em Qualidade ndash UNESCO Salamanca Espanha UNESCO 1994 YOUNG Michael Para que servem as Escolas Educ Soc Campinas vol 28 n 101 p 1287-1302 setdez 2007 Disponiacutevel em lt httpwwwcedesunicampbr gt
91
7 APEcircNDICES E ANEXOS
71 APEcircNDICES
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados
92
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
93
94
95
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem
96
97
98
72 ANEXOS 721 Imagens utilizadas
Navio Negreiro - Litogravura de Johann Moritz Rugendas (1835)
Navio negreiro real na costa brasileira ndash Marc Ferrez (1882)
99
Mulher brasileira em seu lar - Jean Baptiste Debret
O Jantar no Brasil - Jean Baptiste Debret
100
722 Premiaccedilatildeo
Esta premiaccedilatildeo eacute fruto das accedilotildees de incentivo agrave leitura que desenvolvi na escola em
parceria com o projeto de Extensatildeo da UFF ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos
anos iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo e a presente pesquisa O projeto ldquoOs
contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo com histoacuterias uacutenicasrdquo buscou
romper com as histoacuterias uacutenicas e oportunizar que os sujeitos da diferenccedila tivessem o direito
de serem protagonistas e construtores de suas proacuteprias histoacuterias
A seguir reproduccedilatildeo na iacutentegra do texto sobre os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio
Ecofuturo de Bibliotecas
O Instituto Ecofuturo anuncia os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio Ecofuturo de
Bibliotecas iniciativa que visa reconhecer o trabalho de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria
realizado nas 107 bibliotecas comunitaacuterias da Rede Ler Eacute Preciso implantadas pelo Instituto
em parceria com a iniciativa privada poder puacuteblico e comunidade
Para Paulo Groke Diretor de Sustentabilidade do Ecofuturo o precircmio eacute tambeacutem uma
forma de compartilhar boas praacuteticas que incentivam e inspiram a leitura no Paiacutes
ldquoA cada ediccedilatildeo eacute possiacutevel identificar uma melhora consideraacutevel na qualidade e na
periodicidade das atividades promovidasrdquo conclui
Os projetos vencedores foram selecionados por um juacuteri formado pela equipe do
Ecofuturo e especialistas nas aacutereas de educaccedilatildeo leitura e biblioteconomia que entre
101
outros criteacuterios analisaram o planejamento de atividades de promoccedilatildeo de leitura e sua
execuccedilatildeo ao longo de todo o ano acervo selecionado articulaccedilatildeo e atendimento a diversos
puacuteblicos
Os trecircs primeiros colocados ganham 50 livros de literatura novos para complementar
o acervo da unidade e dois representantes de cada biblioteca vencedora participaratildeo da
24ordf Bienal Internacional do Livro de Satildeo Paulo evento que possibilitaraacute por meio de sua
programaccedilatildeo atualizaccedilatildeo profissional e troca de conhecimento Todas as Bibliotecas
Comunitaacuterias participantes recebem certificados com suas respectivas classificaccedilotildees
O Precircmio Ecofuturo de Bibliotecas foi criado pelo Instituto em 2009 A proacutexima ediccedilatildeo
acontece em 2017 e as inscriccedilotildees satildeo restritas agrave Rede Bibliotecas Comunitaacuterias Ler eacute
Preciso Aleacutem dessa iniciativa o Instituto eacute responsaacutevel por outras accedilotildees importantes na
aacuterea como a instituiccedilatildeo de 12 de outubro como Dia Nacional da Leitura e a campanha Eu
Quero Minha Biblioteca
Vencedores
A Biblioteca Prof Maria Olivia Otero Artioli localizada em Agudos Satildeo Paulo
conquistou o primeiro lugar com o projeto ldquoEacute preciso gostar de lerrdquo no qual realizou
atividades de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria durante todo o ano de 2015 O planejamento
anual compreendeu accedilotildees envolvendo puacuteblico diverso de bebecircs a idosos Foram iniciativas
promovidas dentro e fora da biblioteca como a ldquoMala Viajanterdquo que levava leitura a escolas
e creches e que tiveram o livro a leitura e o leitor como atores principais
Jaacute em Mageacute no Rio de Janeiro a Biblioteca Prof Elzira Bastos Amaro em parceria
com o departamento pedagoacutegico da Secretaria de Educaccedilatildeo ficou com a segunda
colocaccedilatildeo com o projeto ldquoOs contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo
com histoacuterias uacutenicasrdquo Aleacutem de accedilotildees de promoccedilatildeo de leitura com forte embasamento
teoacuterico e teacutecnico realizadas semanalmente todo o espaccedilo da unidade foi reorganizado
incluindo catalogaccedilatildeo das obras e separaccedilatildeo dos livros que seriam trabalhados nas
atividades que tiveram como foco o resgate da identidade local utilizando a cultura do
municiacutepio como tema principal
A terceira colocada foi a Biblioteca Mestra Augusta de Turmalina Minas Gerais que
focou seu projeto ldquoDe matildeo em matildeo de voz em voz livros agrave matildeo cheia semprerdquo jaacute
realizado haacute quatro anos em atividades de promoccedilatildeo de leitura que relataram a diferenccedila
102
entre ler e contar trabalhando a articulaccedilatildeo com puacuteblicos variados e a divulgaccedilatildeo em
diversos canais de comunicaccedilatildeo do municiacutepio ndash demonstrando a sustentabilidade do
projeto ndash e a importacircncia do envolvimento do poder puacuteblico
Outro destaque desta ediccedilatildeo foi a Biblioteca Comunitaacuteria Ler eacute Preciso Nelson
Mandela que estaacute localizada na Penitenciaacuteria II de Bauru em Satildeo Paulo e que com o
projeto ldquoUm conto como eu contordquo recebeu a Menccedilatildeo Honrosa O objetivo das atividades
foi utilizar o conto como gecircnero literaacuterio para contemplar as possibilidades de leitura dos
detentos que frequentam a escola dentro da penitenciaacuteria A partir das accedilotildees de promoccedilatildeo
de leitura os professores disseminaram a literatura como fonte de conhecimento e
reflexatildeo
Autor Ecofuturo
Disponiacutevel em httpblogecofuturoorgbrconheca-os-vencedores-do-6o-premio-
ecofuturo-de-bibliotecas
V
Dedico a todos os meus alunos sem distinccedilatildeo
VI
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo aos meus pais David e Neuza pelo incentivo e dedicaccedilatildeo ao longo da vida
Ao meu irmatildeo David pela parceria em todos os momentos Aos meus avoacutes e tios que
sempre soliacutecitos contribuiacuteram de alguma maneira para essa conquista
Agradeccedilo agrave Rejany Dominick que em 2008 me apresentou e tem me ensinado os
caminhos da pesquisa cientiacutefica das experiecircncias instituintes e das artes de fazer e fazer-
me professora Obrigada por compartilhar saberes e por ajudar-me a ver outras estradas
Agradeccedilo ao corpo docente do CMPDI e agravequeles que colaboraram diretamente com
a elaboraccedilatildeo deste trabalho Assim natildeo posso deixar de mencionar a professora Niacutevea
Andrade que no curso de especializaccedilatildeo em ensino de histoacuteria me brindou com conversas
sobre o cotidiano escolar e sobre as taacuteticas docentes para uma educaccedilatildeo outra
Agradeccedilo tambeacutem agrave professora Mocircnica Pereira dos Santos que com disponibilidade
me recebeu para conversamos sobre diversidade e inclusatildeo Agrave professora Dagmar Mello
pelas contribuiccedilotildees no periacuteodo da qualificaccedilatildeo e nesta reta final Ao professor Luiz Andrade
pela disponibilidade para compor a banca Agrave professora Maacutercia Guerra que chegou
recentemente mas parece que jaacute estava aqui por perto haacute algum tempo Obrigada Maacutercia
pela parceria incentivo e amizade
Aos amigos que descobri no Mestrado e agravequeles que ao longo desse caminho se
fizeram presentes compartilhando saberes anguacutestias expectativas Natildeo posso deixar de
mencionar meus colegas de orientaccedilatildeo Camila Matheus irmatilde loira sempre soliacutecita Ao
Luiz Marcelo Ana Ceciacutelia Ana Peacutersia pessoas queridas e companheiras E Lindiane matildee da
pequena Laiacutes que nessa reta final foi a extensatildeo dos meus braccedilos auxiliando-me na parte
teacutecnica para o fechamento deste trabalho
A Seacutergio Felipe Thiago Monique e Mary por serem presentes nos momentos em que
precisei de uma matildeo amiga Agrave Iolanda que me recorda de algumas verdades que por vezes
esqueccedilo
Agradeccedilo ao Gustavo pelas contribuiccedilotildees na elaboraccedilatildeo da arte do caderno
pedagoacutegico
Aos profissionais da Escola Municipal Dinorah do Santos Bastos pela acolhida e
saberes compartilhados Agraves famiacutelias dos estudantes pela parceria de sucesso Agraves
professoras do Preacute-escolar Fabiana e Sarah pela confianccedila conversas e amizade
VII
construiacuteda ao longo desse processo Agrave Lindaura pela parceria e generosidade Devo
tambeacutem agradecer a presenccedila doce e soliacutecita do seu Joatildeo
Agrave gestora da escola Veluma Luciane pelo comprometimento com a educaccedilatildeo que
muito me ensinou e tambeacutem pela confianccedila depositada no meu trabalho Veluma obrigada
por colaborar com a retirada das pedras do caminho
Agrave Pacircmela bolsista de extensatildeo que colaborou na fase inicial da pesquisa com a parte
teacutecnica da coleta de dados e com quem compartilhei saberes
Agrave Laucimary funcionaacuteria da biblioteca pela colaboraccedilatildeo em diversos momentos
Agradeccedilo tambeacutem agraves parcerias institucionais Agrave UFF e agrave PROEX pelo financiamento
de uma bolsista para o desenvolvimento das accedilotildees de ensino pesquisa e extensatildeo Agrave ONG
Aacutegua Doce que potencializou o trabalho com a inserccedilatildeo da biblioteca Eco Futuro no terreno
da escola com uma infraestrutura e um acervo de livros excelentes Agrave Secretaria de
educaccedilatildeo de Mageacute pela autorizaccedilatildeo da pesquisa na escola
A todos da Fundaccedilatildeo Educacional de Cultura de Mageacute por me receber tatildeo bem E agrave
Cristina pelo apoio nesta reta final
E um agradecimento especial aos meus alunos desde agravequeles que laacute em 2008 na
Escola Municipal Nossa Senhora da Penha me instigaram a pensarconstruir experiecircncias
instituintes para a inclusatildeo da vida na sua diversidade e tambeacutem aos estudantes da ldquoEscola
Dinorahrdquo que me encheram de alegria e satisfaccedilatildeo durante esse processo de construccedilatildeo
de conhecimento para a inclusatildeo da diversidade
E agravequele que eacute Alfa e Ocircmega princiacutepio e fim DEUS
VIII
SUMAacuteRIO
Lista de abreviaturas X
Lista de ilustraccedilotildees XI
Lista de figuras XI
Lista de graacuteficos XI
Resumo XII
Abstract XIII
1 Introduccedilatildeo 1
11 Apresentaccedilatildeo 1
12 Eacute preciso falar sobre Diversidade e Inclusatildeo 9
13 A lei 1063903 um marco histoacuterico na luta Antirracista 13
14 O Ensino das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais algumas reflexotildees 15
15 Valores Civilizatoacuterios Afro-brasileiros na Educaccedilatildeo Infantil 18
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio 21
16 A crianccedila pequena e o negro quem satildeo esses outros 24
2 Objetivos 27
21 Objetivo geral 27
22 Objetivos especiacuteficos 27
3 Material e Meacutetodos (Metodologia) 28
31 Puacuteblico alvo 28
32 Etnografia e interdisciplinaridade caminhos metodoloacutegicos 28
33 Questotildees eacuteticas na pesquisa com crianccedilas 31
34 Fases da pesquisa 32
341 As oficinas 33
35 Colaboradores na coleta de dados 35
36 Caderno Pedagoacutegico 36
4 Resultados e Discussatildeo 40
41 Dados coletados reflexotildees iniciais 40
42 Percebendo as vozes oficinas iniciais 41
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (Idade entre 4 e 5 anos) 41
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (Idade entre 5 e 6 anos) 43
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II) 45
IX
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I) 47
43 Oficina 3 - Conhecendo Maria a menina que veio do Congo 51
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso 55
44 Oficina 4 - Uma sensibilizaccedilatildeo para a Pedagogia Griocirc 57
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II) 60
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I) 62
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias 64
45 Oficina 5 - Musicalidade e as ldquoartes de fazerrdquo 65
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica 66
4511 Preacute-escolar II 66
4512 Preacute-escolar I 68
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais 69
453 Confecccedilatildeo de objetos sonoros 72
4531 Preacute-escolar II 72
4532 Preacute-escolar I 73
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis 74
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical 75
46 Oficina 6 - Lendas que nos encantam 77
461 O Segredo do Baobaacute uma lenda Africana 78
47 Narrativa da Professora do Preacute-escolar I 80
5 Consideraccedilotildees Finais 82
51 Conclusotildees 82
52 Perspectivas 84
6 Referenciais bibliograacuteficos 86
7 Apecircndices e Anexos 91
71 Apecircndices 91
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados 91
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 92
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem 95
72 Anexos 98
721 Imagens utilizadas 98
722 Premiaccedilatildeo 100
X
LISTA DE ABREVIATURAS
CMPDI Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo
CNE Conselho Nacional de Educaccedilatildeo
DCN ERER Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees
Eacutetnico-Raciais
DCNs Diretrizes Curriculares Nacionais
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IES Instituiccedilatildeo de Ensino Superior
LDB Lei de Diretrizes e Bases
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios
PROEX Proacute-reitoria de Extensatildeo
RCNEI Referencial Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil
SIGProj Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo de Projetos
TICs Tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo
UFF Universidade Federal Fluminense
XI
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Paacutegina na rede social 38
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos 46
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos 49
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas 50
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) 54
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) 55
Figura 7 Vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade 61
Figura 8 Vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais 64
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos musicais 72
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais 73
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas 76
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo 80
LISTA DE GRAacuteFICOS
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I 43
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II 45
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) 48
XII
RESUMO
A educaccedilatildeo inclusiva e para a diversidade eacute um tema que natildeo pode ser analisado apenas pelo acircngulo da falta de matriacutecula nas escolas Hoje pessoas com deficiecircncia altas habilidades negras indiacutegenas brancas crianccedilas jovens e adultos de todas as religiotildees estatildeo matriculados nas escolas Contudo nem sempre tal fato significa uma inclusatildeo real da diversidade no espaccedilo escolar A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais em contexto escolar eacute um desafio ainda hoje presente em nosso cotidiano Identificamos atitudes que fortalecem segregaccedilotildees do negro e da cultura africana em todas as esferas da sociedade ao longo da histoacuteria brasileira mas na escola apesar da legislaccedilatildeo e de ser um espaccedilo de inclusatildeo da diversidade ainda vemos segregaccedilotildees silenciamentos e indiferenccedilas aos afrodescendentes e suas heranccedilas eacutetnicas Considerando que os mecanismos de discriminaccedilatildeo e preconceitos eacutetnico-raciais devem ser discutidos na escola desde a mais tenra idade este trabalho buscou pesquisar construir aprofundar e difundir conhecimentos sobre aspectos da histoacuteria e da cultura afro-brasileira na Educaccedilatildeo Infantil O foco de nossa pesquisa foram as crianccedilas entre 4 e 5 anos de uma escola municipal de MageacuteRJ localizada em uma aacuterea rural Partindo da Sociologia da Infacircncia dialogamos com metodologias de ensino e de pesquisa interativas interdisciplinares e tambeacutem com princiacutepios etnograacuteficos Importante ressaltar aqui que a escolha pela faixa etaacuteria ocorreu por percebermos que a crianccedila pequena assim como o negro fazem parte de uma minoria social e que apenas recentemente vecircm tendo seus direitos sociais reconhecidos Ateacute haacute pouco tempo eram ldquoos outrosrdquo aqueles cujas vozes natildeo precisavam ser ouvidas Nossa luta poliacutetica eacute para gerar praacuteticas voltadas para a formaccedilatildeo de uma cultura inclusiva que alcance todos os sujeitos no contexto educacional Buscou-se intervir no cotidiano escolar construindo com os estudantes algumas experiecircncias instituintes Tais experiecircncias concretizadas em oficinas pedagoacutegicas compotildeem um caderno pedagoacutegico voltado para docentes da Educaccedilatildeo Infantil visando contribuir para que novas reflexotildees sobre os sentidos da educaccedilatildeo para a diversidade surjam e se efetive uma educaccedilatildeo inclusiva para todos
Palavras-chave raccedila etnia sociologia da infacircncia inclusatildeo metodologias interativas
XIII
Abstract
The inclusive education and to diversity is a theme that cannot be parsed only from the angle of lack of enrollment in schools Today people with disabilities high skills black white indigenous children youth and adults of all religions are enrolled in schools However not always it means a real inclusion of diversity in the school space Education for ethnic-racial relations in school is a challenge even today present in our daily lives Identify attitudes that strengthen the segregation of black and African culture in all spheres of society along the Brazilian history but in school despite legislation and be a space for inclusion of diversity we still see segregation silences and indifference to African descendants and their ethnic heritage Whereas the mechanisms of discrimination and ethnic and racial prejudices should be discussed in school from an early age this study sought to search build deepen and disseminate knowledge about aspects of Afro-Brazilian history and culture in early childhood education The focus of our research were children between 4 and 5 years of a municipal school of MageacuteRJ located in a rural area From the Sociology of childhood deal with teaching methodologies and interactive interdisciplinary research and ethnographic principles Important to note here that the choice by age group occurred because we realize that the small child as well as black are part of a social minority and who just recently been having their social rights recognized Until recently were the other those whose voices need not be answered Our struggle is to generate practical policy geared to the formation of an inclusive culture that reach all subjects in the school context Sought to intervene in the daily school building with students some experiences institutor significations Such experiences implemented in educational workshops compose a book focused on teaching teachers of early childhood education aiming to contribute to new reflections on the directions of education for diversity arise and if such an inclusive education for all
Keywords race ethnicity sociology of childhood inclusion interactive methodologies
1
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 APRESENTACcedilAtildeO
Quando o homem compreende a sua realidade pode levantar hipoacuteteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluccedilotildees Assim pode transformaacute-la e o seu trabalho pode criar um mundo proacuteprio seu Eu e as suas circunstacircncias (FREIRE 1983 p 30)
Esta pesquisa eacute fruto de um trabalho de reflexatildeo accedilatildeo ao longo de uma trajetoacuteria
acadecircmica e profissional inquieta e questionadora acerca dos acontecimentos do cotidiano
escolar Sou professora da Educaccedilatildeo Baacutesica (Ensino Fundamental I) no Municiacutepio de Mageacute
haacute 3 anos e meio Desde a entrada no Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e
Inclusatildeo (CMPDI) venho ocupando a funccedilatildeo de Implementadora de Leitura1 Em maio de
2015 tomei conhecimento de uma escola Rural onde havia grandes possibilidades para a
realizaccedilatildeo da pesquisa de mestrado Ateacute entatildeo na escola onde eu estava natildeo havia turmas
com os anos iniciais do Ensino Fundamental tatildeo pouco de Educaccedilatildeo Infantil
Neste mesmo periacuteodo surge a parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF)
por meio do projeto de extensatildeo ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos
iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo registrado no Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo
de Projetos (SIGProj) sob o nuacutemero 1974399372842612022015
Logo as accedilotildees na escola receberam apoio da Proacute-reitora de Extensatildeo (Proex) no que
se refere a uma bolsa que contemplou uma estudante de graduaccedilatildeo da Pedagogia Aleacutem
dessa parceria contamos tambeacutem com o apoio da Secretaria de Educaccedilatildeo de Mageacute
instituiccedilatildeo governamental municipal que nos possibilitou a realizaccedilatildeo da pesquisa na
Escola Dinorah dos Santos Bastos
A origem histoacuterica do lugar de onde falo observo e escrevo ou seja o loacutecus da
pesquisa possui memoacuterias ldquonatildeo ditasrdquo sobre as quais tentarei narrar algumas para que o
leitor entenda sua articulaccedilatildeo com a temaacutetica da pesquisa
O Municiacutepio de Mageacute localizado na Regiatildeo Metropolitana do Rio de Janeiro eacute um
dos mais antigos do estado Ele tem muito o que revelar tendo em vista seus 451 anos de
1 Aqui na Rede esse profissional eacute um professor itinerante que trabalha com os anos iniciais do Ensino Fundamental Seu enfoque estaacute no trabalho de incentivo agrave leitura
2
existecircncia e sua consideraacutevel densidade demograacutefica de aproximadamente 233634
habitantes segundo dados do IBGE (2014) O Municiacutepio eacute marcado por forte influecircncia das
etnias indiacutegenas e africanas A proacutepria etimologia do nome Mageacute que significa feiticeiro ou
pajeacute2 eacute de origem tupi-guarani
Ao chegar na regiatildeo rural onde aconteceria a pesquisa me deparei com um lugar
repleto de histoacuterias que dialogavam a todo tempo com minha temaacutetica entre elas a
existecircncia de uma fazenda centenaacuteria que ateacute haacute uns poucos anos possuiacutea resquiacutecios de
uma senzala Havia tambeacutem a presenccedila de engenhos de mandioca onde ainda hoje se
produz farinha artesanal e igrejas com mais de 300 anos de existecircncia Tudo me trazia agrave
memoacuteria os trabalhadores da terra os homens escravizados as geraccedilotildees fragilizadas
Impossiacutevel foi natildeo rememorar algumas leituras e escritos meus sobre aquele municiacutepio
que sempre me despertou curiosidade
Mageacute foi ganhando evidecircncia a priori graccedilas agraves suas riquezas naturais e agravequeles que ajudaram a cultivar a terra neste periacuteodo colonial os negros escravizados No entanto na terra dos heroacuteis e tradiccedilotildees3 os negros escravizados natildeo recebiam status de heroacuteis sequer satildeo mencionados hoje na histoacuteria do tempo presente como aqueles que contribuiacuteram para construccedilatildeo de igrejas da primeira linha feacuterrea do Brasil e para o abastecimento econocircmico da Capital a partir do cultivo do solo Para eles sempre sobrou a histoacuteria uacutenica que comumente o rotulava de indolentes preguiccedilosos e sem qualquer valor moral (PEREIRA 2016 p 16)
Conceiccedilatildeo de Suruiacute regiatildeo rural onde estaacute situada a Escola Municipal Dinorah dos
Santos Bastos localiza-se no 4deg distrito de Mageacute chamado Suruiacute Este lugar possui muitas
memoacuterias no que tange a escravidatildeo de negros nas lavouras locais Evidenciar as memoacuterias
e as contribuiccedilotildees de heroacuteis a contrapelo4 me aponta caminhos para uma educaccedilatildeo outra
onde os diferentes sujeitos sejam reconhecidos como outros legiacutetimos outros (MATURANA
VARELA 1995) Ao longo deste trabalho a expressatildeo mencionada seraacute uma constante
tendo em vista a forccedila que ela representa em minha trajetoacuteria
2 Ver etimologia dos nomes afro-indiacutegenas no seguinte trabalho httpwwwpgletrascombr2014 dissertacoes diss-Sivaldo-Correia-da-Silvapdf 3 Trecho do hino do Municiacutepio de Mageacute Link httpswwwletrasmusbrhinos-de-cidades941163 4 Expressatildeo do filoacutesofo alematildeo Walter Benjamin Em seus escritos o autor fala sobre a histoacuteria a contrapelo (LOumlWY 2011) Ou seja a histoacuteria contada sob o ponto de vista dos vencidos Nesse contexto nossos heroacuteis a contrapelo satildeo todos que a histoacuteria oficial natildeo evidencia
3
Os bioacutelogos Humberto Maturana e Francisco Varela expoentes desta expressatildeo
constroem redes de conhecimentos para pensar o ser humano de forma global
integradora e relacional rompendo com os determinismos bioloacutegicos da ciecircncia
tradicional Para eles a construccedilatildeo do conhecimento se daacute porque o ser vivo possui a
capacidade de se auto organizar autogerir e isso acontece quando na relaccedilatildeo com o outro
no social
Rossetto (2010) ao refletir sobre as contribuiccedilotildees de Maturana na educaccedilatildeo afirma
que haacute uma forte defesa da cultura da diversidade pois eacute afirmado que natildeo existem
pessoas iguais ao romper com a geneacutetica como algo predeterminado Por esse motivo os
estudos de Humberto Maturana e Francisco Varela5 satildeo muito recorrentes no campo
educacional jaacute que a formaccedilatildeo do outro como totalmente outro constitui-se como objetivo
da educaccedilatildeo ou ao menos deveria ser
Desse modo tenho me apropriado dessa rica referecircncia ao longo da escrita
entendendo que suas leituras podem ampliar meu olhar para melhor conversar e conhecer
o outro na sua diversidade
A esse ato de ampliar nosso domiacutenio cognitivo reflexivo que sempre implica uma experiecircncia nova soacute podemos chegar pelo raciociacutenio motivado pelo encontro com o outro pela possibilidade de olhar o outro como um igual num ato que habitualmente chamamos de amor ndash ou se natildeo quisermos usar uma palavra tatildeo forte a aceitaccedilatildeo do outro ao nosso lado na convivecircncia (MATURANA VARELA 1995 p 263)
E estimulada a ver o outro como legiacutetimo outro eacute que inicio o trabalho em 2015 com
estudantes da Educaccedilatildeo Infantil contemplando e tambeacutem sendo contemplados com as
duas turmas de Preacute-escolar (I e II) que havia na escola
A opccedilatildeo pela primeira etapa de escolarizaccedilatildeo ocorreu por entender que as relaccedilotildees
raciais desiguais e segregadoras se constroem desde a mais tenra idade Foi notado
tambeacutem que haacute uma certa carecircncia de produccedilotildees acadecircmicas que privilegiem as categorias
raccedila e infacircncia Silva e Souza (2013) em pesquisa realizada de 2003 a 2011 chegam agrave
seguinte conclusatildeo
5 Pois juntos inauguram a Teoria Epistecircmica que discorreremos mais a frente
4
Com relaccedilatildeo ao objeto especiacutefico que buscamos escritos sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais em Educaccedilatildeo Infantil foram localizados publicados a partir de 2003 somente 4 artigos 1 livro 5 capiacutetulos de livro uma tese e 14 dissertaccedilotildees Escalonando as publicaccedilotildees pelos anos de 2003 a 2011 observa-se uma tendecircncia a ligeiro aumento no decorrer dos anos Os 4 artigos localizados foram publicados 2 em 2006 e 2 em 2010 A uacutenica tese identificada foi publicada em 2007 e gerou outras publicaccedilotildees nos anos posteriores 1 capiacutetulo de livro em 2008 e 1 artigo em 2010 As dissertaccedilotildees foram o uacutenico formato permanentemente presente que teve maior concentraccedilatildeo em 2007 e 2008 (trecircs publicaccedilotildees em cada ano) Ou seja aleacutem de uma publicaccedilatildeo de pequena monta a concentraccedilatildeo estaacute na realizaccedilatildeo de trabalhos de pesquisadores em formaccedilatildeo (p 37)
Para aleacutem dessas questotildees venho percebendo que nossa formaccedilatildeo desde muito
cedo tem sido perpassada por paradigmas que nos impotildeem narrativas hegemocircnicas de
identidade (SILVA 2007) levando-nos a acreditar em histoacuterias uacutenicas em processos e
praacuteticas singulares que acabam por segregar e excluir os sujeitos da diferenccedila que
necessitam de um olhar natildeo homogeneizante O enfoque na Educaccedilatildeo Infantil aleacutem dos
motivos apresentados deveu-se ao fato por tratar de importante fase para se pensar e
praticar uma educaccedilatildeo para a Diversidade e Inclusatildeo
Desse modo o ensino da diversidade eacutetnico-racial passou a ser um desafio tendo em
vista que um dos seus objetivos eacute o de romper com os paradigmas da escola moderna
centrados no ensino monocultural reducionista e etnocecircntrico Haacute algum tempo meus
caminhos de formaccedilatildeo tecircm me levado a questionar os sentidos da escola da qual somos
oriundos Fruto da razatildeo iluminista instrumental as escolas brasileiras se construiacuteram
sobre as bases de uma loacutegica cartesiana que pouco espaccedilo tem cedido para a diversidade
de sujeitos e saberes Como docente-pesquisadora6 da escola baacutesica haacute um pouco mais de
7 anos venho refletindo sobre a importacircncia de uma educaccedilatildeo multicultural que privilegie
as experiecircncias dos praticantes do cotidiano escolar
Entendendo a experiecircncia como algo que nos passa (LARROSA 2002 p 21) posso
afirmar que o que me orienta para outros caminhos de reflexatildeo-accedilatildeo onde a inclusatildeo da
diversidade eacute uma constante tem forte ligaccedilatildeo com os diferentes espaccedilos tempos dos
quais experienciei durante a vida
6 Importante salientar que minha trajetoacuteria como professora-pesquisadora se iniciou no ano de 2008 quando entrei em um projeto de iniciaccedilatildeo agrave docecircncia permanecendo por 4 anos Quando formada apoacutes um ano ingressei no Municiacutepio de Mageacute como professora dos anos iniciais estando ateacute os dias atuais
5
Vale ressaltar que para Larrosa (2002) a experiecircncia eacute um acontecimento que nos
atravessa e nos transforma O autor fundamenta-se em Walter Benjamin para afirmar que
nunca se passaram tantas coisas mas a experiecircncia eacute cada vez mais rara (p 20) e tem
relaccedilatildeo direta com o excesso de informaccedilatildeo Ao considerar que a experiecircncia eacute algo que
me atravessa devo supor que ela eacute externa a mim e eu sou o lugar da experiecircncia Para
que ela afete minhas palavras minhas ideias e meus projetos eacute necessaacuterio um movimento
reflexivo e o excesso de informaccedilatildeo pode limitar a ocorrecircncia dessa experiecircncia
Desse modo ao discorrer sobre as dimensotildees da experiecircncia Jorge Larrosa se
apropria de trecircs princiacutepios reflexividade subjetividade e transformaccedilatildeo Todos eles vatildeo
implicar em um processo de alteridade onde o sujeito deve se reconhecer natildeo enquanto
o sujeito do saber ou do poder ou do querer senatildeo o sujeito da formaccedilatildeo e da
transformaccedilatildeo (LARROSA 2011 p 7)
Com isso compartilho as diferentes experiecircncias que me afetaram e que vecircm me
transformando Posso atribuir tal transformaccedilatildeo aos diferentes percursos experienciados
ao longo da vida
Nilda Alves (2004) aborda a necessidade de superaccedilatildeo da ideia de que a formaccedilatildeo
docente se daacute em percursos individuais A autora evidencia que as redes que nos formam
estatildeo interligadas ao espaccedilo acadecircmico agraves experiecircncias das pesquisas em educaccedilatildeo da
praacutetica pedagoacutegica da accedilatildeo governamental e tambeacutem da praacutetica coletiva poliacutetica (ALVES
2004 p 20)
Acrescento que minhas escolhas ideoloacutegicas e assim os caminhos de formaccedilatildeo pelos
quais me enveredei tecircm muito a ver tambeacutem com as memoacuterias de uma infacircncia permeada
por questionamentos diversos sobretudo acerca das heranccedilas raciais que marcam minha
existecircncia A seguir um trecho de algumas dessas memoacuterias de infacircncia
Lembrei-me que na infacircncia por algum tempo neguei os traccedilos fiacutesicos que herdaraacute do meu pai homem negro Lembro-me de ser chamada de nariz de batatinha Isso me incomodava pois natildeo tinha um nariz ldquoafiladordquo como dizia minha avoacute materna (mulher negra) Outro incocircmodo constante era o meu cabelo muito cheio e com cachos que se embaraccedilavam com facilidade Certa vez ouvi dizer que o desprezo da cor eacute o mesmo que o do corpo Concordei pois sem ter consciecircncia desprezava minha histoacuteria minhas raiacutezes desprezava que por debaixo dos caracoacuteis daqueles cabelos tinha uma histoacuteria para contar parafraseando o cantor Histoacuteria de carinho e dedicaccedilatildeo de quando minha matildee e minha tia perdiam horas moldando meus cachinhos
6
exaltando a beleza de um cabelo afro Talvez o desprezo sem querer da figura do meu pai de quem sempre tive muito orgulho Este por sua vez foi um dos que me serviu de inspiraccedilatildeo Em sua histoacuteria de vida natildeo satildeo poucas as narrativas envolvendo violecircncias simboacutelicas constantes e crueacuteis Lembro-me de quando ele teve a oportunidade de comprar seu primeiro carro 0Km Saiu da concessionaacuteria com o carro sem placa e foi abordado em nossa cidade por policiais que ao fazerem a identificaccedilatildeo com os documentos soltaram o seguinte discurso constrangido ldquoA cor do carro eacute muito chamativardquo Cresci ouvindo essa histoacuteria de descaso desrespeito a dignidade de um trabalhador que queria apenas natildeo ter a sua dignidade roubada por desconfianccedilas e assim ser reconhecido como outro legiacutetimo outro Agora quase quinze anos depois percebo com maior clareza o que estaacute por traacutes daquele discurso preconceituoso Na verdade o que chamava atenccedilatildeo natildeo era a cor vermelha do Gol mas a cor do homem que o dirigia Outra figura importante que me inspirou foi meu irmatildeo Ele chegou durante a minha primeira infacircncia Com os olhos de jabuticaba e talvez com a mesma cor de pele Desde muito cedo eu tive que conviver com questionamentos na escola do gecircnero -ldquoEle eacute adotadordquo Aos 6 anos de idade na minha inocecircncia eu respondia conforme minha matildee mandava - ldquoEle eacute diferente porque puxou o meu pai Eu puxei a cor da minha matildeerdquo (PEREIRA PEREIRA 2016 p 8)
Fica expliacutecito que os caminhos pelos quais tenho percorrido possuem estreita relaccedilatildeo
com uma infacircncia perpassada por histoacuterias uacutenicas ndash reforccediladas pela educaccedilatildeo escolar ndash
onde as bonecas e as personagens das histoacuterias jamais tinham cabelos cacheados e ldquonariz
de batatinhardquo como os meus para que eu pudesse me sentir representada e satisfeita
comigo mesma Hoje como professora percebo o quatildeo perigosas podem se tornar tais
histoacuterias quando observamos a construccedilatildeo da identidade de uma crianccedila Me incomoda
saber que tais enredos satildeo reforccedilados diariamente no cotidiano de nossas escolas sob
outras imagens mas que geralmente possuem o intuito de legitimar padrotildees hegemocircnicos
e reforccedilar maneiras uacutenicas de ser e estar no mundo
Compreendido isto minha atuaccedilatildeo profissional tem sido um constante
questionamento natildeo soacute sobre o caraacuteter monocultural e reducionista que permeiam o
curriacuteculo escolar bem como sobre as poliacuteticas e praacuteticas que hoje tecircm tensionado o debate
acerca da inclusatildeo da diversidade eacutetnico-racial nos estabelecimentos oficiais de ensino No
ano de 2013 ao ingressar no curso de especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias
Sociais na Universidade Federal Fluminense aprofundei minhas redes de conhecimento
sobre a relevacircncia de uma educaccedilatildeo a contrapelo onde as histoacuterias de vida e as teorias
cientiacuteficas se entrelaccedilam formando redes colaborativas Ao cursar a disciplina Raccedila
7
curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica fui surpreendida com a existecircncia de um dispositivo legal7
que torna obrigatoacuterio o Ensino da Histoacuteria da Aacutefrica e da Cultura Afro-brasileira nas
instituiccedilotildees escolares A surpresa era porque sendo professora e formada haacute poucos mais
de dois anos a questatildeo nunca me alcanccedilou quando docente em formaccedilatildeo inicial Mesmo
sabendo que os conteuacutedos ligados agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira eram atribuiccedilotildees
especialmente das aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria natildeo me sentia
isenta de apresentar para os meus estudantes dos anos iniciais as memoacuterias e
contribuiccedilotildees culturais da populaccedilatildeo negra para a construccedilatildeo da sociedade brasileira
Refleti sobre minha trajetoacuteria na academia iniciada em 2007 me certificando de que
nenhuma das disciplinas oferecidas se aproximaram da discussatildeo racial Em 2011 quando
concluiacute a formaccedilatildeo em Pedagogia na UFF o curso passara por uma reformulaccedilatildeo curricular
no qual a disciplina Relaccedilotildees eacutetnico-raciais na escola foi incluiacuteda por forccedila da lei federal
1063903 com 60h de carga horaacuteria
Natildeo obstante ao retomar meus estudos na poacutes-graduaccedilatildeo tive como desafio
compreender o porquecirc noacutes professores principalmente dos anos iniciais da Educaccedilatildeo
Baacutesica natildeo estaacutevamos sendo alcanccedilados com as orientaccedilotildees de um dispositivo que tem
como objetivo banir a perpetuaccedilatildeo das desigualdades eacutetnico-raciais A partir de entatildeo
comecei a entrelaccedilar os fios que mais tarde se tornariam objeto de pesquisa8 na
especializaccedilatildeo e posteriormente no mestrado
Ao ingressar no Mestrado Profissional9 em Diversidade e Inclusatildeo vi a possibilidade
de ampliar minhas reflexotildees acerca dos processos teacutecnicas e teorias cientiacuteficas que fossem
mais includentes da vida na sua diversidade Assim ao me inserir na linha de pesquisa
Interdisciplinaridade e Questotildees de Ensino propus a realizaccedilatildeo de um estudo que
atendesse agraves minhas demandas de praticante reflexiva do cotidiano Tambeacutem objetivei a
partir da minha experiecircncia apontar caminhos para a complexa tarefa que eacute a formaccedilatildeo
docente sobretudo quando se trata de incluir a diversidade
7 A lei federal 1063903 foi promulgada no governo do presidente Luiz Inaacutecio Lula da Silva e representa um dispositivo que marca a luta antirracista nos espaccedilos formais de ensino Ver Brasil (2003) 8 O trabalho final de conclusatildeo de curso foi intitulado por ldquoConversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeosrdquo Orientado pela professora Nivea Maria da Silva Andrade 9 Segundo o Capes o Mestrado Profissional (MP) eacute uma modalidade de Poacutes-Graduaccedilatildeo stricto sensu voltada para a capacitaccedilatildeo de profissionais nas diversas aacutereas do conhecimento mediante o estudo de teacutecnicas processos ou temaacuteticas que atendam a alguma demanda do mercado de trabalho
8
Acreditando que esta pesquisa se deu em via de matildeo dupla pois ao passo que
ensinei sempre aprendi mais apresento como produto final desta pesquisa as oficinas
desenvolvidas com os meus alunos sobre a temaacutetica eacutetnico-racial Tais oficinas compotildeem
um caderno pedagoacutegico que seraacute disponibilizando gratuitamente online visando
contribuir com os docentes na construccedilatildeo de um repertoacuterio mais amplo de atividades a
serem desenvolvidas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil sobre a temaacutetica
Para situar o leitor apresento os caminhos percorridos para a elaboraccedilatildeo deste
trabalho No primeiro momento discorro sobre a necessaacuteria reflexatildeo acerca da educaccedilatildeo
inclusiva bem como a diversidade de sujeitos praacuteticas e culturas que esta educaccedilatildeo
contempla Seguido dessas anaacutelises elaboro reflexotildees sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais a lei que o institui e os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros como saberes
instituintes na Educaccedilatildeo Infantil para a superaccedilatildeo do saber universal que secundariza e ateacute
mesmo silencia a produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra (GONCcedilALVES 1987) Apoacutes essas
discussotildees apresento os atores da pesquisa o lugar de onde falo e as parcerias
estabelecidas Essa primeira parte eacute finalizada com a construccedilatildeo de redes reflexivas em
torno da dimensatildeo eacutetnico-racial e da infacircncia
No segundo momento apresento os objetivos geral e os especiacuteficos deste trabalho
O objetivo geral eacute abordar as questotildees eacutetnico-raciais a partir de metodologias interativas
com enfoque na sociologia da infacircncia em uma escola rural do municiacutepio de Mageacute
Enquanto que os objetivos especiacuteficos representam as metas delimitadas para a
concretizaccedilatildeo do objetivo geral
No terceiro momento trago a metodologia da pesquisa explicitando como ocorreu
o levantamento de dados e as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas Enquanto o quarto
momento eacute dedicado aos resultados Busco analisar e discutir as oficinas que satildeo a base
para a elaboraccedilatildeo do Caderno Pedagoacutegico para os professores da Educaccedilatildeo Infantil
Concluo com o quinto momento ao retomar os objetivos especiacuteficos demonstrando suas
contribuiccedilotildees para o desfecho do objetivo geral
Portanto convido o leitor a percorrer os caminhos da pesquisa ldquoA dimensatildeo eacutetnico-
racial a partir do olhar da crianccedila a inclusatildeo da diversidade por meio de experiecircncias
instituintesrdquo
9
12 Eacute PRECISO FALAR SOBRE DIVERSIDADE E INCLUSAtildeO
Haacute quem possa pensar que o conceito de inclusatildeo escolar estaacute estritamente
relacionado agrave questatildeo das deficiecircncias (cognitivas visuais auditivas e outras) Ao iniciar o
mestrado natildeo me surpreendeu questionamentos de algumas pessoas acerca da minha
temaacutetica e consequentemente minha inserccedilatildeo naquele espaccedilo acadecircmico10 Natildeo obstante
em meio a questionamentos e provocaccedilotildees percebi que era urgente uma reflexatildeo mais
aprofundada sobre a diversidade e a inclusatildeo
Igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia na escola eacute o que prevecirc um dos
princiacutepios da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) lei federal nordm 93949611 Contudo essa
importante previsatildeo natildeo tem sido percebida no contexto da educaccedilatildeo brasileira em virtude
das desigualdades de oportunidade para os grupos minoritaacuterios Haacute quem pergunte que
grupos satildeo esses Penso que satildeo todos aqueles que estatildeo em desvantagens sociais e
econocircmicas tais como mulheres crianccedilas grupos eacutetnico-raciais pessoas com deficiecircncia
e altas habilidades populaccedilatildeo pobre e do campo Esses e outros grupos chamo de minoria
que compotildee a diversidade brasileira
Cabe ressaltar que a categoria minoria pode causar confusatildeo quando referida a
grupos de mulheres negros indiacutegenas crianccedilas populaccedilatildeo pobre jaacute que estes
representam a maioria Importante esclarecer que no discurso hegemocircnico minoria daacute a
ideia de grupo inferior No entanto esse conceito na Contemporaneidade vem romper com
as questotildees quantitativas dando vez agraves demandas das singularidades dos grupos culturais
Segundo o antropoacutelogo indiano Arjun Appadurai (2009) as minorias lembram agraves maiorias
que elas natildeo satildeo plenas e totais
Dessa maneira eacute preciso reconhecer que os grupos citados possuem direitos para
aleacutem daqueles que jaacute satildeo garantidos agravequeles que sempre tiveram condiccedilotildees favoraacuteveis de
acesso e de permanecircncia escolar Entendo que a educaccedilatildeo inclusiva deve buscar dar mais
condiccedilotildees de acesso e permanecircncia para aqueles que menos tecircm e isso implica em pensar
natildeo soacute nos sujeitos mas nas praacuteticas que tecircm norteado o cotidiano escolar
10 O Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo estaacute situado no Instituto de Biologia da UFF 11 Este eacute o primeiro princiacutepio do tiacutetulo II que trata da Educaccedilatildeo Nacional Os doze incisos compreendidos nesse tiacutetulo dizem como o ensino deve ser regido Conforme Brasil (1996)
10
Santos (2014) nos provoca a pensar na educaccedilatildeo inclusiva enquanto um processo
para todos e natildeo como propriedade de determinados grupos Quando esse processo natildeo
alcanccedila a todos haacute a exclusatildeo e acabamos reforccedilando a ideia de que a inclusatildeo eacute apenas
para alguns e natildeo para todos Para banir o processo de exclusatildeo eacute preciso fazer um
movimento a contrapelo um movimento de inclusatildeo de todos por inteiro onde haja a
aceitaccedilatildeo de uns aos lados dos outros enquanto legiacutetimos outros
A ideia de inclusatildeo como afirma a autora natildeo pode ser focada em determinados
grupos eacute preciso adotar uma perspectiva de anaacutelise Omnileacutetica12 Tal neologismo
compreende aspectos morfoloacutegicos e categoriais que desde a sua criaccedilatildeo tem exigido
inuacutemeras reflexotildees coletivas por parte dos integrantes do grupo de pesquisa13 do qual a
mesma eacute coordenadora Em suma a Omnileacutetica vai se afirmar como tudo em relaccedilatildeo ndash
entendendo tambeacutem a diversidade onde o olhar para a totalidade eacute uma constante Satildeo
trecircs as categorias que embasam o conceito tridimensionalidade dialeacutetica e pensamento
complexo (SANTOS 2015 p 54) Buscamos neste momento apresentar alguns princiacutepios
do instrumento de anaacutelise que tem favorecido o desenvolvimento da omnileacutetica o Index
para Inclusatildeo (BOOTH AISCOW 2011) Trata-se de um material que permite pensar a
educaccedilatildeo inclusiva a partir de praacuteticas poliacuteticas e culturas que contemplam a vida humana
Essas trecircs dimensotildees satildeo apropriadas por noacutes no transcorrer deste trabalho Percebemos
que as ideias dialogam com o que identificamos como uma educaccedilatildeo instituinte onde a
inclusatildeo da vida na diversidade eacute um valor
No que se refere agrave dimensatildeo das culturas inclusivas podemos ler que
() refere-se agrave criaccedilatildeo de comunidades seguras acolhedoras colaborativas estimulantes em que todos satildeo valorizados Os valores inclusivos compartilhados satildeo desenvolvidos e transmitidos a todos os professores agraves crianccedilas e suas famiacutelias gestores comunidades circunvizinhas e todos os outros que trabalham na escola e com ela Os valores inclusivos de cultura orientam decisotildees sobre poliacuteticas e a praacutetica a cada momento de modo que o desenvolvimento eacute coerente e contiacutenuo A incorporaccedilatildeo de mudanccedila dentro das culturas da escola assegura que
12Omni eacute um prefixo latino que representa tudo Leto eacute um radical grego que no substantivo refere-se a variedade e como verbo eacute tudo aquilo que estaacute oculto O sufixo ico eacute de origem grega e daacute sentido de relaccedilatildeo participaccedilatildeo O conceito pode ser encontrado no texto Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura omnileacutetica disponiacutevel em httpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdf 13LAPEADE - Laboratoacuterio de Pesquisa Estudos e Apoio agrave Participaccedilatildeo e agrave Diversidade em Educaccedilatildeo Para mais informaccedilotildees consultar httpwwwlapeadecombr
11
ela esteja integrada nas identidades de adultos e crianccedilas e seja transmitida aos que estatildeo chegando agrave escola (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
A dimensatildeo que aborda as poliacuteticas inclusivas visa garantir
()que a inclusatildeo permeie todos os planos da escola e envolva a todos As poliacuteticas encorajam a participaccedilatildeo das crianccedilas e professores desde quando estes chegam agrave escola Elas encorajam a escola a atingir todas as crianccedilas na localidade e minimiza as pressotildees exclusionaacuterias As poliacuteticas de suporte envolvem todas as atividades que aumentam a capacidade da ambientaccedilatildeo de responder agrave diversidade dos envolvidos nela de forma a valorizar a todos igualmente Todas as formas de suporte estatildeo ligadas numa uacutenica estrutura que pretende garantir a participaccedilatildeo de todos e o desenvolvimento da escola como um todo (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Com relaccedilatildeo a dimensatildeo das praacuteticas inclusivas estas relacionam-se com o pensar
sobre o que se ensina e se aprende e o como se ensina e se aprende visando a reflexatildeo e a
praacutetica de valores e poliacuteticas inclusivos
() As implicaccedilotildees de valores inclusivos para estruturar o conteuacutedo de atividades de aprendizagem satildeo trabalhadas na seccedilatildeo lsquoConstruindo curriacuteculos para todosrsquo Esta liga a aprendizagem agrave experiecircncia local e globalmente bem como a Direitos e incorpora assuntos de sustentabilidade A aprendizagem eacute orquestrada de modo que o ensino e as atividades de aprendizagem se tornam responsivos agrave diversidade de jovens na escola As crianccedilas satildeo encorajadas a ser ativas reflexivas aprendizes criacuteticas e satildeo vistas como um recurso para a aprendizagem umas das outras Os adultos trabalham juntos de modo que todos assumem responsabilidade pela aprendizagem de todas as crianccedilas (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Desse modo fica reforccedilado que a diversidade e a inclusatildeo estatildeo para aleacutem de acolher
os sujeitos com deficiecircncia ou com altas habilidades visto que tambeacutem trabalham com as
diferenccedilas culturais como os modos de estabelecer valores e construir praacuteticas onde
todos sem exceccedilatildeo sejam alcanccedilados Por entender a urgente necessidade de se trabalhar
a diversidade e a inclusatildeo na escola nos baseamos nos movimentos de direitos humanos
destacando o que estaacute inscrito na Declaraccedilatildeo de Salamanca
O princiacutepio que orienta esta Estrutura eacute o de que escolas deveriam acomodar todas as crianccedilas independentemente de suas condiccedilotildees
12
fiacutesicas intelectuais sociais emocionais linguumliacutesticas ou outras Aquelas deveriam incluir crianccedilas deficientes e super-dotadas crianccedilas de rua e que trabalham crianccedilas de origem remota ou de populaccedilatildeo nocircmade crianccedilas pertencentes a minorias linguumliacutesticas eacutetnicas ou culturais e crianccedilas de outros grupos desavantajados ou marginalizados (UNESCO 1994 p 3)
Partindo do entendimento de que a inclusatildeo escolar refere-se mais agrave reinvenccedilatildeo do
modo de pensar e de fazer a educaccedilatildeo do que propriamente acolher determinados grupos
eacute que foram emergindo algumas memoacuterias instituintes da minha trajetoacuteria de formaccedilatildeo do
tempo em que iniciei meu percurso como professora-pesquisadora no grupo de pesquisa
ldquoAs ldquoartes de fazerrdquo educaccedilatildeo em ciclosrdquo14 Este grupo tem baseado o trabalho no diaacutelogo
entre os diferentes sujeitos da escola baacutesica e da universidade considerando que a troca
de conhecimentos possibilita a emergecircncia de experiecircncias instituintes Para aleacutem de
favorecer uma relaccedilatildeo dialoacutegica com o outro os projetos do grupo ldquoAs artes de fazerrdquo
estiveram voltados para a percepccedilatildeo de manifestaccedilotildees poliacutetico-culturais do cotidiano que
possibilitassem a inclusatildeo democraacutetica e participativa de diferentes sujeitos por inteiro na
cultura (DOMINICK 2011 p 151)
Estar sensiacutevel agraves urgecircncias de uma educaccedilatildeo que atenda agraves diversas especificidades
humanassociais tem ligaccedilatildeo direta com meus percursos de formaccedilatildeo Mas tambeacutem tem
muito a ver com as imagens-memoacuterias15de uma infacircncia que deixaram marcas e que hoje
gritam para serem questionadas e reinventadas Tenho aprendido que um caminho
possiacutevel para romper com as histoacuterias uacutenicas satildeo as experiecircncias instituintes defendida por
Ceacutelia Linhares como
()accedilotildees poliacuteticas produzidas historicamente que vatildeo se endereccedilando para uma outra educaccedilatildeo e uma outra cultura marcadas pela construccedilatildeo permanente de uma maior includecircncia da vida uma dignificaccedilatildeo permanente do humano em sua pluralidade eacutetica uma afirmaccedilatildeo intransigente da igualdade humana em suas dimensotildees educacionais e
escolares poliacuteticas econocircmicas sociais e culturais (LINHARES [200] p 8)
14 Em 2007 comecei a cursar Pedagogia na Universidade Federal Fluminense Em 2008 entrei para o grupo de pesquisa ldquoAs lsquoartes de fazerrsquo educaccedilatildeo em ciclos na rede municipal de educaccedilatildeo de Niteroacuteirdquo onde tive minhas primeiras vivecircncias enquanto professora-pesquisadora em formaccedilatildeo 15 Segundo a autora as imagens-memoacuterias satildeo tatuagens psicoculturais impressas em nossa corporeidade Satildeo memoacuterias do esquecimento da repeticcedilatildeo Elas nos conduzem agrave repeticcedilatildeo sem questionamentos fazem parte dos haacutebitos de determinados grupos e natildeo nos perguntamos sobre sua gecircnese ou sobre sua eficaacutecia
13
Para melhor entender esta categoria da qual venho me apropriando vale esclarecer
que o instituinte segundo a autora natildeo pode se confundir com o novo Esta categoria eacute
entendida a partir de um movimento dialeacutetico no sentido da palavra onde passado
presente e futuro devem estar em constantes interaccedilotildees Dessa maneira ao rememorar as
histoacuterias uacutenicas vivenciadas em minha infacircncia e perceber hoje o quanto elas podem ser
perigosas no que tange agrave formaccedilatildeo identitaacuteria dos sujeitos eacute que busco brechas e subverto
o instituiacutedo para incluir em minha praacutetica cotidiana um olhar mais conectado com a vida
em sua diversidade e inclusatildeo
13 A LEI 1063903 UM MARCO HISTOacuteRICO NA LUTA ANTIRRACISTA
Na busca pela superaccedilatildeo do racismo do preconceito e de praacuteticas segregacionistas
os militantes de movimentos sociais e intelectuais negros sempre souberam que a escola
enquanto um aparelho ideoloacutegico sucessivamente reproduziu os interesses das classes
hegemocircnicas Contudo tambeacutem foi percebido que a escola tem sido um espaccedilo de disputa
onde as classes dominantes e subordinadas tecircm buscado atingir seus mais diferentes
objetivos (YOUNG 2007 p 1292) Desse modo conhecimentos outros podem ser
construiacutedos a favor do rompimento das desigualdades raciais e emancipaccedilatildeo dos sujeitos
Aprovada no Congresso e sancionada pelo Governo Federal a Lei 1063903 alterou
a Lei 939496 (LDB) e tornou obrigatoacuterio o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura afro-
brasileira no curriacuteculo escolar do Ensino Fundamental e Meacutedio Hoje essa lei eacute reconhecida
como um marco na luta por uma educaccedilatildeo antirracista no Brasil Eacute importante frisar que
este dispositivo foi uma grande conquista que natildeo nasceu da noite para o dia mas que foi
alcanccedilada por meio de muitos embates
Mas quais as alteraccedilotildees que este dispositivo traz perguntariam alguns professores
A referida lei altera a LDB com o acreacutescimo dos artigos 26-A e 79-B tornando obrigatoacuterio
o ensino da histoacuteria e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de Ensino Fundamental
e Meacutedio Aleacutem de garantir que esses conteuacutedos sejam ministrados no acircmbito de todo o
curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria
Brasileiras Tambeacutem inclui no calendaacuterio escolar o dia 20 de novembro (Art 79-B) como
ldquoDia Nacional da Consciecircncia Negrardquo por meio da figura de Zumbi dos Palmares
14
Segundo Paula (2010) houve muitas resistecircncias para a implementaccedilatildeo da lei
mesmo sendo um instrumento que apresenta uma obrigatoriedade Buscando sua
efetividade um ano apoacutes a sua implementaccedilatildeo foram instituiacutedas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura
Afro-Brasileira e Africana (DCN ERER) por meio da Resoluccedilatildeo nordm 1 de 17 de junho de 2004
Como parte de uma poliacutetica de accedilotildees afirmativas tais dispositivos buscaram uma
educaccedilatildeo que reparasse os direitos que foram negados agrave populaccedilatildeo negra do Brasil ao
longo da histoacuteria Podemos afirmar que se trata de uma exigecircncia legal eacutetica e moral que
as instituiccedilotildees de ensino devem cumprir Para Paula (2010) o debate da lei e os dispositivos
que a complementam fazem parte de accedilotildees poliacutetico-pedagoacutegicas que devem ser
compromisso de todos os atores do cotidiano escolar O autor afirma ainda que as
diretrizes devem ser observadas por todas as instituiccedilotildees de ensino e desmonta a ideia de
que as discussotildees sobre a questatildeo racial se limitam a estudiosos e ao movimento negro
Desse modo as Diretrizes Curriculares Nacionais afirmam
A escola enquanto instituiccedilatildeo social responsaacutevel por assegurar o direito da educaccedilatildeo a todo e qualquer cidadatildeo deveraacute se posicionar politicamente como jaacute vimos contra toda e qualquer forma de discriminaccedilatildeo A luta pela superaccedilatildeo do racismo e da discriminaccedilatildeo racial eacute pois tarefa de todo educador independentemente de seu pertencimento eacutetnico-racial crenccedila religiosa ou posiccedilatildeo poliacutetica (BRASIL 2004 p 16)
Como citado anteriormente a LDB e a lei percursora da luta educacional antirracista
(lei 1063903) sofrem alteraccedilotildees apoacutes cinco anos de existecircncia desta uacuteltima A mudanccedila
ocorrida veio contemplar a questatildeo indiacutegena como parte da educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais A partir deste momento a lei 1164508 torna obrigatoacuterio o estudo da histoacuteria e
cultura afro-brasileira e indiacutegena Paula (2010) explica que
() a questatildeo indiacutegena na legislaccedilatildeo educacional jaacute possuiacutea certa normatizaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dentre as quais Diretrizes Curriculares Nacionais especiacuteficas para a Educaccedilatildeo Indiacutegena Resoluccedilotildees quanto agrave organizaccedilatildeo das escolas indiacutegenas regulamentando uso das liacutenguas nativas etc Faltava inserir a temaacutetica no contexto da luta anti-racista anti-excludente com vistas a uma integraccedilatildeo positiva no processo de construccedilatildeo e formaccedilatildeo da identidade educacional e nacional Tarefa cumprida sob o ponto de vista legal com a alteraccedilatildeo e modificaccedilatildeo da Lei em questatildeo (p 4)
15
Nesse sentido fica claro que essas alteraccedilotildees natildeo invalidam as prerrogativas da lei
anterior A meu ver apenas reforccedilam a importacircncia da sensibilizaccedilatildeo para o conhecimento
da diversidade eacutetnica que temos por heranccedila
14 O ENSINO DAS RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS ALGUMAS REFLEXOtildeES
As aulas da disciplina Raccedila curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica da especializaccedilatildeo me
provocaram a pensar no quanto pode ser desafiador mudar uma perspectiva educacional
pautada em padrotildees hegemocircnicos onde os saberes ditos universais se utilizam dos
mecanismos de poder para discriminar inferiorizar e segregar os sujeitos da diferenccedila
Comeccedilo a refletir sobre os movimentos necessaacuterios para potencializar a educaccedilatildeo
para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais Vale ressaltar que a expressatildeo eacutetnico-racial eacute defendida
pelas DCNs como a ldquonecessidade de marcar o reconhecimento de que as tensotildees existentes
devido agrave cor e aos traccedilos fisionocircmicos estatildeo entrelaccediladas agraves diferenccedilas culturaisrdquo
(ARANTES ANDRADE 2013 p 388)
Estabeleci conversas com diversos autores para melhor entender as consequecircncias
de viver e ser educado sob o domiacutenio de uma sociedade construiacuteda e legitimada com base
em uma soacute cultura uma soacute liacutengua uma soacute religiatildeo Poreacutem eacute sabido que o Brasil nasceu do
encontro com as diferentes etnias e culturas dos povos indiacutegenas europeus e africanos
Estes que no seacuteculo XVI foram reconhecidos como as grandes trecircs raccedilas16 seriam
respectivamente a raccedila amarela branca e negra
Vale ressaltar que classificar a diversidade humana em raccedilas distintas desde sempre
funcionou como uma maneira de operacionalizar o pensamento (MUNANGA 2000 p 18)
Assim no imaginaacuterio coletivo por muito tempo o homem foi classificado a partir da cor
de sua pele O problema natildeo estava na classificaccedilatildeo dos seres humanos em funccedilatildeo de suas
caracteriacutesticas fiacutesicas como afirmou Munanga (2000) Mas na divisatildeo desses indiviacuteduos a
partir da escala de valores emergindo grupos hieraacuterquicos segundo a cor de pele e
caracteriacutesticas fenotiacutepicas fazendo relaccedilatildeo com os traccedilos morais psicoloacutegicos do sujeito
16 Para o historiador francecircs Ernest Renan (1823-92) existiriam trecircs grandes raccedilas especificas em sua origem e desenvolvimento
16
O resultado disso eacute o sujeito da ldquoraccedila brancardquo enquanto portador de valores
divinizados inteligentes e criativos Enquanto o sujeito da ldquoraccedila negrardquo foi estereotipado
em seus traccedilos fiacutesicos escolhas religiosas estando fadado a ser expressatildeo de todo mal que
pudesse existir Segundo Ernest Renan os grupos negros ldquoseriam povos inferiores natildeo por
serem incivilizados mas por serem incivilizaacuteveis natildeo perfectiacuteveis e natildeo suscetiacuteveis ao
progressordquo (RENAN 1961 apud SCHWARCZ 1993 p 62)
Tal ideia se propagou ideologicamente instituindo o que conhecemos como racismo
Segundo Arantes e Andrade (2013) o cientificismo do seacuteculo XIX construiu teorias
racistas que relacionavam caracteriacutesticas fiacutesicas a comportamentais Para muitos autores
a misturas das raccedilas ou seja a mesticcedilagem comprometia o progresso nacional pois era
considerada como fenocircmeno degenerativo sendo o mesticcedilo depositaacuterio de defeitos
bioloacutegicos e morais (ARANTES ANDRADE 2013 p385)
Esse movimento segregador tomou diferentes facetas ao longo do tempo passando
pelo campo da ciecircncia bioloacutegica ao campo da sociologia Para contextualizar
historicamente essa ideia cabe ressaltar que no iniacutecio da Modernidade foi criado um
discurso racional que justificou e naturalizou as segregaccedilotildees e exclusotildees
O sangue do negro e do indiacutegena eram considerados impuros em demasia para se
misturarem agrave sacralidade do sangue azul europeu E as medidas tomadas para sanar o
problema da mesticcedilagem foram embranquecer a populaccedilatildeo Comeccedila-se entatildeo a financiar
a entrada de imigrantes europeus tais como alematildees italianos espanhoacuteis para compor a
sociedade brasileira e assim contribuir com a construccedilatildeo de uma sociedade com mais
ldquosangue bomrdquo Dado esse passo os negros iam perdendo cada vez mais as possibilidades
de serem vistos como cidadatildeos de direito pois estavam sendo ofuscados pela presenccedila dos
brancos de pele alva
Essa realidade comeccedila a mudar apoacutes a Primeira Guerra Mundial com as criacuteticas agraves
teorias de racismo cientiacutefico tatildeo fortes na Europa No Brasil houve tentativas de construir
uma identidade nacional valorizando a sua diversidade Nesse periacuteodo o mesticcedilamento jaacute
natildeo era visto como um problema mas como estrateacutegia para superaccedilatildeo do racismo
A miscigenaccedilatildeo portanto soacute poderia ser fruto da consolidaccedilatildeo de trecircs raccedilas
europeia negra e indiacutegena que consequentemente viveriam paciacutefica e harmoniosamente
bem Como um dos principais expoentes desta teoria Gilberto Freire escritor e cientista
social pernambucano escreve no iniacutecio de 1930 Casa Grande e Senzala Este livro ficou
17
consagrado na histoacuteria por inaugurar o que conhecemos por ldquomito da democracia racialrdquo
Esse pensamento reconheceu a presenccedila negra enquanto formadora da sociedade
brasileira fortalecendo a ideia de que todos os sujeitos independentemente da cor
viveriam harmoniosamente bem Desse modo a mistura de raccedilas e culturas (a
mesticcedilagem) era uma ideia plausiacutevel
O mesticcedilamento construiu uma ideia idiacutelica afirmando que a mistura das raccedilas
geraria uma democracia racial quando na verdade funcionou como uma barreira para o
entendimento da cultura e identidade negras impedindo o nascimento de uma consciecircncia
poliacutetica que firmassem os negros e mesticcedilos enquanto legiacutetimos outros
Acreditar no mito eacute esquecerdesconhecer que se o negro natildeo atinge os mesmos
patamares que o branco natildeo foi por falta de competecircncia intelectual mas porque ele se
encontra historicamente em grandes desvantagens Acreditar no mito eacute defender que natildeo
haacute racismo no cotidiano escolar quando na verdade o discurso de tratamento igualitaacuterio a
todos os estudantes demonstra uma maneira sutil de manifestar a discriminaccedilatildeo racial na
escola
Por isso eacute preciso reconhecer sobretudo os docentes
() as pedagogias de combate ao racismo e as discriminaccedilotildees elaboradas com o objetivo de educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais positivas que tem por objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciecircncia negra (BRASIL 2004 p 16)
E foi buscando o rompimento com praacuteticas educativas segregadoras e indiferentes a
diversidade eacutetnico-racial no cotidiano escolar eacute que comeccedilo a pensar essa pesquisa com o
foco na Educaccedilatildeo Infantil visto que a construccedilatildeo da visatildeo de mundo e dos sentidos
comeccedilam desde a infacircncia Gonccedilalves (1987) discorre sobre a particularidade cultural na
educaccedilatildeo de crianccedilas negras e alerta para o ritual pedagoacutegico que impotildee um ego branco a
educaccedilatildeo de crianccedilas (p 27) Segundo este autor existe um silenciamento acerca da
produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra quando natildeo verificamos a sua inferiorizaccedilatildeo e
folclorizaccedilatildeo
Tal silenciamento eacute legitimado por exemplo quando a crianccedila na escola explicita
sua preferecircncia por histoacuterias cujos protagonistas satildeo brancos em detrimento daquelas que
tecircm como personagem principal um negro (e quando tem) Tal construccedilatildeo natildeo acontece
18
na escola ndash tendo em vista outros meios de socializaccedilatildeo da crianccedila mas esse
comportamento muitas vezes vai sendo reforccedilado pelo professor de maneira inconsciente
ndash vide imagens-memoacuterias17 citadas anteriormente Quando o professor eacute indiferente agrave
formaccedilatildeo eacutetnico-cultural brasileira ele reitera o preconceito racial permitindo que a
crianccedila negra tenha um processo de socializaccedilatildeo diferente da crianccedila branca
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012 p 54)
O docente formado dentro da mesma cultura que exclui em geral negligencia o
direito baacutesico de seu estudante oriundo de outras realidades sentir-se protagonista de
histoacuterias reais e afetivas E na maioria das vezes esse mesmo professor vai se apropriar do
discurso baseado na democracia racial eliminando o direito dos alunos de se perceberem
nas suas diferenccedilas
Portanto para que tenhamos uma escola que nos eduque para a diversidade e a
inclusatildeo eacute necessaacuterio que haja a possibilidade de que estudantes brancos negros
indiacutegenas ou de qualquer outra etnia reconheccedilam a diferenccedila e que valorizem respeitem
e convivam com elas tornando a existecircncia mais plena de sentido
15 VALORES CIVILIZATOacuteRIOS AFRO-BRASILEIROS NA EDUCACcedilAtildeO
INFANTIL
Ao fazer referecircncia aos valores civilizatoacuterios afro-brasileiros evidencio as
contribuiccedilotildees de africanos e afro-brasileiros que resistiram agraves muacuteltiplas perversidades ao
longo da histoacuteria No entanto esses mesmos homens e mulheres nos brindam com a
construccedilatildeo de nossa identidade que eacute rica em cores formas e movimentos Para Trindade
(2013) tais valores civilizatoacuterios estatildeo carimbados em nossa memoacuteria em nossos modos
de pensar e de agir A muacutesica que apreciamos a feacute que professamos a literatura que nos
provoca a gastronomia que saboreamos dentre outros realccedilam em noacutes uma beleza
incomum dos padrotildees instituiacutedos pela racionalidade moderna eurocecircntrica
Com isso ao propor a reflexatildeo-accedilatildeo sobre os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros na
educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas afirmo de maneira concreta e afetiva a nossa
17 Indico sobre essa questatildeo a leitura do seguinte artigo ldquoA (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidaderdquo de Pereira e Pereira (2016)
19
afrodescendecircncia E tambeacutem reitero a urgente necessidade de exploramos a produccedilatildeo
cultural negra no cotidiano da escola e natildeo de maneira pontual e folclorizada que
inferioriza a populaccedilatildeo negra
Ao optar pelo trabalho com categoria da reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005)
penso na capacidade de interpretaccedilatildeo e transformaccedilatildeo que as crianccedilas tecircm pois como
atores de suas histoacuterias as crianccedilas satildeo potencialmente capazes de contribuir para
repensar o seu contexto social
Falar de contexto social eacute ter em mente que somos herdeiros de uma sociedade
patriarcal monocultural e determinista que subalterniza e desumaniza o diverso Eacute preciso
pensar e buscar a inclusatildeo da diversidade no ambiente escolar quando a sociedade tem
como projeto inclusive educacional desconsiderar o que possuiacutemos de mais precioso a
diferenccedila que nos caracteriza como seres humanos e sociais Concordamos com Gonccedilalves
(1987) quando realiza a brilhante defesa
ldquose a produccedilatildeo e a transmissatildeo do saber na escola natildeo forem mediados pela particularidade cultural da populaccedilatildeo negra as praacuteticas pedagoacutegicas continuaratildeo punindo as crianccedilas negras que o sistema de ensino natildeo conseguiu ainda excluir aplicando-lhes o seguinte castigo reclusatildeo ritualizada em procedimentos escolares de efeito impeditivo cujo resultado imediato eacute o silenciamento da crianccedila negra a curto prazo e o do cidadatildeo para o resto da vidardquo (p 29)
Azoilda Trindade (2010 2013) nos inspira a pensar sobre os valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e nas suas potencialidades para inaugurar experiecircncias instituintes que
valorize a diversidade eacutetnico-racial na Educaccedilatildeo Infantil Mergulhei nas memoacuterias da
autora me encontrei nelas e fui levada a bradar tambeacutem opto pela VIDA E a vida em sua
plenitude Quando por ventura escutar ldquoesse aluno natildeo tem jeitordquo ldquoeles natildeo tecircm
valoresrdquo reconhecerei as brechas para burlar o instituiacutedo e potencializar uma praacutetica
educativa mais conectada com o ser humano na sua diversidade A conexatildeo com a vida
deve nos conduzir a descoberta de outras searas muito proacuteximas daquela filosofia
humanista africana que afirma que eu soacute posso ser na medida que todos noacutes somos
Pensar o Ubuntu em uma sociedade onde seu processo civilizatoacuterio foi pautado no
individualismo na competiccedilatildeo e no materialismo eacute um ato revolucionaacuterio Portanto tenho
por compromisso eacutetico e humano trazer para a cena ndash inclusive para minha praacutetica
20
docente ndash os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros que estatildeo impressos em nossas maneiras
de ser e viver
E assim evidenciar18a Energia Vital (Axeacute) que nos remete a construccedilatildeo da
afetividade (pelos gestos palavras olhares) dimensatildeo tatildeo importante na Educaccedilatildeo
Infantil A Circularidade que vem nos lembrar que o iniacutecio e fim estatildeo ligados Natildeo haacute
hierarquia pois quando se estaacute em ciacuterculo todos se veem com a mesma oacutetica A
Corporeidade que nos mostra que o corpo tem muito a falar com seus movimentos ora
retraiacutedos ora expressivos O corpo eacute histoacuteria que precisa ser contada A Memoacuteria nos ajuda
a compreender que somos feitos de histoacuterias mas que por vezes satildeo distorcidas nos
tirando o sentimento de pertenccedila do que podemos vir a ser A Ancestralidade nos faz
transcender para aleacutem da materialidade da vida onde a memoacuteria dos nossos anciatildeos
carrega um grande legado
A Territorialidade nos remete aos espaccedilos casa e escola Lugares de iniciaccedilatildeo e que
precisam estar imbricados quando pensamos na educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas A
Religiosidade nos convida a uma relaccedilatildeo com os elementos da natureza e com o ser
humano de maneira mais transcendente respeitosa e harmoniosa A
CooperaccedilatildeoComunitarismo evidenciam a nossa essecircncia humana nascemos de uma
comunhatildeo e soacute vivemos em plenitude a partir dela E essa ideia eacute fundamentalmente
especial quando pensamos na formaccedilatildeo de crianccedilas pequenas que requer um ambiente
cooperativo acolhedor e amoroso para que seu aprendizado se realize de maneira afetiva
e efetiva Afinal de contas o adulto que a crianccedila se tornaraacute vai depender das relaccedilotildees
estabelecidas na infacircncia
A Oralidade provoca-nos a perceber as muacuteltiplas vozes do cotidiano e aqui nos
remetemos principalmente agraves crianccedilas enquanto portadoras de saberes-poderes A
Ludicidade nos rememora a necessaacuteria arte de viver em meio agraves contrariedades da vida
sem perder a capacidade de brincar e sorrir Aqui entendemos a brincadeira como uma
potente ferramenta pedagoacutegica visto que eacute considerada como uma linguagem infantil E a
Musicalidade nos daacute o tom para embalar nossos enredos cheios de ritmo sonoridade e
melodia
18 Os valores aqui pontuados podem ser encontrados no link httpwwwacordaculturaorgbrsitesdefault fileskitMODOSBRINCAR-WEB-CORRIGIDApdf
21
Todos esses valores civilizatoacuterios afro-brasileiros nos provocam a pensar sobre nossa
condiccedilatildeo de indiviacuteduos marcados pela diversidade e que refletem imagens drsquoAacutefrica de
ontem e de hoje de filhos e filhas que natildeo podem negar a riqueza do Patrimocircnio Africano
afrodiaspoacuterico e afro-brasileiro como bem dizia Trindade (2010 p 13) Eles tambeacutem nos
alimentam e fortalecem no caminho para a superaccedilatildeo de curriacuteculos escolares que
legitimam os saberes ditos universais como uacutenicos verdadeiros e superiores
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio
Por considerar que a musicalidade compotildee um dos valores civilizatoacuterios da cultura
afro-brasileira e por ela ser um importante componente curricular para a Educaccedilatildeo Infantil
e os anos iniciais que traz contribuiccedilotildees para a formaccedilatildeo de sujeitos criativos e reflexivos
pensamos neste subcapiacutetulo Vale ressaltar que para essa fase do ensino pensar a muacutesica
em contextos educativos natildeo demanda necessariamente ter formaccedilatildeo especiacutefica para tal
A consciecircncia de que a muacutesica faz parte do cotidiano do estudante desde a tenra idade e
que por isso ela representa uma linguagem jaacute eacute motivo para maiores reflexotildees
Pensando nisso procuramos trazer possibilidades de trabalho com a muacutesica na
Educaccedilatildeo Infantil Ao considerarmos a muacutesica enquanto aacuterea de conhecimento concluiacutemos
que nossas accedilotildees soacute faratildeo sentido quando dialogadas com os saberes dos educandos e com
a cultura na qual eles estatildeo inseridos Com isso rompemos com concepccedilotildees pedagoacutegicas
reducionistas que tratam a educaccedilatildeo musical de forma reprodutora pontual e rotineira
Ao defendermos uma mudanccedila de paradigma buscamos a desconstruccedilatildeo da ideia de que
a muacutesica eacute um artefato cultural instituiacutedo para apenas a sua reproduccedilatildeo em datas
comemorativas da escola Desmontamos tambeacutem a noccedilatildeo de que as muacutesicas cantadas na
Educaccedilatildeo Infantil satildeo formas de marcar a rotina e estimular a expressividade quando na
verdade tem como premissa a criaccedilatildeo ou reforccedilo de comportamentos
Concordamos com Brito (2003) quando afirma que a muacutesica deve emancipar o ser
humano ndash a partir da reflexatildeo-accedilatildeo e natildeo reproduccedilatildeo ndash e deve incluir a todos os estudantes
sem distinccedilatildeo
() longe da visatildeo europeia do seacuteculo passado que selecionava os ldquotalentos naturaisrdquo eacute preciso lembrar que a muacutesica eacute linguagem cujo conhecimento se constroacutei com base em vivecircncias e reflexotildees orientadas
22
Desse modo todos devem ter o direito de cantar ainda que desafinado Todos devem poder tocar um instrumento ainda que natildeo tenham naturalmente um senso riacutetmico fluente e equilibrado pois as competecircncias musicais desenvolvem-se com a pratica regular e orientada em contextos de respeito valorizaccedilatildeo e estiacutemulo a cada aluno por meio de propostas que consideram todo o processo de trabalho e natildeo apenas o produto final (p 53)
Importante ressaltar que nosso objetivo natildeo eacute formar muacutesicos mirins ou futuros
maestros musicais Desejamos a partir do eixo musicalidade ndash expresso no Referencial
Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil (RCNEI)19 ndash desenvolver competecircncias para a
formaccedilatildeo integral dos estudantes sob uma perspectiva interdisciplinar e inclusiva de
valores outros Tais valores satildeo pensados por noacutes como aqueles que refletem a diversidade
da sociedade brasileira
O cotidiano das crianccedilas principalmente em fase inicial da escolarizaccedilatildeo deve ser
permeado de brinquedos musicais Se pararmos para pensar a crianccedila nos seus primeiros
dias de vida jaacute eacute iniciada no universo musical a partir do que chamamos de acalantos
(cantigas de ninar) Natildeo eacute preciso muito tempo para os jogos e brinquedos musicais
tomarem o imaginaacuterio delas tendo em vista que tais artefatos satildeo heranccedilas culturais
transmitidas por tradiccedilatildeo oral chegando agraves crianccedilas por meio das brincadeiras de roda
(poesia muacutesica e danccedila) cirandas parlendas adivinhas etc
As brincadeiras de roda estatildeo relacionadas com as canccedilotildees populares Estas por sua
vez fazem parte do folclore20 brasileiro Considerando que tais canccedilotildees faccedilam parte da
cultura de um povo e sendo o nosso povo rico culturalmente poderiacuteamos afirmar que elas
satildeo um potente instrumento para a educaccedilatildeo de nossas crianccedilas Segundo o RCNEI as
brincadeiras de roda tambeacutem conhecidas como rondas receberam influecircncias de culturas
como lusitana africana ameriacutendia espanhola e francesa Poreacutem sua origem eacute
fundamentalmente europeia (Portugal e Espanha)
Brito (2003) afirma que a linguagem musical eacute construiacuteda de acordo com cada cultura
e eacutepoca estando assim associada aos costumes sociais de um povo Se portanto os
costumes da eacutepoca eram deslegitimar o outro enquanto legiacutetimo outro por meio da
subalternizaccedilatildeo o que diriacuteamos do conteuacutedo de algumas cantigas Assim se ouvirmos
19 Link de acesso httpportalmecgovbrsebarquivospdfrcnei_vol1pdf 20 O folclore cuja etimologia eacute de origem inglesa significa conhecimento de um povo (folk-povo e lore-conhecimento)
23
dizer que as cantigas populares estatildeo associadas agraves tradiccedilotildees e histoacuterias de um povo
corremos o risco de nos depararmos com narrativas nada idiacutelicas
Por isso acreditamos que eacute preciso falar das cantigas populares sobretudo quando
elas fazem parte da rotina educacional de crianccedilas pequenas Peixoto (2015) em sua
pesquisa sobre a violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda nos alerta para a
urgecircncia de reflexotildees sobre esses brinquedos musicais que inculcam valores de uma
cultura (dominante) Muito grave tambeacutem eacute a banalizaccedilatildeo daquele que eacute diferente dos
padrotildees hegemocircnicos
A autora recorre ao poder simboacutelico (BOURDIEU 1989) a fim de esclarecer o
processo de induccedilatildeo de certos valores de forma que quando naturalizados passam a
representar um certo tipo de violecircncia que por sua vez tambeacutem eacute simboacutelica Se avaliarmos
a linguagem das cantigas populares com um olhar descolonizado ndash livre dos padrotildees
hegemocircnicos instituiacutedos ndash perceberemos os simbolismos bem estruturados e sutilmente
representados nos campos de violecircncia de gecircnero domeacutestica racial entre outros Natildeo eacute
de se estranhar que a percepccedilatildeo dessas questotildees seja limitada tendo em vista que a
violecircncia nem sempre representaraacute algo tangiacutevel O entendimento de violecircncia para aleacutem
da fiacutesica supotildee pensarmos na ausecircncia Carecircncia talvez de justiccedila de liberdade de
solidariedade e de igualdade Quando em nossa existecircncia nos faltam tais elementos
certamente nos faltaraacute tambeacutem o sentimento de cidadatildeo de direitos plenos e subjetivos
Todavia parece estar cada vez mais difiacutecil a percepccedilatildeo do poder simboacutelico que gera
a violecircncia simboacutelica em virtude das inversotildees de valores do mundo contemporacircneo
Concordamos com o socioacutelogo quando afirma
Eacute necessaacuterio saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos onde ele eacute mais completamente ignorado portanto reconhecido o poder simboacutelico eacute com efeito esse poder invisiacutevel o qual soacute pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que natildeo querem saber que lhe estatildeo sujeitos ou mesmo que o exercem (BOURDIEU 1989 p 9)
Para essa difiacutecil tarefa de fazer conhecer o desconhecido e o ignorado elegemos o
professor sujeito este que consideramos peccedila fundamental na emancipaccedilatildeo das
consciecircncias Mas esse professor a quem tantos chamam de mediador do conhecimento
precisa para aleacutem de outras atribuiccedilotildees uma que consideramos chave a curiosidade Mas
como afirmava Paulo Freire natildeo se trata de uma curiosidade ingecircnua mas aquela que
24
encaminha para o movimento a inquietaccedilatildeo e a criticidade Portanto acreditamos que o
docente precisa ser epistemologicamente curioso para perceber as ideologias que Freire
(2007) relaciona com a ldquoocultaccedilatildeo da verdade dos fatos com o uso da linguagem para
penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna miacuteopesrdquo (p 125)
Tal postura deve ser de tal modo libertadora que o seu exerciacutecio suscite no discente
o mesmo sentimento o da curiosidade criacutetica que de matildeos dadas com a imaginaccedilatildeo e a
emoccedilatildeo eacute capaz de conduzir a experiecircncias instituintes Quando definimos as temaacuteticas das
oficinas logo pensamos em uma que contemplasse a musicalidade Nesse sentido levamos
para a sala de aula um repertoacuterio musical de cantigas populares sendo que uma delas
carregava em sua letra uma mensagem de violecircncia A partir da sensibilizaccedilatildeo convidamos
os estudantes agrave reinvenccedilatildeo da mesma que em breve seraacute apresentada neste trabalho
Assim o leitor estaraacute em contato com algumas taacuteticas de docentes e discentes que
descobriram que para aleacutem de um repertoacuterio musical envolvente mas instituiacutedo existe
um mundo de possibilidades
16 A CRIANCcedilA PEQUENA E O NEGRO QUEM SAtildeO ESSES OUTROS
A Ciecircncia Moderna vem pensar o outro como uma categoria da diferenccedila
evidenciando suas singularidades e multiplicidades Buscamos contribuiccedilotildees de autores
para pensar o sujeito da diferenccedila o outro e assim sinalizar como eles (a crianccedila e o negro)
tecircm sido enunciados
Ao iniciar a leitura deste trabalho e ao longo dele eacute possiacutevel deparar-se com a
expressatildeo outro como legiacutetimo outro dos bioacutelogos Maturana e Varela (1995) Tais autores
inauguram algo instituinte na Biologia e que vai ao encontro do outro enquanto sujeito
da diferenccedila eles pensam o homem para aleacutem dos determinismos geneacuteticos Ou seja o
indiviacuteduo eacute fruto tanto dos sistemas bioloacutegicos quanto das relaccedilotildees sociais Desse modo
ao defender a cultura como parte do desenvolvimento humano os autores apoiam que
natildeo existem pessoas iguais e que a diferenccedila estaacute dentro da normalidade ao contraacuterio da
homogeneidade (ROSSETTO 2010)
Com isso defender o outro enquanto legiacutetimo outro eacute aceitar o sujeito da diferenccedila
na relaccedilatildeo comprazendo-se com os seus diferentes modos de ser e viver
25
Paradoxalmente ao que os autores acima apresentam Pletsch e Carvalho (2011) vatildeo
pensar o ldquooutrordquo a partir de ldquonoacutesrdquo que impotildee por sua vez um discurso de superioridade
e autoridade Com isso o ldquooutrordquo eacute a representaccedilatildeo de algo inanimado (objeto) sobre o
qual eacute possiacutevel exercer o poder e domiacutenio Em dossiecirc sobre processos de inclusatildeo e
exclusatildeo escolar esses autores alimentam uma urgecircncia dar visibilidade agrave dor e ao
sofrimento dos ldquooutrosrdquo Mas fica um questionamento para noacutes quem satildeo os outros
efetivamente
O outro eacute todo aquele que natildeo pode ser noacutes recebendo status de ldquodiferenterdquo Sendo
assim os ldquooutrosrdquo satildeo
() os analfabetos os negros os iacutendios os drogados as mulheres as crianccedilas os velhos os gays as leacutesbicas os pederastas os presidiaacuterios as prostitutas os deficientes fiacutesicos e mentais os pobres e os miseraacuteveis enfim todos aqueles seres humanos que satildeo desumanizados maltratados ignorados enfim invisibilizados mesmo quando queremos tornaacute-los visiacuteveis (PLETSCH CARVALHO 2011 p 3)
Neste trabalho temos buscado evidenciar os outros na figura da crianccedila pequena e
do negro (afro-brasileiro) natildeo enquanto sujeitos destinados agrave opressatildeo e dominaccedilatildeo mas
como indiviacuteduos que precisam ser incluiacutedos no cotidiano escolar enquanto outros legiacutetimos
outros Dessa maneira desejamos estar com eles pesquisar com eles e criar estrateacutegias
para incluiacute-los na sua corporeidade diversidade e maneiras de pensar e sentir
Nos anos de 1990 comeccedilaram a surgir na Europa discussotildees socioloacutegicas em torno
da infacircncia A crianccedila passou a integrar uma categoria social e deixa de ser olhada apenas
como sujeito de tutela sem voz para ser vista como sujeito de direito e capaz de construir
e modificar culturas a partir da interaccedilatildeo com seus pares e com os adultos As crianccedilas que
passam a ser consideradas atores sociais iratildeo reproduzir comportamentos sociais
interpretando-os de maneira singular Esse modo de agir jaacute foi aqui identificado
anteriormente como reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005) Interpretativa porque
as crianccedilas criam e participam de suas culturas E reproduccedilatildeo porque elas tambeacutem podem
contribuir para a reproduccedilatildeo da sociedade ou para a mudanccedila social
Como a crianccedila eacute capaz de interpretar e reproduzir a cultura da qual faz parte nos
perguntamos qual eacute a cultura na qual a crianccedila tem sido formada Esse meio tem
favorecido o reconhecimento da crianccedila a partir de suas diferenccedilas Esse meio tem
26
provocado a inclusatildeo da diversidade eacutetnico-cultural nos espaccedilos educativos e fora deles
Se levarmos em conta o caraacuteter monocultural reducionista e etnocecircntrico que permeia a
instituiccedilatildeo escolar desde a sua origem nos certificaremos que a escola corre grande risco
de desfavorecer a cultura da diversidade Concordamos com Oliveira e Farias (2014)
quando afirmam que
ldquo() ao longo de nossa histoacuteria como naccedilatildeo o tratamento dado as matrizes eacutetnicas que configuram a nossa gente tem sido feito de maneira desigual privilegiando o grupo eacutetnico europeu em detrimento dos nativos e dos africanos colaborando assim para a produccedilatildeo de desigualdades e injusticcedilas sociaisrdquo (p 89)
Ou seja a figura do negro e seus modos de ser e estar no mundo tal como de outras
matrizes eacutetnicas que natildeo representavam os padrotildees sociais dominantes da hierarquia
colonizadora se constituiu ao longo dos seacuteculos como uma natildeo cultura Eles os nativos
da terra e os que aqui posteriormente chegaram para serem escravizados historicamente
sempre foram ldquoos outrosrdquo conforme Pletsch e Carvalho (2011)
Na histoacuteria da Educaccedilatildeo o negro representou ldquoum outro que devia ser anulado
apagadordquo (SKLIAR 2003 p 41) Basta saber que no Brasil Impeacuterio foram estabelecidos dois
decretos21 impedindo que o negro participasse do espaccedilo escolar de forma plena e com
direitos iguais ao da populaccedilatildeo branca
Apesar de hoje natildeo termos mais esse tipo de lei como haacute 162 anos ainda estatildeo
presentes marcas dessa maneira de pensar que aparece algumas vezes de forma muito
sutil e de outras nem tanto visto que o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo foram
internalizados e naturalizados no imaginaacuterio e consequentemente no comportamento do
brasileiro O que dizer dos filmes da Disney dos contos europeus das histoacuterias de priacutencipes
e princesas que comeccedilam a fazer parte do imaginaacuterio de nossas crianccedilas sobretudo em
fase inicial de escolarizaccedilatildeo Pois entatildeo nessas narrativas os negros natildeo existem pelo
menos da maneira que deveriam existir
21 Decreto nordm 1331 de 17 de fevereiro de 1854 estabelecia que nas escolas puacuteblicas do paiacutes natildeo seriam admitidos escravos e a previsatildeo de instruccedilatildeo para adultos negros dependia da disponibilidade de professores O Decreto nordm 7031-A de 6 de setembro de 1878 estabelecia que os negros soacute podiam estudar no periacuteodo noturno e diversas estrateacutegias foram montadas no sentido de impedir o acesso pleno dessa populaccedilatildeo aos bancos escolares Tais dados podem ser encontrados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africanas
27
2 OBJETIVOS
21 OBJETIVO GERAL
Realizar pesquisa a partir de metodologias interativas ndash interdisciplinaridade e
etnografia ndash com enfoque na Sociologia da Infacircncia com estudantes entre 4 e 6 anos
abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola rural do municiacutepio de MageacuteRJ
22 OBJETIVOS ESPECIacuteFICOS
Analisar os desdobramentos da lei 1164508 e os dispositivos legais que a
complementam em uma escola Rural no Municiacutepio de Mageacute
Compreender a infacircncia enquanto categoria social por meio da Sociologia da
Infacircncia
Identificar no ambiente escolar se haacute imagens e materiais que evidenciem etnias de
matriz afro-brasileiras e indiacutegenas
Aproximar a famiacutelia da escola a fim de construir redes colaborativas mais efetivas e
afetivas
Dialogar e refletir com os docentes e equipe pedagoacutegica sobre os desafios da inclusatildeo
da diversidade na escola
Desenvolver com os estudantes estrateacutegias didaacuteticas mediadas por atividades
luacutedicas onde os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros sejam uma constante
Produzir e revisitar tecnologias educacionais que potencializem as accedilotildees pedagoacutegicas
no trato das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
Desenvolver um suporte midiaacutetico para o compartilhamento dos processos e
materiais que mediaram as experiecircncias instituintes
Elaborar um caderno com orientaccedilotildees pedagoacutegicas a partir de experiecircncias
instituintes sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo como puacuteblico alvo
professores da Educaccedilatildeo Infantil
28
3 MATERIAIS E MEacuteTODOS (METODOLOGIA)
31 PUacuteBLICO ALVO
A pesquisa foi realizada com a Educaccedilatildeo Infantil compreendendo duas turmas da
Preacute-escola A turma do ldquoPreacute Irdquo possuiacutea 18 estudantes dentre eles 9 meninos e 9 meninas
com idades entre 4 e 5 anos No ldquoPreacute IIrdquo eram 19 estudantes sendo que 11 meninos e 8
meninas com idades entre 5 a 6 anos incompletos
As docentes de ambas as turmas satildeo concursadas e residem no municiacutepio em
distritos vizinhos ao da escola A professora do Preacute-escolar I tem formaccedilatildeo na Escola
Normal em niacutevel meacutedio Enquanto a professora do Preacute-escolar II formou-se em Histoacuteria
recentemente tendo como tema monograacutefico jogos e relaccedilotildees raciais
32 ETNOGRAFIA E INTERDISCIPLINARIDADE CAMINHOS METODOLOacuteGICOS
A Sociologia da Infacircncia enquanto campo cientiacutefico que concebe a infacircncia como
objeto socioloacutegico tem nos apontado caminhos metodoloacutegicos para a percepccedilatildeo e
reinvenccedilatildeo das praacuteticas poliacuteticas e culturas em torno do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
desde a tenra idade As muacuteltiplas vertentes teoacutericas que dialogam com a Sociologia da
Infacircncia tecircm caminhado em busca de definiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas no que tange a
construccedilatildeo social da crianccedila na sociedade da qual ela eacute agente ativa de transformaccedilatildeo
Ao considerarmos a infacircncia como parte da sociedade (MUumlLLER 2006) somos
provocados a refletir sobre as diferentes aacutereas do conhecimento com os quais ela dialoga
psicologia antropologia histoacuteria sociologia Pensar a crianccedila a partir do entrelaccedilamento
dessas ciecircncias eacute conferir-lhe status de um ser social complexo e em devir
Buscando atender as especificidades dessa categoria de anaacutelise complexa que eacute a
infacircncia eacute que estabelecemos redes reflexivas com metodologias interativas que
consideram o sujeito da pesquisa enquanto ator social ativo e participante da cultura de
pares e tambeacutem de adultos Dessa maneira os caminhos percorridos para o conhecimento
das vozes dos estudantes foram o da pesquisa interdisciplinar e etnograacutefica Destacamos
primeiramente a pesquisa etnograacutefica que segundo Kramer (2002) garante
29
procedimentos metodoloacutegicos e estrateacutegias favoraacuteveis agraves interaccedilotildees adulto e crianccedila (p
44)
Inicialmente tal escolha se deu por entendermos que seria no miacutenimo incoerente
chegar com uma entrevista fechada para crianccedilas entre 4 a 6 anos responderem O diaacutelogo
com a crianccedila demanda uma postura especial que requer a utilizaccedilatildeo de uma linguagem
proacutepria
Corsaro (2005) jaacute nos falava sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de crianccedilas
explicitando a origem antropoloacutegica desta metodologia que se sustenta em um movimento
de tornar-se nativo Ou seja a construccedilatildeo de uma relaccedilatildeo efetiva e afetiva que contribua
para a anaacutelise das vivecircncias da crianccedila e assim a sua sistematizaccedilatildeo implica em
reconhecer sua cultura e com ela estar disposto a conviver numa relaccedilatildeo de alteridade
Aqui vamos nos referir agraves vozes das crianccedilas como sendo as nossas aliadas nesse
processo de confirmaccedilatildeo das hipoacuteteses Desse modo tais vozes se datildeo de diferentes
formas a partir de ilustraccedilotildees conversas informais conversas entre os pares
silenciamentos Uma ferramenta muito importante para o trabalho foram as notas
registradas no caderno de campo que satildeo parte da metodologia etnograacutefica Todos esses
meios forneceram subsiacutedios para a criaccedilatildeo de praacuteticas e culturas inclusivas sobre a questatildeo
eacutetnico-racial desde a tenra idade
William Corsaro importante pesquisador no campo da Sociologia da Infacircncia com
sua vasta experiecircncia sobre pesquisa etnograacutefica com crianccedilas do Preacute-escolar tem
contribuiacutedo sobremaneira para a reflexatildeo das relaccedilotildees hierarquizantes e portanto
opressoras entre adultos e crianccedilas Suas teorias sobre etnografia na infacircncia reproduccedilatildeo
interpretativa e cultura de pares (CORSARO 2005) reforccedilam a ideia de que a crianccedila eacute um
ator social capaz de receber cultura mas tambeacutem de construir as suas proacuteprias na
interaccedilatildeo
As pesquisas empiacutericas do autor demonstram que o olhar do adulto reconhecendo a
legitimidade da alteridade infantil eacute uma via potente no processo de construccedilatildeo do
conhecimento Ele nos ajuda a pensar sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de
crianccedilas e relata que ao longo de 28 anos escrevendo sobre o tema seu trabalho passou
por significativa transformaccedilatildeo quando deixou de pesquisar sobre para pesquisar com
crianccedilas A seguir um trecho sobre a pesquisa etnograacutefica
30
A etnografia eacute o meacutetodo que os antropoacutelogos mais empregam para estudar as culturas exoacuteticas Ela exige que os pesquisadores entrem e sejam aceitos na vida daqueles que estudam e dela participem Neste sentido por assim dizer a etnografia envolve ldquotornar-se nativordquo Estou convicto de que as crianccedilas tecircm suas proacuteprias culturas e sempre quis participar delas e documentaacute-las Para tanto precisava entrar na vida cotidiana das crianccedilas ndash ser uma delas tanto quanto podia (CORSARO 2005 p 446)
Obviamente que eu natildeo me tornaria uma delas tatildeo pouco falaria por elas Mas o
movimento que William Corsaro defende eacute o de entrar e ser aceito pela comunidade
pesquisada e para isso eu natildeo deveria ldquoagir como um adulto tiacutepicordquo (p 446)
Depreende-se que ldquotornar-se nativordquo envolve falar as linguagens que satildeo proacuteprias
das crianccedilas para entatildeo melhor dialogar com elas ndash E que linguagens satildeo essas Ouso
dizer que satildeo as linguagens do corpo da sonoridade da ludicidade entre outras que
atraem as crianccedilas
Importante afirmar que a infacircncia eacute uma categoria social complexa e pensaacute-la
demanda muitas redes de saberes especialmente nos processos educacionais uma
perspectiva de pesquisa interdisciplinar agrega conhecimentos importantes para pensar a
crianccedila na sua totalidade E para tal buscamos pensar a interdisciplinaridade a partir de
dois autores Juares da Silva Thiesen (2008) e Ivani Fazenda (2010) sobre a qual vamos
aprofundar nossas reflexotildees Vale frisar que cada autor concebe esta metodologia agrave luz de
seus saberes e formaccedilatildeo mas o importante eacute ter consciecircncia de que a essecircncia de suas
percepccedilotildees converge para um soacute caminho o rompimento com a loacutegica fragmentada e
linear do conhecimento imposta pela corrente hegemocircnica das Ciecircncias Modernas
Desse modo Thiesen (2008) nos conduz a pensar na necessaacuteria reforma do
pensamento pelas vias da interdisciplinaridade Para ele a sociedade contemporacircnea
impotildee uma seacuterie de complexificaccedilotildees e para entendecirc-las se faz necessaacuterio uma rede de
sistematizaccedilotildees com saberes interligados
Jaacute Fazenda (2010) aborda a indispensaacutevel transformaccedilatildeo da pedagogia onde a
transmissatildeo do saber precisa dar lugar agraves trocas dialoacutegicas Nos anos 1970 Ivani Fazenda
recebeu influecircncias do pensamento de Hilton Japiassuacute (1976) o primeiro a pesquisar a
Interdisciplinaridade no Brasil enquanto que na Europa (Franccedila e Itaacutelia) esse movimento
jaacute acontecia desde de 1960 Ivani Fazenda pensou inicialmente na construccedilatildeo
epistemoloacutegica do conceito emergindo as seguintes conclusotildees a interdisciplinaridade eacute
31
uma atitude que envolve inovaccedilatildeo dialogo reciprocidade ousadia humildade coerecircncia
espera respeito e desapego
Humildade porque a investigaccedilatildeo interdisciplinar natildeo se limita a meacutetodos senatildeo a
vestiacutegios percebidos na interaccedilatildeo com os atores sociais E tambeacutem parte-se do
entendimento que a dimensatildeo individual eacute deficitaacuteria para a resoluccedilatildeo de conflitos (HAAS
2011) Havendo entatildeo a necessidade de constante diaacutelogo com o outro
Outra atitude importante que dialoga com a interdisciplinaridade eacute a ousadia que
busca e transforma a inseguranccedila em redes reflexivas E eacute esta ousadia que constroacutei as
parcerias entre professoraluno professorprofessor gestorcomunidade escolar
Concordamos com a autora quando reconhece que a interdisciplinaridade eacute senatildeo
um processo um caminho que transforma uma realidade instituiacuteda em experiecircncias
instituintes a partir da relaccedilatildeo de reciprocidade com o outro legiacutetimo outro
Tendo em vista a relevacircncia da interdisciplinaridade e sua urgecircncia em propor novas
formas de investigar de dialogar e construir saberes eacute que realizamos a ponte com a
Sociologia da Infacircncia de modo que fosse possiacutevel articular com suas vertentes teoacutericas
Explicitamos aqui o meacutetodo comparativo da etnografia longitudinal (CORSARO 2005) onde
acompanhamos a transiccedilatildeo dos atores da pesquisa para o ano seguinte em 2016
A etnografia a interdisciplinaridade e a pesquisa-participante enquanto pensar-
fazer se complementam formando redes reflexivas e criando de maneira instituinte um
ensino que dialogue com as relaccedilotildees eacutetnico-raciais na infacircncia
33 QUESTOtildeES EacuteTICAS NA PESQUISA COM CRIANCcedilAS
A reflexatildeo sobre as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas eacute um movimento
contemporacircneo e inovador que natildeo soacute beneficia a comunidade cientiacutefica como tambeacutem o
proacuteprio sujeito participante da pesquisa O que antes representava um sujeito silenciado
em seus saberes e receptor de culturas hoje o vemos como um ator de direitos
reconhecidos resguardados e legitimados
Kramer (2002) ao discorrer sobre autoria e autorizaccedilatildeo na pesquisa com crianccedilas
nos sinaliza alguns pontos importantes quando trabalhamos com a infacircncia enquanto
categoria social As reflexotildees da autora em torno da divulgaccedilatildeo dos nomes das crianccedilas
32
exibiccedilatildeo de seus rostos e devoluccedilatildeo dos achados nos provoca a pensar nos caminhos que
temos percorrido
Ao iniciar a pesquisa adotamos como procedimento eacutetico dar a conhecer os aspectos
da pesquisa aos responsaacuteveis dos estudantes do Preacute-escolar I e II Assim realizamos uma
reuniatildeo onde foi solicitada a participaccedilatildeo dos estudantes Naquele momento foi
endossado que a participaccedilatildeo era voluntaacuteria e o consentimento poderia ser retirado a
qualquer tempo sem prejuiacutezos agrave continuidade das atividades nas minhas aulas
O termo de consentimento assinado pelos responsaacuteveis autoriza a coleta de dados
bem como suas anaacutelises e publicaccedilatildeo dos mesmos Nesse documento foi firmado o
compromisso de omitir os nomes dos participantes tal como a exibiccedilatildeo de suas imagens
Tambeacutem foi garantida a confidencialidade das informaccedilotildees geradas e a privacidade dos
sujeitos da pesquisa
A omissatildeo dos nomes deveu-se a compreensatildeo de que era necessaacuterio resguardar a
integridade da crianccedila mesmo sabendo que o que estava sendo proposto na pesquisa natildeo
apresentasse riscos aparentes O mesmo posicionamento ocorreu em relaccedilatildeo agraves suas
imagens levando em consideraccedilatildeo o alerta de Kramer (2002) sobre o cuidado com a
exposiccedilatildeo de crianccedilas pequenas em que pese a sua necessidade de ser reconhecida
Sobre a devoluccedilatildeo dos achados temos pensado em nosso compromisso com aquela
comunidade escolar que nos recebeu acreditou e incentivou a pesquisa Vislumbramos
socializar os resultados com todos os envolvidos diretamente na pesquisa por diferentes
meios
34 FASES DA PESQUISA
A pesquisa foi dividida em cinco fases transcorrendo de agosto do ano de 2014 a
julho de 2016
Na primeira fase foi realizada pesquisa bibliograacutefica acerca do ensino das relaccedilotildees
eacutetnico-raciais e sua ocorrecircncia nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica Concomitante a essa
busca foram cursadas as disciplinas do programa que possibilitaram uma melhor
aproximaccedilatildeo com o objeto de estudo e deste com os diferentes campos de conhecimento
sob um vieacutes interdisciplinar
33
Na segunda fase a partir de maio de 2015 foi estabelecido contato com a escola para
apresentaccedilatildeo da proposta e solicitaccedilatildeo de autorizaccedilatildeo institucional22 para a coleta de
dados Apoacutes tal autorizaccedilatildeo iniciaram-se as conversas com os responsaacuteveis pelos
estudantes visando uma sensibilizaccedilatildeo sobre a temaacutetica e sua autorizaccedilatildeo para que os
alunos pudessem participar da pesquisa
A terceira fase tendo seu iniacutecio no mecircs de junho de 2015 eacute identificada como
sondagem das percepccedilotildees dos estudantes sobre a temaacutetica eacutetnico-racial durante as
oficinas iniciais nas aulas de Dinamizaccedilatildeo de Leitura Esta teve como objetivo perceber as
preferecircncias desejos e recusas dos alunos com relaccedilatildeo agrave proposta Nessa fase tambeacutem
foram importantes as conversas estabelecidas com os docentes da escola
Na quarta fase iniciada em agosto e perdurando por 6 meses foram realizadas as
oficinas pedagoacutegicas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil com faixa-etaacuteria entre 4 a 6
anos Tais oficinas buscaram articular os conhecimentos propostos pelos RCNEI e pelas DCN
ERER As experiecircncias construiacutedas coletivamente e sistematizadas deram forma ao
caderno23 com orientaccedilotildees pedagoacutegicas sobre o ensino da relaccedilotildees eacutetnico-raciais na
Educaccedilatildeo Infantil A seguir buscamos apresentar os caminhos percorridos em cada uma
das oito oficinas
341 As oficinas
Foram realizadas um total de oito oficinas que tiveram como caminhos
metodoloacutegicos a interdisciplinaridade (FAZENDA 2010 THIESEN 2008) e os princiacutepios
etnograacuteficos de pesquisa com crianccedilas pequenas (CORSARO 2005) Ao longo de cada uma
das accedilotildees buscamos um jeito proacuteprio de pensar e construir saberes desejaacutevamos romper
com a loacutegica cartesiana da razatildeo instrumental que desconsidera os saberes dos sujeitos da
diversidade Assim fomos ao encontro deles buscando entrecom eles na alteridade para
entendermos seus mundos por meio de conversas que nos conduzissem a aprendizagens
Apresentamos as duas primeiras oficinas que representam a terceira fase do projeto
Foram Accedilotildees iniciais para perceber os indiacutecios que os estudantes nos apontavam sobre a
urgecircncia de incluir a temaacutetica naquele contexto Elas tiveram como enfoque a literatura
22 A autorizaccedilatildeo institucional se encontra no apecircndice 711 23Este caderno seraacute disponibilizado em formato digital
34
infanto-juvenil Nos dois momentos que aconteceram em dias distintos com duraccedilatildeo de
50 minutos cada buscamos perceber as narrativas que estavam povoando o imaginaacuterio
daqueles atores sociais e sensibilizaacute-los para a existecircncia de outras histoacuterias especialmente
aquelas nas quais os afrodescendentes e suas matrizes eacutetnicas fossem evidenciadas
A terceira oficina sendo a quarta fase do projeto buscou tornar conhecida uma
Heroiacutena a contrapelo a liacuteder quilombola mageense Maria Conga A oficina foi realizada
com a participaccedilatildeo de matildees tias avoacutes ou irmatildes que foram convidadas para ali estarem
Aconteceu em um soacute dia com duraccedilatildeo total de 1hora e 20 minutos mas foi dividida em
dois momentos No primeiro narramos a histoacuteria de Maria a menina que veio do Congo
Buscou-se uma narrativa intertextual ligando a vida de Maria Conga com a histoacuteria dos
muitos africanos que foram trazidos para o Brasil Em um segundo momento foi proposto
a confecccedilatildeo de bonecas abayomis pelas jovens adultas e idosas que naquele instante
acompanhavam os estudantes
A quarta oficina foi uma sensibilizaccedilatildeo baseada na Pedagogia Griocirc Tal pedagogia
idealizada pela educadora Lilian Pacheco24 baseia-se na valorizaccedilatildeo e transmissatildeo dos
saberesfazeres (ALVES 2001)25 da cultura oral dos sujeitos da regiatildeo Desse modo nesta
oficina buscou-se aproximar os saberes das novas geraccedilotildees aos saberes das geraccedilotildees
passadas por meio das histoacuterias contadas pelas griocirctes locais Neste trabalho as griocirctes
foram duas avoacutes dos estudantes Elas foram escolhidas porque eram mulheres idosas que
representavam os sujeitos da diversidade a avoacute do estudante do ldquoPreacute IIrdquo tem nanismo fato
que chama atenccedilatildeo das crianccedilas pois embora fosse do tamanho deles ela jaacute tinha vivido
quase 60 anos A outra avoacute da estudante do ldquoPreacute Irdquo eacute negra
A oficina foi realizada em dois momentos distintos ocorrendo em duas semanas No
primeiro momento realizou-se a contaccedilatildeo de histoacuterias pelas avoacutes com duraccedilatildeo de cerca de
50 minutos Na semana seguinte os estudantes recontaram aspectos das histoacuterias ouvidas
com massinha de modelar Com os registros desta experiecircncia posteriormente seraacute
confeccionado um viacutedeo animado e legendado com a temaacutetica Histoacuterias de nossa gente
A quinta oficina envolveu a Musicalidade enquanto valor civilizatoacuterio afro-brasileiro
e foi dividida em cinco momentos distintos ocorrendo em um periacuteodo de um mecircs e meio
24 Mais agrave frente discorreremos sobre esta pedagogia 25 Nilda Alves utiliza o recurso de aglutinaccedilatildeo de palavras para indicar a necessidade de ir aleacutem dos limites herdados das Ciecircncias Modernas
35
mais ou menos 6 encontros Buscou-se nesta proposta trabalhar o desenvolvimento de
diferentes competecircncias como a de construccedilatildeo de conceitos a descoberta de instrumentos
musicais eacutetnicos e a confecccedilatildeo deles a construccedilatildeo de rimas ritmos e movimentos As accedilotildees
desta oficina culminaram no ano de 2016 quando foram compartilhadas algumas criaccedilotildees
musicais dos estudantes com as famiacutelias via dispositivos moacuteveis
A sexta oficina foi nomeada como Lendas que nos encantam e teve por objetivo
retornar aos gecircneros literaacuterios como na primeira oficina evidenciando histoacuterias que
precisam ser contadas nas escolas brasileiras Desse modo apresentamos a histoacuteria de uma
aacutervore que representa a ancestralidade africana o Baobaacute
Para trabalharmos a histoacuteria do Baobaacute realizamos dinacircmicas em dois momentos
distintos tendo cada um 50 minutos Na primeira semana foi contada a lenda da seguinte
maneira organizei um cenaacuterio com cartolinas coloridas agrave frente da sala de aula com uma
aacutervore (de papel) de troncos largos cheia de frutos Realizei a leitura da lenda e
posteriormente foram escolhidos alguns estudantes para encenar a histoacuteria sendo os
seguintes personagens o Baobaacute a hiena dois coelhos e outros trecircs bichos Logo em
seguida a partir da minha mediaccedilatildeo os estudantes dinamizaram a lenda expressando
criatividade imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Foi possiacutevel realizar a contaccedilatildeo de histoacuteria pelos
estudantes por trecircs vezes O objetivo era que todos participassem
Na semana seguinte resgatamos a histoacuteria e pedimos agraves crianccedilas que representassem
aspectos daquela histoacuteria por meio de ilustraccedilotildees em folhas e de massinha de modelar
Tais produccedilotildees foram registradas para compor um viacutedeo animado sobre a histoacuteria do Baobaacute
contada a partir do olhar dos estudantes de Conceiccedilatildeo de Suruiacute
35 COLABORADORES NA COLETA DE DADOS
As docentes das turmas a bolsista de extensatildeo e a equipe pedagoacutegicagestora foram
as colaboradoras diretas da pesquisa e contribuiacuteram significativamente para o processo de
investigaccedilatildeo
As professoras regentes das turmas pesquisadas foram fontes importantes para
percepccedilatildeo da urgecircncia em pesquisar o contexto da Educaccedilatildeo Infantil Os relatos de suas
praacuteticas cotidianas das relaccedilotildees interpessoais entre os estudantes e suas famiacutelias da
relaccedilatildeo entre os pares foram fundamentais para potencializar as reflexotildees em direccedilatildeo a
36
inclusatildeo da diversidade Cabe ressaltar que ambas as professoras embora soliacutecitas e agrave
disposiccedilatildeo para contribuir com os achados dificilmente participavam das oficinas Os 50
minutos semanais eram os uacutenicos que elas tinham para realizar o seu planejamento visto
que no municiacutepio de Mageacute os docentes de 1deg segmento natildeo tinham garantido o 13 de
carga horaacuteria semanal para planejamento conforme estabelece a lei federal 117380826
A parceria com a discente da graduaccedilatildeo (bolsista de extensatildeo) durante o processo
de coleta de dados foi um apoio fundamental pois representava um olhar a mais naquele
momento de achados Aleacutem disso a estudante realizou grande parte dos registros
fotograacuteficos enquanto eu mediava as oficinas
A gestora por sua vez foi quem prontamente viabilizou a coleta de dados a partir da
autorizaccedilatildeo institucional e que no decorrer desse processo tambeacutem representou uma
fonte de validaccedilatildeo dos dados coletados visto sua relaccedilatildeo direta com as famiacutelias estudantes
e docentes
Por fim eacute possiacutevel concluir que a coleta de dados desta pesquisa foi permeada por
olhares atentos que culminaram em conversas27 entre noacutes docentes e tambeacutem com
discentes para potencializar um ensino onde a inclusatildeo da diversidade se tornasse uma
constante
36 PRODUTOS DO PROJETO
Os produtos desta pesquisa satildeo tecnologias educacionais Todas elas estatildeoseratildeo28
disponibilizadas online29 visando contribuir para que outros docentes da Educaccedilatildeo Infantil
(e tambeacutem dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica) possam trabalhar com o ensino das
relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo em consideraccedilatildeo a diversidade e a inclusatildeo
26 Lei que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magisteacuterio puacuteblico da Educaccedilatildeo Baacutesica E prevecirc ldquoo limite maacuteximo de 23 (dois terccedilos) da carga horaacuteria para o desempenho das atividades de interaccedilatildeo com os educandosrdquo (sect 4ordm do art 2ordm) Significando assim que 13 (um terccedilo) da jornada destinar-se-ia agraves atividades de planejamento e formaccedilatildeo continuada do docente Conforme Brasil (2008) 27 Concordamos com CARVALHO (2011) que ao pensar o curriacuteculo como comunidade de afetos orienta que professores e alunos professores e professores conversem e ao considerar a alteridade construam inteligecircncia coletiva 28 Alguns produtos jaacute foram publicados como o cataacutelogo de livros eacutetnicos Outros seratildeo lanccedilados apoacutes a publicaccedilatildeo do caderno digital 29 Paacutegina na rede social (Facebook) construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo Link httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoeudantesetnicoraciaisartesdefazer
37
Os produtos deste trabalho podem ser definidos como
1 A construccedilatildeo do espaccedilo virtual (uma paacutegina na rede social) para o compartilhamento
das accedilotildees pedagoacutegicas e os produtos da pesquisa Este suporte midiaacutetico foi validado
pelo acesso que tem recebido chegando a um alcance de 160 pessoas em algumas
semanas no ar A maior parte desse puacuteblico eram pessoas da proacutepria comunidade
escolar pais dos estudantes professores funcionaacuterios da escola e os proacuteprios alunos
Vale ressaltar que esta paacutegina foi construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo
ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos iniciais artes de fazer e fazer-
se professorrdquo sendo assim intitulada por ldquoO ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais artes
de fazer e fazer-se professorrdquo Portanto ao vincular-se ao projeto de extensatildeo sua
criaccedilatildeo visou divulgar tambeacutem as accedilotildees extensionistas que aconteciam na
escolauniversidade contemplando as turmas do Ensino Fundamental Vale frisar
que temos difundido para aleacutem dos muros da escola o pensamento inclusivo sobre
a diversidade atingindo a comunidade escolar docentes e outros sujeitos de Mageacute
2 Um cataacutelogo de livros disponiacutevel na biblioteca comunitaacuteria localizada na Escola
Municipal Dinorah dos Santos Bastos e que tambeacutem se encontra no espaccedilo virtual
citado acima Este material tem auxiliado os docentes dos anos iniciais na busca pelas
temaacuteticas indiacutegenas e africanidades
3 Coletacircnea de muacutesicas com as vozes das crianccedilas A gravaccedilatildeo das cantigas populares
pelos proacuteprios estudantes foi compartilhada com os responsaacuteveis no iniacutecio do ano
corrente O principal objetivo foi dar um feedback das accedilotildees do ano anterior e
tambeacutem possibilitar a apreciaccedilatildeo de um trabalho autoral feito por seus proacuteprios
filhos Com a finalizaccedilatildeo do caderno e sua publicaccedilatildeo estas muacutesicas seratildeo lanccediladas
na paacutegina do Facebook
4 Dois viacutedeos animados elaborados a partir das produccedilotildees artiacutesticas dos estudantes
Esses viacutedeos tambeacutem foram feitos a partir das produccedilotildees dos estudantes tendo
como temaacutetica lendas locais e de ancestralidade africana O procedimento seraacute o
mesmo sua publicaccedilatildeo seraacute concomitante agrave publicaccedilatildeo do caderno na paacutegina virtual
5 Um caderno pedagoacutegico digital que tambeacutem disponibilizaremos na paacutegina em
formato PDF Adotamos alguns criteacuterios para a estruturaccedilatildeo do caderno pedagoacutegico
que foram linguagem adequada ao puacuteblico formato claro e estruturado propostas
38
exequiacuteveis articulaccedilatildeo entre teoria e praacutetica e adequaccedilatildeo aos paracircmetros da
Educaccedilatildeo Infantil Acreditamos na capacidade desde produto em potencializar o
pensamento inclusivo sobre a diversidade eacutetnico-cultural do povo brasileiro E com
isso suscitar modos de pensar e de produzir experiecircncias instituintes na Educaccedilatildeo
Infantil A priori vamos identificar esse produto como uma tecnologia de transmissatildeo
de conhecimento visto que nele seratildeo apresentados saberes construiacutedos nas oficinas
sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais e que foram validadas por estudantes e docentes da
Educaccedilatildeo Infantil durante as praacuteticas cotidianas Acreditamos que o professor na sua
capacidade reflexiva ao interagir com este material tambeacutem poderaacute modificar e
servir de inspiraccedilatildeo para outras praacuteticas natildeo buscando ser um modelo para
reproduccedilatildeo Dessa forma o docente enquanto sujeito reflexivo precisa reinventar
as atividades propostas de acordo com sua realidade criando e recriando artes de
fazer
Figura 1 Paacutegina na Rede Social Fonte Daise dos Santos Pereira
Na Figura 1 temos um registro da paacutegina virtual jaacute citada anteriormente Dominick
(2015) nos provoca a pensar nos possiacuteveis status dessa tecnologia informacional Seria ela
interativa ou difusora Para a autora haacute miacutedias difusoras onde o conhecimento eacute
produzido por alguns e difundido como eacute o caso da televisatildeo e do raacutedio Mas haacute aquelas
39
que possibilitam uma interaccedilatildeo entre os sujeitos pois se apresentam como uma
possibilidade de dialogia Esse espaccedilo na internet busca difundir um conhecimento mas
tambeacutem eacute um lugar de diaacutelogo de possibilidades de interaccedilotildees com professores que vatildeo
aleacutem da reproduccedilatildeo de ideias
Neste endereccedilo tambeacutem disponibilizamos alguns livros infanto-juvenis em formato
PDF que podem ser baixados um cataacutelogo com os livros de literatura com temaacutetica eacutetnica
(indiacutegena e africana) que elaboramos a partir da busca no acervo da biblioteca da escola
Neste material satildeo encontrados o resumo a faixa-etaacuteria e o nuacutemero de paacuteginas de cada
obra A elaboraccedilatildeo deste cataacutelogo surgiu pela necessidade de identificarmos as obras
literaacuterias eacutetnicas e por identificarmos nas atividades de implementaccedilatildeo de leitura pouca ou
nenhuma familiaridade dos docentes da escola com o acervo das matrizes eacutetnicas africanas
e indiacutegenas Por exemplo na semana do dia do iacutendio uma das docentes relatou dificuldade
para achar uma obra que tratasse do tema Ao procurar achamos 39 exemplares de
temaacutetica indiacutegena e africana Hoje contamos com um pouco mais de 50 livros em nosso
acervo escolar
Logo seraacute possiacutevel encontrar na paacutegina gravaccedilotildees musicais dos estudantes os viacutedeos
animados das histoacuterias locais produzidos com os mesmos e algumas fotografias das accedilotildees
realizadas na escola Buscaremos assim que publicados esses produtos disponibilizar o
texto dessas histoacuterias em PDF Esta eacute uma estrateacutegia de ferramenta acessiacutevel para pessoas
cegas Assim a histoacuteria pode ser lida pelo leitor de tela para os deficientes visuais
Intencionamos com isso abrir caminhos para ampliar o diaacutelogo com a tecnologia acessiacutevel
(DOMINICK 2015) de modo a alcanccedilar crianccedilas surdas cegas ou com deficiecircncias fiacutesicas
Desse modo acreditamos estar favorecendo praacuteticas docentes inclusivas da
diversidade Reafirmamos no entanto que tais meios soacute seratildeo de fato aliados a um saber-
fazer emancipatoacuterio na medida em que o docente os assumir como extensatildeo de suas
reflexotildees e de seus braccedilos natildeo como modelo a ser seguido Para tal ele precisa ser o que
Schoumln (2000) denominou como professor reflexivo um sujeito que para Castels (1999) eacute
interagente De forma que quando ele entrar em contato com os produtos desta pesquisa
iraacute se apropriar e dialogar com os conhecimentos ali expostos assim como apresentar
outras ideias e tambeacutem suas praacuteticas
40
4 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
41 DADOS COLETADOS REFLEXOtildeES INICIAIS
Em nossa pesquisa bibliograacutefica identificamos a invisibilidade da questatildeo racial no
sistema educacional brasileiro principalmente no que tange a produccedilatildeo teoacuterica
articulando as questotildees de raccedila e etnia para o trabalho com a Educaccedilatildeo Infantil
Posteriormente na escola buscamos identificar se de fato havia a observacircncia e
cumprimento da lei federal 1164508 Ao confirmar nossa hipoacutetese de que pouco estava
sendo trabalhado buscou-se intervir para promover uma cultura escolar mais inclusiva das
matrizes eacutetnicas e culturais que fazem parte de nossa gente
Identificamos alguns aspectos no cotidiano da escola que confirmaram a relevacircncia
da pesquisa com aquele grupo tais como raras praacuteticas abordando a diversidade eacutetnico-
racial com foco nas influecircncias africanas e indiacutegenas tendo em vista inclusive as influecircncias
das etnias afro e indiacutegena (e que por sinal satildeo muito fortes na regiatildeo) presenccedila de um
ambiente fortemente marcado por narrativas monoculturais isto eacute murais com
personagens brancos e somente os claacutessicos literaacuterios europeus compondo a oferta de
leitura para as crianccedilas Identificamos ainda no diaacutelogo com as professoras evidecircncias de
accedilotildees discriminatoacuterias entre as crianccedilas pequenas silecircncio em torno de situaccedilotildees
conflituosas e a falta de formaccedilatildeo que as ajudasse a lidar com a questatildeo de forma a superar
o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo
Os dados coletados inicialmente foram ao encontro de minhas primeiras anguacutestias
quando ao ingressar na especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria me dei conta de que as
praacuteticas dos docentes da Educaccedilatildeo Infantil e dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica estavam
ainda distantes do que entendemos por Educaccedilatildeo para Todos visto que ateacute aquele
momento natildeo existiam orientaccedilotildees legais para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais e assim
para o rompimento da cultura do racismo no cotidiano escolar
Acreditando que poderia organizar praacuteticas instituintes em diversidade e inclusatildeo
com crianccedilas pequenas sobre as questotildees eacutetnico-raciais foi que caminhei mais alguns
passos
41
42 PERCEBENDO AS VOZES OFICINAS INICIAIS
Durante 2 meses interagindo com os discentes30 busquei indiacutecios que me
conduziram para a estruturaccedilatildeo das primeiras oficinas Logo apoacutes foram apresentadas
duas oficinas que buscaram confirmar ou refutar as observaccedilotildees feitas e as informaccedilotildees
coletadas com os adultos Elas tiveram como enfoque o trabalho com a literatura infantil
Importante salientar que estas accedilotildees com os estudantes sustentaram as hipoacuteteses iniciais
sobre a urgecircncia de um rompimento com as praacuteticas e culturas do cotidiano escolar que
natildeo alcanccedilam a diversidade eacutetnico-racial presente na localidade Majoritariamente as
praacuteticas curriculares cotidianas reforccedilam praacuteticas monoculturais e etnocecircntricas
contribuindo muitas vezes para a existecircncia de comportamentos racistas e segregadores
entre os estudantes e mesmo entre os profissionais da escola
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (idade entre 4 e 5 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje a turma estava com 14 alunos no total Iniciamos a aula no paacutetio da escola tendo em vista a obra que estaacute acontecendo no preacutedio desde o recesso escolar Expusemos em um varal alguns livros do acervo da biblioteca da escola A opccedilatildeo pelo varal foi uma estrateacutegia para que os estudantes visualizassem melhor as obras para assim apontarem suas preferecircncias As obras estavam divididas em contos claacutessicos da literatura europeia e histoacuterias de temaacutetica eacutetnica Foram apresentados 12 livros Entre os contos claacutessicos estavam ldquoO chapeuzinho vermelhordquo ldquoOs trecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoCinderelardquo ldquoPinoacutequiordquo e ldquoJoatildeo e o peacute de feijatildeordquo Entre os livros que contavam histoacuterias com temaacutetica eacutetnico-racial estavam ldquoO cabelo de Lelecircrdquo ldquoLilaacute e o segredo da Chuvardquo ldquoCadecircrdquo ldquoA menina e o tamborrdquo ldquoChuva de mangardquo ldquoHistoacuterias da nossa genterdquo e ldquoBichos da Aacutefricardquo Iniciamos a dinacircmica perguntando aos alunos as suas preferecircncias Todos demonstraram grande interesse pelos contos claacutessicos mas buscando saber sobre o que pensavam sobre os outros livros perguntei se algueacutem conhecia ou se gostaria de conhecer Apresentamos cada um deles e depois solicitamos que fossem ao varal pegar o que fosse de interesse do grupo Como era de imaginar a grande maioria foi para o lado dos contos claacutessicos europeus
30 Interagia enquanto professora itinerante da sala de leitura uma vez por semana
42
Eu e Pacircmela (bolsista da extensatildeo) insistimos na provocaccedilatildeo mostrando os outros
livros ldquoE aqueles livros ningueacutem quer lerrdquo
Ateacute que uma estudante negra foi ateacute o livro ldquoCadecircrdquo (Graccedila Lima) e o pegou Haacute em
sua capa um menininho negro e pensei naquele momento que talvez houvesse uma
tiacutemida identificaccedilatildeo por parte da menina com o personagem O livro conta a histoacuteria das
fantasias de um menino pequeno que vai descobrindo o mundo ao seu redor A cada
descoberta uma surpresa Nesse enredo uma mesa se torna uma girafa O sofaacute um
rinoceronte E a matildee participa junto com o menino dessas descobertas emoccedilotildees e
fantasias
A partir de sua escolha questionamos aos colegas se eles gostariam de ouvir a
histoacuteria daquele livro Cabe ressaltar que esta menina demonstrava ao longo das atividades
uma identificaccedilatildeo positiva com a sua cor sem recusas quando lhe era proposto ser
personagem negra por exemplo Entre os 14 alunos 10 concordaram em ouvir Ao final da
histoacuteria perguntamos se ali tinha algueacutem parecido com o menininho do enredo e trecircs
crianccedilas disseram prontamente que sim que eram muito parecidos
Fizemos tambeacutem uma votaccedilatildeo para saber quais as preferecircncias deles sobre os
claacutessicos O resultado foi 12 alunos votaram nos Trecircs porquinhos 10 em Joatildeo e o peacute de
feijatildeo 11 em Pinoacutequio 14 em Joatildeo e Maria 7 em Chapeuzinho vermelho 10 em Cinderela
Joatildeo e Maria foi o enredo de preferecircncia da turma Importante ressaltar que a votaccedilatildeo
naquele primeiro momento foi para sondar as preferecircncias Ao longo das atividades e
oficinas estabelecemos diaacutelogos com as obras a partir de sua releitura e intercaladas com
as obras eacutetnico-raciais
43
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I Fonte Daise dos Santos Pereira
Apoacutes a contaccedilatildeo da histoacuteria do livro ldquoCadecircrdquo sugerimos que cada um registrasse em
um desenho em folha A4 a histoacuteria que quisesse Podia ser a que tiacutenhamos acabado de ler
ou uma das que estavam no varal Trecircs crianccedilas natildeo quiseram realizar a tarefa Dentre elas
dois meninos e uma menina Apesar disso pegaram os livros para folhear Dos 11 desenhos
entregues apenas dois representaram um livro de temaacutetica eacutetnica ldquoO Cabelo de Lelecircrdquo Os
demais foram representaccedilotildees de ldquoTrecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoChapeuzinho
Vermelhordquo Em um dos desenhos havia 2 personagens que a estudante identificou como
Joatildeo e Maria e um terceiro personagem com feiccedilatildeo de mal identificado como ruim
Quando perguntamos quem era o personagem a estudante apontou para o livro ldquoChuva
de mangardquo que tem na capa um menininho negro
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (idade entre 5 e 6 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje demos continuidade agrave oficina de preferecircncia literaacuteria a partir dos livros que compotildee o acervo da escola Assim como realizado com a turma do Preacute-escolar I exibimos 12 livros sendo metade deles com a temaacutetica
44
eacutetnico-racial e a outra com os contos europeus Cabe ressaltar que na escola haacute pouca literatura com a temaacutetica eacutetnico-racial que atenda agrave faixa-etaacuteria do Preacute-escolar Neste sentido dois dos livros exibidos para os alunos estavam para aleacutem da faixa etaacuteria das crianccedilas Natildeo obstante a escolha por eles deveu-se aos nomes e ilustraccedilotildees da capa serem bem sugestivas Pensamos que poderiam aguccedilar a curiosidade das crianccedilas E foi o que aconteceu A turma possui um total de 18 alunos Neste dia estavam presentes apenas 12 O horaacuterio escolhido para as atividades foi o de 10h agraves 11h Este foi escolhido a partir de negociaccedilatildeo com a professora regente visto a sua solicitaccedilatildeo No entanto temos percebido grande necessidade de rever o horaacuterio da aula realizando-a no primeiro tempo pois entendemos que no iniacutecio do dia o aproveitamento da atividade eacute maior
Importante salientar que ao iniciarmos a pesquisa de campo nos deparamos com
diferentes limitaccedilotildees inclusive estruturais que consideramos relevantes evidenciar neste
trabalho No mecircs de agosto de 2015 a escola passou por obras em todo o preacutedio pois o
telhado desmoronou durante o recesso escolar Para natildeo haver prejuiacutezos nas atividades
escolares e natildeo deixar lacunas no calendaacuterio letivo foi decido que as aulas prosseguiriam
e a gestora improvisou duas ldquosalas de aulardquo dentro da biblioteca31 localizada em uma
estrutura anexa ao preacutedio em reforma Contamos tambeacutem com o quintal da escola onde
foi improvisado um espaccedilo com carteiras e quadro Vale ressaltar que a associaccedilatildeo de
moradores cedeu o espaccedilo para as aulas de 2 turmas do turno da manhatilde Identificamos
assim que haacute uma boa relaccedilatildeo da escola com a comunidade e que a gestora juntamente
com sua equipe buscou soluccedilotildees para os problemas
Com todos esses acontecimentos na escola os momentos para o trabalho com as
crianccedilas ficaram um pouco limitados tendo em vista a necessidade de reestruturaccedilatildeo dos
tempos e espaccedilos da escola e assim a adaptaccedilatildeo dos estudantes A turma do Preacute-escolar
II da manhatilde ficou um pouco prejudicada na atividade de leitura pois com a mudanccedila da
rotina ao final do dia as crianccedilas estavam bastante agitadas dificultando a realizaccedilatildeo de
nossa proposta No horaacuterio da tarde quando realizamos a atividade com o Preacute-escolar I o
horaacuterio era mais flexiacutevel pois a escola possuiacutea apenas 3 turmas
Intencionaacutevamos no primeiro momento realizar uma sensibilizaccedilatildeo para as
literaturas expostas para em seguida identificar as preferecircncias das crianccedilas Em um
segundo momento contariacuteamos a histoacuteria escolhida e depois iriacuteamos sugerir ilustraccedilotildees
31 Temos em nossa escola uma biblioteca comunitaacuteria que faz parte de iniciativas de organizaccedilotildees natildeo governamentais das seguintes instituiccedilotildees Instituto Ecofuturo e ONG Aacutegua Doce
45
que representassem a histoacuteria narrada No entanto o curto tempo inviabilizou estas accedilotildees
Apesar disso coletamos as preferecircncias dos estudantes acerca das literaturas Como jaacute
sinalizado anteriormente expusemos as 12 obras Das obras relacionadas agrave relaccedilotildees
eacutetnico-raciais apenas uma chamou atenccedilatildeo dos alunos talvez pela capa e pelo nome
sugestivo ldquoBichos da Aacutefricardquo Nenhuma das obras era conhecida pelos alunos Ao contraacuterio
dos claacutessicos onde se destacou a histoacuteria dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II Fonte Daise dos Santos Pereira
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar II
Tendo em vista o interesse dos estudantes pela obra dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo a escolhemos como tema central para guiar nossa atividade de hoje que visa identificar a percepccedilatildeo que as crianccedilas trazem do negro Eacute sabido que toda accedilatildeo educativa eacute potencializada quando os conhecimentos e interesses preacutevios dos estudantes satildeo reconhecidos para integrar as atividades cotidianas Segundo a Sociologia da Infacircncia o coletivo deve exercer uma grande importacircncia no cotidiano escolar e sendo a crianccedila um ator social eacute preciso considerar que ela estaacute a todo momento negociando compartilhando e criando cultura com os adultos e entre seus pares A atividade transcorreu inicialmente com a contaccedilatildeo
46
da histoacuteria Havia na turma 9 alunos sendo que apenas 7 participaram da atividade pois 2 estudantes precisaram ir embora mais cedo devido a conduccedilatildeo32 Propositalmente invertemos as cores dos personagens os porquinhos que no geral se apresentam nas cores rosa ou branco foram representados em marrom O lobo que tendencialmente eacute preto ou marrom foi apresentado como branco Tal provocaccedilatildeo baseou-se em uma ideia construiacuteda ao longo da histoacuteria de que o negro seria a origem de todo o mal E assim queriacuteamos realizar uma ruptura com o padratildeo ldquobranco divinizado x negro endemoniadordquo Tambeacutem intencionaacutevamos perceber se haveria algum impacto na percepccedilatildeo das crianccedilas (Narrativa registrada no meu caderno de campo dia 18082015)
Optamos por contar a histoacuteria usando nossas taacuteticas de praticantes do cotidiano
(CERTEAU 1994) Assim confeccionamos um avental temaacutetico com fantoches para
narrarmos a histoacuteria dos Trecircs Porquinhos
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tivemos a participaccedilatildeo direta de todos os discentes ao longo da narrativa Estavam
atentos a cada movimento Ao final do enredo os estudantes disseram a claacutessica frase ldquoE
eles viveram felizes para semprerdquo
Interrompi-os dizendo que a histoacuteria ainda natildeo tinha acabado Contei-lhes que havia
duas famiacutelias muito interessadas em adotar os dois porquinhos mais novos e que noacutes
32 O ocircnibus nesta regiatildeo passa de hora em hora Precisamos alterar o horaacuterio das aulas em virtude dos estudantes terem que sair meia hora antes do teacutermino das oficinas
47
teriacuteamos uma tarefa muito importante escolher qual seria a famiacutelia ldquomais legalrdquo para
adotar os dois porquinhos
As imagens construiacutedas para representar as duas famiacutelias eram com as seguintes
caracteriacutesticas a primeira famiacutelia sendo branca com olhos azuis de cabelos lisos com pai
matildee e um casal de filhos pequenos Enquanto a segunda famiacutelia era representada por
pessoas negras com avoacute avocirc pai matildee e um casal de filhos pequenos Assim expusemos
os dois cartazes cada um com um retrato da famiacutelia e uma casa representando o lar de
tijolos com o tiacutetulo Famiacutelia legal
Cada crianccedila recebeu uma ficha com o seu respectivo nome para colocar no cartaz
conforme fosse solicitado As perguntas que dinamizaram as escolhas foram ldquoQual eacute a
famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Tivemos muito cuidado
para natildeo influenciar na opiniatildeo deles com as nossas falas
Chamamos entatildeo a primeira aluna dentre os sete que estavam participando da
aula Perguntamos sobre sua escolha prontamente respondeu que a famiacutelia era legal
porque era da mesma cor dos porquinhos e tambeacutem igual a ela Fomos chamando os
demais que escolheram a famiacutelia branca Todos responderam que aquela era a famiacutelia mais
legal pois pareciam com eles ndash os estudantes ndash que eram brancos Dentre os cinco que
deram esta resposta trecircs foram bastante expressivos respondendo prontamente sem
hesitar
O uacuteltimo aluno a realizar a escolha optou pela famiacutelia afro-brasileira Respondeu que
a famiacutelia era legal porque era igual a ele e ao ldquoporquinho pretinhordquo Foi uma resposta
surpreendente pois ateacute entatildeo em atividades anteriores os indiacutecios apresentados por esse
estudante eram de distanciamento da figura do negro
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo A escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar I
A turma do Preacute-escolar composta inicialmente por 18 estudantes natildeo estava completa Contamos nesse dia com apenas 14 alunos A dinacircmica foi a mesma realizada com a turma do ldquoPreacute IIrdquo e no primeiro momento das aulas Escolhemos o enredo dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo tendo em vista que este conto tambeacutem faz parte do repertoacuterio de preferecircncias literaacuterias dos estudantes Iniciamos a contaccedilatildeo de histoacuteria a partir de fantoches
48
como jaacute sinalizado anteriormente A inversatildeo das cores dos personagens natildeo provocou nenhum comentaacuterio por parte dos estudantes Durante todo enredo os estudantes se colocaram atentos e participativos a cada provocaccedilatildeo Quando foram chamados a realizar a tarefa de escolher as famiacutelias para adoccedilatildeo dos 2 porquinhos prontamente pegaram as fichas com seus nomes Vale ressaltar que estas crianccedilas jaacute fazem o reconhecimento de seus nomes e tambeacutem de seus colegas agrave exceccedilatildeo de uma estudante A cada crianccedila escolhida para votar faziacuteamos o seguinte questionamento ldquoQual eacute a famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Timidamente as crianccedilas iam ateacute os cartazes e escolhiam as famiacutelias Como jaacute relatado eram dois modelos de famiacutelia uma branca e outra negra As primeiras escolhas foram para as famiacutelias brancas e as respostas quando questionadas sobre a razatildeo da escolha eram ldquoPorque simrdquo Ateacute o momento em que uma crianccedila negra votou na famiacutelia negra Mas natildeo quis dizer a razatildeo O resultado foi 9 crianccedilas escolheram a famiacutelia branca e 5 escolheram a famiacutelia negra Dentre as que escolheram a famiacutelia branca a maioria eu considero como crianccedila branca ou parda As crianccedilas que escolheram a famiacutelia negra satildeo identificadas como uma eacute negra e as demais pardas (Narrativa da oficina em meu caderno de campo dia 18082015)
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) Fonte Daise dos Santos Pereira
Essas oficinas iniciais abriram caminhos para que houvesse uma mudanccedila na cultura
escolar no sentido de tornaacute-la acolhedora agrave diversidade Elas revelaram a necessidade de
construccedilatildeo de um ambiente que provocasse a ruptura com as histoacuterias uacutenicas Aleacutem de
49
identificarmos a ausecircncia de imagens e materiais que evidenciassem a etnia de matriz afro-
brasileira no espaccedilo escolar identificamos que a maioria das crianccedilas natildeo se identificava
com sua origem eacutetnica
Cuidamos a partir de entatildeo para que os murais de nossa escola passassem a ter
personagens negros bem como brancos e indiacutegenas As estantes de nossas salas passaram
a ter natildeo soacute os contos claacutessicos europeus Outras histoacuterias passaram a fazer parte do acervo
das salas e os estudantes passaram a pedir para ouvir e contar histoacuterias protagonizadas por
afrodescendentes E elas agora compotildee o acervo particular das salas de aula33
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tambeacutem foi iniciado um projeto de incentivo agrave leitura onde os estudantes do Preacute-
escolar levavam para as suas casas semanalmente livros da temaacutetica eacutetnico-racial
(indiacutegena e africana) Para que esse projeto acontecesse houve a necessidade de descobrir
aonde estavam essas literaturas
33 Obras mais solicitadas pelos estudantes Cadecirc (Graccedila Lima) Abareacute (Graccedila Lima) O Senhor da Histoacuterias (Wellington Srbek) O Cabelo de Lelecirc (Valeacuteria Beleacutem) A menina e o tambor (Mariacircngela Haddad) Menina bonita do laccedilo de fita (Ana Maria Machado) e as lendas do Baobaacute e a da Mirindiba
50
Com a colaboraccedilatildeo da funcionaacuteria da biblioteca da escola e da bolsista de extensatildeo
achamos 39 livros da temaacutetica procurada alguns catalogados e outros natildeo Havia mais
livros infanto-juvenis do que infantis34 para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar
Apoacutes esses achados decidimos elaborar um cataacutelogo35 com as obras eacutetnicas para
potencializar as nossas accedilotildees e viabilizar o contato dos docentes da escola com essas
literaturas
As accedilotildees proporcionaram resultados positivos desde o iniacutecio da pesquisa Pudemos
perceber o fortalecimento das identidades dos estudantes negros o respeito e o diaacutelogo
com a diversidade quando os estudantes em sua maioria passaram a optar por enredos
protagonizados por crianccedilas mulheres e homens afrodescendentes A parceria com as
famiacutelias tambeacutem foi fundamental nesse processo que para aleacutem de contribuir para o
rompimento com as histoacuterias uacutenicas ajudou na formaccedilatildeo de sujeitos leitores responsaacuteveis
e cuidadosos com os livros que carregavam e que teriam que retornar na semana seguinte
para dar continuidade aos empreacutestimos36
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas Fonte Arquivo pessoal da autora
34 Esse problema nos levou a confeccionar alguns livros infantis Estes foram baixados na internet e podem ser encontrados na paacutegina do projeto de extensatildeo 35 Esse cataacutelogo foi um primeiro produto gerado pelo projeto e estaacute disponiacutevel em httpswwwfacebook comoensinodasrelacoesetnicoraciaisartesdefazerphotostab=albumampalbum_id=1561437514148129 36 Dispuacutenhamos de 8 livros infantis para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar Cada turma ficou com 4 livros que semanalmente contemplavam 4 estudantes
51
Nesse primeiro momento para aleacutem de construir uma cultura inclusiva (BOOTH e
AISCOW 2011) no ambiente escolar estaacutevamos buscando alcanccedilar a todos familiares
estudantes e professores
43 OFICINA 3 - CONHECENDO MARIA A MENINA QUE VEIO DO CONGO
A histoacuteria que vocecircs iratildeo ouvir aconteceu haacute algum tempo quando as pessoas eram vendidas como coisas e obrigadas a servir os mais fortes como escravos37 Nossa personagem principal eacute a menina Maria que nasceu no Continente Africano em um paiacutes chamado Congo Maria nasceu em 1792 Ela sua famiacutelia e seus amigos foram trazidos para o Brasil pelos portugueses para trabalharem pesado Maria e os demais africanos sofreram muito para chegar ao Brasil Na eacutepoca o uacutenico transporte que fazia longas viagens era o navio E o que transportava os africanos chamava-se navio negreiro Os navios atravessavam o oceano atlacircntico e isso durava meses de muito sofrimento Quem mais sofria nessa viagem eram as crianccedilas pois natildeo tinham o que comer beber vestir dormir e brincar Elas choravam assustadas ao ver tanta dor e sofrimento As matildees faziam de tudo para diminuir aquela dor e trazer um pouco de alegria para seus filhos Sabendo que Maria gostava muito de bonecas a matildee dela resolveu cortar pedaccedilos de sua roupa para fazer uma boneca para ela A matildee de Maria e outras mulheres em um gesto de amor rasgam suas roupas com as proacuteprias matildeos e fazem bonecas muito especiais chamadas Abayomi Satildeo pequenas bonecas negras feitas de pano e sem costura apenas com noacutes ou tranccedilas A palavra abayomi tem origem no Iorubaacute e significa aquele que traz felicidade ou alegria Sabemos que o ato de rasgar as roupas com suas proacuteprias unhas representa um grande gesto de amor de uma matildee que quer ver seu filho feliz A matildee de Maria estava dando o que ela tinha de melhor as suas vestes Dar uma boneca Abayomi a algueacutem eacute um ato de carinho e nobreza Desde esse dia Maria guardou com muito cuidado e carinho o presente de sua matildee Quando em 1804 chegou ao Brasil aos 12 anos ela carregava sua boneca no colo Infelizmente foi separada de sua famiacutelia e vendida para um senhor de engenho em Salvador Aos 18 anos foi transferida para o Rio de Janeiro E com 24 chegou no Porto de Piedade em Mageacute Cidade onde construiu um linda histoacuteria mas que poucos tiveram o privileacutegio de conhecer Vamos assim como Maria confeccionar uma abayomi e presentear a quem noacutes amamos38
37 Importante ressaltar que os negros natildeo nasceram escravos A expressatildeo escravizados marca um processo de pessoas que sofreram com a escravidatildeo Jaacute a expressatildeo escravo remete a condiccedilatildeo de quem foi considerado como uma simples mercadoria 38 Releitura da histoacuteria da boneca Abayomi resignificada a partir da biografia da liacuteder quilombola mageense Maria Conga Esta narrativa foi construiacuteda por mim a fim compor a oficina de contaccedilatildeo de histoacuterias
52
A narrativa acima abre a oficina que resgatou a histoacuteria da liacuteder quilombola mageense
Maria Conga39
Maria Conga nasceu no Continente africano no ano de 1792 Veio para o Brasil pilhada junto com seus pais e irmatildeos por volta de 1804 Ganhou a liberdade apoacutes 11 anos de trabalho e logo foi alforriada por volta do ano 1854 Aos 35 anos de idade assumiu o compromisso de lutar pela liberdade e dignidade de sua raccedila Dela ficou a lembranccedila de que nunca a viu chorar Contavam que foi estuprada pelo senhor de engenho e que ele tinha tomado seu corpo poreacutem natildeo a sua alma Mulher de luta mulher guerreira Maria fez histoacuteria no municiacutepio de Mageacute A partir de sua alforria Maria iniciou sua trajetoacuteria como lideranccedila deste quilombo Recebendo aqui os escravos fugidos de diversas outras comunidade e fazendas que jaacute conheciam ou ouviram falar da mulher que Maria era e representava para todos eles Aqui Maria vivia com orgulho Aqui Maria mulher negra escrava guerreira alforriada protegia seus irmatildeos e os acolhia Aqui morreu Maria Maria Guerreira Que veio do Congo Orgulho de ser Quilombola40
Esta oficina foi dividida em duas partes em um primeiro momento foi realizada a
contaccedilatildeo de histoacuteria para os pais e estudantes das duas turmas de Educaccedilatildeo Infantil (Preacute-
escolar I e II)41 e no segundo momento foi realizada a confecccedilatildeo de bonecas abayomis
onde as matildees tias avoacutes e irmatildes dos estudantes agrave moda das negras confeccionaram
bonecas com apenas alguns pedaccedilos de pano para a diversatildeo de suas crianccedilas
Os fios condutores da elaboraccedilatildeo desta oficina foram alguns dos valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e femininos representados pela oralidade ludicidade memoacuteria
cooperativismo e ancestralidade Evidenciar a histoacuteria de uma mulher quilombola que eacute
hoje esquecidadesconhecida em sua proacutepria ldquoaldeiardquo por meio desses valores foi o
objetivo desta oficina
Esta pesquisa com os atores sociais de uma escola no Municiacutepio de Mageacute natildeo estaria
completa sem o descortinar das memoacuterias da ancestral negra pobre e guerreira que lutou
ateacute o fim da vida pelos seus representando para noacutes uma heroiacutena a contrapelo
Certamente as relaccedilotildees de poder que classificam excluem e segregam fizeram questatildeo de
39 Maria Conga foi reconhecida no ano de 1988 (centenaacuterio da Aboliccedilatildeo da escravatura) heroiacutena negra mageense No ano de 2007 o quilombo por onde passou torna-se reconhecido por seu valor histoacuterico pela Fundaccedilatildeo Palmares 40 Narrativa do documentaacuterio Maria Conga Orgulho de ser Quilombola Disponiacutevel em lthttpcinemina pontodevisaoblogspotcombrgt Consultado em 06042016 41 Esta oficina foi realizada nas duas turmas tendo duraccedilatildeo de 1h30 minutos
53
submergir a imagem desta personalidade por meio do racismo e preconceito42 Natildeo
obstante enquanto professora-pesquisadora mageense e sensiacutevel aos silenciamentos
acerca do passado e dos heroacuteis que a histoacuteria oficial natildeo privilegia eacute que me movo em
direccedilatildeo agraves praacuteticas inclusivas que propotildeem um olhar diferenciado para o outro da
diversidade
Entendemos que para ser universal eacute preciso comeccedilar pintando a proacutepria aldeia De
fato os primeiros traccedilos de uma educaccedilatildeo inclusiva para a diversidade comeccedilaratildeo a ganhar
nuances quando em nossas praacuteticas cotidianas rompermos com a educaccedilatildeo monocultural
machista e reducionista que o sistema educacional nos impotildee Quando o professor
compreender que seu saber eacute poder suas ldquoartes de fazerrdquo (CERTEAU 1994) o levaratildeo a
ldquoaldeiasrdquo ateacute entatildeo inimaginaacuteveis
Portanto reforccedilo que urge o rompimento de praacuteticas educativas excludentes que
marginalizam as histoacuterias locais e de seus heroacuteis e heroiacutenas sejam brancos negros ou
indiacutegenas Os nossos estudantes tecircm o direito de ouvir e contar outras histoacuterias histoacuterias
de seu povo de um passado que ainda sobrevive nos seus modos de falar agir danccedilar
sorrir e brincar
A proposta pensada inicialmente era a contaccedilatildeo de histoacuteria para os estudantes
seguida da confecccedilatildeo das bonecas abayomis com o auxiacutelio da professora regente e da
bolsista de extensatildeo No entanto apoacutes reflexotildees sobre os proacuteprios valores da cultura afro-
brasileira e tambeacutem sobre a necessidade de tornar conhecida ndash em maior extensatildeo ndash a
histoacuteria de uma heroiacutena negra mageense talvez nunca antes contada nas escolas de Mageacute
decidimos convidar as matildees avoacutes tias e irmatildes para participarem desse momento
Reconhecendo a potecircncia da accedilatildeo coletiva na educaccedilatildeo da crianccedila e recordando o
valores civilizatoacuterios afro-brasileiro do cooperativismo memoacuteria e ludicidade iniciamos a
dinamizaccedilatildeo da histoacuteria para tornar conhecida a vida da menina Maria que veio do Congo
A oralidade por meio da contaccedilatildeo de histoacuteria nos permitiu compartilhar saberes e
ao passo que eu a narrava sabia que natildeo estava soacute pois os olhares que se voltavam para
mim estavam afetados de algo que chamo de Ubuntu filosofia africana que diz que ldquoeu sou
porque noacutes somosrdquo
42 A figura de Maria Conga eacute na religiatildeo de matriz afro-brasileira (Umbanda) considerada como uma entidade espiritual
54
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) Fonte Arquivo pessoal da autora
Ao longo do enredo a fala vinha acompanhada de imagens43 do artista francecircs Jean-
Baptiste Debret do pintor alematildeo Johann Moritz Rugendas e do fotoacutegrafo franco-brasileiro
Marc Ferrez Estes representaram o sofrimento de nossos ancestrais no Navio Negreiro e
as relaccedilotildees crueacuteis estabelecidas entre os senhores brancos e os africanos escravizados Ao
longo da narrativa era possiacutevel perceber os olhares atentos para a vida daquela Maria
Esta que era uma deles e eles naquele momento jaacute faziam parte dela Ao final uma matildee
surpreendida com a histoacuteria disse ter gostado do que ouviu e lamentou natildeo a ter
aprendido no tempo em que esteve na escola
Estaacutevamos formando pessoas que contariam essa histoacuteria para as futuras geraccedilotildees
Essa experiecircncia nos provocou a pensar na importacircncia de extrapolar os muros da escola
de modo que todos sejam afetados e assim afetem outras consciecircncias De certo que
concordamos com a sabedoria dos povos indiacutegenas e africanos quando afirmam que ldquoeacute
preciso uma aldeia inteira para educar uma crianccedilardquo
43 No iniacutecio do seacuteculo XIX Jean-Baptiste Debret retratou o cotidiano dos senhores e dos escravizados em uma das missotildees artiacutesticas francesas pelo Brasil O alematildeo Johann Moritz Rugendas pintou os povos e costumes que encontrou durante suas viagens pelo Brasil no periacuteodo de 1822 a 1825 Marc Ferrez (1843-1923) foi um fotoacutegrafo que retratou cenas do Impeacuterio e iniacutecio da Repuacuteblica (1865 e 1918) Seu trabalho eacute um dos mais importantes legados visuais daquelas eacutepocas Todas as imagens utilizadas na oficina estatildeo no anexo 722
55
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso
ldquoVou te contar os olhos jaacute natildeo podem ver rdquo (Tom Jobim)
Imaginemos um povo arrancado brutalmente de sua terra que atravessou o Atlacircntico em tumbeiros escravizado humilhado mas que natildeo perdeu a capacidade de sorrir de brincar de jogar de danccedilar e assim conseguiu marcar a cultura de um paiacutes com este profundo desejo de viver e ser feliz Isso resume a ludicidade na perspectiva a favor da vida da humanidade da sobrevivecircncia A alegria frente ao real ao concreto ao aqui e ao agora da vida (Ludicidade Da Cor da Cultura)44
Abayomi que na liacutengua Iorubaacute representa encontro precioso (Abay ndash encontro Omi
ndash precioso) eacute feita de pano (podendo ser retalhos) noacutes e sem qualquer costura Natildeo possui
nariz boca olhos e orelhas justamente para representar os vaacuterios povos de diferentes
civilizaccedilotildees e reinos que aqui chegaram Confeccionar uma boneca Abayomi eacute ir ao
encontro de sentimentos bons e nobres de uma gente que sabe que soacute vai ser feliz quem
viver para fazer da existecircncia do outro mais leve mais livre e mais fecunda
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
44 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
56
Apoacutes a confecccedilatildeo da boneca com a ajuda das mulheres (matildees avoacutes tias e irmatildes) que
ali estavam e de noacutes professoras e bolsista ficou acordado com elas que dessem a boneca
de presente para seus filhos da mesma maneira que evidencia a histoacuteria Contudo aquelas
crianccedilas que por ventura natildeo tiveram a presenccedila de seus responsaacuteveis fariam o inverso
Assim ao chegar em casa contariam para sua famiacutelia a histoacuteria presenteando algueacutem da
famiacutelia com a boneca
Em seguida permitimos que os estudantes45 brincassem entre si de modo que fosse
um momento de folga pausa e relaxamento criteacuterios entendidos como fundamentais na
constituiccedilatildeo do brincar segundo as Diretrizes Curriculares para a Educaccedilatildeo Infantil
(DCNEI46)
Na brincadeira eacute possiacutevel perceber os modos de representaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da
crianccedila por meio da linguagem do pensamento das accedilotildees Desse modo eacute evidenciado
uma caracteriacutestica muito proacutepria da crianccedila a sua identidade enquanto produtora de
cultura Ela natildeo apenas reproduz comportamentos sociais como tambeacutem os reinventa de
maneira criativa e singular
Em um dado momento da interaccedilatildeo percebi que os meninos estavam bastante
eufoacutericos com aquele artefato Me aproximei afim de entender as relaccedilotildees que estavam
sendo estabelecidas Certamente influenciada pelos estereoacutetipos de gecircnero acreditei que
fosse ter conflitos entre os meninos ao propor a confecccedilatildeo de bonecas Me surpreendi
com o modo que eles burlaram o sistema de regras socialmente construiacutedas onde
esperamos coisas diferentes de meninos e meninas (SILVA 2007 p 92)
Ao me aproximar desses atores provoquei-os questionando sobre os nomes que
dariam para suas bonecas O primeiro estudante titubeou em responder enquanto os
colegas gritavam vaacuterios nomes dentre eles Ana Mas o que agradou foi Emanuele Logo os
proacuteximos estudantes afirmaram natildeo se tratar de uma boneca mas um boneco e
escolheram os seguintes nomes Silvio Santos Ratinho Moiseacutes Aaratildeo Estes dois uacuteltimos
segundo eles eram por causa da novela ldquoOs dez mandamentosrdquo47 Alguns apontaram para
as roupas (eram vestidos e saias) demonstrando sua semelhanccedila com os personagens
45 A partir desse momento estaremos fazendo menccedilatildeo aos estudantes do Preacute-escolar II 46 Definidas pela Resoluccedilatildeo CNECEB ndeg 5 de 17 de dezembro de 2009 47Os Dez Mandamentos eacute uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Record Escrita por Vivian de Oliveira e com direccedilatildeo geral de Alexandre Avancini Eacute uma adaptaccedilatildeo de quatro dos livros que compotildeem a Biacuteblia Ecircxodo Leviacutetico Nuacutemeros e Deuteronocircmio
57
biacuteblicos do antigo testamento A imaginaccedilatildeo e a criatividade dos estudantes transformaram
suas bonecas em personagens outros nos levando a refletir sobre o fato de que ao brincar
a crianccedila se apropria de elementos do meio sociocultural de origem (DELGADO MULLER
2005 p 163)
Neste instante pude compreender na relaccedilatildeo com a cultura infantil a reproduccedilatildeo
interpretativa na empiria e o quanto o diaacutelogo entre os pares (crianccedilas) revela os interesses
e saberes para os que estatildeo no entorno Ao relacionarem a boneca a algo que lhes eacute
familiar os estudantes estatildeo reproduzindo a cultura em que vivem fazendo uso da
imitaccedilatildeo de modo criativo e prazeroso A respeito do prazer concordamos com Gomes
(2008) quando afirma
As crianccedilas natildeo adiam o prazer ao contraacuterio buscam-no nas suas brincadeiras e nos jogos e para isso utilizam as brechas modificam e rompem ndash ainda que momentaneamente ndash com os gostos as crenccedilas as regras e os valores culturais Assim elas vivenciam as regras e tecircm experiecircncias imediatas diversas e uacutenicas que alteram e destroem as
significaccedilotildees da vida cotidiana (p 187)
Diante do exposto eacute possiacutevel afirmar que o cotidiano da Educaccedilatildeo Infantil estaacute
repleto de desafios que precisam ser evidenciados E mesmo sendo este trabalho de
pesquisa voltado para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais dentro da perspectiva da
diversidade e da inclusatildeo se faz importante dar atenccedilatildeo agraves praacuteticas sexistas tatildeo comuns na
escola que limitam a percepccedilatildeo da pluralidade humana
Nossa experiecircncia com essa oficina nos levou a reafirmar que a crianccedila eacute capaz de
burlar a visatildeo monoliacutetica e reprodutivista da educaccedilatildeo quando na relaccedilatildeo com o outro eacute
permitido o exerciacutecio pleno de sua imaginaccedilatildeo curiosidade e criatividade
44 OFICINA 4 - UMA SENSIBILIZACcedilAtildeO PARA A PEDAGOGIA GRIOcirc
A fala a palavra dita ou silenciada ouvida ou pronunciada ndash ou mesmo segregada ndash tem uma carga de poder muito grande Pelana oralidade os saberes poderes quereres satildeo transmitidos compartilhados legitimados Se a fala eacute valorizada a escuta tambeacutem eacute O conto a lenda a histoacuteria a muacutesica o dito o natildeo dito o fuxico A palavra carrega uma grande e poderosa carga afetiva (Oralidade ndash A Cor da Cultura48)
48 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
58
Esta quarta oficina foi dividida em dois periacuteodos distintos que compreenderam a
contaccedilatildeo de histoacuteria por parte das avoacutes agraves quais chamamos de griocirctes e um segundo
momento que foi a representaccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos estudantes do Preacute-escolar
I e II por meio de massinha de modelar para que em uma fase posterior tais produccedilotildees se
transformassem em um viacutedeo animado para ser compartilhado na rede social49
Tendo em vista que cada oficina dura cerca de 50 minutos a 1h e que acontece uma
vez por semana precisamos de trecircs semanas para concluir com os estudantes a
representaccedilatildeo das histoacuterias que ouviram Ao todo as etapas desta 4ordf oficina
compreenderam um mecircs de duraccedilatildeo nas duas turmas que denominarei de Turma A e
Turma B A seguir descrevo as potencialidades dessas accedilotildees
Ao reconhecer a fecundidade da palavra ndash dita cantada silenciada ndash na construccedilatildeo
de um indiviacuteduo trazemos para esta oficina uma accedilatildeo que buscou valorizar os aspectos da
tradiccedilatildeo oral uma vez que vivemos em uma sociedade hierarquicamente grafocecircntrica
Importante sinalizar que o caraacuteter letrado da escola natildeo lhe confere status de democraacutetica
no acesso aos bens culturais ndash sobretudo aos bens imateriais ndash uma vez que os saberes
reconhecidos estatildeo limitados aos conhecimentos cientiacuteficos produzidos por um
determinado grupo
Entendemos que os saberes da experiecircncia dos atores da comunidade satildeo tatildeo
importantes quanto os conhecimentos cientiacuteficos que permeiam a loacutegica da escola Por
esse motivo esta oficina objetivou vincular os saberesfazeres dos idosos (avoacutes dos
estudantes) da comunidade com as vivecircncias cotidianas da praacutetica escolar Eacute sabido que
quanto mais proacutexima a comunidade estiver da escola mais potente se torna o processo de
ensino aprendizagem A sabedoria africana que jaacute mencionamos de que eacute preciso toda
uma aldeia para educar uma crianccedila ganha forccedila e legitimidade em nossas accedilotildees que
prezam pela coletividade e cooperativismo
Assim conduzidos principalmente pela perspectiva dialoacutegica onde o conhecimento
se constroacutei pela interaccedilatildeo entre e com o outro abrimos as portas da escola para que novas
relaccedilotildees fossem estabelecidas Privilegiamos a figura da avoacute nesse momento por ela
representar uma personalidade que carrega histoacuterias de vida ricas de afetos sensibilidade
e memoacuterias que por vezes ficaram esquecidas no imaginaacuterio coletivo Aleacutem disso
49 O viacutedeo eacute encontrado na paacutegina do projeto httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnicoraciais artesdefazer
59
buscamos descontruir valores hierarquizados de nossa sociedade ndash fruto da loacutegica
ocidental ndash onde o idoso natildeo possui importacircncia social pois jaacute natildeo tem o vigor de outrora
para beneficiar o mercado capitalista com sua forccedila de trabalho Inevitavelmente essa
ideia se perpetua por diversas instituiccedilotildees sociais chegando agrave escola de maneira sutil
Contudo o nosso objetivo eacute romper com esses valores dominantes entatildeo legitimados e
propor novos olhares sobre os mais velhos que segundo a ancestralidade africana
possuem um saber-poder imbuiacutedo de um grande legado o de ter sido testemunha e
sobrevivente da histoacuteria
Desse modo nos apropriamos da Pedagogia Griocirc como um caminho metodoloacutegico
possiacutevel para construccedilatildeo de experiecircncias instituintes onde a vida eacute valorizada na sua
integralidade Tal pedagogia tem ligaccedilatildeo direta com a memoacuteria oralidade ancestralidade
dentre outros valores
Criada pela educadora Lilian Pacheco50 a Pedagogia Griocirc dialoga com metodologias
ativas como educaccedilatildeo biocecircntrica dialoacutegica educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais arte
educaccedilatildeo comunitaacuteria e educaccedilatildeo para a corporeidade A idealizadora desta proposta
vislumbrou romper com a loacutegica cientiacutefico instrumental da escola por meio da valorizaccedilatildeo
do patrimocircnio cultural brasileiro (danccedila contos lendas tradiccedilotildees) Ao evidenciar os
saberes tradicionais a partir da oralidade eacute dado a entender que o conhecimento natildeo eacute
propriedade de determinados grupos (letrados diga-se de passagem) tatildeo pouco estaacute
restrito aos livros
Com isso a figura do mestre griocirc ganha destaque De origem francesa a palavra griot
eacute traduzida para o portuguecircs ganhando as seguintes expressotildees griocircs (homens) e griocirctes
(mulheres) Segundo Pacheco (2006) os griocircs satildeo oriundos da regiatildeo do Mali51 paiacutes
colonizado por franceses A partir de uma reinvenccedilatildeo dos portugueses podemos entendecirc-
los como aqueles que gritavam em praccedila puacuteblica afim de tornar conhecida e jamais
esquecida suas memoacuterias tradiccedilotildees e ancestralidade Assim de maneira mais completa o
griocirc eacute entendido como
() todo(a) cidadatildeo(atilde) que se reconheccedila e seja reconhecido(a) pela sua proacutepria comunidade como herdeiro(a) dos saberes e fazeres da tradiccedilatildeo
50 Conceito criado pela educadora Lilian Pacheco coordenadora da ONG Gratildeos de Luz (LenccediloacuteisBA) Para outras informaccedilotildees consultar httpwwwacaogrioorgbr 51 Paiacutes situado ao Noroeste da Aacutefrica
60
oral e que atraveacutes do poder da palavra da oralidade da corporeidade e da vivecircncia dialoga aprende ensina e torna-se a memoacuteria viva e afetiva da tradiccedilatildeo oral transmitindo saberes e fazeres de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo garantindo a ancestralidade e identidade do seu povo52
Assim partindo da perspectiva do conceito de griocirc como universalizante por agregar
todos os segmentos de tradiccedilatildeo oral ndash muacutesicos rezadeiras cordelistas benzedeiras
poetas contadores de histoacuteria genealogistas dentre outros ndash nos apropriamos da
pedagogia que carrega princiacutepios da ancestralidade africana sob um vieacutes dialoacutegico com a
comunidade escolar Importante afirmar que um dos objetivos de nossa proposta de
pesquisa se justifica por entendermos que os conhecimentos da tradiccedilatildeo oral natildeo podem
se perder e que quando dialogados com a cultura escolar ndash que eacute fundamentalmente
escrita ndash ganham maiores significados para os atores da escola Portanto reconhecendo
que nossos atores sociais gritam silenciosamente em accedilotildees e omissotildees para serem
reconhecidos em suas subjetividades e nas suas histoacuterias de vida eacute que contamos histoacuterias
ateacute entatildeo nunca pronunciadas compartilhadas e sentidas naquele lugar do saber Entram
em cena as narradoras de Conceiccedilatildeo de Suruiacute nossas avoacutes nossas griocirctes
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II)
Taacute vendo essa estrada aiacute que vocecircs andam O pai o avocirc os tios de vocecircs que trabalharam na pedreira que ajudaram a construir Cada pedrinha que tem nessa estrada aiacute eacute do pai de vocecircs eacute do avoacute do Davi E vocecircs sabem porque eles trabalharam tanto Para fazer uma estrada boa para vocecircs andarem irem para o coleacutegio Quase todos os pais avoacutes tios de vocecircs trabalharam no calccedilamento da estrada Hoje quando chove ningueacutem tem que andar na lama (Vovoacute Ivete)
A narrativa acima eacute da avoacute de um estudante do Preacute-escolar II Dona Ivete assim como
eacute conhecida na regiatildeo tem 58 anos de idade e tem nanismo A escolha por ela ocorreu
porque estamos em um contexto onde a inclusatildeo da vida na sua diversidade deve ser uma
constante Por esse motivo foi com grande satisfaccedilatildeo que recebemos esta vovoacute que com
disponibilidade e afeto narrou memoacuterias de Conceiccedilatildeo de Suruiacute e de seus moradores de
uma maneira que muito nos surpreendeu
52 Informaccedilotildees disponiacuteveis na paacutegina da iniciativa Gratildeos de Luz e Griocirc ponto de cultura de onde iniciou a Pedagogia Griocirc httpwwwacaogrioorgbracao-grio-nacionalo-que-e-grio
61
Figura 7 A vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade Fonte Arquivo pessoal da autora
Vale destacar que natildeo houve um roteiro preacutevio porque nosso objetivo era que a vovoacute
nos fornecesse elementos de sua memoacuteria afetiva e tambeacutem optamos que o diaacutelogo com
as crianccedilas fosse o mais espontacircneo possiacutevel Dessa maneira ela inicia sua narrativa
remetendo agrave figura do neto enquanto algueacutem que tem histoacuterias a contar sobretudo
porque satildeo histoacuterias da comunidade que tecircm relaccedilatildeo direta com seus pais e avoacutes Assim
a vovoacute evidencia uma fase da histoacuteria que considera marcante natildeo soacute para ela mas para
todos daquela regiatildeo rural que foi a pavimentaccedilatildeo da estrada de Conceiccedilatildeo de Suruiacute Ao
passo que trazia os fatos descritos acima os estudantes dialogavam demonstrando
pertencimento ao que estava sendo dito sobretudo quando dizia a respeito da
participaccedilatildeo de suas famiacutelias na construccedilatildeo da estrada No processo ouvimos as seguintes
falas
ldquoMeu pai jaacute trabalhou na pedreira de carretardquo ldquoMinha avoacute falou que meu pai fez essas pedras pra colocar na ruardquo ldquoMeu avocirc trabalha na pedreira Ele coloca pedra nos caminhotildeesrdquo (Estudantes do Preacute II)
Nesse momento foi possiacutevel validar alguns dos objetivos da Pedagogia Griocirc dos
quais destacamos protagonismo dos sujeitos envolvidos que aqui evidenciamos o
62
protagonismo infantil e a criaccedilatildeo de viacutenculo afetivo com o passado com os
saberesfazeres da ancestralidade Mas esta pedagogia natildeo se limita agraves questotildees pontuadas
Para aleacutem delas eacute possiacutevel desenvolver habilidades e competecircncias que envolvem
corporeidade musicalidade religiosidade dentre outros aspectos
Para concluir evidenciamos que nossa griocircte a vovoacute Ivete parece entender bem o
poder da palavra compartilhada visto que atraiu a atenccedilatildeo de todos para si para suas
histoacuterias que tambeacutem eram as histoacuterias de vida daqueles estudantes Ficou entendido
naquele encontro que a regiatildeo em que vivem tem muitas memoacuterias que dialogam com o
presente E que os protagonistas satildeo os proacuteprios moradores da regiatildeo avoacutes pais tios
crianccedilas e adultos
Importante ressaltar que essa proposta buscou realizar um duplo movimento
empoderar quem conta a narrativa mas tambeacutem aquele que ouve Nessa troca dialoacutegica
eacute impossiacutevel natildeo trazer para a conversa o consagrado educador popular Paulo Freire
quando afirma que ldquoquem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprenderrdquo (FREIRE 2007 p 23)
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I)
E as histoacuterias natildeo podem parar
Quem reabre as janelas da histoacuteria que eacute continuidade da anterior eacute a dona Faacutetima
Ela eacute avoacute de uma estudante do Preacute-escolar II sempre morou na regiatildeo e tem 48 anos
Quando convidada para estar conosco compartilhando um pouco de suas memoacuterias dona
Faacutetima nos fez alguns questionamentos pois natildeo sabia por onde comeccedilar E um dos
motivos que a deixou insegura foi o fato de natildeo entender suas memoacuterias e da comunidade
onde cresceu como parte de uma histoacuteria que merece ser contada
Apoacutes algumas conversas dona Faacutetima parece ter entendido que em suas memoacuterias
poderiam ter aspectos importantes e interessantes E que desvelaacute-las seria uma
possibilidade de tornar conhecidos fatos marcantes da vida de uma comunidade que tem
sido desconsiderada ao longo do tempo Dessa maneira nossa griocircte de Conceiccedilatildeo de
Suruiacute pocircs-se a narrar suas vivecircncias mas natildeo soacute as dela fala tambeacutem de um grupo que
63
tem sobrevivido ao longo da histoacuteria por meio de muita luta por melhores condiccedilotildees de
vida E que hoje continua enfrentando desafios de vaacuterias ordens
Quando falamos que esta narrativa eacute continuidade da anterior natildeo eacute por acaso Vovoacute
Faacutetima traacutes para noacutes histoacuterias de trabalhadores da regiatildeo que transformaram suas
realidades a partir do trabalho Vovoacute Faacutetima relembra como foi sua infacircncia e juventude
naquela regiatildeo quando natildeo existia energia eleacutetrica nas ruas calccedilamento na estrada
transporte puacuteblico e estabelecimentos comerciais
ndash No meu tempo de crianccedila quando chovia as ruas ficavam cheias de lama com buracos Para sair de casa era muito difiacutecil Ocircnibus aqui nem sonhava em ter Natildeo tinha postes nas ruas Era uma escuridatildeo Hoje temos ruas iluminadas a estrada calccedilada e ocircnibus de hora em hora (Vovoacute Faacutetima)
A griocircte falava para duas turmas o Preacute-escolar II e o 1deg ano Enquanto narrava todos
estavam atentos e curiosos em descobrir o passado que eacute ao mesmo tempo tatildeo presente
em seus cotidianos visto que ainda haacute inuacutemeros problemas de infraestrutura baacutesica que
afetam diretamente a vida escolar daqueles estudantes Infelizmente o calccedilamento soacute
chegou na estrada principal As ruas que fazem ligaccedilatildeo com a estrada ficam em condiccedilotildees
precaacuterias quando chove aleacutem do transporte puacuteblico natildeo passar por elas E isso representa
um grande problema visto que alguns dos estudantes moram em lugares de difiacutecil acesso
tendo que andar mais de 2km para chegar na escola Um dos estudantes sinalizou que o
ocircnibus demora muito Tivemos que concordar pois satildeo poucos os coletivos que estatildeo
disponibilizados para rodar naquela aacuterea rural
Apoacutes suscitar reflexotildees acerca de questotildees estruturais do bairro as memoacuterias de
dona Faacutetima se encaminharam para uma outra importante fase da histoacuteria daquela regiatildeo
ao fazer menccedilatildeo ao engenho de farinha de mandioca que existe ali Para dialogar com ela
a vovoacute faz referecircncia a uma estudante do 1deg ano que eacute neta do responsaacutevel pelo engenho
A menina de 7 anos explica em detalhes para todos como eacute produzida a farinha de
mandioca mostrando-se sabedora daquele processo artesanal Todos escutaram
atentamente a brilhante narrativa da menina pois precisavam saber como eacute feito o
alimento que tanto gostam e que geralmente natildeo falta em seus lares a Farinha Suruiacute
64
Alimento este que nos finais de semana especiais se transforma em ldquofarofinha com
linguiccedila farofinha com ovordquo53
Nossa griocircte aos poucos foi se apropriando do seu lugar de fala reconhecendo-se
como sujeito histoacuterico que testemunhou fatos e sobrevive participando de novos
contextos com novos atores Oportunizar o (re)conhecimento de histoacuterias reais de vida no
diaacutelogo com o passado reconstroacutei um presente mais esperanccediloso com pessoas que se
enxergam enquanto atores de suas histoacuterias
Figura 8 A vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais Fonte Arquivo pessoal da autora
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias
Pudemos conhecer outras histoacuterias contadas pelos heroacuteis de Conceiccedilatildeo de Suruiacute na
oficina em que aproximamos as memoacuterias das avoacutes com a Pedagogia Griocirc Como sinalizado
anteriormente apoacutes esse momento com as avoacutes na semana seguinte os estudantes fariam
a representaccedilatildeo do que ouviram com uma atividade com massinhas de modelar O objetivo
53 Fala dos estudantes do Preacute-escolar I quando questionados sobre o que faziam com a farinha
65
dessa fase foi a releitura das narrativas de maneira criativa e prazerosa ao utilizar um
recurso pedagoacutegico que eacute parte da rotina escolar de crianccedilas pequenas
E com isso a partir da mediaccedilatildeo buscamos enriquecer os sentidos do estica enrola
amassa movimentos tatildeo comuns quando a crianccedila faz uso da massa de modelar mas que
satildeo caminhos para o desenvolvimento de inuacutemeras competecircncias nessa fase inicial de
escolarizaccedilatildeo54 Dentre as vaacuterias habilidades trabalhadas com o uso da massinha podemos
citar a motora a sensorial a olfativa e a visual
Concluiacuteda essa atividade luacutedica fotografamos suas produccedilotildees e registramos algumas
falas no caderno de campo para que junto das narrativas da griocirctes pudeacutessemos produzir
um pequeno viacutedeo para ser divulgado em miacutedias digitais Com esta proposta vislumbramos
dar um novo sentido aos saberesfazeres que encontramos na Educaccedilatildeo Infantil como
tambeacutem apontar caminhos para o uso das miacutedias digitais enquanto artefato tecnoloacutegico a
favor da praacutetica docente
45 OFICINA 5 - MUSICALIDADE E AS ldquoARTES DE FAZERrdquo
Inicialmente chamamos para a conversa o historiador francecircs Michel de Certeau
(1994) ao utilizarmos a expressatildeo ldquoas lsquoartesrsquo de fazerrdquo que segundo o autor satildeo taacuteticas
criativas que os praticantes do cotidiano ao se apropriarem dos tempos-espaccedilos vatildeo
criando
O trabalho com a linguagem musical eacute um desafio por se tratar de um campo de
conhecimento rico em sensibilidade poeacutetica percepccedilatildeo experimentaccedilatildeo criaccedilatildeo e
reflexatildeo Mesmo assim ainda eacute pouco explorado Consideramos que o seu
aprofundamento eacute potencialmente capaz de promover reflexotildees e apropriaccedilotildees reflexivas
pelos praticantes do cotidiano de forma que sejam estimulados a criarem suas ldquoartes de
fazerrdquo
Descobri no meu dia a dia uma maneira de compartilhar saberes de forma luacutedica
prazerosa criativa e reflexiva com estudantes da Educaccedilatildeo Infantil Apostando na
musicalidade como um valor civilizatoacuterio afro-brasileiro realizei oficinas que foram
54 Esse termo deve ser entendido no sentido de proporcionar agrave crianccedila o amparo necessaacuterio para seu desenvolvimento integral e natildeo a escolarizaccedilatildeo precoce
66
divididas em etapas das quais identifico como sensibilizaccedilatildeo da muacutesica escolha do
repertoacuterio e reinvenccedilatildeo musical apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais confecccedilatildeo de
objetos sonoros gravaccedilatildeo do repertoacuterio e compartilhamento do mesmo Todas essas
etapas foram realizadas com as turmas de Preacute-escolar I e II e tiveram duraccedilatildeo de 5 semanas
considerando que para cada encontro foram usados 50 minutos de aula uma vez por
semana
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica
4511 Preacute-escolar II
A proposta inicialmente foi apresentar aos estudantes trecircs cantigas populares com
as quais eles iriam interagir e refletir sobre a letra a partir da mediaccedilatildeo docente Vale
ressaltar que durante as etapas a participaccedilatildeo da professora regente foi fundamental para
a consolidaccedilatildeo das accedilotildees visto que para cada oficina dispusemos apenas de 50 minutos
semanais Vale destacar que em grande parte dessas oficinas a professora regente
participou durante e posteriormente consolidando alguns conhecimentos como a
apropriaccedilatildeo da letra da muacutesica
As muacutesicas apresentadas foram ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de Joacuterdquo55
Iniciamos a escuta das muacutesicas e frisei que teriacuteamos de escolher a que fosse mais legal para
gravarmos A primeira foi ldquoNa Bahia temrdquo cantiga do folclore brasileiro
Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem
Na Bahia tem vou mandar buscar Lampiatildeo de vidro ocirc baiana ferro de engomar
Na Bahia tem vou mandar buscar Maacutequina de costura ocirc baiana fole de assoprar
Os estudantes natildeo a conheciam Natildeo obstante a cada verso explorado eles
manifestavam suas percepccedilotildees ideias e certezas Logo alguns fizeram relaccedilotildees com
55 Cantigas populares encontradas em httpwwwletrascombrmusicas-infantisescravos-de-jo
67
questotildees cotidianas Um estudante disse que em sua casa tem coco Entatildeo uma das
crianccedilas pediu para escrever a palavra coco no quadro Questionei se sabiam o que era
ferro de engomar ao que um estudante respondeu corretamente O mesmo disse saber o
que era lampiatildeo e outros reforccedilaram sua resposta ao dizer que se tratava de um tipo de
lacircmpada para clarear quando Conceiccedilatildeo de Suruiacute (bairro onde moram) natildeo tinha luz
Me apropriei das interpretaccedilotildees e do contexto da muacutesica que remete agrave Bahia para
rememorar a histoacuteria da quilombola mageense Maria Conga que veio da Aacutefrica se
estabelecendo primeiramente na Bahia antes de chegar em Mageacute Em oficina anterior os
estudantes aprenderam que a menina Maria veio do Congo paiacutes da Aacutefrica Junto com ela
vieram outros africanos que foram obrigados a trabalhar forccediladamente sem receber
nenhum dinheiro Por isso os negros eram chamados de escravos Um dos estudantes
entatildeo disse que onde ele mora moraram ldquoescravosrdquo Certamente ele estava fazendo
alusatildeo agrave Fazenda Santa Margarida lugar conhecido na regiatildeo por ter tido pessoas
escravizadas e ateacute hoje possui resquiacutecios de paredes da senzala e correntes
A segunda muacutesica apresentada foi ldquoEscravos de Joacuterdquo todos danccedilaram e disseram
conhecer a muacutesica da Galinha Pintadinha56
Escravos de Joacute Jogavam caxangaacute
Tira potildee
Deixa ficar
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
A terceira muacutesica foi ldquoSamba Lelecircrdquo Extremamente eufoacutericos por jaacute conhecerem toda
a letra da muacutesica cantaram e danccedilaram quando ensaiei uma coreografia
Samba Lelecirc taacute doente
Taacute com a cabeccedila quebrada Samba Lelecirc precisava
Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc
56 Desenho animado infantil criado por Juliano Prado e Marcos Luporini
68
samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Samba Lelecirc taacute doente Taacute com a cabeccedila quebrada
Samba Lelecirc precisava Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc Samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Em um segundo momento sugeri uma votaccedilatildeo para saber a muacutesica da preferecircncia
da turma ldquoSamba Lelecircrdquo venceu Apoacutes a votaccedilatildeo refletimos sobre a muacutesica que afirma que
a menina estaacute doente e precisa de umas boas palmadas Questionei sobre o que temos que
ter quando estamos doentes E continuei a provocaccedilatildeo perguntando ldquoapanhar cura a
doenccedilardquo Em coro disseram que natildeo pois quando ficam doentes eles recebem remeacutedio e
carinho Propus entatildeo que mudaacutessemos a letra da muacutesica trocando a palavra palmadas
por outra
Mas tinha um detalhe a palavrinha tinha que rimar com palmadas Alguns falaram
palavras com sentido mas sem a rima Logo um estudante sugeriu ldquopaparacadardquo Natildeo foi
preciso muito para entendermos (eu e a professora regente) que se tratava de paparicada
Todos concordaram e jaacute comeccedilaram a ensaiar a muacutesica com a nova versatildeo
4512 Preacute-escolar I
O caminho percorrido com o Preacute-escolar I foi o mesmo que realizamos com o Preacute II
Foram apresentadas as trecircs cantigas aos estudantes e os questionamos sobre se algueacutem as
conhecia Duas delas eram bastante familiares Samba Lelecirc e Escravos de Joacute Assim durante
a escuta das muacutesicas os estudantes danccedilaram cantaram bateram palmas e ensaiaram uns
passinhos Contudo passado esse momento propus que escolhecircssemos uma muacutesica para
que gravaacutessemos A escolha seria por votaccedilatildeo vencendo aquelas que tivessem mais votos
Para minha surpresa a voz de uma menininha laacute no fundo da sala brada ldquondash Eu
escolho todasrdquo Logo em seguida outros estudantes opinaram querendo que gravaacutessemos
natildeo soacute uma mas as trecircs cantigas populares ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de
69
Joacuterdquo Considerando as vozes e os desejos daqueles atores sociais concordei57 em realizar a
gravaccedilatildeo de todas as muacutesicas Assim comeccedilamos a explorar a letra e melodia de cada
repertoacuterio58
Assim como na outra turma contextualizamos cada enredo Quando chegou na
muacutesica Samba Lelecirc propusemos a troca da palavra palmada por outra que rimasse ndash
explicamos o que era rima ndash levando-os a refletir sobre a condiccedilatildeo da personagem que se
encontrava doente Prontamente um estudante disse que Lelecirc precisava de uma pomada
Naquele momento pude confirmar que a crianccedila estaacute interpretando de maneira singular a
cultura em que vive e nos surpreende ao burlar o instituiacutedo
Eacute possiacutevel notar que em ambas as turmas buscamos trabalhar diferentes habilidades
e competecircncias como sensibilizaccedilatildeo musical corporeidade concentraccedilatildeo apropriaccedilatildeo
dos sons para a formaccedilatildeo de palavras dentre outras questotildees Todavia a releitura da
muacutesica a partir da criaccedilatildeo de um novo sentido para o enredo me pareceu um movimento
potente para sensibilizar os atores sociais da importacircncia de pensar o outro como legiacutetimo
outro na diferenccedila
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais
O trabalho com os instrumentos musicais se deu por entendermos com o apoio de
Brito (2003) que a linguagem musical deve contemplar dentre outras atividades a
construccedilatildeo de instrumentos e objetos sonoros Eacute sabido que desde a tenra idade a crianccedila
produz sons pela exploraccedilatildeo e de forma afetiva e intuitiva Com o tempo essa exploraccedilatildeo
vai ganhando uma intencionalidade Foi a observacircncia desta intenccedilatildeo musical que
fortaleceu a ideia de aprofundarmos sobre a temaacutetica
Os estudantes durante a escuta das cantigas transformaram suas mesas em
instrumentos sonoros ao bater com as matildeos sobre elas Naquele instante entendemos que
a criaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo de artefatos musicais potencializariam sua relaccedilatildeo com as muacutesicas
que estaacutevamos propondo Para aleacutem disso acredito que o ato de criar desperta no sujeito
a criatividade a organizaccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo entre os pares
57 Essa decisatildeo acabou influenciando a outra turma (Preacute II) que tambeacutem gravaram as trecircs muacutesicas e adoraram essa ideia 58 Ao longo de 3 semanas ateacute a gravaccedilatildeo das cantigas a professora regente auxiliou de maneira singular ao ensaiar as muacutesicas com os estudantes
70
Quando iniciei o trabalho na escola a diretora me informou que haviam alguns
instrumentos musicais guardados e que seria muito interessante utilizaacute-los em minha
proposta Logo fui identificando as muacuteltiplas possibilidades que aquele espaccedilo me
oferecia Quando me deparei com o berimbau o caxixi e o atabaque ndash instrumentos eacutetnicos
ndash pensei nas experiecircncias instituintes que estavam prestes a surgir Naquele momento a
urgecircncia estava em resgatar aqueles instrumentos de dentro do armaacuterio e dar a eles
visibilidade de modo a tornar conhecidas suas raiacutezes culturais
Tomei conhecimento de que os instrumentos eram usados durante as oficinas de
capoeira do Mais Educaccedilatildeo59 No entanto havia meses que eles natildeo estavam sendo
usados pois as atividades haviam sido suspensas Por alguns instantes refleti sobre ateacute
onde a formaccedilatildeo docente inicial e continuada tem alcanccedilado as manifestaccedilotildees poliacutetico-
culturais que propotildeem um rompimento com praacuteticas reducionistas e anti-dialoacutegicas com a
diversidade cultural
Pensei na urgecircncia de aprofundar as conversas com os professores vislumbrando
uma maior reflexatildeo sobre seus papeacuteis de sujeitos criativos muacuteltiplos e fazedores de artes
de artes de fazer
Ao iniciar o trabalho com os instrumentos musicais junto ao Preacute-escolar estes foram
expostos com seus respectivos nomes Foi realizada a contaccedilatildeo de histoacuteria sobre a origem
daqueles instrumentos de musicalidade ressaltando a influecircncia que os homens e
mulheres oriundos das diaacutesporas africanas tecircm sobre eles Para que a apropriaccedilatildeo da
histoacuteria fosse afetiva e efetiva o enredo foi articulado agrave vinda da menina Maria Conga com
seus amigos para o Brasil Foi ressaltado na narrativa que na longa viagem triste e sofrida
os africanos cantavam e tocavam para aliviar a dor Quando chegaram ao Brasil
continuaram tocando mas agraves vezes de forma diferente O berimbau por exemplo era
utilizado pelos negros escravizados para fazer barulho a fim de chamar fregueses na rua
visto que alguns eram vendedores ambulantes O tambor por sua vez foi apresentado
como um objeto sagrado natildeo soacute para os negros mas tambeacutem para os indiacutegenas
59 O Programa Mais Educaccedilatildeo constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induzir a ampliaccedilatildeo da jornada escolar e a organizaccedilatildeo curricular na perspectiva da Educaccedilatildeo Integral Para maiores informaccedilotildees consultar httpportalmecgovbrprograma-mais-educacao
71
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I conhecendo a histoacuteria dos instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
72
Entre uma explicaccedilatildeo e outra falas dos estudantes iam evidenciando que aqueles
objetos lhes eram familiares Alguns meninos jaacute tinham tido contato com a capoeira outros
tocavam pandeiro na igreja O mais surpreendente para as crianccedilas foi o tambor atabaque
A interaccedilatildeo com a diversidade de objetos musicais com diferentes sons e formas
proporcionou grande satisfaccedilatildeo e curiosidade entre os estudantes
453 Confecccedilatildeo dos objetos sonoros
4531 Preacute-escolar II
A confecccedilatildeo dos instrumentos musicais com o Preacute-escolar II ocorreu na semana
seguinte apoacutes o contato com os instrumentos da escola Optamos pelo trabalho com
sucata materiais reciclaacuteveis e tambeacutem com gratildeos durex colorido e paetecircs Estes dois
uacuteltimos seriam para a decoraccedilatildeo dos mini tambores Encaminhamos para casa um recado
solicitando latas de alumiacutenio (de leite em poacute de suplemento e etc) para a confecccedilatildeo dos
objetos
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos Fonte Arquivo pessoal da autora
73
No entanto natildeo tivemos um retorno positivo pois apenas dois estudantes levaram
as latas Mudamos a estrateacutegia para aqueles que natildeo haviam levado o material solicitado
e construiacutemos mini chocalhos com rolo de papel Dessa maneira em um primeiro
momento os estudantes pintaram os rolinhos e em seguida enfeitaram com os paetecircs
4532 Preacute-escolar I
A confecccedilatildeo dos objetos sonoros com a turma do Preacute-escolar I foi pensada a partir da
mesma dinacircmica do Preacute II Aconteceu na semana seguinte apoacutes a sensibilizaccedilatildeo com os
instrumentos musicais eacutetnicos da escola e objetivou a elaboraccedilatildeo de um mini tambor a
partir do reaproveitamento de materiais como lata de leite aleacutem da utilizaccedilatildeo de outros
materiais como gratildeos durex colorido paetecircs e palito de churrasco Ao contraacuterio da turma
anterior tivemos um retorno positivo ao enviar o recado solicitando a lata de alumiacutenio
Dessa maneira pudemos confeccionar os mini tambores com todos os estudantes Com
materiais disponibilizados os alunos enfeitaram a lata e tambeacutem os palitos de churrasco
que se transformaram em baquetas Ambas as oficinas (do mini tambor e do chocalho)
tiveram duraccedilatildeo de 1 hora cada uma
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais Fonte Arquivo pessoal da autora
74
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis
Para Brito (2003) a crianccedila enquanto sujeito ldquobrincanterdquo faz muacutesica brincando
Nesse processo de criaccedilatildeo ela percebe e explora os sons de modo que refletindo o seu
mundo seus saberes eacute capaz de criar (recriar) novos sons novos movimentos e
instrumentos Assim tem sido nossa experiecircncia com os estudantes do Preacute-escolar com
muita interaccedilatildeo-accedilatildeo-reflexatildeo
No entanto mesmo compreendendo a riqueza das oficinas no sentido de promover
a exploraccedilatildeo a pesquisa a criatividade a corporeidade dentre outras competecircncias
sentia que faltava algo mais A leitura sobre a obra de Teca Alencar de Brito (2003) autora
referecircncia em estudos na aacuterea de educaccedilatildeo musical para crianccedilas ampliou o meu olhar
sobre o que jaacute vinha pensando Segundo a autora a produccedilatildeo musical ocorre a partir de
dois eixos fundamentais a criaccedilatildeo e reproduccedilatildeo Estes por sua vez possibilitaram a accedilatildeo
de interpretar improvisar e compor
Os estudantes demonstraram criatividade para interpretar e improvisar Natildeo
podiacuteamos perder a oportunidade de registrar suas artes de fazer A composiccedilatildeo musical
enquanto efeito de criar eacute tambeacutem caracterizada por sua condiccedilatildeo de permanecircncia
(BRITO 2003) Portanto eacute todo o movimento de registro seja na memoacuteria ou em artefatos
culturais (CD dispositivos moacuteveis) Com isso observou-se a necessidade de guardar natildeo
soacute na memoacuteria as criativas composiccedilotildees dos estudantes como tambeacutem de registraacute-las de
modo que fossem divulgadas
Surge entatildeo a ideia de gravar as trecircs muacutesicas em dispositivo moacutevel (celular) para
serem compartilhadas posteriormente com os responsaacuteveis dos estudantes A proposta
surgiu por entendermos que as crianccedilas desde muito cedo estatildeo rodeadas de artefatos
tecnoloacutegicos de todos os tipos computador celular iPod televisatildeo raacutedio dentre outros
Para confirmar essa suposiccedilatildeo encaminhamos para casa um questionaacuterio a fim de
que os responsaacuteveis respondessem sobre a utilizaccedilatildeo das tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo (TICs) Perguntamos sobre o tipo de artefato digital mais utilizado pelos
estudantes e com quais finalidades os utilizavam
Os aparelhos e seus usos foram diversos tais como celulares tablets e
computadores Mas a que prevaleceu (nos estudantes de ambas as turmas) foi a utilizaccedilatildeo
do celular para ouvir muacutesica e jogar
75
Assim eacute notaacutevel que as tecnologias digitais podem ser grandes aliadas no processo
de ensino aprendizagem Embora nem todos os estudantes tenham o dispositivo moacutevel e
leve para a sala de aula ficamos sabendo que em casa eles interagem e exploram os
aparelhos de seus pais desenvolvendo habilidades e competecircncias como raciociacutenio loacutegico
atenccedilatildeo e curiosidade em explorar o novo O professor que consciente de seu papel
formador deve saber que a escola eacute potencialmente capaz de ampliar e potencializar tais
habilidades Nesse sentido certa dessa identidade docente me apropriei da tecnologia
digital (celular) como recurso para registrar e divulgar a criaccedilatildeo musical dos estudantes
Foi realizada em ambas as turmas (Preacute-escolar I e II) uma oficina de gravaccedilatildeo
musical Aos estudantes foi dito que iriacuteamos gravar muacutesicas (as nossas muacutesicas) e isso foi
empolgante para todos Vale frisar o importante papel dos professores regentes enquanto
mediadores no processo de apropriaccedilatildeo da letra dos ritmos das rimas ou seja no
desenvolvimento da expressatildeo musical Foram semanas de preparaccedilatildeo desde a primeira
oficina com a sensibilizaccedilatildeo para as cantigas populares Foram expostos em sala de aula os
cartazes com as letras das muacutesicas jaacute reinventadas para que ao longo dos dias as
professoras cantassem a muacutesica com os estudantes
Com o apoio de Brito (2003) refletimos sobre a importacircncia de intervenccedilotildees
educativas no desenvolvimento da expressatildeo musical Em todo o processo levamos os
estudantes a refletirem sobre a letra da muacutesica as hipoacuteteses e expressotildees que fizessem
sentido Com isso acreditamos ter ampliado e enriquecido o universo luacutedico e social onde
a inclusatildeo da diferenccedila deve ser uma constante nas praacuteticas pedagoacutegicas
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical
Como sinalizado anteriormente essa uacuteltima etapa da oficina de musicalidade ocorreu
no iniacutecio do ano de 2016 com os responsaacuteveis dos estudantes das duas turmas (Preacute I e II)
que participaram das accedilotildees da pesquisa Ao propor um encontro com os responsaacuteveis
intencionamos para aleacutem de dar-lhes um retorno de parte de nossas accedilotildees tambeacutem ouvi-
los a respeito deles na educaccedilatildeo de seus filhos
Dessa maneira a reuniatildeo foi dividida em duas partes Na primeira parte foi exibida
uma apresentaccedilatildeo em PowerPoint de momentos da oficina de musicalidade identificando
o repertoacuterio musical trabalhado a reinvenccedilatildeo da cantiga popular ldquoSamba Lelecircrdquo e imagens
76
dos momentos de apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais eacutetnicos e confecccedilatildeo dos objetos
sonoros (instrumentos musicais)
No segundo momento foi realizado o compartilhamento das trecircs muacutesicas que
fizeram parte do repertoacuterio gravado pelos estudantes Importante frisar que para
compartilhar60 as muacutesicas foi necessaacuterio que cada responsaacutevel tivesse em matildeos seus
dispositivos moacuteveis (celulares) Para tal encaminhamos previamente um recado
solicitando a imprescindiacutevel presenccedila do celular na reuniatildeo
Em ambos os encontros os responsaacuteveis levaram seus celulares possibilitando um
retorno positivo para aquela proposta Expliquei como se daria o processo tendo em vista
que algumas pessoas natildeo sabiam utilizar a ferramenta do bluetooth de forma colaborativa
os demais que sabiam foram compartilhando os arquivos com aquele que estava proacuteximo
Foi um momento de aprendizado muacutetuo onde pudemos contar com a participaccedilatildeo de
todos os sujeitos envolvidos
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
60 O compartilhamento ocorreu via bluetooth Este eacute uma tecnologia de comunicaccedilatildeo sem fio que permite que dispositivos moacuteveis troquem dados entre si e se conectem a outros artefatos como mouses teclados fones de ouvido impressoras e outros acessoacuterios
77
Ao passo que eu compartilhava as produccedilotildees musicais fazia alguns comentaacuterios
acerca das apropriaccedilotildees por parte dos estudantes em sala de aula Quando chegou na
muacutesica ldquoSamba Lelecircrdquo provoquei os responsaacuteveis a descobrirem as palavras que
substituiacuteram o termo palmada Natildeo demoraram para perceber que se tratavam de
paparicada (releitura do Preacute II) e pomada (releitura do Preacute I)
Logo para a nossa surpresa uma matildee de uma estudante do Preacute-escolar I nos relatou
que havia corrigido a filha que chegou em casa cantando a muacutesica de forma incorreta E a
filha insistiu que Lelecirc precisava de pomada e natildeo palmada Embora o que a menina disse
fizesse sentido para a matildee esta continuou insistindo em reproduzir a letra real da muacutesica
Contudo naquele momento de troca ela se deu conta de que sua filha estava construindo
saberes instituintes para uma nova relaccedilatildeo de alteridade entre o adulto e a crianccedila
46 OFICINA 6 - LENDAS QUE NOS ENCANTAM
Como jaacute relatado iniciamos o ano de 2016 dando continuidade agraves accedilotildees do ano
anterior disponibilizando o repertoacuterio de muacutesicas para os pais compartilharem com os
estudantes No encontro com os responsaacuteveis foi frisado que as accedilotildees voltadas para o
ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais seriam contiacutenuas no ano corrente mesmo apoacutes
finalizada a pesquisa Ou seja continuariacuteamos realizando o empreacutestimo dos livros eacutetnicos
semanais e o nosso cotidiano estaria permeado por histoacuterias outras nas quais todos
pudessem se sentir representados
A continuidade deste trabalho no ano de 2016 se sustentou nos princiacutepios da
etnografia longitudinal (CORSARO 2005) visto que estariacuteamos acompanhando a transiccedilatildeo
de uma parte dos sujeitos da pesquisa para outras fases de escolarizaccedilatildeo sendo o Preacute-
escolar II indo para o 1deg ano do Ensino Fundamental e o Preacute-escolar I para o Preacute II
Desse modo buscamos por meio de oficinas de contaccedilatildeo de histoacuterias perceber como
se consolidaram as aprendizagens sobre a diversidade eacutetnico-racial entre os estudantes A
seguir vamos detalhar uma atividade realizada com a turma do 1deg ano
78
461 O segredo do Baobaacute uma lenda africana
Ao meio dia corria pela planiacutecie um coelho fugindo do sol escaldante e abrigou-se sob o peacute de um Baobaacute Ele se sentiu tatildeo bem que disse ndash Estaacute sombra eacute muito boa obrigado O Baobaacute se sentiu reconhecido e balanccedilou seus galhos como em uma danccedila alegre Mais uma vez o coelho quis se aproveitar da situaccedilatildeo e disse ndash Sua sombra eacute realmente muito boa Mas e esses seus frutos seraacute que tambeacutem satildeo Baobaacute entatildeo caiu na armadilha e soltou um dos seus frutos O coelho natildeo satisfeito disse ndash Sua sombra e seus frutos satildeo oacutetimos Mas e o seu coraccedilatildeo Baobaacute O Baobaacute sentiu uma forte emoccedilatildeo Mas ele natildeo poderia mostrar seu coraccedilatildeo Era tatildeo difiacutecil Mas o coelhinho era tatildeo gentil O Baobaacute foi abrindo seu tronco e logo o coelho jaacute podia ver um brilho que ofuscava os olhos Era um grande tesouro Baobaacute oferece ao seu amigo O coelho entatildeo pegou algumas joias e agradeceu ao Baobaacute ndash Obrigado linda aacutervore Jamais te esquecerei O coelho presenteou sua esposa e disse para sua amiga hiena tudo que lhe acorreu No dia seguinte ao meio dia a hiena foi ateacute o Baobaacute e repetiu passo a passo as dicas do seu amigo coelho O Baobaacute sem hesitar abriu seu tronco para a hiena Mas ela estava faminta pelo ouro e foi agressiva pegaacute-lo Logo a aacutervore fechou-se e chorou porque ficou apavorada A partir desse dia a hiena passou a vasculhar as entranhas dos animais mortos para achar tesouro Mas esse tesouro soacute existe enquanto o coraccedilatildeo eacute vivo Quanto ao Baobaacute nunca mais se abriu A ferida que ele sofreu eacute invisiacutevel mas dificilmente curaacutevel61
Mais uma vez encontramos um enredo em que a aacutervore eacute um elemento central nas
histoacuterias que nos marcam A narrativa acima representa uma das vaacuterias lendas existentes
sobre a famosa aacutervore de origem africana chamada Baobaacute62 Sentimos a necessidade de
tornar conhecido esse siacutembolo de resistecircncia e guardiatildeo da ancestralidade africana que eacute
o Baobaacute
Iniciamos a aula em grande roda como de costume Logo a frente no quadro
encontrava-se uma representaccedilatildeo de uma aacutervore diferente com troncos largos e alguns
frutos que chamaram a atenccedilatildeo dos estudantes Logo perguntaram ldquondash Tia vocecirc vai contar
a histoacuteria da Mirindibardquo63 Respondi que aquela natildeo era a Mirindiba e realizando as
61 A Aacutervore dos Tesouros recriaccedilatildeo de Henri Gougaud traduccedilatildeo de Maria do Rosaacuterio Pedreira Lenda disponiacutevel no blog httpbravoafrobrasilblogspotcombr2010_06_01_archivehtml consultado em 10 abril 2016 62 Aacutervore siacutembolo do Continente Africano famosa por suas caracteriacutesticas naturais sobretudo por sua resistecircncia agraves intempeacuteries Por chegar a viver por milecircnios ela ganha status de guardiatilde de memoacuterias e tradiccedilotildees dos povos africanos 63 Como sinalizado na introduccedilatildeo deste trabalho Mageacute possui heranccedilas de etnia indiacutegena muito fortes A Mirindiba eacute o nome de uma aacutervore centenaacuteria da cidade que segundo a lenda mageense era uma iacutendia que foi encantada pelo pajeacute e desde entatildeo vive no alto do Morro do Bonfim
79
comparaccedilotildees fiacutesicas apresentei o Baobaacute64 enquanto siacutembolo da ancestralidade dos povos
africanos
Foi apresentado tambeacutem o valor afetivo que aquele siacutembolo tem para os povos
africanos por sua resistecircncia ao sobreviver milecircnios e assim servir de palco de inuacutemeros
acontecimentos tornando-se guardiatilde das histoacuterias mais preciosas de diversos povos
Sensibilizados sobre a importacircncia do Baobaacute para os povos africanos tal como a Mirindiba
eacute para os mageenses logo iniciamos a narrativa da lenda
Encantados com o enredo os estudantes encenaram a histoacuteria expressando
sentimento imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Em aula posterior lhes foi apresentada a mesma lenda
mas em miacutedia digital65 O viacutedeo exibido para os estudantes foi realizado com teacutecnicas de
animaccedilatildeo a partir de desenhos e muacutesicas de fundo
Apoacutes assistirem ao viacutedeo propus que eles recontassem a lenda utilizando massinha
de modelar ilustraccedilatildeo em papel e muita criatividade O combinado foi que na medida em
eles fossem confeccionando a histoacuteria eu fotografaria cada etapa para produzir um viacutedeo
do grupo Dessa maneira todos deveriam ser muito caprichosos pois iriacuteamos divulgar essa
histoacuteria na internet66 para que todos conhecessem a lenda do Baobaacute do coelho e da hiena
feita por noacutes Prontamente todos concordaram com a ideia e ficaram animados com a
possibilidade de fazer uma atividade ldquotatildeo legalrdquo
Natildeo nos surpreendeu que durante todo o processo os estudantes se sentissem
motivados a criarem personagens e cenaacuterios Foi possiacutevel perceber que falar de miacutedias
artefatos tecnoloacutegicos de diferentes gecircneros com as crianccedilas soa como muacutesica aos seus
ouvidos porque elas estatildeo a todo momento experimentando essas tecnologias no seu dia
a dia
Mocircnica Fantin ao tratar da formaccedilatildeo docente dialogada com a cultura experiecircncia
e multimiacutedia defende que eacute necessaacuterio ldquoo trabalho diferenciado com a cultura audiovisual
imageacutetica literaacuteria artiacutestica musical midiaacutetica e digital articulada com as mais diversas
formas de participaccedilatildeo de crianccedilas e jovens na culturardquo (FANTIN 2012 p 298) Com isso
64 Foram levadas fotografias para que os estudantes pudessem compreender melhor as caracteriacutesticas fiacutesicas da aacutervore sendo evidenciado que existem vaacuterias espeacutecies da mesma 65 O viacutedeo que conta a lenda do Baobaacute e da hiena apresentado aos estudantes foi produzido por Camila SgLe Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=V1BmVhT05HQ consultado em 10042016gt 66 Link da paacutegina onde o viacutedeo seraacute disponibilizado httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnico raciaisartesdefazer
80
reconhecemos a urgecircncia de contar e permitir que os nossos estudantes contem novas
histoacuterias e se apropriem dos artefatos do cotidiano como ferramentas para que suas
aprendizagens sejam prazerosas e significativas
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo Fonte Arquivo pessoal da autora
47 NARRATIVA DA PROFESSORA DO PREacute-ESCOLAR I
A seguir compartilho uma breve narrativa da docente Sarah Rosa professora do Preacute-
escolar I do ano de 2015 Esta pocircde acompanhar a turma no ano corrente o que foi algo
favoraacutevel para todos os envolvidos na pesquisa visto que possibilitou a permanecircncia das
conversas
A participaccedilatildeo da professora Daise tem sido grandemente proveitosa e enriquecedora para os alunos da Educaccedilatildeo Infantil Sua pesquisa e trabalho tecircm colaborado para o desenvolvimento dos alunos em vaacuterios aspectos um deles eacute contra o preconceito racial Haacute tambeacutem um trabalho sobre as diferenccedilas o respeito e o amor ao proacuteximo aleacutem de desenvolver o gosto das crianccedilas pela leitura pela linguagem oral e corporal As crianccedilas apresentam prazer e satisfaccedilatildeo pelas suas aulas que por sinal satildeo bem dinacircmicas e atrativas para elas O trabalho feito tem ido aleacutem da sala de aula tem alcanccedilado os familiares dos alunos e ajudado a trazer a presenccedila dos mesmos agrave escola Ela tem realizado atividades envolvendo
81
a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo dos familiares juntamente com as crianccedilas O que tem proporcionado experiecircncias prazerosas para todos envolvidos (Professora Sarah Rosa 2015)
82
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
51 CONCLUSOtildeES
Este estudo teve como objetivo geral ldquorealizar pesquisa a partir de metodologias
interativas ndash interdisciplinaridade e etnografia ndash com enfoque na sociologia da infacircncia
com estudantes entre 4 e 6 anos abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola
rural do municiacutepio de Mageacuterdquo para aleacutem de contribuir com minha formaccedilatildeo continuada
Pude construir novos saberes e compartilhaacute-los Nesse processo tambeacutem confirmei a
necessidade de mudanccedila de olhar sobre a escola que temos
As escolas brasileiras ainda se enquadram dentro do modelo instrumental e
cartesiano sobre o qual elas foram pensadas Este modelo limita a compreensatildeo da
multiplicidade de contextos e sujeitos que compotildeem a diversidade humana Natildeo obstante
sabe-se que aos poucos essa mesma instituiccedilatildeo tem incluiacutedo a diversidade a partir de
movimentos que visam o rompimento com o instituiacutedo
Este trabalho desejou suscitar um novo olhar sobre a diversidade em contexto escolar
e construir caminhos que alcanccedilassem os diferentes atores sociais de maneira afetiva e
efetiva Assim foi se estabelecendo conversas e fui descobrindo que elas satildeo mais longas
quando acontecem entre os sujeitos da diferenccedila
Pensar a crianccedila desde a mais tenra idade implicou em realizar redes reflexivas com
diversas aacutereas do saber As metodologias trabalhadas sobretudo a interdisciplinaridade
nos pareceu desde o iniacutecio uma decisatildeo acertada A Sociologia da Infacircncia (CORSARO
2005) favoreceu minhas aproximaccedilotildees com as crianccedilas e entre elas proacuteprias Favoreceu
ainda o desafio de trabalhar com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais jaacute que pensar as
culturas infantis implica em refletir sobre diferenccedila diversidade e alteridade
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012)
Os objetivos especiacuteficos foram as metas traccediladas para o alcance do objetivo geral
Visaacutevamos romper com praacuteticas e culturas que excluem a diversidade do cotidiano escolar
a partir de intervenccedilotildees pedagoacutegicas Para tais intervenccedilotildees precisei construir objetivos de
ensino que me orientassem no trabalho
A Sociologia da Infacircncia enquanto constructo epistemoloacutegico possibilitou maiores
reflexotildees sobre a crianccedila enquanto produtora de cultura e reveladora das possibilidades
83
da estrutura social (SARMENTO 2005 p 363) Dessa maneira ao longo da pesquisa com
as crianccedilas e natildeo sobre elas fui notando o quanto eram ativas criativas e dotadas de
saberes que gritavam para serem reconhecidos Ao reconhecer suas vozes me aproximei
da cultura da diversidade e juntos realizamos interaccedilotildees dialoacutegicas
Tambeacutem busquei construir redes colaborativas e de conhecimentos com a
comunidade escolar compreendendo os docentes (natildeo soacute os professores da Educaccedilatildeo
Infantil) e a equipe pedagoacutegica O objetivo foi a reflexatildeo sobre os desafios da inclusatildeo da
diversidade nas escolas brasileiras Realizamos grupos de estudos dinamizado por mim67
Estabelecemos conversas as quais me trazem agrave memoacuteria uma palestra que escutei haacute
algum tempo na UFF sobre ldquoTempos e conversasrdquo O palestrante Carlos Skliar68 sinalizou
que os professores precisam ser formados na arte da conversa pois sem conversaccedilatildeo natildeo
existe educaccedilatildeo
Me aproprio de sua fala para explicitar como foi a relaccedilatildeo entrecom as professoras
envolvidas na pesquisa Eacute certo que somos diferentes mas foram essas diferenccedilas
somadas a solidariedade que fizeram a conversa fluir emergindo trocas reflexivas sobre o
cotidiano escolar diversidade e inclusatildeo
Como jaacute sinalizado os atores do cotidiano possuem muacuteltiplas linguagens que
precisam ser alcanccediladas O que se aprende fora dos muros da escola necessita ser
considerado como fonte de aprendizagem significativa no ambiente escolar E por
aprendizagem significativa entendemos ser aquela que proporciona a ldquointeraccedilatildeo cognitiva
entre o novo conhecimento e o conhecimento preacuteviordquo (MOREIRA 2000 p 4)
E embora o objetivo do trabalho natildeo fosse alcanccedilar diretamente as pessoas com
deficiecircncia as oficinas realizadas podem ser utilizadas para o trabalho com pessoas surdas
cegas ou com outras deficiecircncias desde que se realize as adaptaccedilotildees necessaacuterias Eacute possiacutevel
notar que procuramos incluir a diversidade na escola na figura de uma avoacute com nanismo
com a presenccedila de pessoas com diferentes faixas etaacuterias com mulheres ou seja pessoas
que representam as minorias que fazem parte da diversidade humana
67 Nesse grupo de estudos a supervisora da escola me convidou para realizar uma formaccedilatildeo para as professoras das duas creches em que ela trabalhava A formaccedilatildeo aconteceu no mecircs de agosto para 21 professoras do Municiacutepio de Mageacute 68 Pesquisador principal da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales - Argentina Tem experiecircncia na aacuterea de Educaccedilatildeo com ecircnfase em Fundamentos da Educaccedilatildeo Atuando principalmente nos seguintes temas Comunicaccedilatildeo Inteligecircncia Surdos Alteridade e Diferenccedila
84
Entendendo que a teoria funciona como lupa para melhor ver o que acontece na
praacutetica assim todas as atividades foram pensadas agrave luz de diferentes correntes teoacutericas-
metodoloacutegicas complementares tais como Sociologia da Infacircncia Interdisciplinaridade e
Etnografia Em todas as etapas procuramos adequar as atividades e reflexotildees aos
paracircmetros da Educaccedilatildeo Infantil e do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais sem perder de
vista o protagonismo infantil
Como jaacute salientado meus caminhos de formaccedilatildeo tecircm me provocado a olhar o
cotidiano escolar a partir de uma curiosidade epistemoloacutegica (FREIRE 2007) Mas
reconheccedilo que foi um desafio o trabalho com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais uma vez
que as poliacuteticas e praacuteticas existentes tendem a burocratizar a questatildeo natildeo possibilitando
a criaccedilatildeo de uma cultura inclusiva sobre a temaacutetica no cotidiano escolar Igualmente
reconheccedilo que graccedilas a curiosidade inquieta que me move em direccedilatildeo ao Outro tenho
buscado a construccedilatildeo de taacuteticas que representem a possibilidade de incluir a diversidade
52 PERSPECTIVAS
Foram traccediladas algumas perspectivas apoacutes a conclusatildeo deste trabalho A primeira
delas e que foi um compromisso com as famiacutelias dos estudantes foi a devoluccedilatildeo dos
achados que ainda seraacute decido a natureza do material Temos como opccedilatildeo o caderno
pedagoacutegico em CD mas tambeacutem podemos pensar na sua versatildeo impressa ou disponibiliza-
lo no espaccedilo criado para a divulgaccedilatildeo das accedilotildees e demais produtos Para tal devoluccedilatildeo
podemos repensar a colocaccedilatildeo dos nomes e exibiccedilatildeo dos rostos das crianccedilas pois
entendemos que elas precisam se reconhecerem no texto no qual sua histoacuteria de vida estaacute
sendo contada mas que para esse trabalho por questotildees eacuteticas foram suprimidas
Outra perspectiva eacute tornar o Caderno Pedagoacutegico uma Tecnologia Acessiacutevel para o
trabalho com crianccedilas deficientes A Tecnologia Acessiacutevel na escola tem por objetivo
() proporcionar agrave pessoa com deficiecircncia maior independecircncia para o aprendizado melhor qualidade de vida e inclusatildeo social por meio da ampliaccedilatildeo de sua comunicaccedilatildeo e de sua mobilidade maior controle do ambiente e desenvolvimento de trabalho integrado com a famiacutelia
colegas e profissionais da educaccedilatildeo (DOMINICK 2015 p 9)
85
Dessa maneira vislumbramos construir outras estrateacutegias para a acessibilidade do
conhecimento das relaccedilotildees eacutetnico-raciais Quando pensamos em outras eacute porque como jaacute
dito anteriormente algumas oficinas podem ser adaptadas para trabalhar com pessoas
cegas surdas cadeirantes com altas habilidades desde que o professor coloque em
praacutetica as suas invenccedilotildees cotidianas (CERTEAU 1994) e se torne um professor pesquisador
e inventor de novas taacuteticas educacionais
86
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABRAMOWICZ Anete OLIVEIRA Fabiana As relaccedilotildees eacutetnico-raciais e a sociologia da infacircncia no Brasil alguns aportes In BENTO Maria Aparecida Silva (Org) Educaccedilatildeo infantil igualdade racial e diversidade aspectos poliacuteticos juriacutedicos conceituais Satildeo Paulo Centro de Estudos das Relaccedilotildees de Trabalho e Desigualdades - CEERT 2012 ALVES Nilda Imagens de professoras e redes cotidianas de conhecimentos Educar Curitiba n 24 p 19-36 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfern24 n24a02pdfgt Acesso em 10 de marccedilo de 2016 ______ Decifrando o pergaminho o cotidiano das escolas nas loacutegicas das redes cotidianas In OLIVEIRA IB ALVES N (Orgs) Pesquisa nodo cotidiano das escolas sobre redes de saberes Rio de Janeiro DPampA 2001 ARANTES Erika ANDRADRE Nivea Diana e os orixaacutes imagens da questatildeo racial em escolas Revista de Estudos Universitaacuterios Sorocaba v 39 n 2 p 379-391 2013 Disponiacutevel em lthttpperiodicosunisobrojsindexphpjournal=reuamppage=articleampop= viewamppath5B 5D=1712gt Acesso em 20 de abril de 2015 APPADURAI Arjun O medo ao pequeno nuacutemero ensaio sobre a geografia da raiva Satildeo Paulo Iluminuras Itauacute Cultural 2009 CASTELLS Manuel A Era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura vol I 6ordf ed Satildeo Paulo Paz e terra 1999 BOOTH T AISCOW M Index para a inclusatildeo desenvolvendo a aprendizagem e a participaccedilatildeo nas escolas Traduzido por Mocircnica Pereira dos Santos e Joatildeo Batista Esteves Londres CSIE 2011 BOURDIEU Pierre O poder simboacutelico Traduccedilatildeo Fernando Tomaz Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 BRASIL Lei nordm 9394 Brasiacutelia 20 de dezembro de 1996 Disponiacutevel em lt
httpswwwplanaltogovbrccivil_03LeisL9394htmgt ______ Lei nordm 10639 Brasiacutelia 9 de janeiro de 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03leis2003L10639htmgt Acesso em 26 marccedilo de 2015 ______ Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana Brasiacutelia MEC SEF 2004 ______ Lei nordm 11738 Brasiacutelia 16 de julho de 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102008leil11738htmgt
87
_____ Referencial curricular nacional para a educaccedilatildeo infantil Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e do Desporto Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MECSEF 1998 3v il BRITO Teca A de Muacutesica na Educaccedilatildeo Infantil Satildeo Paulo Petroacutepolis 2003 CERTEAU Michel de A Invenccedilatildeo do cotidiano Artes de fazer Petroacutepolis Vozes 1994 CORSARO WA Entrada no campo aceitaccedilatildeo e natureza da participaccedilatildeo nos estudos etnograacuteficos com crianccedilas pequenas Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 26 n 91 p 443-464 maio-ago 2005 DELGADO Ana Cristina Coll MULLER Fernanda Em busca de metodologias investigativas com crianccedilas e suas culturas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo v 35 n 125 p 161-179 maioago 2005 DOMINICK Rejany dos S A arte de fazer e nos fazermos no ALEPH explicitando alguns princiacutepios na e da formaccedilatildeo de professores In LINHARES Ceacutelia Portinari e a cultura brasileira um convite agrave educaccedilatildeo a contrapelo Niteroacutei Editora da UFF 2011 [Segunda parte p 145-161] ______ Discutindo e conceituando as tecnologias para a formaccedilatildeo de professores na EJA-I e na diversidade In MEDEIROS C C Educaccedilatildeo de jovens adultos e idosos na diversidade saberes sujeitos e praacuteticas Niteroacutei UFFCEAD 2015 p 295-314 FANTIN Monica O lugar da experiecircncia da cultura e da aprendizagem multimiacutedia na formaccedilatildeo de professores Educaccedilatildeo Santa MariaRS v 37 n 2 p 291-306 2012 FAZENDA Ivani Catarina Arantes Desafios e perspectivas do trabalho interdisciplinar no Ensino Fundamental contribuiccedilotildees das pesquisas sobre interdisciplinaridade no Brasil o reconhecimento de um percurso Trabalho publicado nos Anais do XIV ENDIPE Belo Horizonte 2010 FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia saberes necessaacuterios agrave praacutetica educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007
______ Educaccedilatildeo e mudanccedila Rio de Janeiro Paz e Terra 1983
GOMES Lisandra O cotidiano as crianccedilas suas infacircncias e a miacutedia imagens concatenadas Proacute-Posiccedilotildees CampinasSP v 19 n 3 p 175-193 setdez 2008 GONCcedilALVES Luiz Alberto Oliveira Reflexatildeo sobre a particularidade cultural na educaccedilatildeo das crianccedilas negras Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 63 p 27-29 nov 1987 HAAS Celia Maria A Interdisciplinaridade em Ivani Fazenda construccedilatildeo de uma atitude pedagoacutegica International Studies On Law And Education Satildeo Paulo n 8 p55-64 maiago 2011
88
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICA (IBGE) Dados gerais do municiacutepio de Mageacute 2014 Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=amp codmun=330250ampsearch=||infoE1ficos-informaE7F5es-completas Acesso em 20072015 JAPIASSU H Interdisciplinaridade e patologia do saber Rio de Janeiro Imago 1976 KRAMER Sonia Autoria e autorizaccedilatildeo questotildees eacuteticas nas pesquisas com crianccedilas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 116 p 41-59 2002 LARROSA Jorge Notas sobre a experiecircncia e o saber de experiecircncia Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro n 19 p 20-28 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfrbedun19n19a02pdfgtAcessado 20052015 LARROSA Jorge Experiecircncia e alteridade em educaccedilatildeo Revista Reflexatildeo e Accedilatildeo Santa Cruz do SulSC v 19 n 2 p 04-27 2011 LINHARES Celia Movimentos instituintes na escola buscando dar visibilidade ao invisiacutevel Revista Aleph Niteroacutei [200] Disponiacutevel em lthttpwwwuffbralephtextos_em_pdf
politicas_de_formacao_de_professorespdfgt Acessado em 02 agosto 2015 LOumlWY Michael A ldquocontrapelordquo A concepccedilatildeo dialeacutetica da cultura nas teses de Walter Benjamin (1940) Lutas Sociais Satildeo Paulo n 2526 p20-28 2ordm semestre 2011 MATURANA H e VARELA F A aacutervore do conhecimento As bases bioloacutegicas do entendimento humano CampinasSP Editorial Psy II 1995 MOREIRA Marco Antonio Aprendizagem significativa Brasiacutelia Ed da UnB 2000 MUumlLLER F Infacircncia nas vozes das crianccedilas culturas infantis trabalho e resistecircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 27 n 95 p 553-573 ago 2006 MUNANGA Kabengele Uma abordagem conceitual das noccedilotildees de raccedila racismo identidade e etnia In BRANDAtildeO A A P (Org) Programa de educaccedilatildeo sobre o negro na sociedade brasileira Niteroacutei EdUFF 2000 OLIVEIRA Luiz Fernandes FARIAS Ursula Pinto Lopes A Aacutefrica e o negro nos anos iniciais do ensino fundamental desafios para a escola In GOUVEcircA Fernando Ceacutesar Ferreira OLIVEIRA Luiz Fernandes de SALES Sandra Regina (Orgs) Educaccedilatildeo e relaccedilotildees eacutetnico-raciais entre diaacutelogos contemporacircneos e poliacuteticas puacuteblicas 1 ed PetroacutepolisRJ De Petrus et Alii BrasiacuteliaDF CAPES 2014 PACHECO Liacutellian Pedagogia Griocirc a reinvenccedilatildeo da roda da vida LenccediloacuteisBA Graacutefica Santa Helena 2006
89
PAULA Benjamin Xavier de A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais e os desafios a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo anti-racista Anais do XIV Regional da ANPUH Rio de Janeiro 2010 PEIXOTO I C L A violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda e seus reflexos no comportamento de gecircnero Anais do Encontro Nacional do GT ndash GecircneroANPUH Espiacuterito Santo 2004 Disponiacutevel em lthttplegpvufesbrsiteslegpvufesbrfilesfieldanexo isabella_cotta_lanza_peixotopdfgt PEREIRA Daise dos S Conversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da educaccedilatildeo baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeos Trabalho de conclusatildeo de curso (Poacutes-graduaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais) Universidade Federal Fluminense 2016 PEREIRA Maacutercia G PEREIRA Daise dos S A (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidade XVIII Endipe CuiabaacuteMT 2016 PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICIacuteLIOS (PNAD) Retrato das Desigualdades de Gecircnero e Raccedila 4ordf ediccedilatildeo 2012 Disponiacutevel em httpwwwipeagovbrigualdaderacial indexphpoption=com_contentampview=articleampid=614ampItemid=18
PLETSCH Maacutercia Denise CARVALHO Carlos Roberto Editorial do dossiecirc Processos de Inclusatildeo e Exclusatildeo Escolar e Movimentos Sociais Revista Teias Rio de Janeiro v 12 n 24 p 01-08 janabr 2011 Disponiacutevel em lthttpperiodicospropedprobrindexphprevistateiasarticleview822gt Acessado em 010716 ROSSETTO Elisabeth A contribuiccedilatildeo do pensamento de Maturana para a educaccedilatildeo Educere et Educare ndash Revista de Educaccedilatildeo vol 5 n 10 2ordm Semestre de 2010
SANTOS Mocircnica Pereira dos Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura Omnileacutetica In CASTRO Paula Almeida de Inovaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia desafios e perspectivas na contemporaneidade Campina GrandePB Editora Realize 2015 Disponiacutevel em lthttpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdfgt Acesso em 20022016 SANTOS Sandro V S dos Sociologia da infacircncia aproximaccedilotildees entre Willian Corsaro e Florestan Fernandes Educaccedilatildeo em Perspectiva Viccedilosa v 5 n 1 p 117-139 janjun 2014 SARMENTO Manuel Jacinto Geraccedilotildees e alteridade interrogaccedilotildees a partir da sociologia da infacircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas vol 26 n 91 p 361-378 MaioAgo 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwcedesunicampbrgt SCHOumlN D Educando o Profissional Reflexivo um novo design para o ensino e aprendizagem
Trad Roberto Cataldo Costa Porto Alegre Artes Meacutedicas Sul 2000
SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das trecircs raccedilas ndash cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil 1870-1930 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993
90
SILVA Tomaz Tadeu da Documentos de identidade uma introduccedilatildeo agraves teorias do curriacuteculo Belo Horizonte Autecircntica 2007 SILVA P V B da SOUZA G de Relaccedilotildees eacutetnico-raciais e praacuteticas pedagoacutegicas em Educaccedilatildeo Infantil Educar em Revista Curitiba n 47 p 35-50 janmar 2013 SKLIAR Carlos A educaccedilatildeo e a pergunta pelos Outros diferenccedila alteridade diversidade e os outros outros Revista eletrocircnica Ponto de Vista Florianoacutepolis n 5 p 37-49 2003 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosufscbrindexphppontodevistaarticleview1244gt THIESEN Juares da Silva A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 13 n 39 p 545-554 2008 TRINDADE Azoilda Loretto (org) Africanidades brasileiras e educaccedilatildeo [livro eletrocircnico] Salto para o Futuro Rio de Janeiro ACERP Brasiacutelia TV Escola 2013 ______ Valores Civilizatoacuterios e a Educaccedilatildeo Infantil uma contribuiccedilatildeo afro-brasileiras In BRANDAtildeO Ana Paula TRINDADE Azoilda Loretto da (Orgs) Modos de brincar caderno de atividades saberes e fazeres Rio de Janeiro Fundaccedilatildeo Roberto Marinho 2010 UNESCO Declaraccedilatildeo de Salamanca Necessidades Educativas Especiais ndash NEE In Conferecircncia Mundial sobre NEE Acesso em Qualidade ndash UNESCO Salamanca Espanha UNESCO 1994 YOUNG Michael Para que servem as Escolas Educ Soc Campinas vol 28 n 101 p 1287-1302 setdez 2007 Disponiacutevel em lt httpwwwcedesunicampbr gt
91
7 APEcircNDICES E ANEXOS
71 APEcircNDICES
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados
92
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
93
94
95
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem
96
97
98
72 ANEXOS 721 Imagens utilizadas
Navio Negreiro - Litogravura de Johann Moritz Rugendas (1835)
Navio negreiro real na costa brasileira ndash Marc Ferrez (1882)
99
Mulher brasileira em seu lar - Jean Baptiste Debret
O Jantar no Brasil - Jean Baptiste Debret
100
722 Premiaccedilatildeo
Esta premiaccedilatildeo eacute fruto das accedilotildees de incentivo agrave leitura que desenvolvi na escola em
parceria com o projeto de Extensatildeo da UFF ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos
anos iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo e a presente pesquisa O projeto ldquoOs
contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo com histoacuterias uacutenicasrdquo buscou
romper com as histoacuterias uacutenicas e oportunizar que os sujeitos da diferenccedila tivessem o direito
de serem protagonistas e construtores de suas proacuteprias histoacuterias
A seguir reproduccedilatildeo na iacutentegra do texto sobre os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio
Ecofuturo de Bibliotecas
O Instituto Ecofuturo anuncia os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio Ecofuturo de
Bibliotecas iniciativa que visa reconhecer o trabalho de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria
realizado nas 107 bibliotecas comunitaacuterias da Rede Ler Eacute Preciso implantadas pelo Instituto
em parceria com a iniciativa privada poder puacuteblico e comunidade
Para Paulo Groke Diretor de Sustentabilidade do Ecofuturo o precircmio eacute tambeacutem uma
forma de compartilhar boas praacuteticas que incentivam e inspiram a leitura no Paiacutes
ldquoA cada ediccedilatildeo eacute possiacutevel identificar uma melhora consideraacutevel na qualidade e na
periodicidade das atividades promovidasrdquo conclui
Os projetos vencedores foram selecionados por um juacuteri formado pela equipe do
Ecofuturo e especialistas nas aacutereas de educaccedilatildeo leitura e biblioteconomia que entre
101
outros criteacuterios analisaram o planejamento de atividades de promoccedilatildeo de leitura e sua
execuccedilatildeo ao longo de todo o ano acervo selecionado articulaccedilatildeo e atendimento a diversos
puacuteblicos
Os trecircs primeiros colocados ganham 50 livros de literatura novos para complementar
o acervo da unidade e dois representantes de cada biblioteca vencedora participaratildeo da
24ordf Bienal Internacional do Livro de Satildeo Paulo evento que possibilitaraacute por meio de sua
programaccedilatildeo atualizaccedilatildeo profissional e troca de conhecimento Todas as Bibliotecas
Comunitaacuterias participantes recebem certificados com suas respectivas classificaccedilotildees
O Precircmio Ecofuturo de Bibliotecas foi criado pelo Instituto em 2009 A proacutexima ediccedilatildeo
acontece em 2017 e as inscriccedilotildees satildeo restritas agrave Rede Bibliotecas Comunitaacuterias Ler eacute
Preciso Aleacutem dessa iniciativa o Instituto eacute responsaacutevel por outras accedilotildees importantes na
aacuterea como a instituiccedilatildeo de 12 de outubro como Dia Nacional da Leitura e a campanha Eu
Quero Minha Biblioteca
Vencedores
A Biblioteca Prof Maria Olivia Otero Artioli localizada em Agudos Satildeo Paulo
conquistou o primeiro lugar com o projeto ldquoEacute preciso gostar de lerrdquo no qual realizou
atividades de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria durante todo o ano de 2015 O planejamento
anual compreendeu accedilotildees envolvendo puacuteblico diverso de bebecircs a idosos Foram iniciativas
promovidas dentro e fora da biblioteca como a ldquoMala Viajanterdquo que levava leitura a escolas
e creches e que tiveram o livro a leitura e o leitor como atores principais
Jaacute em Mageacute no Rio de Janeiro a Biblioteca Prof Elzira Bastos Amaro em parceria
com o departamento pedagoacutegico da Secretaria de Educaccedilatildeo ficou com a segunda
colocaccedilatildeo com o projeto ldquoOs contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo
com histoacuterias uacutenicasrdquo Aleacutem de accedilotildees de promoccedilatildeo de leitura com forte embasamento
teoacuterico e teacutecnico realizadas semanalmente todo o espaccedilo da unidade foi reorganizado
incluindo catalogaccedilatildeo das obras e separaccedilatildeo dos livros que seriam trabalhados nas
atividades que tiveram como foco o resgate da identidade local utilizando a cultura do
municiacutepio como tema principal
A terceira colocada foi a Biblioteca Mestra Augusta de Turmalina Minas Gerais que
focou seu projeto ldquoDe matildeo em matildeo de voz em voz livros agrave matildeo cheia semprerdquo jaacute
realizado haacute quatro anos em atividades de promoccedilatildeo de leitura que relataram a diferenccedila
102
entre ler e contar trabalhando a articulaccedilatildeo com puacuteblicos variados e a divulgaccedilatildeo em
diversos canais de comunicaccedilatildeo do municiacutepio ndash demonstrando a sustentabilidade do
projeto ndash e a importacircncia do envolvimento do poder puacuteblico
Outro destaque desta ediccedilatildeo foi a Biblioteca Comunitaacuteria Ler eacute Preciso Nelson
Mandela que estaacute localizada na Penitenciaacuteria II de Bauru em Satildeo Paulo e que com o
projeto ldquoUm conto como eu contordquo recebeu a Menccedilatildeo Honrosa O objetivo das atividades
foi utilizar o conto como gecircnero literaacuterio para contemplar as possibilidades de leitura dos
detentos que frequentam a escola dentro da penitenciaacuteria A partir das accedilotildees de promoccedilatildeo
de leitura os professores disseminaram a literatura como fonte de conhecimento e
reflexatildeo
Autor Ecofuturo
Disponiacutevel em httpblogecofuturoorgbrconheca-os-vencedores-do-6o-premio-
ecofuturo-de-bibliotecas
VI
AGRADECIMENTOS
Agradeccedilo aos meus pais David e Neuza pelo incentivo e dedicaccedilatildeo ao longo da vida
Ao meu irmatildeo David pela parceria em todos os momentos Aos meus avoacutes e tios que
sempre soliacutecitos contribuiacuteram de alguma maneira para essa conquista
Agradeccedilo agrave Rejany Dominick que em 2008 me apresentou e tem me ensinado os
caminhos da pesquisa cientiacutefica das experiecircncias instituintes e das artes de fazer e fazer-
me professora Obrigada por compartilhar saberes e por ajudar-me a ver outras estradas
Agradeccedilo ao corpo docente do CMPDI e agravequeles que colaboraram diretamente com
a elaboraccedilatildeo deste trabalho Assim natildeo posso deixar de mencionar a professora Niacutevea
Andrade que no curso de especializaccedilatildeo em ensino de histoacuteria me brindou com conversas
sobre o cotidiano escolar e sobre as taacuteticas docentes para uma educaccedilatildeo outra
Agradeccedilo tambeacutem agrave professora Mocircnica Pereira dos Santos que com disponibilidade
me recebeu para conversamos sobre diversidade e inclusatildeo Agrave professora Dagmar Mello
pelas contribuiccedilotildees no periacuteodo da qualificaccedilatildeo e nesta reta final Ao professor Luiz Andrade
pela disponibilidade para compor a banca Agrave professora Maacutercia Guerra que chegou
recentemente mas parece que jaacute estava aqui por perto haacute algum tempo Obrigada Maacutercia
pela parceria incentivo e amizade
Aos amigos que descobri no Mestrado e agravequeles que ao longo desse caminho se
fizeram presentes compartilhando saberes anguacutestias expectativas Natildeo posso deixar de
mencionar meus colegas de orientaccedilatildeo Camila Matheus irmatilde loira sempre soliacutecita Ao
Luiz Marcelo Ana Ceciacutelia Ana Peacutersia pessoas queridas e companheiras E Lindiane matildee da
pequena Laiacutes que nessa reta final foi a extensatildeo dos meus braccedilos auxiliando-me na parte
teacutecnica para o fechamento deste trabalho
A Seacutergio Felipe Thiago Monique e Mary por serem presentes nos momentos em que
precisei de uma matildeo amiga Agrave Iolanda que me recorda de algumas verdades que por vezes
esqueccedilo
Agradeccedilo ao Gustavo pelas contribuiccedilotildees na elaboraccedilatildeo da arte do caderno
pedagoacutegico
Aos profissionais da Escola Municipal Dinorah do Santos Bastos pela acolhida e
saberes compartilhados Agraves famiacutelias dos estudantes pela parceria de sucesso Agraves
professoras do Preacute-escolar Fabiana e Sarah pela confianccedila conversas e amizade
VII
construiacuteda ao longo desse processo Agrave Lindaura pela parceria e generosidade Devo
tambeacutem agradecer a presenccedila doce e soliacutecita do seu Joatildeo
Agrave gestora da escola Veluma Luciane pelo comprometimento com a educaccedilatildeo que
muito me ensinou e tambeacutem pela confianccedila depositada no meu trabalho Veluma obrigada
por colaborar com a retirada das pedras do caminho
Agrave Pacircmela bolsista de extensatildeo que colaborou na fase inicial da pesquisa com a parte
teacutecnica da coleta de dados e com quem compartilhei saberes
Agrave Laucimary funcionaacuteria da biblioteca pela colaboraccedilatildeo em diversos momentos
Agradeccedilo tambeacutem agraves parcerias institucionais Agrave UFF e agrave PROEX pelo financiamento
de uma bolsista para o desenvolvimento das accedilotildees de ensino pesquisa e extensatildeo Agrave ONG
Aacutegua Doce que potencializou o trabalho com a inserccedilatildeo da biblioteca Eco Futuro no terreno
da escola com uma infraestrutura e um acervo de livros excelentes Agrave Secretaria de
educaccedilatildeo de Mageacute pela autorizaccedilatildeo da pesquisa na escola
A todos da Fundaccedilatildeo Educacional de Cultura de Mageacute por me receber tatildeo bem E agrave
Cristina pelo apoio nesta reta final
E um agradecimento especial aos meus alunos desde agravequeles que laacute em 2008 na
Escola Municipal Nossa Senhora da Penha me instigaram a pensarconstruir experiecircncias
instituintes para a inclusatildeo da vida na sua diversidade e tambeacutem aos estudantes da ldquoEscola
Dinorahrdquo que me encheram de alegria e satisfaccedilatildeo durante esse processo de construccedilatildeo
de conhecimento para a inclusatildeo da diversidade
E agravequele que eacute Alfa e Ocircmega princiacutepio e fim DEUS
VIII
SUMAacuteRIO
Lista de abreviaturas X
Lista de ilustraccedilotildees XI
Lista de figuras XI
Lista de graacuteficos XI
Resumo XII
Abstract XIII
1 Introduccedilatildeo 1
11 Apresentaccedilatildeo 1
12 Eacute preciso falar sobre Diversidade e Inclusatildeo 9
13 A lei 1063903 um marco histoacuterico na luta Antirracista 13
14 O Ensino das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais algumas reflexotildees 15
15 Valores Civilizatoacuterios Afro-brasileiros na Educaccedilatildeo Infantil 18
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio 21
16 A crianccedila pequena e o negro quem satildeo esses outros 24
2 Objetivos 27
21 Objetivo geral 27
22 Objetivos especiacuteficos 27
3 Material e Meacutetodos (Metodologia) 28
31 Puacuteblico alvo 28
32 Etnografia e interdisciplinaridade caminhos metodoloacutegicos 28
33 Questotildees eacuteticas na pesquisa com crianccedilas 31
34 Fases da pesquisa 32
341 As oficinas 33
35 Colaboradores na coleta de dados 35
36 Caderno Pedagoacutegico 36
4 Resultados e Discussatildeo 40
41 Dados coletados reflexotildees iniciais 40
42 Percebendo as vozes oficinas iniciais 41
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (Idade entre 4 e 5 anos) 41
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (Idade entre 5 e 6 anos) 43
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II) 45
IX
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I) 47
43 Oficina 3 - Conhecendo Maria a menina que veio do Congo 51
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso 55
44 Oficina 4 - Uma sensibilizaccedilatildeo para a Pedagogia Griocirc 57
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II) 60
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I) 62
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias 64
45 Oficina 5 - Musicalidade e as ldquoartes de fazerrdquo 65
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica 66
4511 Preacute-escolar II 66
4512 Preacute-escolar I 68
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais 69
453 Confecccedilatildeo de objetos sonoros 72
4531 Preacute-escolar II 72
4532 Preacute-escolar I 73
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis 74
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical 75
46 Oficina 6 - Lendas que nos encantam 77
461 O Segredo do Baobaacute uma lenda Africana 78
47 Narrativa da Professora do Preacute-escolar I 80
5 Consideraccedilotildees Finais 82
51 Conclusotildees 82
52 Perspectivas 84
6 Referenciais bibliograacuteficos 86
7 Apecircndices e Anexos 91
71 Apecircndices 91
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados 91
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 92
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem 95
72 Anexos 98
721 Imagens utilizadas 98
722 Premiaccedilatildeo 100
X
LISTA DE ABREVIATURAS
CMPDI Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo
CNE Conselho Nacional de Educaccedilatildeo
DCN ERER Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees
Eacutetnico-Raciais
DCNs Diretrizes Curriculares Nacionais
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IES Instituiccedilatildeo de Ensino Superior
LDB Lei de Diretrizes e Bases
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios
PROEX Proacute-reitoria de Extensatildeo
RCNEI Referencial Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil
SIGProj Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo de Projetos
TICs Tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo
UFF Universidade Federal Fluminense
XI
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Paacutegina na rede social 38
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos 46
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos 49
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas 50
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) 54
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) 55
Figura 7 Vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade 61
Figura 8 Vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais 64
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos musicais 72
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais 73
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas 76
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo 80
LISTA DE GRAacuteFICOS
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I 43
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II 45
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) 48
XII
RESUMO
A educaccedilatildeo inclusiva e para a diversidade eacute um tema que natildeo pode ser analisado apenas pelo acircngulo da falta de matriacutecula nas escolas Hoje pessoas com deficiecircncia altas habilidades negras indiacutegenas brancas crianccedilas jovens e adultos de todas as religiotildees estatildeo matriculados nas escolas Contudo nem sempre tal fato significa uma inclusatildeo real da diversidade no espaccedilo escolar A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais em contexto escolar eacute um desafio ainda hoje presente em nosso cotidiano Identificamos atitudes que fortalecem segregaccedilotildees do negro e da cultura africana em todas as esferas da sociedade ao longo da histoacuteria brasileira mas na escola apesar da legislaccedilatildeo e de ser um espaccedilo de inclusatildeo da diversidade ainda vemos segregaccedilotildees silenciamentos e indiferenccedilas aos afrodescendentes e suas heranccedilas eacutetnicas Considerando que os mecanismos de discriminaccedilatildeo e preconceitos eacutetnico-raciais devem ser discutidos na escola desde a mais tenra idade este trabalho buscou pesquisar construir aprofundar e difundir conhecimentos sobre aspectos da histoacuteria e da cultura afro-brasileira na Educaccedilatildeo Infantil O foco de nossa pesquisa foram as crianccedilas entre 4 e 5 anos de uma escola municipal de MageacuteRJ localizada em uma aacuterea rural Partindo da Sociologia da Infacircncia dialogamos com metodologias de ensino e de pesquisa interativas interdisciplinares e tambeacutem com princiacutepios etnograacuteficos Importante ressaltar aqui que a escolha pela faixa etaacuteria ocorreu por percebermos que a crianccedila pequena assim como o negro fazem parte de uma minoria social e que apenas recentemente vecircm tendo seus direitos sociais reconhecidos Ateacute haacute pouco tempo eram ldquoos outrosrdquo aqueles cujas vozes natildeo precisavam ser ouvidas Nossa luta poliacutetica eacute para gerar praacuteticas voltadas para a formaccedilatildeo de uma cultura inclusiva que alcance todos os sujeitos no contexto educacional Buscou-se intervir no cotidiano escolar construindo com os estudantes algumas experiecircncias instituintes Tais experiecircncias concretizadas em oficinas pedagoacutegicas compotildeem um caderno pedagoacutegico voltado para docentes da Educaccedilatildeo Infantil visando contribuir para que novas reflexotildees sobre os sentidos da educaccedilatildeo para a diversidade surjam e se efetive uma educaccedilatildeo inclusiva para todos
Palavras-chave raccedila etnia sociologia da infacircncia inclusatildeo metodologias interativas
XIII
Abstract
The inclusive education and to diversity is a theme that cannot be parsed only from the angle of lack of enrollment in schools Today people with disabilities high skills black white indigenous children youth and adults of all religions are enrolled in schools However not always it means a real inclusion of diversity in the school space Education for ethnic-racial relations in school is a challenge even today present in our daily lives Identify attitudes that strengthen the segregation of black and African culture in all spheres of society along the Brazilian history but in school despite legislation and be a space for inclusion of diversity we still see segregation silences and indifference to African descendants and their ethnic heritage Whereas the mechanisms of discrimination and ethnic and racial prejudices should be discussed in school from an early age this study sought to search build deepen and disseminate knowledge about aspects of Afro-Brazilian history and culture in early childhood education The focus of our research were children between 4 and 5 years of a municipal school of MageacuteRJ located in a rural area From the Sociology of childhood deal with teaching methodologies and interactive interdisciplinary research and ethnographic principles Important to note here that the choice by age group occurred because we realize that the small child as well as black are part of a social minority and who just recently been having their social rights recognized Until recently were the other those whose voices need not be answered Our struggle is to generate practical policy geared to the formation of an inclusive culture that reach all subjects in the school context Sought to intervene in the daily school building with students some experiences institutor significations Such experiences implemented in educational workshops compose a book focused on teaching teachers of early childhood education aiming to contribute to new reflections on the directions of education for diversity arise and if such an inclusive education for all
Keywords race ethnicity sociology of childhood inclusion interactive methodologies
1
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 APRESENTACcedilAtildeO
Quando o homem compreende a sua realidade pode levantar hipoacuteteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluccedilotildees Assim pode transformaacute-la e o seu trabalho pode criar um mundo proacuteprio seu Eu e as suas circunstacircncias (FREIRE 1983 p 30)
Esta pesquisa eacute fruto de um trabalho de reflexatildeo accedilatildeo ao longo de uma trajetoacuteria
acadecircmica e profissional inquieta e questionadora acerca dos acontecimentos do cotidiano
escolar Sou professora da Educaccedilatildeo Baacutesica (Ensino Fundamental I) no Municiacutepio de Mageacute
haacute 3 anos e meio Desde a entrada no Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e
Inclusatildeo (CMPDI) venho ocupando a funccedilatildeo de Implementadora de Leitura1 Em maio de
2015 tomei conhecimento de uma escola Rural onde havia grandes possibilidades para a
realizaccedilatildeo da pesquisa de mestrado Ateacute entatildeo na escola onde eu estava natildeo havia turmas
com os anos iniciais do Ensino Fundamental tatildeo pouco de Educaccedilatildeo Infantil
Neste mesmo periacuteodo surge a parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF)
por meio do projeto de extensatildeo ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos
iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo registrado no Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo
de Projetos (SIGProj) sob o nuacutemero 1974399372842612022015
Logo as accedilotildees na escola receberam apoio da Proacute-reitora de Extensatildeo (Proex) no que
se refere a uma bolsa que contemplou uma estudante de graduaccedilatildeo da Pedagogia Aleacutem
dessa parceria contamos tambeacutem com o apoio da Secretaria de Educaccedilatildeo de Mageacute
instituiccedilatildeo governamental municipal que nos possibilitou a realizaccedilatildeo da pesquisa na
Escola Dinorah dos Santos Bastos
A origem histoacuterica do lugar de onde falo observo e escrevo ou seja o loacutecus da
pesquisa possui memoacuterias ldquonatildeo ditasrdquo sobre as quais tentarei narrar algumas para que o
leitor entenda sua articulaccedilatildeo com a temaacutetica da pesquisa
O Municiacutepio de Mageacute localizado na Regiatildeo Metropolitana do Rio de Janeiro eacute um
dos mais antigos do estado Ele tem muito o que revelar tendo em vista seus 451 anos de
1 Aqui na Rede esse profissional eacute um professor itinerante que trabalha com os anos iniciais do Ensino Fundamental Seu enfoque estaacute no trabalho de incentivo agrave leitura
2
existecircncia e sua consideraacutevel densidade demograacutefica de aproximadamente 233634
habitantes segundo dados do IBGE (2014) O Municiacutepio eacute marcado por forte influecircncia das
etnias indiacutegenas e africanas A proacutepria etimologia do nome Mageacute que significa feiticeiro ou
pajeacute2 eacute de origem tupi-guarani
Ao chegar na regiatildeo rural onde aconteceria a pesquisa me deparei com um lugar
repleto de histoacuterias que dialogavam a todo tempo com minha temaacutetica entre elas a
existecircncia de uma fazenda centenaacuteria que ateacute haacute uns poucos anos possuiacutea resquiacutecios de
uma senzala Havia tambeacutem a presenccedila de engenhos de mandioca onde ainda hoje se
produz farinha artesanal e igrejas com mais de 300 anos de existecircncia Tudo me trazia agrave
memoacuteria os trabalhadores da terra os homens escravizados as geraccedilotildees fragilizadas
Impossiacutevel foi natildeo rememorar algumas leituras e escritos meus sobre aquele municiacutepio
que sempre me despertou curiosidade
Mageacute foi ganhando evidecircncia a priori graccedilas agraves suas riquezas naturais e agravequeles que ajudaram a cultivar a terra neste periacuteodo colonial os negros escravizados No entanto na terra dos heroacuteis e tradiccedilotildees3 os negros escravizados natildeo recebiam status de heroacuteis sequer satildeo mencionados hoje na histoacuteria do tempo presente como aqueles que contribuiacuteram para construccedilatildeo de igrejas da primeira linha feacuterrea do Brasil e para o abastecimento econocircmico da Capital a partir do cultivo do solo Para eles sempre sobrou a histoacuteria uacutenica que comumente o rotulava de indolentes preguiccedilosos e sem qualquer valor moral (PEREIRA 2016 p 16)
Conceiccedilatildeo de Suruiacute regiatildeo rural onde estaacute situada a Escola Municipal Dinorah dos
Santos Bastos localiza-se no 4deg distrito de Mageacute chamado Suruiacute Este lugar possui muitas
memoacuterias no que tange a escravidatildeo de negros nas lavouras locais Evidenciar as memoacuterias
e as contribuiccedilotildees de heroacuteis a contrapelo4 me aponta caminhos para uma educaccedilatildeo outra
onde os diferentes sujeitos sejam reconhecidos como outros legiacutetimos outros (MATURANA
VARELA 1995) Ao longo deste trabalho a expressatildeo mencionada seraacute uma constante
tendo em vista a forccedila que ela representa em minha trajetoacuteria
2 Ver etimologia dos nomes afro-indiacutegenas no seguinte trabalho httpwwwpgletrascombr2014 dissertacoes diss-Sivaldo-Correia-da-Silvapdf 3 Trecho do hino do Municiacutepio de Mageacute Link httpswwwletrasmusbrhinos-de-cidades941163 4 Expressatildeo do filoacutesofo alematildeo Walter Benjamin Em seus escritos o autor fala sobre a histoacuteria a contrapelo (LOumlWY 2011) Ou seja a histoacuteria contada sob o ponto de vista dos vencidos Nesse contexto nossos heroacuteis a contrapelo satildeo todos que a histoacuteria oficial natildeo evidencia
3
Os bioacutelogos Humberto Maturana e Francisco Varela expoentes desta expressatildeo
constroem redes de conhecimentos para pensar o ser humano de forma global
integradora e relacional rompendo com os determinismos bioloacutegicos da ciecircncia
tradicional Para eles a construccedilatildeo do conhecimento se daacute porque o ser vivo possui a
capacidade de se auto organizar autogerir e isso acontece quando na relaccedilatildeo com o outro
no social
Rossetto (2010) ao refletir sobre as contribuiccedilotildees de Maturana na educaccedilatildeo afirma
que haacute uma forte defesa da cultura da diversidade pois eacute afirmado que natildeo existem
pessoas iguais ao romper com a geneacutetica como algo predeterminado Por esse motivo os
estudos de Humberto Maturana e Francisco Varela5 satildeo muito recorrentes no campo
educacional jaacute que a formaccedilatildeo do outro como totalmente outro constitui-se como objetivo
da educaccedilatildeo ou ao menos deveria ser
Desse modo tenho me apropriado dessa rica referecircncia ao longo da escrita
entendendo que suas leituras podem ampliar meu olhar para melhor conversar e conhecer
o outro na sua diversidade
A esse ato de ampliar nosso domiacutenio cognitivo reflexivo que sempre implica uma experiecircncia nova soacute podemos chegar pelo raciociacutenio motivado pelo encontro com o outro pela possibilidade de olhar o outro como um igual num ato que habitualmente chamamos de amor ndash ou se natildeo quisermos usar uma palavra tatildeo forte a aceitaccedilatildeo do outro ao nosso lado na convivecircncia (MATURANA VARELA 1995 p 263)
E estimulada a ver o outro como legiacutetimo outro eacute que inicio o trabalho em 2015 com
estudantes da Educaccedilatildeo Infantil contemplando e tambeacutem sendo contemplados com as
duas turmas de Preacute-escolar (I e II) que havia na escola
A opccedilatildeo pela primeira etapa de escolarizaccedilatildeo ocorreu por entender que as relaccedilotildees
raciais desiguais e segregadoras se constroem desde a mais tenra idade Foi notado
tambeacutem que haacute uma certa carecircncia de produccedilotildees acadecircmicas que privilegiem as categorias
raccedila e infacircncia Silva e Souza (2013) em pesquisa realizada de 2003 a 2011 chegam agrave
seguinte conclusatildeo
5 Pois juntos inauguram a Teoria Epistecircmica que discorreremos mais a frente
4
Com relaccedilatildeo ao objeto especiacutefico que buscamos escritos sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais em Educaccedilatildeo Infantil foram localizados publicados a partir de 2003 somente 4 artigos 1 livro 5 capiacutetulos de livro uma tese e 14 dissertaccedilotildees Escalonando as publicaccedilotildees pelos anos de 2003 a 2011 observa-se uma tendecircncia a ligeiro aumento no decorrer dos anos Os 4 artigos localizados foram publicados 2 em 2006 e 2 em 2010 A uacutenica tese identificada foi publicada em 2007 e gerou outras publicaccedilotildees nos anos posteriores 1 capiacutetulo de livro em 2008 e 1 artigo em 2010 As dissertaccedilotildees foram o uacutenico formato permanentemente presente que teve maior concentraccedilatildeo em 2007 e 2008 (trecircs publicaccedilotildees em cada ano) Ou seja aleacutem de uma publicaccedilatildeo de pequena monta a concentraccedilatildeo estaacute na realizaccedilatildeo de trabalhos de pesquisadores em formaccedilatildeo (p 37)
Para aleacutem dessas questotildees venho percebendo que nossa formaccedilatildeo desde muito
cedo tem sido perpassada por paradigmas que nos impotildeem narrativas hegemocircnicas de
identidade (SILVA 2007) levando-nos a acreditar em histoacuterias uacutenicas em processos e
praacuteticas singulares que acabam por segregar e excluir os sujeitos da diferenccedila que
necessitam de um olhar natildeo homogeneizante O enfoque na Educaccedilatildeo Infantil aleacutem dos
motivos apresentados deveu-se ao fato por tratar de importante fase para se pensar e
praticar uma educaccedilatildeo para a Diversidade e Inclusatildeo
Desse modo o ensino da diversidade eacutetnico-racial passou a ser um desafio tendo em
vista que um dos seus objetivos eacute o de romper com os paradigmas da escola moderna
centrados no ensino monocultural reducionista e etnocecircntrico Haacute algum tempo meus
caminhos de formaccedilatildeo tecircm me levado a questionar os sentidos da escola da qual somos
oriundos Fruto da razatildeo iluminista instrumental as escolas brasileiras se construiacuteram
sobre as bases de uma loacutegica cartesiana que pouco espaccedilo tem cedido para a diversidade
de sujeitos e saberes Como docente-pesquisadora6 da escola baacutesica haacute um pouco mais de
7 anos venho refletindo sobre a importacircncia de uma educaccedilatildeo multicultural que privilegie
as experiecircncias dos praticantes do cotidiano escolar
Entendendo a experiecircncia como algo que nos passa (LARROSA 2002 p 21) posso
afirmar que o que me orienta para outros caminhos de reflexatildeo-accedilatildeo onde a inclusatildeo da
diversidade eacute uma constante tem forte ligaccedilatildeo com os diferentes espaccedilos tempos dos
quais experienciei durante a vida
6 Importante salientar que minha trajetoacuteria como professora-pesquisadora se iniciou no ano de 2008 quando entrei em um projeto de iniciaccedilatildeo agrave docecircncia permanecendo por 4 anos Quando formada apoacutes um ano ingressei no Municiacutepio de Mageacute como professora dos anos iniciais estando ateacute os dias atuais
5
Vale ressaltar que para Larrosa (2002) a experiecircncia eacute um acontecimento que nos
atravessa e nos transforma O autor fundamenta-se em Walter Benjamin para afirmar que
nunca se passaram tantas coisas mas a experiecircncia eacute cada vez mais rara (p 20) e tem
relaccedilatildeo direta com o excesso de informaccedilatildeo Ao considerar que a experiecircncia eacute algo que
me atravessa devo supor que ela eacute externa a mim e eu sou o lugar da experiecircncia Para
que ela afete minhas palavras minhas ideias e meus projetos eacute necessaacuterio um movimento
reflexivo e o excesso de informaccedilatildeo pode limitar a ocorrecircncia dessa experiecircncia
Desse modo ao discorrer sobre as dimensotildees da experiecircncia Jorge Larrosa se
apropria de trecircs princiacutepios reflexividade subjetividade e transformaccedilatildeo Todos eles vatildeo
implicar em um processo de alteridade onde o sujeito deve se reconhecer natildeo enquanto
o sujeito do saber ou do poder ou do querer senatildeo o sujeito da formaccedilatildeo e da
transformaccedilatildeo (LARROSA 2011 p 7)
Com isso compartilho as diferentes experiecircncias que me afetaram e que vecircm me
transformando Posso atribuir tal transformaccedilatildeo aos diferentes percursos experienciados
ao longo da vida
Nilda Alves (2004) aborda a necessidade de superaccedilatildeo da ideia de que a formaccedilatildeo
docente se daacute em percursos individuais A autora evidencia que as redes que nos formam
estatildeo interligadas ao espaccedilo acadecircmico agraves experiecircncias das pesquisas em educaccedilatildeo da
praacutetica pedagoacutegica da accedilatildeo governamental e tambeacutem da praacutetica coletiva poliacutetica (ALVES
2004 p 20)
Acrescento que minhas escolhas ideoloacutegicas e assim os caminhos de formaccedilatildeo pelos
quais me enveredei tecircm muito a ver tambeacutem com as memoacuterias de uma infacircncia permeada
por questionamentos diversos sobretudo acerca das heranccedilas raciais que marcam minha
existecircncia A seguir um trecho de algumas dessas memoacuterias de infacircncia
Lembrei-me que na infacircncia por algum tempo neguei os traccedilos fiacutesicos que herdaraacute do meu pai homem negro Lembro-me de ser chamada de nariz de batatinha Isso me incomodava pois natildeo tinha um nariz ldquoafiladordquo como dizia minha avoacute materna (mulher negra) Outro incocircmodo constante era o meu cabelo muito cheio e com cachos que se embaraccedilavam com facilidade Certa vez ouvi dizer que o desprezo da cor eacute o mesmo que o do corpo Concordei pois sem ter consciecircncia desprezava minha histoacuteria minhas raiacutezes desprezava que por debaixo dos caracoacuteis daqueles cabelos tinha uma histoacuteria para contar parafraseando o cantor Histoacuteria de carinho e dedicaccedilatildeo de quando minha matildee e minha tia perdiam horas moldando meus cachinhos
6
exaltando a beleza de um cabelo afro Talvez o desprezo sem querer da figura do meu pai de quem sempre tive muito orgulho Este por sua vez foi um dos que me serviu de inspiraccedilatildeo Em sua histoacuteria de vida natildeo satildeo poucas as narrativas envolvendo violecircncias simboacutelicas constantes e crueacuteis Lembro-me de quando ele teve a oportunidade de comprar seu primeiro carro 0Km Saiu da concessionaacuteria com o carro sem placa e foi abordado em nossa cidade por policiais que ao fazerem a identificaccedilatildeo com os documentos soltaram o seguinte discurso constrangido ldquoA cor do carro eacute muito chamativardquo Cresci ouvindo essa histoacuteria de descaso desrespeito a dignidade de um trabalhador que queria apenas natildeo ter a sua dignidade roubada por desconfianccedilas e assim ser reconhecido como outro legiacutetimo outro Agora quase quinze anos depois percebo com maior clareza o que estaacute por traacutes daquele discurso preconceituoso Na verdade o que chamava atenccedilatildeo natildeo era a cor vermelha do Gol mas a cor do homem que o dirigia Outra figura importante que me inspirou foi meu irmatildeo Ele chegou durante a minha primeira infacircncia Com os olhos de jabuticaba e talvez com a mesma cor de pele Desde muito cedo eu tive que conviver com questionamentos na escola do gecircnero -ldquoEle eacute adotadordquo Aos 6 anos de idade na minha inocecircncia eu respondia conforme minha matildee mandava - ldquoEle eacute diferente porque puxou o meu pai Eu puxei a cor da minha matildeerdquo (PEREIRA PEREIRA 2016 p 8)
Fica expliacutecito que os caminhos pelos quais tenho percorrido possuem estreita relaccedilatildeo
com uma infacircncia perpassada por histoacuterias uacutenicas ndash reforccediladas pela educaccedilatildeo escolar ndash
onde as bonecas e as personagens das histoacuterias jamais tinham cabelos cacheados e ldquonariz
de batatinhardquo como os meus para que eu pudesse me sentir representada e satisfeita
comigo mesma Hoje como professora percebo o quatildeo perigosas podem se tornar tais
histoacuterias quando observamos a construccedilatildeo da identidade de uma crianccedila Me incomoda
saber que tais enredos satildeo reforccedilados diariamente no cotidiano de nossas escolas sob
outras imagens mas que geralmente possuem o intuito de legitimar padrotildees hegemocircnicos
e reforccedilar maneiras uacutenicas de ser e estar no mundo
Compreendido isto minha atuaccedilatildeo profissional tem sido um constante
questionamento natildeo soacute sobre o caraacuteter monocultural e reducionista que permeiam o
curriacuteculo escolar bem como sobre as poliacuteticas e praacuteticas que hoje tecircm tensionado o debate
acerca da inclusatildeo da diversidade eacutetnico-racial nos estabelecimentos oficiais de ensino No
ano de 2013 ao ingressar no curso de especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias
Sociais na Universidade Federal Fluminense aprofundei minhas redes de conhecimento
sobre a relevacircncia de uma educaccedilatildeo a contrapelo onde as histoacuterias de vida e as teorias
cientiacuteficas se entrelaccedilam formando redes colaborativas Ao cursar a disciplina Raccedila
7
curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica fui surpreendida com a existecircncia de um dispositivo legal7
que torna obrigatoacuterio o Ensino da Histoacuteria da Aacutefrica e da Cultura Afro-brasileira nas
instituiccedilotildees escolares A surpresa era porque sendo professora e formada haacute poucos mais
de dois anos a questatildeo nunca me alcanccedilou quando docente em formaccedilatildeo inicial Mesmo
sabendo que os conteuacutedos ligados agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira eram atribuiccedilotildees
especialmente das aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria natildeo me sentia
isenta de apresentar para os meus estudantes dos anos iniciais as memoacuterias e
contribuiccedilotildees culturais da populaccedilatildeo negra para a construccedilatildeo da sociedade brasileira
Refleti sobre minha trajetoacuteria na academia iniciada em 2007 me certificando de que
nenhuma das disciplinas oferecidas se aproximaram da discussatildeo racial Em 2011 quando
concluiacute a formaccedilatildeo em Pedagogia na UFF o curso passara por uma reformulaccedilatildeo curricular
no qual a disciplina Relaccedilotildees eacutetnico-raciais na escola foi incluiacuteda por forccedila da lei federal
1063903 com 60h de carga horaacuteria
Natildeo obstante ao retomar meus estudos na poacutes-graduaccedilatildeo tive como desafio
compreender o porquecirc noacutes professores principalmente dos anos iniciais da Educaccedilatildeo
Baacutesica natildeo estaacutevamos sendo alcanccedilados com as orientaccedilotildees de um dispositivo que tem
como objetivo banir a perpetuaccedilatildeo das desigualdades eacutetnico-raciais A partir de entatildeo
comecei a entrelaccedilar os fios que mais tarde se tornariam objeto de pesquisa8 na
especializaccedilatildeo e posteriormente no mestrado
Ao ingressar no Mestrado Profissional9 em Diversidade e Inclusatildeo vi a possibilidade
de ampliar minhas reflexotildees acerca dos processos teacutecnicas e teorias cientiacuteficas que fossem
mais includentes da vida na sua diversidade Assim ao me inserir na linha de pesquisa
Interdisciplinaridade e Questotildees de Ensino propus a realizaccedilatildeo de um estudo que
atendesse agraves minhas demandas de praticante reflexiva do cotidiano Tambeacutem objetivei a
partir da minha experiecircncia apontar caminhos para a complexa tarefa que eacute a formaccedilatildeo
docente sobretudo quando se trata de incluir a diversidade
7 A lei federal 1063903 foi promulgada no governo do presidente Luiz Inaacutecio Lula da Silva e representa um dispositivo que marca a luta antirracista nos espaccedilos formais de ensino Ver Brasil (2003) 8 O trabalho final de conclusatildeo de curso foi intitulado por ldquoConversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeosrdquo Orientado pela professora Nivea Maria da Silva Andrade 9 Segundo o Capes o Mestrado Profissional (MP) eacute uma modalidade de Poacutes-Graduaccedilatildeo stricto sensu voltada para a capacitaccedilatildeo de profissionais nas diversas aacutereas do conhecimento mediante o estudo de teacutecnicas processos ou temaacuteticas que atendam a alguma demanda do mercado de trabalho
8
Acreditando que esta pesquisa se deu em via de matildeo dupla pois ao passo que
ensinei sempre aprendi mais apresento como produto final desta pesquisa as oficinas
desenvolvidas com os meus alunos sobre a temaacutetica eacutetnico-racial Tais oficinas compotildeem
um caderno pedagoacutegico que seraacute disponibilizando gratuitamente online visando
contribuir com os docentes na construccedilatildeo de um repertoacuterio mais amplo de atividades a
serem desenvolvidas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil sobre a temaacutetica
Para situar o leitor apresento os caminhos percorridos para a elaboraccedilatildeo deste
trabalho No primeiro momento discorro sobre a necessaacuteria reflexatildeo acerca da educaccedilatildeo
inclusiva bem como a diversidade de sujeitos praacuteticas e culturas que esta educaccedilatildeo
contempla Seguido dessas anaacutelises elaboro reflexotildees sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais a lei que o institui e os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros como saberes
instituintes na Educaccedilatildeo Infantil para a superaccedilatildeo do saber universal que secundariza e ateacute
mesmo silencia a produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra (GONCcedilALVES 1987) Apoacutes essas
discussotildees apresento os atores da pesquisa o lugar de onde falo e as parcerias
estabelecidas Essa primeira parte eacute finalizada com a construccedilatildeo de redes reflexivas em
torno da dimensatildeo eacutetnico-racial e da infacircncia
No segundo momento apresento os objetivos geral e os especiacuteficos deste trabalho
O objetivo geral eacute abordar as questotildees eacutetnico-raciais a partir de metodologias interativas
com enfoque na sociologia da infacircncia em uma escola rural do municiacutepio de Mageacute
Enquanto que os objetivos especiacuteficos representam as metas delimitadas para a
concretizaccedilatildeo do objetivo geral
No terceiro momento trago a metodologia da pesquisa explicitando como ocorreu
o levantamento de dados e as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas Enquanto o quarto
momento eacute dedicado aos resultados Busco analisar e discutir as oficinas que satildeo a base
para a elaboraccedilatildeo do Caderno Pedagoacutegico para os professores da Educaccedilatildeo Infantil
Concluo com o quinto momento ao retomar os objetivos especiacuteficos demonstrando suas
contribuiccedilotildees para o desfecho do objetivo geral
Portanto convido o leitor a percorrer os caminhos da pesquisa ldquoA dimensatildeo eacutetnico-
racial a partir do olhar da crianccedila a inclusatildeo da diversidade por meio de experiecircncias
instituintesrdquo
9
12 Eacute PRECISO FALAR SOBRE DIVERSIDADE E INCLUSAtildeO
Haacute quem possa pensar que o conceito de inclusatildeo escolar estaacute estritamente
relacionado agrave questatildeo das deficiecircncias (cognitivas visuais auditivas e outras) Ao iniciar o
mestrado natildeo me surpreendeu questionamentos de algumas pessoas acerca da minha
temaacutetica e consequentemente minha inserccedilatildeo naquele espaccedilo acadecircmico10 Natildeo obstante
em meio a questionamentos e provocaccedilotildees percebi que era urgente uma reflexatildeo mais
aprofundada sobre a diversidade e a inclusatildeo
Igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia na escola eacute o que prevecirc um dos
princiacutepios da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) lei federal nordm 93949611 Contudo essa
importante previsatildeo natildeo tem sido percebida no contexto da educaccedilatildeo brasileira em virtude
das desigualdades de oportunidade para os grupos minoritaacuterios Haacute quem pergunte que
grupos satildeo esses Penso que satildeo todos aqueles que estatildeo em desvantagens sociais e
econocircmicas tais como mulheres crianccedilas grupos eacutetnico-raciais pessoas com deficiecircncia
e altas habilidades populaccedilatildeo pobre e do campo Esses e outros grupos chamo de minoria
que compotildee a diversidade brasileira
Cabe ressaltar que a categoria minoria pode causar confusatildeo quando referida a
grupos de mulheres negros indiacutegenas crianccedilas populaccedilatildeo pobre jaacute que estes
representam a maioria Importante esclarecer que no discurso hegemocircnico minoria daacute a
ideia de grupo inferior No entanto esse conceito na Contemporaneidade vem romper com
as questotildees quantitativas dando vez agraves demandas das singularidades dos grupos culturais
Segundo o antropoacutelogo indiano Arjun Appadurai (2009) as minorias lembram agraves maiorias
que elas natildeo satildeo plenas e totais
Dessa maneira eacute preciso reconhecer que os grupos citados possuem direitos para
aleacutem daqueles que jaacute satildeo garantidos agravequeles que sempre tiveram condiccedilotildees favoraacuteveis de
acesso e de permanecircncia escolar Entendo que a educaccedilatildeo inclusiva deve buscar dar mais
condiccedilotildees de acesso e permanecircncia para aqueles que menos tecircm e isso implica em pensar
natildeo soacute nos sujeitos mas nas praacuteticas que tecircm norteado o cotidiano escolar
10 O Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo estaacute situado no Instituto de Biologia da UFF 11 Este eacute o primeiro princiacutepio do tiacutetulo II que trata da Educaccedilatildeo Nacional Os doze incisos compreendidos nesse tiacutetulo dizem como o ensino deve ser regido Conforme Brasil (1996)
10
Santos (2014) nos provoca a pensar na educaccedilatildeo inclusiva enquanto um processo
para todos e natildeo como propriedade de determinados grupos Quando esse processo natildeo
alcanccedila a todos haacute a exclusatildeo e acabamos reforccedilando a ideia de que a inclusatildeo eacute apenas
para alguns e natildeo para todos Para banir o processo de exclusatildeo eacute preciso fazer um
movimento a contrapelo um movimento de inclusatildeo de todos por inteiro onde haja a
aceitaccedilatildeo de uns aos lados dos outros enquanto legiacutetimos outros
A ideia de inclusatildeo como afirma a autora natildeo pode ser focada em determinados
grupos eacute preciso adotar uma perspectiva de anaacutelise Omnileacutetica12 Tal neologismo
compreende aspectos morfoloacutegicos e categoriais que desde a sua criaccedilatildeo tem exigido
inuacutemeras reflexotildees coletivas por parte dos integrantes do grupo de pesquisa13 do qual a
mesma eacute coordenadora Em suma a Omnileacutetica vai se afirmar como tudo em relaccedilatildeo ndash
entendendo tambeacutem a diversidade onde o olhar para a totalidade eacute uma constante Satildeo
trecircs as categorias que embasam o conceito tridimensionalidade dialeacutetica e pensamento
complexo (SANTOS 2015 p 54) Buscamos neste momento apresentar alguns princiacutepios
do instrumento de anaacutelise que tem favorecido o desenvolvimento da omnileacutetica o Index
para Inclusatildeo (BOOTH AISCOW 2011) Trata-se de um material que permite pensar a
educaccedilatildeo inclusiva a partir de praacuteticas poliacuteticas e culturas que contemplam a vida humana
Essas trecircs dimensotildees satildeo apropriadas por noacutes no transcorrer deste trabalho Percebemos
que as ideias dialogam com o que identificamos como uma educaccedilatildeo instituinte onde a
inclusatildeo da vida na diversidade eacute um valor
No que se refere agrave dimensatildeo das culturas inclusivas podemos ler que
() refere-se agrave criaccedilatildeo de comunidades seguras acolhedoras colaborativas estimulantes em que todos satildeo valorizados Os valores inclusivos compartilhados satildeo desenvolvidos e transmitidos a todos os professores agraves crianccedilas e suas famiacutelias gestores comunidades circunvizinhas e todos os outros que trabalham na escola e com ela Os valores inclusivos de cultura orientam decisotildees sobre poliacuteticas e a praacutetica a cada momento de modo que o desenvolvimento eacute coerente e contiacutenuo A incorporaccedilatildeo de mudanccedila dentro das culturas da escola assegura que
12Omni eacute um prefixo latino que representa tudo Leto eacute um radical grego que no substantivo refere-se a variedade e como verbo eacute tudo aquilo que estaacute oculto O sufixo ico eacute de origem grega e daacute sentido de relaccedilatildeo participaccedilatildeo O conceito pode ser encontrado no texto Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura omnileacutetica disponiacutevel em httpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdf 13LAPEADE - Laboratoacuterio de Pesquisa Estudos e Apoio agrave Participaccedilatildeo e agrave Diversidade em Educaccedilatildeo Para mais informaccedilotildees consultar httpwwwlapeadecombr
11
ela esteja integrada nas identidades de adultos e crianccedilas e seja transmitida aos que estatildeo chegando agrave escola (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
A dimensatildeo que aborda as poliacuteticas inclusivas visa garantir
()que a inclusatildeo permeie todos os planos da escola e envolva a todos As poliacuteticas encorajam a participaccedilatildeo das crianccedilas e professores desde quando estes chegam agrave escola Elas encorajam a escola a atingir todas as crianccedilas na localidade e minimiza as pressotildees exclusionaacuterias As poliacuteticas de suporte envolvem todas as atividades que aumentam a capacidade da ambientaccedilatildeo de responder agrave diversidade dos envolvidos nela de forma a valorizar a todos igualmente Todas as formas de suporte estatildeo ligadas numa uacutenica estrutura que pretende garantir a participaccedilatildeo de todos e o desenvolvimento da escola como um todo (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Com relaccedilatildeo a dimensatildeo das praacuteticas inclusivas estas relacionam-se com o pensar
sobre o que se ensina e se aprende e o como se ensina e se aprende visando a reflexatildeo e a
praacutetica de valores e poliacuteticas inclusivos
() As implicaccedilotildees de valores inclusivos para estruturar o conteuacutedo de atividades de aprendizagem satildeo trabalhadas na seccedilatildeo lsquoConstruindo curriacuteculos para todosrsquo Esta liga a aprendizagem agrave experiecircncia local e globalmente bem como a Direitos e incorpora assuntos de sustentabilidade A aprendizagem eacute orquestrada de modo que o ensino e as atividades de aprendizagem se tornam responsivos agrave diversidade de jovens na escola As crianccedilas satildeo encorajadas a ser ativas reflexivas aprendizes criacuteticas e satildeo vistas como um recurso para a aprendizagem umas das outras Os adultos trabalham juntos de modo que todos assumem responsabilidade pela aprendizagem de todas as crianccedilas (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Desse modo fica reforccedilado que a diversidade e a inclusatildeo estatildeo para aleacutem de acolher
os sujeitos com deficiecircncia ou com altas habilidades visto que tambeacutem trabalham com as
diferenccedilas culturais como os modos de estabelecer valores e construir praacuteticas onde
todos sem exceccedilatildeo sejam alcanccedilados Por entender a urgente necessidade de se trabalhar
a diversidade e a inclusatildeo na escola nos baseamos nos movimentos de direitos humanos
destacando o que estaacute inscrito na Declaraccedilatildeo de Salamanca
O princiacutepio que orienta esta Estrutura eacute o de que escolas deveriam acomodar todas as crianccedilas independentemente de suas condiccedilotildees
12
fiacutesicas intelectuais sociais emocionais linguumliacutesticas ou outras Aquelas deveriam incluir crianccedilas deficientes e super-dotadas crianccedilas de rua e que trabalham crianccedilas de origem remota ou de populaccedilatildeo nocircmade crianccedilas pertencentes a minorias linguumliacutesticas eacutetnicas ou culturais e crianccedilas de outros grupos desavantajados ou marginalizados (UNESCO 1994 p 3)
Partindo do entendimento de que a inclusatildeo escolar refere-se mais agrave reinvenccedilatildeo do
modo de pensar e de fazer a educaccedilatildeo do que propriamente acolher determinados grupos
eacute que foram emergindo algumas memoacuterias instituintes da minha trajetoacuteria de formaccedilatildeo do
tempo em que iniciei meu percurso como professora-pesquisadora no grupo de pesquisa
ldquoAs ldquoartes de fazerrdquo educaccedilatildeo em ciclosrdquo14 Este grupo tem baseado o trabalho no diaacutelogo
entre os diferentes sujeitos da escola baacutesica e da universidade considerando que a troca
de conhecimentos possibilita a emergecircncia de experiecircncias instituintes Para aleacutem de
favorecer uma relaccedilatildeo dialoacutegica com o outro os projetos do grupo ldquoAs artes de fazerrdquo
estiveram voltados para a percepccedilatildeo de manifestaccedilotildees poliacutetico-culturais do cotidiano que
possibilitassem a inclusatildeo democraacutetica e participativa de diferentes sujeitos por inteiro na
cultura (DOMINICK 2011 p 151)
Estar sensiacutevel agraves urgecircncias de uma educaccedilatildeo que atenda agraves diversas especificidades
humanassociais tem ligaccedilatildeo direta com meus percursos de formaccedilatildeo Mas tambeacutem tem
muito a ver com as imagens-memoacuterias15de uma infacircncia que deixaram marcas e que hoje
gritam para serem questionadas e reinventadas Tenho aprendido que um caminho
possiacutevel para romper com as histoacuterias uacutenicas satildeo as experiecircncias instituintes defendida por
Ceacutelia Linhares como
()accedilotildees poliacuteticas produzidas historicamente que vatildeo se endereccedilando para uma outra educaccedilatildeo e uma outra cultura marcadas pela construccedilatildeo permanente de uma maior includecircncia da vida uma dignificaccedilatildeo permanente do humano em sua pluralidade eacutetica uma afirmaccedilatildeo intransigente da igualdade humana em suas dimensotildees educacionais e
escolares poliacuteticas econocircmicas sociais e culturais (LINHARES [200] p 8)
14 Em 2007 comecei a cursar Pedagogia na Universidade Federal Fluminense Em 2008 entrei para o grupo de pesquisa ldquoAs lsquoartes de fazerrsquo educaccedilatildeo em ciclos na rede municipal de educaccedilatildeo de Niteroacuteirdquo onde tive minhas primeiras vivecircncias enquanto professora-pesquisadora em formaccedilatildeo 15 Segundo a autora as imagens-memoacuterias satildeo tatuagens psicoculturais impressas em nossa corporeidade Satildeo memoacuterias do esquecimento da repeticcedilatildeo Elas nos conduzem agrave repeticcedilatildeo sem questionamentos fazem parte dos haacutebitos de determinados grupos e natildeo nos perguntamos sobre sua gecircnese ou sobre sua eficaacutecia
13
Para melhor entender esta categoria da qual venho me apropriando vale esclarecer
que o instituinte segundo a autora natildeo pode se confundir com o novo Esta categoria eacute
entendida a partir de um movimento dialeacutetico no sentido da palavra onde passado
presente e futuro devem estar em constantes interaccedilotildees Dessa maneira ao rememorar as
histoacuterias uacutenicas vivenciadas em minha infacircncia e perceber hoje o quanto elas podem ser
perigosas no que tange agrave formaccedilatildeo identitaacuteria dos sujeitos eacute que busco brechas e subverto
o instituiacutedo para incluir em minha praacutetica cotidiana um olhar mais conectado com a vida
em sua diversidade e inclusatildeo
13 A LEI 1063903 UM MARCO HISTOacuteRICO NA LUTA ANTIRRACISTA
Na busca pela superaccedilatildeo do racismo do preconceito e de praacuteticas segregacionistas
os militantes de movimentos sociais e intelectuais negros sempre souberam que a escola
enquanto um aparelho ideoloacutegico sucessivamente reproduziu os interesses das classes
hegemocircnicas Contudo tambeacutem foi percebido que a escola tem sido um espaccedilo de disputa
onde as classes dominantes e subordinadas tecircm buscado atingir seus mais diferentes
objetivos (YOUNG 2007 p 1292) Desse modo conhecimentos outros podem ser
construiacutedos a favor do rompimento das desigualdades raciais e emancipaccedilatildeo dos sujeitos
Aprovada no Congresso e sancionada pelo Governo Federal a Lei 1063903 alterou
a Lei 939496 (LDB) e tornou obrigatoacuterio o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura afro-
brasileira no curriacuteculo escolar do Ensino Fundamental e Meacutedio Hoje essa lei eacute reconhecida
como um marco na luta por uma educaccedilatildeo antirracista no Brasil Eacute importante frisar que
este dispositivo foi uma grande conquista que natildeo nasceu da noite para o dia mas que foi
alcanccedilada por meio de muitos embates
Mas quais as alteraccedilotildees que este dispositivo traz perguntariam alguns professores
A referida lei altera a LDB com o acreacutescimo dos artigos 26-A e 79-B tornando obrigatoacuterio
o ensino da histoacuteria e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de Ensino Fundamental
e Meacutedio Aleacutem de garantir que esses conteuacutedos sejam ministrados no acircmbito de todo o
curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria
Brasileiras Tambeacutem inclui no calendaacuterio escolar o dia 20 de novembro (Art 79-B) como
ldquoDia Nacional da Consciecircncia Negrardquo por meio da figura de Zumbi dos Palmares
14
Segundo Paula (2010) houve muitas resistecircncias para a implementaccedilatildeo da lei
mesmo sendo um instrumento que apresenta uma obrigatoriedade Buscando sua
efetividade um ano apoacutes a sua implementaccedilatildeo foram instituiacutedas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura
Afro-Brasileira e Africana (DCN ERER) por meio da Resoluccedilatildeo nordm 1 de 17 de junho de 2004
Como parte de uma poliacutetica de accedilotildees afirmativas tais dispositivos buscaram uma
educaccedilatildeo que reparasse os direitos que foram negados agrave populaccedilatildeo negra do Brasil ao
longo da histoacuteria Podemos afirmar que se trata de uma exigecircncia legal eacutetica e moral que
as instituiccedilotildees de ensino devem cumprir Para Paula (2010) o debate da lei e os dispositivos
que a complementam fazem parte de accedilotildees poliacutetico-pedagoacutegicas que devem ser
compromisso de todos os atores do cotidiano escolar O autor afirma ainda que as
diretrizes devem ser observadas por todas as instituiccedilotildees de ensino e desmonta a ideia de
que as discussotildees sobre a questatildeo racial se limitam a estudiosos e ao movimento negro
Desse modo as Diretrizes Curriculares Nacionais afirmam
A escola enquanto instituiccedilatildeo social responsaacutevel por assegurar o direito da educaccedilatildeo a todo e qualquer cidadatildeo deveraacute se posicionar politicamente como jaacute vimos contra toda e qualquer forma de discriminaccedilatildeo A luta pela superaccedilatildeo do racismo e da discriminaccedilatildeo racial eacute pois tarefa de todo educador independentemente de seu pertencimento eacutetnico-racial crenccedila religiosa ou posiccedilatildeo poliacutetica (BRASIL 2004 p 16)
Como citado anteriormente a LDB e a lei percursora da luta educacional antirracista
(lei 1063903) sofrem alteraccedilotildees apoacutes cinco anos de existecircncia desta uacuteltima A mudanccedila
ocorrida veio contemplar a questatildeo indiacutegena como parte da educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais A partir deste momento a lei 1164508 torna obrigatoacuterio o estudo da histoacuteria e
cultura afro-brasileira e indiacutegena Paula (2010) explica que
() a questatildeo indiacutegena na legislaccedilatildeo educacional jaacute possuiacutea certa normatizaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dentre as quais Diretrizes Curriculares Nacionais especiacuteficas para a Educaccedilatildeo Indiacutegena Resoluccedilotildees quanto agrave organizaccedilatildeo das escolas indiacutegenas regulamentando uso das liacutenguas nativas etc Faltava inserir a temaacutetica no contexto da luta anti-racista anti-excludente com vistas a uma integraccedilatildeo positiva no processo de construccedilatildeo e formaccedilatildeo da identidade educacional e nacional Tarefa cumprida sob o ponto de vista legal com a alteraccedilatildeo e modificaccedilatildeo da Lei em questatildeo (p 4)
15
Nesse sentido fica claro que essas alteraccedilotildees natildeo invalidam as prerrogativas da lei
anterior A meu ver apenas reforccedilam a importacircncia da sensibilizaccedilatildeo para o conhecimento
da diversidade eacutetnica que temos por heranccedila
14 O ENSINO DAS RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS ALGUMAS REFLEXOtildeES
As aulas da disciplina Raccedila curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica da especializaccedilatildeo me
provocaram a pensar no quanto pode ser desafiador mudar uma perspectiva educacional
pautada em padrotildees hegemocircnicos onde os saberes ditos universais se utilizam dos
mecanismos de poder para discriminar inferiorizar e segregar os sujeitos da diferenccedila
Comeccedilo a refletir sobre os movimentos necessaacuterios para potencializar a educaccedilatildeo
para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais Vale ressaltar que a expressatildeo eacutetnico-racial eacute defendida
pelas DCNs como a ldquonecessidade de marcar o reconhecimento de que as tensotildees existentes
devido agrave cor e aos traccedilos fisionocircmicos estatildeo entrelaccediladas agraves diferenccedilas culturaisrdquo
(ARANTES ANDRADE 2013 p 388)
Estabeleci conversas com diversos autores para melhor entender as consequecircncias
de viver e ser educado sob o domiacutenio de uma sociedade construiacuteda e legitimada com base
em uma soacute cultura uma soacute liacutengua uma soacute religiatildeo Poreacutem eacute sabido que o Brasil nasceu do
encontro com as diferentes etnias e culturas dos povos indiacutegenas europeus e africanos
Estes que no seacuteculo XVI foram reconhecidos como as grandes trecircs raccedilas16 seriam
respectivamente a raccedila amarela branca e negra
Vale ressaltar que classificar a diversidade humana em raccedilas distintas desde sempre
funcionou como uma maneira de operacionalizar o pensamento (MUNANGA 2000 p 18)
Assim no imaginaacuterio coletivo por muito tempo o homem foi classificado a partir da cor
de sua pele O problema natildeo estava na classificaccedilatildeo dos seres humanos em funccedilatildeo de suas
caracteriacutesticas fiacutesicas como afirmou Munanga (2000) Mas na divisatildeo desses indiviacuteduos a
partir da escala de valores emergindo grupos hieraacuterquicos segundo a cor de pele e
caracteriacutesticas fenotiacutepicas fazendo relaccedilatildeo com os traccedilos morais psicoloacutegicos do sujeito
16 Para o historiador francecircs Ernest Renan (1823-92) existiriam trecircs grandes raccedilas especificas em sua origem e desenvolvimento
16
O resultado disso eacute o sujeito da ldquoraccedila brancardquo enquanto portador de valores
divinizados inteligentes e criativos Enquanto o sujeito da ldquoraccedila negrardquo foi estereotipado
em seus traccedilos fiacutesicos escolhas religiosas estando fadado a ser expressatildeo de todo mal que
pudesse existir Segundo Ernest Renan os grupos negros ldquoseriam povos inferiores natildeo por
serem incivilizados mas por serem incivilizaacuteveis natildeo perfectiacuteveis e natildeo suscetiacuteveis ao
progressordquo (RENAN 1961 apud SCHWARCZ 1993 p 62)
Tal ideia se propagou ideologicamente instituindo o que conhecemos como racismo
Segundo Arantes e Andrade (2013) o cientificismo do seacuteculo XIX construiu teorias
racistas que relacionavam caracteriacutesticas fiacutesicas a comportamentais Para muitos autores
a misturas das raccedilas ou seja a mesticcedilagem comprometia o progresso nacional pois era
considerada como fenocircmeno degenerativo sendo o mesticcedilo depositaacuterio de defeitos
bioloacutegicos e morais (ARANTES ANDRADE 2013 p385)
Esse movimento segregador tomou diferentes facetas ao longo do tempo passando
pelo campo da ciecircncia bioloacutegica ao campo da sociologia Para contextualizar
historicamente essa ideia cabe ressaltar que no iniacutecio da Modernidade foi criado um
discurso racional que justificou e naturalizou as segregaccedilotildees e exclusotildees
O sangue do negro e do indiacutegena eram considerados impuros em demasia para se
misturarem agrave sacralidade do sangue azul europeu E as medidas tomadas para sanar o
problema da mesticcedilagem foram embranquecer a populaccedilatildeo Comeccedila-se entatildeo a financiar
a entrada de imigrantes europeus tais como alematildees italianos espanhoacuteis para compor a
sociedade brasileira e assim contribuir com a construccedilatildeo de uma sociedade com mais
ldquosangue bomrdquo Dado esse passo os negros iam perdendo cada vez mais as possibilidades
de serem vistos como cidadatildeos de direito pois estavam sendo ofuscados pela presenccedila dos
brancos de pele alva
Essa realidade comeccedila a mudar apoacutes a Primeira Guerra Mundial com as criacuteticas agraves
teorias de racismo cientiacutefico tatildeo fortes na Europa No Brasil houve tentativas de construir
uma identidade nacional valorizando a sua diversidade Nesse periacuteodo o mesticcedilamento jaacute
natildeo era visto como um problema mas como estrateacutegia para superaccedilatildeo do racismo
A miscigenaccedilatildeo portanto soacute poderia ser fruto da consolidaccedilatildeo de trecircs raccedilas
europeia negra e indiacutegena que consequentemente viveriam paciacutefica e harmoniosamente
bem Como um dos principais expoentes desta teoria Gilberto Freire escritor e cientista
social pernambucano escreve no iniacutecio de 1930 Casa Grande e Senzala Este livro ficou
17
consagrado na histoacuteria por inaugurar o que conhecemos por ldquomito da democracia racialrdquo
Esse pensamento reconheceu a presenccedila negra enquanto formadora da sociedade
brasileira fortalecendo a ideia de que todos os sujeitos independentemente da cor
viveriam harmoniosamente bem Desse modo a mistura de raccedilas e culturas (a
mesticcedilagem) era uma ideia plausiacutevel
O mesticcedilamento construiu uma ideia idiacutelica afirmando que a mistura das raccedilas
geraria uma democracia racial quando na verdade funcionou como uma barreira para o
entendimento da cultura e identidade negras impedindo o nascimento de uma consciecircncia
poliacutetica que firmassem os negros e mesticcedilos enquanto legiacutetimos outros
Acreditar no mito eacute esquecerdesconhecer que se o negro natildeo atinge os mesmos
patamares que o branco natildeo foi por falta de competecircncia intelectual mas porque ele se
encontra historicamente em grandes desvantagens Acreditar no mito eacute defender que natildeo
haacute racismo no cotidiano escolar quando na verdade o discurso de tratamento igualitaacuterio a
todos os estudantes demonstra uma maneira sutil de manifestar a discriminaccedilatildeo racial na
escola
Por isso eacute preciso reconhecer sobretudo os docentes
() as pedagogias de combate ao racismo e as discriminaccedilotildees elaboradas com o objetivo de educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais positivas que tem por objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciecircncia negra (BRASIL 2004 p 16)
E foi buscando o rompimento com praacuteticas educativas segregadoras e indiferentes a
diversidade eacutetnico-racial no cotidiano escolar eacute que comeccedilo a pensar essa pesquisa com o
foco na Educaccedilatildeo Infantil visto que a construccedilatildeo da visatildeo de mundo e dos sentidos
comeccedilam desde a infacircncia Gonccedilalves (1987) discorre sobre a particularidade cultural na
educaccedilatildeo de crianccedilas negras e alerta para o ritual pedagoacutegico que impotildee um ego branco a
educaccedilatildeo de crianccedilas (p 27) Segundo este autor existe um silenciamento acerca da
produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra quando natildeo verificamos a sua inferiorizaccedilatildeo e
folclorizaccedilatildeo
Tal silenciamento eacute legitimado por exemplo quando a crianccedila na escola explicita
sua preferecircncia por histoacuterias cujos protagonistas satildeo brancos em detrimento daquelas que
tecircm como personagem principal um negro (e quando tem) Tal construccedilatildeo natildeo acontece
18
na escola ndash tendo em vista outros meios de socializaccedilatildeo da crianccedila mas esse
comportamento muitas vezes vai sendo reforccedilado pelo professor de maneira inconsciente
ndash vide imagens-memoacuterias17 citadas anteriormente Quando o professor eacute indiferente agrave
formaccedilatildeo eacutetnico-cultural brasileira ele reitera o preconceito racial permitindo que a
crianccedila negra tenha um processo de socializaccedilatildeo diferente da crianccedila branca
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012 p 54)
O docente formado dentro da mesma cultura que exclui em geral negligencia o
direito baacutesico de seu estudante oriundo de outras realidades sentir-se protagonista de
histoacuterias reais e afetivas E na maioria das vezes esse mesmo professor vai se apropriar do
discurso baseado na democracia racial eliminando o direito dos alunos de se perceberem
nas suas diferenccedilas
Portanto para que tenhamos uma escola que nos eduque para a diversidade e a
inclusatildeo eacute necessaacuterio que haja a possibilidade de que estudantes brancos negros
indiacutegenas ou de qualquer outra etnia reconheccedilam a diferenccedila e que valorizem respeitem
e convivam com elas tornando a existecircncia mais plena de sentido
15 VALORES CIVILIZATOacuteRIOS AFRO-BRASILEIROS NA EDUCACcedilAtildeO
INFANTIL
Ao fazer referecircncia aos valores civilizatoacuterios afro-brasileiros evidencio as
contribuiccedilotildees de africanos e afro-brasileiros que resistiram agraves muacuteltiplas perversidades ao
longo da histoacuteria No entanto esses mesmos homens e mulheres nos brindam com a
construccedilatildeo de nossa identidade que eacute rica em cores formas e movimentos Para Trindade
(2013) tais valores civilizatoacuterios estatildeo carimbados em nossa memoacuteria em nossos modos
de pensar e de agir A muacutesica que apreciamos a feacute que professamos a literatura que nos
provoca a gastronomia que saboreamos dentre outros realccedilam em noacutes uma beleza
incomum dos padrotildees instituiacutedos pela racionalidade moderna eurocecircntrica
Com isso ao propor a reflexatildeo-accedilatildeo sobre os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros na
educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas afirmo de maneira concreta e afetiva a nossa
17 Indico sobre essa questatildeo a leitura do seguinte artigo ldquoA (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidaderdquo de Pereira e Pereira (2016)
19
afrodescendecircncia E tambeacutem reitero a urgente necessidade de exploramos a produccedilatildeo
cultural negra no cotidiano da escola e natildeo de maneira pontual e folclorizada que
inferioriza a populaccedilatildeo negra
Ao optar pelo trabalho com categoria da reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005)
penso na capacidade de interpretaccedilatildeo e transformaccedilatildeo que as crianccedilas tecircm pois como
atores de suas histoacuterias as crianccedilas satildeo potencialmente capazes de contribuir para
repensar o seu contexto social
Falar de contexto social eacute ter em mente que somos herdeiros de uma sociedade
patriarcal monocultural e determinista que subalterniza e desumaniza o diverso Eacute preciso
pensar e buscar a inclusatildeo da diversidade no ambiente escolar quando a sociedade tem
como projeto inclusive educacional desconsiderar o que possuiacutemos de mais precioso a
diferenccedila que nos caracteriza como seres humanos e sociais Concordamos com Gonccedilalves
(1987) quando realiza a brilhante defesa
ldquose a produccedilatildeo e a transmissatildeo do saber na escola natildeo forem mediados pela particularidade cultural da populaccedilatildeo negra as praacuteticas pedagoacutegicas continuaratildeo punindo as crianccedilas negras que o sistema de ensino natildeo conseguiu ainda excluir aplicando-lhes o seguinte castigo reclusatildeo ritualizada em procedimentos escolares de efeito impeditivo cujo resultado imediato eacute o silenciamento da crianccedila negra a curto prazo e o do cidadatildeo para o resto da vidardquo (p 29)
Azoilda Trindade (2010 2013) nos inspira a pensar sobre os valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e nas suas potencialidades para inaugurar experiecircncias instituintes que
valorize a diversidade eacutetnico-racial na Educaccedilatildeo Infantil Mergulhei nas memoacuterias da
autora me encontrei nelas e fui levada a bradar tambeacutem opto pela VIDA E a vida em sua
plenitude Quando por ventura escutar ldquoesse aluno natildeo tem jeitordquo ldquoeles natildeo tecircm
valoresrdquo reconhecerei as brechas para burlar o instituiacutedo e potencializar uma praacutetica
educativa mais conectada com o ser humano na sua diversidade A conexatildeo com a vida
deve nos conduzir a descoberta de outras searas muito proacuteximas daquela filosofia
humanista africana que afirma que eu soacute posso ser na medida que todos noacutes somos
Pensar o Ubuntu em uma sociedade onde seu processo civilizatoacuterio foi pautado no
individualismo na competiccedilatildeo e no materialismo eacute um ato revolucionaacuterio Portanto tenho
por compromisso eacutetico e humano trazer para a cena ndash inclusive para minha praacutetica
20
docente ndash os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros que estatildeo impressos em nossas maneiras
de ser e viver
E assim evidenciar18a Energia Vital (Axeacute) que nos remete a construccedilatildeo da
afetividade (pelos gestos palavras olhares) dimensatildeo tatildeo importante na Educaccedilatildeo
Infantil A Circularidade que vem nos lembrar que o iniacutecio e fim estatildeo ligados Natildeo haacute
hierarquia pois quando se estaacute em ciacuterculo todos se veem com a mesma oacutetica A
Corporeidade que nos mostra que o corpo tem muito a falar com seus movimentos ora
retraiacutedos ora expressivos O corpo eacute histoacuteria que precisa ser contada A Memoacuteria nos ajuda
a compreender que somos feitos de histoacuterias mas que por vezes satildeo distorcidas nos
tirando o sentimento de pertenccedila do que podemos vir a ser A Ancestralidade nos faz
transcender para aleacutem da materialidade da vida onde a memoacuteria dos nossos anciatildeos
carrega um grande legado
A Territorialidade nos remete aos espaccedilos casa e escola Lugares de iniciaccedilatildeo e que
precisam estar imbricados quando pensamos na educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas A
Religiosidade nos convida a uma relaccedilatildeo com os elementos da natureza e com o ser
humano de maneira mais transcendente respeitosa e harmoniosa A
CooperaccedilatildeoComunitarismo evidenciam a nossa essecircncia humana nascemos de uma
comunhatildeo e soacute vivemos em plenitude a partir dela E essa ideia eacute fundamentalmente
especial quando pensamos na formaccedilatildeo de crianccedilas pequenas que requer um ambiente
cooperativo acolhedor e amoroso para que seu aprendizado se realize de maneira afetiva
e efetiva Afinal de contas o adulto que a crianccedila se tornaraacute vai depender das relaccedilotildees
estabelecidas na infacircncia
A Oralidade provoca-nos a perceber as muacuteltiplas vozes do cotidiano e aqui nos
remetemos principalmente agraves crianccedilas enquanto portadoras de saberes-poderes A
Ludicidade nos rememora a necessaacuteria arte de viver em meio agraves contrariedades da vida
sem perder a capacidade de brincar e sorrir Aqui entendemos a brincadeira como uma
potente ferramenta pedagoacutegica visto que eacute considerada como uma linguagem infantil E a
Musicalidade nos daacute o tom para embalar nossos enredos cheios de ritmo sonoridade e
melodia
18 Os valores aqui pontuados podem ser encontrados no link httpwwwacordaculturaorgbrsitesdefault fileskitMODOSBRINCAR-WEB-CORRIGIDApdf
21
Todos esses valores civilizatoacuterios afro-brasileiros nos provocam a pensar sobre nossa
condiccedilatildeo de indiviacuteduos marcados pela diversidade e que refletem imagens drsquoAacutefrica de
ontem e de hoje de filhos e filhas que natildeo podem negar a riqueza do Patrimocircnio Africano
afrodiaspoacuterico e afro-brasileiro como bem dizia Trindade (2010 p 13) Eles tambeacutem nos
alimentam e fortalecem no caminho para a superaccedilatildeo de curriacuteculos escolares que
legitimam os saberes ditos universais como uacutenicos verdadeiros e superiores
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio
Por considerar que a musicalidade compotildee um dos valores civilizatoacuterios da cultura
afro-brasileira e por ela ser um importante componente curricular para a Educaccedilatildeo Infantil
e os anos iniciais que traz contribuiccedilotildees para a formaccedilatildeo de sujeitos criativos e reflexivos
pensamos neste subcapiacutetulo Vale ressaltar que para essa fase do ensino pensar a muacutesica
em contextos educativos natildeo demanda necessariamente ter formaccedilatildeo especiacutefica para tal
A consciecircncia de que a muacutesica faz parte do cotidiano do estudante desde a tenra idade e
que por isso ela representa uma linguagem jaacute eacute motivo para maiores reflexotildees
Pensando nisso procuramos trazer possibilidades de trabalho com a muacutesica na
Educaccedilatildeo Infantil Ao considerarmos a muacutesica enquanto aacuterea de conhecimento concluiacutemos
que nossas accedilotildees soacute faratildeo sentido quando dialogadas com os saberes dos educandos e com
a cultura na qual eles estatildeo inseridos Com isso rompemos com concepccedilotildees pedagoacutegicas
reducionistas que tratam a educaccedilatildeo musical de forma reprodutora pontual e rotineira
Ao defendermos uma mudanccedila de paradigma buscamos a desconstruccedilatildeo da ideia de que
a muacutesica eacute um artefato cultural instituiacutedo para apenas a sua reproduccedilatildeo em datas
comemorativas da escola Desmontamos tambeacutem a noccedilatildeo de que as muacutesicas cantadas na
Educaccedilatildeo Infantil satildeo formas de marcar a rotina e estimular a expressividade quando na
verdade tem como premissa a criaccedilatildeo ou reforccedilo de comportamentos
Concordamos com Brito (2003) quando afirma que a muacutesica deve emancipar o ser
humano ndash a partir da reflexatildeo-accedilatildeo e natildeo reproduccedilatildeo ndash e deve incluir a todos os estudantes
sem distinccedilatildeo
() longe da visatildeo europeia do seacuteculo passado que selecionava os ldquotalentos naturaisrdquo eacute preciso lembrar que a muacutesica eacute linguagem cujo conhecimento se constroacutei com base em vivecircncias e reflexotildees orientadas
22
Desse modo todos devem ter o direito de cantar ainda que desafinado Todos devem poder tocar um instrumento ainda que natildeo tenham naturalmente um senso riacutetmico fluente e equilibrado pois as competecircncias musicais desenvolvem-se com a pratica regular e orientada em contextos de respeito valorizaccedilatildeo e estiacutemulo a cada aluno por meio de propostas que consideram todo o processo de trabalho e natildeo apenas o produto final (p 53)
Importante ressaltar que nosso objetivo natildeo eacute formar muacutesicos mirins ou futuros
maestros musicais Desejamos a partir do eixo musicalidade ndash expresso no Referencial
Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil (RCNEI)19 ndash desenvolver competecircncias para a
formaccedilatildeo integral dos estudantes sob uma perspectiva interdisciplinar e inclusiva de
valores outros Tais valores satildeo pensados por noacutes como aqueles que refletem a diversidade
da sociedade brasileira
O cotidiano das crianccedilas principalmente em fase inicial da escolarizaccedilatildeo deve ser
permeado de brinquedos musicais Se pararmos para pensar a crianccedila nos seus primeiros
dias de vida jaacute eacute iniciada no universo musical a partir do que chamamos de acalantos
(cantigas de ninar) Natildeo eacute preciso muito tempo para os jogos e brinquedos musicais
tomarem o imaginaacuterio delas tendo em vista que tais artefatos satildeo heranccedilas culturais
transmitidas por tradiccedilatildeo oral chegando agraves crianccedilas por meio das brincadeiras de roda
(poesia muacutesica e danccedila) cirandas parlendas adivinhas etc
As brincadeiras de roda estatildeo relacionadas com as canccedilotildees populares Estas por sua
vez fazem parte do folclore20 brasileiro Considerando que tais canccedilotildees faccedilam parte da
cultura de um povo e sendo o nosso povo rico culturalmente poderiacuteamos afirmar que elas
satildeo um potente instrumento para a educaccedilatildeo de nossas crianccedilas Segundo o RCNEI as
brincadeiras de roda tambeacutem conhecidas como rondas receberam influecircncias de culturas
como lusitana africana ameriacutendia espanhola e francesa Poreacutem sua origem eacute
fundamentalmente europeia (Portugal e Espanha)
Brito (2003) afirma que a linguagem musical eacute construiacuteda de acordo com cada cultura
e eacutepoca estando assim associada aos costumes sociais de um povo Se portanto os
costumes da eacutepoca eram deslegitimar o outro enquanto legiacutetimo outro por meio da
subalternizaccedilatildeo o que diriacuteamos do conteuacutedo de algumas cantigas Assim se ouvirmos
19 Link de acesso httpportalmecgovbrsebarquivospdfrcnei_vol1pdf 20 O folclore cuja etimologia eacute de origem inglesa significa conhecimento de um povo (folk-povo e lore-conhecimento)
23
dizer que as cantigas populares estatildeo associadas agraves tradiccedilotildees e histoacuterias de um povo
corremos o risco de nos depararmos com narrativas nada idiacutelicas
Por isso acreditamos que eacute preciso falar das cantigas populares sobretudo quando
elas fazem parte da rotina educacional de crianccedilas pequenas Peixoto (2015) em sua
pesquisa sobre a violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda nos alerta para a
urgecircncia de reflexotildees sobre esses brinquedos musicais que inculcam valores de uma
cultura (dominante) Muito grave tambeacutem eacute a banalizaccedilatildeo daquele que eacute diferente dos
padrotildees hegemocircnicos
A autora recorre ao poder simboacutelico (BOURDIEU 1989) a fim de esclarecer o
processo de induccedilatildeo de certos valores de forma que quando naturalizados passam a
representar um certo tipo de violecircncia que por sua vez tambeacutem eacute simboacutelica Se avaliarmos
a linguagem das cantigas populares com um olhar descolonizado ndash livre dos padrotildees
hegemocircnicos instituiacutedos ndash perceberemos os simbolismos bem estruturados e sutilmente
representados nos campos de violecircncia de gecircnero domeacutestica racial entre outros Natildeo eacute
de se estranhar que a percepccedilatildeo dessas questotildees seja limitada tendo em vista que a
violecircncia nem sempre representaraacute algo tangiacutevel O entendimento de violecircncia para aleacutem
da fiacutesica supotildee pensarmos na ausecircncia Carecircncia talvez de justiccedila de liberdade de
solidariedade e de igualdade Quando em nossa existecircncia nos faltam tais elementos
certamente nos faltaraacute tambeacutem o sentimento de cidadatildeo de direitos plenos e subjetivos
Todavia parece estar cada vez mais difiacutecil a percepccedilatildeo do poder simboacutelico que gera
a violecircncia simboacutelica em virtude das inversotildees de valores do mundo contemporacircneo
Concordamos com o socioacutelogo quando afirma
Eacute necessaacuterio saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos onde ele eacute mais completamente ignorado portanto reconhecido o poder simboacutelico eacute com efeito esse poder invisiacutevel o qual soacute pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que natildeo querem saber que lhe estatildeo sujeitos ou mesmo que o exercem (BOURDIEU 1989 p 9)
Para essa difiacutecil tarefa de fazer conhecer o desconhecido e o ignorado elegemos o
professor sujeito este que consideramos peccedila fundamental na emancipaccedilatildeo das
consciecircncias Mas esse professor a quem tantos chamam de mediador do conhecimento
precisa para aleacutem de outras atribuiccedilotildees uma que consideramos chave a curiosidade Mas
como afirmava Paulo Freire natildeo se trata de uma curiosidade ingecircnua mas aquela que
24
encaminha para o movimento a inquietaccedilatildeo e a criticidade Portanto acreditamos que o
docente precisa ser epistemologicamente curioso para perceber as ideologias que Freire
(2007) relaciona com a ldquoocultaccedilatildeo da verdade dos fatos com o uso da linguagem para
penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna miacuteopesrdquo (p 125)
Tal postura deve ser de tal modo libertadora que o seu exerciacutecio suscite no discente
o mesmo sentimento o da curiosidade criacutetica que de matildeos dadas com a imaginaccedilatildeo e a
emoccedilatildeo eacute capaz de conduzir a experiecircncias instituintes Quando definimos as temaacuteticas das
oficinas logo pensamos em uma que contemplasse a musicalidade Nesse sentido levamos
para a sala de aula um repertoacuterio musical de cantigas populares sendo que uma delas
carregava em sua letra uma mensagem de violecircncia A partir da sensibilizaccedilatildeo convidamos
os estudantes agrave reinvenccedilatildeo da mesma que em breve seraacute apresentada neste trabalho
Assim o leitor estaraacute em contato com algumas taacuteticas de docentes e discentes que
descobriram que para aleacutem de um repertoacuterio musical envolvente mas instituiacutedo existe
um mundo de possibilidades
16 A CRIANCcedilA PEQUENA E O NEGRO QUEM SAtildeO ESSES OUTROS
A Ciecircncia Moderna vem pensar o outro como uma categoria da diferenccedila
evidenciando suas singularidades e multiplicidades Buscamos contribuiccedilotildees de autores
para pensar o sujeito da diferenccedila o outro e assim sinalizar como eles (a crianccedila e o negro)
tecircm sido enunciados
Ao iniciar a leitura deste trabalho e ao longo dele eacute possiacutevel deparar-se com a
expressatildeo outro como legiacutetimo outro dos bioacutelogos Maturana e Varela (1995) Tais autores
inauguram algo instituinte na Biologia e que vai ao encontro do outro enquanto sujeito
da diferenccedila eles pensam o homem para aleacutem dos determinismos geneacuteticos Ou seja o
indiviacuteduo eacute fruto tanto dos sistemas bioloacutegicos quanto das relaccedilotildees sociais Desse modo
ao defender a cultura como parte do desenvolvimento humano os autores apoiam que
natildeo existem pessoas iguais e que a diferenccedila estaacute dentro da normalidade ao contraacuterio da
homogeneidade (ROSSETTO 2010)
Com isso defender o outro enquanto legiacutetimo outro eacute aceitar o sujeito da diferenccedila
na relaccedilatildeo comprazendo-se com os seus diferentes modos de ser e viver
25
Paradoxalmente ao que os autores acima apresentam Pletsch e Carvalho (2011) vatildeo
pensar o ldquooutrordquo a partir de ldquonoacutesrdquo que impotildee por sua vez um discurso de superioridade
e autoridade Com isso o ldquooutrordquo eacute a representaccedilatildeo de algo inanimado (objeto) sobre o
qual eacute possiacutevel exercer o poder e domiacutenio Em dossiecirc sobre processos de inclusatildeo e
exclusatildeo escolar esses autores alimentam uma urgecircncia dar visibilidade agrave dor e ao
sofrimento dos ldquooutrosrdquo Mas fica um questionamento para noacutes quem satildeo os outros
efetivamente
O outro eacute todo aquele que natildeo pode ser noacutes recebendo status de ldquodiferenterdquo Sendo
assim os ldquooutrosrdquo satildeo
() os analfabetos os negros os iacutendios os drogados as mulheres as crianccedilas os velhos os gays as leacutesbicas os pederastas os presidiaacuterios as prostitutas os deficientes fiacutesicos e mentais os pobres e os miseraacuteveis enfim todos aqueles seres humanos que satildeo desumanizados maltratados ignorados enfim invisibilizados mesmo quando queremos tornaacute-los visiacuteveis (PLETSCH CARVALHO 2011 p 3)
Neste trabalho temos buscado evidenciar os outros na figura da crianccedila pequena e
do negro (afro-brasileiro) natildeo enquanto sujeitos destinados agrave opressatildeo e dominaccedilatildeo mas
como indiviacuteduos que precisam ser incluiacutedos no cotidiano escolar enquanto outros legiacutetimos
outros Dessa maneira desejamos estar com eles pesquisar com eles e criar estrateacutegias
para incluiacute-los na sua corporeidade diversidade e maneiras de pensar e sentir
Nos anos de 1990 comeccedilaram a surgir na Europa discussotildees socioloacutegicas em torno
da infacircncia A crianccedila passou a integrar uma categoria social e deixa de ser olhada apenas
como sujeito de tutela sem voz para ser vista como sujeito de direito e capaz de construir
e modificar culturas a partir da interaccedilatildeo com seus pares e com os adultos As crianccedilas que
passam a ser consideradas atores sociais iratildeo reproduzir comportamentos sociais
interpretando-os de maneira singular Esse modo de agir jaacute foi aqui identificado
anteriormente como reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005) Interpretativa porque
as crianccedilas criam e participam de suas culturas E reproduccedilatildeo porque elas tambeacutem podem
contribuir para a reproduccedilatildeo da sociedade ou para a mudanccedila social
Como a crianccedila eacute capaz de interpretar e reproduzir a cultura da qual faz parte nos
perguntamos qual eacute a cultura na qual a crianccedila tem sido formada Esse meio tem
favorecido o reconhecimento da crianccedila a partir de suas diferenccedilas Esse meio tem
26
provocado a inclusatildeo da diversidade eacutetnico-cultural nos espaccedilos educativos e fora deles
Se levarmos em conta o caraacuteter monocultural reducionista e etnocecircntrico que permeia a
instituiccedilatildeo escolar desde a sua origem nos certificaremos que a escola corre grande risco
de desfavorecer a cultura da diversidade Concordamos com Oliveira e Farias (2014)
quando afirmam que
ldquo() ao longo de nossa histoacuteria como naccedilatildeo o tratamento dado as matrizes eacutetnicas que configuram a nossa gente tem sido feito de maneira desigual privilegiando o grupo eacutetnico europeu em detrimento dos nativos e dos africanos colaborando assim para a produccedilatildeo de desigualdades e injusticcedilas sociaisrdquo (p 89)
Ou seja a figura do negro e seus modos de ser e estar no mundo tal como de outras
matrizes eacutetnicas que natildeo representavam os padrotildees sociais dominantes da hierarquia
colonizadora se constituiu ao longo dos seacuteculos como uma natildeo cultura Eles os nativos
da terra e os que aqui posteriormente chegaram para serem escravizados historicamente
sempre foram ldquoos outrosrdquo conforme Pletsch e Carvalho (2011)
Na histoacuteria da Educaccedilatildeo o negro representou ldquoum outro que devia ser anulado
apagadordquo (SKLIAR 2003 p 41) Basta saber que no Brasil Impeacuterio foram estabelecidos dois
decretos21 impedindo que o negro participasse do espaccedilo escolar de forma plena e com
direitos iguais ao da populaccedilatildeo branca
Apesar de hoje natildeo termos mais esse tipo de lei como haacute 162 anos ainda estatildeo
presentes marcas dessa maneira de pensar que aparece algumas vezes de forma muito
sutil e de outras nem tanto visto que o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo foram
internalizados e naturalizados no imaginaacuterio e consequentemente no comportamento do
brasileiro O que dizer dos filmes da Disney dos contos europeus das histoacuterias de priacutencipes
e princesas que comeccedilam a fazer parte do imaginaacuterio de nossas crianccedilas sobretudo em
fase inicial de escolarizaccedilatildeo Pois entatildeo nessas narrativas os negros natildeo existem pelo
menos da maneira que deveriam existir
21 Decreto nordm 1331 de 17 de fevereiro de 1854 estabelecia que nas escolas puacuteblicas do paiacutes natildeo seriam admitidos escravos e a previsatildeo de instruccedilatildeo para adultos negros dependia da disponibilidade de professores O Decreto nordm 7031-A de 6 de setembro de 1878 estabelecia que os negros soacute podiam estudar no periacuteodo noturno e diversas estrateacutegias foram montadas no sentido de impedir o acesso pleno dessa populaccedilatildeo aos bancos escolares Tais dados podem ser encontrados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africanas
27
2 OBJETIVOS
21 OBJETIVO GERAL
Realizar pesquisa a partir de metodologias interativas ndash interdisciplinaridade e
etnografia ndash com enfoque na Sociologia da Infacircncia com estudantes entre 4 e 6 anos
abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola rural do municiacutepio de MageacuteRJ
22 OBJETIVOS ESPECIacuteFICOS
Analisar os desdobramentos da lei 1164508 e os dispositivos legais que a
complementam em uma escola Rural no Municiacutepio de Mageacute
Compreender a infacircncia enquanto categoria social por meio da Sociologia da
Infacircncia
Identificar no ambiente escolar se haacute imagens e materiais que evidenciem etnias de
matriz afro-brasileiras e indiacutegenas
Aproximar a famiacutelia da escola a fim de construir redes colaborativas mais efetivas e
afetivas
Dialogar e refletir com os docentes e equipe pedagoacutegica sobre os desafios da inclusatildeo
da diversidade na escola
Desenvolver com os estudantes estrateacutegias didaacuteticas mediadas por atividades
luacutedicas onde os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros sejam uma constante
Produzir e revisitar tecnologias educacionais que potencializem as accedilotildees pedagoacutegicas
no trato das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
Desenvolver um suporte midiaacutetico para o compartilhamento dos processos e
materiais que mediaram as experiecircncias instituintes
Elaborar um caderno com orientaccedilotildees pedagoacutegicas a partir de experiecircncias
instituintes sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo como puacuteblico alvo
professores da Educaccedilatildeo Infantil
28
3 MATERIAIS E MEacuteTODOS (METODOLOGIA)
31 PUacuteBLICO ALVO
A pesquisa foi realizada com a Educaccedilatildeo Infantil compreendendo duas turmas da
Preacute-escola A turma do ldquoPreacute Irdquo possuiacutea 18 estudantes dentre eles 9 meninos e 9 meninas
com idades entre 4 e 5 anos No ldquoPreacute IIrdquo eram 19 estudantes sendo que 11 meninos e 8
meninas com idades entre 5 a 6 anos incompletos
As docentes de ambas as turmas satildeo concursadas e residem no municiacutepio em
distritos vizinhos ao da escola A professora do Preacute-escolar I tem formaccedilatildeo na Escola
Normal em niacutevel meacutedio Enquanto a professora do Preacute-escolar II formou-se em Histoacuteria
recentemente tendo como tema monograacutefico jogos e relaccedilotildees raciais
32 ETNOGRAFIA E INTERDISCIPLINARIDADE CAMINHOS METODOLOacuteGICOS
A Sociologia da Infacircncia enquanto campo cientiacutefico que concebe a infacircncia como
objeto socioloacutegico tem nos apontado caminhos metodoloacutegicos para a percepccedilatildeo e
reinvenccedilatildeo das praacuteticas poliacuteticas e culturas em torno do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
desde a tenra idade As muacuteltiplas vertentes teoacutericas que dialogam com a Sociologia da
Infacircncia tecircm caminhado em busca de definiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas no que tange a
construccedilatildeo social da crianccedila na sociedade da qual ela eacute agente ativa de transformaccedilatildeo
Ao considerarmos a infacircncia como parte da sociedade (MUumlLLER 2006) somos
provocados a refletir sobre as diferentes aacutereas do conhecimento com os quais ela dialoga
psicologia antropologia histoacuteria sociologia Pensar a crianccedila a partir do entrelaccedilamento
dessas ciecircncias eacute conferir-lhe status de um ser social complexo e em devir
Buscando atender as especificidades dessa categoria de anaacutelise complexa que eacute a
infacircncia eacute que estabelecemos redes reflexivas com metodologias interativas que
consideram o sujeito da pesquisa enquanto ator social ativo e participante da cultura de
pares e tambeacutem de adultos Dessa maneira os caminhos percorridos para o conhecimento
das vozes dos estudantes foram o da pesquisa interdisciplinar e etnograacutefica Destacamos
primeiramente a pesquisa etnograacutefica que segundo Kramer (2002) garante
29
procedimentos metodoloacutegicos e estrateacutegias favoraacuteveis agraves interaccedilotildees adulto e crianccedila (p
44)
Inicialmente tal escolha se deu por entendermos que seria no miacutenimo incoerente
chegar com uma entrevista fechada para crianccedilas entre 4 a 6 anos responderem O diaacutelogo
com a crianccedila demanda uma postura especial que requer a utilizaccedilatildeo de uma linguagem
proacutepria
Corsaro (2005) jaacute nos falava sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de crianccedilas
explicitando a origem antropoloacutegica desta metodologia que se sustenta em um movimento
de tornar-se nativo Ou seja a construccedilatildeo de uma relaccedilatildeo efetiva e afetiva que contribua
para a anaacutelise das vivecircncias da crianccedila e assim a sua sistematizaccedilatildeo implica em
reconhecer sua cultura e com ela estar disposto a conviver numa relaccedilatildeo de alteridade
Aqui vamos nos referir agraves vozes das crianccedilas como sendo as nossas aliadas nesse
processo de confirmaccedilatildeo das hipoacuteteses Desse modo tais vozes se datildeo de diferentes
formas a partir de ilustraccedilotildees conversas informais conversas entre os pares
silenciamentos Uma ferramenta muito importante para o trabalho foram as notas
registradas no caderno de campo que satildeo parte da metodologia etnograacutefica Todos esses
meios forneceram subsiacutedios para a criaccedilatildeo de praacuteticas e culturas inclusivas sobre a questatildeo
eacutetnico-racial desde a tenra idade
William Corsaro importante pesquisador no campo da Sociologia da Infacircncia com
sua vasta experiecircncia sobre pesquisa etnograacutefica com crianccedilas do Preacute-escolar tem
contribuiacutedo sobremaneira para a reflexatildeo das relaccedilotildees hierarquizantes e portanto
opressoras entre adultos e crianccedilas Suas teorias sobre etnografia na infacircncia reproduccedilatildeo
interpretativa e cultura de pares (CORSARO 2005) reforccedilam a ideia de que a crianccedila eacute um
ator social capaz de receber cultura mas tambeacutem de construir as suas proacuteprias na
interaccedilatildeo
As pesquisas empiacutericas do autor demonstram que o olhar do adulto reconhecendo a
legitimidade da alteridade infantil eacute uma via potente no processo de construccedilatildeo do
conhecimento Ele nos ajuda a pensar sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de
crianccedilas e relata que ao longo de 28 anos escrevendo sobre o tema seu trabalho passou
por significativa transformaccedilatildeo quando deixou de pesquisar sobre para pesquisar com
crianccedilas A seguir um trecho sobre a pesquisa etnograacutefica
30
A etnografia eacute o meacutetodo que os antropoacutelogos mais empregam para estudar as culturas exoacuteticas Ela exige que os pesquisadores entrem e sejam aceitos na vida daqueles que estudam e dela participem Neste sentido por assim dizer a etnografia envolve ldquotornar-se nativordquo Estou convicto de que as crianccedilas tecircm suas proacuteprias culturas e sempre quis participar delas e documentaacute-las Para tanto precisava entrar na vida cotidiana das crianccedilas ndash ser uma delas tanto quanto podia (CORSARO 2005 p 446)
Obviamente que eu natildeo me tornaria uma delas tatildeo pouco falaria por elas Mas o
movimento que William Corsaro defende eacute o de entrar e ser aceito pela comunidade
pesquisada e para isso eu natildeo deveria ldquoagir como um adulto tiacutepicordquo (p 446)
Depreende-se que ldquotornar-se nativordquo envolve falar as linguagens que satildeo proacuteprias
das crianccedilas para entatildeo melhor dialogar com elas ndash E que linguagens satildeo essas Ouso
dizer que satildeo as linguagens do corpo da sonoridade da ludicidade entre outras que
atraem as crianccedilas
Importante afirmar que a infacircncia eacute uma categoria social complexa e pensaacute-la
demanda muitas redes de saberes especialmente nos processos educacionais uma
perspectiva de pesquisa interdisciplinar agrega conhecimentos importantes para pensar a
crianccedila na sua totalidade E para tal buscamos pensar a interdisciplinaridade a partir de
dois autores Juares da Silva Thiesen (2008) e Ivani Fazenda (2010) sobre a qual vamos
aprofundar nossas reflexotildees Vale frisar que cada autor concebe esta metodologia agrave luz de
seus saberes e formaccedilatildeo mas o importante eacute ter consciecircncia de que a essecircncia de suas
percepccedilotildees converge para um soacute caminho o rompimento com a loacutegica fragmentada e
linear do conhecimento imposta pela corrente hegemocircnica das Ciecircncias Modernas
Desse modo Thiesen (2008) nos conduz a pensar na necessaacuteria reforma do
pensamento pelas vias da interdisciplinaridade Para ele a sociedade contemporacircnea
impotildee uma seacuterie de complexificaccedilotildees e para entendecirc-las se faz necessaacuterio uma rede de
sistematizaccedilotildees com saberes interligados
Jaacute Fazenda (2010) aborda a indispensaacutevel transformaccedilatildeo da pedagogia onde a
transmissatildeo do saber precisa dar lugar agraves trocas dialoacutegicas Nos anos 1970 Ivani Fazenda
recebeu influecircncias do pensamento de Hilton Japiassuacute (1976) o primeiro a pesquisar a
Interdisciplinaridade no Brasil enquanto que na Europa (Franccedila e Itaacutelia) esse movimento
jaacute acontecia desde de 1960 Ivani Fazenda pensou inicialmente na construccedilatildeo
epistemoloacutegica do conceito emergindo as seguintes conclusotildees a interdisciplinaridade eacute
31
uma atitude que envolve inovaccedilatildeo dialogo reciprocidade ousadia humildade coerecircncia
espera respeito e desapego
Humildade porque a investigaccedilatildeo interdisciplinar natildeo se limita a meacutetodos senatildeo a
vestiacutegios percebidos na interaccedilatildeo com os atores sociais E tambeacutem parte-se do
entendimento que a dimensatildeo individual eacute deficitaacuteria para a resoluccedilatildeo de conflitos (HAAS
2011) Havendo entatildeo a necessidade de constante diaacutelogo com o outro
Outra atitude importante que dialoga com a interdisciplinaridade eacute a ousadia que
busca e transforma a inseguranccedila em redes reflexivas E eacute esta ousadia que constroacutei as
parcerias entre professoraluno professorprofessor gestorcomunidade escolar
Concordamos com a autora quando reconhece que a interdisciplinaridade eacute senatildeo
um processo um caminho que transforma uma realidade instituiacuteda em experiecircncias
instituintes a partir da relaccedilatildeo de reciprocidade com o outro legiacutetimo outro
Tendo em vista a relevacircncia da interdisciplinaridade e sua urgecircncia em propor novas
formas de investigar de dialogar e construir saberes eacute que realizamos a ponte com a
Sociologia da Infacircncia de modo que fosse possiacutevel articular com suas vertentes teoacutericas
Explicitamos aqui o meacutetodo comparativo da etnografia longitudinal (CORSARO 2005) onde
acompanhamos a transiccedilatildeo dos atores da pesquisa para o ano seguinte em 2016
A etnografia a interdisciplinaridade e a pesquisa-participante enquanto pensar-
fazer se complementam formando redes reflexivas e criando de maneira instituinte um
ensino que dialogue com as relaccedilotildees eacutetnico-raciais na infacircncia
33 QUESTOtildeES EacuteTICAS NA PESQUISA COM CRIANCcedilAS
A reflexatildeo sobre as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas eacute um movimento
contemporacircneo e inovador que natildeo soacute beneficia a comunidade cientiacutefica como tambeacutem o
proacuteprio sujeito participante da pesquisa O que antes representava um sujeito silenciado
em seus saberes e receptor de culturas hoje o vemos como um ator de direitos
reconhecidos resguardados e legitimados
Kramer (2002) ao discorrer sobre autoria e autorizaccedilatildeo na pesquisa com crianccedilas
nos sinaliza alguns pontos importantes quando trabalhamos com a infacircncia enquanto
categoria social As reflexotildees da autora em torno da divulgaccedilatildeo dos nomes das crianccedilas
32
exibiccedilatildeo de seus rostos e devoluccedilatildeo dos achados nos provoca a pensar nos caminhos que
temos percorrido
Ao iniciar a pesquisa adotamos como procedimento eacutetico dar a conhecer os aspectos
da pesquisa aos responsaacuteveis dos estudantes do Preacute-escolar I e II Assim realizamos uma
reuniatildeo onde foi solicitada a participaccedilatildeo dos estudantes Naquele momento foi
endossado que a participaccedilatildeo era voluntaacuteria e o consentimento poderia ser retirado a
qualquer tempo sem prejuiacutezos agrave continuidade das atividades nas minhas aulas
O termo de consentimento assinado pelos responsaacuteveis autoriza a coleta de dados
bem como suas anaacutelises e publicaccedilatildeo dos mesmos Nesse documento foi firmado o
compromisso de omitir os nomes dos participantes tal como a exibiccedilatildeo de suas imagens
Tambeacutem foi garantida a confidencialidade das informaccedilotildees geradas e a privacidade dos
sujeitos da pesquisa
A omissatildeo dos nomes deveu-se a compreensatildeo de que era necessaacuterio resguardar a
integridade da crianccedila mesmo sabendo que o que estava sendo proposto na pesquisa natildeo
apresentasse riscos aparentes O mesmo posicionamento ocorreu em relaccedilatildeo agraves suas
imagens levando em consideraccedilatildeo o alerta de Kramer (2002) sobre o cuidado com a
exposiccedilatildeo de crianccedilas pequenas em que pese a sua necessidade de ser reconhecida
Sobre a devoluccedilatildeo dos achados temos pensado em nosso compromisso com aquela
comunidade escolar que nos recebeu acreditou e incentivou a pesquisa Vislumbramos
socializar os resultados com todos os envolvidos diretamente na pesquisa por diferentes
meios
34 FASES DA PESQUISA
A pesquisa foi dividida em cinco fases transcorrendo de agosto do ano de 2014 a
julho de 2016
Na primeira fase foi realizada pesquisa bibliograacutefica acerca do ensino das relaccedilotildees
eacutetnico-raciais e sua ocorrecircncia nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica Concomitante a essa
busca foram cursadas as disciplinas do programa que possibilitaram uma melhor
aproximaccedilatildeo com o objeto de estudo e deste com os diferentes campos de conhecimento
sob um vieacutes interdisciplinar
33
Na segunda fase a partir de maio de 2015 foi estabelecido contato com a escola para
apresentaccedilatildeo da proposta e solicitaccedilatildeo de autorizaccedilatildeo institucional22 para a coleta de
dados Apoacutes tal autorizaccedilatildeo iniciaram-se as conversas com os responsaacuteveis pelos
estudantes visando uma sensibilizaccedilatildeo sobre a temaacutetica e sua autorizaccedilatildeo para que os
alunos pudessem participar da pesquisa
A terceira fase tendo seu iniacutecio no mecircs de junho de 2015 eacute identificada como
sondagem das percepccedilotildees dos estudantes sobre a temaacutetica eacutetnico-racial durante as
oficinas iniciais nas aulas de Dinamizaccedilatildeo de Leitura Esta teve como objetivo perceber as
preferecircncias desejos e recusas dos alunos com relaccedilatildeo agrave proposta Nessa fase tambeacutem
foram importantes as conversas estabelecidas com os docentes da escola
Na quarta fase iniciada em agosto e perdurando por 6 meses foram realizadas as
oficinas pedagoacutegicas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil com faixa-etaacuteria entre 4 a 6
anos Tais oficinas buscaram articular os conhecimentos propostos pelos RCNEI e pelas DCN
ERER As experiecircncias construiacutedas coletivamente e sistematizadas deram forma ao
caderno23 com orientaccedilotildees pedagoacutegicas sobre o ensino da relaccedilotildees eacutetnico-raciais na
Educaccedilatildeo Infantil A seguir buscamos apresentar os caminhos percorridos em cada uma
das oito oficinas
341 As oficinas
Foram realizadas um total de oito oficinas que tiveram como caminhos
metodoloacutegicos a interdisciplinaridade (FAZENDA 2010 THIESEN 2008) e os princiacutepios
etnograacuteficos de pesquisa com crianccedilas pequenas (CORSARO 2005) Ao longo de cada uma
das accedilotildees buscamos um jeito proacuteprio de pensar e construir saberes desejaacutevamos romper
com a loacutegica cartesiana da razatildeo instrumental que desconsidera os saberes dos sujeitos da
diversidade Assim fomos ao encontro deles buscando entrecom eles na alteridade para
entendermos seus mundos por meio de conversas que nos conduzissem a aprendizagens
Apresentamos as duas primeiras oficinas que representam a terceira fase do projeto
Foram Accedilotildees iniciais para perceber os indiacutecios que os estudantes nos apontavam sobre a
urgecircncia de incluir a temaacutetica naquele contexto Elas tiveram como enfoque a literatura
22 A autorizaccedilatildeo institucional se encontra no apecircndice 711 23Este caderno seraacute disponibilizado em formato digital
34
infanto-juvenil Nos dois momentos que aconteceram em dias distintos com duraccedilatildeo de
50 minutos cada buscamos perceber as narrativas que estavam povoando o imaginaacuterio
daqueles atores sociais e sensibilizaacute-los para a existecircncia de outras histoacuterias especialmente
aquelas nas quais os afrodescendentes e suas matrizes eacutetnicas fossem evidenciadas
A terceira oficina sendo a quarta fase do projeto buscou tornar conhecida uma
Heroiacutena a contrapelo a liacuteder quilombola mageense Maria Conga A oficina foi realizada
com a participaccedilatildeo de matildees tias avoacutes ou irmatildes que foram convidadas para ali estarem
Aconteceu em um soacute dia com duraccedilatildeo total de 1hora e 20 minutos mas foi dividida em
dois momentos No primeiro narramos a histoacuteria de Maria a menina que veio do Congo
Buscou-se uma narrativa intertextual ligando a vida de Maria Conga com a histoacuteria dos
muitos africanos que foram trazidos para o Brasil Em um segundo momento foi proposto
a confecccedilatildeo de bonecas abayomis pelas jovens adultas e idosas que naquele instante
acompanhavam os estudantes
A quarta oficina foi uma sensibilizaccedilatildeo baseada na Pedagogia Griocirc Tal pedagogia
idealizada pela educadora Lilian Pacheco24 baseia-se na valorizaccedilatildeo e transmissatildeo dos
saberesfazeres (ALVES 2001)25 da cultura oral dos sujeitos da regiatildeo Desse modo nesta
oficina buscou-se aproximar os saberes das novas geraccedilotildees aos saberes das geraccedilotildees
passadas por meio das histoacuterias contadas pelas griocirctes locais Neste trabalho as griocirctes
foram duas avoacutes dos estudantes Elas foram escolhidas porque eram mulheres idosas que
representavam os sujeitos da diversidade a avoacute do estudante do ldquoPreacute IIrdquo tem nanismo fato
que chama atenccedilatildeo das crianccedilas pois embora fosse do tamanho deles ela jaacute tinha vivido
quase 60 anos A outra avoacute da estudante do ldquoPreacute Irdquo eacute negra
A oficina foi realizada em dois momentos distintos ocorrendo em duas semanas No
primeiro momento realizou-se a contaccedilatildeo de histoacuterias pelas avoacutes com duraccedilatildeo de cerca de
50 minutos Na semana seguinte os estudantes recontaram aspectos das histoacuterias ouvidas
com massinha de modelar Com os registros desta experiecircncia posteriormente seraacute
confeccionado um viacutedeo animado e legendado com a temaacutetica Histoacuterias de nossa gente
A quinta oficina envolveu a Musicalidade enquanto valor civilizatoacuterio afro-brasileiro
e foi dividida em cinco momentos distintos ocorrendo em um periacuteodo de um mecircs e meio
24 Mais agrave frente discorreremos sobre esta pedagogia 25 Nilda Alves utiliza o recurso de aglutinaccedilatildeo de palavras para indicar a necessidade de ir aleacutem dos limites herdados das Ciecircncias Modernas
35
mais ou menos 6 encontros Buscou-se nesta proposta trabalhar o desenvolvimento de
diferentes competecircncias como a de construccedilatildeo de conceitos a descoberta de instrumentos
musicais eacutetnicos e a confecccedilatildeo deles a construccedilatildeo de rimas ritmos e movimentos As accedilotildees
desta oficina culminaram no ano de 2016 quando foram compartilhadas algumas criaccedilotildees
musicais dos estudantes com as famiacutelias via dispositivos moacuteveis
A sexta oficina foi nomeada como Lendas que nos encantam e teve por objetivo
retornar aos gecircneros literaacuterios como na primeira oficina evidenciando histoacuterias que
precisam ser contadas nas escolas brasileiras Desse modo apresentamos a histoacuteria de uma
aacutervore que representa a ancestralidade africana o Baobaacute
Para trabalharmos a histoacuteria do Baobaacute realizamos dinacircmicas em dois momentos
distintos tendo cada um 50 minutos Na primeira semana foi contada a lenda da seguinte
maneira organizei um cenaacuterio com cartolinas coloridas agrave frente da sala de aula com uma
aacutervore (de papel) de troncos largos cheia de frutos Realizei a leitura da lenda e
posteriormente foram escolhidos alguns estudantes para encenar a histoacuteria sendo os
seguintes personagens o Baobaacute a hiena dois coelhos e outros trecircs bichos Logo em
seguida a partir da minha mediaccedilatildeo os estudantes dinamizaram a lenda expressando
criatividade imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Foi possiacutevel realizar a contaccedilatildeo de histoacuteria pelos
estudantes por trecircs vezes O objetivo era que todos participassem
Na semana seguinte resgatamos a histoacuteria e pedimos agraves crianccedilas que representassem
aspectos daquela histoacuteria por meio de ilustraccedilotildees em folhas e de massinha de modelar
Tais produccedilotildees foram registradas para compor um viacutedeo animado sobre a histoacuteria do Baobaacute
contada a partir do olhar dos estudantes de Conceiccedilatildeo de Suruiacute
35 COLABORADORES NA COLETA DE DADOS
As docentes das turmas a bolsista de extensatildeo e a equipe pedagoacutegicagestora foram
as colaboradoras diretas da pesquisa e contribuiacuteram significativamente para o processo de
investigaccedilatildeo
As professoras regentes das turmas pesquisadas foram fontes importantes para
percepccedilatildeo da urgecircncia em pesquisar o contexto da Educaccedilatildeo Infantil Os relatos de suas
praacuteticas cotidianas das relaccedilotildees interpessoais entre os estudantes e suas famiacutelias da
relaccedilatildeo entre os pares foram fundamentais para potencializar as reflexotildees em direccedilatildeo a
36
inclusatildeo da diversidade Cabe ressaltar que ambas as professoras embora soliacutecitas e agrave
disposiccedilatildeo para contribuir com os achados dificilmente participavam das oficinas Os 50
minutos semanais eram os uacutenicos que elas tinham para realizar o seu planejamento visto
que no municiacutepio de Mageacute os docentes de 1deg segmento natildeo tinham garantido o 13 de
carga horaacuteria semanal para planejamento conforme estabelece a lei federal 117380826
A parceria com a discente da graduaccedilatildeo (bolsista de extensatildeo) durante o processo
de coleta de dados foi um apoio fundamental pois representava um olhar a mais naquele
momento de achados Aleacutem disso a estudante realizou grande parte dos registros
fotograacuteficos enquanto eu mediava as oficinas
A gestora por sua vez foi quem prontamente viabilizou a coleta de dados a partir da
autorizaccedilatildeo institucional e que no decorrer desse processo tambeacutem representou uma
fonte de validaccedilatildeo dos dados coletados visto sua relaccedilatildeo direta com as famiacutelias estudantes
e docentes
Por fim eacute possiacutevel concluir que a coleta de dados desta pesquisa foi permeada por
olhares atentos que culminaram em conversas27 entre noacutes docentes e tambeacutem com
discentes para potencializar um ensino onde a inclusatildeo da diversidade se tornasse uma
constante
36 PRODUTOS DO PROJETO
Os produtos desta pesquisa satildeo tecnologias educacionais Todas elas estatildeoseratildeo28
disponibilizadas online29 visando contribuir para que outros docentes da Educaccedilatildeo Infantil
(e tambeacutem dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica) possam trabalhar com o ensino das
relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo em consideraccedilatildeo a diversidade e a inclusatildeo
26 Lei que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magisteacuterio puacuteblico da Educaccedilatildeo Baacutesica E prevecirc ldquoo limite maacuteximo de 23 (dois terccedilos) da carga horaacuteria para o desempenho das atividades de interaccedilatildeo com os educandosrdquo (sect 4ordm do art 2ordm) Significando assim que 13 (um terccedilo) da jornada destinar-se-ia agraves atividades de planejamento e formaccedilatildeo continuada do docente Conforme Brasil (2008) 27 Concordamos com CARVALHO (2011) que ao pensar o curriacuteculo como comunidade de afetos orienta que professores e alunos professores e professores conversem e ao considerar a alteridade construam inteligecircncia coletiva 28 Alguns produtos jaacute foram publicados como o cataacutelogo de livros eacutetnicos Outros seratildeo lanccedilados apoacutes a publicaccedilatildeo do caderno digital 29 Paacutegina na rede social (Facebook) construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo Link httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoeudantesetnicoraciaisartesdefazer
37
Os produtos deste trabalho podem ser definidos como
1 A construccedilatildeo do espaccedilo virtual (uma paacutegina na rede social) para o compartilhamento
das accedilotildees pedagoacutegicas e os produtos da pesquisa Este suporte midiaacutetico foi validado
pelo acesso que tem recebido chegando a um alcance de 160 pessoas em algumas
semanas no ar A maior parte desse puacuteblico eram pessoas da proacutepria comunidade
escolar pais dos estudantes professores funcionaacuterios da escola e os proacuteprios alunos
Vale ressaltar que esta paacutegina foi construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo
ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos iniciais artes de fazer e fazer-
se professorrdquo sendo assim intitulada por ldquoO ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais artes
de fazer e fazer-se professorrdquo Portanto ao vincular-se ao projeto de extensatildeo sua
criaccedilatildeo visou divulgar tambeacutem as accedilotildees extensionistas que aconteciam na
escolauniversidade contemplando as turmas do Ensino Fundamental Vale frisar
que temos difundido para aleacutem dos muros da escola o pensamento inclusivo sobre
a diversidade atingindo a comunidade escolar docentes e outros sujeitos de Mageacute
2 Um cataacutelogo de livros disponiacutevel na biblioteca comunitaacuteria localizada na Escola
Municipal Dinorah dos Santos Bastos e que tambeacutem se encontra no espaccedilo virtual
citado acima Este material tem auxiliado os docentes dos anos iniciais na busca pelas
temaacuteticas indiacutegenas e africanidades
3 Coletacircnea de muacutesicas com as vozes das crianccedilas A gravaccedilatildeo das cantigas populares
pelos proacuteprios estudantes foi compartilhada com os responsaacuteveis no iniacutecio do ano
corrente O principal objetivo foi dar um feedback das accedilotildees do ano anterior e
tambeacutem possibilitar a apreciaccedilatildeo de um trabalho autoral feito por seus proacuteprios
filhos Com a finalizaccedilatildeo do caderno e sua publicaccedilatildeo estas muacutesicas seratildeo lanccediladas
na paacutegina do Facebook
4 Dois viacutedeos animados elaborados a partir das produccedilotildees artiacutesticas dos estudantes
Esses viacutedeos tambeacutem foram feitos a partir das produccedilotildees dos estudantes tendo
como temaacutetica lendas locais e de ancestralidade africana O procedimento seraacute o
mesmo sua publicaccedilatildeo seraacute concomitante agrave publicaccedilatildeo do caderno na paacutegina virtual
5 Um caderno pedagoacutegico digital que tambeacutem disponibilizaremos na paacutegina em
formato PDF Adotamos alguns criteacuterios para a estruturaccedilatildeo do caderno pedagoacutegico
que foram linguagem adequada ao puacuteblico formato claro e estruturado propostas
38
exequiacuteveis articulaccedilatildeo entre teoria e praacutetica e adequaccedilatildeo aos paracircmetros da
Educaccedilatildeo Infantil Acreditamos na capacidade desde produto em potencializar o
pensamento inclusivo sobre a diversidade eacutetnico-cultural do povo brasileiro E com
isso suscitar modos de pensar e de produzir experiecircncias instituintes na Educaccedilatildeo
Infantil A priori vamos identificar esse produto como uma tecnologia de transmissatildeo
de conhecimento visto que nele seratildeo apresentados saberes construiacutedos nas oficinas
sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais e que foram validadas por estudantes e docentes da
Educaccedilatildeo Infantil durante as praacuteticas cotidianas Acreditamos que o professor na sua
capacidade reflexiva ao interagir com este material tambeacutem poderaacute modificar e
servir de inspiraccedilatildeo para outras praacuteticas natildeo buscando ser um modelo para
reproduccedilatildeo Dessa forma o docente enquanto sujeito reflexivo precisa reinventar
as atividades propostas de acordo com sua realidade criando e recriando artes de
fazer
Figura 1 Paacutegina na Rede Social Fonte Daise dos Santos Pereira
Na Figura 1 temos um registro da paacutegina virtual jaacute citada anteriormente Dominick
(2015) nos provoca a pensar nos possiacuteveis status dessa tecnologia informacional Seria ela
interativa ou difusora Para a autora haacute miacutedias difusoras onde o conhecimento eacute
produzido por alguns e difundido como eacute o caso da televisatildeo e do raacutedio Mas haacute aquelas
39
que possibilitam uma interaccedilatildeo entre os sujeitos pois se apresentam como uma
possibilidade de dialogia Esse espaccedilo na internet busca difundir um conhecimento mas
tambeacutem eacute um lugar de diaacutelogo de possibilidades de interaccedilotildees com professores que vatildeo
aleacutem da reproduccedilatildeo de ideias
Neste endereccedilo tambeacutem disponibilizamos alguns livros infanto-juvenis em formato
PDF que podem ser baixados um cataacutelogo com os livros de literatura com temaacutetica eacutetnica
(indiacutegena e africana) que elaboramos a partir da busca no acervo da biblioteca da escola
Neste material satildeo encontrados o resumo a faixa-etaacuteria e o nuacutemero de paacuteginas de cada
obra A elaboraccedilatildeo deste cataacutelogo surgiu pela necessidade de identificarmos as obras
literaacuterias eacutetnicas e por identificarmos nas atividades de implementaccedilatildeo de leitura pouca ou
nenhuma familiaridade dos docentes da escola com o acervo das matrizes eacutetnicas africanas
e indiacutegenas Por exemplo na semana do dia do iacutendio uma das docentes relatou dificuldade
para achar uma obra que tratasse do tema Ao procurar achamos 39 exemplares de
temaacutetica indiacutegena e africana Hoje contamos com um pouco mais de 50 livros em nosso
acervo escolar
Logo seraacute possiacutevel encontrar na paacutegina gravaccedilotildees musicais dos estudantes os viacutedeos
animados das histoacuterias locais produzidos com os mesmos e algumas fotografias das accedilotildees
realizadas na escola Buscaremos assim que publicados esses produtos disponibilizar o
texto dessas histoacuterias em PDF Esta eacute uma estrateacutegia de ferramenta acessiacutevel para pessoas
cegas Assim a histoacuteria pode ser lida pelo leitor de tela para os deficientes visuais
Intencionamos com isso abrir caminhos para ampliar o diaacutelogo com a tecnologia acessiacutevel
(DOMINICK 2015) de modo a alcanccedilar crianccedilas surdas cegas ou com deficiecircncias fiacutesicas
Desse modo acreditamos estar favorecendo praacuteticas docentes inclusivas da
diversidade Reafirmamos no entanto que tais meios soacute seratildeo de fato aliados a um saber-
fazer emancipatoacuterio na medida em que o docente os assumir como extensatildeo de suas
reflexotildees e de seus braccedilos natildeo como modelo a ser seguido Para tal ele precisa ser o que
Schoumln (2000) denominou como professor reflexivo um sujeito que para Castels (1999) eacute
interagente De forma que quando ele entrar em contato com os produtos desta pesquisa
iraacute se apropriar e dialogar com os conhecimentos ali expostos assim como apresentar
outras ideias e tambeacutem suas praacuteticas
40
4 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
41 DADOS COLETADOS REFLEXOtildeES INICIAIS
Em nossa pesquisa bibliograacutefica identificamos a invisibilidade da questatildeo racial no
sistema educacional brasileiro principalmente no que tange a produccedilatildeo teoacuterica
articulando as questotildees de raccedila e etnia para o trabalho com a Educaccedilatildeo Infantil
Posteriormente na escola buscamos identificar se de fato havia a observacircncia e
cumprimento da lei federal 1164508 Ao confirmar nossa hipoacutetese de que pouco estava
sendo trabalhado buscou-se intervir para promover uma cultura escolar mais inclusiva das
matrizes eacutetnicas e culturais que fazem parte de nossa gente
Identificamos alguns aspectos no cotidiano da escola que confirmaram a relevacircncia
da pesquisa com aquele grupo tais como raras praacuteticas abordando a diversidade eacutetnico-
racial com foco nas influecircncias africanas e indiacutegenas tendo em vista inclusive as influecircncias
das etnias afro e indiacutegena (e que por sinal satildeo muito fortes na regiatildeo) presenccedila de um
ambiente fortemente marcado por narrativas monoculturais isto eacute murais com
personagens brancos e somente os claacutessicos literaacuterios europeus compondo a oferta de
leitura para as crianccedilas Identificamos ainda no diaacutelogo com as professoras evidecircncias de
accedilotildees discriminatoacuterias entre as crianccedilas pequenas silecircncio em torno de situaccedilotildees
conflituosas e a falta de formaccedilatildeo que as ajudasse a lidar com a questatildeo de forma a superar
o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo
Os dados coletados inicialmente foram ao encontro de minhas primeiras anguacutestias
quando ao ingressar na especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria me dei conta de que as
praacuteticas dos docentes da Educaccedilatildeo Infantil e dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica estavam
ainda distantes do que entendemos por Educaccedilatildeo para Todos visto que ateacute aquele
momento natildeo existiam orientaccedilotildees legais para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais e assim
para o rompimento da cultura do racismo no cotidiano escolar
Acreditando que poderia organizar praacuteticas instituintes em diversidade e inclusatildeo
com crianccedilas pequenas sobre as questotildees eacutetnico-raciais foi que caminhei mais alguns
passos
41
42 PERCEBENDO AS VOZES OFICINAS INICIAIS
Durante 2 meses interagindo com os discentes30 busquei indiacutecios que me
conduziram para a estruturaccedilatildeo das primeiras oficinas Logo apoacutes foram apresentadas
duas oficinas que buscaram confirmar ou refutar as observaccedilotildees feitas e as informaccedilotildees
coletadas com os adultos Elas tiveram como enfoque o trabalho com a literatura infantil
Importante salientar que estas accedilotildees com os estudantes sustentaram as hipoacuteteses iniciais
sobre a urgecircncia de um rompimento com as praacuteticas e culturas do cotidiano escolar que
natildeo alcanccedilam a diversidade eacutetnico-racial presente na localidade Majoritariamente as
praacuteticas curriculares cotidianas reforccedilam praacuteticas monoculturais e etnocecircntricas
contribuindo muitas vezes para a existecircncia de comportamentos racistas e segregadores
entre os estudantes e mesmo entre os profissionais da escola
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (idade entre 4 e 5 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje a turma estava com 14 alunos no total Iniciamos a aula no paacutetio da escola tendo em vista a obra que estaacute acontecendo no preacutedio desde o recesso escolar Expusemos em um varal alguns livros do acervo da biblioteca da escola A opccedilatildeo pelo varal foi uma estrateacutegia para que os estudantes visualizassem melhor as obras para assim apontarem suas preferecircncias As obras estavam divididas em contos claacutessicos da literatura europeia e histoacuterias de temaacutetica eacutetnica Foram apresentados 12 livros Entre os contos claacutessicos estavam ldquoO chapeuzinho vermelhordquo ldquoOs trecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoCinderelardquo ldquoPinoacutequiordquo e ldquoJoatildeo e o peacute de feijatildeordquo Entre os livros que contavam histoacuterias com temaacutetica eacutetnico-racial estavam ldquoO cabelo de Lelecircrdquo ldquoLilaacute e o segredo da Chuvardquo ldquoCadecircrdquo ldquoA menina e o tamborrdquo ldquoChuva de mangardquo ldquoHistoacuterias da nossa genterdquo e ldquoBichos da Aacutefricardquo Iniciamos a dinacircmica perguntando aos alunos as suas preferecircncias Todos demonstraram grande interesse pelos contos claacutessicos mas buscando saber sobre o que pensavam sobre os outros livros perguntei se algueacutem conhecia ou se gostaria de conhecer Apresentamos cada um deles e depois solicitamos que fossem ao varal pegar o que fosse de interesse do grupo Como era de imaginar a grande maioria foi para o lado dos contos claacutessicos europeus
30 Interagia enquanto professora itinerante da sala de leitura uma vez por semana
42
Eu e Pacircmela (bolsista da extensatildeo) insistimos na provocaccedilatildeo mostrando os outros
livros ldquoE aqueles livros ningueacutem quer lerrdquo
Ateacute que uma estudante negra foi ateacute o livro ldquoCadecircrdquo (Graccedila Lima) e o pegou Haacute em
sua capa um menininho negro e pensei naquele momento que talvez houvesse uma
tiacutemida identificaccedilatildeo por parte da menina com o personagem O livro conta a histoacuteria das
fantasias de um menino pequeno que vai descobrindo o mundo ao seu redor A cada
descoberta uma surpresa Nesse enredo uma mesa se torna uma girafa O sofaacute um
rinoceronte E a matildee participa junto com o menino dessas descobertas emoccedilotildees e
fantasias
A partir de sua escolha questionamos aos colegas se eles gostariam de ouvir a
histoacuteria daquele livro Cabe ressaltar que esta menina demonstrava ao longo das atividades
uma identificaccedilatildeo positiva com a sua cor sem recusas quando lhe era proposto ser
personagem negra por exemplo Entre os 14 alunos 10 concordaram em ouvir Ao final da
histoacuteria perguntamos se ali tinha algueacutem parecido com o menininho do enredo e trecircs
crianccedilas disseram prontamente que sim que eram muito parecidos
Fizemos tambeacutem uma votaccedilatildeo para saber quais as preferecircncias deles sobre os
claacutessicos O resultado foi 12 alunos votaram nos Trecircs porquinhos 10 em Joatildeo e o peacute de
feijatildeo 11 em Pinoacutequio 14 em Joatildeo e Maria 7 em Chapeuzinho vermelho 10 em Cinderela
Joatildeo e Maria foi o enredo de preferecircncia da turma Importante ressaltar que a votaccedilatildeo
naquele primeiro momento foi para sondar as preferecircncias Ao longo das atividades e
oficinas estabelecemos diaacutelogos com as obras a partir de sua releitura e intercaladas com
as obras eacutetnico-raciais
43
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I Fonte Daise dos Santos Pereira
Apoacutes a contaccedilatildeo da histoacuteria do livro ldquoCadecircrdquo sugerimos que cada um registrasse em
um desenho em folha A4 a histoacuteria que quisesse Podia ser a que tiacutenhamos acabado de ler
ou uma das que estavam no varal Trecircs crianccedilas natildeo quiseram realizar a tarefa Dentre elas
dois meninos e uma menina Apesar disso pegaram os livros para folhear Dos 11 desenhos
entregues apenas dois representaram um livro de temaacutetica eacutetnica ldquoO Cabelo de Lelecircrdquo Os
demais foram representaccedilotildees de ldquoTrecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoChapeuzinho
Vermelhordquo Em um dos desenhos havia 2 personagens que a estudante identificou como
Joatildeo e Maria e um terceiro personagem com feiccedilatildeo de mal identificado como ruim
Quando perguntamos quem era o personagem a estudante apontou para o livro ldquoChuva
de mangardquo que tem na capa um menininho negro
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (idade entre 5 e 6 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje demos continuidade agrave oficina de preferecircncia literaacuteria a partir dos livros que compotildee o acervo da escola Assim como realizado com a turma do Preacute-escolar I exibimos 12 livros sendo metade deles com a temaacutetica
44
eacutetnico-racial e a outra com os contos europeus Cabe ressaltar que na escola haacute pouca literatura com a temaacutetica eacutetnico-racial que atenda agrave faixa-etaacuteria do Preacute-escolar Neste sentido dois dos livros exibidos para os alunos estavam para aleacutem da faixa etaacuteria das crianccedilas Natildeo obstante a escolha por eles deveu-se aos nomes e ilustraccedilotildees da capa serem bem sugestivas Pensamos que poderiam aguccedilar a curiosidade das crianccedilas E foi o que aconteceu A turma possui um total de 18 alunos Neste dia estavam presentes apenas 12 O horaacuterio escolhido para as atividades foi o de 10h agraves 11h Este foi escolhido a partir de negociaccedilatildeo com a professora regente visto a sua solicitaccedilatildeo No entanto temos percebido grande necessidade de rever o horaacuterio da aula realizando-a no primeiro tempo pois entendemos que no iniacutecio do dia o aproveitamento da atividade eacute maior
Importante salientar que ao iniciarmos a pesquisa de campo nos deparamos com
diferentes limitaccedilotildees inclusive estruturais que consideramos relevantes evidenciar neste
trabalho No mecircs de agosto de 2015 a escola passou por obras em todo o preacutedio pois o
telhado desmoronou durante o recesso escolar Para natildeo haver prejuiacutezos nas atividades
escolares e natildeo deixar lacunas no calendaacuterio letivo foi decido que as aulas prosseguiriam
e a gestora improvisou duas ldquosalas de aulardquo dentro da biblioteca31 localizada em uma
estrutura anexa ao preacutedio em reforma Contamos tambeacutem com o quintal da escola onde
foi improvisado um espaccedilo com carteiras e quadro Vale ressaltar que a associaccedilatildeo de
moradores cedeu o espaccedilo para as aulas de 2 turmas do turno da manhatilde Identificamos
assim que haacute uma boa relaccedilatildeo da escola com a comunidade e que a gestora juntamente
com sua equipe buscou soluccedilotildees para os problemas
Com todos esses acontecimentos na escola os momentos para o trabalho com as
crianccedilas ficaram um pouco limitados tendo em vista a necessidade de reestruturaccedilatildeo dos
tempos e espaccedilos da escola e assim a adaptaccedilatildeo dos estudantes A turma do Preacute-escolar
II da manhatilde ficou um pouco prejudicada na atividade de leitura pois com a mudanccedila da
rotina ao final do dia as crianccedilas estavam bastante agitadas dificultando a realizaccedilatildeo de
nossa proposta No horaacuterio da tarde quando realizamos a atividade com o Preacute-escolar I o
horaacuterio era mais flexiacutevel pois a escola possuiacutea apenas 3 turmas
Intencionaacutevamos no primeiro momento realizar uma sensibilizaccedilatildeo para as
literaturas expostas para em seguida identificar as preferecircncias das crianccedilas Em um
segundo momento contariacuteamos a histoacuteria escolhida e depois iriacuteamos sugerir ilustraccedilotildees
31 Temos em nossa escola uma biblioteca comunitaacuteria que faz parte de iniciativas de organizaccedilotildees natildeo governamentais das seguintes instituiccedilotildees Instituto Ecofuturo e ONG Aacutegua Doce
45
que representassem a histoacuteria narrada No entanto o curto tempo inviabilizou estas accedilotildees
Apesar disso coletamos as preferecircncias dos estudantes acerca das literaturas Como jaacute
sinalizado anteriormente expusemos as 12 obras Das obras relacionadas agrave relaccedilotildees
eacutetnico-raciais apenas uma chamou atenccedilatildeo dos alunos talvez pela capa e pelo nome
sugestivo ldquoBichos da Aacutefricardquo Nenhuma das obras era conhecida pelos alunos Ao contraacuterio
dos claacutessicos onde se destacou a histoacuteria dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II Fonte Daise dos Santos Pereira
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar II
Tendo em vista o interesse dos estudantes pela obra dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo a escolhemos como tema central para guiar nossa atividade de hoje que visa identificar a percepccedilatildeo que as crianccedilas trazem do negro Eacute sabido que toda accedilatildeo educativa eacute potencializada quando os conhecimentos e interesses preacutevios dos estudantes satildeo reconhecidos para integrar as atividades cotidianas Segundo a Sociologia da Infacircncia o coletivo deve exercer uma grande importacircncia no cotidiano escolar e sendo a crianccedila um ator social eacute preciso considerar que ela estaacute a todo momento negociando compartilhando e criando cultura com os adultos e entre seus pares A atividade transcorreu inicialmente com a contaccedilatildeo
46
da histoacuteria Havia na turma 9 alunos sendo que apenas 7 participaram da atividade pois 2 estudantes precisaram ir embora mais cedo devido a conduccedilatildeo32 Propositalmente invertemos as cores dos personagens os porquinhos que no geral se apresentam nas cores rosa ou branco foram representados em marrom O lobo que tendencialmente eacute preto ou marrom foi apresentado como branco Tal provocaccedilatildeo baseou-se em uma ideia construiacuteda ao longo da histoacuteria de que o negro seria a origem de todo o mal E assim queriacuteamos realizar uma ruptura com o padratildeo ldquobranco divinizado x negro endemoniadordquo Tambeacutem intencionaacutevamos perceber se haveria algum impacto na percepccedilatildeo das crianccedilas (Narrativa registrada no meu caderno de campo dia 18082015)
Optamos por contar a histoacuteria usando nossas taacuteticas de praticantes do cotidiano
(CERTEAU 1994) Assim confeccionamos um avental temaacutetico com fantoches para
narrarmos a histoacuteria dos Trecircs Porquinhos
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tivemos a participaccedilatildeo direta de todos os discentes ao longo da narrativa Estavam
atentos a cada movimento Ao final do enredo os estudantes disseram a claacutessica frase ldquoE
eles viveram felizes para semprerdquo
Interrompi-os dizendo que a histoacuteria ainda natildeo tinha acabado Contei-lhes que havia
duas famiacutelias muito interessadas em adotar os dois porquinhos mais novos e que noacutes
32 O ocircnibus nesta regiatildeo passa de hora em hora Precisamos alterar o horaacuterio das aulas em virtude dos estudantes terem que sair meia hora antes do teacutermino das oficinas
47
teriacuteamos uma tarefa muito importante escolher qual seria a famiacutelia ldquomais legalrdquo para
adotar os dois porquinhos
As imagens construiacutedas para representar as duas famiacutelias eram com as seguintes
caracteriacutesticas a primeira famiacutelia sendo branca com olhos azuis de cabelos lisos com pai
matildee e um casal de filhos pequenos Enquanto a segunda famiacutelia era representada por
pessoas negras com avoacute avocirc pai matildee e um casal de filhos pequenos Assim expusemos
os dois cartazes cada um com um retrato da famiacutelia e uma casa representando o lar de
tijolos com o tiacutetulo Famiacutelia legal
Cada crianccedila recebeu uma ficha com o seu respectivo nome para colocar no cartaz
conforme fosse solicitado As perguntas que dinamizaram as escolhas foram ldquoQual eacute a
famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Tivemos muito cuidado
para natildeo influenciar na opiniatildeo deles com as nossas falas
Chamamos entatildeo a primeira aluna dentre os sete que estavam participando da
aula Perguntamos sobre sua escolha prontamente respondeu que a famiacutelia era legal
porque era da mesma cor dos porquinhos e tambeacutem igual a ela Fomos chamando os
demais que escolheram a famiacutelia branca Todos responderam que aquela era a famiacutelia mais
legal pois pareciam com eles ndash os estudantes ndash que eram brancos Dentre os cinco que
deram esta resposta trecircs foram bastante expressivos respondendo prontamente sem
hesitar
O uacuteltimo aluno a realizar a escolha optou pela famiacutelia afro-brasileira Respondeu que
a famiacutelia era legal porque era igual a ele e ao ldquoporquinho pretinhordquo Foi uma resposta
surpreendente pois ateacute entatildeo em atividades anteriores os indiacutecios apresentados por esse
estudante eram de distanciamento da figura do negro
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo A escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar I
A turma do Preacute-escolar composta inicialmente por 18 estudantes natildeo estava completa Contamos nesse dia com apenas 14 alunos A dinacircmica foi a mesma realizada com a turma do ldquoPreacute IIrdquo e no primeiro momento das aulas Escolhemos o enredo dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo tendo em vista que este conto tambeacutem faz parte do repertoacuterio de preferecircncias literaacuterias dos estudantes Iniciamos a contaccedilatildeo de histoacuteria a partir de fantoches
48
como jaacute sinalizado anteriormente A inversatildeo das cores dos personagens natildeo provocou nenhum comentaacuterio por parte dos estudantes Durante todo enredo os estudantes se colocaram atentos e participativos a cada provocaccedilatildeo Quando foram chamados a realizar a tarefa de escolher as famiacutelias para adoccedilatildeo dos 2 porquinhos prontamente pegaram as fichas com seus nomes Vale ressaltar que estas crianccedilas jaacute fazem o reconhecimento de seus nomes e tambeacutem de seus colegas agrave exceccedilatildeo de uma estudante A cada crianccedila escolhida para votar faziacuteamos o seguinte questionamento ldquoQual eacute a famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Timidamente as crianccedilas iam ateacute os cartazes e escolhiam as famiacutelias Como jaacute relatado eram dois modelos de famiacutelia uma branca e outra negra As primeiras escolhas foram para as famiacutelias brancas e as respostas quando questionadas sobre a razatildeo da escolha eram ldquoPorque simrdquo Ateacute o momento em que uma crianccedila negra votou na famiacutelia negra Mas natildeo quis dizer a razatildeo O resultado foi 9 crianccedilas escolheram a famiacutelia branca e 5 escolheram a famiacutelia negra Dentre as que escolheram a famiacutelia branca a maioria eu considero como crianccedila branca ou parda As crianccedilas que escolheram a famiacutelia negra satildeo identificadas como uma eacute negra e as demais pardas (Narrativa da oficina em meu caderno de campo dia 18082015)
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) Fonte Daise dos Santos Pereira
Essas oficinas iniciais abriram caminhos para que houvesse uma mudanccedila na cultura
escolar no sentido de tornaacute-la acolhedora agrave diversidade Elas revelaram a necessidade de
construccedilatildeo de um ambiente que provocasse a ruptura com as histoacuterias uacutenicas Aleacutem de
49
identificarmos a ausecircncia de imagens e materiais que evidenciassem a etnia de matriz afro-
brasileira no espaccedilo escolar identificamos que a maioria das crianccedilas natildeo se identificava
com sua origem eacutetnica
Cuidamos a partir de entatildeo para que os murais de nossa escola passassem a ter
personagens negros bem como brancos e indiacutegenas As estantes de nossas salas passaram
a ter natildeo soacute os contos claacutessicos europeus Outras histoacuterias passaram a fazer parte do acervo
das salas e os estudantes passaram a pedir para ouvir e contar histoacuterias protagonizadas por
afrodescendentes E elas agora compotildee o acervo particular das salas de aula33
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tambeacutem foi iniciado um projeto de incentivo agrave leitura onde os estudantes do Preacute-
escolar levavam para as suas casas semanalmente livros da temaacutetica eacutetnico-racial
(indiacutegena e africana) Para que esse projeto acontecesse houve a necessidade de descobrir
aonde estavam essas literaturas
33 Obras mais solicitadas pelos estudantes Cadecirc (Graccedila Lima) Abareacute (Graccedila Lima) O Senhor da Histoacuterias (Wellington Srbek) O Cabelo de Lelecirc (Valeacuteria Beleacutem) A menina e o tambor (Mariacircngela Haddad) Menina bonita do laccedilo de fita (Ana Maria Machado) e as lendas do Baobaacute e a da Mirindiba
50
Com a colaboraccedilatildeo da funcionaacuteria da biblioteca da escola e da bolsista de extensatildeo
achamos 39 livros da temaacutetica procurada alguns catalogados e outros natildeo Havia mais
livros infanto-juvenis do que infantis34 para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar
Apoacutes esses achados decidimos elaborar um cataacutelogo35 com as obras eacutetnicas para
potencializar as nossas accedilotildees e viabilizar o contato dos docentes da escola com essas
literaturas
As accedilotildees proporcionaram resultados positivos desde o iniacutecio da pesquisa Pudemos
perceber o fortalecimento das identidades dos estudantes negros o respeito e o diaacutelogo
com a diversidade quando os estudantes em sua maioria passaram a optar por enredos
protagonizados por crianccedilas mulheres e homens afrodescendentes A parceria com as
famiacutelias tambeacutem foi fundamental nesse processo que para aleacutem de contribuir para o
rompimento com as histoacuterias uacutenicas ajudou na formaccedilatildeo de sujeitos leitores responsaacuteveis
e cuidadosos com os livros que carregavam e que teriam que retornar na semana seguinte
para dar continuidade aos empreacutestimos36
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas Fonte Arquivo pessoal da autora
34 Esse problema nos levou a confeccionar alguns livros infantis Estes foram baixados na internet e podem ser encontrados na paacutegina do projeto de extensatildeo 35 Esse cataacutelogo foi um primeiro produto gerado pelo projeto e estaacute disponiacutevel em httpswwwfacebook comoensinodasrelacoesetnicoraciaisartesdefazerphotostab=albumampalbum_id=1561437514148129 36 Dispuacutenhamos de 8 livros infantis para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar Cada turma ficou com 4 livros que semanalmente contemplavam 4 estudantes
51
Nesse primeiro momento para aleacutem de construir uma cultura inclusiva (BOOTH e
AISCOW 2011) no ambiente escolar estaacutevamos buscando alcanccedilar a todos familiares
estudantes e professores
43 OFICINA 3 - CONHECENDO MARIA A MENINA QUE VEIO DO CONGO
A histoacuteria que vocecircs iratildeo ouvir aconteceu haacute algum tempo quando as pessoas eram vendidas como coisas e obrigadas a servir os mais fortes como escravos37 Nossa personagem principal eacute a menina Maria que nasceu no Continente Africano em um paiacutes chamado Congo Maria nasceu em 1792 Ela sua famiacutelia e seus amigos foram trazidos para o Brasil pelos portugueses para trabalharem pesado Maria e os demais africanos sofreram muito para chegar ao Brasil Na eacutepoca o uacutenico transporte que fazia longas viagens era o navio E o que transportava os africanos chamava-se navio negreiro Os navios atravessavam o oceano atlacircntico e isso durava meses de muito sofrimento Quem mais sofria nessa viagem eram as crianccedilas pois natildeo tinham o que comer beber vestir dormir e brincar Elas choravam assustadas ao ver tanta dor e sofrimento As matildees faziam de tudo para diminuir aquela dor e trazer um pouco de alegria para seus filhos Sabendo que Maria gostava muito de bonecas a matildee dela resolveu cortar pedaccedilos de sua roupa para fazer uma boneca para ela A matildee de Maria e outras mulheres em um gesto de amor rasgam suas roupas com as proacuteprias matildeos e fazem bonecas muito especiais chamadas Abayomi Satildeo pequenas bonecas negras feitas de pano e sem costura apenas com noacutes ou tranccedilas A palavra abayomi tem origem no Iorubaacute e significa aquele que traz felicidade ou alegria Sabemos que o ato de rasgar as roupas com suas proacuteprias unhas representa um grande gesto de amor de uma matildee que quer ver seu filho feliz A matildee de Maria estava dando o que ela tinha de melhor as suas vestes Dar uma boneca Abayomi a algueacutem eacute um ato de carinho e nobreza Desde esse dia Maria guardou com muito cuidado e carinho o presente de sua matildee Quando em 1804 chegou ao Brasil aos 12 anos ela carregava sua boneca no colo Infelizmente foi separada de sua famiacutelia e vendida para um senhor de engenho em Salvador Aos 18 anos foi transferida para o Rio de Janeiro E com 24 chegou no Porto de Piedade em Mageacute Cidade onde construiu um linda histoacuteria mas que poucos tiveram o privileacutegio de conhecer Vamos assim como Maria confeccionar uma abayomi e presentear a quem noacutes amamos38
37 Importante ressaltar que os negros natildeo nasceram escravos A expressatildeo escravizados marca um processo de pessoas que sofreram com a escravidatildeo Jaacute a expressatildeo escravo remete a condiccedilatildeo de quem foi considerado como uma simples mercadoria 38 Releitura da histoacuteria da boneca Abayomi resignificada a partir da biografia da liacuteder quilombola mageense Maria Conga Esta narrativa foi construiacuteda por mim a fim compor a oficina de contaccedilatildeo de histoacuterias
52
A narrativa acima abre a oficina que resgatou a histoacuteria da liacuteder quilombola mageense
Maria Conga39
Maria Conga nasceu no Continente africano no ano de 1792 Veio para o Brasil pilhada junto com seus pais e irmatildeos por volta de 1804 Ganhou a liberdade apoacutes 11 anos de trabalho e logo foi alforriada por volta do ano 1854 Aos 35 anos de idade assumiu o compromisso de lutar pela liberdade e dignidade de sua raccedila Dela ficou a lembranccedila de que nunca a viu chorar Contavam que foi estuprada pelo senhor de engenho e que ele tinha tomado seu corpo poreacutem natildeo a sua alma Mulher de luta mulher guerreira Maria fez histoacuteria no municiacutepio de Mageacute A partir de sua alforria Maria iniciou sua trajetoacuteria como lideranccedila deste quilombo Recebendo aqui os escravos fugidos de diversas outras comunidade e fazendas que jaacute conheciam ou ouviram falar da mulher que Maria era e representava para todos eles Aqui Maria vivia com orgulho Aqui Maria mulher negra escrava guerreira alforriada protegia seus irmatildeos e os acolhia Aqui morreu Maria Maria Guerreira Que veio do Congo Orgulho de ser Quilombola40
Esta oficina foi dividida em duas partes em um primeiro momento foi realizada a
contaccedilatildeo de histoacuteria para os pais e estudantes das duas turmas de Educaccedilatildeo Infantil (Preacute-
escolar I e II)41 e no segundo momento foi realizada a confecccedilatildeo de bonecas abayomis
onde as matildees tias avoacutes e irmatildes dos estudantes agrave moda das negras confeccionaram
bonecas com apenas alguns pedaccedilos de pano para a diversatildeo de suas crianccedilas
Os fios condutores da elaboraccedilatildeo desta oficina foram alguns dos valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e femininos representados pela oralidade ludicidade memoacuteria
cooperativismo e ancestralidade Evidenciar a histoacuteria de uma mulher quilombola que eacute
hoje esquecidadesconhecida em sua proacutepria ldquoaldeiardquo por meio desses valores foi o
objetivo desta oficina
Esta pesquisa com os atores sociais de uma escola no Municiacutepio de Mageacute natildeo estaria
completa sem o descortinar das memoacuterias da ancestral negra pobre e guerreira que lutou
ateacute o fim da vida pelos seus representando para noacutes uma heroiacutena a contrapelo
Certamente as relaccedilotildees de poder que classificam excluem e segregam fizeram questatildeo de
39 Maria Conga foi reconhecida no ano de 1988 (centenaacuterio da Aboliccedilatildeo da escravatura) heroiacutena negra mageense No ano de 2007 o quilombo por onde passou torna-se reconhecido por seu valor histoacuterico pela Fundaccedilatildeo Palmares 40 Narrativa do documentaacuterio Maria Conga Orgulho de ser Quilombola Disponiacutevel em lthttpcinemina pontodevisaoblogspotcombrgt Consultado em 06042016 41 Esta oficina foi realizada nas duas turmas tendo duraccedilatildeo de 1h30 minutos
53
submergir a imagem desta personalidade por meio do racismo e preconceito42 Natildeo
obstante enquanto professora-pesquisadora mageense e sensiacutevel aos silenciamentos
acerca do passado e dos heroacuteis que a histoacuteria oficial natildeo privilegia eacute que me movo em
direccedilatildeo agraves praacuteticas inclusivas que propotildeem um olhar diferenciado para o outro da
diversidade
Entendemos que para ser universal eacute preciso comeccedilar pintando a proacutepria aldeia De
fato os primeiros traccedilos de uma educaccedilatildeo inclusiva para a diversidade comeccedilaratildeo a ganhar
nuances quando em nossas praacuteticas cotidianas rompermos com a educaccedilatildeo monocultural
machista e reducionista que o sistema educacional nos impotildee Quando o professor
compreender que seu saber eacute poder suas ldquoartes de fazerrdquo (CERTEAU 1994) o levaratildeo a
ldquoaldeiasrdquo ateacute entatildeo inimaginaacuteveis
Portanto reforccedilo que urge o rompimento de praacuteticas educativas excludentes que
marginalizam as histoacuterias locais e de seus heroacuteis e heroiacutenas sejam brancos negros ou
indiacutegenas Os nossos estudantes tecircm o direito de ouvir e contar outras histoacuterias histoacuterias
de seu povo de um passado que ainda sobrevive nos seus modos de falar agir danccedilar
sorrir e brincar
A proposta pensada inicialmente era a contaccedilatildeo de histoacuteria para os estudantes
seguida da confecccedilatildeo das bonecas abayomis com o auxiacutelio da professora regente e da
bolsista de extensatildeo No entanto apoacutes reflexotildees sobre os proacuteprios valores da cultura afro-
brasileira e tambeacutem sobre a necessidade de tornar conhecida ndash em maior extensatildeo ndash a
histoacuteria de uma heroiacutena negra mageense talvez nunca antes contada nas escolas de Mageacute
decidimos convidar as matildees avoacutes tias e irmatildes para participarem desse momento
Reconhecendo a potecircncia da accedilatildeo coletiva na educaccedilatildeo da crianccedila e recordando o
valores civilizatoacuterios afro-brasileiro do cooperativismo memoacuteria e ludicidade iniciamos a
dinamizaccedilatildeo da histoacuteria para tornar conhecida a vida da menina Maria que veio do Congo
A oralidade por meio da contaccedilatildeo de histoacuteria nos permitiu compartilhar saberes e
ao passo que eu a narrava sabia que natildeo estava soacute pois os olhares que se voltavam para
mim estavam afetados de algo que chamo de Ubuntu filosofia africana que diz que ldquoeu sou
porque noacutes somosrdquo
42 A figura de Maria Conga eacute na religiatildeo de matriz afro-brasileira (Umbanda) considerada como uma entidade espiritual
54
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) Fonte Arquivo pessoal da autora
Ao longo do enredo a fala vinha acompanhada de imagens43 do artista francecircs Jean-
Baptiste Debret do pintor alematildeo Johann Moritz Rugendas e do fotoacutegrafo franco-brasileiro
Marc Ferrez Estes representaram o sofrimento de nossos ancestrais no Navio Negreiro e
as relaccedilotildees crueacuteis estabelecidas entre os senhores brancos e os africanos escravizados Ao
longo da narrativa era possiacutevel perceber os olhares atentos para a vida daquela Maria
Esta que era uma deles e eles naquele momento jaacute faziam parte dela Ao final uma matildee
surpreendida com a histoacuteria disse ter gostado do que ouviu e lamentou natildeo a ter
aprendido no tempo em que esteve na escola
Estaacutevamos formando pessoas que contariam essa histoacuteria para as futuras geraccedilotildees
Essa experiecircncia nos provocou a pensar na importacircncia de extrapolar os muros da escola
de modo que todos sejam afetados e assim afetem outras consciecircncias De certo que
concordamos com a sabedoria dos povos indiacutegenas e africanos quando afirmam que ldquoeacute
preciso uma aldeia inteira para educar uma crianccedilardquo
43 No iniacutecio do seacuteculo XIX Jean-Baptiste Debret retratou o cotidiano dos senhores e dos escravizados em uma das missotildees artiacutesticas francesas pelo Brasil O alematildeo Johann Moritz Rugendas pintou os povos e costumes que encontrou durante suas viagens pelo Brasil no periacuteodo de 1822 a 1825 Marc Ferrez (1843-1923) foi um fotoacutegrafo que retratou cenas do Impeacuterio e iniacutecio da Repuacuteblica (1865 e 1918) Seu trabalho eacute um dos mais importantes legados visuais daquelas eacutepocas Todas as imagens utilizadas na oficina estatildeo no anexo 722
55
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso
ldquoVou te contar os olhos jaacute natildeo podem ver rdquo (Tom Jobim)
Imaginemos um povo arrancado brutalmente de sua terra que atravessou o Atlacircntico em tumbeiros escravizado humilhado mas que natildeo perdeu a capacidade de sorrir de brincar de jogar de danccedilar e assim conseguiu marcar a cultura de um paiacutes com este profundo desejo de viver e ser feliz Isso resume a ludicidade na perspectiva a favor da vida da humanidade da sobrevivecircncia A alegria frente ao real ao concreto ao aqui e ao agora da vida (Ludicidade Da Cor da Cultura)44
Abayomi que na liacutengua Iorubaacute representa encontro precioso (Abay ndash encontro Omi
ndash precioso) eacute feita de pano (podendo ser retalhos) noacutes e sem qualquer costura Natildeo possui
nariz boca olhos e orelhas justamente para representar os vaacuterios povos de diferentes
civilizaccedilotildees e reinos que aqui chegaram Confeccionar uma boneca Abayomi eacute ir ao
encontro de sentimentos bons e nobres de uma gente que sabe que soacute vai ser feliz quem
viver para fazer da existecircncia do outro mais leve mais livre e mais fecunda
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
44 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
56
Apoacutes a confecccedilatildeo da boneca com a ajuda das mulheres (matildees avoacutes tias e irmatildes) que
ali estavam e de noacutes professoras e bolsista ficou acordado com elas que dessem a boneca
de presente para seus filhos da mesma maneira que evidencia a histoacuteria Contudo aquelas
crianccedilas que por ventura natildeo tiveram a presenccedila de seus responsaacuteveis fariam o inverso
Assim ao chegar em casa contariam para sua famiacutelia a histoacuteria presenteando algueacutem da
famiacutelia com a boneca
Em seguida permitimos que os estudantes45 brincassem entre si de modo que fosse
um momento de folga pausa e relaxamento criteacuterios entendidos como fundamentais na
constituiccedilatildeo do brincar segundo as Diretrizes Curriculares para a Educaccedilatildeo Infantil
(DCNEI46)
Na brincadeira eacute possiacutevel perceber os modos de representaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da
crianccedila por meio da linguagem do pensamento das accedilotildees Desse modo eacute evidenciado
uma caracteriacutestica muito proacutepria da crianccedila a sua identidade enquanto produtora de
cultura Ela natildeo apenas reproduz comportamentos sociais como tambeacutem os reinventa de
maneira criativa e singular
Em um dado momento da interaccedilatildeo percebi que os meninos estavam bastante
eufoacutericos com aquele artefato Me aproximei afim de entender as relaccedilotildees que estavam
sendo estabelecidas Certamente influenciada pelos estereoacutetipos de gecircnero acreditei que
fosse ter conflitos entre os meninos ao propor a confecccedilatildeo de bonecas Me surpreendi
com o modo que eles burlaram o sistema de regras socialmente construiacutedas onde
esperamos coisas diferentes de meninos e meninas (SILVA 2007 p 92)
Ao me aproximar desses atores provoquei-os questionando sobre os nomes que
dariam para suas bonecas O primeiro estudante titubeou em responder enquanto os
colegas gritavam vaacuterios nomes dentre eles Ana Mas o que agradou foi Emanuele Logo os
proacuteximos estudantes afirmaram natildeo se tratar de uma boneca mas um boneco e
escolheram os seguintes nomes Silvio Santos Ratinho Moiseacutes Aaratildeo Estes dois uacuteltimos
segundo eles eram por causa da novela ldquoOs dez mandamentosrdquo47 Alguns apontaram para
as roupas (eram vestidos e saias) demonstrando sua semelhanccedila com os personagens
45 A partir desse momento estaremos fazendo menccedilatildeo aos estudantes do Preacute-escolar II 46 Definidas pela Resoluccedilatildeo CNECEB ndeg 5 de 17 de dezembro de 2009 47Os Dez Mandamentos eacute uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Record Escrita por Vivian de Oliveira e com direccedilatildeo geral de Alexandre Avancini Eacute uma adaptaccedilatildeo de quatro dos livros que compotildeem a Biacuteblia Ecircxodo Leviacutetico Nuacutemeros e Deuteronocircmio
57
biacuteblicos do antigo testamento A imaginaccedilatildeo e a criatividade dos estudantes transformaram
suas bonecas em personagens outros nos levando a refletir sobre o fato de que ao brincar
a crianccedila se apropria de elementos do meio sociocultural de origem (DELGADO MULLER
2005 p 163)
Neste instante pude compreender na relaccedilatildeo com a cultura infantil a reproduccedilatildeo
interpretativa na empiria e o quanto o diaacutelogo entre os pares (crianccedilas) revela os interesses
e saberes para os que estatildeo no entorno Ao relacionarem a boneca a algo que lhes eacute
familiar os estudantes estatildeo reproduzindo a cultura em que vivem fazendo uso da
imitaccedilatildeo de modo criativo e prazeroso A respeito do prazer concordamos com Gomes
(2008) quando afirma
As crianccedilas natildeo adiam o prazer ao contraacuterio buscam-no nas suas brincadeiras e nos jogos e para isso utilizam as brechas modificam e rompem ndash ainda que momentaneamente ndash com os gostos as crenccedilas as regras e os valores culturais Assim elas vivenciam as regras e tecircm experiecircncias imediatas diversas e uacutenicas que alteram e destroem as
significaccedilotildees da vida cotidiana (p 187)
Diante do exposto eacute possiacutevel afirmar que o cotidiano da Educaccedilatildeo Infantil estaacute
repleto de desafios que precisam ser evidenciados E mesmo sendo este trabalho de
pesquisa voltado para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais dentro da perspectiva da
diversidade e da inclusatildeo se faz importante dar atenccedilatildeo agraves praacuteticas sexistas tatildeo comuns na
escola que limitam a percepccedilatildeo da pluralidade humana
Nossa experiecircncia com essa oficina nos levou a reafirmar que a crianccedila eacute capaz de
burlar a visatildeo monoliacutetica e reprodutivista da educaccedilatildeo quando na relaccedilatildeo com o outro eacute
permitido o exerciacutecio pleno de sua imaginaccedilatildeo curiosidade e criatividade
44 OFICINA 4 - UMA SENSIBILIZACcedilAtildeO PARA A PEDAGOGIA GRIOcirc
A fala a palavra dita ou silenciada ouvida ou pronunciada ndash ou mesmo segregada ndash tem uma carga de poder muito grande Pelana oralidade os saberes poderes quereres satildeo transmitidos compartilhados legitimados Se a fala eacute valorizada a escuta tambeacutem eacute O conto a lenda a histoacuteria a muacutesica o dito o natildeo dito o fuxico A palavra carrega uma grande e poderosa carga afetiva (Oralidade ndash A Cor da Cultura48)
48 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
58
Esta quarta oficina foi dividida em dois periacuteodos distintos que compreenderam a
contaccedilatildeo de histoacuteria por parte das avoacutes agraves quais chamamos de griocirctes e um segundo
momento que foi a representaccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos estudantes do Preacute-escolar
I e II por meio de massinha de modelar para que em uma fase posterior tais produccedilotildees se
transformassem em um viacutedeo animado para ser compartilhado na rede social49
Tendo em vista que cada oficina dura cerca de 50 minutos a 1h e que acontece uma
vez por semana precisamos de trecircs semanas para concluir com os estudantes a
representaccedilatildeo das histoacuterias que ouviram Ao todo as etapas desta 4ordf oficina
compreenderam um mecircs de duraccedilatildeo nas duas turmas que denominarei de Turma A e
Turma B A seguir descrevo as potencialidades dessas accedilotildees
Ao reconhecer a fecundidade da palavra ndash dita cantada silenciada ndash na construccedilatildeo
de um indiviacuteduo trazemos para esta oficina uma accedilatildeo que buscou valorizar os aspectos da
tradiccedilatildeo oral uma vez que vivemos em uma sociedade hierarquicamente grafocecircntrica
Importante sinalizar que o caraacuteter letrado da escola natildeo lhe confere status de democraacutetica
no acesso aos bens culturais ndash sobretudo aos bens imateriais ndash uma vez que os saberes
reconhecidos estatildeo limitados aos conhecimentos cientiacuteficos produzidos por um
determinado grupo
Entendemos que os saberes da experiecircncia dos atores da comunidade satildeo tatildeo
importantes quanto os conhecimentos cientiacuteficos que permeiam a loacutegica da escola Por
esse motivo esta oficina objetivou vincular os saberesfazeres dos idosos (avoacutes dos
estudantes) da comunidade com as vivecircncias cotidianas da praacutetica escolar Eacute sabido que
quanto mais proacutexima a comunidade estiver da escola mais potente se torna o processo de
ensino aprendizagem A sabedoria africana que jaacute mencionamos de que eacute preciso toda
uma aldeia para educar uma crianccedila ganha forccedila e legitimidade em nossas accedilotildees que
prezam pela coletividade e cooperativismo
Assim conduzidos principalmente pela perspectiva dialoacutegica onde o conhecimento
se constroacutei pela interaccedilatildeo entre e com o outro abrimos as portas da escola para que novas
relaccedilotildees fossem estabelecidas Privilegiamos a figura da avoacute nesse momento por ela
representar uma personalidade que carrega histoacuterias de vida ricas de afetos sensibilidade
e memoacuterias que por vezes ficaram esquecidas no imaginaacuterio coletivo Aleacutem disso
49 O viacutedeo eacute encontrado na paacutegina do projeto httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnicoraciais artesdefazer
59
buscamos descontruir valores hierarquizados de nossa sociedade ndash fruto da loacutegica
ocidental ndash onde o idoso natildeo possui importacircncia social pois jaacute natildeo tem o vigor de outrora
para beneficiar o mercado capitalista com sua forccedila de trabalho Inevitavelmente essa
ideia se perpetua por diversas instituiccedilotildees sociais chegando agrave escola de maneira sutil
Contudo o nosso objetivo eacute romper com esses valores dominantes entatildeo legitimados e
propor novos olhares sobre os mais velhos que segundo a ancestralidade africana
possuem um saber-poder imbuiacutedo de um grande legado o de ter sido testemunha e
sobrevivente da histoacuteria
Desse modo nos apropriamos da Pedagogia Griocirc como um caminho metodoloacutegico
possiacutevel para construccedilatildeo de experiecircncias instituintes onde a vida eacute valorizada na sua
integralidade Tal pedagogia tem ligaccedilatildeo direta com a memoacuteria oralidade ancestralidade
dentre outros valores
Criada pela educadora Lilian Pacheco50 a Pedagogia Griocirc dialoga com metodologias
ativas como educaccedilatildeo biocecircntrica dialoacutegica educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais arte
educaccedilatildeo comunitaacuteria e educaccedilatildeo para a corporeidade A idealizadora desta proposta
vislumbrou romper com a loacutegica cientiacutefico instrumental da escola por meio da valorizaccedilatildeo
do patrimocircnio cultural brasileiro (danccedila contos lendas tradiccedilotildees) Ao evidenciar os
saberes tradicionais a partir da oralidade eacute dado a entender que o conhecimento natildeo eacute
propriedade de determinados grupos (letrados diga-se de passagem) tatildeo pouco estaacute
restrito aos livros
Com isso a figura do mestre griocirc ganha destaque De origem francesa a palavra griot
eacute traduzida para o portuguecircs ganhando as seguintes expressotildees griocircs (homens) e griocirctes
(mulheres) Segundo Pacheco (2006) os griocircs satildeo oriundos da regiatildeo do Mali51 paiacutes
colonizado por franceses A partir de uma reinvenccedilatildeo dos portugueses podemos entendecirc-
los como aqueles que gritavam em praccedila puacuteblica afim de tornar conhecida e jamais
esquecida suas memoacuterias tradiccedilotildees e ancestralidade Assim de maneira mais completa o
griocirc eacute entendido como
() todo(a) cidadatildeo(atilde) que se reconheccedila e seja reconhecido(a) pela sua proacutepria comunidade como herdeiro(a) dos saberes e fazeres da tradiccedilatildeo
50 Conceito criado pela educadora Lilian Pacheco coordenadora da ONG Gratildeos de Luz (LenccediloacuteisBA) Para outras informaccedilotildees consultar httpwwwacaogrioorgbr 51 Paiacutes situado ao Noroeste da Aacutefrica
60
oral e que atraveacutes do poder da palavra da oralidade da corporeidade e da vivecircncia dialoga aprende ensina e torna-se a memoacuteria viva e afetiva da tradiccedilatildeo oral transmitindo saberes e fazeres de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo garantindo a ancestralidade e identidade do seu povo52
Assim partindo da perspectiva do conceito de griocirc como universalizante por agregar
todos os segmentos de tradiccedilatildeo oral ndash muacutesicos rezadeiras cordelistas benzedeiras
poetas contadores de histoacuteria genealogistas dentre outros ndash nos apropriamos da
pedagogia que carrega princiacutepios da ancestralidade africana sob um vieacutes dialoacutegico com a
comunidade escolar Importante afirmar que um dos objetivos de nossa proposta de
pesquisa se justifica por entendermos que os conhecimentos da tradiccedilatildeo oral natildeo podem
se perder e que quando dialogados com a cultura escolar ndash que eacute fundamentalmente
escrita ndash ganham maiores significados para os atores da escola Portanto reconhecendo
que nossos atores sociais gritam silenciosamente em accedilotildees e omissotildees para serem
reconhecidos em suas subjetividades e nas suas histoacuterias de vida eacute que contamos histoacuterias
ateacute entatildeo nunca pronunciadas compartilhadas e sentidas naquele lugar do saber Entram
em cena as narradoras de Conceiccedilatildeo de Suruiacute nossas avoacutes nossas griocirctes
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II)
Taacute vendo essa estrada aiacute que vocecircs andam O pai o avocirc os tios de vocecircs que trabalharam na pedreira que ajudaram a construir Cada pedrinha que tem nessa estrada aiacute eacute do pai de vocecircs eacute do avoacute do Davi E vocecircs sabem porque eles trabalharam tanto Para fazer uma estrada boa para vocecircs andarem irem para o coleacutegio Quase todos os pais avoacutes tios de vocecircs trabalharam no calccedilamento da estrada Hoje quando chove ningueacutem tem que andar na lama (Vovoacute Ivete)
A narrativa acima eacute da avoacute de um estudante do Preacute-escolar II Dona Ivete assim como
eacute conhecida na regiatildeo tem 58 anos de idade e tem nanismo A escolha por ela ocorreu
porque estamos em um contexto onde a inclusatildeo da vida na sua diversidade deve ser uma
constante Por esse motivo foi com grande satisfaccedilatildeo que recebemos esta vovoacute que com
disponibilidade e afeto narrou memoacuterias de Conceiccedilatildeo de Suruiacute e de seus moradores de
uma maneira que muito nos surpreendeu
52 Informaccedilotildees disponiacuteveis na paacutegina da iniciativa Gratildeos de Luz e Griocirc ponto de cultura de onde iniciou a Pedagogia Griocirc httpwwwacaogrioorgbracao-grio-nacionalo-que-e-grio
61
Figura 7 A vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade Fonte Arquivo pessoal da autora
Vale destacar que natildeo houve um roteiro preacutevio porque nosso objetivo era que a vovoacute
nos fornecesse elementos de sua memoacuteria afetiva e tambeacutem optamos que o diaacutelogo com
as crianccedilas fosse o mais espontacircneo possiacutevel Dessa maneira ela inicia sua narrativa
remetendo agrave figura do neto enquanto algueacutem que tem histoacuterias a contar sobretudo
porque satildeo histoacuterias da comunidade que tecircm relaccedilatildeo direta com seus pais e avoacutes Assim
a vovoacute evidencia uma fase da histoacuteria que considera marcante natildeo soacute para ela mas para
todos daquela regiatildeo rural que foi a pavimentaccedilatildeo da estrada de Conceiccedilatildeo de Suruiacute Ao
passo que trazia os fatos descritos acima os estudantes dialogavam demonstrando
pertencimento ao que estava sendo dito sobretudo quando dizia a respeito da
participaccedilatildeo de suas famiacutelias na construccedilatildeo da estrada No processo ouvimos as seguintes
falas
ldquoMeu pai jaacute trabalhou na pedreira de carretardquo ldquoMinha avoacute falou que meu pai fez essas pedras pra colocar na ruardquo ldquoMeu avocirc trabalha na pedreira Ele coloca pedra nos caminhotildeesrdquo (Estudantes do Preacute II)
Nesse momento foi possiacutevel validar alguns dos objetivos da Pedagogia Griocirc dos
quais destacamos protagonismo dos sujeitos envolvidos que aqui evidenciamos o
62
protagonismo infantil e a criaccedilatildeo de viacutenculo afetivo com o passado com os
saberesfazeres da ancestralidade Mas esta pedagogia natildeo se limita agraves questotildees pontuadas
Para aleacutem delas eacute possiacutevel desenvolver habilidades e competecircncias que envolvem
corporeidade musicalidade religiosidade dentre outros aspectos
Para concluir evidenciamos que nossa griocircte a vovoacute Ivete parece entender bem o
poder da palavra compartilhada visto que atraiu a atenccedilatildeo de todos para si para suas
histoacuterias que tambeacutem eram as histoacuterias de vida daqueles estudantes Ficou entendido
naquele encontro que a regiatildeo em que vivem tem muitas memoacuterias que dialogam com o
presente E que os protagonistas satildeo os proacuteprios moradores da regiatildeo avoacutes pais tios
crianccedilas e adultos
Importante ressaltar que essa proposta buscou realizar um duplo movimento
empoderar quem conta a narrativa mas tambeacutem aquele que ouve Nessa troca dialoacutegica
eacute impossiacutevel natildeo trazer para a conversa o consagrado educador popular Paulo Freire
quando afirma que ldquoquem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprenderrdquo (FREIRE 2007 p 23)
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I)
E as histoacuterias natildeo podem parar
Quem reabre as janelas da histoacuteria que eacute continuidade da anterior eacute a dona Faacutetima
Ela eacute avoacute de uma estudante do Preacute-escolar II sempre morou na regiatildeo e tem 48 anos
Quando convidada para estar conosco compartilhando um pouco de suas memoacuterias dona
Faacutetima nos fez alguns questionamentos pois natildeo sabia por onde comeccedilar E um dos
motivos que a deixou insegura foi o fato de natildeo entender suas memoacuterias e da comunidade
onde cresceu como parte de uma histoacuteria que merece ser contada
Apoacutes algumas conversas dona Faacutetima parece ter entendido que em suas memoacuterias
poderiam ter aspectos importantes e interessantes E que desvelaacute-las seria uma
possibilidade de tornar conhecidos fatos marcantes da vida de uma comunidade que tem
sido desconsiderada ao longo do tempo Dessa maneira nossa griocircte de Conceiccedilatildeo de
Suruiacute pocircs-se a narrar suas vivecircncias mas natildeo soacute as dela fala tambeacutem de um grupo que
63
tem sobrevivido ao longo da histoacuteria por meio de muita luta por melhores condiccedilotildees de
vida E que hoje continua enfrentando desafios de vaacuterias ordens
Quando falamos que esta narrativa eacute continuidade da anterior natildeo eacute por acaso Vovoacute
Faacutetima traacutes para noacutes histoacuterias de trabalhadores da regiatildeo que transformaram suas
realidades a partir do trabalho Vovoacute Faacutetima relembra como foi sua infacircncia e juventude
naquela regiatildeo quando natildeo existia energia eleacutetrica nas ruas calccedilamento na estrada
transporte puacuteblico e estabelecimentos comerciais
ndash No meu tempo de crianccedila quando chovia as ruas ficavam cheias de lama com buracos Para sair de casa era muito difiacutecil Ocircnibus aqui nem sonhava em ter Natildeo tinha postes nas ruas Era uma escuridatildeo Hoje temos ruas iluminadas a estrada calccedilada e ocircnibus de hora em hora (Vovoacute Faacutetima)
A griocircte falava para duas turmas o Preacute-escolar II e o 1deg ano Enquanto narrava todos
estavam atentos e curiosos em descobrir o passado que eacute ao mesmo tempo tatildeo presente
em seus cotidianos visto que ainda haacute inuacutemeros problemas de infraestrutura baacutesica que
afetam diretamente a vida escolar daqueles estudantes Infelizmente o calccedilamento soacute
chegou na estrada principal As ruas que fazem ligaccedilatildeo com a estrada ficam em condiccedilotildees
precaacuterias quando chove aleacutem do transporte puacuteblico natildeo passar por elas E isso representa
um grande problema visto que alguns dos estudantes moram em lugares de difiacutecil acesso
tendo que andar mais de 2km para chegar na escola Um dos estudantes sinalizou que o
ocircnibus demora muito Tivemos que concordar pois satildeo poucos os coletivos que estatildeo
disponibilizados para rodar naquela aacuterea rural
Apoacutes suscitar reflexotildees acerca de questotildees estruturais do bairro as memoacuterias de
dona Faacutetima se encaminharam para uma outra importante fase da histoacuteria daquela regiatildeo
ao fazer menccedilatildeo ao engenho de farinha de mandioca que existe ali Para dialogar com ela
a vovoacute faz referecircncia a uma estudante do 1deg ano que eacute neta do responsaacutevel pelo engenho
A menina de 7 anos explica em detalhes para todos como eacute produzida a farinha de
mandioca mostrando-se sabedora daquele processo artesanal Todos escutaram
atentamente a brilhante narrativa da menina pois precisavam saber como eacute feito o
alimento que tanto gostam e que geralmente natildeo falta em seus lares a Farinha Suruiacute
64
Alimento este que nos finais de semana especiais se transforma em ldquofarofinha com
linguiccedila farofinha com ovordquo53
Nossa griocircte aos poucos foi se apropriando do seu lugar de fala reconhecendo-se
como sujeito histoacuterico que testemunhou fatos e sobrevive participando de novos
contextos com novos atores Oportunizar o (re)conhecimento de histoacuterias reais de vida no
diaacutelogo com o passado reconstroacutei um presente mais esperanccediloso com pessoas que se
enxergam enquanto atores de suas histoacuterias
Figura 8 A vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais Fonte Arquivo pessoal da autora
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias
Pudemos conhecer outras histoacuterias contadas pelos heroacuteis de Conceiccedilatildeo de Suruiacute na
oficina em que aproximamos as memoacuterias das avoacutes com a Pedagogia Griocirc Como sinalizado
anteriormente apoacutes esse momento com as avoacutes na semana seguinte os estudantes fariam
a representaccedilatildeo do que ouviram com uma atividade com massinhas de modelar O objetivo
53 Fala dos estudantes do Preacute-escolar I quando questionados sobre o que faziam com a farinha
65
dessa fase foi a releitura das narrativas de maneira criativa e prazerosa ao utilizar um
recurso pedagoacutegico que eacute parte da rotina escolar de crianccedilas pequenas
E com isso a partir da mediaccedilatildeo buscamos enriquecer os sentidos do estica enrola
amassa movimentos tatildeo comuns quando a crianccedila faz uso da massa de modelar mas que
satildeo caminhos para o desenvolvimento de inuacutemeras competecircncias nessa fase inicial de
escolarizaccedilatildeo54 Dentre as vaacuterias habilidades trabalhadas com o uso da massinha podemos
citar a motora a sensorial a olfativa e a visual
Concluiacuteda essa atividade luacutedica fotografamos suas produccedilotildees e registramos algumas
falas no caderno de campo para que junto das narrativas da griocirctes pudeacutessemos produzir
um pequeno viacutedeo para ser divulgado em miacutedias digitais Com esta proposta vislumbramos
dar um novo sentido aos saberesfazeres que encontramos na Educaccedilatildeo Infantil como
tambeacutem apontar caminhos para o uso das miacutedias digitais enquanto artefato tecnoloacutegico a
favor da praacutetica docente
45 OFICINA 5 - MUSICALIDADE E AS ldquoARTES DE FAZERrdquo
Inicialmente chamamos para a conversa o historiador francecircs Michel de Certeau
(1994) ao utilizarmos a expressatildeo ldquoas lsquoartesrsquo de fazerrdquo que segundo o autor satildeo taacuteticas
criativas que os praticantes do cotidiano ao se apropriarem dos tempos-espaccedilos vatildeo
criando
O trabalho com a linguagem musical eacute um desafio por se tratar de um campo de
conhecimento rico em sensibilidade poeacutetica percepccedilatildeo experimentaccedilatildeo criaccedilatildeo e
reflexatildeo Mesmo assim ainda eacute pouco explorado Consideramos que o seu
aprofundamento eacute potencialmente capaz de promover reflexotildees e apropriaccedilotildees reflexivas
pelos praticantes do cotidiano de forma que sejam estimulados a criarem suas ldquoartes de
fazerrdquo
Descobri no meu dia a dia uma maneira de compartilhar saberes de forma luacutedica
prazerosa criativa e reflexiva com estudantes da Educaccedilatildeo Infantil Apostando na
musicalidade como um valor civilizatoacuterio afro-brasileiro realizei oficinas que foram
54 Esse termo deve ser entendido no sentido de proporcionar agrave crianccedila o amparo necessaacuterio para seu desenvolvimento integral e natildeo a escolarizaccedilatildeo precoce
66
divididas em etapas das quais identifico como sensibilizaccedilatildeo da muacutesica escolha do
repertoacuterio e reinvenccedilatildeo musical apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais confecccedilatildeo de
objetos sonoros gravaccedilatildeo do repertoacuterio e compartilhamento do mesmo Todas essas
etapas foram realizadas com as turmas de Preacute-escolar I e II e tiveram duraccedilatildeo de 5 semanas
considerando que para cada encontro foram usados 50 minutos de aula uma vez por
semana
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica
4511 Preacute-escolar II
A proposta inicialmente foi apresentar aos estudantes trecircs cantigas populares com
as quais eles iriam interagir e refletir sobre a letra a partir da mediaccedilatildeo docente Vale
ressaltar que durante as etapas a participaccedilatildeo da professora regente foi fundamental para
a consolidaccedilatildeo das accedilotildees visto que para cada oficina dispusemos apenas de 50 minutos
semanais Vale destacar que em grande parte dessas oficinas a professora regente
participou durante e posteriormente consolidando alguns conhecimentos como a
apropriaccedilatildeo da letra da muacutesica
As muacutesicas apresentadas foram ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de Joacuterdquo55
Iniciamos a escuta das muacutesicas e frisei que teriacuteamos de escolher a que fosse mais legal para
gravarmos A primeira foi ldquoNa Bahia temrdquo cantiga do folclore brasileiro
Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem
Na Bahia tem vou mandar buscar Lampiatildeo de vidro ocirc baiana ferro de engomar
Na Bahia tem vou mandar buscar Maacutequina de costura ocirc baiana fole de assoprar
Os estudantes natildeo a conheciam Natildeo obstante a cada verso explorado eles
manifestavam suas percepccedilotildees ideias e certezas Logo alguns fizeram relaccedilotildees com
55 Cantigas populares encontradas em httpwwwletrascombrmusicas-infantisescravos-de-jo
67
questotildees cotidianas Um estudante disse que em sua casa tem coco Entatildeo uma das
crianccedilas pediu para escrever a palavra coco no quadro Questionei se sabiam o que era
ferro de engomar ao que um estudante respondeu corretamente O mesmo disse saber o
que era lampiatildeo e outros reforccedilaram sua resposta ao dizer que se tratava de um tipo de
lacircmpada para clarear quando Conceiccedilatildeo de Suruiacute (bairro onde moram) natildeo tinha luz
Me apropriei das interpretaccedilotildees e do contexto da muacutesica que remete agrave Bahia para
rememorar a histoacuteria da quilombola mageense Maria Conga que veio da Aacutefrica se
estabelecendo primeiramente na Bahia antes de chegar em Mageacute Em oficina anterior os
estudantes aprenderam que a menina Maria veio do Congo paiacutes da Aacutefrica Junto com ela
vieram outros africanos que foram obrigados a trabalhar forccediladamente sem receber
nenhum dinheiro Por isso os negros eram chamados de escravos Um dos estudantes
entatildeo disse que onde ele mora moraram ldquoescravosrdquo Certamente ele estava fazendo
alusatildeo agrave Fazenda Santa Margarida lugar conhecido na regiatildeo por ter tido pessoas
escravizadas e ateacute hoje possui resquiacutecios de paredes da senzala e correntes
A segunda muacutesica apresentada foi ldquoEscravos de Joacuterdquo todos danccedilaram e disseram
conhecer a muacutesica da Galinha Pintadinha56
Escravos de Joacute Jogavam caxangaacute
Tira potildee
Deixa ficar
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
A terceira muacutesica foi ldquoSamba Lelecircrdquo Extremamente eufoacutericos por jaacute conhecerem toda
a letra da muacutesica cantaram e danccedilaram quando ensaiei uma coreografia
Samba Lelecirc taacute doente
Taacute com a cabeccedila quebrada Samba Lelecirc precisava
Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc
56 Desenho animado infantil criado por Juliano Prado e Marcos Luporini
68
samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Samba Lelecirc taacute doente Taacute com a cabeccedila quebrada
Samba Lelecirc precisava Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc Samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Em um segundo momento sugeri uma votaccedilatildeo para saber a muacutesica da preferecircncia
da turma ldquoSamba Lelecircrdquo venceu Apoacutes a votaccedilatildeo refletimos sobre a muacutesica que afirma que
a menina estaacute doente e precisa de umas boas palmadas Questionei sobre o que temos que
ter quando estamos doentes E continuei a provocaccedilatildeo perguntando ldquoapanhar cura a
doenccedilardquo Em coro disseram que natildeo pois quando ficam doentes eles recebem remeacutedio e
carinho Propus entatildeo que mudaacutessemos a letra da muacutesica trocando a palavra palmadas
por outra
Mas tinha um detalhe a palavrinha tinha que rimar com palmadas Alguns falaram
palavras com sentido mas sem a rima Logo um estudante sugeriu ldquopaparacadardquo Natildeo foi
preciso muito para entendermos (eu e a professora regente) que se tratava de paparicada
Todos concordaram e jaacute comeccedilaram a ensaiar a muacutesica com a nova versatildeo
4512 Preacute-escolar I
O caminho percorrido com o Preacute-escolar I foi o mesmo que realizamos com o Preacute II
Foram apresentadas as trecircs cantigas aos estudantes e os questionamos sobre se algueacutem as
conhecia Duas delas eram bastante familiares Samba Lelecirc e Escravos de Joacute Assim durante
a escuta das muacutesicas os estudantes danccedilaram cantaram bateram palmas e ensaiaram uns
passinhos Contudo passado esse momento propus que escolhecircssemos uma muacutesica para
que gravaacutessemos A escolha seria por votaccedilatildeo vencendo aquelas que tivessem mais votos
Para minha surpresa a voz de uma menininha laacute no fundo da sala brada ldquondash Eu
escolho todasrdquo Logo em seguida outros estudantes opinaram querendo que gravaacutessemos
natildeo soacute uma mas as trecircs cantigas populares ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de
69
Joacuterdquo Considerando as vozes e os desejos daqueles atores sociais concordei57 em realizar a
gravaccedilatildeo de todas as muacutesicas Assim comeccedilamos a explorar a letra e melodia de cada
repertoacuterio58
Assim como na outra turma contextualizamos cada enredo Quando chegou na
muacutesica Samba Lelecirc propusemos a troca da palavra palmada por outra que rimasse ndash
explicamos o que era rima ndash levando-os a refletir sobre a condiccedilatildeo da personagem que se
encontrava doente Prontamente um estudante disse que Lelecirc precisava de uma pomada
Naquele momento pude confirmar que a crianccedila estaacute interpretando de maneira singular a
cultura em que vive e nos surpreende ao burlar o instituiacutedo
Eacute possiacutevel notar que em ambas as turmas buscamos trabalhar diferentes habilidades
e competecircncias como sensibilizaccedilatildeo musical corporeidade concentraccedilatildeo apropriaccedilatildeo
dos sons para a formaccedilatildeo de palavras dentre outras questotildees Todavia a releitura da
muacutesica a partir da criaccedilatildeo de um novo sentido para o enredo me pareceu um movimento
potente para sensibilizar os atores sociais da importacircncia de pensar o outro como legiacutetimo
outro na diferenccedila
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais
O trabalho com os instrumentos musicais se deu por entendermos com o apoio de
Brito (2003) que a linguagem musical deve contemplar dentre outras atividades a
construccedilatildeo de instrumentos e objetos sonoros Eacute sabido que desde a tenra idade a crianccedila
produz sons pela exploraccedilatildeo e de forma afetiva e intuitiva Com o tempo essa exploraccedilatildeo
vai ganhando uma intencionalidade Foi a observacircncia desta intenccedilatildeo musical que
fortaleceu a ideia de aprofundarmos sobre a temaacutetica
Os estudantes durante a escuta das cantigas transformaram suas mesas em
instrumentos sonoros ao bater com as matildeos sobre elas Naquele instante entendemos que
a criaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo de artefatos musicais potencializariam sua relaccedilatildeo com as muacutesicas
que estaacutevamos propondo Para aleacutem disso acredito que o ato de criar desperta no sujeito
a criatividade a organizaccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo entre os pares
57 Essa decisatildeo acabou influenciando a outra turma (Preacute II) que tambeacutem gravaram as trecircs muacutesicas e adoraram essa ideia 58 Ao longo de 3 semanas ateacute a gravaccedilatildeo das cantigas a professora regente auxiliou de maneira singular ao ensaiar as muacutesicas com os estudantes
70
Quando iniciei o trabalho na escola a diretora me informou que haviam alguns
instrumentos musicais guardados e que seria muito interessante utilizaacute-los em minha
proposta Logo fui identificando as muacuteltiplas possibilidades que aquele espaccedilo me
oferecia Quando me deparei com o berimbau o caxixi e o atabaque ndash instrumentos eacutetnicos
ndash pensei nas experiecircncias instituintes que estavam prestes a surgir Naquele momento a
urgecircncia estava em resgatar aqueles instrumentos de dentro do armaacuterio e dar a eles
visibilidade de modo a tornar conhecidas suas raiacutezes culturais
Tomei conhecimento de que os instrumentos eram usados durante as oficinas de
capoeira do Mais Educaccedilatildeo59 No entanto havia meses que eles natildeo estavam sendo
usados pois as atividades haviam sido suspensas Por alguns instantes refleti sobre ateacute
onde a formaccedilatildeo docente inicial e continuada tem alcanccedilado as manifestaccedilotildees poliacutetico-
culturais que propotildeem um rompimento com praacuteticas reducionistas e anti-dialoacutegicas com a
diversidade cultural
Pensei na urgecircncia de aprofundar as conversas com os professores vislumbrando
uma maior reflexatildeo sobre seus papeacuteis de sujeitos criativos muacuteltiplos e fazedores de artes
de artes de fazer
Ao iniciar o trabalho com os instrumentos musicais junto ao Preacute-escolar estes foram
expostos com seus respectivos nomes Foi realizada a contaccedilatildeo de histoacuteria sobre a origem
daqueles instrumentos de musicalidade ressaltando a influecircncia que os homens e
mulheres oriundos das diaacutesporas africanas tecircm sobre eles Para que a apropriaccedilatildeo da
histoacuteria fosse afetiva e efetiva o enredo foi articulado agrave vinda da menina Maria Conga com
seus amigos para o Brasil Foi ressaltado na narrativa que na longa viagem triste e sofrida
os africanos cantavam e tocavam para aliviar a dor Quando chegaram ao Brasil
continuaram tocando mas agraves vezes de forma diferente O berimbau por exemplo era
utilizado pelos negros escravizados para fazer barulho a fim de chamar fregueses na rua
visto que alguns eram vendedores ambulantes O tambor por sua vez foi apresentado
como um objeto sagrado natildeo soacute para os negros mas tambeacutem para os indiacutegenas
59 O Programa Mais Educaccedilatildeo constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induzir a ampliaccedilatildeo da jornada escolar e a organizaccedilatildeo curricular na perspectiva da Educaccedilatildeo Integral Para maiores informaccedilotildees consultar httpportalmecgovbrprograma-mais-educacao
71
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I conhecendo a histoacuteria dos instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
72
Entre uma explicaccedilatildeo e outra falas dos estudantes iam evidenciando que aqueles
objetos lhes eram familiares Alguns meninos jaacute tinham tido contato com a capoeira outros
tocavam pandeiro na igreja O mais surpreendente para as crianccedilas foi o tambor atabaque
A interaccedilatildeo com a diversidade de objetos musicais com diferentes sons e formas
proporcionou grande satisfaccedilatildeo e curiosidade entre os estudantes
453 Confecccedilatildeo dos objetos sonoros
4531 Preacute-escolar II
A confecccedilatildeo dos instrumentos musicais com o Preacute-escolar II ocorreu na semana
seguinte apoacutes o contato com os instrumentos da escola Optamos pelo trabalho com
sucata materiais reciclaacuteveis e tambeacutem com gratildeos durex colorido e paetecircs Estes dois
uacuteltimos seriam para a decoraccedilatildeo dos mini tambores Encaminhamos para casa um recado
solicitando latas de alumiacutenio (de leite em poacute de suplemento e etc) para a confecccedilatildeo dos
objetos
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos Fonte Arquivo pessoal da autora
73
No entanto natildeo tivemos um retorno positivo pois apenas dois estudantes levaram
as latas Mudamos a estrateacutegia para aqueles que natildeo haviam levado o material solicitado
e construiacutemos mini chocalhos com rolo de papel Dessa maneira em um primeiro
momento os estudantes pintaram os rolinhos e em seguida enfeitaram com os paetecircs
4532 Preacute-escolar I
A confecccedilatildeo dos objetos sonoros com a turma do Preacute-escolar I foi pensada a partir da
mesma dinacircmica do Preacute II Aconteceu na semana seguinte apoacutes a sensibilizaccedilatildeo com os
instrumentos musicais eacutetnicos da escola e objetivou a elaboraccedilatildeo de um mini tambor a
partir do reaproveitamento de materiais como lata de leite aleacutem da utilizaccedilatildeo de outros
materiais como gratildeos durex colorido paetecircs e palito de churrasco Ao contraacuterio da turma
anterior tivemos um retorno positivo ao enviar o recado solicitando a lata de alumiacutenio
Dessa maneira pudemos confeccionar os mini tambores com todos os estudantes Com
materiais disponibilizados os alunos enfeitaram a lata e tambeacutem os palitos de churrasco
que se transformaram em baquetas Ambas as oficinas (do mini tambor e do chocalho)
tiveram duraccedilatildeo de 1 hora cada uma
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais Fonte Arquivo pessoal da autora
74
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis
Para Brito (2003) a crianccedila enquanto sujeito ldquobrincanterdquo faz muacutesica brincando
Nesse processo de criaccedilatildeo ela percebe e explora os sons de modo que refletindo o seu
mundo seus saberes eacute capaz de criar (recriar) novos sons novos movimentos e
instrumentos Assim tem sido nossa experiecircncia com os estudantes do Preacute-escolar com
muita interaccedilatildeo-accedilatildeo-reflexatildeo
No entanto mesmo compreendendo a riqueza das oficinas no sentido de promover
a exploraccedilatildeo a pesquisa a criatividade a corporeidade dentre outras competecircncias
sentia que faltava algo mais A leitura sobre a obra de Teca Alencar de Brito (2003) autora
referecircncia em estudos na aacuterea de educaccedilatildeo musical para crianccedilas ampliou o meu olhar
sobre o que jaacute vinha pensando Segundo a autora a produccedilatildeo musical ocorre a partir de
dois eixos fundamentais a criaccedilatildeo e reproduccedilatildeo Estes por sua vez possibilitaram a accedilatildeo
de interpretar improvisar e compor
Os estudantes demonstraram criatividade para interpretar e improvisar Natildeo
podiacuteamos perder a oportunidade de registrar suas artes de fazer A composiccedilatildeo musical
enquanto efeito de criar eacute tambeacutem caracterizada por sua condiccedilatildeo de permanecircncia
(BRITO 2003) Portanto eacute todo o movimento de registro seja na memoacuteria ou em artefatos
culturais (CD dispositivos moacuteveis) Com isso observou-se a necessidade de guardar natildeo
soacute na memoacuteria as criativas composiccedilotildees dos estudantes como tambeacutem de registraacute-las de
modo que fossem divulgadas
Surge entatildeo a ideia de gravar as trecircs muacutesicas em dispositivo moacutevel (celular) para
serem compartilhadas posteriormente com os responsaacuteveis dos estudantes A proposta
surgiu por entendermos que as crianccedilas desde muito cedo estatildeo rodeadas de artefatos
tecnoloacutegicos de todos os tipos computador celular iPod televisatildeo raacutedio dentre outros
Para confirmar essa suposiccedilatildeo encaminhamos para casa um questionaacuterio a fim de
que os responsaacuteveis respondessem sobre a utilizaccedilatildeo das tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo (TICs) Perguntamos sobre o tipo de artefato digital mais utilizado pelos
estudantes e com quais finalidades os utilizavam
Os aparelhos e seus usos foram diversos tais como celulares tablets e
computadores Mas a que prevaleceu (nos estudantes de ambas as turmas) foi a utilizaccedilatildeo
do celular para ouvir muacutesica e jogar
75
Assim eacute notaacutevel que as tecnologias digitais podem ser grandes aliadas no processo
de ensino aprendizagem Embora nem todos os estudantes tenham o dispositivo moacutevel e
leve para a sala de aula ficamos sabendo que em casa eles interagem e exploram os
aparelhos de seus pais desenvolvendo habilidades e competecircncias como raciociacutenio loacutegico
atenccedilatildeo e curiosidade em explorar o novo O professor que consciente de seu papel
formador deve saber que a escola eacute potencialmente capaz de ampliar e potencializar tais
habilidades Nesse sentido certa dessa identidade docente me apropriei da tecnologia
digital (celular) como recurso para registrar e divulgar a criaccedilatildeo musical dos estudantes
Foi realizada em ambas as turmas (Preacute-escolar I e II) uma oficina de gravaccedilatildeo
musical Aos estudantes foi dito que iriacuteamos gravar muacutesicas (as nossas muacutesicas) e isso foi
empolgante para todos Vale frisar o importante papel dos professores regentes enquanto
mediadores no processo de apropriaccedilatildeo da letra dos ritmos das rimas ou seja no
desenvolvimento da expressatildeo musical Foram semanas de preparaccedilatildeo desde a primeira
oficina com a sensibilizaccedilatildeo para as cantigas populares Foram expostos em sala de aula os
cartazes com as letras das muacutesicas jaacute reinventadas para que ao longo dos dias as
professoras cantassem a muacutesica com os estudantes
Com o apoio de Brito (2003) refletimos sobre a importacircncia de intervenccedilotildees
educativas no desenvolvimento da expressatildeo musical Em todo o processo levamos os
estudantes a refletirem sobre a letra da muacutesica as hipoacuteteses e expressotildees que fizessem
sentido Com isso acreditamos ter ampliado e enriquecido o universo luacutedico e social onde
a inclusatildeo da diferenccedila deve ser uma constante nas praacuteticas pedagoacutegicas
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical
Como sinalizado anteriormente essa uacuteltima etapa da oficina de musicalidade ocorreu
no iniacutecio do ano de 2016 com os responsaacuteveis dos estudantes das duas turmas (Preacute I e II)
que participaram das accedilotildees da pesquisa Ao propor um encontro com os responsaacuteveis
intencionamos para aleacutem de dar-lhes um retorno de parte de nossas accedilotildees tambeacutem ouvi-
los a respeito deles na educaccedilatildeo de seus filhos
Dessa maneira a reuniatildeo foi dividida em duas partes Na primeira parte foi exibida
uma apresentaccedilatildeo em PowerPoint de momentos da oficina de musicalidade identificando
o repertoacuterio musical trabalhado a reinvenccedilatildeo da cantiga popular ldquoSamba Lelecircrdquo e imagens
76
dos momentos de apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais eacutetnicos e confecccedilatildeo dos objetos
sonoros (instrumentos musicais)
No segundo momento foi realizado o compartilhamento das trecircs muacutesicas que
fizeram parte do repertoacuterio gravado pelos estudantes Importante frisar que para
compartilhar60 as muacutesicas foi necessaacuterio que cada responsaacutevel tivesse em matildeos seus
dispositivos moacuteveis (celulares) Para tal encaminhamos previamente um recado
solicitando a imprescindiacutevel presenccedila do celular na reuniatildeo
Em ambos os encontros os responsaacuteveis levaram seus celulares possibilitando um
retorno positivo para aquela proposta Expliquei como se daria o processo tendo em vista
que algumas pessoas natildeo sabiam utilizar a ferramenta do bluetooth de forma colaborativa
os demais que sabiam foram compartilhando os arquivos com aquele que estava proacuteximo
Foi um momento de aprendizado muacutetuo onde pudemos contar com a participaccedilatildeo de
todos os sujeitos envolvidos
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
60 O compartilhamento ocorreu via bluetooth Este eacute uma tecnologia de comunicaccedilatildeo sem fio que permite que dispositivos moacuteveis troquem dados entre si e se conectem a outros artefatos como mouses teclados fones de ouvido impressoras e outros acessoacuterios
77
Ao passo que eu compartilhava as produccedilotildees musicais fazia alguns comentaacuterios
acerca das apropriaccedilotildees por parte dos estudantes em sala de aula Quando chegou na
muacutesica ldquoSamba Lelecircrdquo provoquei os responsaacuteveis a descobrirem as palavras que
substituiacuteram o termo palmada Natildeo demoraram para perceber que se tratavam de
paparicada (releitura do Preacute II) e pomada (releitura do Preacute I)
Logo para a nossa surpresa uma matildee de uma estudante do Preacute-escolar I nos relatou
que havia corrigido a filha que chegou em casa cantando a muacutesica de forma incorreta E a
filha insistiu que Lelecirc precisava de pomada e natildeo palmada Embora o que a menina disse
fizesse sentido para a matildee esta continuou insistindo em reproduzir a letra real da muacutesica
Contudo naquele momento de troca ela se deu conta de que sua filha estava construindo
saberes instituintes para uma nova relaccedilatildeo de alteridade entre o adulto e a crianccedila
46 OFICINA 6 - LENDAS QUE NOS ENCANTAM
Como jaacute relatado iniciamos o ano de 2016 dando continuidade agraves accedilotildees do ano
anterior disponibilizando o repertoacuterio de muacutesicas para os pais compartilharem com os
estudantes No encontro com os responsaacuteveis foi frisado que as accedilotildees voltadas para o
ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais seriam contiacutenuas no ano corrente mesmo apoacutes
finalizada a pesquisa Ou seja continuariacuteamos realizando o empreacutestimo dos livros eacutetnicos
semanais e o nosso cotidiano estaria permeado por histoacuterias outras nas quais todos
pudessem se sentir representados
A continuidade deste trabalho no ano de 2016 se sustentou nos princiacutepios da
etnografia longitudinal (CORSARO 2005) visto que estariacuteamos acompanhando a transiccedilatildeo
de uma parte dos sujeitos da pesquisa para outras fases de escolarizaccedilatildeo sendo o Preacute-
escolar II indo para o 1deg ano do Ensino Fundamental e o Preacute-escolar I para o Preacute II
Desse modo buscamos por meio de oficinas de contaccedilatildeo de histoacuterias perceber como
se consolidaram as aprendizagens sobre a diversidade eacutetnico-racial entre os estudantes A
seguir vamos detalhar uma atividade realizada com a turma do 1deg ano
78
461 O segredo do Baobaacute uma lenda africana
Ao meio dia corria pela planiacutecie um coelho fugindo do sol escaldante e abrigou-se sob o peacute de um Baobaacute Ele se sentiu tatildeo bem que disse ndash Estaacute sombra eacute muito boa obrigado O Baobaacute se sentiu reconhecido e balanccedilou seus galhos como em uma danccedila alegre Mais uma vez o coelho quis se aproveitar da situaccedilatildeo e disse ndash Sua sombra eacute realmente muito boa Mas e esses seus frutos seraacute que tambeacutem satildeo Baobaacute entatildeo caiu na armadilha e soltou um dos seus frutos O coelho natildeo satisfeito disse ndash Sua sombra e seus frutos satildeo oacutetimos Mas e o seu coraccedilatildeo Baobaacute O Baobaacute sentiu uma forte emoccedilatildeo Mas ele natildeo poderia mostrar seu coraccedilatildeo Era tatildeo difiacutecil Mas o coelhinho era tatildeo gentil O Baobaacute foi abrindo seu tronco e logo o coelho jaacute podia ver um brilho que ofuscava os olhos Era um grande tesouro Baobaacute oferece ao seu amigo O coelho entatildeo pegou algumas joias e agradeceu ao Baobaacute ndash Obrigado linda aacutervore Jamais te esquecerei O coelho presenteou sua esposa e disse para sua amiga hiena tudo que lhe acorreu No dia seguinte ao meio dia a hiena foi ateacute o Baobaacute e repetiu passo a passo as dicas do seu amigo coelho O Baobaacute sem hesitar abriu seu tronco para a hiena Mas ela estava faminta pelo ouro e foi agressiva pegaacute-lo Logo a aacutervore fechou-se e chorou porque ficou apavorada A partir desse dia a hiena passou a vasculhar as entranhas dos animais mortos para achar tesouro Mas esse tesouro soacute existe enquanto o coraccedilatildeo eacute vivo Quanto ao Baobaacute nunca mais se abriu A ferida que ele sofreu eacute invisiacutevel mas dificilmente curaacutevel61
Mais uma vez encontramos um enredo em que a aacutervore eacute um elemento central nas
histoacuterias que nos marcam A narrativa acima representa uma das vaacuterias lendas existentes
sobre a famosa aacutervore de origem africana chamada Baobaacute62 Sentimos a necessidade de
tornar conhecido esse siacutembolo de resistecircncia e guardiatildeo da ancestralidade africana que eacute
o Baobaacute
Iniciamos a aula em grande roda como de costume Logo a frente no quadro
encontrava-se uma representaccedilatildeo de uma aacutervore diferente com troncos largos e alguns
frutos que chamaram a atenccedilatildeo dos estudantes Logo perguntaram ldquondash Tia vocecirc vai contar
a histoacuteria da Mirindibardquo63 Respondi que aquela natildeo era a Mirindiba e realizando as
61 A Aacutervore dos Tesouros recriaccedilatildeo de Henri Gougaud traduccedilatildeo de Maria do Rosaacuterio Pedreira Lenda disponiacutevel no blog httpbravoafrobrasilblogspotcombr2010_06_01_archivehtml consultado em 10 abril 2016 62 Aacutervore siacutembolo do Continente Africano famosa por suas caracteriacutesticas naturais sobretudo por sua resistecircncia agraves intempeacuteries Por chegar a viver por milecircnios ela ganha status de guardiatilde de memoacuterias e tradiccedilotildees dos povos africanos 63 Como sinalizado na introduccedilatildeo deste trabalho Mageacute possui heranccedilas de etnia indiacutegena muito fortes A Mirindiba eacute o nome de uma aacutervore centenaacuteria da cidade que segundo a lenda mageense era uma iacutendia que foi encantada pelo pajeacute e desde entatildeo vive no alto do Morro do Bonfim
79
comparaccedilotildees fiacutesicas apresentei o Baobaacute64 enquanto siacutembolo da ancestralidade dos povos
africanos
Foi apresentado tambeacutem o valor afetivo que aquele siacutembolo tem para os povos
africanos por sua resistecircncia ao sobreviver milecircnios e assim servir de palco de inuacutemeros
acontecimentos tornando-se guardiatilde das histoacuterias mais preciosas de diversos povos
Sensibilizados sobre a importacircncia do Baobaacute para os povos africanos tal como a Mirindiba
eacute para os mageenses logo iniciamos a narrativa da lenda
Encantados com o enredo os estudantes encenaram a histoacuteria expressando
sentimento imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Em aula posterior lhes foi apresentada a mesma lenda
mas em miacutedia digital65 O viacutedeo exibido para os estudantes foi realizado com teacutecnicas de
animaccedilatildeo a partir de desenhos e muacutesicas de fundo
Apoacutes assistirem ao viacutedeo propus que eles recontassem a lenda utilizando massinha
de modelar ilustraccedilatildeo em papel e muita criatividade O combinado foi que na medida em
eles fossem confeccionando a histoacuteria eu fotografaria cada etapa para produzir um viacutedeo
do grupo Dessa maneira todos deveriam ser muito caprichosos pois iriacuteamos divulgar essa
histoacuteria na internet66 para que todos conhecessem a lenda do Baobaacute do coelho e da hiena
feita por noacutes Prontamente todos concordaram com a ideia e ficaram animados com a
possibilidade de fazer uma atividade ldquotatildeo legalrdquo
Natildeo nos surpreendeu que durante todo o processo os estudantes se sentissem
motivados a criarem personagens e cenaacuterios Foi possiacutevel perceber que falar de miacutedias
artefatos tecnoloacutegicos de diferentes gecircneros com as crianccedilas soa como muacutesica aos seus
ouvidos porque elas estatildeo a todo momento experimentando essas tecnologias no seu dia
a dia
Mocircnica Fantin ao tratar da formaccedilatildeo docente dialogada com a cultura experiecircncia
e multimiacutedia defende que eacute necessaacuterio ldquoo trabalho diferenciado com a cultura audiovisual
imageacutetica literaacuteria artiacutestica musical midiaacutetica e digital articulada com as mais diversas
formas de participaccedilatildeo de crianccedilas e jovens na culturardquo (FANTIN 2012 p 298) Com isso
64 Foram levadas fotografias para que os estudantes pudessem compreender melhor as caracteriacutesticas fiacutesicas da aacutervore sendo evidenciado que existem vaacuterias espeacutecies da mesma 65 O viacutedeo que conta a lenda do Baobaacute e da hiena apresentado aos estudantes foi produzido por Camila SgLe Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=V1BmVhT05HQ consultado em 10042016gt 66 Link da paacutegina onde o viacutedeo seraacute disponibilizado httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnico raciaisartesdefazer
80
reconhecemos a urgecircncia de contar e permitir que os nossos estudantes contem novas
histoacuterias e se apropriem dos artefatos do cotidiano como ferramentas para que suas
aprendizagens sejam prazerosas e significativas
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo Fonte Arquivo pessoal da autora
47 NARRATIVA DA PROFESSORA DO PREacute-ESCOLAR I
A seguir compartilho uma breve narrativa da docente Sarah Rosa professora do Preacute-
escolar I do ano de 2015 Esta pocircde acompanhar a turma no ano corrente o que foi algo
favoraacutevel para todos os envolvidos na pesquisa visto que possibilitou a permanecircncia das
conversas
A participaccedilatildeo da professora Daise tem sido grandemente proveitosa e enriquecedora para os alunos da Educaccedilatildeo Infantil Sua pesquisa e trabalho tecircm colaborado para o desenvolvimento dos alunos em vaacuterios aspectos um deles eacute contra o preconceito racial Haacute tambeacutem um trabalho sobre as diferenccedilas o respeito e o amor ao proacuteximo aleacutem de desenvolver o gosto das crianccedilas pela leitura pela linguagem oral e corporal As crianccedilas apresentam prazer e satisfaccedilatildeo pelas suas aulas que por sinal satildeo bem dinacircmicas e atrativas para elas O trabalho feito tem ido aleacutem da sala de aula tem alcanccedilado os familiares dos alunos e ajudado a trazer a presenccedila dos mesmos agrave escola Ela tem realizado atividades envolvendo
81
a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo dos familiares juntamente com as crianccedilas O que tem proporcionado experiecircncias prazerosas para todos envolvidos (Professora Sarah Rosa 2015)
82
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
51 CONCLUSOtildeES
Este estudo teve como objetivo geral ldquorealizar pesquisa a partir de metodologias
interativas ndash interdisciplinaridade e etnografia ndash com enfoque na sociologia da infacircncia
com estudantes entre 4 e 6 anos abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola
rural do municiacutepio de Mageacuterdquo para aleacutem de contribuir com minha formaccedilatildeo continuada
Pude construir novos saberes e compartilhaacute-los Nesse processo tambeacutem confirmei a
necessidade de mudanccedila de olhar sobre a escola que temos
As escolas brasileiras ainda se enquadram dentro do modelo instrumental e
cartesiano sobre o qual elas foram pensadas Este modelo limita a compreensatildeo da
multiplicidade de contextos e sujeitos que compotildeem a diversidade humana Natildeo obstante
sabe-se que aos poucos essa mesma instituiccedilatildeo tem incluiacutedo a diversidade a partir de
movimentos que visam o rompimento com o instituiacutedo
Este trabalho desejou suscitar um novo olhar sobre a diversidade em contexto escolar
e construir caminhos que alcanccedilassem os diferentes atores sociais de maneira afetiva e
efetiva Assim foi se estabelecendo conversas e fui descobrindo que elas satildeo mais longas
quando acontecem entre os sujeitos da diferenccedila
Pensar a crianccedila desde a mais tenra idade implicou em realizar redes reflexivas com
diversas aacutereas do saber As metodologias trabalhadas sobretudo a interdisciplinaridade
nos pareceu desde o iniacutecio uma decisatildeo acertada A Sociologia da Infacircncia (CORSARO
2005) favoreceu minhas aproximaccedilotildees com as crianccedilas e entre elas proacuteprias Favoreceu
ainda o desafio de trabalhar com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais jaacute que pensar as
culturas infantis implica em refletir sobre diferenccedila diversidade e alteridade
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012)
Os objetivos especiacuteficos foram as metas traccediladas para o alcance do objetivo geral
Visaacutevamos romper com praacuteticas e culturas que excluem a diversidade do cotidiano escolar
a partir de intervenccedilotildees pedagoacutegicas Para tais intervenccedilotildees precisei construir objetivos de
ensino que me orientassem no trabalho
A Sociologia da Infacircncia enquanto constructo epistemoloacutegico possibilitou maiores
reflexotildees sobre a crianccedila enquanto produtora de cultura e reveladora das possibilidades
83
da estrutura social (SARMENTO 2005 p 363) Dessa maneira ao longo da pesquisa com
as crianccedilas e natildeo sobre elas fui notando o quanto eram ativas criativas e dotadas de
saberes que gritavam para serem reconhecidos Ao reconhecer suas vozes me aproximei
da cultura da diversidade e juntos realizamos interaccedilotildees dialoacutegicas
Tambeacutem busquei construir redes colaborativas e de conhecimentos com a
comunidade escolar compreendendo os docentes (natildeo soacute os professores da Educaccedilatildeo
Infantil) e a equipe pedagoacutegica O objetivo foi a reflexatildeo sobre os desafios da inclusatildeo da
diversidade nas escolas brasileiras Realizamos grupos de estudos dinamizado por mim67
Estabelecemos conversas as quais me trazem agrave memoacuteria uma palestra que escutei haacute
algum tempo na UFF sobre ldquoTempos e conversasrdquo O palestrante Carlos Skliar68 sinalizou
que os professores precisam ser formados na arte da conversa pois sem conversaccedilatildeo natildeo
existe educaccedilatildeo
Me aproprio de sua fala para explicitar como foi a relaccedilatildeo entrecom as professoras
envolvidas na pesquisa Eacute certo que somos diferentes mas foram essas diferenccedilas
somadas a solidariedade que fizeram a conversa fluir emergindo trocas reflexivas sobre o
cotidiano escolar diversidade e inclusatildeo
Como jaacute sinalizado os atores do cotidiano possuem muacuteltiplas linguagens que
precisam ser alcanccediladas O que se aprende fora dos muros da escola necessita ser
considerado como fonte de aprendizagem significativa no ambiente escolar E por
aprendizagem significativa entendemos ser aquela que proporciona a ldquointeraccedilatildeo cognitiva
entre o novo conhecimento e o conhecimento preacuteviordquo (MOREIRA 2000 p 4)
E embora o objetivo do trabalho natildeo fosse alcanccedilar diretamente as pessoas com
deficiecircncia as oficinas realizadas podem ser utilizadas para o trabalho com pessoas surdas
cegas ou com outras deficiecircncias desde que se realize as adaptaccedilotildees necessaacuterias Eacute possiacutevel
notar que procuramos incluir a diversidade na escola na figura de uma avoacute com nanismo
com a presenccedila de pessoas com diferentes faixas etaacuterias com mulheres ou seja pessoas
que representam as minorias que fazem parte da diversidade humana
67 Nesse grupo de estudos a supervisora da escola me convidou para realizar uma formaccedilatildeo para as professoras das duas creches em que ela trabalhava A formaccedilatildeo aconteceu no mecircs de agosto para 21 professoras do Municiacutepio de Mageacute 68 Pesquisador principal da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales - Argentina Tem experiecircncia na aacuterea de Educaccedilatildeo com ecircnfase em Fundamentos da Educaccedilatildeo Atuando principalmente nos seguintes temas Comunicaccedilatildeo Inteligecircncia Surdos Alteridade e Diferenccedila
84
Entendendo que a teoria funciona como lupa para melhor ver o que acontece na
praacutetica assim todas as atividades foram pensadas agrave luz de diferentes correntes teoacutericas-
metodoloacutegicas complementares tais como Sociologia da Infacircncia Interdisciplinaridade e
Etnografia Em todas as etapas procuramos adequar as atividades e reflexotildees aos
paracircmetros da Educaccedilatildeo Infantil e do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais sem perder de
vista o protagonismo infantil
Como jaacute salientado meus caminhos de formaccedilatildeo tecircm me provocado a olhar o
cotidiano escolar a partir de uma curiosidade epistemoloacutegica (FREIRE 2007) Mas
reconheccedilo que foi um desafio o trabalho com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais uma vez
que as poliacuteticas e praacuteticas existentes tendem a burocratizar a questatildeo natildeo possibilitando
a criaccedilatildeo de uma cultura inclusiva sobre a temaacutetica no cotidiano escolar Igualmente
reconheccedilo que graccedilas a curiosidade inquieta que me move em direccedilatildeo ao Outro tenho
buscado a construccedilatildeo de taacuteticas que representem a possibilidade de incluir a diversidade
52 PERSPECTIVAS
Foram traccediladas algumas perspectivas apoacutes a conclusatildeo deste trabalho A primeira
delas e que foi um compromisso com as famiacutelias dos estudantes foi a devoluccedilatildeo dos
achados que ainda seraacute decido a natureza do material Temos como opccedilatildeo o caderno
pedagoacutegico em CD mas tambeacutem podemos pensar na sua versatildeo impressa ou disponibiliza-
lo no espaccedilo criado para a divulgaccedilatildeo das accedilotildees e demais produtos Para tal devoluccedilatildeo
podemos repensar a colocaccedilatildeo dos nomes e exibiccedilatildeo dos rostos das crianccedilas pois
entendemos que elas precisam se reconhecerem no texto no qual sua histoacuteria de vida estaacute
sendo contada mas que para esse trabalho por questotildees eacuteticas foram suprimidas
Outra perspectiva eacute tornar o Caderno Pedagoacutegico uma Tecnologia Acessiacutevel para o
trabalho com crianccedilas deficientes A Tecnologia Acessiacutevel na escola tem por objetivo
() proporcionar agrave pessoa com deficiecircncia maior independecircncia para o aprendizado melhor qualidade de vida e inclusatildeo social por meio da ampliaccedilatildeo de sua comunicaccedilatildeo e de sua mobilidade maior controle do ambiente e desenvolvimento de trabalho integrado com a famiacutelia
colegas e profissionais da educaccedilatildeo (DOMINICK 2015 p 9)
85
Dessa maneira vislumbramos construir outras estrateacutegias para a acessibilidade do
conhecimento das relaccedilotildees eacutetnico-raciais Quando pensamos em outras eacute porque como jaacute
dito anteriormente algumas oficinas podem ser adaptadas para trabalhar com pessoas
cegas surdas cadeirantes com altas habilidades desde que o professor coloque em
praacutetica as suas invenccedilotildees cotidianas (CERTEAU 1994) e se torne um professor pesquisador
e inventor de novas taacuteticas educacionais
86
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABRAMOWICZ Anete OLIVEIRA Fabiana As relaccedilotildees eacutetnico-raciais e a sociologia da infacircncia no Brasil alguns aportes In BENTO Maria Aparecida Silva (Org) Educaccedilatildeo infantil igualdade racial e diversidade aspectos poliacuteticos juriacutedicos conceituais Satildeo Paulo Centro de Estudos das Relaccedilotildees de Trabalho e Desigualdades - CEERT 2012 ALVES Nilda Imagens de professoras e redes cotidianas de conhecimentos Educar Curitiba n 24 p 19-36 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfern24 n24a02pdfgt Acesso em 10 de marccedilo de 2016 ______ Decifrando o pergaminho o cotidiano das escolas nas loacutegicas das redes cotidianas In OLIVEIRA IB ALVES N (Orgs) Pesquisa nodo cotidiano das escolas sobre redes de saberes Rio de Janeiro DPampA 2001 ARANTES Erika ANDRADRE Nivea Diana e os orixaacutes imagens da questatildeo racial em escolas Revista de Estudos Universitaacuterios Sorocaba v 39 n 2 p 379-391 2013 Disponiacutevel em lthttpperiodicosunisobrojsindexphpjournal=reuamppage=articleampop= viewamppath5B 5D=1712gt Acesso em 20 de abril de 2015 APPADURAI Arjun O medo ao pequeno nuacutemero ensaio sobre a geografia da raiva Satildeo Paulo Iluminuras Itauacute Cultural 2009 CASTELLS Manuel A Era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura vol I 6ordf ed Satildeo Paulo Paz e terra 1999 BOOTH T AISCOW M Index para a inclusatildeo desenvolvendo a aprendizagem e a participaccedilatildeo nas escolas Traduzido por Mocircnica Pereira dos Santos e Joatildeo Batista Esteves Londres CSIE 2011 BOURDIEU Pierre O poder simboacutelico Traduccedilatildeo Fernando Tomaz Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 BRASIL Lei nordm 9394 Brasiacutelia 20 de dezembro de 1996 Disponiacutevel em lt
httpswwwplanaltogovbrccivil_03LeisL9394htmgt ______ Lei nordm 10639 Brasiacutelia 9 de janeiro de 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03leis2003L10639htmgt Acesso em 26 marccedilo de 2015 ______ Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana Brasiacutelia MEC SEF 2004 ______ Lei nordm 11738 Brasiacutelia 16 de julho de 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102008leil11738htmgt
87
_____ Referencial curricular nacional para a educaccedilatildeo infantil Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e do Desporto Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MECSEF 1998 3v il BRITO Teca A de Muacutesica na Educaccedilatildeo Infantil Satildeo Paulo Petroacutepolis 2003 CERTEAU Michel de A Invenccedilatildeo do cotidiano Artes de fazer Petroacutepolis Vozes 1994 CORSARO WA Entrada no campo aceitaccedilatildeo e natureza da participaccedilatildeo nos estudos etnograacuteficos com crianccedilas pequenas Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 26 n 91 p 443-464 maio-ago 2005 DELGADO Ana Cristina Coll MULLER Fernanda Em busca de metodologias investigativas com crianccedilas e suas culturas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo v 35 n 125 p 161-179 maioago 2005 DOMINICK Rejany dos S A arte de fazer e nos fazermos no ALEPH explicitando alguns princiacutepios na e da formaccedilatildeo de professores In LINHARES Ceacutelia Portinari e a cultura brasileira um convite agrave educaccedilatildeo a contrapelo Niteroacutei Editora da UFF 2011 [Segunda parte p 145-161] ______ Discutindo e conceituando as tecnologias para a formaccedilatildeo de professores na EJA-I e na diversidade In MEDEIROS C C Educaccedilatildeo de jovens adultos e idosos na diversidade saberes sujeitos e praacuteticas Niteroacutei UFFCEAD 2015 p 295-314 FANTIN Monica O lugar da experiecircncia da cultura e da aprendizagem multimiacutedia na formaccedilatildeo de professores Educaccedilatildeo Santa MariaRS v 37 n 2 p 291-306 2012 FAZENDA Ivani Catarina Arantes Desafios e perspectivas do trabalho interdisciplinar no Ensino Fundamental contribuiccedilotildees das pesquisas sobre interdisciplinaridade no Brasil o reconhecimento de um percurso Trabalho publicado nos Anais do XIV ENDIPE Belo Horizonte 2010 FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia saberes necessaacuterios agrave praacutetica educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007
______ Educaccedilatildeo e mudanccedila Rio de Janeiro Paz e Terra 1983
GOMES Lisandra O cotidiano as crianccedilas suas infacircncias e a miacutedia imagens concatenadas Proacute-Posiccedilotildees CampinasSP v 19 n 3 p 175-193 setdez 2008 GONCcedilALVES Luiz Alberto Oliveira Reflexatildeo sobre a particularidade cultural na educaccedilatildeo das crianccedilas negras Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 63 p 27-29 nov 1987 HAAS Celia Maria A Interdisciplinaridade em Ivani Fazenda construccedilatildeo de uma atitude pedagoacutegica International Studies On Law And Education Satildeo Paulo n 8 p55-64 maiago 2011
88
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICA (IBGE) Dados gerais do municiacutepio de Mageacute 2014 Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=amp codmun=330250ampsearch=||infoE1ficos-informaE7F5es-completas Acesso em 20072015 JAPIASSU H Interdisciplinaridade e patologia do saber Rio de Janeiro Imago 1976 KRAMER Sonia Autoria e autorizaccedilatildeo questotildees eacuteticas nas pesquisas com crianccedilas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 116 p 41-59 2002 LARROSA Jorge Notas sobre a experiecircncia e o saber de experiecircncia Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro n 19 p 20-28 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfrbedun19n19a02pdfgtAcessado 20052015 LARROSA Jorge Experiecircncia e alteridade em educaccedilatildeo Revista Reflexatildeo e Accedilatildeo Santa Cruz do SulSC v 19 n 2 p 04-27 2011 LINHARES Celia Movimentos instituintes na escola buscando dar visibilidade ao invisiacutevel Revista Aleph Niteroacutei [200] Disponiacutevel em lthttpwwwuffbralephtextos_em_pdf
politicas_de_formacao_de_professorespdfgt Acessado em 02 agosto 2015 LOumlWY Michael A ldquocontrapelordquo A concepccedilatildeo dialeacutetica da cultura nas teses de Walter Benjamin (1940) Lutas Sociais Satildeo Paulo n 2526 p20-28 2ordm semestre 2011 MATURANA H e VARELA F A aacutervore do conhecimento As bases bioloacutegicas do entendimento humano CampinasSP Editorial Psy II 1995 MOREIRA Marco Antonio Aprendizagem significativa Brasiacutelia Ed da UnB 2000 MUumlLLER F Infacircncia nas vozes das crianccedilas culturas infantis trabalho e resistecircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 27 n 95 p 553-573 ago 2006 MUNANGA Kabengele Uma abordagem conceitual das noccedilotildees de raccedila racismo identidade e etnia In BRANDAtildeO A A P (Org) Programa de educaccedilatildeo sobre o negro na sociedade brasileira Niteroacutei EdUFF 2000 OLIVEIRA Luiz Fernandes FARIAS Ursula Pinto Lopes A Aacutefrica e o negro nos anos iniciais do ensino fundamental desafios para a escola In GOUVEcircA Fernando Ceacutesar Ferreira OLIVEIRA Luiz Fernandes de SALES Sandra Regina (Orgs) Educaccedilatildeo e relaccedilotildees eacutetnico-raciais entre diaacutelogos contemporacircneos e poliacuteticas puacuteblicas 1 ed PetroacutepolisRJ De Petrus et Alii BrasiacuteliaDF CAPES 2014 PACHECO Liacutellian Pedagogia Griocirc a reinvenccedilatildeo da roda da vida LenccediloacuteisBA Graacutefica Santa Helena 2006
89
PAULA Benjamin Xavier de A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais e os desafios a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo anti-racista Anais do XIV Regional da ANPUH Rio de Janeiro 2010 PEIXOTO I C L A violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda e seus reflexos no comportamento de gecircnero Anais do Encontro Nacional do GT ndash GecircneroANPUH Espiacuterito Santo 2004 Disponiacutevel em lthttplegpvufesbrsiteslegpvufesbrfilesfieldanexo isabella_cotta_lanza_peixotopdfgt PEREIRA Daise dos S Conversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da educaccedilatildeo baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeos Trabalho de conclusatildeo de curso (Poacutes-graduaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais) Universidade Federal Fluminense 2016 PEREIRA Maacutercia G PEREIRA Daise dos S A (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidade XVIII Endipe CuiabaacuteMT 2016 PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICIacuteLIOS (PNAD) Retrato das Desigualdades de Gecircnero e Raccedila 4ordf ediccedilatildeo 2012 Disponiacutevel em httpwwwipeagovbrigualdaderacial indexphpoption=com_contentampview=articleampid=614ampItemid=18
PLETSCH Maacutercia Denise CARVALHO Carlos Roberto Editorial do dossiecirc Processos de Inclusatildeo e Exclusatildeo Escolar e Movimentos Sociais Revista Teias Rio de Janeiro v 12 n 24 p 01-08 janabr 2011 Disponiacutevel em lthttpperiodicospropedprobrindexphprevistateiasarticleview822gt Acessado em 010716 ROSSETTO Elisabeth A contribuiccedilatildeo do pensamento de Maturana para a educaccedilatildeo Educere et Educare ndash Revista de Educaccedilatildeo vol 5 n 10 2ordm Semestre de 2010
SANTOS Mocircnica Pereira dos Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura Omnileacutetica In CASTRO Paula Almeida de Inovaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia desafios e perspectivas na contemporaneidade Campina GrandePB Editora Realize 2015 Disponiacutevel em lthttpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdfgt Acesso em 20022016 SANTOS Sandro V S dos Sociologia da infacircncia aproximaccedilotildees entre Willian Corsaro e Florestan Fernandes Educaccedilatildeo em Perspectiva Viccedilosa v 5 n 1 p 117-139 janjun 2014 SARMENTO Manuel Jacinto Geraccedilotildees e alteridade interrogaccedilotildees a partir da sociologia da infacircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas vol 26 n 91 p 361-378 MaioAgo 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwcedesunicampbrgt SCHOumlN D Educando o Profissional Reflexivo um novo design para o ensino e aprendizagem
Trad Roberto Cataldo Costa Porto Alegre Artes Meacutedicas Sul 2000
SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das trecircs raccedilas ndash cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil 1870-1930 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993
90
SILVA Tomaz Tadeu da Documentos de identidade uma introduccedilatildeo agraves teorias do curriacuteculo Belo Horizonte Autecircntica 2007 SILVA P V B da SOUZA G de Relaccedilotildees eacutetnico-raciais e praacuteticas pedagoacutegicas em Educaccedilatildeo Infantil Educar em Revista Curitiba n 47 p 35-50 janmar 2013 SKLIAR Carlos A educaccedilatildeo e a pergunta pelos Outros diferenccedila alteridade diversidade e os outros outros Revista eletrocircnica Ponto de Vista Florianoacutepolis n 5 p 37-49 2003 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosufscbrindexphppontodevistaarticleview1244gt THIESEN Juares da Silva A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 13 n 39 p 545-554 2008 TRINDADE Azoilda Loretto (org) Africanidades brasileiras e educaccedilatildeo [livro eletrocircnico] Salto para o Futuro Rio de Janeiro ACERP Brasiacutelia TV Escola 2013 ______ Valores Civilizatoacuterios e a Educaccedilatildeo Infantil uma contribuiccedilatildeo afro-brasileiras In BRANDAtildeO Ana Paula TRINDADE Azoilda Loretto da (Orgs) Modos de brincar caderno de atividades saberes e fazeres Rio de Janeiro Fundaccedilatildeo Roberto Marinho 2010 UNESCO Declaraccedilatildeo de Salamanca Necessidades Educativas Especiais ndash NEE In Conferecircncia Mundial sobre NEE Acesso em Qualidade ndash UNESCO Salamanca Espanha UNESCO 1994 YOUNG Michael Para que servem as Escolas Educ Soc Campinas vol 28 n 101 p 1287-1302 setdez 2007 Disponiacutevel em lt httpwwwcedesunicampbr gt
91
7 APEcircNDICES E ANEXOS
71 APEcircNDICES
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados
92
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
93
94
95
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem
96
97
98
72 ANEXOS 721 Imagens utilizadas
Navio Negreiro - Litogravura de Johann Moritz Rugendas (1835)
Navio negreiro real na costa brasileira ndash Marc Ferrez (1882)
99
Mulher brasileira em seu lar - Jean Baptiste Debret
O Jantar no Brasil - Jean Baptiste Debret
100
722 Premiaccedilatildeo
Esta premiaccedilatildeo eacute fruto das accedilotildees de incentivo agrave leitura que desenvolvi na escola em
parceria com o projeto de Extensatildeo da UFF ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos
anos iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo e a presente pesquisa O projeto ldquoOs
contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo com histoacuterias uacutenicasrdquo buscou
romper com as histoacuterias uacutenicas e oportunizar que os sujeitos da diferenccedila tivessem o direito
de serem protagonistas e construtores de suas proacuteprias histoacuterias
A seguir reproduccedilatildeo na iacutentegra do texto sobre os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio
Ecofuturo de Bibliotecas
O Instituto Ecofuturo anuncia os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio Ecofuturo de
Bibliotecas iniciativa que visa reconhecer o trabalho de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria
realizado nas 107 bibliotecas comunitaacuterias da Rede Ler Eacute Preciso implantadas pelo Instituto
em parceria com a iniciativa privada poder puacuteblico e comunidade
Para Paulo Groke Diretor de Sustentabilidade do Ecofuturo o precircmio eacute tambeacutem uma
forma de compartilhar boas praacuteticas que incentivam e inspiram a leitura no Paiacutes
ldquoA cada ediccedilatildeo eacute possiacutevel identificar uma melhora consideraacutevel na qualidade e na
periodicidade das atividades promovidasrdquo conclui
Os projetos vencedores foram selecionados por um juacuteri formado pela equipe do
Ecofuturo e especialistas nas aacutereas de educaccedilatildeo leitura e biblioteconomia que entre
101
outros criteacuterios analisaram o planejamento de atividades de promoccedilatildeo de leitura e sua
execuccedilatildeo ao longo de todo o ano acervo selecionado articulaccedilatildeo e atendimento a diversos
puacuteblicos
Os trecircs primeiros colocados ganham 50 livros de literatura novos para complementar
o acervo da unidade e dois representantes de cada biblioteca vencedora participaratildeo da
24ordf Bienal Internacional do Livro de Satildeo Paulo evento que possibilitaraacute por meio de sua
programaccedilatildeo atualizaccedilatildeo profissional e troca de conhecimento Todas as Bibliotecas
Comunitaacuterias participantes recebem certificados com suas respectivas classificaccedilotildees
O Precircmio Ecofuturo de Bibliotecas foi criado pelo Instituto em 2009 A proacutexima ediccedilatildeo
acontece em 2017 e as inscriccedilotildees satildeo restritas agrave Rede Bibliotecas Comunitaacuterias Ler eacute
Preciso Aleacutem dessa iniciativa o Instituto eacute responsaacutevel por outras accedilotildees importantes na
aacuterea como a instituiccedilatildeo de 12 de outubro como Dia Nacional da Leitura e a campanha Eu
Quero Minha Biblioteca
Vencedores
A Biblioteca Prof Maria Olivia Otero Artioli localizada em Agudos Satildeo Paulo
conquistou o primeiro lugar com o projeto ldquoEacute preciso gostar de lerrdquo no qual realizou
atividades de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria durante todo o ano de 2015 O planejamento
anual compreendeu accedilotildees envolvendo puacuteblico diverso de bebecircs a idosos Foram iniciativas
promovidas dentro e fora da biblioteca como a ldquoMala Viajanterdquo que levava leitura a escolas
e creches e que tiveram o livro a leitura e o leitor como atores principais
Jaacute em Mageacute no Rio de Janeiro a Biblioteca Prof Elzira Bastos Amaro em parceria
com o departamento pedagoacutegico da Secretaria de Educaccedilatildeo ficou com a segunda
colocaccedilatildeo com o projeto ldquoOs contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo
com histoacuterias uacutenicasrdquo Aleacutem de accedilotildees de promoccedilatildeo de leitura com forte embasamento
teoacuterico e teacutecnico realizadas semanalmente todo o espaccedilo da unidade foi reorganizado
incluindo catalogaccedilatildeo das obras e separaccedilatildeo dos livros que seriam trabalhados nas
atividades que tiveram como foco o resgate da identidade local utilizando a cultura do
municiacutepio como tema principal
A terceira colocada foi a Biblioteca Mestra Augusta de Turmalina Minas Gerais que
focou seu projeto ldquoDe matildeo em matildeo de voz em voz livros agrave matildeo cheia semprerdquo jaacute
realizado haacute quatro anos em atividades de promoccedilatildeo de leitura que relataram a diferenccedila
102
entre ler e contar trabalhando a articulaccedilatildeo com puacuteblicos variados e a divulgaccedilatildeo em
diversos canais de comunicaccedilatildeo do municiacutepio ndash demonstrando a sustentabilidade do
projeto ndash e a importacircncia do envolvimento do poder puacuteblico
Outro destaque desta ediccedilatildeo foi a Biblioteca Comunitaacuteria Ler eacute Preciso Nelson
Mandela que estaacute localizada na Penitenciaacuteria II de Bauru em Satildeo Paulo e que com o
projeto ldquoUm conto como eu contordquo recebeu a Menccedilatildeo Honrosa O objetivo das atividades
foi utilizar o conto como gecircnero literaacuterio para contemplar as possibilidades de leitura dos
detentos que frequentam a escola dentro da penitenciaacuteria A partir das accedilotildees de promoccedilatildeo
de leitura os professores disseminaram a literatura como fonte de conhecimento e
reflexatildeo
Autor Ecofuturo
Disponiacutevel em httpblogecofuturoorgbrconheca-os-vencedores-do-6o-premio-
ecofuturo-de-bibliotecas
VII
construiacuteda ao longo desse processo Agrave Lindaura pela parceria e generosidade Devo
tambeacutem agradecer a presenccedila doce e soliacutecita do seu Joatildeo
Agrave gestora da escola Veluma Luciane pelo comprometimento com a educaccedilatildeo que
muito me ensinou e tambeacutem pela confianccedila depositada no meu trabalho Veluma obrigada
por colaborar com a retirada das pedras do caminho
Agrave Pacircmela bolsista de extensatildeo que colaborou na fase inicial da pesquisa com a parte
teacutecnica da coleta de dados e com quem compartilhei saberes
Agrave Laucimary funcionaacuteria da biblioteca pela colaboraccedilatildeo em diversos momentos
Agradeccedilo tambeacutem agraves parcerias institucionais Agrave UFF e agrave PROEX pelo financiamento
de uma bolsista para o desenvolvimento das accedilotildees de ensino pesquisa e extensatildeo Agrave ONG
Aacutegua Doce que potencializou o trabalho com a inserccedilatildeo da biblioteca Eco Futuro no terreno
da escola com uma infraestrutura e um acervo de livros excelentes Agrave Secretaria de
educaccedilatildeo de Mageacute pela autorizaccedilatildeo da pesquisa na escola
A todos da Fundaccedilatildeo Educacional de Cultura de Mageacute por me receber tatildeo bem E agrave
Cristina pelo apoio nesta reta final
E um agradecimento especial aos meus alunos desde agravequeles que laacute em 2008 na
Escola Municipal Nossa Senhora da Penha me instigaram a pensarconstruir experiecircncias
instituintes para a inclusatildeo da vida na sua diversidade e tambeacutem aos estudantes da ldquoEscola
Dinorahrdquo que me encheram de alegria e satisfaccedilatildeo durante esse processo de construccedilatildeo
de conhecimento para a inclusatildeo da diversidade
E agravequele que eacute Alfa e Ocircmega princiacutepio e fim DEUS
VIII
SUMAacuteRIO
Lista de abreviaturas X
Lista de ilustraccedilotildees XI
Lista de figuras XI
Lista de graacuteficos XI
Resumo XII
Abstract XIII
1 Introduccedilatildeo 1
11 Apresentaccedilatildeo 1
12 Eacute preciso falar sobre Diversidade e Inclusatildeo 9
13 A lei 1063903 um marco histoacuterico na luta Antirracista 13
14 O Ensino das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais algumas reflexotildees 15
15 Valores Civilizatoacuterios Afro-brasileiros na Educaccedilatildeo Infantil 18
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio 21
16 A crianccedila pequena e o negro quem satildeo esses outros 24
2 Objetivos 27
21 Objetivo geral 27
22 Objetivos especiacuteficos 27
3 Material e Meacutetodos (Metodologia) 28
31 Puacuteblico alvo 28
32 Etnografia e interdisciplinaridade caminhos metodoloacutegicos 28
33 Questotildees eacuteticas na pesquisa com crianccedilas 31
34 Fases da pesquisa 32
341 As oficinas 33
35 Colaboradores na coleta de dados 35
36 Caderno Pedagoacutegico 36
4 Resultados e Discussatildeo 40
41 Dados coletados reflexotildees iniciais 40
42 Percebendo as vozes oficinas iniciais 41
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (Idade entre 4 e 5 anos) 41
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (Idade entre 5 e 6 anos) 43
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II) 45
IX
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I) 47
43 Oficina 3 - Conhecendo Maria a menina que veio do Congo 51
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso 55
44 Oficina 4 - Uma sensibilizaccedilatildeo para a Pedagogia Griocirc 57
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II) 60
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I) 62
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias 64
45 Oficina 5 - Musicalidade e as ldquoartes de fazerrdquo 65
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica 66
4511 Preacute-escolar II 66
4512 Preacute-escolar I 68
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais 69
453 Confecccedilatildeo de objetos sonoros 72
4531 Preacute-escolar II 72
4532 Preacute-escolar I 73
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis 74
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical 75
46 Oficina 6 - Lendas que nos encantam 77
461 O Segredo do Baobaacute uma lenda Africana 78
47 Narrativa da Professora do Preacute-escolar I 80
5 Consideraccedilotildees Finais 82
51 Conclusotildees 82
52 Perspectivas 84
6 Referenciais bibliograacuteficos 86
7 Apecircndices e Anexos 91
71 Apecircndices 91
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados 91
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 92
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem 95
72 Anexos 98
721 Imagens utilizadas 98
722 Premiaccedilatildeo 100
X
LISTA DE ABREVIATURAS
CMPDI Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo
CNE Conselho Nacional de Educaccedilatildeo
DCN ERER Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees
Eacutetnico-Raciais
DCNs Diretrizes Curriculares Nacionais
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IES Instituiccedilatildeo de Ensino Superior
LDB Lei de Diretrizes e Bases
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios
PROEX Proacute-reitoria de Extensatildeo
RCNEI Referencial Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil
SIGProj Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo de Projetos
TICs Tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo
UFF Universidade Federal Fluminense
XI
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Paacutegina na rede social 38
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos 46
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos 49
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas 50
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) 54
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) 55
Figura 7 Vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade 61
Figura 8 Vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais 64
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos musicais 72
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais 73
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas 76
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo 80
LISTA DE GRAacuteFICOS
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I 43
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II 45
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) 48
XII
RESUMO
A educaccedilatildeo inclusiva e para a diversidade eacute um tema que natildeo pode ser analisado apenas pelo acircngulo da falta de matriacutecula nas escolas Hoje pessoas com deficiecircncia altas habilidades negras indiacutegenas brancas crianccedilas jovens e adultos de todas as religiotildees estatildeo matriculados nas escolas Contudo nem sempre tal fato significa uma inclusatildeo real da diversidade no espaccedilo escolar A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais em contexto escolar eacute um desafio ainda hoje presente em nosso cotidiano Identificamos atitudes que fortalecem segregaccedilotildees do negro e da cultura africana em todas as esferas da sociedade ao longo da histoacuteria brasileira mas na escola apesar da legislaccedilatildeo e de ser um espaccedilo de inclusatildeo da diversidade ainda vemos segregaccedilotildees silenciamentos e indiferenccedilas aos afrodescendentes e suas heranccedilas eacutetnicas Considerando que os mecanismos de discriminaccedilatildeo e preconceitos eacutetnico-raciais devem ser discutidos na escola desde a mais tenra idade este trabalho buscou pesquisar construir aprofundar e difundir conhecimentos sobre aspectos da histoacuteria e da cultura afro-brasileira na Educaccedilatildeo Infantil O foco de nossa pesquisa foram as crianccedilas entre 4 e 5 anos de uma escola municipal de MageacuteRJ localizada em uma aacuterea rural Partindo da Sociologia da Infacircncia dialogamos com metodologias de ensino e de pesquisa interativas interdisciplinares e tambeacutem com princiacutepios etnograacuteficos Importante ressaltar aqui que a escolha pela faixa etaacuteria ocorreu por percebermos que a crianccedila pequena assim como o negro fazem parte de uma minoria social e que apenas recentemente vecircm tendo seus direitos sociais reconhecidos Ateacute haacute pouco tempo eram ldquoos outrosrdquo aqueles cujas vozes natildeo precisavam ser ouvidas Nossa luta poliacutetica eacute para gerar praacuteticas voltadas para a formaccedilatildeo de uma cultura inclusiva que alcance todos os sujeitos no contexto educacional Buscou-se intervir no cotidiano escolar construindo com os estudantes algumas experiecircncias instituintes Tais experiecircncias concretizadas em oficinas pedagoacutegicas compotildeem um caderno pedagoacutegico voltado para docentes da Educaccedilatildeo Infantil visando contribuir para que novas reflexotildees sobre os sentidos da educaccedilatildeo para a diversidade surjam e se efetive uma educaccedilatildeo inclusiva para todos
Palavras-chave raccedila etnia sociologia da infacircncia inclusatildeo metodologias interativas
XIII
Abstract
The inclusive education and to diversity is a theme that cannot be parsed only from the angle of lack of enrollment in schools Today people with disabilities high skills black white indigenous children youth and adults of all religions are enrolled in schools However not always it means a real inclusion of diversity in the school space Education for ethnic-racial relations in school is a challenge even today present in our daily lives Identify attitudes that strengthen the segregation of black and African culture in all spheres of society along the Brazilian history but in school despite legislation and be a space for inclusion of diversity we still see segregation silences and indifference to African descendants and their ethnic heritage Whereas the mechanisms of discrimination and ethnic and racial prejudices should be discussed in school from an early age this study sought to search build deepen and disseminate knowledge about aspects of Afro-Brazilian history and culture in early childhood education The focus of our research were children between 4 and 5 years of a municipal school of MageacuteRJ located in a rural area From the Sociology of childhood deal with teaching methodologies and interactive interdisciplinary research and ethnographic principles Important to note here that the choice by age group occurred because we realize that the small child as well as black are part of a social minority and who just recently been having their social rights recognized Until recently were the other those whose voices need not be answered Our struggle is to generate practical policy geared to the formation of an inclusive culture that reach all subjects in the school context Sought to intervene in the daily school building with students some experiences institutor significations Such experiences implemented in educational workshops compose a book focused on teaching teachers of early childhood education aiming to contribute to new reflections on the directions of education for diversity arise and if such an inclusive education for all
Keywords race ethnicity sociology of childhood inclusion interactive methodologies
1
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 APRESENTACcedilAtildeO
Quando o homem compreende a sua realidade pode levantar hipoacuteteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluccedilotildees Assim pode transformaacute-la e o seu trabalho pode criar um mundo proacuteprio seu Eu e as suas circunstacircncias (FREIRE 1983 p 30)
Esta pesquisa eacute fruto de um trabalho de reflexatildeo accedilatildeo ao longo de uma trajetoacuteria
acadecircmica e profissional inquieta e questionadora acerca dos acontecimentos do cotidiano
escolar Sou professora da Educaccedilatildeo Baacutesica (Ensino Fundamental I) no Municiacutepio de Mageacute
haacute 3 anos e meio Desde a entrada no Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e
Inclusatildeo (CMPDI) venho ocupando a funccedilatildeo de Implementadora de Leitura1 Em maio de
2015 tomei conhecimento de uma escola Rural onde havia grandes possibilidades para a
realizaccedilatildeo da pesquisa de mestrado Ateacute entatildeo na escola onde eu estava natildeo havia turmas
com os anos iniciais do Ensino Fundamental tatildeo pouco de Educaccedilatildeo Infantil
Neste mesmo periacuteodo surge a parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF)
por meio do projeto de extensatildeo ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos
iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo registrado no Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo
de Projetos (SIGProj) sob o nuacutemero 1974399372842612022015
Logo as accedilotildees na escola receberam apoio da Proacute-reitora de Extensatildeo (Proex) no que
se refere a uma bolsa que contemplou uma estudante de graduaccedilatildeo da Pedagogia Aleacutem
dessa parceria contamos tambeacutem com o apoio da Secretaria de Educaccedilatildeo de Mageacute
instituiccedilatildeo governamental municipal que nos possibilitou a realizaccedilatildeo da pesquisa na
Escola Dinorah dos Santos Bastos
A origem histoacuterica do lugar de onde falo observo e escrevo ou seja o loacutecus da
pesquisa possui memoacuterias ldquonatildeo ditasrdquo sobre as quais tentarei narrar algumas para que o
leitor entenda sua articulaccedilatildeo com a temaacutetica da pesquisa
O Municiacutepio de Mageacute localizado na Regiatildeo Metropolitana do Rio de Janeiro eacute um
dos mais antigos do estado Ele tem muito o que revelar tendo em vista seus 451 anos de
1 Aqui na Rede esse profissional eacute um professor itinerante que trabalha com os anos iniciais do Ensino Fundamental Seu enfoque estaacute no trabalho de incentivo agrave leitura
2
existecircncia e sua consideraacutevel densidade demograacutefica de aproximadamente 233634
habitantes segundo dados do IBGE (2014) O Municiacutepio eacute marcado por forte influecircncia das
etnias indiacutegenas e africanas A proacutepria etimologia do nome Mageacute que significa feiticeiro ou
pajeacute2 eacute de origem tupi-guarani
Ao chegar na regiatildeo rural onde aconteceria a pesquisa me deparei com um lugar
repleto de histoacuterias que dialogavam a todo tempo com minha temaacutetica entre elas a
existecircncia de uma fazenda centenaacuteria que ateacute haacute uns poucos anos possuiacutea resquiacutecios de
uma senzala Havia tambeacutem a presenccedila de engenhos de mandioca onde ainda hoje se
produz farinha artesanal e igrejas com mais de 300 anos de existecircncia Tudo me trazia agrave
memoacuteria os trabalhadores da terra os homens escravizados as geraccedilotildees fragilizadas
Impossiacutevel foi natildeo rememorar algumas leituras e escritos meus sobre aquele municiacutepio
que sempre me despertou curiosidade
Mageacute foi ganhando evidecircncia a priori graccedilas agraves suas riquezas naturais e agravequeles que ajudaram a cultivar a terra neste periacuteodo colonial os negros escravizados No entanto na terra dos heroacuteis e tradiccedilotildees3 os negros escravizados natildeo recebiam status de heroacuteis sequer satildeo mencionados hoje na histoacuteria do tempo presente como aqueles que contribuiacuteram para construccedilatildeo de igrejas da primeira linha feacuterrea do Brasil e para o abastecimento econocircmico da Capital a partir do cultivo do solo Para eles sempre sobrou a histoacuteria uacutenica que comumente o rotulava de indolentes preguiccedilosos e sem qualquer valor moral (PEREIRA 2016 p 16)
Conceiccedilatildeo de Suruiacute regiatildeo rural onde estaacute situada a Escola Municipal Dinorah dos
Santos Bastos localiza-se no 4deg distrito de Mageacute chamado Suruiacute Este lugar possui muitas
memoacuterias no que tange a escravidatildeo de negros nas lavouras locais Evidenciar as memoacuterias
e as contribuiccedilotildees de heroacuteis a contrapelo4 me aponta caminhos para uma educaccedilatildeo outra
onde os diferentes sujeitos sejam reconhecidos como outros legiacutetimos outros (MATURANA
VARELA 1995) Ao longo deste trabalho a expressatildeo mencionada seraacute uma constante
tendo em vista a forccedila que ela representa em minha trajetoacuteria
2 Ver etimologia dos nomes afro-indiacutegenas no seguinte trabalho httpwwwpgletrascombr2014 dissertacoes diss-Sivaldo-Correia-da-Silvapdf 3 Trecho do hino do Municiacutepio de Mageacute Link httpswwwletrasmusbrhinos-de-cidades941163 4 Expressatildeo do filoacutesofo alematildeo Walter Benjamin Em seus escritos o autor fala sobre a histoacuteria a contrapelo (LOumlWY 2011) Ou seja a histoacuteria contada sob o ponto de vista dos vencidos Nesse contexto nossos heroacuteis a contrapelo satildeo todos que a histoacuteria oficial natildeo evidencia
3
Os bioacutelogos Humberto Maturana e Francisco Varela expoentes desta expressatildeo
constroem redes de conhecimentos para pensar o ser humano de forma global
integradora e relacional rompendo com os determinismos bioloacutegicos da ciecircncia
tradicional Para eles a construccedilatildeo do conhecimento se daacute porque o ser vivo possui a
capacidade de se auto organizar autogerir e isso acontece quando na relaccedilatildeo com o outro
no social
Rossetto (2010) ao refletir sobre as contribuiccedilotildees de Maturana na educaccedilatildeo afirma
que haacute uma forte defesa da cultura da diversidade pois eacute afirmado que natildeo existem
pessoas iguais ao romper com a geneacutetica como algo predeterminado Por esse motivo os
estudos de Humberto Maturana e Francisco Varela5 satildeo muito recorrentes no campo
educacional jaacute que a formaccedilatildeo do outro como totalmente outro constitui-se como objetivo
da educaccedilatildeo ou ao menos deveria ser
Desse modo tenho me apropriado dessa rica referecircncia ao longo da escrita
entendendo que suas leituras podem ampliar meu olhar para melhor conversar e conhecer
o outro na sua diversidade
A esse ato de ampliar nosso domiacutenio cognitivo reflexivo que sempre implica uma experiecircncia nova soacute podemos chegar pelo raciociacutenio motivado pelo encontro com o outro pela possibilidade de olhar o outro como um igual num ato que habitualmente chamamos de amor ndash ou se natildeo quisermos usar uma palavra tatildeo forte a aceitaccedilatildeo do outro ao nosso lado na convivecircncia (MATURANA VARELA 1995 p 263)
E estimulada a ver o outro como legiacutetimo outro eacute que inicio o trabalho em 2015 com
estudantes da Educaccedilatildeo Infantil contemplando e tambeacutem sendo contemplados com as
duas turmas de Preacute-escolar (I e II) que havia na escola
A opccedilatildeo pela primeira etapa de escolarizaccedilatildeo ocorreu por entender que as relaccedilotildees
raciais desiguais e segregadoras se constroem desde a mais tenra idade Foi notado
tambeacutem que haacute uma certa carecircncia de produccedilotildees acadecircmicas que privilegiem as categorias
raccedila e infacircncia Silva e Souza (2013) em pesquisa realizada de 2003 a 2011 chegam agrave
seguinte conclusatildeo
5 Pois juntos inauguram a Teoria Epistecircmica que discorreremos mais a frente
4
Com relaccedilatildeo ao objeto especiacutefico que buscamos escritos sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais em Educaccedilatildeo Infantil foram localizados publicados a partir de 2003 somente 4 artigos 1 livro 5 capiacutetulos de livro uma tese e 14 dissertaccedilotildees Escalonando as publicaccedilotildees pelos anos de 2003 a 2011 observa-se uma tendecircncia a ligeiro aumento no decorrer dos anos Os 4 artigos localizados foram publicados 2 em 2006 e 2 em 2010 A uacutenica tese identificada foi publicada em 2007 e gerou outras publicaccedilotildees nos anos posteriores 1 capiacutetulo de livro em 2008 e 1 artigo em 2010 As dissertaccedilotildees foram o uacutenico formato permanentemente presente que teve maior concentraccedilatildeo em 2007 e 2008 (trecircs publicaccedilotildees em cada ano) Ou seja aleacutem de uma publicaccedilatildeo de pequena monta a concentraccedilatildeo estaacute na realizaccedilatildeo de trabalhos de pesquisadores em formaccedilatildeo (p 37)
Para aleacutem dessas questotildees venho percebendo que nossa formaccedilatildeo desde muito
cedo tem sido perpassada por paradigmas que nos impotildeem narrativas hegemocircnicas de
identidade (SILVA 2007) levando-nos a acreditar em histoacuterias uacutenicas em processos e
praacuteticas singulares que acabam por segregar e excluir os sujeitos da diferenccedila que
necessitam de um olhar natildeo homogeneizante O enfoque na Educaccedilatildeo Infantil aleacutem dos
motivos apresentados deveu-se ao fato por tratar de importante fase para se pensar e
praticar uma educaccedilatildeo para a Diversidade e Inclusatildeo
Desse modo o ensino da diversidade eacutetnico-racial passou a ser um desafio tendo em
vista que um dos seus objetivos eacute o de romper com os paradigmas da escola moderna
centrados no ensino monocultural reducionista e etnocecircntrico Haacute algum tempo meus
caminhos de formaccedilatildeo tecircm me levado a questionar os sentidos da escola da qual somos
oriundos Fruto da razatildeo iluminista instrumental as escolas brasileiras se construiacuteram
sobre as bases de uma loacutegica cartesiana que pouco espaccedilo tem cedido para a diversidade
de sujeitos e saberes Como docente-pesquisadora6 da escola baacutesica haacute um pouco mais de
7 anos venho refletindo sobre a importacircncia de uma educaccedilatildeo multicultural que privilegie
as experiecircncias dos praticantes do cotidiano escolar
Entendendo a experiecircncia como algo que nos passa (LARROSA 2002 p 21) posso
afirmar que o que me orienta para outros caminhos de reflexatildeo-accedilatildeo onde a inclusatildeo da
diversidade eacute uma constante tem forte ligaccedilatildeo com os diferentes espaccedilos tempos dos
quais experienciei durante a vida
6 Importante salientar que minha trajetoacuteria como professora-pesquisadora se iniciou no ano de 2008 quando entrei em um projeto de iniciaccedilatildeo agrave docecircncia permanecendo por 4 anos Quando formada apoacutes um ano ingressei no Municiacutepio de Mageacute como professora dos anos iniciais estando ateacute os dias atuais
5
Vale ressaltar que para Larrosa (2002) a experiecircncia eacute um acontecimento que nos
atravessa e nos transforma O autor fundamenta-se em Walter Benjamin para afirmar que
nunca se passaram tantas coisas mas a experiecircncia eacute cada vez mais rara (p 20) e tem
relaccedilatildeo direta com o excesso de informaccedilatildeo Ao considerar que a experiecircncia eacute algo que
me atravessa devo supor que ela eacute externa a mim e eu sou o lugar da experiecircncia Para
que ela afete minhas palavras minhas ideias e meus projetos eacute necessaacuterio um movimento
reflexivo e o excesso de informaccedilatildeo pode limitar a ocorrecircncia dessa experiecircncia
Desse modo ao discorrer sobre as dimensotildees da experiecircncia Jorge Larrosa se
apropria de trecircs princiacutepios reflexividade subjetividade e transformaccedilatildeo Todos eles vatildeo
implicar em um processo de alteridade onde o sujeito deve se reconhecer natildeo enquanto
o sujeito do saber ou do poder ou do querer senatildeo o sujeito da formaccedilatildeo e da
transformaccedilatildeo (LARROSA 2011 p 7)
Com isso compartilho as diferentes experiecircncias que me afetaram e que vecircm me
transformando Posso atribuir tal transformaccedilatildeo aos diferentes percursos experienciados
ao longo da vida
Nilda Alves (2004) aborda a necessidade de superaccedilatildeo da ideia de que a formaccedilatildeo
docente se daacute em percursos individuais A autora evidencia que as redes que nos formam
estatildeo interligadas ao espaccedilo acadecircmico agraves experiecircncias das pesquisas em educaccedilatildeo da
praacutetica pedagoacutegica da accedilatildeo governamental e tambeacutem da praacutetica coletiva poliacutetica (ALVES
2004 p 20)
Acrescento que minhas escolhas ideoloacutegicas e assim os caminhos de formaccedilatildeo pelos
quais me enveredei tecircm muito a ver tambeacutem com as memoacuterias de uma infacircncia permeada
por questionamentos diversos sobretudo acerca das heranccedilas raciais que marcam minha
existecircncia A seguir um trecho de algumas dessas memoacuterias de infacircncia
Lembrei-me que na infacircncia por algum tempo neguei os traccedilos fiacutesicos que herdaraacute do meu pai homem negro Lembro-me de ser chamada de nariz de batatinha Isso me incomodava pois natildeo tinha um nariz ldquoafiladordquo como dizia minha avoacute materna (mulher negra) Outro incocircmodo constante era o meu cabelo muito cheio e com cachos que se embaraccedilavam com facilidade Certa vez ouvi dizer que o desprezo da cor eacute o mesmo que o do corpo Concordei pois sem ter consciecircncia desprezava minha histoacuteria minhas raiacutezes desprezava que por debaixo dos caracoacuteis daqueles cabelos tinha uma histoacuteria para contar parafraseando o cantor Histoacuteria de carinho e dedicaccedilatildeo de quando minha matildee e minha tia perdiam horas moldando meus cachinhos
6
exaltando a beleza de um cabelo afro Talvez o desprezo sem querer da figura do meu pai de quem sempre tive muito orgulho Este por sua vez foi um dos que me serviu de inspiraccedilatildeo Em sua histoacuteria de vida natildeo satildeo poucas as narrativas envolvendo violecircncias simboacutelicas constantes e crueacuteis Lembro-me de quando ele teve a oportunidade de comprar seu primeiro carro 0Km Saiu da concessionaacuteria com o carro sem placa e foi abordado em nossa cidade por policiais que ao fazerem a identificaccedilatildeo com os documentos soltaram o seguinte discurso constrangido ldquoA cor do carro eacute muito chamativardquo Cresci ouvindo essa histoacuteria de descaso desrespeito a dignidade de um trabalhador que queria apenas natildeo ter a sua dignidade roubada por desconfianccedilas e assim ser reconhecido como outro legiacutetimo outro Agora quase quinze anos depois percebo com maior clareza o que estaacute por traacutes daquele discurso preconceituoso Na verdade o que chamava atenccedilatildeo natildeo era a cor vermelha do Gol mas a cor do homem que o dirigia Outra figura importante que me inspirou foi meu irmatildeo Ele chegou durante a minha primeira infacircncia Com os olhos de jabuticaba e talvez com a mesma cor de pele Desde muito cedo eu tive que conviver com questionamentos na escola do gecircnero -ldquoEle eacute adotadordquo Aos 6 anos de idade na minha inocecircncia eu respondia conforme minha matildee mandava - ldquoEle eacute diferente porque puxou o meu pai Eu puxei a cor da minha matildeerdquo (PEREIRA PEREIRA 2016 p 8)
Fica expliacutecito que os caminhos pelos quais tenho percorrido possuem estreita relaccedilatildeo
com uma infacircncia perpassada por histoacuterias uacutenicas ndash reforccediladas pela educaccedilatildeo escolar ndash
onde as bonecas e as personagens das histoacuterias jamais tinham cabelos cacheados e ldquonariz
de batatinhardquo como os meus para que eu pudesse me sentir representada e satisfeita
comigo mesma Hoje como professora percebo o quatildeo perigosas podem se tornar tais
histoacuterias quando observamos a construccedilatildeo da identidade de uma crianccedila Me incomoda
saber que tais enredos satildeo reforccedilados diariamente no cotidiano de nossas escolas sob
outras imagens mas que geralmente possuem o intuito de legitimar padrotildees hegemocircnicos
e reforccedilar maneiras uacutenicas de ser e estar no mundo
Compreendido isto minha atuaccedilatildeo profissional tem sido um constante
questionamento natildeo soacute sobre o caraacuteter monocultural e reducionista que permeiam o
curriacuteculo escolar bem como sobre as poliacuteticas e praacuteticas que hoje tecircm tensionado o debate
acerca da inclusatildeo da diversidade eacutetnico-racial nos estabelecimentos oficiais de ensino No
ano de 2013 ao ingressar no curso de especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias
Sociais na Universidade Federal Fluminense aprofundei minhas redes de conhecimento
sobre a relevacircncia de uma educaccedilatildeo a contrapelo onde as histoacuterias de vida e as teorias
cientiacuteficas se entrelaccedilam formando redes colaborativas Ao cursar a disciplina Raccedila
7
curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica fui surpreendida com a existecircncia de um dispositivo legal7
que torna obrigatoacuterio o Ensino da Histoacuteria da Aacutefrica e da Cultura Afro-brasileira nas
instituiccedilotildees escolares A surpresa era porque sendo professora e formada haacute poucos mais
de dois anos a questatildeo nunca me alcanccedilou quando docente em formaccedilatildeo inicial Mesmo
sabendo que os conteuacutedos ligados agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira eram atribuiccedilotildees
especialmente das aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria natildeo me sentia
isenta de apresentar para os meus estudantes dos anos iniciais as memoacuterias e
contribuiccedilotildees culturais da populaccedilatildeo negra para a construccedilatildeo da sociedade brasileira
Refleti sobre minha trajetoacuteria na academia iniciada em 2007 me certificando de que
nenhuma das disciplinas oferecidas se aproximaram da discussatildeo racial Em 2011 quando
concluiacute a formaccedilatildeo em Pedagogia na UFF o curso passara por uma reformulaccedilatildeo curricular
no qual a disciplina Relaccedilotildees eacutetnico-raciais na escola foi incluiacuteda por forccedila da lei federal
1063903 com 60h de carga horaacuteria
Natildeo obstante ao retomar meus estudos na poacutes-graduaccedilatildeo tive como desafio
compreender o porquecirc noacutes professores principalmente dos anos iniciais da Educaccedilatildeo
Baacutesica natildeo estaacutevamos sendo alcanccedilados com as orientaccedilotildees de um dispositivo que tem
como objetivo banir a perpetuaccedilatildeo das desigualdades eacutetnico-raciais A partir de entatildeo
comecei a entrelaccedilar os fios que mais tarde se tornariam objeto de pesquisa8 na
especializaccedilatildeo e posteriormente no mestrado
Ao ingressar no Mestrado Profissional9 em Diversidade e Inclusatildeo vi a possibilidade
de ampliar minhas reflexotildees acerca dos processos teacutecnicas e teorias cientiacuteficas que fossem
mais includentes da vida na sua diversidade Assim ao me inserir na linha de pesquisa
Interdisciplinaridade e Questotildees de Ensino propus a realizaccedilatildeo de um estudo que
atendesse agraves minhas demandas de praticante reflexiva do cotidiano Tambeacutem objetivei a
partir da minha experiecircncia apontar caminhos para a complexa tarefa que eacute a formaccedilatildeo
docente sobretudo quando se trata de incluir a diversidade
7 A lei federal 1063903 foi promulgada no governo do presidente Luiz Inaacutecio Lula da Silva e representa um dispositivo que marca a luta antirracista nos espaccedilos formais de ensino Ver Brasil (2003) 8 O trabalho final de conclusatildeo de curso foi intitulado por ldquoConversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeosrdquo Orientado pela professora Nivea Maria da Silva Andrade 9 Segundo o Capes o Mestrado Profissional (MP) eacute uma modalidade de Poacutes-Graduaccedilatildeo stricto sensu voltada para a capacitaccedilatildeo de profissionais nas diversas aacutereas do conhecimento mediante o estudo de teacutecnicas processos ou temaacuteticas que atendam a alguma demanda do mercado de trabalho
8
Acreditando que esta pesquisa se deu em via de matildeo dupla pois ao passo que
ensinei sempre aprendi mais apresento como produto final desta pesquisa as oficinas
desenvolvidas com os meus alunos sobre a temaacutetica eacutetnico-racial Tais oficinas compotildeem
um caderno pedagoacutegico que seraacute disponibilizando gratuitamente online visando
contribuir com os docentes na construccedilatildeo de um repertoacuterio mais amplo de atividades a
serem desenvolvidas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil sobre a temaacutetica
Para situar o leitor apresento os caminhos percorridos para a elaboraccedilatildeo deste
trabalho No primeiro momento discorro sobre a necessaacuteria reflexatildeo acerca da educaccedilatildeo
inclusiva bem como a diversidade de sujeitos praacuteticas e culturas que esta educaccedilatildeo
contempla Seguido dessas anaacutelises elaboro reflexotildees sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais a lei que o institui e os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros como saberes
instituintes na Educaccedilatildeo Infantil para a superaccedilatildeo do saber universal que secundariza e ateacute
mesmo silencia a produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra (GONCcedilALVES 1987) Apoacutes essas
discussotildees apresento os atores da pesquisa o lugar de onde falo e as parcerias
estabelecidas Essa primeira parte eacute finalizada com a construccedilatildeo de redes reflexivas em
torno da dimensatildeo eacutetnico-racial e da infacircncia
No segundo momento apresento os objetivos geral e os especiacuteficos deste trabalho
O objetivo geral eacute abordar as questotildees eacutetnico-raciais a partir de metodologias interativas
com enfoque na sociologia da infacircncia em uma escola rural do municiacutepio de Mageacute
Enquanto que os objetivos especiacuteficos representam as metas delimitadas para a
concretizaccedilatildeo do objetivo geral
No terceiro momento trago a metodologia da pesquisa explicitando como ocorreu
o levantamento de dados e as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas Enquanto o quarto
momento eacute dedicado aos resultados Busco analisar e discutir as oficinas que satildeo a base
para a elaboraccedilatildeo do Caderno Pedagoacutegico para os professores da Educaccedilatildeo Infantil
Concluo com o quinto momento ao retomar os objetivos especiacuteficos demonstrando suas
contribuiccedilotildees para o desfecho do objetivo geral
Portanto convido o leitor a percorrer os caminhos da pesquisa ldquoA dimensatildeo eacutetnico-
racial a partir do olhar da crianccedila a inclusatildeo da diversidade por meio de experiecircncias
instituintesrdquo
9
12 Eacute PRECISO FALAR SOBRE DIVERSIDADE E INCLUSAtildeO
Haacute quem possa pensar que o conceito de inclusatildeo escolar estaacute estritamente
relacionado agrave questatildeo das deficiecircncias (cognitivas visuais auditivas e outras) Ao iniciar o
mestrado natildeo me surpreendeu questionamentos de algumas pessoas acerca da minha
temaacutetica e consequentemente minha inserccedilatildeo naquele espaccedilo acadecircmico10 Natildeo obstante
em meio a questionamentos e provocaccedilotildees percebi que era urgente uma reflexatildeo mais
aprofundada sobre a diversidade e a inclusatildeo
Igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia na escola eacute o que prevecirc um dos
princiacutepios da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) lei federal nordm 93949611 Contudo essa
importante previsatildeo natildeo tem sido percebida no contexto da educaccedilatildeo brasileira em virtude
das desigualdades de oportunidade para os grupos minoritaacuterios Haacute quem pergunte que
grupos satildeo esses Penso que satildeo todos aqueles que estatildeo em desvantagens sociais e
econocircmicas tais como mulheres crianccedilas grupos eacutetnico-raciais pessoas com deficiecircncia
e altas habilidades populaccedilatildeo pobre e do campo Esses e outros grupos chamo de minoria
que compotildee a diversidade brasileira
Cabe ressaltar que a categoria minoria pode causar confusatildeo quando referida a
grupos de mulheres negros indiacutegenas crianccedilas populaccedilatildeo pobre jaacute que estes
representam a maioria Importante esclarecer que no discurso hegemocircnico minoria daacute a
ideia de grupo inferior No entanto esse conceito na Contemporaneidade vem romper com
as questotildees quantitativas dando vez agraves demandas das singularidades dos grupos culturais
Segundo o antropoacutelogo indiano Arjun Appadurai (2009) as minorias lembram agraves maiorias
que elas natildeo satildeo plenas e totais
Dessa maneira eacute preciso reconhecer que os grupos citados possuem direitos para
aleacutem daqueles que jaacute satildeo garantidos agravequeles que sempre tiveram condiccedilotildees favoraacuteveis de
acesso e de permanecircncia escolar Entendo que a educaccedilatildeo inclusiva deve buscar dar mais
condiccedilotildees de acesso e permanecircncia para aqueles que menos tecircm e isso implica em pensar
natildeo soacute nos sujeitos mas nas praacuteticas que tecircm norteado o cotidiano escolar
10 O Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo estaacute situado no Instituto de Biologia da UFF 11 Este eacute o primeiro princiacutepio do tiacutetulo II que trata da Educaccedilatildeo Nacional Os doze incisos compreendidos nesse tiacutetulo dizem como o ensino deve ser regido Conforme Brasil (1996)
10
Santos (2014) nos provoca a pensar na educaccedilatildeo inclusiva enquanto um processo
para todos e natildeo como propriedade de determinados grupos Quando esse processo natildeo
alcanccedila a todos haacute a exclusatildeo e acabamos reforccedilando a ideia de que a inclusatildeo eacute apenas
para alguns e natildeo para todos Para banir o processo de exclusatildeo eacute preciso fazer um
movimento a contrapelo um movimento de inclusatildeo de todos por inteiro onde haja a
aceitaccedilatildeo de uns aos lados dos outros enquanto legiacutetimos outros
A ideia de inclusatildeo como afirma a autora natildeo pode ser focada em determinados
grupos eacute preciso adotar uma perspectiva de anaacutelise Omnileacutetica12 Tal neologismo
compreende aspectos morfoloacutegicos e categoriais que desde a sua criaccedilatildeo tem exigido
inuacutemeras reflexotildees coletivas por parte dos integrantes do grupo de pesquisa13 do qual a
mesma eacute coordenadora Em suma a Omnileacutetica vai se afirmar como tudo em relaccedilatildeo ndash
entendendo tambeacutem a diversidade onde o olhar para a totalidade eacute uma constante Satildeo
trecircs as categorias que embasam o conceito tridimensionalidade dialeacutetica e pensamento
complexo (SANTOS 2015 p 54) Buscamos neste momento apresentar alguns princiacutepios
do instrumento de anaacutelise que tem favorecido o desenvolvimento da omnileacutetica o Index
para Inclusatildeo (BOOTH AISCOW 2011) Trata-se de um material que permite pensar a
educaccedilatildeo inclusiva a partir de praacuteticas poliacuteticas e culturas que contemplam a vida humana
Essas trecircs dimensotildees satildeo apropriadas por noacutes no transcorrer deste trabalho Percebemos
que as ideias dialogam com o que identificamos como uma educaccedilatildeo instituinte onde a
inclusatildeo da vida na diversidade eacute um valor
No que se refere agrave dimensatildeo das culturas inclusivas podemos ler que
() refere-se agrave criaccedilatildeo de comunidades seguras acolhedoras colaborativas estimulantes em que todos satildeo valorizados Os valores inclusivos compartilhados satildeo desenvolvidos e transmitidos a todos os professores agraves crianccedilas e suas famiacutelias gestores comunidades circunvizinhas e todos os outros que trabalham na escola e com ela Os valores inclusivos de cultura orientam decisotildees sobre poliacuteticas e a praacutetica a cada momento de modo que o desenvolvimento eacute coerente e contiacutenuo A incorporaccedilatildeo de mudanccedila dentro das culturas da escola assegura que
12Omni eacute um prefixo latino que representa tudo Leto eacute um radical grego que no substantivo refere-se a variedade e como verbo eacute tudo aquilo que estaacute oculto O sufixo ico eacute de origem grega e daacute sentido de relaccedilatildeo participaccedilatildeo O conceito pode ser encontrado no texto Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura omnileacutetica disponiacutevel em httpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdf 13LAPEADE - Laboratoacuterio de Pesquisa Estudos e Apoio agrave Participaccedilatildeo e agrave Diversidade em Educaccedilatildeo Para mais informaccedilotildees consultar httpwwwlapeadecombr
11
ela esteja integrada nas identidades de adultos e crianccedilas e seja transmitida aos que estatildeo chegando agrave escola (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
A dimensatildeo que aborda as poliacuteticas inclusivas visa garantir
()que a inclusatildeo permeie todos os planos da escola e envolva a todos As poliacuteticas encorajam a participaccedilatildeo das crianccedilas e professores desde quando estes chegam agrave escola Elas encorajam a escola a atingir todas as crianccedilas na localidade e minimiza as pressotildees exclusionaacuterias As poliacuteticas de suporte envolvem todas as atividades que aumentam a capacidade da ambientaccedilatildeo de responder agrave diversidade dos envolvidos nela de forma a valorizar a todos igualmente Todas as formas de suporte estatildeo ligadas numa uacutenica estrutura que pretende garantir a participaccedilatildeo de todos e o desenvolvimento da escola como um todo (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Com relaccedilatildeo a dimensatildeo das praacuteticas inclusivas estas relacionam-se com o pensar
sobre o que se ensina e se aprende e o como se ensina e se aprende visando a reflexatildeo e a
praacutetica de valores e poliacuteticas inclusivos
() As implicaccedilotildees de valores inclusivos para estruturar o conteuacutedo de atividades de aprendizagem satildeo trabalhadas na seccedilatildeo lsquoConstruindo curriacuteculos para todosrsquo Esta liga a aprendizagem agrave experiecircncia local e globalmente bem como a Direitos e incorpora assuntos de sustentabilidade A aprendizagem eacute orquestrada de modo que o ensino e as atividades de aprendizagem se tornam responsivos agrave diversidade de jovens na escola As crianccedilas satildeo encorajadas a ser ativas reflexivas aprendizes criacuteticas e satildeo vistas como um recurso para a aprendizagem umas das outras Os adultos trabalham juntos de modo que todos assumem responsabilidade pela aprendizagem de todas as crianccedilas (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Desse modo fica reforccedilado que a diversidade e a inclusatildeo estatildeo para aleacutem de acolher
os sujeitos com deficiecircncia ou com altas habilidades visto que tambeacutem trabalham com as
diferenccedilas culturais como os modos de estabelecer valores e construir praacuteticas onde
todos sem exceccedilatildeo sejam alcanccedilados Por entender a urgente necessidade de se trabalhar
a diversidade e a inclusatildeo na escola nos baseamos nos movimentos de direitos humanos
destacando o que estaacute inscrito na Declaraccedilatildeo de Salamanca
O princiacutepio que orienta esta Estrutura eacute o de que escolas deveriam acomodar todas as crianccedilas independentemente de suas condiccedilotildees
12
fiacutesicas intelectuais sociais emocionais linguumliacutesticas ou outras Aquelas deveriam incluir crianccedilas deficientes e super-dotadas crianccedilas de rua e que trabalham crianccedilas de origem remota ou de populaccedilatildeo nocircmade crianccedilas pertencentes a minorias linguumliacutesticas eacutetnicas ou culturais e crianccedilas de outros grupos desavantajados ou marginalizados (UNESCO 1994 p 3)
Partindo do entendimento de que a inclusatildeo escolar refere-se mais agrave reinvenccedilatildeo do
modo de pensar e de fazer a educaccedilatildeo do que propriamente acolher determinados grupos
eacute que foram emergindo algumas memoacuterias instituintes da minha trajetoacuteria de formaccedilatildeo do
tempo em que iniciei meu percurso como professora-pesquisadora no grupo de pesquisa
ldquoAs ldquoartes de fazerrdquo educaccedilatildeo em ciclosrdquo14 Este grupo tem baseado o trabalho no diaacutelogo
entre os diferentes sujeitos da escola baacutesica e da universidade considerando que a troca
de conhecimentos possibilita a emergecircncia de experiecircncias instituintes Para aleacutem de
favorecer uma relaccedilatildeo dialoacutegica com o outro os projetos do grupo ldquoAs artes de fazerrdquo
estiveram voltados para a percepccedilatildeo de manifestaccedilotildees poliacutetico-culturais do cotidiano que
possibilitassem a inclusatildeo democraacutetica e participativa de diferentes sujeitos por inteiro na
cultura (DOMINICK 2011 p 151)
Estar sensiacutevel agraves urgecircncias de uma educaccedilatildeo que atenda agraves diversas especificidades
humanassociais tem ligaccedilatildeo direta com meus percursos de formaccedilatildeo Mas tambeacutem tem
muito a ver com as imagens-memoacuterias15de uma infacircncia que deixaram marcas e que hoje
gritam para serem questionadas e reinventadas Tenho aprendido que um caminho
possiacutevel para romper com as histoacuterias uacutenicas satildeo as experiecircncias instituintes defendida por
Ceacutelia Linhares como
()accedilotildees poliacuteticas produzidas historicamente que vatildeo se endereccedilando para uma outra educaccedilatildeo e uma outra cultura marcadas pela construccedilatildeo permanente de uma maior includecircncia da vida uma dignificaccedilatildeo permanente do humano em sua pluralidade eacutetica uma afirmaccedilatildeo intransigente da igualdade humana em suas dimensotildees educacionais e
escolares poliacuteticas econocircmicas sociais e culturais (LINHARES [200] p 8)
14 Em 2007 comecei a cursar Pedagogia na Universidade Federal Fluminense Em 2008 entrei para o grupo de pesquisa ldquoAs lsquoartes de fazerrsquo educaccedilatildeo em ciclos na rede municipal de educaccedilatildeo de Niteroacuteirdquo onde tive minhas primeiras vivecircncias enquanto professora-pesquisadora em formaccedilatildeo 15 Segundo a autora as imagens-memoacuterias satildeo tatuagens psicoculturais impressas em nossa corporeidade Satildeo memoacuterias do esquecimento da repeticcedilatildeo Elas nos conduzem agrave repeticcedilatildeo sem questionamentos fazem parte dos haacutebitos de determinados grupos e natildeo nos perguntamos sobre sua gecircnese ou sobre sua eficaacutecia
13
Para melhor entender esta categoria da qual venho me apropriando vale esclarecer
que o instituinte segundo a autora natildeo pode se confundir com o novo Esta categoria eacute
entendida a partir de um movimento dialeacutetico no sentido da palavra onde passado
presente e futuro devem estar em constantes interaccedilotildees Dessa maneira ao rememorar as
histoacuterias uacutenicas vivenciadas em minha infacircncia e perceber hoje o quanto elas podem ser
perigosas no que tange agrave formaccedilatildeo identitaacuteria dos sujeitos eacute que busco brechas e subverto
o instituiacutedo para incluir em minha praacutetica cotidiana um olhar mais conectado com a vida
em sua diversidade e inclusatildeo
13 A LEI 1063903 UM MARCO HISTOacuteRICO NA LUTA ANTIRRACISTA
Na busca pela superaccedilatildeo do racismo do preconceito e de praacuteticas segregacionistas
os militantes de movimentos sociais e intelectuais negros sempre souberam que a escola
enquanto um aparelho ideoloacutegico sucessivamente reproduziu os interesses das classes
hegemocircnicas Contudo tambeacutem foi percebido que a escola tem sido um espaccedilo de disputa
onde as classes dominantes e subordinadas tecircm buscado atingir seus mais diferentes
objetivos (YOUNG 2007 p 1292) Desse modo conhecimentos outros podem ser
construiacutedos a favor do rompimento das desigualdades raciais e emancipaccedilatildeo dos sujeitos
Aprovada no Congresso e sancionada pelo Governo Federal a Lei 1063903 alterou
a Lei 939496 (LDB) e tornou obrigatoacuterio o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura afro-
brasileira no curriacuteculo escolar do Ensino Fundamental e Meacutedio Hoje essa lei eacute reconhecida
como um marco na luta por uma educaccedilatildeo antirracista no Brasil Eacute importante frisar que
este dispositivo foi uma grande conquista que natildeo nasceu da noite para o dia mas que foi
alcanccedilada por meio de muitos embates
Mas quais as alteraccedilotildees que este dispositivo traz perguntariam alguns professores
A referida lei altera a LDB com o acreacutescimo dos artigos 26-A e 79-B tornando obrigatoacuterio
o ensino da histoacuteria e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de Ensino Fundamental
e Meacutedio Aleacutem de garantir que esses conteuacutedos sejam ministrados no acircmbito de todo o
curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria
Brasileiras Tambeacutem inclui no calendaacuterio escolar o dia 20 de novembro (Art 79-B) como
ldquoDia Nacional da Consciecircncia Negrardquo por meio da figura de Zumbi dos Palmares
14
Segundo Paula (2010) houve muitas resistecircncias para a implementaccedilatildeo da lei
mesmo sendo um instrumento que apresenta uma obrigatoriedade Buscando sua
efetividade um ano apoacutes a sua implementaccedilatildeo foram instituiacutedas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura
Afro-Brasileira e Africana (DCN ERER) por meio da Resoluccedilatildeo nordm 1 de 17 de junho de 2004
Como parte de uma poliacutetica de accedilotildees afirmativas tais dispositivos buscaram uma
educaccedilatildeo que reparasse os direitos que foram negados agrave populaccedilatildeo negra do Brasil ao
longo da histoacuteria Podemos afirmar que se trata de uma exigecircncia legal eacutetica e moral que
as instituiccedilotildees de ensino devem cumprir Para Paula (2010) o debate da lei e os dispositivos
que a complementam fazem parte de accedilotildees poliacutetico-pedagoacutegicas que devem ser
compromisso de todos os atores do cotidiano escolar O autor afirma ainda que as
diretrizes devem ser observadas por todas as instituiccedilotildees de ensino e desmonta a ideia de
que as discussotildees sobre a questatildeo racial se limitam a estudiosos e ao movimento negro
Desse modo as Diretrizes Curriculares Nacionais afirmam
A escola enquanto instituiccedilatildeo social responsaacutevel por assegurar o direito da educaccedilatildeo a todo e qualquer cidadatildeo deveraacute se posicionar politicamente como jaacute vimos contra toda e qualquer forma de discriminaccedilatildeo A luta pela superaccedilatildeo do racismo e da discriminaccedilatildeo racial eacute pois tarefa de todo educador independentemente de seu pertencimento eacutetnico-racial crenccedila religiosa ou posiccedilatildeo poliacutetica (BRASIL 2004 p 16)
Como citado anteriormente a LDB e a lei percursora da luta educacional antirracista
(lei 1063903) sofrem alteraccedilotildees apoacutes cinco anos de existecircncia desta uacuteltima A mudanccedila
ocorrida veio contemplar a questatildeo indiacutegena como parte da educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais A partir deste momento a lei 1164508 torna obrigatoacuterio o estudo da histoacuteria e
cultura afro-brasileira e indiacutegena Paula (2010) explica que
() a questatildeo indiacutegena na legislaccedilatildeo educacional jaacute possuiacutea certa normatizaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dentre as quais Diretrizes Curriculares Nacionais especiacuteficas para a Educaccedilatildeo Indiacutegena Resoluccedilotildees quanto agrave organizaccedilatildeo das escolas indiacutegenas regulamentando uso das liacutenguas nativas etc Faltava inserir a temaacutetica no contexto da luta anti-racista anti-excludente com vistas a uma integraccedilatildeo positiva no processo de construccedilatildeo e formaccedilatildeo da identidade educacional e nacional Tarefa cumprida sob o ponto de vista legal com a alteraccedilatildeo e modificaccedilatildeo da Lei em questatildeo (p 4)
15
Nesse sentido fica claro que essas alteraccedilotildees natildeo invalidam as prerrogativas da lei
anterior A meu ver apenas reforccedilam a importacircncia da sensibilizaccedilatildeo para o conhecimento
da diversidade eacutetnica que temos por heranccedila
14 O ENSINO DAS RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS ALGUMAS REFLEXOtildeES
As aulas da disciplina Raccedila curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica da especializaccedilatildeo me
provocaram a pensar no quanto pode ser desafiador mudar uma perspectiva educacional
pautada em padrotildees hegemocircnicos onde os saberes ditos universais se utilizam dos
mecanismos de poder para discriminar inferiorizar e segregar os sujeitos da diferenccedila
Comeccedilo a refletir sobre os movimentos necessaacuterios para potencializar a educaccedilatildeo
para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais Vale ressaltar que a expressatildeo eacutetnico-racial eacute defendida
pelas DCNs como a ldquonecessidade de marcar o reconhecimento de que as tensotildees existentes
devido agrave cor e aos traccedilos fisionocircmicos estatildeo entrelaccediladas agraves diferenccedilas culturaisrdquo
(ARANTES ANDRADE 2013 p 388)
Estabeleci conversas com diversos autores para melhor entender as consequecircncias
de viver e ser educado sob o domiacutenio de uma sociedade construiacuteda e legitimada com base
em uma soacute cultura uma soacute liacutengua uma soacute religiatildeo Poreacutem eacute sabido que o Brasil nasceu do
encontro com as diferentes etnias e culturas dos povos indiacutegenas europeus e africanos
Estes que no seacuteculo XVI foram reconhecidos como as grandes trecircs raccedilas16 seriam
respectivamente a raccedila amarela branca e negra
Vale ressaltar que classificar a diversidade humana em raccedilas distintas desde sempre
funcionou como uma maneira de operacionalizar o pensamento (MUNANGA 2000 p 18)
Assim no imaginaacuterio coletivo por muito tempo o homem foi classificado a partir da cor
de sua pele O problema natildeo estava na classificaccedilatildeo dos seres humanos em funccedilatildeo de suas
caracteriacutesticas fiacutesicas como afirmou Munanga (2000) Mas na divisatildeo desses indiviacuteduos a
partir da escala de valores emergindo grupos hieraacuterquicos segundo a cor de pele e
caracteriacutesticas fenotiacutepicas fazendo relaccedilatildeo com os traccedilos morais psicoloacutegicos do sujeito
16 Para o historiador francecircs Ernest Renan (1823-92) existiriam trecircs grandes raccedilas especificas em sua origem e desenvolvimento
16
O resultado disso eacute o sujeito da ldquoraccedila brancardquo enquanto portador de valores
divinizados inteligentes e criativos Enquanto o sujeito da ldquoraccedila negrardquo foi estereotipado
em seus traccedilos fiacutesicos escolhas religiosas estando fadado a ser expressatildeo de todo mal que
pudesse existir Segundo Ernest Renan os grupos negros ldquoseriam povos inferiores natildeo por
serem incivilizados mas por serem incivilizaacuteveis natildeo perfectiacuteveis e natildeo suscetiacuteveis ao
progressordquo (RENAN 1961 apud SCHWARCZ 1993 p 62)
Tal ideia se propagou ideologicamente instituindo o que conhecemos como racismo
Segundo Arantes e Andrade (2013) o cientificismo do seacuteculo XIX construiu teorias
racistas que relacionavam caracteriacutesticas fiacutesicas a comportamentais Para muitos autores
a misturas das raccedilas ou seja a mesticcedilagem comprometia o progresso nacional pois era
considerada como fenocircmeno degenerativo sendo o mesticcedilo depositaacuterio de defeitos
bioloacutegicos e morais (ARANTES ANDRADE 2013 p385)
Esse movimento segregador tomou diferentes facetas ao longo do tempo passando
pelo campo da ciecircncia bioloacutegica ao campo da sociologia Para contextualizar
historicamente essa ideia cabe ressaltar que no iniacutecio da Modernidade foi criado um
discurso racional que justificou e naturalizou as segregaccedilotildees e exclusotildees
O sangue do negro e do indiacutegena eram considerados impuros em demasia para se
misturarem agrave sacralidade do sangue azul europeu E as medidas tomadas para sanar o
problema da mesticcedilagem foram embranquecer a populaccedilatildeo Comeccedila-se entatildeo a financiar
a entrada de imigrantes europeus tais como alematildees italianos espanhoacuteis para compor a
sociedade brasileira e assim contribuir com a construccedilatildeo de uma sociedade com mais
ldquosangue bomrdquo Dado esse passo os negros iam perdendo cada vez mais as possibilidades
de serem vistos como cidadatildeos de direito pois estavam sendo ofuscados pela presenccedila dos
brancos de pele alva
Essa realidade comeccedila a mudar apoacutes a Primeira Guerra Mundial com as criacuteticas agraves
teorias de racismo cientiacutefico tatildeo fortes na Europa No Brasil houve tentativas de construir
uma identidade nacional valorizando a sua diversidade Nesse periacuteodo o mesticcedilamento jaacute
natildeo era visto como um problema mas como estrateacutegia para superaccedilatildeo do racismo
A miscigenaccedilatildeo portanto soacute poderia ser fruto da consolidaccedilatildeo de trecircs raccedilas
europeia negra e indiacutegena que consequentemente viveriam paciacutefica e harmoniosamente
bem Como um dos principais expoentes desta teoria Gilberto Freire escritor e cientista
social pernambucano escreve no iniacutecio de 1930 Casa Grande e Senzala Este livro ficou
17
consagrado na histoacuteria por inaugurar o que conhecemos por ldquomito da democracia racialrdquo
Esse pensamento reconheceu a presenccedila negra enquanto formadora da sociedade
brasileira fortalecendo a ideia de que todos os sujeitos independentemente da cor
viveriam harmoniosamente bem Desse modo a mistura de raccedilas e culturas (a
mesticcedilagem) era uma ideia plausiacutevel
O mesticcedilamento construiu uma ideia idiacutelica afirmando que a mistura das raccedilas
geraria uma democracia racial quando na verdade funcionou como uma barreira para o
entendimento da cultura e identidade negras impedindo o nascimento de uma consciecircncia
poliacutetica que firmassem os negros e mesticcedilos enquanto legiacutetimos outros
Acreditar no mito eacute esquecerdesconhecer que se o negro natildeo atinge os mesmos
patamares que o branco natildeo foi por falta de competecircncia intelectual mas porque ele se
encontra historicamente em grandes desvantagens Acreditar no mito eacute defender que natildeo
haacute racismo no cotidiano escolar quando na verdade o discurso de tratamento igualitaacuterio a
todos os estudantes demonstra uma maneira sutil de manifestar a discriminaccedilatildeo racial na
escola
Por isso eacute preciso reconhecer sobretudo os docentes
() as pedagogias de combate ao racismo e as discriminaccedilotildees elaboradas com o objetivo de educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais positivas que tem por objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciecircncia negra (BRASIL 2004 p 16)
E foi buscando o rompimento com praacuteticas educativas segregadoras e indiferentes a
diversidade eacutetnico-racial no cotidiano escolar eacute que comeccedilo a pensar essa pesquisa com o
foco na Educaccedilatildeo Infantil visto que a construccedilatildeo da visatildeo de mundo e dos sentidos
comeccedilam desde a infacircncia Gonccedilalves (1987) discorre sobre a particularidade cultural na
educaccedilatildeo de crianccedilas negras e alerta para o ritual pedagoacutegico que impotildee um ego branco a
educaccedilatildeo de crianccedilas (p 27) Segundo este autor existe um silenciamento acerca da
produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra quando natildeo verificamos a sua inferiorizaccedilatildeo e
folclorizaccedilatildeo
Tal silenciamento eacute legitimado por exemplo quando a crianccedila na escola explicita
sua preferecircncia por histoacuterias cujos protagonistas satildeo brancos em detrimento daquelas que
tecircm como personagem principal um negro (e quando tem) Tal construccedilatildeo natildeo acontece
18
na escola ndash tendo em vista outros meios de socializaccedilatildeo da crianccedila mas esse
comportamento muitas vezes vai sendo reforccedilado pelo professor de maneira inconsciente
ndash vide imagens-memoacuterias17 citadas anteriormente Quando o professor eacute indiferente agrave
formaccedilatildeo eacutetnico-cultural brasileira ele reitera o preconceito racial permitindo que a
crianccedila negra tenha um processo de socializaccedilatildeo diferente da crianccedila branca
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012 p 54)
O docente formado dentro da mesma cultura que exclui em geral negligencia o
direito baacutesico de seu estudante oriundo de outras realidades sentir-se protagonista de
histoacuterias reais e afetivas E na maioria das vezes esse mesmo professor vai se apropriar do
discurso baseado na democracia racial eliminando o direito dos alunos de se perceberem
nas suas diferenccedilas
Portanto para que tenhamos uma escola que nos eduque para a diversidade e a
inclusatildeo eacute necessaacuterio que haja a possibilidade de que estudantes brancos negros
indiacutegenas ou de qualquer outra etnia reconheccedilam a diferenccedila e que valorizem respeitem
e convivam com elas tornando a existecircncia mais plena de sentido
15 VALORES CIVILIZATOacuteRIOS AFRO-BRASILEIROS NA EDUCACcedilAtildeO
INFANTIL
Ao fazer referecircncia aos valores civilizatoacuterios afro-brasileiros evidencio as
contribuiccedilotildees de africanos e afro-brasileiros que resistiram agraves muacuteltiplas perversidades ao
longo da histoacuteria No entanto esses mesmos homens e mulheres nos brindam com a
construccedilatildeo de nossa identidade que eacute rica em cores formas e movimentos Para Trindade
(2013) tais valores civilizatoacuterios estatildeo carimbados em nossa memoacuteria em nossos modos
de pensar e de agir A muacutesica que apreciamos a feacute que professamos a literatura que nos
provoca a gastronomia que saboreamos dentre outros realccedilam em noacutes uma beleza
incomum dos padrotildees instituiacutedos pela racionalidade moderna eurocecircntrica
Com isso ao propor a reflexatildeo-accedilatildeo sobre os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros na
educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas afirmo de maneira concreta e afetiva a nossa
17 Indico sobre essa questatildeo a leitura do seguinte artigo ldquoA (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidaderdquo de Pereira e Pereira (2016)
19
afrodescendecircncia E tambeacutem reitero a urgente necessidade de exploramos a produccedilatildeo
cultural negra no cotidiano da escola e natildeo de maneira pontual e folclorizada que
inferioriza a populaccedilatildeo negra
Ao optar pelo trabalho com categoria da reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005)
penso na capacidade de interpretaccedilatildeo e transformaccedilatildeo que as crianccedilas tecircm pois como
atores de suas histoacuterias as crianccedilas satildeo potencialmente capazes de contribuir para
repensar o seu contexto social
Falar de contexto social eacute ter em mente que somos herdeiros de uma sociedade
patriarcal monocultural e determinista que subalterniza e desumaniza o diverso Eacute preciso
pensar e buscar a inclusatildeo da diversidade no ambiente escolar quando a sociedade tem
como projeto inclusive educacional desconsiderar o que possuiacutemos de mais precioso a
diferenccedila que nos caracteriza como seres humanos e sociais Concordamos com Gonccedilalves
(1987) quando realiza a brilhante defesa
ldquose a produccedilatildeo e a transmissatildeo do saber na escola natildeo forem mediados pela particularidade cultural da populaccedilatildeo negra as praacuteticas pedagoacutegicas continuaratildeo punindo as crianccedilas negras que o sistema de ensino natildeo conseguiu ainda excluir aplicando-lhes o seguinte castigo reclusatildeo ritualizada em procedimentos escolares de efeito impeditivo cujo resultado imediato eacute o silenciamento da crianccedila negra a curto prazo e o do cidadatildeo para o resto da vidardquo (p 29)
Azoilda Trindade (2010 2013) nos inspira a pensar sobre os valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e nas suas potencialidades para inaugurar experiecircncias instituintes que
valorize a diversidade eacutetnico-racial na Educaccedilatildeo Infantil Mergulhei nas memoacuterias da
autora me encontrei nelas e fui levada a bradar tambeacutem opto pela VIDA E a vida em sua
plenitude Quando por ventura escutar ldquoesse aluno natildeo tem jeitordquo ldquoeles natildeo tecircm
valoresrdquo reconhecerei as brechas para burlar o instituiacutedo e potencializar uma praacutetica
educativa mais conectada com o ser humano na sua diversidade A conexatildeo com a vida
deve nos conduzir a descoberta de outras searas muito proacuteximas daquela filosofia
humanista africana que afirma que eu soacute posso ser na medida que todos noacutes somos
Pensar o Ubuntu em uma sociedade onde seu processo civilizatoacuterio foi pautado no
individualismo na competiccedilatildeo e no materialismo eacute um ato revolucionaacuterio Portanto tenho
por compromisso eacutetico e humano trazer para a cena ndash inclusive para minha praacutetica
20
docente ndash os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros que estatildeo impressos em nossas maneiras
de ser e viver
E assim evidenciar18a Energia Vital (Axeacute) que nos remete a construccedilatildeo da
afetividade (pelos gestos palavras olhares) dimensatildeo tatildeo importante na Educaccedilatildeo
Infantil A Circularidade que vem nos lembrar que o iniacutecio e fim estatildeo ligados Natildeo haacute
hierarquia pois quando se estaacute em ciacuterculo todos se veem com a mesma oacutetica A
Corporeidade que nos mostra que o corpo tem muito a falar com seus movimentos ora
retraiacutedos ora expressivos O corpo eacute histoacuteria que precisa ser contada A Memoacuteria nos ajuda
a compreender que somos feitos de histoacuterias mas que por vezes satildeo distorcidas nos
tirando o sentimento de pertenccedila do que podemos vir a ser A Ancestralidade nos faz
transcender para aleacutem da materialidade da vida onde a memoacuteria dos nossos anciatildeos
carrega um grande legado
A Territorialidade nos remete aos espaccedilos casa e escola Lugares de iniciaccedilatildeo e que
precisam estar imbricados quando pensamos na educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas A
Religiosidade nos convida a uma relaccedilatildeo com os elementos da natureza e com o ser
humano de maneira mais transcendente respeitosa e harmoniosa A
CooperaccedilatildeoComunitarismo evidenciam a nossa essecircncia humana nascemos de uma
comunhatildeo e soacute vivemos em plenitude a partir dela E essa ideia eacute fundamentalmente
especial quando pensamos na formaccedilatildeo de crianccedilas pequenas que requer um ambiente
cooperativo acolhedor e amoroso para que seu aprendizado se realize de maneira afetiva
e efetiva Afinal de contas o adulto que a crianccedila se tornaraacute vai depender das relaccedilotildees
estabelecidas na infacircncia
A Oralidade provoca-nos a perceber as muacuteltiplas vozes do cotidiano e aqui nos
remetemos principalmente agraves crianccedilas enquanto portadoras de saberes-poderes A
Ludicidade nos rememora a necessaacuteria arte de viver em meio agraves contrariedades da vida
sem perder a capacidade de brincar e sorrir Aqui entendemos a brincadeira como uma
potente ferramenta pedagoacutegica visto que eacute considerada como uma linguagem infantil E a
Musicalidade nos daacute o tom para embalar nossos enredos cheios de ritmo sonoridade e
melodia
18 Os valores aqui pontuados podem ser encontrados no link httpwwwacordaculturaorgbrsitesdefault fileskitMODOSBRINCAR-WEB-CORRIGIDApdf
21
Todos esses valores civilizatoacuterios afro-brasileiros nos provocam a pensar sobre nossa
condiccedilatildeo de indiviacuteduos marcados pela diversidade e que refletem imagens drsquoAacutefrica de
ontem e de hoje de filhos e filhas que natildeo podem negar a riqueza do Patrimocircnio Africano
afrodiaspoacuterico e afro-brasileiro como bem dizia Trindade (2010 p 13) Eles tambeacutem nos
alimentam e fortalecem no caminho para a superaccedilatildeo de curriacuteculos escolares que
legitimam os saberes ditos universais como uacutenicos verdadeiros e superiores
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio
Por considerar que a musicalidade compotildee um dos valores civilizatoacuterios da cultura
afro-brasileira e por ela ser um importante componente curricular para a Educaccedilatildeo Infantil
e os anos iniciais que traz contribuiccedilotildees para a formaccedilatildeo de sujeitos criativos e reflexivos
pensamos neste subcapiacutetulo Vale ressaltar que para essa fase do ensino pensar a muacutesica
em contextos educativos natildeo demanda necessariamente ter formaccedilatildeo especiacutefica para tal
A consciecircncia de que a muacutesica faz parte do cotidiano do estudante desde a tenra idade e
que por isso ela representa uma linguagem jaacute eacute motivo para maiores reflexotildees
Pensando nisso procuramos trazer possibilidades de trabalho com a muacutesica na
Educaccedilatildeo Infantil Ao considerarmos a muacutesica enquanto aacuterea de conhecimento concluiacutemos
que nossas accedilotildees soacute faratildeo sentido quando dialogadas com os saberes dos educandos e com
a cultura na qual eles estatildeo inseridos Com isso rompemos com concepccedilotildees pedagoacutegicas
reducionistas que tratam a educaccedilatildeo musical de forma reprodutora pontual e rotineira
Ao defendermos uma mudanccedila de paradigma buscamos a desconstruccedilatildeo da ideia de que
a muacutesica eacute um artefato cultural instituiacutedo para apenas a sua reproduccedilatildeo em datas
comemorativas da escola Desmontamos tambeacutem a noccedilatildeo de que as muacutesicas cantadas na
Educaccedilatildeo Infantil satildeo formas de marcar a rotina e estimular a expressividade quando na
verdade tem como premissa a criaccedilatildeo ou reforccedilo de comportamentos
Concordamos com Brito (2003) quando afirma que a muacutesica deve emancipar o ser
humano ndash a partir da reflexatildeo-accedilatildeo e natildeo reproduccedilatildeo ndash e deve incluir a todos os estudantes
sem distinccedilatildeo
() longe da visatildeo europeia do seacuteculo passado que selecionava os ldquotalentos naturaisrdquo eacute preciso lembrar que a muacutesica eacute linguagem cujo conhecimento se constroacutei com base em vivecircncias e reflexotildees orientadas
22
Desse modo todos devem ter o direito de cantar ainda que desafinado Todos devem poder tocar um instrumento ainda que natildeo tenham naturalmente um senso riacutetmico fluente e equilibrado pois as competecircncias musicais desenvolvem-se com a pratica regular e orientada em contextos de respeito valorizaccedilatildeo e estiacutemulo a cada aluno por meio de propostas que consideram todo o processo de trabalho e natildeo apenas o produto final (p 53)
Importante ressaltar que nosso objetivo natildeo eacute formar muacutesicos mirins ou futuros
maestros musicais Desejamos a partir do eixo musicalidade ndash expresso no Referencial
Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil (RCNEI)19 ndash desenvolver competecircncias para a
formaccedilatildeo integral dos estudantes sob uma perspectiva interdisciplinar e inclusiva de
valores outros Tais valores satildeo pensados por noacutes como aqueles que refletem a diversidade
da sociedade brasileira
O cotidiano das crianccedilas principalmente em fase inicial da escolarizaccedilatildeo deve ser
permeado de brinquedos musicais Se pararmos para pensar a crianccedila nos seus primeiros
dias de vida jaacute eacute iniciada no universo musical a partir do que chamamos de acalantos
(cantigas de ninar) Natildeo eacute preciso muito tempo para os jogos e brinquedos musicais
tomarem o imaginaacuterio delas tendo em vista que tais artefatos satildeo heranccedilas culturais
transmitidas por tradiccedilatildeo oral chegando agraves crianccedilas por meio das brincadeiras de roda
(poesia muacutesica e danccedila) cirandas parlendas adivinhas etc
As brincadeiras de roda estatildeo relacionadas com as canccedilotildees populares Estas por sua
vez fazem parte do folclore20 brasileiro Considerando que tais canccedilotildees faccedilam parte da
cultura de um povo e sendo o nosso povo rico culturalmente poderiacuteamos afirmar que elas
satildeo um potente instrumento para a educaccedilatildeo de nossas crianccedilas Segundo o RCNEI as
brincadeiras de roda tambeacutem conhecidas como rondas receberam influecircncias de culturas
como lusitana africana ameriacutendia espanhola e francesa Poreacutem sua origem eacute
fundamentalmente europeia (Portugal e Espanha)
Brito (2003) afirma que a linguagem musical eacute construiacuteda de acordo com cada cultura
e eacutepoca estando assim associada aos costumes sociais de um povo Se portanto os
costumes da eacutepoca eram deslegitimar o outro enquanto legiacutetimo outro por meio da
subalternizaccedilatildeo o que diriacuteamos do conteuacutedo de algumas cantigas Assim se ouvirmos
19 Link de acesso httpportalmecgovbrsebarquivospdfrcnei_vol1pdf 20 O folclore cuja etimologia eacute de origem inglesa significa conhecimento de um povo (folk-povo e lore-conhecimento)
23
dizer que as cantigas populares estatildeo associadas agraves tradiccedilotildees e histoacuterias de um povo
corremos o risco de nos depararmos com narrativas nada idiacutelicas
Por isso acreditamos que eacute preciso falar das cantigas populares sobretudo quando
elas fazem parte da rotina educacional de crianccedilas pequenas Peixoto (2015) em sua
pesquisa sobre a violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda nos alerta para a
urgecircncia de reflexotildees sobre esses brinquedos musicais que inculcam valores de uma
cultura (dominante) Muito grave tambeacutem eacute a banalizaccedilatildeo daquele que eacute diferente dos
padrotildees hegemocircnicos
A autora recorre ao poder simboacutelico (BOURDIEU 1989) a fim de esclarecer o
processo de induccedilatildeo de certos valores de forma que quando naturalizados passam a
representar um certo tipo de violecircncia que por sua vez tambeacutem eacute simboacutelica Se avaliarmos
a linguagem das cantigas populares com um olhar descolonizado ndash livre dos padrotildees
hegemocircnicos instituiacutedos ndash perceberemos os simbolismos bem estruturados e sutilmente
representados nos campos de violecircncia de gecircnero domeacutestica racial entre outros Natildeo eacute
de se estranhar que a percepccedilatildeo dessas questotildees seja limitada tendo em vista que a
violecircncia nem sempre representaraacute algo tangiacutevel O entendimento de violecircncia para aleacutem
da fiacutesica supotildee pensarmos na ausecircncia Carecircncia talvez de justiccedila de liberdade de
solidariedade e de igualdade Quando em nossa existecircncia nos faltam tais elementos
certamente nos faltaraacute tambeacutem o sentimento de cidadatildeo de direitos plenos e subjetivos
Todavia parece estar cada vez mais difiacutecil a percepccedilatildeo do poder simboacutelico que gera
a violecircncia simboacutelica em virtude das inversotildees de valores do mundo contemporacircneo
Concordamos com o socioacutelogo quando afirma
Eacute necessaacuterio saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos onde ele eacute mais completamente ignorado portanto reconhecido o poder simboacutelico eacute com efeito esse poder invisiacutevel o qual soacute pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que natildeo querem saber que lhe estatildeo sujeitos ou mesmo que o exercem (BOURDIEU 1989 p 9)
Para essa difiacutecil tarefa de fazer conhecer o desconhecido e o ignorado elegemos o
professor sujeito este que consideramos peccedila fundamental na emancipaccedilatildeo das
consciecircncias Mas esse professor a quem tantos chamam de mediador do conhecimento
precisa para aleacutem de outras atribuiccedilotildees uma que consideramos chave a curiosidade Mas
como afirmava Paulo Freire natildeo se trata de uma curiosidade ingecircnua mas aquela que
24
encaminha para o movimento a inquietaccedilatildeo e a criticidade Portanto acreditamos que o
docente precisa ser epistemologicamente curioso para perceber as ideologias que Freire
(2007) relaciona com a ldquoocultaccedilatildeo da verdade dos fatos com o uso da linguagem para
penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna miacuteopesrdquo (p 125)
Tal postura deve ser de tal modo libertadora que o seu exerciacutecio suscite no discente
o mesmo sentimento o da curiosidade criacutetica que de matildeos dadas com a imaginaccedilatildeo e a
emoccedilatildeo eacute capaz de conduzir a experiecircncias instituintes Quando definimos as temaacuteticas das
oficinas logo pensamos em uma que contemplasse a musicalidade Nesse sentido levamos
para a sala de aula um repertoacuterio musical de cantigas populares sendo que uma delas
carregava em sua letra uma mensagem de violecircncia A partir da sensibilizaccedilatildeo convidamos
os estudantes agrave reinvenccedilatildeo da mesma que em breve seraacute apresentada neste trabalho
Assim o leitor estaraacute em contato com algumas taacuteticas de docentes e discentes que
descobriram que para aleacutem de um repertoacuterio musical envolvente mas instituiacutedo existe
um mundo de possibilidades
16 A CRIANCcedilA PEQUENA E O NEGRO QUEM SAtildeO ESSES OUTROS
A Ciecircncia Moderna vem pensar o outro como uma categoria da diferenccedila
evidenciando suas singularidades e multiplicidades Buscamos contribuiccedilotildees de autores
para pensar o sujeito da diferenccedila o outro e assim sinalizar como eles (a crianccedila e o negro)
tecircm sido enunciados
Ao iniciar a leitura deste trabalho e ao longo dele eacute possiacutevel deparar-se com a
expressatildeo outro como legiacutetimo outro dos bioacutelogos Maturana e Varela (1995) Tais autores
inauguram algo instituinte na Biologia e que vai ao encontro do outro enquanto sujeito
da diferenccedila eles pensam o homem para aleacutem dos determinismos geneacuteticos Ou seja o
indiviacuteduo eacute fruto tanto dos sistemas bioloacutegicos quanto das relaccedilotildees sociais Desse modo
ao defender a cultura como parte do desenvolvimento humano os autores apoiam que
natildeo existem pessoas iguais e que a diferenccedila estaacute dentro da normalidade ao contraacuterio da
homogeneidade (ROSSETTO 2010)
Com isso defender o outro enquanto legiacutetimo outro eacute aceitar o sujeito da diferenccedila
na relaccedilatildeo comprazendo-se com os seus diferentes modos de ser e viver
25
Paradoxalmente ao que os autores acima apresentam Pletsch e Carvalho (2011) vatildeo
pensar o ldquooutrordquo a partir de ldquonoacutesrdquo que impotildee por sua vez um discurso de superioridade
e autoridade Com isso o ldquooutrordquo eacute a representaccedilatildeo de algo inanimado (objeto) sobre o
qual eacute possiacutevel exercer o poder e domiacutenio Em dossiecirc sobre processos de inclusatildeo e
exclusatildeo escolar esses autores alimentam uma urgecircncia dar visibilidade agrave dor e ao
sofrimento dos ldquooutrosrdquo Mas fica um questionamento para noacutes quem satildeo os outros
efetivamente
O outro eacute todo aquele que natildeo pode ser noacutes recebendo status de ldquodiferenterdquo Sendo
assim os ldquooutrosrdquo satildeo
() os analfabetos os negros os iacutendios os drogados as mulheres as crianccedilas os velhos os gays as leacutesbicas os pederastas os presidiaacuterios as prostitutas os deficientes fiacutesicos e mentais os pobres e os miseraacuteveis enfim todos aqueles seres humanos que satildeo desumanizados maltratados ignorados enfim invisibilizados mesmo quando queremos tornaacute-los visiacuteveis (PLETSCH CARVALHO 2011 p 3)
Neste trabalho temos buscado evidenciar os outros na figura da crianccedila pequena e
do negro (afro-brasileiro) natildeo enquanto sujeitos destinados agrave opressatildeo e dominaccedilatildeo mas
como indiviacuteduos que precisam ser incluiacutedos no cotidiano escolar enquanto outros legiacutetimos
outros Dessa maneira desejamos estar com eles pesquisar com eles e criar estrateacutegias
para incluiacute-los na sua corporeidade diversidade e maneiras de pensar e sentir
Nos anos de 1990 comeccedilaram a surgir na Europa discussotildees socioloacutegicas em torno
da infacircncia A crianccedila passou a integrar uma categoria social e deixa de ser olhada apenas
como sujeito de tutela sem voz para ser vista como sujeito de direito e capaz de construir
e modificar culturas a partir da interaccedilatildeo com seus pares e com os adultos As crianccedilas que
passam a ser consideradas atores sociais iratildeo reproduzir comportamentos sociais
interpretando-os de maneira singular Esse modo de agir jaacute foi aqui identificado
anteriormente como reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005) Interpretativa porque
as crianccedilas criam e participam de suas culturas E reproduccedilatildeo porque elas tambeacutem podem
contribuir para a reproduccedilatildeo da sociedade ou para a mudanccedila social
Como a crianccedila eacute capaz de interpretar e reproduzir a cultura da qual faz parte nos
perguntamos qual eacute a cultura na qual a crianccedila tem sido formada Esse meio tem
favorecido o reconhecimento da crianccedila a partir de suas diferenccedilas Esse meio tem
26
provocado a inclusatildeo da diversidade eacutetnico-cultural nos espaccedilos educativos e fora deles
Se levarmos em conta o caraacuteter monocultural reducionista e etnocecircntrico que permeia a
instituiccedilatildeo escolar desde a sua origem nos certificaremos que a escola corre grande risco
de desfavorecer a cultura da diversidade Concordamos com Oliveira e Farias (2014)
quando afirmam que
ldquo() ao longo de nossa histoacuteria como naccedilatildeo o tratamento dado as matrizes eacutetnicas que configuram a nossa gente tem sido feito de maneira desigual privilegiando o grupo eacutetnico europeu em detrimento dos nativos e dos africanos colaborando assim para a produccedilatildeo de desigualdades e injusticcedilas sociaisrdquo (p 89)
Ou seja a figura do negro e seus modos de ser e estar no mundo tal como de outras
matrizes eacutetnicas que natildeo representavam os padrotildees sociais dominantes da hierarquia
colonizadora se constituiu ao longo dos seacuteculos como uma natildeo cultura Eles os nativos
da terra e os que aqui posteriormente chegaram para serem escravizados historicamente
sempre foram ldquoos outrosrdquo conforme Pletsch e Carvalho (2011)
Na histoacuteria da Educaccedilatildeo o negro representou ldquoum outro que devia ser anulado
apagadordquo (SKLIAR 2003 p 41) Basta saber que no Brasil Impeacuterio foram estabelecidos dois
decretos21 impedindo que o negro participasse do espaccedilo escolar de forma plena e com
direitos iguais ao da populaccedilatildeo branca
Apesar de hoje natildeo termos mais esse tipo de lei como haacute 162 anos ainda estatildeo
presentes marcas dessa maneira de pensar que aparece algumas vezes de forma muito
sutil e de outras nem tanto visto que o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo foram
internalizados e naturalizados no imaginaacuterio e consequentemente no comportamento do
brasileiro O que dizer dos filmes da Disney dos contos europeus das histoacuterias de priacutencipes
e princesas que comeccedilam a fazer parte do imaginaacuterio de nossas crianccedilas sobretudo em
fase inicial de escolarizaccedilatildeo Pois entatildeo nessas narrativas os negros natildeo existem pelo
menos da maneira que deveriam existir
21 Decreto nordm 1331 de 17 de fevereiro de 1854 estabelecia que nas escolas puacuteblicas do paiacutes natildeo seriam admitidos escravos e a previsatildeo de instruccedilatildeo para adultos negros dependia da disponibilidade de professores O Decreto nordm 7031-A de 6 de setembro de 1878 estabelecia que os negros soacute podiam estudar no periacuteodo noturno e diversas estrateacutegias foram montadas no sentido de impedir o acesso pleno dessa populaccedilatildeo aos bancos escolares Tais dados podem ser encontrados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africanas
27
2 OBJETIVOS
21 OBJETIVO GERAL
Realizar pesquisa a partir de metodologias interativas ndash interdisciplinaridade e
etnografia ndash com enfoque na Sociologia da Infacircncia com estudantes entre 4 e 6 anos
abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola rural do municiacutepio de MageacuteRJ
22 OBJETIVOS ESPECIacuteFICOS
Analisar os desdobramentos da lei 1164508 e os dispositivos legais que a
complementam em uma escola Rural no Municiacutepio de Mageacute
Compreender a infacircncia enquanto categoria social por meio da Sociologia da
Infacircncia
Identificar no ambiente escolar se haacute imagens e materiais que evidenciem etnias de
matriz afro-brasileiras e indiacutegenas
Aproximar a famiacutelia da escola a fim de construir redes colaborativas mais efetivas e
afetivas
Dialogar e refletir com os docentes e equipe pedagoacutegica sobre os desafios da inclusatildeo
da diversidade na escola
Desenvolver com os estudantes estrateacutegias didaacuteticas mediadas por atividades
luacutedicas onde os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros sejam uma constante
Produzir e revisitar tecnologias educacionais que potencializem as accedilotildees pedagoacutegicas
no trato das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
Desenvolver um suporte midiaacutetico para o compartilhamento dos processos e
materiais que mediaram as experiecircncias instituintes
Elaborar um caderno com orientaccedilotildees pedagoacutegicas a partir de experiecircncias
instituintes sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo como puacuteblico alvo
professores da Educaccedilatildeo Infantil
28
3 MATERIAIS E MEacuteTODOS (METODOLOGIA)
31 PUacuteBLICO ALVO
A pesquisa foi realizada com a Educaccedilatildeo Infantil compreendendo duas turmas da
Preacute-escola A turma do ldquoPreacute Irdquo possuiacutea 18 estudantes dentre eles 9 meninos e 9 meninas
com idades entre 4 e 5 anos No ldquoPreacute IIrdquo eram 19 estudantes sendo que 11 meninos e 8
meninas com idades entre 5 a 6 anos incompletos
As docentes de ambas as turmas satildeo concursadas e residem no municiacutepio em
distritos vizinhos ao da escola A professora do Preacute-escolar I tem formaccedilatildeo na Escola
Normal em niacutevel meacutedio Enquanto a professora do Preacute-escolar II formou-se em Histoacuteria
recentemente tendo como tema monograacutefico jogos e relaccedilotildees raciais
32 ETNOGRAFIA E INTERDISCIPLINARIDADE CAMINHOS METODOLOacuteGICOS
A Sociologia da Infacircncia enquanto campo cientiacutefico que concebe a infacircncia como
objeto socioloacutegico tem nos apontado caminhos metodoloacutegicos para a percepccedilatildeo e
reinvenccedilatildeo das praacuteticas poliacuteticas e culturas em torno do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
desde a tenra idade As muacuteltiplas vertentes teoacutericas que dialogam com a Sociologia da
Infacircncia tecircm caminhado em busca de definiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas no que tange a
construccedilatildeo social da crianccedila na sociedade da qual ela eacute agente ativa de transformaccedilatildeo
Ao considerarmos a infacircncia como parte da sociedade (MUumlLLER 2006) somos
provocados a refletir sobre as diferentes aacutereas do conhecimento com os quais ela dialoga
psicologia antropologia histoacuteria sociologia Pensar a crianccedila a partir do entrelaccedilamento
dessas ciecircncias eacute conferir-lhe status de um ser social complexo e em devir
Buscando atender as especificidades dessa categoria de anaacutelise complexa que eacute a
infacircncia eacute que estabelecemos redes reflexivas com metodologias interativas que
consideram o sujeito da pesquisa enquanto ator social ativo e participante da cultura de
pares e tambeacutem de adultos Dessa maneira os caminhos percorridos para o conhecimento
das vozes dos estudantes foram o da pesquisa interdisciplinar e etnograacutefica Destacamos
primeiramente a pesquisa etnograacutefica que segundo Kramer (2002) garante
29
procedimentos metodoloacutegicos e estrateacutegias favoraacuteveis agraves interaccedilotildees adulto e crianccedila (p
44)
Inicialmente tal escolha se deu por entendermos que seria no miacutenimo incoerente
chegar com uma entrevista fechada para crianccedilas entre 4 a 6 anos responderem O diaacutelogo
com a crianccedila demanda uma postura especial que requer a utilizaccedilatildeo de uma linguagem
proacutepria
Corsaro (2005) jaacute nos falava sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de crianccedilas
explicitando a origem antropoloacutegica desta metodologia que se sustenta em um movimento
de tornar-se nativo Ou seja a construccedilatildeo de uma relaccedilatildeo efetiva e afetiva que contribua
para a anaacutelise das vivecircncias da crianccedila e assim a sua sistematizaccedilatildeo implica em
reconhecer sua cultura e com ela estar disposto a conviver numa relaccedilatildeo de alteridade
Aqui vamos nos referir agraves vozes das crianccedilas como sendo as nossas aliadas nesse
processo de confirmaccedilatildeo das hipoacuteteses Desse modo tais vozes se datildeo de diferentes
formas a partir de ilustraccedilotildees conversas informais conversas entre os pares
silenciamentos Uma ferramenta muito importante para o trabalho foram as notas
registradas no caderno de campo que satildeo parte da metodologia etnograacutefica Todos esses
meios forneceram subsiacutedios para a criaccedilatildeo de praacuteticas e culturas inclusivas sobre a questatildeo
eacutetnico-racial desde a tenra idade
William Corsaro importante pesquisador no campo da Sociologia da Infacircncia com
sua vasta experiecircncia sobre pesquisa etnograacutefica com crianccedilas do Preacute-escolar tem
contribuiacutedo sobremaneira para a reflexatildeo das relaccedilotildees hierarquizantes e portanto
opressoras entre adultos e crianccedilas Suas teorias sobre etnografia na infacircncia reproduccedilatildeo
interpretativa e cultura de pares (CORSARO 2005) reforccedilam a ideia de que a crianccedila eacute um
ator social capaz de receber cultura mas tambeacutem de construir as suas proacuteprias na
interaccedilatildeo
As pesquisas empiacutericas do autor demonstram que o olhar do adulto reconhecendo a
legitimidade da alteridade infantil eacute uma via potente no processo de construccedilatildeo do
conhecimento Ele nos ajuda a pensar sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de
crianccedilas e relata que ao longo de 28 anos escrevendo sobre o tema seu trabalho passou
por significativa transformaccedilatildeo quando deixou de pesquisar sobre para pesquisar com
crianccedilas A seguir um trecho sobre a pesquisa etnograacutefica
30
A etnografia eacute o meacutetodo que os antropoacutelogos mais empregam para estudar as culturas exoacuteticas Ela exige que os pesquisadores entrem e sejam aceitos na vida daqueles que estudam e dela participem Neste sentido por assim dizer a etnografia envolve ldquotornar-se nativordquo Estou convicto de que as crianccedilas tecircm suas proacuteprias culturas e sempre quis participar delas e documentaacute-las Para tanto precisava entrar na vida cotidiana das crianccedilas ndash ser uma delas tanto quanto podia (CORSARO 2005 p 446)
Obviamente que eu natildeo me tornaria uma delas tatildeo pouco falaria por elas Mas o
movimento que William Corsaro defende eacute o de entrar e ser aceito pela comunidade
pesquisada e para isso eu natildeo deveria ldquoagir como um adulto tiacutepicordquo (p 446)
Depreende-se que ldquotornar-se nativordquo envolve falar as linguagens que satildeo proacuteprias
das crianccedilas para entatildeo melhor dialogar com elas ndash E que linguagens satildeo essas Ouso
dizer que satildeo as linguagens do corpo da sonoridade da ludicidade entre outras que
atraem as crianccedilas
Importante afirmar que a infacircncia eacute uma categoria social complexa e pensaacute-la
demanda muitas redes de saberes especialmente nos processos educacionais uma
perspectiva de pesquisa interdisciplinar agrega conhecimentos importantes para pensar a
crianccedila na sua totalidade E para tal buscamos pensar a interdisciplinaridade a partir de
dois autores Juares da Silva Thiesen (2008) e Ivani Fazenda (2010) sobre a qual vamos
aprofundar nossas reflexotildees Vale frisar que cada autor concebe esta metodologia agrave luz de
seus saberes e formaccedilatildeo mas o importante eacute ter consciecircncia de que a essecircncia de suas
percepccedilotildees converge para um soacute caminho o rompimento com a loacutegica fragmentada e
linear do conhecimento imposta pela corrente hegemocircnica das Ciecircncias Modernas
Desse modo Thiesen (2008) nos conduz a pensar na necessaacuteria reforma do
pensamento pelas vias da interdisciplinaridade Para ele a sociedade contemporacircnea
impotildee uma seacuterie de complexificaccedilotildees e para entendecirc-las se faz necessaacuterio uma rede de
sistematizaccedilotildees com saberes interligados
Jaacute Fazenda (2010) aborda a indispensaacutevel transformaccedilatildeo da pedagogia onde a
transmissatildeo do saber precisa dar lugar agraves trocas dialoacutegicas Nos anos 1970 Ivani Fazenda
recebeu influecircncias do pensamento de Hilton Japiassuacute (1976) o primeiro a pesquisar a
Interdisciplinaridade no Brasil enquanto que na Europa (Franccedila e Itaacutelia) esse movimento
jaacute acontecia desde de 1960 Ivani Fazenda pensou inicialmente na construccedilatildeo
epistemoloacutegica do conceito emergindo as seguintes conclusotildees a interdisciplinaridade eacute
31
uma atitude que envolve inovaccedilatildeo dialogo reciprocidade ousadia humildade coerecircncia
espera respeito e desapego
Humildade porque a investigaccedilatildeo interdisciplinar natildeo se limita a meacutetodos senatildeo a
vestiacutegios percebidos na interaccedilatildeo com os atores sociais E tambeacutem parte-se do
entendimento que a dimensatildeo individual eacute deficitaacuteria para a resoluccedilatildeo de conflitos (HAAS
2011) Havendo entatildeo a necessidade de constante diaacutelogo com o outro
Outra atitude importante que dialoga com a interdisciplinaridade eacute a ousadia que
busca e transforma a inseguranccedila em redes reflexivas E eacute esta ousadia que constroacutei as
parcerias entre professoraluno professorprofessor gestorcomunidade escolar
Concordamos com a autora quando reconhece que a interdisciplinaridade eacute senatildeo
um processo um caminho que transforma uma realidade instituiacuteda em experiecircncias
instituintes a partir da relaccedilatildeo de reciprocidade com o outro legiacutetimo outro
Tendo em vista a relevacircncia da interdisciplinaridade e sua urgecircncia em propor novas
formas de investigar de dialogar e construir saberes eacute que realizamos a ponte com a
Sociologia da Infacircncia de modo que fosse possiacutevel articular com suas vertentes teoacutericas
Explicitamos aqui o meacutetodo comparativo da etnografia longitudinal (CORSARO 2005) onde
acompanhamos a transiccedilatildeo dos atores da pesquisa para o ano seguinte em 2016
A etnografia a interdisciplinaridade e a pesquisa-participante enquanto pensar-
fazer se complementam formando redes reflexivas e criando de maneira instituinte um
ensino que dialogue com as relaccedilotildees eacutetnico-raciais na infacircncia
33 QUESTOtildeES EacuteTICAS NA PESQUISA COM CRIANCcedilAS
A reflexatildeo sobre as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas eacute um movimento
contemporacircneo e inovador que natildeo soacute beneficia a comunidade cientiacutefica como tambeacutem o
proacuteprio sujeito participante da pesquisa O que antes representava um sujeito silenciado
em seus saberes e receptor de culturas hoje o vemos como um ator de direitos
reconhecidos resguardados e legitimados
Kramer (2002) ao discorrer sobre autoria e autorizaccedilatildeo na pesquisa com crianccedilas
nos sinaliza alguns pontos importantes quando trabalhamos com a infacircncia enquanto
categoria social As reflexotildees da autora em torno da divulgaccedilatildeo dos nomes das crianccedilas
32
exibiccedilatildeo de seus rostos e devoluccedilatildeo dos achados nos provoca a pensar nos caminhos que
temos percorrido
Ao iniciar a pesquisa adotamos como procedimento eacutetico dar a conhecer os aspectos
da pesquisa aos responsaacuteveis dos estudantes do Preacute-escolar I e II Assim realizamos uma
reuniatildeo onde foi solicitada a participaccedilatildeo dos estudantes Naquele momento foi
endossado que a participaccedilatildeo era voluntaacuteria e o consentimento poderia ser retirado a
qualquer tempo sem prejuiacutezos agrave continuidade das atividades nas minhas aulas
O termo de consentimento assinado pelos responsaacuteveis autoriza a coleta de dados
bem como suas anaacutelises e publicaccedilatildeo dos mesmos Nesse documento foi firmado o
compromisso de omitir os nomes dos participantes tal como a exibiccedilatildeo de suas imagens
Tambeacutem foi garantida a confidencialidade das informaccedilotildees geradas e a privacidade dos
sujeitos da pesquisa
A omissatildeo dos nomes deveu-se a compreensatildeo de que era necessaacuterio resguardar a
integridade da crianccedila mesmo sabendo que o que estava sendo proposto na pesquisa natildeo
apresentasse riscos aparentes O mesmo posicionamento ocorreu em relaccedilatildeo agraves suas
imagens levando em consideraccedilatildeo o alerta de Kramer (2002) sobre o cuidado com a
exposiccedilatildeo de crianccedilas pequenas em que pese a sua necessidade de ser reconhecida
Sobre a devoluccedilatildeo dos achados temos pensado em nosso compromisso com aquela
comunidade escolar que nos recebeu acreditou e incentivou a pesquisa Vislumbramos
socializar os resultados com todos os envolvidos diretamente na pesquisa por diferentes
meios
34 FASES DA PESQUISA
A pesquisa foi dividida em cinco fases transcorrendo de agosto do ano de 2014 a
julho de 2016
Na primeira fase foi realizada pesquisa bibliograacutefica acerca do ensino das relaccedilotildees
eacutetnico-raciais e sua ocorrecircncia nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica Concomitante a essa
busca foram cursadas as disciplinas do programa que possibilitaram uma melhor
aproximaccedilatildeo com o objeto de estudo e deste com os diferentes campos de conhecimento
sob um vieacutes interdisciplinar
33
Na segunda fase a partir de maio de 2015 foi estabelecido contato com a escola para
apresentaccedilatildeo da proposta e solicitaccedilatildeo de autorizaccedilatildeo institucional22 para a coleta de
dados Apoacutes tal autorizaccedilatildeo iniciaram-se as conversas com os responsaacuteveis pelos
estudantes visando uma sensibilizaccedilatildeo sobre a temaacutetica e sua autorizaccedilatildeo para que os
alunos pudessem participar da pesquisa
A terceira fase tendo seu iniacutecio no mecircs de junho de 2015 eacute identificada como
sondagem das percepccedilotildees dos estudantes sobre a temaacutetica eacutetnico-racial durante as
oficinas iniciais nas aulas de Dinamizaccedilatildeo de Leitura Esta teve como objetivo perceber as
preferecircncias desejos e recusas dos alunos com relaccedilatildeo agrave proposta Nessa fase tambeacutem
foram importantes as conversas estabelecidas com os docentes da escola
Na quarta fase iniciada em agosto e perdurando por 6 meses foram realizadas as
oficinas pedagoacutegicas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil com faixa-etaacuteria entre 4 a 6
anos Tais oficinas buscaram articular os conhecimentos propostos pelos RCNEI e pelas DCN
ERER As experiecircncias construiacutedas coletivamente e sistematizadas deram forma ao
caderno23 com orientaccedilotildees pedagoacutegicas sobre o ensino da relaccedilotildees eacutetnico-raciais na
Educaccedilatildeo Infantil A seguir buscamos apresentar os caminhos percorridos em cada uma
das oito oficinas
341 As oficinas
Foram realizadas um total de oito oficinas que tiveram como caminhos
metodoloacutegicos a interdisciplinaridade (FAZENDA 2010 THIESEN 2008) e os princiacutepios
etnograacuteficos de pesquisa com crianccedilas pequenas (CORSARO 2005) Ao longo de cada uma
das accedilotildees buscamos um jeito proacuteprio de pensar e construir saberes desejaacutevamos romper
com a loacutegica cartesiana da razatildeo instrumental que desconsidera os saberes dos sujeitos da
diversidade Assim fomos ao encontro deles buscando entrecom eles na alteridade para
entendermos seus mundos por meio de conversas que nos conduzissem a aprendizagens
Apresentamos as duas primeiras oficinas que representam a terceira fase do projeto
Foram Accedilotildees iniciais para perceber os indiacutecios que os estudantes nos apontavam sobre a
urgecircncia de incluir a temaacutetica naquele contexto Elas tiveram como enfoque a literatura
22 A autorizaccedilatildeo institucional se encontra no apecircndice 711 23Este caderno seraacute disponibilizado em formato digital
34
infanto-juvenil Nos dois momentos que aconteceram em dias distintos com duraccedilatildeo de
50 minutos cada buscamos perceber as narrativas que estavam povoando o imaginaacuterio
daqueles atores sociais e sensibilizaacute-los para a existecircncia de outras histoacuterias especialmente
aquelas nas quais os afrodescendentes e suas matrizes eacutetnicas fossem evidenciadas
A terceira oficina sendo a quarta fase do projeto buscou tornar conhecida uma
Heroiacutena a contrapelo a liacuteder quilombola mageense Maria Conga A oficina foi realizada
com a participaccedilatildeo de matildees tias avoacutes ou irmatildes que foram convidadas para ali estarem
Aconteceu em um soacute dia com duraccedilatildeo total de 1hora e 20 minutos mas foi dividida em
dois momentos No primeiro narramos a histoacuteria de Maria a menina que veio do Congo
Buscou-se uma narrativa intertextual ligando a vida de Maria Conga com a histoacuteria dos
muitos africanos que foram trazidos para o Brasil Em um segundo momento foi proposto
a confecccedilatildeo de bonecas abayomis pelas jovens adultas e idosas que naquele instante
acompanhavam os estudantes
A quarta oficina foi uma sensibilizaccedilatildeo baseada na Pedagogia Griocirc Tal pedagogia
idealizada pela educadora Lilian Pacheco24 baseia-se na valorizaccedilatildeo e transmissatildeo dos
saberesfazeres (ALVES 2001)25 da cultura oral dos sujeitos da regiatildeo Desse modo nesta
oficina buscou-se aproximar os saberes das novas geraccedilotildees aos saberes das geraccedilotildees
passadas por meio das histoacuterias contadas pelas griocirctes locais Neste trabalho as griocirctes
foram duas avoacutes dos estudantes Elas foram escolhidas porque eram mulheres idosas que
representavam os sujeitos da diversidade a avoacute do estudante do ldquoPreacute IIrdquo tem nanismo fato
que chama atenccedilatildeo das crianccedilas pois embora fosse do tamanho deles ela jaacute tinha vivido
quase 60 anos A outra avoacute da estudante do ldquoPreacute Irdquo eacute negra
A oficina foi realizada em dois momentos distintos ocorrendo em duas semanas No
primeiro momento realizou-se a contaccedilatildeo de histoacuterias pelas avoacutes com duraccedilatildeo de cerca de
50 minutos Na semana seguinte os estudantes recontaram aspectos das histoacuterias ouvidas
com massinha de modelar Com os registros desta experiecircncia posteriormente seraacute
confeccionado um viacutedeo animado e legendado com a temaacutetica Histoacuterias de nossa gente
A quinta oficina envolveu a Musicalidade enquanto valor civilizatoacuterio afro-brasileiro
e foi dividida em cinco momentos distintos ocorrendo em um periacuteodo de um mecircs e meio
24 Mais agrave frente discorreremos sobre esta pedagogia 25 Nilda Alves utiliza o recurso de aglutinaccedilatildeo de palavras para indicar a necessidade de ir aleacutem dos limites herdados das Ciecircncias Modernas
35
mais ou menos 6 encontros Buscou-se nesta proposta trabalhar o desenvolvimento de
diferentes competecircncias como a de construccedilatildeo de conceitos a descoberta de instrumentos
musicais eacutetnicos e a confecccedilatildeo deles a construccedilatildeo de rimas ritmos e movimentos As accedilotildees
desta oficina culminaram no ano de 2016 quando foram compartilhadas algumas criaccedilotildees
musicais dos estudantes com as famiacutelias via dispositivos moacuteveis
A sexta oficina foi nomeada como Lendas que nos encantam e teve por objetivo
retornar aos gecircneros literaacuterios como na primeira oficina evidenciando histoacuterias que
precisam ser contadas nas escolas brasileiras Desse modo apresentamos a histoacuteria de uma
aacutervore que representa a ancestralidade africana o Baobaacute
Para trabalharmos a histoacuteria do Baobaacute realizamos dinacircmicas em dois momentos
distintos tendo cada um 50 minutos Na primeira semana foi contada a lenda da seguinte
maneira organizei um cenaacuterio com cartolinas coloridas agrave frente da sala de aula com uma
aacutervore (de papel) de troncos largos cheia de frutos Realizei a leitura da lenda e
posteriormente foram escolhidos alguns estudantes para encenar a histoacuteria sendo os
seguintes personagens o Baobaacute a hiena dois coelhos e outros trecircs bichos Logo em
seguida a partir da minha mediaccedilatildeo os estudantes dinamizaram a lenda expressando
criatividade imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Foi possiacutevel realizar a contaccedilatildeo de histoacuteria pelos
estudantes por trecircs vezes O objetivo era que todos participassem
Na semana seguinte resgatamos a histoacuteria e pedimos agraves crianccedilas que representassem
aspectos daquela histoacuteria por meio de ilustraccedilotildees em folhas e de massinha de modelar
Tais produccedilotildees foram registradas para compor um viacutedeo animado sobre a histoacuteria do Baobaacute
contada a partir do olhar dos estudantes de Conceiccedilatildeo de Suruiacute
35 COLABORADORES NA COLETA DE DADOS
As docentes das turmas a bolsista de extensatildeo e a equipe pedagoacutegicagestora foram
as colaboradoras diretas da pesquisa e contribuiacuteram significativamente para o processo de
investigaccedilatildeo
As professoras regentes das turmas pesquisadas foram fontes importantes para
percepccedilatildeo da urgecircncia em pesquisar o contexto da Educaccedilatildeo Infantil Os relatos de suas
praacuteticas cotidianas das relaccedilotildees interpessoais entre os estudantes e suas famiacutelias da
relaccedilatildeo entre os pares foram fundamentais para potencializar as reflexotildees em direccedilatildeo a
36
inclusatildeo da diversidade Cabe ressaltar que ambas as professoras embora soliacutecitas e agrave
disposiccedilatildeo para contribuir com os achados dificilmente participavam das oficinas Os 50
minutos semanais eram os uacutenicos que elas tinham para realizar o seu planejamento visto
que no municiacutepio de Mageacute os docentes de 1deg segmento natildeo tinham garantido o 13 de
carga horaacuteria semanal para planejamento conforme estabelece a lei federal 117380826
A parceria com a discente da graduaccedilatildeo (bolsista de extensatildeo) durante o processo
de coleta de dados foi um apoio fundamental pois representava um olhar a mais naquele
momento de achados Aleacutem disso a estudante realizou grande parte dos registros
fotograacuteficos enquanto eu mediava as oficinas
A gestora por sua vez foi quem prontamente viabilizou a coleta de dados a partir da
autorizaccedilatildeo institucional e que no decorrer desse processo tambeacutem representou uma
fonte de validaccedilatildeo dos dados coletados visto sua relaccedilatildeo direta com as famiacutelias estudantes
e docentes
Por fim eacute possiacutevel concluir que a coleta de dados desta pesquisa foi permeada por
olhares atentos que culminaram em conversas27 entre noacutes docentes e tambeacutem com
discentes para potencializar um ensino onde a inclusatildeo da diversidade se tornasse uma
constante
36 PRODUTOS DO PROJETO
Os produtos desta pesquisa satildeo tecnologias educacionais Todas elas estatildeoseratildeo28
disponibilizadas online29 visando contribuir para que outros docentes da Educaccedilatildeo Infantil
(e tambeacutem dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica) possam trabalhar com o ensino das
relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo em consideraccedilatildeo a diversidade e a inclusatildeo
26 Lei que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magisteacuterio puacuteblico da Educaccedilatildeo Baacutesica E prevecirc ldquoo limite maacuteximo de 23 (dois terccedilos) da carga horaacuteria para o desempenho das atividades de interaccedilatildeo com os educandosrdquo (sect 4ordm do art 2ordm) Significando assim que 13 (um terccedilo) da jornada destinar-se-ia agraves atividades de planejamento e formaccedilatildeo continuada do docente Conforme Brasil (2008) 27 Concordamos com CARVALHO (2011) que ao pensar o curriacuteculo como comunidade de afetos orienta que professores e alunos professores e professores conversem e ao considerar a alteridade construam inteligecircncia coletiva 28 Alguns produtos jaacute foram publicados como o cataacutelogo de livros eacutetnicos Outros seratildeo lanccedilados apoacutes a publicaccedilatildeo do caderno digital 29 Paacutegina na rede social (Facebook) construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo Link httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoeudantesetnicoraciaisartesdefazer
37
Os produtos deste trabalho podem ser definidos como
1 A construccedilatildeo do espaccedilo virtual (uma paacutegina na rede social) para o compartilhamento
das accedilotildees pedagoacutegicas e os produtos da pesquisa Este suporte midiaacutetico foi validado
pelo acesso que tem recebido chegando a um alcance de 160 pessoas em algumas
semanas no ar A maior parte desse puacuteblico eram pessoas da proacutepria comunidade
escolar pais dos estudantes professores funcionaacuterios da escola e os proacuteprios alunos
Vale ressaltar que esta paacutegina foi construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo
ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos iniciais artes de fazer e fazer-
se professorrdquo sendo assim intitulada por ldquoO ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais artes
de fazer e fazer-se professorrdquo Portanto ao vincular-se ao projeto de extensatildeo sua
criaccedilatildeo visou divulgar tambeacutem as accedilotildees extensionistas que aconteciam na
escolauniversidade contemplando as turmas do Ensino Fundamental Vale frisar
que temos difundido para aleacutem dos muros da escola o pensamento inclusivo sobre
a diversidade atingindo a comunidade escolar docentes e outros sujeitos de Mageacute
2 Um cataacutelogo de livros disponiacutevel na biblioteca comunitaacuteria localizada na Escola
Municipal Dinorah dos Santos Bastos e que tambeacutem se encontra no espaccedilo virtual
citado acima Este material tem auxiliado os docentes dos anos iniciais na busca pelas
temaacuteticas indiacutegenas e africanidades
3 Coletacircnea de muacutesicas com as vozes das crianccedilas A gravaccedilatildeo das cantigas populares
pelos proacuteprios estudantes foi compartilhada com os responsaacuteveis no iniacutecio do ano
corrente O principal objetivo foi dar um feedback das accedilotildees do ano anterior e
tambeacutem possibilitar a apreciaccedilatildeo de um trabalho autoral feito por seus proacuteprios
filhos Com a finalizaccedilatildeo do caderno e sua publicaccedilatildeo estas muacutesicas seratildeo lanccediladas
na paacutegina do Facebook
4 Dois viacutedeos animados elaborados a partir das produccedilotildees artiacutesticas dos estudantes
Esses viacutedeos tambeacutem foram feitos a partir das produccedilotildees dos estudantes tendo
como temaacutetica lendas locais e de ancestralidade africana O procedimento seraacute o
mesmo sua publicaccedilatildeo seraacute concomitante agrave publicaccedilatildeo do caderno na paacutegina virtual
5 Um caderno pedagoacutegico digital que tambeacutem disponibilizaremos na paacutegina em
formato PDF Adotamos alguns criteacuterios para a estruturaccedilatildeo do caderno pedagoacutegico
que foram linguagem adequada ao puacuteblico formato claro e estruturado propostas
38
exequiacuteveis articulaccedilatildeo entre teoria e praacutetica e adequaccedilatildeo aos paracircmetros da
Educaccedilatildeo Infantil Acreditamos na capacidade desde produto em potencializar o
pensamento inclusivo sobre a diversidade eacutetnico-cultural do povo brasileiro E com
isso suscitar modos de pensar e de produzir experiecircncias instituintes na Educaccedilatildeo
Infantil A priori vamos identificar esse produto como uma tecnologia de transmissatildeo
de conhecimento visto que nele seratildeo apresentados saberes construiacutedos nas oficinas
sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais e que foram validadas por estudantes e docentes da
Educaccedilatildeo Infantil durante as praacuteticas cotidianas Acreditamos que o professor na sua
capacidade reflexiva ao interagir com este material tambeacutem poderaacute modificar e
servir de inspiraccedilatildeo para outras praacuteticas natildeo buscando ser um modelo para
reproduccedilatildeo Dessa forma o docente enquanto sujeito reflexivo precisa reinventar
as atividades propostas de acordo com sua realidade criando e recriando artes de
fazer
Figura 1 Paacutegina na Rede Social Fonte Daise dos Santos Pereira
Na Figura 1 temos um registro da paacutegina virtual jaacute citada anteriormente Dominick
(2015) nos provoca a pensar nos possiacuteveis status dessa tecnologia informacional Seria ela
interativa ou difusora Para a autora haacute miacutedias difusoras onde o conhecimento eacute
produzido por alguns e difundido como eacute o caso da televisatildeo e do raacutedio Mas haacute aquelas
39
que possibilitam uma interaccedilatildeo entre os sujeitos pois se apresentam como uma
possibilidade de dialogia Esse espaccedilo na internet busca difundir um conhecimento mas
tambeacutem eacute um lugar de diaacutelogo de possibilidades de interaccedilotildees com professores que vatildeo
aleacutem da reproduccedilatildeo de ideias
Neste endereccedilo tambeacutem disponibilizamos alguns livros infanto-juvenis em formato
PDF que podem ser baixados um cataacutelogo com os livros de literatura com temaacutetica eacutetnica
(indiacutegena e africana) que elaboramos a partir da busca no acervo da biblioteca da escola
Neste material satildeo encontrados o resumo a faixa-etaacuteria e o nuacutemero de paacuteginas de cada
obra A elaboraccedilatildeo deste cataacutelogo surgiu pela necessidade de identificarmos as obras
literaacuterias eacutetnicas e por identificarmos nas atividades de implementaccedilatildeo de leitura pouca ou
nenhuma familiaridade dos docentes da escola com o acervo das matrizes eacutetnicas africanas
e indiacutegenas Por exemplo na semana do dia do iacutendio uma das docentes relatou dificuldade
para achar uma obra que tratasse do tema Ao procurar achamos 39 exemplares de
temaacutetica indiacutegena e africana Hoje contamos com um pouco mais de 50 livros em nosso
acervo escolar
Logo seraacute possiacutevel encontrar na paacutegina gravaccedilotildees musicais dos estudantes os viacutedeos
animados das histoacuterias locais produzidos com os mesmos e algumas fotografias das accedilotildees
realizadas na escola Buscaremos assim que publicados esses produtos disponibilizar o
texto dessas histoacuterias em PDF Esta eacute uma estrateacutegia de ferramenta acessiacutevel para pessoas
cegas Assim a histoacuteria pode ser lida pelo leitor de tela para os deficientes visuais
Intencionamos com isso abrir caminhos para ampliar o diaacutelogo com a tecnologia acessiacutevel
(DOMINICK 2015) de modo a alcanccedilar crianccedilas surdas cegas ou com deficiecircncias fiacutesicas
Desse modo acreditamos estar favorecendo praacuteticas docentes inclusivas da
diversidade Reafirmamos no entanto que tais meios soacute seratildeo de fato aliados a um saber-
fazer emancipatoacuterio na medida em que o docente os assumir como extensatildeo de suas
reflexotildees e de seus braccedilos natildeo como modelo a ser seguido Para tal ele precisa ser o que
Schoumln (2000) denominou como professor reflexivo um sujeito que para Castels (1999) eacute
interagente De forma que quando ele entrar em contato com os produtos desta pesquisa
iraacute se apropriar e dialogar com os conhecimentos ali expostos assim como apresentar
outras ideias e tambeacutem suas praacuteticas
40
4 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
41 DADOS COLETADOS REFLEXOtildeES INICIAIS
Em nossa pesquisa bibliograacutefica identificamos a invisibilidade da questatildeo racial no
sistema educacional brasileiro principalmente no que tange a produccedilatildeo teoacuterica
articulando as questotildees de raccedila e etnia para o trabalho com a Educaccedilatildeo Infantil
Posteriormente na escola buscamos identificar se de fato havia a observacircncia e
cumprimento da lei federal 1164508 Ao confirmar nossa hipoacutetese de que pouco estava
sendo trabalhado buscou-se intervir para promover uma cultura escolar mais inclusiva das
matrizes eacutetnicas e culturais que fazem parte de nossa gente
Identificamos alguns aspectos no cotidiano da escola que confirmaram a relevacircncia
da pesquisa com aquele grupo tais como raras praacuteticas abordando a diversidade eacutetnico-
racial com foco nas influecircncias africanas e indiacutegenas tendo em vista inclusive as influecircncias
das etnias afro e indiacutegena (e que por sinal satildeo muito fortes na regiatildeo) presenccedila de um
ambiente fortemente marcado por narrativas monoculturais isto eacute murais com
personagens brancos e somente os claacutessicos literaacuterios europeus compondo a oferta de
leitura para as crianccedilas Identificamos ainda no diaacutelogo com as professoras evidecircncias de
accedilotildees discriminatoacuterias entre as crianccedilas pequenas silecircncio em torno de situaccedilotildees
conflituosas e a falta de formaccedilatildeo que as ajudasse a lidar com a questatildeo de forma a superar
o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo
Os dados coletados inicialmente foram ao encontro de minhas primeiras anguacutestias
quando ao ingressar na especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria me dei conta de que as
praacuteticas dos docentes da Educaccedilatildeo Infantil e dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica estavam
ainda distantes do que entendemos por Educaccedilatildeo para Todos visto que ateacute aquele
momento natildeo existiam orientaccedilotildees legais para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais e assim
para o rompimento da cultura do racismo no cotidiano escolar
Acreditando que poderia organizar praacuteticas instituintes em diversidade e inclusatildeo
com crianccedilas pequenas sobre as questotildees eacutetnico-raciais foi que caminhei mais alguns
passos
41
42 PERCEBENDO AS VOZES OFICINAS INICIAIS
Durante 2 meses interagindo com os discentes30 busquei indiacutecios que me
conduziram para a estruturaccedilatildeo das primeiras oficinas Logo apoacutes foram apresentadas
duas oficinas que buscaram confirmar ou refutar as observaccedilotildees feitas e as informaccedilotildees
coletadas com os adultos Elas tiveram como enfoque o trabalho com a literatura infantil
Importante salientar que estas accedilotildees com os estudantes sustentaram as hipoacuteteses iniciais
sobre a urgecircncia de um rompimento com as praacuteticas e culturas do cotidiano escolar que
natildeo alcanccedilam a diversidade eacutetnico-racial presente na localidade Majoritariamente as
praacuteticas curriculares cotidianas reforccedilam praacuteticas monoculturais e etnocecircntricas
contribuindo muitas vezes para a existecircncia de comportamentos racistas e segregadores
entre os estudantes e mesmo entre os profissionais da escola
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (idade entre 4 e 5 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje a turma estava com 14 alunos no total Iniciamos a aula no paacutetio da escola tendo em vista a obra que estaacute acontecendo no preacutedio desde o recesso escolar Expusemos em um varal alguns livros do acervo da biblioteca da escola A opccedilatildeo pelo varal foi uma estrateacutegia para que os estudantes visualizassem melhor as obras para assim apontarem suas preferecircncias As obras estavam divididas em contos claacutessicos da literatura europeia e histoacuterias de temaacutetica eacutetnica Foram apresentados 12 livros Entre os contos claacutessicos estavam ldquoO chapeuzinho vermelhordquo ldquoOs trecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoCinderelardquo ldquoPinoacutequiordquo e ldquoJoatildeo e o peacute de feijatildeordquo Entre os livros que contavam histoacuterias com temaacutetica eacutetnico-racial estavam ldquoO cabelo de Lelecircrdquo ldquoLilaacute e o segredo da Chuvardquo ldquoCadecircrdquo ldquoA menina e o tamborrdquo ldquoChuva de mangardquo ldquoHistoacuterias da nossa genterdquo e ldquoBichos da Aacutefricardquo Iniciamos a dinacircmica perguntando aos alunos as suas preferecircncias Todos demonstraram grande interesse pelos contos claacutessicos mas buscando saber sobre o que pensavam sobre os outros livros perguntei se algueacutem conhecia ou se gostaria de conhecer Apresentamos cada um deles e depois solicitamos que fossem ao varal pegar o que fosse de interesse do grupo Como era de imaginar a grande maioria foi para o lado dos contos claacutessicos europeus
30 Interagia enquanto professora itinerante da sala de leitura uma vez por semana
42
Eu e Pacircmela (bolsista da extensatildeo) insistimos na provocaccedilatildeo mostrando os outros
livros ldquoE aqueles livros ningueacutem quer lerrdquo
Ateacute que uma estudante negra foi ateacute o livro ldquoCadecircrdquo (Graccedila Lima) e o pegou Haacute em
sua capa um menininho negro e pensei naquele momento que talvez houvesse uma
tiacutemida identificaccedilatildeo por parte da menina com o personagem O livro conta a histoacuteria das
fantasias de um menino pequeno que vai descobrindo o mundo ao seu redor A cada
descoberta uma surpresa Nesse enredo uma mesa se torna uma girafa O sofaacute um
rinoceronte E a matildee participa junto com o menino dessas descobertas emoccedilotildees e
fantasias
A partir de sua escolha questionamos aos colegas se eles gostariam de ouvir a
histoacuteria daquele livro Cabe ressaltar que esta menina demonstrava ao longo das atividades
uma identificaccedilatildeo positiva com a sua cor sem recusas quando lhe era proposto ser
personagem negra por exemplo Entre os 14 alunos 10 concordaram em ouvir Ao final da
histoacuteria perguntamos se ali tinha algueacutem parecido com o menininho do enredo e trecircs
crianccedilas disseram prontamente que sim que eram muito parecidos
Fizemos tambeacutem uma votaccedilatildeo para saber quais as preferecircncias deles sobre os
claacutessicos O resultado foi 12 alunos votaram nos Trecircs porquinhos 10 em Joatildeo e o peacute de
feijatildeo 11 em Pinoacutequio 14 em Joatildeo e Maria 7 em Chapeuzinho vermelho 10 em Cinderela
Joatildeo e Maria foi o enredo de preferecircncia da turma Importante ressaltar que a votaccedilatildeo
naquele primeiro momento foi para sondar as preferecircncias Ao longo das atividades e
oficinas estabelecemos diaacutelogos com as obras a partir de sua releitura e intercaladas com
as obras eacutetnico-raciais
43
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I Fonte Daise dos Santos Pereira
Apoacutes a contaccedilatildeo da histoacuteria do livro ldquoCadecircrdquo sugerimos que cada um registrasse em
um desenho em folha A4 a histoacuteria que quisesse Podia ser a que tiacutenhamos acabado de ler
ou uma das que estavam no varal Trecircs crianccedilas natildeo quiseram realizar a tarefa Dentre elas
dois meninos e uma menina Apesar disso pegaram os livros para folhear Dos 11 desenhos
entregues apenas dois representaram um livro de temaacutetica eacutetnica ldquoO Cabelo de Lelecircrdquo Os
demais foram representaccedilotildees de ldquoTrecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoChapeuzinho
Vermelhordquo Em um dos desenhos havia 2 personagens que a estudante identificou como
Joatildeo e Maria e um terceiro personagem com feiccedilatildeo de mal identificado como ruim
Quando perguntamos quem era o personagem a estudante apontou para o livro ldquoChuva
de mangardquo que tem na capa um menininho negro
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (idade entre 5 e 6 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje demos continuidade agrave oficina de preferecircncia literaacuteria a partir dos livros que compotildee o acervo da escola Assim como realizado com a turma do Preacute-escolar I exibimos 12 livros sendo metade deles com a temaacutetica
44
eacutetnico-racial e a outra com os contos europeus Cabe ressaltar que na escola haacute pouca literatura com a temaacutetica eacutetnico-racial que atenda agrave faixa-etaacuteria do Preacute-escolar Neste sentido dois dos livros exibidos para os alunos estavam para aleacutem da faixa etaacuteria das crianccedilas Natildeo obstante a escolha por eles deveu-se aos nomes e ilustraccedilotildees da capa serem bem sugestivas Pensamos que poderiam aguccedilar a curiosidade das crianccedilas E foi o que aconteceu A turma possui um total de 18 alunos Neste dia estavam presentes apenas 12 O horaacuterio escolhido para as atividades foi o de 10h agraves 11h Este foi escolhido a partir de negociaccedilatildeo com a professora regente visto a sua solicitaccedilatildeo No entanto temos percebido grande necessidade de rever o horaacuterio da aula realizando-a no primeiro tempo pois entendemos que no iniacutecio do dia o aproveitamento da atividade eacute maior
Importante salientar que ao iniciarmos a pesquisa de campo nos deparamos com
diferentes limitaccedilotildees inclusive estruturais que consideramos relevantes evidenciar neste
trabalho No mecircs de agosto de 2015 a escola passou por obras em todo o preacutedio pois o
telhado desmoronou durante o recesso escolar Para natildeo haver prejuiacutezos nas atividades
escolares e natildeo deixar lacunas no calendaacuterio letivo foi decido que as aulas prosseguiriam
e a gestora improvisou duas ldquosalas de aulardquo dentro da biblioteca31 localizada em uma
estrutura anexa ao preacutedio em reforma Contamos tambeacutem com o quintal da escola onde
foi improvisado um espaccedilo com carteiras e quadro Vale ressaltar que a associaccedilatildeo de
moradores cedeu o espaccedilo para as aulas de 2 turmas do turno da manhatilde Identificamos
assim que haacute uma boa relaccedilatildeo da escola com a comunidade e que a gestora juntamente
com sua equipe buscou soluccedilotildees para os problemas
Com todos esses acontecimentos na escola os momentos para o trabalho com as
crianccedilas ficaram um pouco limitados tendo em vista a necessidade de reestruturaccedilatildeo dos
tempos e espaccedilos da escola e assim a adaptaccedilatildeo dos estudantes A turma do Preacute-escolar
II da manhatilde ficou um pouco prejudicada na atividade de leitura pois com a mudanccedila da
rotina ao final do dia as crianccedilas estavam bastante agitadas dificultando a realizaccedilatildeo de
nossa proposta No horaacuterio da tarde quando realizamos a atividade com o Preacute-escolar I o
horaacuterio era mais flexiacutevel pois a escola possuiacutea apenas 3 turmas
Intencionaacutevamos no primeiro momento realizar uma sensibilizaccedilatildeo para as
literaturas expostas para em seguida identificar as preferecircncias das crianccedilas Em um
segundo momento contariacuteamos a histoacuteria escolhida e depois iriacuteamos sugerir ilustraccedilotildees
31 Temos em nossa escola uma biblioteca comunitaacuteria que faz parte de iniciativas de organizaccedilotildees natildeo governamentais das seguintes instituiccedilotildees Instituto Ecofuturo e ONG Aacutegua Doce
45
que representassem a histoacuteria narrada No entanto o curto tempo inviabilizou estas accedilotildees
Apesar disso coletamos as preferecircncias dos estudantes acerca das literaturas Como jaacute
sinalizado anteriormente expusemos as 12 obras Das obras relacionadas agrave relaccedilotildees
eacutetnico-raciais apenas uma chamou atenccedilatildeo dos alunos talvez pela capa e pelo nome
sugestivo ldquoBichos da Aacutefricardquo Nenhuma das obras era conhecida pelos alunos Ao contraacuterio
dos claacutessicos onde se destacou a histoacuteria dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II Fonte Daise dos Santos Pereira
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar II
Tendo em vista o interesse dos estudantes pela obra dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo a escolhemos como tema central para guiar nossa atividade de hoje que visa identificar a percepccedilatildeo que as crianccedilas trazem do negro Eacute sabido que toda accedilatildeo educativa eacute potencializada quando os conhecimentos e interesses preacutevios dos estudantes satildeo reconhecidos para integrar as atividades cotidianas Segundo a Sociologia da Infacircncia o coletivo deve exercer uma grande importacircncia no cotidiano escolar e sendo a crianccedila um ator social eacute preciso considerar que ela estaacute a todo momento negociando compartilhando e criando cultura com os adultos e entre seus pares A atividade transcorreu inicialmente com a contaccedilatildeo
46
da histoacuteria Havia na turma 9 alunos sendo que apenas 7 participaram da atividade pois 2 estudantes precisaram ir embora mais cedo devido a conduccedilatildeo32 Propositalmente invertemos as cores dos personagens os porquinhos que no geral se apresentam nas cores rosa ou branco foram representados em marrom O lobo que tendencialmente eacute preto ou marrom foi apresentado como branco Tal provocaccedilatildeo baseou-se em uma ideia construiacuteda ao longo da histoacuteria de que o negro seria a origem de todo o mal E assim queriacuteamos realizar uma ruptura com o padratildeo ldquobranco divinizado x negro endemoniadordquo Tambeacutem intencionaacutevamos perceber se haveria algum impacto na percepccedilatildeo das crianccedilas (Narrativa registrada no meu caderno de campo dia 18082015)
Optamos por contar a histoacuteria usando nossas taacuteticas de praticantes do cotidiano
(CERTEAU 1994) Assim confeccionamos um avental temaacutetico com fantoches para
narrarmos a histoacuteria dos Trecircs Porquinhos
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tivemos a participaccedilatildeo direta de todos os discentes ao longo da narrativa Estavam
atentos a cada movimento Ao final do enredo os estudantes disseram a claacutessica frase ldquoE
eles viveram felizes para semprerdquo
Interrompi-os dizendo que a histoacuteria ainda natildeo tinha acabado Contei-lhes que havia
duas famiacutelias muito interessadas em adotar os dois porquinhos mais novos e que noacutes
32 O ocircnibus nesta regiatildeo passa de hora em hora Precisamos alterar o horaacuterio das aulas em virtude dos estudantes terem que sair meia hora antes do teacutermino das oficinas
47
teriacuteamos uma tarefa muito importante escolher qual seria a famiacutelia ldquomais legalrdquo para
adotar os dois porquinhos
As imagens construiacutedas para representar as duas famiacutelias eram com as seguintes
caracteriacutesticas a primeira famiacutelia sendo branca com olhos azuis de cabelos lisos com pai
matildee e um casal de filhos pequenos Enquanto a segunda famiacutelia era representada por
pessoas negras com avoacute avocirc pai matildee e um casal de filhos pequenos Assim expusemos
os dois cartazes cada um com um retrato da famiacutelia e uma casa representando o lar de
tijolos com o tiacutetulo Famiacutelia legal
Cada crianccedila recebeu uma ficha com o seu respectivo nome para colocar no cartaz
conforme fosse solicitado As perguntas que dinamizaram as escolhas foram ldquoQual eacute a
famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Tivemos muito cuidado
para natildeo influenciar na opiniatildeo deles com as nossas falas
Chamamos entatildeo a primeira aluna dentre os sete que estavam participando da
aula Perguntamos sobre sua escolha prontamente respondeu que a famiacutelia era legal
porque era da mesma cor dos porquinhos e tambeacutem igual a ela Fomos chamando os
demais que escolheram a famiacutelia branca Todos responderam que aquela era a famiacutelia mais
legal pois pareciam com eles ndash os estudantes ndash que eram brancos Dentre os cinco que
deram esta resposta trecircs foram bastante expressivos respondendo prontamente sem
hesitar
O uacuteltimo aluno a realizar a escolha optou pela famiacutelia afro-brasileira Respondeu que
a famiacutelia era legal porque era igual a ele e ao ldquoporquinho pretinhordquo Foi uma resposta
surpreendente pois ateacute entatildeo em atividades anteriores os indiacutecios apresentados por esse
estudante eram de distanciamento da figura do negro
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo A escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar I
A turma do Preacute-escolar composta inicialmente por 18 estudantes natildeo estava completa Contamos nesse dia com apenas 14 alunos A dinacircmica foi a mesma realizada com a turma do ldquoPreacute IIrdquo e no primeiro momento das aulas Escolhemos o enredo dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo tendo em vista que este conto tambeacutem faz parte do repertoacuterio de preferecircncias literaacuterias dos estudantes Iniciamos a contaccedilatildeo de histoacuteria a partir de fantoches
48
como jaacute sinalizado anteriormente A inversatildeo das cores dos personagens natildeo provocou nenhum comentaacuterio por parte dos estudantes Durante todo enredo os estudantes se colocaram atentos e participativos a cada provocaccedilatildeo Quando foram chamados a realizar a tarefa de escolher as famiacutelias para adoccedilatildeo dos 2 porquinhos prontamente pegaram as fichas com seus nomes Vale ressaltar que estas crianccedilas jaacute fazem o reconhecimento de seus nomes e tambeacutem de seus colegas agrave exceccedilatildeo de uma estudante A cada crianccedila escolhida para votar faziacuteamos o seguinte questionamento ldquoQual eacute a famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Timidamente as crianccedilas iam ateacute os cartazes e escolhiam as famiacutelias Como jaacute relatado eram dois modelos de famiacutelia uma branca e outra negra As primeiras escolhas foram para as famiacutelias brancas e as respostas quando questionadas sobre a razatildeo da escolha eram ldquoPorque simrdquo Ateacute o momento em que uma crianccedila negra votou na famiacutelia negra Mas natildeo quis dizer a razatildeo O resultado foi 9 crianccedilas escolheram a famiacutelia branca e 5 escolheram a famiacutelia negra Dentre as que escolheram a famiacutelia branca a maioria eu considero como crianccedila branca ou parda As crianccedilas que escolheram a famiacutelia negra satildeo identificadas como uma eacute negra e as demais pardas (Narrativa da oficina em meu caderno de campo dia 18082015)
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) Fonte Daise dos Santos Pereira
Essas oficinas iniciais abriram caminhos para que houvesse uma mudanccedila na cultura
escolar no sentido de tornaacute-la acolhedora agrave diversidade Elas revelaram a necessidade de
construccedilatildeo de um ambiente que provocasse a ruptura com as histoacuterias uacutenicas Aleacutem de
49
identificarmos a ausecircncia de imagens e materiais que evidenciassem a etnia de matriz afro-
brasileira no espaccedilo escolar identificamos que a maioria das crianccedilas natildeo se identificava
com sua origem eacutetnica
Cuidamos a partir de entatildeo para que os murais de nossa escola passassem a ter
personagens negros bem como brancos e indiacutegenas As estantes de nossas salas passaram
a ter natildeo soacute os contos claacutessicos europeus Outras histoacuterias passaram a fazer parte do acervo
das salas e os estudantes passaram a pedir para ouvir e contar histoacuterias protagonizadas por
afrodescendentes E elas agora compotildee o acervo particular das salas de aula33
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tambeacutem foi iniciado um projeto de incentivo agrave leitura onde os estudantes do Preacute-
escolar levavam para as suas casas semanalmente livros da temaacutetica eacutetnico-racial
(indiacutegena e africana) Para que esse projeto acontecesse houve a necessidade de descobrir
aonde estavam essas literaturas
33 Obras mais solicitadas pelos estudantes Cadecirc (Graccedila Lima) Abareacute (Graccedila Lima) O Senhor da Histoacuterias (Wellington Srbek) O Cabelo de Lelecirc (Valeacuteria Beleacutem) A menina e o tambor (Mariacircngela Haddad) Menina bonita do laccedilo de fita (Ana Maria Machado) e as lendas do Baobaacute e a da Mirindiba
50
Com a colaboraccedilatildeo da funcionaacuteria da biblioteca da escola e da bolsista de extensatildeo
achamos 39 livros da temaacutetica procurada alguns catalogados e outros natildeo Havia mais
livros infanto-juvenis do que infantis34 para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar
Apoacutes esses achados decidimos elaborar um cataacutelogo35 com as obras eacutetnicas para
potencializar as nossas accedilotildees e viabilizar o contato dos docentes da escola com essas
literaturas
As accedilotildees proporcionaram resultados positivos desde o iniacutecio da pesquisa Pudemos
perceber o fortalecimento das identidades dos estudantes negros o respeito e o diaacutelogo
com a diversidade quando os estudantes em sua maioria passaram a optar por enredos
protagonizados por crianccedilas mulheres e homens afrodescendentes A parceria com as
famiacutelias tambeacutem foi fundamental nesse processo que para aleacutem de contribuir para o
rompimento com as histoacuterias uacutenicas ajudou na formaccedilatildeo de sujeitos leitores responsaacuteveis
e cuidadosos com os livros que carregavam e que teriam que retornar na semana seguinte
para dar continuidade aos empreacutestimos36
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas Fonte Arquivo pessoal da autora
34 Esse problema nos levou a confeccionar alguns livros infantis Estes foram baixados na internet e podem ser encontrados na paacutegina do projeto de extensatildeo 35 Esse cataacutelogo foi um primeiro produto gerado pelo projeto e estaacute disponiacutevel em httpswwwfacebook comoensinodasrelacoesetnicoraciaisartesdefazerphotostab=albumampalbum_id=1561437514148129 36 Dispuacutenhamos de 8 livros infantis para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar Cada turma ficou com 4 livros que semanalmente contemplavam 4 estudantes
51
Nesse primeiro momento para aleacutem de construir uma cultura inclusiva (BOOTH e
AISCOW 2011) no ambiente escolar estaacutevamos buscando alcanccedilar a todos familiares
estudantes e professores
43 OFICINA 3 - CONHECENDO MARIA A MENINA QUE VEIO DO CONGO
A histoacuteria que vocecircs iratildeo ouvir aconteceu haacute algum tempo quando as pessoas eram vendidas como coisas e obrigadas a servir os mais fortes como escravos37 Nossa personagem principal eacute a menina Maria que nasceu no Continente Africano em um paiacutes chamado Congo Maria nasceu em 1792 Ela sua famiacutelia e seus amigos foram trazidos para o Brasil pelos portugueses para trabalharem pesado Maria e os demais africanos sofreram muito para chegar ao Brasil Na eacutepoca o uacutenico transporte que fazia longas viagens era o navio E o que transportava os africanos chamava-se navio negreiro Os navios atravessavam o oceano atlacircntico e isso durava meses de muito sofrimento Quem mais sofria nessa viagem eram as crianccedilas pois natildeo tinham o que comer beber vestir dormir e brincar Elas choravam assustadas ao ver tanta dor e sofrimento As matildees faziam de tudo para diminuir aquela dor e trazer um pouco de alegria para seus filhos Sabendo que Maria gostava muito de bonecas a matildee dela resolveu cortar pedaccedilos de sua roupa para fazer uma boneca para ela A matildee de Maria e outras mulheres em um gesto de amor rasgam suas roupas com as proacuteprias matildeos e fazem bonecas muito especiais chamadas Abayomi Satildeo pequenas bonecas negras feitas de pano e sem costura apenas com noacutes ou tranccedilas A palavra abayomi tem origem no Iorubaacute e significa aquele que traz felicidade ou alegria Sabemos que o ato de rasgar as roupas com suas proacuteprias unhas representa um grande gesto de amor de uma matildee que quer ver seu filho feliz A matildee de Maria estava dando o que ela tinha de melhor as suas vestes Dar uma boneca Abayomi a algueacutem eacute um ato de carinho e nobreza Desde esse dia Maria guardou com muito cuidado e carinho o presente de sua matildee Quando em 1804 chegou ao Brasil aos 12 anos ela carregava sua boneca no colo Infelizmente foi separada de sua famiacutelia e vendida para um senhor de engenho em Salvador Aos 18 anos foi transferida para o Rio de Janeiro E com 24 chegou no Porto de Piedade em Mageacute Cidade onde construiu um linda histoacuteria mas que poucos tiveram o privileacutegio de conhecer Vamos assim como Maria confeccionar uma abayomi e presentear a quem noacutes amamos38
37 Importante ressaltar que os negros natildeo nasceram escravos A expressatildeo escravizados marca um processo de pessoas que sofreram com a escravidatildeo Jaacute a expressatildeo escravo remete a condiccedilatildeo de quem foi considerado como uma simples mercadoria 38 Releitura da histoacuteria da boneca Abayomi resignificada a partir da biografia da liacuteder quilombola mageense Maria Conga Esta narrativa foi construiacuteda por mim a fim compor a oficina de contaccedilatildeo de histoacuterias
52
A narrativa acima abre a oficina que resgatou a histoacuteria da liacuteder quilombola mageense
Maria Conga39
Maria Conga nasceu no Continente africano no ano de 1792 Veio para o Brasil pilhada junto com seus pais e irmatildeos por volta de 1804 Ganhou a liberdade apoacutes 11 anos de trabalho e logo foi alforriada por volta do ano 1854 Aos 35 anos de idade assumiu o compromisso de lutar pela liberdade e dignidade de sua raccedila Dela ficou a lembranccedila de que nunca a viu chorar Contavam que foi estuprada pelo senhor de engenho e que ele tinha tomado seu corpo poreacutem natildeo a sua alma Mulher de luta mulher guerreira Maria fez histoacuteria no municiacutepio de Mageacute A partir de sua alforria Maria iniciou sua trajetoacuteria como lideranccedila deste quilombo Recebendo aqui os escravos fugidos de diversas outras comunidade e fazendas que jaacute conheciam ou ouviram falar da mulher que Maria era e representava para todos eles Aqui Maria vivia com orgulho Aqui Maria mulher negra escrava guerreira alforriada protegia seus irmatildeos e os acolhia Aqui morreu Maria Maria Guerreira Que veio do Congo Orgulho de ser Quilombola40
Esta oficina foi dividida em duas partes em um primeiro momento foi realizada a
contaccedilatildeo de histoacuteria para os pais e estudantes das duas turmas de Educaccedilatildeo Infantil (Preacute-
escolar I e II)41 e no segundo momento foi realizada a confecccedilatildeo de bonecas abayomis
onde as matildees tias avoacutes e irmatildes dos estudantes agrave moda das negras confeccionaram
bonecas com apenas alguns pedaccedilos de pano para a diversatildeo de suas crianccedilas
Os fios condutores da elaboraccedilatildeo desta oficina foram alguns dos valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e femininos representados pela oralidade ludicidade memoacuteria
cooperativismo e ancestralidade Evidenciar a histoacuteria de uma mulher quilombola que eacute
hoje esquecidadesconhecida em sua proacutepria ldquoaldeiardquo por meio desses valores foi o
objetivo desta oficina
Esta pesquisa com os atores sociais de uma escola no Municiacutepio de Mageacute natildeo estaria
completa sem o descortinar das memoacuterias da ancestral negra pobre e guerreira que lutou
ateacute o fim da vida pelos seus representando para noacutes uma heroiacutena a contrapelo
Certamente as relaccedilotildees de poder que classificam excluem e segregam fizeram questatildeo de
39 Maria Conga foi reconhecida no ano de 1988 (centenaacuterio da Aboliccedilatildeo da escravatura) heroiacutena negra mageense No ano de 2007 o quilombo por onde passou torna-se reconhecido por seu valor histoacuterico pela Fundaccedilatildeo Palmares 40 Narrativa do documentaacuterio Maria Conga Orgulho de ser Quilombola Disponiacutevel em lthttpcinemina pontodevisaoblogspotcombrgt Consultado em 06042016 41 Esta oficina foi realizada nas duas turmas tendo duraccedilatildeo de 1h30 minutos
53
submergir a imagem desta personalidade por meio do racismo e preconceito42 Natildeo
obstante enquanto professora-pesquisadora mageense e sensiacutevel aos silenciamentos
acerca do passado e dos heroacuteis que a histoacuteria oficial natildeo privilegia eacute que me movo em
direccedilatildeo agraves praacuteticas inclusivas que propotildeem um olhar diferenciado para o outro da
diversidade
Entendemos que para ser universal eacute preciso comeccedilar pintando a proacutepria aldeia De
fato os primeiros traccedilos de uma educaccedilatildeo inclusiva para a diversidade comeccedilaratildeo a ganhar
nuances quando em nossas praacuteticas cotidianas rompermos com a educaccedilatildeo monocultural
machista e reducionista que o sistema educacional nos impotildee Quando o professor
compreender que seu saber eacute poder suas ldquoartes de fazerrdquo (CERTEAU 1994) o levaratildeo a
ldquoaldeiasrdquo ateacute entatildeo inimaginaacuteveis
Portanto reforccedilo que urge o rompimento de praacuteticas educativas excludentes que
marginalizam as histoacuterias locais e de seus heroacuteis e heroiacutenas sejam brancos negros ou
indiacutegenas Os nossos estudantes tecircm o direito de ouvir e contar outras histoacuterias histoacuterias
de seu povo de um passado que ainda sobrevive nos seus modos de falar agir danccedilar
sorrir e brincar
A proposta pensada inicialmente era a contaccedilatildeo de histoacuteria para os estudantes
seguida da confecccedilatildeo das bonecas abayomis com o auxiacutelio da professora regente e da
bolsista de extensatildeo No entanto apoacutes reflexotildees sobre os proacuteprios valores da cultura afro-
brasileira e tambeacutem sobre a necessidade de tornar conhecida ndash em maior extensatildeo ndash a
histoacuteria de uma heroiacutena negra mageense talvez nunca antes contada nas escolas de Mageacute
decidimos convidar as matildees avoacutes tias e irmatildes para participarem desse momento
Reconhecendo a potecircncia da accedilatildeo coletiva na educaccedilatildeo da crianccedila e recordando o
valores civilizatoacuterios afro-brasileiro do cooperativismo memoacuteria e ludicidade iniciamos a
dinamizaccedilatildeo da histoacuteria para tornar conhecida a vida da menina Maria que veio do Congo
A oralidade por meio da contaccedilatildeo de histoacuteria nos permitiu compartilhar saberes e
ao passo que eu a narrava sabia que natildeo estava soacute pois os olhares que se voltavam para
mim estavam afetados de algo que chamo de Ubuntu filosofia africana que diz que ldquoeu sou
porque noacutes somosrdquo
42 A figura de Maria Conga eacute na religiatildeo de matriz afro-brasileira (Umbanda) considerada como uma entidade espiritual
54
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) Fonte Arquivo pessoal da autora
Ao longo do enredo a fala vinha acompanhada de imagens43 do artista francecircs Jean-
Baptiste Debret do pintor alematildeo Johann Moritz Rugendas e do fotoacutegrafo franco-brasileiro
Marc Ferrez Estes representaram o sofrimento de nossos ancestrais no Navio Negreiro e
as relaccedilotildees crueacuteis estabelecidas entre os senhores brancos e os africanos escravizados Ao
longo da narrativa era possiacutevel perceber os olhares atentos para a vida daquela Maria
Esta que era uma deles e eles naquele momento jaacute faziam parte dela Ao final uma matildee
surpreendida com a histoacuteria disse ter gostado do que ouviu e lamentou natildeo a ter
aprendido no tempo em que esteve na escola
Estaacutevamos formando pessoas que contariam essa histoacuteria para as futuras geraccedilotildees
Essa experiecircncia nos provocou a pensar na importacircncia de extrapolar os muros da escola
de modo que todos sejam afetados e assim afetem outras consciecircncias De certo que
concordamos com a sabedoria dos povos indiacutegenas e africanos quando afirmam que ldquoeacute
preciso uma aldeia inteira para educar uma crianccedilardquo
43 No iniacutecio do seacuteculo XIX Jean-Baptiste Debret retratou o cotidiano dos senhores e dos escravizados em uma das missotildees artiacutesticas francesas pelo Brasil O alematildeo Johann Moritz Rugendas pintou os povos e costumes que encontrou durante suas viagens pelo Brasil no periacuteodo de 1822 a 1825 Marc Ferrez (1843-1923) foi um fotoacutegrafo que retratou cenas do Impeacuterio e iniacutecio da Repuacuteblica (1865 e 1918) Seu trabalho eacute um dos mais importantes legados visuais daquelas eacutepocas Todas as imagens utilizadas na oficina estatildeo no anexo 722
55
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso
ldquoVou te contar os olhos jaacute natildeo podem ver rdquo (Tom Jobim)
Imaginemos um povo arrancado brutalmente de sua terra que atravessou o Atlacircntico em tumbeiros escravizado humilhado mas que natildeo perdeu a capacidade de sorrir de brincar de jogar de danccedilar e assim conseguiu marcar a cultura de um paiacutes com este profundo desejo de viver e ser feliz Isso resume a ludicidade na perspectiva a favor da vida da humanidade da sobrevivecircncia A alegria frente ao real ao concreto ao aqui e ao agora da vida (Ludicidade Da Cor da Cultura)44
Abayomi que na liacutengua Iorubaacute representa encontro precioso (Abay ndash encontro Omi
ndash precioso) eacute feita de pano (podendo ser retalhos) noacutes e sem qualquer costura Natildeo possui
nariz boca olhos e orelhas justamente para representar os vaacuterios povos de diferentes
civilizaccedilotildees e reinos que aqui chegaram Confeccionar uma boneca Abayomi eacute ir ao
encontro de sentimentos bons e nobres de uma gente que sabe que soacute vai ser feliz quem
viver para fazer da existecircncia do outro mais leve mais livre e mais fecunda
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
44 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
56
Apoacutes a confecccedilatildeo da boneca com a ajuda das mulheres (matildees avoacutes tias e irmatildes) que
ali estavam e de noacutes professoras e bolsista ficou acordado com elas que dessem a boneca
de presente para seus filhos da mesma maneira que evidencia a histoacuteria Contudo aquelas
crianccedilas que por ventura natildeo tiveram a presenccedila de seus responsaacuteveis fariam o inverso
Assim ao chegar em casa contariam para sua famiacutelia a histoacuteria presenteando algueacutem da
famiacutelia com a boneca
Em seguida permitimos que os estudantes45 brincassem entre si de modo que fosse
um momento de folga pausa e relaxamento criteacuterios entendidos como fundamentais na
constituiccedilatildeo do brincar segundo as Diretrizes Curriculares para a Educaccedilatildeo Infantil
(DCNEI46)
Na brincadeira eacute possiacutevel perceber os modos de representaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da
crianccedila por meio da linguagem do pensamento das accedilotildees Desse modo eacute evidenciado
uma caracteriacutestica muito proacutepria da crianccedila a sua identidade enquanto produtora de
cultura Ela natildeo apenas reproduz comportamentos sociais como tambeacutem os reinventa de
maneira criativa e singular
Em um dado momento da interaccedilatildeo percebi que os meninos estavam bastante
eufoacutericos com aquele artefato Me aproximei afim de entender as relaccedilotildees que estavam
sendo estabelecidas Certamente influenciada pelos estereoacutetipos de gecircnero acreditei que
fosse ter conflitos entre os meninos ao propor a confecccedilatildeo de bonecas Me surpreendi
com o modo que eles burlaram o sistema de regras socialmente construiacutedas onde
esperamos coisas diferentes de meninos e meninas (SILVA 2007 p 92)
Ao me aproximar desses atores provoquei-os questionando sobre os nomes que
dariam para suas bonecas O primeiro estudante titubeou em responder enquanto os
colegas gritavam vaacuterios nomes dentre eles Ana Mas o que agradou foi Emanuele Logo os
proacuteximos estudantes afirmaram natildeo se tratar de uma boneca mas um boneco e
escolheram os seguintes nomes Silvio Santos Ratinho Moiseacutes Aaratildeo Estes dois uacuteltimos
segundo eles eram por causa da novela ldquoOs dez mandamentosrdquo47 Alguns apontaram para
as roupas (eram vestidos e saias) demonstrando sua semelhanccedila com os personagens
45 A partir desse momento estaremos fazendo menccedilatildeo aos estudantes do Preacute-escolar II 46 Definidas pela Resoluccedilatildeo CNECEB ndeg 5 de 17 de dezembro de 2009 47Os Dez Mandamentos eacute uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Record Escrita por Vivian de Oliveira e com direccedilatildeo geral de Alexandre Avancini Eacute uma adaptaccedilatildeo de quatro dos livros que compotildeem a Biacuteblia Ecircxodo Leviacutetico Nuacutemeros e Deuteronocircmio
57
biacuteblicos do antigo testamento A imaginaccedilatildeo e a criatividade dos estudantes transformaram
suas bonecas em personagens outros nos levando a refletir sobre o fato de que ao brincar
a crianccedila se apropria de elementos do meio sociocultural de origem (DELGADO MULLER
2005 p 163)
Neste instante pude compreender na relaccedilatildeo com a cultura infantil a reproduccedilatildeo
interpretativa na empiria e o quanto o diaacutelogo entre os pares (crianccedilas) revela os interesses
e saberes para os que estatildeo no entorno Ao relacionarem a boneca a algo que lhes eacute
familiar os estudantes estatildeo reproduzindo a cultura em que vivem fazendo uso da
imitaccedilatildeo de modo criativo e prazeroso A respeito do prazer concordamos com Gomes
(2008) quando afirma
As crianccedilas natildeo adiam o prazer ao contraacuterio buscam-no nas suas brincadeiras e nos jogos e para isso utilizam as brechas modificam e rompem ndash ainda que momentaneamente ndash com os gostos as crenccedilas as regras e os valores culturais Assim elas vivenciam as regras e tecircm experiecircncias imediatas diversas e uacutenicas que alteram e destroem as
significaccedilotildees da vida cotidiana (p 187)
Diante do exposto eacute possiacutevel afirmar que o cotidiano da Educaccedilatildeo Infantil estaacute
repleto de desafios que precisam ser evidenciados E mesmo sendo este trabalho de
pesquisa voltado para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais dentro da perspectiva da
diversidade e da inclusatildeo se faz importante dar atenccedilatildeo agraves praacuteticas sexistas tatildeo comuns na
escola que limitam a percepccedilatildeo da pluralidade humana
Nossa experiecircncia com essa oficina nos levou a reafirmar que a crianccedila eacute capaz de
burlar a visatildeo monoliacutetica e reprodutivista da educaccedilatildeo quando na relaccedilatildeo com o outro eacute
permitido o exerciacutecio pleno de sua imaginaccedilatildeo curiosidade e criatividade
44 OFICINA 4 - UMA SENSIBILIZACcedilAtildeO PARA A PEDAGOGIA GRIOcirc
A fala a palavra dita ou silenciada ouvida ou pronunciada ndash ou mesmo segregada ndash tem uma carga de poder muito grande Pelana oralidade os saberes poderes quereres satildeo transmitidos compartilhados legitimados Se a fala eacute valorizada a escuta tambeacutem eacute O conto a lenda a histoacuteria a muacutesica o dito o natildeo dito o fuxico A palavra carrega uma grande e poderosa carga afetiva (Oralidade ndash A Cor da Cultura48)
48 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
58
Esta quarta oficina foi dividida em dois periacuteodos distintos que compreenderam a
contaccedilatildeo de histoacuteria por parte das avoacutes agraves quais chamamos de griocirctes e um segundo
momento que foi a representaccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos estudantes do Preacute-escolar
I e II por meio de massinha de modelar para que em uma fase posterior tais produccedilotildees se
transformassem em um viacutedeo animado para ser compartilhado na rede social49
Tendo em vista que cada oficina dura cerca de 50 minutos a 1h e que acontece uma
vez por semana precisamos de trecircs semanas para concluir com os estudantes a
representaccedilatildeo das histoacuterias que ouviram Ao todo as etapas desta 4ordf oficina
compreenderam um mecircs de duraccedilatildeo nas duas turmas que denominarei de Turma A e
Turma B A seguir descrevo as potencialidades dessas accedilotildees
Ao reconhecer a fecundidade da palavra ndash dita cantada silenciada ndash na construccedilatildeo
de um indiviacuteduo trazemos para esta oficina uma accedilatildeo que buscou valorizar os aspectos da
tradiccedilatildeo oral uma vez que vivemos em uma sociedade hierarquicamente grafocecircntrica
Importante sinalizar que o caraacuteter letrado da escola natildeo lhe confere status de democraacutetica
no acesso aos bens culturais ndash sobretudo aos bens imateriais ndash uma vez que os saberes
reconhecidos estatildeo limitados aos conhecimentos cientiacuteficos produzidos por um
determinado grupo
Entendemos que os saberes da experiecircncia dos atores da comunidade satildeo tatildeo
importantes quanto os conhecimentos cientiacuteficos que permeiam a loacutegica da escola Por
esse motivo esta oficina objetivou vincular os saberesfazeres dos idosos (avoacutes dos
estudantes) da comunidade com as vivecircncias cotidianas da praacutetica escolar Eacute sabido que
quanto mais proacutexima a comunidade estiver da escola mais potente se torna o processo de
ensino aprendizagem A sabedoria africana que jaacute mencionamos de que eacute preciso toda
uma aldeia para educar uma crianccedila ganha forccedila e legitimidade em nossas accedilotildees que
prezam pela coletividade e cooperativismo
Assim conduzidos principalmente pela perspectiva dialoacutegica onde o conhecimento
se constroacutei pela interaccedilatildeo entre e com o outro abrimos as portas da escola para que novas
relaccedilotildees fossem estabelecidas Privilegiamos a figura da avoacute nesse momento por ela
representar uma personalidade que carrega histoacuterias de vida ricas de afetos sensibilidade
e memoacuterias que por vezes ficaram esquecidas no imaginaacuterio coletivo Aleacutem disso
49 O viacutedeo eacute encontrado na paacutegina do projeto httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnicoraciais artesdefazer
59
buscamos descontruir valores hierarquizados de nossa sociedade ndash fruto da loacutegica
ocidental ndash onde o idoso natildeo possui importacircncia social pois jaacute natildeo tem o vigor de outrora
para beneficiar o mercado capitalista com sua forccedila de trabalho Inevitavelmente essa
ideia se perpetua por diversas instituiccedilotildees sociais chegando agrave escola de maneira sutil
Contudo o nosso objetivo eacute romper com esses valores dominantes entatildeo legitimados e
propor novos olhares sobre os mais velhos que segundo a ancestralidade africana
possuem um saber-poder imbuiacutedo de um grande legado o de ter sido testemunha e
sobrevivente da histoacuteria
Desse modo nos apropriamos da Pedagogia Griocirc como um caminho metodoloacutegico
possiacutevel para construccedilatildeo de experiecircncias instituintes onde a vida eacute valorizada na sua
integralidade Tal pedagogia tem ligaccedilatildeo direta com a memoacuteria oralidade ancestralidade
dentre outros valores
Criada pela educadora Lilian Pacheco50 a Pedagogia Griocirc dialoga com metodologias
ativas como educaccedilatildeo biocecircntrica dialoacutegica educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais arte
educaccedilatildeo comunitaacuteria e educaccedilatildeo para a corporeidade A idealizadora desta proposta
vislumbrou romper com a loacutegica cientiacutefico instrumental da escola por meio da valorizaccedilatildeo
do patrimocircnio cultural brasileiro (danccedila contos lendas tradiccedilotildees) Ao evidenciar os
saberes tradicionais a partir da oralidade eacute dado a entender que o conhecimento natildeo eacute
propriedade de determinados grupos (letrados diga-se de passagem) tatildeo pouco estaacute
restrito aos livros
Com isso a figura do mestre griocirc ganha destaque De origem francesa a palavra griot
eacute traduzida para o portuguecircs ganhando as seguintes expressotildees griocircs (homens) e griocirctes
(mulheres) Segundo Pacheco (2006) os griocircs satildeo oriundos da regiatildeo do Mali51 paiacutes
colonizado por franceses A partir de uma reinvenccedilatildeo dos portugueses podemos entendecirc-
los como aqueles que gritavam em praccedila puacuteblica afim de tornar conhecida e jamais
esquecida suas memoacuterias tradiccedilotildees e ancestralidade Assim de maneira mais completa o
griocirc eacute entendido como
() todo(a) cidadatildeo(atilde) que se reconheccedila e seja reconhecido(a) pela sua proacutepria comunidade como herdeiro(a) dos saberes e fazeres da tradiccedilatildeo
50 Conceito criado pela educadora Lilian Pacheco coordenadora da ONG Gratildeos de Luz (LenccediloacuteisBA) Para outras informaccedilotildees consultar httpwwwacaogrioorgbr 51 Paiacutes situado ao Noroeste da Aacutefrica
60
oral e que atraveacutes do poder da palavra da oralidade da corporeidade e da vivecircncia dialoga aprende ensina e torna-se a memoacuteria viva e afetiva da tradiccedilatildeo oral transmitindo saberes e fazeres de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo garantindo a ancestralidade e identidade do seu povo52
Assim partindo da perspectiva do conceito de griocirc como universalizante por agregar
todos os segmentos de tradiccedilatildeo oral ndash muacutesicos rezadeiras cordelistas benzedeiras
poetas contadores de histoacuteria genealogistas dentre outros ndash nos apropriamos da
pedagogia que carrega princiacutepios da ancestralidade africana sob um vieacutes dialoacutegico com a
comunidade escolar Importante afirmar que um dos objetivos de nossa proposta de
pesquisa se justifica por entendermos que os conhecimentos da tradiccedilatildeo oral natildeo podem
se perder e que quando dialogados com a cultura escolar ndash que eacute fundamentalmente
escrita ndash ganham maiores significados para os atores da escola Portanto reconhecendo
que nossos atores sociais gritam silenciosamente em accedilotildees e omissotildees para serem
reconhecidos em suas subjetividades e nas suas histoacuterias de vida eacute que contamos histoacuterias
ateacute entatildeo nunca pronunciadas compartilhadas e sentidas naquele lugar do saber Entram
em cena as narradoras de Conceiccedilatildeo de Suruiacute nossas avoacutes nossas griocirctes
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II)
Taacute vendo essa estrada aiacute que vocecircs andam O pai o avocirc os tios de vocecircs que trabalharam na pedreira que ajudaram a construir Cada pedrinha que tem nessa estrada aiacute eacute do pai de vocecircs eacute do avoacute do Davi E vocecircs sabem porque eles trabalharam tanto Para fazer uma estrada boa para vocecircs andarem irem para o coleacutegio Quase todos os pais avoacutes tios de vocecircs trabalharam no calccedilamento da estrada Hoje quando chove ningueacutem tem que andar na lama (Vovoacute Ivete)
A narrativa acima eacute da avoacute de um estudante do Preacute-escolar II Dona Ivete assim como
eacute conhecida na regiatildeo tem 58 anos de idade e tem nanismo A escolha por ela ocorreu
porque estamos em um contexto onde a inclusatildeo da vida na sua diversidade deve ser uma
constante Por esse motivo foi com grande satisfaccedilatildeo que recebemos esta vovoacute que com
disponibilidade e afeto narrou memoacuterias de Conceiccedilatildeo de Suruiacute e de seus moradores de
uma maneira que muito nos surpreendeu
52 Informaccedilotildees disponiacuteveis na paacutegina da iniciativa Gratildeos de Luz e Griocirc ponto de cultura de onde iniciou a Pedagogia Griocirc httpwwwacaogrioorgbracao-grio-nacionalo-que-e-grio
61
Figura 7 A vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade Fonte Arquivo pessoal da autora
Vale destacar que natildeo houve um roteiro preacutevio porque nosso objetivo era que a vovoacute
nos fornecesse elementos de sua memoacuteria afetiva e tambeacutem optamos que o diaacutelogo com
as crianccedilas fosse o mais espontacircneo possiacutevel Dessa maneira ela inicia sua narrativa
remetendo agrave figura do neto enquanto algueacutem que tem histoacuterias a contar sobretudo
porque satildeo histoacuterias da comunidade que tecircm relaccedilatildeo direta com seus pais e avoacutes Assim
a vovoacute evidencia uma fase da histoacuteria que considera marcante natildeo soacute para ela mas para
todos daquela regiatildeo rural que foi a pavimentaccedilatildeo da estrada de Conceiccedilatildeo de Suruiacute Ao
passo que trazia os fatos descritos acima os estudantes dialogavam demonstrando
pertencimento ao que estava sendo dito sobretudo quando dizia a respeito da
participaccedilatildeo de suas famiacutelias na construccedilatildeo da estrada No processo ouvimos as seguintes
falas
ldquoMeu pai jaacute trabalhou na pedreira de carretardquo ldquoMinha avoacute falou que meu pai fez essas pedras pra colocar na ruardquo ldquoMeu avocirc trabalha na pedreira Ele coloca pedra nos caminhotildeesrdquo (Estudantes do Preacute II)
Nesse momento foi possiacutevel validar alguns dos objetivos da Pedagogia Griocirc dos
quais destacamos protagonismo dos sujeitos envolvidos que aqui evidenciamos o
62
protagonismo infantil e a criaccedilatildeo de viacutenculo afetivo com o passado com os
saberesfazeres da ancestralidade Mas esta pedagogia natildeo se limita agraves questotildees pontuadas
Para aleacutem delas eacute possiacutevel desenvolver habilidades e competecircncias que envolvem
corporeidade musicalidade religiosidade dentre outros aspectos
Para concluir evidenciamos que nossa griocircte a vovoacute Ivete parece entender bem o
poder da palavra compartilhada visto que atraiu a atenccedilatildeo de todos para si para suas
histoacuterias que tambeacutem eram as histoacuterias de vida daqueles estudantes Ficou entendido
naquele encontro que a regiatildeo em que vivem tem muitas memoacuterias que dialogam com o
presente E que os protagonistas satildeo os proacuteprios moradores da regiatildeo avoacutes pais tios
crianccedilas e adultos
Importante ressaltar que essa proposta buscou realizar um duplo movimento
empoderar quem conta a narrativa mas tambeacutem aquele que ouve Nessa troca dialoacutegica
eacute impossiacutevel natildeo trazer para a conversa o consagrado educador popular Paulo Freire
quando afirma que ldquoquem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprenderrdquo (FREIRE 2007 p 23)
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I)
E as histoacuterias natildeo podem parar
Quem reabre as janelas da histoacuteria que eacute continuidade da anterior eacute a dona Faacutetima
Ela eacute avoacute de uma estudante do Preacute-escolar II sempre morou na regiatildeo e tem 48 anos
Quando convidada para estar conosco compartilhando um pouco de suas memoacuterias dona
Faacutetima nos fez alguns questionamentos pois natildeo sabia por onde comeccedilar E um dos
motivos que a deixou insegura foi o fato de natildeo entender suas memoacuterias e da comunidade
onde cresceu como parte de uma histoacuteria que merece ser contada
Apoacutes algumas conversas dona Faacutetima parece ter entendido que em suas memoacuterias
poderiam ter aspectos importantes e interessantes E que desvelaacute-las seria uma
possibilidade de tornar conhecidos fatos marcantes da vida de uma comunidade que tem
sido desconsiderada ao longo do tempo Dessa maneira nossa griocircte de Conceiccedilatildeo de
Suruiacute pocircs-se a narrar suas vivecircncias mas natildeo soacute as dela fala tambeacutem de um grupo que
63
tem sobrevivido ao longo da histoacuteria por meio de muita luta por melhores condiccedilotildees de
vida E que hoje continua enfrentando desafios de vaacuterias ordens
Quando falamos que esta narrativa eacute continuidade da anterior natildeo eacute por acaso Vovoacute
Faacutetima traacutes para noacutes histoacuterias de trabalhadores da regiatildeo que transformaram suas
realidades a partir do trabalho Vovoacute Faacutetima relembra como foi sua infacircncia e juventude
naquela regiatildeo quando natildeo existia energia eleacutetrica nas ruas calccedilamento na estrada
transporte puacuteblico e estabelecimentos comerciais
ndash No meu tempo de crianccedila quando chovia as ruas ficavam cheias de lama com buracos Para sair de casa era muito difiacutecil Ocircnibus aqui nem sonhava em ter Natildeo tinha postes nas ruas Era uma escuridatildeo Hoje temos ruas iluminadas a estrada calccedilada e ocircnibus de hora em hora (Vovoacute Faacutetima)
A griocircte falava para duas turmas o Preacute-escolar II e o 1deg ano Enquanto narrava todos
estavam atentos e curiosos em descobrir o passado que eacute ao mesmo tempo tatildeo presente
em seus cotidianos visto que ainda haacute inuacutemeros problemas de infraestrutura baacutesica que
afetam diretamente a vida escolar daqueles estudantes Infelizmente o calccedilamento soacute
chegou na estrada principal As ruas que fazem ligaccedilatildeo com a estrada ficam em condiccedilotildees
precaacuterias quando chove aleacutem do transporte puacuteblico natildeo passar por elas E isso representa
um grande problema visto que alguns dos estudantes moram em lugares de difiacutecil acesso
tendo que andar mais de 2km para chegar na escola Um dos estudantes sinalizou que o
ocircnibus demora muito Tivemos que concordar pois satildeo poucos os coletivos que estatildeo
disponibilizados para rodar naquela aacuterea rural
Apoacutes suscitar reflexotildees acerca de questotildees estruturais do bairro as memoacuterias de
dona Faacutetima se encaminharam para uma outra importante fase da histoacuteria daquela regiatildeo
ao fazer menccedilatildeo ao engenho de farinha de mandioca que existe ali Para dialogar com ela
a vovoacute faz referecircncia a uma estudante do 1deg ano que eacute neta do responsaacutevel pelo engenho
A menina de 7 anos explica em detalhes para todos como eacute produzida a farinha de
mandioca mostrando-se sabedora daquele processo artesanal Todos escutaram
atentamente a brilhante narrativa da menina pois precisavam saber como eacute feito o
alimento que tanto gostam e que geralmente natildeo falta em seus lares a Farinha Suruiacute
64
Alimento este que nos finais de semana especiais se transforma em ldquofarofinha com
linguiccedila farofinha com ovordquo53
Nossa griocircte aos poucos foi se apropriando do seu lugar de fala reconhecendo-se
como sujeito histoacuterico que testemunhou fatos e sobrevive participando de novos
contextos com novos atores Oportunizar o (re)conhecimento de histoacuterias reais de vida no
diaacutelogo com o passado reconstroacutei um presente mais esperanccediloso com pessoas que se
enxergam enquanto atores de suas histoacuterias
Figura 8 A vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais Fonte Arquivo pessoal da autora
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias
Pudemos conhecer outras histoacuterias contadas pelos heroacuteis de Conceiccedilatildeo de Suruiacute na
oficina em que aproximamos as memoacuterias das avoacutes com a Pedagogia Griocirc Como sinalizado
anteriormente apoacutes esse momento com as avoacutes na semana seguinte os estudantes fariam
a representaccedilatildeo do que ouviram com uma atividade com massinhas de modelar O objetivo
53 Fala dos estudantes do Preacute-escolar I quando questionados sobre o que faziam com a farinha
65
dessa fase foi a releitura das narrativas de maneira criativa e prazerosa ao utilizar um
recurso pedagoacutegico que eacute parte da rotina escolar de crianccedilas pequenas
E com isso a partir da mediaccedilatildeo buscamos enriquecer os sentidos do estica enrola
amassa movimentos tatildeo comuns quando a crianccedila faz uso da massa de modelar mas que
satildeo caminhos para o desenvolvimento de inuacutemeras competecircncias nessa fase inicial de
escolarizaccedilatildeo54 Dentre as vaacuterias habilidades trabalhadas com o uso da massinha podemos
citar a motora a sensorial a olfativa e a visual
Concluiacuteda essa atividade luacutedica fotografamos suas produccedilotildees e registramos algumas
falas no caderno de campo para que junto das narrativas da griocirctes pudeacutessemos produzir
um pequeno viacutedeo para ser divulgado em miacutedias digitais Com esta proposta vislumbramos
dar um novo sentido aos saberesfazeres que encontramos na Educaccedilatildeo Infantil como
tambeacutem apontar caminhos para o uso das miacutedias digitais enquanto artefato tecnoloacutegico a
favor da praacutetica docente
45 OFICINA 5 - MUSICALIDADE E AS ldquoARTES DE FAZERrdquo
Inicialmente chamamos para a conversa o historiador francecircs Michel de Certeau
(1994) ao utilizarmos a expressatildeo ldquoas lsquoartesrsquo de fazerrdquo que segundo o autor satildeo taacuteticas
criativas que os praticantes do cotidiano ao se apropriarem dos tempos-espaccedilos vatildeo
criando
O trabalho com a linguagem musical eacute um desafio por se tratar de um campo de
conhecimento rico em sensibilidade poeacutetica percepccedilatildeo experimentaccedilatildeo criaccedilatildeo e
reflexatildeo Mesmo assim ainda eacute pouco explorado Consideramos que o seu
aprofundamento eacute potencialmente capaz de promover reflexotildees e apropriaccedilotildees reflexivas
pelos praticantes do cotidiano de forma que sejam estimulados a criarem suas ldquoartes de
fazerrdquo
Descobri no meu dia a dia uma maneira de compartilhar saberes de forma luacutedica
prazerosa criativa e reflexiva com estudantes da Educaccedilatildeo Infantil Apostando na
musicalidade como um valor civilizatoacuterio afro-brasileiro realizei oficinas que foram
54 Esse termo deve ser entendido no sentido de proporcionar agrave crianccedila o amparo necessaacuterio para seu desenvolvimento integral e natildeo a escolarizaccedilatildeo precoce
66
divididas em etapas das quais identifico como sensibilizaccedilatildeo da muacutesica escolha do
repertoacuterio e reinvenccedilatildeo musical apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais confecccedilatildeo de
objetos sonoros gravaccedilatildeo do repertoacuterio e compartilhamento do mesmo Todas essas
etapas foram realizadas com as turmas de Preacute-escolar I e II e tiveram duraccedilatildeo de 5 semanas
considerando que para cada encontro foram usados 50 minutos de aula uma vez por
semana
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica
4511 Preacute-escolar II
A proposta inicialmente foi apresentar aos estudantes trecircs cantigas populares com
as quais eles iriam interagir e refletir sobre a letra a partir da mediaccedilatildeo docente Vale
ressaltar que durante as etapas a participaccedilatildeo da professora regente foi fundamental para
a consolidaccedilatildeo das accedilotildees visto que para cada oficina dispusemos apenas de 50 minutos
semanais Vale destacar que em grande parte dessas oficinas a professora regente
participou durante e posteriormente consolidando alguns conhecimentos como a
apropriaccedilatildeo da letra da muacutesica
As muacutesicas apresentadas foram ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de Joacuterdquo55
Iniciamos a escuta das muacutesicas e frisei que teriacuteamos de escolher a que fosse mais legal para
gravarmos A primeira foi ldquoNa Bahia temrdquo cantiga do folclore brasileiro
Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem
Na Bahia tem vou mandar buscar Lampiatildeo de vidro ocirc baiana ferro de engomar
Na Bahia tem vou mandar buscar Maacutequina de costura ocirc baiana fole de assoprar
Os estudantes natildeo a conheciam Natildeo obstante a cada verso explorado eles
manifestavam suas percepccedilotildees ideias e certezas Logo alguns fizeram relaccedilotildees com
55 Cantigas populares encontradas em httpwwwletrascombrmusicas-infantisescravos-de-jo
67
questotildees cotidianas Um estudante disse que em sua casa tem coco Entatildeo uma das
crianccedilas pediu para escrever a palavra coco no quadro Questionei se sabiam o que era
ferro de engomar ao que um estudante respondeu corretamente O mesmo disse saber o
que era lampiatildeo e outros reforccedilaram sua resposta ao dizer que se tratava de um tipo de
lacircmpada para clarear quando Conceiccedilatildeo de Suruiacute (bairro onde moram) natildeo tinha luz
Me apropriei das interpretaccedilotildees e do contexto da muacutesica que remete agrave Bahia para
rememorar a histoacuteria da quilombola mageense Maria Conga que veio da Aacutefrica se
estabelecendo primeiramente na Bahia antes de chegar em Mageacute Em oficina anterior os
estudantes aprenderam que a menina Maria veio do Congo paiacutes da Aacutefrica Junto com ela
vieram outros africanos que foram obrigados a trabalhar forccediladamente sem receber
nenhum dinheiro Por isso os negros eram chamados de escravos Um dos estudantes
entatildeo disse que onde ele mora moraram ldquoescravosrdquo Certamente ele estava fazendo
alusatildeo agrave Fazenda Santa Margarida lugar conhecido na regiatildeo por ter tido pessoas
escravizadas e ateacute hoje possui resquiacutecios de paredes da senzala e correntes
A segunda muacutesica apresentada foi ldquoEscravos de Joacuterdquo todos danccedilaram e disseram
conhecer a muacutesica da Galinha Pintadinha56
Escravos de Joacute Jogavam caxangaacute
Tira potildee
Deixa ficar
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
A terceira muacutesica foi ldquoSamba Lelecircrdquo Extremamente eufoacutericos por jaacute conhecerem toda
a letra da muacutesica cantaram e danccedilaram quando ensaiei uma coreografia
Samba Lelecirc taacute doente
Taacute com a cabeccedila quebrada Samba Lelecirc precisava
Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc
56 Desenho animado infantil criado por Juliano Prado e Marcos Luporini
68
samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Samba Lelecirc taacute doente Taacute com a cabeccedila quebrada
Samba Lelecirc precisava Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc Samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Em um segundo momento sugeri uma votaccedilatildeo para saber a muacutesica da preferecircncia
da turma ldquoSamba Lelecircrdquo venceu Apoacutes a votaccedilatildeo refletimos sobre a muacutesica que afirma que
a menina estaacute doente e precisa de umas boas palmadas Questionei sobre o que temos que
ter quando estamos doentes E continuei a provocaccedilatildeo perguntando ldquoapanhar cura a
doenccedilardquo Em coro disseram que natildeo pois quando ficam doentes eles recebem remeacutedio e
carinho Propus entatildeo que mudaacutessemos a letra da muacutesica trocando a palavra palmadas
por outra
Mas tinha um detalhe a palavrinha tinha que rimar com palmadas Alguns falaram
palavras com sentido mas sem a rima Logo um estudante sugeriu ldquopaparacadardquo Natildeo foi
preciso muito para entendermos (eu e a professora regente) que se tratava de paparicada
Todos concordaram e jaacute comeccedilaram a ensaiar a muacutesica com a nova versatildeo
4512 Preacute-escolar I
O caminho percorrido com o Preacute-escolar I foi o mesmo que realizamos com o Preacute II
Foram apresentadas as trecircs cantigas aos estudantes e os questionamos sobre se algueacutem as
conhecia Duas delas eram bastante familiares Samba Lelecirc e Escravos de Joacute Assim durante
a escuta das muacutesicas os estudantes danccedilaram cantaram bateram palmas e ensaiaram uns
passinhos Contudo passado esse momento propus que escolhecircssemos uma muacutesica para
que gravaacutessemos A escolha seria por votaccedilatildeo vencendo aquelas que tivessem mais votos
Para minha surpresa a voz de uma menininha laacute no fundo da sala brada ldquondash Eu
escolho todasrdquo Logo em seguida outros estudantes opinaram querendo que gravaacutessemos
natildeo soacute uma mas as trecircs cantigas populares ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de
69
Joacuterdquo Considerando as vozes e os desejos daqueles atores sociais concordei57 em realizar a
gravaccedilatildeo de todas as muacutesicas Assim comeccedilamos a explorar a letra e melodia de cada
repertoacuterio58
Assim como na outra turma contextualizamos cada enredo Quando chegou na
muacutesica Samba Lelecirc propusemos a troca da palavra palmada por outra que rimasse ndash
explicamos o que era rima ndash levando-os a refletir sobre a condiccedilatildeo da personagem que se
encontrava doente Prontamente um estudante disse que Lelecirc precisava de uma pomada
Naquele momento pude confirmar que a crianccedila estaacute interpretando de maneira singular a
cultura em que vive e nos surpreende ao burlar o instituiacutedo
Eacute possiacutevel notar que em ambas as turmas buscamos trabalhar diferentes habilidades
e competecircncias como sensibilizaccedilatildeo musical corporeidade concentraccedilatildeo apropriaccedilatildeo
dos sons para a formaccedilatildeo de palavras dentre outras questotildees Todavia a releitura da
muacutesica a partir da criaccedilatildeo de um novo sentido para o enredo me pareceu um movimento
potente para sensibilizar os atores sociais da importacircncia de pensar o outro como legiacutetimo
outro na diferenccedila
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais
O trabalho com os instrumentos musicais se deu por entendermos com o apoio de
Brito (2003) que a linguagem musical deve contemplar dentre outras atividades a
construccedilatildeo de instrumentos e objetos sonoros Eacute sabido que desde a tenra idade a crianccedila
produz sons pela exploraccedilatildeo e de forma afetiva e intuitiva Com o tempo essa exploraccedilatildeo
vai ganhando uma intencionalidade Foi a observacircncia desta intenccedilatildeo musical que
fortaleceu a ideia de aprofundarmos sobre a temaacutetica
Os estudantes durante a escuta das cantigas transformaram suas mesas em
instrumentos sonoros ao bater com as matildeos sobre elas Naquele instante entendemos que
a criaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo de artefatos musicais potencializariam sua relaccedilatildeo com as muacutesicas
que estaacutevamos propondo Para aleacutem disso acredito que o ato de criar desperta no sujeito
a criatividade a organizaccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo entre os pares
57 Essa decisatildeo acabou influenciando a outra turma (Preacute II) que tambeacutem gravaram as trecircs muacutesicas e adoraram essa ideia 58 Ao longo de 3 semanas ateacute a gravaccedilatildeo das cantigas a professora regente auxiliou de maneira singular ao ensaiar as muacutesicas com os estudantes
70
Quando iniciei o trabalho na escola a diretora me informou que haviam alguns
instrumentos musicais guardados e que seria muito interessante utilizaacute-los em minha
proposta Logo fui identificando as muacuteltiplas possibilidades que aquele espaccedilo me
oferecia Quando me deparei com o berimbau o caxixi e o atabaque ndash instrumentos eacutetnicos
ndash pensei nas experiecircncias instituintes que estavam prestes a surgir Naquele momento a
urgecircncia estava em resgatar aqueles instrumentos de dentro do armaacuterio e dar a eles
visibilidade de modo a tornar conhecidas suas raiacutezes culturais
Tomei conhecimento de que os instrumentos eram usados durante as oficinas de
capoeira do Mais Educaccedilatildeo59 No entanto havia meses que eles natildeo estavam sendo
usados pois as atividades haviam sido suspensas Por alguns instantes refleti sobre ateacute
onde a formaccedilatildeo docente inicial e continuada tem alcanccedilado as manifestaccedilotildees poliacutetico-
culturais que propotildeem um rompimento com praacuteticas reducionistas e anti-dialoacutegicas com a
diversidade cultural
Pensei na urgecircncia de aprofundar as conversas com os professores vislumbrando
uma maior reflexatildeo sobre seus papeacuteis de sujeitos criativos muacuteltiplos e fazedores de artes
de artes de fazer
Ao iniciar o trabalho com os instrumentos musicais junto ao Preacute-escolar estes foram
expostos com seus respectivos nomes Foi realizada a contaccedilatildeo de histoacuteria sobre a origem
daqueles instrumentos de musicalidade ressaltando a influecircncia que os homens e
mulheres oriundos das diaacutesporas africanas tecircm sobre eles Para que a apropriaccedilatildeo da
histoacuteria fosse afetiva e efetiva o enredo foi articulado agrave vinda da menina Maria Conga com
seus amigos para o Brasil Foi ressaltado na narrativa que na longa viagem triste e sofrida
os africanos cantavam e tocavam para aliviar a dor Quando chegaram ao Brasil
continuaram tocando mas agraves vezes de forma diferente O berimbau por exemplo era
utilizado pelos negros escravizados para fazer barulho a fim de chamar fregueses na rua
visto que alguns eram vendedores ambulantes O tambor por sua vez foi apresentado
como um objeto sagrado natildeo soacute para os negros mas tambeacutem para os indiacutegenas
59 O Programa Mais Educaccedilatildeo constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induzir a ampliaccedilatildeo da jornada escolar e a organizaccedilatildeo curricular na perspectiva da Educaccedilatildeo Integral Para maiores informaccedilotildees consultar httpportalmecgovbrprograma-mais-educacao
71
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I conhecendo a histoacuteria dos instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
72
Entre uma explicaccedilatildeo e outra falas dos estudantes iam evidenciando que aqueles
objetos lhes eram familiares Alguns meninos jaacute tinham tido contato com a capoeira outros
tocavam pandeiro na igreja O mais surpreendente para as crianccedilas foi o tambor atabaque
A interaccedilatildeo com a diversidade de objetos musicais com diferentes sons e formas
proporcionou grande satisfaccedilatildeo e curiosidade entre os estudantes
453 Confecccedilatildeo dos objetos sonoros
4531 Preacute-escolar II
A confecccedilatildeo dos instrumentos musicais com o Preacute-escolar II ocorreu na semana
seguinte apoacutes o contato com os instrumentos da escola Optamos pelo trabalho com
sucata materiais reciclaacuteveis e tambeacutem com gratildeos durex colorido e paetecircs Estes dois
uacuteltimos seriam para a decoraccedilatildeo dos mini tambores Encaminhamos para casa um recado
solicitando latas de alumiacutenio (de leite em poacute de suplemento e etc) para a confecccedilatildeo dos
objetos
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos Fonte Arquivo pessoal da autora
73
No entanto natildeo tivemos um retorno positivo pois apenas dois estudantes levaram
as latas Mudamos a estrateacutegia para aqueles que natildeo haviam levado o material solicitado
e construiacutemos mini chocalhos com rolo de papel Dessa maneira em um primeiro
momento os estudantes pintaram os rolinhos e em seguida enfeitaram com os paetecircs
4532 Preacute-escolar I
A confecccedilatildeo dos objetos sonoros com a turma do Preacute-escolar I foi pensada a partir da
mesma dinacircmica do Preacute II Aconteceu na semana seguinte apoacutes a sensibilizaccedilatildeo com os
instrumentos musicais eacutetnicos da escola e objetivou a elaboraccedilatildeo de um mini tambor a
partir do reaproveitamento de materiais como lata de leite aleacutem da utilizaccedilatildeo de outros
materiais como gratildeos durex colorido paetecircs e palito de churrasco Ao contraacuterio da turma
anterior tivemos um retorno positivo ao enviar o recado solicitando a lata de alumiacutenio
Dessa maneira pudemos confeccionar os mini tambores com todos os estudantes Com
materiais disponibilizados os alunos enfeitaram a lata e tambeacutem os palitos de churrasco
que se transformaram em baquetas Ambas as oficinas (do mini tambor e do chocalho)
tiveram duraccedilatildeo de 1 hora cada uma
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais Fonte Arquivo pessoal da autora
74
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis
Para Brito (2003) a crianccedila enquanto sujeito ldquobrincanterdquo faz muacutesica brincando
Nesse processo de criaccedilatildeo ela percebe e explora os sons de modo que refletindo o seu
mundo seus saberes eacute capaz de criar (recriar) novos sons novos movimentos e
instrumentos Assim tem sido nossa experiecircncia com os estudantes do Preacute-escolar com
muita interaccedilatildeo-accedilatildeo-reflexatildeo
No entanto mesmo compreendendo a riqueza das oficinas no sentido de promover
a exploraccedilatildeo a pesquisa a criatividade a corporeidade dentre outras competecircncias
sentia que faltava algo mais A leitura sobre a obra de Teca Alencar de Brito (2003) autora
referecircncia em estudos na aacuterea de educaccedilatildeo musical para crianccedilas ampliou o meu olhar
sobre o que jaacute vinha pensando Segundo a autora a produccedilatildeo musical ocorre a partir de
dois eixos fundamentais a criaccedilatildeo e reproduccedilatildeo Estes por sua vez possibilitaram a accedilatildeo
de interpretar improvisar e compor
Os estudantes demonstraram criatividade para interpretar e improvisar Natildeo
podiacuteamos perder a oportunidade de registrar suas artes de fazer A composiccedilatildeo musical
enquanto efeito de criar eacute tambeacutem caracterizada por sua condiccedilatildeo de permanecircncia
(BRITO 2003) Portanto eacute todo o movimento de registro seja na memoacuteria ou em artefatos
culturais (CD dispositivos moacuteveis) Com isso observou-se a necessidade de guardar natildeo
soacute na memoacuteria as criativas composiccedilotildees dos estudantes como tambeacutem de registraacute-las de
modo que fossem divulgadas
Surge entatildeo a ideia de gravar as trecircs muacutesicas em dispositivo moacutevel (celular) para
serem compartilhadas posteriormente com os responsaacuteveis dos estudantes A proposta
surgiu por entendermos que as crianccedilas desde muito cedo estatildeo rodeadas de artefatos
tecnoloacutegicos de todos os tipos computador celular iPod televisatildeo raacutedio dentre outros
Para confirmar essa suposiccedilatildeo encaminhamos para casa um questionaacuterio a fim de
que os responsaacuteveis respondessem sobre a utilizaccedilatildeo das tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo (TICs) Perguntamos sobre o tipo de artefato digital mais utilizado pelos
estudantes e com quais finalidades os utilizavam
Os aparelhos e seus usos foram diversos tais como celulares tablets e
computadores Mas a que prevaleceu (nos estudantes de ambas as turmas) foi a utilizaccedilatildeo
do celular para ouvir muacutesica e jogar
75
Assim eacute notaacutevel que as tecnologias digitais podem ser grandes aliadas no processo
de ensino aprendizagem Embora nem todos os estudantes tenham o dispositivo moacutevel e
leve para a sala de aula ficamos sabendo que em casa eles interagem e exploram os
aparelhos de seus pais desenvolvendo habilidades e competecircncias como raciociacutenio loacutegico
atenccedilatildeo e curiosidade em explorar o novo O professor que consciente de seu papel
formador deve saber que a escola eacute potencialmente capaz de ampliar e potencializar tais
habilidades Nesse sentido certa dessa identidade docente me apropriei da tecnologia
digital (celular) como recurso para registrar e divulgar a criaccedilatildeo musical dos estudantes
Foi realizada em ambas as turmas (Preacute-escolar I e II) uma oficina de gravaccedilatildeo
musical Aos estudantes foi dito que iriacuteamos gravar muacutesicas (as nossas muacutesicas) e isso foi
empolgante para todos Vale frisar o importante papel dos professores regentes enquanto
mediadores no processo de apropriaccedilatildeo da letra dos ritmos das rimas ou seja no
desenvolvimento da expressatildeo musical Foram semanas de preparaccedilatildeo desde a primeira
oficina com a sensibilizaccedilatildeo para as cantigas populares Foram expostos em sala de aula os
cartazes com as letras das muacutesicas jaacute reinventadas para que ao longo dos dias as
professoras cantassem a muacutesica com os estudantes
Com o apoio de Brito (2003) refletimos sobre a importacircncia de intervenccedilotildees
educativas no desenvolvimento da expressatildeo musical Em todo o processo levamos os
estudantes a refletirem sobre a letra da muacutesica as hipoacuteteses e expressotildees que fizessem
sentido Com isso acreditamos ter ampliado e enriquecido o universo luacutedico e social onde
a inclusatildeo da diferenccedila deve ser uma constante nas praacuteticas pedagoacutegicas
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical
Como sinalizado anteriormente essa uacuteltima etapa da oficina de musicalidade ocorreu
no iniacutecio do ano de 2016 com os responsaacuteveis dos estudantes das duas turmas (Preacute I e II)
que participaram das accedilotildees da pesquisa Ao propor um encontro com os responsaacuteveis
intencionamos para aleacutem de dar-lhes um retorno de parte de nossas accedilotildees tambeacutem ouvi-
los a respeito deles na educaccedilatildeo de seus filhos
Dessa maneira a reuniatildeo foi dividida em duas partes Na primeira parte foi exibida
uma apresentaccedilatildeo em PowerPoint de momentos da oficina de musicalidade identificando
o repertoacuterio musical trabalhado a reinvenccedilatildeo da cantiga popular ldquoSamba Lelecircrdquo e imagens
76
dos momentos de apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais eacutetnicos e confecccedilatildeo dos objetos
sonoros (instrumentos musicais)
No segundo momento foi realizado o compartilhamento das trecircs muacutesicas que
fizeram parte do repertoacuterio gravado pelos estudantes Importante frisar que para
compartilhar60 as muacutesicas foi necessaacuterio que cada responsaacutevel tivesse em matildeos seus
dispositivos moacuteveis (celulares) Para tal encaminhamos previamente um recado
solicitando a imprescindiacutevel presenccedila do celular na reuniatildeo
Em ambos os encontros os responsaacuteveis levaram seus celulares possibilitando um
retorno positivo para aquela proposta Expliquei como se daria o processo tendo em vista
que algumas pessoas natildeo sabiam utilizar a ferramenta do bluetooth de forma colaborativa
os demais que sabiam foram compartilhando os arquivos com aquele que estava proacuteximo
Foi um momento de aprendizado muacutetuo onde pudemos contar com a participaccedilatildeo de
todos os sujeitos envolvidos
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
60 O compartilhamento ocorreu via bluetooth Este eacute uma tecnologia de comunicaccedilatildeo sem fio que permite que dispositivos moacuteveis troquem dados entre si e se conectem a outros artefatos como mouses teclados fones de ouvido impressoras e outros acessoacuterios
77
Ao passo que eu compartilhava as produccedilotildees musicais fazia alguns comentaacuterios
acerca das apropriaccedilotildees por parte dos estudantes em sala de aula Quando chegou na
muacutesica ldquoSamba Lelecircrdquo provoquei os responsaacuteveis a descobrirem as palavras que
substituiacuteram o termo palmada Natildeo demoraram para perceber que se tratavam de
paparicada (releitura do Preacute II) e pomada (releitura do Preacute I)
Logo para a nossa surpresa uma matildee de uma estudante do Preacute-escolar I nos relatou
que havia corrigido a filha que chegou em casa cantando a muacutesica de forma incorreta E a
filha insistiu que Lelecirc precisava de pomada e natildeo palmada Embora o que a menina disse
fizesse sentido para a matildee esta continuou insistindo em reproduzir a letra real da muacutesica
Contudo naquele momento de troca ela se deu conta de que sua filha estava construindo
saberes instituintes para uma nova relaccedilatildeo de alteridade entre o adulto e a crianccedila
46 OFICINA 6 - LENDAS QUE NOS ENCANTAM
Como jaacute relatado iniciamos o ano de 2016 dando continuidade agraves accedilotildees do ano
anterior disponibilizando o repertoacuterio de muacutesicas para os pais compartilharem com os
estudantes No encontro com os responsaacuteveis foi frisado que as accedilotildees voltadas para o
ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais seriam contiacutenuas no ano corrente mesmo apoacutes
finalizada a pesquisa Ou seja continuariacuteamos realizando o empreacutestimo dos livros eacutetnicos
semanais e o nosso cotidiano estaria permeado por histoacuterias outras nas quais todos
pudessem se sentir representados
A continuidade deste trabalho no ano de 2016 se sustentou nos princiacutepios da
etnografia longitudinal (CORSARO 2005) visto que estariacuteamos acompanhando a transiccedilatildeo
de uma parte dos sujeitos da pesquisa para outras fases de escolarizaccedilatildeo sendo o Preacute-
escolar II indo para o 1deg ano do Ensino Fundamental e o Preacute-escolar I para o Preacute II
Desse modo buscamos por meio de oficinas de contaccedilatildeo de histoacuterias perceber como
se consolidaram as aprendizagens sobre a diversidade eacutetnico-racial entre os estudantes A
seguir vamos detalhar uma atividade realizada com a turma do 1deg ano
78
461 O segredo do Baobaacute uma lenda africana
Ao meio dia corria pela planiacutecie um coelho fugindo do sol escaldante e abrigou-se sob o peacute de um Baobaacute Ele se sentiu tatildeo bem que disse ndash Estaacute sombra eacute muito boa obrigado O Baobaacute se sentiu reconhecido e balanccedilou seus galhos como em uma danccedila alegre Mais uma vez o coelho quis se aproveitar da situaccedilatildeo e disse ndash Sua sombra eacute realmente muito boa Mas e esses seus frutos seraacute que tambeacutem satildeo Baobaacute entatildeo caiu na armadilha e soltou um dos seus frutos O coelho natildeo satisfeito disse ndash Sua sombra e seus frutos satildeo oacutetimos Mas e o seu coraccedilatildeo Baobaacute O Baobaacute sentiu uma forte emoccedilatildeo Mas ele natildeo poderia mostrar seu coraccedilatildeo Era tatildeo difiacutecil Mas o coelhinho era tatildeo gentil O Baobaacute foi abrindo seu tronco e logo o coelho jaacute podia ver um brilho que ofuscava os olhos Era um grande tesouro Baobaacute oferece ao seu amigo O coelho entatildeo pegou algumas joias e agradeceu ao Baobaacute ndash Obrigado linda aacutervore Jamais te esquecerei O coelho presenteou sua esposa e disse para sua amiga hiena tudo que lhe acorreu No dia seguinte ao meio dia a hiena foi ateacute o Baobaacute e repetiu passo a passo as dicas do seu amigo coelho O Baobaacute sem hesitar abriu seu tronco para a hiena Mas ela estava faminta pelo ouro e foi agressiva pegaacute-lo Logo a aacutervore fechou-se e chorou porque ficou apavorada A partir desse dia a hiena passou a vasculhar as entranhas dos animais mortos para achar tesouro Mas esse tesouro soacute existe enquanto o coraccedilatildeo eacute vivo Quanto ao Baobaacute nunca mais se abriu A ferida que ele sofreu eacute invisiacutevel mas dificilmente curaacutevel61
Mais uma vez encontramos um enredo em que a aacutervore eacute um elemento central nas
histoacuterias que nos marcam A narrativa acima representa uma das vaacuterias lendas existentes
sobre a famosa aacutervore de origem africana chamada Baobaacute62 Sentimos a necessidade de
tornar conhecido esse siacutembolo de resistecircncia e guardiatildeo da ancestralidade africana que eacute
o Baobaacute
Iniciamos a aula em grande roda como de costume Logo a frente no quadro
encontrava-se uma representaccedilatildeo de uma aacutervore diferente com troncos largos e alguns
frutos que chamaram a atenccedilatildeo dos estudantes Logo perguntaram ldquondash Tia vocecirc vai contar
a histoacuteria da Mirindibardquo63 Respondi que aquela natildeo era a Mirindiba e realizando as
61 A Aacutervore dos Tesouros recriaccedilatildeo de Henri Gougaud traduccedilatildeo de Maria do Rosaacuterio Pedreira Lenda disponiacutevel no blog httpbravoafrobrasilblogspotcombr2010_06_01_archivehtml consultado em 10 abril 2016 62 Aacutervore siacutembolo do Continente Africano famosa por suas caracteriacutesticas naturais sobretudo por sua resistecircncia agraves intempeacuteries Por chegar a viver por milecircnios ela ganha status de guardiatilde de memoacuterias e tradiccedilotildees dos povos africanos 63 Como sinalizado na introduccedilatildeo deste trabalho Mageacute possui heranccedilas de etnia indiacutegena muito fortes A Mirindiba eacute o nome de uma aacutervore centenaacuteria da cidade que segundo a lenda mageense era uma iacutendia que foi encantada pelo pajeacute e desde entatildeo vive no alto do Morro do Bonfim
79
comparaccedilotildees fiacutesicas apresentei o Baobaacute64 enquanto siacutembolo da ancestralidade dos povos
africanos
Foi apresentado tambeacutem o valor afetivo que aquele siacutembolo tem para os povos
africanos por sua resistecircncia ao sobreviver milecircnios e assim servir de palco de inuacutemeros
acontecimentos tornando-se guardiatilde das histoacuterias mais preciosas de diversos povos
Sensibilizados sobre a importacircncia do Baobaacute para os povos africanos tal como a Mirindiba
eacute para os mageenses logo iniciamos a narrativa da lenda
Encantados com o enredo os estudantes encenaram a histoacuteria expressando
sentimento imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Em aula posterior lhes foi apresentada a mesma lenda
mas em miacutedia digital65 O viacutedeo exibido para os estudantes foi realizado com teacutecnicas de
animaccedilatildeo a partir de desenhos e muacutesicas de fundo
Apoacutes assistirem ao viacutedeo propus que eles recontassem a lenda utilizando massinha
de modelar ilustraccedilatildeo em papel e muita criatividade O combinado foi que na medida em
eles fossem confeccionando a histoacuteria eu fotografaria cada etapa para produzir um viacutedeo
do grupo Dessa maneira todos deveriam ser muito caprichosos pois iriacuteamos divulgar essa
histoacuteria na internet66 para que todos conhecessem a lenda do Baobaacute do coelho e da hiena
feita por noacutes Prontamente todos concordaram com a ideia e ficaram animados com a
possibilidade de fazer uma atividade ldquotatildeo legalrdquo
Natildeo nos surpreendeu que durante todo o processo os estudantes se sentissem
motivados a criarem personagens e cenaacuterios Foi possiacutevel perceber que falar de miacutedias
artefatos tecnoloacutegicos de diferentes gecircneros com as crianccedilas soa como muacutesica aos seus
ouvidos porque elas estatildeo a todo momento experimentando essas tecnologias no seu dia
a dia
Mocircnica Fantin ao tratar da formaccedilatildeo docente dialogada com a cultura experiecircncia
e multimiacutedia defende que eacute necessaacuterio ldquoo trabalho diferenciado com a cultura audiovisual
imageacutetica literaacuteria artiacutestica musical midiaacutetica e digital articulada com as mais diversas
formas de participaccedilatildeo de crianccedilas e jovens na culturardquo (FANTIN 2012 p 298) Com isso
64 Foram levadas fotografias para que os estudantes pudessem compreender melhor as caracteriacutesticas fiacutesicas da aacutervore sendo evidenciado que existem vaacuterias espeacutecies da mesma 65 O viacutedeo que conta a lenda do Baobaacute e da hiena apresentado aos estudantes foi produzido por Camila SgLe Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=V1BmVhT05HQ consultado em 10042016gt 66 Link da paacutegina onde o viacutedeo seraacute disponibilizado httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnico raciaisartesdefazer
80
reconhecemos a urgecircncia de contar e permitir que os nossos estudantes contem novas
histoacuterias e se apropriem dos artefatos do cotidiano como ferramentas para que suas
aprendizagens sejam prazerosas e significativas
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo Fonte Arquivo pessoal da autora
47 NARRATIVA DA PROFESSORA DO PREacute-ESCOLAR I
A seguir compartilho uma breve narrativa da docente Sarah Rosa professora do Preacute-
escolar I do ano de 2015 Esta pocircde acompanhar a turma no ano corrente o que foi algo
favoraacutevel para todos os envolvidos na pesquisa visto que possibilitou a permanecircncia das
conversas
A participaccedilatildeo da professora Daise tem sido grandemente proveitosa e enriquecedora para os alunos da Educaccedilatildeo Infantil Sua pesquisa e trabalho tecircm colaborado para o desenvolvimento dos alunos em vaacuterios aspectos um deles eacute contra o preconceito racial Haacute tambeacutem um trabalho sobre as diferenccedilas o respeito e o amor ao proacuteximo aleacutem de desenvolver o gosto das crianccedilas pela leitura pela linguagem oral e corporal As crianccedilas apresentam prazer e satisfaccedilatildeo pelas suas aulas que por sinal satildeo bem dinacircmicas e atrativas para elas O trabalho feito tem ido aleacutem da sala de aula tem alcanccedilado os familiares dos alunos e ajudado a trazer a presenccedila dos mesmos agrave escola Ela tem realizado atividades envolvendo
81
a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo dos familiares juntamente com as crianccedilas O que tem proporcionado experiecircncias prazerosas para todos envolvidos (Professora Sarah Rosa 2015)
82
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
51 CONCLUSOtildeES
Este estudo teve como objetivo geral ldquorealizar pesquisa a partir de metodologias
interativas ndash interdisciplinaridade e etnografia ndash com enfoque na sociologia da infacircncia
com estudantes entre 4 e 6 anos abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola
rural do municiacutepio de Mageacuterdquo para aleacutem de contribuir com minha formaccedilatildeo continuada
Pude construir novos saberes e compartilhaacute-los Nesse processo tambeacutem confirmei a
necessidade de mudanccedila de olhar sobre a escola que temos
As escolas brasileiras ainda se enquadram dentro do modelo instrumental e
cartesiano sobre o qual elas foram pensadas Este modelo limita a compreensatildeo da
multiplicidade de contextos e sujeitos que compotildeem a diversidade humana Natildeo obstante
sabe-se que aos poucos essa mesma instituiccedilatildeo tem incluiacutedo a diversidade a partir de
movimentos que visam o rompimento com o instituiacutedo
Este trabalho desejou suscitar um novo olhar sobre a diversidade em contexto escolar
e construir caminhos que alcanccedilassem os diferentes atores sociais de maneira afetiva e
efetiva Assim foi se estabelecendo conversas e fui descobrindo que elas satildeo mais longas
quando acontecem entre os sujeitos da diferenccedila
Pensar a crianccedila desde a mais tenra idade implicou em realizar redes reflexivas com
diversas aacutereas do saber As metodologias trabalhadas sobretudo a interdisciplinaridade
nos pareceu desde o iniacutecio uma decisatildeo acertada A Sociologia da Infacircncia (CORSARO
2005) favoreceu minhas aproximaccedilotildees com as crianccedilas e entre elas proacuteprias Favoreceu
ainda o desafio de trabalhar com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais jaacute que pensar as
culturas infantis implica em refletir sobre diferenccedila diversidade e alteridade
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012)
Os objetivos especiacuteficos foram as metas traccediladas para o alcance do objetivo geral
Visaacutevamos romper com praacuteticas e culturas que excluem a diversidade do cotidiano escolar
a partir de intervenccedilotildees pedagoacutegicas Para tais intervenccedilotildees precisei construir objetivos de
ensino que me orientassem no trabalho
A Sociologia da Infacircncia enquanto constructo epistemoloacutegico possibilitou maiores
reflexotildees sobre a crianccedila enquanto produtora de cultura e reveladora das possibilidades
83
da estrutura social (SARMENTO 2005 p 363) Dessa maneira ao longo da pesquisa com
as crianccedilas e natildeo sobre elas fui notando o quanto eram ativas criativas e dotadas de
saberes que gritavam para serem reconhecidos Ao reconhecer suas vozes me aproximei
da cultura da diversidade e juntos realizamos interaccedilotildees dialoacutegicas
Tambeacutem busquei construir redes colaborativas e de conhecimentos com a
comunidade escolar compreendendo os docentes (natildeo soacute os professores da Educaccedilatildeo
Infantil) e a equipe pedagoacutegica O objetivo foi a reflexatildeo sobre os desafios da inclusatildeo da
diversidade nas escolas brasileiras Realizamos grupos de estudos dinamizado por mim67
Estabelecemos conversas as quais me trazem agrave memoacuteria uma palestra que escutei haacute
algum tempo na UFF sobre ldquoTempos e conversasrdquo O palestrante Carlos Skliar68 sinalizou
que os professores precisam ser formados na arte da conversa pois sem conversaccedilatildeo natildeo
existe educaccedilatildeo
Me aproprio de sua fala para explicitar como foi a relaccedilatildeo entrecom as professoras
envolvidas na pesquisa Eacute certo que somos diferentes mas foram essas diferenccedilas
somadas a solidariedade que fizeram a conversa fluir emergindo trocas reflexivas sobre o
cotidiano escolar diversidade e inclusatildeo
Como jaacute sinalizado os atores do cotidiano possuem muacuteltiplas linguagens que
precisam ser alcanccediladas O que se aprende fora dos muros da escola necessita ser
considerado como fonte de aprendizagem significativa no ambiente escolar E por
aprendizagem significativa entendemos ser aquela que proporciona a ldquointeraccedilatildeo cognitiva
entre o novo conhecimento e o conhecimento preacuteviordquo (MOREIRA 2000 p 4)
E embora o objetivo do trabalho natildeo fosse alcanccedilar diretamente as pessoas com
deficiecircncia as oficinas realizadas podem ser utilizadas para o trabalho com pessoas surdas
cegas ou com outras deficiecircncias desde que se realize as adaptaccedilotildees necessaacuterias Eacute possiacutevel
notar que procuramos incluir a diversidade na escola na figura de uma avoacute com nanismo
com a presenccedila de pessoas com diferentes faixas etaacuterias com mulheres ou seja pessoas
que representam as minorias que fazem parte da diversidade humana
67 Nesse grupo de estudos a supervisora da escola me convidou para realizar uma formaccedilatildeo para as professoras das duas creches em que ela trabalhava A formaccedilatildeo aconteceu no mecircs de agosto para 21 professoras do Municiacutepio de Mageacute 68 Pesquisador principal da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales - Argentina Tem experiecircncia na aacuterea de Educaccedilatildeo com ecircnfase em Fundamentos da Educaccedilatildeo Atuando principalmente nos seguintes temas Comunicaccedilatildeo Inteligecircncia Surdos Alteridade e Diferenccedila
84
Entendendo que a teoria funciona como lupa para melhor ver o que acontece na
praacutetica assim todas as atividades foram pensadas agrave luz de diferentes correntes teoacutericas-
metodoloacutegicas complementares tais como Sociologia da Infacircncia Interdisciplinaridade e
Etnografia Em todas as etapas procuramos adequar as atividades e reflexotildees aos
paracircmetros da Educaccedilatildeo Infantil e do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais sem perder de
vista o protagonismo infantil
Como jaacute salientado meus caminhos de formaccedilatildeo tecircm me provocado a olhar o
cotidiano escolar a partir de uma curiosidade epistemoloacutegica (FREIRE 2007) Mas
reconheccedilo que foi um desafio o trabalho com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais uma vez
que as poliacuteticas e praacuteticas existentes tendem a burocratizar a questatildeo natildeo possibilitando
a criaccedilatildeo de uma cultura inclusiva sobre a temaacutetica no cotidiano escolar Igualmente
reconheccedilo que graccedilas a curiosidade inquieta que me move em direccedilatildeo ao Outro tenho
buscado a construccedilatildeo de taacuteticas que representem a possibilidade de incluir a diversidade
52 PERSPECTIVAS
Foram traccediladas algumas perspectivas apoacutes a conclusatildeo deste trabalho A primeira
delas e que foi um compromisso com as famiacutelias dos estudantes foi a devoluccedilatildeo dos
achados que ainda seraacute decido a natureza do material Temos como opccedilatildeo o caderno
pedagoacutegico em CD mas tambeacutem podemos pensar na sua versatildeo impressa ou disponibiliza-
lo no espaccedilo criado para a divulgaccedilatildeo das accedilotildees e demais produtos Para tal devoluccedilatildeo
podemos repensar a colocaccedilatildeo dos nomes e exibiccedilatildeo dos rostos das crianccedilas pois
entendemos que elas precisam se reconhecerem no texto no qual sua histoacuteria de vida estaacute
sendo contada mas que para esse trabalho por questotildees eacuteticas foram suprimidas
Outra perspectiva eacute tornar o Caderno Pedagoacutegico uma Tecnologia Acessiacutevel para o
trabalho com crianccedilas deficientes A Tecnologia Acessiacutevel na escola tem por objetivo
() proporcionar agrave pessoa com deficiecircncia maior independecircncia para o aprendizado melhor qualidade de vida e inclusatildeo social por meio da ampliaccedilatildeo de sua comunicaccedilatildeo e de sua mobilidade maior controle do ambiente e desenvolvimento de trabalho integrado com a famiacutelia
colegas e profissionais da educaccedilatildeo (DOMINICK 2015 p 9)
85
Dessa maneira vislumbramos construir outras estrateacutegias para a acessibilidade do
conhecimento das relaccedilotildees eacutetnico-raciais Quando pensamos em outras eacute porque como jaacute
dito anteriormente algumas oficinas podem ser adaptadas para trabalhar com pessoas
cegas surdas cadeirantes com altas habilidades desde que o professor coloque em
praacutetica as suas invenccedilotildees cotidianas (CERTEAU 1994) e se torne um professor pesquisador
e inventor de novas taacuteticas educacionais
86
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABRAMOWICZ Anete OLIVEIRA Fabiana As relaccedilotildees eacutetnico-raciais e a sociologia da infacircncia no Brasil alguns aportes In BENTO Maria Aparecida Silva (Org) Educaccedilatildeo infantil igualdade racial e diversidade aspectos poliacuteticos juriacutedicos conceituais Satildeo Paulo Centro de Estudos das Relaccedilotildees de Trabalho e Desigualdades - CEERT 2012 ALVES Nilda Imagens de professoras e redes cotidianas de conhecimentos Educar Curitiba n 24 p 19-36 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfern24 n24a02pdfgt Acesso em 10 de marccedilo de 2016 ______ Decifrando o pergaminho o cotidiano das escolas nas loacutegicas das redes cotidianas In OLIVEIRA IB ALVES N (Orgs) Pesquisa nodo cotidiano das escolas sobre redes de saberes Rio de Janeiro DPampA 2001 ARANTES Erika ANDRADRE Nivea Diana e os orixaacutes imagens da questatildeo racial em escolas Revista de Estudos Universitaacuterios Sorocaba v 39 n 2 p 379-391 2013 Disponiacutevel em lthttpperiodicosunisobrojsindexphpjournal=reuamppage=articleampop= viewamppath5B 5D=1712gt Acesso em 20 de abril de 2015 APPADURAI Arjun O medo ao pequeno nuacutemero ensaio sobre a geografia da raiva Satildeo Paulo Iluminuras Itauacute Cultural 2009 CASTELLS Manuel A Era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura vol I 6ordf ed Satildeo Paulo Paz e terra 1999 BOOTH T AISCOW M Index para a inclusatildeo desenvolvendo a aprendizagem e a participaccedilatildeo nas escolas Traduzido por Mocircnica Pereira dos Santos e Joatildeo Batista Esteves Londres CSIE 2011 BOURDIEU Pierre O poder simboacutelico Traduccedilatildeo Fernando Tomaz Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 BRASIL Lei nordm 9394 Brasiacutelia 20 de dezembro de 1996 Disponiacutevel em lt
httpswwwplanaltogovbrccivil_03LeisL9394htmgt ______ Lei nordm 10639 Brasiacutelia 9 de janeiro de 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03leis2003L10639htmgt Acesso em 26 marccedilo de 2015 ______ Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana Brasiacutelia MEC SEF 2004 ______ Lei nordm 11738 Brasiacutelia 16 de julho de 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102008leil11738htmgt
87
_____ Referencial curricular nacional para a educaccedilatildeo infantil Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e do Desporto Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MECSEF 1998 3v il BRITO Teca A de Muacutesica na Educaccedilatildeo Infantil Satildeo Paulo Petroacutepolis 2003 CERTEAU Michel de A Invenccedilatildeo do cotidiano Artes de fazer Petroacutepolis Vozes 1994 CORSARO WA Entrada no campo aceitaccedilatildeo e natureza da participaccedilatildeo nos estudos etnograacuteficos com crianccedilas pequenas Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 26 n 91 p 443-464 maio-ago 2005 DELGADO Ana Cristina Coll MULLER Fernanda Em busca de metodologias investigativas com crianccedilas e suas culturas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo v 35 n 125 p 161-179 maioago 2005 DOMINICK Rejany dos S A arte de fazer e nos fazermos no ALEPH explicitando alguns princiacutepios na e da formaccedilatildeo de professores In LINHARES Ceacutelia Portinari e a cultura brasileira um convite agrave educaccedilatildeo a contrapelo Niteroacutei Editora da UFF 2011 [Segunda parte p 145-161] ______ Discutindo e conceituando as tecnologias para a formaccedilatildeo de professores na EJA-I e na diversidade In MEDEIROS C C Educaccedilatildeo de jovens adultos e idosos na diversidade saberes sujeitos e praacuteticas Niteroacutei UFFCEAD 2015 p 295-314 FANTIN Monica O lugar da experiecircncia da cultura e da aprendizagem multimiacutedia na formaccedilatildeo de professores Educaccedilatildeo Santa MariaRS v 37 n 2 p 291-306 2012 FAZENDA Ivani Catarina Arantes Desafios e perspectivas do trabalho interdisciplinar no Ensino Fundamental contribuiccedilotildees das pesquisas sobre interdisciplinaridade no Brasil o reconhecimento de um percurso Trabalho publicado nos Anais do XIV ENDIPE Belo Horizonte 2010 FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia saberes necessaacuterios agrave praacutetica educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007
______ Educaccedilatildeo e mudanccedila Rio de Janeiro Paz e Terra 1983
GOMES Lisandra O cotidiano as crianccedilas suas infacircncias e a miacutedia imagens concatenadas Proacute-Posiccedilotildees CampinasSP v 19 n 3 p 175-193 setdez 2008 GONCcedilALVES Luiz Alberto Oliveira Reflexatildeo sobre a particularidade cultural na educaccedilatildeo das crianccedilas negras Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 63 p 27-29 nov 1987 HAAS Celia Maria A Interdisciplinaridade em Ivani Fazenda construccedilatildeo de uma atitude pedagoacutegica International Studies On Law And Education Satildeo Paulo n 8 p55-64 maiago 2011
88
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICA (IBGE) Dados gerais do municiacutepio de Mageacute 2014 Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=amp codmun=330250ampsearch=||infoE1ficos-informaE7F5es-completas Acesso em 20072015 JAPIASSU H Interdisciplinaridade e patologia do saber Rio de Janeiro Imago 1976 KRAMER Sonia Autoria e autorizaccedilatildeo questotildees eacuteticas nas pesquisas com crianccedilas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 116 p 41-59 2002 LARROSA Jorge Notas sobre a experiecircncia e o saber de experiecircncia Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro n 19 p 20-28 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfrbedun19n19a02pdfgtAcessado 20052015 LARROSA Jorge Experiecircncia e alteridade em educaccedilatildeo Revista Reflexatildeo e Accedilatildeo Santa Cruz do SulSC v 19 n 2 p 04-27 2011 LINHARES Celia Movimentos instituintes na escola buscando dar visibilidade ao invisiacutevel Revista Aleph Niteroacutei [200] Disponiacutevel em lthttpwwwuffbralephtextos_em_pdf
politicas_de_formacao_de_professorespdfgt Acessado em 02 agosto 2015 LOumlWY Michael A ldquocontrapelordquo A concepccedilatildeo dialeacutetica da cultura nas teses de Walter Benjamin (1940) Lutas Sociais Satildeo Paulo n 2526 p20-28 2ordm semestre 2011 MATURANA H e VARELA F A aacutervore do conhecimento As bases bioloacutegicas do entendimento humano CampinasSP Editorial Psy II 1995 MOREIRA Marco Antonio Aprendizagem significativa Brasiacutelia Ed da UnB 2000 MUumlLLER F Infacircncia nas vozes das crianccedilas culturas infantis trabalho e resistecircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 27 n 95 p 553-573 ago 2006 MUNANGA Kabengele Uma abordagem conceitual das noccedilotildees de raccedila racismo identidade e etnia In BRANDAtildeO A A P (Org) Programa de educaccedilatildeo sobre o negro na sociedade brasileira Niteroacutei EdUFF 2000 OLIVEIRA Luiz Fernandes FARIAS Ursula Pinto Lopes A Aacutefrica e o negro nos anos iniciais do ensino fundamental desafios para a escola In GOUVEcircA Fernando Ceacutesar Ferreira OLIVEIRA Luiz Fernandes de SALES Sandra Regina (Orgs) Educaccedilatildeo e relaccedilotildees eacutetnico-raciais entre diaacutelogos contemporacircneos e poliacuteticas puacuteblicas 1 ed PetroacutepolisRJ De Petrus et Alii BrasiacuteliaDF CAPES 2014 PACHECO Liacutellian Pedagogia Griocirc a reinvenccedilatildeo da roda da vida LenccediloacuteisBA Graacutefica Santa Helena 2006
89
PAULA Benjamin Xavier de A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais e os desafios a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo anti-racista Anais do XIV Regional da ANPUH Rio de Janeiro 2010 PEIXOTO I C L A violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda e seus reflexos no comportamento de gecircnero Anais do Encontro Nacional do GT ndash GecircneroANPUH Espiacuterito Santo 2004 Disponiacutevel em lthttplegpvufesbrsiteslegpvufesbrfilesfieldanexo isabella_cotta_lanza_peixotopdfgt PEREIRA Daise dos S Conversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da educaccedilatildeo baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeos Trabalho de conclusatildeo de curso (Poacutes-graduaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais) Universidade Federal Fluminense 2016 PEREIRA Maacutercia G PEREIRA Daise dos S A (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidade XVIII Endipe CuiabaacuteMT 2016 PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICIacuteLIOS (PNAD) Retrato das Desigualdades de Gecircnero e Raccedila 4ordf ediccedilatildeo 2012 Disponiacutevel em httpwwwipeagovbrigualdaderacial indexphpoption=com_contentampview=articleampid=614ampItemid=18
PLETSCH Maacutercia Denise CARVALHO Carlos Roberto Editorial do dossiecirc Processos de Inclusatildeo e Exclusatildeo Escolar e Movimentos Sociais Revista Teias Rio de Janeiro v 12 n 24 p 01-08 janabr 2011 Disponiacutevel em lthttpperiodicospropedprobrindexphprevistateiasarticleview822gt Acessado em 010716 ROSSETTO Elisabeth A contribuiccedilatildeo do pensamento de Maturana para a educaccedilatildeo Educere et Educare ndash Revista de Educaccedilatildeo vol 5 n 10 2ordm Semestre de 2010
SANTOS Mocircnica Pereira dos Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura Omnileacutetica In CASTRO Paula Almeida de Inovaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia desafios e perspectivas na contemporaneidade Campina GrandePB Editora Realize 2015 Disponiacutevel em lthttpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdfgt Acesso em 20022016 SANTOS Sandro V S dos Sociologia da infacircncia aproximaccedilotildees entre Willian Corsaro e Florestan Fernandes Educaccedilatildeo em Perspectiva Viccedilosa v 5 n 1 p 117-139 janjun 2014 SARMENTO Manuel Jacinto Geraccedilotildees e alteridade interrogaccedilotildees a partir da sociologia da infacircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas vol 26 n 91 p 361-378 MaioAgo 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwcedesunicampbrgt SCHOumlN D Educando o Profissional Reflexivo um novo design para o ensino e aprendizagem
Trad Roberto Cataldo Costa Porto Alegre Artes Meacutedicas Sul 2000
SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das trecircs raccedilas ndash cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil 1870-1930 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993
90
SILVA Tomaz Tadeu da Documentos de identidade uma introduccedilatildeo agraves teorias do curriacuteculo Belo Horizonte Autecircntica 2007 SILVA P V B da SOUZA G de Relaccedilotildees eacutetnico-raciais e praacuteticas pedagoacutegicas em Educaccedilatildeo Infantil Educar em Revista Curitiba n 47 p 35-50 janmar 2013 SKLIAR Carlos A educaccedilatildeo e a pergunta pelos Outros diferenccedila alteridade diversidade e os outros outros Revista eletrocircnica Ponto de Vista Florianoacutepolis n 5 p 37-49 2003 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosufscbrindexphppontodevistaarticleview1244gt THIESEN Juares da Silva A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 13 n 39 p 545-554 2008 TRINDADE Azoilda Loretto (org) Africanidades brasileiras e educaccedilatildeo [livro eletrocircnico] Salto para o Futuro Rio de Janeiro ACERP Brasiacutelia TV Escola 2013 ______ Valores Civilizatoacuterios e a Educaccedilatildeo Infantil uma contribuiccedilatildeo afro-brasileiras In BRANDAtildeO Ana Paula TRINDADE Azoilda Loretto da (Orgs) Modos de brincar caderno de atividades saberes e fazeres Rio de Janeiro Fundaccedilatildeo Roberto Marinho 2010 UNESCO Declaraccedilatildeo de Salamanca Necessidades Educativas Especiais ndash NEE In Conferecircncia Mundial sobre NEE Acesso em Qualidade ndash UNESCO Salamanca Espanha UNESCO 1994 YOUNG Michael Para que servem as Escolas Educ Soc Campinas vol 28 n 101 p 1287-1302 setdez 2007 Disponiacutevel em lt httpwwwcedesunicampbr gt
91
7 APEcircNDICES E ANEXOS
71 APEcircNDICES
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados
92
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
93
94
95
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem
96
97
98
72 ANEXOS 721 Imagens utilizadas
Navio Negreiro - Litogravura de Johann Moritz Rugendas (1835)
Navio negreiro real na costa brasileira ndash Marc Ferrez (1882)
99
Mulher brasileira em seu lar - Jean Baptiste Debret
O Jantar no Brasil - Jean Baptiste Debret
100
722 Premiaccedilatildeo
Esta premiaccedilatildeo eacute fruto das accedilotildees de incentivo agrave leitura que desenvolvi na escola em
parceria com o projeto de Extensatildeo da UFF ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos
anos iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo e a presente pesquisa O projeto ldquoOs
contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo com histoacuterias uacutenicasrdquo buscou
romper com as histoacuterias uacutenicas e oportunizar que os sujeitos da diferenccedila tivessem o direito
de serem protagonistas e construtores de suas proacuteprias histoacuterias
A seguir reproduccedilatildeo na iacutentegra do texto sobre os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio
Ecofuturo de Bibliotecas
O Instituto Ecofuturo anuncia os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio Ecofuturo de
Bibliotecas iniciativa que visa reconhecer o trabalho de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria
realizado nas 107 bibliotecas comunitaacuterias da Rede Ler Eacute Preciso implantadas pelo Instituto
em parceria com a iniciativa privada poder puacuteblico e comunidade
Para Paulo Groke Diretor de Sustentabilidade do Ecofuturo o precircmio eacute tambeacutem uma
forma de compartilhar boas praacuteticas que incentivam e inspiram a leitura no Paiacutes
ldquoA cada ediccedilatildeo eacute possiacutevel identificar uma melhora consideraacutevel na qualidade e na
periodicidade das atividades promovidasrdquo conclui
Os projetos vencedores foram selecionados por um juacuteri formado pela equipe do
Ecofuturo e especialistas nas aacutereas de educaccedilatildeo leitura e biblioteconomia que entre
101
outros criteacuterios analisaram o planejamento de atividades de promoccedilatildeo de leitura e sua
execuccedilatildeo ao longo de todo o ano acervo selecionado articulaccedilatildeo e atendimento a diversos
puacuteblicos
Os trecircs primeiros colocados ganham 50 livros de literatura novos para complementar
o acervo da unidade e dois representantes de cada biblioteca vencedora participaratildeo da
24ordf Bienal Internacional do Livro de Satildeo Paulo evento que possibilitaraacute por meio de sua
programaccedilatildeo atualizaccedilatildeo profissional e troca de conhecimento Todas as Bibliotecas
Comunitaacuterias participantes recebem certificados com suas respectivas classificaccedilotildees
O Precircmio Ecofuturo de Bibliotecas foi criado pelo Instituto em 2009 A proacutexima ediccedilatildeo
acontece em 2017 e as inscriccedilotildees satildeo restritas agrave Rede Bibliotecas Comunitaacuterias Ler eacute
Preciso Aleacutem dessa iniciativa o Instituto eacute responsaacutevel por outras accedilotildees importantes na
aacuterea como a instituiccedilatildeo de 12 de outubro como Dia Nacional da Leitura e a campanha Eu
Quero Minha Biblioteca
Vencedores
A Biblioteca Prof Maria Olivia Otero Artioli localizada em Agudos Satildeo Paulo
conquistou o primeiro lugar com o projeto ldquoEacute preciso gostar de lerrdquo no qual realizou
atividades de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria durante todo o ano de 2015 O planejamento
anual compreendeu accedilotildees envolvendo puacuteblico diverso de bebecircs a idosos Foram iniciativas
promovidas dentro e fora da biblioteca como a ldquoMala Viajanterdquo que levava leitura a escolas
e creches e que tiveram o livro a leitura e o leitor como atores principais
Jaacute em Mageacute no Rio de Janeiro a Biblioteca Prof Elzira Bastos Amaro em parceria
com o departamento pedagoacutegico da Secretaria de Educaccedilatildeo ficou com a segunda
colocaccedilatildeo com o projeto ldquoOs contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo
com histoacuterias uacutenicasrdquo Aleacutem de accedilotildees de promoccedilatildeo de leitura com forte embasamento
teoacuterico e teacutecnico realizadas semanalmente todo o espaccedilo da unidade foi reorganizado
incluindo catalogaccedilatildeo das obras e separaccedilatildeo dos livros que seriam trabalhados nas
atividades que tiveram como foco o resgate da identidade local utilizando a cultura do
municiacutepio como tema principal
A terceira colocada foi a Biblioteca Mestra Augusta de Turmalina Minas Gerais que
focou seu projeto ldquoDe matildeo em matildeo de voz em voz livros agrave matildeo cheia semprerdquo jaacute
realizado haacute quatro anos em atividades de promoccedilatildeo de leitura que relataram a diferenccedila
102
entre ler e contar trabalhando a articulaccedilatildeo com puacuteblicos variados e a divulgaccedilatildeo em
diversos canais de comunicaccedilatildeo do municiacutepio ndash demonstrando a sustentabilidade do
projeto ndash e a importacircncia do envolvimento do poder puacuteblico
Outro destaque desta ediccedilatildeo foi a Biblioteca Comunitaacuteria Ler eacute Preciso Nelson
Mandela que estaacute localizada na Penitenciaacuteria II de Bauru em Satildeo Paulo e que com o
projeto ldquoUm conto como eu contordquo recebeu a Menccedilatildeo Honrosa O objetivo das atividades
foi utilizar o conto como gecircnero literaacuterio para contemplar as possibilidades de leitura dos
detentos que frequentam a escola dentro da penitenciaacuteria A partir das accedilotildees de promoccedilatildeo
de leitura os professores disseminaram a literatura como fonte de conhecimento e
reflexatildeo
Autor Ecofuturo
Disponiacutevel em httpblogecofuturoorgbrconheca-os-vencedores-do-6o-premio-
ecofuturo-de-bibliotecas
VIII
SUMAacuteRIO
Lista de abreviaturas X
Lista de ilustraccedilotildees XI
Lista de figuras XI
Lista de graacuteficos XI
Resumo XII
Abstract XIII
1 Introduccedilatildeo 1
11 Apresentaccedilatildeo 1
12 Eacute preciso falar sobre Diversidade e Inclusatildeo 9
13 A lei 1063903 um marco histoacuterico na luta Antirracista 13
14 O Ensino das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais algumas reflexotildees 15
15 Valores Civilizatoacuterios Afro-brasileiros na Educaccedilatildeo Infantil 18
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio 21
16 A crianccedila pequena e o negro quem satildeo esses outros 24
2 Objetivos 27
21 Objetivo geral 27
22 Objetivos especiacuteficos 27
3 Material e Meacutetodos (Metodologia) 28
31 Puacuteblico alvo 28
32 Etnografia e interdisciplinaridade caminhos metodoloacutegicos 28
33 Questotildees eacuteticas na pesquisa com crianccedilas 31
34 Fases da pesquisa 32
341 As oficinas 33
35 Colaboradores na coleta de dados 35
36 Caderno Pedagoacutegico 36
4 Resultados e Discussatildeo 40
41 Dados coletados reflexotildees iniciais 40
42 Percebendo as vozes oficinas iniciais 41
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (Idade entre 4 e 5 anos) 41
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (Idade entre 5 e 6 anos) 43
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II) 45
IX
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I) 47
43 Oficina 3 - Conhecendo Maria a menina que veio do Congo 51
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso 55
44 Oficina 4 - Uma sensibilizaccedilatildeo para a Pedagogia Griocirc 57
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II) 60
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I) 62
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias 64
45 Oficina 5 - Musicalidade e as ldquoartes de fazerrdquo 65
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica 66
4511 Preacute-escolar II 66
4512 Preacute-escolar I 68
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais 69
453 Confecccedilatildeo de objetos sonoros 72
4531 Preacute-escolar II 72
4532 Preacute-escolar I 73
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis 74
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical 75
46 Oficina 6 - Lendas que nos encantam 77
461 O Segredo do Baobaacute uma lenda Africana 78
47 Narrativa da Professora do Preacute-escolar I 80
5 Consideraccedilotildees Finais 82
51 Conclusotildees 82
52 Perspectivas 84
6 Referenciais bibliograacuteficos 86
7 Apecircndices e Anexos 91
71 Apecircndices 91
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados 91
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 92
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem 95
72 Anexos 98
721 Imagens utilizadas 98
722 Premiaccedilatildeo 100
X
LISTA DE ABREVIATURAS
CMPDI Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo
CNE Conselho Nacional de Educaccedilatildeo
DCN ERER Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees
Eacutetnico-Raciais
DCNs Diretrizes Curriculares Nacionais
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica
IES Instituiccedilatildeo de Ensino Superior
LDB Lei de Diretrizes e Bases
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciacutelios
PROEX Proacute-reitoria de Extensatildeo
RCNEI Referencial Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil
SIGProj Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo de Projetos
TICs Tecnologias da Informaccedilatildeo e Comunicaccedilatildeo
UFF Universidade Federal Fluminense
XI
LISTA DE ILUSTRACcedilOtildeES
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Paacutegina na rede social 38
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos 46
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos 49
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas 50
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) 54
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) 55
Figura 7 Vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade 61
Figura 8 Vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais 64
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos 71
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos musicais 72
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais 73
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas 76
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo 80
LISTA DE GRAacuteFICOS
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I 43
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II 45
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) 48
XII
RESUMO
A educaccedilatildeo inclusiva e para a diversidade eacute um tema que natildeo pode ser analisado apenas pelo acircngulo da falta de matriacutecula nas escolas Hoje pessoas com deficiecircncia altas habilidades negras indiacutegenas brancas crianccedilas jovens e adultos de todas as religiotildees estatildeo matriculados nas escolas Contudo nem sempre tal fato significa uma inclusatildeo real da diversidade no espaccedilo escolar A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais em contexto escolar eacute um desafio ainda hoje presente em nosso cotidiano Identificamos atitudes que fortalecem segregaccedilotildees do negro e da cultura africana em todas as esferas da sociedade ao longo da histoacuteria brasileira mas na escola apesar da legislaccedilatildeo e de ser um espaccedilo de inclusatildeo da diversidade ainda vemos segregaccedilotildees silenciamentos e indiferenccedilas aos afrodescendentes e suas heranccedilas eacutetnicas Considerando que os mecanismos de discriminaccedilatildeo e preconceitos eacutetnico-raciais devem ser discutidos na escola desde a mais tenra idade este trabalho buscou pesquisar construir aprofundar e difundir conhecimentos sobre aspectos da histoacuteria e da cultura afro-brasileira na Educaccedilatildeo Infantil O foco de nossa pesquisa foram as crianccedilas entre 4 e 5 anos de uma escola municipal de MageacuteRJ localizada em uma aacuterea rural Partindo da Sociologia da Infacircncia dialogamos com metodologias de ensino e de pesquisa interativas interdisciplinares e tambeacutem com princiacutepios etnograacuteficos Importante ressaltar aqui que a escolha pela faixa etaacuteria ocorreu por percebermos que a crianccedila pequena assim como o negro fazem parte de uma minoria social e que apenas recentemente vecircm tendo seus direitos sociais reconhecidos Ateacute haacute pouco tempo eram ldquoos outrosrdquo aqueles cujas vozes natildeo precisavam ser ouvidas Nossa luta poliacutetica eacute para gerar praacuteticas voltadas para a formaccedilatildeo de uma cultura inclusiva que alcance todos os sujeitos no contexto educacional Buscou-se intervir no cotidiano escolar construindo com os estudantes algumas experiecircncias instituintes Tais experiecircncias concretizadas em oficinas pedagoacutegicas compotildeem um caderno pedagoacutegico voltado para docentes da Educaccedilatildeo Infantil visando contribuir para que novas reflexotildees sobre os sentidos da educaccedilatildeo para a diversidade surjam e se efetive uma educaccedilatildeo inclusiva para todos
Palavras-chave raccedila etnia sociologia da infacircncia inclusatildeo metodologias interativas
XIII
Abstract
The inclusive education and to diversity is a theme that cannot be parsed only from the angle of lack of enrollment in schools Today people with disabilities high skills black white indigenous children youth and adults of all religions are enrolled in schools However not always it means a real inclusion of diversity in the school space Education for ethnic-racial relations in school is a challenge even today present in our daily lives Identify attitudes that strengthen the segregation of black and African culture in all spheres of society along the Brazilian history but in school despite legislation and be a space for inclusion of diversity we still see segregation silences and indifference to African descendants and their ethnic heritage Whereas the mechanisms of discrimination and ethnic and racial prejudices should be discussed in school from an early age this study sought to search build deepen and disseminate knowledge about aspects of Afro-Brazilian history and culture in early childhood education The focus of our research were children between 4 and 5 years of a municipal school of MageacuteRJ located in a rural area From the Sociology of childhood deal with teaching methodologies and interactive interdisciplinary research and ethnographic principles Important to note here that the choice by age group occurred because we realize that the small child as well as black are part of a social minority and who just recently been having their social rights recognized Until recently were the other those whose voices need not be answered Our struggle is to generate practical policy geared to the formation of an inclusive culture that reach all subjects in the school context Sought to intervene in the daily school building with students some experiences institutor significations Such experiences implemented in educational workshops compose a book focused on teaching teachers of early childhood education aiming to contribute to new reflections on the directions of education for diversity arise and if such an inclusive education for all
Keywords race ethnicity sociology of childhood inclusion interactive methodologies
1
1 INTRODUCcedilAtildeO
11 APRESENTACcedilAtildeO
Quando o homem compreende a sua realidade pode levantar hipoacuteteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluccedilotildees Assim pode transformaacute-la e o seu trabalho pode criar um mundo proacuteprio seu Eu e as suas circunstacircncias (FREIRE 1983 p 30)
Esta pesquisa eacute fruto de um trabalho de reflexatildeo accedilatildeo ao longo de uma trajetoacuteria
acadecircmica e profissional inquieta e questionadora acerca dos acontecimentos do cotidiano
escolar Sou professora da Educaccedilatildeo Baacutesica (Ensino Fundamental I) no Municiacutepio de Mageacute
haacute 3 anos e meio Desde a entrada no Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e
Inclusatildeo (CMPDI) venho ocupando a funccedilatildeo de Implementadora de Leitura1 Em maio de
2015 tomei conhecimento de uma escola Rural onde havia grandes possibilidades para a
realizaccedilatildeo da pesquisa de mestrado Ateacute entatildeo na escola onde eu estava natildeo havia turmas
com os anos iniciais do Ensino Fundamental tatildeo pouco de Educaccedilatildeo Infantil
Neste mesmo periacuteodo surge a parceria com a Universidade Federal Fluminense (UFF)
por meio do projeto de extensatildeo ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos
iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo registrado no Sistema de Informaccedilatildeo e Gestatildeo
de Projetos (SIGProj) sob o nuacutemero 1974399372842612022015
Logo as accedilotildees na escola receberam apoio da Proacute-reitora de Extensatildeo (Proex) no que
se refere a uma bolsa que contemplou uma estudante de graduaccedilatildeo da Pedagogia Aleacutem
dessa parceria contamos tambeacutem com o apoio da Secretaria de Educaccedilatildeo de Mageacute
instituiccedilatildeo governamental municipal que nos possibilitou a realizaccedilatildeo da pesquisa na
Escola Dinorah dos Santos Bastos
A origem histoacuterica do lugar de onde falo observo e escrevo ou seja o loacutecus da
pesquisa possui memoacuterias ldquonatildeo ditasrdquo sobre as quais tentarei narrar algumas para que o
leitor entenda sua articulaccedilatildeo com a temaacutetica da pesquisa
O Municiacutepio de Mageacute localizado na Regiatildeo Metropolitana do Rio de Janeiro eacute um
dos mais antigos do estado Ele tem muito o que revelar tendo em vista seus 451 anos de
1 Aqui na Rede esse profissional eacute um professor itinerante que trabalha com os anos iniciais do Ensino Fundamental Seu enfoque estaacute no trabalho de incentivo agrave leitura
2
existecircncia e sua consideraacutevel densidade demograacutefica de aproximadamente 233634
habitantes segundo dados do IBGE (2014) O Municiacutepio eacute marcado por forte influecircncia das
etnias indiacutegenas e africanas A proacutepria etimologia do nome Mageacute que significa feiticeiro ou
pajeacute2 eacute de origem tupi-guarani
Ao chegar na regiatildeo rural onde aconteceria a pesquisa me deparei com um lugar
repleto de histoacuterias que dialogavam a todo tempo com minha temaacutetica entre elas a
existecircncia de uma fazenda centenaacuteria que ateacute haacute uns poucos anos possuiacutea resquiacutecios de
uma senzala Havia tambeacutem a presenccedila de engenhos de mandioca onde ainda hoje se
produz farinha artesanal e igrejas com mais de 300 anos de existecircncia Tudo me trazia agrave
memoacuteria os trabalhadores da terra os homens escravizados as geraccedilotildees fragilizadas
Impossiacutevel foi natildeo rememorar algumas leituras e escritos meus sobre aquele municiacutepio
que sempre me despertou curiosidade
Mageacute foi ganhando evidecircncia a priori graccedilas agraves suas riquezas naturais e agravequeles que ajudaram a cultivar a terra neste periacuteodo colonial os negros escravizados No entanto na terra dos heroacuteis e tradiccedilotildees3 os negros escravizados natildeo recebiam status de heroacuteis sequer satildeo mencionados hoje na histoacuteria do tempo presente como aqueles que contribuiacuteram para construccedilatildeo de igrejas da primeira linha feacuterrea do Brasil e para o abastecimento econocircmico da Capital a partir do cultivo do solo Para eles sempre sobrou a histoacuteria uacutenica que comumente o rotulava de indolentes preguiccedilosos e sem qualquer valor moral (PEREIRA 2016 p 16)
Conceiccedilatildeo de Suruiacute regiatildeo rural onde estaacute situada a Escola Municipal Dinorah dos
Santos Bastos localiza-se no 4deg distrito de Mageacute chamado Suruiacute Este lugar possui muitas
memoacuterias no que tange a escravidatildeo de negros nas lavouras locais Evidenciar as memoacuterias
e as contribuiccedilotildees de heroacuteis a contrapelo4 me aponta caminhos para uma educaccedilatildeo outra
onde os diferentes sujeitos sejam reconhecidos como outros legiacutetimos outros (MATURANA
VARELA 1995) Ao longo deste trabalho a expressatildeo mencionada seraacute uma constante
tendo em vista a forccedila que ela representa em minha trajetoacuteria
2 Ver etimologia dos nomes afro-indiacutegenas no seguinte trabalho httpwwwpgletrascombr2014 dissertacoes diss-Sivaldo-Correia-da-Silvapdf 3 Trecho do hino do Municiacutepio de Mageacute Link httpswwwletrasmusbrhinos-de-cidades941163 4 Expressatildeo do filoacutesofo alematildeo Walter Benjamin Em seus escritos o autor fala sobre a histoacuteria a contrapelo (LOumlWY 2011) Ou seja a histoacuteria contada sob o ponto de vista dos vencidos Nesse contexto nossos heroacuteis a contrapelo satildeo todos que a histoacuteria oficial natildeo evidencia
3
Os bioacutelogos Humberto Maturana e Francisco Varela expoentes desta expressatildeo
constroem redes de conhecimentos para pensar o ser humano de forma global
integradora e relacional rompendo com os determinismos bioloacutegicos da ciecircncia
tradicional Para eles a construccedilatildeo do conhecimento se daacute porque o ser vivo possui a
capacidade de se auto organizar autogerir e isso acontece quando na relaccedilatildeo com o outro
no social
Rossetto (2010) ao refletir sobre as contribuiccedilotildees de Maturana na educaccedilatildeo afirma
que haacute uma forte defesa da cultura da diversidade pois eacute afirmado que natildeo existem
pessoas iguais ao romper com a geneacutetica como algo predeterminado Por esse motivo os
estudos de Humberto Maturana e Francisco Varela5 satildeo muito recorrentes no campo
educacional jaacute que a formaccedilatildeo do outro como totalmente outro constitui-se como objetivo
da educaccedilatildeo ou ao menos deveria ser
Desse modo tenho me apropriado dessa rica referecircncia ao longo da escrita
entendendo que suas leituras podem ampliar meu olhar para melhor conversar e conhecer
o outro na sua diversidade
A esse ato de ampliar nosso domiacutenio cognitivo reflexivo que sempre implica uma experiecircncia nova soacute podemos chegar pelo raciociacutenio motivado pelo encontro com o outro pela possibilidade de olhar o outro como um igual num ato que habitualmente chamamos de amor ndash ou se natildeo quisermos usar uma palavra tatildeo forte a aceitaccedilatildeo do outro ao nosso lado na convivecircncia (MATURANA VARELA 1995 p 263)
E estimulada a ver o outro como legiacutetimo outro eacute que inicio o trabalho em 2015 com
estudantes da Educaccedilatildeo Infantil contemplando e tambeacutem sendo contemplados com as
duas turmas de Preacute-escolar (I e II) que havia na escola
A opccedilatildeo pela primeira etapa de escolarizaccedilatildeo ocorreu por entender que as relaccedilotildees
raciais desiguais e segregadoras se constroem desde a mais tenra idade Foi notado
tambeacutem que haacute uma certa carecircncia de produccedilotildees acadecircmicas que privilegiem as categorias
raccedila e infacircncia Silva e Souza (2013) em pesquisa realizada de 2003 a 2011 chegam agrave
seguinte conclusatildeo
5 Pois juntos inauguram a Teoria Epistecircmica que discorreremos mais a frente
4
Com relaccedilatildeo ao objeto especiacutefico que buscamos escritos sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais em Educaccedilatildeo Infantil foram localizados publicados a partir de 2003 somente 4 artigos 1 livro 5 capiacutetulos de livro uma tese e 14 dissertaccedilotildees Escalonando as publicaccedilotildees pelos anos de 2003 a 2011 observa-se uma tendecircncia a ligeiro aumento no decorrer dos anos Os 4 artigos localizados foram publicados 2 em 2006 e 2 em 2010 A uacutenica tese identificada foi publicada em 2007 e gerou outras publicaccedilotildees nos anos posteriores 1 capiacutetulo de livro em 2008 e 1 artigo em 2010 As dissertaccedilotildees foram o uacutenico formato permanentemente presente que teve maior concentraccedilatildeo em 2007 e 2008 (trecircs publicaccedilotildees em cada ano) Ou seja aleacutem de uma publicaccedilatildeo de pequena monta a concentraccedilatildeo estaacute na realizaccedilatildeo de trabalhos de pesquisadores em formaccedilatildeo (p 37)
Para aleacutem dessas questotildees venho percebendo que nossa formaccedilatildeo desde muito
cedo tem sido perpassada por paradigmas que nos impotildeem narrativas hegemocircnicas de
identidade (SILVA 2007) levando-nos a acreditar em histoacuterias uacutenicas em processos e
praacuteticas singulares que acabam por segregar e excluir os sujeitos da diferenccedila que
necessitam de um olhar natildeo homogeneizante O enfoque na Educaccedilatildeo Infantil aleacutem dos
motivos apresentados deveu-se ao fato por tratar de importante fase para se pensar e
praticar uma educaccedilatildeo para a Diversidade e Inclusatildeo
Desse modo o ensino da diversidade eacutetnico-racial passou a ser um desafio tendo em
vista que um dos seus objetivos eacute o de romper com os paradigmas da escola moderna
centrados no ensino monocultural reducionista e etnocecircntrico Haacute algum tempo meus
caminhos de formaccedilatildeo tecircm me levado a questionar os sentidos da escola da qual somos
oriundos Fruto da razatildeo iluminista instrumental as escolas brasileiras se construiacuteram
sobre as bases de uma loacutegica cartesiana que pouco espaccedilo tem cedido para a diversidade
de sujeitos e saberes Como docente-pesquisadora6 da escola baacutesica haacute um pouco mais de
7 anos venho refletindo sobre a importacircncia de uma educaccedilatildeo multicultural que privilegie
as experiecircncias dos praticantes do cotidiano escolar
Entendendo a experiecircncia como algo que nos passa (LARROSA 2002 p 21) posso
afirmar que o que me orienta para outros caminhos de reflexatildeo-accedilatildeo onde a inclusatildeo da
diversidade eacute uma constante tem forte ligaccedilatildeo com os diferentes espaccedilos tempos dos
quais experienciei durante a vida
6 Importante salientar que minha trajetoacuteria como professora-pesquisadora se iniciou no ano de 2008 quando entrei em um projeto de iniciaccedilatildeo agrave docecircncia permanecendo por 4 anos Quando formada apoacutes um ano ingressei no Municiacutepio de Mageacute como professora dos anos iniciais estando ateacute os dias atuais
5
Vale ressaltar que para Larrosa (2002) a experiecircncia eacute um acontecimento que nos
atravessa e nos transforma O autor fundamenta-se em Walter Benjamin para afirmar que
nunca se passaram tantas coisas mas a experiecircncia eacute cada vez mais rara (p 20) e tem
relaccedilatildeo direta com o excesso de informaccedilatildeo Ao considerar que a experiecircncia eacute algo que
me atravessa devo supor que ela eacute externa a mim e eu sou o lugar da experiecircncia Para
que ela afete minhas palavras minhas ideias e meus projetos eacute necessaacuterio um movimento
reflexivo e o excesso de informaccedilatildeo pode limitar a ocorrecircncia dessa experiecircncia
Desse modo ao discorrer sobre as dimensotildees da experiecircncia Jorge Larrosa se
apropria de trecircs princiacutepios reflexividade subjetividade e transformaccedilatildeo Todos eles vatildeo
implicar em um processo de alteridade onde o sujeito deve se reconhecer natildeo enquanto
o sujeito do saber ou do poder ou do querer senatildeo o sujeito da formaccedilatildeo e da
transformaccedilatildeo (LARROSA 2011 p 7)
Com isso compartilho as diferentes experiecircncias que me afetaram e que vecircm me
transformando Posso atribuir tal transformaccedilatildeo aos diferentes percursos experienciados
ao longo da vida
Nilda Alves (2004) aborda a necessidade de superaccedilatildeo da ideia de que a formaccedilatildeo
docente se daacute em percursos individuais A autora evidencia que as redes que nos formam
estatildeo interligadas ao espaccedilo acadecircmico agraves experiecircncias das pesquisas em educaccedilatildeo da
praacutetica pedagoacutegica da accedilatildeo governamental e tambeacutem da praacutetica coletiva poliacutetica (ALVES
2004 p 20)
Acrescento que minhas escolhas ideoloacutegicas e assim os caminhos de formaccedilatildeo pelos
quais me enveredei tecircm muito a ver tambeacutem com as memoacuterias de uma infacircncia permeada
por questionamentos diversos sobretudo acerca das heranccedilas raciais que marcam minha
existecircncia A seguir um trecho de algumas dessas memoacuterias de infacircncia
Lembrei-me que na infacircncia por algum tempo neguei os traccedilos fiacutesicos que herdaraacute do meu pai homem negro Lembro-me de ser chamada de nariz de batatinha Isso me incomodava pois natildeo tinha um nariz ldquoafiladordquo como dizia minha avoacute materna (mulher negra) Outro incocircmodo constante era o meu cabelo muito cheio e com cachos que se embaraccedilavam com facilidade Certa vez ouvi dizer que o desprezo da cor eacute o mesmo que o do corpo Concordei pois sem ter consciecircncia desprezava minha histoacuteria minhas raiacutezes desprezava que por debaixo dos caracoacuteis daqueles cabelos tinha uma histoacuteria para contar parafraseando o cantor Histoacuteria de carinho e dedicaccedilatildeo de quando minha matildee e minha tia perdiam horas moldando meus cachinhos
6
exaltando a beleza de um cabelo afro Talvez o desprezo sem querer da figura do meu pai de quem sempre tive muito orgulho Este por sua vez foi um dos que me serviu de inspiraccedilatildeo Em sua histoacuteria de vida natildeo satildeo poucas as narrativas envolvendo violecircncias simboacutelicas constantes e crueacuteis Lembro-me de quando ele teve a oportunidade de comprar seu primeiro carro 0Km Saiu da concessionaacuteria com o carro sem placa e foi abordado em nossa cidade por policiais que ao fazerem a identificaccedilatildeo com os documentos soltaram o seguinte discurso constrangido ldquoA cor do carro eacute muito chamativardquo Cresci ouvindo essa histoacuteria de descaso desrespeito a dignidade de um trabalhador que queria apenas natildeo ter a sua dignidade roubada por desconfianccedilas e assim ser reconhecido como outro legiacutetimo outro Agora quase quinze anos depois percebo com maior clareza o que estaacute por traacutes daquele discurso preconceituoso Na verdade o que chamava atenccedilatildeo natildeo era a cor vermelha do Gol mas a cor do homem que o dirigia Outra figura importante que me inspirou foi meu irmatildeo Ele chegou durante a minha primeira infacircncia Com os olhos de jabuticaba e talvez com a mesma cor de pele Desde muito cedo eu tive que conviver com questionamentos na escola do gecircnero -ldquoEle eacute adotadordquo Aos 6 anos de idade na minha inocecircncia eu respondia conforme minha matildee mandava - ldquoEle eacute diferente porque puxou o meu pai Eu puxei a cor da minha matildeerdquo (PEREIRA PEREIRA 2016 p 8)
Fica expliacutecito que os caminhos pelos quais tenho percorrido possuem estreita relaccedilatildeo
com uma infacircncia perpassada por histoacuterias uacutenicas ndash reforccediladas pela educaccedilatildeo escolar ndash
onde as bonecas e as personagens das histoacuterias jamais tinham cabelos cacheados e ldquonariz
de batatinhardquo como os meus para que eu pudesse me sentir representada e satisfeita
comigo mesma Hoje como professora percebo o quatildeo perigosas podem se tornar tais
histoacuterias quando observamos a construccedilatildeo da identidade de uma crianccedila Me incomoda
saber que tais enredos satildeo reforccedilados diariamente no cotidiano de nossas escolas sob
outras imagens mas que geralmente possuem o intuito de legitimar padrotildees hegemocircnicos
e reforccedilar maneiras uacutenicas de ser e estar no mundo
Compreendido isto minha atuaccedilatildeo profissional tem sido um constante
questionamento natildeo soacute sobre o caraacuteter monocultural e reducionista que permeiam o
curriacuteculo escolar bem como sobre as poliacuteticas e praacuteticas que hoje tecircm tensionado o debate
acerca da inclusatildeo da diversidade eacutetnico-racial nos estabelecimentos oficiais de ensino No
ano de 2013 ao ingressar no curso de especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias
Sociais na Universidade Federal Fluminense aprofundei minhas redes de conhecimento
sobre a relevacircncia de uma educaccedilatildeo a contrapelo onde as histoacuterias de vida e as teorias
cientiacuteficas se entrelaccedilam formando redes colaborativas Ao cursar a disciplina Raccedila
7
curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica fui surpreendida com a existecircncia de um dispositivo legal7
que torna obrigatoacuterio o Ensino da Histoacuteria da Aacutefrica e da Cultura Afro-brasileira nas
instituiccedilotildees escolares A surpresa era porque sendo professora e formada haacute poucos mais
de dois anos a questatildeo nunca me alcanccedilou quando docente em formaccedilatildeo inicial Mesmo
sabendo que os conteuacutedos ligados agrave Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira eram atribuiccedilotildees
especialmente das aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria natildeo me sentia
isenta de apresentar para os meus estudantes dos anos iniciais as memoacuterias e
contribuiccedilotildees culturais da populaccedilatildeo negra para a construccedilatildeo da sociedade brasileira
Refleti sobre minha trajetoacuteria na academia iniciada em 2007 me certificando de que
nenhuma das disciplinas oferecidas se aproximaram da discussatildeo racial Em 2011 quando
concluiacute a formaccedilatildeo em Pedagogia na UFF o curso passara por uma reformulaccedilatildeo curricular
no qual a disciplina Relaccedilotildees eacutetnico-raciais na escola foi incluiacuteda por forccedila da lei federal
1063903 com 60h de carga horaacuteria
Natildeo obstante ao retomar meus estudos na poacutes-graduaccedilatildeo tive como desafio
compreender o porquecirc noacutes professores principalmente dos anos iniciais da Educaccedilatildeo
Baacutesica natildeo estaacutevamos sendo alcanccedilados com as orientaccedilotildees de um dispositivo que tem
como objetivo banir a perpetuaccedilatildeo das desigualdades eacutetnico-raciais A partir de entatildeo
comecei a entrelaccedilar os fios que mais tarde se tornariam objeto de pesquisa8 na
especializaccedilatildeo e posteriormente no mestrado
Ao ingressar no Mestrado Profissional9 em Diversidade e Inclusatildeo vi a possibilidade
de ampliar minhas reflexotildees acerca dos processos teacutecnicas e teorias cientiacuteficas que fossem
mais includentes da vida na sua diversidade Assim ao me inserir na linha de pesquisa
Interdisciplinaridade e Questotildees de Ensino propus a realizaccedilatildeo de um estudo que
atendesse agraves minhas demandas de praticante reflexiva do cotidiano Tambeacutem objetivei a
partir da minha experiecircncia apontar caminhos para a complexa tarefa que eacute a formaccedilatildeo
docente sobretudo quando se trata de incluir a diversidade
7 A lei federal 1063903 foi promulgada no governo do presidente Luiz Inaacutecio Lula da Silva e representa um dispositivo que marca a luta antirracista nos espaccedilos formais de ensino Ver Brasil (2003) 8 O trabalho final de conclusatildeo de curso foi intitulado por ldquoConversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeosrdquo Orientado pela professora Nivea Maria da Silva Andrade 9 Segundo o Capes o Mestrado Profissional (MP) eacute uma modalidade de Poacutes-Graduaccedilatildeo stricto sensu voltada para a capacitaccedilatildeo de profissionais nas diversas aacutereas do conhecimento mediante o estudo de teacutecnicas processos ou temaacuteticas que atendam a alguma demanda do mercado de trabalho
8
Acreditando que esta pesquisa se deu em via de matildeo dupla pois ao passo que
ensinei sempre aprendi mais apresento como produto final desta pesquisa as oficinas
desenvolvidas com os meus alunos sobre a temaacutetica eacutetnico-racial Tais oficinas compotildeem
um caderno pedagoacutegico que seraacute disponibilizando gratuitamente online visando
contribuir com os docentes na construccedilatildeo de um repertoacuterio mais amplo de atividades a
serem desenvolvidas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil sobre a temaacutetica
Para situar o leitor apresento os caminhos percorridos para a elaboraccedilatildeo deste
trabalho No primeiro momento discorro sobre a necessaacuteria reflexatildeo acerca da educaccedilatildeo
inclusiva bem como a diversidade de sujeitos praacuteticas e culturas que esta educaccedilatildeo
contempla Seguido dessas anaacutelises elaboro reflexotildees sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais a lei que o institui e os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros como saberes
instituintes na Educaccedilatildeo Infantil para a superaccedilatildeo do saber universal que secundariza e ateacute
mesmo silencia a produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra (GONCcedilALVES 1987) Apoacutes essas
discussotildees apresento os atores da pesquisa o lugar de onde falo e as parcerias
estabelecidas Essa primeira parte eacute finalizada com a construccedilatildeo de redes reflexivas em
torno da dimensatildeo eacutetnico-racial e da infacircncia
No segundo momento apresento os objetivos geral e os especiacuteficos deste trabalho
O objetivo geral eacute abordar as questotildees eacutetnico-raciais a partir de metodologias interativas
com enfoque na sociologia da infacircncia em uma escola rural do municiacutepio de Mageacute
Enquanto que os objetivos especiacuteficos representam as metas delimitadas para a
concretizaccedilatildeo do objetivo geral
No terceiro momento trago a metodologia da pesquisa explicitando como ocorreu
o levantamento de dados e as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas Enquanto o quarto
momento eacute dedicado aos resultados Busco analisar e discutir as oficinas que satildeo a base
para a elaboraccedilatildeo do Caderno Pedagoacutegico para os professores da Educaccedilatildeo Infantil
Concluo com o quinto momento ao retomar os objetivos especiacuteficos demonstrando suas
contribuiccedilotildees para o desfecho do objetivo geral
Portanto convido o leitor a percorrer os caminhos da pesquisa ldquoA dimensatildeo eacutetnico-
racial a partir do olhar da crianccedila a inclusatildeo da diversidade por meio de experiecircncias
instituintesrdquo
9
12 Eacute PRECISO FALAR SOBRE DIVERSIDADE E INCLUSAtildeO
Haacute quem possa pensar que o conceito de inclusatildeo escolar estaacute estritamente
relacionado agrave questatildeo das deficiecircncias (cognitivas visuais auditivas e outras) Ao iniciar o
mestrado natildeo me surpreendeu questionamentos de algumas pessoas acerca da minha
temaacutetica e consequentemente minha inserccedilatildeo naquele espaccedilo acadecircmico10 Natildeo obstante
em meio a questionamentos e provocaccedilotildees percebi que era urgente uma reflexatildeo mais
aprofundada sobre a diversidade e a inclusatildeo
Igualdade de condiccedilotildees para o acesso e permanecircncia na escola eacute o que prevecirc um dos
princiacutepios da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) lei federal nordm 93949611 Contudo essa
importante previsatildeo natildeo tem sido percebida no contexto da educaccedilatildeo brasileira em virtude
das desigualdades de oportunidade para os grupos minoritaacuterios Haacute quem pergunte que
grupos satildeo esses Penso que satildeo todos aqueles que estatildeo em desvantagens sociais e
econocircmicas tais como mulheres crianccedilas grupos eacutetnico-raciais pessoas com deficiecircncia
e altas habilidades populaccedilatildeo pobre e do campo Esses e outros grupos chamo de minoria
que compotildee a diversidade brasileira
Cabe ressaltar que a categoria minoria pode causar confusatildeo quando referida a
grupos de mulheres negros indiacutegenas crianccedilas populaccedilatildeo pobre jaacute que estes
representam a maioria Importante esclarecer que no discurso hegemocircnico minoria daacute a
ideia de grupo inferior No entanto esse conceito na Contemporaneidade vem romper com
as questotildees quantitativas dando vez agraves demandas das singularidades dos grupos culturais
Segundo o antropoacutelogo indiano Arjun Appadurai (2009) as minorias lembram agraves maiorias
que elas natildeo satildeo plenas e totais
Dessa maneira eacute preciso reconhecer que os grupos citados possuem direitos para
aleacutem daqueles que jaacute satildeo garantidos agravequeles que sempre tiveram condiccedilotildees favoraacuteveis de
acesso e de permanecircncia escolar Entendo que a educaccedilatildeo inclusiva deve buscar dar mais
condiccedilotildees de acesso e permanecircncia para aqueles que menos tecircm e isso implica em pensar
natildeo soacute nos sujeitos mas nas praacuteticas que tecircm norteado o cotidiano escolar
10 O Curso de Mestrado Profissional em Diversidade e Inclusatildeo estaacute situado no Instituto de Biologia da UFF 11 Este eacute o primeiro princiacutepio do tiacutetulo II que trata da Educaccedilatildeo Nacional Os doze incisos compreendidos nesse tiacutetulo dizem como o ensino deve ser regido Conforme Brasil (1996)
10
Santos (2014) nos provoca a pensar na educaccedilatildeo inclusiva enquanto um processo
para todos e natildeo como propriedade de determinados grupos Quando esse processo natildeo
alcanccedila a todos haacute a exclusatildeo e acabamos reforccedilando a ideia de que a inclusatildeo eacute apenas
para alguns e natildeo para todos Para banir o processo de exclusatildeo eacute preciso fazer um
movimento a contrapelo um movimento de inclusatildeo de todos por inteiro onde haja a
aceitaccedilatildeo de uns aos lados dos outros enquanto legiacutetimos outros
A ideia de inclusatildeo como afirma a autora natildeo pode ser focada em determinados
grupos eacute preciso adotar uma perspectiva de anaacutelise Omnileacutetica12 Tal neologismo
compreende aspectos morfoloacutegicos e categoriais que desde a sua criaccedilatildeo tem exigido
inuacutemeras reflexotildees coletivas por parte dos integrantes do grupo de pesquisa13 do qual a
mesma eacute coordenadora Em suma a Omnileacutetica vai se afirmar como tudo em relaccedilatildeo ndash
entendendo tambeacutem a diversidade onde o olhar para a totalidade eacute uma constante Satildeo
trecircs as categorias que embasam o conceito tridimensionalidade dialeacutetica e pensamento
complexo (SANTOS 2015 p 54) Buscamos neste momento apresentar alguns princiacutepios
do instrumento de anaacutelise que tem favorecido o desenvolvimento da omnileacutetica o Index
para Inclusatildeo (BOOTH AISCOW 2011) Trata-se de um material que permite pensar a
educaccedilatildeo inclusiva a partir de praacuteticas poliacuteticas e culturas que contemplam a vida humana
Essas trecircs dimensotildees satildeo apropriadas por noacutes no transcorrer deste trabalho Percebemos
que as ideias dialogam com o que identificamos como uma educaccedilatildeo instituinte onde a
inclusatildeo da vida na diversidade eacute um valor
No que se refere agrave dimensatildeo das culturas inclusivas podemos ler que
() refere-se agrave criaccedilatildeo de comunidades seguras acolhedoras colaborativas estimulantes em que todos satildeo valorizados Os valores inclusivos compartilhados satildeo desenvolvidos e transmitidos a todos os professores agraves crianccedilas e suas famiacutelias gestores comunidades circunvizinhas e todos os outros que trabalham na escola e com ela Os valores inclusivos de cultura orientam decisotildees sobre poliacuteticas e a praacutetica a cada momento de modo que o desenvolvimento eacute coerente e contiacutenuo A incorporaccedilatildeo de mudanccedila dentro das culturas da escola assegura que
12Omni eacute um prefixo latino que representa tudo Leto eacute um radical grego que no substantivo refere-se a variedade e como verbo eacute tudo aquilo que estaacute oculto O sufixo ico eacute de origem grega e daacute sentido de relaccedilatildeo participaccedilatildeo O conceito pode ser encontrado no texto Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura omnileacutetica disponiacutevel em httpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdf 13LAPEADE - Laboratoacuterio de Pesquisa Estudos e Apoio agrave Participaccedilatildeo e agrave Diversidade em Educaccedilatildeo Para mais informaccedilotildees consultar httpwwwlapeadecombr
11
ela esteja integrada nas identidades de adultos e crianccedilas e seja transmitida aos que estatildeo chegando agrave escola (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
A dimensatildeo que aborda as poliacuteticas inclusivas visa garantir
()que a inclusatildeo permeie todos os planos da escola e envolva a todos As poliacuteticas encorajam a participaccedilatildeo das crianccedilas e professores desde quando estes chegam agrave escola Elas encorajam a escola a atingir todas as crianccedilas na localidade e minimiza as pressotildees exclusionaacuterias As poliacuteticas de suporte envolvem todas as atividades que aumentam a capacidade da ambientaccedilatildeo de responder agrave diversidade dos envolvidos nela de forma a valorizar a todos igualmente Todas as formas de suporte estatildeo ligadas numa uacutenica estrutura que pretende garantir a participaccedilatildeo de todos e o desenvolvimento da escola como um todo (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Com relaccedilatildeo a dimensatildeo das praacuteticas inclusivas estas relacionam-se com o pensar
sobre o que se ensina e se aprende e o como se ensina e se aprende visando a reflexatildeo e a
praacutetica de valores e poliacuteticas inclusivos
() As implicaccedilotildees de valores inclusivos para estruturar o conteuacutedo de atividades de aprendizagem satildeo trabalhadas na seccedilatildeo lsquoConstruindo curriacuteculos para todosrsquo Esta liga a aprendizagem agrave experiecircncia local e globalmente bem como a Direitos e incorpora assuntos de sustentabilidade A aprendizagem eacute orquestrada de modo que o ensino e as atividades de aprendizagem se tornam responsivos agrave diversidade de jovens na escola As crianccedilas satildeo encorajadas a ser ativas reflexivas aprendizes criacuteticas e satildeo vistas como um recurso para a aprendizagem umas das outras Os adultos trabalham juntos de modo que todos assumem responsabilidade pela aprendizagem de todas as crianccedilas (BOOTH AISCOW 2011 p 46)
Desse modo fica reforccedilado que a diversidade e a inclusatildeo estatildeo para aleacutem de acolher
os sujeitos com deficiecircncia ou com altas habilidades visto que tambeacutem trabalham com as
diferenccedilas culturais como os modos de estabelecer valores e construir praacuteticas onde
todos sem exceccedilatildeo sejam alcanccedilados Por entender a urgente necessidade de se trabalhar
a diversidade e a inclusatildeo na escola nos baseamos nos movimentos de direitos humanos
destacando o que estaacute inscrito na Declaraccedilatildeo de Salamanca
O princiacutepio que orienta esta Estrutura eacute o de que escolas deveriam acomodar todas as crianccedilas independentemente de suas condiccedilotildees
12
fiacutesicas intelectuais sociais emocionais linguumliacutesticas ou outras Aquelas deveriam incluir crianccedilas deficientes e super-dotadas crianccedilas de rua e que trabalham crianccedilas de origem remota ou de populaccedilatildeo nocircmade crianccedilas pertencentes a minorias linguumliacutesticas eacutetnicas ou culturais e crianccedilas de outros grupos desavantajados ou marginalizados (UNESCO 1994 p 3)
Partindo do entendimento de que a inclusatildeo escolar refere-se mais agrave reinvenccedilatildeo do
modo de pensar e de fazer a educaccedilatildeo do que propriamente acolher determinados grupos
eacute que foram emergindo algumas memoacuterias instituintes da minha trajetoacuteria de formaccedilatildeo do
tempo em que iniciei meu percurso como professora-pesquisadora no grupo de pesquisa
ldquoAs ldquoartes de fazerrdquo educaccedilatildeo em ciclosrdquo14 Este grupo tem baseado o trabalho no diaacutelogo
entre os diferentes sujeitos da escola baacutesica e da universidade considerando que a troca
de conhecimentos possibilita a emergecircncia de experiecircncias instituintes Para aleacutem de
favorecer uma relaccedilatildeo dialoacutegica com o outro os projetos do grupo ldquoAs artes de fazerrdquo
estiveram voltados para a percepccedilatildeo de manifestaccedilotildees poliacutetico-culturais do cotidiano que
possibilitassem a inclusatildeo democraacutetica e participativa de diferentes sujeitos por inteiro na
cultura (DOMINICK 2011 p 151)
Estar sensiacutevel agraves urgecircncias de uma educaccedilatildeo que atenda agraves diversas especificidades
humanassociais tem ligaccedilatildeo direta com meus percursos de formaccedilatildeo Mas tambeacutem tem
muito a ver com as imagens-memoacuterias15de uma infacircncia que deixaram marcas e que hoje
gritam para serem questionadas e reinventadas Tenho aprendido que um caminho
possiacutevel para romper com as histoacuterias uacutenicas satildeo as experiecircncias instituintes defendida por
Ceacutelia Linhares como
()accedilotildees poliacuteticas produzidas historicamente que vatildeo se endereccedilando para uma outra educaccedilatildeo e uma outra cultura marcadas pela construccedilatildeo permanente de uma maior includecircncia da vida uma dignificaccedilatildeo permanente do humano em sua pluralidade eacutetica uma afirmaccedilatildeo intransigente da igualdade humana em suas dimensotildees educacionais e
escolares poliacuteticas econocircmicas sociais e culturais (LINHARES [200] p 8)
14 Em 2007 comecei a cursar Pedagogia na Universidade Federal Fluminense Em 2008 entrei para o grupo de pesquisa ldquoAs lsquoartes de fazerrsquo educaccedilatildeo em ciclos na rede municipal de educaccedilatildeo de Niteroacuteirdquo onde tive minhas primeiras vivecircncias enquanto professora-pesquisadora em formaccedilatildeo 15 Segundo a autora as imagens-memoacuterias satildeo tatuagens psicoculturais impressas em nossa corporeidade Satildeo memoacuterias do esquecimento da repeticcedilatildeo Elas nos conduzem agrave repeticcedilatildeo sem questionamentos fazem parte dos haacutebitos de determinados grupos e natildeo nos perguntamos sobre sua gecircnese ou sobre sua eficaacutecia
13
Para melhor entender esta categoria da qual venho me apropriando vale esclarecer
que o instituinte segundo a autora natildeo pode se confundir com o novo Esta categoria eacute
entendida a partir de um movimento dialeacutetico no sentido da palavra onde passado
presente e futuro devem estar em constantes interaccedilotildees Dessa maneira ao rememorar as
histoacuterias uacutenicas vivenciadas em minha infacircncia e perceber hoje o quanto elas podem ser
perigosas no que tange agrave formaccedilatildeo identitaacuteria dos sujeitos eacute que busco brechas e subverto
o instituiacutedo para incluir em minha praacutetica cotidiana um olhar mais conectado com a vida
em sua diversidade e inclusatildeo
13 A LEI 1063903 UM MARCO HISTOacuteRICO NA LUTA ANTIRRACISTA
Na busca pela superaccedilatildeo do racismo do preconceito e de praacuteticas segregacionistas
os militantes de movimentos sociais e intelectuais negros sempre souberam que a escola
enquanto um aparelho ideoloacutegico sucessivamente reproduziu os interesses das classes
hegemocircnicas Contudo tambeacutem foi percebido que a escola tem sido um espaccedilo de disputa
onde as classes dominantes e subordinadas tecircm buscado atingir seus mais diferentes
objetivos (YOUNG 2007 p 1292) Desse modo conhecimentos outros podem ser
construiacutedos a favor do rompimento das desigualdades raciais e emancipaccedilatildeo dos sujeitos
Aprovada no Congresso e sancionada pelo Governo Federal a Lei 1063903 alterou
a Lei 939496 (LDB) e tornou obrigatoacuterio o ensino da histoacuteria da Aacutefrica e cultura afro-
brasileira no curriacuteculo escolar do Ensino Fundamental e Meacutedio Hoje essa lei eacute reconhecida
como um marco na luta por uma educaccedilatildeo antirracista no Brasil Eacute importante frisar que
este dispositivo foi uma grande conquista que natildeo nasceu da noite para o dia mas que foi
alcanccedilada por meio de muitos embates
Mas quais as alteraccedilotildees que este dispositivo traz perguntariam alguns professores
A referida lei altera a LDB com o acreacutescimo dos artigos 26-A e 79-B tornando obrigatoacuterio
o ensino da histoacuteria e cultura afro-brasileira nos estabelecimentos de Ensino Fundamental
e Meacutedio Aleacutem de garantir que esses conteuacutedos sejam ministrados no acircmbito de todo o
curriacuteculo escolar em especial nas aacutereas de Educaccedilatildeo Artiacutestica de Literatura e Histoacuteria
Brasileiras Tambeacutem inclui no calendaacuterio escolar o dia 20 de novembro (Art 79-B) como
ldquoDia Nacional da Consciecircncia Negrardquo por meio da figura de Zumbi dos Palmares
14
Segundo Paula (2010) houve muitas resistecircncias para a implementaccedilatildeo da lei
mesmo sendo um instrumento que apresenta uma obrigatoriedade Buscando sua
efetividade um ano apoacutes a sua implementaccedilatildeo foram instituiacutedas Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura
Afro-Brasileira e Africana (DCN ERER) por meio da Resoluccedilatildeo nordm 1 de 17 de junho de 2004
Como parte de uma poliacutetica de accedilotildees afirmativas tais dispositivos buscaram uma
educaccedilatildeo que reparasse os direitos que foram negados agrave populaccedilatildeo negra do Brasil ao
longo da histoacuteria Podemos afirmar que se trata de uma exigecircncia legal eacutetica e moral que
as instituiccedilotildees de ensino devem cumprir Para Paula (2010) o debate da lei e os dispositivos
que a complementam fazem parte de accedilotildees poliacutetico-pedagoacutegicas que devem ser
compromisso de todos os atores do cotidiano escolar O autor afirma ainda que as
diretrizes devem ser observadas por todas as instituiccedilotildees de ensino e desmonta a ideia de
que as discussotildees sobre a questatildeo racial se limitam a estudiosos e ao movimento negro
Desse modo as Diretrizes Curriculares Nacionais afirmam
A escola enquanto instituiccedilatildeo social responsaacutevel por assegurar o direito da educaccedilatildeo a todo e qualquer cidadatildeo deveraacute se posicionar politicamente como jaacute vimos contra toda e qualquer forma de discriminaccedilatildeo A luta pela superaccedilatildeo do racismo e da discriminaccedilatildeo racial eacute pois tarefa de todo educador independentemente de seu pertencimento eacutetnico-racial crenccedila religiosa ou posiccedilatildeo poliacutetica (BRASIL 2004 p 16)
Como citado anteriormente a LDB e a lei percursora da luta educacional antirracista
(lei 1063903) sofrem alteraccedilotildees apoacutes cinco anos de existecircncia desta uacuteltima A mudanccedila
ocorrida veio contemplar a questatildeo indiacutegena como parte da educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-
raciais A partir deste momento a lei 1164508 torna obrigatoacuterio o estudo da histoacuteria e
cultura afro-brasileira e indiacutegena Paula (2010) explica que
() a questatildeo indiacutegena na legislaccedilatildeo educacional jaacute possuiacutea certa normatizaccedilatildeo e regulamentaccedilatildeo dentre as quais Diretrizes Curriculares Nacionais especiacuteficas para a Educaccedilatildeo Indiacutegena Resoluccedilotildees quanto agrave organizaccedilatildeo das escolas indiacutegenas regulamentando uso das liacutenguas nativas etc Faltava inserir a temaacutetica no contexto da luta anti-racista anti-excludente com vistas a uma integraccedilatildeo positiva no processo de construccedilatildeo e formaccedilatildeo da identidade educacional e nacional Tarefa cumprida sob o ponto de vista legal com a alteraccedilatildeo e modificaccedilatildeo da Lei em questatildeo (p 4)
15
Nesse sentido fica claro que essas alteraccedilotildees natildeo invalidam as prerrogativas da lei
anterior A meu ver apenas reforccedilam a importacircncia da sensibilizaccedilatildeo para o conhecimento
da diversidade eacutetnica que temos por heranccedila
14 O ENSINO DAS RELACcedilOtildeES EacuteTNICO-RACIAIS ALGUMAS REFLEXOtildeES
As aulas da disciplina Raccedila curriacuteculo e praacutexis pedagoacutegica da especializaccedilatildeo me
provocaram a pensar no quanto pode ser desafiador mudar uma perspectiva educacional
pautada em padrotildees hegemocircnicos onde os saberes ditos universais se utilizam dos
mecanismos de poder para discriminar inferiorizar e segregar os sujeitos da diferenccedila
Comeccedilo a refletir sobre os movimentos necessaacuterios para potencializar a educaccedilatildeo
para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais Vale ressaltar que a expressatildeo eacutetnico-racial eacute defendida
pelas DCNs como a ldquonecessidade de marcar o reconhecimento de que as tensotildees existentes
devido agrave cor e aos traccedilos fisionocircmicos estatildeo entrelaccediladas agraves diferenccedilas culturaisrdquo
(ARANTES ANDRADE 2013 p 388)
Estabeleci conversas com diversos autores para melhor entender as consequecircncias
de viver e ser educado sob o domiacutenio de uma sociedade construiacuteda e legitimada com base
em uma soacute cultura uma soacute liacutengua uma soacute religiatildeo Poreacutem eacute sabido que o Brasil nasceu do
encontro com as diferentes etnias e culturas dos povos indiacutegenas europeus e africanos
Estes que no seacuteculo XVI foram reconhecidos como as grandes trecircs raccedilas16 seriam
respectivamente a raccedila amarela branca e negra
Vale ressaltar que classificar a diversidade humana em raccedilas distintas desde sempre
funcionou como uma maneira de operacionalizar o pensamento (MUNANGA 2000 p 18)
Assim no imaginaacuterio coletivo por muito tempo o homem foi classificado a partir da cor
de sua pele O problema natildeo estava na classificaccedilatildeo dos seres humanos em funccedilatildeo de suas
caracteriacutesticas fiacutesicas como afirmou Munanga (2000) Mas na divisatildeo desses indiviacuteduos a
partir da escala de valores emergindo grupos hieraacuterquicos segundo a cor de pele e
caracteriacutesticas fenotiacutepicas fazendo relaccedilatildeo com os traccedilos morais psicoloacutegicos do sujeito
16 Para o historiador francecircs Ernest Renan (1823-92) existiriam trecircs grandes raccedilas especificas em sua origem e desenvolvimento
16
O resultado disso eacute o sujeito da ldquoraccedila brancardquo enquanto portador de valores
divinizados inteligentes e criativos Enquanto o sujeito da ldquoraccedila negrardquo foi estereotipado
em seus traccedilos fiacutesicos escolhas religiosas estando fadado a ser expressatildeo de todo mal que
pudesse existir Segundo Ernest Renan os grupos negros ldquoseriam povos inferiores natildeo por
serem incivilizados mas por serem incivilizaacuteveis natildeo perfectiacuteveis e natildeo suscetiacuteveis ao
progressordquo (RENAN 1961 apud SCHWARCZ 1993 p 62)
Tal ideia se propagou ideologicamente instituindo o que conhecemos como racismo
Segundo Arantes e Andrade (2013) o cientificismo do seacuteculo XIX construiu teorias
racistas que relacionavam caracteriacutesticas fiacutesicas a comportamentais Para muitos autores
a misturas das raccedilas ou seja a mesticcedilagem comprometia o progresso nacional pois era
considerada como fenocircmeno degenerativo sendo o mesticcedilo depositaacuterio de defeitos
bioloacutegicos e morais (ARANTES ANDRADE 2013 p385)
Esse movimento segregador tomou diferentes facetas ao longo do tempo passando
pelo campo da ciecircncia bioloacutegica ao campo da sociologia Para contextualizar
historicamente essa ideia cabe ressaltar que no iniacutecio da Modernidade foi criado um
discurso racional que justificou e naturalizou as segregaccedilotildees e exclusotildees
O sangue do negro e do indiacutegena eram considerados impuros em demasia para se
misturarem agrave sacralidade do sangue azul europeu E as medidas tomadas para sanar o
problema da mesticcedilagem foram embranquecer a populaccedilatildeo Comeccedila-se entatildeo a financiar
a entrada de imigrantes europeus tais como alematildees italianos espanhoacuteis para compor a
sociedade brasileira e assim contribuir com a construccedilatildeo de uma sociedade com mais
ldquosangue bomrdquo Dado esse passo os negros iam perdendo cada vez mais as possibilidades
de serem vistos como cidadatildeos de direito pois estavam sendo ofuscados pela presenccedila dos
brancos de pele alva
Essa realidade comeccedila a mudar apoacutes a Primeira Guerra Mundial com as criacuteticas agraves
teorias de racismo cientiacutefico tatildeo fortes na Europa No Brasil houve tentativas de construir
uma identidade nacional valorizando a sua diversidade Nesse periacuteodo o mesticcedilamento jaacute
natildeo era visto como um problema mas como estrateacutegia para superaccedilatildeo do racismo
A miscigenaccedilatildeo portanto soacute poderia ser fruto da consolidaccedilatildeo de trecircs raccedilas
europeia negra e indiacutegena que consequentemente viveriam paciacutefica e harmoniosamente
bem Como um dos principais expoentes desta teoria Gilberto Freire escritor e cientista
social pernambucano escreve no iniacutecio de 1930 Casa Grande e Senzala Este livro ficou
17
consagrado na histoacuteria por inaugurar o que conhecemos por ldquomito da democracia racialrdquo
Esse pensamento reconheceu a presenccedila negra enquanto formadora da sociedade
brasileira fortalecendo a ideia de que todos os sujeitos independentemente da cor
viveriam harmoniosamente bem Desse modo a mistura de raccedilas e culturas (a
mesticcedilagem) era uma ideia plausiacutevel
O mesticcedilamento construiu uma ideia idiacutelica afirmando que a mistura das raccedilas
geraria uma democracia racial quando na verdade funcionou como uma barreira para o
entendimento da cultura e identidade negras impedindo o nascimento de uma consciecircncia
poliacutetica que firmassem os negros e mesticcedilos enquanto legiacutetimos outros
Acreditar no mito eacute esquecerdesconhecer que se o negro natildeo atinge os mesmos
patamares que o branco natildeo foi por falta de competecircncia intelectual mas porque ele se
encontra historicamente em grandes desvantagens Acreditar no mito eacute defender que natildeo
haacute racismo no cotidiano escolar quando na verdade o discurso de tratamento igualitaacuterio a
todos os estudantes demonstra uma maneira sutil de manifestar a discriminaccedilatildeo racial na
escola
Por isso eacute preciso reconhecer sobretudo os docentes
() as pedagogias de combate ao racismo e as discriminaccedilotildees elaboradas com o objetivo de educaccedilatildeo das relaccedilotildees eacutetnico-raciais positivas que tem por objetivo fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciecircncia negra (BRASIL 2004 p 16)
E foi buscando o rompimento com praacuteticas educativas segregadoras e indiferentes a
diversidade eacutetnico-racial no cotidiano escolar eacute que comeccedilo a pensar essa pesquisa com o
foco na Educaccedilatildeo Infantil visto que a construccedilatildeo da visatildeo de mundo e dos sentidos
comeccedilam desde a infacircncia Gonccedilalves (1987) discorre sobre a particularidade cultural na
educaccedilatildeo de crianccedilas negras e alerta para o ritual pedagoacutegico que impotildee um ego branco a
educaccedilatildeo de crianccedilas (p 27) Segundo este autor existe um silenciamento acerca da
produccedilatildeo cultural da populaccedilatildeo negra quando natildeo verificamos a sua inferiorizaccedilatildeo e
folclorizaccedilatildeo
Tal silenciamento eacute legitimado por exemplo quando a crianccedila na escola explicita
sua preferecircncia por histoacuterias cujos protagonistas satildeo brancos em detrimento daquelas que
tecircm como personagem principal um negro (e quando tem) Tal construccedilatildeo natildeo acontece
18
na escola ndash tendo em vista outros meios de socializaccedilatildeo da crianccedila mas esse
comportamento muitas vezes vai sendo reforccedilado pelo professor de maneira inconsciente
ndash vide imagens-memoacuterias17 citadas anteriormente Quando o professor eacute indiferente agrave
formaccedilatildeo eacutetnico-cultural brasileira ele reitera o preconceito racial permitindo que a
crianccedila negra tenha um processo de socializaccedilatildeo diferente da crianccedila branca
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012 p 54)
O docente formado dentro da mesma cultura que exclui em geral negligencia o
direito baacutesico de seu estudante oriundo de outras realidades sentir-se protagonista de
histoacuterias reais e afetivas E na maioria das vezes esse mesmo professor vai se apropriar do
discurso baseado na democracia racial eliminando o direito dos alunos de se perceberem
nas suas diferenccedilas
Portanto para que tenhamos uma escola que nos eduque para a diversidade e a
inclusatildeo eacute necessaacuterio que haja a possibilidade de que estudantes brancos negros
indiacutegenas ou de qualquer outra etnia reconheccedilam a diferenccedila e que valorizem respeitem
e convivam com elas tornando a existecircncia mais plena de sentido
15 VALORES CIVILIZATOacuteRIOS AFRO-BRASILEIROS NA EDUCACcedilAtildeO
INFANTIL
Ao fazer referecircncia aos valores civilizatoacuterios afro-brasileiros evidencio as
contribuiccedilotildees de africanos e afro-brasileiros que resistiram agraves muacuteltiplas perversidades ao
longo da histoacuteria No entanto esses mesmos homens e mulheres nos brindam com a
construccedilatildeo de nossa identidade que eacute rica em cores formas e movimentos Para Trindade
(2013) tais valores civilizatoacuterios estatildeo carimbados em nossa memoacuteria em nossos modos
de pensar e de agir A muacutesica que apreciamos a feacute que professamos a literatura que nos
provoca a gastronomia que saboreamos dentre outros realccedilam em noacutes uma beleza
incomum dos padrotildees instituiacutedos pela racionalidade moderna eurocecircntrica
Com isso ao propor a reflexatildeo-accedilatildeo sobre os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros na
educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas afirmo de maneira concreta e afetiva a nossa
17 Indico sobre essa questatildeo a leitura do seguinte artigo ldquoA (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidaderdquo de Pereira e Pereira (2016)
19
afrodescendecircncia E tambeacutem reitero a urgente necessidade de exploramos a produccedilatildeo
cultural negra no cotidiano da escola e natildeo de maneira pontual e folclorizada que
inferioriza a populaccedilatildeo negra
Ao optar pelo trabalho com categoria da reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005)
penso na capacidade de interpretaccedilatildeo e transformaccedilatildeo que as crianccedilas tecircm pois como
atores de suas histoacuterias as crianccedilas satildeo potencialmente capazes de contribuir para
repensar o seu contexto social
Falar de contexto social eacute ter em mente que somos herdeiros de uma sociedade
patriarcal monocultural e determinista que subalterniza e desumaniza o diverso Eacute preciso
pensar e buscar a inclusatildeo da diversidade no ambiente escolar quando a sociedade tem
como projeto inclusive educacional desconsiderar o que possuiacutemos de mais precioso a
diferenccedila que nos caracteriza como seres humanos e sociais Concordamos com Gonccedilalves
(1987) quando realiza a brilhante defesa
ldquose a produccedilatildeo e a transmissatildeo do saber na escola natildeo forem mediados pela particularidade cultural da populaccedilatildeo negra as praacuteticas pedagoacutegicas continuaratildeo punindo as crianccedilas negras que o sistema de ensino natildeo conseguiu ainda excluir aplicando-lhes o seguinte castigo reclusatildeo ritualizada em procedimentos escolares de efeito impeditivo cujo resultado imediato eacute o silenciamento da crianccedila negra a curto prazo e o do cidadatildeo para o resto da vidardquo (p 29)
Azoilda Trindade (2010 2013) nos inspira a pensar sobre os valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e nas suas potencialidades para inaugurar experiecircncias instituintes que
valorize a diversidade eacutetnico-racial na Educaccedilatildeo Infantil Mergulhei nas memoacuterias da
autora me encontrei nelas e fui levada a bradar tambeacutem opto pela VIDA E a vida em sua
plenitude Quando por ventura escutar ldquoesse aluno natildeo tem jeitordquo ldquoeles natildeo tecircm
valoresrdquo reconhecerei as brechas para burlar o instituiacutedo e potencializar uma praacutetica
educativa mais conectada com o ser humano na sua diversidade A conexatildeo com a vida
deve nos conduzir a descoberta de outras searas muito proacuteximas daquela filosofia
humanista africana que afirma que eu soacute posso ser na medida que todos noacutes somos
Pensar o Ubuntu em uma sociedade onde seu processo civilizatoacuterio foi pautado no
individualismo na competiccedilatildeo e no materialismo eacute um ato revolucionaacuterio Portanto tenho
por compromisso eacutetico e humano trazer para a cena ndash inclusive para minha praacutetica
20
docente ndash os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros que estatildeo impressos em nossas maneiras
de ser e viver
E assim evidenciar18a Energia Vital (Axeacute) que nos remete a construccedilatildeo da
afetividade (pelos gestos palavras olhares) dimensatildeo tatildeo importante na Educaccedilatildeo
Infantil A Circularidade que vem nos lembrar que o iniacutecio e fim estatildeo ligados Natildeo haacute
hierarquia pois quando se estaacute em ciacuterculo todos se veem com a mesma oacutetica A
Corporeidade que nos mostra que o corpo tem muito a falar com seus movimentos ora
retraiacutedos ora expressivos O corpo eacute histoacuteria que precisa ser contada A Memoacuteria nos ajuda
a compreender que somos feitos de histoacuterias mas que por vezes satildeo distorcidas nos
tirando o sentimento de pertenccedila do que podemos vir a ser A Ancestralidade nos faz
transcender para aleacutem da materialidade da vida onde a memoacuteria dos nossos anciatildeos
carrega um grande legado
A Territorialidade nos remete aos espaccedilos casa e escola Lugares de iniciaccedilatildeo e que
precisam estar imbricados quando pensamos na educaccedilatildeo de crianccedilas pequenas A
Religiosidade nos convida a uma relaccedilatildeo com os elementos da natureza e com o ser
humano de maneira mais transcendente respeitosa e harmoniosa A
CooperaccedilatildeoComunitarismo evidenciam a nossa essecircncia humana nascemos de uma
comunhatildeo e soacute vivemos em plenitude a partir dela E essa ideia eacute fundamentalmente
especial quando pensamos na formaccedilatildeo de crianccedilas pequenas que requer um ambiente
cooperativo acolhedor e amoroso para que seu aprendizado se realize de maneira afetiva
e efetiva Afinal de contas o adulto que a crianccedila se tornaraacute vai depender das relaccedilotildees
estabelecidas na infacircncia
A Oralidade provoca-nos a perceber as muacuteltiplas vozes do cotidiano e aqui nos
remetemos principalmente agraves crianccedilas enquanto portadoras de saberes-poderes A
Ludicidade nos rememora a necessaacuteria arte de viver em meio agraves contrariedades da vida
sem perder a capacidade de brincar e sorrir Aqui entendemos a brincadeira como uma
potente ferramenta pedagoacutegica visto que eacute considerada como uma linguagem infantil E a
Musicalidade nos daacute o tom para embalar nossos enredos cheios de ritmo sonoridade e
melodia
18 Os valores aqui pontuados podem ser encontrados no link httpwwwacordaculturaorgbrsitesdefault fileskitMODOSBRINCAR-WEB-CORRIGIDApdf
21
Todos esses valores civilizatoacuterios afro-brasileiros nos provocam a pensar sobre nossa
condiccedilatildeo de indiviacuteduos marcados pela diversidade e que refletem imagens drsquoAacutefrica de
ontem e de hoje de filhos e filhas que natildeo podem negar a riqueza do Patrimocircnio Africano
afrodiaspoacuterico e afro-brasileiro como bem dizia Trindade (2010 p 13) Eles tambeacutem nos
alimentam e fortalecem no caminho para a superaccedilatildeo de curriacuteculos escolares que
legitimam os saberes ditos universais como uacutenicos verdadeiros e superiores
151 Musicalidade como valor civilizatoacuterio
Por considerar que a musicalidade compotildee um dos valores civilizatoacuterios da cultura
afro-brasileira e por ela ser um importante componente curricular para a Educaccedilatildeo Infantil
e os anos iniciais que traz contribuiccedilotildees para a formaccedilatildeo de sujeitos criativos e reflexivos
pensamos neste subcapiacutetulo Vale ressaltar que para essa fase do ensino pensar a muacutesica
em contextos educativos natildeo demanda necessariamente ter formaccedilatildeo especiacutefica para tal
A consciecircncia de que a muacutesica faz parte do cotidiano do estudante desde a tenra idade e
que por isso ela representa uma linguagem jaacute eacute motivo para maiores reflexotildees
Pensando nisso procuramos trazer possibilidades de trabalho com a muacutesica na
Educaccedilatildeo Infantil Ao considerarmos a muacutesica enquanto aacuterea de conhecimento concluiacutemos
que nossas accedilotildees soacute faratildeo sentido quando dialogadas com os saberes dos educandos e com
a cultura na qual eles estatildeo inseridos Com isso rompemos com concepccedilotildees pedagoacutegicas
reducionistas que tratam a educaccedilatildeo musical de forma reprodutora pontual e rotineira
Ao defendermos uma mudanccedila de paradigma buscamos a desconstruccedilatildeo da ideia de que
a muacutesica eacute um artefato cultural instituiacutedo para apenas a sua reproduccedilatildeo em datas
comemorativas da escola Desmontamos tambeacutem a noccedilatildeo de que as muacutesicas cantadas na
Educaccedilatildeo Infantil satildeo formas de marcar a rotina e estimular a expressividade quando na
verdade tem como premissa a criaccedilatildeo ou reforccedilo de comportamentos
Concordamos com Brito (2003) quando afirma que a muacutesica deve emancipar o ser
humano ndash a partir da reflexatildeo-accedilatildeo e natildeo reproduccedilatildeo ndash e deve incluir a todos os estudantes
sem distinccedilatildeo
() longe da visatildeo europeia do seacuteculo passado que selecionava os ldquotalentos naturaisrdquo eacute preciso lembrar que a muacutesica eacute linguagem cujo conhecimento se constroacutei com base em vivecircncias e reflexotildees orientadas
22
Desse modo todos devem ter o direito de cantar ainda que desafinado Todos devem poder tocar um instrumento ainda que natildeo tenham naturalmente um senso riacutetmico fluente e equilibrado pois as competecircncias musicais desenvolvem-se com a pratica regular e orientada em contextos de respeito valorizaccedilatildeo e estiacutemulo a cada aluno por meio de propostas que consideram todo o processo de trabalho e natildeo apenas o produto final (p 53)
Importante ressaltar que nosso objetivo natildeo eacute formar muacutesicos mirins ou futuros
maestros musicais Desejamos a partir do eixo musicalidade ndash expresso no Referencial
Curricular Nacional para Educaccedilatildeo Infantil (RCNEI)19 ndash desenvolver competecircncias para a
formaccedilatildeo integral dos estudantes sob uma perspectiva interdisciplinar e inclusiva de
valores outros Tais valores satildeo pensados por noacutes como aqueles que refletem a diversidade
da sociedade brasileira
O cotidiano das crianccedilas principalmente em fase inicial da escolarizaccedilatildeo deve ser
permeado de brinquedos musicais Se pararmos para pensar a crianccedila nos seus primeiros
dias de vida jaacute eacute iniciada no universo musical a partir do que chamamos de acalantos
(cantigas de ninar) Natildeo eacute preciso muito tempo para os jogos e brinquedos musicais
tomarem o imaginaacuterio delas tendo em vista que tais artefatos satildeo heranccedilas culturais
transmitidas por tradiccedilatildeo oral chegando agraves crianccedilas por meio das brincadeiras de roda
(poesia muacutesica e danccedila) cirandas parlendas adivinhas etc
As brincadeiras de roda estatildeo relacionadas com as canccedilotildees populares Estas por sua
vez fazem parte do folclore20 brasileiro Considerando que tais canccedilotildees faccedilam parte da
cultura de um povo e sendo o nosso povo rico culturalmente poderiacuteamos afirmar que elas
satildeo um potente instrumento para a educaccedilatildeo de nossas crianccedilas Segundo o RCNEI as
brincadeiras de roda tambeacutem conhecidas como rondas receberam influecircncias de culturas
como lusitana africana ameriacutendia espanhola e francesa Poreacutem sua origem eacute
fundamentalmente europeia (Portugal e Espanha)
Brito (2003) afirma que a linguagem musical eacute construiacuteda de acordo com cada cultura
e eacutepoca estando assim associada aos costumes sociais de um povo Se portanto os
costumes da eacutepoca eram deslegitimar o outro enquanto legiacutetimo outro por meio da
subalternizaccedilatildeo o que diriacuteamos do conteuacutedo de algumas cantigas Assim se ouvirmos
19 Link de acesso httpportalmecgovbrsebarquivospdfrcnei_vol1pdf 20 O folclore cuja etimologia eacute de origem inglesa significa conhecimento de um povo (folk-povo e lore-conhecimento)
23
dizer que as cantigas populares estatildeo associadas agraves tradiccedilotildees e histoacuterias de um povo
corremos o risco de nos depararmos com narrativas nada idiacutelicas
Por isso acreditamos que eacute preciso falar das cantigas populares sobretudo quando
elas fazem parte da rotina educacional de crianccedilas pequenas Peixoto (2015) em sua
pesquisa sobre a violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda nos alerta para a
urgecircncia de reflexotildees sobre esses brinquedos musicais que inculcam valores de uma
cultura (dominante) Muito grave tambeacutem eacute a banalizaccedilatildeo daquele que eacute diferente dos
padrotildees hegemocircnicos
A autora recorre ao poder simboacutelico (BOURDIEU 1989) a fim de esclarecer o
processo de induccedilatildeo de certos valores de forma que quando naturalizados passam a
representar um certo tipo de violecircncia que por sua vez tambeacutem eacute simboacutelica Se avaliarmos
a linguagem das cantigas populares com um olhar descolonizado ndash livre dos padrotildees
hegemocircnicos instituiacutedos ndash perceberemos os simbolismos bem estruturados e sutilmente
representados nos campos de violecircncia de gecircnero domeacutestica racial entre outros Natildeo eacute
de se estranhar que a percepccedilatildeo dessas questotildees seja limitada tendo em vista que a
violecircncia nem sempre representaraacute algo tangiacutevel O entendimento de violecircncia para aleacutem
da fiacutesica supotildee pensarmos na ausecircncia Carecircncia talvez de justiccedila de liberdade de
solidariedade e de igualdade Quando em nossa existecircncia nos faltam tais elementos
certamente nos faltaraacute tambeacutem o sentimento de cidadatildeo de direitos plenos e subjetivos
Todavia parece estar cada vez mais difiacutecil a percepccedilatildeo do poder simboacutelico que gera
a violecircncia simboacutelica em virtude das inversotildees de valores do mundo contemporacircneo
Concordamos com o socioacutelogo quando afirma
Eacute necessaacuterio saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos onde ele eacute mais completamente ignorado portanto reconhecido o poder simboacutelico eacute com efeito esse poder invisiacutevel o qual soacute pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que natildeo querem saber que lhe estatildeo sujeitos ou mesmo que o exercem (BOURDIEU 1989 p 9)
Para essa difiacutecil tarefa de fazer conhecer o desconhecido e o ignorado elegemos o
professor sujeito este que consideramos peccedila fundamental na emancipaccedilatildeo das
consciecircncias Mas esse professor a quem tantos chamam de mediador do conhecimento
precisa para aleacutem de outras atribuiccedilotildees uma que consideramos chave a curiosidade Mas
como afirmava Paulo Freire natildeo se trata de uma curiosidade ingecircnua mas aquela que
24
encaminha para o movimento a inquietaccedilatildeo e a criticidade Portanto acreditamos que o
docente precisa ser epistemologicamente curioso para perceber as ideologias que Freire
(2007) relaciona com a ldquoocultaccedilatildeo da verdade dos fatos com o uso da linguagem para
penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna miacuteopesrdquo (p 125)
Tal postura deve ser de tal modo libertadora que o seu exerciacutecio suscite no discente
o mesmo sentimento o da curiosidade criacutetica que de matildeos dadas com a imaginaccedilatildeo e a
emoccedilatildeo eacute capaz de conduzir a experiecircncias instituintes Quando definimos as temaacuteticas das
oficinas logo pensamos em uma que contemplasse a musicalidade Nesse sentido levamos
para a sala de aula um repertoacuterio musical de cantigas populares sendo que uma delas
carregava em sua letra uma mensagem de violecircncia A partir da sensibilizaccedilatildeo convidamos
os estudantes agrave reinvenccedilatildeo da mesma que em breve seraacute apresentada neste trabalho
Assim o leitor estaraacute em contato com algumas taacuteticas de docentes e discentes que
descobriram que para aleacutem de um repertoacuterio musical envolvente mas instituiacutedo existe
um mundo de possibilidades
16 A CRIANCcedilA PEQUENA E O NEGRO QUEM SAtildeO ESSES OUTROS
A Ciecircncia Moderna vem pensar o outro como uma categoria da diferenccedila
evidenciando suas singularidades e multiplicidades Buscamos contribuiccedilotildees de autores
para pensar o sujeito da diferenccedila o outro e assim sinalizar como eles (a crianccedila e o negro)
tecircm sido enunciados
Ao iniciar a leitura deste trabalho e ao longo dele eacute possiacutevel deparar-se com a
expressatildeo outro como legiacutetimo outro dos bioacutelogos Maturana e Varela (1995) Tais autores
inauguram algo instituinte na Biologia e que vai ao encontro do outro enquanto sujeito
da diferenccedila eles pensam o homem para aleacutem dos determinismos geneacuteticos Ou seja o
indiviacuteduo eacute fruto tanto dos sistemas bioloacutegicos quanto das relaccedilotildees sociais Desse modo
ao defender a cultura como parte do desenvolvimento humano os autores apoiam que
natildeo existem pessoas iguais e que a diferenccedila estaacute dentro da normalidade ao contraacuterio da
homogeneidade (ROSSETTO 2010)
Com isso defender o outro enquanto legiacutetimo outro eacute aceitar o sujeito da diferenccedila
na relaccedilatildeo comprazendo-se com os seus diferentes modos de ser e viver
25
Paradoxalmente ao que os autores acima apresentam Pletsch e Carvalho (2011) vatildeo
pensar o ldquooutrordquo a partir de ldquonoacutesrdquo que impotildee por sua vez um discurso de superioridade
e autoridade Com isso o ldquooutrordquo eacute a representaccedilatildeo de algo inanimado (objeto) sobre o
qual eacute possiacutevel exercer o poder e domiacutenio Em dossiecirc sobre processos de inclusatildeo e
exclusatildeo escolar esses autores alimentam uma urgecircncia dar visibilidade agrave dor e ao
sofrimento dos ldquooutrosrdquo Mas fica um questionamento para noacutes quem satildeo os outros
efetivamente
O outro eacute todo aquele que natildeo pode ser noacutes recebendo status de ldquodiferenterdquo Sendo
assim os ldquooutrosrdquo satildeo
() os analfabetos os negros os iacutendios os drogados as mulheres as crianccedilas os velhos os gays as leacutesbicas os pederastas os presidiaacuterios as prostitutas os deficientes fiacutesicos e mentais os pobres e os miseraacuteveis enfim todos aqueles seres humanos que satildeo desumanizados maltratados ignorados enfim invisibilizados mesmo quando queremos tornaacute-los visiacuteveis (PLETSCH CARVALHO 2011 p 3)
Neste trabalho temos buscado evidenciar os outros na figura da crianccedila pequena e
do negro (afro-brasileiro) natildeo enquanto sujeitos destinados agrave opressatildeo e dominaccedilatildeo mas
como indiviacuteduos que precisam ser incluiacutedos no cotidiano escolar enquanto outros legiacutetimos
outros Dessa maneira desejamos estar com eles pesquisar com eles e criar estrateacutegias
para incluiacute-los na sua corporeidade diversidade e maneiras de pensar e sentir
Nos anos de 1990 comeccedilaram a surgir na Europa discussotildees socioloacutegicas em torno
da infacircncia A crianccedila passou a integrar uma categoria social e deixa de ser olhada apenas
como sujeito de tutela sem voz para ser vista como sujeito de direito e capaz de construir
e modificar culturas a partir da interaccedilatildeo com seus pares e com os adultos As crianccedilas que
passam a ser consideradas atores sociais iratildeo reproduzir comportamentos sociais
interpretando-os de maneira singular Esse modo de agir jaacute foi aqui identificado
anteriormente como reproduccedilatildeo interpretativa (CORSARO 2005) Interpretativa porque
as crianccedilas criam e participam de suas culturas E reproduccedilatildeo porque elas tambeacutem podem
contribuir para a reproduccedilatildeo da sociedade ou para a mudanccedila social
Como a crianccedila eacute capaz de interpretar e reproduzir a cultura da qual faz parte nos
perguntamos qual eacute a cultura na qual a crianccedila tem sido formada Esse meio tem
favorecido o reconhecimento da crianccedila a partir de suas diferenccedilas Esse meio tem
26
provocado a inclusatildeo da diversidade eacutetnico-cultural nos espaccedilos educativos e fora deles
Se levarmos em conta o caraacuteter monocultural reducionista e etnocecircntrico que permeia a
instituiccedilatildeo escolar desde a sua origem nos certificaremos que a escola corre grande risco
de desfavorecer a cultura da diversidade Concordamos com Oliveira e Farias (2014)
quando afirmam que
ldquo() ao longo de nossa histoacuteria como naccedilatildeo o tratamento dado as matrizes eacutetnicas que configuram a nossa gente tem sido feito de maneira desigual privilegiando o grupo eacutetnico europeu em detrimento dos nativos e dos africanos colaborando assim para a produccedilatildeo de desigualdades e injusticcedilas sociaisrdquo (p 89)
Ou seja a figura do negro e seus modos de ser e estar no mundo tal como de outras
matrizes eacutetnicas que natildeo representavam os padrotildees sociais dominantes da hierarquia
colonizadora se constituiu ao longo dos seacuteculos como uma natildeo cultura Eles os nativos
da terra e os que aqui posteriormente chegaram para serem escravizados historicamente
sempre foram ldquoos outrosrdquo conforme Pletsch e Carvalho (2011)
Na histoacuteria da Educaccedilatildeo o negro representou ldquoum outro que devia ser anulado
apagadordquo (SKLIAR 2003 p 41) Basta saber que no Brasil Impeacuterio foram estabelecidos dois
decretos21 impedindo que o negro participasse do espaccedilo escolar de forma plena e com
direitos iguais ao da populaccedilatildeo branca
Apesar de hoje natildeo termos mais esse tipo de lei como haacute 162 anos ainda estatildeo
presentes marcas dessa maneira de pensar que aparece algumas vezes de forma muito
sutil e de outras nem tanto visto que o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo foram
internalizados e naturalizados no imaginaacuterio e consequentemente no comportamento do
brasileiro O que dizer dos filmes da Disney dos contos europeus das histoacuterias de priacutencipes
e princesas que comeccedilam a fazer parte do imaginaacuterio de nossas crianccedilas sobretudo em
fase inicial de escolarizaccedilatildeo Pois entatildeo nessas narrativas os negros natildeo existem pelo
menos da maneira que deveriam existir
21 Decreto nordm 1331 de 17 de fevereiro de 1854 estabelecia que nas escolas puacuteblicas do paiacutes natildeo seriam admitidos escravos e a previsatildeo de instruccedilatildeo para adultos negros dependia da disponibilidade de professores O Decreto nordm 7031-A de 6 de setembro de 1878 estabelecia que os negros soacute podiam estudar no periacuteodo noturno e diversas estrateacutegias foram montadas no sentido de impedir o acesso pleno dessa populaccedilatildeo aos bancos escolares Tais dados podem ser encontrados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africanas
27
2 OBJETIVOS
21 OBJETIVO GERAL
Realizar pesquisa a partir de metodologias interativas ndash interdisciplinaridade e
etnografia ndash com enfoque na Sociologia da Infacircncia com estudantes entre 4 e 6 anos
abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola rural do municiacutepio de MageacuteRJ
22 OBJETIVOS ESPECIacuteFICOS
Analisar os desdobramentos da lei 1164508 e os dispositivos legais que a
complementam em uma escola Rural no Municiacutepio de Mageacute
Compreender a infacircncia enquanto categoria social por meio da Sociologia da
Infacircncia
Identificar no ambiente escolar se haacute imagens e materiais que evidenciem etnias de
matriz afro-brasileiras e indiacutegenas
Aproximar a famiacutelia da escola a fim de construir redes colaborativas mais efetivas e
afetivas
Dialogar e refletir com os docentes e equipe pedagoacutegica sobre os desafios da inclusatildeo
da diversidade na escola
Desenvolver com os estudantes estrateacutegias didaacuteticas mediadas por atividades
luacutedicas onde os valores civilizatoacuterios afro-brasileiros sejam uma constante
Produzir e revisitar tecnologias educacionais que potencializem as accedilotildees pedagoacutegicas
no trato das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
Desenvolver um suporte midiaacutetico para o compartilhamento dos processos e
materiais que mediaram as experiecircncias instituintes
Elaborar um caderno com orientaccedilotildees pedagoacutegicas a partir de experiecircncias
instituintes sobre o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo como puacuteblico alvo
professores da Educaccedilatildeo Infantil
28
3 MATERIAIS E MEacuteTODOS (METODOLOGIA)
31 PUacuteBLICO ALVO
A pesquisa foi realizada com a Educaccedilatildeo Infantil compreendendo duas turmas da
Preacute-escola A turma do ldquoPreacute Irdquo possuiacutea 18 estudantes dentre eles 9 meninos e 9 meninas
com idades entre 4 e 5 anos No ldquoPreacute IIrdquo eram 19 estudantes sendo que 11 meninos e 8
meninas com idades entre 5 a 6 anos incompletos
As docentes de ambas as turmas satildeo concursadas e residem no municiacutepio em
distritos vizinhos ao da escola A professora do Preacute-escolar I tem formaccedilatildeo na Escola
Normal em niacutevel meacutedio Enquanto a professora do Preacute-escolar II formou-se em Histoacuteria
recentemente tendo como tema monograacutefico jogos e relaccedilotildees raciais
32 ETNOGRAFIA E INTERDISCIPLINARIDADE CAMINHOS METODOLOacuteGICOS
A Sociologia da Infacircncia enquanto campo cientiacutefico que concebe a infacircncia como
objeto socioloacutegico tem nos apontado caminhos metodoloacutegicos para a percepccedilatildeo e
reinvenccedilatildeo das praacuteticas poliacuteticas e culturas em torno do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais
desde a tenra idade As muacuteltiplas vertentes teoacutericas que dialogam com a Sociologia da
Infacircncia tecircm caminhado em busca de definiccedilotildees teoacutericas e praacuteticas no que tange a
construccedilatildeo social da crianccedila na sociedade da qual ela eacute agente ativa de transformaccedilatildeo
Ao considerarmos a infacircncia como parte da sociedade (MUumlLLER 2006) somos
provocados a refletir sobre as diferentes aacutereas do conhecimento com os quais ela dialoga
psicologia antropologia histoacuteria sociologia Pensar a crianccedila a partir do entrelaccedilamento
dessas ciecircncias eacute conferir-lhe status de um ser social complexo e em devir
Buscando atender as especificidades dessa categoria de anaacutelise complexa que eacute a
infacircncia eacute que estabelecemos redes reflexivas com metodologias interativas que
consideram o sujeito da pesquisa enquanto ator social ativo e participante da cultura de
pares e tambeacutem de adultos Dessa maneira os caminhos percorridos para o conhecimento
das vozes dos estudantes foram o da pesquisa interdisciplinar e etnograacutefica Destacamos
primeiramente a pesquisa etnograacutefica que segundo Kramer (2002) garante
29
procedimentos metodoloacutegicos e estrateacutegias favoraacuteveis agraves interaccedilotildees adulto e crianccedila (p
44)
Inicialmente tal escolha se deu por entendermos que seria no miacutenimo incoerente
chegar com uma entrevista fechada para crianccedilas entre 4 a 6 anos responderem O diaacutelogo
com a crianccedila demanda uma postura especial que requer a utilizaccedilatildeo de uma linguagem
proacutepria
Corsaro (2005) jaacute nos falava sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de crianccedilas
explicitando a origem antropoloacutegica desta metodologia que se sustenta em um movimento
de tornar-se nativo Ou seja a construccedilatildeo de uma relaccedilatildeo efetiva e afetiva que contribua
para a anaacutelise das vivecircncias da crianccedila e assim a sua sistematizaccedilatildeo implica em
reconhecer sua cultura e com ela estar disposto a conviver numa relaccedilatildeo de alteridade
Aqui vamos nos referir agraves vozes das crianccedilas como sendo as nossas aliadas nesse
processo de confirmaccedilatildeo das hipoacuteteses Desse modo tais vozes se datildeo de diferentes
formas a partir de ilustraccedilotildees conversas informais conversas entre os pares
silenciamentos Uma ferramenta muito importante para o trabalho foram as notas
registradas no caderno de campo que satildeo parte da metodologia etnograacutefica Todos esses
meios forneceram subsiacutedios para a criaccedilatildeo de praacuteticas e culturas inclusivas sobre a questatildeo
eacutetnico-racial desde a tenra idade
William Corsaro importante pesquisador no campo da Sociologia da Infacircncia com
sua vasta experiecircncia sobre pesquisa etnograacutefica com crianccedilas do Preacute-escolar tem
contribuiacutedo sobremaneira para a reflexatildeo das relaccedilotildees hierarquizantes e portanto
opressoras entre adultos e crianccedilas Suas teorias sobre etnografia na infacircncia reproduccedilatildeo
interpretativa e cultura de pares (CORSARO 2005) reforccedilam a ideia de que a crianccedila eacute um
ator social capaz de receber cultura mas tambeacutem de construir as suas proacuteprias na
interaccedilatildeo
As pesquisas empiacutericas do autor demonstram que o olhar do adulto reconhecendo a
legitimidade da alteridade infantil eacute uma via potente no processo de construccedilatildeo do
conhecimento Ele nos ajuda a pensar sobre como tornar-se etnoacutegrafo das culturas de
crianccedilas e relata que ao longo de 28 anos escrevendo sobre o tema seu trabalho passou
por significativa transformaccedilatildeo quando deixou de pesquisar sobre para pesquisar com
crianccedilas A seguir um trecho sobre a pesquisa etnograacutefica
30
A etnografia eacute o meacutetodo que os antropoacutelogos mais empregam para estudar as culturas exoacuteticas Ela exige que os pesquisadores entrem e sejam aceitos na vida daqueles que estudam e dela participem Neste sentido por assim dizer a etnografia envolve ldquotornar-se nativordquo Estou convicto de que as crianccedilas tecircm suas proacuteprias culturas e sempre quis participar delas e documentaacute-las Para tanto precisava entrar na vida cotidiana das crianccedilas ndash ser uma delas tanto quanto podia (CORSARO 2005 p 446)
Obviamente que eu natildeo me tornaria uma delas tatildeo pouco falaria por elas Mas o
movimento que William Corsaro defende eacute o de entrar e ser aceito pela comunidade
pesquisada e para isso eu natildeo deveria ldquoagir como um adulto tiacutepicordquo (p 446)
Depreende-se que ldquotornar-se nativordquo envolve falar as linguagens que satildeo proacuteprias
das crianccedilas para entatildeo melhor dialogar com elas ndash E que linguagens satildeo essas Ouso
dizer que satildeo as linguagens do corpo da sonoridade da ludicidade entre outras que
atraem as crianccedilas
Importante afirmar que a infacircncia eacute uma categoria social complexa e pensaacute-la
demanda muitas redes de saberes especialmente nos processos educacionais uma
perspectiva de pesquisa interdisciplinar agrega conhecimentos importantes para pensar a
crianccedila na sua totalidade E para tal buscamos pensar a interdisciplinaridade a partir de
dois autores Juares da Silva Thiesen (2008) e Ivani Fazenda (2010) sobre a qual vamos
aprofundar nossas reflexotildees Vale frisar que cada autor concebe esta metodologia agrave luz de
seus saberes e formaccedilatildeo mas o importante eacute ter consciecircncia de que a essecircncia de suas
percepccedilotildees converge para um soacute caminho o rompimento com a loacutegica fragmentada e
linear do conhecimento imposta pela corrente hegemocircnica das Ciecircncias Modernas
Desse modo Thiesen (2008) nos conduz a pensar na necessaacuteria reforma do
pensamento pelas vias da interdisciplinaridade Para ele a sociedade contemporacircnea
impotildee uma seacuterie de complexificaccedilotildees e para entendecirc-las se faz necessaacuterio uma rede de
sistematizaccedilotildees com saberes interligados
Jaacute Fazenda (2010) aborda a indispensaacutevel transformaccedilatildeo da pedagogia onde a
transmissatildeo do saber precisa dar lugar agraves trocas dialoacutegicas Nos anos 1970 Ivani Fazenda
recebeu influecircncias do pensamento de Hilton Japiassuacute (1976) o primeiro a pesquisar a
Interdisciplinaridade no Brasil enquanto que na Europa (Franccedila e Itaacutelia) esse movimento
jaacute acontecia desde de 1960 Ivani Fazenda pensou inicialmente na construccedilatildeo
epistemoloacutegica do conceito emergindo as seguintes conclusotildees a interdisciplinaridade eacute
31
uma atitude que envolve inovaccedilatildeo dialogo reciprocidade ousadia humildade coerecircncia
espera respeito e desapego
Humildade porque a investigaccedilatildeo interdisciplinar natildeo se limita a meacutetodos senatildeo a
vestiacutegios percebidos na interaccedilatildeo com os atores sociais E tambeacutem parte-se do
entendimento que a dimensatildeo individual eacute deficitaacuteria para a resoluccedilatildeo de conflitos (HAAS
2011) Havendo entatildeo a necessidade de constante diaacutelogo com o outro
Outra atitude importante que dialoga com a interdisciplinaridade eacute a ousadia que
busca e transforma a inseguranccedila em redes reflexivas E eacute esta ousadia que constroacutei as
parcerias entre professoraluno professorprofessor gestorcomunidade escolar
Concordamos com a autora quando reconhece que a interdisciplinaridade eacute senatildeo
um processo um caminho que transforma uma realidade instituiacuteda em experiecircncias
instituintes a partir da relaccedilatildeo de reciprocidade com o outro legiacutetimo outro
Tendo em vista a relevacircncia da interdisciplinaridade e sua urgecircncia em propor novas
formas de investigar de dialogar e construir saberes eacute que realizamos a ponte com a
Sociologia da Infacircncia de modo que fosse possiacutevel articular com suas vertentes teoacutericas
Explicitamos aqui o meacutetodo comparativo da etnografia longitudinal (CORSARO 2005) onde
acompanhamos a transiccedilatildeo dos atores da pesquisa para o ano seguinte em 2016
A etnografia a interdisciplinaridade e a pesquisa-participante enquanto pensar-
fazer se complementam formando redes reflexivas e criando de maneira instituinte um
ensino que dialogue com as relaccedilotildees eacutetnico-raciais na infacircncia
33 QUESTOtildeES EacuteTICAS NA PESQUISA COM CRIANCcedilAS
A reflexatildeo sobre as questotildees eacuteticas da pesquisa com crianccedilas eacute um movimento
contemporacircneo e inovador que natildeo soacute beneficia a comunidade cientiacutefica como tambeacutem o
proacuteprio sujeito participante da pesquisa O que antes representava um sujeito silenciado
em seus saberes e receptor de culturas hoje o vemos como um ator de direitos
reconhecidos resguardados e legitimados
Kramer (2002) ao discorrer sobre autoria e autorizaccedilatildeo na pesquisa com crianccedilas
nos sinaliza alguns pontos importantes quando trabalhamos com a infacircncia enquanto
categoria social As reflexotildees da autora em torno da divulgaccedilatildeo dos nomes das crianccedilas
32
exibiccedilatildeo de seus rostos e devoluccedilatildeo dos achados nos provoca a pensar nos caminhos que
temos percorrido
Ao iniciar a pesquisa adotamos como procedimento eacutetico dar a conhecer os aspectos
da pesquisa aos responsaacuteveis dos estudantes do Preacute-escolar I e II Assim realizamos uma
reuniatildeo onde foi solicitada a participaccedilatildeo dos estudantes Naquele momento foi
endossado que a participaccedilatildeo era voluntaacuteria e o consentimento poderia ser retirado a
qualquer tempo sem prejuiacutezos agrave continuidade das atividades nas minhas aulas
O termo de consentimento assinado pelos responsaacuteveis autoriza a coleta de dados
bem como suas anaacutelises e publicaccedilatildeo dos mesmos Nesse documento foi firmado o
compromisso de omitir os nomes dos participantes tal como a exibiccedilatildeo de suas imagens
Tambeacutem foi garantida a confidencialidade das informaccedilotildees geradas e a privacidade dos
sujeitos da pesquisa
A omissatildeo dos nomes deveu-se a compreensatildeo de que era necessaacuterio resguardar a
integridade da crianccedila mesmo sabendo que o que estava sendo proposto na pesquisa natildeo
apresentasse riscos aparentes O mesmo posicionamento ocorreu em relaccedilatildeo agraves suas
imagens levando em consideraccedilatildeo o alerta de Kramer (2002) sobre o cuidado com a
exposiccedilatildeo de crianccedilas pequenas em que pese a sua necessidade de ser reconhecida
Sobre a devoluccedilatildeo dos achados temos pensado em nosso compromisso com aquela
comunidade escolar que nos recebeu acreditou e incentivou a pesquisa Vislumbramos
socializar os resultados com todos os envolvidos diretamente na pesquisa por diferentes
meios
34 FASES DA PESQUISA
A pesquisa foi dividida em cinco fases transcorrendo de agosto do ano de 2014 a
julho de 2016
Na primeira fase foi realizada pesquisa bibliograacutefica acerca do ensino das relaccedilotildees
eacutetnico-raciais e sua ocorrecircncia nos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica Concomitante a essa
busca foram cursadas as disciplinas do programa que possibilitaram uma melhor
aproximaccedilatildeo com o objeto de estudo e deste com os diferentes campos de conhecimento
sob um vieacutes interdisciplinar
33
Na segunda fase a partir de maio de 2015 foi estabelecido contato com a escola para
apresentaccedilatildeo da proposta e solicitaccedilatildeo de autorizaccedilatildeo institucional22 para a coleta de
dados Apoacutes tal autorizaccedilatildeo iniciaram-se as conversas com os responsaacuteveis pelos
estudantes visando uma sensibilizaccedilatildeo sobre a temaacutetica e sua autorizaccedilatildeo para que os
alunos pudessem participar da pesquisa
A terceira fase tendo seu iniacutecio no mecircs de junho de 2015 eacute identificada como
sondagem das percepccedilotildees dos estudantes sobre a temaacutetica eacutetnico-racial durante as
oficinas iniciais nas aulas de Dinamizaccedilatildeo de Leitura Esta teve como objetivo perceber as
preferecircncias desejos e recusas dos alunos com relaccedilatildeo agrave proposta Nessa fase tambeacutem
foram importantes as conversas estabelecidas com os docentes da escola
Na quarta fase iniciada em agosto e perdurando por 6 meses foram realizadas as
oficinas pedagoacutegicas com os estudantes da Educaccedilatildeo Infantil com faixa-etaacuteria entre 4 a 6
anos Tais oficinas buscaram articular os conhecimentos propostos pelos RCNEI e pelas DCN
ERER As experiecircncias construiacutedas coletivamente e sistematizadas deram forma ao
caderno23 com orientaccedilotildees pedagoacutegicas sobre o ensino da relaccedilotildees eacutetnico-raciais na
Educaccedilatildeo Infantil A seguir buscamos apresentar os caminhos percorridos em cada uma
das oito oficinas
341 As oficinas
Foram realizadas um total de oito oficinas que tiveram como caminhos
metodoloacutegicos a interdisciplinaridade (FAZENDA 2010 THIESEN 2008) e os princiacutepios
etnograacuteficos de pesquisa com crianccedilas pequenas (CORSARO 2005) Ao longo de cada uma
das accedilotildees buscamos um jeito proacuteprio de pensar e construir saberes desejaacutevamos romper
com a loacutegica cartesiana da razatildeo instrumental que desconsidera os saberes dos sujeitos da
diversidade Assim fomos ao encontro deles buscando entrecom eles na alteridade para
entendermos seus mundos por meio de conversas que nos conduzissem a aprendizagens
Apresentamos as duas primeiras oficinas que representam a terceira fase do projeto
Foram Accedilotildees iniciais para perceber os indiacutecios que os estudantes nos apontavam sobre a
urgecircncia de incluir a temaacutetica naquele contexto Elas tiveram como enfoque a literatura
22 A autorizaccedilatildeo institucional se encontra no apecircndice 711 23Este caderno seraacute disponibilizado em formato digital
34
infanto-juvenil Nos dois momentos que aconteceram em dias distintos com duraccedilatildeo de
50 minutos cada buscamos perceber as narrativas que estavam povoando o imaginaacuterio
daqueles atores sociais e sensibilizaacute-los para a existecircncia de outras histoacuterias especialmente
aquelas nas quais os afrodescendentes e suas matrizes eacutetnicas fossem evidenciadas
A terceira oficina sendo a quarta fase do projeto buscou tornar conhecida uma
Heroiacutena a contrapelo a liacuteder quilombola mageense Maria Conga A oficina foi realizada
com a participaccedilatildeo de matildees tias avoacutes ou irmatildes que foram convidadas para ali estarem
Aconteceu em um soacute dia com duraccedilatildeo total de 1hora e 20 minutos mas foi dividida em
dois momentos No primeiro narramos a histoacuteria de Maria a menina que veio do Congo
Buscou-se uma narrativa intertextual ligando a vida de Maria Conga com a histoacuteria dos
muitos africanos que foram trazidos para o Brasil Em um segundo momento foi proposto
a confecccedilatildeo de bonecas abayomis pelas jovens adultas e idosas que naquele instante
acompanhavam os estudantes
A quarta oficina foi uma sensibilizaccedilatildeo baseada na Pedagogia Griocirc Tal pedagogia
idealizada pela educadora Lilian Pacheco24 baseia-se na valorizaccedilatildeo e transmissatildeo dos
saberesfazeres (ALVES 2001)25 da cultura oral dos sujeitos da regiatildeo Desse modo nesta
oficina buscou-se aproximar os saberes das novas geraccedilotildees aos saberes das geraccedilotildees
passadas por meio das histoacuterias contadas pelas griocirctes locais Neste trabalho as griocirctes
foram duas avoacutes dos estudantes Elas foram escolhidas porque eram mulheres idosas que
representavam os sujeitos da diversidade a avoacute do estudante do ldquoPreacute IIrdquo tem nanismo fato
que chama atenccedilatildeo das crianccedilas pois embora fosse do tamanho deles ela jaacute tinha vivido
quase 60 anos A outra avoacute da estudante do ldquoPreacute Irdquo eacute negra
A oficina foi realizada em dois momentos distintos ocorrendo em duas semanas No
primeiro momento realizou-se a contaccedilatildeo de histoacuterias pelas avoacutes com duraccedilatildeo de cerca de
50 minutos Na semana seguinte os estudantes recontaram aspectos das histoacuterias ouvidas
com massinha de modelar Com os registros desta experiecircncia posteriormente seraacute
confeccionado um viacutedeo animado e legendado com a temaacutetica Histoacuterias de nossa gente
A quinta oficina envolveu a Musicalidade enquanto valor civilizatoacuterio afro-brasileiro
e foi dividida em cinco momentos distintos ocorrendo em um periacuteodo de um mecircs e meio
24 Mais agrave frente discorreremos sobre esta pedagogia 25 Nilda Alves utiliza o recurso de aglutinaccedilatildeo de palavras para indicar a necessidade de ir aleacutem dos limites herdados das Ciecircncias Modernas
35
mais ou menos 6 encontros Buscou-se nesta proposta trabalhar o desenvolvimento de
diferentes competecircncias como a de construccedilatildeo de conceitos a descoberta de instrumentos
musicais eacutetnicos e a confecccedilatildeo deles a construccedilatildeo de rimas ritmos e movimentos As accedilotildees
desta oficina culminaram no ano de 2016 quando foram compartilhadas algumas criaccedilotildees
musicais dos estudantes com as famiacutelias via dispositivos moacuteveis
A sexta oficina foi nomeada como Lendas que nos encantam e teve por objetivo
retornar aos gecircneros literaacuterios como na primeira oficina evidenciando histoacuterias que
precisam ser contadas nas escolas brasileiras Desse modo apresentamos a histoacuteria de uma
aacutervore que representa a ancestralidade africana o Baobaacute
Para trabalharmos a histoacuteria do Baobaacute realizamos dinacircmicas em dois momentos
distintos tendo cada um 50 minutos Na primeira semana foi contada a lenda da seguinte
maneira organizei um cenaacuterio com cartolinas coloridas agrave frente da sala de aula com uma
aacutervore (de papel) de troncos largos cheia de frutos Realizei a leitura da lenda e
posteriormente foram escolhidos alguns estudantes para encenar a histoacuteria sendo os
seguintes personagens o Baobaacute a hiena dois coelhos e outros trecircs bichos Logo em
seguida a partir da minha mediaccedilatildeo os estudantes dinamizaram a lenda expressando
criatividade imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Foi possiacutevel realizar a contaccedilatildeo de histoacuteria pelos
estudantes por trecircs vezes O objetivo era que todos participassem
Na semana seguinte resgatamos a histoacuteria e pedimos agraves crianccedilas que representassem
aspectos daquela histoacuteria por meio de ilustraccedilotildees em folhas e de massinha de modelar
Tais produccedilotildees foram registradas para compor um viacutedeo animado sobre a histoacuteria do Baobaacute
contada a partir do olhar dos estudantes de Conceiccedilatildeo de Suruiacute
35 COLABORADORES NA COLETA DE DADOS
As docentes das turmas a bolsista de extensatildeo e a equipe pedagoacutegicagestora foram
as colaboradoras diretas da pesquisa e contribuiacuteram significativamente para o processo de
investigaccedilatildeo
As professoras regentes das turmas pesquisadas foram fontes importantes para
percepccedilatildeo da urgecircncia em pesquisar o contexto da Educaccedilatildeo Infantil Os relatos de suas
praacuteticas cotidianas das relaccedilotildees interpessoais entre os estudantes e suas famiacutelias da
relaccedilatildeo entre os pares foram fundamentais para potencializar as reflexotildees em direccedilatildeo a
36
inclusatildeo da diversidade Cabe ressaltar que ambas as professoras embora soliacutecitas e agrave
disposiccedilatildeo para contribuir com os achados dificilmente participavam das oficinas Os 50
minutos semanais eram os uacutenicos que elas tinham para realizar o seu planejamento visto
que no municiacutepio de Mageacute os docentes de 1deg segmento natildeo tinham garantido o 13 de
carga horaacuteria semanal para planejamento conforme estabelece a lei federal 117380826
A parceria com a discente da graduaccedilatildeo (bolsista de extensatildeo) durante o processo
de coleta de dados foi um apoio fundamental pois representava um olhar a mais naquele
momento de achados Aleacutem disso a estudante realizou grande parte dos registros
fotograacuteficos enquanto eu mediava as oficinas
A gestora por sua vez foi quem prontamente viabilizou a coleta de dados a partir da
autorizaccedilatildeo institucional e que no decorrer desse processo tambeacutem representou uma
fonte de validaccedilatildeo dos dados coletados visto sua relaccedilatildeo direta com as famiacutelias estudantes
e docentes
Por fim eacute possiacutevel concluir que a coleta de dados desta pesquisa foi permeada por
olhares atentos que culminaram em conversas27 entre noacutes docentes e tambeacutem com
discentes para potencializar um ensino onde a inclusatildeo da diversidade se tornasse uma
constante
36 PRODUTOS DO PROJETO
Os produtos desta pesquisa satildeo tecnologias educacionais Todas elas estatildeoseratildeo28
disponibilizadas online29 visando contribuir para que outros docentes da Educaccedilatildeo Infantil
(e tambeacutem dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica) possam trabalhar com o ensino das
relaccedilotildees eacutetnico-raciais tendo em consideraccedilatildeo a diversidade e a inclusatildeo
26 Lei que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magisteacuterio puacuteblico da Educaccedilatildeo Baacutesica E prevecirc ldquoo limite maacuteximo de 23 (dois terccedilos) da carga horaacuteria para o desempenho das atividades de interaccedilatildeo com os educandosrdquo (sect 4ordm do art 2ordm) Significando assim que 13 (um terccedilo) da jornada destinar-se-ia agraves atividades de planejamento e formaccedilatildeo continuada do docente Conforme Brasil (2008) 27 Concordamos com CARVALHO (2011) que ao pensar o curriacuteculo como comunidade de afetos orienta que professores e alunos professores e professores conversem e ao considerar a alteridade construam inteligecircncia coletiva 28 Alguns produtos jaacute foram publicados como o cataacutelogo de livros eacutetnicos Outros seratildeo lanccedilados apoacutes a publicaccedilatildeo do caderno digital 29 Paacutegina na rede social (Facebook) construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo Link httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoeudantesetnicoraciaisartesdefazer
37
Os produtos deste trabalho podem ser definidos como
1 A construccedilatildeo do espaccedilo virtual (uma paacutegina na rede social) para o compartilhamento
das accedilotildees pedagoacutegicas e os produtos da pesquisa Este suporte midiaacutetico foi validado
pelo acesso que tem recebido chegando a um alcance de 160 pessoas em algumas
semanas no ar A maior parte desse puacuteblico eram pessoas da proacutepria comunidade
escolar pais dos estudantes professores funcionaacuterios da escola e os proacuteprios alunos
Vale ressaltar que esta paacutegina foi construiacuteda em parceria com o projeto de extensatildeo
ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos ciclos iniciais artes de fazer e fazer-
se professorrdquo sendo assim intitulada por ldquoO ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais artes
de fazer e fazer-se professorrdquo Portanto ao vincular-se ao projeto de extensatildeo sua
criaccedilatildeo visou divulgar tambeacutem as accedilotildees extensionistas que aconteciam na
escolauniversidade contemplando as turmas do Ensino Fundamental Vale frisar
que temos difundido para aleacutem dos muros da escola o pensamento inclusivo sobre
a diversidade atingindo a comunidade escolar docentes e outros sujeitos de Mageacute
2 Um cataacutelogo de livros disponiacutevel na biblioteca comunitaacuteria localizada na Escola
Municipal Dinorah dos Santos Bastos e que tambeacutem se encontra no espaccedilo virtual
citado acima Este material tem auxiliado os docentes dos anos iniciais na busca pelas
temaacuteticas indiacutegenas e africanidades
3 Coletacircnea de muacutesicas com as vozes das crianccedilas A gravaccedilatildeo das cantigas populares
pelos proacuteprios estudantes foi compartilhada com os responsaacuteveis no iniacutecio do ano
corrente O principal objetivo foi dar um feedback das accedilotildees do ano anterior e
tambeacutem possibilitar a apreciaccedilatildeo de um trabalho autoral feito por seus proacuteprios
filhos Com a finalizaccedilatildeo do caderno e sua publicaccedilatildeo estas muacutesicas seratildeo lanccediladas
na paacutegina do Facebook
4 Dois viacutedeos animados elaborados a partir das produccedilotildees artiacutesticas dos estudantes
Esses viacutedeos tambeacutem foram feitos a partir das produccedilotildees dos estudantes tendo
como temaacutetica lendas locais e de ancestralidade africana O procedimento seraacute o
mesmo sua publicaccedilatildeo seraacute concomitante agrave publicaccedilatildeo do caderno na paacutegina virtual
5 Um caderno pedagoacutegico digital que tambeacutem disponibilizaremos na paacutegina em
formato PDF Adotamos alguns criteacuterios para a estruturaccedilatildeo do caderno pedagoacutegico
que foram linguagem adequada ao puacuteblico formato claro e estruturado propostas
38
exequiacuteveis articulaccedilatildeo entre teoria e praacutetica e adequaccedilatildeo aos paracircmetros da
Educaccedilatildeo Infantil Acreditamos na capacidade desde produto em potencializar o
pensamento inclusivo sobre a diversidade eacutetnico-cultural do povo brasileiro E com
isso suscitar modos de pensar e de produzir experiecircncias instituintes na Educaccedilatildeo
Infantil A priori vamos identificar esse produto como uma tecnologia de transmissatildeo
de conhecimento visto que nele seratildeo apresentados saberes construiacutedos nas oficinas
sobre relaccedilotildees eacutetnico-raciais e que foram validadas por estudantes e docentes da
Educaccedilatildeo Infantil durante as praacuteticas cotidianas Acreditamos que o professor na sua
capacidade reflexiva ao interagir com este material tambeacutem poderaacute modificar e
servir de inspiraccedilatildeo para outras praacuteticas natildeo buscando ser um modelo para
reproduccedilatildeo Dessa forma o docente enquanto sujeito reflexivo precisa reinventar
as atividades propostas de acordo com sua realidade criando e recriando artes de
fazer
Figura 1 Paacutegina na Rede Social Fonte Daise dos Santos Pereira
Na Figura 1 temos um registro da paacutegina virtual jaacute citada anteriormente Dominick
(2015) nos provoca a pensar nos possiacuteveis status dessa tecnologia informacional Seria ela
interativa ou difusora Para a autora haacute miacutedias difusoras onde o conhecimento eacute
produzido por alguns e difundido como eacute o caso da televisatildeo e do raacutedio Mas haacute aquelas
39
que possibilitam uma interaccedilatildeo entre os sujeitos pois se apresentam como uma
possibilidade de dialogia Esse espaccedilo na internet busca difundir um conhecimento mas
tambeacutem eacute um lugar de diaacutelogo de possibilidades de interaccedilotildees com professores que vatildeo
aleacutem da reproduccedilatildeo de ideias
Neste endereccedilo tambeacutem disponibilizamos alguns livros infanto-juvenis em formato
PDF que podem ser baixados um cataacutelogo com os livros de literatura com temaacutetica eacutetnica
(indiacutegena e africana) que elaboramos a partir da busca no acervo da biblioteca da escola
Neste material satildeo encontrados o resumo a faixa-etaacuteria e o nuacutemero de paacuteginas de cada
obra A elaboraccedilatildeo deste cataacutelogo surgiu pela necessidade de identificarmos as obras
literaacuterias eacutetnicas e por identificarmos nas atividades de implementaccedilatildeo de leitura pouca ou
nenhuma familiaridade dos docentes da escola com o acervo das matrizes eacutetnicas africanas
e indiacutegenas Por exemplo na semana do dia do iacutendio uma das docentes relatou dificuldade
para achar uma obra que tratasse do tema Ao procurar achamos 39 exemplares de
temaacutetica indiacutegena e africana Hoje contamos com um pouco mais de 50 livros em nosso
acervo escolar
Logo seraacute possiacutevel encontrar na paacutegina gravaccedilotildees musicais dos estudantes os viacutedeos
animados das histoacuterias locais produzidos com os mesmos e algumas fotografias das accedilotildees
realizadas na escola Buscaremos assim que publicados esses produtos disponibilizar o
texto dessas histoacuterias em PDF Esta eacute uma estrateacutegia de ferramenta acessiacutevel para pessoas
cegas Assim a histoacuteria pode ser lida pelo leitor de tela para os deficientes visuais
Intencionamos com isso abrir caminhos para ampliar o diaacutelogo com a tecnologia acessiacutevel
(DOMINICK 2015) de modo a alcanccedilar crianccedilas surdas cegas ou com deficiecircncias fiacutesicas
Desse modo acreditamos estar favorecendo praacuteticas docentes inclusivas da
diversidade Reafirmamos no entanto que tais meios soacute seratildeo de fato aliados a um saber-
fazer emancipatoacuterio na medida em que o docente os assumir como extensatildeo de suas
reflexotildees e de seus braccedilos natildeo como modelo a ser seguido Para tal ele precisa ser o que
Schoumln (2000) denominou como professor reflexivo um sujeito que para Castels (1999) eacute
interagente De forma que quando ele entrar em contato com os produtos desta pesquisa
iraacute se apropriar e dialogar com os conhecimentos ali expostos assim como apresentar
outras ideias e tambeacutem suas praacuteticas
40
4 RESULTADOS E DISCUSSAtildeO
41 DADOS COLETADOS REFLEXOtildeES INICIAIS
Em nossa pesquisa bibliograacutefica identificamos a invisibilidade da questatildeo racial no
sistema educacional brasileiro principalmente no que tange a produccedilatildeo teoacuterica
articulando as questotildees de raccedila e etnia para o trabalho com a Educaccedilatildeo Infantil
Posteriormente na escola buscamos identificar se de fato havia a observacircncia e
cumprimento da lei federal 1164508 Ao confirmar nossa hipoacutetese de que pouco estava
sendo trabalhado buscou-se intervir para promover uma cultura escolar mais inclusiva das
matrizes eacutetnicas e culturais que fazem parte de nossa gente
Identificamos alguns aspectos no cotidiano da escola que confirmaram a relevacircncia
da pesquisa com aquele grupo tais como raras praacuteticas abordando a diversidade eacutetnico-
racial com foco nas influecircncias africanas e indiacutegenas tendo em vista inclusive as influecircncias
das etnias afro e indiacutegena (e que por sinal satildeo muito fortes na regiatildeo) presenccedila de um
ambiente fortemente marcado por narrativas monoculturais isto eacute murais com
personagens brancos e somente os claacutessicos literaacuterios europeus compondo a oferta de
leitura para as crianccedilas Identificamos ainda no diaacutelogo com as professoras evidecircncias de
accedilotildees discriminatoacuterias entre as crianccedilas pequenas silecircncio em torno de situaccedilotildees
conflituosas e a falta de formaccedilatildeo que as ajudasse a lidar com a questatildeo de forma a superar
o preconceito a discriminaccedilatildeo e o racismo
Os dados coletados inicialmente foram ao encontro de minhas primeiras anguacutestias
quando ao ingressar na especializaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria me dei conta de que as
praacuteticas dos docentes da Educaccedilatildeo Infantil e dos anos iniciais da Educaccedilatildeo Baacutesica estavam
ainda distantes do que entendemos por Educaccedilatildeo para Todos visto que ateacute aquele
momento natildeo existiam orientaccedilotildees legais para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais e assim
para o rompimento da cultura do racismo no cotidiano escolar
Acreditando que poderia organizar praacuteticas instituintes em diversidade e inclusatildeo
com crianccedilas pequenas sobre as questotildees eacutetnico-raciais foi que caminhei mais alguns
passos
41
42 PERCEBENDO AS VOZES OFICINAS INICIAIS
Durante 2 meses interagindo com os discentes30 busquei indiacutecios que me
conduziram para a estruturaccedilatildeo das primeiras oficinas Logo apoacutes foram apresentadas
duas oficinas que buscaram confirmar ou refutar as observaccedilotildees feitas e as informaccedilotildees
coletadas com os adultos Elas tiveram como enfoque o trabalho com a literatura infantil
Importante salientar que estas accedilotildees com os estudantes sustentaram as hipoacuteteses iniciais
sobre a urgecircncia de um rompimento com as praacuteticas e culturas do cotidiano escolar que
natildeo alcanccedilam a diversidade eacutetnico-racial presente na localidade Majoritariamente as
praacuteticas curriculares cotidianas reforccedilam praacuteticas monoculturais e etnocecircntricas
contribuindo muitas vezes para a existecircncia de comportamentos racistas e segregadores
entre os estudantes e mesmo entre os profissionais da escola
421 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I (idade entre 4 e 5 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje a turma estava com 14 alunos no total Iniciamos a aula no paacutetio da escola tendo em vista a obra que estaacute acontecendo no preacutedio desde o recesso escolar Expusemos em um varal alguns livros do acervo da biblioteca da escola A opccedilatildeo pelo varal foi uma estrateacutegia para que os estudantes visualizassem melhor as obras para assim apontarem suas preferecircncias As obras estavam divididas em contos claacutessicos da literatura europeia e histoacuterias de temaacutetica eacutetnica Foram apresentados 12 livros Entre os contos claacutessicos estavam ldquoO chapeuzinho vermelhordquo ldquoOs trecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoCinderelardquo ldquoPinoacutequiordquo e ldquoJoatildeo e o peacute de feijatildeordquo Entre os livros que contavam histoacuterias com temaacutetica eacutetnico-racial estavam ldquoO cabelo de Lelecircrdquo ldquoLilaacute e o segredo da Chuvardquo ldquoCadecircrdquo ldquoA menina e o tamborrdquo ldquoChuva de mangardquo ldquoHistoacuterias da nossa genterdquo e ldquoBichos da Aacutefricardquo Iniciamos a dinacircmica perguntando aos alunos as suas preferecircncias Todos demonstraram grande interesse pelos contos claacutessicos mas buscando saber sobre o que pensavam sobre os outros livros perguntei se algueacutem conhecia ou se gostaria de conhecer Apresentamos cada um deles e depois solicitamos que fossem ao varal pegar o que fosse de interesse do grupo Como era de imaginar a grande maioria foi para o lado dos contos claacutessicos europeus
30 Interagia enquanto professora itinerante da sala de leitura uma vez por semana
42
Eu e Pacircmela (bolsista da extensatildeo) insistimos na provocaccedilatildeo mostrando os outros
livros ldquoE aqueles livros ningueacutem quer lerrdquo
Ateacute que uma estudante negra foi ateacute o livro ldquoCadecircrdquo (Graccedila Lima) e o pegou Haacute em
sua capa um menininho negro e pensei naquele momento que talvez houvesse uma
tiacutemida identificaccedilatildeo por parte da menina com o personagem O livro conta a histoacuteria das
fantasias de um menino pequeno que vai descobrindo o mundo ao seu redor A cada
descoberta uma surpresa Nesse enredo uma mesa se torna uma girafa O sofaacute um
rinoceronte E a matildee participa junto com o menino dessas descobertas emoccedilotildees e
fantasias
A partir de sua escolha questionamos aos colegas se eles gostariam de ouvir a
histoacuteria daquele livro Cabe ressaltar que esta menina demonstrava ao longo das atividades
uma identificaccedilatildeo positiva com a sua cor sem recusas quando lhe era proposto ser
personagem negra por exemplo Entre os 14 alunos 10 concordaram em ouvir Ao final da
histoacuteria perguntamos se ali tinha algueacutem parecido com o menininho do enredo e trecircs
crianccedilas disseram prontamente que sim que eram muito parecidos
Fizemos tambeacutem uma votaccedilatildeo para saber quais as preferecircncias deles sobre os
claacutessicos O resultado foi 12 alunos votaram nos Trecircs porquinhos 10 em Joatildeo e o peacute de
feijatildeo 11 em Pinoacutequio 14 em Joatildeo e Maria 7 em Chapeuzinho vermelho 10 em Cinderela
Joatildeo e Maria foi o enredo de preferecircncia da turma Importante ressaltar que a votaccedilatildeo
naquele primeiro momento foi para sondar as preferecircncias Ao longo das atividades e
oficinas estabelecemos diaacutelogos com as obras a partir de sua releitura e intercaladas com
as obras eacutetnico-raciais
43
Graacutefico 1 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar I Fonte Daise dos Santos Pereira
Apoacutes a contaccedilatildeo da histoacuteria do livro ldquoCadecircrdquo sugerimos que cada um registrasse em
um desenho em folha A4 a histoacuteria que quisesse Podia ser a que tiacutenhamos acabado de ler
ou uma das que estavam no varal Trecircs crianccedilas natildeo quiseram realizar a tarefa Dentre elas
dois meninos e uma menina Apesar disso pegaram os livros para folhear Dos 11 desenhos
entregues apenas dois representaram um livro de temaacutetica eacutetnica ldquoO Cabelo de Lelecircrdquo Os
demais foram representaccedilotildees de ldquoTrecircs porquinhosrdquo ldquoJoatildeo e Mariardquo ldquoChapeuzinho
Vermelhordquo Em um dos desenhos havia 2 personagens que a estudante identificou como
Joatildeo e Maria e um terceiro personagem com feiccedilatildeo de mal identificado como ruim
Quando perguntamos quem era o personagem a estudante apontou para o livro ldquoChuva
de mangardquo que tem na capa um menininho negro
422 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II (idade entre 5 e 6 anos)
O texto a seguir compocircs-se a partir de notas do meu caderno de campo
Hoje demos continuidade agrave oficina de preferecircncia literaacuteria a partir dos livros que compotildee o acervo da escola Assim como realizado com a turma do Preacute-escolar I exibimos 12 livros sendo metade deles com a temaacutetica
44
eacutetnico-racial e a outra com os contos europeus Cabe ressaltar que na escola haacute pouca literatura com a temaacutetica eacutetnico-racial que atenda agrave faixa-etaacuteria do Preacute-escolar Neste sentido dois dos livros exibidos para os alunos estavam para aleacutem da faixa etaacuteria das crianccedilas Natildeo obstante a escolha por eles deveu-se aos nomes e ilustraccedilotildees da capa serem bem sugestivas Pensamos que poderiam aguccedilar a curiosidade das crianccedilas E foi o que aconteceu A turma possui um total de 18 alunos Neste dia estavam presentes apenas 12 O horaacuterio escolhido para as atividades foi o de 10h agraves 11h Este foi escolhido a partir de negociaccedilatildeo com a professora regente visto a sua solicitaccedilatildeo No entanto temos percebido grande necessidade de rever o horaacuterio da aula realizando-a no primeiro tempo pois entendemos que no iniacutecio do dia o aproveitamento da atividade eacute maior
Importante salientar que ao iniciarmos a pesquisa de campo nos deparamos com
diferentes limitaccedilotildees inclusive estruturais que consideramos relevantes evidenciar neste
trabalho No mecircs de agosto de 2015 a escola passou por obras em todo o preacutedio pois o
telhado desmoronou durante o recesso escolar Para natildeo haver prejuiacutezos nas atividades
escolares e natildeo deixar lacunas no calendaacuterio letivo foi decido que as aulas prosseguiriam
e a gestora improvisou duas ldquosalas de aulardquo dentro da biblioteca31 localizada em uma
estrutura anexa ao preacutedio em reforma Contamos tambeacutem com o quintal da escola onde
foi improvisado um espaccedilo com carteiras e quadro Vale ressaltar que a associaccedilatildeo de
moradores cedeu o espaccedilo para as aulas de 2 turmas do turno da manhatilde Identificamos
assim que haacute uma boa relaccedilatildeo da escola com a comunidade e que a gestora juntamente
com sua equipe buscou soluccedilotildees para os problemas
Com todos esses acontecimentos na escola os momentos para o trabalho com as
crianccedilas ficaram um pouco limitados tendo em vista a necessidade de reestruturaccedilatildeo dos
tempos e espaccedilos da escola e assim a adaptaccedilatildeo dos estudantes A turma do Preacute-escolar
II da manhatilde ficou um pouco prejudicada na atividade de leitura pois com a mudanccedila da
rotina ao final do dia as crianccedilas estavam bastante agitadas dificultando a realizaccedilatildeo de
nossa proposta No horaacuterio da tarde quando realizamos a atividade com o Preacute-escolar I o
horaacuterio era mais flexiacutevel pois a escola possuiacutea apenas 3 turmas
Intencionaacutevamos no primeiro momento realizar uma sensibilizaccedilatildeo para as
literaturas expostas para em seguida identificar as preferecircncias das crianccedilas Em um
segundo momento contariacuteamos a histoacuteria escolhida e depois iriacuteamos sugerir ilustraccedilotildees
31 Temos em nossa escola uma biblioteca comunitaacuteria que faz parte de iniciativas de organizaccedilotildees natildeo governamentais das seguintes instituiccedilotildees Instituto Ecofuturo e ONG Aacutegua Doce
45
que representassem a histoacuteria narrada No entanto o curto tempo inviabilizou estas accedilotildees
Apesar disso coletamos as preferecircncias dos estudantes acerca das literaturas Como jaacute
sinalizado anteriormente expusemos as 12 obras Das obras relacionadas agrave relaccedilotildees
eacutetnico-raciais apenas uma chamou atenccedilatildeo dos alunos talvez pela capa e pelo nome
sugestivo ldquoBichos da Aacutefricardquo Nenhuma das obras era conhecida pelos alunos Ao contraacuterio
dos claacutessicos onde se destacou a histoacuteria dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo
Graacutefico 2 Preferecircncias literaacuterias do Preacute-escolar II Fonte Daise dos Santos Pereira
423 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo a escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar II)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar II
Tendo em vista o interesse dos estudantes pela obra dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo a escolhemos como tema central para guiar nossa atividade de hoje que visa identificar a percepccedilatildeo que as crianccedilas trazem do negro Eacute sabido que toda accedilatildeo educativa eacute potencializada quando os conhecimentos e interesses preacutevios dos estudantes satildeo reconhecidos para integrar as atividades cotidianas Segundo a Sociologia da Infacircncia o coletivo deve exercer uma grande importacircncia no cotidiano escolar e sendo a crianccedila um ator social eacute preciso considerar que ela estaacute a todo momento negociando compartilhando e criando cultura com os adultos e entre seus pares A atividade transcorreu inicialmente com a contaccedilatildeo
46
da histoacuteria Havia na turma 9 alunos sendo que apenas 7 participaram da atividade pois 2 estudantes precisaram ir embora mais cedo devido a conduccedilatildeo32 Propositalmente invertemos as cores dos personagens os porquinhos que no geral se apresentam nas cores rosa ou branco foram representados em marrom O lobo que tendencialmente eacute preto ou marrom foi apresentado como branco Tal provocaccedilatildeo baseou-se em uma ideia construiacuteda ao longo da histoacuteria de que o negro seria a origem de todo o mal E assim queriacuteamos realizar uma ruptura com o padratildeo ldquobranco divinizado x negro endemoniadordquo Tambeacutem intencionaacutevamos perceber se haveria algum impacto na percepccedilatildeo das crianccedilas (Narrativa registrada no meu caderno de campo dia 18082015)
Optamos por contar a histoacuteria usando nossas taacuteticas de praticantes do cotidiano
(CERTEAU 1994) Assim confeccionamos um avental temaacutetico com fantoches para
narrarmos a histoacuteria dos Trecircs Porquinhos
Figura 2 Avental temaacutetico ndash Histoacuteria dos trecircs porquinhos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tivemos a participaccedilatildeo direta de todos os discentes ao longo da narrativa Estavam
atentos a cada movimento Ao final do enredo os estudantes disseram a claacutessica frase ldquoE
eles viveram felizes para semprerdquo
Interrompi-os dizendo que a histoacuteria ainda natildeo tinha acabado Contei-lhes que havia
duas famiacutelias muito interessadas em adotar os dois porquinhos mais novos e que noacutes
32 O ocircnibus nesta regiatildeo passa de hora em hora Precisamos alterar o horaacuterio das aulas em virtude dos estudantes terem que sair meia hora antes do teacutermino das oficinas
47
teriacuteamos uma tarefa muito importante escolher qual seria a famiacutelia ldquomais legalrdquo para
adotar os dois porquinhos
As imagens construiacutedas para representar as duas famiacutelias eram com as seguintes
caracteriacutesticas a primeira famiacutelia sendo branca com olhos azuis de cabelos lisos com pai
matildee e um casal de filhos pequenos Enquanto a segunda famiacutelia era representada por
pessoas negras com avoacute avocirc pai matildee e um casal de filhos pequenos Assim expusemos
os dois cartazes cada um com um retrato da famiacutelia e uma casa representando o lar de
tijolos com o tiacutetulo Famiacutelia legal
Cada crianccedila recebeu uma ficha com o seu respectivo nome para colocar no cartaz
conforme fosse solicitado As perguntas que dinamizaram as escolhas foram ldquoQual eacute a
famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Tivemos muito cuidado
para natildeo influenciar na opiniatildeo deles com as nossas falas
Chamamos entatildeo a primeira aluna dentre os sete que estavam participando da
aula Perguntamos sobre sua escolha prontamente respondeu que a famiacutelia era legal
porque era da mesma cor dos porquinhos e tambeacutem igual a ela Fomos chamando os
demais que escolheram a famiacutelia branca Todos responderam que aquela era a famiacutelia mais
legal pois pareciam com eles ndash os estudantes ndash que eram brancos Dentre os cinco que
deram esta resposta trecircs foram bastante expressivos respondendo prontamente sem
hesitar
O uacuteltimo aluno a realizar a escolha optou pela famiacutelia afro-brasileira Respondeu que
a famiacutelia era legal porque era igual a ele e ao ldquoporquinho pretinhordquo Foi uma resposta
surpreendente pois ateacute entatildeo em atividades anteriores os indiacutecios apresentados por esse
estudante eram de distanciamento da figura do negro
424 ldquoOs trecircs porquinhosrdquo A escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I)
A seguir relato como ocorreu a oficina com a turma do Preacute-escolar I
A turma do Preacute-escolar composta inicialmente por 18 estudantes natildeo estava completa Contamos nesse dia com apenas 14 alunos A dinacircmica foi a mesma realizada com a turma do ldquoPreacute IIrdquo e no primeiro momento das aulas Escolhemos o enredo dos ldquoTrecircs porquinhosrdquo tendo em vista que este conto tambeacutem faz parte do repertoacuterio de preferecircncias literaacuterias dos estudantes Iniciamos a contaccedilatildeo de histoacuteria a partir de fantoches
48
como jaacute sinalizado anteriormente A inversatildeo das cores dos personagens natildeo provocou nenhum comentaacuterio por parte dos estudantes Durante todo enredo os estudantes se colocaram atentos e participativos a cada provocaccedilatildeo Quando foram chamados a realizar a tarefa de escolher as famiacutelias para adoccedilatildeo dos 2 porquinhos prontamente pegaram as fichas com seus nomes Vale ressaltar que estas crianccedilas jaacute fazem o reconhecimento de seus nomes e tambeacutem de seus colegas agrave exceccedilatildeo de uma estudante A cada crianccedila escolhida para votar faziacuteamos o seguinte questionamento ldquoQual eacute a famiacutelia mais legal para adotar os trecircs porquinhosrdquo e ldquoPor quecircrdquo Timidamente as crianccedilas iam ateacute os cartazes e escolhiam as famiacutelias Como jaacute relatado eram dois modelos de famiacutelia uma branca e outra negra As primeiras escolhas foram para as famiacutelias brancas e as respostas quando questionadas sobre a razatildeo da escolha eram ldquoPorque simrdquo Ateacute o momento em que uma crianccedila negra votou na famiacutelia negra Mas natildeo quis dizer a razatildeo O resultado foi 9 crianccedilas escolheram a famiacutelia branca e 5 escolheram a famiacutelia negra Dentre as que escolheram a famiacutelia branca a maioria eu considero como crianccedila branca ou parda As crianccedilas que escolheram a famiacutelia negra satildeo identificadas como uma eacute negra e as demais pardas (Narrativa da oficina em meu caderno de campo dia 18082015)
Graacutefico 3 Escolha da famiacutelia legal (Preacute-escolar I e II) Fonte Daise dos Santos Pereira
Essas oficinas iniciais abriram caminhos para que houvesse uma mudanccedila na cultura
escolar no sentido de tornaacute-la acolhedora agrave diversidade Elas revelaram a necessidade de
construccedilatildeo de um ambiente que provocasse a ruptura com as histoacuterias uacutenicas Aleacutem de
49
identificarmos a ausecircncia de imagens e materiais que evidenciassem a etnia de matriz afro-
brasileira no espaccedilo escolar identificamos que a maioria das crianccedilas natildeo se identificava
com sua origem eacutetnica
Cuidamos a partir de entatildeo para que os murais de nossa escola passassem a ter
personagens negros bem como brancos e indiacutegenas As estantes de nossas salas passaram
a ter natildeo soacute os contos claacutessicos europeus Outras histoacuterias passaram a fazer parte do acervo
das salas e os estudantes passaram a pedir para ouvir e contar histoacuterias protagonizadas por
afrodescendentes E elas agora compotildee o acervo particular das salas de aula33
Figura 3 Mural dos livros eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Tambeacutem foi iniciado um projeto de incentivo agrave leitura onde os estudantes do Preacute-
escolar levavam para as suas casas semanalmente livros da temaacutetica eacutetnico-racial
(indiacutegena e africana) Para que esse projeto acontecesse houve a necessidade de descobrir
aonde estavam essas literaturas
33 Obras mais solicitadas pelos estudantes Cadecirc (Graccedila Lima) Abareacute (Graccedila Lima) O Senhor da Histoacuterias (Wellington Srbek) O Cabelo de Lelecirc (Valeacuteria Beleacutem) A menina e o tambor (Mariacircngela Haddad) Menina bonita do laccedilo de fita (Ana Maria Machado) e as lendas do Baobaacute e a da Mirindiba
50
Com a colaboraccedilatildeo da funcionaacuteria da biblioteca da escola e da bolsista de extensatildeo
achamos 39 livros da temaacutetica procurada alguns catalogados e outros natildeo Havia mais
livros infanto-juvenis do que infantis34 para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar
Apoacutes esses achados decidimos elaborar um cataacutelogo35 com as obras eacutetnicas para
potencializar as nossas accedilotildees e viabilizar o contato dos docentes da escola com essas
literaturas
As accedilotildees proporcionaram resultados positivos desde o iniacutecio da pesquisa Pudemos
perceber o fortalecimento das identidades dos estudantes negros o respeito e o diaacutelogo
com a diversidade quando os estudantes em sua maioria passaram a optar por enredos
protagonizados por crianccedilas mulheres e homens afrodescendentes A parceria com as
famiacutelias tambeacutem foi fundamental nesse processo que para aleacutem de contribuir para o
rompimento com as histoacuterias uacutenicas ajudou na formaccedilatildeo de sujeitos leitores responsaacuteveis
e cuidadosos com os livros que carregavam e que teriam que retornar na semana seguinte
para dar continuidade aos empreacutestimos36
Figura 4 Rompendo com histoacuterias uacutenicas Fonte Arquivo pessoal da autora
34 Esse problema nos levou a confeccionar alguns livros infantis Estes foram baixados na internet e podem ser encontrados na paacutegina do projeto de extensatildeo 35 Esse cataacutelogo foi um primeiro produto gerado pelo projeto e estaacute disponiacutevel em httpswwwfacebook comoensinodasrelacoesetnicoraciaisartesdefazerphotostab=albumampalbum_id=1561437514148129 36 Dispuacutenhamos de 8 livros infantis para a faixa etaacuteria do Preacute-escolar Cada turma ficou com 4 livros que semanalmente contemplavam 4 estudantes
51
Nesse primeiro momento para aleacutem de construir uma cultura inclusiva (BOOTH e
AISCOW 2011) no ambiente escolar estaacutevamos buscando alcanccedilar a todos familiares
estudantes e professores
43 OFICINA 3 - CONHECENDO MARIA A MENINA QUE VEIO DO CONGO
A histoacuteria que vocecircs iratildeo ouvir aconteceu haacute algum tempo quando as pessoas eram vendidas como coisas e obrigadas a servir os mais fortes como escravos37 Nossa personagem principal eacute a menina Maria que nasceu no Continente Africano em um paiacutes chamado Congo Maria nasceu em 1792 Ela sua famiacutelia e seus amigos foram trazidos para o Brasil pelos portugueses para trabalharem pesado Maria e os demais africanos sofreram muito para chegar ao Brasil Na eacutepoca o uacutenico transporte que fazia longas viagens era o navio E o que transportava os africanos chamava-se navio negreiro Os navios atravessavam o oceano atlacircntico e isso durava meses de muito sofrimento Quem mais sofria nessa viagem eram as crianccedilas pois natildeo tinham o que comer beber vestir dormir e brincar Elas choravam assustadas ao ver tanta dor e sofrimento As matildees faziam de tudo para diminuir aquela dor e trazer um pouco de alegria para seus filhos Sabendo que Maria gostava muito de bonecas a matildee dela resolveu cortar pedaccedilos de sua roupa para fazer uma boneca para ela A matildee de Maria e outras mulheres em um gesto de amor rasgam suas roupas com as proacuteprias matildeos e fazem bonecas muito especiais chamadas Abayomi Satildeo pequenas bonecas negras feitas de pano e sem costura apenas com noacutes ou tranccedilas A palavra abayomi tem origem no Iorubaacute e significa aquele que traz felicidade ou alegria Sabemos que o ato de rasgar as roupas com suas proacuteprias unhas representa um grande gesto de amor de uma matildee que quer ver seu filho feliz A matildee de Maria estava dando o que ela tinha de melhor as suas vestes Dar uma boneca Abayomi a algueacutem eacute um ato de carinho e nobreza Desde esse dia Maria guardou com muito cuidado e carinho o presente de sua matildee Quando em 1804 chegou ao Brasil aos 12 anos ela carregava sua boneca no colo Infelizmente foi separada de sua famiacutelia e vendida para um senhor de engenho em Salvador Aos 18 anos foi transferida para o Rio de Janeiro E com 24 chegou no Porto de Piedade em Mageacute Cidade onde construiu um linda histoacuteria mas que poucos tiveram o privileacutegio de conhecer Vamos assim como Maria confeccionar uma abayomi e presentear a quem noacutes amamos38
37 Importante ressaltar que os negros natildeo nasceram escravos A expressatildeo escravizados marca um processo de pessoas que sofreram com a escravidatildeo Jaacute a expressatildeo escravo remete a condiccedilatildeo de quem foi considerado como uma simples mercadoria 38 Releitura da histoacuteria da boneca Abayomi resignificada a partir da biografia da liacuteder quilombola mageense Maria Conga Esta narrativa foi construiacuteda por mim a fim compor a oficina de contaccedilatildeo de histoacuterias
52
A narrativa acima abre a oficina que resgatou a histoacuteria da liacuteder quilombola mageense
Maria Conga39
Maria Conga nasceu no Continente africano no ano de 1792 Veio para o Brasil pilhada junto com seus pais e irmatildeos por volta de 1804 Ganhou a liberdade apoacutes 11 anos de trabalho e logo foi alforriada por volta do ano 1854 Aos 35 anos de idade assumiu o compromisso de lutar pela liberdade e dignidade de sua raccedila Dela ficou a lembranccedila de que nunca a viu chorar Contavam que foi estuprada pelo senhor de engenho e que ele tinha tomado seu corpo poreacutem natildeo a sua alma Mulher de luta mulher guerreira Maria fez histoacuteria no municiacutepio de Mageacute A partir de sua alforria Maria iniciou sua trajetoacuteria como lideranccedila deste quilombo Recebendo aqui os escravos fugidos de diversas outras comunidade e fazendas que jaacute conheciam ou ouviram falar da mulher que Maria era e representava para todos eles Aqui Maria vivia com orgulho Aqui Maria mulher negra escrava guerreira alforriada protegia seus irmatildeos e os acolhia Aqui morreu Maria Maria Guerreira Que veio do Congo Orgulho de ser Quilombola40
Esta oficina foi dividida em duas partes em um primeiro momento foi realizada a
contaccedilatildeo de histoacuteria para os pais e estudantes das duas turmas de Educaccedilatildeo Infantil (Preacute-
escolar I e II)41 e no segundo momento foi realizada a confecccedilatildeo de bonecas abayomis
onde as matildees tias avoacutes e irmatildes dos estudantes agrave moda das negras confeccionaram
bonecas com apenas alguns pedaccedilos de pano para a diversatildeo de suas crianccedilas
Os fios condutores da elaboraccedilatildeo desta oficina foram alguns dos valores civilizatoacuterios
afro-brasileiros e femininos representados pela oralidade ludicidade memoacuteria
cooperativismo e ancestralidade Evidenciar a histoacuteria de uma mulher quilombola que eacute
hoje esquecidadesconhecida em sua proacutepria ldquoaldeiardquo por meio desses valores foi o
objetivo desta oficina
Esta pesquisa com os atores sociais de uma escola no Municiacutepio de Mageacute natildeo estaria
completa sem o descortinar das memoacuterias da ancestral negra pobre e guerreira que lutou
ateacute o fim da vida pelos seus representando para noacutes uma heroiacutena a contrapelo
Certamente as relaccedilotildees de poder que classificam excluem e segregam fizeram questatildeo de
39 Maria Conga foi reconhecida no ano de 1988 (centenaacuterio da Aboliccedilatildeo da escravatura) heroiacutena negra mageense No ano de 2007 o quilombo por onde passou torna-se reconhecido por seu valor histoacuterico pela Fundaccedilatildeo Palmares 40 Narrativa do documentaacuterio Maria Conga Orgulho de ser Quilombola Disponiacutevel em lthttpcinemina pontodevisaoblogspotcombrgt Consultado em 06042016 41 Esta oficina foi realizada nas duas turmas tendo duraccedilatildeo de 1h30 minutos
53
submergir a imagem desta personalidade por meio do racismo e preconceito42 Natildeo
obstante enquanto professora-pesquisadora mageense e sensiacutevel aos silenciamentos
acerca do passado e dos heroacuteis que a histoacuteria oficial natildeo privilegia eacute que me movo em
direccedilatildeo agraves praacuteticas inclusivas que propotildeem um olhar diferenciado para o outro da
diversidade
Entendemos que para ser universal eacute preciso comeccedilar pintando a proacutepria aldeia De
fato os primeiros traccedilos de uma educaccedilatildeo inclusiva para a diversidade comeccedilaratildeo a ganhar
nuances quando em nossas praacuteticas cotidianas rompermos com a educaccedilatildeo monocultural
machista e reducionista que o sistema educacional nos impotildee Quando o professor
compreender que seu saber eacute poder suas ldquoartes de fazerrdquo (CERTEAU 1994) o levaratildeo a
ldquoaldeiasrdquo ateacute entatildeo inimaginaacuteveis
Portanto reforccedilo que urge o rompimento de praacuteticas educativas excludentes que
marginalizam as histoacuterias locais e de seus heroacuteis e heroiacutenas sejam brancos negros ou
indiacutegenas Os nossos estudantes tecircm o direito de ouvir e contar outras histoacuterias histoacuterias
de seu povo de um passado que ainda sobrevive nos seus modos de falar agir danccedilar
sorrir e brincar
A proposta pensada inicialmente era a contaccedilatildeo de histoacuteria para os estudantes
seguida da confecccedilatildeo das bonecas abayomis com o auxiacutelio da professora regente e da
bolsista de extensatildeo No entanto apoacutes reflexotildees sobre os proacuteprios valores da cultura afro-
brasileira e tambeacutem sobre a necessidade de tornar conhecida ndash em maior extensatildeo ndash a
histoacuteria de uma heroiacutena negra mageense talvez nunca antes contada nas escolas de Mageacute
decidimos convidar as matildees avoacutes tias e irmatildes para participarem desse momento
Reconhecendo a potecircncia da accedilatildeo coletiva na educaccedilatildeo da crianccedila e recordando o
valores civilizatoacuterios afro-brasileiro do cooperativismo memoacuteria e ludicidade iniciamos a
dinamizaccedilatildeo da histoacuteria para tornar conhecida a vida da menina Maria que veio do Congo
A oralidade por meio da contaccedilatildeo de histoacuteria nos permitiu compartilhar saberes e
ao passo que eu a narrava sabia que natildeo estava soacute pois os olhares que se voltavam para
mim estavam afetados de algo que chamo de Ubuntu filosofia africana que diz que ldquoeu sou
porque noacutes somosrdquo
42 A figura de Maria Conga eacute na religiatildeo de matriz afro-brasileira (Umbanda) considerada como uma entidade espiritual
54
Figura 5 Conhecendo Maria a menina que veio do Congo (Preacute-escolar II) Fonte Arquivo pessoal da autora
Ao longo do enredo a fala vinha acompanhada de imagens43 do artista francecircs Jean-
Baptiste Debret do pintor alematildeo Johann Moritz Rugendas e do fotoacutegrafo franco-brasileiro
Marc Ferrez Estes representaram o sofrimento de nossos ancestrais no Navio Negreiro e
as relaccedilotildees crueacuteis estabelecidas entre os senhores brancos e os africanos escravizados Ao
longo da narrativa era possiacutevel perceber os olhares atentos para a vida daquela Maria
Esta que era uma deles e eles naquele momento jaacute faziam parte dela Ao final uma matildee
surpreendida com a histoacuteria disse ter gostado do que ouviu e lamentou natildeo a ter
aprendido no tempo em que esteve na escola
Estaacutevamos formando pessoas que contariam essa histoacuteria para as futuras geraccedilotildees
Essa experiecircncia nos provocou a pensar na importacircncia de extrapolar os muros da escola
de modo que todos sejam afetados e assim afetem outras consciecircncias De certo que
concordamos com a sabedoria dos povos indiacutegenas e africanos quando afirmam que ldquoeacute
preciso uma aldeia inteira para educar uma crianccedilardquo
43 No iniacutecio do seacuteculo XIX Jean-Baptiste Debret retratou o cotidiano dos senhores e dos escravizados em uma das missotildees artiacutesticas francesas pelo Brasil O alematildeo Johann Moritz Rugendas pintou os povos e costumes que encontrou durante suas viagens pelo Brasil no periacuteodo de 1822 a 1825 Marc Ferrez (1843-1923) foi um fotoacutegrafo que retratou cenas do Impeacuterio e iniacutecio da Repuacuteblica (1865 e 1918) Seu trabalho eacute um dos mais importantes legados visuais daquelas eacutepocas Todas as imagens utilizadas na oficina estatildeo no anexo 722
55
431 Confecccedilatildeo de bonecas Abayomis um encontro precioso
ldquoVou te contar os olhos jaacute natildeo podem ver rdquo (Tom Jobim)
Imaginemos um povo arrancado brutalmente de sua terra que atravessou o Atlacircntico em tumbeiros escravizado humilhado mas que natildeo perdeu a capacidade de sorrir de brincar de jogar de danccedilar e assim conseguiu marcar a cultura de um paiacutes com este profundo desejo de viver e ser feliz Isso resume a ludicidade na perspectiva a favor da vida da humanidade da sobrevivecircncia A alegria frente ao real ao concreto ao aqui e ao agora da vida (Ludicidade Da Cor da Cultura)44
Abayomi que na liacutengua Iorubaacute representa encontro precioso (Abay ndash encontro Omi
ndash precioso) eacute feita de pano (podendo ser retalhos) noacutes e sem qualquer costura Natildeo possui
nariz boca olhos e orelhas justamente para representar os vaacuterios povos de diferentes
civilizaccedilotildees e reinos que aqui chegaram Confeccionar uma boneca Abayomi eacute ir ao
encontro de sentimentos bons e nobres de uma gente que sabe que soacute vai ser feliz quem
viver para fazer da existecircncia do outro mais leve mais livre e mais fecunda
Figura 6 Abayomis (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
44 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
56
Apoacutes a confecccedilatildeo da boneca com a ajuda das mulheres (matildees avoacutes tias e irmatildes) que
ali estavam e de noacutes professoras e bolsista ficou acordado com elas que dessem a boneca
de presente para seus filhos da mesma maneira que evidencia a histoacuteria Contudo aquelas
crianccedilas que por ventura natildeo tiveram a presenccedila de seus responsaacuteveis fariam o inverso
Assim ao chegar em casa contariam para sua famiacutelia a histoacuteria presenteando algueacutem da
famiacutelia com a boneca
Em seguida permitimos que os estudantes45 brincassem entre si de modo que fosse
um momento de folga pausa e relaxamento criteacuterios entendidos como fundamentais na
constituiccedilatildeo do brincar segundo as Diretrizes Curriculares para a Educaccedilatildeo Infantil
(DCNEI46)
Na brincadeira eacute possiacutevel perceber os modos de representaccedilatildeo e interpretaccedilatildeo da
crianccedila por meio da linguagem do pensamento das accedilotildees Desse modo eacute evidenciado
uma caracteriacutestica muito proacutepria da crianccedila a sua identidade enquanto produtora de
cultura Ela natildeo apenas reproduz comportamentos sociais como tambeacutem os reinventa de
maneira criativa e singular
Em um dado momento da interaccedilatildeo percebi que os meninos estavam bastante
eufoacutericos com aquele artefato Me aproximei afim de entender as relaccedilotildees que estavam
sendo estabelecidas Certamente influenciada pelos estereoacutetipos de gecircnero acreditei que
fosse ter conflitos entre os meninos ao propor a confecccedilatildeo de bonecas Me surpreendi
com o modo que eles burlaram o sistema de regras socialmente construiacutedas onde
esperamos coisas diferentes de meninos e meninas (SILVA 2007 p 92)
Ao me aproximar desses atores provoquei-os questionando sobre os nomes que
dariam para suas bonecas O primeiro estudante titubeou em responder enquanto os
colegas gritavam vaacuterios nomes dentre eles Ana Mas o que agradou foi Emanuele Logo os
proacuteximos estudantes afirmaram natildeo se tratar de uma boneca mas um boneco e
escolheram os seguintes nomes Silvio Santos Ratinho Moiseacutes Aaratildeo Estes dois uacuteltimos
segundo eles eram por causa da novela ldquoOs dez mandamentosrdquo47 Alguns apontaram para
as roupas (eram vestidos e saias) demonstrando sua semelhanccedila com os personagens
45 A partir desse momento estaremos fazendo menccedilatildeo aos estudantes do Preacute-escolar II 46 Definidas pela Resoluccedilatildeo CNECEB ndeg 5 de 17 de dezembro de 2009 47Os Dez Mandamentos eacute uma telenovela brasileira produzida e exibida pela Rede Record Escrita por Vivian de Oliveira e com direccedilatildeo geral de Alexandre Avancini Eacute uma adaptaccedilatildeo de quatro dos livros que compotildeem a Biacuteblia Ecircxodo Leviacutetico Nuacutemeros e Deuteronocircmio
57
biacuteblicos do antigo testamento A imaginaccedilatildeo e a criatividade dos estudantes transformaram
suas bonecas em personagens outros nos levando a refletir sobre o fato de que ao brincar
a crianccedila se apropria de elementos do meio sociocultural de origem (DELGADO MULLER
2005 p 163)
Neste instante pude compreender na relaccedilatildeo com a cultura infantil a reproduccedilatildeo
interpretativa na empiria e o quanto o diaacutelogo entre os pares (crianccedilas) revela os interesses
e saberes para os que estatildeo no entorno Ao relacionarem a boneca a algo que lhes eacute
familiar os estudantes estatildeo reproduzindo a cultura em que vivem fazendo uso da
imitaccedilatildeo de modo criativo e prazeroso A respeito do prazer concordamos com Gomes
(2008) quando afirma
As crianccedilas natildeo adiam o prazer ao contraacuterio buscam-no nas suas brincadeiras e nos jogos e para isso utilizam as brechas modificam e rompem ndash ainda que momentaneamente ndash com os gostos as crenccedilas as regras e os valores culturais Assim elas vivenciam as regras e tecircm experiecircncias imediatas diversas e uacutenicas que alteram e destroem as
significaccedilotildees da vida cotidiana (p 187)
Diante do exposto eacute possiacutevel afirmar que o cotidiano da Educaccedilatildeo Infantil estaacute
repleto de desafios que precisam ser evidenciados E mesmo sendo este trabalho de
pesquisa voltado para o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais dentro da perspectiva da
diversidade e da inclusatildeo se faz importante dar atenccedilatildeo agraves praacuteticas sexistas tatildeo comuns na
escola que limitam a percepccedilatildeo da pluralidade humana
Nossa experiecircncia com essa oficina nos levou a reafirmar que a crianccedila eacute capaz de
burlar a visatildeo monoliacutetica e reprodutivista da educaccedilatildeo quando na relaccedilatildeo com o outro eacute
permitido o exerciacutecio pleno de sua imaginaccedilatildeo curiosidade e criatividade
44 OFICINA 4 - UMA SENSIBILIZACcedilAtildeO PARA A PEDAGOGIA GRIOcirc
A fala a palavra dita ou silenciada ouvida ou pronunciada ndash ou mesmo segregada ndash tem uma carga de poder muito grande Pelana oralidade os saberes poderes quereres satildeo transmitidos compartilhados legitimados Se a fala eacute valorizada a escuta tambeacutem eacute O conto a lenda a histoacuteria a muacutesica o dito o natildeo dito o fuxico A palavra carrega uma grande e poderosa carga afetiva (Oralidade ndash A Cor da Cultura48)
48 Para maiores informaccedilotildees consultar httpwwwacordaculturaorgbroprojeto
58
Esta quarta oficina foi dividida em dois periacuteodos distintos que compreenderam a
contaccedilatildeo de histoacuteria por parte das avoacutes agraves quais chamamos de griocirctes e um segundo
momento que foi a representaccedilatildeo dessas histoacuterias por parte dos estudantes do Preacute-escolar
I e II por meio de massinha de modelar para que em uma fase posterior tais produccedilotildees se
transformassem em um viacutedeo animado para ser compartilhado na rede social49
Tendo em vista que cada oficina dura cerca de 50 minutos a 1h e que acontece uma
vez por semana precisamos de trecircs semanas para concluir com os estudantes a
representaccedilatildeo das histoacuterias que ouviram Ao todo as etapas desta 4ordf oficina
compreenderam um mecircs de duraccedilatildeo nas duas turmas que denominarei de Turma A e
Turma B A seguir descrevo as potencialidades dessas accedilotildees
Ao reconhecer a fecundidade da palavra ndash dita cantada silenciada ndash na construccedilatildeo
de um indiviacuteduo trazemos para esta oficina uma accedilatildeo que buscou valorizar os aspectos da
tradiccedilatildeo oral uma vez que vivemos em uma sociedade hierarquicamente grafocecircntrica
Importante sinalizar que o caraacuteter letrado da escola natildeo lhe confere status de democraacutetica
no acesso aos bens culturais ndash sobretudo aos bens imateriais ndash uma vez que os saberes
reconhecidos estatildeo limitados aos conhecimentos cientiacuteficos produzidos por um
determinado grupo
Entendemos que os saberes da experiecircncia dos atores da comunidade satildeo tatildeo
importantes quanto os conhecimentos cientiacuteficos que permeiam a loacutegica da escola Por
esse motivo esta oficina objetivou vincular os saberesfazeres dos idosos (avoacutes dos
estudantes) da comunidade com as vivecircncias cotidianas da praacutetica escolar Eacute sabido que
quanto mais proacutexima a comunidade estiver da escola mais potente se torna o processo de
ensino aprendizagem A sabedoria africana que jaacute mencionamos de que eacute preciso toda
uma aldeia para educar uma crianccedila ganha forccedila e legitimidade em nossas accedilotildees que
prezam pela coletividade e cooperativismo
Assim conduzidos principalmente pela perspectiva dialoacutegica onde o conhecimento
se constroacutei pela interaccedilatildeo entre e com o outro abrimos as portas da escola para que novas
relaccedilotildees fossem estabelecidas Privilegiamos a figura da avoacute nesse momento por ela
representar uma personalidade que carrega histoacuterias de vida ricas de afetos sensibilidade
e memoacuterias que por vezes ficaram esquecidas no imaginaacuterio coletivo Aleacutem disso
49 O viacutedeo eacute encontrado na paacutegina do projeto httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnicoraciais artesdefazer
59
buscamos descontruir valores hierarquizados de nossa sociedade ndash fruto da loacutegica
ocidental ndash onde o idoso natildeo possui importacircncia social pois jaacute natildeo tem o vigor de outrora
para beneficiar o mercado capitalista com sua forccedila de trabalho Inevitavelmente essa
ideia se perpetua por diversas instituiccedilotildees sociais chegando agrave escola de maneira sutil
Contudo o nosso objetivo eacute romper com esses valores dominantes entatildeo legitimados e
propor novos olhares sobre os mais velhos que segundo a ancestralidade africana
possuem um saber-poder imbuiacutedo de um grande legado o de ter sido testemunha e
sobrevivente da histoacuteria
Desse modo nos apropriamos da Pedagogia Griocirc como um caminho metodoloacutegico
possiacutevel para construccedilatildeo de experiecircncias instituintes onde a vida eacute valorizada na sua
integralidade Tal pedagogia tem ligaccedilatildeo direta com a memoacuteria oralidade ancestralidade
dentre outros valores
Criada pela educadora Lilian Pacheco50 a Pedagogia Griocirc dialoga com metodologias
ativas como educaccedilatildeo biocecircntrica dialoacutegica educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais arte
educaccedilatildeo comunitaacuteria e educaccedilatildeo para a corporeidade A idealizadora desta proposta
vislumbrou romper com a loacutegica cientiacutefico instrumental da escola por meio da valorizaccedilatildeo
do patrimocircnio cultural brasileiro (danccedila contos lendas tradiccedilotildees) Ao evidenciar os
saberes tradicionais a partir da oralidade eacute dado a entender que o conhecimento natildeo eacute
propriedade de determinados grupos (letrados diga-se de passagem) tatildeo pouco estaacute
restrito aos livros
Com isso a figura do mestre griocirc ganha destaque De origem francesa a palavra griot
eacute traduzida para o portuguecircs ganhando as seguintes expressotildees griocircs (homens) e griocirctes
(mulheres) Segundo Pacheco (2006) os griocircs satildeo oriundos da regiatildeo do Mali51 paiacutes
colonizado por franceses A partir de uma reinvenccedilatildeo dos portugueses podemos entendecirc-
los como aqueles que gritavam em praccedila puacuteblica afim de tornar conhecida e jamais
esquecida suas memoacuterias tradiccedilotildees e ancestralidade Assim de maneira mais completa o
griocirc eacute entendido como
() todo(a) cidadatildeo(atilde) que se reconheccedila e seja reconhecido(a) pela sua proacutepria comunidade como herdeiro(a) dos saberes e fazeres da tradiccedilatildeo
50 Conceito criado pela educadora Lilian Pacheco coordenadora da ONG Gratildeos de Luz (LenccediloacuteisBA) Para outras informaccedilotildees consultar httpwwwacaogrioorgbr 51 Paiacutes situado ao Noroeste da Aacutefrica
60
oral e que atraveacutes do poder da palavra da oralidade da corporeidade e da vivecircncia dialoga aprende ensina e torna-se a memoacuteria viva e afetiva da tradiccedilatildeo oral transmitindo saberes e fazeres de geraccedilatildeo em geraccedilatildeo garantindo a ancestralidade e identidade do seu povo52
Assim partindo da perspectiva do conceito de griocirc como universalizante por agregar
todos os segmentos de tradiccedilatildeo oral ndash muacutesicos rezadeiras cordelistas benzedeiras
poetas contadores de histoacuteria genealogistas dentre outros ndash nos apropriamos da
pedagogia que carrega princiacutepios da ancestralidade africana sob um vieacutes dialoacutegico com a
comunidade escolar Importante afirmar que um dos objetivos de nossa proposta de
pesquisa se justifica por entendermos que os conhecimentos da tradiccedilatildeo oral natildeo podem
se perder e que quando dialogados com a cultura escolar ndash que eacute fundamentalmente
escrita ndash ganham maiores significados para os atores da escola Portanto reconhecendo
que nossos atores sociais gritam silenciosamente em accedilotildees e omissotildees para serem
reconhecidos em suas subjetividades e nas suas histoacuterias de vida eacute que contamos histoacuterias
ateacute entatildeo nunca pronunciadas compartilhadas e sentidas naquele lugar do saber Entram
em cena as narradoras de Conceiccedilatildeo de Suruiacute nossas avoacutes nossas griocirctes
441 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar II)
Taacute vendo essa estrada aiacute que vocecircs andam O pai o avocirc os tios de vocecircs que trabalharam na pedreira que ajudaram a construir Cada pedrinha que tem nessa estrada aiacute eacute do pai de vocecircs eacute do avoacute do Davi E vocecircs sabem porque eles trabalharam tanto Para fazer uma estrada boa para vocecircs andarem irem para o coleacutegio Quase todos os pais avoacutes tios de vocecircs trabalharam no calccedilamento da estrada Hoje quando chove ningueacutem tem que andar na lama (Vovoacute Ivete)
A narrativa acima eacute da avoacute de um estudante do Preacute-escolar II Dona Ivete assim como
eacute conhecida na regiatildeo tem 58 anos de idade e tem nanismo A escolha por ela ocorreu
porque estamos em um contexto onde a inclusatildeo da vida na sua diversidade deve ser uma
constante Por esse motivo foi com grande satisfaccedilatildeo que recebemos esta vovoacute que com
disponibilidade e afeto narrou memoacuterias de Conceiccedilatildeo de Suruiacute e de seus moradores de
uma maneira que muito nos surpreendeu
52 Informaccedilotildees disponiacuteveis na paacutegina da iniciativa Gratildeos de Luz e Griocirc ponto de cultura de onde iniciou a Pedagogia Griocirc httpwwwacaogrioorgbracao-grio-nacionalo-que-e-grio
61
Figura 7 A vovoacute Ivete ensinando que eacute preciso educar para alteridade Fonte Arquivo pessoal da autora
Vale destacar que natildeo houve um roteiro preacutevio porque nosso objetivo era que a vovoacute
nos fornecesse elementos de sua memoacuteria afetiva e tambeacutem optamos que o diaacutelogo com
as crianccedilas fosse o mais espontacircneo possiacutevel Dessa maneira ela inicia sua narrativa
remetendo agrave figura do neto enquanto algueacutem que tem histoacuterias a contar sobretudo
porque satildeo histoacuterias da comunidade que tecircm relaccedilatildeo direta com seus pais e avoacutes Assim
a vovoacute evidencia uma fase da histoacuteria que considera marcante natildeo soacute para ela mas para
todos daquela regiatildeo rural que foi a pavimentaccedilatildeo da estrada de Conceiccedilatildeo de Suruiacute Ao
passo que trazia os fatos descritos acima os estudantes dialogavam demonstrando
pertencimento ao que estava sendo dito sobretudo quando dizia a respeito da
participaccedilatildeo de suas famiacutelias na construccedilatildeo da estrada No processo ouvimos as seguintes
falas
ldquoMeu pai jaacute trabalhou na pedreira de carretardquo ldquoMinha avoacute falou que meu pai fez essas pedras pra colocar na ruardquo ldquoMeu avocirc trabalha na pedreira Ele coloca pedra nos caminhotildeesrdquo (Estudantes do Preacute II)
Nesse momento foi possiacutevel validar alguns dos objetivos da Pedagogia Griocirc dos
quais destacamos protagonismo dos sujeitos envolvidos que aqui evidenciamos o
62
protagonismo infantil e a criaccedilatildeo de viacutenculo afetivo com o passado com os
saberesfazeres da ancestralidade Mas esta pedagogia natildeo se limita agraves questotildees pontuadas
Para aleacutem delas eacute possiacutevel desenvolver habilidades e competecircncias que envolvem
corporeidade musicalidade religiosidade dentre outros aspectos
Para concluir evidenciamos que nossa griocircte a vovoacute Ivete parece entender bem o
poder da palavra compartilhada visto que atraiu a atenccedilatildeo de todos para si para suas
histoacuterias que tambeacutem eram as histoacuterias de vida daqueles estudantes Ficou entendido
naquele encontro que a regiatildeo em que vivem tem muitas memoacuterias que dialogam com o
presente E que os protagonistas satildeo os proacuteprios moradores da regiatildeo avoacutes pais tios
crianccedilas e adultos
Importante ressaltar que essa proposta buscou realizar um duplo movimento
empoderar quem conta a narrativa mas tambeacutem aquele que ouve Nessa troca dialoacutegica
eacute impossiacutevel natildeo trazer para a conversa o consagrado educador popular Paulo Freire
quando afirma que ldquoquem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao
aprenderrdquo (FREIRE 2007 p 23)
442 Nossas griocirctes em cena (Preacute-escolar I)
E as histoacuterias natildeo podem parar
Quem reabre as janelas da histoacuteria que eacute continuidade da anterior eacute a dona Faacutetima
Ela eacute avoacute de uma estudante do Preacute-escolar II sempre morou na regiatildeo e tem 48 anos
Quando convidada para estar conosco compartilhando um pouco de suas memoacuterias dona
Faacutetima nos fez alguns questionamentos pois natildeo sabia por onde comeccedilar E um dos
motivos que a deixou insegura foi o fato de natildeo entender suas memoacuterias e da comunidade
onde cresceu como parte de uma histoacuteria que merece ser contada
Apoacutes algumas conversas dona Faacutetima parece ter entendido que em suas memoacuterias
poderiam ter aspectos importantes e interessantes E que desvelaacute-las seria uma
possibilidade de tornar conhecidos fatos marcantes da vida de uma comunidade que tem
sido desconsiderada ao longo do tempo Dessa maneira nossa griocircte de Conceiccedilatildeo de
Suruiacute pocircs-se a narrar suas vivecircncias mas natildeo soacute as dela fala tambeacutem de um grupo que
63
tem sobrevivido ao longo da histoacuteria por meio de muita luta por melhores condiccedilotildees de
vida E que hoje continua enfrentando desafios de vaacuterias ordens
Quando falamos que esta narrativa eacute continuidade da anterior natildeo eacute por acaso Vovoacute
Faacutetima traacutes para noacutes histoacuterias de trabalhadores da regiatildeo que transformaram suas
realidades a partir do trabalho Vovoacute Faacutetima relembra como foi sua infacircncia e juventude
naquela regiatildeo quando natildeo existia energia eleacutetrica nas ruas calccedilamento na estrada
transporte puacuteblico e estabelecimentos comerciais
ndash No meu tempo de crianccedila quando chovia as ruas ficavam cheias de lama com buracos Para sair de casa era muito difiacutecil Ocircnibus aqui nem sonhava em ter Natildeo tinha postes nas ruas Era uma escuridatildeo Hoje temos ruas iluminadas a estrada calccedilada e ocircnibus de hora em hora (Vovoacute Faacutetima)
A griocircte falava para duas turmas o Preacute-escolar II e o 1deg ano Enquanto narrava todos
estavam atentos e curiosos em descobrir o passado que eacute ao mesmo tempo tatildeo presente
em seus cotidianos visto que ainda haacute inuacutemeros problemas de infraestrutura baacutesica que
afetam diretamente a vida escolar daqueles estudantes Infelizmente o calccedilamento soacute
chegou na estrada principal As ruas que fazem ligaccedilatildeo com a estrada ficam em condiccedilotildees
precaacuterias quando chove aleacutem do transporte puacuteblico natildeo passar por elas E isso representa
um grande problema visto que alguns dos estudantes moram em lugares de difiacutecil acesso
tendo que andar mais de 2km para chegar na escola Um dos estudantes sinalizou que o
ocircnibus demora muito Tivemos que concordar pois satildeo poucos os coletivos que estatildeo
disponibilizados para rodar naquela aacuterea rural
Apoacutes suscitar reflexotildees acerca de questotildees estruturais do bairro as memoacuterias de
dona Faacutetima se encaminharam para uma outra importante fase da histoacuteria daquela regiatildeo
ao fazer menccedilatildeo ao engenho de farinha de mandioca que existe ali Para dialogar com ela
a vovoacute faz referecircncia a uma estudante do 1deg ano que eacute neta do responsaacutevel pelo engenho
A menina de 7 anos explica em detalhes para todos como eacute produzida a farinha de
mandioca mostrando-se sabedora daquele processo artesanal Todos escutaram
atentamente a brilhante narrativa da menina pois precisavam saber como eacute feito o
alimento que tanto gostam e que geralmente natildeo falta em seus lares a Farinha Suruiacute
64
Alimento este que nos finais de semana especiais se transforma em ldquofarofinha com
linguiccedila farofinha com ovordquo53
Nossa griocircte aos poucos foi se apropriando do seu lugar de fala reconhecendo-se
como sujeito histoacuterico que testemunhou fatos e sobrevive participando de novos
contextos com novos atores Oportunizar o (re)conhecimento de histoacuterias reais de vida no
diaacutelogo com o passado reconstroacutei um presente mais esperanccediloso com pessoas que se
enxergam enquanto atores de suas histoacuterias
Figura 8 A vovoacute Faacutetima desvelando memoacuterias locais Fonte Arquivo pessoal da autora
443 Experiecircncias com massinha de modelar e multimiacutedias
Pudemos conhecer outras histoacuterias contadas pelos heroacuteis de Conceiccedilatildeo de Suruiacute na
oficina em que aproximamos as memoacuterias das avoacutes com a Pedagogia Griocirc Como sinalizado
anteriormente apoacutes esse momento com as avoacutes na semana seguinte os estudantes fariam
a representaccedilatildeo do que ouviram com uma atividade com massinhas de modelar O objetivo
53 Fala dos estudantes do Preacute-escolar I quando questionados sobre o que faziam com a farinha
65
dessa fase foi a releitura das narrativas de maneira criativa e prazerosa ao utilizar um
recurso pedagoacutegico que eacute parte da rotina escolar de crianccedilas pequenas
E com isso a partir da mediaccedilatildeo buscamos enriquecer os sentidos do estica enrola
amassa movimentos tatildeo comuns quando a crianccedila faz uso da massa de modelar mas que
satildeo caminhos para o desenvolvimento de inuacutemeras competecircncias nessa fase inicial de
escolarizaccedilatildeo54 Dentre as vaacuterias habilidades trabalhadas com o uso da massinha podemos
citar a motora a sensorial a olfativa e a visual
Concluiacuteda essa atividade luacutedica fotografamos suas produccedilotildees e registramos algumas
falas no caderno de campo para que junto das narrativas da griocirctes pudeacutessemos produzir
um pequeno viacutedeo para ser divulgado em miacutedias digitais Com esta proposta vislumbramos
dar um novo sentido aos saberesfazeres que encontramos na Educaccedilatildeo Infantil como
tambeacutem apontar caminhos para o uso das miacutedias digitais enquanto artefato tecnoloacutegico a
favor da praacutetica docente
45 OFICINA 5 - MUSICALIDADE E AS ldquoARTES DE FAZERrdquo
Inicialmente chamamos para a conversa o historiador francecircs Michel de Certeau
(1994) ao utilizarmos a expressatildeo ldquoas lsquoartesrsquo de fazerrdquo que segundo o autor satildeo taacuteticas
criativas que os praticantes do cotidiano ao se apropriarem dos tempos-espaccedilos vatildeo
criando
O trabalho com a linguagem musical eacute um desafio por se tratar de um campo de
conhecimento rico em sensibilidade poeacutetica percepccedilatildeo experimentaccedilatildeo criaccedilatildeo e
reflexatildeo Mesmo assim ainda eacute pouco explorado Consideramos que o seu
aprofundamento eacute potencialmente capaz de promover reflexotildees e apropriaccedilotildees reflexivas
pelos praticantes do cotidiano de forma que sejam estimulados a criarem suas ldquoartes de
fazerrdquo
Descobri no meu dia a dia uma maneira de compartilhar saberes de forma luacutedica
prazerosa criativa e reflexiva com estudantes da Educaccedilatildeo Infantil Apostando na
musicalidade como um valor civilizatoacuterio afro-brasileiro realizei oficinas que foram
54 Esse termo deve ser entendido no sentido de proporcionar agrave crianccedila o amparo necessaacuterio para seu desenvolvimento integral e natildeo a escolarizaccedilatildeo precoce
66
divididas em etapas das quais identifico como sensibilizaccedilatildeo da muacutesica escolha do
repertoacuterio e reinvenccedilatildeo musical apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais confecccedilatildeo de
objetos sonoros gravaccedilatildeo do repertoacuterio e compartilhamento do mesmo Todas essas
etapas foram realizadas com as turmas de Preacute-escolar I e II e tiveram duraccedilatildeo de 5 semanas
considerando que para cada encontro foram usados 50 minutos de aula uma vez por
semana
451 Sensibilizaccedilatildeo escolha do repertoacuterio e reinvenccedilatildeo da muacutesica
4511 Preacute-escolar II
A proposta inicialmente foi apresentar aos estudantes trecircs cantigas populares com
as quais eles iriam interagir e refletir sobre a letra a partir da mediaccedilatildeo docente Vale
ressaltar que durante as etapas a participaccedilatildeo da professora regente foi fundamental para
a consolidaccedilatildeo das accedilotildees visto que para cada oficina dispusemos apenas de 50 minutos
semanais Vale destacar que em grande parte dessas oficinas a professora regente
participou durante e posteriormente consolidando alguns conhecimentos como a
apropriaccedilatildeo da letra da muacutesica
As muacutesicas apresentadas foram ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de Joacuterdquo55
Iniciamos a escuta das muacutesicas e frisei que teriacuteamos de escolher a que fosse mais legal para
gravarmos A primeira foi ldquoNa Bahia temrdquo cantiga do folclore brasileiro
Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem Na Bahia tem - tem tem tem
Na Bahia tem ocirc baiana coco de vinteacutem
Na Bahia tem vou mandar buscar Lampiatildeo de vidro ocirc baiana ferro de engomar
Na Bahia tem vou mandar buscar Maacutequina de costura ocirc baiana fole de assoprar
Os estudantes natildeo a conheciam Natildeo obstante a cada verso explorado eles
manifestavam suas percepccedilotildees ideias e certezas Logo alguns fizeram relaccedilotildees com
55 Cantigas populares encontradas em httpwwwletrascombrmusicas-infantisescravos-de-jo
67
questotildees cotidianas Um estudante disse que em sua casa tem coco Entatildeo uma das
crianccedilas pediu para escrever a palavra coco no quadro Questionei se sabiam o que era
ferro de engomar ao que um estudante respondeu corretamente O mesmo disse saber o
que era lampiatildeo e outros reforccedilaram sua resposta ao dizer que se tratava de um tipo de
lacircmpada para clarear quando Conceiccedilatildeo de Suruiacute (bairro onde moram) natildeo tinha luz
Me apropriei das interpretaccedilotildees e do contexto da muacutesica que remete agrave Bahia para
rememorar a histoacuteria da quilombola mageense Maria Conga que veio da Aacutefrica se
estabelecendo primeiramente na Bahia antes de chegar em Mageacute Em oficina anterior os
estudantes aprenderam que a menina Maria veio do Congo paiacutes da Aacutefrica Junto com ela
vieram outros africanos que foram obrigados a trabalhar forccediladamente sem receber
nenhum dinheiro Por isso os negros eram chamados de escravos Um dos estudantes
entatildeo disse que onde ele mora moraram ldquoescravosrdquo Certamente ele estava fazendo
alusatildeo agrave Fazenda Santa Margarida lugar conhecido na regiatildeo por ter tido pessoas
escravizadas e ateacute hoje possui resquiacutecios de paredes da senzala e correntes
A segunda muacutesica apresentada foi ldquoEscravos de Joacuterdquo todos danccedilaram e disseram
conhecer a muacutesica da Galinha Pintadinha56
Escravos de Joacute Jogavam caxangaacute
Tira potildee
Deixa ficar
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
Guerreiros com guerreiros Fazem zigue-zigue-zaacute
A terceira muacutesica foi ldquoSamba Lelecircrdquo Extremamente eufoacutericos por jaacute conhecerem toda
a letra da muacutesica cantaram e danccedilaram quando ensaiei uma coreografia
Samba Lelecirc taacute doente
Taacute com a cabeccedila quebrada Samba Lelecirc precisava
Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc
56 Desenho animado infantil criado por Juliano Prado e Marcos Luporini
68
samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Samba Lelecirc taacute doente Taacute com a cabeccedila quebrada
Samba Lelecirc precisava Eacute de umas boas palmadas
Samba samba Samba ocirc Lelecirc Samba samba samba ocirc Lalaacute Samba samba Samba ocirc Lelecirc
Pisa na barra da saia ocirc Lalaacute
Em um segundo momento sugeri uma votaccedilatildeo para saber a muacutesica da preferecircncia
da turma ldquoSamba Lelecircrdquo venceu Apoacutes a votaccedilatildeo refletimos sobre a muacutesica que afirma que
a menina estaacute doente e precisa de umas boas palmadas Questionei sobre o que temos que
ter quando estamos doentes E continuei a provocaccedilatildeo perguntando ldquoapanhar cura a
doenccedilardquo Em coro disseram que natildeo pois quando ficam doentes eles recebem remeacutedio e
carinho Propus entatildeo que mudaacutessemos a letra da muacutesica trocando a palavra palmadas
por outra
Mas tinha um detalhe a palavrinha tinha que rimar com palmadas Alguns falaram
palavras com sentido mas sem a rima Logo um estudante sugeriu ldquopaparacadardquo Natildeo foi
preciso muito para entendermos (eu e a professora regente) que se tratava de paparicada
Todos concordaram e jaacute comeccedilaram a ensaiar a muacutesica com a nova versatildeo
4512 Preacute-escolar I
O caminho percorrido com o Preacute-escolar I foi o mesmo que realizamos com o Preacute II
Foram apresentadas as trecircs cantigas aos estudantes e os questionamos sobre se algueacutem as
conhecia Duas delas eram bastante familiares Samba Lelecirc e Escravos de Joacute Assim durante
a escuta das muacutesicas os estudantes danccedilaram cantaram bateram palmas e ensaiaram uns
passinhos Contudo passado esse momento propus que escolhecircssemos uma muacutesica para
que gravaacutessemos A escolha seria por votaccedilatildeo vencendo aquelas que tivessem mais votos
Para minha surpresa a voz de uma menininha laacute no fundo da sala brada ldquondash Eu
escolho todasrdquo Logo em seguida outros estudantes opinaram querendo que gravaacutessemos
natildeo soacute uma mas as trecircs cantigas populares ldquoSamba Lelecircrdquo ldquoNa Bahia temrdquo e ldquoEscravos de
69
Joacuterdquo Considerando as vozes e os desejos daqueles atores sociais concordei57 em realizar a
gravaccedilatildeo de todas as muacutesicas Assim comeccedilamos a explorar a letra e melodia de cada
repertoacuterio58
Assim como na outra turma contextualizamos cada enredo Quando chegou na
muacutesica Samba Lelecirc propusemos a troca da palavra palmada por outra que rimasse ndash
explicamos o que era rima ndash levando-os a refletir sobre a condiccedilatildeo da personagem que se
encontrava doente Prontamente um estudante disse que Lelecirc precisava de uma pomada
Naquele momento pude confirmar que a crianccedila estaacute interpretando de maneira singular a
cultura em que vive e nos surpreende ao burlar o instituiacutedo
Eacute possiacutevel notar que em ambas as turmas buscamos trabalhar diferentes habilidades
e competecircncias como sensibilizaccedilatildeo musical corporeidade concentraccedilatildeo apropriaccedilatildeo
dos sons para a formaccedilatildeo de palavras dentre outras questotildees Todavia a releitura da
muacutesica a partir da criaccedilatildeo de um novo sentido para o enredo me pareceu um movimento
potente para sensibilizar os atores sociais da importacircncia de pensar o outro como legiacutetimo
outro na diferenccedila
452 Apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais
O trabalho com os instrumentos musicais se deu por entendermos com o apoio de
Brito (2003) que a linguagem musical deve contemplar dentre outras atividades a
construccedilatildeo de instrumentos e objetos sonoros Eacute sabido que desde a tenra idade a crianccedila
produz sons pela exploraccedilatildeo e de forma afetiva e intuitiva Com o tempo essa exploraccedilatildeo
vai ganhando uma intencionalidade Foi a observacircncia desta intenccedilatildeo musical que
fortaleceu a ideia de aprofundarmos sobre a temaacutetica
Os estudantes durante a escuta das cantigas transformaram suas mesas em
instrumentos sonoros ao bater com as matildeos sobre elas Naquele instante entendemos que
a criaccedilatildeo e utilizaccedilatildeo de artefatos musicais potencializariam sua relaccedilatildeo com as muacutesicas
que estaacutevamos propondo Para aleacutem disso acredito que o ato de criar desperta no sujeito
a criatividade a organizaccedilatildeo e a cooperaccedilatildeo entre os pares
57 Essa decisatildeo acabou influenciando a outra turma (Preacute II) que tambeacutem gravaram as trecircs muacutesicas e adoraram essa ideia 58 Ao longo de 3 semanas ateacute a gravaccedilatildeo das cantigas a professora regente auxiliou de maneira singular ao ensaiar as muacutesicas com os estudantes
70
Quando iniciei o trabalho na escola a diretora me informou que haviam alguns
instrumentos musicais guardados e que seria muito interessante utilizaacute-los em minha
proposta Logo fui identificando as muacuteltiplas possibilidades que aquele espaccedilo me
oferecia Quando me deparei com o berimbau o caxixi e o atabaque ndash instrumentos eacutetnicos
ndash pensei nas experiecircncias instituintes que estavam prestes a surgir Naquele momento a
urgecircncia estava em resgatar aqueles instrumentos de dentro do armaacuterio e dar a eles
visibilidade de modo a tornar conhecidas suas raiacutezes culturais
Tomei conhecimento de que os instrumentos eram usados durante as oficinas de
capoeira do Mais Educaccedilatildeo59 No entanto havia meses que eles natildeo estavam sendo
usados pois as atividades haviam sido suspensas Por alguns instantes refleti sobre ateacute
onde a formaccedilatildeo docente inicial e continuada tem alcanccedilado as manifestaccedilotildees poliacutetico-
culturais que propotildeem um rompimento com praacuteticas reducionistas e anti-dialoacutegicas com a
diversidade cultural
Pensei na urgecircncia de aprofundar as conversas com os professores vislumbrando
uma maior reflexatildeo sobre seus papeacuteis de sujeitos criativos muacuteltiplos e fazedores de artes
de artes de fazer
Ao iniciar o trabalho com os instrumentos musicais junto ao Preacute-escolar estes foram
expostos com seus respectivos nomes Foi realizada a contaccedilatildeo de histoacuteria sobre a origem
daqueles instrumentos de musicalidade ressaltando a influecircncia que os homens e
mulheres oriundos das diaacutesporas africanas tecircm sobre eles Para que a apropriaccedilatildeo da
histoacuteria fosse afetiva e efetiva o enredo foi articulado agrave vinda da menina Maria Conga com
seus amigos para o Brasil Foi ressaltado na narrativa que na longa viagem triste e sofrida
os africanos cantavam e tocavam para aliviar a dor Quando chegaram ao Brasil
continuaram tocando mas agraves vezes de forma diferente O berimbau por exemplo era
utilizado pelos negros escravizados para fazer barulho a fim de chamar fregueses na rua
visto que alguns eram vendedores ambulantes O tambor por sua vez foi apresentado
como um objeto sagrado natildeo soacute para os negros mas tambeacutem para os indiacutegenas
59 O Programa Mais Educaccedilatildeo constitui-se como estrateacutegia do Ministeacuterio da Educaccedilatildeo para induzir a ampliaccedilatildeo da jornada escolar e a organizaccedilatildeo curricular na perspectiva da Educaccedilatildeo Integral Para maiores informaccedilotildees consultar httpportalmecgovbrprograma-mais-educacao
71
Figura 9 Estudantes do Preacute-escolar I conhecendo a histoacuteria dos instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
Figura 10 Estudantes do Preacute-escolar II apreciando os instrumentos eacutetnicos Fonte Arquivo pessoal da autora
72
Entre uma explicaccedilatildeo e outra falas dos estudantes iam evidenciando que aqueles
objetos lhes eram familiares Alguns meninos jaacute tinham tido contato com a capoeira outros
tocavam pandeiro na igreja O mais surpreendente para as crianccedilas foi o tambor atabaque
A interaccedilatildeo com a diversidade de objetos musicais com diferentes sons e formas
proporcionou grande satisfaccedilatildeo e curiosidade entre os estudantes
453 Confecccedilatildeo dos objetos sonoros
4531 Preacute-escolar II
A confecccedilatildeo dos instrumentos musicais com o Preacute-escolar II ocorreu na semana
seguinte apoacutes o contato com os instrumentos da escola Optamos pelo trabalho com
sucata materiais reciclaacuteveis e tambeacutem com gratildeos durex colorido e paetecircs Estes dois
uacuteltimos seriam para a decoraccedilatildeo dos mini tambores Encaminhamos para casa um recado
solicitando latas de alumiacutenio (de leite em poacute de suplemento e etc) para a confecccedilatildeo dos
objetos
Figura 11 Estudantes do Preacute-escolar II confeccionando instrumentos Fonte Arquivo pessoal da autora
73
No entanto natildeo tivemos um retorno positivo pois apenas dois estudantes levaram
as latas Mudamos a estrateacutegia para aqueles que natildeo haviam levado o material solicitado
e construiacutemos mini chocalhos com rolo de papel Dessa maneira em um primeiro
momento os estudantes pintaram os rolinhos e em seguida enfeitaram com os paetecircs
4532 Preacute-escolar I
A confecccedilatildeo dos objetos sonoros com a turma do Preacute-escolar I foi pensada a partir da
mesma dinacircmica do Preacute II Aconteceu na semana seguinte apoacutes a sensibilizaccedilatildeo com os
instrumentos musicais eacutetnicos da escola e objetivou a elaboraccedilatildeo de um mini tambor a
partir do reaproveitamento de materiais como lata de leite aleacutem da utilizaccedilatildeo de outros
materiais como gratildeos durex colorido paetecircs e palito de churrasco Ao contraacuterio da turma
anterior tivemos um retorno positivo ao enviar o recado solicitando a lata de alumiacutenio
Dessa maneira pudemos confeccionar os mini tambores com todos os estudantes Com
materiais disponibilizados os alunos enfeitaram a lata e tambeacutem os palitos de churrasco
que se transformaram em baquetas Ambas as oficinas (do mini tambor e do chocalho)
tiveram duraccedilatildeo de 1 hora cada uma
Figura 12 Estudantes do Preacute-escolar I confeccionando instrumentos musicais Fonte Arquivo pessoal da autora
74
454 Cantando compondo e inovando com os dispositivos moacuteveis
Para Brito (2003) a crianccedila enquanto sujeito ldquobrincanterdquo faz muacutesica brincando
Nesse processo de criaccedilatildeo ela percebe e explora os sons de modo que refletindo o seu
mundo seus saberes eacute capaz de criar (recriar) novos sons novos movimentos e
instrumentos Assim tem sido nossa experiecircncia com os estudantes do Preacute-escolar com
muita interaccedilatildeo-accedilatildeo-reflexatildeo
No entanto mesmo compreendendo a riqueza das oficinas no sentido de promover
a exploraccedilatildeo a pesquisa a criatividade a corporeidade dentre outras competecircncias
sentia que faltava algo mais A leitura sobre a obra de Teca Alencar de Brito (2003) autora
referecircncia em estudos na aacuterea de educaccedilatildeo musical para crianccedilas ampliou o meu olhar
sobre o que jaacute vinha pensando Segundo a autora a produccedilatildeo musical ocorre a partir de
dois eixos fundamentais a criaccedilatildeo e reproduccedilatildeo Estes por sua vez possibilitaram a accedilatildeo
de interpretar improvisar e compor
Os estudantes demonstraram criatividade para interpretar e improvisar Natildeo
podiacuteamos perder a oportunidade de registrar suas artes de fazer A composiccedilatildeo musical
enquanto efeito de criar eacute tambeacutem caracterizada por sua condiccedilatildeo de permanecircncia
(BRITO 2003) Portanto eacute todo o movimento de registro seja na memoacuteria ou em artefatos
culturais (CD dispositivos moacuteveis) Com isso observou-se a necessidade de guardar natildeo
soacute na memoacuteria as criativas composiccedilotildees dos estudantes como tambeacutem de registraacute-las de
modo que fossem divulgadas
Surge entatildeo a ideia de gravar as trecircs muacutesicas em dispositivo moacutevel (celular) para
serem compartilhadas posteriormente com os responsaacuteveis dos estudantes A proposta
surgiu por entendermos que as crianccedilas desde muito cedo estatildeo rodeadas de artefatos
tecnoloacutegicos de todos os tipos computador celular iPod televisatildeo raacutedio dentre outros
Para confirmar essa suposiccedilatildeo encaminhamos para casa um questionaacuterio a fim de
que os responsaacuteveis respondessem sobre a utilizaccedilatildeo das tecnologias de informaccedilatildeo e
comunicaccedilatildeo (TICs) Perguntamos sobre o tipo de artefato digital mais utilizado pelos
estudantes e com quais finalidades os utilizavam
Os aparelhos e seus usos foram diversos tais como celulares tablets e
computadores Mas a que prevaleceu (nos estudantes de ambas as turmas) foi a utilizaccedilatildeo
do celular para ouvir muacutesica e jogar
75
Assim eacute notaacutevel que as tecnologias digitais podem ser grandes aliadas no processo
de ensino aprendizagem Embora nem todos os estudantes tenham o dispositivo moacutevel e
leve para a sala de aula ficamos sabendo que em casa eles interagem e exploram os
aparelhos de seus pais desenvolvendo habilidades e competecircncias como raciociacutenio loacutegico
atenccedilatildeo e curiosidade em explorar o novo O professor que consciente de seu papel
formador deve saber que a escola eacute potencialmente capaz de ampliar e potencializar tais
habilidades Nesse sentido certa dessa identidade docente me apropriei da tecnologia
digital (celular) como recurso para registrar e divulgar a criaccedilatildeo musical dos estudantes
Foi realizada em ambas as turmas (Preacute-escolar I e II) uma oficina de gravaccedilatildeo
musical Aos estudantes foi dito que iriacuteamos gravar muacutesicas (as nossas muacutesicas) e isso foi
empolgante para todos Vale frisar o importante papel dos professores regentes enquanto
mediadores no processo de apropriaccedilatildeo da letra dos ritmos das rimas ou seja no
desenvolvimento da expressatildeo musical Foram semanas de preparaccedilatildeo desde a primeira
oficina com a sensibilizaccedilatildeo para as cantigas populares Foram expostos em sala de aula os
cartazes com as letras das muacutesicas jaacute reinventadas para que ao longo dos dias as
professoras cantassem a muacutesica com os estudantes
Com o apoio de Brito (2003) refletimos sobre a importacircncia de intervenccedilotildees
educativas no desenvolvimento da expressatildeo musical Em todo o processo levamos os
estudantes a refletirem sobre a letra da muacutesica as hipoacuteteses e expressotildees que fizessem
sentido Com isso acreditamos ter ampliado e enriquecido o universo luacutedico e social onde
a inclusatildeo da diferenccedila deve ser uma constante nas praacuteticas pedagoacutegicas
455 Compartilhamento do repertoacuterio musical
Como sinalizado anteriormente essa uacuteltima etapa da oficina de musicalidade ocorreu
no iniacutecio do ano de 2016 com os responsaacuteveis dos estudantes das duas turmas (Preacute I e II)
que participaram das accedilotildees da pesquisa Ao propor um encontro com os responsaacuteveis
intencionamos para aleacutem de dar-lhes um retorno de parte de nossas accedilotildees tambeacutem ouvi-
los a respeito deles na educaccedilatildeo de seus filhos
Dessa maneira a reuniatildeo foi dividida em duas partes Na primeira parte foi exibida
uma apresentaccedilatildeo em PowerPoint de momentos da oficina de musicalidade identificando
o repertoacuterio musical trabalhado a reinvenccedilatildeo da cantiga popular ldquoSamba Lelecircrdquo e imagens
76
dos momentos de apreciaccedilatildeo dos instrumentos musicais eacutetnicos e confecccedilatildeo dos objetos
sonoros (instrumentos musicais)
No segundo momento foi realizado o compartilhamento das trecircs muacutesicas que
fizeram parte do repertoacuterio gravado pelos estudantes Importante frisar que para
compartilhar60 as muacutesicas foi necessaacuterio que cada responsaacutevel tivesse em matildeos seus
dispositivos moacuteveis (celulares) Para tal encaminhamos previamente um recado
solicitando a imprescindiacutevel presenccedila do celular na reuniatildeo
Em ambos os encontros os responsaacuteveis levaram seus celulares possibilitando um
retorno positivo para aquela proposta Expliquei como se daria o processo tendo em vista
que algumas pessoas natildeo sabiam utilizar a ferramenta do bluetooth de forma colaborativa
os demais que sabiam foram compartilhando os arquivos com aquele que estava proacuteximo
Foi um momento de aprendizado muacutetuo onde pudemos contar com a participaccedilatildeo de
todos os sujeitos envolvidos
Figura 13 Encontro com os responsaacuteveis para o compartilhamento das muacutesicas (Preacute-escolar I) Fonte Arquivo pessoal da autora
60 O compartilhamento ocorreu via bluetooth Este eacute uma tecnologia de comunicaccedilatildeo sem fio que permite que dispositivos moacuteveis troquem dados entre si e se conectem a outros artefatos como mouses teclados fones de ouvido impressoras e outros acessoacuterios
77
Ao passo que eu compartilhava as produccedilotildees musicais fazia alguns comentaacuterios
acerca das apropriaccedilotildees por parte dos estudantes em sala de aula Quando chegou na
muacutesica ldquoSamba Lelecircrdquo provoquei os responsaacuteveis a descobrirem as palavras que
substituiacuteram o termo palmada Natildeo demoraram para perceber que se tratavam de
paparicada (releitura do Preacute II) e pomada (releitura do Preacute I)
Logo para a nossa surpresa uma matildee de uma estudante do Preacute-escolar I nos relatou
que havia corrigido a filha que chegou em casa cantando a muacutesica de forma incorreta E a
filha insistiu que Lelecirc precisava de pomada e natildeo palmada Embora o que a menina disse
fizesse sentido para a matildee esta continuou insistindo em reproduzir a letra real da muacutesica
Contudo naquele momento de troca ela se deu conta de que sua filha estava construindo
saberes instituintes para uma nova relaccedilatildeo de alteridade entre o adulto e a crianccedila
46 OFICINA 6 - LENDAS QUE NOS ENCANTAM
Como jaacute relatado iniciamos o ano de 2016 dando continuidade agraves accedilotildees do ano
anterior disponibilizando o repertoacuterio de muacutesicas para os pais compartilharem com os
estudantes No encontro com os responsaacuteveis foi frisado que as accedilotildees voltadas para o
ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais seriam contiacutenuas no ano corrente mesmo apoacutes
finalizada a pesquisa Ou seja continuariacuteamos realizando o empreacutestimo dos livros eacutetnicos
semanais e o nosso cotidiano estaria permeado por histoacuterias outras nas quais todos
pudessem se sentir representados
A continuidade deste trabalho no ano de 2016 se sustentou nos princiacutepios da
etnografia longitudinal (CORSARO 2005) visto que estariacuteamos acompanhando a transiccedilatildeo
de uma parte dos sujeitos da pesquisa para outras fases de escolarizaccedilatildeo sendo o Preacute-
escolar II indo para o 1deg ano do Ensino Fundamental e o Preacute-escolar I para o Preacute II
Desse modo buscamos por meio de oficinas de contaccedilatildeo de histoacuterias perceber como
se consolidaram as aprendizagens sobre a diversidade eacutetnico-racial entre os estudantes A
seguir vamos detalhar uma atividade realizada com a turma do 1deg ano
78
461 O segredo do Baobaacute uma lenda africana
Ao meio dia corria pela planiacutecie um coelho fugindo do sol escaldante e abrigou-se sob o peacute de um Baobaacute Ele se sentiu tatildeo bem que disse ndash Estaacute sombra eacute muito boa obrigado O Baobaacute se sentiu reconhecido e balanccedilou seus galhos como em uma danccedila alegre Mais uma vez o coelho quis se aproveitar da situaccedilatildeo e disse ndash Sua sombra eacute realmente muito boa Mas e esses seus frutos seraacute que tambeacutem satildeo Baobaacute entatildeo caiu na armadilha e soltou um dos seus frutos O coelho natildeo satisfeito disse ndash Sua sombra e seus frutos satildeo oacutetimos Mas e o seu coraccedilatildeo Baobaacute O Baobaacute sentiu uma forte emoccedilatildeo Mas ele natildeo poderia mostrar seu coraccedilatildeo Era tatildeo difiacutecil Mas o coelhinho era tatildeo gentil O Baobaacute foi abrindo seu tronco e logo o coelho jaacute podia ver um brilho que ofuscava os olhos Era um grande tesouro Baobaacute oferece ao seu amigo O coelho entatildeo pegou algumas joias e agradeceu ao Baobaacute ndash Obrigado linda aacutervore Jamais te esquecerei O coelho presenteou sua esposa e disse para sua amiga hiena tudo que lhe acorreu No dia seguinte ao meio dia a hiena foi ateacute o Baobaacute e repetiu passo a passo as dicas do seu amigo coelho O Baobaacute sem hesitar abriu seu tronco para a hiena Mas ela estava faminta pelo ouro e foi agressiva pegaacute-lo Logo a aacutervore fechou-se e chorou porque ficou apavorada A partir desse dia a hiena passou a vasculhar as entranhas dos animais mortos para achar tesouro Mas esse tesouro soacute existe enquanto o coraccedilatildeo eacute vivo Quanto ao Baobaacute nunca mais se abriu A ferida que ele sofreu eacute invisiacutevel mas dificilmente curaacutevel61
Mais uma vez encontramos um enredo em que a aacutervore eacute um elemento central nas
histoacuterias que nos marcam A narrativa acima representa uma das vaacuterias lendas existentes
sobre a famosa aacutervore de origem africana chamada Baobaacute62 Sentimos a necessidade de
tornar conhecido esse siacutembolo de resistecircncia e guardiatildeo da ancestralidade africana que eacute
o Baobaacute
Iniciamos a aula em grande roda como de costume Logo a frente no quadro
encontrava-se uma representaccedilatildeo de uma aacutervore diferente com troncos largos e alguns
frutos que chamaram a atenccedilatildeo dos estudantes Logo perguntaram ldquondash Tia vocecirc vai contar
a histoacuteria da Mirindibardquo63 Respondi que aquela natildeo era a Mirindiba e realizando as
61 A Aacutervore dos Tesouros recriaccedilatildeo de Henri Gougaud traduccedilatildeo de Maria do Rosaacuterio Pedreira Lenda disponiacutevel no blog httpbravoafrobrasilblogspotcombr2010_06_01_archivehtml consultado em 10 abril 2016 62 Aacutervore siacutembolo do Continente Africano famosa por suas caracteriacutesticas naturais sobretudo por sua resistecircncia agraves intempeacuteries Por chegar a viver por milecircnios ela ganha status de guardiatilde de memoacuterias e tradiccedilotildees dos povos africanos 63 Como sinalizado na introduccedilatildeo deste trabalho Mageacute possui heranccedilas de etnia indiacutegena muito fortes A Mirindiba eacute o nome de uma aacutervore centenaacuteria da cidade que segundo a lenda mageense era uma iacutendia que foi encantada pelo pajeacute e desde entatildeo vive no alto do Morro do Bonfim
79
comparaccedilotildees fiacutesicas apresentei o Baobaacute64 enquanto siacutembolo da ancestralidade dos povos
africanos
Foi apresentado tambeacutem o valor afetivo que aquele siacutembolo tem para os povos
africanos por sua resistecircncia ao sobreviver milecircnios e assim servir de palco de inuacutemeros
acontecimentos tornando-se guardiatilde das histoacuterias mais preciosas de diversos povos
Sensibilizados sobre a importacircncia do Baobaacute para os povos africanos tal como a Mirindiba
eacute para os mageenses logo iniciamos a narrativa da lenda
Encantados com o enredo os estudantes encenaram a histoacuteria expressando
sentimento imaginaccedilatildeo e emoccedilatildeo Em aula posterior lhes foi apresentada a mesma lenda
mas em miacutedia digital65 O viacutedeo exibido para os estudantes foi realizado com teacutecnicas de
animaccedilatildeo a partir de desenhos e muacutesicas de fundo
Apoacutes assistirem ao viacutedeo propus que eles recontassem a lenda utilizando massinha
de modelar ilustraccedilatildeo em papel e muita criatividade O combinado foi que na medida em
eles fossem confeccionando a histoacuteria eu fotografaria cada etapa para produzir um viacutedeo
do grupo Dessa maneira todos deveriam ser muito caprichosos pois iriacuteamos divulgar essa
histoacuteria na internet66 para que todos conhecessem a lenda do Baobaacute do coelho e da hiena
feita por noacutes Prontamente todos concordaram com a ideia e ficaram animados com a
possibilidade de fazer uma atividade ldquotatildeo legalrdquo
Natildeo nos surpreendeu que durante todo o processo os estudantes se sentissem
motivados a criarem personagens e cenaacuterios Foi possiacutevel perceber que falar de miacutedias
artefatos tecnoloacutegicos de diferentes gecircneros com as crianccedilas soa como muacutesica aos seus
ouvidos porque elas estatildeo a todo momento experimentando essas tecnologias no seu dia
a dia
Mocircnica Fantin ao tratar da formaccedilatildeo docente dialogada com a cultura experiecircncia
e multimiacutedia defende que eacute necessaacuterio ldquoo trabalho diferenciado com a cultura audiovisual
imageacutetica literaacuteria artiacutestica musical midiaacutetica e digital articulada com as mais diversas
formas de participaccedilatildeo de crianccedilas e jovens na culturardquo (FANTIN 2012 p 298) Com isso
64 Foram levadas fotografias para que os estudantes pudessem compreender melhor as caracteriacutesticas fiacutesicas da aacutervore sendo evidenciado que existem vaacuterias espeacutecies da mesma 65 O viacutedeo que conta a lenda do Baobaacute e da hiena apresentado aos estudantes foi produzido por Camila SgLe Disponiacutevel em lthttpswwwyoutubecomwatchv=V1BmVhT05HQ consultado em 10042016gt 66 Link da paacutegina onde o viacutedeo seraacute disponibilizado httpswwwfacebookcomoensinodasrelacoesetnico raciaisartesdefazer
80
reconhecemos a urgecircncia de contar e permitir que os nossos estudantes contem novas
histoacuterias e se apropriem dos artefatos do cotidiano como ferramentas para que suas
aprendizagens sejam prazerosas e significativas
Figura 14 Baobaacute o teu tesouro estaacute em teu coraccedilatildeo Fonte Arquivo pessoal da autora
47 NARRATIVA DA PROFESSORA DO PREacute-ESCOLAR I
A seguir compartilho uma breve narrativa da docente Sarah Rosa professora do Preacute-
escolar I do ano de 2015 Esta pocircde acompanhar a turma no ano corrente o que foi algo
favoraacutevel para todos os envolvidos na pesquisa visto que possibilitou a permanecircncia das
conversas
A participaccedilatildeo da professora Daise tem sido grandemente proveitosa e enriquecedora para os alunos da Educaccedilatildeo Infantil Sua pesquisa e trabalho tecircm colaborado para o desenvolvimento dos alunos em vaacuterios aspectos um deles eacute contra o preconceito racial Haacute tambeacutem um trabalho sobre as diferenccedilas o respeito e o amor ao proacuteximo aleacutem de desenvolver o gosto das crianccedilas pela leitura pela linguagem oral e corporal As crianccedilas apresentam prazer e satisfaccedilatildeo pelas suas aulas que por sinal satildeo bem dinacircmicas e atrativas para elas O trabalho feito tem ido aleacutem da sala de aula tem alcanccedilado os familiares dos alunos e ajudado a trazer a presenccedila dos mesmos agrave escola Ela tem realizado atividades envolvendo
81
a participaccedilatildeo e colaboraccedilatildeo dos familiares juntamente com as crianccedilas O que tem proporcionado experiecircncias prazerosas para todos envolvidos (Professora Sarah Rosa 2015)
82
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
51 CONCLUSOtildeES
Este estudo teve como objetivo geral ldquorealizar pesquisa a partir de metodologias
interativas ndash interdisciplinaridade e etnografia ndash com enfoque na sociologia da infacircncia
com estudantes entre 4 e 6 anos abordando as questotildees eacutetnico-raciais em uma escola
rural do municiacutepio de Mageacuterdquo para aleacutem de contribuir com minha formaccedilatildeo continuada
Pude construir novos saberes e compartilhaacute-los Nesse processo tambeacutem confirmei a
necessidade de mudanccedila de olhar sobre a escola que temos
As escolas brasileiras ainda se enquadram dentro do modelo instrumental e
cartesiano sobre o qual elas foram pensadas Este modelo limita a compreensatildeo da
multiplicidade de contextos e sujeitos que compotildeem a diversidade humana Natildeo obstante
sabe-se que aos poucos essa mesma instituiccedilatildeo tem incluiacutedo a diversidade a partir de
movimentos que visam o rompimento com o instituiacutedo
Este trabalho desejou suscitar um novo olhar sobre a diversidade em contexto escolar
e construir caminhos que alcanccedilassem os diferentes atores sociais de maneira afetiva e
efetiva Assim foi se estabelecendo conversas e fui descobrindo que elas satildeo mais longas
quando acontecem entre os sujeitos da diferenccedila
Pensar a crianccedila desde a mais tenra idade implicou em realizar redes reflexivas com
diversas aacutereas do saber As metodologias trabalhadas sobretudo a interdisciplinaridade
nos pareceu desde o iniacutecio uma decisatildeo acertada A Sociologia da Infacircncia (CORSARO
2005) favoreceu minhas aproximaccedilotildees com as crianccedilas e entre elas proacuteprias Favoreceu
ainda o desafio de trabalhar com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais jaacute que pensar as
culturas infantis implica em refletir sobre diferenccedila diversidade e alteridade
(ABRAMOWICZ OLIVEIRA 2012)
Os objetivos especiacuteficos foram as metas traccediladas para o alcance do objetivo geral
Visaacutevamos romper com praacuteticas e culturas que excluem a diversidade do cotidiano escolar
a partir de intervenccedilotildees pedagoacutegicas Para tais intervenccedilotildees precisei construir objetivos de
ensino que me orientassem no trabalho
A Sociologia da Infacircncia enquanto constructo epistemoloacutegico possibilitou maiores
reflexotildees sobre a crianccedila enquanto produtora de cultura e reveladora das possibilidades
83
da estrutura social (SARMENTO 2005 p 363) Dessa maneira ao longo da pesquisa com
as crianccedilas e natildeo sobre elas fui notando o quanto eram ativas criativas e dotadas de
saberes que gritavam para serem reconhecidos Ao reconhecer suas vozes me aproximei
da cultura da diversidade e juntos realizamos interaccedilotildees dialoacutegicas
Tambeacutem busquei construir redes colaborativas e de conhecimentos com a
comunidade escolar compreendendo os docentes (natildeo soacute os professores da Educaccedilatildeo
Infantil) e a equipe pedagoacutegica O objetivo foi a reflexatildeo sobre os desafios da inclusatildeo da
diversidade nas escolas brasileiras Realizamos grupos de estudos dinamizado por mim67
Estabelecemos conversas as quais me trazem agrave memoacuteria uma palestra que escutei haacute
algum tempo na UFF sobre ldquoTempos e conversasrdquo O palestrante Carlos Skliar68 sinalizou
que os professores precisam ser formados na arte da conversa pois sem conversaccedilatildeo natildeo
existe educaccedilatildeo
Me aproprio de sua fala para explicitar como foi a relaccedilatildeo entrecom as professoras
envolvidas na pesquisa Eacute certo que somos diferentes mas foram essas diferenccedilas
somadas a solidariedade que fizeram a conversa fluir emergindo trocas reflexivas sobre o
cotidiano escolar diversidade e inclusatildeo
Como jaacute sinalizado os atores do cotidiano possuem muacuteltiplas linguagens que
precisam ser alcanccediladas O que se aprende fora dos muros da escola necessita ser
considerado como fonte de aprendizagem significativa no ambiente escolar E por
aprendizagem significativa entendemos ser aquela que proporciona a ldquointeraccedilatildeo cognitiva
entre o novo conhecimento e o conhecimento preacuteviordquo (MOREIRA 2000 p 4)
E embora o objetivo do trabalho natildeo fosse alcanccedilar diretamente as pessoas com
deficiecircncia as oficinas realizadas podem ser utilizadas para o trabalho com pessoas surdas
cegas ou com outras deficiecircncias desde que se realize as adaptaccedilotildees necessaacuterias Eacute possiacutevel
notar que procuramos incluir a diversidade na escola na figura de uma avoacute com nanismo
com a presenccedila de pessoas com diferentes faixas etaacuterias com mulheres ou seja pessoas
que representam as minorias que fazem parte da diversidade humana
67 Nesse grupo de estudos a supervisora da escola me convidou para realizar uma formaccedilatildeo para as professoras das duas creches em que ela trabalhava A formaccedilatildeo aconteceu no mecircs de agosto para 21 professoras do Municiacutepio de Mageacute 68 Pesquisador principal da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales - Argentina Tem experiecircncia na aacuterea de Educaccedilatildeo com ecircnfase em Fundamentos da Educaccedilatildeo Atuando principalmente nos seguintes temas Comunicaccedilatildeo Inteligecircncia Surdos Alteridade e Diferenccedila
84
Entendendo que a teoria funciona como lupa para melhor ver o que acontece na
praacutetica assim todas as atividades foram pensadas agrave luz de diferentes correntes teoacutericas-
metodoloacutegicas complementares tais como Sociologia da Infacircncia Interdisciplinaridade e
Etnografia Em todas as etapas procuramos adequar as atividades e reflexotildees aos
paracircmetros da Educaccedilatildeo Infantil e do ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais sem perder de
vista o protagonismo infantil
Como jaacute salientado meus caminhos de formaccedilatildeo tecircm me provocado a olhar o
cotidiano escolar a partir de uma curiosidade epistemoloacutegica (FREIRE 2007) Mas
reconheccedilo que foi um desafio o trabalho com o ensino das relaccedilotildees eacutetnico-raciais uma vez
que as poliacuteticas e praacuteticas existentes tendem a burocratizar a questatildeo natildeo possibilitando
a criaccedilatildeo de uma cultura inclusiva sobre a temaacutetica no cotidiano escolar Igualmente
reconheccedilo que graccedilas a curiosidade inquieta que me move em direccedilatildeo ao Outro tenho
buscado a construccedilatildeo de taacuteticas que representem a possibilidade de incluir a diversidade
52 PERSPECTIVAS
Foram traccediladas algumas perspectivas apoacutes a conclusatildeo deste trabalho A primeira
delas e que foi um compromisso com as famiacutelias dos estudantes foi a devoluccedilatildeo dos
achados que ainda seraacute decido a natureza do material Temos como opccedilatildeo o caderno
pedagoacutegico em CD mas tambeacutem podemos pensar na sua versatildeo impressa ou disponibiliza-
lo no espaccedilo criado para a divulgaccedilatildeo das accedilotildees e demais produtos Para tal devoluccedilatildeo
podemos repensar a colocaccedilatildeo dos nomes e exibiccedilatildeo dos rostos das crianccedilas pois
entendemos que elas precisam se reconhecerem no texto no qual sua histoacuteria de vida estaacute
sendo contada mas que para esse trabalho por questotildees eacuteticas foram suprimidas
Outra perspectiva eacute tornar o Caderno Pedagoacutegico uma Tecnologia Acessiacutevel para o
trabalho com crianccedilas deficientes A Tecnologia Acessiacutevel na escola tem por objetivo
() proporcionar agrave pessoa com deficiecircncia maior independecircncia para o aprendizado melhor qualidade de vida e inclusatildeo social por meio da ampliaccedilatildeo de sua comunicaccedilatildeo e de sua mobilidade maior controle do ambiente e desenvolvimento de trabalho integrado com a famiacutelia
colegas e profissionais da educaccedilatildeo (DOMINICK 2015 p 9)
85
Dessa maneira vislumbramos construir outras estrateacutegias para a acessibilidade do
conhecimento das relaccedilotildees eacutetnico-raciais Quando pensamos em outras eacute porque como jaacute
dito anteriormente algumas oficinas podem ser adaptadas para trabalhar com pessoas
cegas surdas cadeirantes com altas habilidades desde que o professor coloque em
praacutetica as suas invenccedilotildees cotidianas (CERTEAU 1994) e se torne um professor pesquisador
e inventor de novas taacuteticas educacionais
86
6 REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
ABRAMOWICZ Anete OLIVEIRA Fabiana As relaccedilotildees eacutetnico-raciais e a sociologia da infacircncia no Brasil alguns aportes In BENTO Maria Aparecida Silva (Org) Educaccedilatildeo infantil igualdade racial e diversidade aspectos poliacuteticos juriacutedicos conceituais Satildeo Paulo Centro de Estudos das Relaccedilotildees de Trabalho e Desigualdades - CEERT 2012 ALVES Nilda Imagens de professoras e redes cotidianas de conhecimentos Educar Curitiba n 24 p 19-36 2004 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfern24 n24a02pdfgt Acesso em 10 de marccedilo de 2016 ______ Decifrando o pergaminho o cotidiano das escolas nas loacutegicas das redes cotidianas In OLIVEIRA IB ALVES N (Orgs) Pesquisa nodo cotidiano das escolas sobre redes de saberes Rio de Janeiro DPampA 2001 ARANTES Erika ANDRADRE Nivea Diana e os orixaacutes imagens da questatildeo racial em escolas Revista de Estudos Universitaacuterios Sorocaba v 39 n 2 p 379-391 2013 Disponiacutevel em lthttpperiodicosunisobrojsindexphpjournal=reuamppage=articleampop= viewamppath5B 5D=1712gt Acesso em 20 de abril de 2015 APPADURAI Arjun O medo ao pequeno nuacutemero ensaio sobre a geografia da raiva Satildeo Paulo Iluminuras Itauacute Cultural 2009 CASTELLS Manuel A Era da informaccedilatildeo economia sociedade e cultura vol I 6ordf ed Satildeo Paulo Paz e terra 1999 BOOTH T AISCOW M Index para a inclusatildeo desenvolvendo a aprendizagem e a participaccedilatildeo nas escolas Traduzido por Mocircnica Pereira dos Santos e Joatildeo Batista Esteves Londres CSIE 2011 BOURDIEU Pierre O poder simboacutelico Traduccedilatildeo Fernando Tomaz Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 BRASIL Lei nordm 9394 Brasiacutelia 20 de dezembro de 1996 Disponiacutevel em lt
httpswwwplanaltogovbrccivil_03LeisL9394htmgt ______ Lei nordm 10639 Brasiacutelia 9 de janeiro de 2003 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03leis2003L10639htmgt Acesso em 26 marccedilo de 2015 ______ Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educaccedilatildeo das Relaccedilotildees Eacutetnico-Raciais e para o Ensino de Histoacuteria e Cultura Afro-Brasileira e Africana Brasiacutelia MEC SEF 2004 ______ Lei nordm 11738 Brasiacutelia 16 de julho de 2008 Disponiacutevel em lthttpwwwplanaltogovbrccivil_03_ato2007-20102008leil11738htmgt
87
_____ Referencial curricular nacional para a educaccedilatildeo infantil Ministeacuterio da Educaccedilatildeo e do Desporto Secretaria de Educaccedilatildeo Fundamental Brasiacutelia MECSEF 1998 3v il BRITO Teca A de Muacutesica na Educaccedilatildeo Infantil Satildeo Paulo Petroacutepolis 2003 CERTEAU Michel de A Invenccedilatildeo do cotidiano Artes de fazer Petroacutepolis Vozes 1994 CORSARO WA Entrada no campo aceitaccedilatildeo e natureza da participaccedilatildeo nos estudos etnograacuteficos com crianccedilas pequenas Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 26 n 91 p 443-464 maio-ago 2005 DELGADO Ana Cristina Coll MULLER Fernanda Em busca de metodologias investigativas com crianccedilas e suas culturas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo v 35 n 125 p 161-179 maioago 2005 DOMINICK Rejany dos S A arte de fazer e nos fazermos no ALEPH explicitando alguns princiacutepios na e da formaccedilatildeo de professores In LINHARES Ceacutelia Portinari e a cultura brasileira um convite agrave educaccedilatildeo a contrapelo Niteroacutei Editora da UFF 2011 [Segunda parte p 145-161] ______ Discutindo e conceituando as tecnologias para a formaccedilatildeo de professores na EJA-I e na diversidade In MEDEIROS C C Educaccedilatildeo de jovens adultos e idosos na diversidade saberes sujeitos e praacuteticas Niteroacutei UFFCEAD 2015 p 295-314 FANTIN Monica O lugar da experiecircncia da cultura e da aprendizagem multimiacutedia na formaccedilatildeo de professores Educaccedilatildeo Santa MariaRS v 37 n 2 p 291-306 2012 FAZENDA Ivani Catarina Arantes Desafios e perspectivas do trabalho interdisciplinar no Ensino Fundamental contribuiccedilotildees das pesquisas sobre interdisciplinaridade no Brasil o reconhecimento de um percurso Trabalho publicado nos Anais do XIV ENDIPE Belo Horizonte 2010 FREIRE Paulo Pedagogia da Autonomia saberes necessaacuterios agrave praacutetica educativa Satildeo Paulo Paz e Terra 2007
______ Educaccedilatildeo e mudanccedila Rio de Janeiro Paz e Terra 1983
GOMES Lisandra O cotidiano as crianccedilas suas infacircncias e a miacutedia imagens concatenadas Proacute-Posiccedilotildees CampinasSP v 19 n 3 p 175-193 setdez 2008 GONCcedilALVES Luiz Alberto Oliveira Reflexatildeo sobre a particularidade cultural na educaccedilatildeo das crianccedilas negras Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 63 p 27-29 nov 1987 HAAS Celia Maria A Interdisciplinaridade em Ivani Fazenda construccedilatildeo de uma atitude pedagoacutegica International Studies On Law And Education Satildeo Paulo n 8 p55-64 maiago 2011
88
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATIacuteSTICA (IBGE) Dados gerais do municiacutepio de Mageacute 2014 Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrxtrasperfilphplang=amp codmun=330250ampsearch=||infoE1ficos-informaE7F5es-completas Acesso em 20072015 JAPIASSU H Interdisciplinaridade e patologia do saber Rio de Janeiro Imago 1976 KRAMER Sonia Autoria e autorizaccedilatildeo questotildees eacuteticas nas pesquisas com crianccedilas Cadernos de Pesquisa Satildeo Paulo n 116 p 41-59 2002 LARROSA Jorge Notas sobre a experiecircncia e o saber de experiecircncia Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro n 19 p 20-28 2002 Disponiacutevel em lthttpwwwscielobrpdfrbedun19n19a02pdfgtAcessado 20052015 LARROSA Jorge Experiecircncia e alteridade em educaccedilatildeo Revista Reflexatildeo e Accedilatildeo Santa Cruz do SulSC v 19 n 2 p 04-27 2011 LINHARES Celia Movimentos instituintes na escola buscando dar visibilidade ao invisiacutevel Revista Aleph Niteroacutei [200] Disponiacutevel em lthttpwwwuffbralephtextos_em_pdf
politicas_de_formacao_de_professorespdfgt Acessado em 02 agosto 2015 LOumlWY Michael A ldquocontrapelordquo A concepccedilatildeo dialeacutetica da cultura nas teses de Walter Benjamin (1940) Lutas Sociais Satildeo Paulo n 2526 p20-28 2ordm semestre 2011 MATURANA H e VARELA F A aacutervore do conhecimento As bases bioloacutegicas do entendimento humano CampinasSP Editorial Psy II 1995 MOREIRA Marco Antonio Aprendizagem significativa Brasiacutelia Ed da UnB 2000 MUumlLLER F Infacircncia nas vozes das crianccedilas culturas infantis trabalho e resistecircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas v 27 n 95 p 553-573 ago 2006 MUNANGA Kabengele Uma abordagem conceitual das noccedilotildees de raccedila racismo identidade e etnia In BRANDAtildeO A A P (Org) Programa de educaccedilatildeo sobre o negro na sociedade brasileira Niteroacutei EdUFF 2000 OLIVEIRA Luiz Fernandes FARIAS Ursula Pinto Lopes A Aacutefrica e o negro nos anos iniciais do ensino fundamental desafios para a escola In GOUVEcircA Fernando Ceacutesar Ferreira OLIVEIRA Luiz Fernandes de SALES Sandra Regina (Orgs) Educaccedilatildeo e relaccedilotildees eacutetnico-raciais entre diaacutelogos contemporacircneos e poliacuteticas puacuteblicas 1 ed PetroacutepolisRJ De Petrus et Alii BrasiacuteliaDF CAPES 2014 PACHECO Liacutellian Pedagogia Griocirc a reinvenccedilatildeo da roda da vida LenccediloacuteisBA Graacutefica Santa Helena 2006
89
PAULA Benjamin Xavier de A educaccedilatildeo para as relaccedilotildees eacutetnico-raciais e os desafios a construccedilatildeo de uma educaccedilatildeo anti-racista Anais do XIV Regional da ANPUH Rio de Janeiro 2010 PEIXOTO I C L A violecircncia simboacutelica embutida nas cantigas de roda e seus reflexos no comportamento de gecircnero Anais do Encontro Nacional do GT ndash GecircneroANPUH Espiacuterito Santo 2004 Disponiacutevel em lthttplegpvufesbrsiteslegpvufesbrfilesfieldanexo isabella_cotta_lanza_peixotopdfgt PEREIRA Daise dos S Conversas sobre educaccedilatildeo e relaccedilotildees raciais nos anos iniciais da educaccedilatildeo baacutesica de Mageacute em trecircs viacutedeos Trabalho de conclusatildeo de curso (Poacutes-graduaccedilatildeo em Ensino de Histoacuteria e Ciecircncias Sociais) Universidade Federal Fluminense 2016 PEREIRA Maacutercia G PEREIRA Daise dos S A (re)significaccedilatildeo das imagens-memoacuterias da formaccedilatildeo docente para a inclusatildeo da diversidade XVIII Endipe CuiabaacuteMT 2016 PESQUISA NACIONAL POR AMOSTRA DE DOMICIacuteLIOS (PNAD) Retrato das Desigualdades de Gecircnero e Raccedila 4ordf ediccedilatildeo 2012 Disponiacutevel em httpwwwipeagovbrigualdaderacial indexphpoption=com_contentampview=articleampid=614ampItemid=18
PLETSCH Maacutercia Denise CARVALHO Carlos Roberto Editorial do dossiecirc Processos de Inclusatildeo e Exclusatildeo Escolar e Movimentos Sociais Revista Teias Rio de Janeiro v 12 n 24 p 01-08 janabr 2011 Disponiacutevel em lthttpperiodicospropedprobrindexphprevistateiasarticleview822gt Acessado em 010716 ROSSETTO Elisabeth A contribuiccedilatildeo do pensamento de Maturana para a educaccedilatildeo Educere et Educare ndash Revista de Educaccedilatildeo vol 5 n 10 2ordm Semestre de 2010
SANTOS Mocircnica Pereira dos Inclusatildeo Direitos Humanos e Interculturalidade uma tessitura Omnileacutetica In CASTRO Paula Almeida de Inovaccedilatildeo Ciecircncia e Tecnologia desafios e perspectivas na contemporaneidade Campina GrandePB Editora Realize 2015 Disponiacutevel em lthttpwwweditorarealizecombrrevistasebook_conedutrabalhos ebook_conedupdfgt Acesso em 20022016 SANTOS Sandro V S dos Sociologia da infacircncia aproximaccedilotildees entre Willian Corsaro e Florestan Fernandes Educaccedilatildeo em Perspectiva Viccedilosa v 5 n 1 p 117-139 janjun 2014 SARMENTO Manuel Jacinto Geraccedilotildees e alteridade interrogaccedilotildees a partir da sociologia da infacircncia Educaccedilatildeo amp Sociedade Campinas vol 26 n 91 p 361-378 MaioAgo 2005 Disponiacutevel em lthttpwwwcedesunicampbrgt SCHOumlN D Educando o Profissional Reflexivo um novo design para o ensino e aprendizagem
Trad Roberto Cataldo Costa Porto Alegre Artes Meacutedicas Sul 2000
SCHWARCZ Lilia Moritz O espetaacuteculo das trecircs raccedilas ndash cientistas instituiccedilotildees e questatildeo racial no Brasil 1870-1930 Satildeo Paulo Companhia das Letras 1993
90
SILVA Tomaz Tadeu da Documentos de identidade uma introduccedilatildeo agraves teorias do curriacuteculo Belo Horizonte Autecircntica 2007 SILVA P V B da SOUZA G de Relaccedilotildees eacutetnico-raciais e praacuteticas pedagoacutegicas em Educaccedilatildeo Infantil Educar em Revista Curitiba n 47 p 35-50 janmar 2013 SKLIAR Carlos A educaccedilatildeo e a pergunta pelos Outros diferenccedila alteridade diversidade e os outros outros Revista eletrocircnica Ponto de Vista Florianoacutepolis n 5 p 37-49 2003 Disponiacutevel em lthttpsperiodicosufscbrindexphppontodevistaarticleview1244gt THIESEN Juares da Silva A interdisciplinaridade como um movimento articulador no processo ensino-aprendizagem Revista Brasileira de Educaccedilatildeo Rio de Janeiro v 13 n 39 p 545-554 2008 TRINDADE Azoilda Loretto (org) Africanidades brasileiras e educaccedilatildeo [livro eletrocircnico] Salto para o Futuro Rio de Janeiro ACERP Brasiacutelia TV Escola 2013 ______ Valores Civilizatoacuterios e a Educaccedilatildeo Infantil uma contribuiccedilatildeo afro-brasileiras In BRANDAtildeO Ana Paula TRINDADE Azoilda Loretto da (Orgs) Modos de brincar caderno de atividades saberes e fazeres Rio de Janeiro Fundaccedilatildeo Roberto Marinho 2010 UNESCO Declaraccedilatildeo de Salamanca Necessidades Educativas Especiais ndash NEE In Conferecircncia Mundial sobre NEE Acesso em Qualidade ndash UNESCO Salamanca Espanha UNESCO 1994 YOUNG Michael Para que servem as Escolas Educ Soc Campinas vol 28 n 101 p 1287-1302 setdez 2007 Disponiacutevel em lt httpwwwcedesunicampbr gt
91
7 APEcircNDICES E ANEXOS
71 APEcircNDICES
711 Autorizaccedilatildeo Institucional para a Coleta de Dados
92
712 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
93
94
95
713 Autorizaccedilatildeo de Uso de Imagem
96
97
98
72 ANEXOS 721 Imagens utilizadas
Navio Negreiro - Litogravura de Johann Moritz Rugendas (1835)
Navio negreiro real na costa brasileira ndash Marc Ferrez (1882)
99
Mulher brasileira em seu lar - Jean Baptiste Debret
O Jantar no Brasil - Jean Baptiste Debret
100
722 Premiaccedilatildeo
Esta premiaccedilatildeo eacute fruto das accedilotildees de incentivo agrave leitura que desenvolvi na escola em
parceria com o projeto de Extensatildeo da UFF ldquoAs tecnologias na formaccedilatildeo do pedagogo e nos
anos iniciais artes de fazer e fazer-se professorrdquo e a presente pesquisa O projeto ldquoOs
contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo com histoacuterias uacutenicasrdquo buscou
romper com as histoacuterias uacutenicas e oportunizar que os sujeitos da diferenccedila tivessem o direito
de serem protagonistas e construtores de suas proacuteprias histoacuterias
A seguir reproduccedilatildeo na iacutentegra do texto sobre os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio
Ecofuturo de Bibliotecas
O Instituto Ecofuturo anuncia os vencedores da 6ordf ediccedilatildeo do Precircmio Ecofuturo de
Bibliotecas iniciativa que visa reconhecer o trabalho de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria
realizado nas 107 bibliotecas comunitaacuterias da Rede Ler Eacute Preciso implantadas pelo Instituto
em parceria com a iniciativa privada poder puacuteblico e comunidade
Para Paulo Groke Diretor de Sustentabilidade do Ecofuturo o precircmio eacute tambeacutem uma
forma de compartilhar boas praacuteticas que incentivam e inspiram a leitura no Paiacutes
ldquoA cada ediccedilatildeo eacute possiacutevel identificar uma melhora consideraacutevel na qualidade e na
periodicidade das atividades promovidasrdquo conclui
Os projetos vencedores foram selecionados por um juacuteri formado pela equipe do
Ecofuturo e especialistas nas aacutereas de educaccedilatildeo leitura e biblioteconomia que entre
101
outros criteacuterios analisaram o planejamento de atividades de promoccedilatildeo de leitura e sua
execuccedilatildeo ao longo de todo o ano acervo selecionado articulaccedilatildeo e atendimento a diversos
puacuteblicos
Os trecircs primeiros colocados ganham 50 livros de literatura novos para complementar
o acervo da unidade e dois representantes de cada biblioteca vencedora participaratildeo da
24ordf Bienal Internacional do Livro de Satildeo Paulo evento que possibilitaraacute por meio de sua
programaccedilatildeo atualizaccedilatildeo profissional e troca de conhecimento Todas as Bibliotecas
Comunitaacuterias participantes recebem certificados com suas respectivas classificaccedilotildees
O Precircmio Ecofuturo de Bibliotecas foi criado pelo Instituto em 2009 A proacutexima ediccedilatildeo
acontece em 2017 e as inscriccedilotildees satildeo restritas agrave Rede Bibliotecas Comunitaacuterias Ler eacute
Preciso Aleacutem dessa iniciativa o Instituto eacute responsaacutevel por outras accedilotildees importantes na
aacuterea como a instituiccedilatildeo de 12 de outubro como Dia Nacional da Leitura e a campanha Eu
Quero Minha Biblioteca
Vencedores
A Biblioteca Prof Maria Olivia Otero Artioli localizada em Agudos Satildeo Paulo
conquistou o primeiro lugar com o projeto ldquoEacute preciso gostar de lerrdquo no qual realizou
atividades de promoccedilatildeo de leitura literaacuteria durante todo o ano de 2015 O planejamento
anual compreendeu accedilotildees envolvendo puacuteblico diverso de bebecircs a idosos Foram iniciativas
promovidas dentro e fora da biblioteca como a ldquoMala Viajanterdquo que levava leitura a escolas
e creches e que tiveram o livro a leitura e o leitor como atores principais
Jaacute em Mageacute no Rio de Janeiro a Biblioteca Prof Elzira Bastos Amaro em parceria
com o departamento pedagoacutegico da Secretaria de Educaccedilatildeo ficou com a segunda
colocaccedilatildeo com o projeto ldquoOs contos que eles contam e os que noacutes contamos rompendo
com histoacuterias uacutenicasrdquo Aleacutem de accedilotildees de promoccedilatildeo de leitura com forte embasamento
teoacuterico e teacutecnico realizadas semanalmente todo o espaccedilo da unidade foi reorganizado
incluindo catalogaccedilatildeo das obras e separaccedilatildeo dos livros que seriam trabalhados nas
atividades que tiveram como foco o resgate da identidade local utilizando a cultura do
municiacutepio como tema principal
A terceira colocada foi a Biblioteca Mestra Augusta de Turmalina Minas Gerais que
focou seu projeto ldquoDe matildeo em matildeo de voz em voz livros agrave matildeo cheia semprerdquo jaacute
realizado haacute quatro anos em atividades de promoccedilatildeo de leitura que relataram a diferenccedila
102
entre ler e contar trabalhando a articulaccedilatildeo com puacuteblicos variados e a divulgaccedilatildeo em
diversos canais de comunicaccedilatildeo do municiacutepio ndash demonstrando a sustentabilidade do
projeto ndash e a importacircncia do envolvimento do poder puacuteblico
Outro destaque desta ediccedilatildeo foi a Biblioteca Comunitaacuteria Ler eacute Preciso Nelson
Mandela que estaacute localizada na Penitenciaacuteria II de Bauru em Satildeo Paulo e que com o
projeto ldquoUm conto como eu contordquo recebeu a Menccedilatildeo Honrosa O objetivo das atividades
foi utilizar o conto como gecircnero literaacuterio para contemplar as possibilidades de leitura dos
detentos que frequentam a escola dentro da penitenciaacuteria A partir das accedilotildees de promoccedilatildeo
de leitura os professores disseminaram a literatura como fonte de conhecimento e
reflexatildeo
Autor Ecofuturo
Disponiacutevel em httpblogecofuturoorgbrconheca-os-vencedores-do-6o-premio-
ecofuturo-de-bibliotecas