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DESENVOLVIMENTO RURAL, NOVAS AÇÕES PARA VELHOS PROBLEMAS: O PAA
Anderson Marioto FCT-UNESP, campus de Presidente Prudente-SP
Grupo de Estudos Dinâmica Regional e Agropecuária - GEDRA
Rosangela Ap. de Medeiros Hespanhol FCT-UNESP, campus de Presidente Prudente
Grupo de Estudos Dinâmica Regional e Agropecuária - GEDRA
Resumo O artigo tem como tema central de análise o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), seus efeitos e/ou resultados junto aos agricultores familiares, assentados e convencionais, dos municípios de Euclides da Cunha Paulista-SP e Paranavaí-PR. Apresentaremos dados referentes ao programa, e também resultados preliminares de entrevistas realizadas junto aos agricultores de ambos os municípios, com informações e opiniões a respeito do programa. Por fim concluímos que o programa vem tendo bons resultados, mas não isento de limitações, e uma aceitação positiva por parte dos produtores entrevistados, contribuindo para o fortalecimento da renda e a diversificação de seus produtos. Palavras Chave: Políticas públicas. Programa de Aquisição de Alimentos. Relações campo- cidade. Municípios de Euclides da Cunha Paulista e Paranavaí.
Introdução
No presente artigo¹ se pretende realizar uma discussão a cerca dos efeitos e/ou
resultados do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que se constitui numa
política pública do governo federal que visa contribuir para a diminuição da fome no
Brasil, assim como garantir o fortalecimento da agricultura familiar por meio da
construção de canais de comercialização.
Para se atingir esse objetivo, se selecionou como recorte espacial da pesquisa, os
municípios de Euclides da Cunha Paulista-SP e Paranavaí-PR. Os procedimentos
adotados para se atingir o objetivo delineado foram: levantamentos bibliográficos;
coleta, sistematização e análise dos dados de fonte secundária obtidos junto ao MDS,
CONAB e IBGE, considerando o período 2010 a 2011; pesquisa de campo nos dois
municípios selecionados, por meio da elaboração e aplicação de questionário a 17
produtores em cada localidade, sendo 34. Todos os produtores rurais pesquisados
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entregam alimentos ao PAA. Em Euclides da Cunha Paulista, foram entrevistados 45%
do total de produtores envolvidos no programa, sendo que todos são assentados da
reforma agrária, e em Paranavaí, pouco mais de 16%, sendo que todos os entrevistados
neste município são produtores convencionais, ou seja, obtiveram sua propriedade rural
por meio de compra e/ou herança.
O artigo contém, além desta introdução e das referencias bibliográficas utilizadas, uma
breve discussão a respeito do programa, tais como: seus objetivos, evolução
orçamentária e participação de cada região brasileira no programa; estudos de caso
realizados sobre o PAA e alguns dos resultados obtidos; e a apresentação e análise de
dados referente aos produtores participantes do PAA entrevistados nos municípios de
Euclides da Cunha Paulista e Paranavaí.
O PAA e o espaço agrário da agricultura familiar
O Brasil, como um país independente, tem uma enorme divida com sua população. A
fome sempre foi uma constante na vida de milhões de brasileiros desprovidos do acesso
à alimentação básica. Direito civil básico e condição mínima de sobrevivência para
qualquer espécie, a alimentação vem cada vez mais entrando na agenda política e
ganhando espaço através de ações e projetos que visam acabar, ou pelo menos
minimizar, a fome de nossos compatriotas que foram, historicamente, marginalizados
até mesmo do direito de adquirirem um prato de comida em cada refeição do dia, algo
banal para todos nós, mas infelizmente, uma dura realidade para uma parcela dos
habitantes do Brasil.
O Programa de Aquisição de Alimentos – PAA foi criado em 2003 através do “artigo 19
da Lei nº 10.696 de 2 de julho”, e regulamentado pelo Decreto nº 5.873 de 15 de agosto
de 2006. Esse programa é uma das ações do Fome Zero, programa do governo federal
que congregou as ações para o campo brasileiro visando a minimização da pobreza e,
por conseguinte, da fome no país.
O PAA tem como objetivos: a) garantir o acesso aos alimentos em quantidade,
qualidade e regularidade necessárias às populações em situação de insegurança
alimentar e nutricional; b) contribuir para a formação de estoques estratégicos; c)
permitir aos agricultores familiares que estoquem seus produtos para serem
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comercializados a preços mais justos; e, d) promover a inclusão social no campo por
meio do fortalecimento da agricultura familiar (CONAB, 2010).
Para atingir esses objetivos, o programa é divido em modalidades descritas no quadro 1:
Quadro 1 - Das modalidades do PAA
Modalidade Descrição
1 – CPR-Doação: Compra da Agricultura
Familiar com Doação
Simultânea
Visa atender as populações em situação de insegurança alimentar por meio da doação de alimentos produzidos pelos agricultores familiares organizados coletivamente, para que entreguem sua produção diretamente nas instituições municipais beneficiadas.
2 – CPR-Estoque: Formação de
Estoque pela Agricultura
Familiar
Disponibiliza recursos para que as organizações de agricultores familiares adquiram produtos e formem estoques para posterior comercialização.
3 – CDAF: Compra Direta da
Agricultura Familiar
Permite a aquisição de alimentos para a distribuição ou formação de estoques públicos pelo Governo Federal.
4 – PAA-Leite: Apoio à Produção
para o Consumo do
Leite
Assegura o consumo de leite pelas famílias em situação de insegurança alimentar nos estados do Nordeste e norte de Minas Gerais, mediante a aquisição do produto com garantia de preço.
5 – CDLAF: Compra Direta
Local da Agricultura
Familiar
Adquire produtos da agricultura familiar para abastecimento dos equipamentos públicos de alimentação como Restaurantes populares e Cozinhas Comunitárias e Banco de Alimentos.
Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, 2012
Mais do que gerar uma complementação da renda aos agricultores familiares –
convencionais ou assentados –, o programa pode, na escala local, fortalecer a
agricultura familiar e assegurar às famílias e grupos que estejam em situação de risco,
uma alimentação acessível e de qualidade, produzida muitas vezes nas proximidades,
chegando às mesas das famílias com maior rapidez.
O PAA já vem apresentando alguns resultados, dados nacionais e estaduais já podem
ser consultados e comparados. Vamos a alguns deles, referentes ao biênio 2010 - 2011.
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Tabela 1 – Número de Municípios atendidos pelo PAA por Estado da Federação em 2010 e 2011.
Fonte: CONAB, Relatórios Anuais PAA (2003 a 2011).
Em 2010 participaram 1.076 municípios dos 5.564 municípios brasileiros,
representando 19% do total; já em 2011 foram 1.259, totalizando 23% do total.
Com relação à distribuição espacial dos municípios atendidos pelo programa em
território nacional, houve uma concentração significativa nas Regiões Norte e Nordeste
no ano de 2010. Os estados do Nordeste que tiveram mais municípios participando do
PAA foram: Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas; e na Região
Norte, foi em Tocantins. Nas demais regiões brasileiras, houve destaque na Região
Sudeste, ao estado de MG; no Sul, o estado do Paraná teve a maioria dos municípios
envolvidos no PAA; e no Centro-Oeste, o PAA manteve quase a mesma participação
nos três estados da região.
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Há uma evolução crescente no orçamento do PAA desde sua criação em 2003, como se
pode observar no gráfico 1. Esse programa esteve presente no ano de 2011 em todos os
Estados brasileiros.
Gráfico 1 – Evolução orçamentária do PAA de 2003 a 2011
Fonte: CONAB, Relatórios anuais PAA 2003 a 2011
Entretanto, como podemos observar no gráfico 2, o programa ainda é muito restrito,
pois seu orçamento, por mais que tenha sido ampliado nos últimos anos, ainda é
insuficiente para atender a maioria dos agricultores familiares. Segundo dados do IBGE,
são cerca de 4,6 milhões de agricultores familiares em todo o Brasil. Um exemplo disso
são os números relativos referentes ao total de agricultores atendidos pelo programa
considerando sua região, como se pode observar no gráfico 2.
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Gráfico 2 - Percentual de agricultores familiares envolvidos no PAA em 2010, segundo a região brasileira.
Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, 2011
Regiões como o Sul e o Sudeste apresentam o maior percentual de agricultores que
entregam alimentos ao PAA, mesmo assim, se quer chegam a 5% do total. A Região
Norte, por sua vez, apresenta o menor percentual de agricultores envolvidos no
programa, representando apenas 2,51% do total.
O PAA e seus resultados: estudos de caso
Em termo de análises, alguns trabalhos têm enfocando os resultados do PAA. Gomes &
Bastos (2007), por exemplo, destacam que o PAA no Estado de Pernambuco não vem
contribuindo para a diversificação da produção no campo, concentrando sua produção
em produtos como: arroz, farinha de mandioca e feijão. Para os autores, a falta de
divulgação do programa pode ser apontada como uma das causas dessa pouca
diversificação produtiva. Não há dúvida de que um dos gargalos que impedem a ampliação da base social do PAA esteja ligado aos precários canais de divulgação utilizados pelo programa. A ineficiência de canais oficiais de divulgação tem gerado muitas contradições entre as informações que chegam aos beneficiários e as instâncias operativas do programa. Exemplo disso foi a não – percepção, por parte dos beneficiados, da vinculação das ações do PAA com o Programa Fome Zero. Permanece a clássica ambiguidade entre as funções distintas do PAA – de “política agrícola” e de “política de segurança alimentar e nutricional” (GOMES & BASTOS, 2007, p, 20).
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Veloso (2011), em trabalho que analisa, dentre outras questões, os efeitos do PAA no
município de Junqueirópolis – situado na região conhecida como Nova Alta Paulista, no
oeste do estado de São Paulo – verificou que o programa não tem contribuído para a
diversificação produtiva local, uma vez que parte da produção agrícola do município já
conta com um mercado consolidado no ramo da acerola.
Para Grisa et. al, (2009), muitas prefeituras não estariam acostumadas a trabalhar com
projetos estruturantes, ao invés de assistencialistas, o que poderia levar, em alguns
casos, a um abandono da gestão municipal. Os autores destacam ainda a falta de
assistência técnica (o PAA não trás em sua proposta qualquer assistência técnica), e a
dificuldade no transporte dos alimentos. Botelho (2007) aponta para a falta de clareza
ou desconhecimento que os participantes têm do programa com relação aos seus
objetivos.
Entretanto, outros trabalhos apontam para resultados positivos do PAA em suas áreas de
estudo. É o caso, por exemplo, de Surita (2004) que destaca a produção agroecológica
nos municípios de Pelotas e São Lourenço do Sul, ambos no Rio Grande do Sul, onde
toda a produção entregue ao PAA se origina da produção orgânica, e que por conta
disso, os agricultores recebem um bônus de 30% sobre o preço dos produtos. Mattei
(2007), Corrêa (2009) e Doretto & Michellon (2007) relatam em seus trabalhos o
aumento da área cultivada depois da inserção dos agricultores no PAA. A inserção dos agricultores junto ao PAA promoveu mudanças internas nos estabelecimentos agropecuários, pois em torno de 1/3 dos beneficiários tiveram que aumentar a área de plantio para suprir a produção contratada e 2/3 deles aumentou o nível tecnológico na condução das lavouras [...] Esse incremento na área pode ser atribuído à oportunidade vislumbrada pelo produtor em ter mercado garantido para entrega de sua produção (DORETTO & MICHELLON, 2007, p, 18).
Assim como Zimmermann & Ferreira (2008) relatam em seu trabalho que o PAA
fomentou uma troca na matriz produtiva local com a introdução de produtos
desconhecidos, como no caso da berinjela, ou que não chegavam às mesas dos
moradores de Mirandiba, Estado de Pernambuco, como tomate, pimentão, cereja,
beterraba e também frutas (melão, umbu e caxi). Além disso, os mesmos autores
destacam a importância do PAA no fortalecimento das associações. Se percibe que el PAA provocó impactos en la organización de los agricultores, ya que desde que comenzó a funcionar en 2005, El número de asociaciones en las comunidades aumentó, inclusive al
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constituirse la COOAFAM. En 2007 había 07 asociaciones y en 2008, eran 20. La planeación de la producción, cosecha y procesamiento de los productos es la expresión de una dinámica administrativa nueva, que se puso en práctia después que el PAA entró en vigência (ZIMMERMANN & FERREIRA, 2008, p, 59).
Já Cordeiro (2007) demonstra como os agricultores, principalmente os do norte e
nordeste, gastam a renda obtida através da venda de produtos para o programa: compra
de alimentos; melhorias na produção e compra de máquinas agrícolas, além da
economia que as famílias beneficiadas acabam tendo, principalmente pela modalidade
doação simultânea. Entretanto, o mesmo autor chama a atenção para a dificuldade no
transporte dos alimentos, principalmente na região norte, onde as distancias e o
transporte fluvial acabam dificultando a entrega dos alimentos.
Outros trabalhos ainda apontam para a formação de redes sociais ou o fortalecimento
das instituições locais (MULLER, 2007 e GRISA, 2009). Todavia, esses trabalhos são
resultados de estudos locais e/ou regionais que apontam como o PAA está articulado e
operando em municípios específicos por todo o território brasileiro, e destacam seu
caráter inovador, tanto numa perspectiva institucional de trabalhar na articulação de
mais de um ministério, no fortalecimento ou mesmo criação de associações, como
também na articulação entre produtor rural e famílias que necessitam dos alimentos.
O PAA e os agricultores de Euclides da Cunha Paulista-SP e Paranavaí-PR
No caso especifico da nossa pesquisa, elencamos dois municípios em que parte de seus
agricultores familiares participam do Programa de Aquisição de Alimentos: Euclides da
Cunha Paulista-SP, no Pontal do Paranapanema, e outro no norte do Paraná, ou seja, o
município de Paranavaí-PR.
Municípios fronteiriços, separados apenas pelo Rio Paranapanema, eles apresentam uma
formação sócio-espacial distinta, além de terem processos históricos distintos, o que
contribui para uma organização (ou não) dos atores, agentes e instituições no período
recente e, portanto, podem apresentar resultados também diferenciados para uma mesma
política pública, como no caso do PAA.
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Mapa 1 – Área de estudo e população total dos municípios que pertencem às MRG de Presidente Prudente-SP e Paranavaí-PR.
O Município de Euclides da Cunha Paulista, localizado no extremo sudoeste paulista,
faz parte da Microrregião Geográfica de Presidente Prudente. Seu território tem um total
de 578,6 Km².
O ano de instalação do município de Euclides da Cunha Paulista foi 1993, pois até então
ele era distrito de Teodoro Sampaio. O Município faz divisa com o Estado do Paraná ao
sul, sendo banhado pelo Rio Paranapanema; a leste e norte limita-se com o município de
Teodoro Sampaio; e a oeste com Rosana. Suas coordenadas geográficas são: 22,56° de
latitude sul e 52,59° de longitude oeste. Sua população total em 2010 era de 9.585
habitantes, sendo 6.111 (63,7%) residentes na área urbana e 3.474 (36,3%) na área rural
(IBGE, 2010).
A ocupação do solo na região em que se situa o Município de Euclides da Cunha
Paulista se inicia de forma irresponsável por parte dos posseiros em terras supostamente
devolutas. Com a devastação da cobertura vegetal, implantavam-se as pastagens para,
em seguida, ocorrer o cultivo de culturas que no inicio eram feijão, milho, mandioca,
arroz e batata (PASSOS, 2006). O café chegou junto com a infra-estrutura para sua
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produção e escoamento, mas foi o algodão que transformou o espaço no Pontal do
Paranapanema até 1960.
Quando o preço do algodão no mercado mundial baixou, a pecuária ganhou espaço,
concentrando terra e renda, fato esse que será a origem dos conflitos fundiários na
região no começo dos anos 80 do século XX (SOUZA, 1996). Atualmente, o município
de Euclides da Cunha Paulista conta com nove assentamentos, totalizando 503 famílias
numa área de 10. 933 hectares. Desse total, apenas um assentamento, o Nova Esperança,
foi oriundo de desapropriação.
Já em Paranavaí, localizado no noroeste paranaense, faz parte da Microrregião
Geográfica de Paranavaí. Seu território tem um total de 1.202,51 Km². O ano de
instalação do município data de 1951. O município faz divisa ao sul com Mirador, Nova
Aliança do Ivaí e Tamboara; a leste com os municípios de Alto Paraná, Santo Antônio
do Caiúa e São João do Caiúa; a oeste com Terra Rica e Guairaçá; e, ao norte é banhado
pelo rio Paranapanema, fazendo divisa com o Estado de São Paulo. Suas coordenadas
geográficas são: 23,04° de latitude sul e 52,27° de longitude oeste.
Sua população total em 2010 era de 81.590 habitantes, sendo que a residente na área
urbana era de 77.728 (95,2%) e na rural de 3.862 (4,8%) habitantes (IBGE, 2010).
Desde a década de 1880, a região em que se situa o município de Paranavaí já era
ocupada por paulistas e mineiros que praticavam a criação de bovinos e suínos, mas
somente na década de 1940 é que se efetua uma ocupação mais intensa.
Foram os paulistas os grandes responsáveis pelo dinamismo econômico da região com a
concessão de empréstimos bancários e a construção da ferrovia que interligava o Norte
do Paraná com a malha férrea de São Paulo. A fundação de Paranavaí coincide com o
último surto de expansão do café no norte do Estado do Paraná, que ocorreu de 1940 a
1960, quando essa região teve papel fundamental no cultivo do principal produto da
pauta de exportações brasileira. Em 1940 inicia-se a colonização através de uma
companhia inglesa que comprara do governo paranaense um total de 515 mil alqueires
de terras3. A princípio a intenção dos ingleses era colocar o norte do Paraná entre os
maiores produtores de algodão para abastecer as indústrias inglesas, mas foi o café o
produto mais cultivado.
Acreditava-se que o cultivo do café resolveria o problema da região até então ocupada e
habitada por posseiros e grileiros. A ocupação da área foi planejada, sendo que os
ingleses utilizaram o exemplo dos holandeses que anos antes haviam colonizado uma
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região na Ilha de Sumatra com base em pequenos lotes (BATISTA, 2009). Essa
companhia dividiu e depois vendeu os lotes em tamanhos de 12, 24 e 48 alqueires
(PASSOS, 2006).
A partir da década de 1970, o cultivo do café mostra sinais de enfraquecimento devido a
vários fatores, dentre os quais destacamos: a concorrência internacional de preços e a
superprodução; a idade avançada das lavouras; a ocorrência de geadas e ferrugens que
levaram à descapitalização dos pequenos agricultores; e o processo de modernização
agrícola e diversificação dos produtos de exportação como soja, milho, cana e a carne
bovina. Em suma, a colonização do norte do Paraná pela companhia foi: [...] o palco de interesses do capital financeiro inglês de se expandir pelo mundo e do governo do estado paranaense que utilizou-se desse capital para tornar, num primeiro momento, suas terras atrativas para o capital financeiro e, posteriormente, incorporou a prática agrícola para gerir impostos dos produtos que passaram a ser produzidos em quantidade nunca vistas antes em terras paranaenses (BATISTA, 2009, p 108).
Com relação ao PAA, os municípios selecionados para a pesquisa empírica têm um
envolvimento diferenciado. Enquanto em Euclides da Cunha Paulista somente
agricultores assentados participam do programa; em Paranavaí são os agricultores
convencionais (proprietários da terra) que entregam produtos por meio do programa, até
pela inexistência de assentamentos em território municipal de Paranavaí.
Para o ano de 20011, em Euclides da Cunha Paulista, o programa teve um valor total de
R$ 300.317, 38, sendo 41 produtores assentados envolvidos, com 32 tipos de produtos e
atendendo 11 entidades, num total de três associações: Associação dos Produtores
Rurais Novo Tempo; Associação dos Produtores de Leite de Cabra do Assentamento
Santa Rosa e Organização de Mulheres do Assentamento Tucano de Euclides da Cunha
Paulista (CONAB, 2011). Em Paranavaí, para o mesmo ano, foi um total de R$ 463.
446,16, sendo 103 produtores convencionais envolvidos, com 48 tipos de produtos
atendendo 62 entidades através de uma associação local, a PROVOPAR (Associação
Agroindustrial dos Pequenos Produtores de Paranavaí).
Em questionário aplicado nos dois municípios, podemos colher informações juntos aos
agricultores assentados de Euclides da Cunha Paulista e convencionais de Paranavaí a
respeito do PAA. A seguir apresentaremos uma sequencia de gráficos que apresentam a
sistematização da opinião dos agricultores sobre diferentes aspectos.
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Quando perguntados sobre a principal vantagem de participar do programa, a grande
maioria respondeu que a facilidade na comercialização é a grande vantagem, seguida de
aumento da renda, como se pode observar no gráfico 3.
Gráfico 3 - Principal Vantagem em Participar do Programa, segundo os entrevistados
Fonte: Trabalho de campo. Sistematização organizada pelo autor, 2012.
Com relação à renda dos produtores após a participação dos mesmos no programa, se
verificou, segundo as informações fornecidas, que o aumento foi mais significativo no
município de Euclides da Cunha Paulista. A maioria dos agricultores entrevistados neste
município informou que teve aumento em sua renda Familiar que variou entre 21% e
50%, com pode ser observado no gráfico 4.
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Gráfico 4 - Houve aumento da renda familiar depois da sua participação no programa?
Fonte: Trabalho de campo. Realizado pelo autor, 2012
Em Paranavaí, o aumento da renda dos produtores depois de sua participação no
programa ficou entre 5% e 10%, incluindo um produtor, que segundo informações dele
próprio, que não obteve aumento em sua renda depois do programa.
A faixa de renda dos agricultores difere entre os municípios (gráfico 5), sendo que em
Euclides da Cunha Paulista, dos produtores entrevistados, a maioria dos entrevistados,
81% dispõe de uma renda que varia de um a dois salários mínimos² já em Paranavaí, a
maioria dos produtores, 58% dispõe de uma renda de três e cinco salários mínimos
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Gráfico 5 - Rendimento médio familiar mensal
Fonte: Trabalho de campo. Realizado pelo autor, 2012
Dos produtos que são entregues no programa, destacam-se em Euclides da Cunha
Paulista: hortaliças, verduras e frutas, além da mandioca, bastante cultivada na região.
Em Paranavaí também destacam-se as hortaliças, a mandioca - ainda mais presente no
norte do Paraná - e frutas e verduras. A produção e entrega de pão caseiro em Paranavaí
também pode ser destacada.
Gráfico 6 - Produtos que entrega no programa
Fonte: Trabalho de campo. Realizado pelo autor, 2012
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Um dos objetivos do programa, destacados neste trabalho, é a oferta de alimentos em
quantidade e qualidade para aqueles que necessitam. A variedade desses produtos é sem
dúvida essencial para atingir esses objetivos. Como podemos observar no gráfico 6,
hortaliças, frutas e verduras são a base dos alimentos entreguem pelos agricultores
participantes do PAA nos dois municípios.
Com relação à diversidade, perguntamos aos produtores entrevistados se com o
programa houve a diversificação no cultivo de produtos em suas propriedades (gráfico
7).
Gráfico 7 - Houve diversificação da produção com a participação no PAA?
Fonte: Trabalho de campo. Realizado pelo autor, 2012
Para a maioria dos produtores entrevistados, 25 dos 34 produtores pesquisados em
ambos os municípios, houve diversificação de seus produtos agrícolas. Dentre os
produtos cultivados, que são entregues, destacam-se em Euclides da Cunha Paulista:
alface, almeirão, rúcula, cheiro verde, abobora, batata, mandioca, cenoura, milho verde,
pepino, melancia e maracujá (CONAB, 2011). Em Paranavaí: abobora, alface,
beterraba, cenoura, cheiro verde, laranja, milho e mandioca foram os produtos de maior
quantidade (CONAB, 2011).
Para os produtores pesquisados em Euclides da Cunha Paulista, se o programa, no
futuro, deixasse de existir, para a maioria 11 dos 17 entrevistados, o cultivo de lavouras
alimentícias diminuiria, como se pode observar no gráfico 8.
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Gráfico 8 - A produção agrícola sem o PAA
Fonte: Trabalho de campo. Realizado pelo autor, 2012
Para dois agricultores, ela acabaria; para um produtor aumentaria; e para três (colocar
em termos percentuais) produtores, eles continuariam com o mesmo volume produtivo.
Em Paranavaí, também, para a maioria, 11 dos 17 entrevistados, a produção iria
diminuir; cinco produtores disseram que conseguiriam manter a produção atual mesmo
sem o programa, e apenas um produtor informou que deixaria de produzir.
Já sobre o futuro do programa, 14 em Euclides da Cunha Paulista e 15 em Paranavaí do
total de produtores rurais entrevistados acham que haverá melhoria no programa, como
se verifica no gráfico 9.
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Gráfico 9 - Sobre o futuro do PAA
Fonte: Trabalho de campo. Realizado pelo autor, 2012
Quanto perguntado no que o programa poderia ser melhorado, os produtores de
Euclides da Cunha Paulista e Paranavaí informaram que acreditam que o aumento da
atual cota por produtor de R$ 4,5 mil seria um aspecto que poderia ser melhorado,
todavia, para 9 produtores de Euclides da Cunha Paulista não há o que melhorar no
programa. Diminuir a burocracia e melhorar os preços praticados seriam também
medidas benéficas.
Gráfico 10 - O que poderia ser melhorado no programa?
Fonte: Trabalho de campo. Realizado pelo autor, 2012
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Dessa forma, por meio da pesquisa de campo realizada, se verifica que os dados
recolhidos e organizados nos revela que o PAA vem tendo uma boa aceitação por parte
dos produtores familiares, assentados e convencionais, nos municípios de Euclides da
Cunha Paulista e em Paranavaí, principalmente apreendida como uma política de
fortalecimento da renda no campo para um segmento da que historicamente foi
esquecida. Canais de comercialização como o PAA amenizam, mas não resolvem a
pobreza no campo brasileiro, entretanto, se somado a outras ações, nos parece um
caminho fortuito.
Conclusão
O PAA, como uma política pública de desenvolvimento rural, vem apresentando mais
resultados positivos do que negativos como vimos ao longo deste trabalho. Seu enfoque
na comercialização, com a construção de um canal seguro ao agricultor familiar é sem
dúvida um dos elementos que faz do PAA um programa diferenciado.
Nos municípios de Euclides da Cunha Paulista e Paranavaí podemos concluir, através
dos resultados obtidos por meio de questionários com produtores que participam do
programa, que o aumento da renda e a facilidade na comercialização da produção são
fatores cruciais para sua aprovação. Em Euclides da Cunha Paulista observamos que o
programa vem apresentando resultados e efeitos mais visíveis, uma vez que os
produtores rurais assentados deste município dependem do programa para
complementar sua renda, e que em alguns casos, o programa é responsável por mais de
50% da renda do produtor. Já em Paranavaí, o PAA tem um caráter mais complementar;
a maioria dos produtores rurais pesquisados neste município do norte do Estado do
Paraná, aprova o programa, entretanto, a renda que ele oferece aos produtores é, na
maioria dos casos entrevistados, de até 5%.
Outro fator importante, e que é parecido nos dois municípios pesquisados, diz respeito à
diversificação na produção. Para a maioria dos entrevistados, houve mais diversificação
na produção agrícola depois da sua inserção no programa.
Dessa forma, tanto em Euclides da Cunha Paulista como em Paranavaí, o PAA vem se
mostrando um instrumento público de fortalecimento da agricultora familiar, no caso
estudado, para os assentados de Euclides da Cunha Paulista, o programa é fundamental
para aumentar e, em alguns casos, fomentar a produção agrícola em assentamentos da
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reforma agrária. O aumento da cota que atualmente está em R$,4,5 mil por produtor/ano
e o próprio aumento do número de produtores envolvidos, tanto nos municípios
estudados como no Brasil, possa ser o desejo dos produtores envolvidos e o grande
desafio do governo federal.
Notas ____________________ 1. O presente artigo se constitui num dos resultados obtidos a partir do desenvolvimento da dissertação de mestrado, ainda em andamento, junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da UNESP, campus de Presidente Prudente. 2. Salário mínimo no período de R$622,79.
Referências
BATISTA, Ederval Everson. As condições de vida e trabalho de pequenos cafeicultores em Lerroville, Londrina–PR. Presidente Prudente: FCT/UNESP, 2009. 386 p. (Relatório de qualificação em nível de doutorado).
BRASIL. DECRETO Nº - 6.447, DE 7 DE MAIO DE 2008. Regulamenta o art. 19 da Lei no 10.696, de 2 de julho de 2003, que institui o Programa de Aquisição de Alimentos. Diário Oficial da União. [República Federativa do Brasil]. Brasília. Maio de 2008.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. CONAB. Companhia Nacional de Abastecimento. Relatórios Anuais CONAB PAA. 2003 a 2011. Disponível em: http://www.conab.gov.br/OlalaCMS/uploads/arquivos/994ad6d11b7768578435ce99e4904549.pdf
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome. Aquisição e comercialização da Agricultura Familiar, 2012. Disponível em: http://www.mds.gov.br/segurancaalimentar/aquisicao-e-comercializacao-da-agricultura-familiar
CORDEIRO, Ângela. Resultados do programa de aquisição de alimentos. PAA: a perspectiva dos beneficiários. Brasília: CONAB, 2007.
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