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8/19/2019 Direitos Autorais: Os Elementos Musicais e a Liberdade de Criação na Sociedade Contemporânea
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PUCDEPARTAMENTO DE DIREITODireitos Autorais: Os Elementos Musicaise a Liberdade de Criação na Sociedade
Contemporânea
por
Álvaro Costa de Faria
ORIENTADOR(A): Pedro Marcos Nunes Barbosa
2015.1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO
RUA MARQUÊS DE SÃO VICENTE, 225 - CEP 22453-900
RIO DE JANEIRO - BRASIL
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Direitos Autorais: Os Elementos Musicais
e a Liberdade de Criação na Sociedade
Contemporânea
por
Álvaro Costa de Faria
Monografia apresentada ao Departamentode Direito da Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) para
a obtenção do Título de Bacharel emDireito.
Orientador(a): Pedro Marcos Nunes
Barbosa
2015.1
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Resumo
O presente estudo trata inicialmente do processo criativo intelectual como umfenômeno social necessariamente coletivo. Critica-se a forçada individualizaçãodo mesmo tanto do ponto de vista teórico quanto jurídico. Defende-se que osautores em geral não podem prescindir do outro e de todo o espectro culturalhumano para dar cabo a suas criações. Em seguida se busca demonstrar como estacoletivização do processo de criação intelectual, e em especial o musical, vemsendo transformado pela circulação intensa de conteúdo com o advento da
reprodutibilidade das obras musicais. Em sequência, diante desse cenário deintensa produção e circulação cultural, analisa-se mais especificamente oselementos musicais e seus contornos jurídicos. Por fim se procura apresentar orequisito legal da originalidade a partir da dinâmica do processo de composição edos elementos musicais.
Palavras-chave:
Propriedade Intelectual. Direito Autoral. Obra musical. Elementos musicais.
Composição musical. Originalidade.
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Sumário
Introdução ...................................................................................................... 4
1. Um pouco sobre o processo criativo intelectual ........................................ 8
2. O consumo de música e a composição musical na sociedade da
informação ................................................................................................... 16
3. A música e seus elementos: ..................................................................... 28
3.1. Uma pausa necessária: Obra musical x Fonograma ............................. 35
3.2. Arranjo Musical .................................................................................... 45
4. Um ponto de encontro da arte com o direito: os elementos musicais e a
originalidade ................................................................................................ 55
5. Conclusão ................................................................................................ 67
6. Bibliografia .............................................................................................. 69
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Introdução
Analisando o processo de criação intelectual, os elementos musicais
e seus contornos jurídicos de forma prática, este estudo tem como objetivo
apresentá-los à luz da liberdade de criação do compositor. Passando
também pelo requisito da originalidade, se buscará apresentá-lo como
elemento cuja análise se faz fundamental não só na obra intelectual
acabada, mas também em todas as etapas e elementos da criação musical (e
mesmo em sua fixação).
É a partir dessa perspectiva que a análise do processo criativo pode
se tornar importante já que
[é] pouco comum o discurso sobre direitos autorais acolher questões sobre o processo de criação, pois a proteção autoral costuma ocorrer somente quando aobra está concluída. Contudo, é necessário tomar conhecimento sobre as etapasde criação dos artistas. A importância do artista, de acordo com Merleau-Ponty, éque aquele "que fixa e torna acessível aos mais 'humanos' dos homens oespetáculo de que fazem parte sem vê-lo" [NO].1
Denis Borges Barbosa apresenta que o direito exclusivo de um particular sobre determinado bem intelectual seria a exceção2 no universo
[NO] MERLEAU-PONTY. Maurice. A dúvida de Cézanne. In: MERLEAU-PONTY. Maurice. Oolho e o espírito: seguido de A linguagem indireta e as vozes do silêncio e A dúvida de Cézanne.Tradução de Paulo Neves e Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Cosac Naify,2004. p.123. 1 CONRADO, Marcelo. A Arte nas Armadilhas dos Direitos Autorais. Curitiba. 2013. p. 208. Tese(Doutorado em Direito Civl) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Setor de CiênciasJurídicas da Universidade Federal do Paraná 2
Stable ownership is the gift of social law, and is given late in the progress of society. It would becurious then, if an idea, the fugitive fermentation of an individual brain, could, of natural right, beclaimed in exclusive and stable property. If nature has made any one thing less susceptible than allothers of exclusive property, it is the action of the thinking power called an idea, which anindividual may exclusively possess as long as he keeps it to himself; but the moment it is divulged,it forces itself into the possession of every one, and the receiver cannot dispossess himself of it. Its
peculiar character, too, is that no one possesses the less, because every other possesses the wholeof it. He who receives an Idea from me, receives instruction himself without lessening mine; as hewho lights his taper at mine, receives light without darkening me. That ideas should freely spreadfrom one to another over the globe, for the moral and mutual instruction of man, and improvementof his condition, seems to have been peculiarly and benevolently designed by nature, when shemade them, like fire, expansible over all space, without lessening their density in any point, andlike the air in which we breathe, move, and have our physical being, incapable of confinement or
exclusive appropriation. Inventions then cannot, in nature, be a subject of property. Society maygive an exclusive right to the profits arising from them, as an encouragement to men to pursueideas which may produce utility, but this may or may not be done, according to the will and
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cultural. Aqui também se adotará esse posicionamento, sendo necessárias
apenas algumas ressalvas. Em termos quantitativos deve restar claro que
somente a menor parte das criações intelectuais passe a receber proteção
autoral. Mas isto não se deve a uma incapacidade criativa dos sereshumanos, mas em regra apenas a uma questão qualitativa destas criações.
A maioria das criações intelectuais sequer tem a pretensão de
constituir obras segunda a definição jurídica estabelecida. Toda e qualquer
ideia, dialógo entre familiares, interpretação sobre determinado poema,
filme, música, um post numa rede social, orações, modos de fazer, cantar,
temas de novelas, livros, pertencem, em regra, ao domínio público. Emesmo para muitas das partes integrantes de obras intelectuais, em
especial das musicais, quando consideradas em separado, esta parece ser
também a regra.
Ocorre que uma vez finalizado o processo criativo e exteriorizada
determinada criação no mundo com intuito de se tornar uma obra
intelectual protegida, não se pode considerar o direito autoral como
exceção. A presunção legal, nesse caso, deve operar em favor da proteção
da obra intelectual. Se defenderá, portanto, a teoria do in dubio pro actore.
Destacado da subjetividade de seu originador, deixando de ser inédita, a criação posta no campo autoral – se passar pelos filtros de pertinência a esse direito – recebe automática e incondicionalmente o impacto da exclusiva. Essa automaticidadeempana e confunde o fato de que o bem incorpóreo é uma coisa, e a exclusividade outracoisa. Nos outros campos da propriedade intelectual, nos quais a exclusiva não éimediata, incondicional e automática, a distinção fica mais clara.
Para contestar, ao que entendemos a noção da ―naturalidade‖ da exclusiva autoral – queresultaria das faculdades associadas a personalidade do Homem, das quais o resguardoatravés do monopólio seria ―concebido geralmente como um direito que existe por simesmo em decorrência da obra intelectual‖ – bastaria lembrar que essas faculdades
preexistiram por séculos na natureza humana antes que o direito estatal lhes conferisse, por vontade estritamente política, o direito de exclusiva.3
Esta posição também se revela razoável porque o direito autoral não
é registrário. Pensar diferente seria considerar a propriedade ou a posse de
convenience of the society, without claim or complaint from anybody. Disponível em: http://press-
pubs.uchicago.edu/founders/documents/a1_8_8s12.html. Acesso em 20 mai. 2015. 3 BARBOSA, Denis Borges. Direito de Autor : Questões Fundamentais de direito de autor. Rio deJaneiro: Lumem Juris, 2013. p. 65.
http://press-pubs.uchicago.edu/founders/documents/a1_8_8s12.htmlhttp://press-pubs.uchicago.edu/founders/documents/a1_8_8s12.htmlhttp://press-pubs.uchicago.edu/founders/documents/a1_8_8s12.htmlhttp://press-pubs.uchicago.edu/founders/documents/a1_8_8s12.html
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qualquer bem imóvel, em regra, como ilegítimas e que por isso estas
pudessem ser a qualquer momento retomadas, por legítima defesa, ao
domínio público.
Ainda utilizando a analogia se poderia dizer então que o processo
criativo tem seu lugar na praia, um espaço público. Há de se obsevar que
tudo que ali está, a areia, conchas, as res derelictae e as res nullius podem
ser utilizadas livremente pelos potenciais autores4. Nesta mesma praia em
que, em regra, todo substrato é de uso comum da sociedade, não se pode
fazer igual suposição para o que nela está inserido com um caráter
minimamente privado. Dessa forma se deve presumir que as barracas de praia, cadeiras, mesas, isopores, pranchas, bolsas e outros pertencem ao
domínio privado de determinado sujeito.
Pensar de maneira diferente, ou seja considerar que estes elementos
que se revestem de um caráter minimamente privado também seriam
destinados ao uso comum, seroa pretender institucionalizar o esbulho
possessório e o arrastão. O barraqueiro, querendo proteger sua pele já
muito desgastada pelo sol, mas tendo se esquecido de seu protetor solar,
sem sequer pedir ao seu cliente, tomaria-o para si como se seu fosse. E
agora voltando ao universo cultural, seria pretender institucionalizar como
regra, a licitude de apropriação de uma obra intelectual acabada. Quando
na verdade essa liberdade e licitude devem ser tomadas, a priori, somente
no que diz respeito aos elementos que compõem determinada obra, mas
nunca para a obra por inteiro .Salvo nas hipóteses desta pertencer aodomínio público por que expirado o prazo de proteção legal ou porque
claramente não está revestida de suficiente originalidade a lhe conferir
esta proteção.
4 Seguindo esta analogia, os castelos ou esculturas de areia feitos por qualquer sujeito, a exemplosdas ideias, muito embora não representem obras intelectuais devem em certa medida ser
respeitados, mas esta parece ser uma obrigação mais moral do que jurídica. De qualquer forma nãoé o fato de uma criação intelectual não receber proteção enquanto obra intelectual que ela nãomereça qualquer tipo de significado jurídico.
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Tradicionalmente a originalidade foi somente utilizada para
definição da existência de plágio ou não. Mas muito mais do que isso a
reflexão visa a permitir um melhor conhecimento da licitude de utilização
de elementos musicais dispostos em uma obra por outrem. Porque a análiseda originalidade nos elementos musicais, muito mais do que facilitar a
verificação de um plágio, permite ao menos sugerir se um ou outro
elemento musical poderá ser usado livremente pela sociedade.
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1. Um pouco sobre o processo criativo intelectual
Se na natureza nada se cria, nada se perde, mas tudo se transforma
conforme célebre afirmação do químico francês Antoine Lavoisier , no
campo das ciências humanas tal afirmação pode ser reformulada. O próprio
―Chacrinha‖ já teria percebido tal fato ao parodiar Lavoisier afirmando que
―Na televisão, nada se cria, tudo se copia‖5.
Analisando com moderação a assertiva do saudoso comediante,
pode-se afirmar que tal constatação se aplica, sobremaneira, a todos os
campos do conhecimento humano. É o que na antiguidade clássica já
observava Aristóteles em sua Poética, Parte IV6 ao afirmar que:
Em primeiro lugar, o instinto de imitação é implantado no homem desde ainfância. Fato que constitui uma diferença entre ele e os outros animais, sendoque ele é o mais imitativo dos seres vivos, e por meio da imitação aprende suas primeiras lições; e não menos universal é o prazer sentido nas coisas imitadas.7
O sociólogo italiano Domenico De Masi lembra em seu livro Ócio
Criativo que até mesmo nas primeiras manifestações artísticas conhecidasda história da humanidade, a utilização de elementos já existentes na
natureza é surpreendentemente inevitável. Uma flecha, cuja ponta feita de
pedra foi talhada com figuras que se assemelham a uma folha de louro e
5 Interessante mencionar que há aproximadamente 30 anos atrás ele estava certo, tendo em vistaque desde aquela época já não se protegiam os formatos de programa de televisão . Por outro ladoé preciso ponderar conforme observa Marcelo Goyanes: Um formato de programa seria o estilo,
plano ou estrutura que serve como roteiro para a concepção de um show de TV. Mas afinal, um formato de programa de TV pode receber proteção legal de modo a impedir que terceiros ocopiem? Talvez. Um formato estaria situado numa zona cinzenta entre um mero conceito e, deoutro lado, o roteiro de uma obra audiovisual. A questão que surge neste ponto é saber quando acriação de um formato progrediu a ponto de fazer jus à proteção pelo direito autoral.Disponívelem: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI3431,101048-A+tutela+juridica+do+formato+de+programa+de+televisao. Acesso em 20 mai 2015.
6 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução a Propriedade Intelectual Ainda sobre o tema (Da proteção de marcas cinéticas por direito autoral). Disponível em:http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/da_protecao_marcas_cineticas.pdf . Acesso em 15 mai 2015., p.23. 7 Tradução livre de “First, the in stinct of imitation is implanted in man from childhood, one
difference between him and other animals being that he is the most imitative of living creatures,and through imitation learns his earliest lessons; and no less universal is the pleasure felt int hings imitated.”
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI3431,101048-A+tutela+juridica+do+formato+de+programa+de+televisaohttp://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI3431,101048-A+tutela+juridica+do+formato+de+programa+de+televisaohttp://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/da_protecao_marcas_cineticas.pdfhttp://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/da_protecao_marcas_cineticas.pdfhttp://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/da_protecao_marcas_cineticas.pdfhttp://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI3431,101048-A+tutela+juridica+do+formato+de+programa+de+televisaohttp://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI3431,101048-A+tutela+juridica+do+formato+de+programa+de+televisao
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ainda as pinturas rupestres que muito comumente retratam a fauna e flora
do período correspondente, são apenas dois exemplos do que se afirma.
Dessa maneira não podem restar grandes dúvidas que o ser humano só pode
reproduzir culturalmente aquilo que ele já vivenciou.
Karin Grau Kuntz pontua com maestria:
Com a devida vênia àqueles que adotam posição contrária, a única notícia quesou capaz de oferecer ao leitor relativa a um sujeito-criador capaz de criar donada está na Bíblia, em Macabeus 7, 28: ―Eu te suplico, meu filho, contempla océu e a terra; reflete bem: tudo o que vês, Deus criou do nada, assim como todosos homens.‖ Ironia à parte, à máxima da criatio ex nihilo (criação do nada), temade extensas discussões no âmbito da filosofia, oferece-se àquela que diz ex nihilonihil fit (nada vem do nada).8
No campo musical a situação não é diferente. Quando um sujeito
compõe determinada música, certamente se utilizará de muitas de suas
influências artísticas. Sendo certo que a permeabilidade de sua criação com
as músicas já existentes, não estará restrita ao estilo ou sonoridade ( Rock,
Pop, Reggae e MPB e etc.). O compositor muito provavelmente se utilizará
de ideias, estilos, trechos melódicos, harmonias e ritmos de canções já
existentes e que porventura já tenha ouvido.
Pois fora justamente isso o que ocorreu e pode ser notado em uma
engraçada conversa entre Vinícius de Moraes, Baden Powell e a mulher do
primeiro transcrita em uma obra literária sobre as canções do poetinha. Na
ocasião Baden Powell havia apresentado uma de suas recentes composições
a Vinícius e pedia que esse fizesse a letra para a canção, no caso o Samba
em Prelúdio. Este, apesar de ter gostado da composição do amigo, afirmoudepois de boas doses de whisky escocês, que tal música já havia sido escrita
pelo compositor clássico Chopin. As altas horas da madrugada a mulher de
Vinicius, a qual era uma excelente pianista foi chamada pelo próprio
marido para resolver a discussão e após escutar a canção algumas vezes
afirmou:
8
KUNTZ, Karin Grau. Domínio público e Direito de Autor: do requisito da originalidade comocontribuição reflexivo- transformadora. Revista Eletrônica do IBPI - Revel - Nr. 6. p.49.Dísponível em: http://ibpibrasil.org/ojs/index.php/Revel/issue/view/14. Acesso em 20 mai 2015.
http://ibpibrasil.org/ojs/index.php/Revel/issue/view/14http://ibpibrasil.org/ojs/index.php/Revel/issue/view/14
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Não, isso não tem nada de Chopin. É uma música romântica, Chopin também eraromântico‖. Mas o pileque já estava naquele negócio de implicar com tudo,sapato desamarrado, acende cigarro ao contrário e tudo...Aí Vinícius implicoucom ela também: ―Quer dizer que não é Chopin? Tem certeza que não éChopin?‖ E ela: ―Tenho!‖. Aí ele não tinha saída e disse assim: ―Então Chopinesqueceu de fazer essa‖. Aí ele passou pra máquina de escrever e fez a letra de―Samba em prelúdio‖.9
O fato, que não se pode deixar de reconhecer, é que a influência
tratada aqui evidencia a permeabilidade inexorável de todo processo
criativo intelectual e da obra finalizada com a cultura na qual estão
inseridos. Esta porosidade é uma certeza, e longe de representar um fardo
para a cultura, revela uma bela e complexa condição humana: a premente e
vital necessidade de se relacionar no ambiente em que vive.
O ser humano não é solitário e tampouco autossuficiente. Precisa
satisfazer suas necessidades fisiológicas, sociais, e para tanto, é
imprescindível que se relacione com seus semelhantes, com seu habitat
natural e social. Como ser social e finito, precisa se alimentar da cultura que
está posta para poder criar. Ninguém cria uma obra do nada, isto é, sem ter
absorvido ou se utilizado de elementos culturais já existentes. Criar ex
nihilo é tão impossível que para tanto seria preciso que um indivíduo nunca
tivesse enxergado, escutado, tateado, sentido o cheiro de qualquer coisa, ou
seja, que nunca tivesse existido.
O efeito do direito autoral nos autores de obras subseqüentes requer especialênfase. Criar um novo trabalho envolve pegar emprestado ou criar a partir detrabalhos anteriormente existentes, bem como adicionar expressão original a eles.Um novo trabalho de ficção, por exemplo, conterá a contribuição do autor mastambém personagens, situações, detalhes etc. que foram inventados por autores
precedentes. (…) Um tratado de direitos autorais, ao aplicar o teste de‗substancial similaridade‘ que muitos tribunais usam, concluiria que ‗AmorSublime Amor‘ infringiria os direitos sobre ―Romeu e Julieta‖ se este estivesse protegido por direitos autorais. Sendo assim, então ‗Medida por Medida‘infringiria os (hipotéticos) direitos de uma peça Elizabetana, ‗Promos eCassandra‘; o romance ‗Na Época do Ragtime‘, de Doctorow, infringiria osdireitos de Heirich von Kleist sobre seu romance Michael Kohlhaas; e o próprio‗Romeu e Julieta‘ infringiria a obra de Arthur Brooke, ‗A Trágica História deRomeu e Julieta‘, publicada em 1562 e que, por sua vez, infringiria a história deOvídio sobre Pyramus e Thisbe – que em ‗Sonhos de uma Noite de Verão‘Shakespeare encenou como a peça dentro da peça; outra infração dos ‗direitos
9 HOMEM, Wagner; ROSA, Bruno de La. Histórias de Canções: Vinícius de Moraes. 2013, p. 88.
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autorais‘ de Ovídio. Estivesse o Velho Testamento protegido por direitosautorais, então ‗Paraíso Perdido‘ o teria infringido, bem como o romance deThomas Mann, ‗José e Seus Irmãos‘. Ainda pior: no caso de autores antigos,como Homero e os autores do Velho Testamento, não temos como saber suasfontes e assim não sabemos até que ponto eram tais autores originais e até que
ponto eram copiadores‖.10
O artista criador poderá decidir somente ―o que‖, e não ―se‖, irá
retirar do substrato cultural existente elementos para criar sua obra, pois
esta é, como se disse, a própria condição da existência humana. Nesse
sentido, é muito pertinente a colocação do sociólogo italiano Domenico De
Masi:
Talvez obra alguma possa ser inteiramente atribuída a quem a assina, nem mesmo
aqueles últimos e incríveis quartetos de Beethoven, compostos quando ele já erasurdo há vários anos, ou ainda os Ensaios precursores de Michel de Montaigne,escritos quando ele já estava há muitos anos recluso, no seu castelo solitário.
No terceiro milênio depois de Cristo, a criatividade individual é somente umaabstração ou um delírio de onipotência. Neste campo, mais do que nunca, éválida a frase de Thomas Merton: ―Nenhum homem é uma ilha‖.11
Circundado por um verdadeiro e incomensurável oceano cultural,
quando um sujeito cria alguma obra musical, por exemplo, provavelmente
se utilizará não só de suas influências sonoras, mas de todo espectro culturalexistente e da própria vida humana. É, portanto, a partir de uma verdadeira
miscelânea sinestésica que determinado criador poderá reduzir suas ideias
em forma de notas musicais e palavras. Analise-se, por exemplo, os
comentários de LETHEM sobre a obra de Bob Dylan:
A apropriação sempre teve um papel-chave na música de Dylan. O compositor seapoderou não apenas de uma panóplia de filmes vintage de Hollywood, mastambém de Shakespeare e F. Scott Fitzgerald e da Confissões de um Yakuza, deJunichi Saga. Também passou a mão no título do estudo de Ric Lott sobre osmenestréis para seu álbum de 2001, Love and Theft . Imagina-se que Dylan tenhagostado da sonoridade do título, no qual pequenos delitos emocionais espreitam adoçura do amor, como de praxe nas canções de Dylan. O título de Lott, claro,remonta a Love and Death in the American Novel , de Leslie Fiedler, famoso poridentificar o tema literário da interdependência do home branco e do negro, como
10 LANDES, William M.; POSNER, Richard A. The Economic Structure of Intellectual Property Law. Cit., pp. 66-67. Apud BRANCO, Sergio Vieira. Direitos Autorais na Internet e o uso de
Obras Alheias, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2007. p. 62.11 DE MASI, Domenico. Criatividade e grupos criativos. Tradução de Lea Manzi e YadyrFigueiredo Rio de Janeiro: Sextante, 2003, p. 47 Apud CONRADO, Marcelo. Op.cit. p.84.
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Huck e Jim ou Ishmael e Queequeg – uma série de referencias imbricadas na personalidade apropriada do jovem menestral Dylan.12
Dessa maneira, não é difícil perceber que a criação artística
individual, embora represente a exteriorização da vontade e criatividade de
um sujeito13, em última instância, tem como pilar fundamental a
coletividade. Tanto porque a criação depende do espectro cultural no qual
está inserida para existir como já se pretendeu demonstrar, quanto porque
toda criação depende da comunicação. Para ser arte, uma obra deve dizer
alguma coisa à alguém. Sem interlocutores a arte não é, não existe.
É este, portanto, o problema de uma pintura que aceite a riqueza das
ambigüidades, a fecundidade do informe, o desafio do indeterminado. Pintura que pretenda oferecer ao olhar a mais livre das aventuras e ao mesmo tempo constituirum fato comunicativo, a comunicação do máximo ruído, marcada, todavia, poruma intenção que qualifique como sinal. Caso contrário, tanto faria o olhoinspecionar livremente leitos de estradas e manchas sobre muros, semnecessidade de transportar para a moldura de uma tela essas livres possibilidadesde mensagem que a natureza e o acaso colocam ao nosso dispor. Repare-se bemque a intenção por si só é suficiente para marcar o ruído como sinal: atransposição pura e simples de um pedaço de saco para dentro do âmbito de umquadro basta para caracterizar a matéria bruta como artefato. Mas aí intervêm asmodalidades de caracterização, a capacidade de persuasão das sugestões dedireção ante a diminuída liberdade do olho.
Frequentemente, a modalidade de caracterização pode ser puramente mecânica,equivalente ao artifício metalingüístico constituído pelas aspas: quandocircunscrevo uma fenda na parede com um traço de giz, escolho-a e proponho-acomo configuração dotada de alguma sugestão, e naquele traço crio-a como fatocomunicativo e como obra artificial.14 (grifos deste autor)
Colocar a coletividade junto à comunicação como pressupostos
fundamentais da cultura se apresenta uma perspectiva razoável por três
motivos fundamentais, coexistentes e simultâneos. Primeiro porque é
12 LETHEM, Jonathan. O êxtase da influência: um plágio. Tradução de Alexandre Barbosa deSouza e BrunoCosta. Revista Serrote, São Paulo, v.12, p.118, nov. 2012. Apud CONRADO,Marcelo. Op.cit. p.195.[NO] MERLEAU-PONTY. Maurice. A dúvida de Cézanne. Apud MERLEAU-PONTY. Maurice. Oolho e o espírito: seguido de A linguagem indireta e as vozes do silêncio e A dúvida de Cézanne .Tradução de Paulo Neves e Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São Paulo: Cosac Naify,2004. p.123 Apud CONRADO, Marcelo. Op.cit. p. 208. 13 Aqui toma-se como base a obra intelectual produzida por apenas um sujeito. Sendo muitoimportante mencionar a existência de muitas obras coletivas que tornam o estudo do tema mais
rico e complexo 14 ECO, Umberto. Obra Aberta: forma e indeterminações nas poéticas contemporâneas . SãoPaulo: Perspectiva, 2005. p.168
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justamente essa combinação que permite o surgimento de significados e
símbolos culturais.
Ao mesmo tempo, a obra de arte permite conhecer, apreender, criar também este
si-mesmo que é o simétrico do mundo de um lado e de outro do instrumentoóptico, prova de existência tanto do mundo, quanto de si: ―Na realidade, todoleitor é, quando lê, o leitor de si mesmo. A obra não passa de uma espécie deinstrumento óptico oferecido ao leitor a fim de lhe ser possível discernir o que,sem ela, não teria certamente visto em si-mesmo.‖ [NO] A mesma idéia alhures: Oque pediria a ―meus‖ leitores é ―que me dissessem se estava certo, se as palavrasem si lidas eram mesmo as que eu empregava.‖[NO]15
Segundo porque esse surgimento possibilita o desenvolvimento da
capacidade reflexivo-criativa individual traduzindo-se nas molduras através
das quais as pessoas, e em especial os artistas por seu maior potencial
criativo, interpretarão o mundo que os cerca.
Então, pode-se preliminarmente concluir que as expressões artísticas refletem asatitudes e entendimento da vida por parte dos criadores e também que a percepção, apreensão e atribuição dos sentidos a estes artefatos pelo público estãocalcadas em sua inserção no universo simbólico que moderam as interpretações,que por sua vez dependem de sua exposição não só aos artefatos, mas igualmenteao conjunto significativo que pauta a produção e compreensão destas obras. 16
Nesse sentido, o autor produz uma forma acabada em si, desejando que a forma
em questão seja compreendida e fruída tal como a produziu; todavia, no ato dereação à teia dos estímulos e de compreensão de suas relações, cada fruidor trazuma situação existencial concreta, uma sensibilidade particularmentecondicionada, uma determinada cultura, gostos, tendências, preconceitos pessoais, de modo que a compreensão da forma originária se verifica segundouma determinada perspectiva individual. No fundo, a forma torna-seesteticamente válida na medida em que pode ser vista e compreendida segundomultíplices perspectivas, manifestando riqueza de aspectos e ressonâncias, sem jamais deixar de ser ela própria (um sinal de trânsito, ao invés, só pode serencarado de maneira única e inequívoca, e se for transfigurado por algumainterpretação fantasiosa deixa de ser aquele sinal com aquele significadoespecífico). Neste sentido, portanto, uma obra de arte, forma acabada e fechada
em sua perfeição de organismo perfeitamente calibrado, é também aberta, isto é, passível de mil interpretações diferentes, sem que isso redunde em alteração de
15 TINOCO, Carolina Ramos. Contributo Mínimo em Direito de Autor:o mínimo grau criativonecessário para que uma obra seja protegida; contornos e tratamento jurídico no direitointernacional e no direito brasileiro. Rio de Janeiro: UERJ, 2009. p.163. 16 DE SOUZA, Allan Rocha. Os direitos culturais e as obras audiovisuais cinematográficas: entrea proteção e o acesso. Rio de janeiro: UERJ, 2010.[NO]
M. Proust, à la recherche du temps perdu, trad. bras., op. cit., t. VII, p. 153. 584
[NO] Loc. cit., t. VII, p. 240. 585 SCHNEIDER, Michel. Ladrões de palavras: ensaio sobre o plágio, a psicanálise e o pensamento. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990. pp. 139-140.
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sua irreproduzível singularidade. Cada fruição é, assim, uma interpretação e umaexecução, pois em cada fruição a obra revive dentro de uma perspectiva original17
Em verdade os interlocutores de determinado trabalho artístico se
mostram tão fundamentais quanto o autor deste. Cabe ao criador o esforço,
por vezes hercúleo, de transmitir mensagens através de seu trabalho. No
entanto, por mais diligente que seja neste intento, somente à coletividade
daqueles, está garantido o privilégio de máxima realização do potencial
comunicativo da obra. Seja ela um filme, um quadro, uma escultura ou uma
música, o criador de cada uma destas nunca chegará perto de conhecer
todas as interpretações e afetos provocados em cada uma das pessoas
alcançadas por sua criação.
―Uma vez exteriorizada, a continuidade da existência da obra não depende mais,então, da existência da expressão original ou de outro exemplar da obra. Apenas amemória humana é capaz de impor limites à continuidade da existência de umaobra‖.18
A obra comunica uma mensagem que é recebida pelo destinatário e por eleincorporada intelectualmente. Por isso a cultura é um espaço erguido por muitasmãos e é equivocado comparar-se a exclusividade da criação intelectual com um bem material, qual uma casa. O construtor da casa molda os tijolos de barro, ocriador da obra tira os ―tijolos‖ da obra que cria do mesmo lugar para o qual
enviará sua obra: o patrimônio cultural. Dai ser impossível equiparar-se uma obraintelectual a um bem material e/ou falar em domínio do autor sobre a criação. Oautor merece ser remunerado pelo seu trabalho, mas não domina a obra, comodomina, o proprietário, a casa. O que desejo afirmar é isto: interpretarei o textodo Paulo Coelho dizendo algo, sobre o texto, que Paulo Coelho não dissediretamente. Em verdade eu é que atribuo a ele o que resulta da minhainterpretação do seu texto. O interpretar, aqui, é puro desdobramento do valorcultural do texto, a comprovar que o texto não está vinculado ao Paulo Coelho,sendo livre e interagindo comigo, destinatária dele. (grifo deste autor)19
E em terceiro e último lugar, porque esta capacidade, presente em
diferentes graus nos cidadãos, possibilita ao artista aglutinar os elementos jáexistentes desta teia infinita de significação para criar.
17 ECO, Umberto. Obra Aberta: forma e indeterminações nas poéticas contemporâneas . SãoPaulo: Perspectiva, 2005 p. 40 18 HABERSTUMPF, Helmut. Handbuch des Urheberrechts, Neuwied/Kriftel/ Berlin: Luchterhand(1996), p..33 Apud GRAU-KUNTZ, Karin. Domínio Público e Direito de Autor: Do requisito daoriginalidade como contribuição reflexivo-transformadora. Apud: Revista Eletrônica do Instituto
Brasileiro de Propriedade Intelectual. www.ibpibrasil.org, p.13. 19 GRAU-KUNTZ; Karin, Comentário, In Revista Eletrônica do IBPI , vol. 4http://www.wogf4yv1u.homepage.tonline.de/media/8a6e575f40fc6c7dffff80aeffffffef.pdf in
GRAU-KUNTZ, Karin. Domínio Público e Direito de Autor: Do requisito da originalidade comocontribuição reflexivo-transformadora. In Revista Eletrônica do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual nº 06. www.ibpibrasil.org, p. 42.
http://www.ibpibrasil.org/http://www.wogf4yv1u.homepage.tonline.de/media/8a6e575f40fc6c7dffff80aeffffffef.pdfhttp://www.ibpibrasil.org/http://www.ibpibrasil.org/http://www.wogf4yv1u.homepage.tonline.de/media/8a6e575f40fc6c7dffff80aeffffffef.pdfhttp://www.ibpibrasil.org/
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Em todos esses casos (e trata-se de quatro apenas, entre os muitos possíveis),impressiona-nos de pronto a diferença macroscópica entre tais gêneros decomunicação musical e aqueles a que a tradição clássica nos havia acostumado.Em termos elementares, essa diferença pode ser assim formulada: uma obramusical clássica, uma fuga de Bach, a Aída, ou Le Sacre Du Printemps,consistiam num conjunto de realidades sonoras que o autor organizava de formadefinida e acabada, oferecendo-o ao ouvinte, ou então traduzia em sinaisconvencionais capazes de guiar o executante de maneira que este pudessereproduzir substancialmente a forma imaginada pelo compositor; as novas obrasmusicais, ao contrário, não consistem numa mensagem acabada e definida, numaforma univocamente organizada, mas sim numa possibilidade de váriasorganizações confiadas a iniciativa do intérprete, apresentando-se, portanto, nãocomo obras concluídas, que pedem para ser revividas e compreendidas numadireção estrutural dada, mas, como obras "abertas", que serão finalizadas pelointerprete no momento em que as fruir esteticamente.20
Diante do exposto pode-se afirmar com certa tranquilidade que um
artista depende essencialmente da placenta cultural que o alimenta, e da
qual o próprio faz parte, como intérprete do mundo que o cerca e como
criador em potencial. Essa relação de mutualismo em rede, entre indivíduos
e a cultura existente representa uma dinâmica cujo entendimento é
fundamental para facilitar o alcance de escopo deste trabalho.
Ao final, não se pretende aqui, de maneira alguma, subtrair a beleza
do processo de criação intelectual. O que se espera a partir desta visão sobrea formação do conhecimento e a seguir das criações musicais
especificamente, é buscar demonstrar como a análise jurídica dos elementos
destas e ainda do requisito legal da originalidade neste universo pode
facilitar a compreensão do processo de composição musical como um
fenômeno necessariamente livre. Todavia, antes que se possa prosseguir
nesse intento faz-se relevante apontar ainda algumas especificidades sobre o
universo musical contemporâneo.
20 ECO, Umberto. Obra Aberta: forma e indeterminações nas poéticas contemporâneas . SãoPaulo: Perspectiva, 1991. p.39.
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2. O consumo de música e a composição musical nasociedade da informação
No passado o consumo e a produção cultural serviam basicamente ao
interesse de uma elite que podia financiar o elevado custo de patrocínio 21 de
pintores, artistas plásticos, músicos22 e outros artistas. Felizmente a situação
atual, apesar de ainda estar longe do ideal, é bastante diferente. O acesso à
cultura e mesmo a sua produção se tornaram muito mais democráticas.
A este respeito são bastante expressivas as iniciativas do estado
brasileiro a partir do Ministério da Cultura com vistas a fomentar a
produção cultural e mesmo o seu consumo. O financiamento de produções
artísticas em geral através da Lei Rouanet , a recente promulgação da Lei
12.761/2012 que instituiu o Vale-Cultura23 são apenas algumas evidencias
do que se pretende confirmar.
Especificamente no campo da música com a constante evolução das
suas formas de produção e mesmo de reprodução, a situação não é distinta.
Com a invenção do fonógrafo, de sua evolução para o gramofone, e em
sequência para as rádios, discos de vinil, fitas cassete, Compact Discs,
internet, Mp3 e por fim para as lojas e rádios digitais podemos observar
uma crescente democratização do acesso à música pela sociedade. Cada vez
21 A este respeito se pode mencionar o mecenato no período renascentista em que famílias ricasfinanciavam a produção artística e cultural. 22 ―Na França e na Inglaterra, as posições musicais decisivas estavam concentradas nas capitais,Paris e Londres, em resultado da centralização estatal. Nesses países, portanto, um músico de altonível não tinha escapatória caso lhe acontecesse uma desavença com o príncipe seu empregador.
Não havia cortes que pudessem rivalizar com a do rei em poder, riqueza e prestígio, que pudessem, por exemplo, dar abrigo a um músico francês caído em desgraça. Na Alemanha e na Itália, porém,havia dúzias de cortes e cidades que concorriam pelo prestígio e, portanto, pelos músicos. Não éexagero atribuir, entre outras coisas, a extraordinária produtividade da música de corte nosterritórios do primeiro Império alemão a esta situação — à rivalidade pelo prestígio das muitascortes e, conseqüentemente, ao grande número de postos musicais‖. (ELIAS, Norbert. Mozart:
sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1995 p.30) 23
Art. 1º Fica instituído, sob a gestão do Ministério da Cultura, o Programa de Cultura doTrabalhador, destinado a fornecer aos trabalhadores meios para o exercício dos direitos culturais eacesso às fontes da cultura.
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mais pessoas são alcançadas, podendo consumir em maior quantidade, com
mais qualidade e numa velocidade crescentemente rápida.
Os avanços tecnológicos vêm revolucionando não só a forma de
consumo, mas também e de forma impressionante a produção musical. Se
no passado eram necessários equipamentos sofisticados de gravação, a
contratação de músicos, a locação de um estúdio para a produção de um
CD, hoje tudo isso pode ser feito por uma só pessoa em seu Home Studio,
com qualidade bastante razoável.
Por mais inusitado que possa parecer, hoje é possível que um
indivíduo que nunca tenha tocado nenhum instrumento mas que tenha
noções musicais básicas e saiba operar bem um software de qualquer uma
das DAW – Digital Audio Work Station, possa reproduzir, sozinho, uma
verdadeira orquestra. E isto livre de qualquer desafinação, com total
controle dos instrumentos, harmonia, ritmo, volume a partir de mecanismos
relativamente simples. Situação pouco provável de se imaginar há poucas
décadas e completamente inovadora se comparada com um ou dois séculos
atrás.
A título de exemplificação, se no século dezoito um indivíduo
desejasse ouvir determinada canção de Chopin24 , além da partitura
específica de tal música seria necessário algum instrumentista para executá-
la25. Hoje bastam alguns cliques para que qualquer cidadão com acesso a
internet possa escutar a mesma música em diversos sites da web em
inúmeras versões e executadas por incontáveis intérpretes.
24 Frédéric François Chopin, também chamado Fryderyk Franciszek Chopin (Żelazowa Wola, 1de Março de 18101 — Paris, 17 de Outubro de 1849), foi um pianistapolaco radicadona França e compositor para piano da era romântica , Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Fr%C3%A9d%C3%A9ric_Chopin. Acesso em 16 jun. 2014) 25 A gravação musical sequer era possível e somente fim do século XIX se tornou possível afixação dos sons de forma incipiente. É como relata Fabio Malina Losso, “Em 1877, Thomas Alva
Edison inventou o fonógrafo, aparelho que gravava sons em um cilindro e posteriormente os fazia
executar, o que constituiu marco na música, mesmo que rudimentar, de se fixar obras musicais para posterior audição.” (LOSSO, Fabio Malina. Os Direitos Autorais no Mercado da Música.São Paulo:USP,2008. p. 32)
http://pt.wikipedia.org/wiki/%C5%BBelazowa_Wolahttp://pt.wikipedia.org/wiki/%C5%BBelazowa_Wolahttp://pt.wikipedia.org/wiki/%C5%BBelazowa_Wolahttp://pt.wikipedia.org/wiki/1_de_Mar%C3%A7ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1_de_Mar%C3%A7ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1810http://pt.wikipedia.org/wiki/Parishttp://pt.wikipedia.org/wiki/17_de_Outubrohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1849http://pt.wikipedia.org/wiki/Pianistahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Compositorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pianohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Era_rom%C3%A2nticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fr%C3%A9d%C3%A9ric_Chopin.http://pt.wikipedia.org/wiki/Fr%C3%A9d%C3%A9ric_Chopin.http://pt.wikipedia.org/wiki/Era_rom%C3%A2nticahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pianohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Compositorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7ahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pianistahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Pianistahttp://pt.wikipedia.org/wiki/1849http://pt.wikipedia.org/wiki/17_de_Outubrohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Parishttp://pt.wikipedia.org/wiki/1810http://pt.wikipedia.org/wiki/1810http://pt.wikipedia.org/wiki/1_de_Mar%C3%A7ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/1_de_Mar%C3%A7ohttp://pt.wikipedia.org/wiki/%C5%BBelazowa_Wola
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Importante destacar que esta profícua circulação e produção de
conteúdo, obviamente, não representa uma exclusividade do mundo
musical, mas de todo o universo cultural. Esta profusão de informações,
muito favorecida pelo fluxo cibernético, representa, na verdade, uma marcafundamental da sociedade de informação e não pode deixar de ser
considerada. Especialmente pela grande relevância desse cenário para
economia, diga-se profundamente influenciada por uma nova forma de
circulação de riqueza.
Concentremo-nos agora na sociedade da informação, que tem como instrumentonuclear a Internet . Esta última foi objeto de profunda e rápida metamorfose:
nascida militar, passou a rede científica desinteressada, depois a meio decomunicação de massas, para se tornar hoje sobretudo veículo comercial. Nessaevolução, a informação, que seria o seu conteúdo, vai mudando de natureza.Passa a abranger qualquer conteúdo de comunicação – de maneira que melhorseria inclusive falar-se em sociedade da comunicação – , e a própria informação sedegrada. O saber transforma-se em mercadoria, o conhecimento livre transforma-se em bem apropriável. É cada vez mais objeto de direitos de exclusivo, que sãoos direitos intelectuais. Estes, por sua vez, são cada vez mais dissociados dosaspectos pessoais para serem considerados meros atributos patrimoniais, posiçõesde vantagem na vida econômica. A mercantilização geral do direito intelectual éum fato. E uma manifestação flagrante está no fato de a entidade que é hojedecisiva na disciplina dos direitos intelectuais não ser nem a Unesco nem a
OMPI, mas a Organização Mundial do Comércio – e isso, tanto no que se refereao direito de autor e ao direito da informática, quanto aos direitos industriais. Sãoantes de mais nada objeto do comércio internacional.26
Especificamente com relação a frenética circulação de obras
intelectuais é de grande valia apontar as reflexões do sociólogo alemão
Walter Benjamin. Este autor com perspicácia particular atribui esta
revolução cultural ao advento da reprodutibilidade técnica destes bens
imateriais. Hoje pode soar bastante estarrecedor, mas há menos dois séculos
a reprodução de obras intelectuais era apenas uma possibilidade bastante
remota do que atualmente se apresenta.
Por princípio a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os homens tinhamfeito sempre pôde ser imitado por homens. Tal imitação foi também exercitada por alunos para praticarem a arte, por mestres para divulgação das obras e,finalmente, por terceiros ávidos de lucro. Em contraposição a isto, a reproduçãotécnica da obra de arte é algo de novo que se vai impondo, intermitentemente nahistória, em fases muito distanciadas umas das outras, mas com crescente
26 ASCENSÃO, José de Oliveira. Sociedade de informação e Mundo globalizado p.11. Disponívelem http://www.apdi.pt/pdf/GLOBSOCI.pdf. Acesso em 20 mai 2015.
http://www.apdi.pt/pdf/GLOBSOCI.pdfhttp://www.apdi.pt/pdf/GLOBSOCI.pdf
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intensidade. Os Gregos conheciam apenas dois processos de reprodução técnicade obras de arte: a fundição e a cunhagem. Bronzes, terracotas e moedas eram asúnicas obras de arte que podiam produzir em massa. Todas as outras eram únicase não podiam ser reproduzidas tecnicamente. As artes gráficas foramreproduzidas pela primeira vez com a xilogravura e passou longo tempo até que, pela impressão, também a escrita fosse reproduzida. São conhecidas as enormesalterações que a impressão, a reprodutibilidade técnica da escrita, provocou naliteratura. Mas à escala mundial, tais modificações são apenas um caso particular,ainda que extraordinariamente importante do fenômeno que aqui se observa.27
O fluxo informacional decorrente do super desenvolvimento das
formas de produção e em especial de reprodução de bens imateriais, em
certo sentido pode ultrapassar a própria capacidade de apreensão do ser
humano. A monitoração de um infinito de informações é tarefa das mais
complexas e de crucial importância somente possível aossupercomputadores de empresas como Google, Facebook, Microsoft e
outras. O domínio e conhecimento aprofundado desse fluxo de informações
inclusive se apresenta como uma ferramenta econômica de incrível
magnitude.
Como não poderia deixar de ser, existe também uma série de
empresas especializadas em mensurar este gênero de dados especificamente
sobre a indústria do entretenimento. Aproveitando a disponibilidade dessas
informações, no ano de 2014, por exemplo, foram registrados
impressionantes 439,69 bilhões de plays de música somente nos serviços de
streaming Spotify, Youtube, Vevo, Soundcloud, Vimeo e Rdio. Um aumento
de 95% em relação à 2013 e 363% em relação à 2012.
(https://www.nextbigsound.com/industryreport/2014). Verifica-se assim um
evidente crescimento e importância alcançada pelo serviço de streaming noconsumo musical, que representando uma fatia de 23% do mercado
27
BENJAMIN, Walter. A obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica. Disponível em:http://ideafixa.com/wpcontent/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdf . Acesso em 10 mai 2015.
https://www.nextbigsound.com/industryreport/2014https://www.nextbigsound.com/industryreport/2014https://www.nextbigsound.com/industryreport/2014http://ideafixa.com/wpcontent/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttp://ideafixa.com/wpcontent/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttp://ideafixa.com/wpcontent/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttp://ideafixa.com/wpcontent/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttp://ideafixa.com/wpcontent/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttps://www.nextbigsound.com/industryreport/2014
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global28, tende inclusive a desbancar a vendas digitais de música na
internet29,
"A sinergia entre o mercado de streaming, as operadoras de telefonia móvel e o
uso crescente de smartphones com acesso à Internet criam condições mais do quefavoráveis para que este setor continue crescendo significativamente", disse PauloRosa, presidente da ABPD.
Ainda a este respeito observe-se o quadro abaixo que dá alguns
exemplos do quanto de conteúdo é gerado na internet em 60 segundos. Em
relação ao universo musical especificamente perceba-se: 15 mil músicas são
baixadas do iTunes, 14 músicas são enviadas ao Spotify (serviço de rádio
digital) e 72 horas de vídeo são enviadas ao YouTube.
28 Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/musica/assinaturas-de-streaming-de-musica-
crescem-39-ja-representam-23-do-mercado-digital-global-15866702. Acesso em 15 mai 2015. 29 Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/musica/numero-de-vendas-de-musicas-pela-internet-caiu-15-em-2014-14953736. Acesso em 20 mai 2015.
http://oglobo.globo.com/cultura/musica/assinaturas-de-streaming-de-musica-crescem-39-ja-representam-23-do-mercado-digital-global-15866702http://oglobo.globo.com/cultura/musica/assinaturas-de-streaming-de-musica-crescem-39-ja-representam-23-do-mercado-digital-global-15866702http://oglobo.globo.com/cultura/musica/numero-de-vendas-de-musicas-pela-internet-caiu-15-em-2014-14953736http://oglobo.globo.com/cultura/musica/numero-de-vendas-de-musicas-pela-internet-caiu-15-em-2014-14953736http://oglobo.globo.com/cultura/musica/numero-de-vendas-de-musicas-pela-internet-caiu-15-em-2014-14953736http://oglobo.globo.com/cultura/musica/numero-de-vendas-de-musicas-pela-internet-caiu-15-em-2014-14953736http://oglobo.globo.com/cultura/musica/assinaturas-de-streaming-de-musica-crescem-39-ja-representam-23-do-mercado-digital-global-15866702http://oglobo.globo.com/cultura/musica/assinaturas-de-streaming-de-musica-crescem-39-ja-representam-23-do-mercado-digital-global-15866702
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A consequência natural deste fenômeno31 é que diante de um
consumo e produção musical cada vez maiores e mais dinâmicos, cada
autor/compositor se torna ainda mais suscetível a se utilizar de suas
inúmeras e crescentes influências musicais para compor sua própria obra. É
30 What Happens Online in 60 Seconds in 2013. Disponível em: http://laughingsquid.com/what-happens-online-in-60-seconds-in-2013/. Acesso em 16 jun. 2014. 31 E a tendência é que se aumente cada vez mais. ―Demorou 32 anos — de 1984 a 2016 — paraque se gerasse o primeiro zettabyte de tráfego IP anualmente. No entanto, como mostram as
previsões deste ano do Visual Networking Index, demorará apenas mais três anos para alcançar omarco do próximo zettabyte, quando haverá mais de 2 zettabytes de tráfego IP por ano até 2019‖,disse o vice-presidente de produtos de provedores de serviços e soluções de marketing da Cisco,
Doug Webster. Leia mais sobre esse assunto. Disponível em:http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/trafego-internet-global-triplicara-entre-2014-2019-diz-cisco-16284634#ixzz3bSYSfcZQ. Acesso em 15 mar 2015.
http://laughingsquid.com/what-happens-online-in-60-seconds-in-2013/http://laughingsquid.com/what-happens-online-in-60-seconds-in-2013/http://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/trafego-internet-global-triplicara-entre-2014-2019-diz-cisco-16284634#ixzz3bSYSfcZQhttp://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/trafego-internet-global-triplicara-entre-2014-2019-diz-cisco-16284634#ixzz3bSYSfcZQhttp://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/trafego-internet-global-triplicara-entre-2014-2019-diz-cisco-16284634#ixzz3bSYSfcZQhttp://oglobo.globo.com/sociedade/tecnologia/trafego-internet-global-triplicara-entre-2014-2019-diz-cisco-16284634#ixzz3bSYSfcZQhttp://laughingsquid.com/what-happens-online-in-60-seconds-in-2013/http://laughingsquid.com/what-happens-online-in-60-seconds-in-2013/
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justamente essa imensa permeabilidade criativa que vem contribuindo para
o surgimento veloz de novos estilos musicais e sonoridades.
Para clarificar um pouco o que se pretende demonstrar, uma rápida
busca na internet permite verificar a profusão de novos gêneros musicais
com inúmeras vertentes e diversificações. É o caso do Tecnobrega32 ,
surgido em Belém-PA. Um estilo marcado pela
[...]fusão da tradicional música brega com a música eletrônica, tendo, portanto, atecnologia como um elemento fundamental. Deriva de ritmoscomo Carimbó, Siriá, Lundu e outros gêneros populares como o calypso eguitarradas, incorporando sintetizadores e batidas eletrônicas.33
O surgimento de novas sonoridades pode ocorrer de forma tão rápidaque categorizar estes ―novos sons‖ pode se mostrar bastante difícil. Em
alguns casos essa dificuldade pode inclusive ser um sinal que o ouvinte está
diante de algo inovador. Sobre este desafio de classificação, em um site
especializado no universo musical é possível encontrar:
[...] A facilidade bateu a porta de qualquer um, desde a produção pelos softwaresmais acessíveis quanto a possibilidade de espalhar um EP para o mundo todo. É
tanta criatividade explodindo, tantas possibilidades de música vindo de tantascabeças diferentes, tantas influências distintas, que chegamos a um problema quemuitos podem já ter tido. Como categorizar essa banda? Essa música é quegênero? Isso é Rock ou Indie? Isso é R&B ou Neo Soul? Uk Garage ou FutureGarage? Isso é Deep House ou Tech House?
[...] Os gêneros e subgêneros do mesmo estilo se conflitam pela necessidade demastigar influências para formação de uma nova criação. O ímpeto pelo sucessoou mesmo pela existência de novas influências faz com que alguns "pré-requisitos" sejam deixados para trás. Junto com isso, deve-se deixar também suaantiga categorização. Acredito que haja um lugar para o que os artistas que eucitei no parágrafo anterior (e vários outros não mencionados) produzem, mas
enquanto isso não foi oficializado - para manter a sanidade e educação musicaldas próximas gerações -, vamos manter longe do que, um dia, teve muito suor,estudo e referência para ser criado.34
32 São variações do Tecnobrega, o Cybertecnobrega, o Bregamellody e o Eletromellody. Muitomais sobre esse curioso gênero musical pode ser encontrado no livro de LEMOS, Ronaldo Castro;Oona. Tecnobrega: o Pará reinventando o negócio da música. Rio de Janeiro: Aeroplano,2008. 33 A busca por novas sonoridades pode ser feita de forma mais organizada e deliberada. Foi
justamente o que ocorreu com o chamado Estúdio Coca-Cola , iniciativa desta grande empresa juntamente com a MTV que promovia encontros musicais inusitados. Marcelo D2 e Lenine, Skanke Nação Zumbi, Banda Calypso e Paralamas do Sucesso são apenas alguns exemplos dessas
parcerias que tinham como objetivo principal a união e a celebração das diferenças. Disponível
em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Tecnobrega. Acesso 20 mai 2015. 34 Disponível em: http://monkeybuzz.com.br/artigos/7265/novos-generos-sem-nome-na-musica-atual/. Acesso em 20 mai 2015.
http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica_bregahttp://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica_eletr%C3%B4nicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Carimb%C3%B3http://pt.wikipedia.org/wiki/Siri%C3%A1http://pt.wikipedia.org/wiki/Lunduhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Brega_Pophttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sintetizadorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Tecnobregahttp://monkeybuzz.com.br/artigos/7265/novos-generos-sem-nome-na-musica-atual/http://monkeybuzz.com.br/artigos/7265/novos-generos-sem-nome-na-musica-atual/http://monkeybuzz.com.br/artigos/7265/novos-generos-sem-nome-na-musica-atual/http://monkeybuzz.com.br/artigos/7265/novos-generos-sem-nome-na-musica-atual/http://pt.wikipedia.org/wiki/Tecnobregahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Sintetizadorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Brega_Pophttp://pt.wikipedia.org/wiki/Lunduhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Siri%C3%A1http://pt.wikipedia.org/wiki/Carimb%C3%B3http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica_eletr%C3%B4nicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%BAsica_brega
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Por um lado se pode afirmar a existência de uma rápida circulação e
grande consumo de conteúdo musical, o que tem proporcionado a profusão
cultural e o surgimento de novos estilos sonoros, cuja classificação sequer
pode ser feita. Todavia há também o que evidencia um processo inverso. Éo que defende Theodor Adorno em Indústria Cultural e Sociedade ao
afirmar que a estandardização de produtos culturais não está relacionada ao
necessário atendimento da demanda de milhões de consumidores, mas sim e
inversamente a lógica planificadora da economia de mercado.
Os pormenores tornaram-se fungíveis. A breve sucessão de intervalos que semostrou eficaz em um sucesso musical, o vexame temporário do herói, por ele
esportivamente aceito, os saudáveis tapas que a bela recebe da mão pesada doastro, sua rudeza com a herdeira viciada são, como todos os pormenores e clichês,salpicados aqui e ali, sendo cada vez subordinados à finalidade que o esquemalhes atribui. Estão ali para confirmar o esquema, ao mesmo tempo em que ocompõem. Desde o começo é possível perceber como terminará um filme, quemserá recompensado, punido ou esquecido; para não falar da música leve em que oouvido acostumado consegue, desde os primeiros acordes, adivinhar acontinuação, e sentir-se feliz quando ela ocorre. O número médio de palavras da
short-story é aquele e não se pode mudar.35
Os produtos e serviços cujo valor principal reside nas informações e expressõesrepresentam, atualmente, parte substancial do comércio doméstico e
internacional. Em curso, este processo de mudança social, econômica e também política coloca a informação baseada em conhecimento em um papel central eapresenta duas tendências conflitantes, representando a liberdade e controle. Deum lado, a promessa de um espaço descentralizado e público de interação, nãosubmetido às hegemonias estatais e comerciais, com potencial para libertar odiscurso público e as expressões das amarras estruturais anteriores à difusão datecnologia digital. Por outro lado, uma tendência em direção a uma maiorcomercialização, comodificação e apropriação dos sistemas de informação eexpressão, conduz à subordinação da discricionariedade artística e editorial àsestratégias corporativas e demandas dos investidores. 36
Não é difícil comprovar assim, a exemplo do que ocorre com muitos
produtos culturais, a intensa circulação de conteúdo musical bastante
homogêneo. No mercado brasileiro é o que ocorre com poderosa audiência
de muito dos hits do Sertanejo Universitário, do funk melody e também do
funk ostentação. Apenas para se ter uma melhor dimensão do que se quer
35 ADORNO, Theodor W., 1903-1969. Indústria cultural e sociedade. Seleção de textos: Jorge M.B. de Almeida, [Tradução: Julia Elisabeth Levy .. [et. al]. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
36 DE SOUZA, Allan Rocha. Os direitos culturais e as obras audiovisuais cinematográficas: entrea proteção e o acesso. Rio de janeiro: UERJ, 2010. pp.38-39.
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evidenciar observe-se abaixo uma lista elaborada a partir de pesquisa direta
no Youtube. Estão ali discriminados os vídeos de conteúdo musical
brasileiro mais vistos na história do provedor. Desta lista, apenas três
músicas não estariam inseridas no universo do Sertanejo Universitário,sendo importante destacar ainda a presença repetida de alguns artistas neste
empírico levantamento37.
Michel Teló – Ai Se Eu Te Pego – 632.983.840 visualizações
Luan Santana – Tudo que você quiser – 104.665.377
Anitta – Show das Poderosas – 102.535.327
Henrique e Juliano – Cuida Bem Dela – 86.269.928 Henrique e Juliano – Até Você Voltar – 85.494.757
Marcos e Belutti – Domingo de Manhã – 75.941.667
Michel Teló – Fugidinha – 69.019.711
Lucas Lucco – Mozão – 67.149.377
Mc Guime – Plaque de 100 – 58.602.645
Gustavo Lima – Balada – 57.963.881
Pollo – Vagalumes – 57.678.889
Gustavo Lima – Diz Pra Mim – 54.626.799
Diante deste cenário ¸ a despeito do empirismo desta pesquisa, é
razoável considerar a existência de uma tendência de homogeneização
musical. E retomando o pensamento de Walter Benjamin seria possível
confirmar, diante do status quo, uma outra perspectiva da reprodutibilidade
técnica apontada por este autor. Na sociedade contemporânea não estaria
verificada apenas a capacidade elevada de reprodução de uma obra
intelectual em si, mas também, e em larga escala, a replicação deliberada do
conteúdo desta.
37 A este respeito: Disponível em: http://g1.globo.com/musica/noticia/2015/05/top-10-de-musica-
do-youtube-tem-bieber-anitta-e-luan-santana-veja.html. Acesso em 12 mar 2015; Diponível em:http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1629983-musica-domina-videos-mais-vistos-no-youtube-no-brasil.shtml. Acesso em 12 mar 2015.
http://g1.globo.com/musica/noticia/2015/05/top-10-de-musica-do-youtube-tem-bieber-anitta-e-luan-santana-veja.htmlhttp://g1.globo.com/musica/noticia/2015/05/top-10-de-musica-do-youtube-tem-bieber-anitta-e-luan-santana-veja.htmlhttp://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1629983-musica-domina-videos-mais-vistos-no-youtube-no-brasil.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1629983-musica-domina-videos-mais-vistos-no-youtube-no-brasil.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1629983-musica-domina-videos-mais-vistos-no-youtube-no-brasil.shtmlhttp://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1629983-musica-domina-videos-mais-vistos-no-youtube-no-brasil.shtmlhttp://g1.globo.com/musica/noticia/2015/05/top-10-de-musica-do-youtube-tem-bieber-anitta-e-luan-santana-veja.htmlhttp://g1.globo.com/musica/noticia/2015/05/top-10-de-musica-do-youtube-tem-bieber-anitta-e-luan-santana-veja.html
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Pode resumir-se essa falta no conceito de aura e dizer: o que murcha na era dareprodutibilidade da obra de arte é a sua aura. O processo é sintomático, o seusignificado ultrapassa o domínio da arte. Poderia caracterizar-se a técnica dereprodução dizendo que liberta o objecto reproduzido do domínio da tradição. Aomultiplicar o reproduzido, coloca no lugar de ocorrência única a ocorrência emmassa. Na medida em que permite à reprodução ir ao encontro de quem apreende,actualiza o reproduzido em cada uma das suas situações. Ambos os processos provocam um profundo abalo do reproduzido, um abalo da tradição que é oreverso da crise actual e a renovação da humanidade.38
Não é de se estranhar, portanto, que muitas das músicas relacionadas
acima tenham conteúdo muitíssimo similar. Isto é, a harmonia, as frases
melódicas, o ritmo, o arranjo musical, a temática e mesmo a produção dos
shows e vídeo clipes de tais obras musicais se situam em lugar muito
parecido, para não dizer igual. Essa planificação se deve tanto ao adventoda reprodutibilidade técnica, ao dirigismo dos grandes empresariados de
conteúdo musical, e a fácil condução da preferência dos consumidores.
Parece razoável considerar que boa parte destes estão sempre escutando e
privilegiando mais do mesmo, isto pelo menos é o que os números acima
podem sugerir.
Nem tudo está perdido, pois como já se pretendeu demonstrar acima,
há além de um movimento de massificação, uma razoável energia de
diversificação cultural, ambos processos desencadeados pelo advento da
reprodutibilidade técnica. Portanto o ponto de vista que se revela mais
adequado para compreensão desse complexo fenômeno de circulação,
produção e comunicação cultural intensos, deve levar em conta esta
ambiguidade. É o que sugere Allan Rocha analisando estudiosos sobre o
tema.
Este emergente modelo de comunicação exprime uma proximidade com areflexividade39, elemento fundamental para a decisão individual e construção daexperiência subjetiva contemporânea, em que, dispostos ao mesmo tempo a umsem número de receptores, os conteúdos são contextualizados, compreendidos,
38 BENJAMIN, Walter. A obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica. Disponível em:http://ideafixa.com/wp-content/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdf. Acesso em 20 mai 2015.
39 [NO] GIDDENS, Anthony. The consequences of modernity. Califórnia: Stanford University Press,1990, p. 36 e ss.
http://ideafixa.com/wp-content/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttp://ideafixa.com/wp-content/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttp://ideafixa.com/wp-content/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdfhttp://ideafixa.com/wp-content/uploads/2008/10/texto_wbenjamim_a_arte_na_era_da_reprodutibilidade_tecnica.pdf
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absorvidos ou rejeitados a partir das relações em rede estabelecidas pelosdestinatários.40
A internacionalização da comunicação reforça as preocupações com a cultura. Oresultado pode conduzir a conformação de identidades culturais refugiadas, emuma rejeição do outro dominante, ou em identidades culturais relacionais, que
indicam a capacidade de gerir simultaneamente as identidades particulares e suasinterações com a comunidade internacional. Na medida em que a construção dasubjetividade deriva das experiências individuais dos sujeitos, a preocupação emassegurar, em uma sociedade complexa e multicultural, a possibilidade deexperiências culturais diversificadas torna-se prioritária.41
Essa dicotomia vem apenas ajudar a relembrar que a realidade é
sempre mais complexa do que parece. Não há como negar a existência de
uma lógica de estandardização do consumo cultural impulsionada pelas
grandes empresas do entretenimento. Uma diretriz que visa a cultivar nosconsumidores os símbolos e significados propícios ao melhor rendimento
deste negócio. Em sentido contrário, também não há como ignorar a
individualidade e as diversas preferências dos demandantes, que integrando
esta cadeia produtiva cultural, podem e devem levar a sua modificação
conforme variarem suas afinidades e interesses.
Diante da manifesta existência de representações culturais bastante
homogêneas e ao mesmo tempo de outras um tanto quanto singulares,
poderão os potenciais autores se apropriar dos componentes destas ou
daquelas na mesma medida? É este o desafio que se coloca e que a seguir
se pretenderá apresentar.
Aqui se defenderá que o compositor pode e deve servir-se
amplamente de quaisquer que sejam suas influências, sejam estas
especificamente musicais ou não. É claro que deve haver um cuidado
especial quanto da apropriação de obras musicais por inteiro, de parte
significativa destas ou mesmo de seus pequenos trechos revestidos de um
elevado potencial de identificação da composição como um todo. E este
cuidado deve ser ainda maior no caso de apropriação de elementos
40
DE SOUZA, Allan Rocha. Os direitos culturais e as obras audiovisuais cinematográficas: entrea proteção e o acesso. Rio de janeiro: UERJ, 2010. p. 45. 41 Ibid. p. 46.
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provenientes de gêneros musicais que em geral apresentam composições
com considerável originalidade. Entretanto, como será melhor explorado no
último capítulo, esta cautela não pode constituir uma norma absoluta a ser
seguida. Caso contrário a criatividade estaria sendo aprisionada porqueinstitucionalizada de antemão como regra, a mera possibilidade de lesão ao
direito autoral de outrem.
Esse posicionamento se justifica porque uma limitação a priori à
utilização de insumos42 das diversas criações imateriais não pode ser
tutelada na sociedade contemporânea. Embora alguns destes sejam
singulares no universo cultural pré-existente e mereçam a devida proteçãolegal, representam apenas a exceção em um oceano de possibilidades. A
atividade criativa intelectual de alto nível, por vezes tão rara, não pode
encontrar na legislação mais uma dificuldade a impedir o seu florescimento.
E então, apresentado este panorama geral e atual sobre uma perspectiva da
produção cultural, deve-se analisar agora como os elementos musicais se
inserem neste cenário repleto de tendências paradoxais. Com esse objetivo
observe-se a seguir uma exposição técnica sobre a música e também de seuscontornos jurídicos pois não há como prosseguir neste estudo sem antes
analisá-los
42 Insumo aqui adquire o significado de elementos musicais em separado, mas não de uma obramusical por inteiro.
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3. A música e seus elementos:
A música é um dos integrantes mais significativos do universocultural e vem passando por inúmeras modificações nas ultimas décadas,
especialmente por conta do desenvolvimento tecnológico na sua forma de
produção e consumo como apontado no capítulo anterior. Analisando-o
agora sobre outra perspectiva, de início faz-se mister discorrer brevemente
sobre seu conceito teórico básico, para posterior abordagem dos seus
elementos constitutivos bem como dos seus contornos jurídicos.
Para uma definição técnica do fenômeno musical elaborada por
Philip Tagg (2002, p.3), tem-se que: ―A música é uma forma de
comunicação inter-humana organizada racionalmente, onde o som não
verbal é percebido primeiramente como veiculação de padrões emocionais
e/ou corporais de cognição‖43. Buscando apresentar uma outra definição
teórica possível e igualmente acessível ao homem médio, pode-se afirmar
que a música é uma combinação encadeada sons e silêncios num espaço detempo. Um conceito simples, que certamente não deixa transparecer a
complexidade de se pode revestir a mais simples das canções de ninar, mas
razoável porque suficiente ao presente estudo.
Deste encadeamento lógico e simultâneo destacam-se três elementos
fundamentais: a melodia, o ritmo e a harmonia. A melodia é o que dá
sentido musical a uma obra. Diante de uma música qualquer, basta que seassobie a mesma e muito provavelmente o que se obterá será a sua melodia.
Esta, composta pelas 12 notas musicais (Dó, Dó sustenido ou Ré Bemol,
Ré, Ré sustenido ou Mi bemol Mi, Fá, Fá sustenido ou Sol bemol, Sol, Sol
sustenido ou Lá bemol, Lá, Lá sustenido ou Si bemol e Si), que se sucedem
43 TAGG, Philip. Towards a definition of “music”. Taken from provisional course text ―A Short
Prehistory of Popular Music‖ Institute of Popular Music, University of Liverpool, feb./mar. 2002.Disponível em: http://www.tagg.org/teaching/musdef.pdf. Acesso em: 31 mar. 2011 Apud ROCHA, Fabíola Bortolozo do Carmo. Ver. SJRJ, Rio de Janeiro, v.18, n. 30, p. 31, abr. 2011.
http://www.tagg.org/teaching/musdef.pdfhttp://www.tagg.org/teaching/musdef.pdf
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didática a seguir visa facilitar a compreensão da mencionada previsão legal
para cada um desses elementos.
O ritmo48 é a ―sensação determinada pelas relações de duração
relativa, seja de diferentes sons consecutivos, seja de diversas repercussões
ou repetições de um mesmo som ou de um mesmo ruído‖ e ainda ―é a
relação entre a duração de cada som, acrescenta Le Tarnec, mas pode
resultar também da intensidade, das diferenças de acentuações entre as
diferentes notas.‖ Este elemento pode e deve ser visto muito mais como
uma ideia do que propriamente uma expressão intelectual. Isto é o que se
pode perceber pelas próprias definições expostas que se apoiam não em umconceito determinado mas sim em uma relação matemático-temporal49. Por
isso o ritmo não pode ser considerado perante a lei como obra autônoma,
mas sim como uma organização mental apta a ordenar a composição e
execução musical conforme disposto no Art. 8º, I e II50 da Lei nº 9.610/98.
Sejam ritmos novos, sejam aqueles já existente estes poderão ser utilizados
livre e amplamente pelos autores.
A harmonia por sua vez ―decorre da imagem simultânea de várias
melodias em concurso: Veste a melodia, guarnece-a, enriquece-a‖ diz
Antonio Chaves citando Henri Desbois51. Este elemento pode ser
considerado o tecido sobre o qual se apoiam os outros. Para uma dada
música existirá sempre um ou alguns campos harmônicos52 determinados e
48 DUNANT, Philippe. Du Droit des compositeurs de musique. Genéve, 1892, p.47 In CHAVES,
Antonio, Direito de Autor nas Obras Musicais p, 145. Revista de informação legislativa, v. 11, n.42, pp. 143-154, abr./jun. 1974. Disponível em http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/180627. Acesso em 15 mai 2015. 49 Por esse motivo se pode dizer que o ritmo é representado por frações que determinamandamento musical, 4/4, 4/2, 4/8, 2/4, 3/1 etc. 50 Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:I - as ideias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticoscomo tais; II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios; 51 DESBOIS, Henri. Le Droit d´Auteur em France. 2ª ed. Dalloz, Pais, 1966, pp. 115-137 InAntonio Chaves, Direito de Autor nas Obras Musicais p.145- Revista de informação legislativa, v.11, n. 42, pp. 143-154, abr./jun. 1974. Disponível emhttp://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/180627. Acesso em 15 mai 2015. 52
―Campo harmônico(
português brasileiro)
ou Campo harmónico(
português europeu)
é o conjuntode acordes formado a partir das notas de uma determinada escala. Esses acordes são extraídos deuma das quatro escalas estruturais: a maior, a menor, a menor harmônica e a menor melódica.
http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/180627http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/180627http://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_brasileirohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_brasileirohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_brasileirohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_europeuhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_europeuhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_europeuhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Acordehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_musicalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_musicalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_maiorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_menorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_menor_harm%C3%B4nicahttp://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Escala_menor_mel%C3%B3dica&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Escala_menor_mel%C3%B3dica&action=edit&redlink=1http://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_menor_harm%C3%B4nicahttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_menorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_maiorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_musicalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_musicalhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Acordehttp://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_europeuhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Portugu%C3%AAs_brasileirohttp://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/180627http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/180627
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dentro destes haverá um número limitado de combinações de acordes, que
uma vez selecionados53 pelo compositor, representarão em conjunto a
harmonia musical. Tendo em vista essa limitação de combinações possíveis,
em geral, na música popular, não se poderá dizer que este elemento musical por si só merecerá proteção legal. Ele é ―tão esperto que não tem dono‖ 54 e
isto se verifica não porque não queiram alguns obter o direito exclusivo
sobre o mesmo, ele é que não se deixa apropriar.
A título de exemplificação poderíamos citar duas composições famosas namúsica popular brasileira: "Esse teu olhar", de Tom Jobim e "Promessas" domesmo renomado compositor. Apesar de idênticas em sua harmonia ocorre perfeita distinção a nível melódico, o que as caracteriza como obras originárias
autônomas, cada qual absolutamente original.55
A existência de harmonias iguais em obras musicais distintas é mais
do que comum e isso não retira a singularidade destas. Por outro lado
desejar obter o direito de exclusiva sobre uma determinada construção
harmônica seria o mesmo que querer se apropriar de um punhado específico
de areia da praia para posterior tentativa de manufatura de um vidro de
murano56 . Ora, areia existe em abundância e não é aquele ou outro monte
deste insumo que determinará a formação de um vidro diferenciado, mas
sim a técnica que se aplica nesta transformação. Pois bem, a técnica que
permite a construção de uma harmonia musical não pertence a um ou outro
compositor mas a todos estes. Por isso não se pode considerar ilícita aquela
Também pode ser chamado de estrutura tonal visto que o desenvolvimento da harmonia está
inteiramente ligado ao aparecimento e desenvolvimento do conceito de tonalidade‖ Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Campo_harm%C3%B4nico. Acesso em 20 mai 2015. 53 Aqui deve-se ter como pressuposto que o compositor iniciou a composição a partir de suaharmonia. Sendo certo que, se ele iniciá-la a partir da melodia, a harmonia estará pré determinada. 54 Frase de Hermeto Pascoal – MORAES, Rodrigo. Os Direitos Morais do Autor:
Repersonalizando o Direito Autoral . Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008 p. 80 - O respeitadocompositor e multi-instrumentista Hermeto Pascoal equivocou-se numa declaração feita ao
jornalista e músico Luciano Aguiar. Para ocorrer plágio não é preciso a existência de um númeromínimo de compassos iguais. A LDA-98 não diz nada a esse respeito. Eis a afirmação do ilustremestre: ―A harmonia é tão esperta que não tem dono. Na lei, tem aquela coisa da contagem doscompassos.‖ (A TARDE, Salvador, Caderno 2, 22 jan. 2004, p. 4). 55 COSTA NETTO, José Carlos. Os direitos de autor e os que lhes são conexos na obramusical. Dissertação para pós-graduação em direito civil, em nível de mestrado. Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo. 1985. p. 41 56 Artesanatos em vidro feito com uma técnica especial. Disponível em:http://www.infoescola.com/artes/vidro-de-murano/. Acesso 15 mai 2015.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Campo_harm%C3%B4nicohttp://www.infoescola.com/artes/vidro-de-murano/http://www.infoescola.com/artes/vidro-de-murano/http://pt.wikipedia.org/wiki/Campo_harm%C3%B4nico
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harmonia que fruto de uma técnica e insumo comuns a todos acaba por
imitar a outra.
Por isso, não se pode levar em conta a harmonia, se é ou não igual. Geralmente, o
grande número de composições populares é feito por pessoas que desconhecemos princípios elementares da música, incapazes de reconhecer uma só nota na pauta. O plágio evidencia-se através da melodia que ainda é, e dificilmentedeixará de ser, o suporte de interesse da música, ao menos para o povo. 57
Tudo isso exposto, a harmonia musical deve ser interpretada
legalmente como um sistema ou esquema musical, definições também
dispostas no Art. 8, I e II da Lei nº 9610/98 em que não é conferida a
proteção autoral. Não é por outro motivo que aquelas já existentes podem (e
comumente são) ser utilizadas livremente no processo de composição
musical.
Se a harmonia representa o tecido musical, a melodia pode ser
considerada o bordado que sobre ele se desenha. Este é sem dúvida o
elemento musical mais sensível pois se apresenta geralmente em alto relevo
para a audição. Sem grandes problemas pode-se afirmar que é justamente
ela que ajudará a curar a dores de quem sofre, dará aqueles que amam mais
amores e aos que precisam mais paz no coração. Os afetos segundo os
quais determinado ouvinte interpretará as notas musicais que se lhe
apresentam tendem a ser os mais naturais possíveis, posto que a melodia
não precisa ser traduzida e , em termos fisiológicos, ela é naturalmente
absorvida por qualquer sujeito58. Para sua construção o compositor deve
escolher dentre infinitas justaposições sonoras possíveis, uma que
57 ABREU, Edman A. O plágio em Música. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 117. 58 Não se pretende defender aqui que um aborígene australiano interpretará uma melodia de
Mozart como o fará um aristocrata austríaco. O que se quer evidenciar, por outro lado, é que amelodia, tida como elemento musical mais representativo, não dependerá do prévio conhecimento
de símbolos específicos por aqueles que a escutam para ser assimilada. E talvez seja justamente por esse motivo que a probabilidade destes indivíduos serem tomados por emoções semelhantes aoescutar, por exemplo, uma peça de suspense do mencionado compositor.
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represente o seu ânimo criativo pois ―Só há cinco notas musicais, mas quem
jamais ouviu todas as melodias que podem resultar de sua combinação?‖59
Mais um instante de reflexão revela as divergências essenciais: não somente as
obras musicais destinam-se a ser executadas, enquanto que somente as obrasdramáticas têm a mesma vo