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CLAacuteUDIA DYBAS DA NATIVIDADE
ASSIMETRIAS DE PODER NOS REGIMES INTERNACIONAIS - AS
NOVAS MODALIDADES DE COOPERACcedilAtildeO INTERNACIONAL AO
DESENVOLVIMENTO (AJUDA MULTIBILATERAL
CONDICIONALIDADE DA AJUDA E COOPERACcedilAtildeO
DESCENTRALIZADA)
Dissertaccedilatildeo de Mestrado Orientador Prof Dr Rafael Villa
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANAacute Departamento de Sociologia
2003
UFPRUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANAacuteSETO R DE CIEcircNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTESPROGRAMA DE POacuteS GRADUACcedilAtildeO EM SOCIOLOGIARua General Carneiro 460 - 9o andar-sala 907 Fone e fax 360-5173
PARECER
Os Membros da Comissatildeo Examinadora designada pelo Colegiado do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sociologia para realizar a arguumliccedilatildeo da Dissertaccedilatildeo da aluna CLAacuteUDIA DYBAS DA NATIVIDADE sob o tiacutetulo ldquoASSIMETRIAS DE PODER NOS REGIMES INTERNACIONAIS as novas modalidades de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (ajuda multibiiateraiacute condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada)rdquo para obtenccedilatildeo do Tiacutetulo de Mestre emS o c i o l o g i a a candidata com conceito ldquo 7X sendo-lhe conferidos os creacuteditos previstos na regulamentaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sociologia completando assim todos os requisitos necessaacuterios para receber o Tiacutetulo de Mestre
Curitiba 18 de agosto de 2003
AGRADECIMENTOS
Escrevendo este trabalho contraiacute muitas diacutevidas de gratidatildeo Em primeiro lugar essa
gratidatildeo se dirige ao prof Dr Rafael Villa pelo apoio e confianccedila dedicados e pelo rigor
cientiacutefico com que contribuiu para a realizaccedilatildeo desse estudo
Tambeacutem gostaria de agradecer especialmente aos profs Drs Maacuterio Fuks e Nelson
Rosaacuterio de Souza pelas apropriadas consideraccedilotildees feitas na primeira leitura deste trabalho
Outro agradecimento especial deve ser feito ao prof Joseacute Miguel Rasia pelo apoio
institucional e pela ininterrupta e produtiva circulaccedilatildeo de ideacuteias que consegue promover em
suas aulas
Estendo tambeacutem meus agradecimentos aos demais professores do mestrado de
ciecircncias poliacuteticas e do mestrado em ciecircncias sociais aos quais minhas diacutevidas de gratidatildeo
seratildeo eternas O mesmo posso dizer aos funcionaacuterios do curso de mestrado que atenderam
sempre com gentileza e eficiecircncia todas as minhas inuacutemeras solicitaccedilotildees
Natildeo posso deixar de expressar minha gratidatildeo aos colegas do mestrado Claacuteudio
Gisele Lena Rita Wagner e Ivana Oacutetimos amigos
Gostaria particularmente de agradecer ao CNPq por ter proporcionada a realizaccedilatildeo
desse trabalho
Enfim e sobretudo agradeccedilo a minha famiacutelia Marcos Pedro e Leonor os quais por
muito tempo aceitaram a minha ausecircncia e me deram o suporte necessaacuterio para conseguir
cumprir este trabalho
SIGLAS UTILIZADAS
CAD - Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento
CEE - Comunidade Econocircmica Europeacuteia
FED - Fundo Europeu de Desenvolvimento
ECOSOC - Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas
OCDE - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico
PNUD - Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
PVD - Paiacuteses em Vias de Desenvolvimento
ODA - Ajuda Oficial ao Desenvolvimento
FM I - Fundo Monetaacuterio Internacional
RESUMO
O objetivo deste trabalho eacute realizar um estudo sobre as assimetrias de poder entre
atores do Norte (desenvolvidos) e do Sul do Mundo (em vias de desenvolvimento) no
regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Buscaremos entender como as
novas modalidades de alocaccedilatildeo administraccedilatildeo e repasse dos fluxos da ajuda oficial ao
desenvolvimento (ODA) ou seja a ajuda multibilateral a condicionalidade da ajuda e a
cooperaccedilatildeo descentralizada foram inseridas como puniccedilotildees sistecircmicas e constrangimentos
aos atores desavantajados a partir do iniacutecio dos anos setenta
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO
Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema1
CAPIacuteTULO I
A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS
O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional11Regimes internacionais16Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional 23
Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional 26
CAPIacuteTULO nA AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO
As foacutermulas multibilaterias como puniccedilatildeo29A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas35As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD 38Foacutermulas multibilaterias custos divididos (cost-sharing) 41
CAPIacuteTULO Ml
A CONDICIONALIDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO
A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos 47A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais 52
CAPIacuteTULO IV
A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO
Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo 64O estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada67As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada 75Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais81
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS88
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
INTRODUCcedilAtildeO
Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema
No iniacutecio dos anos sessenta quando o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento estava sendo afirmado1 os paiacuteses do Sul (em vias de desenvolvimento)
reunidos em organizaccedilotildees - como o Movimento Natildeo-Alinhado no campo poliacutetico e o
Grupo dos 77 no campo econocircmico - passaram a exigir do grupo de paiacuteses do Norte
(desenvolvidos) regras comerciais mais justas e termos mais generosos para o
financiamento do desenvolvimento (entendido no sentido de crescimento econocircmico) As
demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD) foram respondidas com
declaraccedilotildees de boas intenccedilotildees pelos paiacuteses do Norte (como por exemplo a promessa de
aumento do volume dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento - ODA) mas tambeacutem
com fortes insistecircncias de que os foacuteruns apropriados para a resoluccedilatildeo de questotildees
econocircmicas continuavam a ser as instituiccedilotildees de Bretton Woods - nas quais devido ao
1 O estabelecimento de arranjamentos que pudessem regulamentar a cooperaccedilatildeo internacional entre atores dos paiacuteses industrializados e dos paiacuteses mais pobres pode ser percebido atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas efetivas pelos atores Ainda nos anos cinquumlenta os institutos financeiros - FMI e Banco Mundial - passaram a ter suas atividade re-orientadas para as questotildees do desenvolvimento (ASCARI 1999 BASILE 1995 CECCHI 1995) Em 1957 o Tratado de Roma estabeleceu a criaccedilatildeo do Primeiro Fundo Europeu de Desenvolvimento1 e adotou o conceito de Associativismo como modo de regulamentar as relaccedilotildees entre os Estados europeus e suas ex- colocircnias (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Em 1960 aconteceu a Primeira Deacutecada para o Desenvolvimento nas Naccedilotildees Unidas que contribuiu para o estabelecimento do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas (ECOSOC) em 1962 e para a criaccedilatildeo do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas)1 em 1965 sob orientaccedilatildeo direta da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (NOGUEIRA 2001) Em 1960 foi criado o CAD (Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento dos paiacuteses OCDE1 - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento Econocircmico e Financeiro) para regulamentar a relaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados (ex- colonizadores) com os paiacuteses fornecedores de mateacuterias-primas (quase todos ex-colocircnias) na nova era poacutes- colonial (BASILE 1995 45-6)
1
regime de voto2 os paiacuteses industrializados podiam assegurar a manutenccedilatildeo de seus proacuteprios
interesses Contudo no final dos anos sessenta quando o sonho de Bretton Woods - um
sistema monetaacuterio estaacutevel com taxas de conversatildeo fixas a partir do padratildeo doacutelar - comeccedilou
a entrar em colapso um grande otimismo passou a contagiar o Sul que viu o fim do padratildeo
monetaacuterio como uma possibilidade de reavaliar os demais regimes internacionais do poacutes-
guerra capaz de estabelecer um sistema de trocas mais favoraacutevel aos interesses dos paiacuteses
em vias de desenvolvimento
Os PVD passaram desde o momento de desestruturaccedilatildeo do regime monetaacuterio a dar
mais ecircnfase internacional agraves suas demandas e comeccedilaram a tomar medidas concretas para
uma revisatildeo dos processos poliacuteticos e econocircmicos instaurados no poacutes-guerra Uma das
primeiras medidas tomadas foi a tentativa destes paiacuteses para aumentar e tomar obrigatoacuterio
o repasse de fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) atraveacutes da Resoluccedilatildeo 2626
(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas de 24 de setembro de 1970 A intensidade
das demandas dos paiacuteses em desenvolvimento foi se tomando cada vez mais acentuada e
depois do choque do petroacuteleo^ estes paiacuteses (julgando-se fortalecidos devido agrave soluccedilatildeo natildeo-
militar do conflito) estabeleceram a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas trecircs
importantes Resoluccedilotildees em mateacuteria econocircmica chamadas de Nova Ordem Econocircmica
Mundial (New International Economic Order - NIEO) Este momento de reivindicaccedilotildees do
Sul tambeacutem eacute definido pela literatura como ldquocrise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-
primasrdquo (ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1996) Estas Resoluccedilotildees colocavam em
2 Nos institutos financeiros d Bretton Woods - FMI e Banco Mundial - o voto acontece segundo o volume de contribuiccedilotildees que cada paiacuteses destina agrave estes entes O que favorece os paiacuteses fortemente industrializados (ANTONELLI 1995)
3 O choque do petroacuteleo eacute percebido nas relaccedilotildees internacionais como uma mudanccedila no regime internacional do petroacuteleo que aconteceu a partir das organizaccedilatildeo dos paiacuteses exportadores de petroacuteleo (OPEP) nos anos sessenta Essa mudanccedila de regime efetivou-se nos anos setenta (nas negociaccedilotildees de Teeratilde em 1971 e depois da guerra de Yom Kippur de 1973) e representou o fim do poder centralizado nas companhias e o exerciacutecio paiacuteses produtores no controle dos mercados Depois de 1973 o preccedilo do petroacuteleo quadruplicou sem negociaccedilotildees Os preccedilos do petroacuteleo baixaram em termos reais ateacute o iniacutecio de 1979 quando a Revoluccedilatildeo no Iratilde reduplicou o preccedilo do petroacuteleo Seria exagerado dizer que os Estados da OPEP tomaram-se hegemocircnicos no sistema do petroacuteleo (capazes de fazer ou reforccedilar regras) porque a mudanccedilas na demanda internacional forccedilaram nos anos oitenta novas quedas no preccedilo da mateacuteria prima Contudo a mudanccedila de regime levou a uma renegociaccedilatildeo dos modelos de cooperaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados com os paiacuteses OPEP em outras bases e a um desgaste diplomaacutetico pelo primeiro grupo de paiacuteses (KEOHANE 1984 190-94)
2
questatildeo as leis econocircmicas de Bretton Woods revelavam que o sistema econocircmico era
desigual para estes dois grupos de paiacuteses e convidavam o Norte a empreender medidas
efetivas de accedilatildeo para a soluccedilatildeo dos problemas do Sul a partir de uma reorganizaccedilatildeo das
estruturas que regulamentavam os proacuteprios regimes internacionais econocircmico financeiro e
comercial surgidos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Autores da poliacutetica internacional como
Keohane Waelde e Armstrong Lloyd e Redmond identificam na crise dos paiacuteses
produtores de mateacuterias-primas e no choque do petroacuteleo momentos concretos de ameaccedila
para os regimes econocircmico-financeiro e comercial de Bretton Woods4
Acreditamos que as mudanccedilas ocorridas no sistema internacional nos anos setenta a
partir do choque do petroacuteleo e do iniacutecio da intensificaccedilatildeo das pressotildees dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial
afetaram diretamente o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Segundo
nossa interpretaccedilatildeo a ameaccedila de desarticulaccedilatildeo da ordem econocircmica a possibilidade do
surgimento de outros carteacuteis organizados para controlar os preccedilos de mateacuterias-primas (aleacutem
da OPEP - Organizaccedilatildeo dos Paiacuteses Produtores de Petroacuteleo) e o risco de que se tomasse
necessaacuterio estabelecer novos modelos de cooperaccedilatildeo internacional mais favoraacuteveis agraves
demandas dos paiacuteses do Sul geraram puniccedilotildees econocircmicas para os paiacuteses em vias de
desenvolvimento atraveacutes do aumento dos constrangimentos para a utilizaccedilatildeo dos fluxos do
regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Pois - como veremos em
nosso primeiro capiacutetulo dedicado agrave discussatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional - os
regimes internacionais dos atores avantajados constituiacutedos pelo bloco do Norte
estruturados atraveacutes de redes interligadas quando e se ameaccedilados podem impor puniccedilotildees e
aumentar o nuacutemero de constrangimentos impostos aos atores que promovam tentativas de
desestabilizaccedilatildeo do sistema internacional5 (KEOHANE 1984)
Nossa proposta de estudo eacute discutir os trecircs elementos baacutesicos atraveacutes dos quais as
puniccedilotildees econocircmicas contra os PVD puderam ser efetivadas a partir do regime da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento O primeiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica
4 Em (KEOHANE 1984 WAELDE 1998 ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND1996)
5 O sistema internacional eacute uma ordenaccedilatildeo dos Estados que acontece a partir de ambientes facilitadores de acordos definidos regimes internacionais
3
que discutiremos no segundo capiacutetulo desse trabalho aconteceu de maneira institucional a
partir daquele que era o principal organismo regulador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento no iniacutecio da deacutecada de setenta o Programa de
Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas - PNUD (MARCHISIO 1986 2000 BASILE
1995) A puniccedilatildeo institucional consistiu em cortes orccedilamentaacuterios para o Programa que
resultaram na implantaccedilatildeo de uma nova modalidade de administraccedilatildeo e repasse dos fluxos
da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) definida como multibilateral (MARCHISIO
19862000 BASILE 1995) O segundo elemento de puniccedilatildeo econocircmica para os paiacuteses em
vias de desenvolvimento foi teoacuterico-poliacutetico e aconteceu a partir do iniacutecio do uso da
condicionalidade da ajuda no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
(TRIULZI 1998 2000 ESCOBAR 1995) Este segundo elemento constituiraacute o elemento-
chave do terceiro capiacutetulo do presente trabalho Como veremos em nosso quarto capiacutetulo o
terceiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica utilizado contra os PVD a cooperaccedilatildeo
descentralizada aconteceu a partir da instrumentalizaccedilatildeo de agentes natildeo-estatais como as
ONGs internacionais que passaram a se multiplicar como agentes promotores (e
defensores) dos interesses dos paiacuteses desenvolvidos (CREWE amp HARRISON 1998
JAFDER 2000) Estes elementos de puniccedilatildeo econocircmica acabaram reorganizando o proacuteprio
regime da cooperaccedilatildeo internacional definindo tambeacutem novos modelos de comportamento
entre o Norte e o Sul
As puniccedilotildees econocircmicas impostas aos PVD a partir do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento puderam ser estabelecidas porque os paiacuteses detentores
dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) passaram a retirar seus
recursos das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal especialmente do PNUD
concentrando-os em organismos que lhes fossem mais confiaacuteveis em suas proacuteprias
modalidades de ajuda bilateral (efetuada diretamente pelos Estados sem a participaccedilatildeo das
organizaccedilotildees internacionais) em fundos regionais proacuteprios - Fundo Europeu de
Desenvolvimento - ou nos Institutos Financeiros nascidos em Bretton Woods - FMI
Banco Mundial e Bancos Regionais de Desenvolvimento (MARCHISIO 1986 BASILE
1995 ANTONELLI 1995) Tal mudanccedila de recolhimento dos fluxos da ajuda oficial ao
desenvolvimento (ODA) que passaram das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal
para os organismos de confianccedila dos detentores dos recursos revelou-se estrateacutegica pois
4
permitiu aos paiacuteses doadores aumentar seus poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo do ODA
Isso porque enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal os paiacuteses
recebedoresdoadores6 assim como os paiacuteses apenas doadores podiam interferir sobre a
aplicaccedilatildeo dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento no Fundo Europeu de
Desenvolvimento assim como nos institutos financeiros internacionais e nos bancos
regionais o poder de decisatildeo sobre a administraccedilatildeo e sobre a aplicaccedilatildeo do ODA recai
apenas sobre o grupo de paiacuteses doadores7 (CECCHI 1995) O Fundo Europeu de
Desenvolvimento responde agraves orientaccedilotildees diretas da Comissatildeo e do Conselho Europeu que
estruturam as poliacuteticas que seratildeo aplicadas no regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento
com base unilateral (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Tambeacutem nos institutos
financeiros o poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo dos recursos recai somente sobre os
membros do Conselho de Administraccedilatildeo ou seja os paiacuteses fortemente doadores (ASCARI
1999)
Devemos tambeacutem lembrar que com a supremacia dos institutos financeiros e do
Fundo Europeu como administradores dos fluxos ODA perdeu-se a tendecircncia promovida
anteriormente pelo PNUD de financiar a maior parte dos projetos e programas de
desenvolvimento em regime de fundo perdido8 Ao contraacuterio nas instituiccedilotildees financeiras
nascidas em Bretton Woods os repasses de recursos acontecem a juros facilitados e na
maior parte das vezes a juros de mercado Disso resulta que na metade dos anos noventa
mais de 90 dos fundos multilaterais dos institutos financeiros (FMI e Banco Mundial e
regionais) se constituiacuteam de transferecircncias natildeo-facilitadas ou em empreacutestimos puacuteblicos a
juros de mercado - empreacutestimos Ibrd do Banco Mundial (BASILE 1995 69) Neste
6 Os paiacuteses em desenvolvimento satildeo doadores recebedores porque contribuem para estas organizaccedilotildees e retiram recursos destas organizaccedilotildees
7 Enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal o poder de voto eacute o mesmo para atores avantajados e atores desavantajados nos institutos financeiros o voto eacute realizado apenas pelos atores avantajados ou seja por aqueles que mais contribuem financeiramente com estes entes O fundo europeu responde apenas as ordens dos Estados membros da Comunidade Econocircmica Europeacuteia
8 No final dos anos 80 a quota UNDP dos financiamentos a fundo perdido das Naccedilotildees Unidas eram cerca de 60 (BROWNE 1990 p 241)
5
sentido em 1997 no Banco Mundial os empreacutestimos puacuteblicos (Ibrd)9 a juros de mercado
constituiacuteram um volume de 14525 bilhotildees de doacutelares enquanto os facilitados tiveram um
volume de U$ 4622 bilhotildees (ASCARI 1999 69)
Devemos ainda considerar que a aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees e o aumento dos
constrangimentos que possibilitaram a reordenaccedilatildeo do regime internacional da cooperaccedilatildeo
ao desenvolvimento aconteceu a partir de uma forccedila aglutinadora que tomando a iniciativa
de organizar o setor da cooperaccedilatildeo inclusive sistematizando conceitos estabeleceu-se
como centro coordenador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo Esta forccedila aglutinadora eacute hoje o
Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e
Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que tendo nascido nos anos sessenta como oacutergatildeo
responsaacutevel pelas poliacuteticas dos ex-paiacuteses colonizadores europeus em relaccedilatildeo a suas ex-
colocircnias transformou-se no principal centro de coordenaccedilatildeo das poliacuteticas bilaterais e
multilaterais dos paiacuteses industrializados
Depois do choque do petroacuteleo e das declaraccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica
Mundial a OCDE reformulou e estendeu as accedilotildees do CAD que passou exercer um papel de
coordenaccedilatildeo no setor do desenvolvimento que abrange atualmente os paiacuteses
industrializados e as organizaccedilotildees internacionais10 Baseado nisto o CAD foi capaz de se
estabelecer como uma espeacutecie de centro de inteligecircncia e de consultoria dos problemas do
desenvolvimento internacional Em um certo sentido o CAD posicionou-se
internacionalmente como a CEP AL11 dos paiacuteses industrializados e vem contribuindo para o
fortalecimento dos paiacuteses doadores como administradores dos fluxos do regime
internacional da ajuda ao desenvolvimento (ODA)
9 Recolhidos pelos banco no mercado financeiro e repassados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento com juros e condiccedilotildees de mercado (ASCARI 1999)
10 O CAD oficializou seu papel de centro de coordenaccedilatildeo da poliacuteticas de ajuda ao desenvolvimento em 1986 na Reuniatildeo anual do Comitecirc agrave qual estavam presentes Emest Stem (vice-presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador do PNUD) o CAD e os demais presentes concordaram que ldquoOs membros do CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1986)
11 Comissatildeo Econocircmica Para a Ameacuterica Latina
6
O Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) natildeo possui um oacutergatildeo
executivo de administraccedilatildeo dos fundos da cooperaccedilatildeo Entretanto funciona como centro de
decisatildeo12 para a aplicaccedilatildeo dos fundos da ajuda teacutecnica e financeira bilateral e multilateral
fornecendo aos paiacuteses-membros indicadores sociais e econocircmicos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento A ausecircncia de um oacutergatildeo executivo entretanto pouco afeta o repasse
centralizador dos recursos provenientes dos paiacuteses do CAD13 para a cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento Depois da oficializaccedilatildeo do papel do Comitecirc como centro coordenador da
ajuda em 1986 e da adoccedilatildeo pelo Banco Mundial bem como pelo FMI e pelo PNUD do guia
de princiacutepios para a apreciaccedilatildeo de projetos ldquoPrincipies For Project AppraisaF elaborado
pelo Comitecirc ldquocom o objetivo de melhorar a capacidade operacional das agecircncias
multilaterais e a qualificaccedilatildeo dos projetos atraveacutes da definiccedilatildeo comum de objetivosrdquo todas
as poliacuteticas e conceitos (definidas ajuda teacutecnica conceituai) desenvolvidos ad hoc pelos
centros de pesquisa do CAD satildeo aplicados conjuntamente nas organizaccedilotildees internacionais
(BASILE 1995 FUHNER 1996) Aleacutem disso a grande maioria dos paiacuteses que pertencem
ao CAD tambeacutem pertencem agrave CEE14 que por sua vez possui um oacutergatildeo executivo Ou seja
estes paiacuteses podem administrar diretamente - e sem nenhum tipo de intervenccedilatildeo dos paiacuteses
em vias de desenvolvimento - os recursos destinados agrave ajuda multilateral
Segundo Keohane no estudo dos regimes e da cooperaccedilatildeo internacional entre atores
fortes e atores desavantajados priorizar os constrangimentos dos atores fracos eacute mais
importante do que buscar suas motivaccedilotildees em conformar-se ou natildeo a regimes estabelecidos
(KEOHANE 1984) Os PVD dependiam como ainda dependem dos fluxos financeiros
especialmente daqueles facilitados (ODA) - em teoria mais previsiacuteveis e constantes dos que
os capitais privados - para programar o desenvolvimento de suas economias tomando-as
12 Os fluxos multilaterais ODA satildeo aplicados atraveacutes da proacutepria CEE do Banco Mundial do FMI dos Bancos Regionais de Desenvolvimento e das Agecircncias Multilaterais e dos Institutos Especializados das Naccedilotildees Unidas (BASILE 1995)
13 Atualmente a niacutevel agregado os recursos multilaterais dos paiacuteses DAC satildeo concentrados entomo a trecircs poacutelos o Banco Mundial as Naccedilotildees Unidas e a CEE que ocupam entorno a 90 das transferecircncias destes paiacuteses (ASCARI 1999)
14 Dos anos 80 para os anos 90 observa-se um forte aumento do repasse dos fundos multilaterais dos paiacuteses OCDE em direccedilatildeo a CEE que passou de 161 em 1984 para 284 em 1991
7
menos vulneraacuteveis agraves flutuaccedilotildees do mercado Celso Lafer enfatizou esta necessidade na
Conferecircncia sobre Financiamentos para o Desenvolvimento ocorrida em maio de 2002 na
cidade de Monterrey (Meacutexico)15
As puniccedilotildees e constrangimentos impostos aos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pelos paiacuteses detentores de recursos e constituiacutedos em medidas operativas pelo PNUD
Banco Mundial FMI e Fundo Europeu de Desenvolvimento (ajuda multilateral
condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada) foram introduzidas ou projetadas
no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da primeira metade dos
anos setenta e exerceram segundo nossa hipoacutetese a funccedilatildeo comum de limitar o poder de
decisatildeo dos paiacuteses recebedores na aplicaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos multilaterais (inclusive
dos empreacutestimos puacuteblicos) do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
Toma-se oportuno lembrar que os fluxos oficiais ao desenvolvimento ODA16 ateacute a
completa afirmaccedilatildeo das puniccedilotildees e do aumento dos constrangimentos17 eram entendidos
como uma espeacutecie de compensaccedilatildeo financeira destinada aos governos dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento devido agraves suas menores oportunidades comercias e financeiras
(GRILLI 1994 MARCHISIO 1986) As novas modalidades contudo parecem diluir essa
noccedilatildeo inicial que caracterizava os fluxos ODA - que de certa forma passaram a representar
um mecanismo atraveacutes dos quais os Estados detentores dos recursos podem conduzir
intervenccedilotildees pontuais e setorizadas nos PVD
Conveacutem enfatizar que mesmo tratando-se os fluxos ODA de financiamentos
facilitados eles tambeacutem devem ser em grande parte devolvidos pelos paiacuteses recebedores
(ESCOBAR 1995 165) e que quando recebidos estes recursos somam-se em menor ou
maior grau a diacutevida puacuteblica dos paiacuteses em desenvolvimento (ASCARI 1999) Aleacutem disso
15 Em seu discurso Lafer lembrou os conferencistas que durante a deacutecada de 1990 o aumento de capital privado nos paiacuteses em desenvolvimento mas que esse capital eacute altamente imprevisiacutevel e em muitas situaccedilotildees diminuiu seu niacutevel vertiginosamente Essas entradas e saiacutedas bruscas de capital constituem-se tambeacutem em limitaccedilotildees para aos paiacuteses em vias de desenvolvimento
16 Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento teacutecnica ou financeira eacute contabilizada em fluxos financeiros ODA menos as contribuiccedilotildees emergecircncias in natura e os eventuais recursos privados das ONGs (BASILE 1995)
17 Que aconteceu na metade dos anos oitenta quando o setor da cooperaccedilatildeo foi direcionado para ambientes privados
8
a proacutepria tendecircncia que tem crescido no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento de
efetuar financiamentos privados aos PVD com fins de desenvolvimento utilizando
organizaccedilotildees internacionais para a perpetuaccedilatildeo da colocaccedilatildeo de condicionamentos de
vaacuterios gecircneros eacute um aspecto preocupante que natildeo deve ser ignorado Por esse motivo os
governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento assim como os estudiosos das ciecircncias
sociais poliacuteticas e econocircmicas natildeo podem permanecer indiferentes quanto agraves modalidades
de efetivaccedilatildeo da ajuda Em outras palavras os projetos e programas de desenvolvimento
(governamentais ou natildeo-govemamentais) e o grau efetivo de controle que os governos dos
paiacuteses do Sul exercem na orientaccedilatildeo destes projetos poderiam constituir um interessante
objeto de estudo nas aacutereas de ciecircncias humanas
Como foi possiacutevel a introduccedilatildeo de medidas operativas que resultaram na limitaccedilatildeo
do poder de decisatildeo dos atores mais fracos (puniccedilotildees e constrangimentos) quanto a
aplicaccedilatildeo dos fluxos ODA - e como estas medidas se transformaram em regras do setor da
cooperaccedilatildeo internacional - tambeacutem eacute um aspecto intrigante que deve ser abordado
Keohane nos lembra que os Estados poderosos procuram introduzir poliacuteticas econocircmicas
internacionais que atendam seus interesses e ideologias Parte importante da investigaccedilatildeo eacute
buscar entender como paiacuteses fortes transformam seus recursos materiais e ideoloacutegicos em
regras do sistema assim como constroacuteem alteram ou mantecircm regimes internacionais que
facilitam determinados tipos de cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 256 KEOHANE 1984
94) Para os realistas a ecircnfase eacute colocada no poder18 Keohane que considera simplistas
todas as explicaccedilotildees baseadas apenas neste poder acredita que uma explicaccedilatildeo mais
plausiacutevel encontra-se no poder dos recursos econocircmicos
Quanto agrave conformidade dos PVD agraves alteraccedilotildees promovidas no regime da
cooperaccedilatildeo internacional a partir dos anos setenta podemos identificar a proacutepria
necessidade destes paiacuteses de continuar recebendo financiamentos mesmo privados como
sendo a mais importante causa de aceitaccedilatildeo - por estes mesmos paiacuteses - das medidas
punitivas e do aumento dos constrangimentos na utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA Aleacutem disso
como veremos em nosso primeiro capiacutetulo Keohane teoriza que os regimes internacionais
natildeo devem ser estudados individualmente mas em relaccedilatildeo e em concordacircncia com outros
18 No sentido beacutelico do termo
9
regimes internacionais Em consequumlecircncia mesmo que os PVD sofram puniccedilotildees econocircmicas
e tenham seus constrangimentos aumentados nesse especiacutefico setor abandonar o regime ou
deixar de cumprir acordos estabelecidos anteriormente isto poderia implicar em puniccedilotildees
ainda mais graves para os atores desavantajados
Para que as noccedilotildees de regimes internacionais puniccedilotildees sistecircmicas e
constrangimentos fiquem claras ao leitor no decorrer deste trabalho nosso proacuteximo capiacutetulo
seraacute dedicado a um aprofundamento destes conceitos a partir do estudo teoacuterico da
cooperaccedilatildeo internacional elaborado prioritariamente a partir das obras de Robert
Keohane19
19 Duas obras de Keohane abordam especificamente a questatildeo dos regimes internacionais e da cooperaccedilatildeo A primeira eacute ldquoAchiving cooperation under anarchy rdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) um estudo que serviu de base ao posterior e mais completo ldquoAfter hegemony cooperation and discord in the world political economyrdquo (KEOHANE 1984) Aleacutem dos dois citados tambeacutem seraacute utilizado no proacuteximo capiacutetulo para elaboraccedilatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional o estudo de Krasner sobre regimes interanacionais ldquoRegimes and the limits o f realism regimes as autonomous variables rdquo e algumas noccedilotildees da obra de Keohane e Nye ldquoPoder e interdependencia la poliacutetica mundial en transicioacuten
10
CAPIacuteTULO I
A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS
O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional
Robert Keohane define o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo como sendo aquele no qual
ldquoatores ajustam seus comportamentos para as preferecircncias atuais ou antecipadas dos outros
atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacuteticardquo (KEOHANE 1984 51-2) A
definiccedilatildeo do conceito e o desenvolvimento da teoria da cooperaccedilatildeo realizados por Keohane
aconteceram a partir do estudos realizados pelo autor da ocorrecircncia do fenocircmeno nas
relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente Essa escolha
de abordagem na elaboraccedilatildeo da teoria deveu-se ao pressuposto de que as relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo acontecem quando existem interesses muacutetuos entre os Estado envolvidos
Estabelecer interesses muacutetuos entre paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente e que
dividem uma visatildeo relativamente similar da conduccedilatildeo de suas econocircmicas aleacutem de
cultivarem extensas relaccedilotildees de interdependecircncia20 uns com os outros facilita o trabalho de
investigaccedilatildeo do fenocircmeno da cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 6)
Quanto agrave cooperaccedilatildeo entre paiacuteses avanccedilados industrialmente e paiacuteses em vias
desenvolvimento Keohane considera que os instrumentos de anaacutelise desenvolvidos em sua
teoria tambeacutem podem ser em certa medida aplicados na compreensatildeo de algumas destas
20 Para Keohane e Nye o conceito de interdependecircncia na poliacutetica mundial diz respeito ldquoa situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocos entre os paiacutesesrdquo (p8) Estes efeitos resultam de uma ampla gama de contatos e transaccedilotildees ocorridas no plano internacional o que produz uma restriccedilatildeo agrave autonomia dos atores envolvidos Ao mesmo tempo impotildee alguma forma de custos para os participantes do sistema internacional o que poderia levar a uma ocorrecircncia de determinados tipos de conflito entre eles
11
relaccedilotildees Contudo algumas consideraccedilotildees precisam ser realizadas Em primeiro lugar no
caso de atores desiguais a cooperaccedilatildeo pode tomar-se adversa e constituir-se em meio de
exploraccedilatildeo de um grupo de Estados ricos que efetivamente cooperam entre si para com os
Estados pobres (KEOHANE 1984 11) Essa situaccedilatildeo pode definir-se desde o
estabelecimento das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo devido aos constrangimentos colocados aos
atores mais fracos ateacute mesmo como condiccedilatildeo para sua participaccedilatildeo em uma relaccedilatildeo com
atores mais fortes ou pode mesmo acontecer posteriormente mesmo que objetivos iniciais
de cooperaccedilatildeo fossem desejados mutuamente agrave princiacutepio Um segundo ponto ainda deve ser
ressaltado quanto agrave cooperaccedilatildeo entre atores desiguais antes de iniciarmos o
aprofundamento do estudo do fenocircmeno a ocorrecircncia de relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre
atores avantajados e atores desavantajados costuma proporcionar benefiacutecios menores ou
mesmo nenhum beneficio para aqueles atores desavantajados Isso natildeo significa que os
atores desavantajados ajam de maneira irracional quando estabelecem relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo com os atores avantajados Muitas vezes o caacutelculo racional dos atores
desavantajados natildeo eacute obter benefiacutecios mas simplesmente natildeo ver aumentado seus custos
que poderiam tomar dimensotildees ainda maiores caso acordos de cooperaccedilatildeo natildeo fossem
estabelecidos Feitas estas consideraccedilotildees podemos finalmente iniciar o estudo teoacuterico da
cooperaccedilatildeo internacional
Para Keohane a teoria realista natildeo eacute capaz de explicar o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo
internacional em todas as suas manifestaccedilotildees Na teoria realista onde o sistema
internacional eacute composto por Estados como unidades individuais que competem entre si em
um permanente estado de natureza anaacuterquico21 o uacutenico modelo possiacutevel de cooperaccedilatildeo eacute
aquele de alianccedilas resultante de uma operaccedilatildeo de balanccedilo de poder (KEOHANE 1984
7) Tambeacutem outros modelos explicativos da cooperaccedilatildeo internacional como o
Universalismo (de modelo kantiano) ou ateacute mesmo o Intemacionalismo (oriundo da teoria
de Grotius22) que opondo-se ao realismo conferiram segundo Keohane muito peso ao
21 Anarquia para Keohane constitui a falta de um governo comum no mundo poliacutetico internacional e natildeo uma negaccedilatildeo de que a sociedade internacional embora fragmentada exista (AXELROD amp KEOHANE 1982 227)
22 A obra de Hugo Grotius Do Direito da Guerra e da Paz (1625) que inaugura a tradiccedilatildeo Intemacionalista na poliacutetica internacional eacute um dos trecircs paradigmas (ou escolas de pensamento) fuacutendantes do estudo das relaccedilotildees internacionais segundo a divisatildeo de Hedley Buli Os outros dois
12
papel das funccedilotildees reguladoras das instituiccedilotildees internacionais e ao direito internacional natildeo
seriam adequados como instrumentos teoacutericos por natildeo aprofundarem as relaccedilotildees de poder
e de conflitos decorrentes da dimensatildeo econocircmica entre os Estados Considerando as
limitaccedilotildees dos modelos anteriores Keohane decidiu elaborar a estruturaccedilatildeo teoacuterica sobre o
fenocircmeno da cooperaccedilatildeo a partir de uma combinaccedilatildeo de teorias (liberal23 e realista 24) que
pudessem analisar as relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos atores internacionais sem esquecer o
egoiacutesmo e propensatildeo dos Estados em aumentar a proacutepria riqueza e poder
Keohane assim como os realistas considera que os atores poliacuteticos satildeo egoiacutestas e
agem motivados por interesses proacuteprios Para este autor quando os atores cooperaram o
fazem dentro de uma situaccedilatildeo de conflito que quando natildeo resolvida por essa via poderia
resultar em perdas ainda maiores para os envolvidos Os governos entram em negociaccedilotildees
internacionais visando reduzir o conflito que iria resultar necessariamente de outra
maneira Sem cooperaccedilatildeo os governos interferem no mercado uni lateralmente para
perseguir o que eles consideram seus proacuteprios interesses25 aumentando em muito a
possibilidade de perdas coletivas Atraveacutes desse tipo de raciociacutenio pode-se afirmar que os
paradigmas derivam das obras de Hobbes O Leviatatilde (1651) que influecircncia a tradiccedilatildeo Realista e do texto de Kant A Paz Perpeacutetua mdash Um Projeto Filosoacutefico (17956) da qual deriva a tradiccedilatildeo Universalista Segundo Hedley Buli a posiccedilatildeo de Grotius fica a meio caminho daquelas de Hobbes e Kant Grotius se diferencia do universalismo porque mesmo considerando a existecircncia de outros entes eacute o Estado o principal ator das relaccedilotildees internacionais Quanto agrave Hobbes Grotius afirma que as relaccedilotildees entre os Estados natildeo se resume a dimensatildeo conflitiva sendo necessaacuterio levar em conta a dimensatildeo cooperativa e a existecircncia de uma sociedade internacional (formada por Estados) que interage com base em valores culturais comuns e do direito internacional (GOLCcedilALVES 2001 94-6)
O Liberalismo propotildee alternativas agraves concepccedilotildees realistas Enfatizando aspectos a interdependecircncia econocircmica com suas muacuteltiplas e complexas camadas de ligaccedilotildees o liberalismo prevecirc comportamentos cooperativos entre os Estados Mecanismos como sanccedilotildees e puniccedilotildees econocircmicas possibilitam na visatildeo liberal um certo controle e previsibilidade sobre o comportamento dos participantes do sistema internacional
24 O Realismo poliacutetico apresenta um sistema internacional caracterizado pela anarquia tendo como atores principais os Estados Por ser anaacuterquico o sistema internacional eacute baseado no poder e na forccedila e cada Estado eacute visto como uma entidade isolada age apenas motivado pelos proacuteprios interesses Para o realismo natildeo existe cooperaccedilatildeo entre atores poliacuteticos
23 Ao contraacuterio dos economistas liberais Keohane acredita que os Estados agindo unilateralmente vatildeo interferir no mercado estrangeiro de trocas impor vaacuterias restriccedilotildees em importaccedilotildees subsidiar a induacutestria domeacutestica e estabelecer preccedilos de mercadorias como petroacuteleo
13
atores agem de maneira egoiacutesta-racional tentando maximizar as possibilidades de ganho
em uma situaccedilatildeo de conflito real ou potencial Isso significa que um fenocircmeno de
cooperaccedilatildeo acontece sempre a partir de uma situaccedilatildeo de conflito e nunca de harmonia26
entre atores no mundo poliacutetico Seraacute justamente a tentativa de resoluccedilatildeo deste conflito que
poderaacute levar os atores agrave cooperar ou seja agrave ajustar seus comportamentos ou antecipar as
preferecircncias dos outros atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacutetica
Enquanto para os realistas que utilizam a teoria dos jogos (especialmente do dilema
do prisioneiro) nos estudos de comportamento a cooperaccedilatildeo eacute impossiacutevel porque os atores
racionalmente desconfiam sempre das accedilotildees uns dos outros e egoiacutesticamente pensam nos
proacuteprios interesses Keohane acredita que as mesmas premissas de comportamento racional
e egoiacutesta em uma ambiente internacional favoraacutevel podem levar os atores agrave cooperarem
uns com os outros (KEOHANE 1984 65-7) Quando os atores agem por meio de escolhas
racionais pensando nos interesses proacuteprios atraveacutes da realizaccedilatildeo de benefiacutecios coletivos
pode-se esperar um volume substancial de cooperaccedilatildeo internacional (inclusive
institucionalizada) nas economias de mercado dos paiacuteses industrialmente avanccedilados A
anaacutelise da cooperaccedilatildeo internacional e a elaboraccedilatildeo de um conceito sobre o fenocircmeno
acontece desse modo atraveacutes de uma combinaccedilatildeo de teorias que reconheccedilam os interesses
complementares entre naccedilotildees mas que natildeo deixem de reconhecer que os Estados satildeo atores
racionais e egoiacutestas na medida em satildeo orientados a promover seus dos proacuteprios interesses
E necessaacuterio lembrar que no mundo das relaccedilotildees internacionais os temas mais
significativos satildeo ao mesmo tempo poliacuteticos e econocircmicos portanto a perseguiccedilatildeo da
riqueza e do poder por parte dos Estados pode iluminar as motivaccedilotildees especiacuteficas dos
atores e servir como antiacutedoto contra uma parcial ecircnfase em interdependecircncia e retoacutericas
globalistas de realizaccedilatildeo de interesses comuns (KEOHANE NYE 198818-22) Na teoria
da cooperaccedilatildeo de Keohane os atores abordados e considerados significativos satildeo os
Estados que estabelecem os objetivos e constroacuteem as regras nas quais os demais atores
(inclusive as organizaccedilotildees natildeo- governamentais) deveratildeo se adaptar Definir a economia
poliacutetica internacional em termos de perseguiccedilatildeo de riqueza e poder nos leva agrave analisar a
26 Harmonia no mundo poliacutetico acontece em uma situaccedilatildeo onde automaticamente os atores (perseguindo seus proacuteprios interesses sem considerar o interesses dos outros) facilitam a realizaccedilatildeo dos objetivos dos outros sem conflito
14
cooperaccedilatildeo na economia poliacutetica mundial menos como um esforccedilo de implementar ideacuteias
elevadas (moralmente) e mais como um meio de atingir interesses proacuteprios em objetivos
poliacuteticos e econocircmicos (KEOHANE 1984 25)
Na anaacutelise das relaccedilotildees entre Estados Keohane daacute grande enfoque agrave influecircncia do
sistema internacional como modelador do comportamento dos atores (teoria sistecircmica) O
comportamento dos Estados assim como os de outros atores da poliacutetica mundial eacute
fortemente influenciado pelos constrangimentos (constraints) e incentivos fornecidos pelo
ambiente internacional Quando o sistema internacional muda o mesmo acontece com os
incentivos e com os comportamentos dos atores
A ecircnfase no sistema internacional eacute a propoacutesito a grande diferenccedila entre a teoria
de Keohane e as publicaccedilotildees mais recentes que abordam o tema da cooperaccedilatildeo Os estudos
realizados sobre o tema nos anos noventa27 embora tenham a caracteriacutestica notaacutevel de
manter a definiccedilatildeo do fenocircmeno de cooperaccedilatildeo elaborado por Keohane (MILNER 1992
466) uma deacutecada antes criticaram o peso excessivo dos constrangimentos estruturais do
sistema internacional na definiccedilatildeo do comportamento dos atores As anaacutelises dos anos
noventa passaram a dar maior enfoque agraves poliacuteticas domeacutesticas na definiccedilatildeo dos
comportamentos dos Estados e de suas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo (PUTMAN 1993 432
MILNER amp KEOHANE 1996 4)28 As teorias dos anos noventa embora incorporem um
estudo sobre os atores domeacutesticos29 tambeacutem minimizam certas situaccedilotildees de
27 Importante resenha comparada sobre os estudos e publicaccedilotildees da teoria da cooperaccedilatildeo internacional nos anos 90 (Robert Keohane e Kenneth A Oye Putman e Bayne Grieco e Haas) eacute o artigo de Helen Milner International theories of cooperation among nations strengths and weaknesses publicado no world politics (referecircncia no final deste trabalho)
28 E interessante perceber que o proacuteprio modelo de cooperaccedilatildeo internacional entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo voltada ao desenvolvimento no mesmo periacuteodo dos anos 90 tambeacutem comeccedilou a relacionar os problemas de desenvolvimento dos paiacuteses agrave fatores domeacutesticos e natildeo mais agrave problemas decorrentes do sistema internacional
29 O proacuteprio Keohane quando estuda em na segunda metade dos anos noventa o fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo admite que em suas anaacutelises anteriores pouca atenccedilatildeo foi dada ao comportamento dos atores domeacutesticos Isso natildeo significa que Keohane abandone a anaacutelise sistecircmica pelo contraacuterio ele continua afirmando que todos os atores sofrem constrangimentos e incentivos mas que internamente estas constriccedilotildees e incentivos seratildeo percebidas de maneira diferente devido aos arranjamentos estruturais e poliacuteticos dos diferentes atores Sua anaacutelise contudo se refere mais ao fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo e natildeo especificamente aquele da cooperaccedilatildeo internacional (MILNER amp KEOHANE 1996)
15
constrangimentos vividas pelos atores desavantajados como por exemplo as pressotildees
econocircmicas (MILNER 1992) No caso especiacutefico do nosso estudo sobre a ocorrecircncia da
cooperaccedilatildeo internacional aoacute desenvolvimento natildeo poderemos desprezar as pressotildees
econocircmicas sofridas pelos atores desavantajados visto os atuais mecanismos de repasse de
financiamentos do setor se estabelecem a partir de mecanismos de condicionalidade que
satildeo por si mesmo formas de pressatildeo econocircmica Desse modo decidimos pelo uso da
anaacutelise sistecircmica de Keohane na estruturaccedilatildeo deste trabalho
Para que possamos entender como os incentivos e os constrangimentos colocados
pelo sistema internacional podem afetar o comportamento dos atores deveremos
aprofundar a noccedilatildeo de regimes internacionais que satildeo entendidos por Keohane como os
ambientes facilitadores da cooperaccedilatildeo entre os Estados
Regimes internacionais
Os regimes internacionais satildeo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos
normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo dos quais as expectativas
dos atores convergemrdquo30- em uma variedade de aacutereas-tema das relaccedilotildees internacionais
(AXELROD amp KEOHANE 1982 327)31 Essa definiccedilatildeo e a proacutepria importacircncia dos
regimes internacionais satildeo plenamente entendidos depois de relembradas duas
caracteriacutesticas do contexto internacional A primeira delas eacute a ausecircncia no mundo poliacutetico
de instituiccedilotildees governamentais autoritaacuterias que possam regular (impondo obrigaccedilotildees) o
comportamento dos Estados e demais atores poliacuteticos A segunda eacute resultado da primeira a
30 Princiacutepios satildeo opiniotildees de fatos causas retidatildeo Normas satildeo modelos de comportamento definidos em termos de regras e obrigaccedilotildees Regras satildeo especiacuteficas prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees para atos Procedimentos de tomada de decisotildees satildeo praacuteticas prevalecentes para fazer e implementar escolhas coletivas (Krasner 1983 p2) Keohane considera normas apenas como modelos de comportamento
31 Os sistemas financeiro e comercial internacionais satildeo exemplos de regimes internacionais bem como organizaccedilotildees regionais e a proacutepria cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (tambeacutem chamada pelos americanos ajuda ao desenvolvimento) (KEOHANE NYE 1988 36)
16
constante incerteza do sistema internacional Os regimes internacionais cumpririam uma
funccedilatildeo ao sistema internacional definindo modelos de comportamento possibilitando
algum tipo de confiabilidade entre os atores e permitindo que expectativas comuns possam
ser tratadas de modo comum
Keohane acredita que princiacutepios normas regras e procedimentos conteacutem
determinaccedilotildees (quase) legais sobre comportamentos eles prescrevem certas accedilotildees e
proscrevem outras Nos regimes internacionais certos comportamentos ldquocorretosrdquo (no
sentido de serem coerentes com os princiacutepios do regime) satildeo incentivados enquanto
aqueles incorretos satildeo como veremos reprimidos Mais explicitamente os regimes
internacionais implicam em obrigaccedilotildees para os atores mesmo que estas obrigaccedilotildees natildeo
sejam cumpridas atraveacutes de um sistema hieraacuterquico legal
Considerando as duas caracteriacutesticas do sistema internacional - ausecircncia no mundo
poliacuteticos de instituiccedilotildees internacionais autoritaacuterias e a constante incerteza do sistema
internacional - podemos afirmar que uma das funccedilatildeo dos regimes internacionais eacute a
facilitaccedilatildeo de acordos entre governos de modo que as condiccedilotildees estruturais de anarquia
natildeo conduzam o sistema internacional a uma completa guerra de todos contra todos
(AXELROD amp KEOHANE 1982 332) Sem regimes internacionais a total incerteza
sobre o comportamento uns dos outros atores natildeo permitiria nenhum tipo de cooperaccedilatildeo
entre Estados colocando em riscos ateacute mesmo os grandes fluxos de trocas do sistema
capitalista Os regimes internacionais tambeacutem acabam facilitando a operaccedilatildeo de
descentralizaccedilatildeo do sistema poliacutetico internacional (diminuindo a presenccedila de um Estado
hegemocircnico como regulador do sistema) e expandindo o acesso dos atores poliacuteticos agraves
informaccedilotildees e em algum modo aos procedimentos de tomadas de decisatildeo o que
consequentemente aumenta as possibilidades de cooperaccedilatildeo internacional Contudo os
regimes internacionais natildeo devem ser percebidos como elementos de uma nova ordem
internacional aleacutem do Estado naccedilatildeo Eles precisam ser entendidos como arranjos
motivados por interesses proacuteprios em um sistema onde a soberania e o poder permanecem
sendo fatores constitutivos Isso significa que eles tendem a ser formados principalmente
Porque o mundo poliacutetico eacute descentralizado ao inveacutes de hierarquizado os princiacutepios prevalecentes de soberania significam que os Estados natildeo satildeo sujeitos agrave governos superiores (Ruggil 1983)
17
pelos atores mais poderosos priorizando seus proacuteprios interesses (KEOHANE 1984 62-
3)
Como afirmamos anteriormente Keohane manteacutem em suas anaacutelises a premissa de
que em geral os atores poliacuteticos tendem a responder racionalmente aos constrangimentos e
aos incentivos A teoria racional aplicada ao estudo da cooperaccedilatildeo implica em aceitarmos
que as decisotildees dos atores quanto aos regimes internacionais satildeo em alguma medida
voluntaacuterias Na ausecircncia de uma possibilidade de escolha dos atores reduziriacuteamos os
regimes internacionais a simples imposiccedilotildees quando na verdade sua natureza eacute muito mais
complexa Contudo tambeacutem pode ser limitativo e incorreto no estudo do comportamento
(cooperativo) dos Estados afirmar que os atores escolhem voluntariamente quando
participam dos regimes internacionais ou que os proacuteprios regimes satildeo de alguma maneira
fruto de accedilotildees voluntaacuterias Fazendo-o sacrificariacuteamos uma interpretaccedilatildeo Realista
Para que possamos manter a afirmaccedilatildeo de que os atores escolhem racionalmente - e
prosseguir a investigaccedilatildeo dos regimens internacionais - sem contudo ignorar as pressotildees
exercidas pelos mais fortes Keohane propotildee que sejam distinguidos dois aspectos do
processo atraveacutes do qual os regimes internacionais acontecem a imposiccedilatildeo de
constrangimentos (constvaints) e os processo de tomadas de decisatildeo (adesatildeo aos regimes)
Estes dois aspectos satildeo particularmente importantes para entenderas motivaccedilotildees dos atores
desavantajados de pertencer a um regime internacional
Em termos formais noacutes podemos considerar todos os regimes como tendo sido
criados ou mantidos voluntariamente atores independentes com a capacidade de recusar ou
consentirem em participar Mas caso estes atores sejam fracos agindo sob medo invasatildeo
ou colapso econocircmico natildeo pode-se dizer que exista verdadeiramente uma adesatildeo
voluntaacuteria (AXELROD amp KEOHANE 1982 330) Nestas situaccedilotildees devemos
primeiramente focar nossa atenccedilatildeo nos constrangimentos impostas aos atores antes de
examinar suas escolhas (KEOHANE 1984 71-2) Os atores podem sofrer
constrangimentos natildeo apenas atraveacutes de fatores estruturais do sistema mas tambeacutem
diretamente atraveacutes de pressotildees daqueles mais poderosos Regimes internacionais podem
ser acordados possuindo constrangimentos internos impostos desde a origem pelos atores
mais poderosos Relaccedilotildees de poder e dependecircncia e o contexto no qual os acordos foram
realizados seratildeo tambeacutem fatores de constrangimentos de escolhas nos regimes
18
internacionais e afetaratildeo todos os acordos que resultam de barganhas entre atores Muitas
vezes a uacutenica alternativa racional do ator naquele momento eacute associar-se a um regime que
lhe garanta o miacutenimo de previsibilidade quanto ao comportamento dos atores
internacionais Mantendo-se em mente estas restriccedilotildees poderemos aplicar a anaacutelise de
escolhas racionais de maneira sofisticada sem implicar no entendimento de que os atores
estatildeo em situaccedilatildeo igual de poder de escolha pois relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo envolvem
diferentes custos de oportunidades para diferentes atores
Muito provavelmente os atores em posiccedilotildees fracas teratildeo custos e oportunidades
diferentes dos atores em posiccedilotildees avantajadas Essa constataccedilatildeo nos faz lembrar que no
mundo poliacutetico natildeo eacute via de regra que as trocas entre os Estados mesmo aquelas
resultantes de barganhas tenham que ser necessariamente iguais ou benignas para todos
Sobre as trocas desiguais Keohane acredita que elas acontecem como o resultado de uma
operaccedilatildeo onde atingiram-se objetivos possiacuteveis ou ainda devido agraves necessidades de creacutedito
ou da seguranccedila dos Estados ou mesmo devido agrave expectativa dos atores de atingirem-se
benefiacutecios futuros Keohane e os realistas percebem nas trocas desiguais oportunidades
para que os Estados poderosos transformem seus recursos materiais e ideoloacutegicos em regras
do sistema internacional Os Estados mais poderosos procuram em relaccedilotildees de troca
mesmo no interior de regimes internacionais beneficiar seus proacuteprios interesses poliacutetico-
econocircmicos Uma diferenciaccedilatildeo entre os realistas e Keohane quanto as trocas desiguais
deve ser precisada enquanto para os realista as trocas desiguais acontecem a partir de uma
diferenccedila de poder (militar) entre os Estados Keohane que considera simplistas todas as
explicaccedilotildees baseadas apenas em poder acredita que explicaccedilotildees mais plausiacuteveis
encontram-se no poder dos recursos econocircmicos
Quanto agraves tomadas de decisatildeo de pertencer ou natildeo agrave regimes internacionais espera-
se em geral que os Estados juntem-se a regimes onde os benefiacutecios como membros
superem os custos Atraveacutes desse raciociacutenio pode-se esperar que atores poliacuteticos escolham
participar de regimes internacionais que lhes garantam a mesma ou melhor condiccedilatildeo
dentro do que fora deles Isso natildeo implica necessariamente em ganho considerando-se que
os regimes tendem a impor custos para os que natildeo participam O Fundo Monetaacuterio
Internacional por exemplo natildeo empresta para os natildeo associados (ASCARI 1999 64)
Aleacutem disso ainda devemos recordar que os pressotildees e as desigualdades de poder que
19
estendem-se por traacutes dos regimes internacionais podem tomar os resultados da barganha
voluntaacuteria natildeo inteiramente benignos Natildeo existe garantia de que a formaccedilatildeo de um regime
internacional iraacute produzir benefiacutecios globais de bem estar social (welfare) Desse modo
pertencer a um regime internacional implica sempre em riscos especialmente para os atores
desavantajados
A existecircncia (e a aceitaccedilatildeo) no mundo poliacutetico de trocas desiguais a compreensatildeo
de que os Estados podem em determinados casos tomar a decisatildeo de pertencer a regimes
simplesmente para natildeo verem aumentados seus custos a percepccedilatildeo de que os atores mais
fracos realizam muitas vezes escolhas a partir de constrangimentos e que o resultados
destas encolhas podem natildeo ser inteiramente benignos nos ajuda a entender porque atores
desavantajados juntam-se a regimes mesmo quando eles recebem menos benefiacutecios do que
os outros membros (AXELROD amp KEOHANE 1982 340) Em poliacutetica natildeo podemos
nunca esquecer que escolhas voluntaacuterias natildeo implicam na igualdade de situaccedilotildees e
resultados para os atores (AXELROD amp KEOHANE 1982 330 KEOHANE 1984 70) e
que os regimes internacionais satildeo uma esfera onde o poder eacute diretamente exercido e onde
as desigualdades satildeo grandes
Um uacuteltimo aspecto em relaccedilatildeo aos regimes e aos atores desavantajados ainda deve
ainda ser tratado a conformidade dos Estados aos regimes internacionais Regimes
internacionais satildeo instituiccedilotildees descentralizadas o que natildeo significa ausecircncia de
mecanismos de conformidade Regimes produzem procedimentos e regras e estabelecem
sanccedilotildees por violaccedilotildees do proacuteprio regime podem ser coordenadas em diversos niacuteveis e
intensidade No mundo poliacutetico e econocircmico observamos uma alta conformidade com os
regimes Entretanto essa constataccedilatildeo natildeo deve ser exagerada Tome-se como exemplo o
caso da conformidade da Europa aos regimes internacionais financeiro e comercial
oriundos do final da Segunda Guerra Mundial que efetivou-se realmente somente depois
do saneamento econocircmico e da retomada do crescimento da regiatildeo promovidos pelo plano
Marshall (DINOLFO 1994 601-29)
Para entender o quebra-cabeccedila da conformidade precisamos examinar como os
regimes internacionais afetam o caacutelculos dos governos racionais e egoiacutestas Keohane nos
aponta duas distintas possibilidades de entendimento A primeira delas observa cada regime
isoladamente considerando as vantagens de adesatildeo (para os governos) em oposiccedilatildeo agraves
20
alternativas viaacuteveis A segunda coloca os regimes em contexto com outros regimes no
mundo poliacutetico Desse modo cada regime eacute interpretado como parte e em conformidade
com uma longa rede de temas e regimes Perceber cada regime em conformidade com
outros regimes produz diferentes estruturas de incentivos e constrangimentos para os
atores A pressatildeo que pode ser exercida atraveacutes de elos entre temas por diferentes regimes
serve muitas vezes como razatildeo para o ajuste dos governos a um determinado regime No
mundo contemporacircneo os governos tratam de vaacuterios temas e pertencem a muitos regimes
um governo que natildeo cumpre as regras e natildeo conforma-se a um determinado regime pode
criar uma expectativa negativa sobre seu comportamento em outros regimes para os
demais Estados Em uma anaacutelise racional-egoiacutesta podemos pensar que governos cumprem
seus compromissos para natildeo serem retalhados (punidos ou excluiacutedos de possiacuteveis
benefiacutecios) naquele proacuteprio ou nos demais regimes mesmo quando o regime e os temas
envolvidos natildeo satildeo de acordo com o auto-interesse (imediato) daquele Estado
Para entender o comportamento cooperativo dos atores devemos perceber os
regimes internacionais como muacuteltiplos e interligados Caso existisse apenas um regime no
mundo poliacutetico ou cada regime isoladamente os governos egoiacutestas poderiam
racionalmente parar de cumprir regras de regime internacionais Regimes seriam
abandonados quando os governos calculassem as que as oportunidade de custo como
membro como sendo maiores do que os de alguma alternativa viaacutevel de accedilatildeo Perceber os
regimes como interligados nos faz compreender que caso um Estado deixe de cumprir as
regras de um determinado regime que natildeo estatildeo diretamente de acordo com seus interesses
(ao menos imediatos) ele seraacute punido naquele e em outros regimes Da mesma maneira o
custo de adquirir maacute reputaccedilatildeo como resultado de violaccedilatildeo de regras seraacute imposto ao
transgressor naquele ou em demais regimes
Outro motivo de conformaccedilatildeo eacute a expectativa que os governos tecircm do crescimento
do regime internacional Conformar-se a um regime em um primeiro momento pode ser
fonte de determinados benefiacutecios para os atores ou mesmo uma oportunidade de participar
de acordos no sistema internacional Aleacutem disso as decisotildees de certos governos de
participar de regimes podem acontecer atraveacutes de um certo grau de ignoracircncia os regimes
evoluem e seus rumos nunca satildeo completamente previsiacuteveis Isso muitas vezes implica que
governos atuais aceitem determinadas situaccedilotildees pouco vantajosas devido a compromissos
21
assumidos no passado e que poderiam implicar-lhes em maacute reputaccedilatildeo ou retaliaccedilotildees caso
natildeo fossem cumpridos Por exemplo decisotildees tomadas em um certo periacuteodo de promover
a abertura econocircmica tecircm profundamente surtido efeitos negativos na habilidade de futuros
governos de controlar as transaccedilotildees econocircmicas com o mundo exterior Esse problema diz
respeito a um dos aspectos mais obscuros dos regimes internacionais sua utilizaccedilatildeo para
afetar as preferecircncias dos governos futuros atraveacutes da criaccedilatildeo de constrangimentos em suas
(futuras) liberdades de accedilatildeo (KEOHANE 1984 120)
A conformaccedilatildeo aos regimes ainda pode ocorrer devido ao alto custo da construccedilatildeo
de regimes internacionais Estabelecer um regime pode ser muito difiacutecil e dispendioso para
os atores devido a grandes articulaccedilotildees envolvidas para conformar os atores o regime
necessita de um ambiente internacional de grande conflito para sua formaccedilatildeo ou ateacute mesmo
de presenccedila de uma potecircncia hegemocircnica - como foram os Estados Unidos depois da
Segunda Guerra Mundial Essa implicaccedilatildeo de custos de construccedilatildeo toma os regimes
internacionais mais faacuteceis de serem mantidos do que criados
Um uacuteltimo aspecto ainda deve ser abordado quanto agrave manifestaccedilatildeo dos regimes Os
comportamentos coordenados dos atores podem acontecer de forma declarada ou natildeo
podem ser sub-entendidos em acordos e tratados entre os Estados ou podem ser efetivados
no interior de organizaccedilotildees internacionais Isso natildeo significa que as organizaccedilotildees
internacionais cumpram simplesmente um papel funcional de servir aos regimes O
estabelecimento de organizaccedilotildees internacionais estaacute ligado a uma seacuterie de motivaccedilotildees das
mais diversas que natildeo aprofundaremos nesse momento estudo por natildeo representarem
ganho imediato para nossa discussatildeo Aquilo que nos pode interessar saber eacute que a
coordenaccedilatildeo de certas poliacuteticas estabelecidas nos regimes podem ter aspectos positivos e
aspectos negativos para os atores desavantajados Quanto aos aspectos positivos pode-se
listar a reduccedilatildeo dos custos de transaccedilatildeo (como aqueles organizacionais e de pagamentos) e
a diminuiccedilatildeo das imperfeiccedilotildees de informaccedilotildees (incertezas e riscos) e o no estabelecimento
de algum tipo de confianccedila legal para os Estados mesmo atraveacutes de normas imperfeitas ou
pouco precisas tomando os acordos mais convenientes dentro de um regime do que fora
dele Quanto aos aspectos negativos o primeiro deles seria que tendencialmente as
organizaccedilotildees internacionais favorecem os interesses dos atores mais poderosos Isso
significa que suas regras seratildeo estabelecidas ou poderatildeo constituir-se em mecanismos de
22
constrangimento para os atores desavantajados Por esse motivo o estudo das regras das
organizaccedilotildees internacionais pode constituir-se em um interessante instrumento de
investigaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo e evoluccedilatildeo dos regimes internacionais e dos conflitos poliacuteticos
entre os atores
Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional
Depois da anaacutelise teoacuterica realizada nos sentimos confortaacuteveis para afirmar que a
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento entre paiacuteses do Norte e Sul do mundo tema
de anaacutelise de nosso trabalho manifesta-se como um regime internacional proacuteprio Ou seja
que agrave cooperaccedilatildeo entre Norte e Sul em relaccedilatildeo agrave aacuterea-tema desenvolvimento constitui-se
como sendo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos normas regras e
procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo do qual as expectativas dos atores
convergem As expectativas dos atores satildeo necessariamente nesse caso o
desenvolvimento Essa afirmaccedilatildeo implica em aceitarmos que tanto os paiacuteses do Norte como
os paiacuteses do Sul do mundo dividem expectativas em torno de um modelo uacutenico de
desenvolvimento33 e que eacute justamente essa expectativa que poderaacute nos ajudar a entender
os motivos dos paiacuteses pobres em conformarem-se voluntariamente ao regime da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
Considerar as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como um
regime internacional orientado ao desenvolvimento nos permite tambeacutem estruturar com
mais rigor cientiacutefico as relaccedilotildees entre Estados do Norte e do Sul do mundo Pensadas como
regime as poliacuteticas internacionais orientadas ao desenvolvimento podem ser entendidas
33 O grupo de autores poacutes-estruturalista considera o discurso do desenvolvimento como um aparato de controle e vigilacircncia Desenvolvimento engloba uma seacuterie de controles de discurso e de controle de praacuteticas - um regime de forccedila - que apareceu desde que o Iluminismo a extensatildeo do projeto de universalizaccedilatildeo europeu nos quatro cantos do mundo Que a maior parte dos projetos de desenvolvimento falhe - um ponto de concordacircncia entre poacutes-modemistas e ultramodemistas - acaba reforccedilando o desenvolvimentismo eles dizem que ao falimento define a populaccedilatildeo target demarcada pelo resto da humanidade por sua aboriacutegine pobreza ignoracircncia passividade e portanto esta populaccedilatildeo precisa de uma intervenccedilatildeo de conhecimento de fora (ESCOBAR 1995 APFFEL MARGLIN AND MARGLIN 1990 SACHS 1992 NANDY 1988 CRUSH 1995)
23
como proporcionado incentivos e constrangimentos diferentes - e com graus de intensidade
desiguais - para atores fracos e atores fortes Podemos ainda perceber que nas relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento certas limitaccedilotildees e constrangimentos podem
ser estabelecidos diretamente pelos Estados mais fortes a partir dos recursos econocircmicos
Aleacutem disso entender as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da oacutetica de
regime internacional nos permite investigar o papel das organizaccedilotildees internacionais que
atuam diretamente estabelecendo regras e modelos de cooperaccedilatildeo entre os Estados do Norte
e do Sul do mundo e o quanto estas organizaccedilotildees satildeo orientadas a efetuar programas e
projetos de desenvolvimento que atendam as demandas dos atores avantajados Mas
sobretudo entender o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento como regime internacional
nos faz perceber as relaccedilotildees dos Estados nesse tema como fenocircmenos poliacutetico-
econocircmicos ajudando-nos desse modo a permanecer imunes agrave consideraccedilatildeo que retratem o
fenocircmeno como uma forma valida de ajuda que visa ldquo combater os fenocircmenos que
ameaccedilam a paz e a convivecircncia civil a pobreza o degrado ambiental a violecircncia e os
desequiliacutebrios de todos os gecircnerosrdquo (BARBARELLA 1998 64) Sendo todos estes
fenocircmenos referidos claramente como caracteriacutesticos dos paiacuteses em desenvolvimento
Perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
internacional ainda nos ajuda a definir um meacutetodo de investigaccedilatildeo para o tema Ou seja
buscar entender nas regras das organizaccedilotildees internacionais e na sua evoluccedilatildeo os processos
atraveacutes dos quais o regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi afirmado e investigar os
constrangimentos e incentivos colocados pelo regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento
em relaccedilatildeo de complementaridade com outros regimes internacionais Pensar nos regimes
internacionais em relaccedilatildeo uns com os outros nos faz perceber que a cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento pode impor ou sofrer constrangimentos incentivos e
puniccedilotildees a partir da rede de temas e regimes
A escolha de estudar a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
internacional tambeacutem nos possibilita investigar o tema a partir dos constrangimentos dos
atores mais desavantajados e identificar nas pressotildees econocircmicas sofridas por esse grupo
sua causa maior em aceitar barganhas desiguais que nem sempre parecem muito toleraacuteveis
considerando-se apenas um comportamento racional-egoiacutesta dos atores
24
Finalmente perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
nos ajuda a estabelecer o proacuteprio termo cooperaccedilatildeo para definir o fenocircmeno Pois a
literatura especializada se utiliza de trecircs locuccedilotildees distintas para nomear o mesmo
fenocircmeno Estas locuccedilotildees satildeo assistecircncia ajuda e cooperaccedilatildeo Considerando que estes trecircs
termos natildeo satildeo sinocircnimos e denotam intensidades diferentes de participaccedilatildeo dos atores no
processo algumas consideraccedilotildees podem ser oportunas O termo cooperaccedilatildeo internacional
ao desenvolvimento eacute utilizado especialmente pelos autores europeus que pretendem
conseguir uma conotaccedilatildeo equilibrada e quase amigaacutevel aos esforccedilos dos atores e aos
resultados obtidos no setor (BASILE 1995 8 ANTONELLI 1995 230 ASCARI 1999
116 BOFFO 1993) Ajuda e assistecircncia satildeo utilizadas sobretudo na literatura americana e
datildeo evidentemente ecircnfase aos paiacuteses doadores ou seja aqueles desenvolvidos
economicamente como motores unilaterais da relaccedilatildeo o que acaba descaracterizando
qualquer tipo de barganha poliacutetica que possa envolver o fenocircmeno (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1995 94) Estes dois tipos de conotaccedilatildeo da literatura
especializada - cooperaccedilatildeo como equiliacutebrio de esforccedilos e resultados e ajuda ou assistecircncia
como accedilatildeo unilateral e apoliacutetica - revelaram-se depois de nossa investigaccedilatildeo teoacuterica uma
maneira incorreta de tentar entender o fenocircmeno
Assistecircncia ou ajuda natildeo poderiam ser utilizados como termos na investigaccedilatildeo do
fenocircmeno de relaccedilatildeo entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo porque excluiriam
imediatamente do processo de desenvolvimento o uacuteltimo grupo de paiacuteses desconsiderando
inclusive os recursos financeiros empregados por estas atores nos proacuteprios projetos e
programas de desenvolvimento e na manutenccedilatildeo do setor Interpretaccedilatildeo que seria incorreta
considerando-se que apenas o Brasil repassou para o Programa de Desenvolvimento das
Naccedilotildees Unidas (PNUD) mais de R$ 250 milhotildees de doacutelares34 ente janeiro e novembro de
2000 para a execuccedilatildeo do Programa Paiacutes (Tribunal de Contas da Uniatildeo)
Cooperaccedilatildeo tambeacutem natildeo poderia ser mantido caso utilizaacutessemos apenas a
conotaccedilatildeo dada ao termo pela literatura europeacuteia visto que natildeo existem situaccedilotildees de
equiliacutebrio de esforccedilos e resultados quando a anaacutelise de alguns simples indicadores de
crescimento econocircmico nos revela que desde a implementaccedilatildeo dos primeiros esforccedilos
34 O Orccedilamento anual do PNUD eacute atualmente de US$1 bilhatildeo de doacutelares
25
mundiais coordenados para o desenvolvimento nos anos cinquumlenta a diferenccedila (gap) entre
a renda per capita dos paiacuteses do Norte e dos paiacuteses dos Sul passou de U$ 3677 em 1950
(referecircncias do doacutelar de 1980) para U$ 24000 em 1995 (referecircncia do doacutelar em 1995)35
Contudo tomando-se cooperaccedilatildeo como relevado pelos proacuteprios dados acima expostos
como um fenocircmeno econocircmico-poliacutetico que acontece a partir de uma situaccedilatildeo de conflito
vivida pelos atores como seraacute proposto no primeiro capiacutetulo deste trabalho nos
afastaremos completamente das conotaccedilotildees utilizadas pela literatura especializada europeacuteia
e poderemos definir sem risco de sermos contraditoacuterios o fenocircmeno de cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento entre Estados do Norte e do Sul do mundo como
cooperaccedilatildeo
Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional
ODA ou seja ajuda oficial ao desenvolvimento (a literatura internacional manteacutem a
sigla em inglecircs - ofjicial development aid) eacute utilizado no setor da cooperaccedilatildeo internacional
ao desenvolvimento como criteacuterio global de medida financeira das modalidade de
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento realizadas pelos paiacuteses do Norte e do Sul do mundo
(BASILE 1995 ANTONELLI 1995 GRILLI 1993 MARCfflSIO 19862000
TRIULZI 19982000) Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive agravequela
teacutecnica e fianceira (com exceccedilatildeo da ajuda de emergecircncia e de eventuais contribuiccedilotildees
privadas de ONGs) eacute contabilizado como fluxo financeiro da Ajuda Oficial ao
Desenvolvimento - ODA36 ODA eacute definido internacionalmente como sendo um ldquoconjunto
35 ldquoA diferenccedila de renda entre os paiacuteses do Norte e do Sul cresceu dramaticamente depois da Segunda Guerra Mundial Em 1950 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de USS 164 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de US$ 3841 - o que constituiacutea uma diferenccedila absoluta de U$ 3 677 (referecircncia do doacutelar americano de 1980) Trinta anos depois em 1980 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 245 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 9648 - o que constituiu uma diferenccedila absoluta de U$ 9043O crescimento da diferenccedila continuou nos anos 90 Em 1995 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 430 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 24930 - o que constitui uma diferenccedila absoluta de U$ 24000 (referecircncia do doacutelar americano de 1995) (SELIGTON 1998 3)
36 Internacionalmente eacute aceita a sigla ODA para definir estes fluxos financeiros motivo pelo qual decidimos mantecirc-la nesse trabalho
26
de fluxos destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento^7 e agraves agecircncias multilaterais
fornecidos atraveacutes das agecircncias oficiais incluindo-se o Estado e os governos locais ou suas
agecircncias executivas cujas transaccedilotildees respeitem os seguintes criteacuterios a) como primeiro
objetivo que a assistecircncia seja administrada em funccedilatildeo da promoccedilatildeo do desenvolvimento
econocircmico e do bem estar dos paiacuteses em vias de desenvolvimento b) que os fluxos
destinados agrave cooperaccedilatildeo puacuteblica sejam facilitados e contenham um elemento de doaccedilatildeo de
ao menos 25rdquo (wwwoecdorgdac)
Por tratarem-se os fluxos ODA tambeacutem de ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e
expliacutecitos normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em torno do qual as
expectativas dos atores convergemrdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) eles tambeacutem seratildeo
nesse trabalho definidos como regimes internacionais
Como vimos Keohane percebe a cooperaccedilatildeo internacional como fundamentalmente
econocircmica e possiacutevel de acontecer a partir de um ambiente facilitador ou seja de um
regime internacional O ODA foi introduzido internacionalmente para cumprir a funccedilatildeo de
ambiente facilitador das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses do Norte e Sul depois da
afirmaccedilatildeo do conceito de multilateralismo no final da Segunda Guerra Mundial (BASILE
1995) O ODA deveria ter garantido que os benefiacutecios da implantaccedilatildeo da maior abertura
comercial e financeira fossem em alguma medida repassados para os atores mais fracos e
ajudassem estes paiacuteses em seus processo de desenvolvimento (entendido como crescimento
econocircmico38) (JEPMA1991)
No proacuteximo capiacutetulo iniciaremos nosso estudo sobre a nova modalidade de ajuda
multibilateral Depois de introduzir o termo buscaremos perceber como foi possiacutevel que
esse tipo de modalidade a princiacutepio contraacuteria as regras das organizaccedilotildees internacionais que
deveriam preservar uma certa neutralidade na conduccedilatildeo do repasse dos fluxos ODA
conseguiu estruturar-se a partir das falhas das normativas do proacuteprio PNUD e da
37 Esse tipo de definiccedilatildeo exclui os cria um problema para os paiacuteses em vias de desenvolvimento pois mede como fluxos ODA apenas aqueles repassados pelos paiacuteses desenvolvidos para o setor da cooperaccedilatildeo excluindo desse modo os recursos (muito substanciais) que os paiacuteses em desenvolvimento destinam ao proacuteprio desenvolvimento e agravequela internacional
38 Uma observaccedilatildeo fundamental para nossa discussatildeo eacute que ldquoateacute os anos cinquumlenta o conceito de desenvolvimento era estritamente interpretado como crescimento econocircmicordquo (DECLICH E EBOLI 1995 p 131)
27
Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas Finalmente dedicaremos a parte final do capiacutetulo a
uma breve explanaccedilatildeo da foacutermula multibilateral dos custos divididos (cost-sharing) aquela
prioritariamente utilizada pelo PNUD no Brasil e na Ameacuterica Latina
28
CAPIacuteTULO II
A AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO
As foacutermulas multiacutebilaterais como puniccedilatildeo
A partir da deacutecada de setenta uma nova modalidade de administraccedilatildeo e utilizaccedilatildeo
dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) foi estabelecida a partir
do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) Esta modalidade foi
denominada com um singular neologismo lsquomultibilateraV e se apresentava como uma
siacutentese dos dois modelos tiacutepicos de financiamento de projetos e programas do setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o multilateral efetuado atraveacutes da accedilatildeo das organizaccedilotildees
internacionais multilaterais e o bilateral realizado diretamente pelos Estados
A ajuda multibilateral eacute definida como uma forma particular de administraccedilatildeo e
repasse dos fluxos do regime internacional da ODA que consiste ldquono financiamento de
programas elaborados pelas organizaccedilotildees internacionais que se empenham mediante
acordos ad hoc a executar projetos especiacuteficos (setorizados) utilizando bens serviccedilos e
capacidade teacutecnica profissional dos paiacuteses doadoresrdquo (BASILE 1995 20 MARCHISIO
198612 MARCHISIO 2000 345369) A nova modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos
ODA inaugurou um precedente no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
De fato Marchisio nos lembra que ateacute a introduccedilatildeo da modalidade de ajuda multibilateral
o repasse dos fluxos ODA atraveacutes das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter regional em
particular do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) tendiam a
pieservar o princiacutepio constituinte da cooperaccedilatildeo multilateral ou seja a natildeo identificaccedilatildeo
dos paiacuteses doadores dos recursos (MARCHISIO 1986) Com efeito Basile argumenta que
os fundos das organizaccedilotildees internacionais dos programas das Naccedilotildees Unidas tinham sido
constituiacutedos e cumpriam a funccedilatildeo de preservar o anonimato entre paiacuteses doadores e paiacuteses
recebedores dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) (BASILE
29
1995) Dessa forma os paiacuteses recebedores dos recursos (aqueles em desenvolvimento)
teriam a garantia de que os fluxos ODA seriam repassados com o menor nuacutemero possiacutevel
de viacutenculos Isso significava que o Estado recebedor natildeo teria compromissos de utilizar os
fluxos do regime internacional ODA para efetuar compras de bens e serviccedilos dos paiacuteses
doadores destes recursos (procurement) ou para favorecer eventuais interesses poliacuteticos
destes Estados A questatildeo da licitaccedilatildeo para as compras de bens e serviccedilos para a execuccedilatildeo e
a implantaccedilatildeo de projetos e programas de desenvolvimento procurement) eacute atualmente
um dos pontos mais emblemaacuteticos das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre
paiacuteses dos hemisfeacuterios Norte e do Sul39 Segundo dados fornecidos por Escobar o Banco
Mundial gastou desde o final dos anos setenta mais de 80 do total dos recursos
multilaterais recebidos com contratos de aquisiccedilatildeo de mercadorias e com salaacuterios de
consultores nos proacuteprios paiacuteses doadores (ESCOBAR 1995 166) Como vimos em nosso
capiacutetulo anterior os Estados em vias de desenvolvimento sofreram puniccedilotildees sistecircmicas
atraveacutes do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a partir do iniacutecio dos
anos setenta Estas puniccedilotildees econocircmicas contra os paiacuteses em vias de desenvolvimento
(PVD) aconteceram atraveacutes de uma diminuiccedilatildeo dos repasses dos fluxos do regime da ajuda
oficial ao desenvolvimento (ODA) e de um maior controle destes fluxos As puniccedilotildees
sistecircmicas reordenaram o comportamento dos atores do regime internacional da cooperaccedilatildeo
ao desenvolvimento atraveacutes do estabelecimento de novos incentivos e constrangimentos
O primeiro ator que sofreu puniccedilotildees sistecircmicas e alterou profundamente seu
comportamento foi o Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) que ateacute
os anos setenta concentrava a maior parte dos fluxos do regime internacional da ajuda
oficial ao desenvolvimento (ODA) De fato o PNUD administrava 75 dos recursos das
atividades de cooperaccedilatildeo teacutecnica do Sistema das Naccedilotildees Unidas Com as puniccedilotildees
sistecircmicas impostas pelos Estados mais fortes a partir do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a quantidade de fluxos ODA administrados pelo PNUD
diminuiu vertiginosamente Jaacute no iniacutecio dos anos oitenta os fluxos ODA administrados
pelo PNUD eram apenas 25 dos fundos multilaterais da cooperaccedilatildeo teacutecnica
(MARCHISIO 1986) Quanto ao volume dos fluxos multilaterais ODA no setor da
39 Seraacute sob esse ponto de vista que Norte e Sul seratildeo tratados daqui em diante
30
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o total administrado pelo PNUD diminuiu de 65 em
1968 para 38 em 1980 (NOGUEIRA 2001 30)
A diminuiccedilatildeo de recursos no Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
(PNUD) aconteceu como uma forma direta de puniccedilatildeo econocircmica contra os Estados em
desenvolvimento Isso porque o PNUD sendo um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia Geral
das Naccedilotildees Unidas em que os Estados tecircm o mesmo peso de voto (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1996) podia como detentor majoritaacuterio dos recursos do
desenvolvimento favorecer poliacuteticas de utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA mais proacuteximas das
preferecircncia dos PVD
A praacutetica da ajuda vinculada era sobretudo ateacute a introduccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais uma caracteriacutestica da ajuda bilateral ao desenvolvimento (aquela realizada
diretamente entre os Estados) Contudo com a introduccedilatildeo da ajuda multibilateral os
Estados doadores puderam natildeo apenas condicionar de maneira mais acentuada o repasse
dos fluxos ODA agrave satisfaccedilatildeo de seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou econocircmicos mas
garantir um maior controle sobre os fluxos ODA multilaterais destinados aos paiacuteses em
desenvolvimento A introduccedilatildeo da ajuda multibilateral e o fortalecimento do poder de
decisatildeo da utilizaccedilatildeo destes recursos pelos Estados doadores podem ajudar a entender
porque trinta dos cinquumlenta maiores clientes das induacutestrias de mercadorias americanas
vecircm sendo a partir da metade dos anos setenta paiacuteses em desenvolvimento A maior parte
destes 30 satildeo os maiores recebedores da ajuda alimentar (ESCOBAR 1995166) Um fator
tambeacutem importante para o fortalecimento dos Estados doadores no setor da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a partir dos anos setenta foi a aproximaccedilatildeo promovida
pela cooperaccedilatildeo multibilateral dos paiacuteses doadores das agecircncias das Naccedilotildees Unidas Essa
aproximaccedilatildeo tomou possiacutevel aos paiacuteses doadores apropriar-se de uma seacuterie de informaccedilotildees
dos paiacuteses em desenvolvimento assim como do know how dos organismos de cooperaccedilatildeo
multilateral Elementos que resultaram uacuteteis para reorganizar em bases proacuteprias a
cooperaccedilatildeo multilateral e para a introduccedilatildeo de novos elementos como a condicionalidade
da ajuda e a cooperaccedilatildeo descentralizada Por exemplo com a foacutermula multibilateral
claacutessicas dos custos divididos e dos custos divididos com uma terceira parte os paiacuteses
doadores puderam ter acesso agraves informaccedilotildees completas do ldquoPrograma Paiacutesrdquo dos PVD
ainda em fase de projeccedilatildeo Desses projetos consta aleacutem de uma anaacutelise minuciosa das
31
poliacuteticas de governos que seratildeo seguidas pelos paiacuteses em aacutereas estrateacutegicas como aquela
econocircmica uma seacuterie de informaccedilotildees relativas aos custos que o governo do paiacutes em
desenvolvimento pretende utilizar como recursos proacuteprios para a realizaccedilatildeo dos projetos
Essas informaccedilotildees tendem a ser utilizada para favorecer interesses poliacuteticos e comerciais
dos Estados doadores
Marchisio afirma que a ajuda multibilateral pocircde constituir-se no acircmbito das
organizaccedilotildees multilaterais atraveacutes da introduccedilatildeo de uma seacuterie de novas foacutermulas de
financiamento de projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento que foram
encontrando legitimaccedilatildeo nas falhas normativas e na falta de regulamentaccedilatildeo homogecircnea
das normas financeiras do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD)
assim como nas proacuteprias regras financeiras da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
(MARCHISIO 2000) As foacutermulas multibilaterais migraram em um segundo momento
para os demais oacutergatildeos subsidiaacuterios40 da Assembleacuteia Geral e para os institutos financeiros
Disso resulta que as foacutermulas multibilaterais encontram-se entre as principais modalidades
de utilizaccedilatildeo dos recursos multilaterais do Sistema das Naccedilotildees Unidas Limitaremos nossa
anaacutelise nesse capiacutetulo ao estudo da categoria multibilateral no PNUD por ter sido esse o
Programa que inicialmente instituiu a ajuda multibilateral Aleacutem disso o PNUD eacute o maior
parceiro de programas de cooperaccedilatildeo do Brasil41 e utiliza uma foacutermula multibilateral - o
cost-sharing - para efetuar o Programa Paiacutes de Desenvolvimento (NOGUEIRA 2001) A
ajuda multibilateral permitira aos Estados doadores (os paiacuteses mais desenvolvidos
economicamente) um maior poder de decisatildeo na aplicaccedilatildeo dos fundos ODA das
organizaccedilotildees multilaterais de caraacuteter universal e o estabelecimento institucionalizado da
ajuda vinculada multilateral que atualmente representa ldquopercentuais meacutedios de 50 dos
fluxos do regime internacional ODA recolhido por estas organizaccedilotildees com pontas que
40 Oacutergatildeos subsidiaacuterios satildeo organismos operativos ligados por uma relaccedilatildeo de auxiliares agraveAssembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (quase todos principiam pela sigla UN contudo devemos daratenccedilatildeo agrave UNESCO - United Nations Educational Scientific and Cultural Organization - e agraveUNIDO - United Nations Industrial and Development Organization - que satildeo agecircnciasinstitutosespecializados do Sistema e cujos nomes tambeacutem principiam com a mesma sigla)
45 A proacutepria Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento nasceu como um projeto PNUD (NOGUEIRA 1999)
32
alcanccedilam ateacute 80 nos paiacuteses do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD)
(BASILE 1995 63)42
As foacutermulas multibilaterais de repasse de financiamento comeccedilaram a ser aplicadas
depois que a resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas sugeriu que se
efetivassem mecanismos de repasse obrigatoacuterio dos fluxos ODA dos paiacuteses industrializados
(em uma quantidade miacutenima de 07 do PIB) para a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento dos
paiacuteses mais pobres Aumentar a quantidade de recursos e obter uma garantia de
recebimento de financiamentos dos paiacuteses industrializados podem ser consideradas medidas
efetivas dos paiacuteses em desenvolvimento para o estabelecimento da pretendida nova ordem
econocircmica mundial no iniacutecio dos anos setenta A iniciativa dos paiacuteses em desenvolvimento
que se articulou a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas preocupou os paiacuteses
doadores quanto agrave organizaccedilatildeo dos paiacuteses mais pobres e tambeacutem quanto agrave utilizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas como promotora dos interesses do Sul do mundo (ARMSTRONG LLOYD
amp REDMOND 1996 95) Os paiacuteses industrializados reagiram imediatamente agrave resoluccedilatildeo
2626 (XXV) retirando os fluxos do regime internacional ODA das organizaccedilotildees
internacionais particularmente do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
(PNUD)
Essa retirada gerou uma crise orccedilamentaacuteria no Programa que determinou a criaccedilatildeo
de foacutermulas de administraccedilatildeo da ajuda que fossem mais atrativas para os paiacuteses doadores
(ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1999) As foacutermulas multibilaterais permitiram
que os paiacuteses doadores passassem a identificar os Estados onde seriam aplicados os fundos
podendo escolher o tipo de projeto e o setor onde seus recursos seriam utilizados As
foacutermulas multibilaterais permitiram ainda que os paiacuteses doadores pudessem concentrar seus
repasses de fluxos ODA em projetos (setores ou paiacuteses) que lhes trouxessem maior retomo
econocircmico Esse foi por exemplo o caso da Gratilde-Bretanha - que no periacuteodo entre 1979-82
destinou US$ 3994 milhotildees para a cooperaccedilatildeo e recebeu de retomo econocircmico US$ 7747
milhotildees Outros paiacuteses que costumam conseguir um alto retorno econocircmico satildeo a Aacuteustria a
Franccedila e a Nova Zelacircndia (MARCHISIO 198631) Podemos perceber portanto como a
42 Entre os paiacuteses que mais recorrem a este tipo de praacutetica estatildeo os Estados Unidos (com mais de 60 dos recursos) o Reino Unido (60) a Itaacutelia (65) o Canadaacute (50) e a Beacutelgica (mais de 60) (BASILE 1995 63)
33
aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees econocircmicas aos paiacuteses em vias de desenvolvimento gerou novos
incentivos e novas constriccedilotildees para o PNUD que acabaram determinando uma mudanccedila de
comportamento desse organismo
Enquanto os fluxos ODA eram retirados do PNUD acontecia o aumento da
concentraccedilatildeo destes fundos nos programas bilaterais dos paiacuteses doadores e nas entidades
(Institutos Financeiros e Fundo Europeu) mais facilmente controlaacuteveis por estes paiacuteses
Keohane afirma que os regimes internacionais que se constituem dentro das
organizaccedilotildees internacionais proporcionam algum tipo de confianccedila legal e a reduccedilatildeo dos
custos organizacionais para os Estados porque as regras destas organizaccedilotildees mesmo que
imperfeitas orientam os modelos de comportamento dos atores (KEOHANE 1984 88)
Ao mesmo tempo Keohane tambeacutem admite que as regras ou a ausecircncia de regras das
organizaccedilotildees internacionais em determinadas temas tendem a favorecer os interesse
econocircmicos e poliacuteticos dos atores mais fortes (KEOHANE 1984 90) Acreditamos que
esse quadro possa contribuir para a compreensatildeo da implantaccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais nas organizaccedilotildees internacionais E inegaacutevel que os fundos da cooperaccedilatildeo
multilateral enquanto eram preferencialmente administrados a partir de organizaccedilotildees
internacionais de caraacuteter universal particularmente pelo Programa de Desenvolvimento das
Naccedilotildees Unidas (PNUD) proporcionavam certa confiabilidade para os paiacuteses em vias de
desenvolvimento quanto ao comportamento dos atores mais fortes Contudo depois das
alteraccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento provocadas pelo acirramento das
tensotildees entre o grupo de paiacuteses doadores e o dos paiacuteses recebedores - e da consequumlente
concentraccedilatildeo dos fundos nas entidades ligadas aos paiacuteses doadores O proacuteprio PNUD foi
encontrando falhas normativas internas ou atraveacutes da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
(passivas ateacute entatildeo) por onde as foacutermulas multibilaterais puderam ser implantadas Disso
resulta que efetivamente o estudo das regras das organizaccedilotildees internacionais e de sua
evoluccedilatildeo no tempo pode ser muito interessante contribuindo para que possamos analisar
os processos poliacuteticos que envolvem os regimes internacionais
As falhas nas normativas que regulamentam a administraccedilatildeo financeira de oacutergatildeos
importantes como a Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas ou do PNUD ateacute entatildeo principal
regulador dos fundos da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento podem ser interpretadas como
constrangimentos iniciais do proacuteprio Programa Isso natildeo significa que estes oacutergatildeos
34
cumpram um papel funcional junto aos atores mais fortes Mas isto sim que a proacutepria
loacutegica das contribuiccedilotildees voluntaacuterias que estruturam estas organizaccedilotildees podem ter impedido
que mecanismos mais restritivos de controle dos recursos (que resultariam em perda de
flexibilidade) fossem estabelecidos Para Keohane constrangimentos pode ser acordados jaacute
no momento de instituiccedilatildeo das organizaccedilotildees (KEOHANE 1984) O constrangimento
representado pelas falhas das normativas financeiras de organizaccedilotildees que administravam
substanciais recursos destinados aos PVD pode ter permanecido em estado latente ateacute
serem habilitadas quando foi propiacutecia sua utilizaccedilatildeo
Para que possamos ter uma melhor compreensatildeo de como os interesses dos paiacuteses
doadores acabaram sendo legitimados nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal
toma-se necessaacuterio fazer uma anaacutelise mais focada das foacutermulas multibilaterais nestas
organizaccedilotildees Devido a isso o capiacutetulo eacute dedicado primeiramente agrave investigaccedilatildeo da origem
institucional das modalidades de cooperaccedilatildeo multibilaterais a partir da Resoluccedilatildeo 2626
(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na deacutecada de setenta (Segundo Dececircnio
para o Desenvolvimento) Analisaremos a seguir os principais pontos da regulamentaccedilatildeo da
Assembleacuteia Geral e do PNUD - ou seja aqueles ligados agrave administraccedilatildeo dos recursos e ao
procurement Assim procuraremos entender de que maneira os vaacutecuos dessas normativas
possibilitaram a constituiccedilatildeo das foacutermulas de financiamento multibilaterais no Programa A
parte final do capiacutetulo seraacute dedicada agrave anaacutelise da foacutermula multibilateral do cost-sharing no
Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas e da mais recente versatildeo do cost-
sharing atraveacutes da qual os paiacuteses em desenvolvimento assumiram a quase totalidade do
custo de seu Programa Paiacutes elaborado pelo PNUD
A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
A tendecircncia dos Estados em fornecer recursos financeiros agraves organizaccedilotildees
internacionais multilaterais estabelecendo condiccedilotildees de vaacuterios gecircneros natildeo eacute certamente
nova Uma anaacutelise realista nos faz perceber que as condiccedilotildees formuladas pelos atores mais
fortes para o repasse de recursos sempre existiram Contudo como dissemos as novas
foacutermulas multibilaterais acentuaram em medida notaacutevel os viacutenculos de destino dos
35
recursos pois os Estados doadores puderam passar a escolher diretamente para qual setor -
e paiacutes - seriam destinados os fluxos ODA multilaterais interferindo desse modo nos
processos globais e nacionais de desenvolvimento Aleacutem disso vale ressaltar que esse tipo
de modalidade de favorecimento dos interesses dos paiacuteses doadores a partir de fluxos ODA
multilaterais abriu um precedente para esse mesmo tipo de favorecimento em outros
organismos administradores de recursos multilaterais como por exemplo o Fundo Europeu
de Desenvolvimento (FED)
A afirmaccedilatildeo do fenocircmeno dos financiamentos multibilaterais na cooperaccedilatildeo a partir
da metade dos anos setenta pode ser ligada de maneira generalizante agraves vastas
transformaccedilotildees no ambiente internacional realizadas no curso daqueles anos que haviam
consolidado a estrutura das relaccedilotildees econocircmicas internacionais desde o final da Segunda
Guerra Mundial Alguns acontecimentos do iniacutecio da deacutecada de setenta - como o final dos
sistema monetaacuterio baseado nos acordos de Bretton Woods43 a inflaccedilatildeo e a recessatildeo dos
paiacuteses agrave economia de mercado o aumento das taxas de desocupaccedilatildeo e o choque do petroacuteleo
- fortaleceram a posiccedilatildeo dos paiacuteses em vias de desenvolvimento quanto ao
estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial que garantisse uma redistribuiccedilatildeo
mais equilibrada dos recursos internacionais
Esperava-se que o crescimento econocircmico da deacutecada de setenta pudesse derivar em
uma repercussatildeo positiva para os paiacuteses em desenvolvimento desde que mecanismos mais
eficazes do setor da cooperaccedilatildeo fossem criados e efetivados pelas organizaccedilotildees
internacionais (RESOLUCcedilAtildeO 2626 (XXV) sect 8) O ambiente internacional44 levou os
paiacuteses em vias de desenvolvimento a aprovarem na Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
como um dos objetivos da Comunidade Internacional para a deacutecada de setenta45 a
automatizaccedilatildeo da transferecircncia de 07 do PIB dos paiacuteses industrializados para ajuda ao
43 Em 1971 o padratildeo doacutelar-ouro foi abandonado pelos EUA
44 Que parecia tender para uma mudanccedila da ordem econocircmica devido agrave crise do regime monetaacuterio agraves expectativas da continuaccedilatildeo do crescimento mundial e agrave declaraccedilatildeo do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE de que os paiacuteses industrializados pretendiam adotar a Recomendaccedilatildeo sobre Condiccedilotildees e Termos Financeiros ou seja a primeira proposta de elevar os fluxos ODA para 07 do PIB dos paiacuteses industrializados (FUumlHRER 1996)
4gt A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) eacute de 24 de setembro de 1970
36
desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres (ARMSTRONG LLOYDamp REDMOND 1996
94-5)
Para os paiacuteses mais pobres um dos principais problemas para a efetivaccedilatildeo de
projetos e programas de desenvolvimento a longo prazo tem sido a ausecircncia de uma
garantia no recebimento de financiamentos internacionais (CECHI1995 ASCARI 1999)
O paiacutes que escolhe a estrada do desenvolvimento econocircmico pode encontrar na feita de
recursos algumas complicaccedilotildees capazes de comprometer seu crescimento econocircmico
(EATON 1989 CARDOSO e DORBUSCH 1989) A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi tomada
justamente para que um comprometimento maior dos paiacuteses doadores de repasse de
financiamentos pudesse proporcionar a realizaccedilatildeo de projetos e programas de crescimento
mais longos Os fundos destinados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento por
constituiacuterem repasses voluntaacuterios tecircm sido fetor de constrangimento para o
estabelecimento de poliacuteticas de desenvolvimento continuadas nos paiacuteses mais pobres
As intenccedilotildees declaradas dos paiacuteses industrializados de destinar um percentual
miacutenimo de 07 seus respectivos PIBs para o setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo
eram garantia do estabelecimento de medidas concretas de repasses dos fundos
Atualmente ainda podemos comprovar esta situaccedilatildeo pois mesmo que o paiacuteses
industrializados continuem afirmando suas intenccedilotildees de aumentar os fluxos ODA
(Conferecircncia de Monterrey em 2002) para um percentual miacutenimo de 07 de seus PIBs
nacionais na realidade os financiamentos facilitados continuam diminuindo Os fluxos
ODA dos paiacuteses Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) baixaram de 033 do
PIB no biecircnio de 1986-7 para 022 em 1997 e continuam em queda acentuada (TRIULZI
1998 123)
A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi uma tentativa de conseguir garantir aos paiacuteses em
desenvolvimento uma quantidade miacutenima de recursos que pudessem ser empregados como
financiamento aos paiacuteses do Sul atraveacutes de um maior comprometimento dos paiacuteses
doadores com a ajuda ao desenvolvimento46 Eacute interessante perceber que na recente
46 A funccedilatildeo deste oacutergatildeo plenaacuterio das Naccedilotildees Unidas limita-se apenas ao estudo discussatildeo e recomendaccedilotildees - aos Estados membros e natildeo-membros e aos demais organismos da ONU e subsidiaacuterios - de temas ligados agrave manutenccedilatildeo da paz e agrave resoluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias (CAFFARENA 200180 Carta das Naccedilotildees Unidas art 10-14) Neste sentido o termo resoluccedilatildeo manteacutem o significado geneacuterico de recomendaccedilatildeo
37
Conferecircncia Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento realizada em marccedilo
de 2002 na cidade de Monterrey o tema da necessidade de um repasse automatizado de
fundos para o setor da cooperaccedilatildeo que continua sendo uma das questotildees centrais para os
paiacuteses pobres natildeo foi nem mesmo levantado (CONFEREcircNCIA DE MONTERREY) O
fato de omitir-se uma questatildeo de tamanha importacircncia para os paiacuteses em desenvolvimento
na principal Conferecircncia sobre os fundos da cooperaccedilatildeo desta deacutecada evidencia como os
paiacuteses industrializados fortaleceram suas posiccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo desde os anos
setenta
As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD
As foacutermulas multibilaterais por estarem diretamente ligadas aos interesses
comerciais dos paiacuteses doadores (interesses de procurement - ajuda vinculada) foram
introduzidos sobretudo a partir da regulamentaccedilatildeo financeira dos oacutergatildeos subsidiaacuterios e da
proacutepria Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas afirmando-se de maneira pragmaacutetica
aproveitando os vaacutecuos existentes nas normas que regulam a gestatildeo financeira da
Assembleacuteia Geral e seus oacutergatildeos subsidiaacuterios (MARCHISIO 2000) Esse eacute o caso da
resoluccedilatildeo 3556 da Assembleacuteia Geral que trata das estrateacutegias das Naccedilotildees Unidas para o
Terceiro Dececircnio do Desenvolvimento nos anos oitenta No paraacutegrafo 103 b afirma-se que
ldquoem regravegle gegravenerale laacuteide publique au deacuteveloppement ne devrais pas ecirctre lieacuteerdquo (YODER
1997) O uso do condicional que natildeo estava presente ateacute os anos oitenta nesse paraacutegrafo
permite entender claramente a presenccedila de um espaccedilo (que deveria ser marginal) no qual
satildeo consentidas derrogas ou exceccedilotildees Nos documentos que definiram as estrateacutegias das
Naccedilotildees Unidas para o Primeiro e o Segundo Dececircnio para o Desenvolvimento a ajuda
vinculada realizada atraveacutes de recursos oficiais ao desenvolvimento multilaterais era
categoricamente proibida47
Natildeo existe uma regulamentaccedilatildeo uacutenica que normatize a gestatildeo financeira das
diversas agecircncias e institutos do Sistema das Naccedilotildees Unidas Pelo contraacuterio cada
47 Disponiacutevel on-line (HTTPVwww unorgdoc)
38
organismo conta com medidas proacuteprias de alocaccedilatildeo e administraccedilatildeo dos recursos
(CAFFARENA 2001) Mesmo para os organismos subsidiaacuterios da Assembleacuteia Geral dos
quais a grande parte dos oacutergatildeos que trabalham no setor da cooperaccedilatildeo eacute subsidiaacuterio existe
uma autonomia funcional Contudo sendo o PNUD um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia
Geral das Naccedilotildees Unidas eacute pertinente aprofundar mais especificamente os limites da
autonomia financeira do proacuteprio Programa em relaccedilatildeo agrave Assembleacuteia Geral
A Assembleacuteia Geral conteacutem algumas indicaccedilotildees vagas sobre a gestatildeo financeira dos
seus oacutergatildeos subsidiaacuterios48 De maneira generalizante a proacutepria Assembleacuteia deveria
responder pelo regulamento financeiro de seus oacutergatildeos subsidiaacuterios a menos que ldquoas
resoluccedilotildees atraveacutes das quais eles foram individualmente constituiacutedos lhes tenham conferido
autonomia financeira que o Secretaacuterio Geral das Naccedilotildees Unidas tenha autorizado
autonomia de gestatildeo financeira ou no caso dos organismos que possuem atividades
operativas que estes sejam financiados atraveacutes de contribuiccedilotildees voluntaacuterias e possuam bens
proacutepriosrdquo (REGULAMENTO FINANCEIRO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS )49 Ou seja isso
significa que na praacutetica todos os oacutergatildeos subsidiaacuterios das Naccedilotildees Unidas tecircm autonomia
financeira de administraccedilatildeo dos recursos pois todos enquadram-se em ao menos duas das
categorias de exceccedilatildeo (contribuiccedilotildees voluntaacuterias e bens proacuteprios)
Quanto ao procurement espaccedilo de maior abertura para a introduccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais nos projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (CREWE amp
HARRISON 1998) os oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia mesmo que dotados de
autonomia de gestatildeo deveriam manter-se compatiacuteveis com os princiacutepios gerais da
regulamentaccedilatildeo financeira das Naccedilotildees Unidas de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeo Contudo o
proacuteprio estatuto da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas eacute ambiacuteguo na regulamentaccedilatildeo da
compra de seus bens e serviccedilos
Para o procurement (acima de 10 mil doacutelares) da Assembleacuteia Geral se determina
que ldquoa compra de bens e serviccedilos deve ser feita atraveacutes de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeordquo (art
48 Da instituiccedilatildeo e da normativa dos oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia trata o art 2 2 da Carta das Naccedilotildees Unidas
49 Disponiacutevel on-line (http w w w u n o rg l Ponto 5 do art X101 do Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
39
105 do Regulamento Financeiro)50 Essa normativa contudo soacute eacute vaacutelida para as compras
de bens e serviccedilos efetuados com recursos ldquoobrigatoacuteriosrdquo aqueles recebidos para a
manutenccedilatildeo das estruturas Quanto aos procurement efetuados pela Assembleacuteia Geral e
realizados com recursos voluntaacuterios (fora do orccedilamento anual de manutenccedilatildeo da estrutura)
a Assembleacuteia estabelece que o Secretaacuterio Geral pode ldquoestabelecer qualquer outro criteacuterio
para a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos desde que no interesse da organizaccedilatildeordquo (11016 a
11024 do Regulamento Financeiro)51 Essa falta de regulamentaccedilatildeo precisa possibilita a
praacutetica de ajuda vinculada jaacute a partir da proacutepria Assembleacuteia Geral
Quanto ao PNUD o Programa estabelece princiacutepios complementares aos da
Assembleacuteia Geral em mateacuteria de procurement de um lado que o programa deve
normalmente utilizar o procedimento da licitaccedilatildeo internacional para aquisiccedilatildeo de bens e
serviccedilos favorecendo todavia onde possiacutevel o emprego daqueles disponiacuteveis nos proacuteprios
paiacuteses em via de desenvolvimento Contudo os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo destes bens e
serviccedilos natildeo satildeo o preccedilo mas o maacuteximo de eficaacutecia teacutecnica (humana e material) para a
realizaccedilatildeo do projeto (artigo 145 do Regulamento Financeiro do PNUD) O criteacuterio de
julgamento de eficiecircncia eacute realizado evidentemente no proacuteprio PNUD atraveacutes do setor de
execuccedilatildeo de projetos (OPE) Torna-se evidente portanto que as avaliaccedilotildees das licitaccedilotildees
totalmente baseadas nas decisotildees subjetivas dos funcionaacuterios do Programa (CREWE amp
HARRISON 1998) possam vir a favorecer foacutermulas multibilaterais
Um segundo ponto a ser sublinhado A aplicabilidade do regulamento do PNUD diz
respeito somente aos projetos que o Programa executa diretamente Acontece que a
execuccedilatildeo direta de projetos pelo programa natildeo eacute regra Ao contraacuterio o PNUD limita-se na
maior parte dos casos agrave funccedilatildeo de oacutergatildeo financeiro conferindo fundos necessaacuterios para
cobrir os custos internacionais (custos de operacionalizaccedilatildeo) de projetos cuja execuccedilatildeo
vem confiada agraves agecircncias de execuccedilatildeo (executing agencie) do Sistema das Naccedilotildees Unidas
e tambeacutem a partir de 1984 agraves ONGs internacionais que tenham caraacuteter consultivo junto ao
ECOSOC (das quais 79 satildeo dos EUA e da Europa) Quando um projeto - entre aqueles
50 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
51 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
40
indicados nos programas nacionais de desenvolvimento e aprovado pela PNUD - chega agrave
fase de atuaccedilatildeo normalmente entram em cena as executing agencies como encarregadas de
providenciar as necessaacuterias aquisiccedilotildees de bens e serviccedilos Ocorre precisar que onde o
Programa recorre a subcontratos parciais ou totais de realizaccedilatildeo de um projeto estes
uacuteltimos eacute que iratildeo fazer diretamente a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos no lugar da PNUD ldquoNa
hipoacutetese em que a realizaccedilatildeo de um projeto seja delegada a uma executing agency em
razatildeo da sua competecircncia teacutecnica a funccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos e o
recrutamento dos especialistas seraacute tambeacutem do oacutergatildeo contratado que utilizaraacute suas proacuteprias
regras de procurementrdquo (art 151 do regulamento financeiro do PNUD) Atualmente
grande parte das executing agencies satildeo os institutos financeiros e as ONGs internacionais
acreditadas pelo ECOSOC O regulamento dos institutos financeiros natildeo prevecirc nem mesmo
o mecanismo da licitaccedilatildeo internacional pois o proacuteprio diretor geral do instituto
especializado eacute o responsaacutevel pelas decisotildees de aquisiccedilatildeo de mercadorias e serviccedilos
especializados para a realizaccedilatildeo dos projetos Situaccedilatildeo ainda mais grave eacute o caso das ONGs
que atuam como executing agencies e tecircm autonomia praticamente absoluta na
administraccedilatildeo dos recursos nas licitaccedilotildees nas compras internacionais e na contrataccedilatildeo de
pessoal As ONGs satildeo muito orgulhosas de sua suposta autonomia e podem utilizar seu
apoio junto agrave comunidade civil para que natildeo lhes sejam estabelecidas regras mais
transparentes de controle (TAVARES 1999)
Foacutermulas multibilaterais custos divididos (ltcost-sharing)
No que diz respeito agrave cooperaccedilatildeo teacutecnica as foacutermulas multibilaterais legitimadas
dentro da normativa do Sistema do PNUD satildeo as contribuiccedilotildees in natura52 (agraves quais se liga
o problema das contribuiccedilotildees de contraparte) a participaccedilatildeo nos custos (ltcost-sharing) e a
participaccedilatildeo nos custos de uma terceira parte (third-party-cost-sharing) os fundos de
52 Se referem aos custos locais e de manutenccedilatildeo dos programas de desenvolvimento
41
confianccedila (trust-funds) os serviccedilos de gestatildeo53 (management-services) e as contribuiccedilotildees
em moeda natildeo conversiacutevel54 Uma evoluccedilatildeo mais recente das foacutermulas de financiamento de
projetos multibilateral satildeo os jaacute citados fundos de confianccedila temaacuteticos (thematic trusts
Junds)55 Limitaremos nossa anaacutelise ao estudo do cost-sharing ao third-party-cost-sharing
e agrave mais nova versatildeo de cost-sharing (integral) - a foacutermula utilizada pelo Brasil para
realizar o Programa Paiacutes junto ao PNUD
bull Custos Divididos e Custos Divididos com uma Terceira Parte
Os custos divididos e os custos divididos com uma terceira parte constituiacuteram-se
em uma verdadeira exceccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de serem impostas restriccedilotildees quanto ao uso e o
destino das contribuiccedilotildees voluntaacuterias O Cost-sharing e sua variante third-party-cost-
sharing foram introduzidas em suas versotildees claacutessicas na metade dos anos setenta e
tomaram-se rapidamente a principal foacutermula de execuccedilatildeo de programas e projetos de
desenvolvimento realizados atraveacutes da cooperaccedilatildeo internacional
Na modalidade claacutessica de cost-sharing um projeto de ajuda teacutecnica comporta um
custo global do qual uma parte cabe ao Estado beneficiado e outra ao PNUD em
conformidade com os acordos descritivos de base e com aqueles descritivos do projeto O
PNUD normalmente elabora como cooperaccedilatildeo teacutecnica multilateral um conjunto de
projetos de atuaccedilatildeo quumlinquumlenal para os paiacuteses em vias de desenvolvimento definidos como
Programa Paiacutes country programme) Estes projetos em sua primeira fase satildeo cobertos (na
totalidade ou em sua parte mais consistente) pelos paiacuteses beneficiados Uma segunda lista
de projetos chamada pipeline embora compreenda tambeacutem accedilotildees prioritaacuterias seraacute depois
5j Os serviccedilos administrativos (management services) consiste em colocar agrave disposiccedilatildeo da cooperaccedilatildeo bilateral entre os Estados a infra-estrutura do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
54 Consiste em destinar para os fluxos ODA doaccedilotildees em moedas de difiacutecil conversatildeo ou natildeo conversiacuteveis que seratildeo depois gastas no proacuteprio paiacuteses de origem da doaccedilatildeo
55 Os fundos de confianccedila temaacuteticos permitem aos doadores participar de fundos multianuais elaborados pelo PNUD para implantaccedilatildeo de projetos ligados aos temas da agenda internacional nos paiacuteses em desenvolvimento
42
financiada pelo PNUD Os recursos financeiros destes projetos de segunda fase definidos
como custo internacional satildeo provenientes da ajuda multilateral
O custo global do Programa Paiacutes eacute definido antes da assinatura do contratado Nele
estatildeo os custos da primeira e da segunda fase Os custos da segunda fase de projetos
deveriam ser equivalentes aos pagos pelos paiacuteses beneficiados na primeira fase Todavia
como estes custos satildeo definidos ainda durante a fase de elaboraccedilatildeo do programa o que
acaba acontecendo eacute que jaacute a partir dos primeiros projetos (primeira fase) os custos
revelam-se maiores do que o previsto Quem assume a diferenccedila entre os custos reais e os
custos estimados da primeira e da segunda fase eacute o paiacutes beneficiado A intervenccedilatildeo
financeira direta dos proacuteprios Estados beneficiados na forma de participaccedilatildeo nos custos
(cost-sharing) permite a finalizaccedilatildeo dos projetos originalmente previstos nos programas
nacionais de desenvolvimento Os custos que os Estados recebedores tiveram que repassar
ao PNUD para a execuccedilatildeo completa de seus country programmes foram identificados
como uma verdadeira contribuiccedilatildeo ao PNUD maior do que as realizadas pelos doadores
industrializados No entanto os recursos fornecidos pelos governos dos Estados
beneficiados como cost-sharing natildeo satildeo considerados uma participaccedilatildeo financeira destes
Estados mas apenas a parte que lhes cabe na participaccedilatildeo de custos e sobretudo de riscos
nos programas nacionais de desenvolvimento elaborados pelo PNUD
Uma segunda forma de divisatildeo de custos que utiliza foacutermulas multibilaterais de
financiamento eacute o third-party-cost-sharing (custos divididos com uma terceira parte) Esse
mecanismo consiste em um procedimento multibilateral no qual as despesas para a
assistecircncia de primeira fase do country-programme satildeo cobertas em totalidade ou em parte
por uma contribuiccedilatildeo fornecida por um ou mais Estados diferentes daquele beneficiado Eacute
evidente que se trate de uma foacutermula mista ou multilateral visto que o terceiro doador pode
livremente escolher os paiacuteses e atividades a privilegiar
O princiacutepio geral adotado no caso de intervenccedilatildeo de terceiros eacute que se respeitem as
prioridades dos governos beneficiados Evidentemente encontram-se maneiras de garantir
os interesses dos terceiros ainda durante as negociaccedilotildees para a estipulaccedilatildeo dos acordos
entre o PNUD e os Estados interessados em participar como terceiros O PNUD promove
consultas com eventuais paiacuteses doadores dos programas de third-party-cost-sharing
43
submetendo a anaacutelise de projetos e programas a serem financiados atraveacutes deste mecanismo
aos agentes diplomaacuteticos dos Estados doadores Obtida uma geneacuterica manifestaccedilatildeo de
interesse o Programa envia missotildees ad hoc nas capitais dos paiacuteses doadores entre
setembro e novembro de cada ano para reexaminar com detalhes as propostas e chegar a
acordos para o financiamento do programa Nesta ocasiatildeo o doador poderaacute fazer valer suas
exigecircncias especialmente em mateacuteria de procurement escolhendo intervir em projetos para
os quais seja necessaacuterio um certo nuacutemero de materiais disponiacuteveis em seu mercado
nacional A satisfaccedilatildeo de tais interesses seraacute portanto realizada diretamente visto que o
third-party-cost-sharing natildeo eacute considerado formalmente um instrumento de ajuda
vinculada
O Brasil e a Ameacuterica Latina realizaram programas com o PNUD atraveacutes dos custos
divididos e tambeacutem dos custos divididos com uma terceira parte desde a implantaccedilatildeo da
modalidade ateacute o iniacutecio dos anos noventa - quando o CAD determinou que os fluxos
ODA mesmo vinculados fossem suspensos para os paiacuteses de renda meacutedia (RESOLUCcedilAtildeO
ANUAL CAD 1991) Essa medida afetou grande parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina que
passaram a disponibilizar recursos proacuteprios (obtidos internacionalmente) para manter as
atividades do PNUD A modalidade de execuccedilatildeo dos programas ainda eacute nominalmente
chamada cost-sharing Contudo nessa nova versatildeo os custos dos Programas Paiacutes satildeo quase
que integralmente pagos pelos governos dos Estados onde se realizam os projetos Essa
decisatildeo parece ter sido determinante para o aumento dos custos globais dos recursos
administrados pelo PNUD na regiatildeo
Em 1993 na regiatildeo da Ameacuterica Latina e do Caribe foram utilizados em programas e
projetos de desenvolvimento PNUD e governos nacionais aproximadamente US$ 400
milhotildees dos quais metade proveniente de recursos do Programa e a outra metade de
recursos cost-sharing junto aos paiacuteses da regiatildeo Em 1997 na mesma regiatildeo foram
utilizados pouco mais de US$ 800 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de
desenvolvimento entre os governos e o PNUD dos quais menos de cem milhotildees eram
recursos do Programa e 700 eram recursos cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32)
No Brasil a progressatildeo do aumento do volume de recursos puacuteblicos implicados nos
programas e projetos de cost-sharing com o PNUD eacute ainda mais espantosa No periacuteodo de
1982-86 eram utilizados menos de US$ 50 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de
44
desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais menos da metade eram recursos cost-
sharing No periacuteodo de 1992-96 foram gastos quase US$ 250 milhotildees de doacutelares em
programas e projetos de desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais quase a
totalidade (US$ 220 milhotildees aproximadamente) em cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32-
5) Devemos lembrar que os fluxos financeiros destinados pelos paiacuteses em vias de
desenvolvimento para a execuccedilatildeo de seus Programas de desenvolvimento natildeo satildeo
contabilizados internacionalmente como ODA Este fato eacute bastante significativo se
considerarmos que a maior parte dos paiacuteses de renda meacutedia paga atualmente atraveacutes de
recursos proacuteprios seus programas de desenvolvimento Um dos problemas apontados pelos
analistas (Marchisio Cecchi) eacute que as categorias de paiacuteses doadores e paiacuteses recebedores
(embora atualmente isto faccedila pouco sentido devido agrave acentuaccedilatildeo da presenccedila de fluxos
privados no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento nos uacuteltimos anos) natildeo encontram
espaccedilo de debate nos foacuteruns internacionais Esse fato demonstra o tratamento diferenciado
que os atores mais fortes pode ter no interior dos regimes internacionais
Uma segunda questatildeo que deve ser levantada eacute o fato de que embora o Brasil pague
praticamente sozinho seus custos do Programa Paiacutes ainda estaacute utilizando o PNUD como
fornecedor de serviccedilos e consultoria de desenvolvimento Esse fato pode ser explicado de
diversas maneiras Keohane nos lembra que muitas vezes por uma questatildeo de
credibilidade os atores que participam dos regimes internacionais procuram preservar
acordos anteriormente estabelecidos (KEOHANE 1984) Uma segunda explicaccedilatildeo pode
ser encontrada na teoria de Keohane sobre a cooperaccedilatildeo O autor afirma que os regimes
internacionais efetuados a partir das organizaccedilotildees internacionais podem trazer alguma
garantia legal aos atores Mesmo que o Brasil natildeo esteja mais utilizando os recursos
provenientes do regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento devemos lembrar
que nosso volume de procurement eacute sempre substancial Logo caso natildeo tiveacutessemos um
oacutergatildeo regulador no qual administrar esse grande volume de recursos talvez nossos custos
de procurement pudessem ser ainda maiores Podemos ainda pensar que devido agrave
condicionalidade da ajuda fenocircmeno que estudaremos no proacuteximo capiacutetulo manter um
Programa Paiacutes atraveacutes de uma organizaccedilatildeo internacional seja uma condiccedilatildeo imposta pelos
institutos financeiros ou pelo proacuteprio mercado para podermos ter acesso a financiamentos
externos Todas estas explicaccedilotildees ajudam a entender a permanecircncia do fenocircmeno do cost-
45
sharing no Brasil Contudo nenhuma delas eacute motivo para permanecermos indiferentes agraves
grandes quantias que o paiacutes vem repassando atualmente para o PNUD e outras
organizaccedilotildees internacionais e natildeo-govemamentais que atuam em seu territoacuterio Sobretudo
se considerarmos que o PNUD a Organizaccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a
Unesco receberam em 2000 70 do total de recursos que o Brasil destinou a projetos de
desenvolvimento desligados das estruturas de governo Tendo em contrapartida destas
organizaccedilotildees PNUD (projetos) Unesco (projetos) e OPAS (projetos missotildees teacutecnicas
seminaacuterios) (ABC)56
A evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional dos anos setenta ateacute nossos dias
tem demonstrado quatildeo acentuados tecircm sido os constrangimentos destinados a fazer os
atores dos PDV acederem aos recursos do regime internacional ODA No caso da
cooperaccedilatildeo multibilateral o cost sharing natildeo significou apenas um constrangimento que
dificultou o acesso a financiamentos facilitados para o paiacutes mas um custo adicional
bastante elevado que estaacute sendo comprometido para a realizaccedilatildeo de um Programa Paiacutes
Como dissemos nosso proacuteximo capiacutetulo seraacute dedicado ao fenocircmeno da
condicionalidade da ajuda A condicionalidade por representar um instrumentos teoacuterico-
poliacutetico eacute um dos mecanismos de puniccedilatildeo do uso da ajuda oficial ao desenvolvimento
(ODA) que mais podem interferir nos processos nacionais de desenvolvimento dos paiacuteses
recebedores dos recursos assim como daqueles que dependem de grandes volumes de
empreacutestimos internacionais
56 Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo (ABC) (httpwwwmregovbr)
46
CAPIacuteTULO m
A CONDICIONAL IDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO
A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos
No uacuteltimo capiacutetulo analisamos a ajuda multibilateral como sendo o resultado de
uma mudanccedila de comportamento do PNUD devido aos novos incentivos e puniccedilotildees
impostos pelo ambiente internacional durante os anos do choque do petroacuteleo e agrave tentativa
de estabelecimento da nova ordem econocircmica internacional No presente capiacutetulo
estudaremos a condicionalidade da ajuda outro fenocircmeno que se estabeleceu a partir dos
anos setenta no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento E que desde
entatildeo tem sido considerado um dos mais emblemaacuteticos instrumentos de puniccedilatildeo e
constrangimento para o uso da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pelos paiacuteses em
vias de desenvolvimento
A literatura especializada vem identificando a condicionalidade como um fenocircmeno
que ocorre quando os financiamentos destinados aos projetos e programas de
desenvolvimento satildeo condicionados explicitamente agrave transformaccedilatildeo de certas poliacuteticas
sociais econocircmicas ou administrativas destes paiacuteses recebedores (CREWE amp HARRISON
1998 47-52 SCHMITZ amp GILLES 1992 ASCARI 1999 54-5 BASILE 1995 78) Os
autores que abordam a questatildeo da condicionalidade tecircm contudo pareceres muito
destoantes quanto ao fenocircmeno Para Ascari e Basile o uso da condicionalidade se coloca
como uma visatildeo altruiacutestica e uma preocupaccedilatildeo dos paiacuteses doadores no confronto com as
populaccedilotildees mais pobres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Populaccedilotildees que
subjugadas pelos seus proacuteprios governos natildeo poderiam ser de outra maneira beneficiadas
pela ajuda oficial ao desenvolvimento
Em direta oposiccedilatildeo agrave visatildeo de Ascari e Basile estatildeo Crewe e Harrison para quem a
condicionalidade eacute sintomaacutetica da suposiccedilatildeo dos paiacuteses doadores de que eles tecircm um
47
melhor entendimento das necessidades dos paiacuteses em vias de desenvolvimento do que os
govemos destes Condiccedilotildees para o repasse da ajuda ldquorelacionadas agrave natureza dos sistemas
poliacuteticos agraves estatiacutesticas de direitos humanos agrave poliacutetica econocircmica e aos mais variados
iacutendices de governabilidade dos paiacuteses em vias de desenvolvimento vecircm se tomando parte
dos grandes temas que dominam grande parte das agendas das poliacuteticas das agecircncias
multilaterais e bilateraisrdquo e refletem ldquoa crenccedila dos paiacuteses ricos de que eles sabem maisrdquo (do
que os governos locais) e podem portanto interferir na esfera domeacutestica dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento (CREWE amp HARRISON 1998 3235) Schmitz e Gilles satildeo ainda
mais criacuteticos quanto ao fenocircmeno da condicionalidade ao afirmar que seu uso ldquoeacute forma de
imperialismo cultural que estrategicamente promove a erosatildeo da soberania dos paiacuteses mais
pobresrdquo (SCHMITZ amp GILLES 1992 18)
A condicionalidade como se pode perceber pelas divergecircncias de interpretaccedilatildeo que sua
aplicaccedilatildeo suscita eacute um dos fenocircmenos mais emblemaacuteticos de discussatildeo dentro do setor da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Essa divergecircncia de opiniotildees quanto ao uso
da condicionalidade eacute justificada pela proacutepria abrangecircncia que o fenocircmeno ganhou dentro
do setor Evidentemente a condicionalidade eacute um constrangimento ao uso do regime oficial
da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pois atraveacutes deste instrumento os paiacuteses
doadores podem interferir diretamente nas estrateacutegias macroeconocircmicas de
desenvolvimento dos paiacuteses recebedores dos recursos Ou ainda podem decidiras poliacuteticas
locais atraveacutes do favorecimento de certos setores temas agendas ou populaccedilotildees no que diz
respeito aos projetos e programas de desenvolvimento O instrumento da condicionalidade
eacute empregado para o cumprimento dos mais diferentes objetivos de desenvolvimento dos
paiacuteses mais pobres dos projetos e programas que atendam agraves necessidades de base das
populaccedilotildees mais carentes aos ajustes estruturais e abertura das economias dos paiacuteses mais
pobres Esse tipo de abrangecircncia pode acirrar os mais variados acircnimos quanto agraves questotildees
do desenvolvimento e contribuir para que as poliacuteticas governamentais destes paiacuteses sofram
pressotildees em vaacuterios niacuteveis
Costuma-se identificar o iniacutecio do uso da condicionalidade aos financiamentos e
empreacutestimos de ajustamento estrutural - colocados em pauta pelo FMI e pelo Banco
Mundial apoacutes a crise da diacutevida dos paiacuteses em vias de desenvolvimento - a partir da metade
dos anos oitenta (BASILE 1995) Contudo essa interpretaccedilatildeo eacute errocircnea pois se refere
48
apenas agrave manifestaccedilatildeo da condicionalidade nos repasses financeiros que promovem
intervenccedilotildees precisas nas poliacuteticas econocircmicas e administrativas dos Estados O uso de
mecanismos de condicionalidade no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento eacute contudo
anterior a este uacuteltimo tipo de manifestaccedilatildeo
O uso da condicionalidade foi estabelecido no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento logo apoacutes o choque do petroacuteleo depois que os paiacuteses doadores
aumentaram repentinamente seus interesses pelas questotildees Norte-Sul57 e iniciaram
modificaccedilotildees no repasse da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como revelam os
proacuteprios documentos CAD do periacuteodo38 Atraveacutes de nota administrativa ldquoO Conselho da
Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) convidou o CAD
(Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento) a empreender uma visatildeo mais complexa dos
problemas do desenvolvimento Em particular foi sugerido que se passasse a dar grande
atenccedilatildeo ao volume e sobretudo aos termos e condiccedilotildees exigidas para a transferecircncia da
ajuda para o Terceiro Mundordquo (FUumlHRER 1996 24) Os fluxos da ODA natildeo poderiam
mais ser utilizados para o suposto ldquocrescimento desordenado dos paiacuteses recebedoresrdquo
(CONSELHO ECONOcircMICO OCDE1973)59 e deveriam ter sua utilizaccedilatildeo acompanhada e
condicionada pelos paiacuteses industrializados Ao CAD foi delegada a funccedilatildeo de revelar um
corpo de temas ligados ao desenvolvimento temas que serviriam para orientar os paiacuteses
recebedores quanto agrave utilizaccedilatildeo dos recursos da ODA (FUumlHRER 1996 26) A partir de
1975 a OCDE determinou que fossem formados no interior do CAD Grupos de Alto
57 Keohane faz a mesma afirmaccedilatildeo quando diz que por volta da metade da deacutecada de setenta as demandas dos paiacuteses menos desenvolvidos pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica internacional criaram problemas para os regimes internacionais econocircmico e financeiro estabelecidos em Bretton Woods (Keohane e Nye 1988 37) Grilli afirma que o choque do petroacuteleo e a crise dos paiacuteses produtores de mateacuteria primas assim como as tentativas destes paiacuteses de regulamentar um maior acesso aos financiamentos provocou a organizaccedilatildeo e a expansatildeo da Cooperaccedilatildeo Econocircmica Europeacuteia que visa basicamente manter o acesso garantido da Comunidade agrave energia e as mateacuterias primas (GRILLI 1993)
58 O CAD liberou em 1994 grande parte de seus documentos e resoluccedilotildees internas referentes a ajuda oficial ao desenvolvimento Estes documentos foram organizados por Helmut Fuumlhner ex-diretor do CAD de 1974-93 e constituem uma publicaccedilatildeo sobre a histoacuteria da ajuda oficial ao desenvolvimento em datas e nomes disponiacutevel em versatildeo on-line no site da OCDE (wwwoecdorg) Quanto as resoluccedilotildees anuais do CAD algumas podem ser encontradas em versatildeo integral no mesmo site
59 Disponiacutevel on-line (httpAvwwoecdorgdocL
49
Niacutevel ad hoc que se ocupariam das relaccedilotildees econocircmicas entre os paiacuteses membros da OCDE
e os paiacuteses em desenvolvimento Estes grupos foram criados visando ldquoidentificar quais
novos e construtivos temas poderiam ser selecionados como relevantes para estruturar uma
agenda em tomo da qual seriam confrontadas as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento
buscando estabelecer uma nova ordem econocircmica e mundialrdquo (CONSELHO
ECONOcircMICO OCDE1975)60
O primeiro uso do instrumento de condicionalidade foi estabelecido em 1976
quando os paiacuteses doadores adotando um conceito de necessidades humanas baacutesicas (NHB)
receacutem-criado pelo Banco Mundial61 estabeleceram que a ajuda oficial ao desenvolvimento
devido ao seu caraacuteter facilitado deveria atender agraves necessidades baacutesicas das populaccedilotildees
mais pobres (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1976) O condicionamento do uso dos fluxos
financeiros e da cooperaccedilatildeo teacutecnica recebidos para o atendimento de um tema
anteriormente considerado questatildeo intema dos paiacuteses recebedores foi a grande
transformaccedilatildeo que os fluxos da ODA e o setor da cooperaccedilatildeo sofreram a partir dos anos
setenta Desde entatildeo parece ter-se estabelecido uma espeacutecie de deslocamento das questotildees
poliacuteticas que envolviam os temas do Hemisfeacuterio Sul nos quais os proacuteprios efeitos de uma
ordem econocircmica que proporciona benefiacutecios desiguais foram tomados como causas do
descompasso econocircmico destes paiacuteses Desse modo foi possivel estabelecer uma loacutegica
inversa a qual possibilitou que as demandas dos paiacuteses do Sul - pelo melhoramento de
suas condiccedilotildees internas e da condiccedilatildeo de vida de suas populaccedilotildees - fossem afastadas de
suas causas provocadas pelos desequiliacutebrios do sistema internacional e passassem a ser
transformadas em instrumentos de pressatildeo sobre os paiacuteses em desenvolvimento
Os governos dos paiacuteses recebedores se manifestaram quanto ao dirigismo da ajuda e
tambeacutem ao fato de que o condicionamento dos fluxos da ODA no atendimento das
necessidades humanas baacutesicas comprometeria os esforccedilos de industrializaccedilatildeo aleacutem de
60 Disponiacutevel on-line (httpAvww oecd orgdoc)
61 A adoccedilatildeo da estrateacutegia de condicionar a utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA para a melhora das necessidades humanas baacutesicas vinculou as praacuteticas de desenvolvimento a estreita orientaccedilatildeo do Banco Mundial elaborador do conceito de HBN assim como dos indicadores de desempenho dos paiacuteses nessa aacuterea (ESCOBAR 1995 55) seguindo a loacutegica da concentraccedilatildeo dos fluxos ODA nos institutos financeiros
50
aumentar imensamente os custos locais destes governos na implantaccedilatildeo de projetos e
programas de desenvolvimento (FUumlHRER 1996 32) Contudo os paiacuteses em vias de
desenvolvimento acabaram se conformando ao novo modelo de repasse condicionado do
regime internacional da ODA Natildeo podemos esquecer que essa conformaccedilatildeo aos novos
criteacuterios aconteceu em um momento tenso para os dois grupos de paiacuteses em que se chegou
inclusive a cogitar o cancelamento da ajuda puacuteblica ao desenvolvimento (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1995 96-98) Nesse sentido a aceitaccedilatildeo dos paiacuteses em
desenvolvimento de que se estabelecessem novos criteacuterios mais restritivos aos repasses
pode ser interpretada ldquocomo resultado de um acordo onde se puderam atingir objetivos
possiacuteveisrdquo (KEOHANE 19849899) Todavia como efeito colateral dessa aceitaccedilatildeo na
medida em que na deacutecada de oitenta novos temas iam sendo inseridos e condicionados ao
repasse dos fluxos do regime internacional da ODA as demandas dos paiacuteses em
desenvolvimento por mudanccedilas na ordem econocircmico- financeira iam perdendo espaccedilo nos
foacuteruns internacionais Ao mesmo tempo e cada vez mais os temas apresentados a partir do
novo tipo de diaacutelogo Norte-Sul (aceito como construtivo pelo grupo de paiacuteses
industrializados) iam ganhando uma dimensatildeo figurada mais ampla do que as proacuteprias
questotildees sistecircmicas de que grande parte destas mesmas questotildees derivavam Assim os
novos temas que iam sendo associados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e
condicionando o uso dos recursos da ODA foram ganhando uma naturalidade e uma
dimensatildeo de grupo-espetaacuteculo ou tema-espetaacuteculo62 na definiccedilatildeo de Escobar ou grupo-
cliente ou tema-cliente na definiccedilatildeo de Sachs (1990)63 Estes temas acabaram por encobrir a
maior parte da dimensatildeo conflitiva das relaccedilotildees Norte-Sul (ESCOBAR 1995 155)
62 Temas espetaacuteculo ou grupos espetaacuteculo satildeo situaccedilotildees ou grupos de pessoas que periodicamente satildeo identificados e vatildeo ganhando centralidade no discurso que sustenta o desenvolvimento Estes temas ou grupos passam a constituir a agenda das organizaccedilotildees internacionais das ONGs dos institutos financeiros etc Todas os programas setoriais passam a tentar mesmo de maneira pouco convincente a ligar sua proacutepria accedilatildeo ao tema espetaacuteculo Escobar costuma identificar e desconstruir os mecanismos de discurso entorno dos quais os temas espetaacuteculo satildeo estruturados Em Encounterig Development (1995) o autor desconstruir os temas espetaacuteculo dos camponeses das mulheres no desenvolvimento e do meio-ambiente (ESCOBAR 1995)
6j Grupos e temas clientes tecircm praticamente a mesma conotaccedilatildeo de grupos espetaacuteculo Contudo esse termo faz tambeacutem referecircncia agrave dimensatildeo financeira que passam a assumir estes temas no setor do desenvolvimento por exemplo quando em 1948 o Banco Mundial definiu que os paiacuteses pobres eram aqueles com uma renda per capta abaixo de UU$ 100 mais de dois terccedilos da humanidade passaram a ser sua populaccedilatildeo cliente (SACHS 1990 9 ESCOBAR 1995 2223)
51
A introduccedilatildeo do discurso das Necessidades Humanas Baacutesicas pode ser interpretada
como uma mudanccedila no leacutexico intemacionalista Os novos conceitos introduzidos no setor
da cooperaccedilatildeo como relevantes para o diaacutelogo Norte-Sul (e associados ao regime da ODA)
passaram a ser utilizados pelos atores que desfrutavam das vantagens como uma
necessidade estabelecida como algo a que a poliacutetica deveria ajustar-se e natildeo como
situaccedilotildees parcialmente criadas pela poliacutetica64 Contudo Keohane nos lembra que as
investigaccedilotildees de fenocircmenos que envolvem riqueza e poder no caso a cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento devem ser buscadas na dimensatildeo onde se estruturam as
relaccedilotildees poliacuteticas e econocircmicas dos atores De outro modo estariacuteamos arriscando que na
investigaccedilatildeo do fenocircmeno os efeitos de determinada situaccedilatildeo fossem tomados como causas
desta mesma situaccedilatildeo (KEOHANE 1984 18-9)
Uma vez estabelecida a loacutegica de que a ajuda oficial por seu caraacuteter facilitado
deveria ser condicionada ao atendimento das necessidades baacutesicas das populaccedilotildees dos
PVD os fluxos do regime da ODA perderam seu caraacuteter de mecanismos de compensaccedilatildeo
mesmo que informais destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento devido aos
desequiliacutebrios causados pelos regimes de Bretton Woods (BASILE 1995 78 GRILLE
1993) e se tomaram instrumentos atraveacutes dos quais os paiacuteses doadores poderiam interferir
diretamente em setores pontuais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O uso da
condicionalidade estabelecido como limitaccedilatildeo agrave liberdade destes paiacuteses na utilizaccedilatildeo dos
fluxos da ajuda oficial ou nas decisotildees referentes a suas escolhas poliacuteticas e econocircmicas
pode ser considerado originalmente uma puniccedilatildeo econocircmica e um aumento dos
constrangimentos impostos a estes paiacuteses
A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais
64 Em analogia a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia em ambientes internacionais elaborada por Keohane e Nye em Poder e Interdependecircncia (KEOHANE amp NYE1982)
52
A expansatildeo do uso da condicionalidade aconteceu no iniacutecio dos anos oitenta
quando os sinais da crise da diacutevida extema 65 reacenderam as esperanccedilas dos PVD de
promover discussotildees internacionais voltadas agrave revisatildeo corretiva dos regimes de Bretton
Woods Tal esperanccedila foi reforccedilada em 1981 quando o CAD introduziu em seu relatoacuterio
anual a noccedilatildeo de interdependecircncia (mesmo que em nenhum momento o relatoacuterio precisasse
o que os paiacuteses da OCDE entendiam por interdependecircncia66) (FURNER 1996)
A introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia67 em um momento de grave crise
econocircmica pode ter sido percebida como uma abertura de diaacutelogo para que fossem
retomadas as discussotildees internacionais sobre a necessidade de se buscar uma ordem
econocircmico-financeira mais favoraacutevel aos paiacuteses do Hemisfeacuterio Sul (RELATOacuteRIO DA
COMISAtildeO SUL 1990 16) Com o apoio dos paiacuteses em desenvolvimento o CAD
seguindo a ecircnfase da interdependecircncia passou a promover a discussatildeo dos temas Norte-
Sul que poderiam ser considerados como de pertinecircncia global (RELATOacuteRIO ANUAL
CAD 1981) Antes da definiccedilatildeo dos temas primeiramente aprovou-se na sede do Conselho
65 Trecircs fatores internacionais (a expansatildeo dos mercados de cacircmbio europeu a reciclagem dos excedentes financeiros dos paiacuteses produtores de petroacuteleo e a recessatildeo econocircmica dos paiacuteses industrializados) criaram um excesso de liquidez no sistema bancaacuterio internacional que foi transferido em forma de empreacutestimos para os paiacuteses em desenvolvimento na deacutecada de setenta A necessidade dos paiacuteses desenvolvidos no final dos anos setenta de empreenderem medidas macropoliacuteticas recessivas para o combate da inflaccedilatildeo ocasionou a diminuiccedilatildeo da liquidez internacional aumentando exponencialmente as taxas de juros internacionais que chegaram a ficar quatro vezes mais caras no periacuteodo Ao mesmo tempo as medidas recessivas diminuiccedilatildeo as atividades industriais dos paiacuteses desenvolvidos o que causou uma brusca queda no preccedilo das mateacuterias primas Entre 1980 e 1982 o preccedilo das principais mateacuterias-primas exportadas pelos paiacuteses em desenvolvimento (excluiacutedo o petroacuteleo) caiu 21 Essa queda acentuou-se em 1983-4 e em 1988 o preccedilo de 33 mateacuterias primas de interesse especial para os paiacuteses em vias de desenvolvimento (a queda meacutedia do preccedilo do petroacuteleo nos periacuteodos tratados foi de 65) eram 30 mais baixos do que a meacutedia de 1979-81) A diminuiccedilatildeo dos fluxos privados no periacuteodo a estagnaccedilatildeo dos fluxos ODA a diminuiccedilatildeo dos preccedilos das mateacuterias-primas e o aumento das taxas de juros fizeram com que os reembolsos da diacutevida ficassem excedessem as entradas do Sul Der fato no periacuteodo de 1984 a 1988 os paiacuteses em vias de desenvolvimento em seu conjunto transferiram um montante liacutequido de 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte (RELATOacuteRIO SUL 1990 63-9)
66 Para Keohane e Nye interdependecircncia eacute entendida ldquocomo situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocosrdquo (KEOHANE amp NYE Poder e Interdependecircncia 8)
67 Keohane afirma que a interdependecircncia foi utilizada como estrateacutegia de limitaccedilatildeo das reinvincaccedilotildees do Terceiro Mundo em um periacuteodo de promoccedilatildeo dos nacionalismo econocircmicos entenda-se formaccedilatildeo da OPEP guerra dos produtos primaacuterios (KEOHANE amp NYE 1982)
53
Ministerial da OCDE o conceito de que os financiamentos oficiais ao desenvolvimento
poderiam ser condicionados ao atendimento de problemas identificados como globais
definidos como ldquoaqueles que tivessem ressonacircncia nos Estados do Sul e do Norte do
mundordquo Na mesma ocasiatildeo por iniciativa dos paiacuteses noacuterdicos especialmente da Alemanha
e do Canadaacute69 lanccedilou-se a proposta de que as instituiccedilotildees multilaterais de
desenvolvimento atraveacutes de um programa coordenado passassem tambeacutem a apreciar os
temas globais e condicionaacute-los agrave realizaccedilatildeo de programas e projetos de desenvolvimento70
(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981 j
A noccedilatildeo de interdependecircncia natildeo foi estendida contudo aos temas econocircmicos
como esperavam os paiacuteses em desenvolvimento A esperada revisatildeo corretiva dos regimes
de Bretton Woods foi frustrada logo no iniacutecio da adoccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia
Durante o Encontro Internacional dos Representantes do Norte e do Sul do Mundo sobre
Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento (1981) o Presidente Reagan assumiu que a posiccedilatildeo dos
paiacuteses industrializados quanto agraves poliacuteticas de desenvolvimento na deacutecada que se iniciava
seria baseada na promoccedilatildeo do comeacutercio internacional no livre mercado e nos
investimentos privados O relatoacuterio da Comissatildeo Sul aponta que a crise dos anos oitenta
natildeo se converteu em ocasiatildeo de revisatildeo das causas dos problemas porque os paiacuteses
desenvolvidos se recusaram a reconhecer que era necessaacuterio intervir no contexto
econocircmico internacional (RELATOacuteRIO DA COMISSAtildeO SUL 199078) Tambeacutem Fuumlhrer
afirma que os esforccedilos muacuteltiplos dos paiacuteses mais pobres para conseguirem utilizar o
68
68 Relaccedilotildees Com Os Paiacuteses Em Desenvolvimento No Contexto Da Interdependecircncia E Diversidade (CAD documents - disponiacutevel on line)
69 A sugestatildeo do Canadaacute e da Alemanha foi justificada pela publicaccedilatildeo em 1979 da Comissatildeo Independente BRANDT COMMISSION (Independent Commission On International Development Issues) da Relaccedilatildeo Norte-Sul Um Programa Para A Sobrevivecircncia A orientaccedilatildeo da Comissatildeo BRANDT eacute que se criem junto agraves organizaccedilotildees correlatas aos problemas do desenvolvimento subcomissotildees ambientais Em um primeiro momento os Estados do Sul do mundo o discurso da interdependecircncia e a aproximaccedilatildeo do setor da cooperaccedilatildeo internacional
70 Depois da oficializaccedilatildeo do CAD como centro coordenador das poliacuteticas de desenvolvimento em 1986 os temas identificados pelos grupos de alto-niacutevel do Comitecirc como de pertinecircncia global passaram a ser imediatamente incorporados agraves agendas do PNUD Banco Mundial e FMI (FUumlHNER 1996)
54
discurso da interdependecircncia e promover um novo espaccedilo internacional de discussatildeo dos
temas do desenvolvimento foi frustrante para os paiacuteses do Sul
Os demais temas globais que seriam condicionados ao uso dos fluxos daODA
contudo permaneceram e foram sendo inseridos durante toda a deacutecada de oitenta na agenda
internacional Depois do discurso de Reagan o primeiro tema oficialmente inserido na
agenda CAD e estendido a todos os programas e projetos de cooperaccedilatildeo ao foi ldquoo
financiamento da substituiccedilatildeo de cultivo de plantas destinadas agrave produccedilatildeo de entorpecentes
nos paiacuteses em desenvolvimentordquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981)
Ateacute 1992 os projetos e programas de desenvolvimento realizados pelos paiacuteses da
OCDE na cooperaccedilatildeo atraveacutes de fundos multi (ou bi) laterais deveriam em alguma medida
favorecer ao menos um dos seguintes temas as mulheres no desenvolvimento as
necessidades humanas baacutesicas a preservaccedilatildeo do meio-ambiente global o combate ao
narcotraacutefico a luta contra a disseminaccedilatildeo de doenccedilas a manutenccedilatildeo da paz a abertura do
sistema econocircmico e reformas estruturais cabiveis nos paiacuteses em desenvolvimento o
desenvolvimento participativo a governabilidade (good govemanceacute) a luta contra a
corrupccedilatildeo nos paiacuteses do Terceiro Mundo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)
Devemos considerar que em 1986 o CAD assumiu internacionalmente sua funccedilatildeo
de coordenador dos fluxos da ajuda71 Isso significa que depois desta data por uma questatildeo
de racionalidade de utilizaccedilatildeo dos recursos os temas definidos pela agenda do CAD iam
tambeacutem sendo aplicados ao PNUD FMI e Banco Mundial
O Banco Mundial nos Programas de Assistecircncia Paiacutes estabelece como agenda que
os fluxos ODA sejam condicionados a reformas que promovam o crescimento econocircmico e
a reduccedilatildeo da pobreza investimentos em capital humano (necessidades humanas baacutesicas)
tutela do ambiente promoccedilatildeo do crescimento do setor privado e reordenaccedilatildeo das atividades
de governo (CAS) Como Agenda Geral o Banco utiliza a condicionalidade para os
seguintes temas a boa governanccedila o combate agrave corrupccedilatildeo o desenho de poliacuteticas
setoriais ou de projetos especiacuteficos que sejam ambientalmente sustentaacuteveis e socialmente
71 Na reuniatildeo anual do CAD em 1986 (na qual estavam presentes Emest Stem (vice- presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador PNUD) ) o Comitecirc assumiu oficialmente a responsabilidade pela coordenaccedilatildeo da ajuda multilateral junto agraves organizaccedilotildees internacionais e as organizaccedilotildees regionais ldquoOs membros CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo
55
responsaacuteveis A mesma agenda eacute seguida pelos bancos regionais de desenvolvimento O
uso da ajuda coordenada - CAD - nos ajuda a entender porque as agendas dos organismos
que atuam no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento estabelecem basicamente os
mesmos criteacuterios e condicionam o uso dos recursos ao favorecimento dos mesmos temas
Keohane afirma que ldquoa interdependecircncia da maneira como eacute utilizada nos discursos
oficiais natildeo eacute apenas entendida como um instrumento analiacutetico de compreensatildeo da poliacutetica
mundial e do comportamento dos Estados mas tambeacutem eacute um mecanismo retoacuterico de largo
emprego pelos publicistas e estadistas ansiosos em aumentar a quantidade de gente que se
alie agraves suas bandeiras para quem as palavras vagas e de grande ressonacircncia satildeo muito
uacuteteisrdquo (KEOHANE e NYE 1982) Embora a anaacutelise da interdependecircncia de Keohane tenha
sido estabelecida para ilustrar o momento especiacutefico da substituiccedilatildeo do discurso de
seguranccedila nacional na poliacutetica internacional acreditamos que ela possa ser bastante
ilustrativa para a compreensatildeo do porque da adoccedilatildeo dos novos temas globais que passaram
a ser condicionados ao uso dos recursos oficiais ao desenvolvimento no momento da crise
da diacutevida A interdependecircncia nessa concepccedilatildeo de Keohane eacute vista como uma estrateacutegia
de reduccedilatildeo de conflitos A noccedilatildeo de interdependecircncia no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento parece ter sido empregada para reduzir possiacuteveis novos conflitos gerados
pela crise da diacutevida
Muitos dos proacuteprios temas condicionados agrave utilizaccedilatildeo dos recursos do
desenvolvimento a partir da nova agenda global reforccedilavam a noccedilatildeo de que as
dificuldades dos PVD de ajustarem suas economias agrave ordem econocircmico-financeira eram
um problema que deveria ser resolvido no interior dos proacuteprios paiacuteses em vias de
desenvolvimento Desse modo na deacutecada de oitenta enquanto em todo o setor da
cooperaccedilatildeo reforccedilava-se o discurso politizado de que as causas internas dos paiacuteses em
desenvolvimento estavam provocando a crise da diacutevida e de que a ajuda internacional
deveria ser utilizada para promover intervenccedilotildees nas poliacuteticas internas destes paiacuteses (aleacutem
de ajustar suas economias a uma maior abertura dos mercados) os PVD comprometiam
cada vez mais suas capacidades produtivas transferindo em seu conjunto um montante
liacutequido de US$ 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte - e no periacuteodo mais grave da
crise entre 1984 a 1988) (RELATOacuteRIO SUL 1990 69)
56
A determinaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados em natildeo efetivar medidas de revisatildeo dos
regimes internacionais de Bretton Woods permaneceu a mesma inclusive depois de
deflagrada a moratoacuteria decretada pelo Meacutexico e pela Argentina em 1982 Natildeo se promoveu
uma revisatildeo dos regimes internacionais somente foram propostas medidas domeacutesticas de
ajuste das economias e ampliou-se o suporte da concessatildeo de creacuteditos para as balanccedilas de
pagamento A maior inovaccedilatildeo das medidas foi contudo a extensatildeo dos mecanismos de
condicionalidade para os institutos financeiros
As novas modalidades de ajuda condicionada do FM - o SAF e o ESAF72 (1986)
(creacuteditos para ajustamento estrutural e creacuteditos ampliados para ajustamento estrutural) - e
do Banco Mundial - o SAL (empreacutestimos de ajustamento estrutural) e SECAL
(empreacutestimos de ajustamento setorial)73 - traziam como elementos de inovaccedilatildeo a
possibilidade para os institutos financeiros de realizar empreacutestimos condicionados agrave
execuccedilatildeo de reformas poliacutetico-econocircmicas e estrateacutegias de desenvolvimento dos governos
a permissatildeo de que os paiacuteses pudessem financiar reformas econocircmicas implementadas em
diversos anos74 e a permissatildeo de que se pudesse financiar as importaccedilotildees de bens de modo
desligado de uma necessidade de projetos especiacuteficos ou seja dar suporte direto agraves
balanccedilas de pagamento destes paiacuteses (BASILE 1995 43 ASCARI 1999 30-1)
72 Structural Adjustment Facility e The Enhanced Structural Adjustment Facility
73 No iniacutecio ao menos no acircmbito da principal instituiccedilatildeo multilateral o Banco mundial o uso de empreacutestimos de ajustamento (seja o SAL que o SECAL) eacute extremamente ligado a um problema da balanccedila de pagamento (previsto ou existente) ldquoO princiacutepio da balanccedila de pagamento natildeo significa que natildeo exista a necessidade de reformas econocircmicas em setores nos quais os custos natildeo satildeo em moeda estrangeira Sabemos bem que estes paiacuteses (em vias de desenvolvimento) enfrentam seacuterios problemas de reformas nos setores os quais a instruccedilatildeo e os setores sociais em geral nos transportes nas infra-estruturas no ambiente e no desenvolvimento humano (entretanto) creio que a assistecircncia fornecida rapidamente (quick disbursing assistance) natildeo seja apropriada a estes tipos de reformasrdquo73 E Stem na eacutepoca vice-presidente para as Finaccedilas em Evolution and Lessons of Adjustment Lending in Restructuring Economies in Distress Policy Reform and World Bank Oxford University Press 1991
74 Como vimos quando tratamos da Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) os paiacuteses industrializados nunca concederam creacuteditos ou financiamentos a longo prazo para dar sustentaccedilatildeo aos projetos e programas de desenvolvimento dos PVD Estes creacuteditos e financiamento a longo prazo soacute se efetivaram quando foram condicionados as reformas dos sistemas poliacutetico e econocircmicos e agrave abertura econocircmica destes paiacuteses
57
A resposta oferecida pelos paiacuteses desenvolvidos para a crise da diacutevida deixava claro
que nenhum tipo de reavaliaccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro de Bretton Woods
seria realizada para proporcionar uma integraccedilatildeo das economias destes paiacuteses agrave ordem
econocircmico-financeira vigente Toda a ajuda oferecida aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento em forma de disponibilizaccedilatildeo de creacuteditos e empreacutestimos tinha como
objetivos principais ajustar os PVD a uma abertura de mercados e garantir a renegociaccedilatildeo
das diacutevidas atraveacutes da concessatildeo de creacuteditos de ajuste das balanccedilas de pagamento Ou seja
continuou prevalecendo a noccedilatildeo de que as dificuldades encontradas pelos vaacuterios paiacuteses
tinham uma raiz intema
A segunda expansatildeo do uso da condicionalidade natildeo estaacute ligada apenas agrave
manutenccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro vigentes a partir dos Estados nacionais O
uso de mecanismos de condicionalidade nos institutos financeiros natildeo pode ser relacionado
simplesmente a uma puniccedilatildeo ou a um aumento dos constrangimentos imputados agrave
utilizaccedilatildeo de fluxos da ODA pelos PVD Basicamente pelo fato de que mais de 90 dos
recursos multilaterais disponiacuteveis atualmente nos institutos financeiros natildeo tecircm caraacuteter
facilitado (ASCARI 1999 66) e que os paiacuteses de renda meacutedia - aqueles que mais utilizam
os institutos financeiros para resolver suas crises de balanccedilo de pagamento - natildeo podem
mais receber fluxos facilitados desde 1991 (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1991) Aleacutem
disso natildeo existia como nos anos setenta uma demanda organizada pelo estabelecimento
de uma nova ordem econocircmica mundialisto eacute uma barreira conflitiva difiacutecil de transpor
Pelo contraacuterio a proacutepria aceitaccedilatildeo pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento do discurso
da interdependecircncia em ambiente internacional pode ser interpretado como uma tentativa
de estabelecer uma relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo para a superaccedilatildeo da crise
Na explicaccedilatildeo da expansatildeo do uso da condicionalidade e sua extensatildeo para os
institutos financeiros precisamos introduzir um novo elemento nesta anaacutelise o interesse dos
ambientes privados na cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento que aconteceu a partir
de dois motivos interligados Podemos considerar como o primeiro deles a aceleraccedilatildeo do
processo de internacionalizaccedilatildeo (entendida como um processo gerado por acentuadas
mudanccedilas nos custos de transaccedilatildeo que produzem fluxos observaacuteveis de mercadorias
serviccedilos e capital) que aumentou os empreacutestimos internacionais realizados pelos bancos
privados Os empreacutestimos dos bancos privados internacionais cresceram globalmente de
58
5 do PIB dos paiacuteses da OCDE em 1973 para 20 do PIB dos paiacuteses OCDE em 1991
(Economic Report o f the President 1993281 - citado por MILNER amp KEOHANE 1996
13) O segundo motivo foi a sugestatildeo do secretaacuterio-geral adjunto da OCDE Van Lennep
em 1979 de que se implantassem co-fiacutenanciamentos com fins de desenvolvimento para os
PVD atraveacutes de bancos privados em conjunto com instituiccedilotildees financeiras de
desenvolvimento multilaterais e bilaterais Essa iniciativa pode ser interpretada como
decorrente em parte do aumento da presenccedila dos capitais privados no acircmbito internacional
e denota o maior interesse dos mercados financeiros pelos paiacuteses em desenvolvimento Esse
interesse pode ter acontecido ateacute mesmo a partir da decisatildeo tomada pelos paiacuteses em vias de
desenvolvimento de utilizar o excesso de liquidez internacional dos anos setenta para
financiar seus processos de desenvolvimento
O aumento do processo de internacionalizaccedilatildeo pode ter contribuiacutedo para a
manutenccedilatildeo dos interesses econocircmico e financeiro estabelecidos pelos regimes
internacionais dessas aacutereas A aproximaccedilatildeo dos institutos financeiros dos setores privados e
a escolha de certos temas para a composiccedilatildeo da agenda internacional podem ter sido
utilizados como elemento de sustentaccedilatildeo desse sistema Milner e Keohane acreditam que
ldquopressotildees poliacuteticas intensas (puacuteblicas privadas e bilaterais) foram exercidas para que os
paiacuteses em vias de desenvolvimento abrissem as suas economiasrdquo (MILNER amp KEOHANE
1996 16-7) Os temas da agenda global podem ser entendidos como elementos de reforccedilo
do processo de internacionalizaccedilatildeo uma vez que estes temas satildeo condicionados aos
repasses de recursos (mesmo privados) pois muacuteltiplos esforccedilos nos paiacuteses em vias de
desenvolvimento satildeo direcionados para o atendimento (mesmo burocraacutetico) destes temas
Por exemplo atualmente todos os projetos e programas executados com recursos
provenientes do Banco Mundial devem ter uma anaacutelise de impacto ambiental
Isso significa que todo tipo de empreacutestimo (mesmo com creacuteditos IBRD a juros de
mercado) efetuado pelo Brasil atraveacutes do Banco Mundial deve considerar que uma parte
dos gastos seraacute comprometida com o pagamento de consultores internacionais ambientais e
com a compra de equipamentos dessa aacuterea (procurement) Em 1998 as vendas
internacionais para o mercado ambiental brasileiro chegaram a um faturamento de US$ 25
bilhotildees de doacutelares (duas vezes e meia o orccedilamento anual do PNUD) Desse montante 35
dos recursos foram gastos com a cogravempra de bens e serviccedilos dos EUA seguidos pela
59
Alemanha - que recebeu 25 desse valor- pelo Canadaacute que recebeu 12 e pela Espanha
Japatildeo Gratilde-Bretanha e Itaacutelia que como grupo receberam 13 dos recursos (MARTINS
2000 63) Esses dados revelam que a pressatildeo dos paiacuteses do mundo desenvolvido para que
as organizaccedilotildees internacionais passassem a considerar os temas globais em suas agendas
natildeo pode ser tomada como ocasional
Keohane acredita que um bom antiacutedoto contra a retoacuterica da interdependecircncia eacute
lembrar que ldquoos atores agem motivados pelo poder e pela riqueza natildeo pela realizaccedilatildeo de
interesses comunsrdquo (KEOHANE 1984 22) Como nos advertem Keohane e Nye
raramente ou mesmo nunca os regimes internacionais satildeo instituiacutedos por idealistas
desinteressados que visem o atendimento de objetivos comuns (KEOHANE amp NYE 1982)
Isso significa que os regimes internacionais inclusive daquele ODA criado como ambiente
favorecedor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento natildeo podem ser estudados sob
uma oacutetica de interdependecircncia de temas globais Caso estudaacutessemos o fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo internacional para o desenvolvimento a partir de uma perspectiva globalista
poderiacuteamos ser enganados quanto agrave motivaccedilatildeo dos atores
Quanto ao estabelecimento da condicionalidade financeira Haggard e Maxfield
identificam nas pressotildees sofridas pelos balanccedilos de pagamento dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento os principais mecanismos de efetivaccedilatildeo da abertura de suas economias75
Em uma grande variedade de dimensotildees a regulamentaccedilatildeo das economias nacionais dos
PVD foi colocada em questatildeo pelos paiacuteses fortes ldquoEm suma o fato de que desde os anos
setenta paiacuteses de todo o mundo incluindo aqueles de cultura e tradiccedilatildeo muito
diversificadas como o Vietnatilde a iacutendia a China o Sul da Aacutefrica o Chile e o Meacutexico
decidiram reduzir suas barreiras comerciais abrir seus mercados de capitais reduzir as
intervenccedilotildees governamentais na economia privatizar as empresas estatais e reduzir as
poliacuteticas sociais (welfare policies) sugere a existecircncia de fortes pressotildees exercidas pela
forccedila da internacionalizaccedilatildeordquo (HAGGARD amp MAXFIELD 1996 211) ldquoEsse fenocircmeno
natildeo pode ser percebido apenas como um crescente processo de globalizaccedilatildeo promovido
73 Os autores ainda citam como importante mecanismos de pressatildeo a sessatildeo 301 do Trade Act pressionou fortemente a liberalizaccedilatildeo das regras para investimento estrangeiro e ao mesmo tempo para a proteccedilatildeo da propriedade intelectual
60
pela expansatildeo tecnoloacutegica e pela maior presenccedila das empresas transnacionaisrdquo (MILNER
amp KEOHANE 19964)
Segundo Haggard e Maxfiacuteeld os frequumlentes ajustes das balanccedilas de pagamento aos
quais os atores mais fracos foram submetidos a partir da deacutecada de oitenta (com a inversatildeo
dos fluxos de capitais Norte-Sul para Sul-Norte) obrigaram os paiacuteses em desenvolvimento
a um processo forccedilado de abertura econocircmica estimulado tambeacutem pelos mecanismos de
condicionalidade76 A razatildeo desta abertura tem segundo os autores relaccedilatildeo com os altos
custos que os paiacuteses pagam em um contexto neoliberal de integraccedilatildeo financeira pela
ausecircncia de instituiccedilotildees poliacuteticas que os ajudem a minimizar estes custos Isso porque
mesmo que a internacionalizaccedilatildeo seja um processo sofrido por todos os paiacuteses os paiacuteses
centrais devido a suas fortes instituiccedilotildees poliacuteticas (Estado) podem minimizar evitar ou ateacute
mesmo redirecionar os custos da internacionalizaccedilatildeo para outros atores (MILNER amp
KEOHANE 1996 9-10)
Atualmente no setor financeiro internacional estabeleceu-se a loacutegica de que manter
ou aumentar a abertura financeira (nos primeiros momentos de crise) daacute sinais aos
investidores estrangeiros de que eles seratildeo capazes de liquidar seus investimentos indica as
intenccedilotildees dos governos de manter a disciplina fiscal e financeira e em uacuteltima anaacutelise
aumenta os fluxos de capital (HAGGARD amp MAXFIacuteELD 1996 211-15) Contudo os
sinais dados aos investidores estrangeiros pelos governos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento quanto agrave abertura de seus mercados natildeo parecem mais ser suficientes para
a garantia da manutenccedilatildeo dessa abertura Esse eacute o ponto em que acontece a interaccedilatildeo entre
o mercado financeiro privado e os institutos financeiros
Ascari considera que a razatildeo da expansatildeo da condicionalidade para os empreacutestimos
dos institutos financeiros eacute que tais empreacutestimos garantiriam a capacidade do paiacutes de
restituir os recursos recebidos pois segundo os analistas dos proacuteprios institutos financeiros
os empreacutestimos soacute poderiam ser devolvidos na medida que reformas internas nos PVD
fossem realizadas (ASCARI 1999) Um controle sobre as reformas somente seria possiacutevel
atraveacutes do condicionamento do uso dos fundos Os institutos financeiros internacionais
70 A opiniatildeo dos teoacutericos claacutessicos do liberalismo como Rosecrance eacute de que os paiacuteses do terceiro mundo por tratarem-se de naccedilotildees com estruturas econocircmicas sociais e poliacuteticas deacutebeis procurariam adotar estrateacutegias comerciais de participaccedilatildeo no acircmbito internacional como uma maneira de resolver os problemas crocircnicos (Citado por MILNER amp KEOHANE 1996)
61
teriam nessa perspectiva a funccedilatildeo de garantidores do capital privado A aproximaccedilatildeo das
organizaccedilotildees internacionais e dos institutos financeiros do setor privado criou novos
mecanismos de constrangimento sobre os paiacuteses em vias de desenvolvimento mecanismos
que foram reforccedilados pelo aumento da internacionalizaccedilatildeo dos fluxos de capitais Desse
modo estabeleceu-se nos uacuteltimos anos a loacutegica de que as atuais condiccedilotildees de austeridade
insseridas pelos organismos multilaterais nos programas de reformas econocircmicas dos paiacuteses
garantem outros financiadores acerca da credibilidade do programa econocircmico do paiacutes
recebedor Na Conferecircncia Internacional sobre Desenvolvimento Econocircmico (1995) o
economista D Rodrik (ligado ao Banco Mundial) afirmou que a austeridade imposta pelos
empreacutestimos de ajustamento estrutural assegura os financiadores privados sobre a
possibilidade do paiacutes recebedor conseguir ex post um melhoramento da situaccedilatildeo
econocircmica tal que lhes possibilitaria efetuar a devoluccedilatildeo dos empreacutestimos ou justificar a
concessatildeo da ajuda com base nas expectativas de eficaacutecia (RODRIK 1995)77
A partir do estabelecimento da condicionalidade acentuou-se a diminuiccedilatildeo dos
financiamentos facilitados (fundos ODA) para os paiacuteses das economias em
desenvolvimento e aumentaram exponencialmente os creacuteditos privados O aumento da
condicionalidade e a aproximaccedilatildeo com o setor da cooperaccedilatildeo de bancos privados
determinaram a diminuiccedilatildeo dos fluxos do regime ODA que passaram de um total de 59
em 1990 dos recursos dos paiacuteses do CAD aos paiacuteses em vias de desenvolvimento para
236 em 1997 No mesmo periacuteodo os fluxos financeiros privados passaram de 336
para 777 - ou seja de 436 bilhotildees de doacutelares em 1990 para 2521 bilhotildees de doacutelares em
1997 (TRILZI 1998 1223) Outra consideraccedilatildeo diz respeito agrave performance dos paiacuteses do
CAD relativamente aos fluxos de recursos destinados aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento Enquanto os fluxos do regime ODA sofreram uma contraccedilatildeo em
percentual sobre o PIB destes paiacuteses (de 033 em 1986-7 a 022 em 1997) os capitais
privados passaram no mesmo periacuteodo de 019 a 059 Nesse contexto foi significativa
a performance dos Estados Unidos cujo capital privado destinado aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento passou nos dez anos mencionados de 6 bilhotildees de doacutelares em 1986-7
77 Why is there Multilateral Lending Annual World Bank Conference on Development Economics 1995 (http wwwwborg)
62
(014 do PIB dos EUA) a aproximadamente 65 bilhotildees de doacutelares em 1997 (o equivalente
a 081 do PIB americano) por seu lado a cota destinada ao financiamento puacuteblico
(fluxos ODA) foi reduzida no periacuteodo de 021 a 009 (TRIULZI 1998 123)
Com a introduccedilatildeo da condicionalidade e dos creacuteditos e empreacutestimos estruturais os
capitais privados puderam receber garantias efetivas dos governos dos PVD de que as
poliacuteticas econocircmicas implantadas em seus paiacuteses manteriam a conformaccedilatildeo destes Estados
aos regimes de Bretton Woods Em outras palavras com a introduccedilatildeo da condicionalidade
nos institutos financeiros o retomo dos recursos devido agrave ecircnfase no ajustamento estrutural
nas balanccedilas de pagamento estaria assegurado
A introduccedilatildeo de mecanismos de condicionalidade a partir do choque do petroacuteleo e
da crise da diacutevida externa - dois momentos de conflito (em diferentes graus de intensidade)
entre o grupo de paiacuteses em vias de desenvolvimento e o dos paiacuteses industrializados - revela
como os atores favorecidos e desfavorecidos podem obter benefiacutecios e tratamentos
desiguais dos regimes estabelecidos Aleacutem disso como evidenciado pela proacutepria crise da
diacutevida e depois pela noccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo os paiacuteses em vias de desenvolvimento
por natildeo terem conseguido reforccedilar suas poliacuteticas institucionais (seus governos) antes de
efetuarem uma conformaccedilatildeo aos regimes de Bretton Woods (como foi o caso dos paiacuteses
europeus do bloco ocidental) acabaram arcando com os custos maiores das variaccedilotildees
sistecircmicas Finalmente podemos ainda considerar que os proacuteprios regimes de Bretton
Woods foram acordados com constrangimentos internos para que se beneficiassem os
atores mais fortes (a ecircnfase nas balanccedilas de pagamento) Esse tipo de interpretaccedilatildeo ganha
dimensatildeo quando consideramos que as potecircncias secundaacuterias europeacuteias no final da
Segunda Guerra soacute aceitaram participar dos regimes de Bretton Woods depois de
fortalecerem suas instituiccedilotildees poliacuteticas atraveacutes do plano Marshall e da Uniatildeo Europeacuteia de
Pagamento (KEOHANE 1984 DINOLFO 1993)
Nosso proacuteximo e uacuteltimo capiacutetulo seraacute dedicado agrave anaacutelise do fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo descentralizada um constrangimento que exclui os governos dos paiacuteses em
desenvolvimento da aplicaccedilatildeo dos fluxos da ODA Analisaremos a modalidade de
cooperaccedilatildeo descentralizada a partir da instrumentalizaccedilatildeo das ONGs dos paiacuteses
desenvolvidos e de sua relaccedilatildeo com as homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
63
CAPIacuteTULO IV
A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA
COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO
Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo
No estudo da cooperaccedilatildeo descentralizada um dos primeiros problemas que se
apresenta eacute a proacutepria investigaccedilatildeo do termo Embora essa modalidade de administraccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)
tenha comeccedilado timidamente a partir da metade dos anos setenta somente quando o
fenocircmeno ganhou expansatildeo na metade dos anos oitenta buscou-se formalmente um
conceito para a praacutetica que jaacute vinha sendo estabelecida Antes de buscar uma compreensatildeo
mais ampla do termo cooperaccedilatildeo descentralizada devemos esclarecer que esse eacute um
fenocircmeno especiacutefico da cooperaccedilatildeo internacional ao europeacuteia desenvolvimento
Para Jahier e Triulzi cooperaccedilatildeo descentralizada eacute a modalidade de administraccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)
na qual estatildeo excluiacutedos os governos nacionais dos Estados recebedores dos recursos
(JAHIER 2000 TRIULZI 1998 2000) A Comunidade Europeacuteia define de maneira muito
mais generalizante a cooperaccedilatildeo descentralizada ldquoum novo meacutetodo de cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento que potildee os operadores no centro da atuaccedilatildeo das atividades e que persegue
assim o duplo objetivo de adequar as accedilotildees agraves exigecircncias e de garantir sua realizaccedilatildeordquo78
Estas duas primeiras definiccedilotildees pouco revelam sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada Aquilo
que se percebe inicialmente eacute que essa praacutetica tem possibilitado um afastamento dos
Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento da utilizaccedilatildeo direta dos fluxos do
regime internacional ODA Por esse motivo buscaremos investigar a praacutetica da cooperaccedilatildeo
7S Cooperazione Decentrata 2002 (httpeuropaeuintsacdiplusprintversionitlvbrl2004htm)
64
descentralizada como sendo um constrangimento imposto pelos atores mais fortes aos
paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD)
Acreditamos que a maneira mais construtiva de nos aproximarmos do fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo descentralizada seja descrever a maneira como se manifesta essa modalidade no
setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Nesse sentido Basile descreve a cooperaccedilatildeo
descentralizada como sendo uma praacutetica na qual os recursos do regime internacional ODA
disponiacuteveis no Fundo Europeu e na cooperaccedilatildeo bilateral dos paiacuteses europeus eacute diretamente
destinado agraves ONGs internacionais europeacuteias que mantenham projetos de cooperaccedilatildeo em
parceria partnership) com entidades homocircnimas locais dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento e natildeo mais aos governos nacionais destes paiacuteses - nem mesmo para
organizaccedilotildees multilaterias que ainda mantenham princiacutepios de natildeo-identifiacutecaccedilatildeo dos
doadores (BASILE 1995)
A discussatildeo internacional sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada pode ser ainda mais
polecircmica do que a proacutepria discussatildeo da condicionalidade da ajuda Isso porque na praacutetica a
cooperaccedilatildeo descentraliza envolve atores natildeo estatais (ONGs) que atuam no setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Devido a essa particularidade promover um estudo sobre
a legitimidade da cooperaccedilatildeo descentralizada toma-se tarefa bastante complicada Isso
porque muitas vezes eacute difiacutecil distinguir o que eacute a anaacutelise do fenocircmeno daquela que eacute a
posiccedilatildeo subjetiva dos teoacutericos sobre a funccedilatildeo social das ONGs e das ONGs internacionais
no desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres
Os proacuteprios autores que citamos acima Jahier e Triulzi embora tenham uma visatildeo
muito similar da definiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada tecircm opiniotildees muito contrastadas
em relaccedilatildeo agrave sua legitimidade Para Triulzi a praacutetica da cooperaccedilatildeo descentralizada eacute
vaacutelida e se justifica porque coloca os atores natildeo-estatais dos paiacuteses desenvolvidos em uma
espeacutecie de parceria (contratualidade ao inveacutes de condicionalidade) com aqueles atores natildeo-
estatais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (TRIULZI 1998) Segundo ele por meio
de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores seria possiacutevel atingir as necessidades ldquoreaisrdquo das
populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento pois essa relaccedilatildeo proporcionaria o
ldquofavorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-administrativas a ponto de defender os
direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos defendendo a igualdade entre gecircneros
introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo democraacutetica na vida social e civil dos paiacuteses em
65
vias de desenvolvimentordquo (TRIULZI 1998 128) Ao mesmo tempo que faz tal afirmaccedilatildeo
Triulzi coloca-se contraacuterio acirc condicionalidade da ajuda (praacutetica que abordamos no capiacutetulo
anterior) pois ldquoas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento assim como a ajuda
humanitaacuteria tecircm uma particularidade especiacutefica que natildeo eacute a de promover a democracia e os
direitos civis valores indiscutiacuteveisrdquo (TRIULZI 1998 128) mas ainda segundo o autor
natildeo devem acontecer a partir da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (sic) Devemos recordar
que a condicionalidade da ajuda foi um processo iniciado nos anos setenta que pretendia
condicionar o regime internacional ODA agrave realizaccedilatildeo de objetivos pontuais e setorizados
nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Contudo Triulzi declara natildeo perceber uma
incoerecircncia em sua afirmaccedilatildeo quando defende o uso do regime ODA atraveacutes do modelo de
cooperaccedilatildeo descentralizada e opotildee-se ao mesmo tempo agrave condicionalidade da ajuda
Segundo o autor a ldquocontratualidaderdquo entre atores natildeo-estatais seria a garantia de um
verdadeiro processo de desenvolvimento das populaccedilotildees dos paiacuteses mais pobres (TRIULZI
19982000)
Como dissemos anteriormente o conceito inicialmente favoraacutevel de alguns autores
quanto agrave atuaccedilatildeo das ONGs parece natildeo permitir uma verdadeira aproximaccedilatildeo do problema
da cooperaccedilatildeo descentralizada que eacute o fato de que os fluxos do regime internacional ODA
atraveacutes dessa modalidade satildeo em si mesmo uma espeacutecie de constrangimento para aplicaccedilatildeo
dos recursos pelos paiacuteses do Sul considerando que nem os governos destes paiacuteses nem as
ONGs locais podem conduzir diretamente seus proacuteprios projetos de desenvolvimento De
fato segundo a Resoluccedilatildeo 165898 (sect 31 e 32)79 das normas gerais de co-financiamento
para ONGs da Comunidade Europeacuteia atesta apenas as ONGs europeacuteias satildeo elegiacuteveis para a
apresentaccedilatildeo de projetos de desenvolvimento na modalidade da cooperaccedilatildeo
descentralizada
Jahier o segundo autor tratado aqui tem uma visatildeo mais criacutetica quanto agrave
modalidade da cooperaccedilatildeo descentralizada Para ele os recursos do regime internacional
ODA deveriam ser tratados diretamente pelos Estados Isso porque as ONGs internacionais
podem perder valor de representaccedilatildeo civil ou legitimidade quando atuam ligadas de
maneira tatildeo direta aos Estados nacionais dos paiacuteses europeus Aleacutem disso a cooperaccedilatildeo
descentralizada estabelece uma parceria desigual que pode comprometer as relaccedilotildees
66
positivas entre elas e suas homocircnimas de diferentes paiacuteses Finalmente o autor acredita que
as ONGs natildeo deveriam ser inseridas em um acircmbito econocircmico como aquele do setor da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento pois as ONGs internacionais - quando se
colocam no lugar dos Estados como promotoras do desenvolvimento - ldquopodem assumir a
funccedilatildeo de servir de acompanhantes das transferecircncias de dinheiro tecnologia e poliacuteticas
dos atores mais fortesrdquo (JAHEER 2000 223)
0 estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada
Da mesma forma que na condicionalidade da ajuda a cooperaccedilatildeo descentralizada
teve dois momentos distintos de inserccedilatildeo no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento O primeiro aconteceu em 1975 quando a Comunidade Europeacuteia
estabeleceu novas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e aproximou-se do diaacutelogo
Norte-Sul depois do choque do petroacuteleo e da crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-
primas de acordo com a nova orientaccedilatildeo decidida pelos paiacuteses industrializados na
Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) (RELATOacuteRIO
ANUAL CAD 1973) Esse primeiro momento como veremos estruturou as bases da
cooperaccedilatildeo descentralizada O segundo momento de expansatildeo da cooperaccedilatildeo
descentralizada aconteceu em 1985 com a introduccedilatildeo da ldquoCharte Europeacuteenne de
1 Autonomie Localersquorsquorsquo que permitiu que as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos colaborassem
com homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizando os fluxos do regime
internacional ODA do Fundo Europeu de Desenvolvimento80
Em 1975 a Europa que depende fortemente da importaccedilatildeo de mateacuterias-primas e
energia dos paiacuteses em desenvolvimento visando reduzir os conflitos com os paiacuteses
(prioritariamente) fornecedores de mateacuterias-primas ampliou a base geograacutefica de suas 81 rpoliacuteticas de cooperaccedilatildeo atraveacutes da Convenccedilatildeo de Lomeacute I (1975) Com Lomeacute I as
80 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wwwesteriitpoleseracooperazquadrocix)pdechim)
81 Ateacute 1975 quando aconteceu a passagem das Convenccedilotildees de Yaoundeacute I II e III que tinham regulamentado desde 1957 as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa todas
67
poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa passaram agrave atender os paiacuteses da
bacia do Mediterracircneo da Aacutesia e da Ameacuterica Latina Segundo Grilli esta convenccedilatildeo
estabeleceu um compromisso entre a Europa e os paiacuteses em vias de desenvolvimento para
que se regularizasse o fornecimento de mateacuterias-primas em troca do suprimento de
assistecircncia comercial e financeira com base nos princiacutepios de paridade e natildeo-
interferecircncia82 (TRIULZI 2000 GRILLI 1993) Firmou na ocasiatildeo o compromisso de que
os fluxos do regime internacional ODA seriam destinados como uma forma de compensar
financeiramente os paiacuteses em vias de desenvolvimento pelas menores oportunidades
comerciais e financeiras destes atores (GRILLI 1993 38)83
Ao mesmo tempo em que ampliou as aacutereas geograacuteficas de atuaccedilatildeo do setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento com Lomeacute I a Europa promoveu em 1976 a aproximaccedilatildeo
do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) das ONGs europeacuteias84 Naquela data foi
permitido que as ONGs dos paiacuteses europeus passassem a ter acesso diretamente aos
recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento para co-financiar ou financiar
integralmente projetos que seriam implementados nos paiacuteses atendidos pela Convenccedilatildeo de
Lomeacute I (1975) Com esse fim ainda em 1976 ldquocriou-se o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre as
as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento executadas pelo continente eram restritas as aacutereas aos paiacuteses da Aacutefrica Caribe e Paciacutefico ditos paiacuteses ACP
82 Com Lomeacute I a Europa comeccedilou a responder as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento (natildeo reciprocidade nas relaccedilotildees comerciais estabilizaccedilatildeo da renda de exportaccedilatildeo e alguns indexadores dos preccedilos de exportaccedilatildeo) as bases do acordo eram estruturas com igualdade entre dois conjuntos de paiacuteses extremamente diferentes em seus estaacutegios de desenvolvimento
83 Antonelli Salvatori Triulzi e Grilli e Di Nolfo percebem a expansatildeo geograacutefica das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Comunidade Europeacuteia como uma iniciativa de contenccedilatildeo do movimento de organizaccedilatildeo dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas (power o f cartels) e como uma aproximaccedilatildeo dos paiacuteses europeus do diaacutelogo Norte-Sul (ANTONELLI 1995 SALVATORI 1994 TRIULZI 2000 GRILLI 1993 Di Nolfo 1994)
84 Este processo de constituiccedilatildeo de novas entidades combina-se no caso europeu com o processo de revitalizaccedilatildeo do papel desempenhado por agecircncias privadas atuantes no campo da ajuda ou cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta Naquela deacutecada estabeleceram-se como ONGs internacionais de grande porte a NOVIB na Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique contre la Faim etpour le Deacuteveloppement na Franccedila A exemplo do papel desempenhado pelas fundaccedilotildees empresariais americanas estas agecircncias de ajuda e cooperaccedilatildeo em sua maioria vinculadas a Igreja canalizaratildeo em nome da solidariedade internacional um volume expressivo de recursos (TAVARES 1999)
68
ONGs e a Comissatildeo Europeacuteia (COMUNIDADE EUROPEacuteIA)85 Esse Comitecirc foi composto
pelos representantes da Comissatildeo Europeacuteia e por quinze representantes de ONGs dos paiacuteses
membros da Comunidade (MARTINS 2000 42)rdquo Note-se que essa praacutetica eacute diferente da
introduzida pela expansatildeo de 1985 pois ainda natildeo existia a possibilidade de estabelecer
parcerias entre as ONGs europeacuteias e as dos PVD Contudo naquele momento tambeacutem natildeo
existia uma rede de ONGs estruturada como atualmente conhecemos
Tavares percebe uma relaccedilatildeo direta entre a aproximaccedilatildeo das ONGs europeacuteias da
Comissatildeo Europeacuteia e a expansatildeo do setor nos anos setenta Os subsiacutedios puacuteblicos para as
ONGs europeacuteias aumentaram substancialmente a partir desta eacutepoca representando
atualmente de 59 a 68 dos recursos totais das Organizaccedilotildees francesas e alematildes
(TAVARES 1999 133) O processo de constituiccedilatildeo do Comitecirc de Aproximaccedilatildeo entre a
Comissatildeo e as ONGs combina com a expansatildeo do papel desempenhado por agecircncias
privadas atuantes no campo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta
Naquela deacutecada estabeleceram-se ONGs internacionais de grande porte como a NOVIB na
Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot
Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique Contre la Faim et Pour le
Deacuteveloppement na Franccedila (OLIVEIRA 1999) Aleacutem disso segundo Antonelli e tambeacutem
nos anos setenta os paiacuteses europeus passaram a promover incentivos puacuteblicos para a
formaccedilatildeo de pessoal que iria atuar na aacuterea de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir das
ONGs (CECCHI 1995)
A aproximaccedilatildeo da Comissatildeo Europeacuteia das ONGs pode ser explicada por uma seacuterie
de fatores Quanto agraves motivaccedilotildees das proacuteprias ONGs europeacuteias de se aproximarem dos
Estados de maneira institucionalizada devemos lembrar que Keohane considera que no
setor da cooperaccedilatildeo internacional todos os atores agem fundamentalmente por motivaccedilotildees
econocircmicas inclusive organizaccedilotildees internacionais e natildeo-governamentais (KEOHANE
1984) Contudo o autor considera que em algumas situaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento ou ajuda humanitaacuteria podem existir fenocircmenos definidos como
dependecircncia empaacutetica Ou seja que os atores de organizaccedilotildees natildeo governamentais podem
agir motivados por reais preocupaccedilotildees humanitaacuterias Nesses casos deve-se tomar em
85 Ref (httpwvesteriitpolesteracooperazquadrocoopdechtm)
69
consideraccedilatildeo natildeo a opiniatildeo dos fornecedores da ajuda mas a daqueles beneficiados por ela
(KEOHANE 1984 123)
Esta nossa investigaccedilatildeo contudo por tratar das puniccedilotildees e dos constrangimentos
impostos aos Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento a partir de um
fenocircmeno poliacutetico definido (a crise entre paiacuteses industrializados e paiacuteses preferencialmente
produtores de mateacuterias-primas) natildeo abordaraacute diretamente as motivaccedilotildees empaacuteticas destes
atores que podem existir em alguns casos Contudo preferimos manter a orientaccedilatildeo de
Cecchi e Tavares e prosseguir em nossa investigaccedilatildeo considerando que o crescimento
exponencial do nuacutemero de ONGs internacionais filiadas ao Comitecirc de Ligaccedilatildeo da
Comissatildeo Europeacuteia a partir de 1970 pode estar mais relacionado agraves motivaccedilotildees da proacutepria
Comunidade Europeacuteia do que a um fenocircmeno coletivo de dependecircncia empaacutetica Quando o
Comitecirc de aproximaccedilatildeo entre a Comissatildeo Europeacuteia e as ONGs europeacuteias foi fundado em
1976 as ONGs participantes eram 15 Na metade dos anos noventa mais de 800 ONGs jaacute
eram filiadas ao Comitecirc (MARTINS 2000 42) e atualmente mais de 1000 ONGs
internacionais europeacuteias podem ter acesso direto aos fluxos do regime internacional ODA
alocados no Fundo europeu de Desenvolvimento (COMUNE Dl MILANO)86 Segundo
Tavares atualmente o nuacutemero total de ONGs internacionais no mundo eacute de 1500
(TAVARES 1999)
Quanto agraves motivaccedilotildees da Europa nos primeiros anos de suas novas poliacuteticas de
cooperaccedilatildeo a partir do choque do petroacuteleo pode-se supor que os dois frontes abertos de
atuaccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo (a ampliaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas cobertas pela
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e a aproximaccedilatildeo das ONGs da Comissatildeo Europeacuteia) fosse
inicialmente uma tentativa destes governos de conseguir uma imagem positiva de suas
iniciativas de cooperaccedilatildeo ampliada Grilli sugere que Lomeacute I (1975) cumpriu a funccedilatildeo de
desvincular a imagem da Europa de seu passado colonial que tinha sido perpetuado desde
a Segunda-Guerra pelo Associativismo87 entre a Europa e suas antigas colocircnias (GRILLI
86 Disponiacutevel on-line (httpAvwwcomunemilanoif) - Settore di Relazione Estere e Comunicazione
87 O associativismo foi estabelecido em 1957 com o Tratado de Roma e visava regularizar as tenccedilotildees do final do regime colonial Os paiacuteses participantes do associativismo eram aqueles da Aacutefhca Caribe e Paciacutefico ditos ACP
70
1993) Eacute possiacutevel que a aproximaccedilatildeo da Europa das ONGs tenha cumprido essa mesma
funccedilatildeo Isso porque naqueles anos do choque do petroacuteleo quando a tensatildeo entre paiacuteses
industrializados (desenvolvidos) e paiacuteses produtores basicamente de mateacuterias-primas (em
desenvolvimento) estava bastante acentuada a Europa tentava afastar de si mesma e de
suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo a imagem do passado colonial (GRILLI 1995)
O segundo momento de expansatildeo das relaccedilotildees da Comunidade Europeacuteia com as
ONGs internacionais aconteceu em 1985 quando o Conselho da Europa adotou a ldquoCherte
Europeacuteenne de L Autonomie Localerdquo que permitiu agraves ONGs europeacuteias utilizar o regime
ODA para realizar diretamente projetos de cooperaccedilatildeo com as ONGs dos paiacuteses em
desenvolvimento sem a participaccedilatildeo direta dos governos nacionais (COOPERAZIONE
DECENTRATA ALLO SVTLUPPO 2000)88 No mesmo ano o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre a
Comissatildeo Europeacuteia e ONGs adotou o conceito de interdependecircncia Norte-Sul de atuaccedilatildeo
de accedilotildees globais para a soluccedilatildeo dos problemas de desenvolvimento (GRILLI 1993 40-45)
(como visto no capiacutetulo anterior a noccedilatildeo de interdependecircncia no cenaacuterio internacional dos
anos oitenta foi decidida na Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento
Econocircmico em 1981)
De fato em 1985 a agenda das atividades cobertas pela modalidade de cooperaccedilatildeo
descentralizada foi estabelecida como veremos mais adiante a partir do conceito de
necessidades humanas baacutesicas (NHB) e dos temas globais Esse tipo de agenda eacute uma
limitaccedilatildeo ao uso dos fluxos do regime internacional ODA pois estabelece para quais
setores os projetos de desenvolvimento deveratildeo ser apresentados (CREWEampHARRISON
1999)
Devemos ainda recordar que a expansatildeo das atividades da ONGs aconteceu no
mesmo momento em que o processo de internacionalizaccedilatildeo (abordado no capiacutetulo anterior
como uma reduccedilatildeo de custos operacionais que promoveram uma acentuada circulaccedilatildeo dos
fluxos de mercadorias financcedilas e serviccedilos (MDLNER amp KEOHANE 1996) se acentuava
Rainhom a partir de um estudo sobre as ONGs de sauacutede relaciona a expansatildeo
internacional das ONGs internacionais agrave do capital financeiro internacional O tema como
afirma o proacuteprio autor embora ainda natildeo seja explorado em todas as suas possibilidades
88 disponiacutevel on-line (httpwwwesteriitpolesteracooperazquadrocoopdcchtin)
71
pode vir a constituir um campo de investigaccedilatildeo bastante interessante proximamente
Algumas constataccedilotildees podem ser percebidas no trabalho de Hours Segundo o autor a
expansatildeo das ONGs internacionais e emergenciais e a implantaccedilatildeo do discurso privado nos
paiacuteses em desenvolvimento aconteceram paralelamente Para esse autor a ideologia
humanitaacuteria fundada nas intervenccedilotildees de urgecircncia (em um futuro direito de ingerecircncia) e
nas intervenccedilotildees pontuais se impotildee como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS
2001) Em particular a presenccedila na miacutedia das ONGs de sauacutede e do heroacutei meacutedico sem
fronteira eacute abordada pelo autor como uma ofensiva ideoloacutegica e poliacutetica que antecedeu a
ofensiva neoliberal da ONG americana Liberdade Sem Fronteiras (proacutexima dos Meacutedicos
Sem Fronteiras) fundada em 1985 quando terminou a Guerra Fria O objetivo da
Liberdade sem Fronteiras era promover as intervenccedilotildees privadas (e das proacuteprias ONGs) em
um momento de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas mundiais quando os paiacuteses em
desenvolvimento reacenderam suas esperanccedilas de instaurar regimes internacionais mais
favoraacuteveis aos seus interesses (HOURS 2001 98-103)
Natildeo temos elementos teoacutericos disponiacuteveis para avanccedilar no discurso ilustrado acima
contudo acreditamos que esse tipo de aproximaccedilatildeo poderaacute ser produtivo para uma futura
investigaccedilatildeo mais focada na hipoacutetese levantada por Hours de se interpretar as ONGs
internacionais como promotoras do neoliberalismo Aleacutem disso esse tipo de anaacutelise pode
nos deixar mais atentos para a sincronizaccedilatildeo que existiu entre a expansatildeo das ONGs no
setor da cooperaccedilatildeo internacional na Europa a partir dos anos oitenta - notoriamente nas
Convenccedilotildees de Lomeacute Hl (1985) e Lomeacute IV (1990) - e os movimentos de expansatildeo do
capital financeiro europeu estabelecidos nestas mesmas Convenccedilotildees Neste sentido a
Convenccedilatildeo de Lomeacute Hl (1985) que definiu as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Europa entre
1985 e 1990 estabeleceu a salvaguarda dos investimentos privados do continente aplicados
em paiacuteses em desenvolvimento Isso determinou que os fluxos privados (IDE)89 europeus
destinados aos PVD teriam uma garantia dos governos nacionais dos paiacuteses do Sul que
mantivessem relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo com a Europa (GRILLI 1993)90 Segundo Grilli esse
89 Fluxos IDE satildeo financiamentos privados ou capital internacional investido no paiacutes recebedor dos recursos
90 Grilli aponta sempre o enfraquecimento do poder de barganha dos Estados em desenvolvimento como responsaacutevel pela introduccedilatildeo da praacutetica da salvaguarda (GRILLI 1993)
72
tipo de concessatildeo nunca tinha sido tolerado pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento O
autor acredita que a concessatildeo da salvaguarda dos investimentos privados soacute foi possiacutevel
porque os PVD encontravam-se em um dos momentos mais difiacuteceis da crise da diacutevida
externa e como vimos natildeo tinham recebido nenhum tipo de apoio econocircmico aleacutem dos
previstos em Bretton Woods Qualquer tipo de capital destinado a estes paiacuteses mesmo com
fortes condicionamentos era indispensaacutevel para uma tentativa de normalizaccedilatildeo da
economia destes paiacuteses
Uma uacuteltima observaccedilatildeo sobre a expansatildeo das ONGs e a das poliacuteticas liberais pela
Europa na Convenccedilatildeo de Lomeacute IV (1990) em que o conceito de cooperaccedilatildeo
descentralizado foi oficialmente instituiacutedo e alargado para os paiacuteses que mantecircm relaccedilotildees
de cooperaccedilatildeo com a Comunidade Europeacuteia a Europa introduziu e adotou o conceito de
condicionalidade financeira deixando de financiar projetos tradicionais e passando a
realizar como os institutos financeiros empreacutestimos de ajustamento estrutural que
utilizavam os fluxos do regime internacional ODA (GRILLI 1993)
Parece correto afirmar que o setor da cooperaccedilatildeo internacional da Europa adequou-
se agraves medidas decididas pelos paiacuteses da OCDE no Comitecirc de Assistecircncia ao
Desenvolvimento (CAD) quanto agrave orientaccedilatildeo ainda no final dos anos setenta de destinar
as poliacuteticas de desenvolvimento para os setores privados (RELATOacuteRIO ANUAL CAD
1979) No capiacutetulo anterior demonstramos que em 1979 Van Lennep - entatildeo secretaacuterio-
geral adjunto da OCDE - tomou possiacutevel a aproximaccedilatildeo entre os bancos privados e o setor
de financiamento da ajuda financeira ao desenvolvimento Acrescentamos agora a
informaccedilatildeo de que naquele mesmo ano o Comitecirc promoveu o ldquoI Encontro CAD com o
Conselho Internacional das Agecircncias de Voluntaacuterios (ICVA 91
Essa aproximaccedilatildeo das ONGs com a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi sustentada
pelas afirmaccedilotildees feitas pelos grupos de estudo do CAD segundo as quais o setor privado
garantiria maior eficaacutecia e transparecircncia na utilizaccedilatildeo dos recursos enviados aos paiacuteses em
vias de desenvolvimento sustentando que os Estados doadores poderiam estabelecer mais
facilmente mecanismos de avaliaccedilatildeo da efetiva utilizaccedilatildeo dos financiamentos
91 Logo depois em 1981 foi Banco Mundial quem estabeleceu uma diretriz especiacutefica (nota de poliacutetica operacional 1005) Segundo Fuumlhner a decisatildeo do Banco ldquorefletia o interesse do Banco em aproveitar em operaccedilotildees de financiamento a experiecircncia de campo daquelas organizaccedilotildeesrdquo (FUumlRNER 1996)
73
Vilanova nos lembra que em 1976 quando o relacionamento das ONGs com a
Comunidade Europeacuteia nasceu o Estado ficou no centro do processo Ou seja os paiacuteses
europeus puderam controlar e garantir ao mesmo tempo o maacuteximo de eficiecircncia Para
esse autor as ONGs como atores menos sujeitos ao direito internacional e devido ao bom
relacionamento que estabeleceram com a miacutedia conseguiram promover a reorganizaccedilatildeo
das estruturas humanitaacuterias nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Ele sugere que esse eacute
um aspecto muito positivo da atuaccedilatildeo das ONGs contudo seu discurso natildeo avanccedila sobre a
possibilidade que as ONGs tecircm de atuar sobre a reorganizaccedilatildeo de outras estruturas nos
paiacuteses em vias de desenvolvimento
Na verdade essa investigaccedilatildeo do poder de interferecircncia das ONGs nos paiacuteses em
vias de desenvolvimento eacute ainda muito recente no setor da cooperaccedilatildeo internacional
Deveremos reservar para o futuro o aprofundamento dessa discussatildeo Poreacutem Vilanova
Basile Antonelli e Jahier mdash autores estudados nesse capiacutetulo que em maior ou menor
medida se aproximaram desse tema mdash natildeo colocaram em discussatildeo em qualquer
momento o papel central de seus Estados como o ator mais importante desse processo de
ampliaccedilatildeo das ONGs no cenaacuterio internacional Essa observaccedilatildeo denuncia um aspecto da
discussatildeo que embora tenha estado presente desde a introduccedilatildeo do termo - cooperaccedilatildeo
descentralizada - esteve agrave margem durante nossa anaacutelise aquele ligado aos conceitos de
governabilidade (good governace) e de desenvolvimento sustentaacutevel participativo que tecircm
servido de suporte conceituai para a afirmaccedilatildeo dessa modalidade de ajuda Esses dois
suportes conceituais seratildeo vistos em relaccedilatildeo com as justificativas teoacutericas da Comunidade
Europeacuteia e da literatura especializada para a realizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada
atraveacutes das parcerias entre ONGs europeacuteias e ONGs locais
Podemos encerrar essa seccedilatildeo com a afirmaccedilatildeo de Tavares de que muitas vezes a
falta de transparecircncia das ONGs pode ser identificada no fato de que muitos governos
utilizam estas organizaccedilotildees como instrumentos de atuaccedilatildeo externa em iniciativas sobre as
quais natildeo lhes conveacutem assumir responsabilidade direta Em tais casos a flexibilidade em
mateacuteria de elaboraccedilatildeo de relatoacuterios e procedimentos contaacutebeis concedidos agraves ONGs por
92 Em VILANOVA 1995 BASILE 1995 ANTONELLI 1995 JAHIER 2000
74
estes governos revela-se essencial para que as iniciativas natildeo sejam diretamente
identificadas com estes atores (TAVARES 1999)
As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada
As justificativas da Comunidade para a implantaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada
foram baseadas em dois aspectos distintos Primeiramente justificou-se a implantaccedilatildeo da
cooperaccedilatildeo descentralizada devido ao fato de que mesmo depois de estabelecida a ajuda
internacional ao desenvolvimento nos anos sessenta os indicadores de desenvolvimento e
de necessidades humanas baacutesicas dos PVD (atualmente definido como desenvolvimento
humano) permaneciam estagnados93 As causas do falimento da ajuda foram buscadas em
uma certa incapacidade organizacional e institucional destes paiacuteses na administraccedilatildeo dos
recursos Tambeacutem Barbarella afirma que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi instituiacuteda porque
os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizaram inadequadamente os
instrumentos da cooperaccedilatildeo e os reduziram a um aparato operativo ineficaz vinculado
muitas vezes agrave poliacutetica externa e comercial de seus Estados (BARBARELLA 1998)
Basile e Antonelli justificam a cooperaccedilatildeo descentralizada focando seu discurso na
maior transparecircncia e eficiecircncia das ONGs e na sua natural vocaccedilatildeo de cumprir metas
sociaisrdquo (BASILE ANTONELLI 1995) Lal afirma que as ONGs internacionais com
organizaccedilotildees radicadas no territoacuterio dos paiacuteses beneficiados podem identificar os
potenciais beneficiaacuterios e endereccedilaacute-los aleacutem de monitorar os benefiacutecios a serem destinados
a eles muito melhor do que os governos nacionais (LAL) Outros autores mais favoraacuteveis
ao processo da participaccedilatildeo das ONGs chegam a considerar a cooperaccedilatildeo descentralizada
como uma necessidade - isto devido agrave proacutepria conduta dos governos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento ldquoque costumam ser corruptos pouco democraacuteticos e incompetentes no
exerciacutecio de suas funccedilotildees governamentaisrdquo (BARBARELLA 1998)
93 LIVRO VERDE 1997 O Livro Verde eacute editado pela direccedilatildeo geral do desenvolvimento e conteacutem as normas da Comunidade para o setor
75
Podemos perceber que esse tipo de observaccedilatildeo nos conduz primeiramente agrave
percepccedilatildeo de que se naturalizou a ideacuteia de que os fluxos do regime internacional ODA
devem cumprir funccedilotildees de desenvolvimento humano (necessidades humanas baacutesicas) A
segunda percepccedilatildeo eacute que as justificativas iniciais da Comunidade Europeacuteia parecem
fortemente baseadas no suporte teoacuterico da governabilidade A noccedilatildeo de governabilidade
associada ao pluralismo democraacutetico eacute vista atualmente como uma forma de
desenvolvimento correto para os paiacuteses mais pobres A legitimidade da cooperaccedilatildeo
descentralizada para promover a governabilidade nos paiacuteses em vias de desenvolvimento
parece estar sendo buscada pelos autores abordados no uacuteltimo paraacutegrafo na ideacuteia de que
os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento seriam pouco representativos de suas
populaccedilotildees A proacutepria Comunidade faz essa afirmaccedilatildeo no documento oficial de
sensibilizaccedilatildeo popular mdash destinado agrave sociedade civil europeacuteia mdash sobre a necessidade da
manutenccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento ldquoa
Comunidade estaacute trabalhando haacute mais de dez anos para desenvolver (atraveacutes da
cooperaccedilatildeo) um diaacutelogo simultacircneo com aqueles que satildeo os reais beneficiaacuterios da ajuda
Mandando delegaccedilotildees a campo a Comunidade manteacutem uma permanente relaccedilatildeo com as
pessoas locais e serve de intermediaacuteria entre a populaccedilatildeo local e os governos oficiaisrdquo 94
A noccedilatildeo de governabilidade como aquela utilizada pelo discurso da Comunidade
Europeacuteia estabelece uma ilegitimidade dos governos nacionais dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento perante as populaccedilotildees destes Estados aleacutem de criar uma imagem negativa
dos governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento junto agraves populaccedilotildees dos paiacuteses
desenvolvidos O que pode representar inclusive perdas comercias profundas para estes
uacuteltimos Essa imagem negativa pode ser utilizada inclusive pelos governos dos paiacuteses
desenvolvidos como instrumento de pressatildeo econocircmica e poliacutetica contra os paiacuteses do
Terceiro Mundo Cooper e Packhard argumentam que o sucesso da transmissatildeo de ideacuteias
como a governabilidade (que eacute oficialmente produto da ajuda conceituai CAD) emana das
poderosas organizaccedilotildees de desenvolvimento com o claro objetivo de promover mudanccedilas
poliacuteticas- Os autores acreditam que criacuteticas agrave corrupccedilatildeo de governo ao clientelismo e a
incompetecircncia satildeo criadas propositadamente para desconstruir a capacidade politica dos
94 ( w europaeuintscadpluslegleslubrl 2500htm)
76
governos dos paiacuteses mais pobres Mais importante olhar a governabilidade na perspectiva
histoacuterica permite que o conceito pareccedila menos novo A insistecircncia em good governance eacute
em grande parte reproduccedilatildeo do que jaacute foi previamente dito sobre good economy uma
afirmaccedilatildeo - em forma de eufemismo - de que o Ocidente tem proposto objetivos a serem
atingidos pelos PVD um conjunto generalizado de categorias que definem seus standards
(COOPER amp PACKHARD 1997)
A cooperaccedilatildeo descentralizada foi implementada no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento concomitantemente agrave introduccedilatildeo na agenda internacional dos conceitos
de governabilidade e participaccedilatildeo civil e de corrupccedilatildeo dos governos dos paiacuteses do terceiro
mundo Embora alguns autores afirmem que o conceito de governabilidade tenha entrado
no cenaacuterio internacional a partir do estudo poor governance do Banco Mundial em 1992
devemos lembrar que jaacute na metade dos anos oitenta o CAD publicou que ldquoAs Agecircncias
das Naccedilotildees Unidas (e as demais organizaccedilotildees internacionais) deveriam estabelecer projetos
que procurassem contribuir para estrateacutegias de Orientaccedilatildeo Paiacutesrdquo Estas orientaccedilotildees
contudo deveriam estar centralizadas ldquoem trecircs principais elementos o melhoramento
poliacutetico e a construccedilatildeo institucional da regiatildeo (que estruturam o conceito de good
governance) e o desenvolvimento de programas com investimentos puacuteblicosrdquo
(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1987) Em 1988 o CAD adotou os princiacutepios para a
apreciaccedilatildeo internacional de projetos de organizaccedilotildees natildeo-govemamentais (RELATOacuteRIO
ANUAL CAD 1987) Sobre a corrupccedilatildeo dos governos dos PVD o relatoacuterio anual do CAD
de 1992 afirmava ldquoLutar contra a corrupccedilatildeo e melhorar as financcedilas eacute um elemento
essencial da governabilidade A corrupccedilatildeo pode minar a inteira faacutebrica da economia e da
vida poliacutetica A corrupccedilatildeo pode prejudicar a reputaccedilatildeo da ajuda (ODA) junto agraves
populaccedilotildees civis dos paiacuteses doadoresrdquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)
E interessante perceber que a cooperaccedilatildeo descentralizada e a questatildeo da
governabilidade parecem estar conseguindo unir uma seacuterie de atores dos paiacuteses
desenvolvidos Apesar das diferenccedilas de discurso na cooperaccedilatildeo descentralizada e na
noccedilatildeo de que ela representa um papel fundamental para promover a governabilidade dos
paiacuteses em vias de desenvolvimento engajaram-se aleacutem do fundo europeu os doadores
bilaterais destes paiacuteses e as proacuteprias ONGs internacionais europeacuteias A esse propoacutesito a
posiccedilatildeo do grupo de ONGs europeacuteias durante a uacuteltima Conferecircncia sobre o Financiamento
77
do Desenvolvimento em Monterrey foi bastante clara em sua posiccedilatildeo sobre a administraccedilatildeo
direta dos recursos ODA pelos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
O grupo dos 77 reafirmava exaustivamente o direito dos PVD administrarem seus
proacuteprios recursos mesmo que nunca tenha ficado claro quais fossem exatamente seus
objetivos Aleacutem disso os governos destes paiacuteses costumam desconsiderar alguns direitos de
desenvolvimento como regras de govemo e direitos das populaccedilotildees Estes governos
tambeacutem costumam se opor ao dinheiro que venha atraveacutes das organizaccedilotildees natildeo
governamentais e continuam desconfiados quanto agrave utilizaccedilatildeo de mecanismos de ajuda - do
FMI e do Banco Mundial - que estabeleccedilam ajustes macroeconocircmicos Eles se opotildeem ateacute
mesmo ao recente foco da ajuda bilateral de privilegiar os paiacuteses mais pobres Finalmente
costumam natildeo consideraras demandas sociais e ambientais de seus paiacuteses (THE COURIER
ACP-EU 2002 l)95
A posiccedilatildeo das ONGs europeacuteias parece bastante adequada com os crescentes
interesses financeiros destas organizaccedilotildees no setor do desenvolvimento Estimava-se que
no final dos anos 90 o conjunto de ONGs dos paiacuteses OCDE administrasse o equivalente a
mais de 10 bilhotildees de doacutelares por ano entre contribuiccedilotildees puacuteblicas e privadas Destes
recursos em meacutedia 23 provecircm de doaccedilotildees privadas (JAHIER 2000 208) Quanto agraves
contribuiccedilotildees privadas das ONGs precisamos ressaltar que estas organizaccedilotildees podem
utilizar um percentual de ateacute 15 dos recursos conseguidos junto ao Fundo Europeu para
realizar campanhas publicitaacuterias de suas atividades Esse feto tem contribuiacutedo em larga
medida para a expansatildeo das contribuiccedilotildees privadas das ONGs nos paiacuteses da OCDE que
passaram de pouco menos de US$ 1 bilhatildeo para 7 bilhotildees de doacutelares entre 1970 e 1990
(JAHEER 2000) Realizar uma pesquisa criteriosa da administraccedilatildeo dos recursos das ONGs
e da efetiva aplicaccedilatildeo destes recursos nos paiacuteses em vias de desenvolvimento eacute uma tarefa
extremamente complicada As ONGs colocam-se como organizaccedilotildees separadas dos
governos e orgulhosas de sua autonomia natildeo permitem facilmente interferecircncia e
controles quanto agrave administraccedilatildeo de seus recursos (TAVARES 1999) Horton Smith
(citado por Tavares) chama a atenccedilatildeo para o feto de que estas organizaccedilotildees tendem a tratar
com certo grau de sigilo o processo de definiccedilatildeo de suas atividades e os esquemas de apoio
95 Courier ACP-EU eacute o informativo das ONGs europeacuteias
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financeiro dos quais se beneficiam chegando em alguns casos a natildeo revelar claramente sua
composiccedilatildeo Mesmo nos paiacuteses europeus onde se costuma destinar grandes somas puacuteblicas
para estas organizaccedilotildees um controle do uso dos recursos natildeo acontece (TfiacuteATFR 2000)
Ateacute mesmo pela proacutepria regulamentaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada que aleacutem de dar
autonomia para estas organizaccedilotildees para a gestatildeo dos fundos ainda permite que a prestaccedilatildeo
de contas finais da realizaccedilatildeo de um projeto seja apresentada cinco anos depois da
assinatura do contrato96 Esse intervalo temporal concede agraves ONGs uma ampla
possibilidade de alterar ou maquiar seus relatoacuterios finais de prestaccedilatildeo de contas
A segunda justificativa da Comunidade Europeacuteia para a introduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo
descentralizada foi o crescimento da vitalidade e da efervescecircncia da sociedade civil nos
paiacuteses em vias de desenvolvimento A cooperaccedilatildeo descentralizada foi justificada como um
incentivo para que as sociedades civis organizadas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pudessem interferir diretamente nos processos de desenvolvimento destes paiacuteses Contudo
como vimos a cooperaccedilatildeo descentralizada natildeo significou um acesso direto das ONGs do
Sul aos recursos do Fundo Europeu como poderia ser esperado a partir das motivaccedilotildees
declaradas Para justificar a ampliaccedilatildeo dessa praacutetica a Comunidade Europeacuteia tem utilizado
o apoio que as ONGs do Sul demonstraram pelas iniciativas de desenvolvimento
descentralizado97 A mesma justificativa baseia-se no conceito de desenvolvimento
sustentaacutevel participativo no papel que a ajuda oficial ao desenvolvimento supostamente
tem de promover a expansatildeo da rede de suporte agraves poliacuteticas da governabilidade (CREWE
amp HARRISON 1998)
O grande problema da questatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel participativo eacute que
essa noccedilatildeo vem se sobrepondo nos anos noventa ao conceito de cooperaccedilatildeo teacutecnica que
era um dos pilares fundadores do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
A cooperaccedilatildeo teacutecnica era entendida inicialmente como uma transferecircncia de capacidade
produtiva que devia servir para consolidar a autonomia dos Estados na formulaccedilatildeo das
poliacuteticas nacionais de desenvolvimento (MARCHISIO 1986) Contudo depois da
introduccedilatildeo da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel participativo a cooperaccedilatildeo teacutecnica tem
96 General Conditons For The Cofinance Of Development 2000 2
97 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 fwwvvestonityioleseracooreraz auadrocooixfcchtml
79
sido percebida como a possibilidade dos paiacuteses doadores de interferir em niacuteveis de
eficiecircncia (humana) nos sistemas produtivos do paiacutes recebedor Desse modo deixa-se de
mandar tecnologia para os paiacuteses do Terceiro Mundo passando-se a mandar pessoal
teacutecnico que ajudaraacute na construccedilatildeo de projetos locais de desenvolvimento e orientaraacute as
populaccedilotildees de base quanto a suas capacidades de organizaccedilatildeo (CAFFARENA 2001) Esse
tipo de procedimento aumenta muito o nuacutemero de teacutecnicos internacionais e expatriados dos
paiacuteses em desenvolvimento que encontram trabalho bem remunerado nos paiacuteses em vias de
desenvolvimento
Devemos ainda aprofundar a questatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada estabelecida a
partir do criteacuterio de parcerias Vimos anteriormente que a regulamentaccedilatildeo do programa natildeo
permitiu que as ONGs do Sul pudessem ter acesso direto aos recursos da Comunidade98 e
que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi baseada no criteacuterio de parceria (partnership) entre as
ONGs internacionais europeacuteias e suas congecircneres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
Segundo a Comunidade Europeacuteia as parcerias foram introduzidas ldquopara favorecer a
participaccedilatildeo ativa dos diversos componentes representativos da sociedade civil dos paiacuteses
parceiros no processo de decisatildeo com fins de desenvolvimento sustentaacutevel nos seusbull bull laquo99terntonos
Segundo Crewe e Harrison a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada -
a partir do criteacuterio de parceria - foi uma estrateacutegia dos paiacuteses detentores dos fundos para
conseguir manter a maior parte possiacutevel dos recursos em seus proacuteprios paiacuteses atraveacutes do
pagamento de consultores e pessoal especializado local e expatriado da manutenccedilatildeo de
mecanismos burocraacuteticos em seus territoacuterios e da tendecircncia em aprovar projetos que
pudessem incentivar a venda de seus produtos e equipamentos Uma segunda razatildeo
apontada pelas autoras para o estabelecimento de um modelo de cooperaccedilatildeo
descentralizada baseada em parcerias eacute que as organizaccedilotildees locais assim como os
governos do Terceiro Mundo passam a ter uma conotaccedilatildeo passiva e satildeo mais fortemente
percebidas como incapazes de manejar seu proacuteprio trabalho (CREWE amp HARRISON
9S Em 1992 a autoridade orccedilamentaacuteria da Comunidade criou uma rubrica orccedilamentaacuteriadestinada a promover a cooperaccedilatildeo descentralizada em todas as atividades de cooperaccedilatildeo aodesenvolvimento com paiacuteses pobres (httpwwweuropaeuint) A cooperaccedilatildeo descentralizada foiincentivada sem regulamentaccedilatildeo orccedilamentaacuteria jaacute a partir dos anos oitenta
99 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wAvesten it nolesera cooperaz ciuadro cooixiechtm)
80
1998) Em concordacircncia com a opiniatildeo das autoras parece estar a proacutepria definiccedilatildeo do CAD
de parceria ldquoAtraveacutes da parceria (partnership) a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo tenta
fazer coisas para os paiacuteses em desenvolvimento e para suas populaccedilotildees mas com eles Isso
pode ser visto como um esforccedilo colaborativo para ajudaacute-los a aumentar suas capacidades de
fazer coisas para eles mesmosrdquo (OECD 1996 13) Na mesma linha de raciociacutenio se
encontra a definiccedilatildeo do PNUD de cooperaccedilatildeo descentralizada a partir das parcerias ldquoA
cooperaccedilatildeo descentralizada eacute um processo cujo objetivo eacute capacitar as pessoas para
empreender uma accedilatildeo para um desenvolvimento autocircnomo e de adquirir a capacidade de
influenciar e dirigir as mudanccedilas da proacutepria sociedaderdquo
Sobre as opiniotildees favoraacuteveis em relaccedilatildeo agrave questatildeo das parcerias relembramos as
anaacutelises de Triulzi Basile e Antonelli atraveacutes das quais iniciamos a investigaccedilatildeo do termo
cooperaccedilatildeo descentralizada Para Triulzi por meio de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores
se atingiratildeo as necessidades reais das populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pois essa relaccedilatildeo ldquoproporcionaria o favorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-
administrativas de maneira a defender os direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos
defendendo a igualdade entre gecircneros introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo
democraacutetica na vida social e civil dos PVDrdquo (TRIULZI 1998 128)
Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais
Dois uacuteltimos aspectos seratildeo abordados no encerramento desse trabalho O primeiro
eacute em relaccedilatildeo agrave agenda da cooperaccedilatildeo descentralizada que - como salientamos
anteriormente - pode representar um constrangimento inicial para a utilizaccedilatildeo dos recursos
do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Isso porque os projetos satildeo
aprovados com bases setorial preacute-determinada pela proacutepria Comunidade Europeacuteia O
segundo aspecto que discutiremos eacute em relaccedilatildeo agrave expansatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo das ONGs
internacionais no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive como
agecircncias executivas de organizaccedilotildees internacionais e dos proacuteprios governos
A mesma liberdade quanto agrave aplicaccedilatildeo dos recursos alocados pelas ONGs
internacionais que apenas discutimos natildeo acontece em relaccedilatildeo agrave escolha dos temas e das
aacutereas dos projetos apresentados a Comunidade Europeacuteia O Guia Geral das Condiccedilotildees de
81
Co-Financiamento de Operaccedilotildees de Desenvolvimento Executadas por ONGs Europeacuteias em
paiacuteses de Desenvolvimento da Comissatildeo da Comunidade Europeacuteia estabelece que os
projetos sejam executados nas seguintes aacutereas principais desenvolvimento econocircmico e
social local em aacutereas urbanas e rurais desenvolvimento de recursos humanos e suporte para
a estruturaccedilatildeo de ONGs locais Ainda podem ser apresentados projetos nas aacutereas
secundaacuterias de promoccedilatildeo dos direitos humanos e da democracia promoccedilatildeo das mulheres
desenvolvimento sustentaacutevel direitos das crianccedilas proteccedilatildeo de culturas ameaccediladas
educaccedilatildeo de base sauacutede baacutesica proteccedilatildeo e resoluccedilatildeo de conflitos100
Os temas assistidos pelas ONGs internacionais estatildeo em concordacircncia com os
estabelecidos pelos paiacuteses da OCDE para o uso da condicionalidade da ajuda visto no
capiacutetulo anterior Considerando-se as limitaccedilotildees iniciais para a apresentaccedilatildeo de projetos
pelas ONGs internacionais e apenas os fundos puacuteblicos por elas administrados ou seja o
equivalente a US$ 3 bilhotildees de doacutelares (em meacutedia 5 dos recursos do fundo Europeu mdash
TRJLUZI 1998)101 podemos perceber o quanto a cooperaccedilatildeo descentralizada possa vir a
representar um fator de constrangimento para o acesso dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento aos fundos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento
(ODA) e ao estabelecimento de programas nacionais de desenvolvimento No que diz
respeito agraves contribuiccedilotildees dos fundos puacuteblicos dos Estados europeus tomados
individualmente os paiacuteses destinam agraves ONGs percentuais muito variados de seus fundos
oficiais A Aacuteustria e a Irlanda satildeo os dois paiacuteses que menos repassam contribuiccedilotildees para as
ONGs fixando-se em um percentual de 10 de seus fundos ODA na margem oposta estatildeo
a Beacutelgica e a Itaacutelia que repassam mais de 70 de suas contribuiccedilotildees oficiais ao
desenvolvimento atraveacutes das ONGs
Como dissemos as ONGs internacionais estatildeo expandindo suas fontes de recursos e
podem receber financiamentos dos institutos financeiros e do proacuteprio PNUD a partir da
cooperaccedilatildeo coordenada CAD que incentivou a aproximaccedilatildeo das ONGs do setor da
cooperaccedilatildeo jaacute a partir de 1979 (REALATOacuteRIO ANUAL CAD 1979) O Banco Mundial
atualmente utiliza 50 de seus recursos por meio das ONGs internacionais (dados de 1999
luu General Conditions For The Cofmancing Of Development 2000 3-4
K1 Em 1970 os fundos puacuteblicos eram inferiores a US$ 200 milhotildees (JAHIER 2000 208)
82
TAVARES 1999) O PNUD assim como uma seacuterie de outras agecircncias e Programas das
Naccedilotildees Unidas utiliza ONGs internacionais acreditadas junto ao ECOSOC (Conselho
Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas) com status consultivo como agecircncias executivas
em suas atividades desde 1984 As ONGs ativas de voluntariado desenvolvimento ajuda
humanitaacuteria e de emergecircncia (os quatro termos correspondem agrave quase totalidade das ONGs)
satildeo atualmente aproximadamente 4000 (JAHEER 2000208) Destas 2234 satildeo acreditadas
junto ao ECOSOC sendo que 79 delas pertencem agrave Europa e aos Estados Unidos103
(dados fornecidos pelo ECOSOC) Devemos lembrar que o Banco Mundial assim como as
demais agecircncias do Sistema das Naccedilotildees Unidas realiza empreacutestimos com garantia
governamental Desse modo a atuaccedilatildeo das ONGs a partir destas fontes seraacute decidida em
acordo feito junto aos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
(AGEcircNCIA BRASILEIRA DE COOPERACcedilAtildeO) De qualquer maneira Tavares nos
lembra que muitas das organizaccedilotildees internacionais estatildeo condicionando a presenccedila de
ONGs no andamento dos projetos realizados nos paiacuteses em vias de desenvolvimento para
a liberaccedilatildeo dos recursos o que acaba alterando o procedimento das preferecircncias dos
governos e os leva muitas vezes a modificar estrateacutegias de negociaccedilatildeo e a incorporar as
ONGs em suas iniciativas especiacuteficas (TAVARES 1999)
Sobre a desproporccedilatildeo do nuacutemero de ONGs internacionais do Norte e do Sul que tecircm
caraacuteter consultivo junto ao ECOSOC devemos considerar que a falta de um criteacuterio
regional mais equilibrado para a concessatildeo do status consultivo junto agrave organizaccedilatildeo
aumenta ainda mais a concentraccedilatildeo do poder de utilizaccedilatildeo dos recursos nas esferas de
102
102 O relacionamento das Ongs com o Banco Mundial se desenvolveu basicamente a partir dos anos 80 com o estabelecimento de diretrizes especiacuteficas em 1981 (Nota de Poliacutetica Operacional 1005) (TAVARES 1999)
103 Das 2234 Ongs acreditadas junto ao ECOSOC em 2002 (segundo criteacuterio de localizaccedilatildeo da sede central) 39 pertencem agrave Europa 30 aos EUA 6 agrave Ameacuterica Latinal agrave Oceania 10 agrave Aacutefrica e 14 agrave Aacutesia (ECOSOC - httpwww unorg - dados solicitados diretamente) A proporccedilatildeo de ONGs dos paiacuteses desenvolvidos acreditadas junto ao ECOSOC pode ser ainda maior do que revelam os dados Isso porque o criteacuterio de cadastramento das ONGs em base regional eacute realizado tomando-se como referecircncia a sede administrativa das atividades da ONG naquele ano Considerando que atualmente as grandes organizaccedilotildees (que pertencem todas aos paiacuteses desenvolvidos) mudam constantemente de sede estabelecendo em alguns periacuteodos as sedes centrais das organizaccedilotildees nos paiacuteses em vias de desenvolvimento os dados do ECOSOC podem esconder uma realidade ainda mais favoraacutevel as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos
83
decisatildeo do Norte do mundo Aleacutem disso as ONGs do Sul estatildeo de qualquer maneira em
desvantagem porque elas tecircm menos acesso a informaccedilatildeo privilegiadas devido ao feto de
que atualmente as grandes ONGs internacionais dos paiacuteses desenvolvidos manteacutem
escritoacuterios permanentes em Bruxelas e Nova Iorque podendo desse modo obter
informaccedilotildees avantajadas sobre a liberaccedilatildeo de recursos oficiais Aleacutem disso as redes mais
limitadas de suporte das ONGs do Sul tomam estas organizaccedilotildees mecanismos de obtenccedilatildeo
de recursos menos eficientes do que as organizaccedilotildees dos paiacuteses mais ricos que se
expandem internacionalmente De acordo com Pereira as ONGs internacionais obtecircm
reconhecimento e recursos porque fornecem aos paiacuteses doadores um produto ou seja um
relatoacuterio profissional com textos e informaccedilotildees estrategicamente preparados para agradar
ao leitor (PEREIRA 1997 167)
Devemos considerar ainda que quando as ONGs atuam em funccedilotildees setorizadas
como eacute atualmente o caso das agendas das organizaccedilotildees internacionais e dos institutos
financeiros comprometem muito de sua ldquoforccedila inovadorardquo (DARCY 2000) Alguns
estudos do setor demonstram que estaacute acontecendo uma crescente homogeneizaccedilatildeo das
ONGs (JAHDER 2000 213) De fato os setores de atuaccedilatildeo destas organizaccedilotildees se
diferenciam sempre menos devido a sua proacutepria necessidade de empreender meacutetodos de
atuaccedilatildeo empresarial e seguir as agendas dos financiadores para obter recursos Esta
tendecircncia acaba limitando fortemente a capacidade original de inovaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo
que era caracteriacutestica das ONGs (TAVARES 1999) A propoacutesito Bemard Hours
acrescenta que as ONGs promovem a ideacuteia de desenvolvimento identificado em termos de
intervenccedilatildeo global e estandardizada determinada pelos procedimentos de avaliaccedilatildeo de
projetos das organizaccedilotildees internacionais que lhes concedem recursos Dessa forma ldquoa
ideologia humanitaacuteria fundada sobre a urgecircncia e sobre as intervenccedilotildees pontuais foram
impostas como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS 2001 98)rdquo
La 1 (assim como inuacutemeros outros autores) tem uma visatildeo contraacuteria agravequelas ateacute
agora abordadas Vimos que na opiniatildeo desse autor os institutos de caridade e as Ongs
nacionais ou internacionais - que tenham sede estabelecida nos paiacuteses atendidos - podem
identificar os beneficiaacuterios em potencial e endereccedilando e monitorando os benefiacutecios a
serem destinados a eles muito melhor do que os governos locais Com a finalidade de
84
tornar praacutetica esta possibilidade Lal sugere que todos os fluxos do regime internacional da
ajuda ao desenvolvimento ODA venham alocados a estas organizaccedilotildees com base nas suas
propostas de utilizaccedilatildeo e eventualmente em sua capacidade para contribuir com uma
quantidade correspondente de recursos proacuteprios (LAL 1985)
Uma caracteriacutestica interessante que deve ser percebida nas ONGs internacionais eacute
que elas se ocupam prevalentemente de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e accedilotildees
humanitaacuterias - isso lhes confere um setor especiacutefico de accedilatildeo os paiacuteses em
desenvolvimento Milner e Keohane afirmam que alguns paiacuteses devido a suas forccedilas
institucionais podem isolar a si mesmo das pressotildees societais aumentadas com o processo
de internacionalizaccedilatildeo Isso implica que mesmo que com a crescente internacionalizaccedilatildeo e
com as mudanccedilas de preferecircncia dos atores domeacutesticos as decisotildees centrais destes Estados
natildeo vatildeo responder a estas mudanccedilas ou o faratildeo a seu proacuteprio modo (MILNER amp
KEOHANE 1996 9-10) Essa constataccedilatildeo vale tanto para as pressotildees do capital privado
como para as populaccedilotildees civis Esse tipo de interpretaccedilatildeo resulta na avaliaccedilatildeo de que as
populaccedilotildees dos paiacuteses desenvolvidos podem estar sendo direcionadas estrategicamente por
seus governos para questotildees e problemas que se encontram fora de seus territoacuterios
nacionais possibilitando a diminuiccedilatildeo das pressotildees societais internas e ao mesmo tempo
cumprindo seus objetivos de poliacutetica exterior Enquanto as populaccedilotildees civis dos paiacuteses
desenvolvidos se ocupam das questotildees sociais dos outros paiacuteses os governos nacionais dos
paiacuteses desenvolvidos podem promover com maior tranquumlilidade suas estrateacutegias nacionais
centralizadas de desenvolvimento e reforccedilar suas instituiccedilotildees internas Aleacutem disso as
populaccedilotildees locais quando comparam a sua proacutepria condiccedilatildeo com a das populaccedilotildees em vias
de desenvolvimento (devido sobretudo agrave atual capacidade que tecircm as ONGs internacionais
de divulgar na miacutedia as situaccedilotildees de emergecircncia e trageacutedia humanitaacuteria) acabam
inevitavelmente reforccedilando o conceito de que seus governos nacionais conduzem poliacuteticas
puacuteblicas eficientes e portanto as pressotildees internas natildeo se justificam Uma pesquisa de
opiniatildeo conduzida por Marelli e Garelli na Itaacutelia104 em 2000 sobre o suporte dos italianos
aos programas de cooperaccedilatildeo descentralizada revela alguns dados interessantes sobre a
questatildeo Quanto agrave confianccedila dos entrevistados nas ONGs (de forma generalizante)
104 Onde existem 150 ONGs internacionais (JAHIER 2000)
85
averiguou-se que 67 4 dos entrevistados tecircm muita ou muitiacutessima confianccedila nelas
269 tecircm pouca e apenas 56 natildeo tecircm nenhuma Em segundo lugar verificou-se que
70 dos entrevistados aprovam que a conduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento seja
realizada atraveacutes das ONGs internacionais (cooperaccedilatildeo descentralizada)
Os dados levantados nessa pesquisa oferecem um quadro inicial do emergente papel
que vecircm assumindo as ONGs internacionais e o modelo da cooperaccedilatildeo descentralizada
como modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos do regime internacional ODA
Sobre a questatildeo da legitimidade das ONGs internacionais como administradoras de
fluxos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) devemos
lembrar que como sugere Tavares pouco se discute sobre a democracia interna das ONGs
e a total ausecircncia de mecanismos democraacuteticos internos nestas instituiccedilotildees As ONGs
internacionais tendem a legitimar seus interesses natildeo a partir das democracias
representativas atuais mas com base nos interesses futuros de milhotildees de pessoas que ainda
natildeo nasceram - como eacute o caso das organizaccedilotildees ambientais e pacifistas Aleacutem disso
Tavares ainda afirma que as ONGs tendem a relativizar as regras da democracia
representativa para encontrar a legitimidade de suas accedilotildees em grupos minoritaacuterios criando
desse modo a noccedilatildeo de que existem muacuteltiplas fontes de legitimidade dentro da sociedade
relacionadas com causas de interesses de minorias ou com a busca de eficiecircncia as quais
lhes permitiram desempenhar papel de utilidade puacuteblica O autor justifica a aceitaccedilatildeo das
ONGs pelos Estados baseado em dois motivos principais O primeiro seria que as ONGs
podem ser uma melhor alternativa aos grupos de pressatildeo mais radicais da classe meacutedia A
segunda seria que as ONGs podem ter um efeito positivo nas populaccedilotildees menos
favorecidas da sociedade mostrando a estes grupos que suas necessidades podem ser
atendidas (TAVARES 1999)
Opiniotildees menos otimistas tambeacutem satildeo encontradas Cremer nos lembra que pensar
que as ONGs natildeo cometem erros eacute um falso pressuposto (CREMER 1996) Souza acredita
que elas construiacuteram sua imagem a partir da crenccedila de que tais organizaccedilotildees satildeo honestas
competentes pequenas flexiacuteveis e eficientes que o autor considera uma informaccedilatildeo
irreal Como qualquer ator as ONGs estatildeo sujeitas agrave falhas na administraccedilatildeo dos recursos
a desvios de verba e a incompetecircncia
86
0 maior problema contudo de pensar nas ONGs internacionais como promotoras de
desenvolvimento eacute que esse tipo de raciociacutenio e constrangimento pode levar os paiacuteses em
vias de desenvolvimento a se desviarem a desviarem-se de um projeto nacional de
desenvolvimento
A Europa atraveacutes da estruturaccedilatildeo da rede de ONGs internacionais que atualmente
participam ativamente do setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento tem conseguido cada
vez mais interferir diretamente nos processos de desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres
As ONGs internacionais vatildeo disputar cada vez mais com os Estados do Sul os recursos do
regime internacional ODA assumindo funccedilotildees diversificadas sobretudo nos Estados que
natildeo tiverem redes de proteccedilatildeo contra as forccedilas da internacionalizaccedilatildeo Essa sobreposiccedilatildeo de
interesses econocircmicos poderaacute comprometer ateacute mesmo a possibilidade de surgimento de
uma cooperaccedilatildeo real e inequiacutevoca entre os atores avantajados e desavantajados
Jahier defende a existecircncia de uma legiacutetima sensibilidade das populaccedilotildees dos paiacuteses
desenvolvidos em relaccedilatildeo agraves questotildees do desenvolvimento Experiecircncias positivas podem
nascer da atuaccedilatildeo de ONGs de diferentes paiacuteses Natildeo podemos deixar de lembrar que o
voluntariado cumpria uma funccedilatildeo positiva de natildeo ingerecircncia antes de sua aproximaccedilatildeo ao
setor da cooperaccedilatildeo internacional Contudo os aspectos positivos das relaccedilotildees destes atores
pocircdem ficar obscurecidos quando as ONGs internacionais se colocam atraveacutes da
cooperaccedilatildeo descentralizada como promotoras do desenvolvimento no lugar dos Estados
(JAHIER 2000 211-23)
87
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A ecircnfase dos paiacuteses desenvolvidos em utilizar mecanismos de condicionalidade e
estabelecer agendas mais orientadas agrave soluccedilatildeo de problemas globais vem sendo interpretada
pela literatura poliacutetica como uma espeacutecie de crise de paradigma Uma inversatildeo paradoxal
de perspectiva das questotildees internacionais ligadas ao desenvolvimento na qual o ldquotema
Norte-Sul deixou de ter uma dimensatildeo exclusiva de cobranccedila coletiva do Sul em relaccedilatildeo ao
Norte por recursos financeiros e tecnoloacutegicos por mais cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento em
suma - e passou tambeacutem a ter a dimensatildeo de uma cobranccedila do Norte ao Sul por mais
respeito aos direitos humano maior preservaccedilatildeo do ambiente adesatildeo agrave natildeo-proliferaccedilatildeo de
armas de destruiccedilatildeo em massa combate ao narcotraacutefico e livre-comeacuterciordquo (LAFER 1994
33)
Essa crise de paradigma teria sido possiacutevel segundo a interpretaccedilatildeo acima exposta
porque com a superaccedilatildeo dos conflitos Leste-Oeste uma nova realidade se apresentou no
cenaacuterio internacional a crise Norte-Sul Segundo essa interpretaccedilatildeo as agendas
internacionais mais voltadas agraves chamadas questotildees do Norte teriam sido estabelecidas
somente depois da superaccedilatildeo da Guerra Fria - quando a nova ordem internacional que se
estabelecia retirou dos paiacuteses do Sul do mundo seu caraacuteter de terceira forccedila
Nossa pesquisa que se aproximou das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional entre
paiacuteses do Norte e do Sul revelou no entanto que a suposta crise de paradigmas e a
retirada do Sul de seu caraacuteter de terceira forccedila natildeo foram os fatores determinantes do
estabelecimento de novas agendas internacionais menos atentas agraves questotildees econocircmicas e
agraves demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Como vimos a tendecircncia de retirar os
problemas econocircmicos do cenaacuterio internacional foi estabelecida ainda durante os anos
setenta depois do choque do petroacuteleo e das Resoluccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica
Mundial (ou crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas) Nos anos oitenta depois da
diminuiccedilatildeo do poder de barganha dos paiacuteses em desenvolvimento a inserccedilatildeo de uma
agenda global que considerasse a noccedilatildeo de interdependecircncia sem contudo abordar as
questotildees econocircmicas desta relaccedilatildeo nos parece mais ligada agrave perpetuaccedilatildeo da estrateacutegia
88
estabelecida nos anos setenta a de diminuiccedilatildeo das tensotildees poliacuteticas Norte-Sul a partir da
apropriaccedilatildeo e revisatildeo pelos paiacuteses do Norte das demandas do Sul em bases mais toleraacuteveis
aos interesses dos atores avantajados
Devemos tambeacutem considerar que um dos grandes problemas de interpretar as novas
agendas e as recentes modalidades do setor da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento em particular a condicionalidade da ajuda como iniciativas estabelecidas
a partir de uma suposta crise de paradigmas como uma inversatildeo de cobranccedilas do Norte em
relaccedilatildeo ao Sul - que teria comeccedilado a partir do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste - eacute
que este tipo de interpretaccedilatildeo natildeo confere o peso poliacutetico devido aos conflitos e agraves tensotildees
que permeiam as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre estes dois grupos de atores Mais
especificamente esse tipo de interpretaccedilatildeo retira do Sul um papel de forccedila poliacutetica atuante
O Sul nessa interpretaccedilatildeo parece ter existido apenas enquanto aliado potencial dos paiacuteses
do Leste que depois do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste e jaacute natildeo representando
maiores perigos pocircde ser cobrado quanto agrave resoluccedilatildeo de seus problemas
Nossa investigaccedilatildeo tentou explorar a questatildeo da introduccedilatildeo das novas agendas
primeiro sociais e depois globais e a proacutepria evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva diferente e acreditamos
mais centrada nos dois atores principais desta relaccedilatildeo paiacuteses do Norte e do Sul do mundo
Ainda devemos ressaltar que o fato de perceber as novas agendas globais como o
fruto de uma mudanccedila de paradigma tambeacutem contribui para desvincular os fluxos do
regime internacional ODA de seu processo poliacutetico ou seja de sua origem como elemento
de compensaccedilatildeo e como uma espeacutecie de garantia de crescimento econocircmico para os atores
desavantajados em um sistema internacional assimeacutetrico
Atraveacutes dessas afirmaccedilotildees natildeo estamos negando a existecircncia de situaccedilotildees
particularmente graves de desequiliacutebrio sistecircmicos que podem afetar aspectos da vida dos
cidadatildeos de todo o planeta Contudo como nos foi revelado atraveacutes de nossa fonte teoacuterica -
Keohane - os problemas globais devem ser separados da dimensatildeo poliacutetico-econocircmica dos
Estados pois caso natildeo o faccedila-mos podemos correr o risco de tomar certos efeitos como
causas destes problemas
A propoacutesito de nossa fonte teoacuterica devemos ressaltar que a escolha de utilizar a
anaacutelise sistecircmica para discutir o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre atores
89
avantajados e atores desavantajados revelou-se como acertada na estruturaccedilatildeo desta
pesquisa Atraveacutes desse tipo de orientaccedilatildeo e da identificaccedilatildeo do tema da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento como regime internacional pudemos instrumentalizar
nosso estudo e investigar o comportamento cooperativo dos Estados como resultado de
arranjamentos poliacuteticos gerados em situaccedilotildees de conflito O que contribuiu para que
percebecircssemos que as mudanccedilas do setor da cooperaccedilatildeo - representadas nos anos setenta
pela primeira aproximaccedilatildeo Norte-Sul e pela introduccedilatildeo do conceito de necessidades
humanas baacutesicas e a expansatildeo dessa aproximaccedilatildeo a partir do conceito de interdependecircncia
nos anos oitenta - pudessem ser relacionadas a causas precisas de acirramento das tensotildees
entre o grupo de paiacuteses desenvolvidos e em desenvolvimento
Pudemos perceber com nossa investigaccedilatildeo que os processos de distensatildeo
empreendidos pelos paiacuteses do Norte no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento vecircm cumprindo seu objetivo de afastar do cenaacuterio poliacutetico internacional
as questotildees econocircmicas Atualmente pouco se discute sobre o momento de fortalecimento
dos nacionalismos do Sul provocados pela nova ordem econocircmica mundial (WAFT DF
1998) Eacute inegaacutevel que parte desse afastamento se deve ao feto de que a crise dos paiacuteses
produtores de mateacuterias primas influenciou poliacuteticas restritivas de fechamento de mercado
que se se tomaram insustentaacuteveis para os atores desavantajados Contudo as poliacuteticas de
crescimento econocircmico a partir do fortalecimento das instituiccedilotildees locais natildeo nos parece
tatildeo fora de contexto se comparadas por exemplo aos processos de crescimento a que
foram submetidas as potecircncia secundaacuterias (Europa e Japatildeo) no final da Segunda Guerra
Estas potecircncias puderam fortalecer suas instituiccedilotildees tambeacutem atraveacutes da cooperaccedilatildeo
internacional antes de participar dos regimes de Bretton Woods Esse na verdade eacute um
dos aspectos intrigantes do estudo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento ou seja as
assimetrias de tratamento as quais estatildeo sujeitos os diversos atores internacionais
Enquanto os paiacuteses do Sul do mundo quando no regime da cooperaccedilatildeo
internacional constantemente satildeo chamados a resolver seus problemas econocircmicos a partir
das organizaccedilotildees criadas em Bretton Woods os Estados secundaacuterios quando passaram por
problemas de ordem financeira e de crescimento econocircmico receberam tratamento diverso
A Europa pocircde contar com recursos financeiros e transferecircncia direta de tecnologia do
Plano Marshall Aleacutem disso as diacutevidas externas destes paiacuteses inclusive aquelas da lei de
90
alugueacuteis e empreacutestimos nunca foram pagas Os maiores devedores como a Alemanha
ocidental (que tinha inclusive a moratoacuteria das Diacutevidas da Primeira Guerra) tiveram
negociaccedilotildees vantajosas e praticamente seus deacutebitos cancelados Mas sobretudo foi
tolerado aos paiacuteses europeus que eles pudessem manter um regime preferencial de compras
com suas antigas colocircnias (o que na realidade permanece ateacute nossos dias) e que os custos de
ajustamento de suas balanccedilas de pagamentos aos novos regimes internacionais pudessem
ser divididos atraveacutes da Uniatildeo Europeacuteia de Pagamentos dois procedimentos
intrinsecamente contraacuterios aos princiacutepios de Bretton Woods
Os atores desavantajados natildeo contaram no regime da cooperaccedilatildeo internacional
com redes efetivas de proteccedilatildeo e nunca puderam estabelecer mecanismos proacuteprios de
salvaguarda de suas balanccedilas de pagamentos Desse modo estes paiacuteses natildeo fortaleceram
suas instituiccedilotildees para participar de maneira mais equilibrada dos regimes de Bretton
Woods Estas diferenccedilas de tratamento dos atores dentro dos regimes internacionais satildeo
explicadas por Keohane como uma caracteriacutestica dos proacuteprios regimes Ou seja nem todos
os atores tecircm benefiacutecios iguais Contudo isso natildeo eacute motivo para deixar de repropor
poliacuteticas de cooperaccedilatildeo mais justas entre Norte e Sul A experiecircncia dos anos setenta pode
ser bastante positiva caso consigamos aproximar o discurso da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento de sua vertente poliacutetica e perceber da mesma forma (como entes
poliacuteticos) os atores que constituem esse regime
Finalmente nos resta ainda ressaltar que nossa pesquisa revelou que as mudanccedilas de
orientaccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a parir da deacutecada de
setenta tecircm resultado na aproximaccedilatildeo deste setor de ambientes privados Ou seja a
cooperaccedilatildeo financeira tem sido exercida prioritariamente pelo capital financeiro privado
internacional A cooperaccedilatildeo teacutecnica como vimos em nosso uacuteltimo capiacutetulo estaacute sendo
orientada para questotildees do desenvolvimento humano fato conveniente para justificar a
expansatildeo das organizaccedilotildees natildeo-governamentais e a presenccedila de teacutecnicos internacionais
(atualmente 150000 expatriados dos paiacuteses desenvolvidos) do Norte do mundo como
administradoras de recursos oficiais da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (ODA)
Como abordamos no capiacutetulo da condicionalidade eacute inegaacutevel o aumento das forccedilas
da internacionalizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos Estas forccedilas tenderatildeo cada vez mais a acentuar a
processo de privatizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Os estudos
91
Keohane e Milner abordados nesse trabalho nos sugerem que a uacutenica maneira de
conseguir controlar as pressotildees da internacionalizaccedilatildeo eacute atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas de
fortalecimento das instituiccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O Relatoacuterio Sul
afirma que o fortalecimento institucional dos paiacuteses do Sul pode acontecer a partir do
estabelecimento de uma rede de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses em vias de desenvolvimento
Poderiacuteamos atraveacutes desse processo conseguir um fortalecimento de nossas instituiccedilotildees
atraveacutes da reaproximaccedilatildeo dos paiacuteses do Sul entre eles mesmos e de suas demandas
92
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UFPRUNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANAacuteSETO R DE CIEcircNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTESPROGRAMA DE POacuteS GRADUACcedilAtildeO EM SOCIOLOGIARua General Carneiro 460 - 9o andar-sala 907 Fone e fax 360-5173
PARECER
Os Membros da Comissatildeo Examinadora designada pelo Colegiado do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sociologia para realizar a arguumliccedilatildeo da Dissertaccedilatildeo da aluna CLAacuteUDIA DYBAS DA NATIVIDADE sob o tiacutetulo ldquoASSIMETRIAS DE PODER NOS REGIMES INTERNACIONAIS as novas modalidades de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (ajuda multibiiateraiacute condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada)rdquo para obtenccedilatildeo do Tiacutetulo de Mestre emS o c i o l o g i a a candidata com conceito ldquo 7X sendo-lhe conferidos os creacuteditos previstos na regulamentaccedilatildeo do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Sociologia completando assim todos os requisitos necessaacuterios para receber o Tiacutetulo de Mestre
Curitiba 18 de agosto de 2003
AGRADECIMENTOS
Escrevendo este trabalho contraiacute muitas diacutevidas de gratidatildeo Em primeiro lugar essa
gratidatildeo se dirige ao prof Dr Rafael Villa pelo apoio e confianccedila dedicados e pelo rigor
cientiacutefico com que contribuiu para a realizaccedilatildeo desse estudo
Tambeacutem gostaria de agradecer especialmente aos profs Drs Maacuterio Fuks e Nelson
Rosaacuterio de Souza pelas apropriadas consideraccedilotildees feitas na primeira leitura deste trabalho
Outro agradecimento especial deve ser feito ao prof Joseacute Miguel Rasia pelo apoio
institucional e pela ininterrupta e produtiva circulaccedilatildeo de ideacuteias que consegue promover em
suas aulas
Estendo tambeacutem meus agradecimentos aos demais professores do mestrado de
ciecircncias poliacuteticas e do mestrado em ciecircncias sociais aos quais minhas diacutevidas de gratidatildeo
seratildeo eternas O mesmo posso dizer aos funcionaacuterios do curso de mestrado que atenderam
sempre com gentileza e eficiecircncia todas as minhas inuacutemeras solicitaccedilotildees
Natildeo posso deixar de expressar minha gratidatildeo aos colegas do mestrado Claacuteudio
Gisele Lena Rita Wagner e Ivana Oacutetimos amigos
Gostaria particularmente de agradecer ao CNPq por ter proporcionada a realizaccedilatildeo
desse trabalho
Enfim e sobretudo agradeccedilo a minha famiacutelia Marcos Pedro e Leonor os quais por
muito tempo aceitaram a minha ausecircncia e me deram o suporte necessaacuterio para conseguir
cumprir este trabalho
SIGLAS UTILIZADAS
CAD - Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento
CEE - Comunidade Econocircmica Europeacuteia
FED - Fundo Europeu de Desenvolvimento
ECOSOC - Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas
OCDE - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico
PNUD - Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
PVD - Paiacuteses em Vias de Desenvolvimento
ODA - Ajuda Oficial ao Desenvolvimento
FM I - Fundo Monetaacuterio Internacional
RESUMO
O objetivo deste trabalho eacute realizar um estudo sobre as assimetrias de poder entre
atores do Norte (desenvolvidos) e do Sul do Mundo (em vias de desenvolvimento) no
regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Buscaremos entender como as
novas modalidades de alocaccedilatildeo administraccedilatildeo e repasse dos fluxos da ajuda oficial ao
desenvolvimento (ODA) ou seja a ajuda multibilateral a condicionalidade da ajuda e a
cooperaccedilatildeo descentralizada foram inseridas como puniccedilotildees sistecircmicas e constrangimentos
aos atores desavantajados a partir do iniacutecio dos anos setenta
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO
Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema1
CAPIacuteTULO I
A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS
O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional11Regimes internacionais16Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional 23
Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional 26
CAPIacuteTULO nA AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO
As foacutermulas multibilaterias como puniccedilatildeo29A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas35As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD 38Foacutermulas multibilaterias custos divididos (cost-sharing) 41
CAPIacuteTULO Ml
A CONDICIONALIDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO
A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos 47A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais 52
CAPIacuteTULO IV
A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO
Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo 64O estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada67As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada 75Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais81
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS88
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
INTRODUCcedilAtildeO
Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema
No iniacutecio dos anos sessenta quando o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento estava sendo afirmado1 os paiacuteses do Sul (em vias de desenvolvimento)
reunidos em organizaccedilotildees - como o Movimento Natildeo-Alinhado no campo poliacutetico e o
Grupo dos 77 no campo econocircmico - passaram a exigir do grupo de paiacuteses do Norte
(desenvolvidos) regras comerciais mais justas e termos mais generosos para o
financiamento do desenvolvimento (entendido no sentido de crescimento econocircmico) As
demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD) foram respondidas com
declaraccedilotildees de boas intenccedilotildees pelos paiacuteses do Norte (como por exemplo a promessa de
aumento do volume dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento - ODA) mas tambeacutem
com fortes insistecircncias de que os foacuteruns apropriados para a resoluccedilatildeo de questotildees
econocircmicas continuavam a ser as instituiccedilotildees de Bretton Woods - nas quais devido ao
1 O estabelecimento de arranjamentos que pudessem regulamentar a cooperaccedilatildeo internacional entre atores dos paiacuteses industrializados e dos paiacuteses mais pobres pode ser percebido atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas efetivas pelos atores Ainda nos anos cinquumlenta os institutos financeiros - FMI e Banco Mundial - passaram a ter suas atividade re-orientadas para as questotildees do desenvolvimento (ASCARI 1999 BASILE 1995 CECCHI 1995) Em 1957 o Tratado de Roma estabeleceu a criaccedilatildeo do Primeiro Fundo Europeu de Desenvolvimento1 e adotou o conceito de Associativismo como modo de regulamentar as relaccedilotildees entre os Estados europeus e suas ex- colocircnias (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Em 1960 aconteceu a Primeira Deacutecada para o Desenvolvimento nas Naccedilotildees Unidas que contribuiu para o estabelecimento do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas (ECOSOC) em 1962 e para a criaccedilatildeo do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas)1 em 1965 sob orientaccedilatildeo direta da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (NOGUEIRA 2001) Em 1960 foi criado o CAD (Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento dos paiacuteses OCDE1 - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento Econocircmico e Financeiro) para regulamentar a relaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados (ex- colonizadores) com os paiacuteses fornecedores de mateacuterias-primas (quase todos ex-colocircnias) na nova era poacutes- colonial (BASILE 1995 45-6)
1
regime de voto2 os paiacuteses industrializados podiam assegurar a manutenccedilatildeo de seus proacuteprios
interesses Contudo no final dos anos sessenta quando o sonho de Bretton Woods - um
sistema monetaacuterio estaacutevel com taxas de conversatildeo fixas a partir do padratildeo doacutelar - comeccedilou
a entrar em colapso um grande otimismo passou a contagiar o Sul que viu o fim do padratildeo
monetaacuterio como uma possibilidade de reavaliar os demais regimes internacionais do poacutes-
guerra capaz de estabelecer um sistema de trocas mais favoraacutevel aos interesses dos paiacuteses
em vias de desenvolvimento
Os PVD passaram desde o momento de desestruturaccedilatildeo do regime monetaacuterio a dar
mais ecircnfase internacional agraves suas demandas e comeccedilaram a tomar medidas concretas para
uma revisatildeo dos processos poliacuteticos e econocircmicos instaurados no poacutes-guerra Uma das
primeiras medidas tomadas foi a tentativa destes paiacuteses para aumentar e tomar obrigatoacuterio
o repasse de fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) atraveacutes da Resoluccedilatildeo 2626
(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas de 24 de setembro de 1970 A intensidade
das demandas dos paiacuteses em desenvolvimento foi se tomando cada vez mais acentuada e
depois do choque do petroacuteleo^ estes paiacuteses (julgando-se fortalecidos devido agrave soluccedilatildeo natildeo-
militar do conflito) estabeleceram a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas trecircs
importantes Resoluccedilotildees em mateacuteria econocircmica chamadas de Nova Ordem Econocircmica
Mundial (New International Economic Order - NIEO) Este momento de reivindicaccedilotildees do
Sul tambeacutem eacute definido pela literatura como ldquocrise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-
primasrdquo (ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1996) Estas Resoluccedilotildees colocavam em
2 Nos institutos financeiros d Bretton Woods - FMI e Banco Mundial - o voto acontece segundo o volume de contribuiccedilotildees que cada paiacuteses destina agrave estes entes O que favorece os paiacuteses fortemente industrializados (ANTONELLI 1995)
3 O choque do petroacuteleo eacute percebido nas relaccedilotildees internacionais como uma mudanccedila no regime internacional do petroacuteleo que aconteceu a partir das organizaccedilatildeo dos paiacuteses exportadores de petroacuteleo (OPEP) nos anos sessenta Essa mudanccedila de regime efetivou-se nos anos setenta (nas negociaccedilotildees de Teeratilde em 1971 e depois da guerra de Yom Kippur de 1973) e representou o fim do poder centralizado nas companhias e o exerciacutecio paiacuteses produtores no controle dos mercados Depois de 1973 o preccedilo do petroacuteleo quadruplicou sem negociaccedilotildees Os preccedilos do petroacuteleo baixaram em termos reais ateacute o iniacutecio de 1979 quando a Revoluccedilatildeo no Iratilde reduplicou o preccedilo do petroacuteleo Seria exagerado dizer que os Estados da OPEP tomaram-se hegemocircnicos no sistema do petroacuteleo (capazes de fazer ou reforccedilar regras) porque a mudanccedilas na demanda internacional forccedilaram nos anos oitenta novas quedas no preccedilo da mateacuteria prima Contudo a mudanccedila de regime levou a uma renegociaccedilatildeo dos modelos de cooperaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados com os paiacuteses OPEP em outras bases e a um desgaste diplomaacutetico pelo primeiro grupo de paiacuteses (KEOHANE 1984 190-94)
2
questatildeo as leis econocircmicas de Bretton Woods revelavam que o sistema econocircmico era
desigual para estes dois grupos de paiacuteses e convidavam o Norte a empreender medidas
efetivas de accedilatildeo para a soluccedilatildeo dos problemas do Sul a partir de uma reorganizaccedilatildeo das
estruturas que regulamentavam os proacuteprios regimes internacionais econocircmico financeiro e
comercial surgidos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Autores da poliacutetica internacional como
Keohane Waelde e Armstrong Lloyd e Redmond identificam na crise dos paiacuteses
produtores de mateacuterias-primas e no choque do petroacuteleo momentos concretos de ameaccedila
para os regimes econocircmico-financeiro e comercial de Bretton Woods4
Acreditamos que as mudanccedilas ocorridas no sistema internacional nos anos setenta a
partir do choque do petroacuteleo e do iniacutecio da intensificaccedilatildeo das pressotildees dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial
afetaram diretamente o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Segundo
nossa interpretaccedilatildeo a ameaccedila de desarticulaccedilatildeo da ordem econocircmica a possibilidade do
surgimento de outros carteacuteis organizados para controlar os preccedilos de mateacuterias-primas (aleacutem
da OPEP - Organizaccedilatildeo dos Paiacuteses Produtores de Petroacuteleo) e o risco de que se tomasse
necessaacuterio estabelecer novos modelos de cooperaccedilatildeo internacional mais favoraacuteveis agraves
demandas dos paiacuteses do Sul geraram puniccedilotildees econocircmicas para os paiacuteses em vias de
desenvolvimento atraveacutes do aumento dos constrangimentos para a utilizaccedilatildeo dos fluxos do
regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Pois - como veremos em
nosso primeiro capiacutetulo dedicado agrave discussatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional - os
regimes internacionais dos atores avantajados constituiacutedos pelo bloco do Norte
estruturados atraveacutes de redes interligadas quando e se ameaccedilados podem impor puniccedilotildees e
aumentar o nuacutemero de constrangimentos impostos aos atores que promovam tentativas de
desestabilizaccedilatildeo do sistema internacional5 (KEOHANE 1984)
Nossa proposta de estudo eacute discutir os trecircs elementos baacutesicos atraveacutes dos quais as
puniccedilotildees econocircmicas contra os PVD puderam ser efetivadas a partir do regime da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento O primeiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica
4 Em (KEOHANE 1984 WAELDE 1998 ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND1996)
5 O sistema internacional eacute uma ordenaccedilatildeo dos Estados que acontece a partir de ambientes facilitadores de acordos definidos regimes internacionais
3
que discutiremos no segundo capiacutetulo desse trabalho aconteceu de maneira institucional a
partir daquele que era o principal organismo regulador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento no iniacutecio da deacutecada de setenta o Programa de
Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas - PNUD (MARCHISIO 1986 2000 BASILE
1995) A puniccedilatildeo institucional consistiu em cortes orccedilamentaacuterios para o Programa que
resultaram na implantaccedilatildeo de uma nova modalidade de administraccedilatildeo e repasse dos fluxos
da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) definida como multibilateral (MARCHISIO
19862000 BASILE 1995) O segundo elemento de puniccedilatildeo econocircmica para os paiacuteses em
vias de desenvolvimento foi teoacuterico-poliacutetico e aconteceu a partir do iniacutecio do uso da
condicionalidade da ajuda no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
(TRIULZI 1998 2000 ESCOBAR 1995) Este segundo elemento constituiraacute o elemento-
chave do terceiro capiacutetulo do presente trabalho Como veremos em nosso quarto capiacutetulo o
terceiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica utilizado contra os PVD a cooperaccedilatildeo
descentralizada aconteceu a partir da instrumentalizaccedilatildeo de agentes natildeo-estatais como as
ONGs internacionais que passaram a se multiplicar como agentes promotores (e
defensores) dos interesses dos paiacuteses desenvolvidos (CREWE amp HARRISON 1998
JAFDER 2000) Estes elementos de puniccedilatildeo econocircmica acabaram reorganizando o proacuteprio
regime da cooperaccedilatildeo internacional definindo tambeacutem novos modelos de comportamento
entre o Norte e o Sul
As puniccedilotildees econocircmicas impostas aos PVD a partir do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento puderam ser estabelecidas porque os paiacuteses detentores
dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) passaram a retirar seus
recursos das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal especialmente do PNUD
concentrando-os em organismos que lhes fossem mais confiaacuteveis em suas proacuteprias
modalidades de ajuda bilateral (efetuada diretamente pelos Estados sem a participaccedilatildeo das
organizaccedilotildees internacionais) em fundos regionais proacuteprios - Fundo Europeu de
Desenvolvimento - ou nos Institutos Financeiros nascidos em Bretton Woods - FMI
Banco Mundial e Bancos Regionais de Desenvolvimento (MARCHISIO 1986 BASILE
1995 ANTONELLI 1995) Tal mudanccedila de recolhimento dos fluxos da ajuda oficial ao
desenvolvimento (ODA) que passaram das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal
para os organismos de confianccedila dos detentores dos recursos revelou-se estrateacutegica pois
4
permitiu aos paiacuteses doadores aumentar seus poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo do ODA
Isso porque enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal os paiacuteses
recebedoresdoadores6 assim como os paiacuteses apenas doadores podiam interferir sobre a
aplicaccedilatildeo dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento no Fundo Europeu de
Desenvolvimento assim como nos institutos financeiros internacionais e nos bancos
regionais o poder de decisatildeo sobre a administraccedilatildeo e sobre a aplicaccedilatildeo do ODA recai
apenas sobre o grupo de paiacuteses doadores7 (CECCHI 1995) O Fundo Europeu de
Desenvolvimento responde agraves orientaccedilotildees diretas da Comissatildeo e do Conselho Europeu que
estruturam as poliacuteticas que seratildeo aplicadas no regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento
com base unilateral (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Tambeacutem nos institutos
financeiros o poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo dos recursos recai somente sobre os
membros do Conselho de Administraccedilatildeo ou seja os paiacuteses fortemente doadores (ASCARI
1999)
Devemos tambeacutem lembrar que com a supremacia dos institutos financeiros e do
Fundo Europeu como administradores dos fluxos ODA perdeu-se a tendecircncia promovida
anteriormente pelo PNUD de financiar a maior parte dos projetos e programas de
desenvolvimento em regime de fundo perdido8 Ao contraacuterio nas instituiccedilotildees financeiras
nascidas em Bretton Woods os repasses de recursos acontecem a juros facilitados e na
maior parte das vezes a juros de mercado Disso resulta que na metade dos anos noventa
mais de 90 dos fundos multilaterais dos institutos financeiros (FMI e Banco Mundial e
regionais) se constituiacuteam de transferecircncias natildeo-facilitadas ou em empreacutestimos puacuteblicos a
juros de mercado - empreacutestimos Ibrd do Banco Mundial (BASILE 1995 69) Neste
6 Os paiacuteses em desenvolvimento satildeo doadores recebedores porque contribuem para estas organizaccedilotildees e retiram recursos destas organizaccedilotildees
7 Enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal o poder de voto eacute o mesmo para atores avantajados e atores desavantajados nos institutos financeiros o voto eacute realizado apenas pelos atores avantajados ou seja por aqueles que mais contribuem financeiramente com estes entes O fundo europeu responde apenas as ordens dos Estados membros da Comunidade Econocircmica Europeacuteia
8 No final dos anos 80 a quota UNDP dos financiamentos a fundo perdido das Naccedilotildees Unidas eram cerca de 60 (BROWNE 1990 p 241)
5
sentido em 1997 no Banco Mundial os empreacutestimos puacuteblicos (Ibrd)9 a juros de mercado
constituiacuteram um volume de 14525 bilhotildees de doacutelares enquanto os facilitados tiveram um
volume de U$ 4622 bilhotildees (ASCARI 1999 69)
Devemos ainda considerar que a aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees e o aumento dos
constrangimentos que possibilitaram a reordenaccedilatildeo do regime internacional da cooperaccedilatildeo
ao desenvolvimento aconteceu a partir de uma forccedila aglutinadora que tomando a iniciativa
de organizar o setor da cooperaccedilatildeo inclusive sistematizando conceitos estabeleceu-se
como centro coordenador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo Esta forccedila aglutinadora eacute hoje o
Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e
Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que tendo nascido nos anos sessenta como oacutergatildeo
responsaacutevel pelas poliacuteticas dos ex-paiacuteses colonizadores europeus em relaccedilatildeo a suas ex-
colocircnias transformou-se no principal centro de coordenaccedilatildeo das poliacuteticas bilaterais e
multilaterais dos paiacuteses industrializados
Depois do choque do petroacuteleo e das declaraccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica
Mundial a OCDE reformulou e estendeu as accedilotildees do CAD que passou exercer um papel de
coordenaccedilatildeo no setor do desenvolvimento que abrange atualmente os paiacuteses
industrializados e as organizaccedilotildees internacionais10 Baseado nisto o CAD foi capaz de se
estabelecer como uma espeacutecie de centro de inteligecircncia e de consultoria dos problemas do
desenvolvimento internacional Em um certo sentido o CAD posicionou-se
internacionalmente como a CEP AL11 dos paiacuteses industrializados e vem contribuindo para o
fortalecimento dos paiacuteses doadores como administradores dos fluxos do regime
internacional da ajuda ao desenvolvimento (ODA)
9 Recolhidos pelos banco no mercado financeiro e repassados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento com juros e condiccedilotildees de mercado (ASCARI 1999)
10 O CAD oficializou seu papel de centro de coordenaccedilatildeo da poliacuteticas de ajuda ao desenvolvimento em 1986 na Reuniatildeo anual do Comitecirc agrave qual estavam presentes Emest Stem (vice-presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador do PNUD) o CAD e os demais presentes concordaram que ldquoOs membros do CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1986)
11 Comissatildeo Econocircmica Para a Ameacuterica Latina
6
O Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) natildeo possui um oacutergatildeo
executivo de administraccedilatildeo dos fundos da cooperaccedilatildeo Entretanto funciona como centro de
decisatildeo12 para a aplicaccedilatildeo dos fundos da ajuda teacutecnica e financeira bilateral e multilateral
fornecendo aos paiacuteses-membros indicadores sociais e econocircmicos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento A ausecircncia de um oacutergatildeo executivo entretanto pouco afeta o repasse
centralizador dos recursos provenientes dos paiacuteses do CAD13 para a cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento Depois da oficializaccedilatildeo do papel do Comitecirc como centro coordenador da
ajuda em 1986 e da adoccedilatildeo pelo Banco Mundial bem como pelo FMI e pelo PNUD do guia
de princiacutepios para a apreciaccedilatildeo de projetos ldquoPrincipies For Project AppraisaF elaborado
pelo Comitecirc ldquocom o objetivo de melhorar a capacidade operacional das agecircncias
multilaterais e a qualificaccedilatildeo dos projetos atraveacutes da definiccedilatildeo comum de objetivosrdquo todas
as poliacuteticas e conceitos (definidas ajuda teacutecnica conceituai) desenvolvidos ad hoc pelos
centros de pesquisa do CAD satildeo aplicados conjuntamente nas organizaccedilotildees internacionais
(BASILE 1995 FUHNER 1996) Aleacutem disso a grande maioria dos paiacuteses que pertencem
ao CAD tambeacutem pertencem agrave CEE14 que por sua vez possui um oacutergatildeo executivo Ou seja
estes paiacuteses podem administrar diretamente - e sem nenhum tipo de intervenccedilatildeo dos paiacuteses
em vias de desenvolvimento - os recursos destinados agrave ajuda multilateral
Segundo Keohane no estudo dos regimes e da cooperaccedilatildeo internacional entre atores
fortes e atores desavantajados priorizar os constrangimentos dos atores fracos eacute mais
importante do que buscar suas motivaccedilotildees em conformar-se ou natildeo a regimes estabelecidos
(KEOHANE 1984) Os PVD dependiam como ainda dependem dos fluxos financeiros
especialmente daqueles facilitados (ODA) - em teoria mais previsiacuteveis e constantes dos que
os capitais privados - para programar o desenvolvimento de suas economias tomando-as
12 Os fluxos multilaterais ODA satildeo aplicados atraveacutes da proacutepria CEE do Banco Mundial do FMI dos Bancos Regionais de Desenvolvimento e das Agecircncias Multilaterais e dos Institutos Especializados das Naccedilotildees Unidas (BASILE 1995)
13 Atualmente a niacutevel agregado os recursos multilaterais dos paiacuteses DAC satildeo concentrados entomo a trecircs poacutelos o Banco Mundial as Naccedilotildees Unidas e a CEE que ocupam entorno a 90 das transferecircncias destes paiacuteses (ASCARI 1999)
14 Dos anos 80 para os anos 90 observa-se um forte aumento do repasse dos fundos multilaterais dos paiacuteses OCDE em direccedilatildeo a CEE que passou de 161 em 1984 para 284 em 1991
7
menos vulneraacuteveis agraves flutuaccedilotildees do mercado Celso Lafer enfatizou esta necessidade na
Conferecircncia sobre Financiamentos para o Desenvolvimento ocorrida em maio de 2002 na
cidade de Monterrey (Meacutexico)15
As puniccedilotildees e constrangimentos impostos aos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pelos paiacuteses detentores de recursos e constituiacutedos em medidas operativas pelo PNUD
Banco Mundial FMI e Fundo Europeu de Desenvolvimento (ajuda multilateral
condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada) foram introduzidas ou projetadas
no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da primeira metade dos
anos setenta e exerceram segundo nossa hipoacutetese a funccedilatildeo comum de limitar o poder de
decisatildeo dos paiacuteses recebedores na aplicaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos multilaterais (inclusive
dos empreacutestimos puacuteblicos) do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
Toma-se oportuno lembrar que os fluxos oficiais ao desenvolvimento ODA16 ateacute a
completa afirmaccedilatildeo das puniccedilotildees e do aumento dos constrangimentos17 eram entendidos
como uma espeacutecie de compensaccedilatildeo financeira destinada aos governos dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento devido agraves suas menores oportunidades comercias e financeiras
(GRILLI 1994 MARCHISIO 1986) As novas modalidades contudo parecem diluir essa
noccedilatildeo inicial que caracterizava os fluxos ODA - que de certa forma passaram a representar
um mecanismo atraveacutes dos quais os Estados detentores dos recursos podem conduzir
intervenccedilotildees pontuais e setorizadas nos PVD
Conveacutem enfatizar que mesmo tratando-se os fluxos ODA de financiamentos
facilitados eles tambeacutem devem ser em grande parte devolvidos pelos paiacuteses recebedores
(ESCOBAR 1995 165) e que quando recebidos estes recursos somam-se em menor ou
maior grau a diacutevida puacuteblica dos paiacuteses em desenvolvimento (ASCARI 1999) Aleacutem disso
15 Em seu discurso Lafer lembrou os conferencistas que durante a deacutecada de 1990 o aumento de capital privado nos paiacuteses em desenvolvimento mas que esse capital eacute altamente imprevisiacutevel e em muitas situaccedilotildees diminuiu seu niacutevel vertiginosamente Essas entradas e saiacutedas bruscas de capital constituem-se tambeacutem em limitaccedilotildees para aos paiacuteses em vias de desenvolvimento
16 Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento teacutecnica ou financeira eacute contabilizada em fluxos financeiros ODA menos as contribuiccedilotildees emergecircncias in natura e os eventuais recursos privados das ONGs (BASILE 1995)
17 Que aconteceu na metade dos anos oitenta quando o setor da cooperaccedilatildeo foi direcionado para ambientes privados
8
a proacutepria tendecircncia que tem crescido no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento de
efetuar financiamentos privados aos PVD com fins de desenvolvimento utilizando
organizaccedilotildees internacionais para a perpetuaccedilatildeo da colocaccedilatildeo de condicionamentos de
vaacuterios gecircneros eacute um aspecto preocupante que natildeo deve ser ignorado Por esse motivo os
governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento assim como os estudiosos das ciecircncias
sociais poliacuteticas e econocircmicas natildeo podem permanecer indiferentes quanto agraves modalidades
de efetivaccedilatildeo da ajuda Em outras palavras os projetos e programas de desenvolvimento
(governamentais ou natildeo-govemamentais) e o grau efetivo de controle que os governos dos
paiacuteses do Sul exercem na orientaccedilatildeo destes projetos poderiam constituir um interessante
objeto de estudo nas aacutereas de ciecircncias humanas
Como foi possiacutevel a introduccedilatildeo de medidas operativas que resultaram na limitaccedilatildeo
do poder de decisatildeo dos atores mais fracos (puniccedilotildees e constrangimentos) quanto a
aplicaccedilatildeo dos fluxos ODA - e como estas medidas se transformaram em regras do setor da
cooperaccedilatildeo internacional - tambeacutem eacute um aspecto intrigante que deve ser abordado
Keohane nos lembra que os Estados poderosos procuram introduzir poliacuteticas econocircmicas
internacionais que atendam seus interesses e ideologias Parte importante da investigaccedilatildeo eacute
buscar entender como paiacuteses fortes transformam seus recursos materiais e ideoloacutegicos em
regras do sistema assim como constroacuteem alteram ou mantecircm regimes internacionais que
facilitam determinados tipos de cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 256 KEOHANE 1984
94) Para os realistas a ecircnfase eacute colocada no poder18 Keohane que considera simplistas
todas as explicaccedilotildees baseadas apenas neste poder acredita que uma explicaccedilatildeo mais
plausiacutevel encontra-se no poder dos recursos econocircmicos
Quanto agrave conformidade dos PVD agraves alteraccedilotildees promovidas no regime da
cooperaccedilatildeo internacional a partir dos anos setenta podemos identificar a proacutepria
necessidade destes paiacuteses de continuar recebendo financiamentos mesmo privados como
sendo a mais importante causa de aceitaccedilatildeo - por estes mesmos paiacuteses - das medidas
punitivas e do aumento dos constrangimentos na utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA Aleacutem disso
como veremos em nosso primeiro capiacutetulo Keohane teoriza que os regimes internacionais
natildeo devem ser estudados individualmente mas em relaccedilatildeo e em concordacircncia com outros
18 No sentido beacutelico do termo
9
regimes internacionais Em consequumlecircncia mesmo que os PVD sofram puniccedilotildees econocircmicas
e tenham seus constrangimentos aumentados nesse especiacutefico setor abandonar o regime ou
deixar de cumprir acordos estabelecidos anteriormente isto poderia implicar em puniccedilotildees
ainda mais graves para os atores desavantajados
Para que as noccedilotildees de regimes internacionais puniccedilotildees sistecircmicas e
constrangimentos fiquem claras ao leitor no decorrer deste trabalho nosso proacuteximo capiacutetulo
seraacute dedicado a um aprofundamento destes conceitos a partir do estudo teoacuterico da
cooperaccedilatildeo internacional elaborado prioritariamente a partir das obras de Robert
Keohane19
19 Duas obras de Keohane abordam especificamente a questatildeo dos regimes internacionais e da cooperaccedilatildeo A primeira eacute ldquoAchiving cooperation under anarchy rdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) um estudo que serviu de base ao posterior e mais completo ldquoAfter hegemony cooperation and discord in the world political economyrdquo (KEOHANE 1984) Aleacutem dos dois citados tambeacutem seraacute utilizado no proacuteximo capiacutetulo para elaboraccedilatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional o estudo de Krasner sobre regimes interanacionais ldquoRegimes and the limits o f realism regimes as autonomous variables rdquo e algumas noccedilotildees da obra de Keohane e Nye ldquoPoder e interdependencia la poliacutetica mundial en transicioacuten
10
CAPIacuteTULO I
A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS
O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional
Robert Keohane define o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo como sendo aquele no qual
ldquoatores ajustam seus comportamentos para as preferecircncias atuais ou antecipadas dos outros
atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacuteticardquo (KEOHANE 1984 51-2) A
definiccedilatildeo do conceito e o desenvolvimento da teoria da cooperaccedilatildeo realizados por Keohane
aconteceram a partir do estudos realizados pelo autor da ocorrecircncia do fenocircmeno nas
relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente Essa escolha
de abordagem na elaboraccedilatildeo da teoria deveu-se ao pressuposto de que as relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo acontecem quando existem interesses muacutetuos entre os Estado envolvidos
Estabelecer interesses muacutetuos entre paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente e que
dividem uma visatildeo relativamente similar da conduccedilatildeo de suas econocircmicas aleacutem de
cultivarem extensas relaccedilotildees de interdependecircncia20 uns com os outros facilita o trabalho de
investigaccedilatildeo do fenocircmeno da cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 6)
Quanto agrave cooperaccedilatildeo entre paiacuteses avanccedilados industrialmente e paiacuteses em vias
desenvolvimento Keohane considera que os instrumentos de anaacutelise desenvolvidos em sua
teoria tambeacutem podem ser em certa medida aplicados na compreensatildeo de algumas destas
20 Para Keohane e Nye o conceito de interdependecircncia na poliacutetica mundial diz respeito ldquoa situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocos entre os paiacutesesrdquo (p8) Estes efeitos resultam de uma ampla gama de contatos e transaccedilotildees ocorridas no plano internacional o que produz uma restriccedilatildeo agrave autonomia dos atores envolvidos Ao mesmo tempo impotildee alguma forma de custos para os participantes do sistema internacional o que poderia levar a uma ocorrecircncia de determinados tipos de conflito entre eles
11
relaccedilotildees Contudo algumas consideraccedilotildees precisam ser realizadas Em primeiro lugar no
caso de atores desiguais a cooperaccedilatildeo pode tomar-se adversa e constituir-se em meio de
exploraccedilatildeo de um grupo de Estados ricos que efetivamente cooperam entre si para com os
Estados pobres (KEOHANE 1984 11) Essa situaccedilatildeo pode definir-se desde o
estabelecimento das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo devido aos constrangimentos colocados aos
atores mais fracos ateacute mesmo como condiccedilatildeo para sua participaccedilatildeo em uma relaccedilatildeo com
atores mais fortes ou pode mesmo acontecer posteriormente mesmo que objetivos iniciais
de cooperaccedilatildeo fossem desejados mutuamente agrave princiacutepio Um segundo ponto ainda deve ser
ressaltado quanto agrave cooperaccedilatildeo entre atores desiguais antes de iniciarmos o
aprofundamento do estudo do fenocircmeno a ocorrecircncia de relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre
atores avantajados e atores desavantajados costuma proporcionar benefiacutecios menores ou
mesmo nenhum beneficio para aqueles atores desavantajados Isso natildeo significa que os
atores desavantajados ajam de maneira irracional quando estabelecem relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo com os atores avantajados Muitas vezes o caacutelculo racional dos atores
desavantajados natildeo eacute obter benefiacutecios mas simplesmente natildeo ver aumentado seus custos
que poderiam tomar dimensotildees ainda maiores caso acordos de cooperaccedilatildeo natildeo fossem
estabelecidos Feitas estas consideraccedilotildees podemos finalmente iniciar o estudo teoacuterico da
cooperaccedilatildeo internacional
Para Keohane a teoria realista natildeo eacute capaz de explicar o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo
internacional em todas as suas manifestaccedilotildees Na teoria realista onde o sistema
internacional eacute composto por Estados como unidades individuais que competem entre si em
um permanente estado de natureza anaacuterquico21 o uacutenico modelo possiacutevel de cooperaccedilatildeo eacute
aquele de alianccedilas resultante de uma operaccedilatildeo de balanccedilo de poder (KEOHANE 1984
7) Tambeacutem outros modelos explicativos da cooperaccedilatildeo internacional como o
Universalismo (de modelo kantiano) ou ateacute mesmo o Intemacionalismo (oriundo da teoria
de Grotius22) que opondo-se ao realismo conferiram segundo Keohane muito peso ao
21 Anarquia para Keohane constitui a falta de um governo comum no mundo poliacutetico internacional e natildeo uma negaccedilatildeo de que a sociedade internacional embora fragmentada exista (AXELROD amp KEOHANE 1982 227)
22 A obra de Hugo Grotius Do Direito da Guerra e da Paz (1625) que inaugura a tradiccedilatildeo Intemacionalista na poliacutetica internacional eacute um dos trecircs paradigmas (ou escolas de pensamento) fuacutendantes do estudo das relaccedilotildees internacionais segundo a divisatildeo de Hedley Buli Os outros dois
12
papel das funccedilotildees reguladoras das instituiccedilotildees internacionais e ao direito internacional natildeo
seriam adequados como instrumentos teoacutericos por natildeo aprofundarem as relaccedilotildees de poder
e de conflitos decorrentes da dimensatildeo econocircmica entre os Estados Considerando as
limitaccedilotildees dos modelos anteriores Keohane decidiu elaborar a estruturaccedilatildeo teoacuterica sobre o
fenocircmeno da cooperaccedilatildeo a partir de uma combinaccedilatildeo de teorias (liberal23 e realista 24) que
pudessem analisar as relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos atores internacionais sem esquecer o
egoiacutesmo e propensatildeo dos Estados em aumentar a proacutepria riqueza e poder
Keohane assim como os realistas considera que os atores poliacuteticos satildeo egoiacutestas e
agem motivados por interesses proacuteprios Para este autor quando os atores cooperaram o
fazem dentro de uma situaccedilatildeo de conflito que quando natildeo resolvida por essa via poderia
resultar em perdas ainda maiores para os envolvidos Os governos entram em negociaccedilotildees
internacionais visando reduzir o conflito que iria resultar necessariamente de outra
maneira Sem cooperaccedilatildeo os governos interferem no mercado uni lateralmente para
perseguir o que eles consideram seus proacuteprios interesses25 aumentando em muito a
possibilidade de perdas coletivas Atraveacutes desse tipo de raciociacutenio pode-se afirmar que os
paradigmas derivam das obras de Hobbes O Leviatatilde (1651) que influecircncia a tradiccedilatildeo Realista e do texto de Kant A Paz Perpeacutetua mdash Um Projeto Filosoacutefico (17956) da qual deriva a tradiccedilatildeo Universalista Segundo Hedley Buli a posiccedilatildeo de Grotius fica a meio caminho daquelas de Hobbes e Kant Grotius se diferencia do universalismo porque mesmo considerando a existecircncia de outros entes eacute o Estado o principal ator das relaccedilotildees internacionais Quanto agrave Hobbes Grotius afirma que as relaccedilotildees entre os Estados natildeo se resume a dimensatildeo conflitiva sendo necessaacuterio levar em conta a dimensatildeo cooperativa e a existecircncia de uma sociedade internacional (formada por Estados) que interage com base em valores culturais comuns e do direito internacional (GOLCcedilALVES 2001 94-6)
O Liberalismo propotildee alternativas agraves concepccedilotildees realistas Enfatizando aspectos a interdependecircncia econocircmica com suas muacuteltiplas e complexas camadas de ligaccedilotildees o liberalismo prevecirc comportamentos cooperativos entre os Estados Mecanismos como sanccedilotildees e puniccedilotildees econocircmicas possibilitam na visatildeo liberal um certo controle e previsibilidade sobre o comportamento dos participantes do sistema internacional
24 O Realismo poliacutetico apresenta um sistema internacional caracterizado pela anarquia tendo como atores principais os Estados Por ser anaacuterquico o sistema internacional eacute baseado no poder e na forccedila e cada Estado eacute visto como uma entidade isolada age apenas motivado pelos proacuteprios interesses Para o realismo natildeo existe cooperaccedilatildeo entre atores poliacuteticos
23 Ao contraacuterio dos economistas liberais Keohane acredita que os Estados agindo unilateralmente vatildeo interferir no mercado estrangeiro de trocas impor vaacuterias restriccedilotildees em importaccedilotildees subsidiar a induacutestria domeacutestica e estabelecer preccedilos de mercadorias como petroacuteleo
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atores agem de maneira egoiacutesta-racional tentando maximizar as possibilidades de ganho
em uma situaccedilatildeo de conflito real ou potencial Isso significa que um fenocircmeno de
cooperaccedilatildeo acontece sempre a partir de uma situaccedilatildeo de conflito e nunca de harmonia26
entre atores no mundo poliacutetico Seraacute justamente a tentativa de resoluccedilatildeo deste conflito que
poderaacute levar os atores agrave cooperar ou seja agrave ajustar seus comportamentos ou antecipar as
preferecircncias dos outros atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacutetica
Enquanto para os realistas que utilizam a teoria dos jogos (especialmente do dilema
do prisioneiro) nos estudos de comportamento a cooperaccedilatildeo eacute impossiacutevel porque os atores
racionalmente desconfiam sempre das accedilotildees uns dos outros e egoiacutesticamente pensam nos
proacuteprios interesses Keohane acredita que as mesmas premissas de comportamento racional
e egoiacutesta em uma ambiente internacional favoraacutevel podem levar os atores agrave cooperarem
uns com os outros (KEOHANE 1984 65-7) Quando os atores agem por meio de escolhas
racionais pensando nos interesses proacuteprios atraveacutes da realizaccedilatildeo de benefiacutecios coletivos
pode-se esperar um volume substancial de cooperaccedilatildeo internacional (inclusive
institucionalizada) nas economias de mercado dos paiacuteses industrialmente avanccedilados A
anaacutelise da cooperaccedilatildeo internacional e a elaboraccedilatildeo de um conceito sobre o fenocircmeno
acontece desse modo atraveacutes de uma combinaccedilatildeo de teorias que reconheccedilam os interesses
complementares entre naccedilotildees mas que natildeo deixem de reconhecer que os Estados satildeo atores
racionais e egoiacutestas na medida em satildeo orientados a promover seus dos proacuteprios interesses
E necessaacuterio lembrar que no mundo das relaccedilotildees internacionais os temas mais
significativos satildeo ao mesmo tempo poliacuteticos e econocircmicos portanto a perseguiccedilatildeo da
riqueza e do poder por parte dos Estados pode iluminar as motivaccedilotildees especiacuteficas dos
atores e servir como antiacutedoto contra uma parcial ecircnfase em interdependecircncia e retoacutericas
globalistas de realizaccedilatildeo de interesses comuns (KEOHANE NYE 198818-22) Na teoria
da cooperaccedilatildeo de Keohane os atores abordados e considerados significativos satildeo os
Estados que estabelecem os objetivos e constroacuteem as regras nas quais os demais atores
(inclusive as organizaccedilotildees natildeo- governamentais) deveratildeo se adaptar Definir a economia
poliacutetica internacional em termos de perseguiccedilatildeo de riqueza e poder nos leva agrave analisar a
26 Harmonia no mundo poliacutetico acontece em uma situaccedilatildeo onde automaticamente os atores (perseguindo seus proacuteprios interesses sem considerar o interesses dos outros) facilitam a realizaccedilatildeo dos objetivos dos outros sem conflito
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cooperaccedilatildeo na economia poliacutetica mundial menos como um esforccedilo de implementar ideacuteias
elevadas (moralmente) e mais como um meio de atingir interesses proacuteprios em objetivos
poliacuteticos e econocircmicos (KEOHANE 1984 25)
Na anaacutelise das relaccedilotildees entre Estados Keohane daacute grande enfoque agrave influecircncia do
sistema internacional como modelador do comportamento dos atores (teoria sistecircmica) O
comportamento dos Estados assim como os de outros atores da poliacutetica mundial eacute
fortemente influenciado pelos constrangimentos (constraints) e incentivos fornecidos pelo
ambiente internacional Quando o sistema internacional muda o mesmo acontece com os
incentivos e com os comportamentos dos atores
A ecircnfase no sistema internacional eacute a propoacutesito a grande diferenccedila entre a teoria
de Keohane e as publicaccedilotildees mais recentes que abordam o tema da cooperaccedilatildeo Os estudos
realizados sobre o tema nos anos noventa27 embora tenham a caracteriacutestica notaacutevel de
manter a definiccedilatildeo do fenocircmeno de cooperaccedilatildeo elaborado por Keohane (MILNER 1992
466) uma deacutecada antes criticaram o peso excessivo dos constrangimentos estruturais do
sistema internacional na definiccedilatildeo do comportamento dos atores As anaacutelises dos anos
noventa passaram a dar maior enfoque agraves poliacuteticas domeacutesticas na definiccedilatildeo dos
comportamentos dos Estados e de suas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo (PUTMAN 1993 432
MILNER amp KEOHANE 1996 4)28 As teorias dos anos noventa embora incorporem um
estudo sobre os atores domeacutesticos29 tambeacutem minimizam certas situaccedilotildees de
27 Importante resenha comparada sobre os estudos e publicaccedilotildees da teoria da cooperaccedilatildeo internacional nos anos 90 (Robert Keohane e Kenneth A Oye Putman e Bayne Grieco e Haas) eacute o artigo de Helen Milner International theories of cooperation among nations strengths and weaknesses publicado no world politics (referecircncia no final deste trabalho)
28 E interessante perceber que o proacuteprio modelo de cooperaccedilatildeo internacional entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo voltada ao desenvolvimento no mesmo periacuteodo dos anos 90 tambeacutem comeccedilou a relacionar os problemas de desenvolvimento dos paiacuteses agrave fatores domeacutesticos e natildeo mais agrave problemas decorrentes do sistema internacional
29 O proacuteprio Keohane quando estuda em na segunda metade dos anos noventa o fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo admite que em suas anaacutelises anteriores pouca atenccedilatildeo foi dada ao comportamento dos atores domeacutesticos Isso natildeo significa que Keohane abandone a anaacutelise sistecircmica pelo contraacuterio ele continua afirmando que todos os atores sofrem constrangimentos e incentivos mas que internamente estas constriccedilotildees e incentivos seratildeo percebidas de maneira diferente devido aos arranjamentos estruturais e poliacuteticos dos diferentes atores Sua anaacutelise contudo se refere mais ao fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo e natildeo especificamente aquele da cooperaccedilatildeo internacional (MILNER amp KEOHANE 1996)
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constrangimentos vividas pelos atores desavantajados como por exemplo as pressotildees
econocircmicas (MILNER 1992) No caso especiacutefico do nosso estudo sobre a ocorrecircncia da
cooperaccedilatildeo internacional aoacute desenvolvimento natildeo poderemos desprezar as pressotildees
econocircmicas sofridas pelos atores desavantajados visto os atuais mecanismos de repasse de
financiamentos do setor se estabelecem a partir de mecanismos de condicionalidade que
satildeo por si mesmo formas de pressatildeo econocircmica Desse modo decidimos pelo uso da
anaacutelise sistecircmica de Keohane na estruturaccedilatildeo deste trabalho
Para que possamos entender como os incentivos e os constrangimentos colocados
pelo sistema internacional podem afetar o comportamento dos atores deveremos
aprofundar a noccedilatildeo de regimes internacionais que satildeo entendidos por Keohane como os
ambientes facilitadores da cooperaccedilatildeo entre os Estados
Regimes internacionais
Os regimes internacionais satildeo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos
normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo dos quais as expectativas
dos atores convergemrdquo30- em uma variedade de aacutereas-tema das relaccedilotildees internacionais
(AXELROD amp KEOHANE 1982 327)31 Essa definiccedilatildeo e a proacutepria importacircncia dos
regimes internacionais satildeo plenamente entendidos depois de relembradas duas
caracteriacutesticas do contexto internacional A primeira delas eacute a ausecircncia no mundo poliacutetico
de instituiccedilotildees governamentais autoritaacuterias que possam regular (impondo obrigaccedilotildees) o
comportamento dos Estados e demais atores poliacuteticos A segunda eacute resultado da primeira a
30 Princiacutepios satildeo opiniotildees de fatos causas retidatildeo Normas satildeo modelos de comportamento definidos em termos de regras e obrigaccedilotildees Regras satildeo especiacuteficas prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees para atos Procedimentos de tomada de decisotildees satildeo praacuteticas prevalecentes para fazer e implementar escolhas coletivas (Krasner 1983 p2) Keohane considera normas apenas como modelos de comportamento
31 Os sistemas financeiro e comercial internacionais satildeo exemplos de regimes internacionais bem como organizaccedilotildees regionais e a proacutepria cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (tambeacutem chamada pelos americanos ajuda ao desenvolvimento) (KEOHANE NYE 1988 36)
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constante incerteza do sistema internacional Os regimes internacionais cumpririam uma
funccedilatildeo ao sistema internacional definindo modelos de comportamento possibilitando
algum tipo de confiabilidade entre os atores e permitindo que expectativas comuns possam
ser tratadas de modo comum
Keohane acredita que princiacutepios normas regras e procedimentos conteacutem
determinaccedilotildees (quase) legais sobre comportamentos eles prescrevem certas accedilotildees e
proscrevem outras Nos regimes internacionais certos comportamentos ldquocorretosrdquo (no
sentido de serem coerentes com os princiacutepios do regime) satildeo incentivados enquanto
aqueles incorretos satildeo como veremos reprimidos Mais explicitamente os regimes
internacionais implicam em obrigaccedilotildees para os atores mesmo que estas obrigaccedilotildees natildeo
sejam cumpridas atraveacutes de um sistema hieraacuterquico legal
Considerando as duas caracteriacutesticas do sistema internacional - ausecircncia no mundo
poliacuteticos de instituiccedilotildees internacionais autoritaacuterias e a constante incerteza do sistema
internacional - podemos afirmar que uma das funccedilatildeo dos regimes internacionais eacute a
facilitaccedilatildeo de acordos entre governos de modo que as condiccedilotildees estruturais de anarquia
natildeo conduzam o sistema internacional a uma completa guerra de todos contra todos
(AXELROD amp KEOHANE 1982 332) Sem regimes internacionais a total incerteza
sobre o comportamento uns dos outros atores natildeo permitiria nenhum tipo de cooperaccedilatildeo
entre Estados colocando em riscos ateacute mesmo os grandes fluxos de trocas do sistema
capitalista Os regimes internacionais tambeacutem acabam facilitando a operaccedilatildeo de
descentralizaccedilatildeo do sistema poliacutetico internacional (diminuindo a presenccedila de um Estado
hegemocircnico como regulador do sistema) e expandindo o acesso dos atores poliacuteticos agraves
informaccedilotildees e em algum modo aos procedimentos de tomadas de decisatildeo o que
consequentemente aumenta as possibilidades de cooperaccedilatildeo internacional Contudo os
regimes internacionais natildeo devem ser percebidos como elementos de uma nova ordem
internacional aleacutem do Estado naccedilatildeo Eles precisam ser entendidos como arranjos
motivados por interesses proacuteprios em um sistema onde a soberania e o poder permanecem
sendo fatores constitutivos Isso significa que eles tendem a ser formados principalmente
Porque o mundo poliacutetico eacute descentralizado ao inveacutes de hierarquizado os princiacutepios prevalecentes de soberania significam que os Estados natildeo satildeo sujeitos agrave governos superiores (Ruggil 1983)
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pelos atores mais poderosos priorizando seus proacuteprios interesses (KEOHANE 1984 62-
3)
Como afirmamos anteriormente Keohane manteacutem em suas anaacutelises a premissa de
que em geral os atores poliacuteticos tendem a responder racionalmente aos constrangimentos e
aos incentivos A teoria racional aplicada ao estudo da cooperaccedilatildeo implica em aceitarmos
que as decisotildees dos atores quanto aos regimes internacionais satildeo em alguma medida
voluntaacuterias Na ausecircncia de uma possibilidade de escolha dos atores reduziriacuteamos os
regimes internacionais a simples imposiccedilotildees quando na verdade sua natureza eacute muito mais
complexa Contudo tambeacutem pode ser limitativo e incorreto no estudo do comportamento
(cooperativo) dos Estados afirmar que os atores escolhem voluntariamente quando
participam dos regimes internacionais ou que os proacuteprios regimes satildeo de alguma maneira
fruto de accedilotildees voluntaacuterias Fazendo-o sacrificariacuteamos uma interpretaccedilatildeo Realista
Para que possamos manter a afirmaccedilatildeo de que os atores escolhem racionalmente - e
prosseguir a investigaccedilatildeo dos regimens internacionais - sem contudo ignorar as pressotildees
exercidas pelos mais fortes Keohane propotildee que sejam distinguidos dois aspectos do
processo atraveacutes do qual os regimes internacionais acontecem a imposiccedilatildeo de
constrangimentos (constvaints) e os processo de tomadas de decisatildeo (adesatildeo aos regimes)
Estes dois aspectos satildeo particularmente importantes para entenderas motivaccedilotildees dos atores
desavantajados de pertencer a um regime internacional
Em termos formais noacutes podemos considerar todos os regimes como tendo sido
criados ou mantidos voluntariamente atores independentes com a capacidade de recusar ou
consentirem em participar Mas caso estes atores sejam fracos agindo sob medo invasatildeo
ou colapso econocircmico natildeo pode-se dizer que exista verdadeiramente uma adesatildeo
voluntaacuteria (AXELROD amp KEOHANE 1982 330) Nestas situaccedilotildees devemos
primeiramente focar nossa atenccedilatildeo nos constrangimentos impostas aos atores antes de
examinar suas escolhas (KEOHANE 1984 71-2) Os atores podem sofrer
constrangimentos natildeo apenas atraveacutes de fatores estruturais do sistema mas tambeacutem
diretamente atraveacutes de pressotildees daqueles mais poderosos Regimes internacionais podem
ser acordados possuindo constrangimentos internos impostos desde a origem pelos atores
mais poderosos Relaccedilotildees de poder e dependecircncia e o contexto no qual os acordos foram
realizados seratildeo tambeacutem fatores de constrangimentos de escolhas nos regimes
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internacionais e afetaratildeo todos os acordos que resultam de barganhas entre atores Muitas
vezes a uacutenica alternativa racional do ator naquele momento eacute associar-se a um regime que
lhe garanta o miacutenimo de previsibilidade quanto ao comportamento dos atores
internacionais Mantendo-se em mente estas restriccedilotildees poderemos aplicar a anaacutelise de
escolhas racionais de maneira sofisticada sem implicar no entendimento de que os atores
estatildeo em situaccedilatildeo igual de poder de escolha pois relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo envolvem
diferentes custos de oportunidades para diferentes atores
Muito provavelmente os atores em posiccedilotildees fracas teratildeo custos e oportunidades
diferentes dos atores em posiccedilotildees avantajadas Essa constataccedilatildeo nos faz lembrar que no
mundo poliacutetico natildeo eacute via de regra que as trocas entre os Estados mesmo aquelas
resultantes de barganhas tenham que ser necessariamente iguais ou benignas para todos
Sobre as trocas desiguais Keohane acredita que elas acontecem como o resultado de uma
operaccedilatildeo onde atingiram-se objetivos possiacuteveis ou ainda devido agraves necessidades de creacutedito
ou da seguranccedila dos Estados ou mesmo devido agrave expectativa dos atores de atingirem-se
benefiacutecios futuros Keohane e os realistas percebem nas trocas desiguais oportunidades
para que os Estados poderosos transformem seus recursos materiais e ideoloacutegicos em regras
do sistema internacional Os Estados mais poderosos procuram em relaccedilotildees de troca
mesmo no interior de regimes internacionais beneficiar seus proacuteprios interesses poliacutetico-
econocircmicos Uma diferenciaccedilatildeo entre os realistas e Keohane quanto as trocas desiguais
deve ser precisada enquanto para os realista as trocas desiguais acontecem a partir de uma
diferenccedila de poder (militar) entre os Estados Keohane que considera simplistas todas as
explicaccedilotildees baseadas apenas em poder acredita que explicaccedilotildees mais plausiacuteveis
encontram-se no poder dos recursos econocircmicos
Quanto agraves tomadas de decisatildeo de pertencer ou natildeo agrave regimes internacionais espera-
se em geral que os Estados juntem-se a regimes onde os benefiacutecios como membros
superem os custos Atraveacutes desse raciociacutenio pode-se esperar que atores poliacuteticos escolham
participar de regimes internacionais que lhes garantam a mesma ou melhor condiccedilatildeo
dentro do que fora deles Isso natildeo implica necessariamente em ganho considerando-se que
os regimes tendem a impor custos para os que natildeo participam O Fundo Monetaacuterio
Internacional por exemplo natildeo empresta para os natildeo associados (ASCARI 1999 64)
Aleacutem disso ainda devemos recordar que os pressotildees e as desigualdades de poder que
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estendem-se por traacutes dos regimes internacionais podem tomar os resultados da barganha
voluntaacuteria natildeo inteiramente benignos Natildeo existe garantia de que a formaccedilatildeo de um regime
internacional iraacute produzir benefiacutecios globais de bem estar social (welfare) Desse modo
pertencer a um regime internacional implica sempre em riscos especialmente para os atores
desavantajados
A existecircncia (e a aceitaccedilatildeo) no mundo poliacutetico de trocas desiguais a compreensatildeo
de que os Estados podem em determinados casos tomar a decisatildeo de pertencer a regimes
simplesmente para natildeo verem aumentados seus custos a percepccedilatildeo de que os atores mais
fracos realizam muitas vezes escolhas a partir de constrangimentos e que o resultados
destas encolhas podem natildeo ser inteiramente benignos nos ajuda a entender porque atores
desavantajados juntam-se a regimes mesmo quando eles recebem menos benefiacutecios do que
os outros membros (AXELROD amp KEOHANE 1982 340) Em poliacutetica natildeo podemos
nunca esquecer que escolhas voluntaacuterias natildeo implicam na igualdade de situaccedilotildees e
resultados para os atores (AXELROD amp KEOHANE 1982 330 KEOHANE 1984 70) e
que os regimes internacionais satildeo uma esfera onde o poder eacute diretamente exercido e onde
as desigualdades satildeo grandes
Um uacuteltimo aspecto em relaccedilatildeo aos regimes e aos atores desavantajados ainda deve
ainda ser tratado a conformidade dos Estados aos regimes internacionais Regimes
internacionais satildeo instituiccedilotildees descentralizadas o que natildeo significa ausecircncia de
mecanismos de conformidade Regimes produzem procedimentos e regras e estabelecem
sanccedilotildees por violaccedilotildees do proacuteprio regime podem ser coordenadas em diversos niacuteveis e
intensidade No mundo poliacutetico e econocircmico observamos uma alta conformidade com os
regimes Entretanto essa constataccedilatildeo natildeo deve ser exagerada Tome-se como exemplo o
caso da conformidade da Europa aos regimes internacionais financeiro e comercial
oriundos do final da Segunda Guerra Mundial que efetivou-se realmente somente depois
do saneamento econocircmico e da retomada do crescimento da regiatildeo promovidos pelo plano
Marshall (DINOLFO 1994 601-29)
Para entender o quebra-cabeccedila da conformidade precisamos examinar como os
regimes internacionais afetam o caacutelculos dos governos racionais e egoiacutestas Keohane nos
aponta duas distintas possibilidades de entendimento A primeira delas observa cada regime
isoladamente considerando as vantagens de adesatildeo (para os governos) em oposiccedilatildeo agraves
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alternativas viaacuteveis A segunda coloca os regimes em contexto com outros regimes no
mundo poliacutetico Desse modo cada regime eacute interpretado como parte e em conformidade
com uma longa rede de temas e regimes Perceber cada regime em conformidade com
outros regimes produz diferentes estruturas de incentivos e constrangimentos para os
atores A pressatildeo que pode ser exercida atraveacutes de elos entre temas por diferentes regimes
serve muitas vezes como razatildeo para o ajuste dos governos a um determinado regime No
mundo contemporacircneo os governos tratam de vaacuterios temas e pertencem a muitos regimes
um governo que natildeo cumpre as regras e natildeo conforma-se a um determinado regime pode
criar uma expectativa negativa sobre seu comportamento em outros regimes para os
demais Estados Em uma anaacutelise racional-egoiacutesta podemos pensar que governos cumprem
seus compromissos para natildeo serem retalhados (punidos ou excluiacutedos de possiacuteveis
benefiacutecios) naquele proacuteprio ou nos demais regimes mesmo quando o regime e os temas
envolvidos natildeo satildeo de acordo com o auto-interesse (imediato) daquele Estado
Para entender o comportamento cooperativo dos atores devemos perceber os
regimes internacionais como muacuteltiplos e interligados Caso existisse apenas um regime no
mundo poliacutetico ou cada regime isoladamente os governos egoiacutestas poderiam
racionalmente parar de cumprir regras de regime internacionais Regimes seriam
abandonados quando os governos calculassem as que as oportunidade de custo como
membro como sendo maiores do que os de alguma alternativa viaacutevel de accedilatildeo Perceber os
regimes como interligados nos faz compreender que caso um Estado deixe de cumprir as
regras de um determinado regime que natildeo estatildeo diretamente de acordo com seus interesses
(ao menos imediatos) ele seraacute punido naquele e em outros regimes Da mesma maneira o
custo de adquirir maacute reputaccedilatildeo como resultado de violaccedilatildeo de regras seraacute imposto ao
transgressor naquele ou em demais regimes
Outro motivo de conformaccedilatildeo eacute a expectativa que os governos tecircm do crescimento
do regime internacional Conformar-se a um regime em um primeiro momento pode ser
fonte de determinados benefiacutecios para os atores ou mesmo uma oportunidade de participar
de acordos no sistema internacional Aleacutem disso as decisotildees de certos governos de
participar de regimes podem acontecer atraveacutes de um certo grau de ignoracircncia os regimes
evoluem e seus rumos nunca satildeo completamente previsiacuteveis Isso muitas vezes implica que
governos atuais aceitem determinadas situaccedilotildees pouco vantajosas devido a compromissos
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assumidos no passado e que poderiam implicar-lhes em maacute reputaccedilatildeo ou retaliaccedilotildees caso
natildeo fossem cumpridos Por exemplo decisotildees tomadas em um certo periacuteodo de promover
a abertura econocircmica tecircm profundamente surtido efeitos negativos na habilidade de futuros
governos de controlar as transaccedilotildees econocircmicas com o mundo exterior Esse problema diz
respeito a um dos aspectos mais obscuros dos regimes internacionais sua utilizaccedilatildeo para
afetar as preferecircncias dos governos futuros atraveacutes da criaccedilatildeo de constrangimentos em suas
(futuras) liberdades de accedilatildeo (KEOHANE 1984 120)
A conformaccedilatildeo aos regimes ainda pode ocorrer devido ao alto custo da construccedilatildeo
de regimes internacionais Estabelecer um regime pode ser muito difiacutecil e dispendioso para
os atores devido a grandes articulaccedilotildees envolvidas para conformar os atores o regime
necessita de um ambiente internacional de grande conflito para sua formaccedilatildeo ou ateacute mesmo
de presenccedila de uma potecircncia hegemocircnica - como foram os Estados Unidos depois da
Segunda Guerra Mundial Essa implicaccedilatildeo de custos de construccedilatildeo toma os regimes
internacionais mais faacuteceis de serem mantidos do que criados
Um uacuteltimo aspecto ainda deve ser abordado quanto agrave manifestaccedilatildeo dos regimes Os
comportamentos coordenados dos atores podem acontecer de forma declarada ou natildeo
podem ser sub-entendidos em acordos e tratados entre os Estados ou podem ser efetivados
no interior de organizaccedilotildees internacionais Isso natildeo significa que as organizaccedilotildees
internacionais cumpram simplesmente um papel funcional de servir aos regimes O
estabelecimento de organizaccedilotildees internacionais estaacute ligado a uma seacuterie de motivaccedilotildees das
mais diversas que natildeo aprofundaremos nesse momento estudo por natildeo representarem
ganho imediato para nossa discussatildeo Aquilo que nos pode interessar saber eacute que a
coordenaccedilatildeo de certas poliacuteticas estabelecidas nos regimes podem ter aspectos positivos e
aspectos negativos para os atores desavantajados Quanto aos aspectos positivos pode-se
listar a reduccedilatildeo dos custos de transaccedilatildeo (como aqueles organizacionais e de pagamentos) e
a diminuiccedilatildeo das imperfeiccedilotildees de informaccedilotildees (incertezas e riscos) e o no estabelecimento
de algum tipo de confianccedila legal para os Estados mesmo atraveacutes de normas imperfeitas ou
pouco precisas tomando os acordos mais convenientes dentro de um regime do que fora
dele Quanto aos aspectos negativos o primeiro deles seria que tendencialmente as
organizaccedilotildees internacionais favorecem os interesses dos atores mais poderosos Isso
significa que suas regras seratildeo estabelecidas ou poderatildeo constituir-se em mecanismos de
22
constrangimento para os atores desavantajados Por esse motivo o estudo das regras das
organizaccedilotildees internacionais pode constituir-se em um interessante instrumento de
investigaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo e evoluccedilatildeo dos regimes internacionais e dos conflitos poliacuteticos
entre os atores
Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional
Depois da anaacutelise teoacuterica realizada nos sentimos confortaacuteveis para afirmar que a
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento entre paiacuteses do Norte e Sul do mundo tema
de anaacutelise de nosso trabalho manifesta-se como um regime internacional proacuteprio Ou seja
que agrave cooperaccedilatildeo entre Norte e Sul em relaccedilatildeo agrave aacuterea-tema desenvolvimento constitui-se
como sendo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos normas regras e
procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo do qual as expectativas dos atores
convergem As expectativas dos atores satildeo necessariamente nesse caso o
desenvolvimento Essa afirmaccedilatildeo implica em aceitarmos que tanto os paiacuteses do Norte como
os paiacuteses do Sul do mundo dividem expectativas em torno de um modelo uacutenico de
desenvolvimento33 e que eacute justamente essa expectativa que poderaacute nos ajudar a entender
os motivos dos paiacuteses pobres em conformarem-se voluntariamente ao regime da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
Considerar as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como um
regime internacional orientado ao desenvolvimento nos permite tambeacutem estruturar com
mais rigor cientiacutefico as relaccedilotildees entre Estados do Norte e do Sul do mundo Pensadas como
regime as poliacuteticas internacionais orientadas ao desenvolvimento podem ser entendidas
33 O grupo de autores poacutes-estruturalista considera o discurso do desenvolvimento como um aparato de controle e vigilacircncia Desenvolvimento engloba uma seacuterie de controles de discurso e de controle de praacuteticas - um regime de forccedila - que apareceu desde que o Iluminismo a extensatildeo do projeto de universalizaccedilatildeo europeu nos quatro cantos do mundo Que a maior parte dos projetos de desenvolvimento falhe - um ponto de concordacircncia entre poacutes-modemistas e ultramodemistas - acaba reforccedilando o desenvolvimentismo eles dizem que ao falimento define a populaccedilatildeo target demarcada pelo resto da humanidade por sua aboriacutegine pobreza ignoracircncia passividade e portanto esta populaccedilatildeo precisa de uma intervenccedilatildeo de conhecimento de fora (ESCOBAR 1995 APFFEL MARGLIN AND MARGLIN 1990 SACHS 1992 NANDY 1988 CRUSH 1995)
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como proporcionado incentivos e constrangimentos diferentes - e com graus de intensidade
desiguais - para atores fracos e atores fortes Podemos ainda perceber que nas relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento certas limitaccedilotildees e constrangimentos podem
ser estabelecidos diretamente pelos Estados mais fortes a partir dos recursos econocircmicos
Aleacutem disso entender as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da oacutetica de
regime internacional nos permite investigar o papel das organizaccedilotildees internacionais que
atuam diretamente estabelecendo regras e modelos de cooperaccedilatildeo entre os Estados do Norte
e do Sul do mundo e o quanto estas organizaccedilotildees satildeo orientadas a efetuar programas e
projetos de desenvolvimento que atendam as demandas dos atores avantajados Mas
sobretudo entender o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento como regime internacional
nos faz perceber as relaccedilotildees dos Estados nesse tema como fenocircmenos poliacutetico-
econocircmicos ajudando-nos desse modo a permanecer imunes agrave consideraccedilatildeo que retratem o
fenocircmeno como uma forma valida de ajuda que visa ldquo combater os fenocircmenos que
ameaccedilam a paz e a convivecircncia civil a pobreza o degrado ambiental a violecircncia e os
desequiliacutebrios de todos os gecircnerosrdquo (BARBARELLA 1998 64) Sendo todos estes
fenocircmenos referidos claramente como caracteriacutesticos dos paiacuteses em desenvolvimento
Perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
internacional ainda nos ajuda a definir um meacutetodo de investigaccedilatildeo para o tema Ou seja
buscar entender nas regras das organizaccedilotildees internacionais e na sua evoluccedilatildeo os processos
atraveacutes dos quais o regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi afirmado e investigar os
constrangimentos e incentivos colocados pelo regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento
em relaccedilatildeo de complementaridade com outros regimes internacionais Pensar nos regimes
internacionais em relaccedilatildeo uns com os outros nos faz perceber que a cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento pode impor ou sofrer constrangimentos incentivos e
puniccedilotildees a partir da rede de temas e regimes
A escolha de estudar a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
internacional tambeacutem nos possibilita investigar o tema a partir dos constrangimentos dos
atores mais desavantajados e identificar nas pressotildees econocircmicas sofridas por esse grupo
sua causa maior em aceitar barganhas desiguais que nem sempre parecem muito toleraacuteveis
considerando-se apenas um comportamento racional-egoiacutesta dos atores
24
Finalmente perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
nos ajuda a estabelecer o proacuteprio termo cooperaccedilatildeo para definir o fenocircmeno Pois a
literatura especializada se utiliza de trecircs locuccedilotildees distintas para nomear o mesmo
fenocircmeno Estas locuccedilotildees satildeo assistecircncia ajuda e cooperaccedilatildeo Considerando que estes trecircs
termos natildeo satildeo sinocircnimos e denotam intensidades diferentes de participaccedilatildeo dos atores no
processo algumas consideraccedilotildees podem ser oportunas O termo cooperaccedilatildeo internacional
ao desenvolvimento eacute utilizado especialmente pelos autores europeus que pretendem
conseguir uma conotaccedilatildeo equilibrada e quase amigaacutevel aos esforccedilos dos atores e aos
resultados obtidos no setor (BASILE 1995 8 ANTONELLI 1995 230 ASCARI 1999
116 BOFFO 1993) Ajuda e assistecircncia satildeo utilizadas sobretudo na literatura americana e
datildeo evidentemente ecircnfase aos paiacuteses doadores ou seja aqueles desenvolvidos
economicamente como motores unilaterais da relaccedilatildeo o que acaba descaracterizando
qualquer tipo de barganha poliacutetica que possa envolver o fenocircmeno (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1995 94) Estes dois tipos de conotaccedilatildeo da literatura
especializada - cooperaccedilatildeo como equiliacutebrio de esforccedilos e resultados e ajuda ou assistecircncia
como accedilatildeo unilateral e apoliacutetica - revelaram-se depois de nossa investigaccedilatildeo teoacuterica uma
maneira incorreta de tentar entender o fenocircmeno
Assistecircncia ou ajuda natildeo poderiam ser utilizados como termos na investigaccedilatildeo do
fenocircmeno de relaccedilatildeo entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo porque excluiriam
imediatamente do processo de desenvolvimento o uacuteltimo grupo de paiacuteses desconsiderando
inclusive os recursos financeiros empregados por estas atores nos proacuteprios projetos e
programas de desenvolvimento e na manutenccedilatildeo do setor Interpretaccedilatildeo que seria incorreta
considerando-se que apenas o Brasil repassou para o Programa de Desenvolvimento das
Naccedilotildees Unidas (PNUD) mais de R$ 250 milhotildees de doacutelares34 ente janeiro e novembro de
2000 para a execuccedilatildeo do Programa Paiacutes (Tribunal de Contas da Uniatildeo)
Cooperaccedilatildeo tambeacutem natildeo poderia ser mantido caso utilizaacutessemos apenas a
conotaccedilatildeo dada ao termo pela literatura europeacuteia visto que natildeo existem situaccedilotildees de
equiliacutebrio de esforccedilos e resultados quando a anaacutelise de alguns simples indicadores de
crescimento econocircmico nos revela que desde a implementaccedilatildeo dos primeiros esforccedilos
34 O Orccedilamento anual do PNUD eacute atualmente de US$1 bilhatildeo de doacutelares
25
mundiais coordenados para o desenvolvimento nos anos cinquumlenta a diferenccedila (gap) entre
a renda per capita dos paiacuteses do Norte e dos paiacuteses dos Sul passou de U$ 3677 em 1950
(referecircncias do doacutelar de 1980) para U$ 24000 em 1995 (referecircncia do doacutelar em 1995)35
Contudo tomando-se cooperaccedilatildeo como relevado pelos proacuteprios dados acima expostos
como um fenocircmeno econocircmico-poliacutetico que acontece a partir de uma situaccedilatildeo de conflito
vivida pelos atores como seraacute proposto no primeiro capiacutetulo deste trabalho nos
afastaremos completamente das conotaccedilotildees utilizadas pela literatura especializada europeacuteia
e poderemos definir sem risco de sermos contraditoacuterios o fenocircmeno de cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento entre Estados do Norte e do Sul do mundo como
cooperaccedilatildeo
Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional
ODA ou seja ajuda oficial ao desenvolvimento (a literatura internacional manteacutem a
sigla em inglecircs - ofjicial development aid) eacute utilizado no setor da cooperaccedilatildeo internacional
ao desenvolvimento como criteacuterio global de medida financeira das modalidade de
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento realizadas pelos paiacuteses do Norte e do Sul do mundo
(BASILE 1995 ANTONELLI 1995 GRILLI 1993 MARCfflSIO 19862000
TRIULZI 19982000) Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive agravequela
teacutecnica e fianceira (com exceccedilatildeo da ajuda de emergecircncia e de eventuais contribuiccedilotildees
privadas de ONGs) eacute contabilizado como fluxo financeiro da Ajuda Oficial ao
Desenvolvimento - ODA36 ODA eacute definido internacionalmente como sendo um ldquoconjunto
35 ldquoA diferenccedila de renda entre os paiacuteses do Norte e do Sul cresceu dramaticamente depois da Segunda Guerra Mundial Em 1950 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de USS 164 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de US$ 3841 - o que constituiacutea uma diferenccedila absoluta de U$ 3 677 (referecircncia do doacutelar americano de 1980) Trinta anos depois em 1980 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 245 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 9648 - o que constituiu uma diferenccedila absoluta de U$ 9043O crescimento da diferenccedila continuou nos anos 90 Em 1995 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 430 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 24930 - o que constitui uma diferenccedila absoluta de U$ 24000 (referecircncia do doacutelar americano de 1995) (SELIGTON 1998 3)
36 Internacionalmente eacute aceita a sigla ODA para definir estes fluxos financeiros motivo pelo qual decidimos mantecirc-la nesse trabalho
26
de fluxos destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento^7 e agraves agecircncias multilaterais
fornecidos atraveacutes das agecircncias oficiais incluindo-se o Estado e os governos locais ou suas
agecircncias executivas cujas transaccedilotildees respeitem os seguintes criteacuterios a) como primeiro
objetivo que a assistecircncia seja administrada em funccedilatildeo da promoccedilatildeo do desenvolvimento
econocircmico e do bem estar dos paiacuteses em vias de desenvolvimento b) que os fluxos
destinados agrave cooperaccedilatildeo puacuteblica sejam facilitados e contenham um elemento de doaccedilatildeo de
ao menos 25rdquo (wwwoecdorgdac)
Por tratarem-se os fluxos ODA tambeacutem de ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e
expliacutecitos normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em torno do qual as
expectativas dos atores convergemrdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) eles tambeacutem seratildeo
nesse trabalho definidos como regimes internacionais
Como vimos Keohane percebe a cooperaccedilatildeo internacional como fundamentalmente
econocircmica e possiacutevel de acontecer a partir de um ambiente facilitador ou seja de um
regime internacional O ODA foi introduzido internacionalmente para cumprir a funccedilatildeo de
ambiente facilitador das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses do Norte e Sul depois da
afirmaccedilatildeo do conceito de multilateralismo no final da Segunda Guerra Mundial (BASILE
1995) O ODA deveria ter garantido que os benefiacutecios da implantaccedilatildeo da maior abertura
comercial e financeira fossem em alguma medida repassados para os atores mais fracos e
ajudassem estes paiacuteses em seus processo de desenvolvimento (entendido como crescimento
econocircmico38) (JEPMA1991)
No proacuteximo capiacutetulo iniciaremos nosso estudo sobre a nova modalidade de ajuda
multibilateral Depois de introduzir o termo buscaremos perceber como foi possiacutevel que
esse tipo de modalidade a princiacutepio contraacuteria as regras das organizaccedilotildees internacionais que
deveriam preservar uma certa neutralidade na conduccedilatildeo do repasse dos fluxos ODA
conseguiu estruturar-se a partir das falhas das normativas do proacuteprio PNUD e da
37 Esse tipo de definiccedilatildeo exclui os cria um problema para os paiacuteses em vias de desenvolvimento pois mede como fluxos ODA apenas aqueles repassados pelos paiacuteses desenvolvidos para o setor da cooperaccedilatildeo excluindo desse modo os recursos (muito substanciais) que os paiacuteses em desenvolvimento destinam ao proacuteprio desenvolvimento e agravequela internacional
38 Uma observaccedilatildeo fundamental para nossa discussatildeo eacute que ldquoateacute os anos cinquumlenta o conceito de desenvolvimento era estritamente interpretado como crescimento econocircmicordquo (DECLICH E EBOLI 1995 p 131)
27
Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas Finalmente dedicaremos a parte final do capiacutetulo a
uma breve explanaccedilatildeo da foacutermula multibilateral dos custos divididos (cost-sharing) aquela
prioritariamente utilizada pelo PNUD no Brasil e na Ameacuterica Latina
28
CAPIacuteTULO II
A AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO
As foacutermulas multiacutebilaterais como puniccedilatildeo
A partir da deacutecada de setenta uma nova modalidade de administraccedilatildeo e utilizaccedilatildeo
dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) foi estabelecida a partir
do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) Esta modalidade foi
denominada com um singular neologismo lsquomultibilateraV e se apresentava como uma
siacutentese dos dois modelos tiacutepicos de financiamento de projetos e programas do setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o multilateral efetuado atraveacutes da accedilatildeo das organizaccedilotildees
internacionais multilaterais e o bilateral realizado diretamente pelos Estados
A ajuda multibilateral eacute definida como uma forma particular de administraccedilatildeo e
repasse dos fluxos do regime internacional da ODA que consiste ldquono financiamento de
programas elaborados pelas organizaccedilotildees internacionais que se empenham mediante
acordos ad hoc a executar projetos especiacuteficos (setorizados) utilizando bens serviccedilos e
capacidade teacutecnica profissional dos paiacuteses doadoresrdquo (BASILE 1995 20 MARCHISIO
198612 MARCHISIO 2000 345369) A nova modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos
ODA inaugurou um precedente no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
De fato Marchisio nos lembra que ateacute a introduccedilatildeo da modalidade de ajuda multibilateral
o repasse dos fluxos ODA atraveacutes das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter regional em
particular do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) tendiam a
pieservar o princiacutepio constituinte da cooperaccedilatildeo multilateral ou seja a natildeo identificaccedilatildeo
dos paiacuteses doadores dos recursos (MARCHISIO 1986) Com efeito Basile argumenta que
os fundos das organizaccedilotildees internacionais dos programas das Naccedilotildees Unidas tinham sido
constituiacutedos e cumpriam a funccedilatildeo de preservar o anonimato entre paiacuteses doadores e paiacuteses
recebedores dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) (BASILE
29
1995) Dessa forma os paiacuteses recebedores dos recursos (aqueles em desenvolvimento)
teriam a garantia de que os fluxos ODA seriam repassados com o menor nuacutemero possiacutevel
de viacutenculos Isso significava que o Estado recebedor natildeo teria compromissos de utilizar os
fluxos do regime internacional ODA para efetuar compras de bens e serviccedilos dos paiacuteses
doadores destes recursos (procurement) ou para favorecer eventuais interesses poliacuteticos
destes Estados A questatildeo da licitaccedilatildeo para as compras de bens e serviccedilos para a execuccedilatildeo e
a implantaccedilatildeo de projetos e programas de desenvolvimento procurement) eacute atualmente
um dos pontos mais emblemaacuteticos das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre
paiacuteses dos hemisfeacuterios Norte e do Sul39 Segundo dados fornecidos por Escobar o Banco
Mundial gastou desde o final dos anos setenta mais de 80 do total dos recursos
multilaterais recebidos com contratos de aquisiccedilatildeo de mercadorias e com salaacuterios de
consultores nos proacuteprios paiacuteses doadores (ESCOBAR 1995 166) Como vimos em nosso
capiacutetulo anterior os Estados em vias de desenvolvimento sofreram puniccedilotildees sistecircmicas
atraveacutes do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a partir do iniacutecio dos
anos setenta Estas puniccedilotildees econocircmicas contra os paiacuteses em vias de desenvolvimento
(PVD) aconteceram atraveacutes de uma diminuiccedilatildeo dos repasses dos fluxos do regime da ajuda
oficial ao desenvolvimento (ODA) e de um maior controle destes fluxos As puniccedilotildees
sistecircmicas reordenaram o comportamento dos atores do regime internacional da cooperaccedilatildeo
ao desenvolvimento atraveacutes do estabelecimento de novos incentivos e constrangimentos
O primeiro ator que sofreu puniccedilotildees sistecircmicas e alterou profundamente seu
comportamento foi o Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) que ateacute
os anos setenta concentrava a maior parte dos fluxos do regime internacional da ajuda
oficial ao desenvolvimento (ODA) De fato o PNUD administrava 75 dos recursos das
atividades de cooperaccedilatildeo teacutecnica do Sistema das Naccedilotildees Unidas Com as puniccedilotildees
sistecircmicas impostas pelos Estados mais fortes a partir do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a quantidade de fluxos ODA administrados pelo PNUD
diminuiu vertiginosamente Jaacute no iniacutecio dos anos oitenta os fluxos ODA administrados
pelo PNUD eram apenas 25 dos fundos multilaterais da cooperaccedilatildeo teacutecnica
(MARCHISIO 1986) Quanto ao volume dos fluxos multilaterais ODA no setor da
39 Seraacute sob esse ponto de vista que Norte e Sul seratildeo tratados daqui em diante
30
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o total administrado pelo PNUD diminuiu de 65 em
1968 para 38 em 1980 (NOGUEIRA 2001 30)
A diminuiccedilatildeo de recursos no Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
(PNUD) aconteceu como uma forma direta de puniccedilatildeo econocircmica contra os Estados em
desenvolvimento Isso porque o PNUD sendo um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia Geral
das Naccedilotildees Unidas em que os Estados tecircm o mesmo peso de voto (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1996) podia como detentor majoritaacuterio dos recursos do
desenvolvimento favorecer poliacuteticas de utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA mais proacuteximas das
preferecircncia dos PVD
A praacutetica da ajuda vinculada era sobretudo ateacute a introduccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais uma caracteriacutestica da ajuda bilateral ao desenvolvimento (aquela realizada
diretamente entre os Estados) Contudo com a introduccedilatildeo da ajuda multibilateral os
Estados doadores puderam natildeo apenas condicionar de maneira mais acentuada o repasse
dos fluxos ODA agrave satisfaccedilatildeo de seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou econocircmicos mas
garantir um maior controle sobre os fluxos ODA multilaterais destinados aos paiacuteses em
desenvolvimento A introduccedilatildeo da ajuda multibilateral e o fortalecimento do poder de
decisatildeo da utilizaccedilatildeo destes recursos pelos Estados doadores podem ajudar a entender
porque trinta dos cinquumlenta maiores clientes das induacutestrias de mercadorias americanas
vecircm sendo a partir da metade dos anos setenta paiacuteses em desenvolvimento A maior parte
destes 30 satildeo os maiores recebedores da ajuda alimentar (ESCOBAR 1995166) Um fator
tambeacutem importante para o fortalecimento dos Estados doadores no setor da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a partir dos anos setenta foi a aproximaccedilatildeo promovida
pela cooperaccedilatildeo multibilateral dos paiacuteses doadores das agecircncias das Naccedilotildees Unidas Essa
aproximaccedilatildeo tomou possiacutevel aos paiacuteses doadores apropriar-se de uma seacuterie de informaccedilotildees
dos paiacuteses em desenvolvimento assim como do know how dos organismos de cooperaccedilatildeo
multilateral Elementos que resultaram uacuteteis para reorganizar em bases proacuteprias a
cooperaccedilatildeo multilateral e para a introduccedilatildeo de novos elementos como a condicionalidade
da ajuda e a cooperaccedilatildeo descentralizada Por exemplo com a foacutermula multibilateral
claacutessicas dos custos divididos e dos custos divididos com uma terceira parte os paiacuteses
doadores puderam ter acesso agraves informaccedilotildees completas do ldquoPrograma Paiacutesrdquo dos PVD
ainda em fase de projeccedilatildeo Desses projetos consta aleacutem de uma anaacutelise minuciosa das
31
poliacuteticas de governos que seratildeo seguidas pelos paiacuteses em aacutereas estrateacutegicas como aquela
econocircmica uma seacuterie de informaccedilotildees relativas aos custos que o governo do paiacutes em
desenvolvimento pretende utilizar como recursos proacuteprios para a realizaccedilatildeo dos projetos
Essas informaccedilotildees tendem a ser utilizada para favorecer interesses poliacuteticos e comerciais
dos Estados doadores
Marchisio afirma que a ajuda multibilateral pocircde constituir-se no acircmbito das
organizaccedilotildees multilaterais atraveacutes da introduccedilatildeo de uma seacuterie de novas foacutermulas de
financiamento de projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento que foram
encontrando legitimaccedilatildeo nas falhas normativas e na falta de regulamentaccedilatildeo homogecircnea
das normas financeiras do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD)
assim como nas proacuteprias regras financeiras da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
(MARCHISIO 2000) As foacutermulas multibilaterais migraram em um segundo momento
para os demais oacutergatildeos subsidiaacuterios40 da Assembleacuteia Geral e para os institutos financeiros
Disso resulta que as foacutermulas multibilaterais encontram-se entre as principais modalidades
de utilizaccedilatildeo dos recursos multilaterais do Sistema das Naccedilotildees Unidas Limitaremos nossa
anaacutelise nesse capiacutetulo ao estudo da categoria multibilateral no PNUD por ter sido esse o
Programa que inicialmente instituiu a ajuda multibilateral Aleacutem disso o PNUD eacute o maior
parceiro de programas de cooperaccedilatildeo do Brasil41 e utiliza uma foacutermula multibilateral - o
cost-sharing - para efetuar o Programa Paiacutes de Desenvolvimento (NOGUEIRA 2001) A
ajuda multibilateral permitira aos Estados doadores (os paiacuteses mais desenvolvidos
economicamente) um maior poder de decisatildeo na aplicaccedilatildeo dos fundos ODA das
organizaccedilotildees multilaterais de caraacuteter universal e o estabelecimento institucionalizado da
ajuda vinculada multilateral que atualmente representa ldquopercentuais meacutedios de 50 dos
fluxos do regime internacional ODA recolhido por estas organizaccedilotildees com pontas que
40 Oacutergatildeos subsidiaacuterios satildeo organismos operativos ligados por uma relaccedilatildeo de auxiliares agraveAssembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (quase todos principiam pela sigla UN contudo devemos daratenccedilatildeo agrave UNESCO - United Nations Educational Scientific and Cultural Organization - e agraveUNIDO - United Nations Industrial and Development Organization - que satildeo agecircnciasinstitutosespecializados do Sistema e cujos nomes tambeacutem principiam com a mesma sigla)
45 A proacutepria Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento nasceu como um projeto PNUD (NOGUEIRA 1999)
32
alcanccedilam ateacute 80 nos paiacuteses do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD)
(BASILE 1995 63)42
As foacutermulas multibilaterais de repasse de financiamento comeccedilaram a ser aplicadas
depois que a resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas sugeriu que se
efetivassem mecanismos de repasse obrigatoacuterio dos fluxos ODA dos paiacuteses industrializados
(em uma quantidade miacutenima de 07 do PIB) para a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento dos
paiacuteses mais pobres Aumentar a quantidade de recursos e obter uma garantia de
recebimento de financiamentos dos paiacuteses industrializados podem ser consideradas medidas
efetivas dos paiacuteses em desenvolvimento para o estabelecimento da pretendida nova ordem
econocircmica mundial no iniacutecio dos anos setenta A iniciativa dos paiacuteses em desenvolvimento
que se articulou a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas preocupou os paiacuteses
doadores quanto agrave organizaccedilatildeo dos paiacuteses mais pobres e tambeacutem quanto agrave utilizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas como promotora dos interesses do Sul do mundo (ARMSTRONG LLOYD
amp REDMOND 1996 95) Os paiacuteses industrializados reagiram imediatamente agrave resoluccedilatildeo
2626 (XXV) retirando os fluxos do regime internacional ODA das organizaccedilotildees
internacionais particularmente do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
(PNUD)
Essa retirada gerou uma crise orccedilamentaacuteria no Programa que determinou a criaccedilatildeo
de foacutermulas de administraccedilatildeo da ajuda que fossem mais atrativas para os paiacuteses doadores
(ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1999) As foacutermulas multibilaterais permitiram
que os paiacuteses doadores passassem a identificar os Estados onde seriam aplicados os fundos
podendo escolher o tipo de projeto e o setor onde seus recursos seriam utilizados As
foacutermulas multibilaterais permitiram ainda que os paiacuteses doadores pudessem concentrar seus
repasses de fluxos ODA em projetos (setores ou paiacuteses) que lhes trouxessem maior retomo
econocircmico Esse foi por exemplo o caso da Gratilde-Bretanha - que no periacuteodo entre 1979-82
destinou US$ 3994 milhotildees para a cooperaccedilatildeo e recebeu de retomo econocircmico US$ 7747
milhotildees Outros paiacuteses que costumam conseguir um alto retorno econocircmico satildeo a Aacuteustria a
Franccedila e a Nova Zelacircndia (MARCHISIO 198631) Podemos perceber portanto como a
42 Entre os paiacuteses que mais recorrem a este tipo de praacutetica estatildeo os Estados Unidos (com mais de 60 dos recursos) o Reino Unido (60) a Itaacutelia (65) o Canadaacute (50) e a Beacutelgica (mais de 60) (BASILE 1995 63)
33
aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees econocircmicas aos paiacuteses em vias de desenvolvimento gerou novos
incentivos e novas constriccedilotildees para o PNUD que acabaram determinando uma mudanccedila de
comportamento desse organismo
Enquanto os fluxos ODA eram retirados do PNUD acontecia o aumento da
concentraccedilatildeo destes fundos nos programas bilaterais dos paiacuteses doadores e nas entidades
(Institutos Financeiros e Fundo Europeu) mais facilmente controlaacuteveis por estes paiacuteses
Keohane afirma que os regimes internacionais que se constituem dentro das
organizaccedilotildees internacionais proporcionam algum tipo de confianccedila legal e a reduccedilatildeo dos
custos organizacionais para os Estados porque as regras destas organizaccedilotildees mesmo que
imperfeitas orientam os modelos de comportamento dos atores (KEOHANE 1984 88)
Ao mesmo tempo Keohane tambeacutem admite que as regras ou a ausecircncia de regras das
organizaccedilotildees internacionais em determinadas temas tendem a favorecer os interesse
econocircmicos e poliacuteticos dos atores mais fortes (KEOHANE 1984 90) Acreditamos que
esse quadro possa contribuir para a compreensatildeo da implantaccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais nas organizaccedilotildees internacionais E inegaacutevel que os fundos da cooperaccedilatildeo
multilateral enquanto eram preferencialmente administrados a partir de organizaccedilotildees
internacionais de caraacuteter universal particularmente pelo Programa de Desenvolvimento das
Naccedilotildees Unidas (PNUD) proporcionavam certa confiabilidade para os paiacuteses em vias de
desenvolvimento quanto ao comportamento dos atores mais fortes Contudo depois das
alteraccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento provocadas pelo acirramento das
tensotildees entre o grupo de paiacuteses doadores e o dos paiacuteses recebedores - e da consequumlente
concentraccedilatildeo dos fundos nas entidades ligadas aos paiacuteses doadores O proacuteprio PNUD foi
encontrando falhas normativas internas ou atraveacutes da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
(passivas ateacute entatildeo) por onde as foacutermulas multibilaterais puderam ser implantadas Disso
resulta que efetivamente o estudo das regras das organizaccedilotildees internacionais e de sua
evoluccedilatildeo no tempo pode ser muito interessante contribuindo para que possamos analisar
os processos poliacuteticos que envolvem os regimes internacionais
As falhas nas normativas que regulamentam a administraccedilatildeo financeira de oacutergatildeos
importantes como a Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas ou do PNUD ateacute entatildeo principal
regulador dos fundos da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento podem ser interpretadas como
constrangimentos iniciais do proacuteprio Programa Isso natildeo significa que estes oacutergatildeos
34
cumpram um papel funcional junto aos atores mais fortes Mas isto sim que a proacutepria
loacutegica das contribuiccedilotildees voluntaacuterias que estruturam estas organizaccedilotildees podem ter impedido
que mecanismos mais restritivos de controle dos recursos (que resultariam em perda de
flexibilidade) fossem estabelecidos Para Keohane constrangimentos pode ser acordados jaacute
no momento de instituiccedilatildeo das organizaccedilotildees (KEOHANE 1984) O constrangimento
representado pelas falhas das normativas financeiras de organizaccedilotildees que administravam
substanciais recursos destinados aos PVD pode ter permanecido em estado latente ateacute
serem habilitadas quando foi propiacutecia sua utilizaccedilatildeo
Para que possamos ter uma melhor compreensatildeo de como os interesses dos paiacuteses
doadores acabaram sendo legitimados nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal
toma-se necessaacuterio fazer uma anaacutelise mais focada das foacutermulas multibilaterais nestas
organizaccedilotildees Devido a isso o capiacutetulo eacute dedicado primeiramente agrave investigaccedilatildeo da origem
institucional das modalidades de cooperaccedilatildeo multibilaterais a partir da Resoluccedilatildeo 2626
(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na deacutecada de setenta (Segundo Dececircnio
para o Desenvolvimento) Analisaremos a seguir os principais pontos da regulamentaccedilatildeo da
Assembleacuteia Geral e do PNUD - ou seja aqueles ligados agrave administraccedilatildeo dos recursos e ao
procurement Assim procuraremos entender de que maneira os vaacutecuos dessas normativas
possibilitaram a constituiccedilatildeo das foacutermulas de financiamento multibilaterais no Programa A
parte final do capiacutetulo seraacute dedicada agrave anaacutelise da foacutermula multibilateral do cost-sharing no
Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas e da mais recente versatildeo do cost-
sharing atraveacutes da qual os paiacuteses em desenvolvimento assumiram a quase totalidade do
custo de seu Programa Paiacutes elaborado pelo PNUD
A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
A tendecircncia dos Estados em fornecer recursos financeiros agraves organizaccedilotildees
internacionais multilaterais estabelecendo condiccedilotildees de vaacuterios gecircneros natildeo eacute certamente
nova Uma anaacutelise realista nos faz perceber que as condiccedilotildees formuladas pelos atores mais
fortes para o repasse de recursos sempre existiram Contudo como dissemos as novas
foacutermulas multibilaterais acentuaram em medida notaacutevel os viacutenculos de destino dos
35
recursos pois os Estados doadores puderam passar a escolher diretamente para qual setor -
e paiacutes - seriam destinados os fluxos ODA multilaterais interferindo desse modo nos
processos globais e nacionais de desenvolvimento Aleacutem disso vale ressaltar que esse tipo
de modalidade de favorecimento dos interesses dos paiacuteses doadores a partir de fluxos ODA
multilaterais abriu um precedente para esse mesmo tipo de favorecimento em outros
organismos administradores de recursos multilaterais como por exemplo o Fundo Europeu
de Desenvolvimento (FED)
A afirmaccedilatildeo do fenocircmeno dos financiamentos multibilaterais na cooperaccedilatildeo a partir
da metade dos anos setenta pode ser ligada de maneira generalizante agraves vastas
transformaccedilotildees no ambiente internacional realizadas no curso daqueles anos que haviam
consolidado a estrutura das relaccedilotildees econocircmicas internacionais desde o final da Segunda
Guerra Mundial Alguns acontecimentos do iniacutecio da deacutecada de setenta - como o final dos
sistema monetaacuterio baseado nos acordos de Bretton Woods43 a inflaccedilatildeo e a recessatildeo dos
paiacuteses agrave economia de mercado o aumento das taxas de desocupaccedilatildeo e o choque do petroacuteleo
- fortaleceram a posiccedilatildeo dos paiacuteses em vias de desenvolvimento quanto ao
estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial que garantisse uma redistribuiccedilatildeo
mais equilibrada dos recursos internacionais
Esperava-se que o crescimento econocircmico da deacutecada de setenta pudesse derivar em
uma repercussatildeo positiva para os paiacuteses em desenvolvimento desde que mecanismos mais
eficazes do setor da cooperaccedilatildeo fossem criados e efetivados pelas organizaccedilotildees
internacionais (RESOLUCcedilAtildeO 2626 (XXV) sect 8) O ambiente internacional44 levou os
paiacuteses em vias de desenvolvimento a aprovarem na Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
como um dos objetivos da Comunidade Internacional para a deacutecada de setenta45 a
automatizaccedilatildeo da transferecircncia de 07 do PIB dos paiacuteses industrializados para ajuda ao
43 Em 1971 o padratildeo doacutelar-ouro foi abandonado pelos EUA
44 Que parecia tender para uma mudanccedila da ordem econocircmica devido agrave crise do regime monetaacuterio agraves expectativas da continuaccedilatildeo do crescimento mundial e agrave declaraccedilatildeo do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE de que os paiacuteses industrializados pretendiam adotar a Recomendaccedilatildeo sobre Condiccedilotildees e Termos Financeiros ou seja a primeira proposta de elevar os fluxos ODA para 07 do PIB dos paiacuteses industrializados (FUumlHRER 1996)
4gt A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) eacute de 24 de setembro de 1970
36
desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres (ARMSTRONG LLOYDamp REDMOND 1996
94-5)
Para os paiacuteses mais pobres um dos principais problemas para a efetivaccedilatildeo de
projetos e programas de desenvolvimento a longo prazo tem sido a ausecircncia de uma
garantia no recebimento de financiamentos internacionais (CECHI1995 ASCARI 1999)
O paiacutes que escolhe a estrada do desenvolvimento econocircmico pode encontrar na feita de
recursos algumas complicaccedilotildees capazes de comprometer seu crescimento econocircmico
(EATON 1989 CARDOSO e DORBUSCH 1989) A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi tomada
justamente para que um comprometimento maior dos paiacuteses doadores de repasse de
financiamentos pudesse proporcionar a realizaccedilatildeo de projetos e programas de crescimento
mais longos Os fundos destinados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento por
constituiacuterem repasses voluntaacuterios tecircm sido fetor de constrangimento para o
estabelecimento de poliacuteticas de desenvolvimento continuadas nos paiacuteses mais pobres
As intenccedilotildees declaradas dos paiacuteses industrializados de destinar um percentual
miacutenimo de 07 seus respectivos PIBs para o setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo
eram garantia do estabelecimento de medidas concretas de repasses dos fundos
Atualmente ainda podemos comprovar esta situaccedilatildeo pois mesmo que o paiacuteses
industrializados continuem afirmando suas intenccedilotildees de aumentar os fluxos ODA
(Conferecircncia de Monterrey em 2002) para um percentual miacutenimo de 07 de seus PIBs
nacionais na realidade os financiamentos facilitados continuam diminuindo Os fluxos
ODA dos paiacuteses Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) baixaram de 033 do
PIB no biecircnio de 1986-7 para 022 em 1997 e continuam em queda acentuada (TRIULZI
1998 123)
A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi uma tentativa de conseguir garantir aos paiacuteses em
desenvolvimento uma quantidade miacutenima de recursos que pudessem ser empregados como
financiamento aos paiacuteses do Sul atraveacutes de um maior comprometimento dos paiacuteses
doadores com a ajuda ao desenvolvimento46 Eacute interessante perceber que na recente
46 A funccedilatildeo deste oacutergatildeo plenaacuterio das Naccedilotildees Unidas limita-se apenas ao estudo discussatildeo e recomendaccedilotildees - aos Estados membros e natildeo-membros e aos demais organismos da ONU e subsidiaacuterios - de temas ligados agrave manutenccedilatildeo da paz e agrave resoluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias (CAFFARENA 200180 Carta das Naccedilotildees Unidas art 10-14) Neste sentido o termo resoluccedilatildeo manteacutem o significado geneacuterico de recomendaccedilatildeo
37
Conferecircncia Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento realizada em marccedilo
de 2002 na cidade de Monterrey o tema da necessidade de um repasse automatizado de
fundos para o setor da cooperaccedilatildeo que continua sendo uma das questotildees centrais para os
paiacuteses pobres natildeo foi nem mesmo levantado (CONFEREcircNCIA DE MONTERREY) O
fato de omitir-se uma questatildeo de tamanha importacircncia para os paiacuteses em desenvolvimento
na principal Conferecircncia sobre os fundos da cooperaccedilatildeo desta deacutecada evidencia como os
paiacuteses industrializados fortaleceram suas posiccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo desde os anos
setenta
As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD
As foacutermulas multibilaterais por estarem diretamente ligadas aos interesses
comerciais dos paiacuteses doadores (interesses de procurement - ajuda vinculada) foram
introduzidos sobretudo a partir da regulamentaccedilatildeo financeira dos oacutergatildeos subsidiaacuterios e da
proacutepria Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas afirmando-se de maneira pragmaacutetica
aproveitando os vaacutecuos existentes nas normas que regulam a gestatildeo financeira da
Assembleacuteia Geral e seus oacutergatildeos subsidiaacuterios (MARCHISIO 2000) Esse eacute o caso da
resoluccedilatildeo 3556 da Assembleacuteia Geral que trata das estrateacutegias das Naccedilotildees Unidas para o
Terceiro Dececircnio do Desenvolvimento nos anos oitenta No paraacutegrafo 103 b afirma-se que
ldquoem regravegle gegravenerale laacuteide publique au deacuteveloppement ne devrais pas ecirctre lieacuteerdquo (YODER
1997) O uso do condicional que natildeo estava presente ateacute os anos oitenta nesse paraacutegrafo
permite entender claramente a presenccedila de um espaccedilo (que deveria ser marginal) no qual
satildeo consentidas derrogas ou exceccedilotildees Nos documentos que definiram as estrateacutegias das
Naccedilotildees Unidas para o Primeiro e o Segundo Dececircnio para o Desenvolvimento a ajuda
vinculada realizada atraveacutes de recursos oficiais ao desenvolvimento multilaterais era
categoricamente proibida47
Natildeo existe uma regulamentaccedilatildeo uacutenica que normatize a gestatildeo financeira das
diversas agecircncias e institutos do Sistema das Naccedilotildees Unidas Pelo contraacuterio cada
47 Disponiacutevel on-line (HTTPVwww unorgdoc)
38
organismo conta com medidas proacuteprias de alocaccedilatildeo e administraccedilatildeo dos recursos
(CAFFARENA 2001) Mesmo para os organismos subsidiaacuterios da Assembleacuteia Geral dos
quais a grande parte dos oacutergatildeos que trabalham no setor da cooperaccedilatildeo eacute subsidiaacuterio existe
uma autonomia funcional Contudo sendo o PNUD um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia
Geral das Naccedilotildees Unidas eacute pertinente aprofundar mais especificamente os limites da
autonomia financeira do proacuteprio Programa em relaccedilatildeo agrave Assembleacuteia Geral
A Assembleacuteia Geral conteacutem algumas indicaccedilotildees vagas sobre a gestatildeo financeira dos
seus oacutergatildeos subsidiaacuterios48 De maneira generalizante a proacutepria Assembleacuteia deveria
responder pelo regulamento financeiro de seus oacutergatildeos subsidiaacuterios a menos que ldquoas
resoluccedilotildees atraveacutes das quais eles foram individualmente constituiacutedos lhes tenham conferido
autonomia financeira que o Secretaacuterio Geral das Naccedilotildees Unidas tenha autorizado
autonomia de gestatildeo financeira ou no caso dos organismos que possuem atividades
operativas que estes sejam financiados atraveacutes de contribuiccedilotildees voluntaacuterias e possuam bens
proacutepriosrdquo (REGULAMENTO FINANCEIRO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS )49 Ou seja isso
significa que na praacutetica todos os oacutergatildeos subsidiaacuterios das Naccedilotildees Unidas tecircm autonomia
financeira de administraccedilatildeo dos recursos pois todos enquadram-se em ao menos duas das
categorias de exceccedilatildeo (contribuiccedilotildees voluntaacuterias e bens proacuteprios)
Quanto ao procurement espaccedilo de maior abertura para a introduccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais nos projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (CREWE amp
HARRISON 1998) os oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia mesmo que dotados de
autonomia de gestatildeo deveriam manter-se compatiacuteveis com os princiacutepios gerais da
regulamentaccedilatildeo financeira das Naccedilotildees Unidas de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeo Contudo o
proacuteprio estatuto da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas eacute ambiacuteguo na regulamentaccedilatildeo da
compra de seus bens e serviccedilos
Para o procurement (acima de 10 mil doacutelares) da Assembleacuteia Geral se determina
que ldquoa compra de bens e serviccedilos deve ser feita atraveacutes de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeordquo (art
48 Da instituiccedilatildeo e da normativa dos oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia trata o art 2 2 da Carta das Naccedilotildees Unidas
49 Disponiacutevel on-line (http w w w u n o rg l Ponto 5 do art X101 do Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
39
105 do Regulamento Financeiro)50 Essa normativa contudo soacute eacute vaacutelida para as compras
de bens e serviccedilos efetuados com recursos ldquoobrigatoacuteriosrdquo aqueles recebidos para a
manutenccedilatildeo das estruturas Quanto aos procurement efetuados pela Assembleacuteia Geral e
realizados com recursos voluntaacuterios (fora do orccedilamento anual de manutenccedilatildeo da estrutura)
a Assembleacuteia estabelece que o Secretaacuterio Geral pode ldquoestabelecer qualquer outro criteacuterio
para a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos desde que no interesse da organizaccedilatildeordquo (11016 a
11024 do Regulamento Financeiro)51 Essa falta de regulamentaccedilatildeo precisa possibilita a
praacutetica de ajuda vinculada jaacute a partir da proacutepria Assembleacuteia Geral
Quanto ao PNUD o Programa estabelece princiacutepios complementares aos da
Assembleacuteia Geral em mateacuteria de procurement de um lado que o programa deve
normalmente utilizar o procedimento da licitaccedilatildeo internacional para aquisiccedilatildeo de bens e
serviccedilos favorecendo todavia onde possiacutevel o emprego daqueles disponiacuteveis nos proacuteprios
paiacuteses em via de desenvolvimento Contudo os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo destes bens e
serviccedilos natildeo satildeo o preccedilo mas o maacuteximo de eficaacutecia teacutecnica (humana e material) para a
realizaccedilatildeo do projeto (artigo 145 do Regulamento Financeiro do PNUD) O criteacuterio de
julgamento de eficiecircncia eacute realizado evidentemente no proacuteprio PNUD atraveacutes do setor de
execuccedilatildeo de projetos (OPE) Torna-se evidente portanto que as avaliaccedilotildees das licitaccedilotildees
totalmente baseadas nas decisotildees subjetivas dos funcionaacuterios do Programa (CREWE amp
HARRISON 1998) possam vir a favorecer foacutermulas multibilaterais
Um segundo ponto a ser sublinhado A aplicabilidade do regulamento do PNUD diz
respeito somente aos projetos que o Programa executa diretamente Acontece que a
execuccedilatildeo direta de projetos pelo programa natildeo eacute regra Ao contraacuterio o PNUD limita-se na
maior parte dos casos agrave funccedilatildeo de oacutergatildeo financeiro conferindo fundos necessaacuterios para
cobrir os custos internacionais (custos de operacionalizaccedilatildeo) de projetos cuja execuccedilatildeo
vem confiada agraves agecircncias de execuccedilatildeo (executing agencie) do Sistema das Naccedilotildees Unidas
e tambeacutem a partir de 1984 agraves ONGs internacionais que tenham caraacuteter consultivo junto ao
ECOSOC (das quais 79 satildeo dos EUA e da Europa) Quando um projeto - entre aqueles
50 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
51 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
40
indicados nos programas nacionais de desenvolvimento e aprovado pela PNUD - chega agrave
fase de atuaccedilatildeo normalmente entram em cena as executing agencies como encarregadas de
providenciar as necessaacuterias aquisiccedilotildees de bens e serviccedilos Ocorre precisar que onde o
Programa recorre a subcontratos parciais ou totais de realizaccedilatildeo de um projeto estes
uacuteltimos eacute que iratildeo fazer diretamente a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos no lugar da PNUD ldquoNa
hipoacutetese em que a realizaccedilatildeo de um projeto seja delegada a uma executing agency em
razatildeo da sua competecircncia teacutecnica a funccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos e o
recrutamento dos especialistas seraacute tambeacutem do oacutergatildeo contratado que utilizaraacute suas proacuteprias
regras de procurementrdquo (art 151 do regulamento financeiro do PNUD) Atualmente
grande parte das executing agencies satildeo os institutos financeiros e as ONGs internacionais
acreditadas pelo ECOSOC O regulamento dos institutos financeiros natildeo prevecirc nem mesmo
o mecanismo da licitaccedilatildeo internacional pois o proacuteprio diretor geral do instituto
especializado eacute o responsaacutevel pelas decisotildees de aquisiccedilatildeo de mercadorias e serviccedilos
especializados para a realizaccedilatildeo dos projetos Situaccedilatildeo ainda mais grave eacute o caso das ONGs
que atuam como executing agencies e tecircm autonomia praticamente absoluta na
administraccedilatildeo dos recursos nas licitaccedilotildees nas compras internacionais e na contrataccedilatildeo de
pessoal As ONGs satildeo muito orgulhosas de sua suposta autonomia e podem utilizar seu
apoio junto agrave comunidade civil para que natildeo lhes sejam estabelecidas regras mais
transparentes de controle (TAVARES 1999)
Foacutermulas multibilaterais custos divididos (ltcost-sharing)
No que diz respeito agrave cooperaccedilatildeo teacutecnica as foacutermulas multibilaterais legitimadas
dentro da normativa do Sistema do PNUD satildeo as contribuiccedilotildees in natura52 (agraves quais se liga
o problema das contribuiccedilotildees de contraparte) a participaccedilatildeo nos custos (ltcost-sharing) e a
participaccedilatildeo nos custos de uma terceira parte (third-party-cost-sharing) os fundos de
52 Se referem aos custos locais e de manutenccedilatildeo dos programas de desenvolvimento
41
confianccedila (trust-funds) os serviccedilos de gestatildeo53 (management-services) e as contribuiccedilotildees
em moeda natildeo conversiacutevel54 Uma evoluccedilatildeo mais recente das foacutermulas de financiamento de
projetos multibilateral satildeo os jaacute citados fundos de confianccedila temaacuteticos (thematic trusts
Junds)55 Limitaremos nossa anaacutelise ao estudo do cost-sharing ao third-party-cost-sharing
e agrave mais nova versatildeo de cost-sharing (integral) - a foacutermula utilizada pelo Brasil para
realizar o Programa Paiacutes junto ao PNUD
bull Custos Divididos e Custos Divididos com uma Terceira Parte
Os custos divididos e os custos divididos com uma terceira parte constituiacuteram-se
em uma verdadeira exceccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de serem impostas restriccedilotildees quanto ao uso e o
destino das contribuiccedilotildees voluntaacuterias O Cost-sharing e sua variante third-party-cost-
sharing foram introduzidas em suas versotildees claacutessicas na metade dos anos setenta e
tomaram-se rapidamente a principal foacutermula de execuccedilatildeo de programas e projetos de
desenvolvimento realizados atraveacutes da cooperaccedilatildeo internacional
Na modalidade claacutessica de cost-sharing um projeto de ajuda teacutecnica comporta um
custo global do qual uma parte cabe ao Estado beneficiado e outra ao PNUD em
conformidade com os acordos descritivos de base e com aqueles descritivos do projeto O
PNUD normalmente elabora como cooperaccedilatildeo teacutecnica multilateral um conjunto de
projetos de atuaccedilatildeo quumlinquumlenal para os paiacuteses em vias de desenvolvimento definidos como
Programa Paiacutes country programme) Estes projetos em sua primeira fase satildeo cobertos (na
totalidade ou em sua parte mais consistente) pelos paiacuteses beneficiados Uma segunda lista
de projetos chamada pipeline embora compreenda tambeacutem accedilotildees prioritaacuterias seraacute depois
5j Os serviccedilos administrativos (management services) consiste em colocar agrave disposiccedilatildeo da cooperaccedilatildeo bilateral entre os Estados a infra-estrutura do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
54 Consiste em destinar para os fluxos ODA doaccedilotildees em moedas de difiacutecil conversatildeo ou natildeo conversiacuteveis que seratildeo depois gastas no proacuteprio paiacuteses de origem da doaccedilatildeo
55 Os fundos de confianccedila temaacuteticos permitem aos doadores participar de fundos multianuais elaborados pelo PNUD para implantaccedilatildeo de projetos ligados aos temas da agenda internacional nos paiacuteses em desenvolvimento
42
financiada pelo PNUD Os recursos financeiros destes projetos de segunda fase definidos
como custo internacional satildeo provenientes da ajuda multilateral
O custo global do Programa Paiacutes eacute definido antes da assinatura do contratado Nele
estatildeo os custos da primeira e da segunda fase Os custos da segunda fase de projetos
deveriam ser equivalentes aos pagos pelos paiacuteses beneficiados na primeira fase Todavia
como estes custos satildeo definidos ainda durante a fase de elaboraccedilatildeo do programa o que
acaba acontecendo eacute que jaacute a partir dos primeiros projetos (primeira fase) os custos
revelam-se maiores do que o previsto Quem assume a diferenccedila entre os custos reais e os
custos estimados da primeira e da segunda fase eacute o paiacutes beneficiado A intervenccedilatildeo
financeira direta dos proacuteprios Estados beneficiados na forma de participaccedilatildeo nos custos
(cost-sharing) permite a finalizaccedilatildeo dos projetos originalmente previstos nos programas
nacionais de desenvolvimento Os custos que os Estados recebedores tiveram que repassar
ao PNUD para a execuccedilatildeo completa de seus country programmes foram identificados
como uma verdadeira contribuiccedilatildeo ao PNUD maior do que as realizadas pelos doadores
industrializados No entanto os recursos fornecidos pelos governos dos Estados
beneficiados como cost-sharing natildeo satildeo considerados uma participaccedilatildeo financeira destes
Estados mas apenas a parte que lhes cabe na participaccedilatildeo de custos e sobretudo de riscos
nos programas nacionais de desenvolvimento elaborados pelo PNUD
Uma segunda forma de divisatildeo de custos que utiliza foacutermulas multibilaterais de
financiamento eacute o third-party-cost-sharing (custos divididos com uma terceira parte) Esse
mecanismo consiste em um procedimento multibilateral no qual as despesas para a
assistecircncia de primeira fase do country-programme satildeo cobertas em totalidade ou em parte
por uma contribuiccedilatildeo fornecida por um ou mais Estados diferentes daquele beneficiado Eacute
evidente que se trate de uma foacutermula mista ou multilateral visto que o terceiro doador pode
livremente escolher os paiacuteses e atividades a privilegiar
O princiacutepio geral adotado no caso de intervenccedilatildeo de terceiros eacute que se respeitem as
prioridades dos governos beneficiados Evidentemente encontram-se maneiras de garantir
os interesses dos terceiros ainda durante as negociaccedilotildees para a estipulaccedilatildeo dos acordos
entre o PNUD e os Estados interessados em participar como terceiros O PNUD promove
consultas com eventuais paiacuteses doadores dos programas de third-party-cost-sharing
43
submetendo a anaacutelise de projetos e programas a serem financiados atraveacutes deste mecanismo
aos agentes diplomaacuteticos dos Estados doadores Obtida uma geneacuterica manifestaccedilatildeo de
interesse o Programa envia missotildees ad hoc nas capitais dos paiacuteses doadores entre
setembro e novembro de cada ano para reexaminar com detalhes as propostas e chegar a
acordos para o financiamento do programa Nesta ocasiatildeo o doador poderaacute fazer valer suas
exigecircncias especialmente em mateacuteria de procurement escolhendo intervir em projetos para
os quais seja necessaacuterio um certo nuacutemero de materiais disponiacuteveis em seu mercado
nacional A satisfaccedilatildeo de tais interesses seraacute portanto realizada diretamente visto que o
third-party-cost-sharing natildeo eacute considerado formalmente um instrumento de ajuda
vinculada
O Brasil e a Ameacuterica Latina realizaram programas com o PNUD atraveacutes dos custos
divididos e tambeacutem dos custos divididos com uma terceira parte desde a implantaccedilatildeo da
modalidade ateacute o iniacutecio dos anos noventa - quando o CAD determinou que os fluxos
ODA mesmo vinculados fossem suspensos para os paiacuteses de renda meacutedia (RESOLUCcedilAtildeO
ANUAL CAD 1991) Essa medida afetou grande parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina que
passaram a disponibilizar recursos proacuteprios (obtidos internacionalmente) para manter as
atividades do PNUD A modalidade de execuccedilatildeo dos programas ainda eacute nominalmente
chamada cost-sharing Contudo nessa nova versatildeo os custos dos Programas Paiacutes satildeo quase
que integralmente pagos pelos governos dos Estados onde se realizam os projetos Essa
decisatildeo parece ter sido determinante para o aumento dos custos globais dos recursos
administrados pelo PNUD na regiatildeo
Em 1993 na regiatildeo da Ameacuterica Latina e do Caribe foram utilizados em programas e
projetos de desenvolvimento PNUD e governos nacionais aproximadamente US$ 400
milhotildees dos quais metade proveniente de recursos do Programa e a outra metade de
recursos cost-sharing junto aos paiacuteses da regiatildeo Em 1997 na mesma regiatildeo foram
utilizados pouco mais de US$ 800 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de
desenvolvimento entre os governos e o PNUD dos quais menos de cem milhotildees eram
recursos do Programa e 700 eram recursos cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32)
No Brasil a progressatildeo do aumento do volume de recursos puacuteblicos implicados nos
programas e projetos de cost-sharing com o PNUD eacute ainda mais espantosa No periacuteodo de
1982-86 eram utilizados menos de US$ 50 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de
44
desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais menos da metade eram recursos cost-
sharing No periacuteodo de 1992-96 foram gastos quase US$ 250 milhotildees de doacutelares em
programas e projetos de desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais quase a
totalidade (US$ 220 milhotildees aproximadamente) em cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32-
5) Devemos lembrar que os fluxos financeiros destinados pelos paiacuteses em vias de
desenvolvimento para a execuccedilatildeo de seus Programas de desenvolvimento natildeo satildeo
contabilizados internacionalmente como ODA Este fato eacute bastante significativo se
considerarmos que a maior parte dos paiacuteses de renda meacutedia paga atualmente atraveacutes de
recursos proacuteprios seus programas de desenvolvimento Um dos problemas apontados pelos
analistas (Marchisio Cecchi) eacute que as categorias de paiacuteses doadores e paiacuteses recebedores
(embora atualmente isto faccedila pouco sentido devido agrave acentuaccedilatildeo da presenccedila de fluxos
privados no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento nos uacuteltimos anos) natildeo encontram
espaccedilo de debate nos foacuteruns internacionais Esse fato demonstra o tratamento diferenciado
que os atores mais fortes pode ter no interior dos regimes internacionais
Uma segunda questatildeo que deve ser levantada eacute o fato de que embora o Brasil pague
praticamente sozinho seus custos do Programa Paiacutes ainda estaacute utilizando o PNUD como
fornecedor de serviccedilos e consultoria de desenvolvimento Esse fato pode ser explicado de
diversas maneiras Keohane nos lembra que muitas vezes por uma questatildeo de
credibilidade os atores que participam dos regimes internacionais procuram preservar
acordos anteriormente estabelecidos (KEOHANE 1984) Uma segunda explicaccedilatildeo pode
ser encontrada na teoria de Keohane sobre a cooperaccedilatildeo O autor afirma que os regimes
internacionais efetuados a partir das organizaccedilotildees internacionais podem trazer alguma
garantia legal aos atores Mesmo que o Brasil natildeo esteja mais utilizando os recursos
provenientes do regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento devemos lembrar
que nosso volume de procurement eacute sempre substancial Logo caso natildeo tiveacutessemos um
oacutergatildeo regulador no qual administrar esse grande volume de recursos talvez nossos custos
de procurement pudessem ser ainda maiores Podemos ainda pensar que devido agrave
condicionalidade da ajuda fenocircmeno que estudaremos no proacuteximo capiacutetulo manter um
Programa Paiacutes atraveacutes de uma organizaccedilatildeo internacional seja uma condiccedilatildeo imposta pelos
institutos financeiros ou pelo proacuteprio mercado para podermos ter acesso a financiamentos
externos Todas estas explicaccedilotildees ajudam a entender a permanecircncia do fenocircmeno do cost-
45
sharing no Brasil Contudo nenhuma delas eacute motivo para permanecermos indiferentes agraves
grandes quantias que o paiacutes vem repassando atualmente para o PNUD e outras
organizaccedilotildees internacionais e natildeo-govemamentais que atuam em seu territoacuterio Sobretudo
se considerarmos que o PNUD a Organizaccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a
Unesco receberam em 2000 70 do total de recursos que o Brasil destinou a projetos de
desenvolvimento desligados das estruturas de governo Tendo em contrapartida destas
organizaccedilotildees PNUD (projetos) Unesco (projetos) e OPAS (projetos missotildees teacutecnicas
seminaacuterios) (ABC)56
A evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional dos anos setenta ateacute nossos dias
tem demonstrado quatildeo acentuados tecircm sido os constrangimentos destinados a fazer os
atores dos PDV acederem aos recursos do regime internacional ODA No caso da
cooperaccedilatildeo multibilateral o cost sharing natildeo significou apenas um constrangimento que
dificultou o acesso a financiamentos facilitados para o paiacutes mas um custo adicional
bastante elevado que estaacute sendo comprometido para a realizaccedilatildeo de um Programa Paiacutes
Como dissemos nosso proacuteximo capiacutetulo seraacute dedicado ao fenocircmeno da
condicionalidade da ajuda A condicionalidade por representar um instrumentos teoacuterico-
poliacutetico eacute um dos mecanismos de puniccedilatildeo do uso da ajuda oficial ao desenvolvimento
(ODA) que mais podem interferir nos processos nacionais de desenvolvimento dos paiacuteses
recebedores dos recursos assim como daqueles que dependem de grandes volumes de
empreacutestimos internacionais
56 Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo (ABC) (httpwwwmregovbr)
46
CAPIacuteTULO m
A CONDICIONAL IDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO
A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos
No uacuteltimo capiacutetulo analisamos a ajuda multibilateral como sendo o resultado de
uma mudanccedila de comportamento do PNUD devido aos novos incentivos e puniccedilotildees
impostos pelo ambiente internacional durante os anos do choque do petroacuteleo e agrave tentativa
de estabelecimento da nova ordem econocircmica internacional No presente capiacutetulo
estudaremos a condicionalidade da ajuda outro fenocircmeno que se estabeleceu a partir dos
anos setenta no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento E que desde
entatildeo tem sido considerado um dos mais emblemaacuteticos instrumentos de puniccedilatildeo e
constrangimento para o uso da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pelos paiacuteses em
vias de desenvolvimento
A literatura especializada vem identificando a condicionalidade como um fenocircmeno
que ocorre quando os financiamentos destinados aos projetos e programas de
desenvolvimento satildeo condicionados explicitamente agrave transformaccedilatildeo de certas poliacuteticas
sociais econocircmicas ou administrativas destes paiacuteses recebedores (CREWE amp HARRISON
1998 47-52 SCHMITZ amp GILLES 1992 ASCARI 1999 54-5 BASILE 1995 78) Os
autores que abordam a questatildeo da condicionalidade tecircm contudo pareceres muito
destoantes quanto ao fenocircmeno Para Ascari e Basile o uso da condicionalidade se coloca
como uma visatildeo altruiacutestica e uma preocupaccedilatildeo dos paiacuteses doadores no confronto com as
populaccedilotildees mais pobres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Populaccedilotildees que
subjugadas pelos seus proacuteprios governos natildeo poderiam ser de outra maneira beneficiadas
pela ajuda oficial ao desenvolvimento
Em direta oposiccedilatildeo agrave visatildeo de Ascari e Basile estatildeo Crewe e Harrison para quem a
condicionalidade eacute sintomaacutetica da suposiccedilatildeo dos paiacuteses doadores de que eles tecircm um
47
melhor entendimento das necessidades dos paiacuteses em vias de desenvolvimento do que os
govemos destes Condiccedilotildees para o repasse da ajuda ldquorelacionadas agrave natureza dos sistemas
poliacuteticos agraves estatiacutesticas de direitos humanos agrave poliacutetica econocircmica e aos mais variados
iacutendices de governabilidade dos paiacuteses em vias de desenvolvimento vecircm se tomando parte
dos grandes temas que dominam grande parte das agendas das poliacuteticas das agecircncias
multilaterais e bilateraisrdquo e refletem ldquoa crenccedila dos paiacuteses ricos de que eles sabem maisrdquo (do
que os governos locais) e podem portanto interferir na esfera domeacutestica dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento (CREWE amp HARRISON 1998 3235) Schmitz e Gilles satildeo ainda
mais criacuteticos quanto ao fenocircmeno da condicionalidade ao afirmar que seu uso ldquoeacute forma de
imperialismo cultural que estrategicamente promove a erosatildeo da soberania dos paiacuteses mais
pobresrdquo (SCHMITZ amp GILLES 1992 18)
A condicionalidade como se pode perceber pelas divergecircncias de interpretaccedilatildeo que sua
aplicaccedilatildeo suscita eacute um dos fenocircmenos mais emblemaacuteticos de discussatildeo dentro do setor da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Essa divergecircncia de opiniotildees quanto ao uso
da condicionalidade eacute justificada pela proacutepria abrangecircncia que o fenocircmeno ganhou dentro
do setor Evidentemente a condicionalidade eacute um constrangimento ao uso do regime oficial
da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pois atraveacutes deste instrumento os paiacuteses
doadores podem interferir diretamente nas estrateacutegias macroeconocircmicas de
desenvolvimento dos paiacuteses recebedores dos recursos Ou ainda podem decidiras poliacuteticas
locais atraveacutes do favorecimento de certos setores temas agendas ou populaccedilotildees no que diz
respeito aos projetos e programas de desenvolvimento O instrumento da condicionalidade
eacute empregado para o cumprimento dos mais diferentes objetivos de desenvolvimento dos
paiacuteses mais pobres dos projetos e programas que atendam agraves necessidades de base das
populaccedilotildees mais carentes aos ajustes estruturais e abertura das economias dos paiacuteses mais
pobres Esse tipo de abrangecircncia pode acirrar os mais variados acircnimos quanto agraves questotildees
do desenvolvimento e contribuir para que as poliacuteticas governamentais destes paiacuteses sofram
pressotildees em vaacuterios niacuteveis
Costuma-se identificar o iniacutecio do uso da condicionalidade aos financiamentos e
empreacutestimos de ajustamento estrutural - colocados em pauta pelo FMI e pelo Banco
Mundial apoacutes a crise da diacutevida dos paiacuteses em vias de desenvolvimento - a partir da metade
dos anos oitenta (BASILE 1995) Contudo essa interpretaccedilatildeo eacute errocircnea pois se refere
48
apenas agrave manifestaccedilatildeo da condicionalidade nos repasses financeiros que promovem
intervenccedilotildees precisas nas poliacuteticas econocircmicas e administrativas dos Estados O uso de
mecanismos de condicionalidade no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento eacute contudo
anterior a este uacuteltimo tipo de manifestaccedilatildeo
O uso da condicionalidade foi estabelecido no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento logo apoacutes o choque do petroacuteleo depois que os paiacuteses doadores
aumentaram repentinamente seus interesses pelas questotildees Norte-Sul57 e iniciaram
modificaccedilotildees no repasse da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como revelam os
proacuteprios documentos CAD do periacuteodo38 Atraveacutes de nota administrativa ldquoO Conselho da
Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) convidou o CAD
(Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento) a empreender uma visatildeo mais complexa dos
problemas do desenvolvimento Em particular foi sugerido que se passasse a dar grande
atenccedilatildeo ao volume e sobretudo aos termos e condiccedilotildees exigidas para a transferecircncia da
ajuda para o Terceiro Mundordquo (FUumlHRER 1996 24) Os fluxos da ODA natildeo poderiam
mais ser utilizados para o suposto ldquocrescimento desordenado dos paiacuteses recebedoresrdquo
(CONSELHO ECONOcircMICO OCDE1973)59 e deveriam ter sua utilizaccedilatildeo acompanhada e
condicionada pelos paiacuteses industrializados Ao CAD foi delegada a funccedilatildeo de revelar um
corpo de temas ligados ao desenvolvimento temas que serviriam para orientar os paiacuteses
recebedores quanto agrave utilizaccedilatildeo dos recursos da ODA (FUumlHRER 1996 26) A partir de
1975 a OCDE determinou que fossem formados no interior do CAD Grupos de Alto
57 Keohane faz a mesma afirmaccedilatildeo quando diz que por volta da metade da deacutecada de setenta as demandas dos paiacuteses menos desenvolvidos pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica internacional criaram problemas para os regimes internacionais econocircmico e financeiro estabelecidos em Bretton Woods (Keohane e Nye 1988 37) Grilli afirma que o choque do petroacuteleo e a crise dos paiacuteses produtores de mateacuteria primas assim como as tentativas destes paiacuteses de regulamentar um maior acesso aos financiamentos provocou a organizaccedilatildeo e a expansatildeo da Cooperaccedilatildeo Econocircmica Europeacuteia que visa basicamente manter o acesso garantido da Comunidade agrave energia e as mateacuterias primas (GRILLI 1993)
58 O CAD liberou em 1994 grande parte de seus documentos e resoluccedilotildees internas referentes a ajuda oficial ao desenvolvimento Estes documentos foram organizados por Helmut Fuumlhner ex-diretor do CAD de 1974-93 e constituem uma publicaccedilatildeo sobre a histoacuteria da ajuda oficial ao desenvolvimento em datas e nomes disponiacutevel em versatildeo on-line no site da OCDE (wwwoecdorg) Quanto as resoluccedilotildees anuais do CAD algumas podem ser encontradas em versatildeo integral no mesmo site
59 Disponiacutevel on-line (httpAvwwoecdorgdocL
49
Niacutevel ad hoc que se ocupariam das relaccedilotildees econocircmicas entre os paiacuteses membros da OCDE
e os paiacuteses em desenvolvimento Estes grupos foram criados visando ldquoidentificar quais
novos e construtivos temas poderiam ser selecionados como relevantes para estruturar uma
agenda em tomo da qual seriam confrontadas as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento
buscando estabelecer uma nova ordem econocircmica e mundialrdquo (CONSELHO
ECONOcircMICO OCDE1975)60
O primeiro uso do instrumento de condicionalidade foi estabelecido em 1976
quando os paiacuteses doadores adotando um conceito de necessidades humanas baacutesicas (NHB)
receacutem-criado pelo Banco Mundial61 estabeleceram que a ajuda oficial ao desenvolvimento
devido ao seu caraacuteter facilitado deveria atender agraves necessidades baacutesicas das populaccedilotildees
mais pobres (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1976) O condicionamento do uso dos fluxos
financeiros e da cooperaccedilatildeo teacutecnica recebidos para o atendimento de um tema
anteriormente considerado questatildeo intema dos paiacuteses recebedores foi a grande
transformaccedilatildeo que os fluxos da ODA e o setor da cooperaccedilatildeo sofreram a partir dos anos
setenta Desde entatildeo parece ter-se estabelecido uma espeacutecie de deslocamento das questotildees
poliacuteticas que envolviam os temas do Hemisfeacuterio Sul nos quais os proacuteprios efeitos de uma
ordem econocircmica que proporciona benefiacutecios desiguais foram tomados como causas do
descompasso econocircmico destes paiacuteses Desse modo foi possivel estabelecer uma loacutegica
inversa a qual possibilitou que as demandas dos paiacuteses do Sul - pelo melhoramento de
suas condiccedilotildees internas e da condiccedilatildeo de vida de suas populaccedilotildees - fossem afastadas de
suas causas provocadas pelos desequiliacutebrios do sistema internacional e passassem a ser
transformadas em instrumentos de pressatildeo sobre os paiacuteses em desenvolvimento
Os governos dos paiacuteses recebedores se manifestaram quanto ao dirigismo da ajuda e
tambeacutem ao fato de que o condicionamento dos fluxos da ODA no atendimento das
necessidades humanas baacutesicas comprometeria os esforccedilos de industrializaccedilatildeo aleacutem de
60 Disponiacutevel on-line (httpAvww oecd orgdoc)
61 A adoccedilatildeo da estrateacutegia de condicionar a utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA para a melhora das necessidades humanas baacutesicas vinculou as praacuteticas de desenvolvimento a estreita orientaccedilatildeo do Banco Mundial elaborador do conceito de HBN assim como dos indicadores de desempenho dos paiacuteses nessa aacuterea (ESCOBAR 1995 55) seguindo a loacutegica da concentraccedilatildeo dos fluxos ODA nos institutos financeiros
50
aumentar imensamente os custos locais destes governos na implantaccedilatildeo de projetos e
programas de desenvolvimento (FUumlHRER 1996 32) Contudo os paiacuteses em vias de
desenvolvimento acabaram se conformando ao novo modelo de repasse condicionado do
regime internacional da ODA Natildeo podemos esquecer que essa conformaccedilatildeo aos novos
criteacuterios aconteceu em um momento tenso para os dois grupos de paiacuteses em que se chegou
inclusive a cogitar o cancelamento da ajuda puacuteblica ao desenvolvimento (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1995 96-98) Nesse sentido a aceitaccedilatildeo dos paiacuteses em
desenvolvimento de que se estabelecessem novos criteacuterios mais restritivos aos repasses
pode ser interpretada ldquocomo resultado de um acordo onde se puderam atingir objetivos
possiacuteveisrdquo (KEOHANE 19849899) Todavia como efeito colateral dessa aceitaccedilatildeo na
medida em que na deacutecada de oitenta novos temas iam sendo inseridos e condicionados ao
repasse dos fluxos do regime internacional da ODA as demandas dos paiacuteses em
desenvolvimento por mudanccedilas na ordem econocircmico- financeira iam perdendo espaccedilo nos
foacuteruns internacionais Ao mesmo tempo e cada vez mais os temas apresentados a partir do
novo tipo de diaacutelogo Norte-Sul (aceito como construtivo pelo grupo de paiacuteses
industrializados) iam ganhando uma dimensatildeo figurada mais ampla do que as proacuteprias
questotildees sistecircmicas de que grande parte destas mesmas questotildees derivavam Assim os
novos temas que iam sendo associados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e
condicionando o uso dos recursos da ODA foram ganhando uma naturalidade e uma
dimensatildeo de grupo-espetaacuteculo ou tema-espetaacuteculo62 na definiccedilatildeo de Escobar ou grupo-
cliente ou tema-cliente na definiccedilatildeo de Sachs (1990)63 Estes temas acabaram por encobrir a
maior parte da dimensatildeo conflitiva das relaccedilotildees Norte-Sul (ESCOBAR 1995 155)
62 Temas espetaacuteculo ou grupos espetaacuteculo satildeo situaccedilotildees ou grupos de pessoas que periodicamente satildeo identificados e vatildeo ganhando centralidade no discurso que sustenta o desenvolvimento Estes temas ou grupos passam a constituir a agenda das organizaccedilotildees internacionais das ONGs dos institutos financeiros etc Todas os programas setoriais passam a tentar mesmo de maneira pouco convincente a ligar sua proacutepria accedilatildeo ao tema espetaacuteculo Escobar costuma identificar e desconstruir os mecanismos de discurso entorno dos quais os temas espetaacuteculo satildeo estruturados Em Encounterig Development (1995) o autor desconstruir os temas espetaacuteculo dos camponeses das mulheres no desenvolvimento e do meio-ambiente (ESCOBAR 1995)
6j Grupos e temas clientes tecircm praticamente a mesma conotaccedilatildeo de grupos espetaacuteculo Contudo esse termo faz tambeacutem referecircncia agrave dimensatildeo financeira que passam a assumir estes temas no setor do desenvolvimento por exemplo quando em 1948 o Banco Mundial definiu que os paiacuteses pobres eram aqueles com uma renda per capta abaixo de UU$ 100 mais de dois terccedilos da humanidade passaram a ser sua populaccedilatildeo cliente (SACHS 1990 9 ESCOBAR 1995 2223)
51
A introduccedilatildeo do discurso das Necessidades Humanas Baacutesicas pode ser interpretada
como uma mudanccedila no leacutexico intemacionalista Os novos conceitos introduzidos no setor
da cooperaccedilatildeo como relevantes para o diaacutelogo Norte-Sul (e associados ao regime da ODA)
passaram a ser utilizados pelos atores que desfrutavam das vantagens como uma
necessidade estabelecida como algo a que a poliacutetica deveria ajustar-se e natildeo como
situaccedilotildees parcialmente criadas pela poliacutetica64 Contudo Keohane nos lembra que as
investigaccedilotildees de fenocircmenos que envolvem riqueza e poder no caso a cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento devem ser buscadas na dimensatildeo onde se estruturam as
relaccedilotildees poliacuteticas e econocircmicas dos atores De outro modo estariacuteamos arriscando que na
investigaccedilatildeo do fenocircmeno os efeitos de determinada situaccedilatildeo fossem tomados como causas
desta mesma situaccedilatildeo (KEOHANE 1984 18-9)
Uma vez estabelecida a loacutegica de que a ajuda oficial por seu caraacuteter facilitado
deveria ser condicionada ao atendimento das necessidades baacutesicas das populaccedilotildees dos
PVD os fluxos do regime da ODA perderam seu caraacuteter de mecanismos de compensaccedilatildeo
mesmo que informais destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento devido aos
desequiliacutebrios causados pelos regimes de Bretton Woods (BASILE 1995 78 GRILLE
1993) e se tomaram instrumentos atraveacutes dos quais os paiacuteses doadores poderiam interferir
diretamente em setores pontuais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O uso da
condicionalidade estabelecido como limitaccedilatildeo agrave liberdade destes paiacuteses na utilizaccedilatildeo dos
fluxos da ajuda oficial ou nas decisotildees referentes a suas escolhas poliacuteticas e econocircmicas
pode ser considerado originalmente uma puniccedilatildeo econocircmica e um aumento dos
constrangimentos impostos a estes paiacuteses
A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais
64 Em analogia a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia em ambientes internacionais elaborada por Keohane e Nye em Poder e Interdependecircncia (KEOHANE amp NYE1982)
52
A expansatildeo do uso da condicionalidade aconteceu no iniacutecio dos anos oitenta
quando os sinais da crise da diacutevida extema 65 reacenderam as esperanccedilas dos PVD de
promover discussotildees internacionais voltadas agrave revisatildeo corretiva dos regimes de Bretton
Woods Tal esperanccedila foi reforccedilada em 1981 quando o CAD introduziu em seu relatoacuterio
anual a noccedilatildeo de interdependecircncia (mesmo que em nenhum momento o relatoacuterio precisasse
o que os paiacuteses da OCDE entendiam por interdependecircncia66) (FURNER 1996)
A introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia67 em um momento de grave crise
econocircmica pode ter sido percebida como uma abertura de diaacutelogo para que fossem
retomadas as discussotildees internacionais sobre a necessidade de se buscar uma ordem
econocircmico-financeira mais favoraacutevel aos paiacuteses do Hemisfeacuterio Sul (RELATOacuteRIO DA
COMISAtildeO SUL 1990 16) Com o apoio dos paiacuteses em desenvolvimento o CAD
seguindo a ecircnfase da interdependecircncia passou a promover a discussatildeo dos temas Norte-
Sul que poderiam ser considerados como de pertinecircncia global (RELATOacuteRIO ANUAL
CAD 1981) Antes da definiccedilatildeo dos temas primeiramente aprovou-se na sede do Conselho
65 Trecircs fatores internacionais (a expansatildeo dos mercados de cacircmbio europeu a reciclagem dos excedentes financeiros dos paiacuteses produtores de petroacuteleo e a recessatildeo econocircmica dos paiacuteses industrializados) criaram um excesso de liquidez no sistema bancaacuterio internacional que foi transferido em forma de empreacutestimos para os paiacuteses em desenvolvimento na deacutecada de setenta A necessidade dos paiacuteses desenvolvidos no final dos anos setenta de empreenderem medidas macropoliacuteticas recessivas para o combate da inflaccedilatildeo ocasionou a diminuiccedilatildeo da liquidez internacional aumentando exponencialmente as taxas de juros internacionais que chegaram a ficar quatro vezes mais caras no periacuteodo Ao mesmo tempo as medidas recessivas diminuiccedilatildeo as atividades industriais dos paiacuteses desenvolvidos o que causou uma brusca queda no preccedilo das mateacuterias primas Entre 1980 e 1982 o preccedilo das principais mateacuterias-primas exportadas pelos paiacuteses em desenvolvimento (excluiacutedo o petroacuteleo) caiu 21 Essa queda acentuou-se em 1983-4 e em 1988 o preccedilo de 33 mateacuterias primas de interesse especial para os paiacuteses em vias de desenvolvimento (a queda meacutedia do preccedilo do petroacuteleo nos periacuteodos tratados foi de 65) eram 30 mais baixos do que a meacutedia de 1979-81) A diminuiccedilatildeo dos fluxos privados no periacuteodo a estagnaccedilatildeo dos fluxos ODA a diminuiccedilatildeo dos preccedilos das mateacuterias-primas e o aumento das taxas de juros fizeram com que os reembolsos da diacutevida ficassem excedessem as entradas do Sul Der fato no periacuteodo de 1984 a 1988 os paiacuteses em vias de desenvolvimento em seu conjunto transferiram um montante liacutequido de 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte (RELATOacuteRIO SUL 1990 63-9)
66 Para Keohane e Nye interdependecircncia eacute entendida ldquocomo situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocosrdquo (KEOHANE amp NYE Poder e Interdependecircncia 8)
67 Keohane afirma que a interdependecircncia foi utilizada como estrateacutegia de limitaccedilatildeo das reinvincaccedilotildees do Terceiro Mundo em um periacuteodo de promoccedilatildeo dos nacionalismo econocircmicos entenda-se formaccedilatildeo da OPEP guerra dos produtos primaacuterios (KEOHANE amp NYE 1982)
53
Ministerial da OCDE o conceito de que os financiamentos oficiais ao desenvolvimento
poderiam ser condicionados ao atendimento de problemas identificados como globais
definidos como ldquoaqueles que tivessem ressonacircncia nos Estados do Sul e do Norte do
mundordquo Na mesma ocasiatildeo por iniciativa dos paiacuteses noacuterdicos especialmente da Alemanha
e do Canadaacute69 lanccedilou-se a proposta de que as instituiccedilotildees multilaterais de
desenvolvimento atraveacutes de um programa coordenado passassem tambeacutem a apreciar os
temas globais e condicionaacute-los agrave realizaccedilatildeo de programas e projetos de desenvolvimento70
(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981 j
A noccedilatildeo de interdependecircncia natildeo foi estendida contudo aos temas econocircmicos
como esperavam os paiacuteses em desenvolvimento A esperada revisatildeo corretiva dos regimes
de Bretton Woods foi frustrada logo no iniacutecio da adoccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia
Durante o Encontro Internacional dos Representantes do Norte e do Sul do Mundo sobre
Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento (1981) o Presidente Reagan assumiu que a posiccedilatildeo dos
paiacuteses industrializados quanto agraves poliacuteticas de desenvolvimento na deacutecada que se iniciava
seria baseada na promoccedilatildeo do comeacutercio internacional no livre mercado e nos
investimentos privados O relatoacuterio da Comissatildeo Sul aponta que a crise dos anos oitenta
natildeo se converteu em ocasiatildeo de revisatildeo das causas dos problemas porque os paiacuteses
desenvolvidos se recusaram a reconhecer que era necessaacuterio intervir no contexto
econocircmico internacional (RELATOacuteRIO DA COMISSAtildeO SUL 199078) Tambeacutem Fuumlhrer
afirma que os esforccedilos muacuteltiplos dos paiacuteses mais pobres para conseguirem utilizar o
68
68 Relaccedilotildees Com Os Paiacuteses Em Desenvolvimento No Contexto Da Interdependecircncia E Diversidade (CAD documents - disponiacutevel on line)
69 A sugestatildeo do Canadaacute e da Alemanha foi justificada pela publicaccedilatildeo em 1979 da Comissatildeo Independente BRANDT COMMISSION (Independent Commission On International Development Issues) da Relaccedilatildeo Norte-Sul Um Programa Para A Sobrevivecircncia A orientaccedilatildeo da Comissatildeo BRANDT eacute que se criem junto agraves organizaccedilotildees correlatas aos problemas do desenvolvimento subcomissotildees ambientais Em um primeiro momento os Estados do Sul do mundo o discurso da interdependecircncia e a aproximaccedilatildeo do setor da cooperaccedilatildeo internacional
70 Depois da oficializaccedilatildeo do CAD como centro coordenador das poliacuteticas de desenvolvimento em 1986 os temas identificados pelos grupos de alto-niacutevel do Comitecirc como de pertinecircncia global passaram a ser imediatamente incorporados agraves agendas do PNUD Banco Mundial e FMI (FUumlHNER 1996)
54
discurso da interdependecircncia e promover um novo espaccedilo internacional de discussatildeo dos
temas do desenvolvimento foi frustrante para os paiacuteses do Sul
Os demais temas globais que seriam condicionados ao uso dos fluxos daODA
contudo permaneceram e foram sendo inseridos durante toda a deacutecada de oitenta na agenda
internacional Depois do discurso de Reagan o primeiro tema oficialmente inserido na
agenda CAD e estendido a todos os programas e projetos de cooperaccedilatildeo ao foi ldquoo
financiamento da substituiccedilatildeo de cultivo de plantas destinadas agrave produccedilatildeo de entorpecentes
nos paiacuteses em desenvolvimentordquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981)
Ateacute 1992 os projetos e programas de desenvolvimento realizados pelos paiacuteses da
OCDE na cooperaccedilatildeo atraveacutes de fundos multi (ou bi) laterais deveriam em alguma medida
favorecer ao menos um dos seguintes temas as mulheres no desenvolvimento as
necessidades humanas baacutesicas a preservaccedilatildeo do meio-ambiente global o combate ao
narcotraacutefico a luta contra a disseminaccedilatildeo de doenccedilas a manutenccedilatildeo da paz a abertura do
sistema econocircmico e reformas estruturais cabiveis nos paiacuteses em desenvolvimento o
desenvolvimento participativo a governabilidade (good govemanceacute) a luta contra a
corrupccedilatildeo nos paiacuteses do Terceiro Mundo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)
Devemos considerar que em 1986 o CAD assumiu internacionalmente sua funccedilatildeo
de coordenador dos fluxos da ajuda71 Isso significa que depois desta data por uma questatildeo
de racionalidade de utilizaccedilatildeo dos recursos os temas definidos pela agenda do CAD iam
tambeacutem sendo aplicados ao PNUD FMI e Banco Mundial
O Banco Mundial nos Programas de Assistecircncia Paiacutes estabelece como agenda que
os fluxos ODA sejam condicionados a reformas que promovam o crescimento econocircmico e
a reduccedilatildeo da pobreza investimentos em capital humano (necessidades humanas baacutesicas)
tutela do ambiente promoccedilatildeo do crescimento do setor privado e reordenaccedilatildeo das atividades
de governo (CAS) Como Agenda Geral o Banco utiliza a condicionalidade para os
seguintes temas a boa governanccedila o combate agrave corrupccedilatildeo o desenho de poliacuteticas
setoriais ou de projetos especiacuteficos que sejam ambientalmente sustentaacuteveis e socialmente
71 Na reuniatildeo anual do CAD em 1986 (na qual estavam presentes Emest Stem (vice- presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador PNUD) ) o Comitecirc assumiu oficialmente a responsabilidade pela coordenaccedilatildeo da ajuda multilateral junto agraves organizaccedilotildees internacionais e as organizaccedilotildees regionais ldquoOs membros CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo
55
responsaacuteveis A mesma agenda eacute seguida pelos bancos regionais de desenvolvimento O
uso da ajuda coordenada - CAD - nos ajuda a entender porque as agendas dos organismos
que atuam no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento estabelecem basicamente os
mesmos criteacuterios e condicionam o uso dos recursos ao favorecimento dos mesmos temas
Keohane afirma que ldquoa interdependecircncia da maneira como eacute utilizada nos discursos
oficiais natildeo eacute apenas entendida como um instrumento analiacutetico de compreensatildeo da poliacutetica
mundial e do comportamento dos Estados mas tambeacutem eacute um mecanismo retoacuterico de largo
emprego pelos publicistas e estadistas ansiosos em aumentar a quantidade de gente que se
alie agraves suas bandeiras para quem as palavras vagas e de grande ressonacircncia satildeo muito
uacuteteisrdquo (KEOHANE e NYE 1982) Embora a anaacutelise da interdependecircncia de Keohane tenha
sido estabelecida para ilustrar o momento especiacutefico da substituiccedilatildeo do discurso de
seguranccedila nacional na poliacutetica internacional acreditamos que ela possa ser bastante
ilustrativa para a compreensatildeo do porque da adoccedilatildeo dos novos temas globais que passaram
a ser condicionados ao uso dos recursos oficiais ao desenvolvimento no momento da crise
da diacutevida A interdependecircncia nessa concepccedilatildeo de Keohane eacute vista como uma estrateacutegia
de reduccedilatildeo de conflitos A noccedilatildeo de interdependecircncia no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento parece ter sido empregada para reduzir possiacuteveis novos conflitos gerados
pela crise da diacutevida
Muitos dos proacuteprios temas condicionados agrave utilizaccedilatildeo dos recursos do
desenvolvimento a partir da nova agenda global reforccedilavam a noccedilatildeo de que as
dificuldades dos PVD de ajustarem suas economias agrave ordem econocircmico-financeira eram
um problema que deveria ser resolvido no interior dos proacuteprios paiacuteses em vias de
desenvolvimento Desse modo na deacutecada de oitenta enquanto em todo o setor da
cooperaccedilatildeo reforccedilava-se o discurso politizado de que as causas internas dos paiacuteses em
desenvolvimento estavam provocando a crise da diacutevida e de que a ajuda internacional
deveria ser utilizada para promover intervenccedilotildees nas poliacuteticas internas destes paiacuteses (aleacutem
de ajustar suas economias a uma maior abertura dos mercados) os PVD comprometiam
cada vez mais suas capacidades produtivas transferindo em seu conjunto um montante
liacutequido de US$ 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte - e no periacuteodo mais grave da
crise entre 1984 a 1988) (RELATOacuteRIO SUL 1990 69)
56
A determinaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados em natildeo efetivar medidas de revisatildeo dos
regimes internacionais de Bretton Woods permaneceu a mesma inclusive depois de
deflagrada a moratoacuteria decretada pelo Meacutexico e pela Argentina em 1982 Natildeo se promoveu
uma revisatildeo dos regimes internacionais somente foram propostas medidas domeacutesticas de
ajuste das economias e ampliou-se o suporte da concessatildeo de creacuteditos para as balanccedilas de
pagamento A maior inovaccedilatildeo das medidas foi contudo a extensatildeo dos mecanismos de
condicionalidade para os institutos financeiros
As novas modalidades de ajuda condicionada do FM - o SAF e o ESAF72 (1986)
(creacuteditos para ajustamento estrutural e creacuteditos ampliados para ajustamento estrutural) - e
do Banco Mundial - o SAL (empreacutestimos de ajustamento estrutural) e SECAL
(empreacutestimos de ajustamento setorial)73 - traziam como elementos de inovaccedilatildeo a
possibilidade para os institutos financeiros de realizar empreacutestimos condicionados agrave
execuccedilatildeo de reformas poliacutetico-econocircmicas e estrateacutegias de desenvolvimento dos governos
a permissatildeo de que os paiacuteses pudessem financiar reformas econocircmicas implementadas em
diversos anos74 e a permissatildeo de que se pudesse financiar as importaccedilotildees de bens de modo
desligado de uma necessidade de projetos especiacuteficos ou seja dar suporte direto agraves
balanccedilas de pagamento destes paiacuteses (BASILE 1995 43 ASCARI 1999 30-1)
72 Structural Adjustment Facility e The Enhanced Structural Adjustment Facility
73 No iniacutecio ao menos no acircmbito da principal instituiccedilatildeo multilateral o Banco mundial o uso de empreacutestimos de ajustamento (seja o SAL que o SECAL) eacute extremamente ligado a um problema da balanccedila de pagamento (previsto ou existente) ldquoO princiacutepio da balanccedila de pagamento natildeo significa que natildeo exista a necessidade de reformas econocircmicas em setores nos quais os custos natildeo satildeo em moeda estrangeira Sabemos bem que estes paiacuteses (em vias de desenvolvimento) enfrentam seacuterios problemas de reformas nos setores os quais a instruccedilatildeo e os setores sociais em geral nos transportes nas infra-estruturas no ambiente e no desenvolvimento humano (entretanto) creio que a assistecircncia fornecida rapidamente (quick disbursing assistance) natildeo seja apropriada a estes tipos de reformasrdquo73 E Stem na eacutepoca vice-presidente para as Finaccedilas em Evolution and Lessons of Adjustment Lending in Restructuring Economies in Distress Policy Reform and World Bank Oxford University Press 1991
74 Como vimos quando tratamos da Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) os paiacuteses industrializados nunca concederam creacuteditos ou financiamentos a longo prazo para dar sustentaccedilatildeo aos projetos e programas de desenvolvimento dos PVD Estes creacuteditos e financiamento a longo prazo soacute se efetivaram quando foram condicionados as reformas dos sistemas poliacutetico e econocircmicos e agrave abertura econocircmica destes paiacuteses
57
A resposta oferecida pelos paiacuteses desenvolvidos para a crise da diacutevida deixava claro
que nenhum tipo de reavaliaccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro de Bretton Woods
seria realizada para proporcionar uma integraccedilatildeo das economias destes paiacuteses agrave ordem
econocircmico-financeira vigente Toda a ajuda oferecida aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento em forma de disponibilizaccedilatildeo de creacuteditos e empreacutestimos tinha como
objetivos principais ajustar os PVD a uma abertura de mercados e garantir a renegociaccedilatildeo
das diacutevidas atraveacutes da concessatildeo de creacuteditos de ajuste das balanccedilas de pagamento Ou seja
continuou prevalecendo a noccedilatildeo de que as dificuldades encontradas pelos vaacuterios paiacuteses
tinham uma raiz intema
A segunda expansatildeo do uso da condicionalidade natildeo estaacute ligada apenas agrave
manutenccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro vigentes a partir dos Estados nacionais O
uso de mecanismos de condicionalidade nos institutos financeiros natildeo pode ser relacionado
simplesmente a uma puniccedilatildeo ou a um aumento dos constrangimentos imputados agrave
utilizaccedilatildeo de fluxos da ODA pelos PVD Basicamente pelo fato de que mais de 90 dos
recursos multilaterais disponiacuteveis atualmente nos institutos financeiros natildeo tecircm caraacuteter
facilitado (ASCARI 1999 66) e que os paiacuteses de renda meacutedia - aqueles que mais utilizam
os institutos financeiros para resolver suas crises de balanccedilo de pagamento - natildeo podem
mais receber fluxos facilitados desde 1991 (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1991) Aleacutem
disso natildeo existia como nos anos setenta uma demanda organizada pelo estabelecimento
de uma nova ordem econocircmica mundialisto eacute uma barreira conflitiva difiacutecil de transpor
Pelo contraacuterio a proacutepria aceitaccedilatildeo pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento do discurso
da interdependecircncia em ambiente internacional pode ser interpretado como uma tentativa
de estabelecer uma relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo para a superaccedilatildeo da crise
Na explicaccedilatildeo da expansatildeo do uso da condicionalidade e sua extensatildeo para os
institutos financeiros precisamos introduzir um novo elemento nesta anaacutelise o interesse dos
ambientes privados na cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento que aconteceu a partir
de dois motivos interligados Podemos considerar como o primeiro deles a aceleraccedilatildeo do
processo de internacionalizaccedilatildeo (entendida como um processo gerado por acentuadas
mudanccedilas nos custos de transaccedilatildeo que produzem fluxos observaacuteveis de mercadorias
serviccedilos e capital) que aumentou os empreacutestimos internacionais realizados pelos bancos
privados Os empreacutestimos dos bancos privados internacionais cresceram globalmente de
58
5 do PIB dos paiacuteses da OCDE em 1973 para 20 do PIB dos paiacuteses OCDE em 1991
(Economic Report o f the President 1993281 - citado por MILNER amp KEOHANE 1996
13) O segundo motivo foi a sugestatildeo do secretaacuterio-geral adjunto da OCDE Van Lennep
em 1979 de que se implantassem co-fiacutenanciamentos com fins de desenvolvimento para os
PVD atraveacutes de bancos privados em conjunto com instituiccedilotildees financeiras de
desenvolvimento multilaterais e bilaterais Essa iniciativa pode ser interpretada como
decorrente em parte do aumento da presenccedila dos capitais privados no acircmbito internacional
e denota o maior interesse dos mercados financeiros pelos paiacuteses em desenvolvimento Esse
interesse pode ter acontecido ateacute mesmo a partir da decisatildeo tomada pelos paiacuteses em vias de
desenvolvimento de utilizar o excesso de liquidez internacional dos anos setenta para
financiar seus processos de desenvolvimento
O aumento do processo de internacionalizaccedilatildeo pode ter contribuiacutedo para a
manutenccedilatildeo dos interesses econocircmico e financeiro estabelecidos pelos regimes
internacionais dessas aacutereas A aproximaccedilatildeo dos institutos financeiros dos setores privados e
a escolha de certos temas para a composiccedilatildeo da agenda internacional podem ter sido
utilizados como elemento de sustentaccedilatildeo desse sistema Milner e Keohane acreditam que
ldquopressotildees poliacuteticas intensas (puacuteblicas privadas e bilaterais) foram exercidas para que os
paiacuteses em vias de desenvolvimento abrissem as suas economiasrdquo (MILNER amp KEOHANE
1996 16-7) Os temas da agenda global podem ser entendidos como elementos de reforccedilo
do processo de internacionalizaccedilatildeo uma vez que estes temas satildeo condicionados aos
repasses de recursos (mesmo privados) pois muacuteltiplos esforccedilos nos paiacuteses em vias de
desenvolvimento satildeo direcionados para o atendimento (mesmo burocraacutetico) destes temas
Por exemplo atualmente todos os projetos e programas executados com recursos
provenientes do Banco Mundial devem ter uma anaacutelise de impacto ambiental
Isso significa que todo tipo de empreacutestimo (mesmo com creacuteditos IBRD a juros de
mercado) efetuado pelo Brasil atraveacutes do Banco Mundial deve considerar que uma parte
dos gastos seraacute comprometida com o pagamento de consultores internacionais ambientais e
com a compra de equipamentos dessa aacuterea (procurement) Em 1998 as vendas
internacionais para o mercado ambiental brasileiro chegaram a um faturamento de US$ 25
bilhotildees de doacutelares (duas vezes e meia o orccedilamento anual do PNUD) Desse montante 35
dos recursos foram gastos com a cogravempra de bens e serviccedilos dos EUA seguidos pela
59
Alemanha - que recebeu 25 desse valor- pelo Canadaacute que recebeu 12 e pela Espanha
Japatildeo Gratilde-Bretanha e Itaacutelia que como grupo receberam 13 dos recursos (MARTINS
2000 63) Esses dados revelam que a pressatildeo dos paiacuteses do mundo desenvolvido para que
as organizaccedilotildees internacionais passassem a considerar os temas globais em suas agendas
natildeo pode ser tomada como ocasional
Keohane acredita que um bom antiacutedoto contra a retoacuterica da interdependecircncia eacute
lembrar que ldquoos atores agem motivados pelo poder e pela riqueza natildeo pela realizaccedilatildeo de
interesses comunsrdquo (KEOHANE 1984 22) Como nos advertem Keohane e Nye
raramente ou mesmo nunca os regimes internacionais satildeo instituiacutedos por idealistas
desinteressados que visem o atendimento de objetivos comuns (KEOHANE amp NYE 1982)
Isso significa que os regimes internacionais inclusive daquele ODA criado como ambiente
favorecedor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento natildeo podem ser estudados sob
uma oacutetica de interdependecircncia de temas globais Caso estudaacutessemos o fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo internacional para o desenvolvimento a partir de uma perspectiva globalista
poderiacuteamos ser enganados quanto agrave motivaccedilatildeo dos atores
Quanto ao estabelecimento da condicionalidade financeira Haggard e Maxfield
identificam nas pressotildees sofridas pelos balanccedilos de pagamento dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento os principais mecanismos de efetivaccedilatildeo da abertura de suas economias75
Em uma grande variedade de dimensotildees a regulamentaccedilatildeo das economias nacionais dos
PVD foi colocada em questatildeo pelos paiacuteses fortes ldquoEm suma o fato de que desde os anos
setenta paiacuteses de todo o mundo incluindo aqueles de cultura e tradiccedilatildeo muito
diversificadas como o Vietnatilde a iacutendia a China o Sul da Aacutefrica o Chile e o Meacutexico
decidiram reduzir suas barreiras comerciais abrir seus mercados de capitais reduzir as
intervenccedilotildees governamentais na economia privatizar as empresas estatais e reduzir as
poliacuteticas sociais (welfare policies) sugere a existecircncia de fortes pressotildees exercidas pela
forccedila da internacionalizaccedilatildeordquo (HAGGARD amp MAXFIELD 1996 211) ldquoEsse fenocircmeno
natildeo pode ser percebido apenas como um crescente processo de globalizaccedilatildeo promovido
73 Os autores ainda citam como importante mecanismos de pressatildeo a sessatildeo 301 do Trade Act pressionou fortemente a liberalizaccedilatildeo das regras para investimento estrangeiro e ao mesmo tempo para a proteccedilatildeo da propriedade intelectual
60
pela expansatildeo tecnoloacutegica e pela maior presenccedila das empresas transnacionaisrdquo (MILNER
amp KEOHANE 19964)
Segundo Haggard e Maxfiacuteeld os frequumlentes ajustes das balanccedilas de pagamento aos
quais os atores mais fracos foram submetidos a partir da deacutecada de oitenta (com a inversatildeo
dos fluxos de capitais Norte-Sul para Sul-Norte) obrigaram os paiacuteses em desenvolvimento
a um processo forccedilado de abertura econocircmica estimulado tambeacutem pelos mecanismos de
condicionalidade76 A razatildeo desta abertura tem segundo os autores relaccedilatildeo com os altos
custos que os paiacuteses pagam em um contexto neoliberal de integraccedilatildeo financeira pela
ausecircncia de instituiccedilotildees poliacuteticas que os ajudem a minimizar estes custos Isso porque
mesmo que a internacionalizaccedilatildeo seja um processo sofrido por todos os paiacuteses os paiacuteses
centrais devido a suas fortes instituiccedilotildees poliacuteticas (Estado) podem minimizar evitar ou ateacute
mesmo redirecionar os custos da internacionalizaccedilatildeo para outros atores (MILNER amp
KEOHANE 1996 9-10)
Atualmente no setor financeiro internacional estabeleceu-se a loacutegica de que manter
ou aumentar a abertura financeira (nos primeiros momentos de crise) daacute sinais aos
investidores estrangeiros de que eles seratildeo capazes de liquidar seus investimentos indica as
intenccedilotildees dos governos de manter a disciplina fiscal e financeira e em uacuteltima anaacutelise
aumenta os fluxos de capital (HAGGARD amp MAXFIacuteELD 1996 211-15) Contudo os
sinais dados aos investidores estrangeiros pelos governos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento quanto agrave abertura de seus mercados natildeo parecem mais ser suficientes para
a garantia da manutenccedilatildeo dessa abertura Esse eacute o ponto em que acontece a interaccedilatildeo entre
o mercado financeiro privado e os institutos financeiros
Ascari considera que a razatildeo da expansatildeo da condicionalidade para os empreacutestimos
dos institutos financeiros eacute que tais empreacutestimos garantiriam a capacidade do paiacutes de
restituir os recursos recebidos pois segundo os analistas dos proacuteprios institutos financeiros
os empreacutestimos soacute poderiam ser devolvidos na medida que reformas internas nos PVD
fossem realizadas (ASCARI 1999) Um controle sobre as reformas somente seria possiacutevel
atraveacutes do condicionamento do uso dos fundos Os institutos financeiros internacionais
70 A opiniatildeo dos teoacutericos claacutessicos do liberalismo como Rosecrance eacute de que os paiacuteses do terceiro mundo por tratarem-se de naccedilotildees com estruturas econocircmicas sociais e poliacuteticas deacutebeis procurariam adotar estrateacutegias comerciais de participaccedilatildeo no acircmbito internacional como uma maneira de resolver os problemas crocircnicos (Citado por MILNER amp KEOHANE 1996)
61
teriam nessa perspectiva a funccedilatildeo de garantidores do capital privado A aproximaccedilatildeo das
organizaccedilotildees internacionais e dos institutos financeiros do setor privado criou novos
mecanismos de constrangimento sobre os paiacuteses em vias de desenvolvimento mecanismos
que foram reforccedilados pelo aumento da internacionalizaccedilatildeo dos fluxos de capitais Desse
modo estabeleceu-se nos uacuteltimos anos a loacutegica de que as atuais condiccedilotildees de austeridade
insseridas pelos organismos multilaterais nos programas de reformas econocircmicas dos paiacuteses
garantem outros financiadores acerca da credibilidade do programa econocircmico do paiacutes
recebedor Na Conferecircncia Internacional sobre Desenvolvimento Econocircmico (1995) o
economista D Rodrik (ligado ao Banco Mundial) afirmou que a austeridade imposta pelos
empreacutestimos de ajustamento estrutural assegura os financiadores privados sobre a
possibilidade do paiacutes recebedor conseguir ex post um melhoramento da situaccedilatildeo
econocircmica tal que lhes possibilitaria efetuar a devoluccedilatildeo dos empreacutestimos ou justificar a
concessatildeo da ajuda com base nas expectativas de eficaacutecia (RODRIK 1995)77
A partir do estabelecimento da condicionalidade acentuou-se a diminuiccedilatildeo dos
financiamentos facilitados (fundos ODA) para os paiacuteses das economias em
desenvolvimento e aumentaram exponencialmente os creacuteditos privados O aumento da
condicionalidade e a aproximaccedilatildeo com o setor da cooperaccedilatildeo de bancos privados
determinaram a diminuiccedilatildeo dos fluxos do regime ODA que passaram de um total de 59
em 1990 dos recursos dos paiacuteses do CAD aos paiacuteses em vias de desenvolvimento para
236 em 1997 No mesmo periacuteodo os fluxos financeiros privados passaram de 336
para 777 - ou seja de 436 bilhotildees de doacutelares em 1990 para 2521 bilhotildees de doacutelares em
1997 (TRILZI 1998 1223) Outra consideraccedilatildeo diz respeito agrave performance dos paiacuteses do
CAD relativamente aos fluxos de recursos destinados aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento Enquanto os fluxos do regime ODA sofreram uma contraccedilatildeo em
percentual sobre o PIB destes paiacuteses (de 033 em 1986-7 a 022 em 1997) os capitais
privados passaram no mesmo periacuteodo de 019 a 059 Nesse contexto foi significativa
a performance dos Estados Unidos cujo capital privado destinado aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento passou nos dez anos mencionados de 6 bilhotildees de doacutelares em 1986-7
77 Why is there Multilateral Lending Annual World Bank Conference on Development Economics 1995 (http wwwwborg)
62
(014 do PIB dos EUA) a aproximadamente 65 bilhotildees de doacutelares em 1997 (o equivalente
a 081 do PIB americano) por seu lado a cota destinada ao financiamento puacuteblico
(fluxos ODA) foi reduzida no periacuteodo de 021 a 009 (TRIULZI 1998 123)
Com a introduccedilatildeo da condicionalidade e dos creacuteditos e empreacutestimos estruturais os
capitais privados puderam receber garantias efetivas dos governos dos PVD de que as
poliacuteticas econocircmicas implantadas em seus paiacuteses manteriam a conformaccedilatildeo destes Estados
aos regimes de Bretton Woods Em outras palavras com a introduccedilatildeo da condicionalidade
nos institutos financeiros o retomo dos recursos devido agrave ecircnfase no ajustamento estrutural
nas balanccedilas de pagamento estaria assegurado
A introduccedilatildeo de mecanismos de condicionalidade a partir do choque do petroacuteleo e
da crise da diacutevida externa - dois momentos de conflito (em diferentes graus de intensidade)
entre o grupo de paiacuteses em vias de desenvolvimento e o dos paiacuteses industrializados - revela
como os atores favorecidos e desfavorecidos podem obter benefiacutecios e tratamentos
desiguais dos regimes estabelecidos Aleacutem disso como evidenciado pela proacutepria crise da
diacutevida e depois pela noccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo os paiacuteses em vias de desenvolvimento
por natildeo terem conseguido reforccedilar suas poliacuteticas institucionais (seus governos) antes de
efetuarem uma conformaccedilatildeo aos regimes de Bretton Woods (como foi o caso dos paiacuteses
europeus do bloco ocidental) acabaram arcando com os custos maiores das variaccedilotildees
sistecircmicas Finalmente podemos ainda considerar que os proacuteprios regimes de Bretton
Woods foram acordados com constrangimentos internos para que se beneficiassem os
atores mais fortes (a ecircnfase nas balanccedilas de pagamento) Esse tipo de interpretaccedilatildeo ganha
dimensatildeo quando consideramos que as potecircncias secundaacuterias europeacuteias no final da
Segunda Guerra soacute aceitaram participar dos regimes de Bretton Woods depois de
fortalecerem suas instituiccedilotildees poliacuteticas atraveacutes do plano Marshall e da Uniatildeo Europeacuteia de
Pagamento (KEOHANE 1984 DINOLFO 1993)
Nosso proacuteximo e uacuteltimo capiacutetulo seraacute dedicado agrave anaacutelise do fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo descentralizada um constrangimento que exclui os governos dos paiacuteses em
desenvolvimento da aplicaccedilatildeo dos fluxos da ODA Analisaremos a modalidade de
cooperaccedilatildeo descentralizada a partir da instrumentalizaccedilatildeo das ONGs dos paiacuteses
desenvolvidos e de sua relaccedilatildeo com as homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
63
CAPIacuteTULO IV
A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA
COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO
Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo
No estudo da cooperaccedilatildeo descentralizada um dos primeiros problemas que se
apresenta eacute a proacutepria investigaccedilatildeo do termo Embora essa modalidade de administraccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)
tenha comeccedilado timidamente a partir da metade dos anos setenta somente quando o
fenocircmeno ganhou expansatildeo na metade dos anos oitenta buscou-se formalmente um
conceito para a praacutetica que jaacute vinha sendo estabelecida Antes de buscar uma compreensatildeo
mais ampla do termo cooperaccedilatildeo descentralizada devemos esclarecer que esse eacute um
fenocircmeno especiacutefico da cooperaccedilatildeo internacional ao europeacuteia desenvolvimento
Para Jahier e Triulzi cooperaccedilatildeo descentralizada eacute a modalidade de administraccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)
na qual estatildeo excluiacutedos os governos nacionais dos Estados recebedores dos recursos
(JAHIER 2000 TRIULZI 1998 2000) A Comunidade Europeacuteia define de maneira muito
mais generalizante a cooperaccedilatildeo descentralizada ldquoum novo meacutetodo de cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento que potildee os operadores no centro da atuaccedilatildeo das atividades e que persegue
assim o duplo objetivo de adequar as accedilotildees agraves exigecircncias e de garantir sua realizaccedilatildeordquo78
Estas duas primeiras definiccedilotildees pouco revelam sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada Aquilo
que se percebe inicialmente eacute que essa praacutetica tem possibilitado um afastamento dos
Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento da utilizaccedilatildeo direta dos fluxos do
regime internacional ODA Por esse motivo buscaremos investigar a praacutetica da cooperaccedilatildeo
7S Cooperazione Decentrata 2002 (httpeuropaeuintsacdiplusprintversionitlvbrl2004htm)
64
descentralizada como sendo um constrangimento imposto pelos atores mais fortes aos
paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD)
Acreditamos que a maneira mais construtiva de nos aproximarmos do fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo descentralizada seja descrever a maneira como se manifesta essa modalidade no
setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Nesse sentido Basile descreve a cooperaccedilatildeo
descentralizada como sendo uma praacutetica na qual os recursos do regime internacional ODA
disponiacuteveis no Fundo Europeu e na cooperaccedilatildeo bilateral dos paiacuteses europeus eacute diretamente
destinado agraves ONGs internacionais europeacuteias que mantenham projetos de cooperaccedilatildeo em
parceria partnership) com entidades homocircnimas locais dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento e natildeo mais aos governos nacionais destes paiacuteses - nem mesmo para
organizaccedilotildees multilaterias que ainda mantenham princiacutepios de natildeo-identifiacutecaccedilatildeo dos
doadores (BASILE 1995)
A discussatildeo internacional sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada pode ser ainda mais
polecircmica do que a proacutepria discussatildeo da condicionalidade da ajuda Isso porque na praacutetica a
cooperaccedilatildeo descentraliza envolve atores natildeo estatais (ONGs) que atuam no setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Devido a essa particularidade promover um estudo sobre
a legitimidade da cooperaccedilatildeo descentralizada toma-se tarefa bastante complicada Isso
porque muitas vezes eacute difiacutecil distinguir o que eacute a anaacutelise do fenocircmeno daquela que eacute a
posiccedilatildeo subjetiva dos teoacutericos sobre a funccedilatildeo social das ONGs e das ONGs internacionais
no desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres
Os proacuteprios autores que citamos acima Jahier e Triulzi embora tenham uma visatildeo
muito similar da definiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada tecircm opiniotildees muito contrastadas
em relaccedilatildeo agrave sua legitimidade Para Triulzi a praacutetica da cooperaccedilatildeo descentralizada eacute
vaacutelida e se justifica porque coloca os atores natildeo-estatais dos paiacuteses desenvolvidos em uma
espeacutecie de parceria (contratualidade ao inveacutes de condicionalidade) com aqueles atores natildeo-
estatais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (TRIULZI 1998) Segundo ele por meio
de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores seria possiacutevel atingir as necessidades ldquoreaisrdquo das
populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento pois essa relaccedilatildeo proporcionaria o
ldquofavorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-administrativas a ponto de defender os
direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos defendendo a igualdade entre gecircneros
introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo democraacutetica na vida social e civil dos paiacuteses em
65
vias de desenvolvimentordquo (TRIULZI 1998 128) Ao mesmo tempo que faz tal afirmaccedilatildeo
Triulzi coloca-se contraacuterio acirc condicionalidade da ajuda (praacutetica que abordamos no capiacutetulo
anterior) pois ldquoas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento assim como a ajuda
humanitaacuteria tecircm uma particularidade especiacutefica que natildeo eacute a de promover a democracia e os
direitos civis valores indiscutiacuteveisrdquo (TRIULZI 1998 128) mas ainda segundo o autor
natildeo devem acontecer a partir da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (sic) Devemos recordar
que a condicionalidade da ajuda foi um processo iniciado nos anos setenta que pretendia
condicionar o regime internacional ODA agrave realizaccedilatildeo de objetivos pontuais e setorizados
nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Contudo Triulzi declara natildeo perceber uma
incoerecircncia em sua afirmaccedilatildeo quando defende o uso do regime ODA atraveacutes do modelo de
cooperaccedilatildeo descentralizada e opotildee-se ao mesmo tempo agrave condicionalidade da ajuda
Segundo o autor a ldquocontratualidaderdquo entre atores natildeo-estatais seria a garantia de um
verdadeiro processo de desenvolvimento das populaccedilotildees dos paiacuteses mais pobres (TRIULZI
19982000)
Como dissemos anteriormente o conceito inicialmente favoraacutevel de alguns autores
quanto agrave atuaccedilatildeo das ONGs parece natildeo permitir uma verdadeira aproximaccedilatildeo do problema
da cooperaccedilatildeo descentralizada que eacute o fato de que os fluxos do regime internacional ODA
atraveacutes dessa modalidade satildeo em si mesmo uma espeacutecie de constrangimento para aplicaccedilatildeo
dos recursos pelos paiacuteses do Sul considerando que nem os governos destes paiacuteses nem as
ONGs locais podem conduzir diretamente seus proacuteprios projetos de desenvolvimento De
fato segundo a Resoluccedilatildeo 165898 (sect 31 e 32)79 das normas gerais de co-financiamento
para ONGs da Comunidade Europeacuteia atesta apenas as ONGs europeacuteias satildeo elegiacuteveis para a
apresentaccedilatildeo de projetos de desenvolvimento na modalidade da cooperaccedilatildeo
descentralizada
Jahier o segundo autor tratado aqui tem uma visatildeo mais criacutetica quanto agrave
modalidade da cooperaccedilatildeo descentralizada Para ele os recursos do regime internacional
ODA deveriam ser tratados diretamente pelos Estados Isso porque as ONGs internacionais
podem perder valor de representaccedilatildeo civil ou legitimidade quando atuam ligadas de
maneira tatildeo direta aos Estados nacionais dos paiacuteses europeus Aleacutem disso a cooperaccedilatildeo
descentralizada estabelece uma parceria desigual que pode comprometer as relaccedilotildees
66
positivas entre elas e suas homocircnimas de diferentes paiacuteses Finalmente o autor acredita que
as ONGs natildeo deveriam ser inseridas em um acircmbito econocircmico como aquele do setor da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento pois as ONGs internacionais - quando se
colocam no lugar dos Estados como promotoras do desenvolvimento - ldquopodem assumir a
funccedilatildeo de servir de acompanhantes das transferecircncias de dinheiro tecnologia e poliacuteticas
dos atores mais fortesrdquo (JAHEER 2000 223)
0 estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada
Da mesma forma que na condicionalidade da ajuda a cooperaccedilatildeo descentralizada
teve dois momentos distintos de inserccedilatildeo no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento O primeiro aconteceu em 1975 quando a Comunidade Europeacuteia
estabeleceu novas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e aproximou-se do diaacutelogo
Norte-Sul depois do choque do petroacuteleo e da crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-
primas de acordo com a nova orientaccedilatildeo decidida pelos paiacuteses industrializados na
Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) (RELATOacuteRIO
ANUAL CAD 1973) Esse primeiro momento como veremos estruturou as bases da
cooperaccedilatildeo descentralizada O segundo momento de expansatildeo da cooperaccedilatildeo
descentralizada aconteceu em 1985 com a introduccedilatildeo da ldquoCharte Europeacuteenne de
1 Autonomie Localersquorsquorsquo que permitiu que as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos colaborassem
com homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizando os fluxos do regime
internacional ODA do Fundo Europeu de Desenvolvimento80
Em 1975 a Europa que depende fortemente da importaccedilatildeo de mateacuterias-primas e
energia dos paiacuteses em desenvolvimento visando reduzir os conflitos com os paiacuteses
(prioritariamente) fornecedores de mateacuterias-primas ampliou a base geograacutefica de suas 81 rpoliacuteticas de cooperaccedilatildeo atraveacutes da Convenccedilatildeo de Lomeacute I (1975) Com Lomeacute I as
80 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wwwesteriitpoleseracooperazquadrocix)pdechim)
81 Ateacute 1975 quando aconteceu a passagem das Convenccedilotildees de Yaoundeacute I II e III que tinham regulamentado desde 1957 as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa todas
67
poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa passaram agrave atender os paiacuteses da
bacia do Mediterracircneo da Aacutesia e da Ameacuterica Latina Segundo Grilli esta convenccedilatildeo
estabeleceu um compromisso entre a Europa e os paiacuteses em vias de desenvolvimento para
que se regularizasse o fornecimento de mateacuterias-primas em troca do suprimento de
assistecircncia comercial e financeira com base nos princiacutepios de paridade e natildeo-
interferecircncia82 (TRIULZI 2000 GRILLI 1993) Firmou na ocasiatildeo o compromisso de que
os fluxos do regime internacional ODA seriam destinados como uma forma de compensar
financeiramente os paiacuteses em vias de desenvolvimento pelas menores oportunidades
comerciais e financeiras destes atores (GRILLI 1993 38)83
Ao mesmo tempo em que ampliou as aacutereas geograacuteficas de atuaccedilatildeo do setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento com Lomeacute I a Europa promoveu em 1976 a aproximaccedilatildeo
do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) das ONGs europeacuteias84 Naquela data foi
permitido que as ONGs dos paiacuteses europeus passassem a ter acesso diretamente aos
recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento para co-financiar ou financiar
integralmente projetos que seriam implementados nos paiacuteses atendidos pela Convenccedilatildeo de
Lomeacute I (1975) Com esse fim ainda em 1976 ldquocriou-se o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre as
as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento executadas pelo continente eram restritas as aacutereas aos paiacuteses da Aacutefrica Caribe e Paciacutefico ditos paiacuteses ACP
82 Com Lomeacute I a Europa comeccedilou a responder as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento (natildeo reciprocidade nas relaccedilotildees comerciais estabilizaccedilatildeo da renda de exportaccedilatildeo e alguns indexadores dos preccedilos de exportaccedilatildeo) as bases do acordo eram estruturas com igualdade entre dois conjuntos de paiacuteses extremamente diferentes em seus estaacutegios de desenvolvimento
83 Antonelli Salvatori Triulzi e Grilli e Di Nolfo percebem a expansatildeo geograacutefica das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Comunidade Europeacuteia como uma iniciativa de contenccedilatildeo do movimento de organizaccedilatildeo dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas (power o f cartels) e como uma aproximaccedilatildeo dos paiacuteses europeus do diaacutelogo Norte-Sul (ANTONELLI 1995 SALVATORI 1994 TRIULZI 2000 GRILLI 1993 Di Nolfo 1994)
84 Este processo de constituiccedilatildeo de novas entidades combina-se no caso europeu com o processo de revitalizaccedilatildeo do papel desempenhado por agecircncias privadas atuantes no campo da ajuda ou cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta Naquela deacutecada estabeleceram-se como ONGs internacionais de grande porte a NOVIB na Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique contre la Faim etpour le Deacuteveloppement na Franccedila A exemplo do papel desempenhado pelas fundaccedilotildees empresariais americanas estas agecircncias de ajuda e cooperaccedilatildeo em sua maioria vinculadas a Igreja canalizaratildeo em nome da solidariedade internacional um volume expressivo de recursos (TAVARES 1999)
68
ONGs e a Comissatildeo Europeacuteia (COMUNIDADE EUROPEacuteIA)85 Esse Comitecirc foi composto
pelos representantes da Comissatildeo Europeacuteia e por quinze representantes de ONGs dos paiacuteses
membros da Comunidade (MARTINS 2000 42)rdquo Note-se que essa praacutetica eacute diferente da
introduzida pela expansatildeo de 1985 pois ainda natildeo existia a possibilidade de estabelecer
parcerias entre as ONGs europeacuteias e as dos PVD Contudo naquele momento tambeacutem natildeo
existia uma rede de ONGs estruturada como atualmente conhecemos
Tavares percebe uma relaccedilatildeo direta entre a aproximaccedilatildeo das ONGs europeacuteias da
Comissatildeo Europeacuteia e a expansatildeo do setor nos anos setenta Os subsiacutedios puacuteblicos para as
ONGs europeacuteias aumentaram substancialmente a partir desta eacutepoca representando
atualmente de 59 a 68 dos recursos totais das Organizaccedilotildees francesas e alematildes
(TAVARES 1999 133) O processo de constituiccedilatildeo do Comitecirc de Aproximaccedilatildeo entre a
Comissatildeo e as ONGs combina com a expansatildeo do papel desempenhado por agecircncias
privadas atuantes no campo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta
Naquela deacutecada estabeleceram-se ONGs internacionais de grande porte como a NOVIB na
Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot
Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique Contre la Faim et Pour le
Deacuteveloppement na Franccedila (OLIVEIRA 1999) Aleacutem disso segundo Antonelli e tambeacutem
nos anos setenta os paiacuteses europeus passaram a promover incentivos puacuteblicos para a
formaccedilatildeo de pessoal que iria atuar na aacuterea de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir das
ONGs (CECCHI 1995)
A aproximaccedilatildeo da Comissatildeo Europeacuteia das ONGs pode ser explicada por uma seacuterie
de fatores Quanto agraves motivaccedilotildees das proacuteprias ONGs europeacuteias de se aproximarem dos
Estados de maneira institucionalizada devemos lembrar que Keohane considera que no
setor da cooperaccedilatildeo internacional todos os atores agem fundamentalmente por motivaccedilotildees
econocircmicas inclusive organizaccedilotildees internacionais e natildeo-governamentais (KEOHANE
1984) Contudo o autor considera que em algumas situaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento ou ajuda humanitaacuteria podem existir fenocircmenos definidos como
dependecircncia empaacutetica Ou seja que os atores de organizaccedilotildees natildeo governamentais podem
agir motivados por reais preocupaccedilotildees humanitaacuterias Nesses casos deve-se tomar em
85 Ref (httpwvesteriitpolesteracooperazquadrocoopdechtm)
69
consideraccedilatildeo natildeo a opiniatildeo dos fornecedores da ajuda mas a daqueles beneficiados por ela
(KEOHANE 1984 123)
Esta nossa investigaccedilatildeo contudo por tratar das puniccedilotildees e dos constrangimentos
impostos aos Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento a partir de um
fenocircmeno poliacutetico definido (a crise entre paiacuteses industrializados e paiacuteses preferencialmente
produtores de mateacuterias-primas) natildeo abordaraacute diretamente as motivaccedilotildees empaacuteticas destes
atores que podem existir em alguns casos Contudo preferimos manter a orientaccedilatildeo de
Cecchi e Tavares e prosseguir em nossa investigaccedilatildeo considerando que o crescimento
exponencial do nuacutemero de ONGs internacionais filiadas ao Comitecirc de Ligaccedilatildeo da
Comissatildeo Europeacuteia a partir de 1970 pode estar mais relacionado agraves motivaccedilotildees da proacutepria
Comunidade Europeacuteia do que a um fenocircmeno coletivo de dependecircncia empaacutetica Quando o
Comitecirc de aproximaccedilatildeo entre a Comissatildeo Europeacuteia e as ONGs europeacuteias foi fundado em
1976 as ONGs participantes eram 15 Na metade dos anos noventa mais de 800 ONGs jaacute
eram filiadas ao Comitecirc (MARTINS 2000 42) e atualmente mais de 1000 ONGs
internacionais europeacuteias podem ter acesso direto aos fluxos do regime internacional ODA
alocados no Fundo europeu de Desenvolvimento (COMUNE Dl MILANO)86 Segundo
Tavares atualmente o nuacutemero total de ONGs internacionais no mundo eacute de 1500
(TAVARES 1999)
Quanto agraves motivaccedilotildees da Europa nos primeiros anos de suas novas poliacuteticas de
cooperaccedilatildeo a partir do choque do petroacuteleo pode-se supor que os dois frontes abertos de
atuaccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo (a ampliaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas cobertas pela
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e a aproximaccedilatildeo das ONGs da Comissatildeo Europeacuteia) fosse
inicialmente uma tentativa destes governos de conseguir uma imagem positiva de suas
iniciativas de cooperaccedilatildeo ampliada Grilli sugere que Lomeacute I (1975) cumpriu a funccedilatildeo de
desvincular a imagem da Europa de seu passado colonial que tinha sido perpetuado desde
a Segunda-Guerra pelo Associativismo87 entre a Europa e suas antigas colocircnias (GRILLI
86 Disponiacutevel on-line (httpAvwwcomunemilanoif) - Settore di Relazione Estere e Comunicazione
87 O associativismo foi estabelecido em 1957 com o Tratado de Roma e visava regularizar as tenccedilotildees do final do regime colonial Os paiacuteses participantes do associativismo eram aqueles da Aacutefhca Caribe e Paciacutefico ditos ACP
70
1993) Eacute possiacutevel que a aproximaccedilatildeo da Europa das ONGs tenha cumprido essa mesma
funccedilatildeo Isso porque naqueles anos do choque do petroacuteleo quando a tensatildeo entre paiacuteses
industrializados (desenvolvidos) e paiacuteses produtores basicamente de mateacuterias-primas (em
desenvolvimento) estava bastante acentuada a Europa tentava afastar de si mesma e de
suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo a imagem do passado colonial (GRILLI 1995)
O segundo momento de expansatildeo das relaccedilotildees da Comunidade Europeacuteia com as
ONGs internacionais aconteceu em 1985 quando o Conselho da Europa adotou a ldquoCherte
Europeacuteenne de L Autonomie Localerdquo que permitiu agraves ONGs europeacuteias utilizar o regime
ODA para realizar diretamente projetos de cooperaccedilatildeo com as ONGs dos paiacuteses em
desenvolvimento sem a participaccedilatildeo direta dos governos nacionais (COOPERAZIONE
DECENTRATA ALLO SVTLUPPO 2000)88 No mesmo ano o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre a
Comissatildeo Europeacuteia e ONGs adotou o conceito de interdependecircncia Norte-Sul de atuaccedilatildeo
de accedilotildees globais para a soluccedilatildeo dos problemas de desenvolvimento (GRILLI 1993 40-45)
(como visto no capiacutetulo anterior a noccedilatildeo de interdependecircncia no cenaacuterio internacional dos
anos oitenta foi decidida na Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento
Econocircmico em 1981)
De fato em 1985 a agenda das atividades cobertas pela modalidade de cooperaccedilatildeo
descentralizada foi estabelecida como veremos mais adiante a partir do conceito de
necessidades humanas baacutesicas (NHB) e dos temas globais Esse tipo de agenda eacute uma
limitaccedilatildeo ao uso dos fluxos do regime internacional ODA pois estabelece para quais
setores os projetos de desenvolvimento deveratildeo ser apresentados (CREWEampHARRISON
1999)
Devemos ainda recordar que a expansatildeo das atividades da ONGs aconteceu no
mesmo momento em que o processo de internacionalizaccedilatildeo (abordado no capiacutetulo anterior
como uma reduccedilatildeo de custos operacionais que promoveram uma acentuada circulaccedilatildeo dos
fluxos de mercadorias financcedilas e serviccedilos (MDLNER amp KEOHANE 1996) se acentuava
Rainhom a partir de um estudo sobre as ONGs de sauacutede relaciona a expansatildeo
internacional das ONGs internacionais agrave do capital financeiro internacional O tema como
afirma o proacuteprio autor embora ainda natildeo seja explorado em todas as suas possibilidades
88 disponiacutevel on-line (httpwwwesteriitpolesteracooperazquadrocoopdcchtin)
71
pode vir a constituir um campo de investigaccedilatildeo bastante interessante proximamente
Algumas constataccedilotildees podem ser percebidas no trabalho de Hours Segundo o autor a
expansatildeo das ONGs internacionais e emergenciais e a implantaccedilatildeo do discurso privado nos
paiacuteses em desenvolvimento aconteceram paralelamente Para esse autor a ideologia
humanitaacuteria fundada nas intervenccedilotildees de urgecircncia (em um futuro direito de ingerecircncia) e
nas intervenccedilotildees pontuais se impotildee como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS
2001) Em particular a presenccedila na miacutedia das ONGs de sauacutede e do heroacutei meacutedico sem
fronteira eacute abordada pelo autor como uma ofensiva ideoloacutegica e poliacutetica que antecedeu a
ofensiva neoliberal da ONG americana Liberdade Sem Fronteiras (proacutexima dos Meacutedicos
Sem Fronteiras) fundada em 1985 quando terminou a Guerra Fria O objetivo da
Liberdade sem Fronteiras era promover as intervenccedilotildees privadas (e das proacuteprias ONGs) em
um momento de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas mundiais quando os paiacuteses em
desenvolvimento reacenderam suas esperanccedilas de instaurar regimes internacionais mais
favoraacuteveis aos seus interesses (HOURS 2001 98-103)
Natildeo temos elementos teoacutericos disponiacuteveis para avanccedilar no discurso ilustrado acima
contudo acreditamos que esse tipo de aproximaccedilatildeo poderaacute ser produtivo para uma futura
investigaccedilatildeo mais focada na hipoacutetese levantada por Hours de se interpretar as ONGs
internacionais como promotoras do neoliberalismo Aleacutem disso esse tipo de anaacutelise pode
nos deixar mais atentos para a sincronizaccedilatildeo que existiu entre a expansatildeo das ONGs no
setor da cooperaccedilatildeo internacional na Europa a partir dos anos oitenta - notoriamente nas
Convenccedilotildees de Lomeacute Hl (1985) e Lomeacute IV (1990) - e os movimentos de expansatildeo do
capital financeiro europeu estabelecidos nestas mesmas Convenccedilotildees Neste sentido a
Convenccedilatildeo de Lomeacute Hl (1985) que definiu as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Europa entre
1985 e 1990 estabeleceu a salvaguarda dos investimentos privados do continente aplicados
em paiacuteses em desenvolvimento Isso determinou que os fluxos privados (IDE)89 europeus
destinados aos PVD teriam uma garantia dos governos nacionais dos paiacuteses do Sul que
mantivessem relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo com a Europa (GRILLI 1993)90 Segundo Grilli esse
89 Fluxos IDE satildeo financiamentos privados ou capital internacional investido no paiacutes recebedor dos recursos
90 Grilli aponta sempre o enfraquecimento do poder de barganha dos Estados em desenvolvimento como responsaacutevel pela introduccedilatildeo da praacutetica da salvaguarda (GRILLI 1993)
72
tipo de concessatildeo nunca tinha sido tolerado pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento O
autor acredita que a concessatildeo da salvaguarda dos investimentos privados soacute foi possiacutevel
porque os PVD encontravam-se em um dos momentos mais difiacuteceis da crise da diacutevida
externa e como vimos natildeo tinham recebido nenhum tipo de apoio econocircmico aleacutem dos
previstos em Bretton Woods Qualquer tipo de capital destinado a estes paiacuteses mesmo com
fortes condicionamentos era indispensaacutevel para uma tentativa de normalizaccedilatildeo da
economia destes paiacuteses
Uma uacuteltima observaccedilatildeo sobre a expansatildeo das ONGs e a das poliacuteticas liberais pela
Europa na Convenccedilatildeo de Lomeacute IV (1990) em que o conceito de cooperaccedilatildeo
descentralizado foi oficialmente instituiacutedo e alargado para os paiacuteses que mantecircm relaccedilotildees
de cooperaccedilatildeo com a Comunidade Europeacuteia a Europa introduziu e adotou o conceito de
condicionalidade financeira deixando de financiar projetos tradicionais e passando a
realizar como os institutos financeiros empreacutestimos de ajustamento estrutural que
utilizavam os fluxos do regime internacional ODA (GRILLI 1993)
Parece correto afirmar que o setor da cooperaccedilatildeo internacional da Europa adequou-
se agraves medidas decididas pelos paiacuteses da OCDE no Comitecirc de Assistecircncia ao
Desenvolvimento (CAD) quanto agrave orientaccedilatildeo ainda no final dos anos setenta de destinar
as poliacuteticas de desenvolvimento para os setores privados (RELATOacuteRIO ANUAL CAD
1979) No capiacutetulo anterior demonstramos que em 1979 Van Lennep - entatildeo secretaacuterio-
geral adjunto da OCDE - tomou possiacutevel a aproximaccedilatildeo entre os bancos privados e o setor
de financiamento da ajuda financeira ao desenvolvimento Acrescentamos agora a
informaccedilatildeo de que naquele mesmo ano o Comitecirc promoveu o ldquoI Encontro CAD com o
Conselho Internacional das Agecircncias de Voluntaacuterios (ICVA 91
Essa aproximaccedilatildeo das ONGs com a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi sustentada
pelas afirmaccedilotildees feitas pelos grupos de estudo do CAD segundo as quais o setor privado
garantiria maior eficaacutecia e transparecircncia na utilizaccedilatildeo dos recursos enviados aos paiacuteses em
vias de desenvolvimento sustentando que os Estados doadores poderiam estabelecer mais
facilmente mecanismos de avaliaccedilatildeo da efetiva utilizaccedilatildeo dos financiamentos
91 Logo depois em 1981 foi Banco Mundial quem estabeleceu uma diretriz especiacutefica (nota de poliacutetica operacional 1005) Segundo Fuumlhner a decisatildeo do Banco ldquorefletia o interesse do Banco em aproveitar em operaccedilotildees de financiamento a experiecircncia de campo daquelas organizaccedilotildeesrdquo (FUumlRNER 1996)
73
Vilanova nos lembra que em 1976 quando o relacionamento das ONGs com a
Comunidade Europeacuteia nasceu o Estado ficou no centro do processo Ou seja os paiacuteses
europeus puderam controlar e garantir ao mesmo tempo o maacuteximo de eficiecircncia Para
esse autor as ONGs como atores menos sujeitos ao direito internacional e devido ao bom
relacionamento que estabeleceram com a miacutedia conseguiram promover a reorganizaccedilatildeo
das estruturas humanitaacuterias nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Ele sugere que esse eacute
um aspecto muito positivo da atuaccedilatildeo das ONGs contudo seu discurso natildeo avanccedila sobre a
possibilidade que as ONGs tecircm de atuar sobre a reorganizaccedilatildeo de outras estruturas nos
paiacuteses em vias de desenvolvimento
Na verdade essa investigaccedilatildeo do poder de interferecircncia das ONGs nos paiacuteses em
vias de desenvolvimento eacute ainda muito recente no setor da cooperaccedilatildeo internacional
Deveremos reservar para o futuro o aprofundamento dessa discussatildeo Poreacutem Vilanova
Basile Antonelli e Jahier mdash autores estudados nesse capiacutetulo que em maior ou menor
medida se aproximaram desse tema mdash natildeo colocaram em discussatildeo em qualquer
momento o papel central de seus Estados como o ator mais importante desse processo de
ampliaccedilatildeo das ONGs no cenaacuterio internacional Essa observaccedilatildeo denuncia um aspecto da
discussatildeo que embora tenha estado presente desde a introduccedilatildeo do termo - cooperaccedilatildeo
descentralizada - esteve agrave margem durante nossa anaacutelise aquele ligado aos conceitos de
governabilidade (good governace) e de desenvolvimento sustentaacutevel participativo que tecircm
servido de suporte conceituai para a afirmaccedilatildeo dessa modalidade de ajuda Esses dois
suportes conceituais seratildeo vistos em relaccedilatildeo com as justificativas teoacutericas da Comunidade
Europeacuteia e da literatura especializada para a realizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada
atraveacutes das parcerias entre ONGs europeacuteias e ONGs locais
Podemos encerrar essa seccedilatildeo com a afirmaccedilatildeo de Tavares de que muitas vezes a
falta de transparecircncia das ONGs pode ser identificada no fato de que muitos governos
utilizam estas organizaccedilotildees como instrumentos de atuaccedilatildeo externa em iniciativas sobre as
quais natildeo lhes conveacutem assumir responsabilidade direta Em tais casos a flexibilidade em
mateacuteria de elaboraccedilatildeo de relatoacuterios e procedimentos contaacutebeis concedidos agraves ONGs por
92 Em VILANOVA 1995 BASILE 1995 ANTONELLI 1995 JAHIER 2000
74
estes governos revela-se essencial para que as iniciativas natildeo sejam diretamente
identificadas com estes atores (TAVARES 1999)
As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada
As justificativas da Comunidade para a implantaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada
foram baseadas em dois aspectos distintos Primeiramente justificou-se a implantaccedilatildeo da
cooperaccedilatildeo descentralizada devido ao fato de que mesmo depois de estabelecida a ajuda
internacional ao desenvolvimento nos anos sessenta os indicadores de desenvolvimento e
de necessidades humanas baacutesicas dos PVD (atualmente definido como desenvolvimento
humano) permaneciam estagnados93 As causas do falimento da ajuda foram buscadas em
uma certa incapacidade organizacional e institucional destes paiacuteses na administraccedilatildeo dos
recursos Tambeacutem Barbarella afirma que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi instituiacuteda porque
os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizaram inadequadamente os
instrumentos da cooperaccedilatildeo e os reduziram a um aparato operativo ineficaz vinculado
muitas vezes agrave poliacutetica externa e comercial de seus Estados (BARBARELLA 1998)
Basile e Antonelli justificam a cooperaccedilatildeo descentralizada focando seu discurso na
maior transparecircncia e eficiecircncia das ONGs e na sua natural vocaccedilatildeo de cumprir metas
sociaisrdquo (BASILE ANTONELLI 1995) Lal afirma que as ONGs internacionais com
organizaccedilotildees radicadas no territoacuterio dos paiacuteses beneficiados podem identificar os
potenciais beneficiaacuterios e endereccedilaacute-los aleacutem de monitorar os benefiacutecios a serem destinados
a eles muito melhor do que os governos nacionais (LAL) Outros autores mais favoraacuteveis
ao processo da participaccedilatildeo das ONGs chegam a considerar a cooperaccedilatildeo descentralizada
como uma necessidade - isto devido agrave proacutepria conduta dos governos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento ldquoque costumam ser corruptos pouco democraacuteticos e incompetentes no
exerciacutecio de suas funccedilotildees governamentaisrdquo (BARBARELLA 1998)
93 LIVRO VERDE 1997 O Livro Verde eacute editado pela direccedilatildeo geral do desenvolvimento e conteacutem as normas da Comunidade para o setor
75
Podemos perceber que esse tipo de observaccedilatildeo nos conduz primeiramente agrave
percepccedilatildeo de que se naturalizou a ideacuteia de que os fluxos do regime internacional ODA
devem cumprir funccedilotildees de desenvolvimento humano (necessidades humanas baacutesicas) A
segunda percepccedilatildeo eacute que as justificativas iniciais da Comunidade Europeacuteia parecem
fortemente baseadas no suporte teoacuterico da governabilidade A noccedilatildeo de governabilidade
associada ao pluralismo democraacutetico eacute vista atualmente como uma forma de
desenvolvimento correto para os paiacuteses mais pobres A legitimidade da cooperaccedilatildeo
descentralizada para promover a governabilidade nos paiacuteses em vias de desenvolvimento
parece estar sendo buscada pelos autores abordados no uacuteltimo paraacutegrafo na ideacuteia de que
os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento seriam pouco representativos de suas
populaccedilotildees A proacutepria Comunidade faz essa afirmaccedilatildeo no documento oficial de
sensibilizaccedilatildeo popular mdash destinado agrave sociedade civil europeacuteia mdash sobre a necessidade da
manutenccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento ldquoa
Comunidade estaacute trabalhando haacute mais de dez anos para desenvolver (atraveacutes da
cooperaccedilatildeo) um diaacutelogo simultacircneo com aqueles que satildeo os reais beneficiaacuterios da ajuda
Mandando delegaccedilotildees a campo a Comunidade manteacutem uma permanente relaccedilatildeo com as
pessoas locais e serve de intermediaacuteria entre a populaccedilatildeo local e os governos oficiaisrdquo 94
A noccedilatildeo de governabilidade como aquela utilizada pelo discurso da Comunidade
Europeacuteia estabelece uma ilegitimidade dos governos nacionais dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento perante as populaccedilotildees destes Estados aleacutem de criar uma imagem negativa
dos governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento junto agraves populaccedilotildees dos paiacuteses
desenvolvidos O que pode representar inclusive perdas comercias profundas para estes
uacuteltimos Essa imagem negativa pode ser utilizada inclusive pelos governos dos paiacuteses
desenvolvidos como instrumento de pressatildeo econocircmica e poliacutetica contra os paiacuteses do
Terceiro Mundo Cooper e Packhard argumentam que o sucesso da transmissatildeo de ideacuteias
como a governabilidade (que eacute oficialmente produto da ajuda conceituai CAD) emana das
poderosas organizaccedilotildees de desenvolvimento com o claro objetivo de promover mudanccedilas
poliacuteticas- Os autores acreditam que criacuteticas agrave corrupccedilatildeo de governo ao clientelismo e a
incompetecircncia satildeo criadas propositadamente para desconstruir a capacidade politica dos
94 ( w europaeuintscadpluslegleslubrl 2500htm)
76
governos dos paiacuteses mais pobres Mais importante olhar a governabilidade na perspectiva
histoacuterica permite que o conceito pareccedila menos novo A insistecircncia em good governance eacute
em grande parte reproduccedilatildeo do que jaacute foi previamente dito sobre good economy uma
afirmaccedilatildeo - em forma de eufemismo - de que o Ocidente tem proposto objetivos a serem
atingidos pelos PVD um conjunto generalizado de categorias que definem seus standards
(COOPER amp PACKHARD 1997)
A cooperaccedilatildeo descentralizada foi implementada no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento concomitantemente agrave introduccedilatildeo na agenda internacional dos conceitos
de governabilidade e participaccedilatildeo civil e de corrupccedilatildeo dos governos dos paiacuteses do terceiro
mundo Embora alguns autores afirmem que o conceito de governabilidade tenha entrado
no cenaacuterio internacional a partir do estudo poor governance do Banco Mundial em 1992
devemos lembrar que jaacute na metade dos anos oitenta o CAD publicou que ldquoAs Agecircncias
das Naccedilotildees Unidas (e as demais organizaccedilotildees internacionais) deveriam estabelecer projetos
que procurassem contribuir para estrateacutegias de Orientaccedilatildeo Paiacutesrdquo Estas orientaccedilotildees
contudo deveriam estar centralizadas ldquoem trecircs principais elementos o melhoramento
poliacutetico e a construccedilatildeo institucional da regiatildeo (que estruturam o conceito de good
governance) e o desenvolvimento de programas com investimentos puacuteblicosrdquo
(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1987) Em 1988 o CAD adotou os princiacutepios para a
apreciaccedilatildeo internacional de projetos de organizaccedilotildees natildeo-govemamentais (RELATOacuteRIO
ANUAL CAD 1987) Sobre a corrupccedilatildeo dos governos dos PVD o relatoacuterio anual do CAD
de 1992 afirmava ldquoLutar contra a corrupccedilatildeo e melhorar as financcedilas eacute um elemento
essencial da governabilidade A corrupccedilatildeo pode minar a inteira faacutebrica da economia e da
vida poliacutetica A corrupccedilatildeo pode prejudicar a reputaccedilatildeo da ajuda (ODA) junto agraves
populaccedilotildees civis dos paiacuteses doadoresrdquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)
E interessante perceber que a cooperaccedilatildeo descentralizada e a questatildeo da
governabilidade parecem estar conseguindo unir uma seacuterie de atores dos paiacuteses
desenvolvidos Apesar das diferenccedilas de discurso na cooperaccedilatildeo descentralizada e na
noccedilatildeo de que ela representa um papel fundamental para promover a governabilidade dos
paiacuteses em vias de desenvolvimento engajaram-se aleacutem do fundo europeu os doadores
bilaterais destes paiacuteses e as proacuteprias ONGs internacionais europeacuteias A esse propoacutesito a
posiccedilatildeo do grupo de ONGs europeacuteias durante a uacuteltima Conferecircncia sobre o Financiamento
77
do Desenvolvimento em Monterrey foi bastante clara em sua posiccedilatildeo sobre a administraccedilatildeo
direta dos recursos ODA pelos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
O grupo dos 77 reafirmava exaustivamente o direito dos PVD administrarem seus
proacuteprios recursos mesmo que nunca tenha ficado claro quais fossem exatamente seus
objetivos Aleacutem disso os governos destes paiacuteses costumam desconsiderar alguns direitos de
desenvolvimento como regras de govemo e direitos das populaccedilotildees Estes governos
tambeacutem costumam se opor ao dinheiro que venha atraveacutes das organizaccedilotildees natildeo
governamentais e continuam desconfiados quanto agrave utilizaccedilatildeo de mecanismos de ajuda - do
FMI e do Banco Mundial - que estabeleccedilam ajustes macroeconocircmicos Eles se opotildeem ateacute
mesmo ao recente foco da ajuda bilateral de privilegiar os paiacuteses mais pobres Finalmente
costumam natildeo consideraras demandas sociais e ambientais de seus paiacuteses (THE COURIER
ACP-EU 2002 l)95
A posiccedilatildeo das ONGs europeacuteias parece bastante adequada com os crescentes
interesses financeiros destas organizaccedilotildees no setor do desenvolvimento Estimava-se que
no final dos anos 90 o conjunto de ONGs dos paiacuteses OCDE administrasse o equivalente a
mais de 10 bilhotildees de doacutelares por ano entre contribuiccedilotildees puacuteblicas e privadas Destes
recursos em meacutedia 23 provecircm de doaccedilotildees privadas (JAHIER 2000 208) Quanto agraves
contribuiccedilotildees privadas das ONGs precisamos ressaltar que estas organizaccedilotildees podem
utilizar um percentual de ateacute 15 dos recursos conseguidos junto ao Fundo Europeu para
realizar campanhas publicitaacuterias de suas atividades Esse feto tem contribuiacutedo em larga
medida para a expansatildeo das contribuiccedilotildees privadas das ONGs nos paiacuteses da OCDE que
passaram de pouco menos de US$ 1 bilhatildeo para 7 bilhotildees de doacutelares entre 1970 e 1990
(JAHEER 2000) Realizar uma pesquisa criteriosa da administraccedilatildeo dos recursos das ONGs
e da efetiva aplicaccedilatildeo destes recursos nos paiacuteses em vias de desenvolvimento eacute uma tarefa
extremamente complicada As ONGs colocam-se como organizaccedilotildees separadas dos
governos e orgulhosas de sua autonomia natildeo permitem facilmente interferecircncia e
controles quanto agrave administraccedilatildeo de seus recursos (TAVARES 1999) Horton Smith
(citado por Tavares) chama a atenccedilatildeo para o feto de que estas organizaccedilotildees tendem a tratar
com certo grau de sigilo o processo de definiccedilatildeo de suas atividades e os esquemas de apoio
95 Courier ACP-EU eacute o informativo das ONGs europeacuteias
78
financeiro dos quais se beneficiam chegando em alguns casos a natildeo revelar claramente sua
composiccedilatildeo Mesmo nos paiacuteses europeus onde se costuma destinar grandes somas puacuteblicas
para estas organizaccedilotildees um controle do uso dos recursos natildeo acontece (TfiacuteATFR 2000)
Ateacute mesmo pela proacutepria regulamentaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada que aleacutem de dar
autonomia para estas organizaccedilotildees para a gestatildeo dos fundos ainda permite que a prestaccedilatildeo
de contas finais da realizaccedilatildeo de um projeto seja apresentada cinco anos depois da
assinatura do contrato96 Esse intervalo temporal concede agraves ONGs uma ampla
possibilidade de alterar ou maquiar seus relatoacuterios finais de prestaccedilatildeo de contas
A segunda justificativa da Comunidade Europeacuteia para a introduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo
descentralizada foi o crescimento da vitalidade e da efervescecircncia da sociedade civil nos
paiacuteses em vias de desenvolvimento A cooperaccedilatildeo descentralizada foi justificada como um
incentivo para que as sociedades civis organizadas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pudessem interferir diretamente nos processos de desenvolvimento destes paiacuteses Contudo
como vimos a cooperaccedilatildeo descentralizada natildeo significou um acesso direto das ONGs do
Sul aos recursos do Fundo Europeu como poderia ser esperado a partir das motivaccedilotildees
declaradas Para justificar a ampliaccedilatildeo dessa praacutetica a Comunidade Europeacuteia tem utilizado
o apoio que as ONGs do Sul demonstraram pelas iniciativas de desenvolvimento
descentralizado97 A mesma justificativa baseia-se no conceito de desenvolvimento
sustentaacutevel participativo no papel que a ajuda oficial ao desenvolvimento supostamente
tem de promover a expansatildeo da rede de suporte agraves poliacuteticas da governabilidade (CREWE
amp HARRISON 1998)
O grande problema da questatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel participativo eacute que
essa noccedilatildeo vem se sobrepondo nos anos noventa ao conceito de cooperaccedilatildeo teacutecnica que
era um dos pilares fundadores do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
A cooperaccedilatildeo teacutecnica era entendida inicialmente como uma transferecircncia de capacidade
produtiva que devia servir para consolidar a autonomia dos Estados na formulaccedilatildeo das
poliacuteticas nacionais de desenvolvimento (MARCHISIO 1986) Contudo depois da
introduccedilatildeo da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel participativo a cooperaccedilatildeo teacutecnica tem
96 General Conditons For The Cofinance Of Development 2000 2
97 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 fwwvvestonityioleseracooreraz auadrocooixfcchtml
79
sido percebida como a possibilidade dos paiacuteses doadores de interferir em niacuteveis de
eficiecircncia (humana) nos sistemas produtivos do paiacutes recebedor Desse modo deixa-se de
mandar tecnologia para os paiacuteses do Terceiro Mundo passando-se a mandar pessoal
teacutecnico que ajudaraacute na construccedilatildeo de projetos locais de desenvolvimento e orientaraacute as
populaccedilotildees de base quanto a suas capacidades de organizaccedilatildeo (CAFFARENA 2001) Esse
tipo de procedimento aumenta muito o nuacutemero de teacutecnicos internacionais e expatriados dos
paiacuteses em desenvolvimento que encontram trabalho bem remunerado nos paiacuteses em vias de
desenvolvimento
Devemos ainda aprofundar a questatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada estabelecida a
partir do criteacuterio de parcerias Vimos anteriormente que a regulamentaccedilatildeo do programa natildeo
permitiu que as ONGs do Sul pudessem ter acesso direto aos recursos da Comunidade98 e
que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi baseada no criteacuterio de parceria (partnership) entre as
ONGs internacionais europeacuteias e suas congecircneres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
Segundo a Comunidade Europeacuteia as parcerias foram introduzidas ldquopara favorecer a
participaccedilatildeo ativa dos diversos componentes representativos da sociedade civil dos paiacuteses
parceiros no processo de decisatildeo com fins de desenvolvimento sustentaacutevel nos seusbull bull laquo99terntonos
Segundo Crewe e Harrison a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada -
a partir do criteacuterio de parceria - foi uma estrateacutegia dos paiacuteses detentores dos fundos para
conseguir manter a maior parte possiacutevel dos recursos em seus proacuteprios paiacuteses atraveacutes do
pagamento de consultores e pessoal especializado local e expatriado da manutenccedilatildeo de
mecanismos burocraacuteticos em seus territoacuterios e da tendecircncia em aprovar projetos que
pudessem incentivar a venda de seus produtos e equipamentos Uma segunda razatildeo
apontada pelas autoras para o estabelecimento de um modelo de cooperaccedilatildeo
descentralizada baseada em parcerias eacute que as organizaccedilotildees locais assim como os
governos do Terceiro Mundo passam a ter uma conotaccedilatildeo passiva e satildeo mais fortemente
percebidas como incapazes de manejar seu proacuteprio trabalho (CREWE amp HARRISON
9S Em 1992 a autoridade orccedilamentaacuteria da Comunidade criou uma rubrica orccedilamentaacuteriadestinada a promover a cooperaccedilatildeo descentralizada em todas as atividades de cooperaccedilatildeo aodesenvolvimento com paiacuteses pobres (httpwwweuropaeuint) A cooperaccedilatildeo descentralizada foiincentivada sem regulamentaccedilatildeo orccedilamentaacuteria jaacute a partir dos anos oitenta
99 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wAvesten it nolesera cooperaz ciuadro cooixiechtm)
80
1998) Em concordacircncia com a opiniatildeo das autoras parece estar a proacutepria definiccedilatildeo do CAD
de parceria ldquoAtraveacutes da parceria (partnership) a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo tenta
fazer coisas para os paiacuteses em desenvolvimento e para suas populaccedilotildees mas com eles Isso
pode ser visto como um esforccedilo colaborativo para ajudaacute-los a aumentar suas capacidades de
fazer coisas para eles mesmosrdquo (OECD 1996 13) Na mesma linha de raciociacutenio se
encontra a definiccedilatildeo do PNUD de cooperaccedilatildeo descentralizada a partir das parcerias ldquoA
cooperaccedilatildeo descentralizada eacute um processo cujo objetivo eacute capacitar as pessoas para
empreender uma accedilatildeo para um desenvolvimento autocircnomo e de adquirir a capacidade de
influenciar e dirigir as mudanccedilas da proacutepria sociedaderdquo
Sobre as opiniotildees favoraacuteveis em relaccedilatildeo agrave questatildeo das parcerias relembramos as
anaacutelises de Triulzi Basile e Antonelli atraveacutes das quais iniciamos a investigaccedilatildeo do termo
cooperaccedilatildeo descentralizada Para Triulzi por meio de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores
se atingiratildeo as necessidades reais das populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pois essa relaccedilatildeo ldquoproporcionaria o favorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-
administrativas de maneira a defender os direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos
defendendo a igualdade entre gecircneros introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo
democraacutetica na vida social e civil dos PVDrdquo (TRIULZI 1998 128)
Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais
Dois uacuteltimos aspectos seratildeo abordados no encerramento desse trabalho O primeiro
eacute em relaccedilatildeo agrave agenda da cooperaccedilatildeo descentralizada que - como salientamos
anteriormente - pode representar um constrangimento inicial para a utilizaccedilatildeo dos recursos
do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Isso porque os projetos satildeo
aprovados com bases setorial preacute-determinada pela proacutepria Comunidade Europeacuteia O
segundo aspecto que discutiremos eacute em relaccedilatildeo agrave expansatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo das ONGs
internacionais no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive como
agecircncias executivas de organizaccedilotildees internacionais e dos proacuteprios governos
A mesma liberdade quanto agrave aplicaccedilatildeo dos recursos alocados pelas ONGs
internacionais que apenas discutimos natildeo acontece em relaccedilatildeo agrave escolha dos temas e das
aacutereas dos projetos apresentados a Comunidade Europeacuteia O Guia Geral das Condiccedilotildees de
81
Co-Financiamento de Operaccedilotildees de Desenvolvimento Executadas por ONGs Europeacuteias em
paiacuteses de Desenvolvimento da Comissatildeo da Comunidade Europeacuteia estabelece que os
projetos sejam executados nas seguintes aacutereas principais desenvolvimento econocircmico e
social local em aacutereas urbanas e rurais desenvolvimento de recursos humanos e suporte para
a estruturaccedilatildeo de ONGs locais Ainda podem ser apresentados projetos nas aacutereas
secundaacuterias de promoccedilatildeo dos direitos humanos e da democracia promoccedilatildeo das mulheres
desenvolvimento sustentaacutevel direitos das crianccedilas proteccedilatildeo de culturas ameaccediladas
educaccedilatildeo de base sauacutede baacutesica proteccedilatildeo e resoluccedilatildeo de conflitos100
Os temas assistidos pelas ONGs internacionais estatildeo em concordacircncia com os
estabelecidos pelos paiacuteses da OCDE para o uso da condicionalidade da ajuda visto no
capiacutetulo anterior Considerando-se as limitaccedilotildees iniciais para a apresentaccedilatildeo de projetos
pelas ONGs internacionais e apenas os fundos puacuteblicos por elas administrados ou seja o
equivalente a US$ 3 bilhotildees de doacutelares (em meacutedia 5 dos recursos do fundo Europeu mdash
TRJLUZI 1998)101 podemos perceber o quanto a cooperaccedilatildeo descentralizada possa vir a
representar um fator de constrangimento para o acesso dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento aos fundos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento
(ODA) e ao estabelecimento de programas nacionais de desenvolvimento No que diz
respeito agraves contribuiccedilotildees dos fundos puacuteblicos dos Estados europeus tomados
individualmente os paiacuteses destinam agraves ONGs percentuais muito variados de seus fundos
oficiais A Aacuteustria e a Irlanda satildeo os dois paiacuteses que menos repassam contribuiccedilotildees para as
ONGs fixando-se em um percentual de 10 de seus fundos ODA na margem oposta estatildeo
a Beacutelgica e a Itaacutelia que repassam mais de 70 de suas contribuiccedilotildees oficiais ao
desenvolvimento atraveacutes das ONGs
Como dissemos as ONGs internacionais estatildeo expandindo suas fontes de recursos e
podem receber financiamentos dos institutos financeiros e do proacuteprio PNUD a partir da
cooperaccedilatildeo coordenada CAD que incentivou a aproximaccedilatildeo das ONGs do setor da
cooperaccedilatildeo jaacute a partir de 1979 (REALATOacuteRIO ANUAL CAD 1979) O Banco Mundial
atualmente utiliza 50 de seus recursos por meio das ONGs internacionais (dados de 1999
luu General Conditions For The Cofmancing Of Development 2000 3-4
K1 Em 1970 os fundos puacuteblicos eram inferiores a US$ 200 milhotildees (JAHIER 2000 208)
82
TAVARES 1999) O PNUD assim como uma seacuterie de outras agecircncias e Programas das
Naccedilotildees Unidas utiliza ONGs internacionais acreditadas junto ao ECOSOC (Conselho
Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas) com status consultivo como agecircncias executivas
em suas atividades desde 1984 As ONGs ativas de voluntariado desenvolvimento ajuda
humanitaacuteria e de emergecircncia (os quatro termos correspondem agrave quase totalidade das ONGs)
satildeo atualmente aproximadamente 4000 (JAHEER 2000208) Destas 2234 satildeo acreditadas
junto ao ECOSOC sendo que 79 delas pertencem agrave Europa e aos Estados Unidos103
(dados fornecidos pelo ECOSOC) Devemos lembrar que o Banco Mundial assim como as
demais agecircncias do Sistema das Naccedilotildees Unidas realiza empreacutestimos com garantia
governamental Desse modo a atuaccedilatildeo das ONGs a partir destas fontes seraacute decidida em
acordo feito junto aos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
(AGEcircNCIA BRASILEIRA DE COOPERACcedilAtildeO) De qualquer maneira Tavares nos
lembra que muitas das organizaccedilotildees internacionais estatildeo condicionando a presenccedila de
ONGs no andamento dos projetos realizados nos paiacuteses em vias de desenvolvimento para
a liberaccedilatildeo dos recursos o que acaba alterando o procedimento das preferecircncias dos
governos e os leva muitas vezes a modificar estrateacutegias de negociaccedilatildeo e a incorporar as
ONGs em suas iniciativas especiacuteficas (TAVARES 1999)
Sobre a desproporccedilatildeo do nuacutemero de ONGs internacionais do Norte e do Sul que tecircm
caraacuteter consultivo junto ao ECOSOC devemos considerar que a falta de um criteacuterio
regional mais equilibrado para a concessatildeo do status consultivo junto agrave organizaccedilatildeo
aumenta ainda mais a concentraccedilatildeo do poder de utilizaccedilatildeo dos recursos nas esferas de
102
102 O relacionamento das Ongs com o Banco Mundial se desenvolveu basicamente a partir dos anos 80 com o estabelecimento de diretrizes especiacuteficas em 1981 (Nota de Poliacutetica Operacional 1005) (TAVARES 1999)
103 Das 2234 Ongs acreditadas junto ao ECOSOC em 2002 (segundo criteacuterio de localizaccedilatildeo da sede central) 39 pertencem agrave Europa 30 aos EUA 6 agrave Ameacuterica Latinal agrave Oceania 10 agrave Aacutefrica e 14 agrave Aacutesia (ECOSOC - httpwww unorg - dados solicitados diretamente) A proporccedilatildeo de ONGs dos paiacuteses desenvolvidos acreditadas junto ao ECOSOC pode ser ainda maior do que revelam os dados Isso porque o criteacuterio de cadastramento das ONGs em base regional eacute realizado tomando-se como referecircncia a sede administrativa das atividades da ONG naquele ano Considerando que atualmente as grandes organizaccedilotildees (que pertencem todas aos paiacuteses desenvolvidos) mudam constantemente de sede estabelecendo em alguns periacuteodos as sedes centrais das organizaccedilotildees nos paiacuteses em vias de desenvolvimento os dados do ECOSOC podem esconder uma realidade ainda mais favoraacutevel as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos
83
decisatildeo do Norte do mundo Aleacutem disso as ONGs do Sul estatildeo de qualquer maneira em
desvantagem porque elas tecircm menos acesso a informaccedilatildeo privilegiadas devido ao feto de
que atualmente as grandes ONGs internacionais dos paiacuteses desenvolvidos manteacutem
escritoacuterios permanentes em Bruxelas e Nova Iorque podendo desse modo obter
informaccedilotildees avantajadas sobre a liberaccedilatildeo de recursos oficiais Aleacutem disso as redes mais
limitadas de suporte das ONGs do Sul tomam estas organizaccedilotildees mecanismos de obtenccedilatildeo
de recursos menos eficientes do que as organizaccedilotildees dos paiacuteses mais ricos que se
expandem internacionalmente De acordo com Pereira as ONGs internacionais obtecircm
reconhecimento e recursos porque fornecem aos paiacuteses doadores um produto ou seja um
relatoacuterio profissional com textos e informaccedilotildees estrategicamente preparados para agradar
ao leitor (PEREIRA 1997 167)
Devemos considerar ainda que quando as ONGs atuam em funccedilotildees setorizadas
como eacute atualmente o caso das agendas das organizaccedilotildees internacionais e dos institutos
financeiros comprometem muito de sua ldquoforccedila inovadorardquo (DARCY 2000) Alguns
estudos do setor demonstram que estaacute acontecendo uma crescente homogeneizaccedilatildeo das
ONGs (JAHDER 2000 213) De fato os setores de atuaccedilatildeo destas organizaccedilotildees se
diferenciam sempre menos devido a sua proacutepria necessidade de empreender meacutetodos de
atuaccedilatildeo empresarial e seguir as agendas dos financiadores para obter recursos Esta
tendecircncia acaba limitando fortemente a capacidade original de inovaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo
que era caracteriacutestica das ONGs (TAVARES 1999) A propoacutesito Bemard Hours
acrescenta que as ONGs promovem a ideacuteia de desenvolvimento identificado em termos de
intervenccedilatildeo global e estandardizada determinada pelos procedimentos de avaliaccedilatildeo de
projetos das organizaccedilotildees internacionais que lhes concedem recursos Dessa forma ldquoa
ideologia humanitaacuteria fundada sobre a urgecircncia e sobre as intervenccedilotildees pontuais foram
impostas como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS 2001 98)rdquo
La 1 (assim como inuacutemeros outros autores) tem uma visatildeo contraacuteria agravequelas ateacute
agora abordadas Vimos que na opiniatildeo desse autor os institutos de caridade e as Ongs
nacionais ou internacionais - que tenham sede estabelecida nos paiacuteses atendidos - podem
identificar os beneficiaacuterios em potencial e endereccedilando e monitorando os benefiacutecios a
serem destinados a eles muito melhor do que os governos locais Com a finalidade de
84
tornar praacutetica esta possibilidade Lal sugere que todos os fluxos do regime internacional da
ajuda ao desenvolvimento ODA venham alocados a estas organizaccedilotildees com base nas suas
propostas de utilizaccedilatildeo e eventualmente em sua capacidade para contribuir com uma
quantidade correspondente de recursos proacuteprios (LAL 1985)
Uma caracteriacutestica interessante que deve ser percebida nas ONGs internacionais eacute
que elas se ocupam prevalentemente de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e accedilotildees
humanitaacuterias - isso lhes confere um setor especiacutefico de accedilatildeo os paiacuteses em
desenvolvimento Milner e Keohane afirmam que alguns paiacuteses devido a suas forccedilas
institucionais podem isolar a si mesmo das pressotildees societais aumentadas com o processo
de internacionalizaccedilatildeo Isso implica que mesmo que com a crescente internacionalizaccedilatildeo e
com as mudanccedilas de preferecircncia dos atores domeacutesticos as decisotildees centrais destes Estados
natildeo vatildeo responder a estas mudanccedilas ou o faratildeo a seu proacuteprio modo (MILNER amp
KEOHANE 1996 9-10) Essa constataccedilatildeo vale tanto para as pressotildees do capital privado
como para as populaccedilotildees civis Esse tipo de interpretaccedilatildeo resulta na avaliaccedilatildeo de que as
populaccedilotildees dos paiacuteses desenvolvidos podem estar sendo direcionadas estrategicamente por
seus governos para questotildees e problemas que se encontram fora de seus territoacuterios
nacionais possibilitando a diminuiccedilatildeo das pressotildees societais internas e ao mesmo tempo
cumprindo seus objetivos de poliacutetica exterior Enquanto as populaccedilotildees civis dos paiacuteses
desenvolvidos se ocupam das questotildees sociais dos outros paiacuteses os governos nacionais dos
paiacuteses desenvolvidos podem promover com maior tranquumlilidade suas estrateacutegias nacionais
centralizadas de desenvolvimento e reforccedilar suas instituiccedilotildees internas Aleacutem disso as
populaccedilotildees locais quando comparam a sua proacutepria condiccedilatildeo com a das populaccedilotildees em vias
de desenvolvimento (devido sobretudo agrave atual capacidade que tecircm as ONGs internacionais
de divulgar na miacutedia as situaccedilotildees de emergecircncia e trageacutedia humanitaacuteria) acabam
inevitavelmente reforccedilando o conceito de que seus governos nacionais conduzem poliacuteticas
puacuteblicas eficientes e portanto as pressotildees internas natildeo se justificam Uma pesquisa de
opiniatildeo conduzida por Marelli e Garelli na Itaacutelia104 em 2000 sobre o suporte dos italianos
aos programas de cooperaccedilatildeo descentralizada revela alguns dados interessantes sobre a
questatildeo Quanto agrave confianccedila dos entrevistados nas ONGs (de forma generalizante)
104 Onde existem 150 ONGs internacionais (JAHIER 2000)
85
averiguou-se que 67 4 dos entrevistados tecircm muita ou muitiacutessima confianccedila nelas
269 tecircm pouca e apenas 56 natildeo tecircm nenhuma Em segundo lugar verificou-se que
70 dos entrevistados aprovam que a conduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento seja
realizada atraveacutes das ONGs internacionais (cooperaccedilatildeo descentralizada)
Os dados levantados nessa pesquisa oferecem um quadro inicial do emergente papel
que vecircm assumindo as ONGs internacionais e o modelo da cooperaccedilatildeo descentralizada
como modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos do regime internacional ODA
Sobre a questatildeo da legitimidade das ONGs internacionais como administradoras de
fluxos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) devemos
lembrar que como sugere Tavares pouco se discute sobre a democracia interna das ONGs
e a total ausecircncia de mecanismos democraacuteticos internos nestas instituiccedilotildees As ONGs
internacionais tendem a legitimar seus interesses natildeo a partir das democracias
representativas atuais mas com base nos interesses futuros de milhotildees de pessoas que ainda
natildeo nasceram - como eacute o caso das organizaccedilotildees ambientais e pacifistas Aleacutem disso
Tavares ainda afirma que as ONGs tendem a relativizar as regras da democracia
representativa para encontrar a legitimidade de suas accedilotildees em grupos minoritaacuterios criando
desse modo a noccedilatildeo de que existem muacuteltiplas fontes de legitimidade dentro da sociedade
relacionadas com causas de interesses de minorias ou com a busca de eficiecircncia as quais
lhes permitiram desempenhar papel de utilidade puacuteblica O autor justifica a aceitaccedilatildeo das
ONGs pelos Estados baseado em dois motivos principais O primeiro seria que as ONGs
podem ser uma melhor alternativa aos grupos de pressatildeo mais radicais da classe meacutedia A
segunda seria que as ONGs podem ter um efeito positivo nas populaccedilotildees menos
favorecidas da sociedade mostrando a estes grupos que suas necessidades podem ser
atendidas (TAVARES 1999)
Opiniotildees menos otimistas tambeacutem satildeo encontradas Cremer nos lembra que pensar
que as ONGs natildeo cometem erros eacute um falso pressuposto (CREMER 1996) Souza acredita
que elas construiacuteram sua imagem a partir da crenccedila de que tais organizaccedilotildees satildeo honestas
competentes pequenas flexiacuteveis e eficientes que o autor considera uma informaccedilatildeo
irreal Como qualquer ator as ONGs estatildeo sujeitas agrave falhas na administraccedilatildeo dos recursos
a desvios de verba e a incompetecircncia
86
0 maior problema contudo de pensar nas ONGs internacionais como promotoras de
desenvolvimento eacute que esse tipo de raciociacutenio e constrangimento pode levar os paiacuteses em
vias de desenvolvimento a se desviarem a desviarem-se de um projeto nacional de
desenvolvimento
A Europa atraveacutes da estruturaccedilatildeo da rede de ONGs internacionais que atualmente
participam ativamente do setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento tem conseguido cada
vez mais interferir diretamente nos processos de desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres
As ONGs internacionais vatildeo disputar cada vez mais com os Estados do Sul os recursos do
regime internacional ODA assumindo funccedilotildees diversificadas sobretudo nos Estados que
natildeo tiverem redes de proteccedilatildeo contra as forccedilas da internacionalizaccedilatildeo Essa sobreposiccedilatildeo de
interesses econocircmicos poderaacute comprometer ateacute mesmo a possibilidade de surgimento de
uma cooperaccedilatildeo real e inequiacutevoca entre os atores avantajados e desavantajados
Jahier defende a existecircncia de uma legiacutetima sensibilidade das populaccedilotildees dos paiacuteses
desenvolvidos em relaccedilatildeo agraves questotildees do desenvolvimento Experiecircncias positivas podem
nascer da atuaccedilatildeo de ONGs de diferentes paiacuteses Natildeo podemos deixar de lembrar que o
voluntariado cumpria uma funccedilatildeo positiva de natildeo ingerecircncia antes de sua aproximaccedilatildeo ao
setor da cooperaccedilatildeo internacional Contudo os aspectos positivos das relaccedilotildees destes atores
pocircdem ficar obscurecidos quando as ONGs internacionais se colocam atraveacutes da
cooperaccedilatildeo descentralizada como promotoras do desenvolvimento no lugar dos Estados
(JAHIER 2000 211-23)
87
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A ecircnfase dos paiacuteses desenvolvidos em utilizar mecanismos de condicionalidade e
estabelecer agendas mais orientadas agrave soluccedilatildeo de problemas globais vem sendo interpretada
pela literatura poliacutetica como uma espeacutecie de crise de paradigma Uma inversatildeo paradoxal
de perspectiva das questotildees internacionais ligadas ao desenvolvimento na qual o ldquotema
Norte-Sul deixou de ter uma dimensatildeo exclusiva de cobranccedila coletiva do Sul em relaccedilatildeo ao
Norte por recursos financeiros e tecnoloacutegicos por mais cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento em
suma - e passou tambeacutem a ter a dimensatildeo de uma cobranccedila do Norte ao Sul por mais
respeito aos direitos humano maior preservaccedilatildeo do ambiente adesatildeo agrave natildeo-proliferaccedilatildeo de
armas de destruiccedilatildeo em massa combate ao narcotraacutefico e livre-comeacuterciordquo (LAFER 1994
33)
Essa crise de paradigma teria sido possiacutevel segundo a interpretaccedilatildeo acima exposta
porque com a superaccedilatildeo dos conflitos Leste-Oeste uma nova realidade se apresentou no
cenaacuterio internacional a crise Norte-Sul Segundo essa interpretaccedilatildeo as agendas
internacionais mais voltadas agraves chamadas questotildees do Norte teriam sido estabelecidas
somente depois da superaccedilatildeo da Guerra Fria - quando a nova ordem internacional que se
estabelecia retirou dos paiacuteses do Sul do mundo seu caraacuteter de terceira forccedila
Nossa pesquisa que se aproximou das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional entre
paiacuteses do Norte e do Sul revelou no entanto que a suposta crise de paradigmas e a
retirada do Sul de seu caraacuteter de terceira forccedila natildeo foram os fatores determinantes do
estabelecimento de novas agendas internacionais menos atentas agraves questotildees econocircmicas e
agraves demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Como vimos a tendecircncia de retirar os
problemas econocircmicos do cenaacuterio internacional foi estabelecida ainda durante os anos
setenta depois do choque do petroacuteleo e das Resoluccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica
Mundial (ou crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas) Nos anos oitenta depois da
diminuiccedilatildeo do poder de barganha dos paiacuteses em desenvolvimento a inserccedilatildeo de uma
agenda global que considerasse a noccedilatildeo de interdependecircncia sem contudo abordar as
questotildees econocircmicas desta relaccedilatildeo nos parece mais ligada agrave perpetuaccedilatildeo da estrateacutegia
88
estabelecida nos anos setenta a de diminuiccedilatildeo das tensotildees poliacuteticas Norte-Sul a partir da
apropriaccedilatildeo e revisatildeo pelos paiacuteses do Norte das demandas do Sul em bases mais toleraacuteveis
aos interesses dos atores avantajados
Devemos tambeacutem considerar que um dos grandes problemas de interpretar as novas
agendas e as recentes modalidades do setor da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento em particular a condicionalidade da ajuda como iniciativas estabelecidas
a partir de uma suposta crise de paradigmas como uma inversatildeo de cobranccedilas do Norte em
relaccedilatildeo ao Sul - que teria comeccedilado a partir do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste - eacute
que este tipo de interpretaccedilatildeo natildeo confere o peso poliacutetico devido aos conflitos e agraves tensotildees
que permeiam as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre estes dois grupos de atores Mais
especificamente esse tipo de interpretaccedilatildeo retira do Sul um papel de forccedila poliacutetica atuante
O Sul nessa interpretaccedilatildeo parece ter existido apenas enquanto aliado potencial dos paiacuteses
do Leste que depois do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste e jaacute natildeo representando
maiores perigos pocircde ser cobrado quanto agrave resoluccedilatildeo de seus problemas
Nossa investigaccedilatildeo tentou explorar a questatildeo da introduccedilatildeo das novas agendas
primeiro sociais e depois globais e a proacutepria evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva diferente e acreditamos
mais centrada nos dois atores principais desta relaccedilatildeo paiacuteses do Norte e do Sul do mundo
Ainda devemos ressaltar que o fato de perceber as novas agendas globais como o
fruto de uma mudanccedila de paradigma tambeacutem contribui para desvincular os fluxos do
regime internacional ODA de seu processo poliacutetico ou seja de sua origem como elemento
de compensaccedilatildeo e como uma espeacutecie de garantia de crescimento econocircmico para os atores
desavantajados em um sistema internacional assimeacutetrico
Atraveacutes dessas afirmaccedilotildees natildeo estamos negando a existecircncia de situaccedilotildees
particularmente graves de desequiliacutebrio sistecircmicos que podem afetar aspectos da vida dos
cidadatildeos de todo o planeta Contudo como nos foi revelado atraveacutes de nossa fonte teoacuterica -
Keohane - os problemas globais devem ser separados da dimensatildeo poliacutetico-econocircmica dos
Estados pois caso natildeo o faccedila-mos podemos correr o risco de tomar certos efeitos como
causas destes problemas
A propoacutesito de nossa fonte teoacuterica devemos ressaltar que a escolha de utilizar a
anaacutelise sistecircmica para discutir o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre atores
89
avantajados e atores desavantajados revelou-se como acertada na estruturaccedilatildeo desta
pesquisa Atraveacutes desse tipo de orientaccedilatildeo e da identificaccedilatildeo do tema da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento como regime internacional pudemos instrumentalizar
nosso estudo e investigar o comportamento cooperativo dos Estados como resultado de
arranjamentos poliacuteticos gerados em situaccedilotildees de conflito O que contribuiu para que
percebecircssemos que as mudanccedilas do setor da cooperaccedilatildeo - representadas nos anos setenta
pela primeira aproximaccedilatildeo Norte-Sul e pela introduccedilatildeo do conceito de necessidades
humanas baacutesicas e a expansatildeo dessa aproximaccedilatildeo a partir do conceito de interdependecircncia
nos anos oitenta - pudessem ser relacionadas a causas precisas de acirramento das tensotildees
entre o grupo de paiacuteses desenvolvidos e em desenvolvimento
Pudemos perceber com nossa investigaccedilatildeo que os processos de distensatildeo
empreendidos pelos paiacuteses do Norte no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento vecircm cumprindo seu objetivo de afastar do cenaacuterio poliacutetico internacional
as questotildees econocircmicas Atualmente pouco se discute sobre o momento de fortalecimento
dos nacionalismos do Sul provocados pela nova ordem econocircmica mundial (WAFT DF
1998) Eacute inegaacutevel que parte desse afastamento se deve ao feto de que a crise dos paiacuteses
produtores de mateacuterias primas influenciou poliacuteticas restritivas de fechamento de mercado
que se se tomaram insustentaacuteveis para os atores desavantajados Contudo as poliacuteticas de
crescimento econocircmico a partir do fortalecimento das instituiccedilotildees locais natildeo nos parece
tatildeo fora de contexto se comparadas por exemplo aos processos de crescimento a que
foram submetidas as potecircncia secundaacuterias (Europa e Japatildeo) no final da Segunda Guerra
Estas potecircncias puderam fortalecer suas instituiccedilotildees tambeacutem atraveacutes da cooperaccedilatildeo
internacional antes de participar dos regimes de Bretton Woods Esse na verdade eacute um
dos aspectos intrigantes do estudo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento ou seja as
assimetrias de tratamento as quais estatildeo sujeitos os diversos atores internacionais
Enquanto os paiacuteses do Sul do mundo quando no regime da cooperaccedilatildeo
internacional constantemente satildeo chamados a resolver seus problemas econocircmicos a partir
das organizaccedilotildees criadas em Bretton Woods os Estados secundaacuterios quando passaram por
problemas de ordem financeira e de crescimento econocircmico receberam tratamento diverso
A Europa pocircde contar com recursos financeiros e transferecircncia direta de tecnologia do
Plano Marshall Aleacutem disso as diacutevidas externas destes paiacuteses inclusive aquelas da lei de
90
alugueacuteis e empreacutestimos nunca foram pagas Os maiores devedores como a Alemanha
ocidental (que tinha inclusive a moratoacuteria das Diacutevidas da Primeira Guerra) tiveram
negociaccedilotildees vantajosas e praticamente seus deacutebitos cancelados Mas sobretudo foi
tolerado aos paiacuteses europeus que eles pudessem manter um regime preferencial de compras
com suas antigas colocircnias (o que na realidade permanece ateacute nossos dias) e que os custos de
ajustamento de suas balanccedilas de pagamentos aos novos regimes internacionais pudessem
ser divididos atraveacutes da Uniatildeo Europeacuteia de Pagamentos dois procedimentos
intrinsecamente contraacuterios aos princiacutepios de Bretton Woods
Os atores desavantajados natildeo contaram no regime da cooperaccedilatildeo internacional
com redes efetivas de proteccedilatildeo e nunca puderam estabelecer mecanismos proacuteprios de
salvaguarda de suas balanccedilas de pagamentos Desse modo estes paiacuteses natildeo fortaleceram
suas instituiccedilotildees para participar de maneira mais equilibrada dos regimes de Bretton
Woods Estas diferenccedilas de tratamento dos atores dentro dos regimes internacionais satildeo
explicadas por Keohane como uma caracteriacutestica dos proacuteprios regimes Ou seja nem todos
os atores tecircm benefiacutecios iguais Contudo isso natildeo eacute motivo para deixar de repropor
poliacuteticas de cooperaccedilatildeo mais justas entre Norte e Sul A experiecircncia dos anos setenta pode
ser bastante positiva caso consigamos aproximar o discurso da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento de sua vertente poliacutetica e perceber da mesma forma (como entes
poliacuteticos) os atores que constituem esse regime
Finalmente nos resta ainda ressaltar que nossa pesquisa revelou que as mudanccedilas de
orientaccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a parir da deacutecada de
setenta tecircm resultado na aproximaccedilatildeo deste setor de ambientes privados Ou seja a
cooperaccedilatildeo financeira tem sido exercida prioritariamente pelo capital financeiro privado
internacional A cooperaccedilatildeo teacutecnica como vimos em nosso uacuteltimo capiacutetulo estaacute sendo
orientada para questotildees do desenvolvimento humano fato conveniente para justificar a
expansatildeo das organizaccedilotildees natildeo-governamentais e a presenccedila de teacutecnicos internacionais
(atualmente 150000 expatriados dos paiacuteses desenvolvidos) do Norte do mundo como
administradoras de recursos oficiais da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (ODA)
Como abordamos no capiacutetulo da condicionalidade eacute inegaacutevel o aumento das forccedilas
da internacionalizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos Estas forccedilas tenderatildeo cada vez mais a acentuar a
processo de privatizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Os estudos
91
Keohane e Milner abordados nesse trabalho nos sugerem que a uacutenica maneira de
conseguir controlar as pressotildees da internacionalizaccedilatildeo eacute atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas de
fortalecimento das instituiccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O Relatoacuterio Sul
afirma que o fortalecimento institucional dos paiacuteses do Sul pode acontecer a partir do
estabelecimento de uma rede de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses em vias de desenvolvimento
Poderiacuteamos atraveacutes desse processo conseguir um fortalecimento de nossas instituiccedilotildees
atraveacutes da reaproximaccedilatildeo dos paiacuteses do Sul entre eles mesmos e de suas demandas
92
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AGRADECIMENTOS
Escrevendo este trabalho contraiacute muitas diacutevidas de gratidatildeo Em primeiro lugar essa
gratidatildeo se dirige ao prof Dr Rafael Villa pelo apoio e confianccedila dedicados e pelo rigor
cientiacutefico com que contribuiu para a realizaccedilatildeo desse estudo
Tambeacutem gostaria de agradecer especialmente aos profs Drs Maacuterio Fuks e Nelson
Rosaacuterio de Souza pelas apropriadas consideraccedilotildees feitas na primeira leitura deste trabalho
Outro agradecimento especial deve ser feito ao prof Joseacute Miguel Rasia pelo apoio
institucional e pela ininterrupta e produtiva circulaccedilatildeo de ideacuteias que consegue promover em
suas aulas
Estendo tambeacutem meus agradecimentos aos demais professores do mestrado de
ciecircncias poliacuteticas e do mestrado em ciecircncias sociais aos quais minhas diacutevidas de gratidatildeo
seratildeo eternas O mesmo posso dizer aos funcionaacuterios do curso de mestrado que atenderam
sempre com gentileza e eficiecircncia todas as minhas inuacutemeras solicitaccedilotildees
Natildeo posso deixar de expressar minha gratidatildeo aos colegas do mestrado Claacuteudio
Gisele Lena Rita Wagner e Ivana Oacutetimos amigos
Gostaria particularmente de agradecer ao CNPq por ter proporcionada a realizaccedilatildeo
desse trabalho
Enfim e sobretudo agradeccedilo a minha famiacutelia Marcos Pedro e Leonor os quais por
muito tempo aceitaram a minha ausecircncia e me deram o suporte necessaacuterio para conseguir
cumprir este trabalho
SIGLAS UTILIZADAS
CAD - Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento
CEE - Comunidade Econocircmica Europeacuteia
FED - Fundo Europeu de Desenvolvimento
ECOSOC - Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas
OCDE - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico
PNUD - Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
PVD - Paiacuteses em Vias de Desenvolvimento
ODA - Ajuda Oficial ao Desenvolvimento
FM I - Fundo Monetaacuterio Internacional
RESUMO
O objetivo deste trabalho eacute realizar um estudo sobre as assimetrias de poder entre
atores do Norte (desenvolvidos) e do Sul do Mundo (em vias de desenvolvimento) no
regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Buscaremos entender como as
novas modalidades de alocaccedilatildeo administraccedilatildeo e repasse dos fluxos da ajuda oficial ao
desenvolvimento (ODA) ou seja a ajuda multibilateral a condicionalidade da ajuda e a
cooperaccedilatildeo descentralizada foram inseridas como puniccedilotildees sistecircmicas e constrangimentos
aos atores desavantajados a partir do iniacutecio dos anos setenta
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO
Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema1
CAPIacuteTULO I
A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS
O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional11Regimes internacionais16Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional 23
Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional 26
CAPIacuteTULO nA AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO
As foacutermulas multibilaterias como puniccedilatildeo29A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas35As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD 38Foacutermulas multibilaterias custos divididos (cost-sharing) 41
CAPIacuteTULO Ml
A CONDICIONALIDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO
A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos 47A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais 52
CAPIacuteTULO IV
A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO
Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo 64O estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada67As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada 75Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais81
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS88
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
INTRODUCcedilAtildeO
Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema
No iniacutecio dos anos sessenta quando o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento estava sendo afirmado1 os paiacuteses do Sul (em vias de desenvolvimento)
reunidos em organizaccedilotildees - como o Movimento Natildeo-Alinhado no campo poliacutetico e o
Grupo dos 77 no campo econocircmico - passaram a exigir do grupo de paiacuteses do Norte
(desenvolvidos) regras comerciais mais justas e termos mais generosos para o
financiamento do desenvolvimento (entendido no sentido de crescimento econocircmico) As
demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD) foram respondidas com
declaraccedilotildees de boas intenccedilotildees pelos paiacuteses do Norte (como por exemplo a promessa de
aumento do volume dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento - ODA) mas tambeacutem
com fortes insistecircncias de que os foacuteruns apropriados para a resoluccedilatildeo de questotildees
econocircmicas continuavam a ser as instituiccedilotildees de Bretton Woods - nas quais devido ao
1 O estabelecimento de arranjamentos que pudessem regulamentar a cooperaccedilatildeo internacional entre atores dos paiacuteses industrializados e dos paiacuteses mais pobres pode ser percebido atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas efetivas pelos atores Ainda nos anos cinquumlenta os institutos financeiros - FMI e Banco Mundial - passaram a ter suas atividade re-orientadas para as questotildees do desenvolvimento (ASCARI 1999 BASILE 1995 CECCHI 1995) Em 1957 o Tratado de Roma estabeleceu a criaccedilatildeo do Primeiro Fundo Europeu de Desenvolvimento1 e adotou o conceito de Associativismo como modo de regulamentar as relaccedilotildees entre os Estados europeus e suas ex- colocircnias (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Em 1960 aconteceu a Primeira Deacutecada para o Desenvolvimento nas Naccedilotildees Unidas que contribuiu para o estabelecimento do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas (ECOSOC) em 1962 e para a criaccedilatildeo do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas)1 em 1965 sob orientaccedilatildeo direta da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (NOGUEIRA 2001) Em 1960 foi criado o CAD (Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento dos paiacuteses OCDE1 - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento Econocircmico e Financeiro) para regulamentar a relaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados (ex- colonizadores) com os paiacuteses fornecedores de mateacuterias-primas (quase todos ex-colocircnias) na nova era poacutes- colonial (BASILE 1995 45-6)
1
regime de voto2 os paiacuteses industrializados podiam assegurar a manutenccedilatildeo de seus proacuteprios
interesses Contudo no final dos anos sessenta quando o sonho de Bretton Woods - um
sistema monetaacuterio estaacutevel com taxas de conversatildeo fixas a partir do padratildeo doacutelar - comeccedilou
a entrar em colapso um grande otimismo passou a contagiar o Sul que viu o fim do padratildeo
monetaacuterio como uma possibilidade de reavaliar os demais regimes internacionais do poacutes-
guerra capaz de estabelecer um sistema de trocas mais favoraacutevel aos interesses dos paiacuteses
em vias de desenvolvimento
Os PVD passaram desde o momento de desestruturaccedilatildeo do regime monetaacuterio a dar
mais ecircnfase internacional agraves suas demandas e comeccedilaram a tomar medidas concretas para
uma revisatildeo dos processos poliacuteticos e econocircmicos instaurados no poacutes-guerra Uma das
primeiras medidas tomadas foi a tentativa destes paiacuteses para aumentar e tomar obrigatoacuterio
o repasse de fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) atraveacutes da Resoluccedilatildeo 2626
(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas de 24 de setembro de 1970 A intensidade
das demandas dos paiacuteses em desenvolvimento foi se tomando cada vez mais acentuada e
depois do choque do petroacuteleo^ estes paiacuteses (julgando-se fortalecidos devido agrave soluccedilatildeo natildeo-
militar do conflito) estabeleceram a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas trecircs
importantes Resoluccedilotildees em mateacuteria econocircmica chamadas de Nova Ordem Econocircmica
Mundial (New International Economic Order - NIEO) Este momento de reivindicaccedilotildees do
Sul tambeacutem eacute definido pela literatura como ldquocrise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-
primasrdquo (ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1996) Estas Resoluccedilotildees colocavam em
2 Nos institutos financeiros d Bretton Woods - FMI e Banco Mundial - o voto acontece segundo o volume de contribuiccedilotildees que cada paiacuteses destina agrave estes entes O que favorece os paiacuteses fortemente industrializados (ANTONELLI 1995)
3 O choque do petroacuteleo eacute percebido nas relaccedilotildees internacionais como uma mudanccedila no regime internacional do petroacuteleo que aconteceu a partir das organizaccedilatildeo dos paiacuteses exportadores de petroacuteleo (OPEP) nos anos sessenta Essa mudanccedila de regime efetivou-se nos anos setenta (nas negociaccedilotildees de Teeratilde em 1971 e depois da guerra de Yom Kippur de 1973) e representou o fim do poder centralizado nas companhias e o exerciacutecio paiacuteses produtores no controle dos mercados Depois de 1973 o preccedilo do petroacuteleo quadruplicou sem negociaccedilotildees Os preccedilos do petroacuteleo baixaram em termos reais ateacute o iniacutecio de 1979 quando a Revoluccedilatildeo no Iratilde reduplicou o preccedilo do petroacuteleo Seria exagerado dizer que os Estados da OPEP tomaram-se hegemocircnicos no sistema do petroacuteleo (capazes de fazer ou reforccedilar regras) porque a mudanccedilas na demanda internacional forccedilaram nos anos oitenta novas quedas no preccedilo da mateacuteria prima Contudo a mudanccedila de regime levou a uma renegociaccedilatildeo dos modelos de cooperaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados com os paiacuteses OPEP em outras bases e a um desgaste diplomaacutetico pelo primeiro grupo de paiacuteses (KEOHANE 1984 190-94)
2
questatildeo as leis econocircmicas de Bretton Woods revelavam que o sistema econocircmico era
desigual para estes dois grupos de paiacuteses e convidavam o Norte a empreender medidas
efetivas de accedilatildeo para a soluccedilatildeo dos problemas do Sul a partir de uma reorganizaccedilatildeo das
estruturas que regulamentavam os proacuteprios regimes internacionais econocircmico financeiro e
comercial surgidos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Autores da poliacutetica internacional como
Keohane Waelde e Armstrong Lloyd e Redmond identificam na crise dos paiacuteses
produtores de mateacuterias-primas e no choque do petroacuteleo momentos concretos de ameaccedila
para os regimes econocircmico-financeiro e comercial de Bretton Woods4
Acreditamos que as mudanccedilas ocorridas no sistema internacional nos anos setenta a
partir do choque do petroacuteleo e do iniacutecio da intensificaccedilatildeo das pressotildees dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial
afetaram diretamente o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Segundo
nossa interpretaccedilatildeo a ameaccedila de desarticulaccedilatildeo da ordem econocircmica a possibilidade do
surgimento de outros carteacuteis organizados para controlar os preccedilos de mateacuterias-primas (aleacutem
da OPEP - Organizaccedilatildeo dos Paiacuteses Produtores de Petroacuteleo) e o risco de que se tomasse
necessaacuterio estabelecer novos modelos de cooperaccedilatildeo internacional mais favoraacuteveis agraves
demandas dos paiacuteses do Sul geraram puniccedilotildees econocircmicas para os paiacuteses em vias de
desenvolvimento atraveacutes do aumento dos constrangimentos para a utilizaccedilatildeo dos fluxos do
regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Pois - como veremos em
nosso primeiro capiacutetulo dedicado agrave discussatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional - os
regimes internacionais dos atores avantajados constituiacutedos pelo bloco do Norte
estruturados atraveacutes de redes interligadas quando e se ameaccedilados podem impor puniccedilotildees e
aumentar o nuacutemero de constrangimentos impostos aos atores que promovam tentativas de
desestabilizaccedilatildeo do sistema internacional5 (KEOHANE 1984)
Nossa proposta de estudo eacute discutir os trecircs elementos baacutesicos atraveacutes dos quais as
puniccedilotildees econocircmicas contra os PVD puderam ser efetivadas a partir do regime da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento O primeiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica
4 Em (KEOHANE 1984 WAELDE 1998 ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND1996)
5 O sistema internacional eacute uma ordenaccedilatildeo dos Estados que acontece a partir de ambientes facilitadores de acordos definidos regimes internacionais
3
que discutiremos no segundo capiacutetulo desse trabalho aconteceu de maneira institucional a
partir daquele que era o principal organismo regulador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento no iniacutecio da deacutecada de setenta o Programa de
Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas - PNUD (MARCHISIO 1986 2000 BASILE
1995) A puniccedilatildeo institucional consistiu em cortes orccedilamentaacuterios para o Programa que
resultaram na implantaccedilatildeo de uma nova modalidade de administraccedilatildeo e repasse dos fluxos
da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) definida como multibilateral (MARCHISIO
19862000 BASILE 1995) O segundo elemento de puniccedilatildeo econocircmica para os paiacuteses em
vias de desenvolvimento foi teoacuterico-poliacutetico e aconteceu a partir do iniacutecio do uso da
condicionalidade da ajuda no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
(TRIULZI 1998 2000 ESCOBAR 1995) Este segundo elemento constituiraacute o elemento-
chave do terceiro capiacutetulo do presente trabalho Como veremos em nosso quarto capiacutetulo o
terceiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica utilizado contra os PVD a cooperaccedilatildeo
descentralizada aconteceu a partir da instrumentalizaccedilatildeo de agentes natildeo-estatais como as
ONGs internacionais que passaram a se multiplicar como agentes promotores (e
defensores) dos interesses dos paiacuteses desenvolvidos (CREWE amp HARRISON 1998
JAFDER 2000) Estes elementos de puniccedilatildeo econocircmica acabaram reorganizando o proacuteprio
regime da cooperaccedilatildeo internacional definindo tambeacutem novos modelos de comportamento
entre o Norte e o Sul
As puniccedilotildees econocircmicas impostas aos PVD a partir do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento puderam ser estabelecidas porque os paiacuteses detentores
dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) passaram a retirar seus
recursos das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal especialmente do PNUD
concentrando-os em organismos que lhes fossem mais confiaacuteveis em suas proacuteprias
modalidades de ajuda bilateral (efetuada diretamente pelos Estados sem a participaccedilatildeo das
organizaccedilotildees internacionais) em fundos regionais proacuteprios - Fundo Europeu de
Desenvolvimento - ou nos Institutos Financeiros nascidos em Bretton Woods - FMI
Banco Mundial e Bancos Regionais de Desenvolvimento (MARCHISIO 1986 BASILE
1995 ANTONELLI 1995) Tal mudanccedila de recolhimento dos fluxos da ajuda oficial ao
desenvolvimento (ODA) que passaram das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal
para os organismos de confianccedila dos detentores dos recursos revelou-se estrateacutegica pois
4
permitiu aos paiacuteses doadores aumentar seus poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo do ODA
Isso porque enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal os paiacuteses
recebedoresdoadores6 assim como os paiacuteses apenas doadores podiam interferir sobre a
aplicaccedilatildeo dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento no Fundo Europeu de
Desenvolvimento assim como nos institutos financeiros internacionais e nos bancos
regionais o poder de decisatildeo sobre a administraccedilatildeo e sobre a aplicaccedilatildeo do ODA recai
apenas sobre o grupo de paiacuteses doadores7 (CECCHI 1995) O Fundo Europeu de
Desenvolvimento responde agraves orientaccedilotildees diretas da Comissatildeo e do Conselho Europeu que
estruturam as poliacuteticas que seratildeo aplicadas no regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento
com base unilateral (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Tambeacutem nos institutos
financeiros o poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo dos recursos recai somente sobre os
membros do Conselho de Administraccedilatildeo ou seja os paiacuteses fortemente doadores (ASCARI
1999)
Devemos tambeacutem lembrar que com a supremacia dos institutos financeiros e do
Fundo Europeu como administradores dos fluxos ODA perdeu-se a tendecircncia promovida
anteriormente pelo PNUD de financiar a maior parte dos projetos e programas de
desenvolvimento em regime de fundo perdido8 Ao contraacuterio nas instituiccedilotildees financeiras
nascidas em Bretton Woods os repasses de recursos acontecem a juros facilitados e na
maior parte das vezes a juros de mercado Disso resulta que na metade dos anos noventa
mais de 90 dos fundos multilaterais dos institutos financeiros (FMI e Banco Mundial e
regionais) se constituiacuteam de transferecircncias natildeo-facilitadas ou em empreacutestimos puacuteblicos a
juros de mercado - empreacutestimos Ibrd do Banco Mundial (BASILE 1995 69) Neste
6 Os paiacuteses em desenvolvimento satildeo doadores recebedores porque contribuem para estas organizaccedilotildees e retiram recursos destas organizaccedilotildees
7 Enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal o poder de voto eacute o mesmo para atores avantajados e atores desavantajados nos institutos financeiros o voto eacute realizado apenas pelos atores avantajados ou seja por aqueles que mais contribuem financeiramente com estes entes O fundo europeu responde apenas as ordens dos Estados membros da Comunidade Econocircmica Europeacuteia
8 No final dos anos 80 a quota UNDP dos financiamentos a fundo perdido das Naccedilotildees Unidas eram cerca de 60 (BROWNE 1990 p 241)
5
sentido em 1997 no Banco Mundial os empreacutestimos puacuteblicos (Ibrd)9 a juros de mercado
constituiacuteram um volume de 14525 bilhotildees de doacutelares enquanto os facilitados tiveram um
volume de U$ 4622 bilhotildees (ASCARI 1999 69)
Devemos ainda considerar que a aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees e o aumento dos
constrangimentos que possibilitaram a reordenaccedilatildeo do regime internacional da cooperaccedilatildeo
ao desenvolvimento aconteceu a partir de uma forccedila aglutinadora que tomando a iniciativa
de organizar o setor da cooperaccedilatildeo inclusive sistematizando conceitos estabeleceu-se
como centro coordenador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo Esta forccedila aglutinadora eacute hoje o
Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e
Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que tendo nascido nos anos sessenta como oacutergatildeo
responsaacutevel pelas poliacuteticas dos ex-paiacuteses colonizadores europeus em relaccedilatildeo a suas ex-
colocircnias transformou-se no principal centro de coordenaccedilatildeo das poliacuteticas bilaterais e
multilaterais dos paiacuteses industrializados
Depois do choque do petroacuteleo e das declaraccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica
Mundial a OCDE reformulou e estendeu as accedilotildees do CAD que passou exercer um papel de
coordenaccedilatildeo no setor do desenvolvimento que abrange atualmente os paiacuteses
industrializados e as organizaccedilotildees internacionais10 Baseado nisto o CAD foi capaz de se
estabelecer como uma espeacutecie de centro de inteligecircncia e de consultoria dos problemas do
desenvolvimento internacional Em um certo sentido o CAD posicionou-se
internacionalmente como a CEP AL11 dos paiacuteses industrializados e vem contribuindo para o
fortalecimento dos paiacuteses doadores como administradores dos fluxos do regime
internacional da ajuda ao desenvolvimento (ODA)
9 Recolhidos pelos banco no mercado financeiro e repassados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento com juros e condiccedilotildees de mercado (ASCARI 1999)
10 O CAD oficializou seu papel de centro de coordenaccedilatildeo da poliacuteticas de ajuda ao desenvolvimento em 1986 na Reuniatildeo anual do Comitecirc agrave qual estavam presentes Emest Stem (vice-presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador do PNUD) o CAD e os demais presentes concordaram que ldquoOs membros do CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1986)
11 Comissatildeo Econocircmica Para a Ameacuterica Latina
6
O Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) natildeo possui um oacutergatildeo
executivo de administraccedilatildeo dos fundos da cooperaccedilatildeo Entretanto funciona como centro de
decisatildeo12 para a aplicaccedilatildeo dos fundos da ajuda teacutecnica e financeira bilateral e multilateral
fornecendo aos paiacuteses-membros indicadores sociais e econocircmicos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento A ausecircncia de um oacutergatildeo executivo entretanto pouco afeta o repasse
centralizador dos recursos provenientes dos paiacuteses do CAD13 para a cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento Depois da oficializaccedilatildeo do papel do Comitecirc como centro coordenador da
ajuda em 1986 e da adoccedilatildeo pelo Banco Mundial bem como pelo FMI e pelo PNUD do guia
de princiacutepios para a apreciaccedilatildeo de projetos ldquoPrincipies For Project AppraisaF elaborado
pelo Comitecirc ldquocom o objetivo de melhorar a capacidade operacional das agecircncias
multilaterais e a qualificaccedilatildeo dos projetos atraveacutes da definiccedilatildeo comum de objetivosrdquo todas
as poliacuteticas e conceitos (definidas ajuda teacutecnica conceituai) desenvolvidos ad hoc pelos
centros de pesquisa do CAD satildeo aplicados conjuntamente nas organizaccedilotildees internacionais
(BASILE 1995 FUHNER 1996) Aleacutem disso a grande maioria dos paiacuteses que pertencem
ao CAD tambeacutem pertencem agrave CEE14 que por sua vez possui um oacutergatildeo executivo Ou seja
estes paiacuteses podem administrar diretamente - e sem nenhum tipo de intervenccedilatildeo dos paiacuteses
em vias de desenvolvimento - os recursos destinados agrave ajuda multilateral
Segundo Keohane no estudo dos regimes e da cooperaccedilatildeo internacional entre atores
fortes e atores desavantajados priorizar os constrangimentos dos atores fracos eacute mais
importante do que buscar suas motivaccedilotildees em conformar-se ou natildeo a regimes estabelecidos
(KEOHANE 1984) Os PVD dependiam como ainda dependem dos fluxos financeiros
especialmente daqueles facilitados (ODA) - em teoria mais previsiacuteveis e constantes dos que
os capitais privados - para programar o desenvolvimento de suas economias tomando-as
12 Os fluxos multilaterais ODA satildeo aplicados atraveacutes da proacutepria CEE do Banco Mundial do FMI dos Bancos Regionais de Desenvolvimento e das Agecircncias Multilaterais e dos Institutos Especializados das Naccedilotildees Unidas (BASILE 1995)
13 Atualmente a niacutevel agregado os recursos multilaterais dos paiacuteses DAC satildeo concentrados entomo a trecircs poacutelos o Banco Mundial as Naccedilotildees Unidas e a CEE que ocupam entorno a 90 das transferecircncias destes paiacuteses (ASCARI 1999)
14 Dos anos 80 para os anos 90 observa-se um forte aumento do repasse dos fundos multilaterais dos paiacuteses OCDE em direccedilatildeo a CEE que passou de 161 em 1984 para 284 em 1991
7
menos vulneraacuteveis agraves flutuaccedilotildees do mercado Celso Lafer enfatizou esta necessidade na
Conferecircncia sobre Financiamentos para o Desenvolvimento ocorrida em maio de 2002 na
cidade de Monterrey (Meacutexico)15
As puniccedilotildees e constrangimentos impostos aos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pelos paiacuteses detentores de recursos e constituiacutedos em medidas operativas pelo PNUD
Banco Mundial FMI e Fundo Europeu de Desenvolvimento (ajuda multilateral
condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada) foram introduzidas ou projetadas
no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da primeira metade dos
anos setenta e exerceram segundo nossa hipoacutetese a funccedilatildeo comum de limitar o poder de
decisatildeo dos paiacuteses recebedores na aplicaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos multilaterais (inclusive
dos empreacutestimos puacuteblicos) do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
Toma-se oportuno lembrar que os fluxos oficiais ao desenvolvimento ODA16 ateacute a
completa afirmaccedilatildeo das puniccedilotildees e do aumento dos constrangimentos17 eram entendidos
como uma espeacutecie de compensaccedilatildeo financeira destinada aos governos dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento devido agraves suas menores oportunidades comercias e financeiras
(GRILLI 1994 MARCHISIO 1986) As novas modalidades contudo parecem diluir essa
noccedilatildeo inicial que caracterizava os fluxos ODA - que de certa forma passaram a representar
um mecanismo atraveacutes dos quais os Estados detentores dos recursos podem conduzir
intervenccedilotildees pontuais e setorizadas nos PVD
Conveacutem enfatizar que mesmo tratando-se os fluxos ODA de financiamentos
facilitados eles tambeacutem devem ser em grande parte devolvidos pelos paiacuteses recebedores
(ESCOBAR 1995 165) e que quando recebidos estes recursos somam-se em menor ou
maior grau a diacutevida puacuteblica dos paiacuteses em desenvolvimento (ASCARI 1999) Aleacutem disso
15 Em seu discurso Lafer lembrou os conferencistas que durante a deacutecada de 1990 o aumento de capital privado nos paiacuteses em desenvolvimento mas que esse capital eacute altamente imprevisiacutevel e em muitas situaccedilotildees diminuiu seu niacutevel vertiginosamente Essas entradas e saiacutedas bruscas de capital constituem-se tambeacutem em limitaccedilotildees para aos paiacuteses em vias de desenvolvimento
16 Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento teacutecnica ou financeira eacute contabilizada em fluxos financeiros ODA menos as contribuiccedilotildees emergecircncias in natura e os eventuais recursos privados das ONGs (BASILE 1995)
17 Que aconteceu na metade dos anos oitenta quando o setor da cooperaccedilatildeo foi direcionado para ambientes privados
8
a proacutepria tendecircncia que tem crescido no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento de
efetuar financiamentos privados aos PVD com fins de desenvolvimento utilizando
organizaccedilotildees internacionais para a perpetuaccedilatildeo da colocaccedilatildeo de condicionamentos de
vaacuterios gecircneros eacute um aspecto preocupante que natildeo deve ser ignorado Por esse motivo os
governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento assim como os estudiosos das ciecircncias
sociais poliacuteticas e econocircmicas natildeo podem permanecer indiferentes quanto agraves modalidades
de efetivaccedilatildeo da ajuda Em outras palavras os projetos e programas de desenvolvimento
(governamentais ou natildeo-govemamentais) e o grau efetivo de controle que os governos dos
paiacuteses do Sul exercem na orientaccedilatildeo destes projetos poderiam constituir um interessante
objeto de estudo nas aacutereas de ciecircncias humanas
Como foi possiacutevel a introduccedilatildeo de medidas operativas que resultaram na limitaccedilatildeo
do poder de decisatildeo dos atores mais fracos (puniccedilotildees e constrangimentos) quanto a
aplicaccedilatildeo dos fluxos ODA - e como estas medidas se transformaram em regras do setor da
cooperaccedilatildeo internacional - tambeacutem eacute um aspecto intrigante que deve ser abordado
Keohane nos lembra que os Estados poderosos procuram introduzir poliacuteticas econocircmicas
internacionais que atendam seus interesses e ideologias Parte importante da investigaccedilatildeo eacute
buscar entender como paiacuteses fortes transformam seus recursos materiais e ideoloacutegicos em
regras do sistema assim como constroacuteem alteram ou mantecircm regimes internacionais que
facilitam determinados tipos de cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 256 KEOHANE 1984
94) Para os realistas a ecircnfase eacute colocada no poder18 Keohane que considera simplistas
todas as explicaccedilotildees baseadas apenas neste poder acredita que uma explicaccedilatildeo mais
plausiacutevel encontra-se no poder dos recursos econocircmicos
Quanto agrave conformidade dos PVD agraves alteraccedilotildees promovidas no regime da
cooperaccedilatildeo internacional a partir dos anos setenta podemos identificar a proacutepria
necessidade destes paiacuteses de continuar recebendo financiamentos mesmo privados como
sendo a mais importante causa de aceitaccedilatildeo - por estes mesmos paiacuteses - das medidas
punitivas e do aumento dos constrangimentos na utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA Aleacutem disso
como veremos em nosso primeiro capiacutetulo Keohane teoriza que os regimes internacionais
natildeo devem ser estudados individualmente mas em relaccedilatildeo e em concordacircncia com outros
18 No sentido beacutelico do termo
9
regimes internacionais Em consequumlecircncia mesmo que os PVD sofram puniccedilotildees econocircmicas
e tenham seus constrangimentos aumentados nesse especiacutefico setor abandonar o regime ou
deixar de cumprir acordos estabelecidos anteriormente isto poderia implicar em puniccedilotildees
ainda mais graves para os atores desavantajados
Para que as noccedilotildees de regimes internacionais puniccedilotildees sistecircmicas e
constrangimentos fiquem claras ao leitor no decorrer deste trabalho nosso proacuteximo capiacutetulo
seraacute dedicado a um aprofundamento destes conceitos a partir do estudo teoacuterico da
cooperaccedilatildeo internacional elaborado prioritariamente a partir das obras de Robert
Keohane19
19 Duas obras de Keohane abordam especificamente a questatildeo dos regimes internacionais e da cooperaccedilatildeo A primeira eacute ldquoAchiving cooperation under anarchy rdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) um estudo que serviu de base ao posterior e mais completo ldquoAfter hegemony cooperation and discord in the world political economyrdquo (KEOHANE 1984) Aleacutem dos dois citados tambeacutem seraacute utilizado no proacuteximo capiacutetulo para elaboraccedilatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional o estudo de Krasner sobre regimes interanacionais ldquoRegimes and the limits o f realism regimes as autonomous variables rdquo e algumas noccedilotildees da obra de Keohane e Nye ldquoPoder e interdependencia la poliacutetica mundial en transicioacuten
10
CAPIacuteTULO I
A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS
O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional
Robert Keohane define o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo como sendo aquele no qual
ldquoatores ajustam seus comportamentos para as preferecircncias atuais ou antecipadas dos outros
atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacuteticardquo (KEOHANE 1984 51-2) A
definiccedilatildeo do conceito e o desenvolvimento da teoria da cooperaccedilatildeo realizados por Keohane
aconteceram a partir do estudos realizados pelo autor da ocorrecircncia do fenocircmeno nas
relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente Essa escolha
de abordagem na elaboraccedilatildeo da teoria deveu-se ao pressuposto de que as relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo acontecem quando existem interesses muacutetuos entre os Estado envolvidos
Estabelecer interesses muacutetuos entre paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente e que
dividem uma visatildeo relativamente similar da conduccedilatildeo de suas econocircmicas aleacutem de
cultivarem extensas relaccedilotildees de interdependecircncia20 uns com os outros facilita o trabalho de
investigaccedilatildeo do fenocircmeno da cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 6)
Quanto agrave cooperaccedilatildeo entre paiacuteses avanccedilados industrialmente e paiacuteses em vias
desenvolvimento Keohane considera que os instrumentos de anaacutelise desenvolvidos em sua
teoria tambeacutem podem ser em certa medida aplicados na compreensatildeo de algumas destas
20 Para Keohane e Nye o conceito de interdependecircncia na poliacutetica mundial diz respeito ldquoa situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocos entre os paiacutesesrdquo (p8) Estes efeitos resultam de uma ampla gama de contatos e transaccedilotildees ocorridas no plano internacional o que produz uma restriccedilatildeo agrave autonomia dos atores envolvidos Ao mesmo tempo impotildee alguma forma de custos para os participantes do sistema internacional o que poderia levar a uma ocorrecircncia de determinados tipos de conflito entre eles
11
relaccedilotildees Contudo algumas consideraccedilotildees precisam ser realizadas Em primeiro lugar no
caso de atores desiguais a cooperaccedilatildeo pode tomar-se adversa e constituir-se em meio de
exploraccedilatildeo de um grupo de Estados ricos que efetivamente cooperam entre si para com os
Estados pobres (KEOHANE 1984 11) Essa situaccedilatildeo pode definir-se desde o
estabelecimento das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo devido aos constrangimentos colocados aos
atores mais fracos ateacute mesmo como condiccedilatildeo para sua participaccedilatildeo em uma relaccedilatildeo com
atores mais fortes ou pode mesmo acontecer posteriormente mesmo que objetivos iniciais
de cooperaccedilatildeo fossem desejados mutuamente agrave princiacutepio Um segundo ponto ainda deve ser
ressaltado quanto agrave cooperaccedilatildeo entre atores desiguais antes de iniciarmos o
aprofundamento do estudo do fenocircmeno a ocorrecircncia de relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre
atores avantajados e atores desavantajados costuma proporcionar benefiacutecios menores ou
mesmo nenhum beneficio para aqueles atores desavantajados Isso natildeo significa que os
atores desavantajados ajam de maneira irracional quando estabelecem relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo com os atores avantajados Muitas vezes o caacutelculo racional dos atores
desavantajados natildeo eacute obter benefiacutecios mas simplesmente natildeo ver aumentado seus custos
que poderiam tomar dimensotildees ainda maiores caso acordos de cooperaccedilatildeo natildeo fossem
estabelecidos Feitas estas consideraccedilotildees podemos finalmente iniciar o estudo teoacuterico da
cooperaccedilatildeo internacional
Para Keohane a teoria realista natildeo eacute capaz de explicar o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo
internacional em todas as suas manifestaccedilotildees Na teoria realista onde o sistema
internacional eacute composto por Estados como unidades individuais que competem entre si em
um permanente estado de natureza anaacuterquico21 o uacutenico modelo possiacutevel de cooperaccedilatildeo eacute
aquele de alianccedilas resultante de uma operaccedilatildeo de balanccedilo de poder (KEOHANE 1984
7) Tambeacutem outros modelos explicativos da cooperaccedilatildeo internacional como o
Universalismo (de modelo kantiano) ou ateacute mesmo o Intemacionalismo (oriundo da teoria
de Grotius22) que opondo-se ao realismo conferiram segundo Keohane muito peso ao
21 Anarquia para Keohane constitui a falta de um governo comum no mundo poliacutetico internacional e natildeo uma negaccedilatildeo de que a sociedade internacional embora fragmentada exista (AXELROD amp KEOHANE 1982 227)
22 A obra de Hugo Grotius Do Direito da Guerra e da Paz (1625) que inaugura a tradiccedilatildeo Intemacionalista na poliacutetica internacional eacute um dos trecircs paradigmas (ou escolas de pensamento) fuacutendantes do estudo das relaccedilotildees internacionais segundo a divisatildeo de Hedley Buli Os outros dois
12
papel das funccedilotildees reguladoras das instituiccedilotildees internacionais e ao direito internacional natildeo
seriam adequados como instrumentos teoacutericos por natildeo aprofundarem as relaccedilotildees de poder
e de conflitos decorrentes da dimensatildeo econocircmica entre os Estados Considerando as
limitaccedilotildees dos modelos anteriores Keohane decidiu elaborar a estruturaccedilatildeo teoacuterica sobre o
fenocircmeno da cooperaccedilatildeo a partir de uma combinaccedilatildeo de teorias (liberal23 e realista 24) que
pudessem analisar as relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos atores internacionais sem esquecer o
egoiacutesmo e propensatildeo dos Estados em aumentar a proacutepria riqueza e poder
Keohane assim como os realistas considera que os atores poliacuteticos satildeo egoiacutestas e
agem motivados por interesses proacuteprios Para este autor quando os atores cooperaram o
fazem dentro de uma situaccedilatildeo de conflito que quando natildeo resolvida por essa via poderia
resultar em perdas ainda maiores para os envolvidos Os governos entram em negociaccedilotildees
internacionais visando reduzir o conflito que iria resultar necessariamente de outra
maneira Sem cooperaccedilatildeo os governos interferem no mercado uni lateralmente para
perseguir o que eles consideram seus proacuteprios interesses25 aumentando em muito a
possibilidade de perdas coletivas Atraveacutes desse tipo de raciociacutenio pode-se afirmar que os
paradigmas derivam das obras de Hobbes O Leviatatilde (1651) que influecircncia a tradiccedilatildeo Realista e do texto de Kant A Paz Perpeacutetua mdash Um Projeto Filosoacutefico (17956) da qual deriva a tradiccedilatildeo Universalista Segundo Hedley Buli a posiccedilatildeo de Grotius fica a meio caminho daquelas de Hobbes e Kant Grotius se diferencia do universalismo porque mesmo considerando a existecircncia de outros entes eacute o Estado o principal ator das relaccedilotildees internacionais Quanto agrave Hobbes Grotius afirma que as relaccedilotildees entre os Estados natildeo se resume a dimensatildeo conflitiva sendo necessaacuterio levar em conta a dimensatildeo cooperativa e a existecircncia de uma sociedade internacional (formada por Estados) que interage com base em valores culturais comuns e do direito internacional (GOLCcedilALVES 2001 94-6)
O Liberalismo propotildee alternativas agraves concepccedilotildees realistas Enfatizando aspectos a interdependecircncia econocircmica com suas muacuteltiplas e complexas camadas de ligaccedilotildees o liberalismo prevecirc comportamentos cooperativos entre os Estados Mecanismos como sanccedilotildees e puniccedilotildees econocircmicas possibilitam na visatildeo liberal um certo controle e previsibilidade sobre o comportamento dos participantes do sistema internacional
24 O Realismo poliacutetico apresenta um sistema internacional caracterizado pela anarquia tendo como atores principais os Estados Por ser anaacuterquico o sistema internacional eacute baseado no poder e na forccedila e cada Estado eacute visto como uma entidade isolada age apenas motivado pelos proacuteprios interesses Para o realismo natildeo existe cooperaccedilatildeo entre atores poliacuteticos
23 Ao contraacuterio dos economistas liberais Keohane acredita que os Estados agindo unilateralmente vatildeo interferir no mercado estrangeiro de trocas impor vaacuterias restriccedilotildees em importaccedilotildees subsidiar a induacutestria domeacutestica e estabelecer preccedilos de mercadorias como petroacuteleo
13
atores agem de maneira egoiacutesta-racional tentando maximizar as possibilidades de ganho
em uma situaccedilatildeo de conflito real ou potencial Isso significa que um fenocircmeno de
cooperaccedilatildeo acontece sempre a partir de uma situaccedilatildeo de conflito e nunca de harmonia26
entre atores no mundo poliacutetico Seraacute justamente a tentativa de resoluccedilatildeo deste conflito que
poderaacute levar os atores agrave cooperar ou seja agrave ajustar seus comportamentos ou antecipar as
preferecircncias dos outros atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacutetica
Enquanto para os realistas que utilizam a teoria dos jogos (especialmente do dilema
do prisioneiro) nos estudos de comportamento a cooperaccedilatildeo eacute impossiacutevel porque os atores
racionalmente desconfiam sempre das accedilotildees uns dos outros e egoiacutesticamente pensam nos
proacuteprios interesses Keohane acredita que as mesmas premissas de comportamento racional
e egoiacutesta em uma ambiente internacional favoraacutevel podem levar os atores agrave cooperarem
uns com os outros (KEOHANE 1984 65-7) Quando os atores agem por meio de escolhas
racionais pensando nos interesses proacuteprios atraveacutes da realizaccedilatildeo de benefiacutecios coletivos
pode-se esperar um volume substancial de cooperaccedilatildeo internacional (inclusive
institucionalizada) nas economias de mercado dos paiacuteses industrialmente avanccedilados A
anaacutelise da cooperaccedilatildeo internacional e a elaboraccedilatildeo de um conceito sobre o fenocircmeno
acontece desse modo atraveacutes de uma combinaccedilatildeo de teorias que reconheccedilam os interesses
complementares entre naccedilotildees mas que natildeo deixem de reconhecer que os Estados satildeo atores
racionais e egoiacutestas na medida em satildeo orientados a promover seus dos proacuteprios interesses
E necessaacuterio lembrar que no mundo das relaccedilotildees internacionais os temas mais
significativos satildeo ao mesmo tempo poliacuteticos e econocircmicos portanto a perseguiccedilatildeo da
riqueza e do poder por parte dos Estados pode iluminar as motivaccedilotildees especiacuteficas dos
atores e servir como antiacutedoto contra uma parcial ecircnfase em interdependecircncia e retoacutericas
globalistas de realizaccedilatildeo de interesses comuns (KEOHANE NYE 198818-22) Na teoria
da cooperaccedilatildeo de Keohane os atores abordados e considerados significativos satildeo os
Estados que estabelecem os objetivos e constroacuteem as regras nas quais os demais atores
(inclusive as organizaccedilotildees natildeo- governamentais) deveratildeo se adaptar Definir a economia
poliacutetica internacional em termos de perseguiccedilatildeo de riqueza e poder nos leva agrave analisar a
26 Harmonia no mundo poliacutetico acontece em uma situaccedilatildeo onde automaticamente os atores (perseguindo seus proacuteprios interesses sem considerar o interesses dos outros) facilitam a realizaccedilatildeo dos objetivos dos outros sem conflito
14
cooperaccedilatildeo na economia poliacutetica mundial menos como um esforccedilo de implementar ideacuteias
elevadas (moralmente) e mais como um meio de atingir interesses proacuteprios em objetivos
poliacuteticos e econocircmicos (KEOHANE 1984 25)
Na anaacutelise das relaccedilotildees entre Estados Keohane daacute grande enfoque agrave influecircncia do
sistema internacional como modelador do comportamento dos atores (teoria sistecircmica) O
comportamento dos Estados assim como os de outros atores da poliacutetica mundial eacute
fortemente influenciado pelos constrangimentos (constraints) e incentivos fornecidos pelo
ambiente internacional Quando o sistema internacional muda o mesmo acontece com os
incentivos e com os comportamentos dos atores
A ecircnfase no sistema internacional eacute a propoacutesito a grande diferenccedila entre a teoria
de Keohane e as publicaccedilotildees mais recentes que abordam o tema da cooperaccedilatildeo Os estudos
realizados sobre o tema nos anos noventa27 embora tenham a caracteriacutestica notaacutevel de
manter a definiccedilatildeo do fenocircmeno de cooperaccedilatildeo elaborado por Keohane (MILNER 1992
466) uma deacutecada antes criticaram o peso excessivo dos constrangimentos estruturais do
sistema internacional na definiccedilatildeo do comportamento dos atores As anaacutelises dos anos
noventa passaram a dar maior enfoque agraves poliacuteticas domeacutesticas na definiccedilatildeo dos
comportamentos dos Estados e de suas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo (PUTMAN 1993 432
MILNER amp KEOHANE 1996 4)28 As teorias dos anos noventa embora incorporem um
estudo sobre os atores domeacutesticos29 tambeacutem minimizam certas situaccedilotildees de
27 Importante resenha comparada sobre os estudos e publicaccedilotildees da teoria da cooperaccedilatildeo internacional nos anos 90 (Robert Keohane e Kenneth A Oye Putman e Bayne Grieco e Haas) eacute o artigo de Helen Milner International theories of cooperation among nations strengths and weaknesses publicado no world politics (referecircncia no final deste trabalho)
28 E interessante perceber que o proacuteprio modelo de cooperaccedilatildeo internacional entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo voltada ao desenvolvimento no mesmo periacuteodo dos anos 90 tambeacutem comeccedilou a relacionar os problemas de desenvolvimento dos paiacuteses agrave fatores domeacutesticos e natildeo mais agrave problemas decorrentes do sistema internacional
29 O proacuteprio Keohane quando estuda em na segunda metade dos anos noventa o fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo admite que em suas anaacutelises anteriores pouca atenccedilatildeo foi dada ao comportamento dos atores domeacutesticos Isso natildeo significa que Keohane abandone a anaacutelise sistecircmica pelo contraacuterio ele continua afirmando que todos os atores sofrem constrangimentos e incentivos mas que internamente estas constriccedilotildees e incentivos seratildeo percebidas de maneira diferente devido aos arranjamentos estruturais e poliacuteticos dos diferentes atores Sua anaacutelise contudo se refere mais ao fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo e natildeo especificamente aquele da cooperaccedilatildeo internacional (MILNER amp KEOHANE 1996)
15
constrangimentos vividas pelos atores desavantajados como por exemplo as pressotildees
econocircmicas (MILNER 1992) No caso especiacutefico do nosso estudo sobre a ocorrecircncia da
cooperaccedilatildeo internacional aoacute desenvolvimento natildeo poderemos desprezar as pressotildees
econocircmicas sofridas pelos atores desavantajados visto os atuais mecanismos de repasse de
financiamentos do setor se estabelecem a partir de mecanismos de condicionalidade que
satildeo por si mesmo formas de pressatildeo econocircmica Desse modo decidimos pelo uso da
anaacutelise sistecircmica de Keohane na estruturaccedilatildeo deste trabalho
Para que possamos entender como os incentivos e os constrangimentos colocados
pelo sistema internacional podem afetar o comportamento dos atores deveremos
aprofundar a noccedilatildeo de regimes internacionais que satildeo entendidos por Keohane como os
ambientes facilitadores da cooperaccedilatildeo entre os Estados
Regimes internacionais
Os regimes internacionais satildeo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos
normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo dos quais as expectativas
dos atores convergemrdquo30- em uma variedade de aacutereas-tema das relaccedilotildees internacionais
(AXELROD amp KEOHANE 1982 327)31 Essa definiccedilatildeo e a proacutepria importacircncia dos
regimes internacionais satildeo plenamente entendidos depois de relembradas duas
caracteriacutesticas do contexto internacional A primeira delas eacute a ausecircncia no mundo poliacutetico
de instituiccedilotildees governamentais autoritaacuterias que possam regular (impondo obrigaccedilotildees) o
comportamento dos Estados e demais atores poliacuteticos A segunda eacute resultado da primeira a
30 Princiacutepios satildeo opiniotildees de fatos causas retidatildeo Normas satildeo modelos de comportamento definidos em termos de regras e obrigaccedilotildees Regras satildeo especiacuteficas prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees para atos Procedimentos de tomada de decisotildees satildeo praacuteticas prevalecentes para fazer e implementar escolhas coletivas (Krasner 1983 p2) Keohane considera normas apenas como modelos de comportamento
31 Os sistemas financeiro e comercial internacionais satildeo exemplos de regimes internacionais bem como organizaccedilotildees regionais e a proacutepria cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (tambeacutem chamada pelos americanos ajuda ao desenvolvimento) (KEOHANE NYE 1988 36)
16
constante incerteza do sistema internacional Os regimes internacionais cumpririam uma
funccedilatildeo ao sistema internacional definindo modelos de comportamento possibilitando
algum tipo de confiabilidade entre os atores e permitindo que expectativas comuns possam
ser tratadas de modo comum
Keohane acredita que princiacutepios normas regras e procedimentos conteacutem
determinaccedilotildees (quase) legais sobre comportamentos eles prescrevem certas accedilotildees e
proscrevem outras Nos regimes internacionais certos comportamentos ldquocorretosrdquo (no
sentido de serem coerentes com os princiacutepios do regime) satildeo incentivados enquanto
aqueles incorretos satildeo como veremos reprimidos Mais explicitamente os regimes
internacionais implicam em obrigaccedilotildees para os atores mesmo que estas obrigaccedilotildees natildeo
sejam cumpridas atraveacutes de um sistema hieraacuterquico legal
Considerando as duas caracteriacutesticas do sistema internacional - ausecircncia no mundo
poliacuteticos de instituiccedilotildees internacionais autoritaacuterias e a constante incerteza do sistema
internacional - podemos afirmar que uma das funccedilatildeo dos regimes internacionais eacute a
facilitaccedilatildeo de acordos entre governos de modo que as condiccedilotildees estruturais de anarquia
natildeo conduzam o sistema internacional a uma completa guerra de todos contra todos
(AXELROD amp KEOHANE 1982 332) Sem regimes internacionais a total incerteza
sobre o comportamento uns dos outros atores natildeo permitiria nenhum tipo de cooperaccedilatildeo
entre Estados colocando em riscos ateacute mesmo os grandes fluxos de trocas do sistema
capitalista Os regimes internacionais tambeacutem acabam facilitando a operaccedilatildeo de
descentralizaccedilatildeo do sistema poliacutetico internacional (diminuindo a presenccedila de um Estado
hegemocircnico como regulador do sistema) e expandindo o acesso dos atores poliacuteticos agraves
informaccedilotildees e em algum modo aos procedimentos de tomadas de decisatildeo o que
consequentemente aumenta as possibilidades de cooperaccedilatildeo internacional Contudo os
regimes internacionais natildeo devem ser percebidos como elementos de uma nova ordem
internacional aleacutem do Estado naccedilatildeo Eles precisam ser entendidos como arranjos
motivados por interesses proacuteprios em um sistema onde a soberania e o poder permanecem
sendo fatores constitutivos Isso significa que eles tendem a ser formados principalmente
Porque o mundo poliacutetico eacute descentralizado ao inveacutes de hierarquizado os princiacutepios prevalecentes de soberania significam que os Estados natildeo satildeo sujeitos agrave governos superiores (Ruggil 1983)
17
pelos atores mais poderosos priorizando seus proacuteprios interesses (KEOHANE 1984 62-
3)
Como afirmamos anteriormente Keohane manteacutem em suas anaacutelises a premissa de
que em geral os atores poliacuteticos tendem a responder racionalmente aos constrangimentos e
aos incentivos A teoria racional aplicada ao estudo da cooperaccedilatildeo implica em aceitarmos
que as decisotildees dos atores quanto aos regimes internacionais satildeo em alguma medida
voluntaacuterias Na ausecircncia de uma possibilidade de escolha dos atores reduziriacuteamos os
regimes internacionais a simples imposiccedilotildees quando na verdade sua natureza eacute muito mais
complexa Contudo tambeacutem pode ser limitativo e incorreto no estudo do comportamento
(cooperativo) dos Estados afirmar que os atores escolhem voluntariamente quando
participam dos regimes internacionais ou que os proacuteprios regimes satildeo de alguma maneira
fruto de accedilotildees voluntaacuterias Fazendo-o sacrificariacuteamos uma interpretaccedilatildeo Realista
Para que possamos manter a afirmaccedilatildeo de que os atores escolhem racionalmente - e
prosseguir a investigaccedilatildeo dos regimens internacionais - sem contudo ignorar as pressotildees
exercidas pelos mais fortes Keohane propotildee que sejam distinguidos dois aspectos do
processo atraveacutes do qual os regimes internacionais acontecem a imposiccedilatildeo de
constrangimentos (constvaints) e os processo de tomadas de decisatildeo (adesatildeo aos regimes)
Estes dois aspectos satildeo particularmente importantes para entenderas motivaccedilotildees dos atores
desavantajados de pertencer a um regime internacional
Em termos formais noacutes podemos considerar todos os regimes como tendo sido
criados ou mantidos voluntariamente atores independentes com a capacidade de recusar ou
consentirem em participar Mas caso estes atores sejam fracos agindo sob medo invasatildeo
ou colapso econocircmico natildeo pode-se dizer que exista verdadeiramente uma adesatildeo
voluntaacuteria (AXELROD amp KEOHANE 1982 330) Nestas situaccedilotildees devemos
primeiramente focar nossa atenccedilatildeo nos constrangimentos impostas aos atores antes de
examinar suas escolhas (KEOHANE 1984 71-2) Os atores podem sofrer
constrangimentos natildeo apenas atraveacutes de fatores estruturais do sistema mas tambeacutem
diretamente atraveacutes de pressotildees daqueles mais poderosos Regimes internacionais podem
ser acordados possuindo constrangimentos internos impostos desde a origem pelos atores
mais poderosos Relaccedilotildees de poder e dependecircncia e o contexto no qual os acordos foram
realizados seratildeo tambeacutem fatores de constrangimentos de escolhas nos regimes
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internacionais e afetaratildeo todos os acordos que resultam de barganhas entre atores Muitas
vezes a uacutenica alternativa racional do ator naquele momento eacute associar-se a um regime que
lhe garanta o miacutenimo de previsibilidade quanto ao comportamento dos atores
internacionais Mantendo-se em mente estas restriccedilotildees poderemos aplicar a anaacutelise de
escolhas racionais de maneira sofisticada sem implicar no entendimento de que os atores
estatildeo em situaccedilatildeo igual de poder de escolha pois relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo envolvem
diferentes custos de oportunidades para diferentes atores
Muito provavelmente os atores em posiccedilotildees fracas teratildeo custos e oportunidades
diferentes dos atores em posiccedilotildees avantajadas Essa constataccedilatildeo nos faz lembrar que no
mundo poliacutetico natildeo eacute via de regra que as trocas entre os Estados mesmo aquelas
resultantes de barganhas tenham que ser necessariamente iguais ou benignas para todos
Sobre as trocas desiguais Keohane acredita que elas acontecem como o resultado de uma
operaccedilatildeo onde atingiram-se objetivos possiacuteveis ou ainda devido agraves necessidades de creacutedito
ou da seguranccedila dos Estados ou mesmo devido agrave expectativa dos atores de atingirem-se
benefiacutecios futuros Keohane e os realistas percebem nas trocas desiguais oportunidades
para que os Estados poderosos transformem seus recursos materiais e ideoloacutegicos em regras
do sistema internacional Os Estados mais poderosos procuram em relaccedilotildees de troca
mesmo no interior de regimes internacionais beneficiar seus proacuteprios interesses poliacutetico-
econocircmicos Uma diferenciaccedilatildeo entre os realistas e Keohane quanto as trocas desiguais
deve ser precisada enquanto para os realista as trocas desiguais acontecem a partir de uma
diferenccedila de poder (militar) entre os Estados Keohane que considera simplistas todas as
explicaccedilotildees baseadas apenas em poder acredita que explicaccedilotildees mais plausiacuteveis
encontram-se no poder dos recursos econocircmicos
Quanto agraves tomadas de decisatildeo de pertencer ou natildeo agrave regimes internacionais espera-
se em geral que os Estados juntem-se a regimes onde os benefiacutecios como membros
superem os custos Atraveacutes desse raciociacutenio pode-se esperar que atores poliacuteticos escolham
participar de regimes internacionais que lhes garantam a mesma ou melhor condiccedilatildeo
dentro do que fora deles Isso natildeo implica necessariamente em ganho considerando-se que
os regimes tendem a impor custos para os que natildeo participam O Fundo Monetaacuterio
Internacional por exemplo natildeo empresta para os natildeo associados (ASCARI 1999 64)
Aleacutem disso ainda devemos recordar que os pressotildees e as desigualdades de poder que
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estendem-se por traacutes dos regimes internacionais podem tomar os resultados da barganha
voluntaacuteria natildeo inteiramente benignos Natildeo existe garantia de que a formaccedilatildeo de um regime
internacional iraacute produzir benefiacutecios globais de bem estar social (welfare) Desse modo
pertencer a um regime internacional implica sempre em riscos especialmente para os atores
desavantajados
A existecircncia (e a aceitaccedilatildeo) no mundo poliacutetico de trocas desiguais a compreensatildeo
de que os Estados podem em determinados casos tomar a decisatildeo de pertencer a regimes
simplesmente para natildeo verem aumentados seus custos a percepccedilatildeo de que os atores mais
fracos realizam muitas vezes escolhas a partir de constrangimentos e que o resultados
destas encolhas podem natildeo ser inteiramente benignos nos ajuda a entender porque atores
desavantajados juntam-se a regimes mesmo quando eles recebem menos benefiacutecios do que
os outros membros (AXELROD amp KEOHANE 1982 340) Em poliacutetica natildeo podemos
nunca esquecer que escolhas voluntaacuterias natildeo implicam na igualdade de situaccedilotildees e
resultados para os atores (AXELROD amp KEOHANE 1982 330 KEOHANE 1984 70) e
que os regimes internacionais satildeo uma esfera onde o poder eacute diretamente exercido e onde
as desigualdades satildeo grandes
Um uacuteltimo aspecto em relaccedilatildeo aos regimes e aos atores desavantajados ainda deve
ainda ser tratado a conformidade dos Estados aos regimes internacionais Regimes
internacionais satildeo instituiccedilotildees descentralizadas o que natildeo significa ausecircncia de
mecanismos de conformidade Regimes produzem procedimentos e regras e estabelecem
sanccedilotildees por violaccedilotildees do proacuteprio regime podem ser coordenadas em diversos niacuteveis e
intensidade No mundo poliacutetico e econocircmico observamos uma alta conformidade com os
regimes Entretanto essa constataccedilatildeo natildeo deve ser exagerada Tome-se como exemplo o
caso da conformidade da Europa aos regimes internacionais financeiro e comercial
oriundos do final da Segunda Guerra Mundial que efetivou-se realmente somente depois
do saneamento econocircmico e da retomada do crescimento da regiatildeo promovidos pelo plano
Marshall (DINOLFO 1994 601-29)
Para entender o quebra-cabeccedila da conformidade precisamos examinar como os
regimes internacionais afetam o caacutelculos dos governos racionais e egoiacutestas Keohane nos
aponta duas distintas possibilidades de entendimento A primeira delas observa cada regime
isoladamente considerando as vantagens de adesatildeo (para os governos) em oposiccedilatildeo agraves
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alternativas viaacuteveis A segunda coloca os regimes em contexto com outros regimes no
mundo poliacutetico Desse modo cada regime eacute interpretado como parte e em conformidade
com uma longa rede de temas e regimes Perceber cada regime em conformidade com
outros regimes produz diferentes estruturas de incentivos e constrangimentos para os
atores A pressatildeo que pode ser exercida atraveacutes de elos entre temas por diferentes regimes
serve muitas vezes como razatildeo para o ajuste dos governos a um determinado regime No
mundo contemporacircneo os governos tratam de vaacuterios temas e pertencem a muitos regimes
um governo que natildeo cumpre as regras e natildeo conforma-se a um determinado regime pode
criar uma expectativa negativa sobre seu comportamento em outros regimes para os
demais Estados Em uma anaacutelise racional-egoiacutesta podemos pensar que governos cumprem
seus compromissos para natildeo serem retalhados (punidos ou excluiacutedos de possiacuteveis
benefiacutecios) naquele proacuteprio ou nos demais regimes mesmo quando o regime e os temas
envolvidos natildeo satildeo de acordo com o auto-interesse (imediato) daquele Estado
Para entender o comportamento cooperativo dos atores devemos perceber os
regimes internacionais como muacuteltiplos e interligados Caso existisse apenas um regime no
mundo poliacutetico ou cada regime isoladamente os governos egoiacutestas poderiam
racionalmente parar de cumprir regras de regime internacionais Regimes seriam
abandonados quando os governos calculassem as que as oportunidade de custo como
membro como sendo maiores do que os de alguma alternativa viaacutevel de accedilatildeo Perceber os
regimes como interligados nos faz compreender que caso um Estado deixe de cumprir as
regras de um determinado regime que natildeo estatildeo diretamente de acordo com seus interesses
(ao menos imediatos) ele seraacute punido naquele e em outros regimes Da mesma maneira o
custo de adquirir maacute reputaccedilatildeo como resultado de violaccedilatildeo de regras seraacute imposto ao
transgressor naquele ou em demais regimes
Outro motivo de conformaccedilatildeo eacute a expectativa que os governos tecircm do crescimento
do regime internacional Conformar-se a um regime em um primeiro momento pode ser
fonte de determinados benefiacutecios para os atores ou mesmo uma oportunidade de participar
de acordos no sistema internacional Aleacutem disso as decisotildees de certos governos de
participar de regimes podem acontecer atraveacutes de um certo grau de ignoracircncia os regimes
evoluem e seus rumos nunca satildeo completamente previsiacuteveis Isso muitas vezes implica que
governos atuais aceitem determinadas situaccedilotildees pouco vantajosas devido a compromissos
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assumidos no passado e que poderiam implicar-lhes em maacute reputaccedilatildeo ou retaliaccedilotildees caso
natildeo fossem cumpridos Por exemplo decisotildees tomadas em um certo periacuteodo de promover
a abertura econocircmica tecircm profundamente surtido efeitos negativos na habilidade de futuros
governos de controlar as transaccedilotildees econocircmicas com o mundo exterior Esse problema diz
respeito a um dos aspectos mais obscuros dos regimes internacionais sua utilizaccedilatildeo para
afetar as preferecircncias dos governos futuros atraveacutes da criaccedilatildeo de constrangimentos em suas
(futuras) liberdades de accedilatildeo (KEOHANE 1984 120)
A conformaccedilatildeo aos regimes ainda pode ocorrer devido ao alto custo da construccedilatildeo
de regimes internacionais Estabelecer um regime pode ser muito difiacutecil e dispendioso para
os atores devido a grandes articulaccedilotildees envolvidas para conformar os atores o regime
necessita de um ambiente internacional de grande conflito para sua formaccedilatildeo ou ateacute mesmo
de presenccedila de uma potecircncia hegemocircnica - como foram os Estados Unidos depois da
Segunda Guerra Mundial Essa implicaccedilatildeo de custos de construccedilatildeo toma os regimes
internacionais mais faacuteceis de serem mantidos do que criados
Um uacuteltimo aspecto ainda deve ser abordado quanto agrave manifestaccedilatildeo dos regimes Os
comportamentos coordenados dos atores podem acontecer de forma declarada ou natildeo
podem ser sub-entendidos em acordos e tratados entre os Estados ou podem ser efetivados
no interior de organizaccedilotildees internacionais Isso natildeo significa que as organizaccedilotildees
internacionais cumpram simplesmente um papel funcional de servir aos regimes O
estabelecimento de organizaccedilotildees internacionais estaacute ligado a uma seacuterie de motivaccedilotildees das
mais diversas que natildeo aprofundaremos nesse momento estudo por natildeo representarem
ganho imediato para nossa discussatildeo Aquilo que nos pode interessar saber eacute que a
coordenaccedilatildeo de certas poliacuteticas estabelecidas nos regimes podem ter aspectos positivos e
aspectos negativos para os atores desavantajados Quanto aos aspectos positivos pode-se
listar a reduccedilatildeo dos custos de transaccedilatildeo (como aqueles organizacionais e de pagamentos) e
a diminuiccedilatildeo das imperfeiccedilotildees de informaccedilotildees (incertezas e riscos) e o no estabelecimento
de algum tipo de confianccedila legal para os Estados mesmo atraveacutes de normas imperfeitas ou
pouco precisas tomando os acordos mais convenientes dentro de um regime do que fora
dele Quanto aos aspectos negativos o primeiro deles seria que tendencialmente as
organizaccedilotildees internacionais favorecem os interesses dos atores mais poderosos Isso
significa que suas regras seratildeo estabelecidas ou poderatildeo constituir-se em mecanismos de
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constrangimento para os atores desavantajados Por esse motivo o estudo das regras das
organizaccedilotildees internacionais pode constituir-se em um interessante instrumento de
investigaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo e evoluccedilatildeo dos regimes internacionais e dos conflitos poliacuteticos
entre os atores
Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional
Depois da anaacutelise teoacuterica realizada nos sentimos confortaacuteveis para afirmar que a
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento entre paiacuteses do Norte e Sul do mundo tema
de anaacutelise de nosso trabalho manifesta-se como um regime internacional proacuteprio Ou seja
que agrave cooperaccedilatildeo entre Norte e Sul em relaccedilatildeo agrave aacuterea-tema desenvolvimento constitui-se
como sendo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos normas regras e
procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo do qual as expectativas dos atores
convergem As expectativas dos atores satildeo necessariamente nesse caso o
desenvolvimento Essa afirmaccedilatildeo implica em aceitarmos que tanto os paiacuteses do Norte como
os paiacuteses do Sul do mundo dividem expectativas em torno de um modelo uacutenico de
desenvolvimento33 e que eacute justamente essa expectativa que poderaacute nos ajudar a entender
os motivos dos paiacuteses pobres em conformarem-se voluntariamente ao regime da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
Considerar as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como um
regime internacional orientado ao desenvolvimento nos permite tambeacutem estruturar com
mais rigor cientiacutefico as relaccedilotildees entre Estados do Norte e do Sul do mundo Pensadas como
regime as poliacuteticas internacionais orientadas ao desenvolvimento podem ser entendidas
33 O grupo de autores poacutes-estruturalista considera o discurso do desenvolvimento como um aparato de controle e vigilacircncia Desenvolvimento engloba uma seacuterie de controles de discurso e de controle de praacuteticas - um regime de forccedila - que apareceu desde que o Iluminismo a extensatildeo do projeto de universalizaccedilatildeo europeu nos quatro cantos do mundo Que a maior parte dos projetos de desenvolvimento falhe - um ponto de concordacircncia entre poacutes-modemistas e ultramodemistas - acaba reforccedilando o desenvolvimentismo eles dizem que ao falimento define a populaccedilatildeo target demarcada pelo resto da humanidade por sua aboriacutegine pobreza ignoracircncia passividade e portanto esta populaccedilatildeo precisa de uma intervenccedilatildeo de conhecimento de fora (ESCOBAR 1995 APFFEL MARGLIN AND MARGLIN 1990 SACHS 1992 NANDY 1988 CRUSH 1995)
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como proporcionado incentivos e constrangimentos diferentes - e com graus de intensidade
desiguais - para atores fracos e atores fortes Podemos ainda perceber que nas relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento certas limitaccedilotildees e constrangimentos podem
ser estabelecidos diretamente pelos Estados mais fortes a partir dos recursos econocircmicos
Aleacutem disso entender as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da oacutetica de
regime internacional nos permite investigar o papel das organizaccedilotildees internacionais que
atuam diretamente estabelecendo regras e modelos de cooperaccedilatildeo entre os Estados do Norte
e do Sul do mundo e o quanto estas organizaccedilotildees satildeo orientadas a efetuar programas e
projetos de desenvolvimento que atendam as demandas dos atores avantajados Mas
sobretudo entender o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento como regime internacional
nos faz perceber as relaccedilotildees dos Estados nesse tema como fenocircmenos poliacutetico-
econocircmicos ajudando-nos desse modo a permanecer imunes agrave consideraccedilatildeo que retratem o
fenocircmeno como uma forma valida de ajuda que visa ldquo combater os fenocircmenos que
ameaccedilam a paz e a convivecircncia civil a pobreza o degrado ambiental a violecircncia e os
desequiliacutebrios de todos os gecircnerosrdquo (BARBARELLA 1998 64) Sendo todos estes
fenocircmenos referidos claramente como caracteriacutesticos dos paiacuteses em desenvolvimento
Perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
internacional ainda nos ajuda a definir um meacutetodo de investigaccedilatildeo para o tema Ou seja
buscar entender nas regras das organizaccedilotildees internacionais e na sua evoluccedilatildeo os processos
atraveacutes dos quais o regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi afirmado e investigar os
constrangimentos e incentivos colocados pelo regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento
em relaccedilatildeo de complementaridade com outros regimes internacionais Pensar nos regimes
internacionais em relaccedilatildeo uns com os outros nos faz perceber que a cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento pode impor ou sofrer constrangimentos incentivos e
puniccedilotildees a partir da rede de temas e regimes
A escolha de estudar a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
internacional tambeacutem nos possibilita investigar o tema a partir dos constrangimentos dos
atores mais desavantajados e identificar nas pressotildees econocircmicas sofridas por esse grupo
sua causa maior em aceitar barganhas desiguais que nem sempre parecem muito toleraacuteveis
considerando-se apenas um comportamento racional-egoiacutesta dos atores
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Finalmente perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
nos ajuda a estabelecer o proacuteprio termo cooperaccedilatildeo para definir o fenocircmeno Pois a
literatura especializada se utiliza de trecircs locuccedilotildees distintas para nomear o mesmo
fenocircmeno Estas locuccedilotildees satildeo assistecircncia ajuda e cooperaccedilatildeo Considerando que estes trecircs
termos natildeo satildeo sinocircnimos e denotam intensidades diferentes de participaccedilatildeo dos atores no
processo algumas consideraccedilotildees podem ser oportunas O termo cooperaccedilatildeo internacional
ao desenvolvimento eacute utilizado especialmente pelos autores europeus que pretendem
conseguir uma conotaccedilatildeo equilibrada e quase amigaacutevel aos esforccedilos dos atores e aos
resultados obtidos no setor (BASILE 1995 8 ANTONELLI 1995 230 ASCARI 1999
116 BOFFO 1993) Ajuda e assistecircncia satildeo utilizadas sobretudo na literatura americana e
datildeo evidentemente ecircnfase aos paiacuteses doadores ou seja aqueles desenvolvidos
economicamente como motores unilaterais da relaccedilatildeo o que acaba descaracterizando
qualquer tipo de barganha poliacutetica que possa envolver o fenocircmeno (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1995 94) Estes dois tipos de conotaccedilatildeo da literatura
especializada - cooperaccedilatildeo como equiliacutebrio de esforccedilos e resultados e ajuda ou assistecircncia
como accedilatildeo unilateral e apoliacutetica - revelaram-se depois de nossa investigaccedilatildeo teoacuterica uma
maneira incorreta de tentar entender o fenocircmeno
Assistecircncia ou ajuda natildeo poderiam ser utilizados como termos na investigaccedilatildeo do
fenocircmeno de relaccedilatildeo entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo porque excluiriam
imediatamente do processo de desenvolvimento o uacuteltimo grupo de paiacuteses desconsiderando
inclusive os recursos financeiros empregados por estas atores nos proacuteprios projetos e
programas de desenvolvimento e na manutenccedilatildeo do setor Interpretaccedilatildeo que seria incorreta
considerando-se que apenas o Brasil repassou para o Programa de Desenvolvimento das
Naccedilotildees Unidas (PNUD) mais de R$ 250 milhotildees de doacutelares34 ente janeiro e novembro de
2000 para a execuccedilatildeo do Programa Paiacutes (Tribunal de Contas da Uniatildeo)
Cooperaccedilatildeo tambeacutem natildeo poderia ser mantido caso utilizaacutessemos apenas a
conotaccedilatildeo dada ao termo pela literatura europeacuteia visto que natildeo existem situaccedilotildees de
equiliacutebrio de esforccedilos e resultados quando a anaacutelise de alguns simples indicadores de
crescimento econocircmico nos revela que desde a implementaccedilatildeo dos primeiros esforccedilos
34 O Orccedilamento anual do PNUD eacute atualmente de US$1 bilhatildeo de doacutelares
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mundiais coordenados para o desenvolvimento nos anos cinquumlenta a diferenccedila (gap) entre
a renda per capita dos paiacuteses do Norte e dos paiacuteses dos Sul passou de U$ 3677 em 1950
(referecircncias do doacutelar de 1980) para U$ 24000 em 1995 (referecircncia do doacutelar em 1995)35
Contudo tomando-se cooperaccedilatildeo como relevado pelos proacuteprios dados acima expostos
como um fenocircmeno econocircmico-poliacutetico que acontece a partir de uma situaccedilatildeo de conflito
vivida pelos atores como seraacute proposto no primeiro capiacutetulo deste trabalho nos
afastaremos completamente das conotaccedilotildees utilizadas pela literatura especializada europeacuteia
e poderemos definir sem risco de sermos contraditoacuterios o fenocircmeno de cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento entre Estados do Norte e do Sul do mundo como
cooperaccedilatildeo
Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional
ODA ou seja ajuda oficial ao desenvolvimento (a literatura internacional manteacutem a
sigla em inglecircs - ofjicial development aid) eacute utilizado no setor da cooperaccedilatildeo internacional
ao desenvolvimento como criteacuterio global de medida financeira das modalidade de
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento realizadas pelos paiacuteses do Norte e do Sul do mundo
(BASILE 1995 ANTONELLI 1995 GRILLI 1993 MARCfflSIO 19862000
TRIULZI 19982000) Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive agravequela
teacutecnica e fianceira (com exceccedilatildeo da ajuda de emergecircncia e de eventuais contribuiccedilotildees
privadas de ONGs) eacute contabilizado como fluxo financeiro da Ajuda Oficial ao
Desenvolvimento - ODA36 ODA eacute definido internacionalmente como sendo um ldquoconjunto
35 ldquoA diferenccedila de renda entre os paiacuteses do Norte e do Sul cresceu dramaticamente depois da Segunda Guerra Mundial Em 1950 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de USS 164 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de US$ 3841 - o que constituiacutea uma diferenccedila absoluta de U$ 3 677 (referecircncia do doacutelar americano de 1980) Trinta anos depois em 1980 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 245 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 9648 - o que constituiu uma diferenccedila absoluta de U$ 9043O crescimento da diferenccedila continuou nos anos 90 Em 1995 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 430 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 24930 - o que constitui uma diferenccedila absoluta de U$ 24000 (referecircncia do doacutelar americano de 1995) (SELIGTON 1998 3)
36 Internacionalmente eacute aceita a sigla ODA para definir estes fluxos financeiros motivo pelo qual decidimos mantecirc-la nesse trabalho
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de fluxos destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento^7 e agraves agecircncias multilaterais
fornecidos atraveacutes das agecircncias oficiais incluindo-se o Estado e os governos locais ou suas
agecircncias executivas cujas transaccedilotildees respeitem os seguintes criteacuterios a) como primeiro
objetivo que a assistecircncia seja administrada em funccedilatildeo da promoccedilatildeo do desenvolvimento
econocircmico e do bem estar dos paiacuteses em vias de desenvolvimento b) que os fluxos
destinados agrave cooperaccedilatildeo puacuteblica sejam facilitados e contenham um elemento de doaccedilatildeo de
ao menos 25rdquo (wwwoecdorgdac)
Por tratarem-se os fluxos ODA tambeacutem de ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e
expliacutecitos normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em torno do qual as
expectativas dos atores convergemrdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) eles tambeacutem seratildeo
nesse trabalho definidos como regimes internacionais
Como vimos Keohane percebe a cooperaccedilatildeo internacional como fundamentalmente
econocircmica e possiacutevel de acontecer a partir de um ambiente facilitador ou seja de um
regime internacional O ODA foi introduzido internacionalmente para cumprir a funccedilatildeo de
ambiente facilitador das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses do Norte e Sul depois da
afirmaccedilatildeo do conceito de multilateralismo no final da Segunda Guerra Mundial (BASILE
1995) O ODA deveria ter garantido que os benefiacutecios da implantaccedilatildeo da maior abertura
comercial e financeira fossem em alguma medida repassados para os atores mais fracos e
ajudassem estes paiacuteses em seus processo de desenvolvimento (entendido como crescimento
econocircmico38) (JEPMA1991)
No proacuteximo capiacutetulo iniciaremos nosso estudo sobre a nova modalidade de ajuda
multibilateral Depois de introduzir o termo buscaremos perceber como foi possiacutevel que
esse tipo de modalidade a princiacutepio contraacuteria as regras das organizaccedilotildees internacionais que
deveriam preservar uma certa neutralidade na conduccedilatildeo do repasse dos fluxos ODA
conseguiu estruturar-se a partir das falhas das normativas do proacuteprio PNUD e da
37 Esse tipo de definiccedilatildeo exclui os cria um problema para os paiacuteses em vias de desenvolvimento pois mede como fluxos ODA apenas aqueles repassados pelos paiacuteses desenvolvidos para o setor da cooperaccedilatildeo excluindo desse modo os recursos (muito substanciais) que os paiacuteses em desenvolvimento destinam ao proacuteprio desenvolvimento e agravequela internacional
38 Uma observaccedilatildeo fundamental para nossa discussatildeo eacute que ldquoateacute os anos cinquumlenta o conceito de desenvolvimento era estritamente interpretado como crescimento econocircmicordquo (DECLICH E EBOLI 1995 p 131)
27
Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas Finalmente dedicaremos a parte final do capiacutetulo a
uma breve explanaccedilatildeo da foacutermula multibilateral dos custos divididos (cost-sharing) aquela
prioritariamente utilizada pelo PNUD no Brasil e na Ameacuterica Latina
28
CAPIacuteTULO II
A AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO
As foacutermulas multiacutebilaterais como puniccedilatildeo
A partir da deacutecada de setenta uma nova modalidade de administraccedilatildeo e utilizaccedilatildeo
dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) foi estabelecida a partir
do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) Esta modalidade foi
denominada com um singular neologismo lsquomultibilateraV e se apresentava como uma
siacutentese dos dois modelos tiacutepicos de financiamento de projetos e programas do setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o multilateral efetuado atraveacutes da accedilatildeo das organizaccedilotildees
internacionais multilaterais e o bilateral realizado diretamente pelos Estados
A ajuda multibilateral eacute definida como uma forma particular de administraccedilatildeo e
repasse dos fluxos do regime internacional da ODA que consiste ldquono financiamento de
programas elaborados pelas organizaccedilotildees internacionais que se empenham mediante
acordos ad hoc a executar projetos especiacuteficos (setorizados) utilizando bens serviccedilos e
capacidade teacutecnica profissional dos paiacuteses doadoresrdquo (BASILE 1995 20 MARCHISIO
198612 MARCHISIO 2000 345369) A nova modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos
ODA inaugurou um precedente no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
De fato Marchisio nos lembra que ateacute a introduccedilatildeo da modalidade de ajuda multibilateral
o repasse dos fluxos ODA atraveacutes das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter regional em
particular do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) tendiam a
pieservar o princiacutepio constituinte da cooperaccedilatildeo multilateral ou seja a natildeo identificaccedilatildeo
dos paiacuteses doadores dos recursos (MARCHISIO 1986) Com efeito Basile argumenta que
os fundos das organizaccedilotildees internacionais dos programas das Naccedilotildees Unidas tinham sido
constituiacutedos e cumpriam a funccedilatildeo de preservar o anonimato entre paiacuteses doadores e paiacuteses
recebedores dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) (BASILE
29
1995) Dessa forma os paiacuteses recebedores dos recursos (aqueles em desenvolvimento)
teriam a garantia de que os fluxos ODA seriam repassados com o menor nuacutemero possiacutevel
de viacutenculos Isso significava que o Estado recebedor natildeo teria compromissos de utilizar os
fluxos do regime internacional ODA para efetuar compras de bens e serviccedilos dos paiacuteses
doadores destes recursos (procurement) ou para favorecer eventuais interesses poliacuteticos
destes Estados A questatildeo da licitaccedilatildeo para as compras de bens e serviccedilos para a execuccedilatildeo e
a implantaccedilatildeo de projetos e programas de desenvolvimento procurement) eacute atualmente
um dos pontos mais emblemaacuteticos das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre
paiacuteses dos hemisfeacuterios Norte e do Sul39 Segundo dados fornecidos por Escobar o Banco
Mundial gastou desde o final dos anos setenta mais de 80 do total dos recursos
multilaterais recebidos com contratos de aquisiccedilatildeo de mercadorias e com salaacuterios de
consultores nos proacuteprios paiacuteses doadores (ESCOBAR 1995 166) Como vimos em nosso
capiacutetulo anterior os Estados em vias de desenvolvimento sofreram puniccedilotildees sistecircmicas
atraveacutes do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a partir do iniacutecio dos
anos setenta Estas puniccedilotildees econocircmicas contra os paiacuteses em vias de desenvolvimento
(PVD) aconteceram atraveacutes de uma diminuiccedilatildeo dos repasses dos fluxos do regime da ajuda
oficial ao desenvolvimento (ODA) e de um maior controle destes fluxos As puniccedilotildees
sistecircmicas reordenaram o comportamento dos atores do regime internacional da cooperaccedilatildeo
ao desenvolvimento atraveacutes do estabelecimento de novos incentivos e constrangimentos
O primeiro ator que sofreu puniccedilotildees sistecircmicas e alterou profundamente seu
comportamento foi o Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) que ateacute
os anos setenta concentrava a maior parte dos fluxos do regime internacional da ajuda
oficial ao desenvolvimento (ODA) De fato o PNUD administrava 75 dos recursos das
atividades de cooperaccedilatildeo teacutecnica do Sistema das Naccedilotildees Unidas Com as puniccedilotildees
sistecircmicas impostas pelos Estados mais fortes a partir do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a quantidade de fluxos ODA administrados pelo PNUD
diminuiu vertiginosamente Jaacute no iniacutecio dos anos oitenta os fluxos ODA administrados
pelo PNUD eram apenas 25 dos fundos multilaterais da cooperaccedilatildeo teacutecnica
(MARCHISIO 1986) Quanto ao volume dos fluxos multilaterais ODA no setor da
39 Seraacute sob esse ponto de vista que Norte e Sul seratildeo tratados daqui em diante
30
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o total administrado pelo PNUD diminuiu de 65 em
1968 para 38 em 1980 (NOGUEIRA 2001 30)
A diminuiccedilatildeo de recursos no Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
(PNUD) aconteceu como uma forma direta de puniccedilatildeo econocircmica contra os Estados em
desenvolvimento Isso porque o PNUD sendo um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia Geral
das Naccedilotildees Unidas em que os Estados tecircm o mesmo peso de voto (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1996) podia como detentor majoritaacuterio dos recursos do
desenvolvimento favorecer poliacuteticas de utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA mais proacuteximas das
preferecircncia dos PVD
A praacutetica da ajuda vinculada era sobretudo ateacute a introduccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais uma caracteriacutestica da ajuda bilateral ao desenvolvimento (aquela realizada
diretamente entre os Estados) Contudo com a introduccedilatildeo da ajuda multibilateral os
Estados doadores puderam natildeo apenas condicionar de maneira mais acentuada o repasse
dos fluxos ODA agrave satisfaccedilatildeo de seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou econocircmicos mas
garantir um maior controle sobre os fluxos ODA multilaterais destinados aos paiacuteses em
desenvolvimento A introduccedilatildeo da ajuda multibilateral e o fortalecimento do poder de
decisatildeo da utilizaccedilatildeo destes recursos pelos Estados doadores podem ajudar a entender
porque trinta dos cinquumlenta maiores clientes das induacutestrias de mercadorias americanas
vecircm sendo a partir da metade dos anos setenta paiacuteses em desenvolvimento A maior parte
destes 30 satildeo os maiores recebedores da ajuda alimentar (ESCOBAR 1995166) Um fator
tambeacutem importante para o fortalecimento dos Estados doadores no setor da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a partir dos anos setenta foi a aproximaccedilatildeo promovida
pela cooperaccedilatildeo multibilateral dos paiacuteses doadores das agecircncias das Naccedilotildees Unidas Essa
aproximaccedilatildeo tomou possiacutevel aos paiacuteses doadores apropriar-se de uma seacuterie de informaccedilotildees
dos paiacuteses em desenvolvimento assim como do know how dos organismos de cooperaccedilatildeo
multilateral Elementos que resultaram uacuteteis para reorganizar em bases proacuteprias a
cooperaccedilatildeo multilateral e para a introduccedilatildeo de novos elementos como a condicionalidade
da ajuda e a cooperaccedilatildeo descentralizada Por exemplo com a foacutermula multibilateral
claacutessicas dos custos divididos e dos custos divididos com uma terceira parte os paiacuteses
doadores puderam ter acesso agraves informaccedilotildees completas do ldquoPrograma Paiacutesrdquo dos PVD
ainda em fase de projeccedilatildeo Desses projetos consta aleacutem de uma anaacutelise minuciosa das
31
poliacuteticas de governos que seratildeo seguidas pelos paiacuteses em aacutereas estrateacutegicas como aquela
econocircmica uma seacuterie de informaccedilotildees relativas aos custos que o governo do paiacutes em
desenvolvimento pretende utilizar como recursos proacuteprios para a realizaccedilatildeo dos projetos
Essas informaccedilotildees tendem a ser utilizada para favorecer interesses poliacuteticos e comerciais
dos Estados doadores
Marchisio afirma que a ajuda multibilateral pocircde constituir-se no acircmbito das
organizaccedilotildees multilaterais atraveacutes da introduccedilatildeo de uma seacuterie de novas foacutermulas de
financiamento de projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento que foram
encontrando legitimaccedilatildeo nas falhas normativas e na falta de regulamentaccedilatildeo homogecircnea
das normas financeiras do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD)
assim como nas proacuteprias regras financeiras da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
(MARCHISIO 2000) As foacutermulas multibilaterais migraram em um segundo momento
para os demais oacutergatildeos subsidiaacuterios40 da Assembleacuteia Geral e para os institutos financeiros
Disso resulta que as foacutermulas multibilaterais encontram-se entre as principais modalidades
de utilizaccedilatildeo dos recursos multilaterais do Sistema das Naccedilotildees Unidas Limitaremos nossa
anaacutelise nesse capiacutetulo ao estudo da categoria multibilateral no PNUD por ter sido esse o
Programa que inicialmente instituiu a ajuda multibilateral Aleacutem disso o PNUD eacute o maior
parceiro de programas de cooperaccedilatildeo do Brasil41 e utiliza uma foacutermula multibilateral - o
cost-sharing - para efetuar o Programa Paiacutes de Desenvolvimento (NOGUEIRA 2001) A
ajuda multibilateral permitira aos Estados doadores (os paiacuteses mais desenvolvidos
economicamente) um maior poder de decisatildeo na aplicaccedilatildeo dos fundos ODA das
organizaccedilotildees multilaterais de caraacuteter universal e o estabelecimento institucionalizado da
ajuda vinculada multilateral que atualmente representa ldquopercentuais meacutedios de 50 dos
fluxos do regime internacional ODA recolhido por estas organizaccedilotildees com pontas que
40 Oacutergatildeos subsidiaacuterios satildeo organismos operativos ligados por uma relaccedilatildeo de auxiliares agraveAssembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (quase todos principiam pela sigla UN contudo devemos daratenccedilatildeo agrave UNESCO - United Nations Educational Scientific and Cultural Organization - e agraveUNIDO - United Nations Industrial and Development Organization - que satildeo agecircnciasinstitutosespecializados do Sistema e cujos nomes tambeacutem principiam com a mesma sigla)
45 A proacutepria Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento nasceu como um projeto PNUD (NOGUEIRA 1999)
32
alcanccedilam ateacute 80 nos paiacuteses do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD)
(BASILE 1995 63)42
As foacutermulas multibilaterais de repasse de financiamento comeccedilaram a ser aplicadas
depois que a resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas sugeriu que se
efetivassem mecanismos de repasse obrigatoacuterio dos fluxos ODA dos paiacuteses industrializados
(em uma quantidade miacutenima de 07 do PIB) para a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento dos
paiacuteses mais pobres Aumentar a quantidade de recursos e obter uma garantia de
recebimento de financiamentos dos paiacuteses industrializados podem ser consideradas medidas
efetivas dos paiacuteses em desenvolvimento para o estabelecimento da pretendida nova ordem
econocircmica mundial no iniacutecio dos anos setenta A iniciativa dos paiacuteses em desenvolvimento
que se articulou a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas preocupou os paiacuteses
doadores quanto agrave organizaccedilatildeo dos paiacuteses mais pobres e tambeacutem quanto agrave utilizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas como promotora dos interesses do Sul do mundo (ARMSTRONG LLOYD
amp REDMOND 1996 95) Os paiacuteses industrializados reagiram imediatamente agrave resoluccedilatildeo
2626 (XXV) retirando os fluxos do regime internacional ODA das organizaccedilotildees
internacionais particularmente do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
(PNUD)
Essa retirada gerou uma crise orccedilamentaacuteria no Programa que determinou a criaccedilatildeo
de foacutermulas de administraccedilatildeo da ajuda que fossem mais atrativas para os paiacuteses doadores
(ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1999) As foacutermulas multibilaterais permitiram
que os paiacuteses doadores passassem a identificar os Estados onde seriam aplicados os fundos
podendo escolher o tipo de projeto e o setor onde seus recursos seriam utilizados As
foacutermulas multibilaterais permitiram ainda que os paiacuteses doadores pudessem concentrar seus
repasses de fluxos ODA em projetos (setores ou paiacuteses) que lhes trouxessem maior retomo
econocircmico Esse foi por exemplo o caso da Gratilde-Bretanha - que no periacuteodo entre 1979-82
destinou US$ 3994 milhotildees para a cooperaccedilatildeo e recebeu de retomo econocircmico US$ 7747
milhotildees Outros paiacuteses que costumam conseguir um alto retorno econocircmico satildeo a Aacuteustria a
Franccedila e a Nova Zelacircndia (MARCHISIO 198631) Podemos perceber portanto como a
42 Entre os paiacuteses que mais recorrem a este tipo de praacutetica estatildeo os Estados Unidos (com mais de 60 dos recursos) o Reino Unido (60) a Itaacutelia (65) o Canadaacute (50) e a Beacutelgica (mais de 60) (BASILE 1995 63)
33
aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees econocircmicas aos paiacuteses em vias de desenvolvimento gerou novos
incentivos e novas constriccedilotildees para o PNUD que acabaram determinando uma mudanccedila de
comportamento desse organismo
Enquanto os fluxos ODA eram retirados do PNUD acontecia o aumento da
concentraccedilatildeo destes fundos nos programas bilaterais dos paiacuteses doadores e nas entidades
(Institutos Financeiros e Fundo Europeu) mais facilmente controlaacuteveis por estes paiacuteses
Keohane afirma que os regimes internacionais que se constituem dentro das
organizaccedilotildees internacionais proporcionam algum tipo de confianccedila legal e a reduccedilatildeo dos
custos organizacionais para os Estados porque as regras destas organizaccedilotildees mesmo que
imperfeitas orientam os modelos de comportamento dos atores (KEOHANE 1984 88)
Ao mesmo tempo Keohane tambeacutem admite que as regras ou a ausecircncia de regras das
organizaccedilotildees internacionais em determinadas temas tendem a favorecer os interesse
econocircmicos e poliacuteticos dos atores mais fortes (KEOHANE 1984 90) Acreditamos que
esse quadro possa contribuir para a compreensatildeo da implantaccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais nas organizaccedilotildees internacionais E inegaacutevel que os fundos da cooperaccedilatildeo
multilateral enquanto eram preferencialmente administrados a partir de organizaccedilotildees
internacionais de caraacuteter universal particularmente pelo Programa de Desenvolvimento das
Naccedilotildees Unidas (PNUD) proporcionavam certa confiabilidade para os paiacuteses em vias de
desenvolvimento quanto ao comportamento dos atores mais fortes Contudo depois das
alteraccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento provocadas pelo acirramento das
tensotildees entre o grupo de paiacuteses doadores e o dos paiacuteses recebedores - e da consequumlente
concentraccedilatildeo dos fundos nas entidades ligadas aos paiacuteses doadores O proacuteprio PNUD foi
encontrando falhas normativas internas ou atraveacutes da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
(passivas ateacute entatildeo) por onde as foacutermulas multibilaterais puderam ser implantadas Disso
resulta que efetivamente o estudo das regras das organizaccedilotildees internacionais e de sua
evoluccedilatildeo no tempo pode ser muito interessante contribuindo para que possamos analisar
os processos poliacuteticos que envolvem os regimes internacionais
As falhas nas normativas que regulamentam a administraccedilatildeo financeira de oacutergatildeos
importantes como a Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas ou do PNUD ateacute entatildeo principal
regulador dos fundos da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento podem ser interpretadas como
constrangimentos iniciais do proacuteprio Programa Isso natildeo significa que estes oacutergatildeos
34
cumpram um papel funcional junto aos atores mais fortes Mas isto sim que a proacutepria
loacutegica das contribuiccedilotildees voluntaacuterias que estruturam estas organizaccedilotildees podem ter impedido
que mecanismos mais restritivos de controle dos recursos (que resultariam em perda de
flexibilidade) fossem estabelecidos Para Keohane constrangimentos pode ser acordados jaacute
no momento de instituiccedilatildeo das organizaccedilotildees (KEOHANE 1984) O constrangimento
representado pelas falhas das normativas financeiras de organizaccedilotildees que administravam
substanciais recursos destinados aos PVD pode ter permanecido em estado latente ateacute
serem habilitadas quando foi propiacutecia sua utilizaccedilatildeo
Para que possamos ter uma melhor compreensatildeo de como os interesses dos paiacuteses
doadores acabaram sendo legitimados nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal
toma-se necessaacuterio fazer uma anaacutelise mais focada das foacutermulas multibilaterais nestas
organizaccedilotildees Devido a isso o capiacutetulo eacute dedicado primeiramente agrave investigaccedilatildeo da origem
institucional das modalidades de cooperaccedilatildeo multibilaterais a partir da Resoluccedilatildeo 2626
(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na deacutecada de setenta (Segundo Dececircnio
para o Desenvolvimento) Analisaremos a seguir os principais pontos da regulamentaccedilatildeo da
Assembleacuteia Geral e do PNUD - ou seja aqueles ligados agrave administraccedilatildeo dos recursos e ao
procurement Assim procuraremos entender de que maneira os vaacutecuos dessas normativas
possibilitaram a constituiccedilatildeo das foacutermulas de financiamento multibilaterais no Programa A
parte final do capiacutetulo seraacute dedicada agrave anaacutelise da foacutermula multibilateral do cost-sharing no
Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas e da mais recente versatildeo do cost-
sharing atraveacutes da qual os paiacuteses em desenvolvimento assumiram a quase totalidade do
custo de seu Programa Paiacutes elaborado pelo PNUD
A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
A tendecircncia dos Estados em fornecer recursos financeiros agraves organizaccedilotildees
internacionais multilaterais estabelecendo condiccedilotildees de vaacuterios gecircneros natildeo eacute certamente
nova Uma anaacutelise realista nos faz perceber que as condiccedilotildees formuladas pelos atores mais
fortes para o repasse de recursos sempre existiram Contudo como dissemos as novas
foacutermulas multibilaterais acentuaram em medida notaacutevel os viacutenculos de destino dos
35
recursos pois os Estados doadores puderam passar a escolher diretamente para qual setor -
e paiacutes - seriam destinados os fluxos ODA multilaterais interferindo desse modo nos
processos globais e nacionais de desenvolvimento Aleacutem disso vale ressaltar que esse tipo
de modalidade de favorecimento dos interesses dos paiacuteses doadores a partir de fluxos ODA
multilaterais abriu um precedente para esse mesmo tipo de favorecimento em outros
organismos administradores de recursos multilaterais como por exemplo o Fundo Europeu
de Desenvolvimento (FED)
A afirmaccedilatildeo do fenocircmeno dos financiamentos multibilaterais na cooperaccedilatildeo a partir
da metade dos anos setenta pode ser ligada de maneira generalizante agraves vastas
transformaccedilotildees no ambiente internacional realizadas no curso daqueles anos que haviam
consolidado a estrutura das relaccedilotildees econocircmicas internacionais desde o final da Segunda
Guerra Mundial Alguns acontecimentos do iniacutecio da deacutecada de setenta - como o final dos
sistema monetaacuterio baseado nos acordos de Bretton Woods43 a inflaccedilatildeo e a recessatildeo dos
paiacuteses agrave economia de mercado o aumento das taxas de desocupaccedilatildeo e o choque do petroacuteleo
- fortaleceram a posiccedilatildeo dos paiacuteses em vias de desenvolvimento quanto ao
estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial que garantisse uma redistribuiccedilatildeo
mais equilibrada dos recursos internacionais
Esperava-se que o crescimento econocircmico da deacutecada de setenta pudesse derivar em
uma repercussatildeo positiva para os paiacuteses em desenvolvimento desde que mecanismos mais
eficazes do setor da cooperaccedilatildeo fossem criados e efetivados pelas organizaccedilotildees
internacionais (RESOLUCcedilAtildeO 2626 (XXV) sect 8) O ambiente internacional44 levou os
paiacuteses em vias de desenvolvimento a aprovarem na Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
como um dos objetivos da Comunidade Internacional para a deacutecada de setenta45 a
automatizaccedilatildeo da transferecircncia de 07 do PIB dos paiacuteses industrializados para ajuda ao
43 Em 1971 o padratildeo doacutelar-ouro foi abandonado pelos EUA
44 Que parecia tender para uma mudanccedila da ordem econocircmica devido agrave crise do regime monetaacuterio agraves expectativas da continuaccedilatildeo do crescimento mundial e agrave declaraccedilatildeo do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE de que os paiacuteses industrializados pretendiam adotar a Recomendaccedilatildeo sobre Condiccedilotildees e Termos Financeiros ou seja a primeira proposta de elevar os fluxos ODA para 07 do PIB dos paiacuteses industrializados (FUumlHRER 1996)
4gt A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) eacute de 24 de setembro de 1970
36
desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres (ARMSTRONG LLOYDamp REDMOND 1996
94-5)
Para os paiacuteses mais pobres um dos principais problemas para a efetivaccedilatildeo de
projetos e programas de desenvolvimento a longo prazo tem sido a ausecircncia de uma
garantia no recebimento de financiamentos internacionais (CECHI1995 ASCARI 1999)
O paiacutes que escolhe a estrada do desenvolvimento econocircmico pode encontrar na feita de
recursos algumas complicaccedilotildees capazes de comprometer seu crescimento econocircmico
(EATON 1989 CARDOSO e DORBUSCH 1989) A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi tomada
justamente para que um comprometimento maior dos paiacuteses doadores de repasse de
financiamentos pudesse proporcionar a realizaccedilatildeo de projetos e programas de crescimento
mais longos Os fundos destinados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento por
constituiacuterem repasses voluntaacuterios tecircm sido fetor de constrangimento para o
estabelecimento de poliacuteticas de desenvolvimento continuadas nos paiacuteses mais pobres
As intenccedilotildees declaradas dos paiacuteses industrializados de destinar um percentual
miacutenimo de 07 seus respectivos PIBs para o setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo
eram garantia do estabelecimento de medidas concretas de repasses dos fundos
Atualmente ainda podemos comprovar esta situaccedilatildeo pois mesmo que o paiacuteses
industrializados continuem afirmando suas intenccedilotildees de aumentar os fluxos ODA
(Conferecircncia de Monterrey em 2002) para um percentual miacutenimo de 07 de seus PIBs
nacionais na realidade os financiamentos facilitados continuam diminuindo Os fluxos
ODA dos paiacuteses Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) baixaram de 033 do
PIB no biecircnio de 1986-7 para 022 em 1997 e continuam em queda acentuada (TRIULZI
1998 123)
A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi uma tentativa de conseguir garantir aos paiacuteses em
desenvolvimento uma quantidade miacutenima de recursos que pudessem ser empregados como
financiamento aos paiacuteses do Sul atraveacutes de um maior comprometimento dos paiacuteses
doadores com a ajuda ao desenvolvimento46 Eacute interessante perceber que na recente
46 A funccedilatildeo deste oacutergatildeo plenaacuterio das Naccedilotildees Unidas limita-se apenas ao estudo discussatildeo e recomendaccedilotildees - aos Estados membros e natildeo-membros e aos demais organismos da ONU e subsidiaacuterios - de temas ligados agrave manutenccedilatildeo da paz e agrave resoluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias (CAFFARENA 200180 Carta das Naccedilotildees Unidas art 10-14) Neste sentido o termo resoluccedilatildeo manteacutem o significado geneacuterico de recomendaccedilatildeo
37
Conferecircncia Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento realizada em marccedilo
de 2002 na cidade de Monterrey o tema da necessidade de um repasse automatizado de
fundos para o setor da cooperaccedilatildeo que continua sendo uma das questotildees centrais para os
paiacuteses pobres natildeo foi nem mesmo levantado (CONFEREcircNCIA DE MONTERREY) O
fato de omitir-se uma questatildeo de tamanha importacircncia para os paiacuteses em desenvolvimento
na principal Conferecircncia sobre os fundos da cooperaccedilatildeo desta deacutecada evidencia como os
paiacuteses industrializados fortaleceram suas posiccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo desde os anos
setenta
As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD
As foacutermulas multibilaterais por estarem diretamente ligadas aos interesses
comerciais dos paiacuteses doadores (interesses de procurement - ajuda vinculada) foram
introduzidos sobretudo a partir da regulamentaccedilatildeo financeira dos oacutergatildeos subsidiaacuterios e da
proacutepria Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas afirmando-se de maneira pragmaacutetica
aproveitando os vaacutecuos existentes nas normas que regulam a gestatildeo financeira da
Assembleacuteia Geral e seus oacutergatildeos subsidiaacuterios (MARCHISIO 2000) Esse eacute o caso da
resoluccedilatildeo 3556 da Assembleacuteia Geral que trata das estrateacutegias das Naccedilotildees Unidas para o
Terceiro Dececircnio do Desenvolvimento nos anos oitenta No paraacutegrafo 103 b afirma-se que
ldquoem regravegle gegravenerale laacuteide publique au deacuteveloppement ne devrais pas ecirctre lieacuteerdquo (YODER
1997) O uso do condicional que natildeo estava presente ateacute os anos oitenta nesse paraacutegrafo
permite entender claramente a presenccedila de um espaccedilo (que deveria ser marginal) no qual
satildeo consentidas derrogas ou exceccedilotildees Nos documentos que definiram as estrateacutegias das
Naccedilotildees Unidas para o Primeiro e o Segundo Dececircnio para o Desenvolvimento a ajuda
vinculada realizada atraveacutes de recursos oficiais ao desenvolvimento multilaterais era
categoricamente proibida47
Natildeo existe uma regulamentaccedilatildeo uacutenica que normatize a gestatildeo financeira das
diversas agecircncias e institutos do Sistema das Naccedilotildees Unidas Pelo contraacuterio cada
47 Disponiacutevel on-line (HTTPVwww unorgdoc)
38
organismo conta com medidas proacuteprias de alocaccedilatildeo e administraccedilatildeo dos recursos
(CAFFARENA 2001) Mesmo para os organismos subsidiaacuterios da Assembleacuteia Geral dos
quais a grande parte dos oacutergatildeos que trabalham no setor da cooperaccedilatildeo eacute subsidiaacuterio existe
uma autonomia funcional Contudo sendo o PNUD um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia
Geral das Naccedilotildees Unidas eacute pertinente aprofundar mais especificamente os limites da
autonomia financeira do proacuteprio Programa em relaccedilatildeo agrave Assembleacuteia Geral
A Assembleacuteia Geral conteacutem algumas indicaccedilotildees vagas sobre a gestatildeo financeira dos
seus oacutergatildeos subsidiaacuterios48 De maneira generalizante a proacutepria Assembleacuteia deveria
responder pelo regulamento financeiro de seus oacutergatildeos subsidiaacuterios a menos que ldquoas
resoluccedilotildees atraveacutes das quais eles foram individualmente constituiacutedos lhes tenham conferido
autonomia financeira que o Secretaacuterio Geral das Naccedilotildees Unidas tenha autorizado
autonomia de gestatildeo financeira ou no caso dos organismos que possuem atividades
operativas que estes sejam financiados atraveacutes de contribuiccedilotildees voluntaacuterias e possuam bens
proacutepriosrdquo (REGULAMENTO FINANCEIRO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS )49 Ou seja isso
significa que na praacutetica todos os oacutergatildeos subsidiaacuterios das Naccedilotildees Unidas tecircm autonomia
financeira de administraccedilatildeo dos recursos pois todos enquadram-se em ao menos duas das
categorias de exceccedilatildeo (contribuiccedilotildees voluntaacuterias e bens proacuteprios)
Quanto ao procurement espaccedilo de maior abertura para a introduccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais nos projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (CREWE amp
HARRISON 1998) os oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia mesmo que dotados de
autonomia de gestatildeo deveriam manter-se compatiacuteveis com os princiacutepios gerais da
regulamentaccedilatildeo financeira das Naccedilotildees Unidas de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeo Contudo o
proacuteprio estatuto da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas eacute ambiacuteguo na regulamentaccedilatildeo da
compra de seus bens e serviccedilos
Para o procurement (acima de 10 mil doacutelares) da Assembleacuteia Geral se determina
que ldquoa compra de bens e serviccedilos deve ser feita atraveacutes de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeordquo (art
48 Da instituiccedilatildeo e da normativa dos oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia trata o art 2 2 da Carta das Naccedilotildees Unidas
49 Disponiacutevel on-line (http w w w u n o rg l Ponto 5 do art X101 do Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
39
105 do Regulamento Financeiro)50 Essa normativa contudo soacute eacute vaacutelida para as compras
de bens e serviccedilos efetuados com recursos ldquoobrigatoacuteriosrdquo aqueles recebidos para a
manutenccedilatildeo das estruturas Quanto aos procurement efetuados pela Assembleacuteia Geral e
realizados com recursos voluntaacuterios (fora do orccedilamento anual de manutenccedilatildeo da estrutura)
a Assembleacuteia estabelece que o Secretaacuterio Geral pode ldquoestabelecer qualquer outro criteacuterio
para a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos desde que no interesse da organizaccedilatildeordquo (11016 a
11024 do Regulamento Financeiro)51 Essa falta de regulamentaccedilatildeo precisa possibilita a
praacutetica de ajuda vinculada jaacute a partir da proacutepria Assembleacuteia Geral
Quanto ao PNUD o Programa estabelece princiacutepios complementares aos da
Assembleacuteia Geral em mateacuteria de procurement de um lado que o programa deve
normalmente utilizar o procedimento da licitaccedilatildeo internacional para aquisiccedilatildeo de bens e
serviccedilos favorecendo todavia onde possiacutevel o emprego daqueles disponiacuteveis nos proacuteprios
paiacuteses em via de desenvolvimento Contudo os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo destes bens e
serviccedilos natildeo satildeo o preccedilo mas o maacuteximo de eficaacutecia teacutecnica (humana e material) para a
realizaccedilatildeo do projeto (artigo 145 do Regulamento Financeiro do PNUD) O criteacuterio de
julgamento de eficiecircncia eacute realizado evidentemente no proacuteprio PNUD atraveacutes do setor de
execuccedilatildeo de projetos (OPE) Torna-se evidente portanto que as avaliaccedilotildees das licitaccedilotildees
totalmente baseadas nas decisotildees subjetivas dos funcionaacuterios do Programa (CREWE amp
HARRISON 1998) possam vir a favorecer foacutermulas multibilaterais
Um segundo ponto a ser sublinhado A aplicabilidade do regulamento do PNUD diz
respeito somente aos projetos que o Programa executa diretamente Acontece que a
execuccedilatildeo direta de projetos pelo programa natildeo eacute regra Ao contraacuterio o PNUD limita-se na
maior parte dos casos agrave funccedilatildeo de oacutergatildeo financeiro conferindo fundos necessaacuterios para
cobrir os custos internacionais (custos de operacionalizaccedilatildeo) de projetos cuja execuccedilatildeo
vem confiada agraves agecircncias de execuccedilatildeo (executing agencie) do Sistema das Naccedilotildees Unidas
e tambeacutem a partir de 1984 agraves ONGs internacionais que tenham caraacuteter consultivo junto ao
ECOSOC (das quais 79 satildeo dos EUA e da Europa) Quando um projeto - entre aqueles
50 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
51 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
40
indicados nos programas nacionais de desenvolvimento e aprovado pela PNUD - chega agrave
fase de atuaccedilatildeo normalmente entram em cena as executing agencies como encarregadas de
providenciar as necessaacuterias aquisiccedilotildees de bens e serviccedilos Ocorre precisar que onde o
Programa recorre a subcontratos parciais ou totais de realizaccedilatildeo de um projeto estes
uacuteltimos eacute que iratildeo fazer diretamente a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos no lugar da PNUD ldquoNa
hipoacutetese em que a realizaccedilatildeo de um projeto seja delegada a uma executing agency em
razatildeo da sua competecircncia teacutecnica a funccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos e o
recrutamento dos especialistas seraacute tambeacutem do oacutergatildeo contratado que utilizaraacute suas proacuteprias
regras de procurementrdquo (art 151 do regulamento financeiro do PNUD) Atualmente
grande parte das executing agencies satildeo os institutos financeiros e as ONGs internacionais
acreditadas pelo ECOSOC O regulamento dos institutos financeiros natildeo prevecirc nem mesmo
o mecanismo da licitaccedilatildeo internacional pois o proacuteprio diretor geral do instituto
especializado eacute o responsaacutevel pelas decisotildees de aquisiccedilatildeo de mercadorias e serviccedilos
especializados para a realizaccedilatildeo dos projetos Situaccedilatildeo ainda mais grave eacute o caso das ONGs
que atuam como executing agencies e tecircm autonomia praticamente absoluta na
administraccedilatildeo dos recursos nas licitaccedilotildees nas compras internacionais e na contrataccedilatildeo de
pessoal As ONGs satildeo muito orgulhosas de sua suposta autonomia e podem utilizar seu
apoio junto agrave comunidade civil para que natildeo lhes sejam estabelecidas regras mais
transparentes de controle (TAVARES 1999)
Foacutermulas multibilaterais custos divididos (ltcost-sharing)
No que diz respeito agrave cooperaccedilatildeo teacutecnica as foacutermulas multibilaterais legitimadas
dentro da normativa do Sistema do PNUD satildeo as contribuiccedilotildees in natura52 (agraves quais se liga
o problema das contribuiccedilotildees de contraparte) a participaccedilatildeo nos custos (ltcost-sharing) e a
participaccedilatildeo nos custos de uma terceira parte (third-party-cost-sharing) os fundos de
52 Se referem aos custos locais e de manutenccedilatildeo dos programas de desenvolvimento
41
confianccedila (trust-funds) os serviccedilos de gestatildeo53 (management-services) e as contribuiccedilotildees
em moeda natildeo conversiacutevel54 Uma evoluccedilatildeo mais recente das foacutermulas de financiamento de
projetos multibilateral satildeo os jaacute citados fundos de confianccedila temaacuteticos (thematic trusts
Junds)55 Limitaremos nossa anaacutelise ao estudo do cost-sharing ao third-party-cost-sharing
e agrave mais nova versatildeo de cost-sharing (integral) - a foacutermula utilizada pelo Brasil para
realizar o Programa Paiacutes junto ao PNUD
bull Custos Divididos e Custos Divididos com uma Terceira Parte
Os custos divididos e os custos divididos com uma terceira parte constituiacuteram-se
em uma verdadeira exceccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de serem impostas restriccedilotildees quanto ao uso e o
destino das contribuiccedilotildees voluntaacuterias O Cost-sharing e sua variante third-party-cost-
sharing foram introduzidas em suas versotildees claacutessicas na metade dos anos setenta e
tomaram-se rapidamente a principal foacutermula de execuccedilatildeo de programas e projetos de
desenvolvimento realizados atraveacutes da cooperaccedilatildeo internacional
Na modalidade claacutessica de cost-sharing um projeto de ajuda teacutecnica comporta um
custo global do qual uma parte cabe ao Estado beneficiado e outra ao PNUD em
conformidade com os acordos descritivos de base e com aqueles descritivos do projeto O
PNUD normalmente elabora como cooperaccedilatildeo teacutecnica multilateral um conjunto de
projetos de atuaccedilatildeo quumlinquumlenal para os paiacuteses em vias de desenvolvimento definidos como
Programa Paiacutes country programme) Estes projetos em sua primeira fase satildeo cobertos (na
totalidade ou em sua parte mais consistente) pelos paiacuteses beneficiados Uma segunda lista
de projetos chamada pipeline embora compreenda tambeacutem accedilotildees prioritaacuterias seraacute depois
5j Os serviccedilos administrativos (management services) consiste em colocar agrave disposiccedilatildeo da cooperaccedilatildeo bilateral entre os Estados a infra-estrutura do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
54 Consiste em destinar para os fluxos ODA doaccedilotildees em moedas de difiacutecil conversatildeo ou natildeo conversiacuteveis que seratildeo depois gastas no proacuteprio paiacuteses de origem da doaccedilatildeo
55 Os fundos de confianccedila temaacuteticos permitem aos doadores participar de fundos multianuais elaborados pelo PNUD para implantaccedilatildeo de projetos ligados aos temas da agenda internacional nos paiacuteses em desenvolvimento
42
financiada pelo PNUD Os recursos financeiros destes projetos de segunda fase definidos
como custo internacional satildeo provenientes da ajuda multilateral
O custo global do Programa Paiacutes eacute definido antes da assinatura do contratado Nele
estatildeo os custos da primeira e da segunda fase Os custos da segunda fase de projetos
deveriam ser equivalentes aos pagos pelos paiacuteses beneficiados na primeira fase Todavia
como estes custos satildeo definidos ainda durante a fase de elaboraccedilatildeo do programa o que
acaba acontecendo eacute que jaacute a partir dos primeiros projetos (primeira fase) os custos
revelam-se maiores do que o previsto Quem assume a diferenccedila entre os custos reais e os
custos estimados da primeira e da segunda fase eacute o paiacutes beneficiado A intervenccedilatildeo
financeira direta dos proacuteprios Estados beneficiados na forma de participaccedilatildeo nos custos
(cost-sharing) permite a finalizaccedilatildeo dos projetos originalmente previstos nos programas
nacionais de desenvolvimento Os custos que os Estados recebedores tiveram que repassar
ao PNUD para a execuccedilatildeo completa de seus country programmes foram identificados
como uma verdadeira contribuiccedilatildeo ao PNUD maior do que as realizadas pelos doadores
industrializados No entanto os recursos fornecidos pelos governos dos Estados
beneficiados como cost-sharing natildeo satildeo considerados uma participaccedilatildeo financeira destes
Estados mas apenas a parte que lhes cabe na participaccedilatildeo de custos e sobretudo de riscos
nos programas nacionais de desenvolvimento elaborados pelo PNUD
Uma segunda forma de divisatildeo de custos que utiliza foacutermulas multibilaterais de
financiamento eacute o third-party-cost-sharing (custos divididos com uma terceira parte) Esse
mecanismo consiste em um procedimento multibilateral no qual as despesas para a
assistecircncia de primeira fase do country-programme satildeo cobertas em totalidade ou em parte
por uma contribuiccedilatildeo fornecida por um ou mais Estados diferentes daquele beneficiado Eacute
evidente que se trate de uma foacutermula mista ou multilateral visto que o terceiro doador pode
livremente escolher os paiacuteses e atividades a privilegiar
O princiacutepio geral adotado no caso de intervenccedilatildeo de terceiros eacute que se respeitem as
prioridades dos governos beneficiados Evidentemente encontram-se maneiras de garantir
os interesses dos terceiros ainda durante as negociaccedilotildees para a estipulaccedilatildeo dos acordos
entre o PNUD e os Estados interessados em participar como terceiros O PNUD promove
consultas com eventuais paiacuteses doadores dos programas de third-party-cost-sharing
43
submetendo a anaacutelise de projetos e programas a serem financiados atraveacutes deste mecanismo
aos agentes diplomaacuteticos dos Estados doadores Obtida uma geneacuterica manifestaccedilatildeo de
interesse o Programa envia missotildees ad hoc nas capitais dos paiacuteses doadores entre
setembro e novembro de cada ano para reexaminar com detalhes as propostas e chegar a
acordos para o financiamento do programa Nesta ocasiatildeo o doador poderaacute fazer valer suas
exigecircncias especialmente em mateacuteria de procurement escolhendo intervir em projetos para
os quais seja necessaacuterio um certo nuacutemero de materiais disponiacuteveis em seu mercado
nacional A satisfaccedilatildeo de tais interesses seraacute portanto realizada diretamente visto que o
third-party-cost-sharing natildeo eacute considerado formalmente um instrumento de ajuda
vinculada
O Brasil e a Ameacuterica Latina realizaram programas com o PNUD atraveacutes dos custos
divididos e tambeacutem dos custos divididos com uma terceira parte desde a implantaccedilatildeo da
modalidade ateacute o iniacutecio dos anos noventa - quando o CAD determinou que os fluxos
ODA mesmo vinculados fossem suspensos para os paiacuteses de renda meacutedia (RESOLUCcedilAtildeO
ANUAL CAD 1991) Essa medida afetou grande parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina que
passaram a disponibilizar recursos proacuteprios (obtidos internacionalmente) para manter as
atividades do PNUD A modalidade de execuccedilatildeo dos programas ainda eacute nominalmente
chamada cost-sharing Contudo nessa nova versatildeo os custos dos Programas Paiacutes satildeo quase
que integralmente pagos pelos governos dos Estados onde se realizam os projetos Essa
decisatildeo parece ter sido determinante para o aumento dos custos globais dos recursos
administrados pelo PNUD na regiatildeo
Em 1993 na regiatildeo da Ameacuterica Latina e do Caribe foram utilizados em programas e
projetos de desenvolvimento PNUD e governos nacionais aproximadamente US$ 400
milhotildees dos quais metade proveniente de recursos do Programa e a outra metade de
recursos cost-sharing junto aos paiacuteses da regiatildeo Em 1997 na mesma regiatildeo foram
utilizados pouco mais de US$ 800 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de
desenvolvimento entre os governos e o PNUD dos quais menos de cem milhotildees eram
recursos do Programa e 700 eram recursos cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32)
No Brasil a progressatildeo do aumento do volume de recursos puacuteblicos implicados nos
programas e projetos de cost-sharing com o PNUD eacute ainda mais espantosa No periacuteodo de
1982-86 eram utilizados menos de US$ 50 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de
44
desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais menos da metade eram recursos cost-
sharing No periacuteodo de 1992-96 foram gastos quase US$ 250 milhotildees de doacutelares em
programas e projetos de desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais quase a
totalidade (US$ 220 milhotildees aproximadamente) em cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32-
5) Devemos lembrar que os fluxos financeiros destinados pelos paiacuteses em vias de
desenvolvimento para a execuccedilatildeo de seus Programas de desenvolvimento natildeo satildeo
contabilizados internacionalmente como ODA Este fato eacute bastante significativo se
considerarmos que a maior parte dos paiacuteses de renda meacutedia paga atualmente atraveacutes de
recursos proacuteprios seus programas de desenvolvimento Um dos problemas apontados pelos
analistas (Marchisio Cecchi) eacute que as categorias de paiacuteses doadores e paiacuteses recebedores
(embora atualmente isto faccedila pouco sentido devido agrave acentuaccedilatildeo da presenccedila de fluxos
privados no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento nos uacuteltimos anos) natildeo encontram
espaccedilo de debate nos foacuteruns internacionais Esse fato demonstra o tratamento diferenciado
que os atores mais fortes pode ter no interior dos regimes internacionais
Uma segunda questatildeo que deve ser levantada eacute o fato de que embora o Brasil pague
praticamente sozinho seus custos do Programa Paiacutes ainda estaacute utilizando o PNUD como
fornecedor de serviccedilos e consultoria de desenvolvimento Esse fato pode ser explicado de
diversas maneiras Keohane nos lembra que muitas vezes por uma questatildeo de
credibilidade os atores que participam dos regimes internacionais procuram preservar
acordos anteriormente estabelecidos (KEOHANE 1984) Uma segunda explicaccedilatildeo pode
ser encontrada na teoria de Keohane sobre a cooperaccedilatildeo O autor afirma que os regimes
internacionais efetuados a partir das organizaccedilotildees internacionais podem trazer alguma
garantia legal aos atores Mesmo que o Brasil natildeo esteja mais utilizando os recursos
provenientes do regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento devemos lembrar
que nosso volume de procurement eacute sempre substancial Logo caso natildeo tiveacutessemos um
oacutergatildeo regulador no qual administrar esse grande volume de recursos talvez nossos custos
de procurement pudessem ser ainda maiores Podemos ainda pensar que devido agrave
condicionalidade da ajuda fenocircmeno que estudaremos no proacuteximo capiacutetulo manter um
Programa Paiacutes atraveacutes de uma organizaccedilatildeo internacional seja uma condiccedilatildeo imposta pelos
institutos financeiros ou pelo proacuteprio mercado para podermos ter acesso a financiamentos
externos Todas estas explicaccedilotildees ajudam a entender a permanecircncia do fenocircmeno do cost-
45
sharing no Brasil Contudo nenhuma delas eacute motivo para permanecermos indiferentes agraves
grandes quantias que o paiacutes vem repassando atualmente para o PNUD e outras
organizaccedilotildees internacionais e natildeo-govemamentais que atuam em seu territoacuterio Sobretudo
se considerarmos que o PNUD a Organizaccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a
Unesco receberam em 2000 70 do total de recursos que o Brasil destinou a projetos de
desenvolvimento desligados das estruturas de governo Tendo em contrapartida destas
organizaccedilotildees PNUD (projetos) Unesco (projetos) e OPAS (projetos missotildees teacutecnicas
seminaacuterios) (ABC)56
A evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional dos anos setenta ateacute nossos dias
tem demonstrado quatildeo acentuados tecircm sido os constrangimentos destinados a fazer os
atores dos PDV acederem aos recursos do regime internacional ODA No caso da
cooperaccedilatildeo multibilateral o cost sharing natildeo significou apenas um constrangimento que
dificultou o acesso a financiamentos facilitados para o paiacutes mas um custo adicional
bastante elevado que estaacute sendo comprometido para a realizaccedilatildeo de um Programa Paiacutes
Como dissemos nosso proacuteximo capiacutetulo seraacute dedicado ao fenocircmeno da
condicionalidade da ajuda A condicionalidade por representar um instrumentos teoacuterico-
poliacutetico eacute um dos mecanismos de puniccedilatildeo do uso da ajuda oficial ao desenvolvimento
(ODA) que mais podem interferir nos processos nacionais de desenvolvimento dos paiacuteses
recebedores dos recursos assim como daqueles que dependem de grandes volumes de
empreacutestimos internacionais
56 Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo (ABC) (httpwwwmregovbr)
46
CAPIacuteTULO m
A CONDICIONAL IDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO
A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos
No uacuteltimo capiacutetulo analisamos a ajuda multibilateral como sendo o resultado de
uma mudanccedila de comportamento do PNUD devido aos novos incentivos e puniccedilotildees
impostos pelo ambiente internacional durante os anos do choque do petroacuteleo e agrave tentativa
de estabelecimento da nova ordem econocircmica internacional No presente capiacutetulo
estudaremos a condicionalidade da ajuda outro fenocircmeno que se estabeleceu a partir dos
anos setenta no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento E que desde
entatildeo tem sido considerado um dos mais emblemaacuteticos instrumentos de puniccedilatildeo e
constrangimento para o uso da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pelos paiacuteses em
vias de desenvolvimento
A literatura especializada vem identificando a condicionalidade como um fenocircmeno
que ocorre quando os financiamentos destinados aos projetos e programas de
desenvolvimento satildeo condicionados explicitamente agrave transformaccedilatildeo de certas poliacuteticas
sociais econocircmicas ou administrativas destes paiacuteses recebedores (CREWE amp HARRISON
1998 47-52 SCHMITZ amp GILLES 1992 ASCARI 1999 54-5 BASILE 1995 78) Os
autores que abordam a questatildeo da condicionalidade tecircm contudo pareceres muito
destoantes quanto ao fenocircmeno Para Ascari e Basile o uso da condicionalidade se coloca
como uma visatildeo altruiacutestica e uma preocupaccedilatildeo dos paiacuteses doadores no confronto com as
populaccedilotildees mais pobres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Populaccedilotildees que
subjugadas pelos seus proacuteprios governos natildeo poderiam ser de outra maneira beneficiadas
pela ajuda oficial ao desenvolvimento
Em direta oposiccedilatildeo agrave visatildeo de Ascari e Basile estatildeo Crewe e Harrison para quem a
condicionalidade eacute sintomaacutetica da suposiccedilatildeo dos paiacuteses doadores de que eles tecircm um
47
melhor entendimento das necessidades dos paiacuteses em vias de desenvolvimento do que os
govemos destes Condiccedilotildees para o repasse da ajuda ldquorelacionadas agrave natureza dos sistemas
poliacuteticos agraves estatiacutesticas de direitos humanos agrave poliacutetica econocircmica e aos mais variados
iacutendices de governabilidade dos paiacuteses em vias de desenvolvimento vecircm se tomando parte
dos grandes temas que dominam grande parte das agendas das poliacuteticas das agecircncias
multilaterais e bilateraisrdquo e refletem ldquoa crenccedila dos paiacuteses ricos de que eles sabem maisrdquo (do
que os governos locais) e podem portanto interferir na esfera domeacutestica dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento (CREWE amp HARRISON 1998 3235) Schmitz e Gilles satildeo ainda
mais criacuteticos quanto ao fenocircmeno da condicionalidade ao afirmar que seu uso ldquoeacute forma de
imperialismo cultural que estrategicamente promove a erosatildeo da soberania dos paiacuteses mais
pobresrdquo (SCHMITZ amp GILLES 1992 18)
A condicionalidade como se pode perceber pelas divergecircncias de interpretaccedilatildeo que sua
aplicaccedilatildeo suscita eacute um dos fenocircmenos mais emblemaacuteticos de discussatildeo dentro do setor da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Essa divergecircncia de opiniotildees quanto ao uso
da condicionalidade eacute justificada pela proacutepria abrangecircncia que o fenocircmeno ganhou dentro
do setor Evidentemente a condicionalidade eacute um constrangimento ao uso do regime oficial
da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pois atraveacutes deste instrumento os paiacuteses
doadores podem interferir diretamente nas estrateacutegias macroeconocircmicas de
desenvolvimento dos paiacuteses recebedores dos recursos Ou ainda podem decidiras poliacuteticas
locais atraveacutes do favorecimento de certos setores temas agendas ou populaccedilotildees no que diz
respeito aos projetos e programas de desenvolvimento O instrumento da condicionalidade
eacute empregado para o cumprimento dos mais diferentes objetivos de desenvolvimento dos
paiacuteses mais pobres dos projetos e programas que atendam agraves necessidades de base das
populaccedilotildees mais carentes aos ajustes estruturais e abertura das economias dos paiacuteses mais
pobres Esse tipo de abrangecircncia pode acirrar os mais variados acircnimos quanto agraves questotildees
do desenvolvimento e contribuir para que as poliacuteticas governamentais destes paiacuteses sofram
pressotildees em vaacuterios niacuteveis
Costuma-se identificar o iniacutecio do uso da condicionalidade aos financiamentos e
empreacutestimos de ajustamento estrutural - colocados em pauta pelo FMI e pelo Banco
Mundial apoacutes a crise da diacutevida dos paiacuteses em vias de desenvolvimento - a partir da metade
dos anos oitenta (BASILE 1995) Contudo essa interpretaccedilatildeo eacute errocircnea pois se refere
48
apenas agrave manifestaccedilatildeo da condicionalidade nos repasses financeiros que promovem
intervenccedilotildees precisas nas poliacuteticas econocircmicas e administrativas dos Estados O uso de
mecanismos de condicionalidade no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento eacute contudo
anterior a este uacuteltimo tipo de manifestaccedilatildeo
O uso da condicionalidade foi estabelecido no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento logo apoacutes o choque do petroacuteleo depois que os paiacuteses doadores
aumentaram repentinamente seus interesses pelas questotildees Norte-Sul57 e iniciaram
modificaccedilotildees no repasse da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como revelam os
proacuteprios documentos CAD do periacuteodo38 Atraveacutes de nota administrativa ldquoO Conselho da
Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) convidou o CAD
(Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento) a empreender uma visatildeo mais complexa dos
problemas do desenvolvimento Em particular foi sugerido que se passasse a dar grande
atenccedilatildeo ao volume e sobretudo aos termos e condiccedilotildees exigidas para a transferecircncia da
ajuda para o Terceiro Mundordquo (FUumlHRER 1996 24) Os fluxos da ODA natildeo poderiam
mais ser utilizados para o suposto ldquocrescimento desordenado dos paiacuteses recebedoresrdquo
(CONSELHO ECONOcircMICO OCDE1973)59 e deveriam ter sua utilizaccedilatildeo acompanhada e
condicionada pelos paiacuteses industrializados Ao CAD foi delegada a funccedilatildeo de revelar um
corpo de temas ligados ao desenvolvimento temas que serviriam para orientar os paiacuteses
recebedores quanto agrave utilizaccedilatildeo dos recursos da ODA (FUumlHRER 1996 26) A partir de
1975 a OCDE determinou que fossem formados no interior do CAD Grupos de Alto
57 Keohane faz a mesma afirmaccedilatildeo quando diz que por volta da metade da deacutecada de setenta as demandas dos paiacuteses menos desenvolvidos pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica internacional criaram problemas para os regimes internacionais econocircmico e financeiro estabelecidos em Bretton Woods (Keohane e Nye 1988 37) Grilli afirma que o choque do petroacuteleo e a crise dos paiacuteses produtores de mateacuteria primas assim como as tentativas destes paiacuteses de regulamentar um maior acesso aos financiamentos provocou a organizaccedilatildeo e a expansatildeo da Cooperaccedilatildeo Econocircmica Europeacuteia que visa basicamente manter o acesso garantido da Comunidade agrave energia e as mateacuterias primas (GRILLI 1993)
58 O CAD liberou em 1994 grande parte de seus documentos e resoluccedilotildees internas referentes a ajuda oficial ao desenvolvimento Estes documentos foram organizados por Helmut Fuumlhner ex-diretor do CAD de 1974-93 e constituem uma publicaccedilatildeo sobre a histoacuteria da ajuda oficial ao desenvolvimento em datas e nomes disponiacutevel em versatildeo on-line no site da OCDE (wwwoecdorg) Quanto as resoluccedilotildees anuais do CAD algumas podem ser encontradas em versatildeo integral no mesmo site
59 Disponiacutevel on-line (httpAvwwoecdorgdocL
49
Niacutevel ad hoc que se ocupariam das relaccedilotildees econocircmicas entre os paiacuteses membros da OCDE
e os paiacuteses em desenvolvimento Estes grupos foram criados visando ldquoidentificar quais
novos e construtivos temas poderiam ser selecionados como relevantes para estruturar uma
agenda em tomo da qual seriam confrontadas as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento
buscando estabelecer uma nova ordem econocircmica e mundialrdquo (CONSELHO
ECONOcircMICO OCDE1975)60
O primeiro uso do instrumento de condicionalidade foi estabelecido em 1976
quando os paiacuteses doadores adotando um conceito de necessidades humanas baacutesicas (NHB)
receacutem-criado pelo Banco Mundial61 estabeleceram que a ajuda oficial ao desenvolvimento
devido ao seu caraacuteter facilitado deveria atender agraves necessidades baacutesicas das populaccedilotildees
mais pobres (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1976) O condicionamento do uso dos fluxos
financeiros e da cooperaccedilatildeo teacutecnica recebidos para o atendimento de um tema
anteriormente considerado questatildeo intema dos paiacuteses recebedores foi a grande
transformaccedilatildeo que os fluxos da ODA e o setor da cooperaccedilatildeo sofreram a partir dos anos
setenta Desde entatildeo parece ter-se estabelecido uma espeacutecie de deslocamento das questotildees
poliacuteticas que envolviam os temas do Hemisfeacuterio Sul nos quais os proacuteprios efeitos de uma
ordem econocircmica que proporciona benefiacutecios desiguais foram tomados como causas do
descompasso econocircmico destes paiacuteses Desse modo foi possivel estabelecer uma loacutegica
inversa a qual possibilitou que as demandas dos paiacuteses do Sul - pelo melhoramento de
suas condiccedilotildees internas e da condiccedilatildeo de vida de suas populaccedilotildees - fossem afastadas de
suas causas provocadas pelos desequiliacutebrios do sistema internacional e passassem a ser
transformadas em instrumentos de pressatildeo sobre os paiacuteses em desenvolvimento
Os governos dos paiacuteses recebedores se manifestaram quanto ao dirigismo da ajuda e
tambeacutem ao fato de que o condicionamento dos fluxos da ODA no atendimento das
necessidades humanas baacutesicas comprometeria os esforccedilos de industrializaccedilatildeo aleacutem de
60 Disponiacutevel on-line (httpAvww oecd orgdoc)
61 A adoccedilatildeo da estrateacutegia de condicionar a utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA para a melhora das necessidades humanas baacutesicas vinculou as praacuteticas de desenvolvimento a estreita orientaccedilatildeo do Banco Mundial elaborador do conceito de HBN assim como dos indicadores de desempenho dos paiacuteses nessa aacuterea (ESCOBAR 1995 55) seguindo a loacutegica da concentraccedilatildeo dos fluxos ODA nos institutos financeiros
50
aumentar imensamente os custos locais destes governos na implantaccedilatildeo de projetos e
programas de desenvolvimento (FUumlHRER 1996 32) Contudo os paiacuteses em vias de
desenvolvimento acabaram se conformando ao novo modelo de repasse condicionado do
regime internacional da ODA Natildeo podemos esquecer que essa conformaccedilatildeo aos novos
criteacuterios aconteceu em um momento tenso para os dois grupos de paiacuteses em que se chegou
inclusive a cogitar o cancelamento da ajuda puacuteblica ao desenvolvimento (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1995 96-98) Nesse sentido a aceitaccedilatildeo dos paiacuteses em
desenvolvimento de que se estabelecessem novos criteacuterios mais restritivos aos repasses
pode ser interpretada ldquocomo resultado de um acordo onde se puderam atingir objetivos
possiacuteveisrdquo (KEOHANE 19849899) Todavia como efeito colateral dessa aceitaccedilatildeo na
medida em que na deacutecada de oitenta novos temas iam sendo inseridos e condicionados ao
repasse dos fluxos do regime internacional da ODA as demandas dos paiacuteses em
desenvolvimento por mudanccedilas na ordem econocircmico- financeira iam perdendo espaccedilo nos
foacuteruns internacionais Ao mesmo tempo e cada vez mais os temas apresentados a partir do
novo tipo de diaacutelogo Norte-Sul (aceito como construtivo pelo grupo de paiacuteses
industrializados) iam ganhando uma dimensatildeo figurada mais ampla do que as proacuteprias
questotildees sistecircmicas de que grande parte destas mesmas questotildees derivavam Assim os
novos temas que iam sendo associados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e
condicionando o uso dos recursos da ODA foram ganhando uma naturalidade e uma
dimensatildeo de grupo-espetaacuteculo ou tema-espetaacuteculo62 na definiccedilatildeo de Escobar ou grupo-
cliente ou tema-cliente na definiccedilatildeo de Sachs (1990)63 Estes temas acabaram por encobrir a
maior parte da dimensatildeo conflitiva das relaccedilotildees Norte-Sul (ESCOBAR 1995 155)
62 Temas espetaacuteculo ou grupos espetaacuteculo satildeo situaccedilotildees ou grupos de pessoas que periodicamente satildeo identificados e vatildeo ganhando centralidade no discurso que sustenta o desenvolvimento Estes temas ou grupos passam a constituir a agenda das organizaccedilotildees internacionais das ONGs dos institutos financeiros etc Todas os programas setoriais passam a tentar mesmo de maneira pouco convincente a ligar sua proacutepria accedilatildeo ao tema espetaacuteculo Escobar costuma identificar e desconstruir os mecanismos de discurso entorno dos quais os temas espetaacuteculo satildeo estruturados Em Encounterig Development (1995) o autor desconstruir os temas espetaacuteculo dos camponeses das mulheres no desenvolvimento e do meio-ambiente (ESCOBAR 1995)
6j Grupos e temas clientes tecircm praticamente a mesma conotaccedilatildeo de grupos espetaacuteculo Contudo esse termo faz tambeacutem referecircncia agrave dimensatildeo financeira que passam a assumir estes temas no setor do desenvolvimento por exemplo quando em 1948 o Banco Mundial definiu que os paiacuteses pobres eram aqueles com uma renda per capta abaixo de UU$ 100 mais de dois terccedilos da humanidade passaram a ser sua populaccedilatildeo cliente (SACHS 1990 9 ESCOBAR 1995 2223)
51
A introduccedilatildeo do discurso das Necessidades Humanas Baacutesicas pode ser interpretada
como uma mudanccedila no leacutexico intemacionalista Os novos conceitos introduzidos no setor
da cooperaccedilatildeo como relevantes para o diaacutelogo Norte-Sul (e associados ao regime da ODA)
passaram a ser utilizados pelos atores que desfrutavam das vantagens como uma
necessidade estabelecida como algo a que a poliacutetica deveria ajustar-se e natildeo como
situaccedilotildees parcialmente criadas pela poliacutetica64 Contudo Keohane nos lembra que as
investigaccedilotildees de fenocircmenos que envolvem riqueza e poder no caso a cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento devem ser buscadas na dimensatildeo onde se estruturam as
relaccedilotildees poliacuteticas e econocircmicas dos atores De outro modo estariacuteamos arriscando que na
investigaccedilatildeo do fenocircmeno os efeitos de determinada situaccedilatildeo fossem tomados como causas
desta mesma situaccedilatildeo (KEOHANE 1984 18-9)
Uma vez estabelecida a loacutegica de que a ajuda oficial por seu caraacuteter facilitado
deveria ser condicionada ao atendimento das necessidades baacutesicas das populaccedilotildees dos
PVD os fluxos do regime da ODA perderam seu caraacuteter de mecanismos de compensaccedilatildeo
mesmo que informais destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento devido aos
desequiliacutebrios causados pelos regimes de Bretton Woods (BASILE 1995 78 GRILLE
1993) e se tomaram instrumentos atraveacutes dos quais os paiacuteses doadores poderiam interferir
diretamente em setores pontuais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O uso da
condicionalidade estabelecido como limitaccedilatildeo agrave liberdade destes paiacuteses na utilizaccedilatildeo dos
fluxos da ajuda oficial ou nas decisotildees referentes a suas escolhas poliacuteticas e econocircmicas
pode ser considerado originalmente uma puniccedilatildeo econocircmica e um aumento dos
constrangimentos impostos a estes paiacuteses
A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais
64 Em analogia a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia em ambientes internacionais elaborada por Keohane e Nye em Poder e Interdependecircncia (KEOHANE amp NYE1982)
52
A expansatildeo do uso da condicionalidade aconteceu no iniacutecio dos anos oitenta
quando os sinais da crise da diacutevida extema 65 reacenderam as esperanccedilas dos PVD de
promover discussotildees internacionais voltadas agrave revisatildeo corretiva dos regimes de Bretton
Woods Tal esperanccedila foi reforccedilada em 1981 quando o CAD introduziu em seu relatoacuterio
anual a noccedilatildeo de interdependecircncia (mesmo que em nenhum momento o relatoacuterio precisasse
o que os paiacuteses da OCDE entendiam por interdependecircncia66) (FURNER 1996)
A introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia67 em um momento de grave crise
econocircmica pode ter sido percebida como uma abertura de diaacutelogo para que fossem
retomadas as discussotildees internacionais sobre a necessidade de se buscar uma ordem
econocircmico-financeira mais favoraacutevel aos paiacuteses do Hemisfeacuterio Sul (RELATOacuteRIO DA
COMISAtildeO SUL 1990 16) Com o apoio dos paiacuteses em desenvolvimento o CAD
seguindo a ecircnfase da interdependecircncia passou a promover a discussatildeo dos temas Norte-
Sul que poderiam ser considerados como de pertinecircncia global (RELATOacuteRIO ANUAL
CAD 1981) Antes da definiccedilatildeo dos temas primeiramente aprovou-se na sede do Conselho
65 Trecircs fatores internacionais (a expansatildeo dos mercados de cacircmbio europeu a reciclagem dos excedentes financeiros dos paiacuteses produtores de petroacuteleo e a recessatildeo econocircmica dos paiacuteses industrializados) criaram um excesso de liquidez no sistema bancaacuterio internacional que foi transferido em forma de empreacutestimos para os paiacuteses em desenvolvimento na deacutecada de setenta A necessidade dos paiacuteses desenvolvidos no final dos anos setenta de empreenderem medidas macropoliacuteticas recessivas para o combate da inflaccedilatildeo ocasionou a diminuiccedilatildeo da liquidez internacional aumentando exponencialmente as taxas de juros internacionais que chegaram a ficar quatro vezes mais caras no periacuteodo Ao mesmo tempo as medidas recessivas diminuiccedilatildeo as atividades industriais dos paiacuteses desenvolvidos o que causou uma brusca queda no preccedilo das mateacuterias primas Entre 1980 e 1982 o preccedilo das principais mateacuterias-primas exportadas pelos paiacuteses em desenvolvimento (excluiacutedo o petroacuteleo) caiu 21 Essa queda acentuou-se em 1983-4 e em 1988 o preccedilo de 33 mateacuterias primas de interesse especial para os paiacuteses em vias de desenvolvimento (a queda meacutedia do preccedilo do petroacuteleo nos periacuteodos tratados foi de 65) eram 30 mais baixos do que a meacutedia de 1979-81) A diminuiccedilatildeo dos fluxos privados no periacuteodo a estagnaccedilatildeo dos fluxos ODA a diminuiccedilatildeo dos preccedilos das mateacuterias-primas e o aumento das taxas de juros fizeram com que os reembolsos da diacutevida ficassem excedessem as entradas do Sul Der fato no periacuteodo de 1984 a 1988 os paiacuteses em vias de desenvolvimento em seu conjunto transferiram um montante liacutequido de 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte (RELATOacuteRIO SUL 1990 63-9)
66 Para Keohane e Nye interdependecircncia eacute entendida ldquocomo situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocosrdquo (KEOHANE amp NYE Poder e Interdependecircncia 8)
67 Keohane afirma que a interdependecircncia foi utilizada como estrateacutegia de limitaccedilatildeo das reinvincaccedilotildees do Terceiro Mundo em um periacuteodo de promoccedilatildeo dos nacionalismo econocircmicos entenda-se formaccedilatildeo da OPEP guerra dos produtos primaacuterios (KEOHANE amp NYE 1982)
53
Ministerial da OCDE o conceito de que os financiamentos oficiais ao desenvolvimento
poderiam ser condicionados ao atendimento de problemas identificados como globais
definidos como ldquoaqueles que tivessem ressonacircncia nos Estados do Sul e do Norte do
mundordquo Na mesma ocasiatildeo por iniciativa dos paiacuteses noacuterdicos especialmente da Alemanha
e do Canadaacute69 lanccedilou-se a proposta de que as instituiccedilotildees multilaterais de
desenvolvimento atraveacutes de um programa coordenado passassem tambeacutem a apreciar os
temas globais e condicionaacute-los agrave realizaccedilatildeo de programas e projetos de desenvolvimento70
(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981 j
A noccedilatildeo de interdependecircncia natildeo foi estendida contudo aos temas econocircmicos
como esperavam os paiacuteses em desenvolvimento A esperada revisatildeo corretiva dos regimes
de Bretton Woods foi frustrada logo no iniacutecio da adoccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia
Durante o Encontro Internacional dos Representantes do Norte e do Sul do Mundo sobre
Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento (1981) o Presidente Reagan assumiu que a posiccedilatildeo dos
paiacuteses industrializados quanto agraves poliacuteticas de desenvolvimento na deacutecada que se iniciava
seria baseada na promoccedilatildeo do comeacutercio internacional no livre mercado e nos
investimentos privados O relatoacuterio da Comissatildeo Sul aponta que a crise dos anos oitenta
natildeo se converteu em ocasiatildeo de revisatildeo das causas dos problemas porque os paiacuteses
desenvolvidos se recusaram a reconhecer que era necessaacuterio intervir no contexto
econocircmico internacional (RELATOacuteRIO DA COMISSAtildeO SUL 199078) Tambeacutem Fuumlhrer
afirma que os esforccedilos muacuteltiplos dos paiacuteses mais pobres para conseguirem utilizar o
68
68 Relaccedilotildees Com Os Paiacuteses Em Desenvolvimento No Contexto Da Interdependecircncia E Diversidade (CAD documents - disponiacutevel on line)
69 A sugestatildeo do Canadaacute e da Alemanha foi justificada pela publicaccedilatildeo em 1979 da Comissatildeo Independente BRANDT COMMISSION (Independent Commission On International Development Issues) da Relaccedilatildeo Norte-Sul Um Programa Para A Sobrevivecircncia A orientaccedilatildeo da Comissatildeo BRANDT eacute que se criem junto agraves organizaccedilotildees correlatas aos problemas do desenvolvimento subcomissotildees ambientais Em um primeiro momento os Estados do Sul do mundo o discurso da interdependecircncia e a aproximaccedilatildeo do setor da cooperaccedilatildeo internacional
70 Depois da oficializaccedilatildeo do CAD como centro coordenador das poliacuteticas de desenvolvimento em 1986 os temas identificados pelos grupos de alto-niacutevel do Comitecirc como de pertinecircncia global passaram a ser imediatamente incorporados agraves agendas do PNUD Banco Mundial e FMI (FUumlHNER 1996)
54
discurso da interdependecircncia e promover um novo espaccedilo internacional de discussatildeo dos
temas do desenvolvimento foi frustrante para os paiacuteses do Sul
Os demais temas globais que seriam condicionados ao uso dos fluxos daODA
contudo permaneceram e foram sendo inseridos durante toda a deacutecada de oitenta na agenda
internacional Depois do discurso de Reagan o primeiro tema oficialmente inserido na
agenda CAD e estendido a todos os programas e projetos de cooperaccedilatildeo ao foi ldquoo
financiamento da substituiccedilatildeo de cultivo de plantas destinadas agrave produccedilatildeo de entorpecentes
nos paiacuteses em desenvolvimentordquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981)
Ateacute 1992 os projetos e programas de desenvolvimento realizados pelos paiacuteses da
OCDE na cooperaccedilatildeo atraveacutes de fundos multi (ou bi) laterais deveriam em alguma medida
favorecer ao menos um dos seguintes temas as mulheres no desenvolvimento as
necessidades humanas baacutesicas a preservaccedilatildeo do meio-ambiente global o combate ao
narcotraacutefico a luta contra a disseminaccedilatildeo de doenccedilas a manutenccedilatildeo da paz a abertura do
sistema econocircmico e reformas estruturais cabiveis nos paiacuteses em desenvolvimento o
desenvolvimento participativo a governabilidade (good govemanceacute) a luta contra a
corrupccedilatildeo nos paiacuteses do Terceiro Mundo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)
Devemos considerar que em 1986 o CAD assumiu internacionalmente sua funccedilatildeo
de coordenador dos fluxos da ajuda71 Isso significa que depois desta data por uma questatildeo
de racionalidade de utilizaccedilatildeo dos recursos os temas definidos pela agenda do CAD iam
tambeacutem sendo aplicados ao PNUD FMI e Banco Mundial
O Banco Mundial nos Programas de Assistecircncia Paiacutes estabelece como agenda que
os fluxos ODA sejam condicionados a reformas que promovam o crescimento econocircmico e
a reduccedilatildeo da pobreza investimentos em capital humano (necessidades humanas baacutesicas)
tutela do ambiente promoccedilatildeo do crescimento do setor privado e reordenaccedilatildeo das atividades
de governo (CAS) Como Agenda Geral o Banco utiliza a condicionalidade para os
seguintes temas a boa governanccedila o combate agrave corrupccedilatildeo o desenho de poliacuteticas
setoriais ou de projetos especiacuteficos que sejam ambientalmente sustentaacuteveis e socialmente
71 Na reuniatildeo anual do CAD em 1986 (na qual estavam presentes Emest Stem (vice- presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador PNUD) ) o Comitecirc assumiu oficialmente a responsabilidade pela coordenaccedilatildeo da ajuda multilateral junto agraves organizaccedilotildees internacionais e as organizaccedilotildees regionais ldquoOs membros CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo
55
responsaacuteveis A mesma agenda eacute seguida pelos bancos regionais de desenvolvimento O
uso da ajuda coordenada - CAD - nos ajuda a entender porque as agendas dos organismos
que atuam no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento estabelecem basicamente os
mesmos criteacuterios e condicionam o uso dos recursos ao favorecimento dos mesmos temas
Keohane afirma que ldquoa interdependecircncia da maneira como eacute utilizada nos discursos
oficiais natildeo eacute apenas entendida como um instrumento analiacutetico de compreensatildeo da poliacutetica
mundial e do comportamento dos Estados mas tambeacutem eacute um mecanismo retoacuterico de largo
emprego pelos publicistas e estadistas ansiosos em aumentar a quantidade de gente que se
alie agraves suas bandeiras para quem as palavras vagas e de grande ressonacircncia satildeo muito
uacuteteisrdquo (KEOHANE e NYE 1982) Embora a anaacutelise da interdependecircncia de Keohane tenha
sido estabelecida para ilustrar o momento especiacutefico da substituiccedilatildeo do discurso de
seguranccedila nacional na poliacutetica internacional acreditamos que ela possa ser bastante
ilustrativa para a compreensatildeo do porque da adoccedilatildeo dos novos temas globais que passaram
a ser condicionados ao uso dos recursos oficiais ao desenvolvimento no momento da crise
da diacutevida A interdependecircncia nessa concepccedilatildeo de Keohane eacute vista como uma estrateacutegia
de reduccedilatildeo de conflitos A noccedilatildeo de interdependecircncia no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento parece ter sido empregada para reduzir possiacuteveis novos conflitos gerados
pela crise da diacutevida
Muitos dos proacuteprios temas condicionados agrave utilizaccedilatildeo dos recursos do
desenvolvimento a partir da nova agenda global reforccedilavam a noccedilatildeo de que as
dificuldades dos PVD de ajustarem suas economias agrave ordem econocircmico-financeira eram
um problema que deveria ser resolvido no interior dos proacuteprios paiacuteses em vias de
desenvolvimento Desse modo na deacutecada de oitenta enquanto em todo o setor da
cooperaccedilatildeo reforccedilava-se o discurso politizado de que as causas internas dos paiacuteses em
desenvolvimento estavam provocando a crise da diacutevida e de que a ajuda internacional
deveria ser utilizada para promover intervenccedilotildees nas poliacuteticas internas destes paiacuteses (aleacutem
de ajustar suas economias a uma maior abertura dos mercados) os PVD comprometiam
cada vez mais suas capacidades produtivas transferindo em seu conjunto um montante
liacutequido de US$ 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte - e no periacuteodo mais grave da
crise entre 1984 a 1988) (RELATOacuteRIO SUL 1990 69)
56
A determinaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados em natildeo efetivar medidas de revisatildeo dos
regimes internacionais de Bretton Woods permaneceu a mesma inclusive depois de
deflagrada a moratoacuteria decretada pelo Meacutexico e pela Argentina em 1982 Natildeo se promoveu
uma revisatildeo dos regimes internacionais somente foram propostas medidas domeacutesticas de
ajuste das economias e ampliou-se o suporte da concessatildeo de creacuteditos para as balanccedilas de
pagamento A maior inovaccedilatildeo das medidas foi contudo a extensatildeo dos mecanismos de
condicionalidade para os institutos financeiros
As novas modalidades de ajuda condicionada do FM - o SAF e o ESAF72 (1986)
(creacuteditos para ajustamento estrutural e creacuteditos ampliados para ajustamento estrutural) - e
do Banco Mundial - o SAL (empreacutestimos de ajustamento estrutural) e SECAL
(empreacutestimos de ajustamento setorial)73 - traziam como elementos de inovaccedilatildeo a
possibilidade para os institutos financeiros de realizar empreacutestimos condicionados agrave
execuccedilatildeo de reformas poliacutetico-econocircmicas e estrateacutegias de desenvolvimento dos governos
a permissatildeo de que os paiacuteses pudessem financiar reformas econocircmicas implementadas em
diversos anos74 e a permissatildeo de que se pudesse financiar as importaccedilotildees de bens de modo
desligado de uma necessidade de projetos especiacuteficos ou seja dar suporte direto agraves
balanccedilas de pagamento destes paiacuteses (BASILE 1995 43 ASCARI 1999 30-1)
72 Structural Adjustment Facility e The Enhanced Structural Adjustment Facility
73 No iniacutecio ao menos no acircmbito da principal instituiccedilatildeo multilateral o Banco mundial o uso de empreacutestimos de ajustamento (seja o SAL que o SECAL) eacute extremamente ligado a um problema da balanccedila de pagamento (previsto ou existente) ldquoO princiacutepio da balanccedila de pagamento natildeo significa que natildeo exista a necessidade de reformas econocircmicas em setores nos quais os custos natildeo satildeo em moeda estrangeira Sabemos bem que estes paiacuteses (em vias de desenvolvimento) enfrentam seacuterios problemas de reformas nos setores os quais a instruccedilatildeo e os setores sociais em geral nos transportes nas infra-estruturas no ambiente e no desenvolvimento humano (entretanto) creio que a assistecircncia fornecida rapidamente (quick disbursing assistance) natildeo seja apropriada a estes tipos de reformasrdquo73 E Stem na eacutepoca vice-presidente para as Finaccedilas em Evolution and Lessons of Adjustment Lending in Restructuring Economies in Distress Policy Reform and World Bank Oxford University Press 1991
74 Como vimos quando tratamos da Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) os paiacuteses industrializados nunca concederam creacuteditos ou financiamentos a longo prazo para dar sustentaccedilatildeo aos projetos e programas de desenvolvimento dos PVD Estes creacuteditos e financiamento a longo prazo soacute se efetivaram quando foram condicionados as reformas dos sistemas poliacutetico e econocircmicos e agrave abertura econocircmica destes paiacuteses
57
A resposta oferecida pelos paiacuteses desenvolvidos para a crise da diacutevida deixava claro
que nenhum tipo de reavaliaccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro de Bretton Woods
seria realizada para proporcionar uma integraccedilatildeo das economias destes paiacuteses agrave ordem
econocircmico-financeira vigente Toda a ajuda oferecida aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento em forma de disponibilizaccedilatildeo de creacuteditos e empreacutestimos tinha como
objetivos principais ajustar os PVD a uma abertura de mercados e garantir a renegociaccedilatildeo
das diacutevidas atraveacutes da concessatildeo de creacuteditos de ajuste das balanccedilas de pagamento Ou seja
continuou prevalecendo a noccedilatildeo de que as dificuldades encontradas pelos vaacuterios paiacuteses
tinham uma raiz intema
A segunda expansatildeo do uso da condicionalidade natildeo estaacute ligada apenas agrave
manutenccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro vigentes a partir dos Estados nacionais O
uso de mecanismos de condicionalidade nos institutos financeiros natildeo pode ser relacionado
simplesmente a uma puniccedilatildeo ou a um aumento dos constrangimentos imputados agrave
utilizaccedilatildeo de fluxos da ODA pelos PVD Basicamente pelo fato de que mais de 90 dos
recursos multilaterais disponiacuteveis atualmente nos institutos financeiros natildeo tecircm caraacuteter
facilitado (ASCARI 1999 66) e que os paiacuteses de renda meacutedia - aqueles que mais utilizam
os institutos financeiros para resolver suas crises de balanccedilo de pagamento - natildeo podem
mais receber fluxos facilitados desde 1991 (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1991) Aleacutem
disso natildeo existia como nos anos setenta uma demanda organizada pelo estabelecimento
de uma nova ordem econocircmica mundialisto eacute uma barreira conflitiva difiacutecil de transpor
Pelo contraacuterio a proacutepria aceitaccedilatildeo pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento do discurso
da interdependecircncia em ambiente internacional pode ser interpretado como uma tentativa
de estabelecer uma relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo para a superaccedilatildeo da crise
Na explicaccedilatildeo da expansatildeo do uso da condicionalidade e sua extensatildeo para os
institutos financeiros precisamos introduzir um novo elemento nesta anaacutelise o interesse dos
ambientes privados na cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento que aconteceu a partir
de dois motivos interligados Podemos considerar como o primeiro deles a aceleraccedilatildeo do
processo de internacionalizaccedilatildeo (entendida como um processo gerado por acentuadas
mudanccedilas nos custos de transaccedilatildeo que produzem fluxos observaacuteveis de mercadorias
serviccedilos e capital) que aumentou os empreacutestimos internacionais realizados pelos bancos
privados Os empreacutestimos dos bancos privados internacionais cresceram globalmente de
58
5 do PIB dos paiacuteses da OCDE em 1973 para 20 do PIB dos paiacuteses OCDE em 1991
(Economic Report o f the President 1993281 - citado por MILNER amp KEOHANE 1996
13) O segundo motivo foi a sugestatildeo do secretaacuterio-geral adjunto da OCDE Van Lennep
em 1979 de que se implantassem co-fiacutenanciamentos com fins de desenvolvimento para os
PVD atraveacutes de bancos privados em conjunto com instituiccedilotildees financeiras de
desenvolvimento multilaterais e bilaterais Essa iniciativa pode ser interpretada como
decorrente em parte do aumento da presenccedila dos capitais privados no acircmbito internacional
e denota o maior interesse dos mercados financeiros pelos paiacuteses em desenvolvimento Esse
interesse pode ter acontecido ateacute mesmo a partir da decisatildeo tomada pelos paiacuteses em vias de
desenvolvimento de utilizar o excesso de liquidez internacional dos anos setenta para
financiar seus processos de desenvolvimento
O aumento do processo de internacionalizaccedilatildeo pode ter contribuiacutedo para a
manutenccedilatildeo dos interesses econocircmico e financeiro estabelecidos pelos regimes
internacionais dessas aacutereas A aproximaccedilatildeo dos institutos financeiros dos setores privados e
a escolha de certos temas para a composiccedilatildeo da agenda internacional podem ter sido
utilizados como elemento de sustentaccedilatildeo desse sistema Milner e Keohane acreditam que
ldquopressotildees poliacuteticas intensas (puacuteblicas privadas e bilaterais) foram exercidas para que os
paiacuteses em vias de desenvolvimento abrissem as suas economiasrdquo (MILNER amp KEOHANE
1996 16-7) Os temas da agenda global podem ser entendidos como elementos de reforccedilo
do processo de internacionalizaccedilatildeo uma vez que estes temas satildeo condicionados aos
repasses de recursos (mesmo privados) pois muacuteltiplos esforccedilos nos paiacuteses em vias de
desenvolvimento satildeo direcionados para o atendimento (mesmo burocraacutetico) destes temas
Por exemplo atualmente todos os projetos e programas executados com recursos
provenientes do Banco Mundial devem ter uma anaacutelise de impacto ambiental
Isso significa que todo tipo de empreacutestimo (mesmo com creacuteditos IBRD a juros de
mercado) efetuado pelo Brasil atraveacutes do Banco Mundial deve considerar que uma parte
dos gastos seraacute comprometida com o pagamento de consultores internacionais ambientais e
com a compra de equipamentos dessa aacuterea (procurement) Em 1998 as vendas
internacionais para o mercado ambiental brasileiro chegaram a um faturamento de US$ 25
bilhotildees de doacutelares (duas vezes e meia o orccedilamento anual do PNUD) Desse montante 35
dos recursos foram gastos com a cogravempra de bens e serviccedilos dos EUA seguidos pela
59
Alemanha - que recebeu 25 desse valor- pelo Canadaacute que recebeu 12 e pela Espanha
Japatildeo Gratilde-Bretanha e Itaacutelia que como grupo receberam 13 dos recursos (MARTINS
2000 63) Esses dados revelam que a pressatildeo dos paiacuteses do mundo desenvolvido para que
as organizaccedilotildees internacionais passassem a considerar os temas globais em suas agendas
natildeo pode ser tomada como ocasional
Keohane acredita que um bom antiacutedoto contra a retoacuterica da interdependecircncia eacute
lembrar que ldquoos atores agem motivados pelo poder e pela riqueza natildeo pela realizaccedilatildeo de
interesses comunsrdquo (KEOHANE 1984 22) Como nos advertem Keohane e Nye
raramente ou mesmo nunca os regimes internacionais satildeo instituiacutedos por idealistas
desinteressados que visem o atendimento de objetivos comuns (KEOHANE amp NYE 1982)
Isso significa que os regimes internacionais inclusive daquele ODA criado como ambiente
favorecedor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento natildeo podem ser estudados sob
uma oacutetica de interdependecircncia de temas globais Caso estudaacutessemos o fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo internacional para o desenvolvimento a partir de uma perspectiva globalista
poderiacuteamos ser enganados quanto agrave motivaccedilatildeo dos atores
Quanto ao estabelecimento da condicionalidade financeira Haggard e Maxfield
identificam nas pressotildees sofridas pelos balanccedilos de pagamento dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento os principais mecanismos de efetivaccedilatildeo da abertura de suas economias75
Em uma grande variedade de dimensotildees a regulamentaccedilatildeo das economias nacionais dos
PVD foi colocada em questatildeo pelos paiacuteses fortes ldquoEm suma o fato de que desde os anos
setenta paiacuteses de todo o mundo incluindo aqueles de cultura e tradiccedilatildeo muito
diversificadas como o Vietnatilde a iacutendia a China o Sul da Aacutefrica o Chile e o Meacutexico
decidiram reduzir suas barreiras comerciais abrir seus mercados de capitais reduzir as
intervenccedilotildees governamentais na economia privatizar as empresas estatais e reduzir as
poliacuteticas sociais (welfare policies) sugere a existecircncia de fortes pressotildees exercidas pela
forccedila da internacionalizaccedilatildeordquo (HAGGARD amp MAXFIELD 1996 211) ldquoEsse fenocircmeno
natildeo pode ser percebido apenas como um crescente processo de globalizaccedilatildeo promovido
73 Os autores ainda citam como importante mecanismos de pressatildeo a sessatildeo 301 do Trade Act pressionou fortemente a liberalizaccedilatildeo das regras para investimento estrangeiro e ao mesmo tempo para a proteccedilatildeo da propriedade intelectual
60
pela expansatildeo tecnoloacutegica e pela maior presenccedila das empresas transnacionaisrdquo (MILNER
amp KEOHANE 19964)
Segundo Haggard e Maxfiacuteeld os frequumlentes ajustes das balanccedilas de pagamento aos
quais os atores mais fracos foram submetidos a partir da deacutecada de oitenta (com a inversatildeo
dos fluxos de capitais Norte-Sul para Sul-Norte) obrigaram os paiacuteses em desenvolvimento
a um processo forccedilado de abertura econocircmica estimulado tambeacutem pelos mecanismos de
condicionalidade76 A razatildeo desta abertura tem segundo os autores relaccedilatildeo com os altos
custos que os paiacuteses pagam em um contexto neoliberal de integraccedilatildeo financeira pela
ausecircncia de instituiccedilotildees poliacuteticas que os ajudem a minimizar estes custos Isso porque
mesmo que a internacionalizaccedilatildeo seja um processo sofrido por todos os paiacuteses os paiacuteses
centrais devido a suas fortes instituiccedilotildees poliacuteticas (Estado) podem minimizar evitar ou ateacute
mesmo redirecionar os custos da internacionalizaccedilatildeo para outros atores (MILNER amp
KEOHANE 1996 9-10)
Atualmente no setor financeiro internacional estabeleceu-se a loacutegica de que manter
ou aumentar a abertura financeira (nos primeiros momentos de crise) daacute sinais aos
investidores estrangeiros de que eles seratildeo capazes de liquidar seus investimentos indica as
intenccedilotildees dos governos de manter a disciplina fiscal e financeira e em uacuteltima anaacutelise
aumenta os fluxos de capital (HAGGARD amp MAXFIacuteELD 1996 211-15) Contudo os
sinais dados aos investidores estrangeiros pelos governos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento quanto agrave abertura de seus mercados natildeo parecem mais ser suficientes para
a garantia da manutenccedilatildeo dessa abertura Esse eacute o ponto em que acontece a interaccedilatildeo entre
o mercado financeiro privado e os institutos financeiros
Ascari considera que a razatildeo da expansatildeo da condicionalidade para os empreacutestimos
dos institutos financeiros eacute que tais empreacutestimos garantiriam a capacidade do paiacutes de
restituir os recursos recebidos pois segundo os analistas dos proacuteprios institutos financeiros
os empreacutestimos soacute poderiam ser devolvidos na medida que reformas internas nos PVD
fossem realizadas (ASCARI 1999) Um controle sobre as reformas somente seria possiacutevel
atraveacutes do condicionamento do uso dos fundos Os institutos financeiros internacionais
70 A opiniatildeo dos teoacutericos claacutessicos do liberalismo como Rosecrance eacute de que os paiacuteses do terceiro mundo por tratarem-se de naccedilotildees com estruturas econocircmicas sociais e poliacuteticas deacutebeis procurariam adotar estrateacutegias comerciais de participaccedilatildeo no acircmbito internacional como uma maneira de resolver os problemas crocircnicos (Citado por MILNER amp KEOHANE 1996)
61
teriam nessa perspectiva a funccedilatildeo de garantidores do capital privado A aproximaccedilatildeo das
organizaccedilotildees internacionais e dos institutos financeiros do setor privado criou novos
mecanismos de constrangimento sobre os paiacuteses em vias de desenvolvimento mecanismos
que foram reforccedilados pelo aumento da internacionalizaccedilatildeo dos fluxos de capitais Desse
modo estabeleceu-se nos uacuteltimos anos a loacutegica de que as atuais condiccedilotildees de austeridade
insseridas pelos organismos multilaterais nos programas de reformas econocircmicas dos paiacuteses
garantem outros financiadores acerca da credibilidade do programa econocircmico do paiacutes
recebedor Na Conferecircncia Internacional sobre Desenvolvimento Econocircmico (1995) o
economista D Rodrik (ligado ao Banco Mundial) afirmou que a austeridade imposta pelos
empreacutestimos de ajustamento estrutural assegura os financiadores privados sobre a
possibilidade do paiacutes recebedor conseguir ex post um melhoramento da situaccedilatildeo
econocircmica tal que lhes possibilitaria efetuar a devoluccedilatildeo dos empreacutestimos ou justificar a
concessatildeo da ajuda com base nas expectativas de eficaacutecia (RODRIK 1995)77
A partir do estabelecimento da condicionalidade acentuou-se a diminuiccedilatildeo dos
financiamentos facilitados (fundos ODA) para os paiacuteses das economias em
desenvolvimento e aumentaram exponencialmente os creacuteditos privados O aumento da
condicionalidade e a aproximaccedilatildeo com o setor da cooperaccedilatildeo de bancos privados
determinaram a diminuiccedilatildeo dos fluxos do regime ODA que passaram de um total de 59
em 1990 dos recursos dos paiacuteses do CAD aos paiacuteses em vias de desenvolvimento para
236 em 1997 No mesmo periacuteodo os fluxos financeiros privados passaram de 336
para 777 - ou seja de 436 bilhotildees de doacutelares em 1990 para 2521 bilhotildees de doacutelares em
1997 (TRILZI 1998 1223) Outra consideraccedilatildeo diz respeito agrave performance dos paiacuteses do
CAD relativamente aos fluxos de recursos destinados aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento Enquanto os fluxos do regime ODA sofreram uma contraccedilatildeo em
percentual sobre o PIB destes paiacuteses (de 033 em 1986-7 a 022 em 1997) os capitais
privados passaram no mesmo periacuteodo de 019 a 059 Nesse contexto foi significativa
a performance dos Estados Unidos cujo capital privado destinado aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento passou nos dez anos mencionados de 6 bilhotildees de doacutelares em 1986-7
77 Why is there Multilateral Lending Annual World Bank Conference on Development Economics 1995 (http wwwwborg)
62
(014 do PIB dos EUA) a aproximadamente 65 bilhotildees de doacutelares em 1997 (o equivalente
a 081 do PIB americano) por seu lado a cota destinada ao financiamento puacuteblico
(fluxos ODA) foi reduzida no periacuteodo de 021 a 009 (TRIULZI 1998 123)
Com a introduccedilatildeo da condicionalidade e dos creacuteditos e empreacutestimos estruturais os
capitais privados puderam receber garantias efetivas dos governos dos PVD de que as
poliacuteticas econocircmicas implantadas em seus paiacuteses manteriam a conformaccedilatildeo destes Estados
aos regimes de Bretton Woods Em outras palavras com a introduccedilatildeo da condicionalidade
nos institutos financeiros o retomo dos recursos devido agrave ecircnfase no ajustamento estrutural
nas balanccedilas de pagamento estaria assegurado
A introduccedilatildeo de mecanismos de condicionalidade a partir do choque do petroacuteleo e
da crise da diacutevida externa - dois momentos de conflito (em diferentes graus de intensidade)
entre o grupo de paiacuteses em vias de desenvolvimento e o dos paiacuteses industrializados - revela
como os atores favorecidos e desfavorecidos podem obter benefiacutecios e tratamentos
desiguais dos regimes estabelecidos Aleacutem disso como evidenciado pela proacutepria crise da
diacutevida e depois pela noccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo os paiacuteses em vias de desenvolvimento
por natildeo terem conseguido reforccedilar suas poliacuteticas institucionais (seus governos) antes de
efetuarem uma conformaccedilatildeo aos regimes de Bretton Woods (como foi o caso dos paiacuteses
europeus do bloco ocidental) acabaram arcando com os custos maiores das variaccedilotildees
sistecircmicas Finalmente podemos ainda considerar que os proacuteprios regimes de Bretton
Woods foram acordados com constrangimentos internos para que se beneficiassem os
atores mais fortes (a ecircnfase nas balanccedilas de pagamento) Esse tipo de interpretaccedilatildeo ganha
dimensatildeo quando consideramos que as potecircncias secundaacuterias europeacuteias no final da
Segunda Guerra soacute aceitaram participar dos regimes de Bretton Woods depois de
fortalecerem suas instituiccedilotildees poliacuteticas atraveacutes do plano Marshall e da Uniatildeo Europeacuteia de
Pagamento (KEOHANE 1984 DINOLFO 1993)
Nosso proacuteximo e uacuteltimo capiacutetulo seraacute dedicado agrave anaacutelise do fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo descentralizada um constrangimento que exclui os governos dos paiacuteses em
desenvolvimento da aplicaccedilatildeo dos fluxos da ODA Analisaremos a modalidade de
cooperaccedilatildeo descentralizada a partir da instrumentalizaccedilatildeo das ONGs dos paiacuteses
desenvolvidos e de sua relaccedilatildeo com as homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
63
CAPIacuteTULO IV
A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA
COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO
Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo
No estudo da cooperaccedilatildeo descentralizada um dos primeiros problemas que se
apresenta eacute a proacutepria investigaccedilatildeo do termo Embora essa modalidade de administraccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)
tenha comeccedilado timidamente a partir da metade dos anos setenta somente quando o
fenocircmeno ganhou expansatildeo na metade dos anos oitenta buscou-se formalmente um
conceito para a praacutetica que jaacute vinha sendo estabelecida Antes de buscar uma compreensatildeo
mais ampla do termo cooperaccedilatildeo descentralizada devemos esclarecer que esse eacute um
fenocircmeno especiacutefico da cooperaccedilatildeo internacional ao europeacuteia desenvolvimento
Para Jahier e Triulzi cooperaccedilatildeo descentralizada eacute a modalidade de administraccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)
na qual estatildeo excluiacutedos os governos nacionais dos Estados recebedores dos recursos
(JAHIER 2000 TRIULZI 1998 2000) A Comunidade Europeacuteia define de maneira muito
mais generalizante a cooperaccedilatildeo descentralizada ldquoum novo meacutetodo de cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento que potildee os operadores no centro da atuaccedilatildeo das atividades e que persegue
assim o duplo objetivo de adequar as accedilotildees agraves exigecircncias e de garantir sua realizaccedilatildeordquo78
Estas duas primeiras definiccedilotildees pouco revelam sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada Aquilo
que se percebe inicialmente eacute que essa praacutetica tem possibilitado um afastamento dos
Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento da utilizaccedilatildeo direta dos fluxos do
regime internacional ODA Por esse motivo buscaremos investigar a praacutetica da cooperaccedilatildeo
7S Cooperazione Decentrata 2002 (httpeuropaeuintsacdiplusprintversionitlvbrl2004htm)
64
descentralizada como sendo um constrangimento imposto pelos atores mais fortes aos
paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD)
Acreditamos que a maneira mais construtiva de nos aproximarmos do fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo descentralizada seja descrever a maneira como se manifesta essa modalidade no
setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Nesse sentido Basile descreve a cooperaccedilatildeo
descentralizada como sendo uma praacutetica na qual os recursos do regime internacional ODA
disponiacuteveis no Fundo Europeu e na cooperaccedilatildeo bilateral dos paiacuteses europeus eacute diretamente
destinado agraves ONGs internacionais europeacuteias que mantenham projetos de cooperaccedilatildeo em
parceria partnership) com entidades homocircnimas locais dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento e natildeo mais aos governos nacionais destes paiacuteses - nem mesmo para
organizaccedilotildees multilaterias que ainda mantenham princiacutepios de natildeo-identifiacutecaccedilatildeo dos
doadores (BASILE 1995)
A discussatildeo internacional sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada pode ser ainda mais
polecircmica do que a proacutepria discussatildeo da condicionalidade da ajuda Isso porque na praacutetica a
cooperaccedilatildeo descentraliza envolve atores natildeo estatais (ONGs) que atuam no setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Devido a essa particularidade promover um estudo sobre
a legitimidade da cooperaccedilatildeo descentralizada toma-se tarefa bastante complicada Isso
porque muitas vezes eacute difiacutecil distinguir o que eacute a anaacutelise do fenocircmeno daquela que eacute a
posiccedilatildeo subjetiva dos teoacutericos sobre a funccedilatildeo social das ONGs e das ONGs internacionais
no desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres
Os proacuteprios autores que citamos acima Jahier e Triulzi embora tenham uma visatildeo
muito similar da definiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada tecircm opiniotildees muito contrastadas
em relaccedilatildeo agrave sua legitimidade Para Triulzi a praacutetica da cooperaccedilatildeo descentralizada eacute
vaacutelida e se justifica porque coloca os atores natildeo-estatais dos paiacuteses desenvolvidos em uma
espeacutecie de parceria (contratualidade ao inveacutes de condicionalidade) com aqueles atores natildeo-
estatais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (TRIULZI 1998) Segundo ele por meio
de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores seria possiacutevel atingir as necessidades ldquoreaisrdquo das
populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento pois essa relaccedilatildeo proporcionaria o
ldquofavorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-administrativas a ponto de defender os
direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos defendendo a igualdade entre gecircneros
introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo democraacutetica na vida social e civil dos paiacuteses em
65
vias de desenvolvimentordquo (TRIULZI 1998 128) Ao mesmo tempo que faz tal afirmaccedilatildeo
Triulzi coloca-se contraacuterio acirc condicionalidade da ajuda (praacutetica que abordamos no capiacutetulo
anterior) pois ldquoas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento assim como a ajuda
humanitaacuteria tecircm uma particularidade especiacutefica que natildeo eacute a de promover a democracia e os
direitos civis valores indiscutiacuteveisrdquo (TRIULZI 1998 128) mas ainda segundo o autor
natildeo devem acontecer a partir da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (sic) Devemos recordar
que a condicionalidade da ajuda foi um processo iniciado nos anos setenta que pretendia
condicionar o regime internacional ODA agrave realizaccedilatildeo de objetivos pontuais e setorizados
nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Contudo Triulzi declara natildeo perceber uma
incoerecircncia em sua afirmaccedilatildeo quando defende o uso do regime ODA atraveacutes do modelo de
cooperaccedilatildeo descentralizada e opotildee-se ao mesmo tempo agrave condicionalidade da ajuda
Segundo o autor a ldquocontratualidaderdquo entre atores natildeo-estatais seria a garantia de um
verdadeiro processo de desenvolvimento das populaccedilotildees dos paiacuteses mais pobres (TRIULZI
19982000)
Como dissemos anteriormente o conceito inicialmente favoraacutevel de alguns autores
quanto agrave atuaccedilatildeo das ONGs parece natildeo permitir uma verdadeira aproximaccedilatildeo do problema
da cooperaccedilatildeo descentralizada que eacute o fato de que os fluxos do regime internacional ODA
atraveacutes dessa modalidade satildeo em si mesmo uma espeacutecie de constrangimento para aplicaccedilatildeo
dos recursos pelos paiacuteses do Sul considerando que nem os governos destes paiacuteses nem as
ONGs locais podem conduzir diretamente seus proacuteprios projetos de desenvolvimento De
fato segundo a Resoluccedilatildeo 165898 (sect 31 e 32)79 das normas gerais de co-financiamento
para ONGs da Comunidade Europeacuteia atesta apenas as ONGs europeacuteias satildeo elegiacuteveis para a
apresentaccedilatildeo de projetos de desenvolvimento na modalidade da cooperaccedilatildeo
descentralizada
Jahier o segundo autor tratado aqui tem uma visatildeo mais criacutetica quanto agrave
modalidade da cooperaccedilatildeo descentralizada Para ele os recursos do regime internacional
ODA deveriam ser tratados diretamente pelos Estados Isso porque as ONGs internacionais
podem perder valor de representaccedilatildeo civil ou legitimidade quando atuam ligadas de
maneira tatildeo direta aos Estados nacionais dos paiacuteses europeus Aleacutem disso a cooperaccedilatildeo
descentralizada estabelece uma parceria desigual que pode comprometer as relaccedilotildees
66
positivas entre elas e suas homocircnimas de diferentes paiacuteses Finalmente o autor acredita que
as ONGs natildeo deveriam ser inseridas em um acircmbito econocircmico como aquele do setor da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento pois as ONGs internacionais - quando se
colocam no lugar dos Estados como promotoras do desenvolvimento - ldquopodem assumir a
funccedilatildeo de servir de acompanhantes das transferecircncias de dinheiro tecnologia e poliacuteticas
dos atores mais fortesrdquo (JAHEER 2000 223)
0 estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada
Da mesma forma que na condicionalidade da ajuda a cooperaccedilatildeo descentralizada
teve dois momentos distintos de inserccedilatildeo no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento O primeiro aconteceu em 1975 quando a Comunidade Europeacuteia
estabeleceu novas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e aproximou-se do diaacutelogo
Norte-Sul depois do choque do petroacuteleo e da crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-
primas de acordo com a nova orientaccedilatildeo decidida pelos paiacuteses industrializados na
Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) (RELATOacuteRIO
ANUAL CAD 1973) Esse primeiro momento como veremos estruturou as bases da
cooperaccedilatildeo descentralizada O segundo momento de expansatildeo da cooperaccedilatildeo
descentralizada aconteceu em 1985 com a introduccedilatildeo da ldquoCharte Europeacuteenne de
1 Autonomie Localersquorsquorsquo que permitiu que as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos colaborassem
com homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizando os fluxos do regime
internacional ODA do Fundo Europeu de Desenvolvimento80
Em 1975 a Europa que depende fortemente da importaccedilatildeo de mateacuterias-primas e
energia dos paiacuteses em desenvolvimento visando reduzir os conflitos com os paiacuteses
(prioritariamente) fornecedores de mateacuterias-primas ampliou a base geograacutefica de suas 81 rpoliacuteticas de cooperaccedilatildeo atraveacutes da Convenccedilatildeo de Lomeacute I (1975) Com Lomeacute I as
80 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wwwesteriitpoleseracooperazquadrocix)pdechim)
81 Ateacute 1975 quando aconteceu a passagem das Convenccedilotildees de Yaoundeacute I II e III que tinham regulamentado desde 1957 as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa todas
67
poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa passaram agrave atender os paiacuteses da
bacia do Mediterracircneo da Aacutesia e da Ameacuterica Latina Segundo Grilli esta convenccedilatildeo
estabeleceu um compromisso entre a Europa e os paiacuteses em vias de desenvolvimento para
que se regularizasse o fornecimento de mateacuterias-primas em troca do suprimento de
assistecircncia comercial e financeira com base nos princiacutepios de paridade e natildeo-
interferecircncia82 (TRIULZI 2000 GRILLI 1993) Firmou na ocasiatildeo o compromisso de que
os fluxos do regime internacional ODA seriam destinados como uma forma de compensar
financeiramente os paiacuteses em vias de desenvolvimento pelas menores oportunidades
comerciais e financeiras destes atores (GRILLI 1993 38)83
Ao mesmo tempo em que ampliou as aacutereas geograacuteficas de atuaccedilatildeo do setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento com Lomeacute I a Europa promoveu em 1976 a aproximaccedilatildeo
do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) das ONGs europeacuteias84 Naquela data foi
permitido que as ONGs dos paiacuteses europeus passassem a ter acesso diretamente aos
recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento para co-financiar ou financiar
integralmente projetos que seriam implementados nos paiacuteses atendidos pela Convenccedilatildeo de
Lomeacute I (1975) Com esse fim ainda em 1976 ldquocriou-se o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre as
as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento executadas pelo continente eram restritas as aacutereas aos paiacuteses da Aacutefrica Caribe e Paciacutefico ditos paiacuteses ACP
82 Com Lomeacute I a Europa comeccedilou a responder as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento (natildeo reciprocidade nas relaccedilotildees comerciais estabilizaccedilatildeo da renda de exportaccedilatildeo e alguns indexadores dos preccedilos de exportaccedilatildeo) as bases do acordo eram estruturas com igualdade entre dois conjuntos de paiacuteses extremamente diferentes em seus estaacutegios de desenvolvimento
83 Antonelli Salvatori Triulzi e Grilli e Di Nolfo percebem a expansatildeo geograacutefica das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Comunidade Europeacuteia como uma iniciativa de contenccedilatildeo do movimento de organizaccedilatildeo dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas (power o f cartels) e como uma aproximaccedilatildeo dos paiacuteses europeus do diaacutelogo Norte-Sul (ANTONELLI 1995 SALVATORI 1994 TRIULZI 2000 GRILLI 1993 Di Nolfo 1994)
84 Este processo de constituiccedilatildeo de novas entidades combina-se no caso europeu com o processo de revitalizaccedilatildeo do papel desempenhado por agecircncias privadas atuantes no campo da ajuda ou cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta Naquela deacutecada estabeleceram-se como ONGs internacionais de grande porte a NOVIB na Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique contre la Faim etpour le Deacuteveloppement na Franccedila A exemplo do papel desempenhado pelas fundaccedilotildees empresariais americanas estas agecircncias de ajuda e cooperaccedilatildeo em sua maioria vinculadas a Igreja canalizaratildeo em nome da solidariedade internacional um volume expressivo de recursos (TAVARES 1999)
68
ONGs e a Comissatildeo Europeacuteia (COMUNIDADE EUROPEacuteIA)85 Esse Comitecirc foi composto
pelos representantes da Comissatildeo Europeacuteia e por quinze representantes de ONGs dos paiacuteses
membros da Comunidade (MARTINS 2000 42)rdquo Note-se que essa praacutetica eacute diferente da
introduzida pela expansatildeo de 1985 pois ainda natildeo existia a possibilidade de estabelecer
parcerias entre as ONGs europeacuteias e as dos PVD Contudo naquele momento tambeacutem natildeo
existia uma rede de ONGs estruturada como atualmente conhecemos
Tavares percebe uma relaccedilatildeo direta entre a aproximaccedilatildeo das ONGs europeacuteias da
Comissatildeo Europeacuteia e a expansatildeo do setor nos anos setenta Os subsiacutedios puacuteblicos para as
ONGs europeacuteias aumentaram substancialmente a partir desta eacutepoca representando
atualmente de 59 a 68 dos recursos totais das Organizaccedilotildees francesas e alematildes
(TAVARES 1999 133) O processo de constituiccedilatildeo do Comitecirc de Aproximaccedilatildeo entre a
Comissatildeo e as ONGs combina com a expansatildeo do papel desempenhado por agecircncias
privadas atuantes no campo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta
Naquela deacutecada estabeleceram-se ONGs internacionais de grande porte como a NOVIB na
Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot
Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique Contre la Faim et Pour le
Deacuteveloppement na Franccedila (OLIVEIRA 1999) Aleacutem disso segundo Antonelli e tambeacutem
nos anos setenta os paiacuteses europeus passaram a promover incentivos puacuteblicos para a
formaccedilatildeo de pessoal que iria atuar na aacuterea de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir das
ONGs (CECCHI 1995)
A aproximaccedilatildeo da Comissatildeo Europeacuteia das ONGs pode ser explicada por uma seacuterie
de fatores Quanto agraves motivaccedilotildees das proacuteprias ONGs europeacuteias de se aproximarem dos
Estados de maneira institucionalizada devemos lembrar que Keohane considera que no
setor da cooperaccedilatildeo internacional todos os atores agem fundamentalmente por motivaccedilotildees
econocircmicas inclusive organizaccedilotildees internacionais e natildeo-governamentais (KEOHANE
1984) Contudo o autor considera que em algumas situaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento ou ajuda humanitaacuteria podem existir fenocircmenos definidos como
dependecircncia empaacutetica Ou seja que os atores de organizaccedilotildees natildeo governamentais podem
agir motivados por reais preocupaccedilotildees humanitaacuterias Nesses casos deve-se tomar em
85 Ref (httpwvesteriitpolesteracooperazquadrocoopdechtm)
69
consideraccedilatildeo natildeo a opiniatildeo dos fornecedores da ajuda mas a daqueles beneficiados por ela
(KEOHANE 1984 123)
Esta nossa investigaccedilatildeo contudo por tratar das puniccedilotildees e dos constrangimentos
impostos aos Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento a partir de um
fenocircmeno poliacutetico definido (a crise entre paiacuteses industrializados e paiacuteses preferencialmente
produtores de mateacuterias-primas) natildeo abordaraacute diretamente as motivaccedilotildees empaacuteticas destes
atores que podem existir em alguns casos Contudo preferimos manter a orientaccedilatildeo de
Cecchi e Tavares e prosseguir em nossa investigaccedilatildeo considerando que o crescimento
exponencial do nuacutemero de ONGs internacionais filiadas ao Comitecirc de Ligaccedilatildeo da
Comissatildeo Europeacuteia a partir de 1970 pode estar mais relacionado agraves motivaccedilotildees da proacutepria
Comunidade Europeacuteia do que a um fenocircmeno coletivo de dependecircncia empaacutetica Quando o
Comitecirc de aproximaccedilatildeo entre a Comissatildeo Europeacuteia e as ONGs europeacuteias foi fundado em
1976 as ONGs participantes eram 15 Na metade dos anos noventa mais de 800 ONGs jaacute
eram filiadas ao Comitecirc (MARTINS 2000 42) e atualmente mais de 1000 ONGs
internacionais europeacuteias podem ter acesso direto aos fluxos do regime internacional ODA
alocados no Fundo europeu de Desenvolvimento (COMUNE Dl MILANO)86 Segundo
Tavares atualmente o nuacutemero total de ONGs internacionais no mundo eacute de 1500
(TAVARES 1999)
Quanto agraves motivaccedilotildees da Europa nos primeiros anos de suas novas poliacuteticas de
cooperaccedilatildeo a partir do choque do petroacuteleo pode-se supor que os dois frontes abertos de
atuaccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo (a ampliaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas cobertas pela
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e a aproximaccedilatildeo das ONGs da Comissatildeo Europeacuteia) fosse
inicialmente uma tentativa destes governos de conseguir uma imagem positiva de suas
iniciativas de cooperaccedilatildeo ampliada Grilli sugere que Lomeacute I (1975) cumpriu a funccedilatildeo de
desvincular a imagem da Europa de seu passado colonial que tinha sido perpetuado desde
a Segunda-Guerra pelo Associativismo87 entre a Europa e suas antigas colocircnias (GRILLI
86 Disponiacutevel on-line (httpAvwwcomunemilanoif) - Settore di Relazione Estere e Comunicazione
87 O associativismo foi estabelecido em 1957 com o Tratado de Roma e visava regularizar as tenccedilotildees do final do regime colonial Os paiacuteses participantes do associativismo eram aqueles da Aacutefhca Caribe e Paciacutefico ditos ACP
70
1993) Eacute possiacutevel que a aproximaccedilatildeo da Europa das ONGs tenha cumprido essa mesma
funccedilatildeo Isso porque naqueles anos do choque do petroacuteleo quando a tensatildeo entre paiacuteses
industrializados (desenvolvidos) e paiacuteses produtores basicamente de mateacuterias-primas (em
desenvolvimento) estava bastante acentuada a Europa tentava afastar de si mesma e de
suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo a imagem do passado colonial (GRILLI 1995)
O segundo momento de expansatildeo das relaccedilotildees da Comunidade Europeacuteia com as
ONGs internacionais aconteceu em 1985 quando o Conselho da Europa adotou a ldquoCherte
Europeacuteenne de L Autonomie Localerdquo que permitiu agraves ONGs europeacuteias utilizar o regime
ODA para realizar diretamente projetos de cooperaccedilatildeo com as ONGs dos paiacuteses em
desenvolvimento sem a participaccedilatildeo direta dos governos nacionais (COOPERAZIONE
DECENTRATA ALLO SVTLUPPO 2000)88 No mesmo ano o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre a
Comissatildeo Europeacuteia e ONGs adotou o conceito de interdependecircncia Norte-Sul de atuaccedilatildeo
de accedilotildees globais para a soluccedilatildeo dos problemas de desenvolvimento (GRILLI 1993 40-45)
(como visto no capiacutetulo anterior a noccedilatildeo de interdependecircncia no cenaacuterio internacional dos
anos oitenta foi decidida na Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento
Econocircmico em 1981)
De fato em 1985 a agenda das atividades cobertas pela modalidade de cooperaccedilatildeo
descentralizada foi estabelecida como veremos mais adiante a partir do conceito de
necessidades humanas baacutesicas (NHB) e dos temas globais Esse tipo de agenda eacute uma
limitaccedilatildeo ao uso dos fluxos do regime internacional ODA pois estabelece para quais
setores os projetos de desenvolvimento deveratildeo ser apresentados (CREWEampHARRISON
1999)
Devemos ainda recordar que a expansatildeo das atividades da ONGs aconteceu no
mesmo momento em que o processo de internacionalizaccedilatildeo (abordado no capiacutetulo anterior
como uma reduccedilatildeo de custos operacionais que promoveram uma acentuada circulaccedilatildeo dos
fluxos de mercadorias financcedilas e serviccedilos (MDLNER amp KEOHANE 1996) se acentuava
Rainhom a partir de um estudo sobre as ONGs de sauacutede relaciona a expansatildeo
internacional das ONGs internacionais agrave do capital financeiro internacional O tema como
afirma o proacuteprio autor embora ainda natildeo seja explorado em todas as suas possibilidades
88 disponiacutevel on-line (httpwwwesteriitpolesteracooperazquadrocoopdcchtin)
71
pode vir a constituir um campo de investigaccedilatildeo bastante interessante proximamente
Algumas constataccedilotildees podem ser percebidas no trabalho de Hours Segundo o autor a
expansatildeo das ONGs internacionais e emergenciais e a implantaccedilatildeo do discurso privado nos
paiacuteses em desenvolvimento aconteceram paralelamente Para esse autor a ideologia
humanitaacuteria fundada nas intervenccedilotildees de urgecircncia (em um futuro direito de ingerecircncia) e
nas intervenccedilotildees pontuais se impotildee como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS
2001) Em particular a presenccedila na miacutedia das ONGs de sauacutede e do heroacutei meacutedico sem
fronteira eacute abordada pelo autor como uma ofensiva ideoloacutegica e poliacutetica que antecedeu a
ofensiva neoliberal da ONG americana Liberdade Sem Fronteiras (proacutexima dos Meacutedicos
Sem Fronteiras) fundada em 1985 quando terminou a Guerra Fria O objetivo da
Liberdade sem Fronteiras era promover as intervenccedilotildees privadas (e das proacuteprias ONGs) em
um momento de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas mundiais quando os paiacuteses em
desenvolvimento reacenderam suas esperanccedilas de instaurar regimes internacionais mais
favoraacuteveis aos seus interesses (HOURS 2001 98-103)
Natildeo temos elementos teoacutericos disponiacuteveis para avanccedilar no discurso ilustrado acima
contudo acreditamos que esse tipo de aproximaccedilatildeo poderaacute ser produtivo para uma futura
investigaccedilatildeo mais focada na hipoacutetese levantada por Hours de se interpretar as ONGs
internacionais como promotoras do neoliberalismo Aleacutem disso esse tipo de anaacutelise pode
nos deixar mais atentos para a sincronizaccedilatildeo que existiu entre a expansatildeo das ONGs no
setor da cooperaccedilatildeo internacional na Europa a partir dos anos oitenta - notoriamente nas
Convenccedilotildees de Lomeacute Hl (1985) e Lomeacute IV (1990) - e os movimentos de expansatildeo do
capital financeiro europeu estabelecidos nestas mesmas Convenccedilotildees Neste sentido a
Convenccedilatildeo de Lomeacute Hl (1985) que definiu as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Europa entre
1985 e 1990 estabeleceu a salvaguarda dos investimentos privados do continente aplicados
em paiacuteses em desenvolvimento Isso determinou que os fluxos privados (IDE)89 europeus
destinados aos PVD teriam uma garantia dos governos nacionais dos paiacuteses do Sul que
mantivessem relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo com a Europa (GRILLI 1993)90 Segundo Grilli esse
89 Fluxos IDE satildeo financiamentos privados ou capital internacional investido no paiacutes recebedor dos recursos
90 Grilli aponta sempre o enfraquecimento do poder de barganha dos Estados em desenvolvimento como responsaacutevel pela introduccedilatildeo da praacutetica da salvaguarda (GRILLI 1993)
72
tipo de concessatildeo nunca tinha sido tolerado pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento O
autor acredita que a concessatildeo da salvaguarda dos investimentos privados soacute foi possiacutevel
porque os PVD encontravam-se em um dos momentos mais difiacuteceis da crise da diacutevida
externa e como vimos natildeo tinham recebido nenhum tipo de apoio econocircmico aleacutem dos
previstos em Bretton Woods Qualquer tipo de capital destinado a estes paiacuteses mesmo com
fortes condicionamentos era indispensaacutevel para uma tentativa de normalizaccedilatildeo da
economia destes paiacuteses
Uma uacuteltima observaccedilatildeo sobre a expansatildeo das ONGs e a das poliacuteticas liberais pela
Europa na Convenccedilatildeo de Lomeacute IV (1990) em que o conceito de cooperaccedilatildeo
descentralizado foi oficialmente instituiacutedo e alargado para os paiacuteses que mantecircm relaccedilotildees
de cooperaccedilatildeo com a Comunidade Europeacuteia a Europa introduziu e adotou o conceito de
condicionalidade financeira deixando de financiar projetos tradicionais e passando a
realizar como os institutos financeiros empreacutestimos de ajustamento estrutural que
utilizavam os fluxos do regime internacional ODA (GRILLI 1993)
Parece correto afirmar que o setor da cooperaccedilatildeo internacional da Europa adequou-
se agraves medidas decididas pelos paiacuteses da OCDE no Comitecirc de Assistecircncia ao
Desenvolvimento (CAD) quanto agrave orientaccedilatildeo ainda no final dos anos setenta de destinar
as poliacuteticas de desenvolvimento para os setores privados (RELATOacuteRIO ANUAL CAD
1979) No capiacutetulo anterior demonstramos que em 1979 Van Lennep - entatildeo secretaacuterio-
geral adjunto da OCDE - tomou possiacutevel a aproximaccedilatildeo entre os bancos privados e o setor
de financiamento da ajuda financeira ao desenvolvimento Acrescentamos agora a
informaccedilatildeo de que naquele mesmo ano o Comitecirc promoveu o ldquoI Encontro CAD com o
Conselho Internacional das Agecircncias de Voluntaacuterios (ICVA 91
Essa aproximaccedilatildeo das ONGs com a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi sustentada
pelas afirmaccedilotildees feitas pelos grupos de estudo do CAD segundo as quais o setor privado
garantiria maior eficaacutecia e transparecircncia na utilizaccedilatildeo dos recursos enviados aos paiacuteses em
vias de desenvolvimento sustentando que os Estados doadores poderiam estabelecer mais
facilmente mecanismos de avaliaccedilatildeo da efetiva utilizaccedilatildeo dos financiamentos
91 Logo depois em 1981 foi Banco Mundial quem estabeleceu uma diretriz especiacutefica (nota de poliacutetica operacional 1005) Segundo Fuumlhner a decisatildeo do Banco ldquorefletia o interesse do Banco em aproveitar em operaccedilotildees de financiamento a experiecircncia de campo daquelas organizaccedilotildeesrdquo (FUumlRNER 1996)
73
Vilanova nos lembra que em 1976 quando o relacionamento das ONGs com a
Comunidade Europeacuteia nasceu o Estado ficou no centro do processo Ou seja os paiacuteses
europeus puderam controlar e garantir ao mesmo tempo o maacuteximo de eficiecircncia Para
esse autor as ONGs como atores menos sujeitos ao direito internacional e devido ao bom
relacionamento que estabeleceram com a miacutedia conseguiram promover a reorganizaccedilatildeo
das estruturas humanitaacuterias nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Ele sugere que esse eacute
um aspecto muito positivo da atuaccedilatildeo das ONGs contudo seu discurso natildeo avanccedila sobre a
possibilidade que as ONGs tecircm de atuar sobre a reorganizaccedilatildeo de outras estruturas nos
paiacuteses em vias de desenvolvimento
Na verdade essa investigaccedilatildeo do poder de interferecircncia das ONGs nos paiacuteses em
vias de desenvolvimento eacute ainda muito recente no setor da cooperaccedilatildeo internacional
Deveremos reservar para o futuro o aprofundamento dessa discussatildeo Poreacutem Vilanova
Basile Antonelli e Jahier mdash autores estudados nesse capiacutetulo que em maior ou menor
medida se aproximaram desse tema mdash natildeo colocaram em discussatildeo em qualquer
momento o papel central de seus Estados como o ator mais importante desse processo de
ampliaccedilatildeo das ONGs no cenaacuterio internacional Essa observaccedilatildeo denuncia um aspecto da
discussatildeo que embora tenha estado presente desde a introduccedilatildeo do termo - cooperaccedilatildeo
descentralizada - esteve agrave margem durante nossa anaacutelise aquele ligado aos conceitos de
governabilidade (good governace) e de desenvolvimento sustentaacutevel participativo que tecircm
servido de suporte conceituai para a afirmaccedilatildeo dessa modalidade de ajuda Esses dois
suportes conceituais seratildeo vistos em relaccedilatildeo com as justificativas teoacutericas da Comunidade
Europeacuteia e da literatura especializada para a realizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada
atraveacutes das parcerias entre ONGs europeacuteias e ONGs locais
Podemos encerrar essa seccedilatildeo com a afirmaccedilatildeo de Tavares de que muitas vezes a
falta de transparecircncia das ONGs pode ser identificada no fato de que muitos governos
utilizam estas organizaccedilotildees como instrumentos de atuaccedilatildeo externa em iniciativas sobre as
quais natildeo lhes conveacutem assumir responsabilidade direta Em tais casos a flexibilidade em
mateacuteria de elaboraccedilatildeo de relatoacuterios e procedimentos contaacutebeis concedidos agraves ONGs por
92 Em VILANOVA 1995 BASILE 1995 ANTONELLI 1995 JAHIER 2000
74
estes governos revela-se essencial para que as iniciativas natildeo sejam diretamente
identificadas com estes atores (TAVARES 1999)
As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada
As justificativas da Comunidade para a implantaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada
foram baseadas em dois aspectos distintos Primeiramente justificou-se a implantaccedilatildeo da
cooperaccedilatildeo descentralizada devido ao fato de que mesmo depois de estabelecida a ajuda
internacional ao desenvolvimento nos anos sessenta os indicadores de desenvolvimento e
de necessidades humanas baacutesicas dos PVD (atualmente definido como desenvolvimento
humano) permaneciam estagnados93 As causas do falimento da ajuda foram buscadas em
uma certa incapacidade organizacional e institucional destes paiacuteses na administraccedilatildeo dos
recursos Tambeacutem Barbarella afirma que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi instituiacuteda porque
os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizaram inadequadamente os
instrumentos da cooperaccedilatildeo e os reduziram a um aparato operativo ineficaz vinculado
muitas vezes agrave poliacutetica externa e comercial de seus Estados (BARBARELLA 1998)
Basile e Antonelli justificam a cooperaccedilatildeo descentralizada focando seu discurso na
maior transparecircncia e eficiecircncia das ONGs e na sua natural vocaccedilatildeo de cumprir metas
sociaisrdquo (BASILE ANTONELLI 1995) Lal afirma que as ONGs internacionais com
organizaccedilotildees radicadas no territoacuterio dos paiacuteses beneficiados podem identificar os
potenciais beneficiaacuterios e endereccedilaacute-los aleacutem de monitorar os benefiacutecios a serem destinados
a eles muito melhor do que os governos nacionais (LAL) Outros autores mais favoraacuteveis
ao processo da participaccedilatildeo das ONGs chegam a considerar a cooperaccedilatildeo descentralizada
como uma necessidade - isto devido agrave proacutepria conduta dos governos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento ldquoque costumam ser corruptos pouco democraacuteticos e incompetentes no
exerciacutecio de suas funccedilotildees governamentaisrdquo (BARBARELLA 1998)
93 LIVRO VERDE 1997 O Livro Verde eacute editado pela direccedilatildeo geral do desenvolvimento e conteacutem as normas da Comunidade para o setor
75
Podemos perceber que esse tipo de observaccedilatildeo nos conduz primeiramente agrave
percepccedilatildeo de que se naturalizou a ideacuteia de que os fluxos do regime internacional ODA
devem cumprir funccedilotildees de desenvolvimento humano (necessidades humanas baacutesicas) A
segunda percepccedilatildeo eacute que as justificativas iniciais da Comunidade Europeacuteia parecem
fortemente baseadas no suporte teoacuterico da governabilidade A noccedilatildeo de governabilidade
associada ao pluralismo democraacutetico eacute vista atualmente como uma forma de
desenvolvimento correto para os paiacuteses mais pobres A legitimidade da cooperaccedilatildeo
descentralizada para promover a governabilidade nos paiacuteses em vias de desenvolvimento
parece estar sendo buscada pelos autores abordados no uacuteltimo paraacutegrafo na ideacuteia de que
os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento seriam pouco representativos de suas
populaccedilotildees A proacutepria Comunidade faz essa afirmaccedilatildeo no documento oficial de
sensibilizaccedilatildeo popular mdash destinado agrave sociedade civil europeacuteia mdash sobre a necessidade da
manutenccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento ldquoa
Comunidade estaacute trabalhando haacute mais de dez anos para desenvolver (atraveacutes da
cooperaccedilatildeo) um diaacutelogo simultacircneo com aqueles que satildeo os reais beneficiaacuterios da ajuda
Mandando delegaccedilotildees a campo a Comunidade manteacutem uma permanente relaccedilatildeo com as
pessoas locais e serve de intermediaacuteria entre a populaccedilatildeo local e os governos oficiaisrdquo 94
A noccedilatildeo de governabilidade como aquela utilizada pelo discurso da Comunidade
Europeacuteia estabelece uma ilegitimidade dos governos nacionais dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento perante as populaccedilotildees destes Estados aleacutem de criar uma imagem negativa
dos governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento junto agraves populaccedilotildees dos paiacuteses
desenvolvidos O que pode representar inclusive perdas comercias profundas para estes
uacuteltimos Essa imagem negativa pode ser utilizada inclusive pelos governos dos paiacuteses
desenvolvidos como instrumento de pressatildeo econocircmica e poliacutetica contra os paiacuteses do
Terceiro Mundo Cooper e Packhard argumentam que o sucesso da transmissatildeo de ideacuteias
como a governabilidade (que eacute oficialmente produto da ajuda conceituai CAD) emana das
poderosas organizaccedilotildees de desenvolvimento com o claro objetivo de promover mudanccedilas
poliacuteticas- Os autores acreditam que criacuteticas agrave corrupccedilatildeo de governo ao clientelismo e a
incompetecircncia satildeo criadas propositadamente para desconstruir a capacidade politica dos
94 ( w europaeuintscadpluslegleslubrl 2500htm)
76
governos dos paiacuteses mais pobres Mais importante olhar a governabilidade na perspectiva
histoacuterica permite que o conceito pareccedila menos novo A insistecircncia em good governance eacute
em grande parte reproduccedilatildeo do que jaacute foi previamente dito sobre good economy uma
afirmaccedilatildeo - em forma de eufemismo - de que o Ocidente tem proposto objetivos a serem
atingidos pelos PVD um conjunto generalizado de categorias que definem seus standards
(COOPER amp PACKHARD 1997)
A cooperaccedilatildeo descentralizada foi implementada no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento concomitantemente agrave introduccedilatildeo na agenda internacional dos conceitos
de governabilidade e participaccedilatildeo civil e de corrupccedilatildeo dos governos dos paiacuteses do terceiro
mundo Embora alguns autores afirmem que o conceito de governabilidade tenha entrado
no cenaacuterio internacional a partir do estudo poor governance do Banco Mundial em 1992
devemos lembrar que jaacute na metade dos anos oitenta o CAD publicou que ldquoAs Agecircncias
das Naccedilotildees Unidas (e as demais organizaccedilotildees internacionais) deveriam estabelecer projetos
que procurassem contribuir para estrateacutegias de Orientaccedilatildeo Paiacutesrdquo Estas orientaccedilotildees
contudo deveriam estar centralizadas ldquoem trecircs principais elementos o melhoramento
poliacutetico e a construccedilatildeo institucional da regiatildeo (que estruturam o conceito de good
governance) e o desenvolvimento de programas com investimentos puacuteblicosrdquo
(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1987) Em 1988 o CAD adotou os princiacutepios para a
apreciaccedilatildeo internacional de projetos de organizaccedilotildees natildeo-govemamentais (RELATOacuteRIO
ANUAL CAD 1987) Sobre a corrupccedilatildeo dos governos dos PVD o relatoacuterio anual do CAD
de 1992 afirmava ldquoLutar contra a corrupccedilatildeo e melhorar as financcedilas eacute um elemento
essencial da governabilidade A corrupccedilatildeo pode minar a inteira faacutebrica da economia e da
vida poliacutetica A corrupccedilatildeo pode prejudicar a reputaccedilatildeo da ajuda (ODA) junto agraves
populaccedilotildees civis dos paiacuteses doadoresrdquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)
E interessante perceber que a cooperaccedilatildeo descentralizada e a questatildeo da
governabilidade parecem estar conseguindo unir uma seacuterie de atores dos paiacuteses
desenvolvidos Apesar das diferenccedilas de discurso na cooperaccedilatildeo descentralizada e na
noccedilatildeo de que ela representa um papel fundamental para promover a governabilidade dos
paiacuteses em vias de desenvolvimento engajaram-se aleacutem do fundo europeu os doadores
bilaterais destes paiacuteses e as proacuteprias ONGs internacionais europeacuteias A esse propoacutesito a
posiccedilatildeo do grupo de ONGs europeacuteias durante a uacuteltima Conferecircncia sobre o Financiamento
77
do Desenvolvimento em Monterrey foi bastante clara em sua posiccedilatildeo sobre a administraccedilatildeo
direta dos recursos ODA pelos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
O grupo dos 77 reafirmava exaustivamente o direito dos PVD administrarem seus
proacuteprios recursos mesmo que nunca tenha ficado claro quais fossem exatamente seus
objetivos Aleacutem disso os governos destes paiacuteses costumam desconsiderar alguns direitos de
desenvolvimento como regras de govemo e direitos das populaccedilotildees Estes governos
tambeacutem costumam se opor ao dinheiro que venha atraveacutes das organizaccedilotildees natildeo
governamentais e continuam desconfiados quanto agrave utilizaccedilatildeo de mecanismos de ajuda - do
FMI e do Banco Mundial - que estabeleccedilam ajustes macroeconocircmicos Eles se opotildeem ateacute
mesmo ao recente foco da ajuda bilateral de privilegiar os paiacuteses mais pobres Finalmente
costumam natildeo consideraras demandas sociais e ambientais de seus paiacuteses (THE COURIER
ACP-EU 2002 l)95
A posiccedilatildeo das ONGs europeacuteias parece bastante adequada com os crescentes
interesses financeiros destas organizaccedilotildees no setor do desenvolvimento Estimava-se que
no final dos anos 90 o conjunto de ONGs dos paiacuteses OCDE administrasse o equivalente a
mais de 10 bilhotildees de doacutelares por ano entre contribuiccedilotildees puacuteblicas e privadas Destes
recursos em meacutedia 23 provecircm de doaccedilotildees privadas (JAHIER 2000 208) Quanto agraves
contribuiccedilotildees privadas das ONGs precisamos ressaltar que estas organizaccedilotildees podem
utilizar um percentual de ateacute 15 dos recursos conseguidos junto ao Fundo Europeu para
realizar campanhas publicitaacuterias de suas atividades Esse feto tem contribuiacutedo em larga
medida para a expansatildeo das contribuiccedilotildees privadas das ONGs nos paiacuteses da OCDE que
passaram de pouco menos de US$ 1 bilhatildeo para 7 bilhotildees de doacutelares entre 1970 e 1990
(JAHEER 2000) Realizar uma pesquisa criteriosa da administraccedilatildeo dos recursos das ONGs
e da efetiva aplicaccedilatildeo destes recursos nos paiacuteses em vias de desenvolvimento eacute uma tarefa
extremamente complicada As ONGs colocam-se como organizaccedilotildees separadas dos
governos e orgulhosas de sua autonomia natildeo permitem facilmente interferecircncia e
controles quanto agrave administraccedilatildeo de seus recursos (TAVARES 1999) Horton Smith
(citado por Tavares) chama a atenccedilatildeo para o feto de que estas organizaccedilotildees tendem a tratar
com certo grau de sigilo o processo de definiccedilatildeo de suas atividades e os esquemas de apoio
95 Courier ACP-EU eacute o informativo das ONGs europeacuteias
78
financeiro dos quais se beneficiam chegando em alguns casos a natildeo revelar claramente sua
composiccedilatildeo Mesmo nos paiacuteses europeus onde se costuma destinar grandes somas puacuteblicas
para estas organizaccedilotildees um controle do uso dos recursos natildeo acontece (TfiacuteATFR 2000)
Ateacute mesmo pela proacutepria regulamentaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada que aleacutem de dar
autonomia para estas organizaccedilotildees para a gestatildeo dos fundos ainda permite que a prestaccedilatildeo
de contas finais da realizaccedilatildeo de um projeto seja apresentada cinco anos depois da
assinatura do contrato96 Esse intervalo temporal concede agraves ONGs uma ampla
possibilidade de alterar ou maquiar seus relatoacuterios finais de prestaccedilatildeo de contas
A segunda justificativa da Comunidade Europeacuteia para a introduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo
descentralizada foi o crescimento da vitalidade e da efervescecircncia da sociedade civil nos
paiacuteses em vias de desenvolvimento A cooperaccedilatildeo descentralizada foi justificada como um
incentivo para que as sociedades civis organizadas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pudessem interferir diretamente nos processos de desenvolvimento destes paiacuteses Contudo
como vimos a cooperaccedilatildeo descentralizada natildeo significou um acesso direto das ONGs do
Sul aos recursos do Fundo Europeu como poderia ser esperado a partir das motivaccedilotildees
declaradas Para justificar a ampliaccedilatildeo dessa praacutetica a Comunidade Europeacuteia tem utilizado
o apoio que as ONGs do Sul demonstraram pelas iniciativas de desenvolvimento
descentralizado97 A mesma justificativa baseia-se no conceito de desenvolvimento
sustentaacutevel participativo no papel que a ajuda oficial ao desenvolvimento supostamente
tem de promover a expansatildeo da rede de suporte agraves poliacuteticas da governabilidade (CREWE
amp HARRISON 1998)
O grande problema da questatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel participativo eacute que
essa noccedilatildeo vem se sobrepondo nos anos noventa ao conceito de cooperaccedilatildeo teacutecnica que
era um dos pilares fundadores do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
A cooperaccedilatildeo teacutecnica era entendida inicialmente como uma transferecircncia de capacidade
produtiva que devia servir para consolidar a autonomia dos Estados na formulaccedilatildeo das
poliacuteticas nacionais de desenvolvimento (MARCHISIO 1986) Contudo depois da
introduccedilatildeo da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel participativo a cooperaccedilatildeo teacutecnica tem
96 General Conditons For The Cofinance Of Development 2000 2
97 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 fwwvvestonityioleseracooreraz auadrocooixfcchtml
79
sido percebida como a possibilidade dos paiacuteses doadores de interferir em niacuteveis de
eficiecircncia (humana) nos sistemas produtivos do paiacutes recebedor Desse modo deixa-se de
mandar tecnologia para os paiacuteses do Terceiro Mundo passando-se a mandar pessoal
teacutecnico que ajudaraacute na construccedilatildeo de projetos locais de desenvolvimento e orientaraacute as
populaccedilotildees de base quanto a suas capacidades de organizaccedilatildeo (CAFFARENA 2001) Esse
tipo de procedimento aumenta muito o nuacutemero de teacutecnicos internacionais e expatriados dos
paiacuteses em desenvolvimento que encontram trabalho bem remunerado nos paiacuteses em vias de
desenvolvimento
Devemos ainda aprofundar a questatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada estabelecida a
partir do criteacuterio de parcerias Vimos anteriormente que a regulamentaccedilatildeo do programa natildeo
permitiu que as ONGs do Sul pudessem ter acesso direto aos recursos da Comunidade98 e
que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi baseada no criteacuterio de parceria (partnership) entre as
ONGs internacionais europeacuteias e suas congecircneres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
Segundo a Comunidade Europeacuteia as parcerias foram introduzidas ldquopara favorecer a
participaccedilatildeo ativa dos diversos componentes representativos da sociedade civil dos paiacuteses
parceiros no processo de decisatildeo com fins de desenvolvimento sustentaacutevel nos seusbull bull laquo99terntonos
Segundo Crewe e Harrison a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada -
a partir do criteacuterio de parceria - foi uma estrateacutegia dos paiacuteses detentores dos fundos para
conseguir manter a maior parte possiacutevel dos recursos em seus proacuteprios paiacuteses atraveacutes do
pagamento de consultores e pessoal especializado local e expatriado da manutenccedilatildeo de
mecanismos burocraacuteticos em seus territoacuterios e da tendecircncia em aprovar projetos que
pudessem incentivar a venda de seus produtos e equipamentos Uma segunda razatildeo
apontada pelas autoras para o estabelecimento de um modelo de cooperaccedilatildeo
descentralizada baseada em parcerias eacute que as organizaccedilotildees locais assim como os
governos do Terceiro Mundo passam a ter uma conotaccedilatildeo passiva e satildeo mais fortemente
percebidas como incapazes de manejar seu proacuteprio trabalho (CREWE amp HARRISON
9S Em 1992 a autoridade orccedilamentaacuteria da Comunidade criou uma rubrica orccedilamentaacuteriadestinada a promover a cooperaccedilatildeo descentralizada em todas as atividades de cooperaccedilatildeo aodesenvolvimento com paiacuteses pobres (httpwwweuropaeuint) A cooperaccedilatildeo descentralizada foiincentivada sem regulamentaccedilatildeo orccedilamentaacuteria jaacute a partir dos anos oitenta
99 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wAvesten it nolesera cooperaz ciuadro cooixiechtm)
80
1998) Em concordacircncia com a opiniatildeo das autoras parece estar a proacutepria definiccedilatildeo do CAD
de parceria ldquoAtraveacutes da parceria (partnership) a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo tenta
fazer coisas para os paiacuteses em desenvolvimento e para suas populaccedilotildees mas com eles Isso
pode ser visto como um esforccedilo colaborativo para ajudaacute-los a aumentar suas capacidades de
fazer coisas para eles mesmosrdquo (OECD 1996 13) Na mesma linha de raciociacutenio se
encontra a definiccedilatildeo do PNUD de cooperaccedilatildeo descentralizada a partir das parcerias ldquoA
cooperaccedilatildeo descentralizada eacute um processo cujo objetivo eacute capacitar as pessoas para
empreender uma accedilatildeo para um desenvolvimento autocircnomo e de adquirir a capacidade de
influenciar e dirigir as mudanccedilas da proacutepria sociedaderdquo
Sobre as opiniotildees favoraacuteveis em relaccedilatildeo agrave questatildeo das parcerias relembramos as
anaacutelises de Triulzi Basile e Antonelli atraveacutes das quais iniciamos a investigaccedilatildeo do termo
cooperaccedilatildeo descentralizada Para Triulzi por meio de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores
se atingiratildeo as necessidades reais das populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pois essa relaccedilatildeo ldquoproporcionaria o favorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-
administrativas de maneira a defender os direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos
defendendo a igualdade entre gecircneros introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo
democraacutetica na vida social e civil dos PVDrdquo (TRIULZI 1998 128)
Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais
Dois uacuteltimos aspectos seratildeo abordados no encerramento desse trabalho O primeiro
eacute em relaccedilatildeo agrave agenda da cooperaccedilatildeo descentralizada que - como salientamos
anteriormente - pode representar um constrangimento inicial para a utilizaccedilatildeo dos recursos
do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Isso porque os projetos satildeo
aprovados com bases setorial preacute-determinada pela proacutepria Comunidade Europeacuteia O
segundo aspecto que discutiremos eacute em relaccedilatildeo agrave expansatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo das ONGs
internacionais no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive como
agecircncias executivas de organizaccedilotildees internacionais e dos proacuteprios governos
A mesma liberdade quanto agrave aplicaccedilatildeo dos recursos alocados pelas ONGs
internacionais que apenas discutimos natildeo acontece em relaccedilatildeo agrave escolha dos temas e das
aacutereas dos projetos apresentados a Comunidade Europeacuteia O Guia Geral das Condiccedilotildees de
81
Co-Financiamento de Operaccedilotildees de Desenvolvimento Executadas por ONGs Europeacuteias em
paiacuteses de Desenvolvimento da Comissatildeo da Comunidade Europeacuteia estabelece que os
projetos sejam executados nas seguintes aacutereas principais desenvolvimento econocircmico e
social local em aacutereas urbanas e rurais desenvolvimento de recursos humanos e suporte para
a estruturaccedilatildeo de ONGs locais Ainda podem ser apresentados projetos nas aacutereas
secundaacuterias de promoccedilatildeo dos direitos humanos e da democracia promoccedilatildeo das mulheres
desenvolvimento sustentaacutevel direitos das crianccedilas proteccedilatildeo de culturas ameaccediladas
educaccedilatildeo de base sauacutede baacutesica proteccedilatildeo e resoluccedilatildeo de conflitos100
Os temas assistidos pelas ONGs internacionais estatildeo em concordacircncia com os
estabelecidos pelos paiacuteses da OCDE para o uso da condicionalidade da ajuda visto no
capiacutetulo anterior Considerando-se as limitaccedilotildees iniciais para a apresentaccedilatildeo de projetos
pelas ONGs internacionais e apenas os fundos puacuteblicos por elas administrados ou seja o
equivalente a US$ 3 bilhotildees de doacutelares (em meacutedia 5 dos recursos do fundo Europeu mdash
TRJLUZI 1998)101 podemos perceber o quanto a cooperaccedilatildeo descentralizada possa vir a
representar um fator de constrangimento para o acesso dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento aos fundos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento
(ODA) e ao estabelecimento de programas nacionais de desenvolvimento No que diz
respeito agraves contribuiccedilotildees dos fundos puacuteblicos dos Estados europeus tomados
individualmente os paiacuteses destinam agraves ONGs percentuais muito variados de seus fundos
oficiais A Aacuteustria e a Irlanda satildeo os dois paiacuteses que menos repassam contribuiccedilotildees para as
ONGs fixando-se em um percentual de 10 de seus fundos ODA na margem oposta estatildeo
a Beacutelgica e a Itaacutelia que repassam mais de 70 de suas contribuiccedilotildees oficiais ao
desenvolvimento atraveacutes das ONGs
Como dissemos as ONGs internacionais estatildeo expandindo suas fontes de recursos e
podem receber financiamentos dos institutos financeiros e do proacuteprio PNUD a partir da
cooperaccedilatildeo coordenada CAD que incentivou a aproximaccedilatildeo das ONGs do setor da
cooperaccedilatildeo jaacute a partir de 1979 (REALATOacuteRIO ANUAL CAD 1979) O Banco Mundial
atualmente utiliza 50 de seus recursos por meio das ONGs internacionais (dados de 1999
luu General Conditions For The Cofmancing Of Development 2000 3-4
K1 Em 1970 os fundos puacuteblicos eram inferiores a US$ 200 milhotildees (JAHIER 2000 208)
82
TAVARES 1999) O PNUD assim como uma seacuterie de outras agecircncias e Programas das
Naccedilotildees Unidas utiliza ONGs internacionais acreditadas junto ao ECOSOC (Conselho
Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas) com status consultivo como agecircncias executivas
em suas atividades desde 1984 As ONGs ativas de voluntariado desenvolvimento ajuda
humanitaacuteria e de emergecircncia (os quatro termos correspondem agrave quase totalidade das ONGs)
satildeo atualmente aproximadamente 4000 (JAHEER 2000208) Destas 2234 satildeo acreditadas
junto ao ECOSOC sendo que 79 delas pertencem agrave Europa e aos Estados Unidos103
(dados fornecidos pelo ECOSOC) Devemos lembrar que o Banco Mundial assim como as
demais agecircncias do Sistema das Naccedilotildees Unidas realiza empreacutestimos com garantia
governamental Desse modo a atuaccedilatildeo das ONGs a partir destas fontes seraacute decidida em
acordo feito junto aos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
(AGEcircNCIA BRASILEIRA DE COOPERACcedilAtildeO) De qualquer maneira Tavares nos
lembra que muitas das organizaccedilotildees internacionais estatildeo condicionando a presenccedila de
ONGs no andamento dos projetos realizados nos paiacuteses em vias de desenvolvimento para
a liberaccedilatildeo dos recursos o que acaba alterando o procedimento das preferecircncias dos
governos e os leva muitas vezes a modificar estrateacutegias de negociaccedilatildeo e a incorporar as
ONGs em suas iniciativas especiacuteficas (TAVARES 1999)
Sobre a desproporccedilatildeo do nuacutemero de ONGs internacionais do Norte e do Sul que tecircm
caraacuteter consultivo junto ao ECOSOC devemos considerar que a falta de um criteacuterio
regional mais equilibrado para a concessatildeo do status consultivo junto agrave organizaccedilatildeo
aumenta ainda mais a concentraccedilatildeo do poder de utilizaccedilatildeo dos recursos nas esferas de
102
102 O relacionamento das Ongs com o Banco Mundial se desenvolveu basicamente a partir dos anos 80 com o estabelecimento de diretrizes especiacuteficas em 1981 (Nota de Poliacutetica Operacional 1005) (TAVARES 1999)
103 Das 2234 Ongs acreditadas junto ao ECOSOC em 2002 (segundo criteacuterio de localizaccedilatildeo da sede central) 39 pertencem agrave Europa 30 aos EUA 6 agrave Ameacuterica Latinal agrave Oceania 10 agrave Aacutefrica e 14 agrave Aacutesia (ECOSOC - httpwww unorg - dados solicitados diretamente) A proporccedilatildeo de ONGs dos paiacuteses desenvolvidos acreditadas junto ao ECOSOC pode ser ainda maior do que revelam os dados Isso porque o criteacuterio de cadastramento das ONGs em base regional eacute realizado tomando-se como referecircncia a sede administrativa das atividades da ONG naquele ano Considerando que atualmente as grandes organizaccedilotildees (que pertencem todas aos paiacuteses desenvolvidos) mudam constantemente de sede estabelecendo em alguns periacuteodos as sedes centrais das organizaccedilotildees nos paiacuteses em vias de desenvolvimento os dados do ECOSOC podem esconder uma realidade ainda mais favoraacutevel as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos
83
decisatildeo do Norte do mundo Aleacutem disso as ONGs do Sul estatildeo de qualquer maneira em
desvantagem porque elas tecircm menos acesso a informaccedilatildeo privilegiadas devido ao feto de
que atualmente as grandes ONGs internacionais dos paiacuteses desenvolvidos manteacutem
escritoacuterios permanentes em Bruxelas e Nova Iorque podendo desse modo obter
informaccedilotildees avantajadas sobre a liberaccedilatildeo de recursos oficiais Aleacutem disso as redes mais
limitadas de suporte das ONGs do Sul tomam estas organizaccedilotildees mecanismos de obtenccedilatildeo
de recursos menos eficientes do que as organizaccedilotildees dos paiacuteses mais ricos que se
expandem internacionalmente De acordo com Pereira as ONGs internacionais obtecircm
reconhecimento e recursos porque fornecem aos paiacuteses doadores um produto ou seja um
relatoacuterio profissional com textos e informaccedilotildees estrategicamente preparados para agradar
ao leitor (PEREIRA 1997 167)
Devemos considerar ainda que quando as ONGs atuam em funccedilotildees setorizadas
como eacute atualmente o caso das agendas das organizaccedilotildees internacionais e dos institutos
financeiros comprometem muito de sua ldquoforccedila inovadorardquo (DARCY 2000) Alguns
estudos do setor demonstram que estaacute acontecendo uma crescente homogeneizaccedilatildeo das
ONGs (JAHDER 2000 213) De fato os setores de atuaccedilatildeo destas organizaccedilotildees se
diferenciam sempre menos devido a sua proacutepria necessidade de empreender meacutetodos de
atuaccedilatildeo empresarial e seguir as agendas dos financiadores para obter recursos Esta
tendecircncia acaba limitando fortemente a capacidade original de inovaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo
que era caracteriacutestica das ONGs (TAVARES 1999) A propoacutesito Bemard Hours
acrescenta que as ONGs promovem a ideacuteia de desenvolvimento identificado em termos de
intervenccedilatildeo global e estandardizada determinada pelos procedimentos de avaliaccedilatildeo de
projetos das organizaccedilotildees internacionais que lhes concedem recursos Dessa forma ldquoa
ideologia humanitaacuteria fundada sobre a urgecircncia e sobre as intervenccedilotildees pontuais foram
impostas como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS 2001 98)rdquo
La 1 (assim como inuacutemeros outros autores) tem uma visatildeo contraacuteria agravequelas ateacute
agora abordadas Vimos que na opiniatildeo desse autor os institutos de caridade e as Ongs
nacionais ou internacionais - que tenham sede estabelecida nos paiacuteses atendidos - podem
identificar os beneficiaacuterios em potencial e endereccedilando e monitorando os benefiacutecios a
serem destinados a eles muito melhor do que os governos locais Com a finalidade de
84
tornar praacutetica esta possibilidade Lal sugere que todos os fluxos do regime internacional da
ajuda ao desenvolvimento ODA venham alocados a estas organizaccedilotildees com base nas suas
propostas de utilizaccedilatildeo e eventualmente em sua capacidade para contribuir com uma
quantidade correspondente de recursos proacuteprios (LAL 1985)
Uma caracteriacutestica interessante que deve ser percebida nas ONGs internacionais eacute
que elas se ocupam prevalentemente de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e accedilotildees
humanitaacuterias - isso lhes confere um setor especiacutefico de accedilatildeo os paiacuteses em
desenvolvimento Milner e Keohane afirmam que alguns paiacuteses devido a suas forccedilas
institucionais podem isolar a si mesmo das pressotildees societais aumentadas com o processo
de internacionalizaccedilatildeo Isso implica que mesmo que com a crescente internacionalizaccedilatildeo e
com as mudanccedilas de preferecircncia dos atores domeacutesticos as decisotildees centrais destes Estados
natildeo vatildeo responder a estas mudanccedilas ou o faratildeo a seu proacuteprio modo (MILNER amp
KEOHANE 1996 9-10) Essa constataccedilatildeo vale tanto para as pressotildees do capital privado
como para as populaccedilotildees civis Esse tipo de interpretaccedilatildeo resulta na avaliaccedilatildeo de que as
populaccedilotildees dos paiacuteses desenvolvidos podem estar sendo direcionadas estrategicamente por
seus governos para questotildees e problemas que se encontram fora de seus territoacuterios
nacionais possibilitando a diminuiccedilatildeo das pressotildees societais internas e ao mesmo tempo
cumprindo seus objetivos de poliacutetica exterior Enquanto as populaccedilotildees civis dos paiacuteses
desenvolvidos se ocupam das questotildees sociais dos outros paiacuteses os governos nacionais dos
paiacuteses desenvolvidos podem promover com maior tranquumlilidade suas estrateacutegias nacionais
centralizadas de desenvolvimento e reforccedilar suas instituiccedilotildees internas Aleacutem disso as
populaccedilotildees locais quando comparam a sua proacutepria condiccedilatildeo com a das populaccedilotildees em vias
de desenvolvimento (devido sobretudo agrave atual capacidade que tecircm as ONGs internacionais
de divulgar na miacutedia as situaccedilotildees de emergecircncia e trageacutedia humanitaacuteria) acabam
inevitavelmente reforccedilando o conceito de que seus governos nacionais conduzem poliacuteticas
puacuteblicas eficientes e portanto as pressotildees internas natildeo se justificam Uma pesquisa de
opiniatildeo conduzida por Marelli e Garelli na Itaacutelia104 em 2000 sobre o suporte dos italianos
aos programas de cooperaccedilatildeo descentralizada revela alguns dados interessantes sobre a
questatildeo Quanto agrave confianccedila dos entrevistados nas ONGs (de forma generalizante)
104 Onde existem 150 ONGs internacionais (JAHIER 2000)
85
averiguou-se que 67 4 dos entrevistados tecircm muita ou muitiacutessima confianccedila nelas
269 tecircm pouca e apenas 56 natildeo tecircm nenhuma Em segundo lugar verificou-se que
70 dos entrevistados aprovam que a conduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento seja
realizada atraveacutes das ONGs internacionais (cooperaccedilatildeo descentralizada)
Os dados levantados nessa pesquisa oferecem um quadro inicial do emergente papel
que vecircm assumindo as ONGs internacionais e o modelo da cooperaccedilatildeo descentralizada
como modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos do regime internacional ODA
Sobre a questatildeo da legitimidade das ONGs internacionais como administradoras de
fluxos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) devemos
lembrar que como sugere Tavares pouco se discute sobre a democracia interna das ONGs
e a total ausecircncia de mecanismos democraacuteticos internos nestas instituiccedilotildees As ONGs
internacionais tendem a legitimar seus interesses natildeo a partir das democracias
representativas atuais mas com base nos interesses futuros de milhotildees de pessoas que ainda
natildeo nasceram - como eacute o caso das organizaccedilotildees ambientais e pacifistas Aleacutem disso
Tavares ainda afirma que as ONGs tendem a relativizar as regras da democracia
representativa para encontrar a legitimidade de suas accedilotildees em grupos minoritaacuterios criando
desse modo a noccedilatildeo de que existem muacuteltiplas fontes de legitimidade dentro da sociedade
relacionadas com causas de interesses de minorias ou com a busca de eficiecircncia as quais
lhes permitiram desempenhar papel de utilidade puacuteblica O autor justifica a aceitaccedilatildeo das
ONGs pelos Estados baseado em dois motivos principais O primeiro seria que as ONGs
podem ser uma melhor alternativa aos grupos de pressatildeo mais radicais da classe meacutedia A
segunda seria que as ONGs podem ter um efeito positivo nas populaccedilotildees menos
favorecidas da sociedade mostrando a estes grupos que suas necessidades podem ser
atendidas (TAVARES 1999)
Opiniotildees menos otimistas tambeacutem satildeo encontradas Cremer nos lembra que pensar
que as ONGs natildeo cometem erros eacute um falso pressuposto (CREMER 1996) Souza acredita
que elas construiacuteram sua imagem a partir da crenccedila de que tais organizaccedilotildees satildeo honestas
competentes pequenas flexiacuteveis e eficientes que o autor considera uma informaccedilatildeo
irreal Como qualquer ator as ONGs estatildeo sujeitas agrave falhas na administraccedilatildeo dos recursos
a desvios de verba e a incompetecircncia
86
0 maior problema contudo de pensar nas ONGs internacionais como promotoras de
desenvolvimento eacute que esse tipo de raciociacutenio e constrangimento pode levar os paiacuteses em
vias de desenvolvimento a se desviarem a desviarem-se de um projeto nacional de
desenvolvimento
A Europa atraveacutes da estruturaccedilatildeo da rede de ONGs internacionais que atualmente
participam ativamente do setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento tem conseguido cada
vez mais interferir diretamente nos processos de desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres
As ONGs internacionais vatildeo disputar cada vez mais com os Estados do Sul os recursos do
regime internacional ODA assumindo funccedilotildees diversificadas sobretudo nos Estados que
natildeo tiverem redes de proteccedilatildeo contra as forccedilas da internacionalizaccedilatildeo Essa sobreposiccedilatildeo de
interesses econocircmicos poderaacute comprometer ateacute mesmo a possibilidade de surgimento de
uma cooperaccedilatildeo real e inequiacutevoca entre os atores avantajados e desavantajados
Jahier defende a existecircncia de uma legiacutetima sensibilidade das populaccedilotildees dos paiacuteses
desenvolvidos em relaccedilatildeo agraves questotildees do desenvolvimento Experiecircncias positivas podem
nascer da atuaccedilatildeo de ONGs de diferentes paiacuteses Natildeo podemos deixar de lembrar que o
voluntariado cumpria uma funccedilatildeo positiva de natildeo ingerecircncia antes de sua aproximaccedilatildeo ao
setor da cooperaccedilatildeo internacional Contudo os aspectos positivos das relaccedilotildees destes atores
pocircdem ficar obscurecidos quando as ONGs internacionais se colocam atraveacutes da
cooperaccedilatildeo descentralizada como promotoras do desenvolvimento no lugar dos Estados
(JAHIER 2000 211-23)
87
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A ecircnfase dos paiacuteses desenvolvidos em utilizar mecanismos de condicionalidade e
estabelecer agendas mais orientadas agrave soluccedilatildeo de problemas globais vem sendo interpretada
pela literatura poliacutetica como uma espeacutecie de crise de paradigma Uma inversatildeo paradoxal
de perspectiva das questotildees internacionais ligadas ao desenvolvimento na qual o ldquotema
Norte-Sul deixou de ter uma dimensatildeo exclusiva de cobranccedila coletiva do Sul em relaccedilatildeo ao
Norte por recursos financeiros e tecnoloacutegicos por mais cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento em
suma - e passou tambeacutem a ter a dimensatildeo de uma cobranccedila do Norte ao Sul por mais
respeito aos direitos humano maior preservaccedilatildeo do ambiente adesatildeo agrave natildeo-proliferaccedilatildeo de
armas de destruiccedilatildeo em massa combate ao narcotraacutefico e livre-comeacuterciordquo (LAFER 1994
33)
Essa crise de paradigma teria sido possiacutevel segundo a interpretaccedilatildeo acima exposta
porque com a superaccedilatildeo dos conflitos Leste-Oeste uma nova realidade se apresentou no
cenaacuterio internacional a crise Norte-Sul Segundo essa interpretaccedilatildeo as agendas
internacionais mais voltadas agraves chamadas questotildees do Norte teriam sido estabelecidas
somente depois da superaccedilatildeo da Guerra Fria - quando a nova ordem internacional que se
estabelecia retirou dos paiacuteses do Sul do mundo seu caraacuteter de terceira forccedila
Nossa pesquisa que se aproximou das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional entre
paiacuteses do Norte e do Sul revelou no entanto que a suposta crise de paradigmas e a
retirada do Sul de seu caraacuteter de terceira forccedila natildeo foram os fatores determinantes do
estabelecimento de novas agendas internacionais menos atentas agraves questotildees econocircmicas e
agraves demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Como vimos a tendecircncia de retirar os
problemas econocircmicos do cenaacuterio internacional foi estabelecida ainda durante os anos
setenta depois do choque do petroacuteleo e das Resoluccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica
Mundial (ou crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas) Nos anos oitenta depois da
diminuiccedilatildeo do poder de barganha dos paiacuteses em desenvolvimento a inserccedilatildeo de uma
agenda global que considerasse a noccedilatildeo de interdependecircncia sem contudo abordar as
questotildees econocircmicas desta relaccedilatildeo nos parece mais ligada agrave perpetuaccedilatildeo da estrateacutegia
88
estabelecida nos anos setenta a de diminuiccedilatildeo das tensotildees poliacuteticas Norte-Sul a partir da
apropriaccedilatildeo e revisatildeo pelos paiacuteses do Norte das demandas do Sul em bases mais toleraacuteveis
aos interesses dos atores avantajados
Devemos tambeacutem considerar que um dos grandes problemas de interpretar as novas
agendas e as recentes modalidades do setor da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento em particular a condicionalidade da ajuda como iniciativas estabelecidas
a partir de uma suposta crise de paradigmas como uma inversatildeo de cobranccedilas do Norte em
relaccedilatildeo ao Sul - que teria comeccedilado a partir do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste - eacute
que este tipo de interpretaccedilatildeo natildeo confere o peso poliacutetico devido aos conflitos e agraves tensotildees
que permeiam as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre estes dois grupos de atores Mais
especificamente esse tipo de interpretaccedilatildeo retira do Sul um papel de forccedila poliacutetica atuante
O Sul nessa interpretaccedilatildeo parece ter existido apenas enquanto aliado potencial dos paiacuteses
do Leste que depois do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste e jaacute natildeo representando
maiores perigos pocircde ser cobrado quanto agrave resoluccedilatildeo de seus problemas
Nossa investigaccedilatildeo tentou explorar a questatildeo da introduccedilatildeo das novas agendas
primeiro sociais e depois globais e a proacutepria evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva diferente e acreditamos
mais centrada nos dois atores principais desta relaccedilatildeo paiacuteses do Norte e do Sul do mundo
Ainda devemos ressaltar que o fato de perceber as novas agendas globais como o
fruto de uma mudanccedila de paradigma tambeacutem contribui para desvincular os fluxos do
regime internacional ODA de seu processo poliacutetico ou seja de sua origem como elemento
de compensaccedilatildeo e como uma espeacutecie de garantia de crescimento econocircmico para os atores
desavantajados em um sistema internacional assimeacutetrico
Atraveacutes dessas afirmaccedilotildees natildeo estamos negando a existecircncia de situaccedilotildees
particularmente graves de desequiliacutebrio sistecircmicos que podem afetar aspectos da vida dos
cidadatildeos de todo o planeta Contudo como nos foi revelado atraveacutes de nossa fonte teoacuterica -
Keohane - os problemas globais devem ser separados da dimensatildeo poliacutetico-econocircmica dos
Estados pois caso natildeo o faccedila-mos podemos correr o risco de tomar certos efeitos como
causas destes problemas
A propoacutesito de nossa fonte teoacuterica devemos ressaltar que a escolha de utilizar a
anaacutelise sistecircmica para discutir o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre atores
89
avantajados e atores desavantajados revelou-se como acertada na estruturaccedilatildeo desta
pesquisa Atraveacutes desse tipo de orientaccedilatildeo e da identificaccedilatildeo do tema da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento como regime internacional pudemos instrumentalizar
nosso estudo e investigar o comportamento cooperativo dos Estados como resultado de
arranjamentos poliacuteticos gerados em situaccedilotildees de conflito O que contribuiu para que
percebecircssemos que as mudanccedilas do setor da cooperaccedilatildeo - representadas nos anos setenta
pela primeira aproximaccedilatildeo Norte-Sul e pela introduccedilatildeo do conceito de necessidades
humanas baacutesicas e a expansatildeo dessa aproximaccedilatildeo a partir do conceito de interdependecircncia
nos anos oitenta - pudessem ser relacionadas a causas precisas de acirramento das tensotildees
entre o grupo de paiacuteses desenvolvidos e em desenvolvimento
Pudemos perceber com nossa investigaccedilatildeo que os processos de distensatildeo
empreendidos pelos paiacuteses do Norte no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento vecircm cumprindo seu objetivo de afastar do cenaacuterio poliacutetico internacional
as questotildees econocircmicas Atualmente pouco se discute sobre o momento de fortalecimento
dos nacionalismos do Sul provocados pela nova ordem econocircmica mundial (WAFT DF
1998) Eacute inegaacutevel que parte desse afastamento se deve ao feto de que a crise dos paiacuteses
produtores de mateacuterias primas influenciou poliacuteticas restritivas de fechamento de mercado
que se se tomaram insustentaacuteveis para os atores desavantajados Contudo as poliacuteticas de
crescimento econocircmico a partir do fortalecimento das instituiccedilotildees locais natildeo nos parece
tatildeo fora de contexto se comparadas por exemplo aos processos de crescimento a que
foram submetidas as potecircncia secundaacuterias (Europa e Japatildeo) no final da Segunda Guerra
Estas potecircncias puderam fortalecer suas instituiccedilotildees tambeacutem atraveacutes da cooperaccedilatildeo
internacional antes de participar dos regimes de Bretton Woods Esse na verdade eacute um
dos aspectos intrigantes do estudo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento ou seja as
assimetrias de tratamento as quais estatildeo sujeitos os diversos atores internacionais
Enquanto os paiacuteses do Sul do mundo quando no regime da cooperaccedilatildeo
internacional constantemente satildeo chamados a resolver seus problemas econocircmicos a partir
das organizaccedilotildees criadas em Bretton Woods os Estados secundaacuterios quando passaram por
problemas de ordem financeira e de crescimento econocircmico receberam tratamento diverso
A Europa pocircde contar com recursos financeiros e transferecircncia direta de tecnologia do
Plano Marshall Aleacutem disso as diacutevidas externas destes paiacuteses inclusive aquelas da lei de
90
alugueacuteis e empreacutestimos nunca foram pagas Os maiores devedores como a Alemanha
ocidental (que tinha inclusive a moratoacuteria das Diacutevidas da Primeira Guerra) tiveram
negociaccedilotildees vantajosas e praticamente seus deacutebitos cancelados Mas sobretudo foi
tolerado aos paiacuteses europeus que eles pudessem manter um regime preferencial de compras
com suas antigas colocircnias (o que na realidade permanece ateacute nossos dias) e que os custos de
ajustamento de suas balanccedilas de pagamentos aos novos regimes internacionais pudessem
ser divididos atraveacutes da Uniatildeo Europeacuteia de Pagamentos dois procedimentos
intrinsecamente contraacuterios aos princiacutepios de Bretton Woods
Os atores desavantajados natildeo contaram no regime da cooperaccedilatildeo internacional
com redes efetivas de proteccedilatildeo e nunca puderam estabelecer mecanismos proacuteprios de
salvaguarda de suas balanccedilas de pagamentos Desse modo estes paiacuteses natildeo fortaleceram
suas instituiccedilotildees para participar de maneira mais equilibrada dos regimes de Bretton
Woods Estas diferenccedilas de tratamento dos atores dentro dos regimes internacionais satildeo
explicadas por Keohane como uma caracteriacutestica dos proacuteprios regimes Ou seja nem todos
os atores tecircm benefiacutecios iguais Contudo isso natildeo eacute motivo para deixar de repropor
poliacuteticas de cooperaccedilatildeo mais justas entre Norte e Sul A experiecircncia dos anos setenta pode
ser bastante positiva caso consigamos aproximar o discurso da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento de sua vertente poliacutetica e perceber da mesma forma (como entes
poliacuteticos) os atores que constituem esse regime
Finalmente nos resta ainda ressaltar que nossa pesquisa revelou que as mudanccedilas de
orientaccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a parir da deacutecada de
setenta tecircm resultado na aproximaccedilatildeo deste setor de ambientes privados Ou seja a
cooperaccedilatildeo financeira tem sido exercida prioritariamente pelo capital financeiro privado
internacional A cooperaccedilatildeo teacutecnica como vimos em nosso uacuteltimo capiacutetulo estaacute sendo
orientada para questotildees do desenvolvimento humano fato conveniente para justificar a
expansatildeo das organizaccedilotildees natildeo-governamentais e a presenccedila de teacutecnicos internacionais
(atualmente 150000 expatriados dos paiacuteses desenvolvidos) do Norte do mundo como
administradoras de recursos oficiais da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (ODA)
Como abordamos no capiacutetulo da condicionalidade eacute inegaacutevel o aumento das forccedilas
da internacionalizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos Estas forccedilas tenderatildeo cada vez mais a acentuar a
processo de privatizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Os estudos
91
Keohane e Milner abordados nesse trabalho nos sugerem que a uacutenica maneira de
conseguir controlar as pressotildees da internacionalizaccedilatildeo eacute atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas de
fortalecimento das instituiccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O Relatoacuterio Sul
afirma que o fortalecimento institucional dos paiacuteses do Sul pode acontecer a partir do
estabelecimento de uma rede de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses em vias de desenvolvimento
Poderiacuteamos atraveacutes desse processo conseguir um fortalecimento de nossas instituiccedilotildees
atraveacutes da reaproximaccedilatildeo dos paiacuteses do Sul entre eles mesmos e de suas demandas
92
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OCDE - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico
PNUD - Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
PVD - Paiacuteses em Vias de Desenvolvimento
ODA - Ajuda Oficial ao Desenvolvimento
FM I - Fundo Monetaacuterio Internacional
RESUMO
O objetivo deste trabalho eacute realizar um estudo sobre as assimetrias de poder entre
atores do Norte (desenvolvidos) e do Sul do Mundo (em vias de desenvolvimento) no
regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Buscaremos entender como as
novas modalidades de alocaccedilatildeo administraccedilatildeo e repasse dos fluxos da ajuda oficial ao
desenvolvimento (ODA) ou seja a ajuda multibilateral a condicionalidade da ajuda e a
cooperaccedilatildeo descentralizada foram inseridas como puniccedilotildees sistecircmicas e constrangimentos
aos atores desavantajados a partir do iniacutecio dos anos setenta
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO
Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema1
CAPIacuteTULO I
A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS
O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional11Regimes internacionais16Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional 23
Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional 26
CAPIacuteTULO nA AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO
As foacutermulas multibilaterias como puniccedilatildeo29A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas35As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD 38Foacutermulas multibilaterias custos divididos (cost-sharing) 41
CAPIacuteTULO Ml
A CONDICIONALIDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO
A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos 47A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais 52
CAPIacuteTULO IV
A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO
Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo 64O estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada67As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada 75Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais81
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS88
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
INTRODUCcedilAtildeO
Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema
No iniacutecio dos anos sessenta quando o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento estava sendo afirmado1 os paiacuteses do Sul (em vias de desenvolvimento)
reunidos em organizaccedilotildees - como o Movimento Natildeo-Alinhado no campo poliacutetico e o
Grupo dos 77 no campo econocircmico - passaram a exigir do grupo de paiacuteses do Norte
(desenvolvidos) regras comerciais mais justas e termos mais generosos para o
financiamento do desenvolvimento (entendido no sentido de crescimento econocircmico) As
demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD) foram respondidas com
declaraccedilotildees de boas intenccedilotildees pelos paiacuteses do Norte (como por exemplo a promessa de
aumento do volume dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento - ODA) mas tambeacutem
com fortes insistecircncias de que os foacuteruns apropriados para a resoluccedilatildeo de questotildees
econocircmicas continuavam a ser as instituiccedilotildees de Bretton Woods - nas quais devido ao
1 O estabelecimento de arranjamentos que pudessem regulamentar a cooperaccedilatildeo internacional entre atores dos paiacuteses industrializados e dos paiacuteses mais pobres pode ser percebido atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas efetivas pelos atores Ainda nos anos cinquumlenta os institutos financeiros - FMI e Banco Mundial - passaram a ter suas atividade re-orientadas para as questotildees do desenvolvimento (ASCARI 1999 BASILE 1995 CECCHI 1995) Em 1957 o Tratado de Roma estabeleceu a criaccedilatildeo do Primeiro Fundo Europeu de Desenvolvimento1 e adotou o conceito de Associativismo como modo de regulamentar as relaccedilotildees entre os Estados europeus e suas ex- colocircnias (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Em 1960 aconteceu a Primeira Deacutecada para o Desenvolvimento nas Naccedilotildees Unidas que contribuiu para o estabelecimento do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas (ECOSOC) em 1962 e para a criaccedilatildeo do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas)1 em 1965 sob orientaccedilatildeo direta da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (NOGUEIRA 2001) Em 1960 foi criado o CAD (Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento dos paiacuteses OCDE1 - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento Econocircmico e Financeiro) para regulamentar a relaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados (ex- colonizadores) com os paiacuteses fornecedores de mateacuterias-primas (quase todos ex-colocircnias) na nova era poacutes- colonial (BASILE 1995 45-6)
1
regime de voto2 os paiacuteses industrializados podiam assegurar a manutenccedilatildeo de seus proacuteprios
interesses Contudo no final dos anos sessenta quando o sonho de Bretton Woods - um
sistema monetaacuterio estaacutevel com taxas de conversatildeo fixas a partir do padratildeo doacutelar - comeccedilou
a entrar em colapso um grande otimismo passou a contagiar o Sul que viu o fim do padratildeo
monetaacuterio como uma possibilidade de reavaliar os demais regimes internacionais do poacutes-
guerra capaz de estabelecer um sistema de trocas mais favoraacutevel aos interesses dos paiacuteses
em vias de desenvolvimento
Os PVD passaram desde o momento de desestruturaccedilatildeo do regime monetaacuterio a dar
mais ecircnfase internacional agraves suas demandas e comeccedilaram a tomar medidas concretas para
uma revisatildeo dos processos poliacuteticos e econocircmicos instaurados no poacutes-guerra Uma das
primeiras medidas tomadas foi a tentativa destes paiacuteses para aumentar e tomar obrigatoacuterio
o repasse de fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) atraveacutes da Resoluccedilatildeo 2626
(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas de 24 de setembro de 1970 A intensidade
das demandas dos paiacuteses em desenvolvimento foi se tomando cada vez mais acentuada e
depois do choque do petroacuteleo^ estes paiacuteses (julgando-se fortalecidos devido agrave soluccedilatildeo natildeo-
militar do conflito) estabeleceram a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas trecircs
importantes Resoluccedilotildees em mateacuteria econocircmica chamadas de Nova Ordem Econocircmica
Mundial (New International Economic Order - NIEO) Este momento de reivindicaccedilotildees do
Sul tambeacutem eacute definido pela literatura como ldquocrise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-
primasrdquo (ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1996) Estas Resoluccedilotildees colocavam em
2 Nos institutos financeiros d Bretton Woods - FMI e Banco Mundial - o voto acontece segundo o volume de contribuiccedilotildees que cada paiacuteses destina agrave estes entes O que favorece os paiacuteses fortemente industrializados (ANTONELLI 1995)
3 O choque do petroacuteleo eacute percebido nas relaccedilotildees internacionais como uma mudanccedila no regime internacional do petroacuteleo que aconteceu a partir das organizaccedilatildeo dos paiacuteses exportadores de petroacuteleo (OPEP) nos anos sessenta Essa mudanccedila de regime efetivou-se nos anos setenta (nas negociaccedilotildees de Teeratilde em 1971 e depois da guerra de Yom Kippur de 1973) e representou o fim do poder centralizado nas companhias e o exerciacutecio paiacuteses produtores no controle dos mercados Depois de 1973 o preccedilo do petroacuteleo quadruplicou sem negociaccedilotildees Os preccedilos do petroacuteleo baixaram em termos reais ateacute o iniacutecio de 1979 quando a Revoluccedilatildeo no Iratilde reduplicou o preccedilo do petroacuteleo Seria exagerado dizer que os Estados da OPEP tomaram-se hegemocircnicos no sistema do petroacuteleo (capazes de fazer ou reforccedilar regras) porque a mudanccedilas na demanda internacional forccedilaram nos anos oitenta novas quedas no preccedilo da mateacuteria prima Contudo a mudanccedila de regime levou a uma renegociaccedilatildeo dos modelos de cooperaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados com os paiacuteses OPEP em outras bases e a um desgaste diplomaacutetico pelo primeiro grupo de paiacuteses (KEOHANE 1984 190-94)
2
questatildeo as leis econocircmicas de Bretton Woods revelavam que o sistema econocircmico era
desigual para estes dois grupos de paiacuteses e convidavam o Norte a empreender medidas
efetivas de accedilatildeo para a soluccedilatildeo dos problemas do Sul a partir de uma reorganizaccedilatildeo das
estruturas que regulamentavam os proacuteprios regimes internacionais econocircmico financeiro e
comercial surgidos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Autores da poliacutetica internacional como
Keohane Waelde e Armstrong Lloyd e Redmond identificam na crise dos paiacuteses
produtores de mateacuterias-primas e no choque do petroacuteleo momentos concretos de ameaccedila
para os regimes econocircmico-financeiro e comercial de Bretton Woods4
Acreditamos que as mudanccedilas ocorridas no sistema internacional nos anos setenta a
partir do choque do petroacuteleo e do iniacutecio da intensificaccedilatildeo das pressotildees dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial
afetaram diretamente o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Segundo
nossa interpretaccedilatildeo a ameaccedila de desarticulaccedilatildeo da ordem econocircmica a possibilidade do
surgimento de outros carteacuteis organizados para controlar os preccedilos de mateacuterias-primas (aleacutem
da OPEP - Organizaccedilatildeo dos Paiacuteses Produtores de Petroacuteleo) e o risco de que se tomasse
necessaacuterio estabelecer novos modelos de cooperaccedilatildeo internacional mais favoraacuteveis agraves
demandas dos paiacuteses do Sul geraram puniccedilotildees econocircmicas para os paiacuteses em vias de
desenvolvimento atraveacutes do aumento dos constrangimentos para a utilizaccedilatildeo dos fluxos do
regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Pois - como veremos em
nosso primeiro capiacutetulo dedicado agrave discussatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional - os
regimes internacionais dos atores avantajados constituiacutedos pelo bloco do Norte
estruturados atraveacutes de redes interligadas quando e se ameaccedilados podem impor puniccedilotildees e
aumentar o nuacutemero de constrangimentos impostos aos atores que promovam tentativas de
desestabilizaccedilatildeo do sistema internacional5 (KEOHANE 1984)
Nossa proposta de estudo eacute discutir os trecircs elementos baacutesicos atraveacutes dos quais as
puniccedilotildees econocircmicas contra os PVD puderam ser efetivadas a partir do regime da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento O primeiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica
4 Em (KEOHANE 1984 WAELDE 1998 ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND1996)
5 O sistema internacional eacute uma ordenaccedilatildeo dos Estados que acontece a partir de ambientes facilitadores de acordos definidos regimes internacionais
3
que discutiremos no segundo capiacutetulo desse trabalho aconteceu de maneira institucional a
partir daquele que era o principal organismo regulador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento no iniacutecio da deacutecada de setenta o Programa de
Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas - PNUD (MARCHISIO 1986 2000 BASILE
1995) A puniccedilatildeo institucional consistiu em cortes orccedilamentaacuterios para o Programa que
resultaram na implantaccedilatildeo de uma nova modalidade de administraccedilatildeo e repasse dos fluxos
da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) definida como multibilateral (MARCHISIO
19862000 BASILE 1995) O segundo elemento de puniccedilatildeo econocircmica para os paiacuteses em
vias de desenvolvimento foi teoacuterico-poliacutetico e aconteceu a partir do iniacutecio do uso da
condicionalidade da ajuda no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
(TRIULZI 1998 2000 ESCOBAR 1995) Este segundo elemento constituiraacute o elemento-
chave do terceiro capiacutetulo do presente trabalho Como veremos em nosso quarto capiacutetulo o
terceiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica utilizado contra os PVD a cooperaccedilatildeo
descentralizada aconteceu a partir da instrumentalizaccedilatildeo de agentes natildeo-estatais como as
ONGs internacionais que passaram a se multiplicar como agentes promotores (e
defensores) dos interesses dos paiacuteses desenvolvidos (CREWE amp HARRISON 1998
JAFDER 2000) Estes elementos de puniccedilatildeo econocircmica acabaram reorganizando o proacuteprio
regime da cooperaccedilatildeo internacional definindo tambeacutem novos modelos de comportamento
entre o Norte e o Sul
As puniccedilotildees econocircmicas impostas aos PVD a partir do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento puderam ser estabelecidas porque os paiacuteses detentores
dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) passaram a retirar seus
recursos das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal especialmente do PNUD
concentrando-os em organismos que lhes fossem mais confiaacuteveis em suas proacuteprias
modalidades de ajuda bilateral (efetuada diretamente pelos Estados sem a participaccedilatildeo das
organizaccedilotildees internacionais) em fundos regionais proacuteprios - Fundo Europeu de
Desenvolvimento - ou nos Institutos Financeiros nascidos em Bretton Woods - FMI
Banco Mundial e Bancos Regionais de Desenvolvimento (MARCHISIO 1986 BASILE
1995 ANTONELLI 1995) Tal mudanccedila de recolhimento dos fluxos da ajuda oficial ao
desenvolvimento (ODA) que passaram das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal
para os organismos de confianccedila dos detentores dos recursos revelou-se estrateacutegica pois
4
permitiu aos paiacuteses doadores aumentar seus poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo do ODA
Isso porque enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal os paiacuteses
recebedoresdoadores6 assim como os paiacuteses apenas doadores podiam interferir sobre a
aplicaccedilatildeo dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento no Fundo Europeu de
Desenvolvimento assim como nos institutos financeiros internacionais e nos bancos
regionais o poder de decisatildeo sobre a administraccedilatildeo e sobre a aplicaccedilatildeo do ODA recai
apenas sobre o grupo de paiacuteses doadores7 (CECCHI 1995) O Fundo Europeu de
Desenvolvimento responde agraves orientaccedilotildees diretas da Comissatildeo e do Conselho Europeu que
estruturam as poliacuteticas que seratildeo aplicadas no regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento
com base unilateral (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Tambeacutem nos institutos
financeiros o poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo dos recursos recai somente sobre os
membros do Conselho de Administraccedilatildeo ou seja os paiacuteses fortemente doadores (ASCARI
1999)
Devemos tambeacutem lembrar que com a supremacia dos institutos financeiros e do
Fundo Europeu como administradores dos fluxos ODA perdeu-se a tendecircncia promovida
anteriormente pelo PNUD de financiar a maior parte dos projetos e programas de
desenvolvimento em regime de fundo perdido8 Ao contraacuterio nas instituiccedilotildees financeiras
nascidas em Bretton Woods os repasses de recursos acontecem a juros facilitados e na
maior parte das vezes a juros de mercado Disso resulta que na metade dos anos noventa
mais de 90 dos fundos multilaterais dos institutos financeiros (FMI e Banco Mundial e
regionais) se constituiacuteam de transferecircncias natildeo-facilitadas ou em empreacutestimos puacuteblicos a
juros de mercado - empreacutestimos Ibrd do Banco Mundial (BASILE 1995 69) Neste
6 Os paiacuteses em desenvolvimento satildeo doadores recebedores porque contribuem para estas organizaccedilotildees e retiram recursos destas organizaccedilotildees
7 Enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal o poder de voto eacute o mesmo para atores avantajados e atores desavantajados nos institutos financeiros o voto eacute realizado apenas pelos atores avantajados ou seja por aqueles que mais contribuem financeiramente com estes entes O fundo europeu responde apenas as ordens dos Estados membros da Comunidade Econocircmica Europeacuteia
8 No final dos anos 80 a quota UNDP dos financiamentos a fundo perdido das Naccedilotildees Unidas eram cerca de 60 (BROWNE 1990 p 241)
5
sentido em 1997 no Banco Mundial os empreacutestimos puacuteblicos (Ibrd)9 a juros de mercado
constituiacuteram um volume de 14525 bilhotildees de doacutelares enquanto os facilitados tiveram um
volume de U$ 4622 bilhotildees (ASCARI 1999 69)
Devemos ainda considerar que a aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees e o aumento dos
constrangimentos que possibilitaram a reordenaccedilatildeo do regime internacional da cooperaccedilatildeo
ao desenvolvimento aconteceu a partir de uma forccedila aglutinadora que tomando a iniciativa
de organizar o setor da cooperaccedilatildeo inclusive sistematizando conceitos estabeleceu-se
como centro coordenador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo Esta forccedila aglutinadora eacute hoje o
Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e
Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que tendo nascido nos anos sessenta como oacutergatildeo
responsaacutevel pelas poliacuteticas dos ex-paiacuteses colonizadores europeus em relaccedilatildeo a suas ex-
colocircnias transformou-se no principal centro de coordenaccedilatildeo das poliacuteticas bilaterais e
multilaterais dos paiacuteses industrializados
Depois do choque do petroacuteleo e das declaraccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica
Mundial a OCDE reformulou e estendeu as accedilotildees do CAD que passou exercer um papel de
coordenaccedilatildeo no setor do desenvolvimento que abrange atualmente os paiacuteses
industrializados e as organizaccedilotildees internacionais10 Baseado nisto o CAD foi capaz de se
estabelecer como uma espeacutecie de centro de inteligecircncia e de consultoria dos problemas do
desenvolvimento internacional Em um certo sentido o CAD posicionou-se
internacionalmente como a CEP AL11 dos paiacuteses industrializados e vem contribuindo para o
fortalecimento dos paiacuteses doadores como administradores dos fluxos do regime
internacional da ajuda ao desenvolvimento (ODA)
9 Recolhidos pelos banco no mercado financeiro e repassados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento com juros e condiccedilotildees de mercado (ASCARI 1999)
10 O CAD oficializou seu papel de centro de coordenaccedilatildeo da poliacuteticas de ajuda ao desenvolvimento em 1986 na Reuniatildeo anual do Comitecirc agrave qual estavam presentes Emest Stem (vice-presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador do PNUD) o CAD e os demais presentes concordaram que ldquoOs membros do CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1986)
11 Comissatildeo Econocircmica Para a Ameacuterica Latina
6
O Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) natildeo possui um oacutergatildeo
executivo de administraccedilatildeo dos fundos da cooperaccedilatildeo Entretanto funciona como centro de
decisatildeo12 para a aplicaccedilatildeo dos fundos da ajuda teacutecnica e financeira bilateral e multilateral
fornecendo aos paiacuteses-membros indicadores sociais e econocircmicos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento A ausecircncia de um oacutergatildeo executivo entretanto pouco afeta o repasse
centralizador dos recursos provenientes dos paiacuteses do CAD13 para a cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento Depois da oficializaccedilatildeo do papel do Comitecirc como centro coordenador da
ajuda em 1986 e da adoccedilatildeo pelo Banco Mundial bem como pelo FMI e pelo PNUD do guia
de princiacutepios para a apreciaccedilatildeo de projetos ldquoPrincipies For Project AppraisaF elaborado
pelo Comitecirc ldquocom o objetivo de melhorar a capacidade operacional das agecircncias
multilaterais e a qualificaccedilatildeo dos projetos atraveacutes da definiccedilatildeo comum de objetivosrdquo todas
as poliacuteticas e conceitos (definidas ajuda teacutecnica conceituai) desenvolvidos ad hoc pelos
centros de pesquisa do CAD satildeo aplicados conjuntamente nas organizaccedilotildees internacionais
(BASILE 1995 FUHNER 1996) Aleacutem disso a grande maioria dos paiacuteses que pertencem
ao CAD tambeacutem pertencem agrave CEE14 que por sua vez possui um oacutergatildeo executivo Ou seja
estes paiacuteses podem administrar diretamente - e sem nenhum tipo de intervenccedilatildeo dos paiacuteses
em vias de desenvolvimento - os recursos destinados agrave ajuda multilateral
Segundo Keohane no estudo dos regimes e da cooperaccedilatildeo internacional entre atores
fortes e atores desavantajados priorizar os constrangimentos dos atores fracos eacute mais
importante do que buscar suas motivaccedilotildees em conformar-se ou natildeo a regimes estabelecidos
(KEOHANE 1984) Os PVD dependiam como ainda dependem dos fluxos financeiros
especialmente daqueles facilitados (ODA) - em teoria mais previsiacuteveis e constantes dos que
os capitais privados - para programar o desenvolvimento de suas economias tomando-as
12 Os fluxos multilaterais ODA satildeo aplicados atraveacutes da proacutepria CEE do Banco Mundial do FMI dos Bancos Regionais de Desenvolvimento e das Agecircncias Multilaterais e dos Institutos Especializados das Naccedilotildees Unidas (BASILE 1995)
13 Atualmente a niacutevel agregado os recursos multilaterais dos paiacuteses DAC satildeo concentrados entomo a trecircs poacutelos o Banco Mundial as Naccedilotildees Unidas e a CEE que ocupam entorno a 90 das transferecircncias destes paiacuteses (ASCARI 1999)
14 Dos anos 80 para os anos 90 observa-se um forte aumento do repasse dos fundos multilaterais dos paiacuteses OCDE em direccedilatildeo a CEE que passou de 161 em 1984 para 284 em 1991
7
menos vulneraacuteveis agraves flutuaccedilotildees do mercado Celso Lafer enfatizou esta necessidade na
Conferecircncia sobre Financiamentos para o Desenvolvimento ocorrida em maio de 2002 na
cidade de Monterrey (Meacutexico)15
As puniccedilotildees e constrangimentos impostos aos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pelos paiacuteses detentores de recursos e constituiacutedos em medidas operativas pelo PNUD
Banco Mundial FMI e Fundo Europeu de Desenvolvimento (ajuda multilateral
condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada) foram introduzidas ou projetadas
no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da primeira metade dos
anos setenta e exerceram segundo nossa hipoacutetese a funccedilatildeo comum de limitar o poder de
decisatildeo dos paiacuteses recebedores na aplicaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos multilaterais (inclusive
dos empreacutestimos puacuteblicos) do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
Toma-se oportuno lembrar que os fluxos oficiais ao desenvolvimento ODA16 ateacute a
completa afirmaccedilatildeo das puniccedilotildees e do aumento dos constrangimentos17 eram entendidos
como uma espeacutecie de compensaccedilatildeo financeira destinada aos governos dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento devido agraves suas menores oportunidades comercias e financeiras
(GRILLI 1994 MARCHISIO 1986) As novas modalidades contudo parecem diluir essa
noccedilatildeo inicial que caracterizava os fluxos ODA - que de certa forma passaram a representar
um mecanismo atraveacutes dos quais os Estados detentores dos recursos podem conduzir
intervenccedilotildees pontuais e setorizadas nos PVD
Conveacutem enfatizar que mesmo tratando-se os fluxos ODA de financiamentos
facilitados eles tambeacutem devem ser em grande parte devolvidos pelos paiacuteses recebedores
(ESCOBAR 1995 165) e que quando recebidos estes recursos somam-se em menor ou
maior grau a diacutevida puacuteblica dos paiacuteses em desenvolvimento (ASCARI 1999) Aleacutem disso
15 Em seu discurso Lafer lembrou os conferencistas que durante a deacutecada de 1990 o aumento de capital privado nos paiacuteses em desenvolvimento mas que esse capital eacute altamente imprevisiacutevel e em muitas situaccedilotildees diminuiu seu niacutevel vertiginosamente Essas entradas e saiacutedas bruscas de capital constituem-se tambeacutem em limitaccedilotildees para aos paiacuteses em vias de desenvolvimento
16 Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento teacutecnica ou financeira eacute contabilizada em fluxos financeiros ODA menos as contribuiccedilotildees emergecircncias in natura e os eventuais recursos privados das ONGs (BASILE 1995)
17 Que aconteceu na metade dos anos oitenta quando o setor da cooperaccedilatildeo foi direcionado para ambientes privados
8
a proacutepria tendecircncia que tem crescido no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento de
efetuar financiamentos privados aos PVD com fins de desenvolvimento utilizando
organizaccedilotildees internacionais para a perpetuaccedilatildeo da colocaccedilatildeo de condicionamentos de
vaacuterios gecircneros eacute um aspecto preocupante que natildeo deve ser ignorado Por esse motivo os
governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento assim como os estudiosos das ciecircncias
sociais poliacuteticas e econocircmicas natildeo podem permanecer indiferentes quanto agraves modalidades
de efetivaccedilatildeo da ajuda Em outras palavras os projetos e programas de desenvolvimento
(governamentais ou natildeo-govemamentais) e o grau efetivo de controle que os governos dos
paiacuteses do Sul exercem na orientaccedilatildeo destes projetos poderiam constituir um interessante
objeto de estudo nas aacutereas de ciecircncias humanas
Como foi possiacutevel a introduccedilatildeo de medidas operativas que resultaram na limitaccedilatildeo
do poder de decisatildeo dos atores mais fracos (puniccedilotildees e constrangimentos) quanto a
aplicaccedilatildeo dos fluxos ODA - e como estas medidas se transformaram em regras do setor da
cooperaccedilatildeo internacional - tambeacutem eacute um aspecto intrigante que deve ser abordado
Keohane nos lembra que os Estados poderosos procuram introduzir poliacuteticas econocircmicas
internacionais que atendam seus interesses e ideologias Parte importante da investigaccedilatildeo eacute
buscar entender como paiacuteses fortes transformam seus recursos materiais e ideoloacutegicos em
regras do sistema assim como constroacuteem alteram ou mantecircm regimes internacionais que
facilitam determinados tipos de cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 256 KEOHANE 1984
94) Para os realistas a ecircnfase eacute colocada no poder18 Keohane que considera simplistas
todas as explicaccedilotildees baseadas apenas neste poder acredita que uma explicaccedilatildeo mais
plausiacutevel encontra-se no poder dos recursos econocircmicos
Quanto agrave conformidade dos PVD agraves alteraccedilotildees promovidas no regime da
cooperaccedilatildeo internacional a partir dos anos setenta podemos identificar a proacutepria
necessidade destes paiacuteses de continuar recebendo financiamentos mesmo privados como
sendo a mais importante causa de aceitaccedilatildeo - por estes mesmos paiacuteses - das medidas
punitivas e do aumento dos constrangimentos na utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA Aleacutem disso
como veremos em nosso primeiro capiacutetulo Keohane teoriza que os regimes internacionais
natildeo devem ser estudados individualmente mas em relaccedilatildeo e em concordacircncia com outros
18 No sentido beacutelico do termo
9
regimes internacionais Em consequumlecircncia mesmo que os PVD sofram puniccedilotildees econocircmicas
e tenham seus constrangimentos aumentados nesse especiacutefico setor abandonar o regime ou
deixar de cumprir acordos estabelecidos anteriormente isto poderia implicar em puniccedilotildees
ainda mais graves para os atores desavantajados
Para que as noccedilotildees de regimes internacionais puniccedilotildees sistecircmicas e
constrangimentos fiquem claras ao leitor no decorrer deste trabalho nosso proacuteximo capiacutetulo
seraacute dedicado a um aprofundamento destes conceitos a partir do estudo teoacuterico da
cooperaccedilatildeo internacional elaborado prioritariamente a partir das obras de Robert
Keohane19
19 Duas obras de Keohane abordam especificamente a questatildeo dos regimes internacionais e da cooperaccedilatildeo A primeira eacute ldquoAchiving cooperation under anarchy rdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) um estudo que serviu de base ao posterior e mais completo ldquoAfter hegemony cooperation and discord in the world political economyrdquo (KEOHANE 1984) Aleacutem dos dois citados tambeacutem seraacute utilizado no proacuteximo capiacutetulo para elaboraccedilatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional o estudo de Krasner sobre regimes interanacionais ldquoRegimes and the limits o f realism regimes as autonomous variables rdquo e algumas noccedilotildees da obra de Keohane e Nye ldquoPoder e interdependencia la poliacutetica mundial en transicioacuten
10
CAPIacuteTULO I
A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS
O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional
Robert Keohane define o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo como sendo aquele no qual
ldquoatores ajustam seus comportamentos para as preferecircncias atuais ou antecipadas dos outros
atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacuteticardquo (KEOHANE 1984 51-2) A
definiccedilatildeo do conceito e o desenvolvimento da teoria da cooperaccedilatildeo realizados por Keohane
aconteceram a partir do estudos realizados pelo autor da ocorrecircncia do fenocircmeno nas
relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente Essa escolha
de abordagem na elaboraccedilatildeo da teoria deveu-se ao pressuposto de que as relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo acontecem quando existem interesses muacutetuos entre os Estado envolvidos
Estabelecer interesses muacutetuos entre paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente e que
dividem uma visatildeo relativamente similar da conduccedilatildeo de suas econocircmicas aleacutem de
cultivarem extensas relaccedilotildees de interdependecircncia20 uns com os outros facilita o trabalho de
investigaccedilatildeo do fenocircmeno da cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 6)
Quanto agrave cooperaccedilatildeo entre paiacuteses avanccedilados industrialmente e paiacuteses em vias
desenvolvimento Keohane considera que os instrumentos de anaacutelise desenvolvidos em sua
teoria tambeacutem podem ser em certa medida aplicados na compreensatildeo de algumas destas
20 Para Keohane e Nye o conceito de interdependecircncia na poliacutetica mundial diz respeito ldquoa situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocos entre os paiacutesesrdquo (p8) Estes efeitos resultam de uma ampla gama de contatos e transaccedilotildees ocorridas no plano internacional o que produz uma restriccedilatildeo agrave autonomia dos atores envolvidos Ao mesmo tempo impotildee alguma forma de custos para os participantes do sistema internacional o que poderia levar a uma ocorrecircncia de determinados tipos de conflito entre eles
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relaccedilotildees Contudo algumas consideraccedilotildees precisam ser realizadas Em primeiro lugar no
caso de atores desiguais a cooperaccedilatildeo pode tomar-se adversa e constituir-se em meio de
exploraccedilatildeo de um grupo de Estados ricos que efetivamente cooperam entre si para com os
Estados pobres (KEOHANE 1984 11) Essa situaccedilatildeo pode definir-se desde o
estabelecimento das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo devido aos constrangimentos colocados aos
atores mais fracos ateacute mesmo como condiccedilatildeo para sua participaccedilatildeo em uma relaccedilatildeo com
atores mais fortes ou pode mesmo acontecer posteriormente mesmo que objetivos iniciais
de cooperaccedilatildeo fossem desejados mutuamente agrave princiacutepio Um segundo ponto ainda deve ser
ressaltado quanto agrave cooperaccedilatildeo entre atores desiguais antes de iniciarmos o
aprofundamento do estudo do fenocircmeno a ocorrecircncia de relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre
atores avantajados e atores desavantajados costuma proporcionar benefiacutecios menores ou
mesmo nenhum beneficio para aqueles atores desavantajados Isso natildeo significa que os
atores desavantajados ajam de maneira irracional quando estabelecem relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo com os atores avantajados Muitas vezes o caacutelculo racional dos atores
desavantajados natildeo eacute obter benefiacutecios mas simplesmente natildeo ver aumentado seus custos
que poderiam tomar dimensotildees ainda maiores caso acordos de cooperaccedilatildeo natildeo fossem
estabelecidos Feitas estas consideraccedilotildees podemos finalmente iniciar o estudo teoacuterico da
cooperaccedilatildeo internacional
Para Keohane a teoria realista natildeo eacute capaz de explicar o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo
internacional em todas as suas manifestaccedilotildees Na teoria realista onde o sistema
internacional eacute composto por Estados como unidades individuais que competem entre si em
um permanente estado de natureza anaacuterquico21 o uacutenico modelo possiacutevel de cooperaccedilatildeo eacute
aquele de alianccedilas resultante de uma operaccedilatildeo de balanccedilo de poder (KEOHANE 1984
7) Tambeacutem outros modelos explicativos da cooperaccedilatildeo internacional como o
Universalismo (de modelo kantiano) ou ateacute mesmo o Intemacionalismo (oriundo da teoria
de Grotius22) que opondo-se ao realismo conferiram segundo Keohane muito peso ao
21 Anarquia para Keohane constitui a falta de um governo comum no mundo poliacutetico internacional e natildeo uma negaccedilatildeo de que a sociedade internacional embora fragmentada exista (AXELROD amp KEOHANE 1982 227)
22 A obra de Hugo Grotius Do Direito da Guerra e da Paz (1625) que inaugura a tradiccedilatildeo Intemacionalista na poliacutetica internacional eacute um dos trecircs paradigmas (ou escolas de pensamento) fuacutendantes do estudo das relaccedilotildees internacionais segundo a divisatildeo de Hedley Buli Os outros dois
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papel das funccedilotildees reguladoras das instituiccedilotildees internacionais e ao direito internacional natildeo
seriam adequados como instrumentos teoacutericos por natildeo aprofundarem as relaccedilotildees de poder
e de conflitos decorrentes da dimensatildeo econocircmica entre os Estados Considerando as
limitaccedilotildees dos modelos anteriores Keohane decidiu elaborar a estruturaccedilatildeo teoacuterica sobre o
fenocircmeno da cooperaccedilatildeo a partir de uma combinaccedilatildeo de teorias (liberal23 e realista 24) que
pudessem analisar as relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos atores internacionais sem esquecer o
egoiacutesmo e propensatildeo dos Estados em aumentar a proacutepria riqueza e poder
Keohane assim como os realistas considera que os atores poliacuteticos satildeo egoiacutestas e
agem motivados por interesses proacuteprios Para este autor quando os atores cooperaram o
fazem dentro de uma situaccedilatildeo de conflito que quando natildeo resolvida por essa via poderia
resultar em perdas ainda maiores para os envolvidos Os governos entram em negociaccedilotildees
internacionais visando reduzir o conflito que iria resultar necessariamente de outra
maneira Sem cooperaccedilatildeo os governos interferem no mercado uni lateralmente para
perseguir o que eles consideram seus proacuteprios interesses25 aumentando em muito a
possibilidade de perdas coletivas Atraveacutes desse tipo de raciociacutenio pode-se afirmar que os
paradigmas derivam das obras de Hobbes O Leviatatilde (1651) que influecircncia a tradiccedilatildeo Realista e do texto de Kant A Paz Perpeacutetua mdash Um Projeto Filosoacutefico (17956) da qual deriva a tradiccedilatildeo Universalista Segundo Hedley Buli a posiccedilatildeo de Grotius fica a meio caminho daquelas de Hobbes e Kant Grotius se diferencia do universalismo porque mesmo considerando a existecircncia de outros entes eacute o Estado o principal ator das relaccedilotildees internacionais Quanto agrave Hobbes Grotius afirma que as relaccedilotildees entre os Estados natildeo se resume a dimensatildeo conflitiva sendo necessaacuterio levar em conta a dimensatildeo cooperativa e a existecircncia de uma sociedade internacional (formada por Estados) que interage com base em valores culturais comuns e do direito internacional (GOLCcedilALVES 2001 94-6)
O Liberalismo propotildee alternativas agraves concepccedilotildees realistas Enfatizando aspectos a interdependecircncia econocircmica com suas muacuteltiplas e complexas camadas de ligaccedilotildees o liberalismo prevecirc comportamentos cooperativos entre os Estados Mecanismos como sanccedilotildees e puniccedilotildees econocircmicas possibilitam na visatildeo liberal um certo controle e previsibilidade sobre o comportamento dos participantes do sistema internacional
24 O Realismo poliacutetico apresenta um sistema internacional caracterizado pela anarquia tendo como atores principais os Estados Por ser anaacuterquico o sistema internacional eacute baseado no poder e na forccedila e cada Estado eacute visto como uma entidade isolada age apenas motivado pelos proacuteprios interesses Para o realismo natildeo existe cooperaccedilatildeo entre atores poliacuteticos
23 Ao contraacuterio dos economistas liberais Keohane acredita que os Estados agindo unilateralmente vatildeo interferir no mercado estrangeiro de trocas impor vaacuterias restriccedilotildees em importaccedilotildees subsidiar a induacutestria domeacutestica e estabelecer preccedilos de mercadorias como petroacuteleo
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atores agem de maneira egoiacutesta-racional tentando maximizar as possibilidades de ganho
em uma situaccedilatildeo de conflito real ou potencial Isso significa que um fenocircmeno de
cooperaccedilatildeo acontece sempre a partir de uma situaccedilatildeo de conflito e nunca de harmonia26
entre atores no mundo poliacutetico Seraacute justamente a tentativa de resoluccedilatildeo deste conflito que
poderaacute levar os atores agrave cooperar ou seja agrave ajustar seus comportamentos ou antecipar as
preferecircncias dos outros atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacutetica
Enquanto para os realistas que utilizam a teoria dos jogos (especialmente do dilema
do prisioneiro) nos estudos de comportamento a cooperaccedilatildeo eacute impossiacutevel porque os atores
racionalmente desconfiam sempre das accedilotildees uns dos outros e egoiacutesticamente pensam nos
proacuteprios interesses Keohane acredita que as mesmas premissas de comportamento racional
e egoiacutesta em uma ambiente internacional favoraacutevel podem levar os atores agrave cooperarem
uns com os outros (KEOHANE 1984 65-7) Quando os atores agem por meio de escolhas
racionais pensando nos interesses proacuteprios atraveacutes da realizaccedilatildeo de benefiacutecios coletivos
pode-se esperar um volume substancial de cooperaccedilatildeo internacional (inclusive
institucionalizada) nas economias de mercado dos paiacuteses industrialmente avanccedilados A
anaacutelise da cooperaccedilatildeo internacional e a elaboraccedilatildeo de um conceito sobre o fenocircmeno
acontece desse modo atraveacutes de uma combinaccedilatildeo de teorias que reconheccedilam os interesses
complementares entre naccedilotildees mas que natildeo deixem de reconhecer que os Estados satildeo atores
racionais e egoiacutestas na medida em satildeo orientados a promover seus dos proacuteprios interesses
E necessaacuterio lembrar que no mundo das relaccedilotildees internacionais os temas mais
significativos satildeo ao mesmo tempo poliacuteticos e econocircmicos portanto a perseguiccedilatildeo da
riqueza e do poder por parte dos Estados pode iluminar as motivaccedilotildees especiacuteficas dos
atores e servir como antiacutedoto contra uma parcial ecircnfase em interdependecircncia e retoacutericas
globalistas de realizaccedilatildeo de interesses comuns (KEOHANE NYE 198818-22) Na teoria
da cooperaccedilatildeo de Keohane os atores abordados e considerados significativos satildeo os
Estados que estabelecem os objetivos e constroacuteem as regras nas quais os demais atores
(inclusive as organizaccedilotildees natildeo- governamentais) deveratildeo se adaptar Definir a economia
poliacutetica internacional em termos de perseguiccedilatildeo de riqueza e poder nos leva agrave analisar a
26 Harmonia no mundo poliacutetico acontece em uma situaccedilatildeo onde automaticamente os atores (perseguindo seus proacuteprios interesses sem considerar o interesses dos outros) facilitam a realizaccedilatildeo dos objetivos dos outros sem conflito
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cooperaccedilatildeo na economia poliacutetica mundial menos como um esforccedilo de implementar ideacuteias
elevadas (moralmente) e mais como um meio de atingir interesses proacuteprios em objetivos
poliacuteticos e econocircmicos (KEOHANE 1984 25)
Na anaacutelise das relaccedilotildees entre Estados Keohane daacute grande enfoque agrave influecircncia do
sistema internacional como modelador do comportamento dos atores (teoria sistecircmica) O
comportamento dos Estados assim como os de outros atores da poliacutetica mundial eacute
fortemente influenciado pelos constrangimentos (constraints) e incentivos fornecidos pelo
ambiente internacional Quando o sistema internacional muda o mesmo acontece com os
incentivos e com os comportamentos dos atores
A ecircnfase no sistema internacional eacute a propoacutesito a grande diferenccedila entre a teoria
de Keohane e as publicaccedilotildees mais recentes que abordam o tema da cooperaccedilatildeo Os estudos
realizados sobre o tema nos anos noventa27 embora tenham a caracteriacutestica notaacutevel de
manter a definiccedilatildeo do fenocircmeno de cooperaccedilatildeo elaborado por Keohane (MILNER 1992
466) uma deacutecada antes criticaram o peso excessivo dos constrangimentos estruturais do
sistema internacional na definiccedilatildeo do comportamento dos atores As anaacutelises dos anos
noventa passaram a dar maior enfoque agraves poliacuteticas domeacutesticas na definiccedilatildeo dos
comportamentos dos Estados e de suas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo (PUTMAN 1993 432
MILNER amp KEOHANE 1996 4)28 As teorias dos anos noventa embora incorporem um
estudo sobre os atores domeacutesticos29 tambeacutem minimizam certas situaccedilotildees de
27 Importante resenha comparada sobre os estudos e publicaccedilotildees da teoria da cooperaccedilatildeo internacional nos anos 90 (Robert Keohane e Kenneth A Oye Putman e Bayne Grieco e Haas) eacute o artigo de Helen Milner International theories of cooperation among nations strengths and weaknesses publicado no world politics (referecircncia no final deste trabalho)
28 E interessante perceber que o proacuteprio modelo de cooperaccedilatildeo internacional entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo voltada ao desenvolvimento no mesmo periacuteodo dos anos 90 tambeacutem comeccedilou a relacionar os problemas de desenvolvimento dos paiacuteses agrave fatores domeacutesticos e natildeo mais agrave problemas decorrentes do sistema internacional
29 O proacuteprio Keohane quando estuda em na segunda metade dos anos noventa o fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo admite que em suas anaacutelises anteriores pouca atenccedilatildeo foi dada ao comportamento dos atores domeacutesticos Isso natildeo significa que Keohane abandone a anaacutelise sistecircmica pelo contraacuterio ele continua afirmando que todos os atores sofrem constrangimentos e incentivos mas que internamente estas constriccedilotildees e incentivos seratildeo percebidas de maneira diferente devido aos arranjamentos estruturais e poliacuteticos dos diferentes atores Sua anaacutelise contudo se refere mais ao fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo e natildeo especificamente aquele da cooperaccedilatildeo internacional (MILNER amp KEOHANE 1996)
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constrangimentos vividas pelos atores desavantajados como por exemplo as pressotildees
econocircmicas (MILNER 1992) No caso especiacutefico do nosso estudo sobre a ocorrecircncia da
cooperaccedilatildeo internacional aoacute desenvolvimento natildeo poderemos desprezar as pressotildees
econocircmicas sofridas pelos atores desavantajados visto os atuais mecanismos de repasse de
financiamentos do setor se estabelecem a partir de mecanismos de condicionalidade que
satildeo por si mesmo formas de pressatildeo econocircmica Desse modo decidimos pelo uso da
anaacutelise sistecircmica de Keohane na estruturaccedilatildeo deste trabalho
Para que possamos entender como os incentivos e os constrangimentos colocados
pelo sistema internacional podem afetar o comportamento dos atores deveremos
aprofundar a noccedilatildeo de regimes internacionais que satildeo entendidos por Keohane como os
ambientes facilitadores da cooperaccedilatildeo entre os Estados
Regimes internacionais
Os regimes internacionais satildeo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos
normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo dos quais as expectativas
dos atores convergemrdquo30- em uma variedade de aacutereas-tema das relaccedilotildees internacionais
(AXELROD amp KEOHANE 1982 327)31 Essa definiccedilatildeo e a proacutepria importacircncia dos
regimes internacionais satildeo plenamente entendidos depois de relembradas duas
caracteriacutesticas do contexto internacional A primeira delas eacute a ausecircncia no mundo poliacutetico
de instituiccedilotildees governamentais autoritaacuterias que possam regular (impondo obrigaccedilotildees) o
comportamento dos Estados e demais atores poliacuteticos A segunda eacute resultado da primeira a
30 Princiacutepios satildeo opiniotildees de fatos causas retidatildeo Normas satildeo modelos de comportamento definidos em termos de regras e obrigaccedilotildees Regras satildeo especiacuteficas prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees para atos Procedimentos de tomada de decisotildees satildeo praacuteticas prevalecentes para fazer e implementar escolhas coletivas (Krasner 1983 p2) Keohane considera normas apenas como modelos de comportamento
31 Os sistemas financeiro e comercial internacionais satildeo exemplos de regimes internacionais bem como organizaccedilotildees regionais e a proacutepria cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (tambeacutem chamada pelos americanos ajuda ao desenvolvimento) (KEOHANE NYE 1988 36)
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constante incerteza do sistema internacional Os regimes internacionais cumpririam uma
funccedilatildeo ao sistema internacional definindo modelos de comportamento possibilitando
algum tipo de confiabilidade entre os atores e permitindo que expectativas comuns possam
ser tratadas de modo comum
Keohane acredita que princiacutepios normas regras e procedimentos conteacutem
determinaccedilotildees (quase) legais sobre comportamentos eles prescrevem certas accedilotildees e
proscrevem outras Nos regimes internacionais certos comportamentos ldquocorretosrdquo (no
sentido de serem coerentes com os princiacutepios do regime) satildeo incentivados enquanto
aqueles incorretos satildeo como veremos reprimidos Mais explicitamente os regimes
internacionais implicam em obrigaccedilotildees para os atores mesmo que estas obrigaccedilotildees natildeo
sejam cumpridas atraveacutes de um sistema hieraacuterquico legal
Considerando as duas caracteriacutesticas do sistema internacional - ausecircncia no mundo
poliacuteticos de instituiccedilotildees internacionais autoritaacuterias e a constante incerteza do sistema
internacional - podemos afirmar que uma das funccedilatildeo dos regimes internacionais eacute a
facilitaccedilatildeo de acordos entre governos de modo que as condiccedilotildees estruturais de anarquia
natildeo conduzam o sistema internacional a uma completa guerra de todos contra todos
(AXELROD amp KEOHANE 1982 332) Sem regimes internacionais a total incerteza
sobre o comportamento uns dos outros atores natildeo permitiria nenhum tipo de cooperaccedilatildeo
entre Estados colocando em riscos ateacute mesmo os grandes fluxos de trocas do sistema
capitalista Os regimes internacionais tambeacutem acabam facilitando a operaccedilatildeo de
descentralizaccedilatildeo do sistema poliacutetico internacional (diminuindo a presenccedila de um Estado
hegemocircnico como regulador do sistema) e expandindo o acesso dos atores poliacuteticos agraves
informaccedilotildees e em algum modo aos procedimentos de tomadas de decisatildeo o que
consequentemente aumenta as possibilidades de cooperaccedilatildeo internacional Contudo os
regimes internacionais natildeo devem ser percebidos como elementos de uma nova ordem
internacional aleacutem do Estado naccedilatildeo Eles precisam ser entendidos como arranjos
motivados por interesses proacuteprios em um sistema onde a soberania e o poder permanecem
sendo fatores constitutivos Isso significa que eles tendem a ser formados principalmente
Porque o mundo poliacutetico eacute descentralizado ao inveacutes de hierarquizado os princiacutepios prevalecentes de soberania significam que os Estados natildeo satildeo sujeitos agrave governos superiores (Ruggil 1983)
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pelos atores mais poderosos priorizando seus proacuteprios interesses (KEOHANE 1984 62-
3)
Como afirmamos anteriormente Keohane manteacutem em suas anaacutelises a premissa de
que em geral os atores poliacuteticos tendem a responder racionalmente aos constrangimentos e
aos incentivos A teoria racional aplicada ao estudo da cooperaccedilatildeo implica em aceitarmos
que as decisotildees dos atores quanto aos regimes internacionais satildeo em alguma medida
voluntaacuterias Na ausecircncia de uma possibilidade de escolha dos atores reduziriacuteamos os
regimes internacionais a simples imposiccedilotildees quando na verdade sua natureza eacute muito mais
complexa Contudo tambeacutem pode ser limitativo e incorreto no estudo do comportamento
(cooperativo) dos Estados afirmar que os atores escolhem voluntariamente quando
participam dos regimes internacionais ou que os proacuteprios regimes satildeo de alguma maneira
fruto de accedilotildees voluntaacuterias Fazendo-o sacrificariacuteamos uma interpretaccedilatildeo Realista
Para que possamos manter a afirmaccedilatildeo de que os atores escolhem racionalmente - e
prosseguir a investigaccedilatildeo dos regimens internacionais - sem contudo ignorar as pressotildees
exercidas pelos mais fortes Keohane propotildee que sejam distinguidos dois aspectos do
processo atraveacutes do qual os regimes internacionais acontecem a imposiccedilatildeo de
constrangimentos (constvaints) e os processo de tomadas de decisatildeo (adesatildeo aos regimes)
Estes dois aspectos satildeo particularmente importantes para entenderas motivaccedilotildees dos atores
desavantajados de pertencer a um regime internacional
Em termos formais noacutes podemos considerar todos os regimes como tendo sido
criados ou mantidos voluntariamente atores independentes com a capacidade de recusar ou
consentirem em participar Mas caso estes atores sejam fracos agindo sob medo invasatildeo
ou colapso econocircmico natildeo pode-se dizer que exista verdadeiramente uma adesatildeo
voluntaacuteria (AXELROD amp KEOHANE 1982 330) Nestas situaccedilotildees devemos
primeiramente focar nossa atenccedilatildeo nos constrangimentos impostas aos atores antes de
examinar suas escolhas (KEOHANE 1984 71-2) Os atores podem sofrer
constrangimentos natildeo apenas atraveacutes de fatores estruturais do sistema mas tambeacutem
diretamente atraveacutes de pressotildees daqueles mais poderosos Regimes internacionais podem
ser acordados possuindo constrangimentos internos impostos desde a origem pelos atores
mais poderosos Relaccedilotildees de poder e dependecircncia e o contexto no qual os acordos foram
realizados seratildeo tambeacutem fatores de constrangimentos de escolhas nos regimes
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internacionais e afetaratildeo todos os acordos que resultam de barganhas entre atores Muitas
vezes a uacutenica alternativa racional do ator naquele momento eacute associar-se a um regime que
lhe garanta o miacutenimo de previsibilidade quanto ao comportamento dos atores
internacionais Mantendo-se em mente estas restriccedilotildees poderemos aplicar a anaacutelise de
escolhas racionais de maneira sofisticada sem implicar no entendimento de que os atores
estatildeo em situaccedilatildeo igual de poder de escolha pois relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo envolvem
diferentes custos de oportunidades para diferentes atores
Muito provavelmente os atores em posiccedilotildees fracas teratildeo custos e oportunidades
diferentes dos atores em posiccedilotildees avantajadas Essa constataccedilatildeo nos faz lembrar que no
mundo poliacutetico natildeo eacute via de regra que as trocas entre os Estados mesmo aquelas
resultantes de barganhas tenham que ser necessariamente iguais ou benignas para todos
Sobre as trocas desiguais Keohane acredita que elas acontecem como o resultado de uma
operaccedilatildeo onde atingiram-se objetivos possiacuteveis ou ainda devido agraves necessidades de creacutedito
ou da seguranccedila dos Estados ou mesmo devido agrave expectativa dos atores de atingirem-se
benefiacutecios futuros Keohane e os realistas percebem nas trocas desiguais oportunidades
para que os Estados poderosos transformem seus recursos materiais e ideoloacutegicos em regras
do sistema internacional Os Estados mais poderosos procuram em relaccedilotildees de troca
mesmo no interior de regimes internacionais beneficiar seus proacuteprios interesses poliacutetico-
econocircmicos Uma diferenciaccedilatildeo entre os realistas e Keohane quanto as trocas desiguais
deve ser precisada enquanto para os realista as trocas desiguais acontecem a partir de uma
diferenccedila de poder (militar) entre os Estados Keohane que considera simplistas todas as
explicaccedilotildees baseadas apenas em poder acredita que explicaccedilotildees mais plausiacuteveis
encontram-se no poder dos recursos econocircmicos
Quanto agraves tomadas de decisatildeo de pertencer ou natildeo agrave regimes internacionais espera-
se em geral que os Estados juntem-se a regimes onde os benefiacutecios como membros
superem os custos Atraveacutes desse raciociacutenio pode-se esperar que atores poliacuteticos escolham
participar de regimes internacionais que lhes garantam a mesma ou melhor condiccedilatildeo
dentro do que fora deles Isso natildeo implica necessariamente em ganho considerando-se que
os regimes tendem a impor custos para os que natildeo participam O Fundo Monetaacuterio
Internacional por exemplo natildeo empresta para os natildeo associados (ASCARI 1999 64)
Aleacutem disso ainda devemos recordar que os pressotildees e as desigualdades de poder que
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estendem-se por traacutes dos regimes internacionais podem tomar os resultados da barganha
voluntaacuteria natildeo inteiramente benignos Natildeo existe garantia de que a formaccedilatildeo de um regime
internacional iraacute produzir benefiacutecios globais de bem estar social (welfare) Desse modo
pertencer a um regime internacional implica sempre em riscos especialmente para os atores
desavantajados
A existecircncia (e a aceitaccedilatildeo) no mundo poliacutetico de trocas desiguais a compreensatildeo
de que os Estados podem em determinados casos tomar a decisatildeo de pertencer a regimes
simplesmente para natildeo verem aumentados seus custos a percepccedilatildeo de que os atores mais
fracos realizam muitas vezes escolhas a partir de constrangimentos e que o resultados
destas encolhas podem natildeo ser inteiramente benignos nos ajuda a entender porque atores
desavantajados juntam-se a regimes mesmo quando eles recebem menos benefiacutecios do que
os outros membros (AXELROD amp KEOHANE 1982 340) Em poliacutetica natildeo podemos
nunca esquecer que escolhas voluntaacuterias natildeo implicam na igualdade de situaccedilotildees e
resultados para os atores (AXELROD amp KEOHANE 1982 330 KEOHANE 1984 70) e
que os regimes internacionais satildeo uma esfera onde o poder eacute diretamente exercido e onde
as desigualdades satildeo grandes
Um uacuteltimo aspecto em relaccedilatildeo aos regimes e aos atores desavantajados ainda deve
ainda ser tratado a conformidade dos Estados aos regimes internacionais Regimes
internacionais satildeo instituiccedilotildees descentralizadas o que natildeo significa ausecircncia de
mecanismos de conformidade Regimes produzem procedimentos e regras e estabelecem
sanccedilotildees por violaccedilotildees do proacuteprio regime podem ser coordenadas em diversos niacuteveis e
intensidade No mundo poliacutetico e econocircmico observamos uma alta conformidade com os
regimes Entretanto essa constataccedilatildeo natildeo deve ser exagerada Tome-se como exemplo o
caso da conformidade da Europa aos regimes internacionais financeiro e comercial
oriundos do final da Segunda Guerra Mundial que efetivou-se realmente somente depois
do saneamento econocircmico e da retomada do crescimento da regiatildeo promovidos pelo plano
Marshall (DINOLFO 1994 601-29)
Para entender o quebra-cabeccedila da conformidade precisamos examinar como os
regimes internacionais afetam o caacutelculos dos governos racionais e egoiacutestas Keohane nos
aponta duas distintas possibilidades de entendimento A primeira delas observa cada regime
isoladamente considerando as vantagens de adesatildeo (para os governos) em oposiccedilatildeo agraves
20
alternativas viaacuteveis A segunda coloca os regimes em contexto com outros regimes no
mundo poliacutetico Desse modo cada regime eacute interpretado como parte e em conformidade
com uma longa rede de temas e regimes Perceber cada regime em conformidade com
outros regimes produz diferentes estruturas de incentivos e constrangimentos para os
atores A pressatildeo que pode ser exercida atraveacutes de elos entre temas por diferentes regimes
serve muitas vezes como razatildeo para o ajuste dos governos a um determinado regime No
mundo contemporacircneo os governos tratam de vaacuterios temas e pertencem a muitos regimes
um governo que natildeo cumpre as regras e natildeo conforma-se a um determinado regime pode
criar uma expectativa negativa sobre seu comportamento em outros regimes para os
demais Estados Em uma anaacutelise racional-egoiacutesta podemos pensar que governos cumprem
seus compromissos para natildeo serem retalhados (punidos ou excluiacutedos de possiacuteveis
benefiacutecios) naquele proacuteprio ou nos demais regimes mesmo quando o regime e os temas
envolvidos natildeo satildeo de acordo com o auto-interesse (imediato) daquele Estado
Para entender o comportamento cooperativo dos atores devemos perceber os
regimes internacionais como muacuteltiplos e interligados Caso existisse apenas um regime no
mundo poliacutetico ou cada regime isoladamente os governos egoiacutestas poderiam
racionalmente parar de cumprir regras de regime internacionais Regimes seriam
abandonados quando os governos calculassem as que as oportunidade de custo como
membro como sendo maiores do que os de alguma alternativa viaacutevel de accedilatildeo Perceber os
regimes como interligados nos faz compreender que caso um Estado deixe de cumprir as
regras de um determinado regime que natildeo estatildeo diretamente de acordo com seus interesses
(ao menos imediatos) ele seraacute punido naquele e em outros regimes Da mesma maneira o
custo de adquirir maacute reputaccedilatildeo como resultado de violaccedilatildeo de regras seraacute imposto ao
transgressor naquele ou em demais regimes
Outro motivo de conformaccedilatildeo eacute a expectativa que os governos tecircm do crescimento
do regime internacional Conformar-se a um regime em um primeiro momento pode ser
fonte de determinados benefiacutecios para os atores ou mesmo uma oportunidade de participar
de acordos no sistema internacional Aleacutem disso as decisotildees de certos governos de
participar de regimes podem acontecer atraveacutes de um certo grau de ignoracircncia os regimes
evoluem e seus rumos nunca satildeo completamente previsiacuteveis Isso muitas vezes implica que
governos atuais aceitem determinadas situaccedilotildees pouco vantajosas devido a compromissos
21
assumidos no passado e que poderiam implicar-lhes em maacute reputaccedilatildeo ou retaliaccedilotildees caso
natildeo fossem cumpridos Por exemplo decisotildees tomadas em um certo periacuteodo de promover
a abertura econocircmica tecircm profundamente surtido efeitos negativos na habilidade de futuros
governos de controlar as transaccedilotildees econocircmicas com o mundo exterior Esse problema diz
respeito a um dos aspectos mais obscuros dos regimes internacionais sua utilizaccedilatildeo para
afetar as preferecircncias dos governos futuros atraveacutes da criaccedilatildeo de constrangimentos em suas
(futuras) liberdades de accedilatildeo (KEOHANE 1984 120)
A conformaccedilatildeo aos regimes ainda pode ocorrer devido ao alto custo da construccedilatildeo
de regimes internacionais Estabelecer um regime pode ser muito difiacutecil e dispendioso para
os atores devido a grandes articulaccedilotildees envolvidas para conformar os atores o regime
necessita de um ambiente internacional de grande conflito para sua formaccedilatildeo ou ateacute mesmo
de presenccedila de uma potecircncia hegemocircnica - como foram os Estados Unidos depois da
Segunda Guerra Mundial Essa implicaccedilatildeo de custos de construccedilatildeo toma os regimes
internacionais mais faacuteceis de serem mantidos do que criados
Um uacuteltimo aspecto ainda deve ser abordado quanto agrave manifestaccedilatildeo dos regimes Os
comportamentos coordenados dos atores podem acontecer de forma declarada ou natildeo
podem ser sub-entendidos em acordos e tratados entre os Estados ou podem ser efetivados
no interior de organizaccedilotildees internacionais Isso natildeo significa que as organizaccedilotildees
internacionais cumpram simplesmente um papel funcional de servir aos regimes O
estabelecimento de organizaccedilotildees internacionais estaacute ligado a uma seacuterie de motivaccedilotildees das
mais diversas que natildeo aprofundaremos nesse momento estudo por natildeo representarem
ganho imediato para nossa discussatildeo Aquilo que nos pode interessar saber eacute que a
coordenaccedilatildeo de certas poliacuteticas estabelecidas nos regimes podem ter aspectos positivos e
aspectos negativos para os atores desavantajados Quanto aos aspectos positivos pode-se
listar a reduccedilatildeo dos custos de transaccedilatildeo (como aqueles organizacionais e de pagamentos) e
a diminuiccedilatildeo das imperfeiccedilotildees de informaccedilotildees (incertezas e riscos) e o no estabelecimento
de algum tipo de confianccedila legal para os Estados mesmo atraveacutes de normas imperfeitas ou
pouco precisas tomando os acordos mais convenientes dentro de um regime do que fora
dele Quanto aos aspectos negativos o primeiro deles seria que tendencialmente as
organizaccedilotildees internacionais favorecem os interesses dos atores mais poderosos Isso
significa que suas regras seratildeo estabelecidas ou poderatildeo constituir-se em mecanismos de
22
constrangimento para os atores desavantajados Por esse motivo o estudo das regras das
organizaccedilotildees internacionais pode constituir-se em um interessante instrumento de
investigaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo e evoluccedilatildeo dos regimes internacionais e dos conflitos poliacuteticos
entre os atores
Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional
Depois da anaacutelise teoacuterica realizada nos sentimos confortaacuteveis para afirmar que a
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento entre paiacuteses do Norte e Sul do mundo tema
de anaacutelise de nosso trabalho manifesta-se como um regime internacional proacuteprio Ou seja
que agrave cooperaccedilatildeo entre Norte e Sul em relaccedilatildeo agrave aacuterea-tema desenvolvimento constitui-se
como sendo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos normas regras e
procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo do qual as expectativas dos atores
convergem As expectativas dos atores satildeo necessariamente nesse caso o
desenvolvimento Essa afirmaccedilatildeo implica em aceitarmos que tanto os paiacuteses do Norte como
os paiacuteses do Sul do mundo dividem expectativas em torno de um modelo uacutenico de
desenvolvimento33 e que eacute justamente essa expectativa que poderaacute nos ajudar a entender
os motivos dos paiacuteses pobres em conformarem-se voluntariamente ao regime da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
Considerar as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como um
regime internacional orientado ao desenvolvimento nos permite tambeacutem estruturar com
mais rigor cientiacutefico as relaccedilotildees entre Estados do Norte e do Sul do mundo Pensadas como
regime as poliacuteticas internacionais orientadas ao desenvolvimento podem ser entendidas
33 O grupo de autores poacutes-estruturalista considera o discurso do desenvolvimento como um aparato de controle e vigilacircncia Desenvolvimento engloba uma seacuterie de controles de discurso e de controle de praacuteticas - um regime de forccedila - que apareceu desde que o Iluminismo a extensatildeo do projeto de universalizaccedilatildeo europeu nos quatro cantos do mundo Que a maior parte dos projetos de desenvolvimento falhe - um ponto de concordacircncia entre poacutes-modemistas e ultramodemistas - acaba reforccedilando o desenvolvimentismo eles dizem que ao falimento define a populaccedilatildeo target demarcada pelo resto da humanidade por sua aboriacutegine pobreza ignoracircncia passividade e portanto esta populaccedilatildeo precisa de uma intervenccedilatildeo de conhecimento de fora (ESCOBAR 1995 APFFEL MARGLIN AND MARGLIN 1990 SACHS 1992 NANDY 1988 CRUSH 1995)
23
como proporcionado incentivos e constrangimentos diferentes - e com graus de intensidade
desiguais - para atores fracos e atores fortes Podemos ainda perceber que nas relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento certas limitaccedilotildees e constrangimentos podem
ser estabelecidos diretamente pelos Estados mais fortes a partir dos recursos econocircmicos
Aleacutem disso entender as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da oacutetica de
regime internacional nos permite investigar o papel das organizaccedilotildees internacionais que
atuam diretamente estabelecendo regras e modelos de cooperaccedilatildeo entre os Estados do Norte
e do Sul do mundo e o quanto estas organizaccedilotildees satildeo orientadas a efetuar programas e
projetos de desenvolvimento que atendam as demandas dos atores avantajados Mas
sobretudo entender o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento como regime internacional
nos faz perceber as relaccedilotildees dos Estados nesse tema como fenocircmenos poliacutetico-
econocircmicos ajudando-nos desse modo a permanecer imunes agrave consideraccedilatildeo que retratem o
fenocircmeno como uma forma valida de ajuda que visa ldquo combater os fenocircmenos que
ameaccedilam a paz e a convivecircncia civil a pobreza o degrado ambiental a violecircncia e os
desequiliacutebrios de todos os gecircnerosrdquo (BARBARELLA 1998 64) Sendo todos estes
fenocircmenos referidos claramente como caracteriacutesticos dos paiacuteses em desenvolvimento
Perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
internacional ainda nos ajuda a definir um meacutetodo de investigaccedilatildeo para o tema Ou seja
buscar entender nas regras das organizaccedilotildees internacionais e na sua evoluccedilatildeo os processos
atraveacutes dos quais o regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi afirmado e investigar os
constrangimentos e incentivos colocados pelo regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento
em relaccedilatildeo de complementaridade com outros regimes internacionais Pensar nos regimes
internacionais em relaccedilatildeo uns com os outros nos faz perceber que a cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento pode impor ou sofrer constrangimentos incentivos e
puniccedilotildees a partir da rede de temas e regimes
A escolha de estudar a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
internacional tambeacutem nos possibilita investigar o tema a partir dos constrangimentos dos
atores mais desavantajados e identificar nas pressotildees econocircmicas sofridas por esse grupo
sua causa maior em aceitar barganhas desiguais que nem sempre parecem muito toleraacuteveis
considerando-se apenas um comportamento racional-egoiacutesta dos atores
24
Finalmente perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
nos ajuda a estabelecer o proacuteprio termo cooperaccedilatildeo para definir o fenocircmeno Pois a
literatura especializada se utiliza de trecircs locuccedilotildees distintas para nomear o mesmo
fenocircmeno Estas locuccedilotildees satildeo assistecircncia ajuda e cooperaccedilatildeo Considerando que estes trecircs
termos natildeo satildeo sinocircnimos e denotam intensidades diferentes de participaccedilatildeo dos atores no
processo algumas consideraccedilotildees podem ser oportunas O termo cooperaccedilatildeo internacional
ao desenvolvimento eacute utilizado especialmente pelos autores europeus que pretendem
conseguir uma conotaccedilatildeo equilibrada e quase amigaacutevel aos esforccedilos dos atores e aos
resultados obtidos no setor (BASILE 1995 8 ANTONELLI 1995 230 ASCARI 1999
116 BOFFO 1993) Ajuda e assistecircncia satildeo utilizadas sobretudo na literatura americana e
datildeo evidentemente ecircnfase aos paiacuteses doadores ou seja aqueles desenvolvidos
economicamente como motores unilaterais da relaccedilatildeo o que acaba descaracterizando
qualquer tipo de barganha poliacutetica que possa envolver o fenocircmeno (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1995 94) Estes dois tipos de conotaccedilatildeo da literatura
especializada - cooperaccedilatildeo como equiliacutebrio de esforccedilos e resultados e ajuda ou assistecircncia
como accedilatildeo unilateral e apoliacutetica - revelaram-se depois de nossa investigaccedilatildeo teoacuterica uma
maneira incorreta de tentar entender o fenocircmeno
Assistecircncia ou ajuda natildeo poderiam ser utilizados como termos na investigaccedilatildeo do
fenocircmeno de relaccedilatildeo entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo porque excluiriam
imediatamente do processo de desenvolvimento o uacuteltimo grupo de paiacuteses desconsiderando
inclusive os recursos financeiros empregados por estas atores nos proacuteprios projetos e
programas de desenvolvimento e na manutenccedilatildeo do setor Interpretaccedilatildeo que seria incorreta
considerando-se que apenas o Brasil repassou para o Programa de Desenvolvimento das
Naccedilotildees Unidas (PNUD) mais de R$ 250 milhotildees de doacutelares34 ente janeiro e novembro de
2000 para a execuccedilatildeo do Programa Paiacutes (Tribunal de Contas da Uniatildeo)
Cooperaccedilatildeo tambeacutem natildeo poderia ser mantido caso utilizaacutessemos apenas a
conotaccedilatildeo dada ao termo pela literatura europeacuteia visto que natildeo existem situaccedilotildees de
equiliacutebrio de esforccedilos e resultados quando a anaacutelise de alguns simples indicadores de
crescimento econocircmico nos revela que desde a implementaccedilatildeo dos primeiros esforccedilos
34 O Orccedilamento anual do PNUD eacute atualmente de US$1 bilhatildeo de doacutelares
25
mundiais coordenados para o desenvolvimento nos anos cinquumlenta a diferenccedila (gap) entre
a renda per capita dos paiacuteses do Norte e dos paiacuteses dos Sul passou de U$ 3677 em 1950
(referecircncias do doacutelar de 1980) para U$ 24000 em 1995 (referecircncia do doacutelar em 1995)35
Contudo tomando-se cooperaccedilatildeo como relevado pelos proacuteprios dados acima expostos
como um fenocircmeno econocircmico-poliacutetico que acontece a partir de uma situaccedilatildeo de conflito
vivida pelos atores como seraacute proposto no primeiro capiacutetulo deste trabalho nos
afastaremos completamente das conotaccedilotildees utilizadas pela literatura especializada europeacuteia
e poderemos definir sem risco de sermos contraditoacuterios o fenocircmeno de cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento entre Estados do Norte e do Sul do mundo como
cooperaccedilatildeo
Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional
ODA ou seja ajuda oficial ao desenvolvimento (a literatura internacional manteacutem a
sigla em inglecircs - ofjicial development aid) eacute utilizado no setor da cooperaccedilatildeo internacional
ao desenvolvimento como criteacuterio global de medida financeira das modalidade de
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento realizadas pelos paiacuteses do Norte e do Sul do mundo
(BASILE 1995 ANTONELLI 1995 GRILLI 1993 MARCfflSIO 19862000
TRIULZI 19982000) Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive agravequela
teacutecnica e fianceira (com exceccedilatildeo da ajuda de emergecircncia e de eventuais contribuiccedilotildees
privadas de ONGs) eacute contabilizado como fluxo financeiro da Ajuda Oficial ao
Desenvolvimento - ODA36 ODA eacute definido internacionalmente como sendo um ldquoconjunto
35 ldquoA diferenccedila de renda entre os paiacuteses do Norte e do Sul cresceu dramaticamente depois da Segunda Guerra Mundial Em 1950 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de USS 164 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de US$ 3841 - o que constituiacutea uma diferenccedila absoluta de U$ 3 677 (referecircncia do doacutelar americano de 1980) Trinta anos depois em 1980 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 245 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 9648 - o que constituiu uma diferenccedila absoluta de U$ 9043O crescimento da diferenccedila continuou nos anos 90 Em 1995 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 430 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 24930 - o que constitui uma diferenccedila absoluta de U$ 24000 (referecircncia do doacutelar americano de 1995) (SELIGTON 1998 3)
36 Internacionalmente eacute aceita a sigla ODA para definir estes fluxos financeiros motivo pelo qual decidimos mantecirc-la nesse trabalho
26
de fluxos destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento^7 e agraves agecircncias multilaterais
fornecidos atraveacutes das agecircncias oficiais incluindo-se o Estado e os governos locais ou suas
agecircncias executivas cujas transaccedilotildees respeitem os seguintes criteacuterios a) como primeiro
objetivo que a assistecircncia seja administrada em funccedilatildeo da promoccedilatildeo do desenvolvimento
econocircmico e do bem estar dos paiacuteses em vias de desenvolvimento b) que os fluxos
destinados agrave cooperaccedilatildeo puacuteblica sejam facilitados e contenham um elemento de doaccedilatildeo de
ao menos 25rdquo (wwwoecdorgdac)
Por tratarem-se os fluxos ODA tambeacutem de ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e
expliacutecitos normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em torno do qual as
expectativas dos atores convergemrdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) eles tambeacutem seratildeo
nesse trabalho definidos como regimes internacionais
Como vimos Keohane percebe a cooperaccedilatildeo internacional como fundamentalmente
econocircmica e possiacutevel de acontecer a partir de um ambiente facilitador ou seja de um
regime internacional O ODA foi introduzido internacionalmente para cumprir a funccedilatildeo de
ambiente facilitador das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses do Norte e Sul depois da
afirmaccedilatildeo do conceito de multilateralismo no final da Segunda Guerra Mundial (BASILE
1995) O ODA deveria ter garantido que os benefiacutecios da implantaccedilatildeo da maior abertura
comercial e financeira fossem em alguma medida repassados para os atores mais fracos e
ajudassem estes paiacuteses em seus processo de desenvolvimento (entendido como crescimento
econocircmico38) (JEPMA1991)
No proacuteximo capiacutetulo iniciaremos nosso estudo sobre a nova modalidade de ajuda
multibilateral Depois de introduzir o termo buscaremos perceber como foi possiacutevel que
esse tipo de modalidade a princiacutepio contraacuteria as regras das organizaccedilotildees internacionais que
deveriam preservar uma certa neutralidade na conduccedilatildeo do repasse dos fluxos ODA
conseguiu estruturar-se a partir das falhas das normativas do proacuteprio PNUD e da
37 Esse tipo de definiccedilatildeo exclui os cria um problema para os paiacuteses em vias de desenvolvimento pois mede como fluxos ODA apenas aqueles repassados pelos paiacuteses desenvolvidos para o setor da cooperaccedilatildeo excluindo desse modo os recursos (muito substanciais) que os paiacuteses em desenvolvimento destinam ao proacuteprio desenvolvimento e agravequela internacional
38 Uma observaccedilatildeo fundamental para nossa discussatildeo eacute que ldquoateacute os anos cinquumlenta o conceito de desenvolvimento era estritamente interpretado como crescimento econocircmicordquo (DECLICH E EBOLI 1995 p 131)
27
Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas Finalmente dedicaremos a parte final do capiacutetulo a
uma breve explanaccedilatildeo da foacutermula multibilateral dos custos divididos (cost-sharing) aquela
prioritariamente utilizada pelo PNUD no Brasil e na Ameacuterica Latina
28
CAPIacuteTULO II
A AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO
As foacutermulas multiacutebilaterais como puniccedilatildeo
A partir da deacutecada de setenta uma nova modalidade de administraccedilatildeo e utilizaccedilatildeo
dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) foi estabelecida a partir
do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) Esta modalidade foi
denominada com um singular neologismo lsquomultibilateraV e se apresentava como uma
siacutentese dos dois modelos tiacutepicos de financiamento de projetos e programas do setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o multilateral efetuado atraveacutes da accedilatildeo das organizaccedilotildees
internacionais multilaterais e o bilateral realizado diretamente pelos Estados
A ajuda multibilateral eacute definida como uma forma particular de administraccedilatildeo e
repasse dos fluxos do regime internacional da ODA que consiste ldquono financiamento de
programas elaborados pelas organizaccedilotildees internacionais que se empenham mediante
acordos ad hoc a executar projetos especiacuteficos (setorizados) utilizando bens serviccedilos e
capacidade teacutecnica profissional dos paiacuteses doadoresrdquo (BASILE 1995 20 MARCHISIO
198612 MARCHISIO 2000 345369) A nova modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos
ODA inaugurou um precedente no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
De fato Marchisio nos lembra que ateacute a introduccedilatildeo da modalidade de ajuda multibilateral
o repasse dos fluxos ODA atraveacutes das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter regional em
particular do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) tendiam a
pieservar o princiacutepio constituinte da cooperaccedilatildeo multilateral ou seja a natildeo identificaccedilatildeo
dos paiacuteses doadores dos recursos (MARCHISIO 1986) Com efeito Basile argumenta que
os fundos das organizaccedilotildees internacionais dos programas das Naccedilotildees Unidas tinham sido
constituiacutedos e cumpriam a funccedilatildeo de preservar o anonimato entre paiacuteses doadores e paiacuteses
recebedores dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) (BASILE
29
1995) Dessa forma os paiacuteses recebedores dos recursos (aqueles em desenvolvimento)
teriam a garantia de que os fluxos ODA seriam repassados com o menor nuacutemero possiacutevel
de viacutenculos Isso significava que o Estado recebedor natildeo teria compromissos de utilizar os
fluxos do regime internacional ODA para efetuar compras de bens e serviccedilos dos paiacuteses
doadores destes recursos (procurement) ou para favorecer eventuais interesses poliacuteticos
destes Estados A questatildeo da licitaccedilatildeo para as compras de bens e serviccedilos para a execuccedilatildeo e
a implantaccedilatildeo de projetos e programas de desenvolvimento procurement) eacute atualmente
um dos pontos mais emblemaacuteticos das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre
paiacuteses dos hemisfeacuterios Norte e do Sul39 Segundo dados fornecidos por Escobar o Banco
Mundial gastou desde o final dos anos setenta mais de 80 do total dos recursos
multilaterais recebidos com contratos de aquisiccedilatildeo de mercadorias e com salaacuterios de
consultores nos proacuteprios paiacuteses doadores (ESCOBAR 1995 166) Como vimos em nosso
capiacutetulo anterior os Estados em vias de desenvolvimento sofreram puniccedilotildees sistecircmicas
atraveacutes do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a partir do iniacutecio dos
anos setenta Estas puniccedilotildees econocircmicas contra os paiacuteses em vias de desenvolvimento
(PVD) aconteceram atraveacutes de uma diminuiccedilatildeo dos repasses dos fluxos do regime da ajuda
oficial ao desenvolvimento (ODA) e de um maior controle destes fluxos As puniccedilotildees
sistecircmicas reordenaram o comportamento dos atores do regime internacional da cooperaccedilatildeo
ao desenvolvimento atraveacutes do estabelecimento de novos incentivos e constrangimentos
O primeiro ator que sofreu puniccedilotildees sistecircmicas e alterou profundamente seu
comportamento foi o Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) que ateacute
os anos setenta concentrava a maior parte dos fluxos do regime internacional da ajuda
oficial ao desenvolvimento (ODA) De fato o PNUD administrava 75 dos recursos das
atividades de cooperaccedilatildeo teacutecnica do Sistema das Naccedilotildees Unidas Com as puniccedilotildees
sistecircmicas impostas pelos Estados mais fortes a partir do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a quantidade de fluxos ODA administrados pelo PNUD
diminuiu vertiginosamente Jaacute no iniacutecio dos anos oitenta os fluxos ODA administrados
pelo PNUD eram apenas 25 dos fundos multilaterais da cooperaccedilatildeo teacutecnica
(MARCHISIO 1986) Quanto ao volume dos fluxos multilaterais ODA no setor da
39 Seraacute sob esse ponto de vista que Norte e Sul seratildeo tratados daqui em diante
30
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o total administrado pelo PNUD diminuiu de 65 em
1968 para 38 em 1980 (NOGUEIRA 2001 30)
A diminuiccedilatildeo de recursos no Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
(PNUD) aconteceu como uma forma direta de puniccedilatildeo econocircmica contra os Estados em
desenvolvimento Isso porque o PNUD sendo um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia Geral
das Naccedilotildees Unidas em que os Estados tecircm o mesmo peso de voto (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1996) podia como detentor majoritaacuterio dos recursos do
desenvolvimento favorecer poliacuteticas de utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA mais proacuteximas das
preferecircncia dos PVD
A praacutetica da ajuda vinculada era sobretudo ateacute a introduccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais uma caracteriacutestica da ajuda bilateral ao desenvolvimento (aquela realizada
diretamente entre os Estados) Contudo com a introduccedilatildeo da ajuda multibilateral os
Estados doadores puderam natildeo apenas condicionar de maneira mais acentuada o repasse
dos fluxos ODA agrave satisfaccedilatildeo de seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou econocircmicos mas
garantir um maior controle sobre os fluxos ODA multilaterais destinados aos paiacuteses em
desenvolvimento A introduccedilatildeo da ajuda multibilateral e o fortalecimento do poder de
decisatildeo da utilizaccedilatildeo destes recursos pelos Estados doadores podem ajudar a entender
porque trinta dos cinquumlenta maiores clientes das induacutestrias de mercadorias americanas
vecircm sendo a partir da metade dos anos setenta paiacuteses em desenvolvimento A maior parte
destes 30 satildeo os maiores recebedores da ajuda alimentar (ESCOBAR 1995166) Um fator
tambeacutem importante para o fortalecimento dos Estados doadores no setor da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a partir dos anos setenta foi a aproximaccedilatildeo promovida
pela cooperaccedilatildeo multibilateral dos paiacuteses doadores das agecircncias das Naccedilotildees Unidas Essa
aproximaccedilatildeo tomou possiacutevel aos paiacuteses doadores apropriar-se de uma seacuterie de informaccedilotildees
dos paiacuteses em desenvolvimento assim como do know how dos organismos de cooperaccedilatildeo
multilateral Elementos que resultaram uacuteteis para reorganizar em bases proacuteprias a
cooperaccedilatildeo multilateral e para a introduccedilatildeo de novos elementos como a condicionalidade
da ajuda e a cooperaccedilatildeo descentralizada Por exemplo com a foacutermula multibilateral
claacutessicas dos custos divididos e dos custos divididos com uma terceira parte os paiacuteses
doadores puderam ter acesso agraves informaccedilotildees completas do ldquoPrograma Paiacutesrdquo dos PVD
ainda em fase de projeccedilatildeo Desses projetos consta aleacutem de uma anaacutelise minuciosa das
31
poliacuteticas de governos que seratildeo seguidas pelos paiacuteses em aacutereas estrateacutegicas como aquela
econocircmica uma seacuterie de informaccedilotildees relativas aos custos que o governo do paiacutes em
desenvolvimento pretende utilizar como recursos proacuteprios para a realizaccedilatildeo dos projetos
Essas informaccedilotildees tendem a ser utilizada para favorecer interesses poliacuteticos e comerciais
dos Estados doadores
Marchisio afirma que a ajuda multibilateral pocircde constituir-se no acircmbito das
organizaccedilotildees multilaterais atraveacutes da introduccedilatildeo de uma seacuterie de novas foacutermulas de
financiamento de projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento que foram
encontrando legitimaccedilatildeo nas falhas normativas e na falta de regulamentaccedilatildeo homogecircnea
das normas financeiras do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD)
assim como nas proacuteprias regras financeiras da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
(MARCHISIO 2000) As foacutermulas multibilaterais migraram em um segundo momento
para os demais oacutergatildeos subsidiaacuterios40 da Assembleacuteia Geral e para os institutos financeiros
Disso resulta que as foacutermulas multibilaterais encontram-se entre as principais modalidades
de utilizaccedilatildeo dos recursos multilaterais do Sistema das Naccedilotildees Unidas Limitaremos nossa
anaacutelise nesse capiacutetulo ao estudo da categoria multibilateral no PNUD por ter sido esse o
Programa que inicialmente instituiu a ajuda multibilateral Aleacutem disso o PNUD eacute o maior
parceiro de programas de cooperaccedilatildeo do Brasil41 e utiliza uma foacutermula multibilateral - o
cost-sharing - para efetuar o Programa Paiacutes de Desenvolvimento (NOGUEIRA 2001) A
ajuda multibilateral permitira aos Estados doadores (os paiacuteses mais desenvolvidos
economicamente) um maior poder de decisatildeo na aplicaccedilatildeo dos fundos ODA das
organizaccedilotildees multilaterais de caraacuteter universal e o estabelecimento institucionalizado da
ajuda vinculada multilateral que atualmente representa ldquopercentuais meacutedios de 50 dos
fluxos do regime internacional ODA recolhido por estas organizaccedilotildees com pontas que
40 Oacutergatildeos subsidiaacuterios satildeo organismos operativos ligados por uma relaccedilatildeo de auxiliares agraveAssembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (quase todos principiam pela sigla UN contudo devemos daratenccedilatildeo agrave UNESCO - United Nations Educational Scientific and Cultural Organization - e agraveUNIDO - United Nations Industrial and Development Organization - que satildeo agecircnciasinstitutosespecializados do Sistema e cujos nomes tambeacutem principiam com a mesma sigla)
45 A proacutepria Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento nasceu como um projeto PNUD (NOGUEIRA 1999)
32
alcanccedilam ateacute 80 nos paiacuteses do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD)
(BASILE 1995 63)42
As foacutermulas multibilaterais de repasse de financiamento comeccedilaram a ser aplicadas
depois que a resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas sugeriu que se
efetivassem mecanismos de repasse obrigatoacuterio dos fluxos ODA dos paiacuteses industrializados
(em uma quantidade miacutenima de 07 do PIB) para a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento dos
paiacuteses mais pobres Aumentar a quantidade de recursos e obter uma garantia de
recebimento de financiamentos dos paiacuteses industrializados podem ser consideradas medidas
efetivas dos paiacuteses em desenvolvimento para o estabelecimento da pretendida nova ordem
econocircmica mundial no iniacutecio dos anos setenta A iniciativa dos paiacuteses em desenvolvimento
que se articulou a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas preocupou os paiacuteses
doadores quanto agrave organizaccedilatildeo dos paiacuteses mais pobres e tambeacutem quanto agrave utilizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas como promotora dos interesses do Sul do mundo (ARMSTRONG LLOYD
amp REDMOND 1996 95) Os paiacuteses industrializados reagiram imediatamente agrave resoluccedilatildeo
2626 (XXV) retirando os fluxos do regime internacional ODA das organizaccedilotildees
internacionais particularmente do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
(PNUD)
Essa retirada gerou uma crise orccedilamentaacuteria no Programa que determinou a criaccedilatildeo
de foacutermulas de administraccedilatildeo da ajuda que fossem mais atrativas para os paiacuteses doadores
(ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1999) As foacutermulas multibilaterais permitiram
que os paiacuteses doadores passassem a identificar os Estados onde seriam aplicados os fundos
podendo escolher o tipo de projeto e o setor onde seus recursos seriam utilizados As
foacutermulas multibilaterais permitiram ainda que os paiacuteses doadores pudessem concentrar seus
repasses de fluxos ODA em projetos (setores ou paiacuteses) que lhes trouxessem maior retomo
econocircmico Esse foi por exemplo o caso da Gratilde-Bretanha - que no periacuteodo entre 1979-82
destinou US$ 3994 milhotildees para a cooperaccedilatildeo e recebeu de retomo econocircmico US$ 7747
milhotildees Outros paiacuteses que costumam conseguir um alto retorno econocircmico satildeo a Aacuteustria a
Franccedila e a Nova Zelacircndia (MARCHISIO 198631) Podemos perceber portanto como a
42 Entre os paiacuteses que mais recorrem a este tipo de praacutetica estatildeo os Estados Unidos (com mais de 60 dos recursos) o Reino Unido (60) a Itaacutelia (65) o Canadaacute (50) e a Beacutelgica (mais de 60) (BASILE 1995 63)
33
aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees econocircmicas aos paiacuteses em vias de desenvolvimento gerou novos
incentivos e novas constriccedilotildees para o PNUD que acabaram determinando uma mudanccedila de
comportamento desse organismo
Enquanto os fluxos ODA eram retirados do PNUD acontecia o aumento da
concentraccedilatildeo destes fundos nos programas bilaterais dos paiacuteses doadores e nas entidades
(Institutos Financeiros e Fundo Europeu) mais facilmente controlaacuteveis por estes paiacuteses
Keohane afirma que os regimes internacionais que se constituem dentro das
organizaccedilotildees internacionais proporcionam algum tipo de confianccedila legal e a reduccedilatildeo dos
custos organizacionais para os Estados porque as regras destas organizaccedilotildees mesmo que
imperfeitas orientam os modelos de comportamento dos atores (KEOHANE 1984 88)
Ao mesmo tempo Keohane tambeacutem admite que as regras ou a ausecircncia de regras das
organizaccedilotildees internacionais em determinadas temas tendem a favorecer os interesse
econocircmicos e poliacuteticos dos atores mais fortes (KEOHANE 1984 90) Acreditamos que
esse quadro possa contribuir para a compreensatildeo da implantaccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais nas organizaccedilotildees internacionais E inegaacutevel que os fundos da cooperaccedilatildeo
multilateral enquanto eram preferencialmente administrados a partir de organizaccedilotildees
internacionais de caraacuteter universal particularmente pelo Programa de Desenvolvimento das
Naccedilotildees Unidas (PNUD) proporcionavam certa confiabilidade para os paiacuteses em vias de
desenvolvimento quanto ao comportamento dos atores mais fortes Contudo depois das
alteraccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento provocadas pelo acirramento das
tensotildees entre o grupo de paiacuteses doadores e o dos paiacuteses recebedores - e da consequumlente
concentraccedilatildeo dos fundos nas entidades ligadas aos paiacuteses doadores O proacuteprio PNUD foi
encontrando falhas normativas internas ou atraveacutes da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
(passivas ateacute entatildeo) por onde as foacutermulas multibilaterais puderam ser implantadas Disso
resulta que efetivamente o estudo das regras das organizaccedilotildees internacionais e de sua
evoluccedilatildeo no tempo pode ser muito interessante contribuindo para que possamos analisar
os processos poliacuteticos que envolvem os regimes internacionais
As falhas nas normativas que regulamentam a administraccedilatildeo financeira de oacutergatildeos
importantes como a Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas ou do PNUD ateacute entatildeo principal
regulador dos fundos da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento podem ser interpretadas como
constrangimentos iniciais do proacuteprio Programa Isso natildeo significa que estes oacutergatildeos
34
cumpram um papel funcional junto aos atores mais fortes Mas isto sim que a proacutepria
loacutegica das contribuiccedilotildees voluntaacuterias que estruturam estas organizaccedilotildees podem ter impedido
que mecanismos mais restritivos de controle dos recursos (que resultariam em perda de
flexibilidade) fossem estabelecidos Para Keohane constrangimentos pode ser acordados jaacute
no momento de instituiccedilatildeo das organizaccedilotildees (KEOHANE 1984) O constrangimento
representado pelas falhas das normativas financeiras de organizaccedilotildees que administravam
substanciais recursos destinados aos PVD pode ter permanecido em estado latente ateacute
serem habilitadas quando foi propiacutecia sua utilizaccedilatildeo
Para que possamos ter uma melhor compreensatildeo de como os interesses dos paiacuteses
doadores acabaram sendo legitimados nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal
toma-se necessaacuterio fazer uma anaacutelise mais focada das foacutermulas multibilaterais nestas
organizaccedilotildees Devido a isso o capiacutetulo eacute dedicado primeiramente agrave investigaccedilatildeo da origem
institucional das modalidades de cooperaccedilatildeo multibilaterais a partir da Resoluccedilatildeo 2626
(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na deacutecada de setenta (Segundo Dececircnio
para o Desenvolvimento) Analisaremos a seguir os principais pontos da regulamentaccedilatildeo da
Assembleacuteia Geral e do PNUD - ou seja aqueles ligados agrave administraccedilatildeo dos recursos e ao
procurement Assim procuraremos entender de que maneira os vaacutecuos dessas normativas
possibilitaram a constituiccedilatildeo das foacutermulas de financiamento multibilaterais no Programa A
parte final do capiacutetulo seraacute dedicada agrave anaacutelise da foacutermula multibilateral do cost-sharing no
Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas e da mais recente versatildeo do cost-
sharing atraveacutes da qual os paiacuteses em desenvolvimento assumiram a quase totalidade do
custo de seu Programa Paiacutes elaborado pelo PNUD
A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
A tendecircncia dos Estados em fornecer recursos financeiros agraves organizaccedilotildees
internacionais multilaterais estabelecendo condiccedilotildees de vaacuterios gecircneros natildeo eacute certamente
nova Uma anaacutelise realista nos faz perceber que as condiccedilotildees formuladas pelos atores mais
fortes para o repasse de recursos sempre existiram Contudo como dissemos as novas
foacutermulas multibilaterais acentuaram em medida notaacutevel os viacutenculos de destino dos
35
recursos pois os Estados doadores puderam passar a escolher diretamente para qual setor -
e paiacutes - seriam destinados os fluxos ODA multilaterais interferindo desse modo nos
processos globais e nacionais de desenvolvimento Aleacutem disso vale ressaltar que esse tipo
de modalidade de favorecimento dos interesses dos paiacuteses doadores a partir de fluxos ODA
multilaterais abriu um precedente para esse mesmo tipo de favorecimento em outros
organismos administradores de recursos multilaterais como por exemplo o Fundo Europeu
de Desenvolvimento (FED)
A afirmaccedilatildeo do fenocircmeno dos financiamentos multibilaterais na cooperaccedilatildeo a partir
da metade dos anos setenta pode ser ligada de maneira generalizante agraves vastas
transformaccedilotildees no ambiente internacional realizadas no curso daqueles anos que haviam
consolidado a estrutura das relaccedilotildees econocircmicas internacionais desde o final da Segunda
Guerra Mundial Alguns acontecimentos do iniacutecio da deacutecada de setenta - como o final dos
sistema monetaacuterio baseado nos acordos de Bretton Woods43 a inflaccedilatildeo e a recessatildeo dos
paiacuteses agrave economia de mercado o aumento das taxas de desocupaccedilatildeo e o choque do petroacuteleo
- fortaleceram a posiccedilatildeo dos paiacuteses em vias de desenvolvimento quanto ao
estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial que garantisse uma redistribuiccedilatildeo
mais equilibrada dos recursos internacionais
Esperava-se que o crescimento econocircmico da deacutecada de setenta pudesse derivar em
uma repercussatildeo positiva para os paiacuteses em desenvolvimento desde que mecanismos mais
eficazes do setor da cooperaccedilatildeo fossem criados e efetivados pelas organizaccedilotildees
internacionais (RESOLUCcedilAtildeO 2626 (XXV) sect 8) O ambiente internacional44 levou os
paiacuteses em vias de desenvolvimento a aprovarem na Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
como um dos objetivos da Comunidade Internacional para a deacutecada de setenta45 a
automatizaccedilatildeo da transferecircncia de 07 do PIB dos paiacuteses industrializados para ajuda ao
43 Em 1971 o padratildeo doacutelar-ouro foi abandonado pelos EUA
44 Que parecia tender para uma mudanccedila da ordem econocircmica devido agrave crise do regime monetaacuterio agraves expectativas da continuaccedilatildeo do crescimento mundial e agrave declaraccedilatildeo do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE de que os paiacuteses industrializados pretendiam adotar a Recomendaccedilatildeo sobre Condiccedilotildees e Termos Financeiros ou seja a primeira proposta de elevar os fluxos ODA para 07 do PIB dos paiacuteses industrializados (FUumlHRER 1996)
4gt A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) eacute de 24 de setembro de 1970
36
desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres (ARMSTRONG LLOYDamp REDMOND 1996
94-5)
Para os paiacuteses mais pobres um dos principais problemas para a efetivaccedilatildeo de
projetos e programas de desenvolvimento a longo prazo tem sido a ausecircncia de uma
garantia no recebimento de financiamentos internacionais (CECHI1995 ASCARI 1999)
O paiacutes que escolhe a estrada do desenvolvimento econocircmico pode encontrar na feita de
recursos algumas complicaccedilotildees capazes de comprometer seu crescimento econocircmico
(EATON 1989 CARDOSO e DORBUSCH 1989) A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi tomada
justamente para que um comprometimento maior dos paiacuteses doadores de repasse de
financiamentos pudesse proporcionar a realizaccedilatildeo de projetos e programas de crescimento
mais longos Os fundos destinados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento por
constituiacuterem repasses voluntaacuterios tecircm sido fetor de constrangimento para o
estabelecimento de poliacuteticas de desenvolvimento continuadas nos paiacuteses mais pobres
As intenccedilotildees declaradas dos paiacuteses industrializados de destinar um percentual
miacutenimo de 07 seus respectivos PIBs para o setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo
eram garantia do estabelecimento de medidas concretas de repasses dos fundos
Atualmente ainda podemos comprovar esta situaccedilatildeo pois mesmo que o paiacuteses
industrializados continuem afirmando suas intenccedilotildees de aumentar os fluxos ODA
(Conferecircncia de Monterrey em 2002) para um percentual miacutenimo de 07 de seus PIBs
nacionais na realidade os financiamentos facilitados continuam diminuindo Os fluxos
ODA dos paiacuteses Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) baixaram de 033 do
PIB no biecircnio de 1986-7 para 022 em 1997 e continuam em queda acentuada (TRIULZI
1998 123)
A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi uma tentativa de conseguir garantir aos paiacuteses em
desenvolvimento uma quantidade miacutenima de recursos que pudessem ser empregados como
financiamento aos paiacuteses do Sul atraveacutes de um maior comprometimento dos paiacuteses
doadores com a ajuda ao desenvolvimento46 Eacute interessante perceber que na recente
46 A funccedilatildeo deste oacutergatildeo plenaacuterio das Naccedilotildees Unidas limita-se apenas ao estudo discussatildeo e recomendaccedilotildees - aos Estados membros e natildeo-membros e aos demais organismos da ONU e subsidiaacuterios - de temas ligados agrave manutenccedilatildeo da paz e agrave resoluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias (CAFFARENA 200180 Carta das Naccedilotildees Unidas art 10-14) Neste sentido o termo resoluccedilatildeo manteacutem o significado geneacuterico de recomendaccedilatildeo
37
Conferecircncia Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento realizada em marccedilo
de 2002 na cidade de Monterrey o tema da necessidade de um repasse automatizado de
fundos para o setor da cooperaccedilatildeo que continua sendo uma das questotildees centrais para os
paiacuteses pobres natildeo foi nem mesmo levantado (CONFEREcircNCIA DE MONTERREY) O
fato de omitir-se uma questatildeo de tamanha importacircncia para os paiacuteses em desenvolvimento
na principal Conferecircncia sobre os fundos da cooperaccedilatildeo desta deacutecada evidencia como os
paiacuteses industrializados fortaleceram suas posiccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo desde os anos
setenta
As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD
As foacutermulas multibilaterais por estarem diretamente ligadas aos interesses
comerciais dos paiacuteses doadores (interesses de procurement - ajuda vinculada) foram
introduzidos sobretudo a partir da regulamentaccedilatildeo financeira dos oacutergatildeos subsidiaacuterios e da
proacutepria Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas afirmando-se de maneira pragmaacutetica
aproveitando os vaacutecuos existentes nas normas que regulam a gestatildeo financeira da
Assembleacuteia Geral e seus oacutergatildeos subsidiaacuterios (MARCHISIO 2000) Esse eacute o caso da
resoluccedilatildeo 3556 da Assembleacuteia Geral que trata das estrateacutegias das Naccedilotildees Unidas para o
Terceiro Dececircnio do Desenvolvimento nos anos oitenta No paraacutegrafo 103 b afirma-se que
ldquoem regravegle gegravenerale laacuteide publique au deacuteveloppement ne devrais pas ecirctre lieacuteerdquo (YODER
1997) O uso do condicional que natildeo estava presente ateacute os anos oitenta nesse paraacutegrafo
permite entender claramente a presenccedila de um espaccedilo (que deveria ser marginal) no qual
satildeo consentidas derrogas ou exceccedilotildees Nos documentos que definiram as estrateacutegias das
Naccedilotildees Unidas para o Primeiro e o Segundo Dececircnio para o Desenvolvimento a ajuda
vinculada realizada atraveacutes de recursos oficiais ao desenvolvimento multilaterais era
categoricamente proibida47
Natildeo existe uma regulamentaccedilatildeo uacutenica que normatize a gestatildeo financeira das
diversas agecircncias e institutos do Sistema das Naccedilotildees Unidas Pelo contraacuterio cada
47 Disponiacutevel on-line (HTTPVwww unorgdoc)
38
organismo conta com medidas proacuteprias de alocaccedilatildeo e administraccedilatildeo dos recursos
(CAFFARENA 2001) Mesmo para os organismos subsidiaacuterios da Assembleacuteia Geral dos
quais a grande parte dos oacutergatildeos que trabalham no setor da cooperaccedilatildeo eacute subsidiaacuterio existe
uma autonomia funcional Contudo sendo o PNUD um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia
Geral das Naccedilotildees Unidas eacute pertinente aprofundar mais especificamente os limites da
autonomia financeira do proacuteprio Programa em relaccedilatildeo agrave Assembleacuteia Geral
A Assembleacuteia Geral conteacutem algumas indicaccedilotildees vagas sobre a gestatildeo financeira dos
seus oacutergatildeos subsidiaacuterios48 De maneira generalizante a proacutepria Assembleacuteia deveria
responder pelo regulamento financeiro de seus oacutergatildeos subsidiaacuterios a menos que ldquoas
resoluccedilotildees atraveacutes das quais eles foram individualmente constituiacutedos lhes tenham conferido
autonomia financeira que o Secretaacuterio Geral das Naccedilotildees Unidas tenha autorizado
autonomia de gestatildeo financeira ou no caso dos organismos que possuem atividades
operativas que estes sejam financiados atraveacutes de contribuiccedilotildees voluntaacuterias e possuam bens
proacutepriosrdquo (REGULAMENTO FINANCEIRO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS )49 Ou seja isso
significa que na praacutetica todos os oacutergatildeos subsidiaacuterios das Naccedilotildees Unidas tecircm autonomia
financeira de administraccedilatildeo dos recursos pois todos enquadram-se em ao menos duas das
categorias de exceccedilatildeo (contribuiccedilotildees voluntaacuterias e bens proacuteprios)
Quanto ao procurement espaccedilo de maior abertura para a introduccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais nos projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (CREWE amp
HARRISON 1998) os oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia mesmo que dotados de
autonomia de gestatildeo deveriam manter-se compatiacuteveis com os princiacutepios gerais da
regulamentaccedilatildeo financeira das Naccedilotildees Unidas de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeo Contudo o
proacuteprio estatuto da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas eacute ambiacuteguo na regulamentaccedilatildeo da
compra de seus bens e serviccedilos
Para o procurement (acima de 10 mil doacutelares) da Assembleacuteia Geral se determina
que ldquoa compra de bens e serviccedilos deve ser feita atraveacutes de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeordquo (art
48 Da instituiccedilatildeo e da normativa dos oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia trata o art 2 2 da Carta das Naccedilotildees Unidas
49 Disponiacutevel on-line (http w w w u n o rg l Ponto 5 do art X101 do Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
39
105 do Regulamento Financeiro)50 Essa normativa contudo soacute eacute vaacutelida para as compras
de bens e serviccedilos efetuados com recursos ldquoobrigatoacuteriosrdquo aqueles recebidos para a
manutenccedilatildeo das estruturas Quanto aos procurement efetuados pela Assembleacuteia Geral e
realizados com recursos voluntaacuterios (fora do orccedilamento anual de manutenccedilatildeo da estrutura)
a Assembleacuteia estabelece que o Secretaacuterio Geral pode ldquoestabelecer qualquer outro criteacuterio
para a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos desde que no interesse da organizaccedilatildeordquo (11016 a
11024 do Regulamento Financeiro)51 Essa falta de regulamentaccedilatildeo precisa possibilita a
praacutetica de ajuda vinculada jaacute a partir da proacutepria Assembleacuteia Geral
Quanto ao PNUD o Programa estabelece princiacutepios complementares aos da
Assembleacuteia Geral em mateacuteria de procurement de um lado que o programa deve
normalmente utilizar o procedimento da licitaccedilatildeo internacional para aquisiccedilatildeo de bens e
serviccedilos favorecendo todavia onde possiacutevel o emprego daqueles disponiacuteveis nos proacuteprios
paiacuteses em via de desenvolvimento Contudo os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo destes bens e
serviccedilos natildeo satildeo o preccedilo mas o maacuteximo de eficaacutecia teacutecnica (humana e material) para a
realizaccedilatildeo do projeto (artigo 145 do Regulamento Financeiro do PNUD) O criteacuterio de
julgamento de eficiecircncia eacute realizado evidentemente no proacuteprio PNUD atraveacutes do setor de
execuccedilatildeo de projetos (OPE) Torna-se evidente portanto que as avaliaccedilotildees das licitaccedilotildees
totalmente baseadas nas decisotildees subjetivas dos funcionaacuterios do Programa (CREWE amp
HARRISON 1998) possam vir a favorecer foacutermulas multibilaterais
Um segundo ponto a ser sublinhado A aplicabilidade do regulamento do PNUD diz
respeito somente aos projetos que o Programa executa diretamente Acontece que a
execuccedilatildeo direta de projetos pelo programa natildeo eacute regra Ao contraacuterio o PNUD limita-se na
maior parte dos casos agrave funccedilatildeo de oacutergatildeo financeiro conferindo fundos necessaacuterios para
cobrir os custos internacionais (custos de operacionalizaccedilatildeo) de projetos cuja execuccedilatildeo
vem confiada agraves agecircncias de execuccedilatildeo (executing agencie) do Sistema das Naccedilotildees Unidas
e tambeacutem a partir de 1984 agraves ONGs internacionais que tenham caraacuteter consultivo junto ao
ECOSOC (das quais 79 satildeo dos EUA e da Europa) Quando um projeto - entre aqueles
50 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
51 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
40
indicados nos programas nacionais de desenvolvimento e aprovado pela PNUD - chega agrave
fase de atuaccedilatildeo normalmente entram em cena as executing agencies como encarregadas de
providenciar as necessaacuterias aquisiccedilotildees de bens e serviccedilos Ocorre precisar que onde o
Programa recorre a subcontratos parciais ou totais de realizaccedilatildeo de um projeto estes
uacuteltimos eacute que iratildeo fazer diretamente a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos no lugar da PNUD ldquoNa
hipoacutetese em que a realizaccedilatildeo de um projeto seja delegada a uma executing agency em
razatildeo da sua competecircncia teacutecnica a funccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos e o
recrutamento dos especialistas seraacute tambeacutem do oacutergatildeo contratado que utilizaraacute suas proacuteprias
regras de procurementrdquo (art 151 do regulamento financeiro do PNUD) Atualmente
grande parte das executing agencies satildeo os institutos financeiros e as ONGs internacionais
acreditadas pelo ECOSOC O regulamento dos institutos financeiros natildeo prevecirc nem mesmo
o mecanismo da licitaccedilatildeo internacional pois o proacuteprio diretor geral do instituto
especializado eacute o responsaacutevel pelas decisotildees de aquisiccedilatildeo de mercadorias e serviccedilos
especializados para a realizaccedilatildeo dos projetos Situaccedilatildeo ainda mais grave eacute o caso das ONGs
que atuam como executing agencies e tecircm autonomia praticamente absoluta na
administraccedilatildeo dos recursos nas licitaccedilotildees nas compras internacionais e na contrataccedilatildeo de
pessoal As ONGs satildeo muito orgulhosas de sua suposta autonomia e podem utilizar seu
apoio junto agrave comunidade civil para que natildeo lhes sejam estabelecidas regras mais
transparentes de controle (TAVARES 1999)
Foacutermulas multibilaterais custos divididos (ltcost-sharing)
No que diz respeito agrave cooperaccedilatildeo teacutecnica as foacutermulas multibilaterais legitimadas
dentro da normativa do Sistema do PNUD satildeo as contribuiccedilotildees in natura52 (agraves quais se liga
o problema das contribuiccedilotildees de contraparte) a participaccedilatildeo nos custos (ltcost-sharing) e a
participaccedilatildeo nos custos de uma terceira parte (third-party-cost-sharing) os fundos de
52 Se referem aos custos locais e de manutenccedilatildeo dos programas de desenvolvimento
41
confianccedila (trust-funds) os serviccedilos de gestatildeo53 (management-services) e as contribuiccedilotildees
em moeda natildeo conversiacutevel54 Uma evoluccedilatildeo mais recente das foacutermulas de financiamento de
projetos multibilateral satildeo os jaacute citados fundos de confianccedila temaacuteticos (thematic trusts
Junds)55 Limitaremos nossa anaacutelise ao estudo do cost-sharing ao third-party-cost-sharing
e agrave mais nova versatildeo de cost-sharing (integral) - a foacutermula utilizada pelo Brasil para
realizar o Programa Paiacutes junto ao PNUD
bull Custos Divididos e Custos Divididos com uma Terceira Parte
Os custos divididos e os custos divididos com uma terceira parte constituiacuteram-se
em uma verdadeira exceccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de serem impostas restriccedilotildees quanto ao uso e o
destino das contribuiccedilotildees voluntaacuterias O Cost-sharing e sua variante third-party-cost-
sharing foram introduzidas em suas versotildees claacutessicas na metade dos anos setenta e
tomaram-se rapidamente a principal foacutermula de execuccedilatildeo de programas e projetos de
desenvolvimento realizados atraveacutes da cooperaccedilatildeo internacional
Na modalidade claacutessica de cost-sharing um projeto de ajuda teacutecnica comporta um
custo global do qual uma parte cabe ao Estado beneficiado e outra ao PNUD em
conformidade com os acordos descritivos de base e com aqueles descritivos do projeto O
PNUD normalmente elabora como cooperaccedilatildeo teacutecnica multilateral um conjunto de
projetos de atuaccedilatildeo quumlinquumlenal para os paiacuteses em vias de desenvolvimento definidos como
Programa Paiacutes country programme) Estes projetos em sua primeira fase satildeo cobertos (na
totalidade ou em sua parte mais consistente) pelos paiacuteses beneficiados Uma segunda lista
de projetos chamada pipeline embora compreenda tambeacutem accedilotildees prioritaacuterias seraacute depois
5j Os serviccedilos administrativos (management services) consiste em colocar agrave disposiccedilatildeo da cooperaccedilatildeo bilateral entre os Estados a infra-estrutura do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
54 Consiste em destinar para os fluxos ODA doaccedilotildees em moedas de difiacutecil conversatildeo ou natildeo conversiacuteveis que seratildeo depois gastas no proacuteprio paiacuteses de origem da doaccedilatildeo
55 Os fundos de confianccedila temaacuteticos permitem aos doadores participar de fundos multianuais elaborados pelo PNUD para implantaccedilatildeo de projetos ligados aos temas da agenda internacional nos paiacuteses em desenvolvimento
42
financiada pelo PNUD Os recursos financeiros destes projetos de segunda fase definidos
como custo internacional satildeo provenientes da ajuda multilateral
O custo global do Programa Paiacutes eacute definido antes da assinatura do contratado Nele
estatildeo os custos da primeira e da segunda fase Os custos da segunda fase de projetos
deveriam ser equivalentes aos pagos pelos paiacuteses beneficiados na primeira fase Todavia
como estes custos satildeo definidos ainda durante a fase de elaboraccedilatildeo do programa o que
acaba acontecendo eacute que jaacute a partir dos primeiros projetos (primeira fase) os custos
revelam-se maiores do que o previsto Quem assume a diferenccedila entre os custos reais e os
custos estimados da primeira e da segunda fase eacute o paiacutes beneficiado A intervenccedilatildeo
financeira direta dos proacuteprios Estados beneficiados na forma de participaccedilatildeo nos custos
(cost-sharing) permite a finalizaccedilatildeo dos projetos originalmente previstos nos programas
nacionais de desenvolvimento Os custos que os Estados recebedores tiveram que repassar
ao PNUD para a execuccedilatildeo completa de seus country programmes foram identificados
como uma verdadeira contribuiccedilatildeo ao PNUD maior do que as realizadas pelos doadores
industrializados No entanto os recursos fornecidos pelos governos dos Estados
beneficiados como cost-sharing natildeo satildeo considerados uma participaccedilatildeo financeira destes
Estados mas apenas a parte que lhes cabe na participaccedilatildeo de custos e sobretudo de riscos
nos programas nacionais de desenvolvimento elaborados pelo PNUD
Uma segunda forma de divisatildeo de custos que utiliza foacutermulas multibilaterais de
financiamento eacute o third-party-cost-sharing (custos divididos com uma terceira parte) Esse
mecanismo consiste em um procedimento multibilateral no qual as despesas para a
assistecircncia de primeira fase do country-programme satildeo cobertas em totalidade ou em parte
por uma contribuiccedilatildeo fornecida por um ou mais Estados diferentes daquele beneficiado Eacute
evidente que se trate de uma foacutermula mista ou multilateral visto que o terceiro doador pode
livremente escolher os paiacuteses e atividades a privilegiar
O princiacutepio geral adotado no caso de intervenccedilatildeo de terceiros eacute que se respeitem as
prioridades dos governos beneficiados Evidentemente encontram-se maneiras de garantir
os interesses dos terceiros ainda durante as negociaccedilotildees para a estipulaccedilatildeo dos acordos
entre o PNUD e os Estados interessados em participar como terceiros O PNUD promove
consultas com eventuais paiacuteses doadores dos programas de third-party-cost-sharing
43
submetendo a anaacutelise de projetos e programas a serem financiados atraveacutes deste mecanismo
aos agentes diplomaacuteticos dos Estados doadores Obtida uma geneacuterica manifestaccedilatildeo de
interesse o Programa envia missotildees ad hoc nas capitais dos paiacuteses doadores entre
setembro e novembro de cada ano para reexaminar com detalhes as propostas e chegar a
acordos para o financiamento do programa Nesta ocasiatildeo o doador poderaacute fazer valer suas
exigecircncias especialmente em mateacuteria de procurement escolhendo intervir em projetos para
os quais seja necessaacuterio um certo nuacutemero de materiais disponiacuteveis em seu mercado
nacional A satisfaccedilatildeo de tais interesses seraacute portanto realizada diretamente visto que o
third-party-cost-sharing natildeo eacute considerado formalmente um instrumento de ajuda
vinculada
O Brasil e a Ameacuterica Latina realizaram programas com o PNUD atraveacutes dos custos
divididos e tambeacutem dos custos divididos com uma terceira parte desde a implantaccedilatildeo da
modalidade ateacute o iniacutecio dos anos noventa - quando o CAD determinou que os fluxos
ODA mesmo vinculados fossem suspensos para os paiacuteses de renda meacutedia (RESOLUCcedilAtildeO
ANUAL CAD 1991) Essa medida afetou grande parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina que
passaram a disponibilizar recursos proacuteprios (obtidos internacionalmente) para manter as
atividades do PNUD A modalidade de execuccedilatildeo dos programas ainda eacute nominalmente
chamada cost-sharing Contudo nessa nova versatildeo os custos dos Programas Paiacutes satildeo quase
que integralmente pagos pelos governos dos Estados onde se realizam os projetos Essa
decisatildeo parece ter sido determinante para o aumento dos custos globais dos recursos
administrados pelo PNUD na regiatildeo
Em 1993 na regiatildeo da Ameacuterica Latina e do Caribe foram utilizados em programas e
projetos de desenvolvimento PNUD e governos nacionais aproximadamente US$ 400
milhotildees dos quais metade proveniente de recursos do Programa e a outra metade de
recursos cost-sharing junto aos paiacuteses da regiatildeo Em 1997 na mesma regiatildeo foram
utilizados pouco mais de US$ 800 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de
desenvolvimento entre os governos e o PNUD dos quais menos de cem milhotildees eram
recursos do Programa e 700 eram recursos cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32)
No Brasil a progressatildeo do aumento do volume de recursos puacuteblicos implicados nos
programas e projetos de cost-sharing com o PNUD eacute ainda mais espantosa No periacuteodo de
1982-86 eram utilizados menos de US$ 50 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de
44
desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais menos da metade eram recursos cost-
sharing No periacuteodo de 1992-96 foram gastos quase US$ 250 milhotildees de doacutelares em
programas e projetos de desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais quase a
totalidade (US$ 220 milhotildees aproximadamente) em cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32-
5) Devemos lembrar que os fluxos financeiros destinados pelos paiacuteses em vias de
desenvolvimento para a execuccedilatildeo de seus Programas de desenvolvimento natildeo satildeo
contabilizados internacionalmente como ODA Este fato eacute bastante significativo se
considerarmos que a maior parte dos paiacuteses de renda meacutedia paga atualmente atraveacutes de
recursos proacuteprios seus programas de desenvolvimento Um dos problemas apontados pelos
analistas (Marchisio Cecchi) eacute que as categorias de paiacuteses doadores e paiacuteses recebedores
(embora atualmente isto faccedila pouco sentido devido agrave acentuaccedilatildeo da presenccedila de fluxos
privados no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento nos uacuteltimos anos) natildeo encontram
espaccedilo de debate nos foacuteruns internacionais Esse fato demonstra o tratamento diferenciado
que os atores mais fortes pode ter no interior dos regimes internacionais
Uma segunda questatildeo que deve ser levantada eacute o fato de que embora o Brasil pague
praticamente sozinho seus custos do Programa Paiacutes ainda estaacute utilizando o PNUD como
fornecedor de serviccedilos e consultoria de desenvolvimento Esse fato pode ser explicado de
diversas maneiras Keohane nos lembra que muitas vezes por uma questatildeo de
credibilidade os atores que participam dos regimes internacionais procuram preservar
acordos anteriormente estabelecidos (KEOHANE 1984) Uma segunda explicaccedilatildeo pode
ser encontrada na teoria de Keohane sobre a cooperaccedilatildeo O autor afirma que os regimes
internacionais efetuados a partir das organizaccedilotildees internacionais podem trazer alguma
garantia legal aos atores Mesmo que o Brasil natildeo esteja mais utilizando os recursos
provenientes do regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento devemos lembrar
que nosso volume de procurement eacute sempre substancial Logo caso natildeo tiveacutessemos um
oacutergatildeo regulador no qual administrar esse grande volume de recursos talvez nossos custos
de procurement pudessem ser ainda maiores Podemos ainda pensar que devido agrave
condicionalidade da ajuda fenocircmeno que estudaremos no proacuteximo capiacutetulo manter um
Programa Paiacutes atraveacutes de uma organizaccedilatildeo internacional seja uma condiccedilatildeo imposta pelos
institutos financeiros ou pelo proacuteprio mercado para podermos ter acesso a financiamentos
externos Todas estas explicaccedilotildees ajudam a entender a permanecircncia do fenocircmeno do cost-
45
sharing no Brasil Contudo nenhuma delas eacute motivo para permanecermos indiferentes agraves
grandes quantias que o paiacutes vem repassando atualmente para o PNUD e outras
organizaccedilotildees internacionais e natildeo-govemamentais que atuam em seu territoacuterio Sobretudo
se considerarmos que o PNUD a Organizaccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a
Unesco receberam em 2000 70 do total de recursos que o Brasil destinou a projetos de
desenvolvimento desligados das estruturas de governo Tendo em contrapartida destas
organizaccedilotildees PNUD (projetos) Unesco (projetos) e OPAS (projetos missotildees teacutecnicas
seminaacuterios) (ABC)56
A evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional dos anos setenta ateacute nossos dias
tem demonstrado quatildeo acentuados tecircm sido os constrangimentos destinados a fazer os
atores dos PDV acederem aos recursos do regime internacional ODA No caso da
cooperaccedilatildeo multibilateral o cost sharing natildeo significou apenas um constrangimento que
dificultou o acesso a financiamentos facilitados para o paiacutes mas um custo adicional
bastante elevado que estaacute sendo comprometido para a realizaccedilatildeo de um Programa Paiacutes
Como dissemos nosso proacuteximo capiacutetulo seraacute dedicado ao fenocircmeno da
condicionalidade da ajuda A condicionalidade por representar um instrumentos teoacuterico-
poliacutetico eacute um dos mecanismos de puniccedilatildeo do uso da ajuda oficial ao desenvolvimento
(ODA) que mais podem interferir nos processos nacionais de desenvolvimento dos paiacuteses
recebedores dos recursos assim como daqueles que dependem de grandes volumes de
empreacutestimos internacionais
56 Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo (ABC) (httpwwwmregovbr)
46
CAPIacuteTULO m
A CONDICIONAL IDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO
A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos
No uacuteltimo capiacutetulo analisamos a ajuda multibilateral como sendo o resultado de
uma mudanccedila de comportamento do PNUD devido aos novos incentivos e puniccedilotildees
impostos pelo ambiente internacional durante os anos do choque do petroacuteleo e agrave tentativa
de estabelecimento da nova ordem econocircmica internacional No presente capiacutetulo
estudaremos a condicionalidade da ajuda outro fenocircmeno que se estabeleceu a partir dos
anos setenta no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento E que desde
entatildeo tem sido considerado um dos mais emblemaacuteticos instrumentos de puniccedilatildeo e
constrangimento para o uso da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pelos paiacuteses em
vias de desenvolvimento
A literatura especializada vem identificando a condicionalidade como um fenocircmeno
que ocorre quando os financiamentos destinados aos projetos e programas de
desenvolvimento satildeo condicionados explicitamente agrave transformaccedilatildeo de certas poliacuteticas
sociais econocircmicas ou administrativas destes paiacuteses recebedores (CREWE amp HARRISON
1998 47-52 SCHMITZ amp GILLES 1992 ASCARI 1999 54-5 BASILE 1995 78) Os
autores que abordam a questatildeo da condicionalidade tecircm contudo pareceres muito
destoantes quanto ao fenocircmeno Para Ascari e Basile o uso da condicionalidade se coloca
como uma visatildeo altruiacutestica e uma preocupaccedilatildeo dos paiacuteses doadores no confronto com as
populaccedilotildees mais pobres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Populaccedilotildees que
subjugadas pelos seus proacuteprios governos natildeo poderiam ser de outra maneira beneficiadas
pela ajuda oficial ao desenvolvimento
Em direta oposiccedilatildeo agrave visatildeo de Ascari e Basile estatildeo Crewe e Harrison para quem a
condicionalidade eacute sintomaacutetica da suposiccedilatildeo dos paiacuteses doadores de que eles tecircm um
47
melhor entendimento das necessidades dos paiacuteses em vias de desenvolvimento do que os
govemos destes Condiccedilotildees para o repasse da ajuda ldquorelacionadas agrave natureza dos sistemas
poliacuteticos agraves estatiacutesticas de direitos humanos agrave poliacutetica econocircmica e aos mais variados
iacutendices de governabilidade dos paiacuteses em vias de desenvolvimento vecircm se tomando parte
dos grandes temas que dominam grande parte das agendas das poliacuteticas das agecircncias
multilaterais e bilateraisrdquo e refletem ldquoa crenccedila dos paiacuteses ricos de que eles sabem maisrdquo (do
que os governos locais) e podem portanto interferir na esfera domeacutestica dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento (CREWE amp HARRISON 1998 3235) Schmitz e Gilles satildeo ainda
mais criacuteticos quanto ao fenocircmeno da condicionalidade ao afirmar que seu uso ldquoeacute forma de
imperialismo cultural que estrategicamente promove a erosatildeo da soberania dos paiacuteses mais
pobresrdquo (SCHMITZ amp GILLES 1992 18)
A condicionalidade como se pode perceber pelas divergecircncias de interpretaccedilatildeo que sua
aplicaccedilatildeo suscita eacute um dos fenocircmenos mais emblemaacuteticos de discussatildeo dentro do setor da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Essa divergecircncia de opiniotildees quanto ao uso
da condicionalidade eacute justificada pela proacutepria abrangecircncia que o fenocircmeno ganhou dentro
do setor Evidentemente a condicionalidade eacute um constrangimento ao uso do regime oficial
da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pois atraveacutes deste instrumento os paiacuteses
doadores podem interferir diretamente nas estrateacutegias macroeconocircmicas de
desenvolvimento dos paiacuteses recebedores dos recursos Ou ainda podem decidiras poliacuteticas
locais atraveacutes do favorecimento de certos setores temas agendas ou populaccedilotildees no que diz
respeito aos projetos e programas de desenvolvimento O instrumento da condicionalidade
eacute empregado para o cumprimento dos mais diferentes objetivos de desenvolvimento dos
paiacuteses mais pobres dos projetos e programas que atendam agraves necessidades de base das
populaccedilotildees mais carentes aos ajustes estruturais e abertura das economias dos paiacuteses mais
pobres Esse tipo de abrangecircncia pode acirrar os mais variados acircnimos quanto agraves questotildees
do desenvolvimento e contribuir para que as poliacuteticas governamentais destes paiacuteses sofram
pressotildees em vaacuterios niacuteveis
Costuma-se identificar o iniacutecio do uso da condicionalidade aos financiamentos e
empreacutestimos de ajustamento estrutural - colocados em pauta pelo FMI e pelo Banco
Mundial apoacutes a crise da diacutevida dos paiacuteses em vias de desenvolvimento - a partir da metade
dos anos oitenta (BASILE 1995) Contudo essa interpretaccedilatildeo eacute errocircnea pois se refere
48
apenas agrave manifestaccedilatildeo da condicionalidade nos repasses financeiros que promovem
intervenccedilotildees precisas nas poliacuteticas econocircmicas e administrativas dos Estados O uso de
mecanismos de condicionalidade no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento eacute contudo
anterior a este uacuteltimo tipo de manifestaccedilatildeo
O uso da condicionalidade foi estabelecido no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento logo apoacutes o choque do petroacuteleo depois que os paiacuteses doadores
aumentaram repentinamente seus interesses pelas questotildees Norte-Sul57 e iniciaram
modificaccedilotildees no repasse da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como revelam os
proacuteprios documentos CAD do periacuteodo38 Atraveacutes de nota administrativa ldquoO Conselho da
Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) convidou o CAD
(Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento) a empreender uma visatildeo mais complexa dos
problemas do desenvolvimento Em particular foi sugerido que se passasse a dar grande
atenccedilatildeo ao volume e sobretudo aos termos e condiccedilotildees exigidas para a transferecircncia da
ajuda para o Terceiro Mundordquo (FUumlHRER 1996 24) Os fluxos da ODA natildeo poderiam
mais ser utilizados para o suposto ldquocrescimento desordenado dos paiacuteses recebedoresrdquo
(CONSELHO ECONOcircMICO OCDE1973)59 e deveriam ter sua utilizaccedilatildeo acompanhada e
condicionada pelos paiacuteses industrializados Ao CAD foi delegada a funccedilatildeo de revelar um
corpo de temas ligados ao desenvolvimento temas que serviriam para orientar os paiacuteses
recebedores quanto agrave utilizaccedilatildeo dos recursos da ODA (FUumlHRER 1996 26) A partir de
1975 a OCDE determinou que fossem formados no interior do CAD Grupos de Alto
57 Keohane faz a mesma afirmaccedilatildeo quando diz que por volta da metade da deacutecada de setenta as demandas dos paiacuteses menos desenvolvidos pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica internacional criaram problemas para os regimes internacionais econocircmico e financeiro estabelecidos em Bretton Woods (Keohane e Nye 1988 37) Grilli afirma que o choque do petroacuteleo e a crise dos paiacuteses produtores de mateacuteria primas assim como as tentativas destes paiacuteses de regulamentar um maior acesso aos financiamentos provocou a organizaccedilatildeo e a expansatildeo da Cooperaccedilatildeo Econocircmica Europeacuteia que visa basicamente manter o acesso garantido da Comunidade agrave energia e as mateacuterias primas (GRILLI 1993)
58 O CAD liberou em 1994 grande parte de seus documentos e resoluccedilotildees internas referentes a ajuda oficial ao desenvolvimento Estes documentos foram organizados por Helmut Fuumlhner ex-diretor do CAD de 1974-93 e constituem uma publicaccedilatildeo sobre a histoacuteria da ajuda oficial ao desenvolvimento em datas e nomes disponiacutevel em versatildeo on-line no site da OCDE (wwwoecdorg) Quanto as resoluccedilotildees anuais do CAD algumas podem ser encontradas em versatildeo integral no mesmo site
59 Disponiacutevel on-line (httpAvwwoecdorgdocL
49
Niacutevel ad hoc que se ocupariam das relaccedilotildees econocircmicas entre os paiacuteses membros da OCDE
e os paiacuteses em desenvolvimento Estes grupos foram criados visando ldquoidentificar quais
novos e construtivos temas poderiam ser selecionados como relevantes para estruturar uma
agenda em tomo da qual seriam confrontadas as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento
buscando estabelecer uma nova ordem econocircmica e mundialrdquo (CONSELHO
ECONOcircMICO OCDE1975)60
O primeiro uso do instrumento de condicionalidade foi estabelecido em 1976
quando os paiacuteses doadores adotando um conceito de necessidades humanas baacutesicas (NHB)
receacutem-criado pelo Banco Mundial61 estabeleceram que a ajuda oficial ao desenvolvimento
devido ao seu caraacuteter facilitado deveria atender agraves necessidades baacutesicas das populaccedilotildees
mais pobres (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1976) O condicionamento do uso dos fluxos
financeiros e da cooperaccedilatildeo teacutecnica recebidos para o atendimento de um tema
anteriormente considerado questatildeo intema dos paiacuteses recebedores foi a grande
transformaccedilatildeo que os fluxos da ODA e o setor da cooperaccedilatildeo sofreram a partir dos anos
setenta Desde entatildeo parece ter-se estabelecido uma espeacutecie de deslocamento das questotildees
poliacuteticas que envolviam os temas do Hemisfeacuterio Sul nos quais os proacuteprios efeitos de uma
ordem econocircmica que proporciona benefiacutecios desiguais foram tomados como causas do
descompasso econocircmico destes paiacuteses Desse modo foi possivel estabelecer uma loacutegica
inversa a qual possibilitou que as demandas dos paiacuteses do Sul - pelo melhoramento de
suas condiccedilotildees internas e da condiccedilatildeo de vida de suas populaccedilotildees - fossem afastadas de
suas causas provocadas pelos desequiliacutebrios do sistema internacional e passassem a ser
transformadas em instrumentos de pressatildeo sobre os paiacuteses em desenvolvimento
Os governos dos paiacuteses recebedores se manifestaram quanto ao dirigismo da ajuda e
tambeacutem ao fato de que o condicionamento dos fluxos da ODA no atendimento das
necessidades humanas baacutesicas comprometeria os esforccedilos de industrializaccedilatildeo aleacutem de
60 Disponiacutevel on-line (httpAvww oecd orgdoc)
61 A adoccedilatildeo da estrateacutegia de condicionar a utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA para a melhora das necessidades humanas baacutesicas vinculou as praacuteticas de desenvolvimento a estreita orientaccedilatildeo do Banco Mundial elaborador do conceito de HBN assim como dos indicadores de desempenho dos paiacuteses nessa aacuterea (ESCOBAR 1995 55) seguindo a loacutegica da concentraccedilatildeo dos fluxos ODA nos institutos financeiros
50
aumentar imensamente os custos locais destes governos na implantaccedilatildeo de projetos e
programas de desenvolvimento (FUumlHRER 1996 32) Contudo os paiacuteses em vias de
desenvolvimento acabaram se conformando ao novo modelo de repasse condicionado do
regime internacional da ODA Natildeo podemos esquecer que essa conformaccedilatildeo aos novos
criteacuterios aconteceu em um momento tenso para os dois grupos de paiacuteses em que se chegou
inclusive a cogitar o cancelamento da ajuda puacuteblica ao desenvolvimento (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1995 96-98) Nesse sentido a aceitaccedilatildeo dos paiacuteses em
desenvolvimento de que se estabelecessem novos criteacuterios mais restritivos aos repasses
pode ser interpretada ldquocomo resultado de um acordo onde se puderam atingir objetivos
possiacuteveisrdquo (KEOHANE 19849899) Todavia como efeito colateral dessa aceitaccedilatildeo na
medida em que na deacutecada de oitenta novos temas iam sendo inseridos e condicionados ao
repasse dos fluxos do regime internacional da ODA as demandas dos paiacuteses em
desenvolvimento por mudanccedilas na ordem econocircmico- financeira iam perdendo espaccedilo nos
foacuteruns internacionais Ao mesmo tempo e cada vez mais os temas apresentados a partir do
novo tipo de diaacutelogo Norte-Sul (aceito como construtivo pelo grupo de paiacuteses
industrializados) iam ganhando uma dimensatildeo figurada mais ampla do que as proacuteprias
questotildees sistecircmicas de que grande parte destas mesmas questotildees derivavam Assim os
novos temas que iam sendo associados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e
condicionando o uso dos recursos da ODA foram ganhando uma naturalidade e uma
dimensatildeo de grupo-espetaacuteculo ou tema-espetaacuteculo62 na definiccedilatildeo de Escobar ou grupo-
cliente ou tema-cliente na definiccedilatildeo de Sachs (1990)63 Estes temas acabaram por encobrir a
maior parte da dimensatildeo conflitiva das relaccedilotildees Norte-Sul (ESCOBAR 1995 155)
62 Temas espetaacuteculo ou grupos espetaacuteculo satildeo situaccedilotildees ou grupos de pessoas que periodicamente satildeo identificados e vatildeo ganhando centralidade no discurso que sustenta o desenvolvimento Estes temas ou grupos passam a constituir a agenda das organizaccedilotildees internacionais das ONGs dos institutos financeiros etc Todas os programas setoriais passam a tentar mesmo de maneira pouco convincente a ligar sua proacutepria accedilatildeo ao tema espetaacuteculo Escobar costuma identificar e desconstruir os mecanismos de discurso entorno dos quais os temas espetaacuteculo satildeo estruturados Em Encounterig Development (1995) o autor desconstruir os temas espetaacuteculo dos camponeses das mulheres no desenvolvimento e do meio-ambiente (ESCOBAR 1995)
6j Grupos e temas clientes tecircm praticamente a mesma conotaccedilatildeo de grupos espetaacuteculo Contudo esse termo faz tambeacutem referecircncia agrave dimensatildeo financeira que passam a assumir estes temas no setor do desenvolvimento por exemplo quando em 1948 o Banco Mundial definiu que os paiacuteses pobres eram aqueles com uma renda per capta abaixo de UU$ 100 mais de dois terccedilos da humanidade passaram a ser sua populaccedilatildeo cliente (SACHS 1990 9 ESCOBAR 1995 2223)
51
A introduccedilatildeo do discurso das Necessidades Humanas Baacutesicas pode ser interpretada
como uma mudanccedila no leacutexico intemacionalista Os novos conceitos introduzidos no setor
da cooperaccedilatildeo como relevantes para o diaacutelogo Norte-Sul (e associados ao regime da ODA)
passaram a ser utilizados pelos atores que desfrutavam das vantagens como uma
necessidade estabelecida como algo a que a poliacutetica deveria ajustar-se e natildeo como
situaccedilotildees parcialmente criadas pela poliacutetica64 Contudo Keohane nos lembra que as
investigaccedilotildees de fenocircmenos que envolvem riqueza e poder no caso a cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento devem ser buscadas na dimensatildeo onde se estruturam as
relaccedilotildees poliacuteticas e econocircmicas dos atores De outro modo estariacuteamos arriscando que na
investigaccedilatildeo do fenocircmeno os efeitos de determinada situaccedilatildeo fossem tomados como causas
desta mesma situaccedilatildeo (KEOHANE 1984 18-9)
Uma vez estabelecida a loacutegica de que a ajuda oficial por seu caraacuteter facilitado
deveria ser condicionada ao atendimento das necessidades baacutesicas das populaccedilotildees dos
PVD os fluxos do regime da ODA perderam seu caraacuteter de mecanismos de compensaccedilatildeo
mesmo que informais destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento devido aos
desequiliacutebrios causados pelos regimes de Bretton Woods (BASILE 1995 78 GRILLE
1993) e se tomaram instrumentos atraveacutes dos quais os paiacuteses doadores poderiam interferir
diretamente em setores pontuais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O uso da
condicionalidade estabelecido como limitaccedilatildeo agrave liberdade destes paiacuteses na utilizaccedilatildeo dos
fluxos da ajuda oficial ou nas decisotildees referentes a suas escolhas poliacuteticas e econocircmicas
pode ser considerado originalmente uma puniccedilatildeo econocircmica e um aumento dos
constrangimentos impostos a estes paiacuteses
A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais
64 Em analogia a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia em ambientes internacionais elaborada por Keohane e Nye em Poder e Interdependecircncia (KEOHANE amp NYE1982)
52
A expansatildeo do uso da condicionalidade aconteceu no iniacutecio dos anos oitenta
quando os sinais da crise da diacutevida extema 65 reacenderam as esperanccedilas dos PVD de
promover discussotildees internacionais voltadas agrave revisatildeo corretiva dos regimes de Bretton
Woods Tal esperanccedila foi reforccedilada em 1981 quando o CAD introduziu em seu relatoacuterio
anual a noccedilatildeo de interdependecircncia (mesmo que em nenhum momento o relatoacuterio precisasse
o que os paiacuteses da OCDE entendiam por interdependecircncia66) (FURNER 1996)
A introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia67 em um momento de grave crise
econocircmica pode ter sido percebida como uma abertura de diaacutelogo para que fossem
retomadas as discussotildees internacionais sobre a necessidade de se buscar uma ordem
econocircmico-financeira mais favoraacutevel aos paiacuteses do Hemisfeacuterio Sul (RELATOacuteRIO DA
COMISAtildeO SUL 1990 16) Com o apoio dos paiacuteses em desenvolvimento o CAD
seguindo a ecircnfase da interdependecircncia passou a promover a discussatildeo dos temas Norte-
Sul que poderiam ser considerados como de pertinecircncia global (RELATOacuteRIO ANUAL
CAD 1981) Antes da definiccedilatildeo dos temas primeiramente aprovou-se na sede do Conselho
65 Trecircs fatores internacionais (a expansatildeo dos mercados de cacircmbio europeu a reciclagem dos excedentes financeiros dos paiacuteses produtores de petroacuteleo e a recessatildeo econocircmica dos paiacuteses industrializados) criaram um excesso de liquidez no sistema bancaacuterio internacional que foi transferido em forma de empreacutestimos para os paiacuteses em desenvolvimento na deacutecada de setenta A necessidade dos paiacuteses desenvolvidos no final dos anos setenta de empreenderem medidas macropoliacuteticas recessivas para o combate da inflaccedilatildeo ocasionou a diminuiccedilatildeo da liquidez internacional aumentando exponencialmente as taxas de juros internacionais que chegaram a ficar quatro vezes mais caras no periacuteodo Ao mesmo tempo as medidas recessivas diminuiccedilatildeo as atividades industriais dos paiacuteses desenvolvidos o que causou uma brusca queda no preccedilo das mateacuterias primas Entre 1980 e 1982 o preccedilo das principais mateacuterias-primas exportadas pelos paiacuteses em desenvolvimento (excluiacutedo o petroacuteleo) caiu 21 Essa queda acentuou-se em 1983-4 e em 1988 o preccedilo de 33 mateacuterias primas de interesse especial para os paiacuteses em vias de desenvolvimento (a queda meacutedia do preccedilo do petroacuteleo nos periacuteodos tratados foi de 65) eram 30 mais baixos do que a meacutedia de 1979-81) A diminuiccedilatildeo dos fluxos privados no periacuteodo a estagnaccedilatildeo dos fluxos ODA a diminuiccedilatildeo dos preccedilos das mateacuterias-primas e o aumento das taxas de juros fizeram com que os reembolsos da diacutevida ficassem excedessem as entradas do Sul Der fato no periacuteodo de 1984 a 1988 os paiacuteses em vias de desenvolvimento em seu conjunto transferiram um montante liacutequido de 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte (RELATOacuteRIO SUL 1990 63-9)
66 Para Keohane e Nye interdependecircncia eacute entendida ldquocomo situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocosrdquo (KEOHANE amp NYE Poder e Interdependecircncia 8)
67 Keohane afirma que a interdependecircncia foi utilizada como estrateacutegia de limitaccedilatildeo das reinvincaccedilotildees do Terceiro Mundo em um periacuteodo de promoccedilatildeo dos nacionalismo econocircmicos entenda-se formaccedilatildeo da OPEP guerra dos produtos primaacuterios (KEOHANE amp NYE 1982)
53
Ministerial da OCDE o conceito de que os financiamentos oficiais ao desenvolvimento
poderiam ser condicionados ao atendimento de problemas identificados como globais
definidos como ldquoaqueles que tivessem ressonacircncia nos Estados do Sul e do Norte do
mundordquo Na mesma ocasiatildeo por iniciativa dos paiacuteses noacuterdicos especialmente da Alemanha
e do Canadaacute69 lanccedilou-se a proposta de que as instituiccedilotildees multilaterais de
desenvolvimento atraveacutes de um programa coordenado passassem tambeacutem a apreciar os
temas globais e condicionaacute-los agrave realizaccedilatildeo de programas e projetos de desenvolvimento70
(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981 j
A noccedilatildeo de interdependecircncia natildeo foi estendida contudo aos temas econocircmicos
como esperavam os paiacuteses em desenvolvimento A esperada revisatildeo corretiva dos regimes
de Bretton Woods foi frustrada logo no iniacutecio da adoccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia
Durante o Encontro Internacional dos Representantes do Norte e do Sul do Mundo sobre
Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento (1981) o Presidente Reagan assumiu que a posiccedilatildeo dos
paiacuteses industrializados quanto agraves poliacuteticas de desenvolvimento na deacutecada que se iniciava
seria baseada na promoccedilatildeo do comeacutercio internacional no livre mercado e nos
investimentos privados O relatoacuterio da Comissatildeo Sul aponta que a crise dos anos oitenta
natildeo se converteu em ocasiatildeo de revisatildeo das causas dos problemas porque os paiacuteses
desenvolvidos se recusaram a reconhecer que era necessaacuterio intervir no contexto
econocircmico internacional (RELATOacuteRIO DA COMISSAtildeO SUL 199078) Tambeacutem Fuumlhrer
afirma que os esforccedilos muacuteltiplos dos paiacuteses mais pobres para conseguirem utilizar o
68
68 Relaccedilotildees Com Os Paiacuteses Em Desenvolvimento No Contexto Da Interdependecircncia E Diversidade (CAD documents - disponiacutevel on line)
69 A sugestatildeo do Canadaacute e da Alemanha foi justificada pela publicaccedilatildeo em 1979 da Comissatildeo Independente BRANDT COMMISSION (Independent Commission On International Development Issues) da Relaccedilatildeo Norte-Sul Um Programa Para A Sobrevivecircncia A orientaccedilatildeo da Comissatildeo BRANDT eacute que se criem junto agraves organizaccedilotildees correlatas aos problemas do desenvolvimento subcomissotildees ambientais Em um primeiro momento os Estados do Sul do mundo o discurso da interdependecircncia e a aproximaccedilatildeo do setor da cooperaccedilatildeo internacional
70 Depois da oficializaccedilatildeo do CAD como centro coordenador das poliacuteticas de desenvolvimento em 1986 os temas identificados pelos grupos de alto-niacutevel do Comitecirc como de pertinecircncia global passaram a ser imediatamente incorporados agraves agendas do PNUD Banco Mundial e FMI (FUumlHNER 1996)
54
discurso da interdependecircncia e promover um novo espaccedilo internacional de discussatildeo dos
temas do desenvolvimento foi frustrante para os paiacuteses do Sul
Os demais temas globais que seriam condicionados ao uso dos fluxos daODA
contudo permaneceram e foram sendo inseridos durante toda a deacutecada de oitenta na agenda
internacional Depois do discurso de Reagan o primeiro tema oficialmente inserido na
agenda CAD e estendido a todos os programas e projetos de cooperaccedilatildeo ao foi ldquoo
financiamento da substituiccedilatildeo de cultivo de plantas destinadas agrave produccedilatildeo de entorpecentes
nos paiacuteses em desenvolvimentordquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981)
Ateacute 1992 os projetos e programas de desenvolvimento realizados pelos paiacuteses da
OCDE na cooperaccedilatildeo atraveacutes de fundos multi (ou bi) laterais deveriam em alguma medida
favorecer ao menos um dos seguintes temas as mulheres no desenvolvimento as
necessidades humanas baacutesicas a preservaccedilatildeo do meio-ambiente global o combate ao
narcotraacutefico a luta contra a disseminaccedilatildeo de doenccedilas a manutenccedilatildeo da paz a abertura do
sistema econocircmico e reformas estruturais cabiveis nos paiacuteses em desenvolvimento o
desenvolvimento participativo a governabilidade (good govemanceacute) a luta contra a
corrupccedilatildeo nos paiacuteses do Terceiro Mundo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)
Devemos considerar que em 1986 o CAD assumiu internacionalmente sua funccedilatildeo
de coordenador dos fluxos da ajuda71 Isso significa que depois desta data por uma questatildeo
de racionalidade de utilizaccedilatildeo dos recursos os temas definidos pela agenda do CAD iam
tambeacutem sendo aplicados ao PNUD FMI e Banco Mundial
O Banco Mundial nos Programas de Assistecircncia Paiacutes estabelece como agenda que
os fluxos ODA sejam condicionados a reformas que promovam o crescimento econocircmico e
a reduccedilatildeo da pobreza investimentos em capital humano (necessidades humanas baacutesicas)
tutela do ambiente promoccedilatildeo do crescimento do setor privado e reordenaccedilatildeo das atividades
de governo (CAS) Como Agenda Geral o Banco utiliza a condicionalidade para os
seguintes temas a boa governanccedila o combate agrave corrupccedilatildeo o desenho de poliacuteticas
setoriais ou de projetos especiacuteficos que sejam ambientalmente sustentaacuteveis e socialmente
71 Na reuniatildeo anual do CAD em 1986 (na qual estavam presentes Emest Stem (vice- presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador PNUD) ) o Comitecirc assumiu oficialmente a responsabilidade pela coordenaccedilatildeo da ajuda multilateral junto agraves organizaccedilotildees internacionais e as organizaccedilotildees regionais ldquoOs membros CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo
55
responsaacuteveis A mesma agenda eacute seguida pelos bancos regionais de desenvolvimento O
uso da ajuda coordenada - CAD - nos ajuda a entender porque as agendas dos organismos
que atuam no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento estabelecem basicamente os
mesmos criteacuterios e condicionam o uso dos recursos ao favorecimento dos mesmos temas
Keohane afirma que ldquoa interdependecircncia da maneira como eacute utilizada nos discursos
oficiais natildeo eacute apenas entendida como um instrumento analiacutetico de compreensatildeo da poliacutetica
mundial e do comportamento dos Estados mas tambeacutem eacute um mecanismo retoacuterico de largo
emprego pelos publicistas e estadistas ansiosos em aumentar a quantidade de gente que se
alie agraves suas bandeiras para quem as palavras vagas e de grande ressonacircncia satildeo muito
uacuteteisrdquo (KEOHANE e NYE 1982) Embora a anaacutelise da interdependecircncia de Keohane tenha
sido estabelecida para ilustrar o momento especiacutefico da substituiccedilatildeo do discurso de
seguranccedila nacional na poliacutetica internacional acreditamos que ela possa ser bastante
ilustrativa para a compreensatildeo do porque da adoccedilatildeo dos novos temas globais que passaram
a ser condicionados ao uso dos recursos oficiais ao desenvolvimento no momento da crise
da diacutevida A interdependecircncia nessa concepccedilatildeo de Keohane eacute vista como uma estrateacutegia
de reduccedilatildeo de conflitos A noccedilatildeo de interdependecircncia no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento parece ter sido empregada para reduzir possiacuteveis novos conflitos gerados
pela crise da diacutevida
Muitos dos proacuteprios temas condicionados agrave utilizaccedilatildeo dos recursos do
desenvolvimento a partir da nova agenda global reforccedilavam a noccedilatildeo de que as
dificuldades dos PVD de ajustarem suas economias agrave ordem econocircmico-financeira eram
um problema que deveria ser resolvido no interior dos proacuteprios paiacuteses em vias de
desenvolvimento Desse modo na deacutecada de oitenta enquanto em todo o setor da
cooperaccedilatildeo reforccedilava-se o discurso politizado de que as causas internas dos paiacuteses em
desenvolvimento estavam provocando a crise da diacutevida e de que a ajuda internacional
deveria ser utilizada para promover intervenccedilotildees nas poliacuteticas internas destes paiacuteses (aleacutem
de ajustar suas economias a uma maior abertura dos mercados) os PVD comprometiam
cada vez mais suas capacidades produtivas transferindo em seu conjunto um montante
liacutequido de US$ 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte - e no periacuteodo mais grave da
crise entre 1984 a 1988) (RELATOacuteRIO SUL 1990 69)
56
A determinaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados em natildeo efetivar medidas de revisatildeo dos
regimes internacionais de Bretton Woods permaneceu a mesma inclusive depois de
deflagrada a moratoacuteria decretada pelo Meacutexico e pela Argentina em 1982 Natildeo se promoveu
uma revisatildeo dos regimes internacionais somente foram propostas medidas domeacutesticas de
ajuste das economias e ampliou-se o suporte da concessatildeo de creacuteditos para as balanccedilas de
pagamento A maior inovaccedilatildeo das medidas foi contudo a extensatildeo dos mecanismos de
condicionalidade para os institutos financeiros
As novas modalidades de ajuda condicionada do FM - o SAF e o ESAF72 (1986)
(creacuteditos para ajustamento estrutural e creacuteditos ampliados para ajustamento estrutural) - e
do Banco Mundial - o SAL (empreacutestimos de ajustamento estrutural) e SECAL
(empreacutestimos de ajustamento setorial)73 - traziam como elementos de inovaccedilatildeo a
possibilidade para os institutos financeiros de realizar empreacutestimos condicionados agrave
execuccedilatildeo de reformas poliacutetico-econocircmicas e estrateacutegias de desenvolvimento dos governos
a permissatildeo de que os paiacuteses pudessem financiar reformas econocircmicas implementadas em
diversos anos74 e a permissatildeo de que se pudesse financiar as importaccedilotildees de bens de modo
desligado de uma necessidade de projetos especiacuteficos ou seja dar suporte direto agraves
balanccedilas de pagamento destes paiacuteses (BASILE 1995 43 ASCARI 1999 30-1)
72 Structural Adjustment Facility e The Enhanced Structural Adjustment Facility
73 No iniacutecio ao menos no acircmbito da principal instituiccedilatildeo multilateral o Banco mundial o uso de empreacutestimos de ajustamento (seja o SAL que o SECAL) eacute extremamente ligado a um problema da balanccedila de pagamento (previsto ou existente) ldquoO princiacutepio da balanccedila de pagamento natildeo significa que natildeo exista a necessidade de reformas econocircmicas em setores nos quais os custos natildeo satildeo em moeda estrangeira Sabemos bem que estes paiacuteses (em vias de desenvolvimento) enfrentam seacuterios problemas de reformas nos setores os quais a instruccedilatildeo e os setores sociais em geral nos transportes nas infra-estruturas no ambiente e no desenvolvimento humano (entretanto) creio que a assistecircncia fornecida rapidamente (quick disbursing assistance) natildeo seja apropriada a estes tipos de reformasrdquo73 E Stem na eacutepoca vice-presidente para as Finaccedilas em Evolution and Lessons of Adjustment Lending in Restructuring Economies in Distress Policy Reform and World Bank Oxford University Press 1991
74 Como vimos quando tratamos da Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) os paiacuteses industrializados nunca concederam creacuteditos ou financiamentos a longo prazo para dar sustentaccedilatildeo aos projetos e programas de desenvolvimento dos PVD Estes creacuteditos e financiamento a longo prazo soacute se efetivaram quando foram condicionados as reformas dos sistemas poliacutetico e econocircmicos e agrave abertura econocircmica destes paiacuteses
57
A resposta oferecida pelos paiacuteses desenvolvidos para a crise da diacutevida deixava claro
que nenhum tipo de reavaliaccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro de Bretton Woods
seria realizada para proporcionar uma integraccedilatildeo das economias destes paiacuteses agrave ordem
econocircmico-financeira vigente Toda a ajuda oferecida aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento em forma de disponibilizaccedilatildeo de creacuteditos e empreacutestimos tinha como
objetivos principais ajustar os PVD a uma abertura de mercados e garantir a renegociaccedilatildeo
das diacutevidas atraveacutes da concessatildeo de creacuteditos de ajuste das balanccedilas de pagamento Ou seja
continuou prevalecendo a noccedilatildeo de que as dificuldades encontradas pelos vaacuterios paiacuteses
tinham uma raiz intema
A segunda expansatildeo do uso da condicionalidade natildeo estaacute ligada apenas agrave
manutenccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro vigentes a partir dos Estados nacionais O
uso de mecanismos de condicionalidade nos institutos financeiros natildeo pode ser relacionado
simplesmente a uma puniccedilatildeo ou a um aumento dos constrangimentos imputados agrave
utilizaccedilatildeo de fluxos da ODA pelos PVD Basicamente pelo fato de que mais de 90 dos
recursos multilaterais disponiacuteveis atualmente nos institutos financeiros natildeo tecircm caraacuteter
facilitado (ASCARI 1999 66) e que os paiacuteses de renda meacutedia - aqueles que mais utilizam
os institutos financeiros para resolver suas crises de balanccedilo de pagamento - natildeo podem
mais receber fluxos facilitados desde 1991 (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1991) Aleacutem
disso natildeo existia como nos anos setenta uma demanda organizada pelo estabelecimento
de uma nova ordem econocircmica mundialisto eacute uma barreira conflitiva difiacutecil de transpor
Pelo contraacuterio a proacutepria aceitaccedilatildeo pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento do discurso
da interdependecircncia em ambiente internacional pode ser interpretado como uma tentativa
de estabelecer uma relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo para a superaccedilatildeo da crise
Na explicaccedilatildeo da expansatildeo do uso da condicionalidade e sua extensatildeo para os
institutos financeiros precisamos introduzir um novo elemento nesta anaacutelise o interesse dos
ambientes privados na cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento que aconteceu a partir
de dois motivos interligados Podemos considerar como o primeiro deles a aceleraccedilatildeo do
processo de internacionalizaccedilatildeo (entendida como um processo gerado por acentuadas
mudanccedilas nos custos de transaccedilatildeo que produzem fluxos observaacuteveis de mercadorias
serviccedilos e capital) que aumentou os empreacutestimos internacionais realizados pelos bancos
privados Os empreacutestimos dos bancos privados internacionais cresceram globalmente de
58
5 do PIB dos paiacuteses da OCDE em 1973 para 20 do PIB dos paiacuteses OCDE em 1991
(Economic Report o f the President 1993281 - citado por MILNER amp KEOHANE 1996
13) O segundo motivo foi a sugestatildeo do secretaacuterio-geral adjunto da OCDE Van Lennep
em 1979 de que se implantassem co-fiacutenanciamentos com fins de desenvolvimento para os
PVD atraveacutes de bancos privados em conjunto com instituiccedilotildees financeiras de
desenvolvimento multilaterais e bilaterais Essa iniciativa pode ser interpretada como
decorrente em parte do aumento da presenccedila dos capitais privados no acircmbito internacional
e denota o maior interesse dos mercados financeiros pelos paiacuteses em desenvolvimento Esse
interesse pode ter acontecido ateacute mesmo a partir da decisatildeo tomada pelos paiacuteses em vias de
desenvolvimento de utilizar o excesso de liquidez internacional dos anos setenta para
financiar seus processos de desenvolvimento
O aumento do processo de internacionalizaccedilatildeo pode ter contribuiacutedo para a
manutenccedilatildeo dos interesses econocircmico e financeiro estabelecidos pelos regimes
internacionais dessas aacutereas A aproximaccedilatildeo dos institutos financeiros dos setores privados e
a escolha de certos temas para a composiccedilatildeo da agenda internacional podem ter sido
utilizados como elemento de sustentaccedilatildeo desse sistema Milner e Keohane acreditam que
ldquopressotildees poliacuteticas intensas (puacuteblicas privadas e bilaterais) foram exercidas para que os
paiacuteses em vias de desenvolvimento abrissem as suas economiasrdquo (MILNER amp KEOHANE
1996 16-7) Os temas da agenda global podem ser entendidos como elementos de reforccedilo
do processo de internacionalizaccedilatildeo uma vez que estes temas satildeo condicionados aos
repasses de recursos (mesmo privados) pois muacuteltiplos esforccedilos nos paiacuteses em vias de
desenvolvimento satildeo direcionados para o atendimento (mesmo burocraacutetico) destes temas
Por exemplo atualmente todos os projetos e programas executados com recursos
provenientes do Banco Mundial devem ter uma anaacutelise de impacto ambiental
Isso significa que todo tipo de empreacutestimo (mesmo com creacuteditos IBRD a juros de
mercado) efetuado pelo Brasil atraveacutes do Banco Mundial deve considerar que uma parte
dos gastos seraacute comprometida com o pagamento de consultores internacionais ambientais e
com a compra de equipamentos dessa aacuterea (procurement) Em 1998 as vendas
internacionais para o mercado ambiental brasileiro chegaram a um faturamento de US$ 25
bilhotildees de doacutelares (duas vezes e meia o orccedilamento anual do PNUD) Desse montante 35
dos recursos foram gastos com a cogravempra de bens e serviccedilos dos EUA seguidos pela
59
Alemanha - que recebeu 25 desse valor- pelo Canadaacute que recebeu 12 e pela Espanha
Japatildeo Gratilde-Bretanha e Itaacutelia que como grupo receberam 13 dos recursos (MARTINS
2000 63) Esses dados revelam que a pressatildeo dos paiacuteses do mundo desenvolvido para que
as organizaccedilotildees internacionais passassem a considerar os temas globais em suas agendas
natildeo pode ser tomada como ocasional
Keohane acredita que um bom antiacutedoto contra a retoacuterica da interdependecircncia eacute
lembrar que ldquoos atores agem motivados pelo poder e pela riqueza natildeo pela realizaccedilatildeo de
interesses comunsrdquo (KEOHANE 1984 22) Como nos advertem Keohane e Nye
raramente ou mesmo nunca os regimes internacionais satildeo instituiacutedos por idealistas
desinteressados que visem o atendimento de objetivos comuns (KEOHANE amp NYE 1982)
Isso significa que os regimes internacionais inclusive daquele ODA criado como ambiente
favorecedor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento natildeo podem ser estudados sob
uma oacutetica de interdependecircncia de temas globais Caso estudaacutessemos o fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo internacional para o desenvolvimento a partir de uma perspectiva globalista
poderiacuteamos ser enganados quanto agrave motivaccedilatildeo dos atores
Quanto ao estabelecimento da condicionalidade financeira Haggard e Maxfield
identificam nas pressotildees sofridas pelos balanccedilos de pagamento dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento os principais mecanismos de efetivaccedilatildeo da abertura de suas economias75
Em uma grande variedade de dimensotildees a regulamentaccedilatildeo das economias nacionais dos
PVD foi colocada em questatildeo pelos paiacuteses fortes ldquoEm suma o fato de que desde os anos
setenta paiacuteses de todo o mundo incluindo aqueles de cultura e tradiccedilatildeo muito
diversificadas como o Vietnatilde a iacutendia a China o Sul da Aacutefrica o Chile e o Meacutexico
decidiram reduzir suas barreiras comerciais abrir seus mercados de capitais reduzir as
intervenccedilotildees governamentais na economia privatizar as empresas estatais e reduzir as
poliacuteticas sociais (welfare policies) sugere a existecircncia de fortes pressotildees exercidas pela
forccedila da internacionalizaccedilatildeordquo (HAGGARD amp MAXFIELD 1996 211) ldquoEsse fenocircmeno
natildeo pode ser percebido apenas como um crescente processo de globalizaccedilatildeo promovido
73 Os autores ainda citam como importante mecanismos de pressatildeo a sessatildeo 301 do Trade Act pressionou fortemente a liberalizaccedilatildeo das regras para investimento estrangeiro e ao mesmo tempo para a proteccedilatildeo da propriedade intelectual
60
pela expansatildeo tecnoloacutegica e pela maior presenccedila das empresas transnacionaisrdquo (MILNER
amp KEOHANE 19964)
Segundo Haggard e Maxfiacuteeld os frequumlentes ajustes das balanccedilas de pagamento aos
quais os atores mais fracos foram submetidos a partir da deacutecada de oitenta (com a inversatildeo
dos fluxos de capitais Norte-Sul para Sul-Norte) obrigaram os paiacuteses em desenvolvimento
a um processo forccedilado de abertura econocircmica estimulado tambeacutem pelos mecanismos de
condicionalidade76 A razatildeo desta abertura tem segundo os autores relaccedilatildeo com os altos
custos que os paiacuteses pagam em um contexto neoliberal de integraccedilatildeo financeira pela
ausecircncia de instituiccedilotildees poliacuteticas que os ajudem a minimizar estes custos Isso porque
mesmo que a internacionalizaccedilatildeo seja um processo sofrido por todos os paiacuteses os paiacuteses
centrais devido a suas fortes instituiccedilotildees poliacuteticas (Estado) podem minimizar evitar ou ateacute
mesmo redirecionar os custos da internacionalizaccedilatildeo para outros atores (MILNER amp
KEOHANE 1996 9-10)
Atualmente no setor financeiro internacional estabeleceu-se a loacutegica de que manter
ou aumentar a abertura financeira (nos primeiros momentos de crise) daacute sinais aos
investidores estrangeiros de que eles seratildeo capazes de liquidar seus investimentos indica as
intenccedilotildees dos governos de manter a disciplina fiscal e financeira e em uacuteltima anaacutelise
aumenta os fluxos de capital (HAGGARD amp MAXFIacuteELD 1996 211-15) Contudo os
sinais dados aos investidores estrangeiros pelos governos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento quanto agrave abertura de seus mercados natildeo parecem mais ser suficientes para
a garantia da manutenccedilatildeo dessa abertura Esse eacute o ponto em que acontece a interaccedilatildeo entre
o mercado financeiro privado e os institutos financeiros
Ascari considera que a razatildeo da expansatildeo da condicionalidade para os empreacutestimos
dos institutos financeiros eacute que tais empreacutestimos garantiriam a capacidade do paiacutes de
restituir os recursos recebidos pois segundo os analistas dos proacuteprios institutos financeiros
os empreacutestimos soacute poderiam ser devolvidos na medida que reformas internas nos PVD
fossem realizadas (ASCARI 1999) Um controle sobre as reformas somente seria possiacutevel
atraveacutes do condicionamento do uso dos fundos Os institutos financeiros internacionais
70 A opiniatildeo dos teoacutericos claacutessicos do liberalismo como Rosecrance eacute de que os paiacuteses do terceiro mundo por tratarem-se de naccedilotildees com estruturas econocircmicas sociais e poliacuteticas deacutebeis procurariam adotar estrateacutegias comerciais de participaccedilatildeo no acircmbito internacional como uma maneira de resolver os problemas crocircnicos (Citado por MILNER amp KEOHANE 1996)
61
teriam nessa perspectiva a funccedilatildeo de garantidores do capital privado A aproximaccedilatildeo das
organizaccedilotildees internacionais e dos institutos financeiros do setor privado criou novos
mecanismos de constrangimento sobre os paiacuteses em vias de desenvolvimento mecanismos
que foram reforccedilados pelo aumento da internacionalizaccedilatildeo dos fluxos de capitais Desse
modo estabeleceu-se nos uacuteltimos anos a loacutegica de que as atuais condiccedilotildees de austeridade
insseridas pelos organismos multilaterais nos programas de reformas econocircmicas dos paiacuteses
garantem outros financiadores acerca da credibilidade do programa econocircmico do paiacutes
recebedor Na Conferecircncia Internacional sobre Desenvolvimento Econocircmico (1995) o
economista D Rodrik (ligado ao Banco Mundial) afirmou que a austeridade imposta pelos
empreacutestimos de ajustamento estrutural assegura os financiadores privados sobre a
possibilidade do paiacutes recebedor conseguir ex post um melhoramento da situaccedilatildeo
econocircmica tal que lhes possibilitaria efetuar a devoluccedilatildeo dos empreacutestimos ou justificar a
concessatildeo da ajuda com base nas expectativas de eficaacutecia (RODRIK 1995)77
A partir do estabelecimento da condicionalidade acentuou-se a diminuiccedilatildeo dos
financiamentos facilitados (fundos ODA) para os paiacuteses das economias em
desenvolvimento e aumentaram exponencialmente os creacuteditos privados O aumento da
condicionalidade e a aproximaccedilatildeo com o setor da cooperaccedilatildeo de bancos privados
determinaram a diminuiccedilatildeo dos fluxos do regime ODA que passaram de um total de 59
em 1990 dos recursos dos paiacuteses do CAD aos paiacuteses em vias de desenvolvimento para
236 em 1997 No mesmo periacuteodo os fluxos financeiros privados passaram de 336
para 777 - ou seja de 436 bilhotildees de doacutelares em 1990 para 2521 bilhotildees de doacutelares em
1997 (TRILZI 1998 1223) Outra consideraccedilatildeo diz respeito agrave performance dos paiacuteses do
CAD relativamente aos fluxos de recursos destinados aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento Enquanto os fluxos do regime ODA sofreram uma contraccedilatildeo em
percentual sobre o PIB destes paiacuteses (de 033 em 1986-7 a 022 em 1997) os capitais
privados passaram no mesmo periacuteodo de 019 a 059 Nesse contexto foi significativa
a performance dos Estados Unidos cujo capital privado destinado aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento passou nos dez anos mencionados de 6 bilhotildees de doacutelares em 1986-7
77 Why is there Multilateral Lending Annual World Bank Conference on Development Economics 1995 (http wwwwborg)
62
(014 do PIB dos EUA) a aproximadamente 65 bilhotildees de doacutelares em 1997 (o equivalente
a 081 do PIB americano) por seu lado a cota destinada ao financiamento puacuteblico
(fluxos ODA) foi reduzida no periacuteodo de 021 a 009 (TRIULZI 1998 123)
Com a introduccedilatildeo da condicionalidade e dos creacuteditos e empreacutestimos estruturais os
capitais privados puderam receber garantias efetivas dos governos dos PVD de que as
poliacuteticas econocircmicas implantadas em seus paiacuteses manteriam a conformaccedilatildeo destes Estados
aos regimes de Bretton Woods Em outras palavras com a introduccedilatildeo da condicionalidade
nos institutos financeiros o retomo dos recursos devido agrave ecircnfase no ajustamento estrutural
nas balanccedilas de pagamento estaria assegurado
A introduccedilatildeo de mecanismos de condicionalidade a partir do choque do petroacuteleo e
da crise da diacutevida externa - dois momentos de conflito (em diferentes graus de intensidade)
entre o grupo de paiacuteses em vias de desenvolvimento e o dos paiacuteses industrializados - revela
como os atores favorecidos e desfavorecidos podem obter benefiacutecios e tratamentos
desiguais dos regimes estabelecidos Aleacutem disso como evidenciado pela proacutepria crise da
diacutevida e depois pela noccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo os paiacuteses em vias de desenvolvimento
por natildeo terem conseguido reforccedilar suas poliacuteticas institucionais (seus governos) antes de
efetuarem uma conformaccedilatildeo aos regimes de Bretton Woods (como foi o caso dos paiacuteses
europeus do bloco ocidental) acabaram arcando com os custos maiores das variaccedilotildees
sistecircmicas Finalmente podemos ainda considerar que os proacuteprios regimes de Bretton
Woods foram acordados com constrangimentos internos para que se beneficiassem os
atores mais fortes (a ecircnfase nas balanccedilas de pagamento) Esse tipo de interpretaccedilatildeo ganha
dimensatildeo quando consideramos que as potecircncias secundaacuterias europeacuteias no final da
Segunda Guerra soacute aceitaram participar dos regimes de Bretton Woods depois de
fortalecerem suas instituiccedilotildees poliacuteticas atraveacutes do plano Marshall e da Uniatildeo Europeacuteia de
Pagamento (KEOHANE 1984 DINOLFO 1993)
Nosso proacuteximo e uacuteltimo capiacutetulo seraacute dedicado agrave anaacutelise do fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo descentralizada um constrangimento que exclui os governos dos paiacuteses em
desenvolvimento da aplicaccedilatildeo dos fluxos da ODA Analisaremos a modalidade de
cooperaccedilatildeo descentralizada a partir da instrumentalizaccedilatildeo das ONGs dos paiacuteses
desenvolvidos e de sua relaccedilatildeo com as homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
63
CAPIacuteTULO IV
A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA
COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO
Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo
No estudo da cooperaccedilatildeo descentralizada um dos primeiros problemas que se
apresenta eacute a proacutepria investigaccedilatildeo do termo Embora essa modalidade de administraccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)
tenha comeccedilado timidamente a partir da metade dos anos setenta somente quando o
fenocircmeno ganhou expansatildeo na metade dos anos oitenta buscou-se formalmente um
conceito para a praacutetica que jaacute vinha sendo estabelecida Antes de buscar uma compreensatildeo
mais ampla do termo cooperaccedilatildeo descentralizada devemos esclarecer que esse eacute um
fenocircmeno especiacutefico da cooperaccedilatildeo internacional ao europeacuteia desenvolvimento
Para Jahier e Triulzi cooperaccedilatildeo descentralizada eacute a modalidade de administraccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)
na qual estatildeo excluiacutedos os governos nacionais dos Estados recebedores dos recursos
(JAHIER 2000 TRIULZI 1998 2000) A Comunidade Europeacuteia define de maneira muito
mais generalizante a cooperaccedilatildeo descentralizada ldquoum novo meacutetodo de cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento que potildee os operadores no centro da atuaccedilatildeo das atividades e que persegue
assim o duplo objetivo de adequar as accedilotildees agraves exigecircncias e de garantir sua realizaccedilatildeordquo78
Estas duas primeiras definiccedilotildees pouco revelam sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada Aquilo
que se percebe inicialmente eacute que essa praacutetica tem possibilitado um afastamento dos
Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento da utilizaccedilatildeo direta dos fluxos do
regime internacional ODA Por esse motivo buscaremos investigar a praacutetica da cooperaccedilatildeo
7S Cooperazione Decentrata 2002 (httpeuropaeuintsacdiplusprintversionitlvbrl2004htm)
64
descentralizada como sendo um constrangimento imposto pelos atores mais fortes aos
paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD)
Acreditamos que a maneira mais construtiva de nos aproximarmos do fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo descentralizada seja descrever a maneira como se manifesta essa modalidade no
setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Nesse sentido Basile descreve a cooperaccedilatildeo
descentralizada como sendo uma praacutetica na qual os recursos do regime internacional ODA
disponiacuteveis no Fundo Europeu e na cooperaccedilatildeo bilateral dos paiacuteses europeus eacute diretamente
destinado agraves ONGs internacionais europeacuteias que mantenham projetos de cooperaccedilatildeo em
parceria partnership) com entidades homocircnimas locais dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento e natildeo mais aos governos nacionais destes paiacuteses - nem mesmo para
organizaccedilotildees multilaterias que ainda mantenham princiacutepios de natildeo-identifiacutecaccedilatildeo dos
doadores (BASILE 1995)
A discussatildeo internacional sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada pode ser ainda mais
polecircmica do que a proacutepria discussatildeo da condicionalidade da ajuda Isso porque na praacutetica a
cooperaccedilatildeo descentraliza envolve atores natildeo estatais (ONGs) que atuam no setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Devido a essa particularidade promover um estudo sobre
a legitimidade da cooperaccedilatildeo descentralizada toma-se tarefa bastante complicada Isso
porque muitas vezes eacute difiacutecil distinguir o que eacute a anaacutelise do fenocircmeno daquela que eacute a
posiccedilatildeo subjetiva dos teoacutericos sobre a funccedilatildeo social das ONGs e das ONGs internacionais
no desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres
Os proacuteprios autores que citamos acima Jahier e Triulzi embora tenham uma visatildeo
muito similar da definiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada tecircm opiniotildees muito contrastadas
em relaccedilatildeo agrave sua legitimidade Para Triulzi a praacutetica da cooperaccedilatildeo descentralizada eacute
vaacutelida e se justifica porque coloca os atores natildeo-estatais dos paiacuteses desenvolvidos em uma
espeacutecie de parceria (contratualidade ao inveacutes de condicionalidade) com aqueles atores natildeo-
estatais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (TRIULZI 1998) Segundo ele por meio
de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores seria possiacutevel atingir as necessidades ldquoreaisrdquo das
populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento pois essa relaccedilatildeo proporcionaria o
ldquofavorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-administrativas a ponto de defender os
direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos defendendo a igualdade entre gecircneros
introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo democraacutetica na vida social e civil dos paiacuteses em
65
vias de desenvolvimentordquo (TRIULZI 1998 128) Ao mesmo tempo que faz tal afirmaccedilatildeo
Triulzi coloca-se contraacuterio acirc condicionalidade da ajuda (praacutetica que abordamos no capiacutetulo
anterior) pois ldquoas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento assim como a ajuda
humanitaacuteria tecircm uma particularidade especiacutefica que natildeo eacute a de promover a democracia e os
direitos civis valores indiscutiacuteveisrdquo (TRIULZI 1998 128) mas ainda segundo o autor
natildeo devem acontecer a partir da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (sic) Devemos recordar
que a condicionalidade da ajuda foi um processo iniciado nos anos setenta que pretendia
condicionar o regime internacional ODA agrave realizaccedilatildeo de objetivos pontuais e setorizados
nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Contudo Triulzi declara natildeo perceber uma
incoerecircncia em sua afirmaccedilatildeo quando defende o uso do regime ODA atraveacutes do modelo de
cooperaccedilatildeo descentralizada e opotildee-se ao mesmo tempo agrave condicionalidade da ajuda
Segundo o autor a ldquocontratualidaderdquo entre atores natildeo-estatais seria a garantia de um
verdadeiro processo de desenvolvimento das populaccedilotildees dos paiacuteses mais pobres (TRIULZI
19982000)
Como dissemos anteriormente o conceito inicialmente favoraacutevel de alguns autores
quanto agrave atuaccedilatildeo das ONGs parece natildeo permitir uma verdadeira aproximaccedilatildeo do problema
da cooperaccedilatildeo descentralizada que eacute o fato de que os fluxos do regime internacional ODA
atraveacutes dessa modalidade satildeo em si mesmo uma espeacutecie de constrangimento para aplicaccedilatildeo
dos recursos pelos paiacuteses do Sul considerando que nem os governos destes paiacuteses nem as
ONGs locais podem conduzir diretamente seus proacuteprios projetos de desenvolvimento De
fato segundo a Resoluccedilatildeo 165898 (sect 31 e 32)79 das normas gerais de co-financiamento
para ONGs da Comunidade Europeacuteia atesta apenas as ONGs europeacuteias satildeo elegiacuteveis para a
apresentaccedilatildeo de projetos de desenvolvimento na modalidade da cooperaccedilatildeo
descentralizada
Jahier o segundo autor tratado aqui tem uma visatildeo mais criacutetica quanto agrave
modalidade da cooperaccedilatildeo descentralizada Para ele os recursos do regime internacional
ODA deveriam ser tratados diretamente pelos Estados Isso porque as ONGs internacionais
podem perder valor de representaccedilatildeo civil ou legitimidade quando atuam ligadas de
maneira tatildeo direta aos Estados nacionais dos paiacuteses europeus Aleacutem disso a cooperaccedilatildeo
descentralizada estabelece uma parceria desigual que pode comprometer as relaccedilotildees
66
positivas entre elas e suas homocircnimas de diferentes paiacuteses Finalmente o autor acredita que
as ONGs natildeo deveriam ser inseridas em um acircmbito econocircmico como aquele do setor da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento pois as ONGs internacionais - quando se
colocam no lugar dos Estados como promotoras do desenvolvimento - ldquopodem assumir a
funccedilatildeo de servir de acompanhantes das transferecircncias de dinheiro tecnologia e poliacuteticas
dos atores mais fortesrdquo (JAHEER 2000 223)
0 estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada
Da mesma forma que na condicionalidade da ajuda a cooperaccedilatildeo descentralizada
teve dois momentos distintos de inserccedilatildeo no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento O primeiro aconteceu em 1975 quando a Comunidade Europeacuteia
estabeleceu novas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e aproximou-se do diaacutelogo
Norte-Sul depois do choque do petroacuteleo e da crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-
primas de acordo com a nova orientaccedilatildeo decidida pelos paiacuteses industrializados na
Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) (RELATOacuteRIO
ANUAL CAD 1973) Esse primeiro momento como veremos estruturou as bases da
cooperaccedilatildeo descentralizada O segundo momento de expansatildeo da cooperaccedilatildeo
descentralizada aconteceu em 1985 com a introduccedilatildeo da ldquoCharte Europeacuteenne de
1 Autonomie Localersquorsquorsquo que permitiu que as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos colaborassem
com homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizando os fluxos do regime
internacional ODA do Fundo Europeu de Desenvolvimento80
Em 1975 a Europa que depende fortemente da importaccedilatildeo de mateacuterias-primas e
energia dos paiacuteses em desenvolvimento visando reduzir os conflitos com os paiacuteses
(prioritariamente) fornecedores de mateacuterias-primas ampliou a base geograacutefica de suas 81 rpoliacuteticas de cooperaccedilatildeo atraveacutes da Convenccedilatildeo de Lomeacute I (1975) Com Lomeacute I as
80 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wwwesteriitpoleseracooperazquadrocix)pdechim)
81 Ateacute 1975 quando aconteceu a passagem das Convenccedilotildees de Yaoundeacute I II e III que tinham regulamentado desde 1957 as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa todas
67
poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa passaram agrave atender os paiacuteses da
bacia do Mediterracircneo da Aacutesia e da Ameacuterica Latina Segundo Grilli esta convenccedilatildeo
estabeleceu um compromisso entre a Europa e os paiacuteses em vias de desenvolvimento para
que se regularizasse o fornecimento de mateacuterias-primas em troca do suprimento de
assistecircncia comercial e financeira com base nos princiacutepios de paridade e natildeo-
interferecircncia82 (TRIULZI 2000 GRILLI 1993) Firmou na ocasiatildeo o compromisso de que
os fluxos do regime internacional ODA seriam destinados como uma forma de compensar
financeiramente os paiacuteses em vias de desenvolvimento pelas menores oportunidades
comerciais e financeiras destes atores (GRILLI 1993 38)83
Ao mesmo tempo em que ampliou as aacutereas geograacuteficas de atuaccedilatildeo do setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento com Lomeacute I a Europa promoveu em 1976 a aproximaccedilatildeo
do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) das ONGs europeacuteias84 Naquela data foi
permitido que as ONGs dos paiacuteses europeus passassem a ter acesso diretamente aos
recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento para co-financiar ou financiar
integralmente projetos que seriam implementados nos paiacuteses atendidos pela Convenccedilatildeo de
Lomeacute I (1975) Com esse fim ainda em 1976 ldquocriou-se o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre as
as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento executadas pelo continente eram restritas as aacutereas aos paiacuteses da Aacutefrica Caribe e Paciacutefico ditos paiacuteses ACP
82 Com Lomeacute I a Europa comeccedilou a responder as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento (natildeo reciprocidade nas relaccedilotildees comerciais estabilizaccedilatildeo da renda de exportaccedilatildeo e alguns indexadores dos preccedilos de exportaccedilatildeo) as bases do acordo eram estruturas com igualdade entre dois conjuntos de paiacuteses extremamente diferentes em seus estaacutegios de desenvolvimento
83 Antonelli Salvatori Triulzi e Grilli e Di Nolfo percebem a expansatildeo geograacutefica das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Comunidade Europeacuteia como uma iniciativa de contenccedilatildeo do movimento de organizaccedilatildeo dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas (power o f cartels) e como uma aproximaccedilatildeo dos paiacuteses europeus do diaacutelogo Norte-Sul (ANTONELLI 1995 SALVATORI 1994 TRIULZI 2000 GRILLI 1993 Di Nolfo 1994)
84 Este processo de constituiccedilatildeo de novas entidades combina-se no caso europeu com o processo de revitalizaccedilatildeo do papel desempenhado por agecircncias privadas atuantes no campo da ajuda ou cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta Naquela deacutecada estabeleceram-se como ONGs internacionais de grande porte a NOVIB na Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique contre la Faim etpour le Deacuteveloppement na Franccedila A exemplo do papel desempenhado pelas fundaccedilotildees empresariais americanas estas agecircncias de ajuda e cooperaccedilatildeo em sua maioria vinculadas a Igreja canalizaratildeo em nome da solidariedade internacional um volume expressivo de recursos (TAVARES 1999)
68
ONGs e a Comissatildeo Europeacuteia (COMUNIDADE EUROPEacuteIA)85 Esse Comitecirc foi composto
pelos representantes da Comissatildeo Europeacuteia e por quinze representantes de ONGs dos paiacuteses
membros da Comunidade (MARTINS 2000 42)rdquo Note-se que essa praacutetica eacute diferente da
introduzida pela expansatildeo de 1985 pois ainda natildeo existia a possibilidade de estabelecer
parcerias entre as ONGs europeacuteias e as dos PVD Contudo naquele momento tambeacutem natildeo
existia uma rede de ONGs estruturada como atualmente conhecemos
Tavares percebe uma relaccedilatildeo direta entre a aproximaccedilatildeo das ONGs europeacuteias da
Comissatildeo Europeacuteia e a expansatildeo do setor nos anos setenta Os subsiacutedios puacuteblicos para as
ONGs europeacuteias aumentaram substancialmente a partir desta eacutepoca representando
atualmente de 59 a 68 dos recursos totais das Organizaccedilotildees francesas e alematildes
(TAVARES 1999 133) O processo de constituiccedilatildeo do Comitecirc de Aproximaccedilatildeo entre a
Comissatildeo e as ONGs combina com a expansatildeo do papel desempenhado por agecircncias
privadas atuantes no campo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta
Naquela deacutecada estabeleceram-se ONGs internacionais de grande porte como a NOVIB na
Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot
Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique Contre la Faim et Pour le
Deacuteveloppement na Franccedila (OLIVEIRA 1999) Aleacutem disso segundo Antonelli e tambeacutem
nos anos setenta os paiacuteses europeus passaram a promover incentivos puacuteblicos para a
formaccedilatildeo de pessoal que iria atuar na aacuterea de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir das
ONGs (CECCHI 1995)
A aproximaccedilatildeo da Comissatildeo Europeacuteia das ONGs pode ser explicada por uma seacuterie
de fatores Quanto agraves motivaccedilotildees das proacuteprias ONGs europeacuteias de se aproximarem dos
Estados de maneira institucionalizada devemos lembrar que Keohane considera que no
setor da cooperaccedilatildeo internacional todos os atores agem fundamentalmente por motivaccedilotildees
econocircmicas inclusive organizaccedilotildees internacionais e natildeo-governamentais (KEOHANE
1984) Contudo o autor considera que em algumas situaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento ou ajuda humanitaacuteria podem existir fenocircmenos definidos como
dependecircncia empaacutetica Ou seja que os atores de organizaccedilotildees natildeo governamentais podem
agir motivados por reais preocupaccedilotildees humanitaacuterias Nesses casos deve-se tomar em
85 Ref (httpwvesteriitpolesteracooperazquadrocoopdechtm)
69
consideraccedilatildeo natildeo a opiniatildeo dos fornecedores da ajuda mas a daqueles beneficiados por ela
(KEOHANE 1984 123)
Esta nossa investigaccedilatildeo contudo por tratar das puniccedilotildees e dos constrangimentos
impostos aos Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento a partir de um
fenocircmeno poliacutetico definido (a crise entre paiacuteses industrializados e paiacuteses preferencialmente
produtores de mateacuterias-primas) natildeo abordaraacute diretamente as motivaccedilotildees empaacuteticas destes
atores que podem existir em alguns casos Contudo preferimos manter a orientaccedilatildeo de
Cecchi e Tavares e prosseguir em nossa investigaccedilatildeo considerando que o crescimento
exponencial do nuacutemero de ONGs internacionais filiadas ao Comitecirc de Ligaccedilatildeo da
Comissatildeo Europeacuteia a partir de 1970 pode estar mais relacionado agraves motivaccedilotildees da proacutepria
Comunidade Europeacuteia do que a um fenocircmeno coletivo de dependecircncia empaacutetica Quando o
Comitecirc de aproximaccedilatildeo entre a Comissatildeo Europeacuteia e as ONGs europeacuteias foi fundado em
1976 as ONGs participantes eram 15 Na metade dos anos noventa mais de 800 ONGs jaacute
eram filiadas ao Comitecirc (MARTINS 2000 42) e atualmente mais de 1000 ONGs
internacionais europeacuteias podem ter acesso direto aos fluxos do regime internacional ODA
alocados no Fundo europeu de Desenvolvimento (COMUNE Dl MILANO)86 Segundo
Tavares atualmente o nuacutemero total de ONGs internacionais no mundo eacute de 1500
(TAVARES 1999)
Quanto agraves motivaccedilotildees da Europa nos primeiros anos de suas novas poliacuteticas de
cooperaccedilatildeo a partir do choque do petroacuteleo pode-se supor que os dois frontes abertos de
atuaccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo (a ampliaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas cobertas pela
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e a aproximaccedilatildeo das ONGs da Comissatildeo Europeacuteia) fosse
inicialmente uma tentativa destes governos de conseguir uma imagem positiva de suas
iniciativas de cooperaccedilatildeo ampliada Grilli sugere que Lomeacute I (1975) cumpriu a funccedilatildeo de
desvincular a imagem da Europa de seu passado colonial que tinha sido perpetuado desde
a Segunda-Guerra pelo Associativismo87 entre a Europa e suas antigas colocircnias (GRILLI
86 Disponiacutevel on-line (httpAvwwcomunemilanoif) - Settore di Relazione Estere e Comunicazione
87 O associativismo foi estabelecido em 1957 com o Tratado de Roma e visava regularizar as tenccedilotildees do final do regime colonial Os paiacuteses participantes do associativismo eram aqueles da Aacutefhca Caribe e Paciacutefico ditos ACP
70
1993) Eacute possiacutevel que a aproximaccedilatildeo da Europa das ONGs tenha cumprido essa mesma
funccedilatildeo Isso porque naqueles anos do choque do petroacuteleo quando a tensatildeo entre paiacuteses
industrializados (desenvolvidos) e paiacuteses produtores basicamente de mateacuterias-primas (em
desenvolvimento) estava bastante acentuada a Europa tentava afastar de si mesma e de
suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo a imagem do passado colonial (GRILLI 1995)
O segundo momento de expansatildeo das relaccedilotildees da Comunidade Europeacuteia com as
ONGs internacionais aconteceu em 1985 quando o Conselho da Europa adotou a ldquoCherte
Europeacuteenne de L Autonomie Localerdquo que permitiu agraves ONGs europeacuteias utilizar o regime
ODA para realizar diretamente projetos de cooperaccedilatildeo com as ONGs dos paiacuteses em
desenvolvimento sem a participaccedilatildeo direta dos governos nacionais (COOPERAZIONE
DECENTRATA ALLO SVTLUPPO 2000)88 No mesmo ano o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre a
Comissatildeo Europeacuteia e ONGs adotou o conceito de interdependecircncia Norte-Sul de atuaccedilatildeo
de accedilotildees globais para a soluccedilatildeo dos problemas de desenvolvimento (GRILLI 1993 40-45)
(como visto no capiacutetulo anterior a noccedilatildeo de interdependecircncia no cenaacuterio internacional dos
anos oitenta foi decidida na Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento
Econocircmico em 1981)
De fato em 1985 a agenda das atividades cobertas pela modalidade de cooperaccedilatildeo
descentralizada foi estabelecida como veremos mais adiante a partir do conceito de
necessidades humanas baacutesicas (NHB) e dos temas globais Esse tipo de agenda eacute uma
limitaccedilatildeo ao uso dos fluxos do regime internacional ODA pois estabelece para quais
setores os projetos de desenvolvimento deveratildeo ser apresentados (CREWEampHARRISON
1999)
Devemos ainda recordar que a expansatildeo das atividades da ONGs aconteceu no
mesmo momento em que o processo de internacionalizaccedilatildeo (abordado no capiacutetulo anterior
como uma reduccedilatildeo de custos operacionais que promoveram uma acentuada circulaccedilatildeo dos
fluxos de mercadorias financcedilas e serviccedilos (MDLNER amp KEOHANE 1996) se acentuava
Rainhom a partir de um estudo sobre as ONGs de sauacutede relaciona a expansatildeo
internacional das ONGs internacionais agrave do capital financeiro internacional O tema como
afirma o proacuteprio autor embora ainda natildeo seja explorado em todas as suas possibilidades
88 disponiacutevel on-line (httpwwwesteriitpolesteracooperazquadrocoopdcchtin)
71
pode vir a constituir um campo de investigaccedilatildeo bastante interessante proximamente
Algumas constataccedilotildees podem ser percebidas no trabalho de Hours Segundo o autor a
expansatildeo das ONGs internacionais e emergenciais e a implantaccedilatildeo do discurso privado nos
paiacuteses em desenvolvimento aconteceram paralelamente Para esse autor a ideologia
humanitaacuteria fundada nas intervenccedilotildees de urgecircncia (em um futuro direito de ingerecircncia) e
nas intervenccedilotildees pontuais se impotildee como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS
2001) Em particular a presenccedila na miacutedia das ONGs de sauacutede e do heroacutei meacutedico sem
fronteira eacute abordada pelo autor como uma ofensiva ideoloacutegica e poliacutetica que antecedeu a
ofensiva neoliberal da ONG americana Liberdade Sem Fronteiras (proacutexima dos Meacutedicos
Sem Fronteiras) fundada em 1985 quando terminou a Guerra Fria O objetivo da
Liberdade sem Fronteiras era promover as intervenccedilotildees privadas (e das proacuteprias ONGs) em
um momento de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas mundiais quando os paiacuteses em
desenvolvimento reacenderam suas esperanccedilas de instaurar regimes internacionais mais
favoraacuteveis aos seus interesses (HOURS 2001 98-103)
Natildeo temos elementos teoacutericos disponiacuteveis para avanccedilar no discurso ilustrado acima
contudo acreditamos que esse tipo de aproximaccedilatildeo poderaacute ser produtivo para uma futura
investigaccedilatildeo mais focada na hipoacutetese levantada por Hours de se interpretar as ONGs
internacionais como promotoras do neoliberalismo Aleacutem disso esse tipo de anaacutelise pode
nos deixar mais atentos para a sincronizaccedilatildeo que existiu entre a expansatildeo das ONGs no
setor da cooperaccedilatildeo internacional na Europa a partir dos anos oitenta - notoriamente nas
Convenccedilotildees de Lomeacute Hl (1985) e Lomeacute IV (1990) - e os movimentos de expansatildeo do
capital financeiro europeu estabelecidos nestas mesmas Convenccedilotildees Neste sentido a
Convenccedilatildeo de Lomeacute Hl (1985) que definiu as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Europa entre
1985 e 1990 estabeleceu a salvaguarda dos investimentos privados do continente aplicados
em paiacuteses em desenvolvimento Isso determinou que os fluxos privados (IDE)89 europeus
destinados aos PVD teriam uma garantia dos governos nacionais dos paiacuteses do Sul que
mantivessem relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo com a Europa (GRILLI 1993)90 Segundo Grilli esse
89 Fluxos IDE satildeo financiamentos privados ou capital internacional investido no paiacutes recebedor dos recursos
90 Grilli aponta sempre o enfraquecimento do poder de barganha dos Estados em desenvolvimento como responsaacutevel pela introduccedilatildeo da praacutetica da salvaguarda (GRILLI 1993)
72
tipo de concessatildeo nunca tinha sido tolerado pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento O
autor acredita que a concessatildeo da salvaguarda dos investimentos privados soacute foi possiacutevel
porque os PVD encontravam-se em um dos momentos mais difiacuteceis da crise da diacutevida
externa e como vimos natildeo tinham recebido nenhum tipo de apoio econocircmico aleacutem dos
previstos em Bretton Woods Qualquer tipo de capital destinado a estes paiacuteses mesmo com
fortes condicionamentos era indispensaacutevel para uma tentativa de normalizaccedilatildeo da
economia destes paiacuteses
Uma uacuteltima observaccedilatildeo sobre a expansatildeo das ONGs e a das poliacuteticas liberais pela
Europa na Convenccedilatildeo de Lomeacute IV (1990) em que o conceito de cooperaccedilatildeo
descentralizado foi oficialmente instituiacutedo e alargado para os paiacuteses que mantecircm relaccedilotildees
de cooperaccedilatildeo com a Comunidade Europeacuteia a Europa introduziu e adotou o conceito de
condicionalidade financeira deixando de financiar projetos tradicionais e passando a
realizar como os institutos financeiros empreacutestimos de ajustamento estrutural que
utilizavam os fluxos do regime internacional ODA (GRILLI 1993)
Parece correto afirmar que o setor da cooperaccedilatildeo internacional da Europa adequou-
se agraves medidas decididas pelos paiacuteses da OCDE no Comitecirc de Assistecircncia ao
Desenvolvimento (CAD) quanto agrave orientaccedilatildeo ainda no final dos anos setenta de destinar
as poliacuteticas de desenvolvimento para os setores privados (RELATOacuteRIO ANUAL CAD
1979) No capiacutetulo anterior demonstramos que em 1979 Van Lennep - entatildeo secretaacuterio-
geral adjunto da OCDE - tomou possiacutevel a aproximaccedilatildeo entre os bancos privados e o setor
de financiamento da ajuda financeira ao desenvolvimento Acrescentamos agora a
informaccedilatildeo de que naquele mesmo ano o Comitecirc promoveu o ldquoI Encontro CAD com o
Conselho Internacional das Agecircncias de Voluntaacuterios (ICVA 91
Essa aproximaccedilatildeo das ONGs com a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi sustentada
pelas afirmaccedilotildees feitas pelos grupos de estudo do CAD segundo as quais o setor privado
garantiria maior eficaacutecia e transparecircncia na utilizaccedilatildeo dos recursos enviados aos paiacuteses em
vias de desenvolvimento sustentando que os Estados doadores poderiam estabelecer mais
facilmente mecanismos de avaliaccedilatildeo da efetiva utilizaccedilatildeo dos financiamentos
91 Logo depois em 1981 foi Banco Mundial quem estabeleceu uma diretriz especiacutefica (nota de poliacutetica operacional 1005) Segundo Fuumlhner a decisatildeo do Banco ldquorefletia o interesse do Banco em aproveitar em operaccedilotildees de financiamento a experiecircncia de campo daquelas organizaccedilotildeesrdquo (FUumlRNER 1996)
73
Vilanova nos lembra que em 1976 quando o relacionamento das ONGs com a
Comunidade Europeacuteia nasceu o Estado ficou no centro do processo Ou seja os paiacuteses
europeus puderam controlar e garantir ao mesmo tempo o maacuteximo de eficiecircncia Para
esse autor as ONGs como atores menos sujeitos ao direito internacional e devido ao bom
relacionamento que estabeleceram com a miacutedia conseguiram promover a reorganizaccedilatildeo
das estruturas humanitaacuterias nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Ele sugere que esse eacute
um aspecto muito positivo da atuaccedilatildeo das ONGs contudo seu discurso natildeo avanccedila sobre a
possibilidade que as ONGs tecircm de atuar sobre a reorganizaccedilatildeo de outras estruturas nos
paiacuteses em vias de desenvolvimento
Na verdade essa investigaccedilatildeo do poder de interferecircncia das ONGs nos paiacuteses em
vias de desenvolvimento eacute ainda muito recente no setor da cooperaccedilatildeo internacional
Deveremos reservar para o futuro o aprofundamento dessa discussatildeo Poreacutem Vilanova
Basile Antonelli e Jahier mdash autores estudados nesse capiacutetulo que em maior ou menor
medida se aproximaram desse tema mdash natildeo colocaram em discussatildeo em qualquer
momento o papel central de seus Estados como o ator mais importante desse processo de
ampliaccedilatildeo das ONGs no cenaacuterio internacional Essa observaccedilatildeo denuncia um aspecto da
discussatildeo que embora tenha estado presente desde a introduccedilatildeo do termo - cooperaccedilatildeo
descentralizada - esteve agrave margem durante nossa anaacutelise aquele ligado aos conceitos de
governabilidade (good governace) e de desenvolvimento sustentaacutevel participativo que tecircm
servido de suporte conceituai para a afirmaccedilatildeo dessa modalidade de ajuda Esses dois
suportes conceituais seratildeo vistos em relaccedilatildeo com as justificativas teoacutericas da Comunidade
Europeacuteia e da literatura especializada para a realizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada
atraveacutes das parcerias entre ONGs europeacuteias e ONGs locais
Podemos encerrar essa seccedilatildeo com a afirmaccedilatildeo de Tavares de que muitas vezes a
falta de transparecircncia das ONGs pode ser identificada no fato de que muitos governos
utilizam estas organizaccedilotildees como instrumentos de atuaccedilatildeo externa em iniciativas sobre as
quais natildeo lhes conveacutem assumir responsabilidade direta Em tais casos a flexibilidade em
mateacuteria de elaboraccedilatildeo de relatoacuterios e procedimentos contaacutebeis concedidos agraves ONGs por
92 Em VILANOVA 1995 BASILE 1995 ANTONELLI 1995 JAHIER 2000
74
estes governos revela-se essencial para que as iniciativas natildeo sejam diretamente
identificadas com estes atores (TAVARES 1999)
As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada
As justificativas da Comunidade para a implantaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada
foram baseadas em dois aspectos distintos Primeiramente justificou-se a implantaccedilatildeo da
cooperaccedilatildeo descentralizada devido ao fato de que mesmo depois de estabelecida a ajuda
internacional ao desenvolvimento nos anos sessenta os indicadores de desenvolvimento e
de necessidades humanas baacutesicas dos PVD (atualmente definido como desenvolvimento
humano) permaneciam estagnados93 As causas do falimento da ajuda foram buscadas em
uma certa incapacidade organizacional e institucional destes paiacuteses na administraccedilatildeo dos
recursos Tambeacutem Barbarella afirma que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi instituiacuteda porque
os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizaram inadequadamente os
instrumentos da cooperaccedilatildeo e os reduziram a um aparato operativo ineficaz vinculado
muitas vezes agrave poliacutetica externa e comercial de seus Estados (BARBARELLA 1998)
Basile e Antonelli justificam a cooperaccedilatildeo descentralizada focando seu discurso na
maior transparecircncia e eficiecircncia das ONGs e na sua natural vocaccedilatildeo de cumprir metas
sociaisrdquo (BASILE ANTONELLI 1995) Lal afirma que as ONGs internacionais com
organizaccedilotildees radicadas no territoacuterio dos paiacuteses beneficiados podem identificar os
potenciais beneficiaacuterios e endereccedilaacute-los aleacutem de monitorar os benefiacutecios a serem destinados
a eles muito melhor do que os governos nacionais (LAL) Outros autores mais favoraacuteveis
ao processo da participaccedilatildeo das ONGs chegam a considerar a cooperaccedilatildeo descentralizada
como uma necessidade - isto devido agrave proacutepria conduta dos governos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento ldquoque costumam ser corruptos pouco democraacuteticos e incompetentes no
exerciacutecio de suas funccedilotildees governamentaisrdquo (BARBARELLA 1998)
93 LIVRO VERDE 1997 O Livro Verde eacute editado pela direccedilatildeo geral do desenvolvimento e conteacutem as normas da Comunidade para o setor
75
Podemos perceber que esse tipo de observaccedilatildeo nos conduz primeiramente agrave
percepccedilatildeo de que se naturalizou a ideacuteia de que os fluxos do regime internacional ODA
devem cumprir funccedilotildees de desenvolvimento humano (necessidades humanas baacutesicas) A
segunda percepccedilatildeo eacute que as justificativas iniciais da Comunidade Europeacuteia parecem
fortemente baseadas no suporte teoacuterico da governabilidade A noccedilatildeo de governabilidade
associada ao pluralismo democraacutetico eacute vista atualmente como uma forma de
desenvolvimento correto para os paiacuteses mais pobres A legitimidade da cooperaccedilatildeo
descentralizada para promover a governabilidade nos paiacuteses em vias de desenvolvimento
parece estar sendo buscada pelos autores abordados no uacuteltimo paraacutegrafo na ideacuteia de que
os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento seriam pouco representativos de suas
populaccedilotildees A proacutepria Comunidade faz essa afirmaccedilatildeo no documento oficial de
sensibilizaccedilatildeo popular mdash destinado agrave sociedade civil europeacuteia mdash sobre a necessidade da
manutenccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento ldquoa
Comunidade estaacute trabalhando haacute mais de dez anos para desenvolver (atraveacutes da
cooperaccedilatildeo) um diaacutelogo simultacircneo com aqueles que satildeo os reais beneficiaacuterios da ajuda
Mandando delegaccedilotildees a campo a Comunidade manteacutem uma permanente relaccedilatildeo com as
pessoas locais e serve de intermediaacuteria entre a populaccedilatildeo local e os governos oficiaisrdquo 94
A noccedilatildeo de governabilidade como aquela utilizada pelo discurso da Comunidade
Europeacuteia estabelece uma ilegitimidade dos governos nacionais dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento perante as populaccedilotildees destes Estados aleacutem de criar uma imagem negativa
dos governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento junto agraves populaccedilotildees dos paiacuteses
desenvolvidos O que pode representar inclusive perdas comercias profundas para estes
uacuteltimos Essa imagem negativa pode ser utilizada inclusive pelos governos dos paiacuteses
desenvolvidos como instrumento de pressatildeo econocircmica e poliacutetica contra os paiacuteses do
Terceiro Mundo Cooper e Packhard argumentam que o sucesso da transmissatildeo de ideacuteias
como a governabilidade (que eacute oficialmente produto da ajuda conceituai CAD) emana das
poderosas organizaccedilotildees de desenvolvimento com o claro objetivo de promover mudanccedilas
poliacuteticas- Os autores acreditam que criacuteticas agrave corrupccedilatildeo de governo ao clientelismo e a
incompetecircncia satildeo criadas propositadamente para desconstruir a capacidade politica dos
94 ( w europaeuintscadpluslegleslubrl 2500htm)
76
governos dos paiacuteses mais pobres Mais importante olhar a governabilidade na perspectiva
histoacuterica permite que o conceito pareccedila menos novo A insistecircncia em good governance eacute
em grande parte reproduccedilatildeo do que jaacute foi previamente dito sobre good economy uma
afirmaccedilatildeo - em forma de eufemismo - de que o Ocidente tem proposto objetivos a serem
atingidos pelos PVD um conjunto generalizado de categorias que definem seus standards
(COOPER amp PACKHARD 1997)
A cooperaccedilatildeo descentralizada foi implementada no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento concomitantemente agrave introduccedilatildeo na agenda internacional dos conceitos
de governabilidade e participaccedilatildeo civil e de corrupccedilatildeo dos governos dos paiacuteses do terceiro
mundo Embora alguns autores afirmem que o conceito de governabilidade tenha entrado
no cenaacuterio internacional a partir do estudo poor governance do Banco Mundial em 1992
devemos lembrar que jaacute na metade dos anos oitenta o CAD publicou que ldquoAs Agecircncias
das Naccedilotildees Unidas (e as demais organizaccedilotildees internacionais) deveriam estabelecer projetos
que procurassem contribuir para estrateacutegias de Orientaccedilatildeo Paiacutesrdquo Estas orientaccedilotildees
contudo deveriam estar centralizadas ldquoem trecircs principais elementos o melhoramento
poliacutetico e a construccedilatildeo institucional da regiatildeo (que estruturam o conceito de good
governance) e o desenvolvimento de programas com investimentos puacuteblicosrdquo
(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1987) Em 1988 o CAD adotou os princiacutepios para a
apreciaccedilatildeo internacional de projetos de organizaccedilotildees natildeo-govemamentais (RELATOacuteRIO
ANUAL CAD 1987) Sobre a corrupccedilatildeo dos governos dos PVD o relatoacuterio anual do CAD
de 1992 afirmava ldquoLutar contra a corrupccedilatildeo e melhorar as financcedilas eacute um elemento
essencial da governabilidade A corrupccedilatildeo pode minar a inteira faacutebrica da economia e da
vida poliacutetica A corrupccedilatildeo pode prejudicar a reputaccedilatildeo da ajuda (ODA) junto agraves
populaccedilotildees civis dos paiacuteses doadoresrdquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)
E interessante perceber que a cooperaccedilatildeo descentralizada e a questatildeo da
governabilidade parecem estar conseguindo unir uma seacuterie de atores dos paiacuteses
desenvolvidos Apesar das diferenccedilas de discurso na cooperaccedilatildeo descentralizada e na
noccedilatildeo de que ela representa um papel fundamental para promover a governabilidade dos
paiacuteses em vias de desenvolvimento engajaram-se aleacutem do fundo europeu os doadores
bilaterais destes paiacuteses e as proacuteprias ONGs internacionais europeacuteias A esse propoacutesito a
posiccedilatildeo do grupo de ONGs europeacuteias durante a uacuteltima Conferecircncia sobre o Financiamento
77
do Desenvolvimento em Monterrey foi bastante clara em sua posiccedilatildeo sobre a administraccedilatildeo
direta dos recursos ODA pelos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
O grupo dos 77 reafirmava exaustivamente o direito dos PVD administrarem seus
proacuteprios recursos mesmo que nunca tenha ficado claro quais fossem exatamente seus
objetivos Aleacutem disso os governos destes paiacuteses costumam desconsiderar alguns direitos de
desenvolvimento como regras de govemo e direitos das populaccedilotildees Estes governos
tambeacutem costumam se opor ao dinheiro que venha atraveacutes das organizaccedilotildees natildeo
governamentais e continuam desconfiados quanto agrave utilizaccedilatildeo de mecanismos de ajuda - do
FMI e do Banco Mundial - que estabeleccedilam ajustes macroeconocircmicos Eles se opotildeem ateacute
mesmo ao recente foco da ajuda bilateral de privilegiar os paiacuteses mais pobres Finalmente
costumam natildeo consideraras demandas sociais e ambientais de seus paiacuteses (THE COURIER
ACP-EU 2002 l)95
A posiccedilatildeo das ONGs europeacuteias parece bastante adequada com os crescentes
interesses financeiros destas organizaccedilotildees no setor do desenvolvimento Estimava-se que
no final dos anos 90 o conjunto de ONGs dos paiacuteses OCDE administrasse o equivalente a
mais de 10 bilhotildees de doacutelares por ano entre contribuiccedilotildees puacuteblicas e privadas Destes
recursos em meacutedia 23 provecircm de doaccedilotildees privadas (JAHIER 2000 208) Quanto agraves
contribuiccedilotildees privadas das ONGs precisamos ressaltar que estas organizaccedilotildees podem
utilizar um percentual de ateacute 15 dos recursos conseguidos junto ao Fundo Europeu para
realizar campanhas publicitaacuterias de suas atividades Esse feto tem contribuiacutedo em larga
medida para a expansatildeo das contribuiccedilotildees privadas das ONGs nos paiacuteses da OCDE que
passaram de pouco menos de US$ 1 bilhatildeo para 7 bilhotildees de doacutelares entre 1970 e 1990
(JAHEER 2000) Realizar uma pesquisa criteriosa da administraccedilatildeo dos recursos das ONGs
e da efetiva aplicaccedilatildeo destes recursos nos paiacuteses em vias de desenvolvimento eacute uma tarefa
extremamente complicada As ONGs colocam-se como organizaccedilotildees separadas dos
governos e orgulhosas de sua autonomia natildeo permitem facilmente interferecircncia e
controles quanto agrave administraccedilatildeo de seus recursos (TAVARES 1999) Horton Smith
(citado por Tavares) chama a atenccedilatildeo para o feto de que estas organizaccedilotildees tendem a tratar
com certo grau de sigilo o processo de definiccedilatildeo de suas atividades e os esquemas de apoio
95 Courier ACP-EU eacute o informativo das ONGs europeacuteias
78
financeiro dos quais se beneficiam chegando em alguns casos a natildeo revelar claramente sua
composiccedilatildeo Mesmo nos paiacuteses europeus onde se costuma destinar grandes somas puacuteblicas
para estas organizaccedilotildees um controle do uso dos recursos natildeo acontece (TfiacuteATFR 2000)
Ateacute mesmo pela proacutepria regulamentaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada que aleacutem de dar
autonomia para estas organizaccedilotildees para a gestatildeo dos fundos ainda permite que a prestaccedilatildeo
de contas finais da realizaccedilatildeo de um projeto seja apresentada cinco anos depois da
assinatura do contrato96 Esse intervalo temporal concede agraves ONGs uma ampla
possibilidade de alterar ou maquiar seus relatoacuterios finais de prestaccedilatildeo de contas
A segunda justificativa da Comunidade Europeacuteia para a introduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo
descentralizada foi o crescimento da vitalidade e da efervescecircncia da sociedade civil nos
paiacuteses em vias de desenvolvimento A cooperaccedilatildeo descentralizada foi justificada como um
incentivo para que as sociedades civis organizadas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pudessem interferir diretamente nos processos de desenvolvimento destes paiacuteses Contudo
como vimos a cooperaccedilatildeo descentralizada natildeo significou um acesso direto das ONGs do
Sul aos recursos do Fundo Europeu como poderia ser esperado a partir das motivaccedilotildees
declaradas Para justificar a ampliaccedilatildeo dessa praacutetica a Comunidade Europeacuteia tem utilizado
o apoio que as ONGs do Sul demonstraram pelas iniciativas de desenvolvimento
descentralizado97 A mesma justificativa baseia-se no conceito de desenvolvimento
sustentaacutevel participativo no papel que a ajuda oficial ao desenvolvimento supostamente
tem de promover a expansatildeo da rede de suporte agraves poliacuteticas da governabilidade (CREWE
amp HARRISON 1998)
O grande problema da questatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel participativo eacute que
essa noccedilatildeo vem se sobrepondo nos anos noventa ao conceito de cooperaccedilatildeo teacutecnica que
era um dos pilares fundadores do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
A cooperaccedilatildeo teacutecnica era entendida inicialmente como uma transferecircncia de capacidade
produtiva que devia servir para consolidar a autonomia dos Estados na formulaccedilatildeo das
poliacuteticas nacionais de desenvolvimento (MARCHISIO 1986) Contudo depois da
introduccedilatildeo da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel participativo a cooperaccedilatildeo teacutecnica tem
96 General Conditons For The Cofinance Of Development 2000 2
97 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 fwwvvestonityioleseracooreraz auadrocooixfcchtml
79
sido percebida como a possibilidade dos paiacuteses doadores de interferir em niacuteveis de
eficiecircncia (humana) nos sistemas produtivos do paiacutes recebedor Desse modo deixa-se de
mandar tecnologia para os paiacuteses do Terceiro Mundo passando-se a mandar pessoal
teacutecnico que ajudaraacute na construccedilatildeo de projetos locais de desenvolvimento e orientaraacute as
populaccedilotildees de base quanto a suas capacidades de organizaccedilatildeo (CAFFARENA 2001) Esse
tipo de procedimento aumenta muito o nuacutemero de teacutecnicos internacionais e expatriados dos
paiacuteses em desenvolvimento que encontram trabalho bem remunerado nos paiacuteses em vias de
desenvolvimento
Devemos ainda aprofundar a questatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada estabelecida a
partir do criteacuterio de parcerias Vimos anteriormente que a regulamentaccedilatildeo do programa natildeo
permitiu que as ONGs do Sul pudessem ter acesso direto aos recursos da Comunidade98 e
que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi baseada no criteacuterio de parceria (partnership) entre as
ONGs internacionais europeacuteias e suas congecircneres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
Segundo a Comunidade Europeacuteia as parcerias foram introduzidas ldquopara favorecer a
participaccedilatildeo ativa dos diversos componentes representativos da sociedade civil dos paiacuteses
parceiros no processo de decisatildeo com fins de desenvolvimento sustentaacutevel nos seusbull bull laquo99terntonos
Segundo Crewe e Harrison a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada -
a partir do criteacuterio de parceria - foi uma estrateacutegia dos paiacuteses detentores dos fundos para
conseguir manter a maior parte possiacutevel dos recursos em seus proacuteprios paiacuteses atraveacutes do
pagamento de consultores e pessoal especializado local e expatriado da manutenccedilatildeo de
mecanismos burocraacuteticos em seus territoacuterios e da tendecircncia em aprovar projetos que
pudessem incentivar a venda de seus produtos e equipamentos Uma segunda razatildeo
apontada pelas autoras para o estabelecimento de um modelo de cooperaccedilatildeo
descentralizada baseada em parcerias eacute que as organizaccedilotildees locais assim como os
governos do Terceiro Mundo passam a ter uma conotaccedilatildeo passiva e satildeo mais fortemente
percebidas como incapazes de manejar seu proacuteprio trabalho (CREWE amp HARRISON
9S Em 1992 a autoridade orccedilamentaacuteria da Comunidade criou uma rubrica orccedilamentaacuteriadestinada a promover a cooperaccedilatildeo descentralizada em todas as atividades de cooperaccedilatildeo aodesenvolvimento com paiacuteses pobres (httpwwweuropaeuint) A cooperaccedilatildeo descentralizada foiincentivada sem regulamentaccedilatildeo orccedilamentaacuteria jaacute a partir dos anos oitenta
99 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wAvesten it nolesera cooperaz ciuadro cooixiechtm)
80
1998) Em concordacircncia com a opiniatildeo das autoras parece estar a proacutepria definiccedilatildeo do CAD
de parceria ldquoAtraveacutes da parceria (partnership) a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo tenta
fazer coisas para os paiacuteses em desenvolvimento e para suas populaccedilotildees mas com eles Isso
pode ser visto como um esforccedilo colaborativo para ajudaacute-los a aumentar suas capacidades de
fazer coisas para eles mesmosrdquo (OECD 1996 13) Na mesma linha de raciociacutenio se
encontra a definiccedilatildeo do PNUD de cooperaccedilatildeo descentralizada a partir das parcerias ldquoA
cooperaccedilatildeo descentralizada eacute um processo cujo objetivo eacute capacitar as pessoas para
empreender uma accedilatildeo para um desenvolvimento autocircnomo e de adquirir a capacidade de
influenciar e dirigir as mudanccedilas da proacutepria sociedaderdquo
Sobre as opiniotildees favoraacuteveis em relaccedilatildeo agrave questatildeo das parcerias relembramos as
anaacutelises de Triulzi Basile e Antonelli atraveacutes das quais iniciamos a investigaccedilatildeo do termo
cooperaccedilatildeo descentralizada Para Triulzi por meio de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores
se atingiratildeo as necessidades reais das populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pois essa relaccedilatildeo ldquoproporcionaria o favorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-
administrativas de maneira a defender os direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos
defendendo a igualdade entre gecircneros introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo
democraacutetica na vida social e civil dos PVDrdquo (TRIULZI 1998 128)
Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais
Dois uacuteltimos aspectos seratildeo abordados no encerramento desse trabalho O primeiro
eacute em relaccedilatildeo agrave agenda da cooperaccedilatildeo descentralizada que - como salientamos
anteriormente - pode representar um constrangimento inicial para a utilizaccedilatildeo dos recursos
do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Isso porque os projetos satildeo
aprovados com bases setorial preacute-determinada pela proacutepria Comunidade Europeacuteia O
segundo aspecto que discutiremos eacute em relaccedilatildeo agrave expansatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo das ONGs
internacionais no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive como
agecircncias executivas de organizaccedilotildees internacionais e dos proacuteprios governos
A mesma liberdade quanto agrave aplicaccedilatildeo dos recursos alocados pelas ONGs
internacionais que apenas discutimos natildeo acontece em relaccedilatildeo agrave escolha dos temas e das
aacutereas dos projetos apresentados a Comunidade Europeacuteia O Guia Geral das Condiccedilotildees de
81
Co-Financiamento de Operaccedilotildees de Desenvolvimento Executadas por ONGs Europeacuteias em
paiacuteses de Desenvolvimento da Comissatildeo da Comunidade Europeacuteia estabelece que os
projetos sejam executados nas seguintes aacutereas principais desenvolvimento econocircmico e
social local em aacutereas urbanas e rurais desenvolvimento de recursos humanos e suporte para
a estruturaccedilatildeo de ONGs locais Ainda podem ser apresentados projetos nas aacutereas
secundaacuterias de promoccedilatildeo dos direitos humanos e da democracia promoccedilatildeo das mulheres
desenvolvimento sustentaacutevel direitos das crianccedilas proteccedilatildeo de culturas ameaccediladas
educaccedilatildeo de base sauacutede baacutesica proteccedilatildeo e resoluccedilatildeo de conflitos100
Os temas assistidos pelas ONGs internacionais estatildeo em concordacircncia com os
estabelecidos pelos paiacuteses da OCDE para o uso da condicionalidade da ajuda visto no
capiacutetulo anterior Considerando-se as limitaccedilotildees iniciais para a apresentaccedilatildeo de projetos
pelas ONGs internacionais e apenas os fundos puacuteblicos por elas administrados ou seja o
equivalente a US$ 3 bilhotildees de doacutelares (em meacutedia 5 dos recursos do fundo Europeu mdash
TRJLUZI 1998)101 podemos perceber o quanto a cooperaccedilatildeo descentralizada possa vir a
representar um fator de constrangimento para o acesso dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento aos fundos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento
(ODA) e ao estabelecimento de programas nacionais de desenvolvimento No que diz
respeito agraves contribuiccedilotildees dos fundos puacuteblicos dos Estados europeus tomados
individualmente os paiacuteses destinam agraves ONGs percentuais muito variados de seus fundos
oficiais A Aacuteustria e a Irlanda satildeo os dois paiacuteses que menos repassam contribuiccedilotildees para as
ONGs fixando-se em um percentual de 10 de seus fundos ODA na margem oposta estatildeo
a Beacutelgica e a Itaacutelia que repassam mais de 70 de suas contribuiccedilotildees oficiais ao
desenvolvimento atraveacutes das ONGs
Como dissemos as ONGs internacionais estatildeo expandindo suas fontes de recursos e
podem receber financiamentos dos institutos financeiros e do proacuteprio PNUD a partir da
cooperaccedilatildeo coordenada CAD que incentivou a aproximaccedilatildeo das ONGs do setor da
cooperaccedilatildeo jaacute a partir de 1979 (REALATOacuteRIO ANUAL CAD 1979) O Banco Mundial
atualmente utiliza 50 de seus recursos por meio das ONGs internacionais (dados de 1999
luu General Conditions For The Cofmancing Of Development 2000 3-4
K1 Em 1970 os fundos puacuteblicos eram inferiores a US$ 200 milhotildees (JAHIER 2000 208)
82
TAVARES 1999) O PNUD assim como uma seacuterie de outras agecircncias e Programas das
Naccedilotildees Unidas utiliza ONGs internacionais acreditadas junto ao ECOSOC (Conselho
Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas) com status consultivo como agecircncias executivas
em suas atividades desde 1984 As ONGs ativas de voluntariado desenvolvimento ajuda
humanitaacuteria e de emergecircncia (os quatro termos correspondem agrave quase totalidade das ONGs)
satildeo atualmente aproximadamente 4000 (JAHEER 2000208) Destas 2234 satildeo acreditadas
junto ao ECOSOC sendo que 79 delas pertencem agrave Europa e aos Estados Unidos103
(dados fornecidos pelo ECOSOC) Devemos lembrar que o Banco Mundial assim como as
demais agecircncias do Sistema das Naccedilotildees Unidas realiza empreacutestimos com garantia
governamental Desse modo a atuaccedilatildeo das ONGs a partir destas fontes seraacute decidida em
acordo feito junto aos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
(AGEcircNCIA BRASILEIRA DE COOPERACcedilAtildeO) De qualquer maneira Tavares nos
lembra que muitas das organizaccedilotildees internacionais estatildeo condicionando a presenccedila de
ONGs no andamento dos projetos realizados nos paiacuteses em vias de desenvolvimento para
a liberaccedilatildeo dos recursos o que acaba alterando o procedimento das preferecircncias dos
governos e os leva muitas vezes a modificar estrateacutegias de negociaccedilatildeo e a incorporar as
ONGs em suas iniciativas especiacuteficas (TAVARES 1999)
Sobre a desproporccedilatildeo do nuacutemero de ONGs internacionais do Norte e do Sul que tecircm
caraacuteter consultivo junto ao ECOSOC devemos considerar que a falta de um criteacuterio
regional mais equilibrado para a concessatildeo do status consultivo junto agrave organizaccedilatildeo
aumenta ainda mais a concentraccedilatildeo do poder de utilizaccedilatildeo dos recursos nas esferas de
102
102 O relacionamento das Ongs com o Banco Mundial se desenvolveu basicamente a partir dos anos 80 com o estabelecimento de diretrizes especiacuteficas em 1981 (Nota de Poliacutetica Operacional 1005) (TAVARES 1999)
103 Das 2234 Ongs acreditadas junto ao ECOSOC em 2002 (segundo criteacuterio de localizaccedilatildeo da sede central) 39 pertencem agrave Europa 30 aos EUA 6 agrave Ameacuterica Latinal agrave Oceania 10 agrave Aacutefrica e 14 agrave Aacutesia (ECOSOC - httpwww unorg - dados solicitados diretamente) A proporccedilatildeo de ONGs dos paiacuteses desenvolvidos acreditadas junto ao ECOSOC pode ser ainda maior do que revelam os dados Isso porque o criteacuterio de cadastramento das ONGs em base regional eacute realizado tomando-se como referecircncia a sede administrativa das atividades da ONG naquele ano Considerando que atualmente as grandes organizaccedilotildees (que pertencem todas aos paiacuteses desenvolvidos) mudam constantemente de sede estabelecendo em alguns periacuteodos as sedes centrais das organizaccedilotildees nos paiacuteses em vias de desenvolvimento os dados do ECOSOC podem esconder uma realidade ainda mais favoraacutevel as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos
83
decisatildeo do Norte do mundo Aleacutem disso as ONGs do Sul estatildeo de qualquer maneira em
desvantagem porque elas tecircm menos acesso a informaccedilatildeo privilegiadas devido ao feto de
que atualmente as grandes ONGs internacionais dos paiacuteses desenvolvidos manteacutem
escritoacuterios permanentes em Bruxelas e Nova Iorque podendo desse modo obter
informaccedilotildees avantajadas sobre a liberaccedilatildeo de recursos oficiais Aleacutem disso as redes mais
limitadas de suporte das ONGs do Sul tomam estas organizaccedilotildees mecanismos de obtenccedilatildeo
de recursos menos eficientes do que as organizaccedilotildees dos paiacuteses mais ricos que se
expandem internacionalmente De acordo com Pereira as ONGs internacionais obtecircm
reconhecimento e recursos porque fornecem aos paiacuteses doadores um produto ou seja um
relatoacuterio profissional com textos e informaccedilotildees estrategicamente preparados para agradar
ao leitor (PEREIRA 1997 167)
Devemos considerar ainda que quando as ONGs atuam em funccedilotildees setorizadas
como eacute atualmente o caso das agendas das organizaccedilotildees internacionais e dos institutos
financeiros comprometem muito de sua ldquoforccedila inovadorardquo (DARCY 2000) Alguns
estudos do setor demonstram que estaacute acontecendo uma crescente homogeneizaccedilatildeo das
ONGs (JAHDER 2000 213) De fato os setores de atuaccedilatildeo destas organizaccedilotildees se
diferenciam sempre menos devido a sua proacutepria necessidade de empreender meacutetodos de
atuaccedilatildeo empresarial e seguir as agendas dos financiadores para obter recursos Esta
tendecircncia acaba limitando fortemente a capacidade original de inovaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo
que era caracteriacutestica das ONGs (TAVARES 1999) A propoacutesito Bemard Hours
acrescenta que as ONGs promovem a ideacuteia de desenvolvimento identificado em termos de
intervenccedilatildeo global e estandardizada determinada pelos procedimentos de avaliaccedilatildeo de
projetos das organizaccedilotildees internacionais que lhes concedem recursos Dessa forma ldquoa
ideologia humanitaacuteria fundada sobre a urgecircncia e sobre as intervenccedilotildees pontuais foram
impostas como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS 2001 98)rdquo
La 1 (assim como inuacutemeros outros autores) tem uma visatildeo contraacuteria agravequelas ateacute
agora abordadas Vimos que na opiniatildeo desse autor os institutos de caridade e as Ongs
nacionais ou internacionais - que tenham sede estabelecida nos paiacuteses atendidos - podem
identificar os beneficiaacuterios em potencial e endereccedilando e monitorando os benefiacutecios a
serem destinados a eles muito melhor do que os governos locais Com a finalidade de
84
tornar praacutetica esta possibilidade Lal sugere que todos os fluxos do regime internacional da
ajuda ao desenvolvimento ODA venham alocados a estas organizaccedilotildees com base nas suas
propostas de utilizaccedilatildeo e eventualmente em sua capacidade para contribuir com uma
quantidade correspondente de recursos proacuteprios (LAL 1985)
Uma caracteriacutestica interessante que deve ser percebida nas ONGs internacionais eacute
que elas se ocupam prevalentemente de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e accedilotildees
humanitaacuterias - isso lhes confere um setor especiacutefico de accedilatildeo os paiacuteses em
desenvolvimento Milner e Keohane afirmam que alguns paiacuteses devido a suas forccedilas
institucionais podem isolar a si mesmo das pressotildees societais aumentadas com o processo
de internacionalizaccedilatildeo Isso implica que mesmo que com a crescente internacionalizaccedilatildeo e
com as mudanccedilas de preferecircncia dos atores domeacutesticos as decisotildees centrais destes Estados
natildeo vatildeo responder a estas mudanccedilas ou o faratildeo a seu proacuteprio modo (MILNER amp
KEOHANE 1996 9-10) Essa constataccedilatildeo vale tanto para as pressotildees do capital privado
como para as populaccedilotildees civis Esse tipo de interpretaccedilatildeo resulta na avaliaccedilatildeo de que as
populaccedilotildees dos paiacuteses desenvolvidos podem estar sendo direcionadas estrategicamente por
seus governos para questotildees e problemas que se encontram fora de seus territoacuterios
nacionais possibilitando a diminuiccedilatildeo das pressotildees societais internas e ao mesmo tempo
cumprindo seus objetivos de poliacutetica exterior Enquanto as populaccedilotildees civis dos paiacuteses
desenvolvidos se ocupam das questotildees sociais dos outros paiacuteses os governos nacionais dos
paiacuteses desenvolvidos podem promover com maior tranquumlilidade suas estrateacutegias nacionais
centralizadas de desenvolvimento e reforccedilar suas instituiccedilotildees internas Aleacutem disso as
populaccedilotildees locais quando comparam a sua proacutepria condiccedilatildeo com a das populaccedilotildees em vias
de desenvolvimento (devido sobretudo agrave atual capacidade que tecircm as ONGs internacionais
de divulgar na miacutedia as situaccedilotildees de emergecircncia e trageacutedia humanitaacuteria) acabam
inevitavelmente reforccedilando o conceito de que seus governos nacionais conduzem poliacuteticas
puacuteblicas eficientes e portanto as pressotildees internas natildeo se justificam Uma pesquisa de
opiniatildeo conduzida por Marelli e Garelli na Itaacutelia104 em 2000 sobre o suporte dos italianos
aos programas de cooperaccedilatildeo descentralizada revela alguns dados interessantes sobre a
questatildeo Quanto agrave confianccedila dos entrevistados nas ONGs (de forma generalizante)
104 Onde existem 150 ONGs internacionais (JAHIER 2000)
85
averiguou-se que 67 4 dos entrevistados tecircm muita ou muitiacutessima confianccedila nelas
269 tecircm pouca e apenas 56 natildeo tecircm nenhuma Em segundo lugar verificou-se que
70 dos entrevistados aprovam que a conduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento seja
realizada atraveacutes das ONGs internacionais (cooperaccedilatildeo descentralizada)
Os dados levantados nessa pesquisa oferecem um quadro inicial do emergente papel
que vecircm assumindo as ONGs internacionais e o modelo da cooperaccedilatildeo descentralizada
como modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos do regime internacional ODA
Sobre a questatildeo da legitimidade das ONGs internacionais como administradoras de
fluxos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) devemos
lembrar que como sugere Tavares pouco se discute sobre a democracia interna das ONGs
e a total ausecircncia de mecanismos democraacuteticos internos nestas instituiccedilotildees As ONGs
internacionais tendem a legitimar seus interesses natildeo a partir das democracias
representativas atuais mas com base nos interesses futuros de milhotildees de pessoas que ainda
natildeo nasceram - como eacute o caso das organizaccedilotildees ambientais e pacifistas Aleacutem disso
Tavares ainda afirma que as ONGs tendem a relativizar as regras da democracia
representativa para encontrar a legitimidade de suas accedilotildees em grupos minoritaacuterios criando
desse modo a noccedilatildeo de que existem muacuteltiplas fontes de legitimidade dentro da sociedade
relacionadas com causas de interesses de minorias ou com a busca de eficiecircncia as quais
lhes permitiram desempenhar papel de utilidade puacuteblica O autor justifica a aceitaccedilatildeo das
ONGs pelos Estados baseado em dois motivos principais O primeiro seria que as ONGs
podem ser uma melhor alternativa aos grupos de pressatildeo mais radicais da classe meacutedia A
segunda seria que as ONGs podem ter um efeito positivo nas populaccedilotildees menos
favorecidas da sociedade mostrando a estes grupos que suas necessidades podem ser
atendidas (TAVARES 1999)
Opiniotildees menos otimistas tambeacutem satildeo encontradas Cremer nos lembra que pensar
que as ONGs natildeo cometem erros eacute um falso pressuposto (CREMER 1996) Souza acredita
que elas construiacuteram sua imagem a partir da crenccedila de que tais organizaccedilotildees satildeo honestas
competentes pequenas flexiacuteveis e eficientes que o autor considera uma informaccedilatildeo
irreal Como qualquer ator as ONGs estatildeo sujeitas agrave falhas na administraccedilatildeo dos recursos
a desvios de verba e a incompetecircncia
86
0 maior problema contudo de pensar nas ONGs internacionais como promotoras de
desenvolvimento eacute que esse tipo de raciociacutenio e constrangimento pode levar os paiacuteses em
vias de desenvolvimento a se desviarem a desviarem-se de um projeto nacional de
desenvolvimento
A Europa atraveacutes da estruturaccedilatildeo da rede de ONGs internacionais que atualmente
participam ativamente do setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento tem conseguido cada
vez mais interferir diretamente nos processos de desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres
As ONGs internacionais vatildeo disputar cada vez mais com os Estados do Sul os recursos do
regime internacional ODA assumindo funccedilotildees diversificadas sobretudo nos Estados que
natildeo tiverem redes de proteccedilatildeo contra as forccedilas da internacionalizaccedilatildeo Essa sobreposiccedilatildeo de
interesses econocircmicos poderaacute comprometer ateacute mesmo a possibilidade de surgimento de
uma cooperaccedilatildeo real e inequiacutevoca entre os atores avantajados e desavantajados
Jahier defende a existecircncia de uma legiacutetima sensibilidade das populaccedilotildees dos paiacuteses
desenvolvidos em relaccedilatildeo agraves questotildees do desenvolvimento Experiecircncias positivas podem
nascer da atuaccedilatildeo de ONGs de diferentes paiacuteses Natildeo podemos deixar de lembrar que o
voluntariado cumpria uma funccedilatildeo positiva de natildeo ingerecircncia antes de sua aproximaccedilatildeo ao
setor da cooperaccedilatildeo internacional Contudo os aspectos positivos das relaccedilotildees destes atores
pocircdem ficar obscurecidos quando as ONGs internacionais se colocam atraveacutes da
cooperaccedilatildeo descentralizada como promotoras do desenvolvimento no lugar dos Estados
(JAHIER 2000 211-23)
87
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A ecircnfase dos paiacuteses desenvolvidos em utilizar mecanismos de condicionalidade e
estabelecer agendas mais orientadas agrave soluccedilatildeo de problemas globais vem sendo interpretada
pela literatura poliacutetica como uma espeacutecie de crise de paradigma Uma inversatildeo paradoxal
de perspectiva das questotildees internacionais ligadas ao desenvolvimento na qual o ldquotema
Norte-Sul deixou de ter uma dimensatildeo exclusiva de cobranccedila coletiva do Sul em relaccedilatildeo ao
Norte por recursos financeiros e tecnoloacutegicos por mais cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento em
suma - e passou tambeacutem a ter a dimensatildeo de uma cobranccedila do Norte ao Sul por mais
respeito aos direitos humano maior preservaccedilatildeo do ambiente adesatildeo agrave natildeo-proliferaccedilatildeo de
armas de destruiccedilatildeo em massa combate ao narcotraacutefico e livre-comeacuterciordquo (LAFER 1994
33)
Essa crise de paradigma teria sido possiacutevel segundo a interpretaccedilatildeo acima exposta
porque com a superaccedilatildeo dos conflitos Leste-Oeste uma nova realidade se apresentou no
cenaacuterio internacional a crise Norte-Sul Segundo essa interpretaccedilatildeo as agendas
internacionais mais voltadas agraves chamadas questotildees do Norte teriam sido estabelecidas
somente depois da superaccedilatildeo da Guerra Fria - quando a nova ordem internacional que se
estabelecia retirou dos paiacuteses do Sul do mundo seu caraacuteter de terceira forccedila
Nossa pesquisa que se aproximou das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional entre
paiacuteses do Norte e do Sul revelou no entanto que a suposta crise de paradigmas e a
retirada do Sul de seu caraacuteter de terceira forccedila natildeo foram os fatores determinantes do
estabelecimento de novas agendas internacionais menos atentas agraves questotildees econocircmicas e
agraves demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Como vimos a tendecircncia de retirar os
problemas econocircmicos do cenaacuterio internacional foi estabelecida ainda durante os anos
setenta depois do choque do petroacuteleo e das Resoluccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica
Mundial (ou crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas) Nos anos oitenta depois da
diminuiccedilatildeo do poder de barganha dos paiacuteses em desenvolvimento a inserccedilatildeo de uma
agenda global que considerasse a noccedilatildeo de interdependecircncia sem contudo abordar as
questotildees econocircmicas desta relaccedilatildeo nos parece mais ligada agrave perpetuaccedilatildeo da estrateacutegia
88
estabelecida nos anos setenta a de diminuiccedilatildeo das tensotildees poliacuteticas Norte-Sul a partir da
apropriaccedilatildeo e revisatildeo pelos paiacuteses do Norte das demandas do Sul em bases mais toleraacuteveis
aos interesses dos atores avantajados
Devemos tambeacutem considerar que um dos grandes problemas de interpretar as novas
agendas e as recentes modalidades do setor da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento em particular a condicionalidade da ajuda como iniciativas estabelecidas
a partir de uma suposta crise de paradigmas como uma inversatildeo de cobranccedilas do Norte em
relaccedilatildeo ao Sul - que teria comeccedilado a partir do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste - eacute
que este tipo de interpretaccedilatildeo natildeo confere o peso poliacutetico devido aos conflitos e agraves tensotildees
que permeiam as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre estes dois grupos de atores Mais
especificamente esse tipo de interpretaccedilatildeo retira do Sul um papel de forccedila poliacutetica atuante
O Sul nessa interpretaccedilatildeo parece ter existido apenas enquanto aliado potencial dos paiacuteses
do Leste que depois do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste e jaacute natildeo representando
maiores perigos pocircde ser cobrado quanto agrave resoluccedilatildeo de seus problemas
Nossa investigaccedilatildeo tentou explorar a questatildeo da introduccedilatildeo das novas agendas
primeiro sociais e depois globais e a proacutepria evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva diferente e acreditamos
mais centrada nos dois atores principais desta relaccedilatildeo paiacuteses do Norte e do Sul do mundo
Ainda devemos ressaltar que o fato de perceber as novas agendas globais como o
fruto de uma mudanccedila de paradigma tambeacutem contribui para desvincular os fluxos do
regime internacional ODA de seu processo poliacutetico ou seja de sua origem como elemento
de compensaccedilatildeo e como uma espeacutecie de garantia de crescimento econocircmico para os atores
desavantajados em um sistema internacional assimeacutetrico
Atraveacutes dessas afirmaccedilotildees natildeo estamos negando a existecircncia de situaccedilotildees
particularmente graves de desequiliacutebrio sistecircmicos que podem afetar aspectos da vida dos
cidadatildeos de todo o planeta Contudo como nos foi revelado atraveacutes de nossa fonte teoacuterica -
Keohane - os problemas globais devem ser separados da dimensatildeo poliacutetico-econocircmica dos
Estados pois caso natildeo o faccedila-mos podemos correr o risco de tomar certos efeitos como
causas destes problemas
A propoacutesito de nossa fonte teoacuterica devemos ressaltar que a escolha de utilizar a
anaacutelise sistecircmica para discutir o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre atores
89
avantajados e atores desavantajados revelou-se como acertada na estruturaccedilatildeo desta
pesquisa Atraveacutes desse tipo de orientaccedilatildeo e da identificaccedilatildeo do tema da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento como regime internacional pudemos instrumentalizar
nosso estudo e investigar o comportamento cooperativo dos Estados como resultado de
arranjamentos poliacuteticos gerados em situaccedilotildees de conflito O que contribuiu para que
percebecircssemos que as mudanccedilas do setor da cooperaccedilatildeo - representadas nos anos setenta
pela primeira aproximaccedilatildeo Norte-Sul e pela introduccedilatildeo do conceito de necessidades
humanas baacutesicas e a expansatildeo dessa aproximaccedilatildeo a partir do conceito de interdependecircncia
nos anos oitenta - pudessem ser relacionadas a causas precisas de acirramento das tensotildees
entre o grupo de paiacuteses desenvolvidos e em desenvolvimento
Pudemos perceber com nossa investigaccedilatildeo que os processos de distensatildeo
empreendidos pelos paiacuteses do Norte no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento vecircm cumprindo seu objetivo de afastar do cenaacuterio poliacutetico internacional
as questotildees econocircmicas Atualmente pouco se discute sobre o momento de fortalecimento
dos nacionalismos do Sul provocados pela nova ordem econocircmica mundial (WAFT DF
1998) Eacute inegaacutevel que parte desse afastamento se deve ao feto de que a crise dos paiacuteses
produtores de mateacuterias primas influenciou poliacuteticas restritivas de fechamento de mercado
que se se tomaram insustentaacuteveis para os atores desavantajados Contudo as poliacuteticas de
crescimento econocircmico a partir do fortalecimento das instituiccedilotildees locais natildeo nos parece
tatildeo fora de contexto se comparadas por exemplo aos processos de crescimento a que
foram submetidas as potecircncia secundaacuterias (Europa e Japatildeo) no final da Segunda Guerra
Estas potecircncias puderam fortalecer suas instituiccedilotildees tambeacutem atraveacutes da cooperaccedilatildeo
internacional antes de participar dos regimes de Bretton Woods Esse na verdade eacute um
dos aspectos intrigantes do estudo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento ou seja as
assimetrias de tratamento as quais estatildeo sujeitos os diversos atores internacionais
Enquanto os paiacuteses do Sul do mundo quando no regime da cooperaccedilatildeo
internacional constantemente satildeo chamados a resolver seus problemas econocircmicos a partir
das organizaccedilotildees criadas em Bretton Woods os Estados secundaacuterios quando passaram por
problemas de ordem financeira e de crescimento econocircmico receberam tratamento diverso
A Europa pocircde contar com recursos financeiros e transferecircncia direta de tecnologia do
Plano Marshall Aleacutem disso as diacutevidas externas destes paiacuteses inclusive aquelas da lei de
90
alugueacuteis e empreacutestimos nunca foram pagas Os maiores devedores como a Alemanha
ocidental (que tinha inclusive a moratoacuteria das Diacutevidas da Primeira Guerra) tiveram
negociaccedilotildees vantajosas e praticamente seus deacutebitos cancelados Mas sobretudo foi
tolerado aos paiacuteses europeus que eles pudessem manter um regime preferencial de compras
com suas antigas colocircnias (o que na realidade permanece ateacute nossos dias) e que os custos de
ajustamento de suas balanccedilas de pagamentos aos novos regimes internacionais pudessem
ser divididos atraveacutes da Uniatildeo Europeacuteia de Pagamentos dois procedimentos
intrinsecamente contraacuterios aos princiacutepios de Bretton Woods
Os atores desavantajados natildeo contaram no regime da cooperaccedilatildeo internacional
com redes efetivas de proteccedilatildeo e nunca puderam estabelecer mecanismos proacuteprios de
salvaguarda de suas balanccedilas de pagamentos Desse modo estes paiacuteses natildeo fortaleceram
suas instituiccedilotildees para participar de maneira mais equilibrada dos regimes de Bretton
Woods Estas diferenccedilas de tratamento dos atores dentro dos regimes internacionais satildeo
explicadas por Keohane como uma caracteriacutestica dos proacuteprios regimes Ou seja nem todos
os atores tecircm benefiacutecios iguais Contudo isso natildeo eacute motivo para deixar de repropor
poliacuteticas de cooperaccedilatildeo mais justas entre Norte e Sul A experiecircncia dos anos setenta pode
ser bastante positiva caso consigamos aproximar o discurso da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento de sua vertente poliacutetica e perceber da mesma forma (como entes
poliacuteticos) os atores que constituem esse regime
Finalmente nos resta ainda ressaltar que nossa pesquisa revelou que as mudanccedilas de
orientaccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a parir da deacutecada de
setenta tecircm resultado na aproximaccedilatildeo deste setor de ambientes privados Ou seja a
cooperaccedilatildeo financeira tem sido exercida prioritariamente pelo capital financeiro privado
internacional A cooperaccedilatildeo teacutecnica como vimos em nosso uacuteltimo capiacutetulo estaacute sendo
orientada para questotildees do desenvolvimento humano fato conveniente para justificar a
expansatildeo das organizaccedilotildees natildeo-governamentais e a presenccedila de teacutecnicos internacionais
(atualmente 150000 expatriados dos paiacuteses desenvolvidos) do Norte do mundo como
administradoras de recursos oficiais da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (ODA)
Como abordamos no capiacutetulo da condicionalidade eacute inegaacutevel o aumento das forccedilas
da internacionalizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos Estas forccedilas tenderatildeo cada vez mais a acentuar a
processo de privatizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Os estudos
91
Keohane e Milner abordados nesse trabalho nos sugerem que a uacutenica maneira de
conseguir controlar as pressotildees da internacionalizaccedilatildeo eacute atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas de
fortalecimento das instituiccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O Relatoacuterio Sul
afirma que o fortalecimento institucional dos paiacuteses do Sul pode acontecer a partir do
estabelecimento de uma rede de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses em vias de desenvolvimento
Poderiacuteamos atraveacutes desse processo conseguir um fortalecimento de nossas instituiccedilotildees
atraveacutes da reaproximaccedilatildeo dos paiacuteses do Sul entre eles mesmos e de suas demandas
92
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RESUMO
O objetivo deste trabalho eacute realizar um estudo sobre as assimetrias de poder entre
atores do Norte (desenvolvidos) e do Sul do Mundo (em vias de desenvolvimento) no
regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Buscaremos entender como as
novas modalidades de alocaccedilatildeo administraccedilatildeo e repasse dos fluxos da ajuda oficial ao
desenvolvimento (ODA) ou seja a ajuda multibilateral a condicionalidade da ajuda e a
cooperaccedilatildeo descentralizada foram inseridas como puniccedilotildees sistecircmicas e constrangimentos
aos atores desavantajados a partir do iniacutecio dos anos setenta
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO
Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema1
CAPIacuteTULO I
A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS
O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional11Regimes internacionais16Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional 23
Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional 26
CAPIacuteTULO nA AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO
As foacutermulas multibilaterias como puniccedilatildeo29A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas35As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD 38Foacutermulas multibilaterias custos divididos (cost-sharing) 41
CAPIacuteTULO Ml
A CONDICIONALIDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO
A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos 47A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais 52
CAPIacuteTULO IV
A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO
Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo 64O estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada67As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada 75Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais81
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS88
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
INTRODUCcedilAtildeO
Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema
No iniacutecio dos anos sessenta quando o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento estava sendo afirmado1 os paiacuteses do Sul (em vias de desenvolvimento)
reunidos em organizaccedilotildees - como o Movimento Natildeo-Alinhado no campo poliacutetico e o
Grupo dos 77 no campo econocircmico - passaram a exigir do grupo de paiacuteses do Norte
(desenvolvidos) regras comerciais mais justas e termos mais generosos para o
financiamento do desenvolvimento (entendido no sentido de crescimento econocircmico) As
demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD) foram respondidas com
declaraccedilotildees de boas intenccedilotildees pelos paiacuteses do Norte (como por exemplo a promessa de
aumento do volume dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento - ODA) mas tambeacutem
com fortes insistecircncias de que os foacuteruns apropriados para a resoluccedilatildeo de questotildees
econocircmicas continuavam a ser as instituiccedilotildees de Bretton Woods - nas quais devido ao
1 O estabelecimento de arranjamentos que pudessem regulamentar a cooperaccedilatildeo internacional entre atores dos paiacuteses industrializados e dos paiacuteses mais pobres pode ser percebido atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas efetivas pelos atores Ainda nos anos cinquumlenta os institutos financeiros - FMI e Banco Mundial - passaram a ter suas atividade re-orientadas para as questotildees do desenvolvimento (ASCARI 1999 BASILE 1995 CECCHI 1995) Em 1957 o Tratado de Roma estabeleceu a criaccedilatildeo do Primeiro Fundo Europeu de Desenvolvimento1 e adotou o conceito de Associativismo como modo de regulamentar as relaccedilotildees entre os Estados europeus e suas ex- colocircnias (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Em 1960 aconteceu a Primeira Deacutecada para o Desenvolvimento nas Naccedilotildees Unidas que contribuiu para o estabelecimento do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas (ECOSOC) em 1962 e para a criaccedilatildeo do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas)1 em 1965 sob orientaccedilatildeo direta da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (NOGUEIRA 2001) Em 1960 foi criado o CAD (Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento dos paiacuteses OCDE1 - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento Econocircmico e Financeiro) para regulamentar a relaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados (ex- colonizadores) com os paiacuteses fornecedores de mateacuterias-primas (quase todos ex-colocircnias) na nova era poacutes- colonial (BASILE 1995 45-6)
1
regime de voto2 os paiacuteses industrializados podiam assegurar a manutenccedilatildeo de seus proacuteprios
interesses Contudo no final dos anos sessenta quando o sonho de Bretton Woods - um
sistema monetaacuterio estaacutevel com taxas de conversatildeo fixas a partir do padratildeo doacutelar - comeccedilou
a entrar em colapso um grande otimismo passou a contagiar o Sul que viu o fim do padratildeo
monetaacuterio como uma possibilidade de reavaliar os demais regimes internacionais do poacutes-
guerra capaz de estabelecer um sistema de trocas mais favoraacutevel aos interesses dos paiacuteses
em vias de desenvolvimento
Os PVD passaram desde o momento de desestruturaccedilatildeo do regime monetaacuterio a dar
mais ecircnfase internacional agraves suas demandas e comeccedilaram a tomar medidas concretas para
uma revisatildeo dos processos poliacuteticos e econocircmicos instaurados no poacutes-guerra Uma das
primeiras medidas tomadas foi a tentativa destes paiacuteses para aumentar e tomar obrigatoacuterio
o repasse de fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) atraveacutes da Resoluccedilatildeo 2626
(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas de 24 de setembro de 1970 A intensidade
das demandas dos paiacuteses em desenvolvimento foi se tomando cada vez mais acentuada e
depois do choque do petroacuteleo^ estes paiacuteses (julgando-se fortalecidos devido agrave soluccedilatildeo natildeo-
militar do conflito) estabeleceram a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas trecircs
importantes Resoluccedilotildees em mateacuteria econocircmica chamadas de Nova Ordem Econocircmica
Mundial (New International Economic Order - NIEO) Este momento de reivindicaccedilotildees do
Sul tambeacutem eacute definido pela literatura como ldquocrise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-
primasrdquo (ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1996) Estas Resoluccedilotildees colocavam em
2 Nos institutos financeiros d Bretton Woods - FMI e Banco Mundial - o voto acontece segundo o volume de contribuiccedilotildees que cada paiacuteses destina agrave estes entes O que favorece os paiacuteses fortemente industrializados (ANTONELLI 1995)
3 O choque do petroacuteleo eacute percebido nas relaccedilotildees internacionais como uma mudanccedila no regime internacional do petroacuteleo que aconteceu a partir das organizaccedilatildeo dos paiacuteses exportadores de petroacuteleo (OPEP) nos anos sessenta Essa mudanccedila de regime efetivou-se nos anos setenta (nas negociaccedilotildees de Teeratilde em 1971 e depois da guerra de Yom Kippur de 1973) e representou o fim do poder centralizado nas companhias e o exerciacutecio paiacuteses produtores no controle dos mercados Depois de 1973 o preccedilo do petroacuteleo quadruplicou sem negociaccedilotildees Os preccedilos do petroacuteleo baixaram em termos reais ateacute o iniacutecio de 1979 quando a Revoluccedilatildeo no Iratilde reduplicou o preccedilo do petroacuteleo Seria exagerado dizer que os Estados da OPEP tomaram-se hegemocircnicos no sistema do petroacuteleo (capazes de fazer ou reforccedilar regras) porque a mudanccedilas na demanda internacional forccedilaram nos anos oitenta novas quedas no preccedilo da mateacuteria prima Contudo a mudanccedila de regime levou a uma renegociaccedilatildeo dos modelos de cooperaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados com os paiacuteses OPEP em outras bases e a um desgaste diplomaacutetico pelo primeiro grupo de paiacuteses (KEOHANE 1984 190-94)
2
questatildeo as leis econocircmicas de Bretton Woods revelavam que o sistema econocircmico era
desigual para estes dois grupos de paiacuteses e convidavam o Norte a empreender medidas
efetivas de accedilatildeo para a soluccedilatildeo dos problemas do Sul a partir de uma reorganizaccedilatildeo das
estruturas que regulamentavam os proacuteprios regimes internacionais econocircmico financeiro e
comercial surgidos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Autores da poliacutetica internacional como
Keohane Waelde e Armstrong Lloyd e Redmond identificam na crise dos paiacuteses
produtores de mateacuterias-primas e no choque do petroacuteleo momentos concretos de ameaccedila
para os regimes econocircmico-financeiro e comercial de Bretton Woods4
Acreditamos que as mudanccedilas ocorridas no sistema internacional nos anos setenta a
partir do choque do petroacuteleo e do iniacutecio da intensificaccedilatildeo das pressotildees dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial
afetaram diretamente o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Segundo
nossa interpretaccedilatildeo a ameaccedila de desarticulaccedilatildeo da ordem econocircmica a possibilidade do
surgimento de outros carteacuteis organizados para controlar os preccedilos de mateacuterias-primas (aleacutem
da OPEP - Organizaccedilatildeo dos Paiacuteses Produtores de Petroacuteleo) e o risco de que se tomasse
necessaacuterio estabelecer novos modelos de cooperaccedilatildeo internacional mais favoraacuteveis agraves
demandas dos paiacuteses do Sul geraram puniccedilotildees econocircmicas para os paiacuteses em vias de
desenvolvimento atraveacutes do aumento dos constrangimentos para a utilizaccedilatildeo dos fluxos do
regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Pois - como veremos em
nosso primeiro capiacutetulo dedicado agrave discussatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional - os
regimes internacionais dos atores avantajados constituiacutedos pelo bloco do Norte
estruturados atraveacutes de redes interligadas quando e se ameaccedilados podem impor puniccedilotildees e
aumentar o nuacutemero de constrangimentos impostos aos atores que promovam tentativas de
desestabilizaccedilatildeo do sistema internacional5 (KEOHANE 1984)
Nossa proposta de estudo eacute discutir os trecircs elementos baacutesicos atraveacutes dos quais as
puniccedilotildees econocircmicas contra os PVD puderam ser efetivadas a partir do regime da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento O primeiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica
4 Em (KEOHANE 1984 WAELDE 1998 ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND1996)
5 O sistema internacional eacute uma ordenaccedilatildeo dos Estados que acontece a partir de ambientes facilitadores de acordos definidos regimes internacionais
3
que discutiremos no segundo capiacutetulo desse trabalho aconteceu de maneira institucional a
partir daquele que era o principal organismo regulador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento no iniacutecio da deacutecada de setenta o Programa de
Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas - PNUD (MARCHISIO 1986 2000 BASILE
1995) A puniccedilatildeo institucional consistiu em cortes orccedilamentaacuterios para o Programa que
resultaram na implantaccedilatildeo de uma nova modalidade de administraccedilatildeo e repasse dos fluxos
da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) definida como multibilateral (MARCHISIO
19862000 BASILE 1995) O segundo elemento de puniccedilatildeo econocircmica para os paiacuteses em
vias de desenvolvimento foi teoacuterico-poliacutetico e aconteceu a partir do iniacutecio do uso da
condicionalidade da ajuda no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
(TRIULZI 1998 2000 ESCOBAR 1995) Este segundo elemento constituiraacute o elemento-
chave do terceiro capiacutetulo do presente trabalho Como veremos em nosso quarto capiacutetulo o
terceiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica utilizado contra os PVD a cooperaccedilatildeo
descentralizada aconteceu a partir da instrumentalizaccedilatildeo de agentes natildeo-estatais como as
ONGs internacionais que passaram a se multiplicar como agentes promotores (e
defensores) dos interesses dos paiacuteses desenvolvidos (CREWE amp HARRISON 1998
JAFDER 2000) Estes elementos de puniccedilatildeo econocircmica acabaram reorganizando o proacuteprio
regime da cooperaccedilatildeo internacional definindo tambeacutem novos modelos de comportamento
entre o Norte e o Sul
As puniccedilotildees econocircmicas impostas aos PVD a partir do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento puderam ser estabelecidas porque os paiacuteses detentores
dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) passaram a retirar seus
recursos das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal especialmente do PNUD
concentrando-os em organismos que lhes fossem mais confiaacuteveis em suas proacuteprias
modalidades de ajuda bilateral (efetuada diretamente pelos Estados sem a participaccedilatildeo das
organizaccedilotildees internacionais) em fundos regionais proacuteprios - Fundo Europeu de
Desenvolvimento - ou nos Institutos Financeiros nascidos em Bretton Woods - FMI
Banco Mundial e Bancos Regionais de Desenvolvimento (MARCHISIO 1986 BASILE
1995 ANTONELLI 1995) Tal mudanccedila de recolhimento dos fluxos da ajuda oficial ao
desenvolvimento (ODA) que passaram das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal
para os organismos de confianccedila dos detentores dos recursos revelou-se estrateacutegica pois
4
permitiu aos paiacuteses doadores aumentar seus poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo do ODA
Isso porque enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal os paiacuteses
recebedoresdoadores6 assim como os paiacuteses apenas doadores podiam interferir sobre a
aplicaccedilatildeo dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento no Fundo Europeu de
Desenvolvimento assim como nos institutos financeiros internacionais e nos bancos
regionais o poder de decisatildeo sobre a administraccedilatildeo e sobre a aplicaccedilatildeo do ODA recai
apenas sobre o grupo de paiacuteses doadores7 (CECCHI 1995) O Fundo Europeu de
Desenvolvimento responde agraves orientaccedilotildees diretas da Comissatildeo e do Conselho Europeu que
estruturam as poliacuteticas que seratildeo aplicadas no regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento
com base unilateral (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Tambeacutem nos institutos
financeiros o poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo dos recursos recai somente sobre os
membros do Conselho de Administraccedilatildeo ou seja os paiacuteses fortemente doadores (ASCARI
1999)
Devemos tambeacutem lembrar que com a supremacia dos institutos financeiros e do
Fundo Europeu como administradores dos fluxos ODA perdeu-se a tendecircncia promovida
anteriormente pelo PNUD de financiar a maior parte dos projetos e programas de
desenvolvimento em regime de fundo perdido8 Ao contraacuterio nas instituiccedilotildees financeiras
nascidas em Bretton Woods os repasses de recursos acontecem a juros facilitados e na
maior parte das vezes a juros de mercado Disso resulta que na metade dos anos noventa
mais de 90 dos fundos multilaterais dos institutos financeiros (FMI e Banco Mundial e
regionais) se constituiacuteam de transferecircncias natildeo-facilitadas ou em empreacutestimos puacuteblicos a
juros de mercado - empreacutestimos Ibrd do Banco Mundial (BASILE 1995 69) Neste
6 Os paiacuteses em desenvolvimento satildeo doadores recebedores porque contribuem para estas organizaccedilotildees e retiram recursos destas organizaccedilotildees
7 Enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal o poder de voto eacute o mesmo para atores avantajados e atores desavantajados nos institutos financeiros o voto eacute realizado apenas pelos atores avantajados ou seja por aqueles que mais contribuem financeiramente com estes entes O fundo europeu responde apenas as ordens dos Estados membros da Comunidade Econocircmica Europeacuteia
8 No final dos anos 80 a quota UNDP dos financiamentos a fundo perdido das Naccedilotildees Unidas eram cerca de 60 (BROWNE 1990 p 241)
5
sentido em 1997 no Banco Mundial os empreacutestimos puacuteblicos (Ibrd)9 a juros de mercado
constituiacuteram um volume de 14525 bilhotildees de doacutelares enquanto os facilitados tiveram um
volume de U$ 4622 bilhotildees (ASCARI 1999 69)
Devemos ainda considerar que a aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees e o aumento dos
constrangimentos que possibilitaram a reordenaccedilatildeo do regime internacional da cooperaccedilatildeo
ao desenvolvimento aconteceu a partir de uma forccedila aglutinadora que tomando a iniciativa
de organizar o setor da cooperaccedilatildeo inclusive sistematizando conceitos estabeleceu-se
como centro coordenador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo Esta forccedila aglutinadora eacute hoje o
Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e
Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que tendo nascido nos anos sessenta como oacutergatildeo
responsaacutevel pelas poliacuteticas dos ex-paiacuteses colonizadores europeus em relaccedilatildeo a suas ex-
colocircnias transformou-se no principal centro de coordenaccedilatildeo das poliacuteticas bilaterais e
multilaterais dos paiacuteses industrializados
Depois do choque do petroacuteleo e das declaraccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica
Mundial a OCDE reformulou e estendeu as accedilotildees do CAD que passou exercer um papel de
coordenaccedilatildeo no setor do desenvolvimento que abrange atualmente os paiacuteses
industrializados e as organizaccedilotildees internacionais10 Baseado nisto o CAD foi capaz de se
estabelecer como uma espeacutecie de centro de inteligecircncia e de consultoria dos problemas do
desenvolvimento internacional Em um certo sentido o CAD posicionou-se
internacionalmente como a CEP AL11 dos paiacuteses industrializados e vem contribuindo para o
fortalecimento dos paiacuteses doadores como administradores dos fluxos do regime
internacional da ajuda ao desenvolvimento (ODA)
9 Recolhidos pelos banco no mercado financeiro e repassados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento com juros e condiccedilotildees de mercado (ASCARI 1999)
10 O CAD oficializou seu papel de centro de coordenaccedilatildeo da poliacuteticas de ajuda ao desenvolvimento em 1986 na Reuniatildeo anual do Comitecirc agrave qual estavam presentes Emest Stem (vice-presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador do PNUD) o CAD e os demais presentes concordaram que ldquoOs membros do CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1986)
11 Comissatildeo Econocircmica Para a Ameacuterica Latina
6
O Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) natildeo possui um oacutergatildeo
executivo de administraccedilatildeo dos fundos da cooperaccedilatildeo Entretanto funciona como centro de
decisatildeo12 para a aplicaccedilatildeo dos fundos da ajuda teacutecnica e financeira bilateral e multilateral
fornecendo aos paiacuteses-membros indicadores sociais e econocircmicos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento A ausecircncia de um oacutergatildeo executivo entretanto pouco afeta o repasse
centralizador dos recursos provenientes dos paiacuteses do CAD13 para a cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento Depois da oficializaccedilatildeo do papel do Comitecirc como centro coordenador da
ajuda em 1986 e da adoccedilatildeo pelo Banco Mundial bem como pelo FMI e pelo PNUD do guia
de princiacutepios para a apreciaccedilatildeo de projetos ldquoPrincipies For Project AppraisaF elaborado
pelo Comitecirc ldquocom o objetivo de melhorar a capacidade operacional das agecircncias
multilaterais e a qualificaccedilatildeo dos projetos atraveacutes da definiccedilatildeo comum de objetivosrdquo todas
as poliacuteticas e conceitos (definidas ajuda teacutecnica conceituai) desenvolvidos ad hoc pelos
centros de pesquisa do CAD satildeo aplicados conjuntamente nas organizaccedilotildees internacionais
(BASILE 1995 FUHNER 1996) Aleacutem disso a grande maioria dos paiacuteses que pertencem
ao CAD tambeacutem pertencem agrave CEE14 que por sua vez possui um oacutergatildeo executivo Ou seja
estes paiacuteses podem administrar diretamente - e sem nenhum tipo de intervenccedilatildeo dos paiacuteses
em vias de desenvolvimento - os recursos destinados agrave ajuda multilateral
Segundo Keohane no estudo dos regimes e da cooperaccedilatildeo internacional entre atores
fortes e atores desavantajados priorizar os constrangimentos dos atores fracos eacute mais
importante do que buscar suas motivaccedilotildees em conformar-se ou natildeo a regimes estabelecidos
(KEOHANE 1984) Os PVD dependiam como ainda dependem dos fluxos financeiros
especialmente daqueles facilitados (ODA) - em teoria mais previsiacuteveis e constantes dos que
os capitais privados - para programar o desenvolvimento de suas economias tomando-as
12 Os fluxos multilaterais ODA satildeo aplicados atraveacutes da proacutepria CEE do Banco Mundial do FMI dos Bancos Regionais de Desenvolvimento e das Agecircncias Multilaterais e dos Institutos Especializados das Naccedilotildees Unidas (BASILE 1995)
13 Atualmente a niacutevel agregado os recursos multilaterais dos paiacuteses DAC satildeo concentrados entomo a trecircs poacutelos o Banco Mundial as Naccedilotildees Unidas e a CEE que ocupam entorno a 90 das transferecircncias destes paiacuteses (ASCARI 1999)
14 Dos anos 80 para os anos 90 observa-se um forte aumento do repasse dos fundos multilaterais dos paiacuteses OCDE em direccedilatildeo a CEE que passou de 161 em 1984 para 284 em 1991
7
menos vulneraacuteveis agraves flutuaccedilotildees do mercado Celso Lafer enfatizou esta necessidade na
Conferecircncia sobre Financiamentos para o Desenvolvimento ocorrida em maio de 2002 na
cidade de Monterrey (Meacutexico)15
As puniccedilotildees e constrangimentos impostos aos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pelos paiacuteses detentores de recursos e constituiacutedos em medidas operativas pelo PNUD
Banco Mundial FMI e Fundo Europeu de Desenvolvimento (ajuda multilateral
condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada) foram introduzidas ou projetadas
no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da primeira metade dos
anos setenta e exerceram segundo nossa hipoacutetese a funccedilatildeo comum de limitar o poder de
decisatildeo dos paiacuteses recebedores na aplicaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos multilaterais (inclusive
dos empreacutestimos puacuteblicos) do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
Toma-se oportuno lembrar que os fluxos oficiais ao desenvolvimento ODA16 ateacute a
completa afirmaccedilatildeo das puniccedilotildees e do aumento dos constrangimentos17 eram entendidos
como uma espeacutecie de compensaccedilatildeo financeira destinada aos governos dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento devido agraves suas menores oportunidades comercias e financeiras
(GRILLI 1994 MARCHISIO 1986) As novas modalidades contudo parecem diluir essa
noccedilatildeo inicial que caracterizava os fluxos ODA - que de certa forma passaram a representar
um mecanismo atraveacutes dos quais os Estados detentores dos recursos podem conduzir
intervenccedilotildees pontuais e setorizadas nos PVD
Conveacutem enfatizar que mesmo tratando-se os fluxos ODA de financiamentos
facilitados eles tambeacutem devem ser em grande parte devolvidos pelos paiacuteses recebedores
(ESCOBAR 1995 165) e que quando recebidos estes recursos somam-se em menor ou
maior grau a diacutevida puacuteblica dos paiacuteses em desenvolvimento (ASCARI 1999) Aleacutem disso
15 Em seu discurso Lafer lembrou os conferencistas que durante a deacutecada de 1990 o aumento de capital privado nos paiacuteses em desenvolvimento mas que esse capital eacute altamente imprevisiacutevel e em muitas situaccedilotildees diminuiu seu niacutevel vertiginosamente Essas entradas e saiacutedas bruscas de capital constituem-se tambeacutem em limitaccedilotildees para aos paiacuteses em vias de desenvolvimento
16 Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento teacutecnica ou financeira eacute contabilizada em fluxos financeiros ODA menos as contribuiccedilotildees emergecircncias in natura e os eventuais recursos privados das ONGs (BASILE 1995)
17 Que aconteceu na metade dos anos oitenta quando o setor da cooperaccedilatildeo foi direcionado para ambientes privados
8
a proacutepria tendecircncia que tem crescido no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento de
efetuar financiamentos privados aos PVD com fins de desenvolvimento utilizando
organizaccedilotildees internacionais para a perpetuaccedilatildeo da colocaccedilatildeo de condicionamentos de
vaacuterios gecircneros eacute um aspecto preocupante que natildeo deve ser ignorado Por esse motivo os
governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento assim como os estudiosos das ciecircncias
sociais poliacuteticas e econocircmicas natildeo podem permanecer indiferentes quanto agraves modalidades
de efetivaccedilatildeo da ajuda Em outras palavras os projetos e programas de desenvolvimento
(governamentais ou natildeo-govemamentais) e o grau efetivo de controle que os governos dos
paiacuteses do Sul exercem na orientaccedilatildeo destes projetos poderiam constituir um interessante
objeto de estudo nas aacutereas de ciecircncias humanas
Como foi possiacutevel a introduccedilatildeo de medidas operativas que resultaram na limitaccedilatildeo
do poder de decisatildeo dos atores mais fracos (puniccedilotildees e constrangimentos) quanto a
aplicaccedilatildeo dos fluxos ODA - e como estas medidas se transformaram em regras do setor da
cooperaccedilatildeo internacional - tambeacutem eacute um aspecto intrigante que deve ser abordado
Keohane nos lembra que os Estados poderosos procuram introduzir poliacuteticas econocircmicas
internacionais que atendam seus interesses e ideologias Parte importante da investigaccedilatildeo eacute
buscar entender como paiacuteses fortes transformam seus recursos materiais e ideoloacutegicos em
regras do sistema assim como constroacuteem alteram ou mantecircm regimes internacionais que
facilitam determinados tipos de cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 256 KEOHANE 1984
94) Para os realistas a ecircnfase eacute colocada no poder18 Keohane que considera simplistas
todas as explicaccedilotildees baseadas apenas neste poder acredita que uma explicaccedilatildeo mais
plausiacutevel encontra-se no poder dos recursos econocircmicos
Quanto agrave conformidade dos PVD agraves alteraccedilotildees promovidas no regime da
cooperaccedilatildeo internacional a partir dos anos setenta podemos identificar a proacutepria
necessidade destes paiacuteses de continuar recebendo financiamentos mesmo privados como
sendo a mais importante causa de aceitaccedilatildeo - por estes mesmos paiacuteses - das medidas
punitivas e do aumento dos constrangimentos na utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA Aleacutem disso
como veremos em nosso primeiro capiacutetulo Keohane teoriza que os regimes internacionais
natildeo devem ser estudados individualmente mas em relaccedilatildeo e em concordacircncia com outros
18 No sentido beacutelico do termo
9
regimes internacionais Em consequumlecircncia mesmo que os PVD sofram puniccedilotildees econocircmicas
e tenham seus constrangimentos aumentados nesse especiacutefico setor abandonar o regime ou
deixar de cumprir acordos estabelecidos anteriormente isto poderia implicar em puniccedilotildees
ainda mais graves para os atores desavantajados
Para que as noccedilotildees de regimes internacionais puniccedilotildees sistecircmicas e
constrangimentos fiquem claras ao leitor no decorrer deste trabalho nosso proacuteximo capiacutetulo
seraacute dedicado a um aprofundamento destes conceitos a partir do estudo teoacuterico da
cooperaccedilatildeo internacional elaborado prioritariamente a partir das obras de Robert
Keohane19
19 Duas obras de Keohane abordam especificamente a questatildeo dos regimes internacionais e da cooperaccedilatildeo A primeira eacute ldquoAchiving cooperation under anarchy rdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) um estudo que serviu de base ao posterior e mais completo ldquoAfter hegemony cooperation and discord in the world political economyrdquo (KEOHANE 1984) Aleacutem dos dois citados tambeacutem seraacute utilizado no proacuteximo capiacutetulo para elaboraccedilatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional o estudo de Krasner sobre regimes interanacionais ldquoRegimes and the limits o f realism regimes as autonomous variables rdquo e algumas noccedilotildees da obra de Keohane e Nye ldquoPoder e interdependencia la poliacutetica mundial en transicioacuten
10
CAPIacuteTULO I
A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS
O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional
Robert Keohane define o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo como sendo aquele no qual
ldquoatores ajustam seus comportamentos para as preferecircncias atuais ou antecipadas dos outros
atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacuteticardquo (KEOHANE 1984 51-2) A
definiccedilatildeo do conceito e o desenvolvimento da teoria da cooperaccedilatildeo realizados por Keohane
aconteceram a partir do estudos realizados pelo autor da ocorrecircncia do fenocircmeno nas
relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente Essa escolha
de abordagem na elaboraccedilatildeo da teoria deveu-se ao pressuposto de que as relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo acontecem quando existem interesses muacutetuos entre os Estado envolvidos
Estabelecer interesses muacutetuos entre paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente e que
dividem uma visatildeo relativamente similar da conduccedilatildeo de suas econocircmicas aleacutem de
cultivarem extensas relaccedilotildees de interdependecircncia20 uns com os outros facilita o trabalho de
investigaccedilatildeo do fenocircmeno da cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 6)
Quanto agrave cooperaccedilatildeo entre paiacuteses avanccedilados industrialmente e paiacuteses em vias
desenvolvimento Keohane considera que os instrumentos de anaacutelise desenvolvidos em sua
teoria tambeacutem podem ser em certa medida aplicados na compreensatildeo de algumas destas
20 Para Keohane e Nye o conceito de interdependecircncia na poliacutetica mundial diz respeito ldquoa situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocos entre os paiacutesesrdquo (p8) Estes efeitos resultam de uma ampla gama de contatos e transaccedilotildees ocorridas no plano internacional o que produz uma restriccedilatildeo agrave autonomia dos atores envolvidos Ao mesmo tempo impotildee alguma forma de custos para os participantes do sistema internacional o que poderia levar a uma ocorrecircncia de determinados tipos de conflito entre eles
11
relaccedilotildees Contudo algumas consideraccedilotildees precisam ser realizadas Em primeiro lugar no
caso de atores desiguais a cooperaccedilatildeo pode tomar-se adversa e constituir-se em meio de
exploraccedilatildeo de um grupo de Estados ricos que efetivamente cooperam entre si para com os
Estados pobres (KEOHANE 1984 11) Essa situaccedilatildeo pode definir-se desde o
estabelecimento das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo devido aos constrangimentos colocados aos
atores mais fracos ateacute mesmo como condiccedilatildeo para sua participaccedilatildeo em uma relaccedilatildeo com
atores mais fortes ou pode mesmo acontecer posteriormente mesmo que objetivos iniciais
de cooperaccedilatildeo fossem desejados mutuamente agrave princiacutepio Um segundo ponto ainda deve ser
ressaltado quanto agrave cooperaccedilatildeo entre atores desiguais antes de iniciarmos o
aprofundamento do estudo do fenocircmeno a ocorrecircncia de relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre
atores avantajados e atores desavantajados costuma proporcionar benefiacutecios menores ou
mesmo nenhum beneficio para aqueles atores desavantajados Isso natildeo significa que os
atores desavantajados ajam de maneira irracional quando estabelecem relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo com os atores avantajados Muitas vezes o caacutelculo racional dos atores
desavantajados natildeo eacute obter benefiacutecios mas simplesmente natildeo ver aumentado seus custos
que poderiam tomar dimensotildees ainda maiores caso acordos de cooperaccedilatildeo natildeo fossem
estabelecidos Feitas estas consideraccedilotildees podemos finalmente iniciar o estudo teoacuterico da
cooperaccedilatildeo internacional
Para Keohane a teoria realista natildeo eacute capaz de explicar o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo
internacional em todas as suas manifestaccedilotildees Na teoria realista onde o sistema
internacional eacute composto por Estados como unidades individuais que competem entre si em
um permanente estado de natureza anaacuterquico21 o uacutenico modelo possiacutevel de cooperaccedilatildeo eacute
aquele de alianccedilas resultante de uma operaccedilatildeo de balanccedilo de poder (KEOHANE 1984
7) Tambeacutem outros modelos explicativos da cooperaccedilatildeo internacional como o
Universalismo (de modelo kantiano) ou ateacute mesmo o Intemacionalismo (oriundo da teoria
de Grotius22) que opondo-se ao realismo conferiram segundo Keohane muito peso ao
21 Anarquia para Keohane constitui a falta de um governo comum no mundo poliacutetico internacional e natildeo uma negaccedilatildeo de que a sociedade internacional embora fragmentada exista (AXELROD amp KEOHANE 1982 227)
22 A obra de Hugo Grotius Do Direito da Guerra e da Paz (1625) que inaugura a tradiccedilatildeo Intemacionalista na poliacutetica internacional eacute um dos trecircs paradigmas (ou escolas de pensamento) fuacutendantes do estudo das relaccedilotildees internacionais segundo a divisatildeo de Hedley Buli Os outros dois
12
papel das funccedilotildees reguladoras das instituiccedilotildees internacionais e ao direito internacional natildeo
seriam adequados como instrumentos teoacutericos por natildeo aprofundarem as relaccedilotildees de poder
e de conflitos decorrentes da dimensatildeo econocircmica entre os Estados Considerando as
limitaccedilotildees dos modelos anteriores Keohane decidiu elaborar a estruturaccedilatildeo teoacuterica sobre o
fenocircmeno da cooperaccedilatildeo a partir de uma combinaccedilatildeo de teorias (liberal23 e realista 24) que
pudessem analisar as relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos atores internacionais sem esquecer o
egoiacutesmo e propensatildeo dos Estados em aumentar a proacutepria riqueza e poder
Keohane assim como os realistas considera que os atores poliacuteticos satildeo egoiacutestas e
agem motivados por interesses proacuteprios Para este autor quando os atores cooperaram o
fazem dentro de uma situaccedilatildeo de conflito que quando natildeo resolvida por essa via poderia
resultar em perdas ainda maiores para os envolvidos Os governos entram em negociaccedilotildees
internacionais visando reduzir o conflito que iria resultar necessariamente de outra
maneira Sem cooperaccedilatildeo os governos interferem no mercado uni lateralmente para
perseguir o que eles consideram seus proacuteprios interesses25 aumentando em muito a
possibilidade de perdas coletivas Atraveacutes desse tipo de raciociacutenio pode-se afirmar que os
paradigmas derivam das obras de Hobbes O Leviatatilde (1651) que influecircncia a tradiccedilatildeo Realista e do texto de Kant A Paz Perpeacutetua mdash Um Projeto Filosoacutefico (17956) da qual deriva a tradiccedilatildeo Universalista Segundo Hedley Buli a posiccedilatildeo de Grotius fica a meio caminho daquelas de Hobbes e Kant Grotius se diferencia do universalismo porque mesmo considerando a existecircncia de outros entes eacute o Estado o principal ator das relaccedilotildees internacionais Quanto agrave Hobbes Grotius afirma que as relaccedilotildees entre os Estados natildeo se resume a dimensatildeo conflitiva sendo necessaacuterio levar em conta a dimensatildeo cooperativa e a existecircncia de uma sociedade internacional (formada por Estados) que interage com base em valores culturais comuns e do direito internacional (GOLCcedilALVES 2001 94-6)
O Liberalismo propotildee alternativas agraves concepccedilotildees realistas Enfatizando aspectos a interdependecircncia econocircmica com suas muacuteltiplas e complexas camadas de ligaccedilotildees o liberalismo prevecirc comportamentos cooperativos entre os Estados Mecanismos como sanccedilotildees e puniccedilotildees econocircmicas possibilitam na visatildeo liberal um certo controle e previsibilidade sobre o comportamento dos participantes do sistema internacional
24 O Realismo poliacutetico apresenta um sistema internacional caracterizado pela anarquia tendo como atores principais os Estados Por ser anaacuterquico o sistema internacional eacute baseado no poder e na forccedila e cada Estado eacute visto como uma entidade isolada age apenas motivado pelos proacuteprios interesses Para o realismo natildeo existe cooperaccedilatildeo entre atores poliacuteticos
23 Ao contraacuterio dos economistas liberais Keohane acredita que os Estados agindo unilateralmente vatildeo interferir no mercado estrangeiro de trocas impor vaacuterias restriccedilotildees em importaccedilotildees subsidiar a induacutestria domeacutestica e estabelecer preccedilos de mercadorias como petroacuteleo
13
atores agem de maneira egoiacutesta-racional tentando maximizar as possibilidades de ganho
em uma situaccedilatildeo de conflito real ou potencial Isso significa que um fenocircmeno de
cooperaccedilatildeo acontece sempre a partir de uma situaccedilatildeo de conflito e nunca de harmonia26
entre atores no mundo poliacutetico Seraacute justamente a tentativa de resoluccedilatildeo deste conflito que
poderaacute levar os atores agrave cooperar ou seja agrave ajustar seus comportamentos ou antecipar as
preferecircncias dos outros atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacutetica
Enquanto para os realistas que utilizam a teoria dos jogos (especialmente do dilema
do prisioneiro) nos estudos de comportamento a cooperaccedilatildeo eacute impossiacutevel porque os atores
racionalmente desconfiam sempre das accedilotildees uns dos outros e egoiacutesticamente pensam nos
proacuteprios interesses Keohane acredita que as mesmas premissas de comportamento racional
e egoiacutesta em uma ambiente internacional favoraacutevel podem levar os atores agrave cooperarem
uns com os outros (KEOHANE 1984 65-7) Quando os atores agem por meio de escolhas
racionais pensando nos interesses proacuteprios atraveacutes da realizaccedilatildeo de benefiacutecios coletivos
pode-se esperar um volume substancial de cooperaccedilatildeo internacional (inclusive
institucionalizada) nas economias de mercado dos paiacuteses industrialmente avanccedilados A
anaacutelise da cooperaccedilatildeo internacional e a elaboraccedilatildeo de um conceito sobre o fenocircmeno
acontece desse modo atraveacutes de uma combinaccedilatildeo de teorias que reconheccedilam os interesses
complementares entre naccedilotildees mas que natildeo deixem de reconhecer que os Estados satildeo atores
racionais e egoiacutestas na medida em satildeo orientados a promover seus dos proacuteprios interesses
E necessaacuterio lembrar que no mundo das relaccedilotildees internacionais os temas mais
significativos satildeo ao mesmo tempo poliacuteticos e econocircmicos portanto a perseguiccedilatildeo da
riqueza e do poder por parte dos Estados pode iluminar as motivaccedilotildees especiacuteficas dos
atores e servir como antiacutedoto contra uma parcial ecircnfase em interdependecircncia e retoacutericas
globalistas de realizaccedilatildeo de interesses comuns (KEOHANE NYE 198818-22) Na teoria
da cooperaccedilatildeo de Keohane os atores abordados e considerados significativos satildeo os
Estados que estabelecem os objetivos e constroacuteem as regras nas quais os demais atores
(inclusive as organizaccedilotildees natildeo- governamentais) deveratildeo se adaptar Definir a economia
poliacutetica internacional em termos de perseguiccedilatildeo de riqueza e poder nos leva agrave analisar a
26 Harmonia no mundo poliacutetico acontece em uma situaccedilatildeo onde automaticamente os atores (perseguindo seus proacuteprios interesses sem considerar o interesses dos outros) facilitam a realizaccedilatildeo dos objetivos dos outros sem conflito
14
cooperaccedilatildeo na economia poliacutetica mundial menos como um esforccedilo de implementar ideacuteias
elevadas (moralmente) e mais como um meio de atingir interesses proacuteprios em objetivos
poliacuteticos e econocircmicos (KEOHANE 1984 25)
Na anaacutelise das relaccedilotildees entre Estados Keohane daacute grande enfoque agrave influecircncia do
sistema internacional como modelador do comportamento dos atores (teoria sistecircmica) O
comportamento dos Estados assim como os de outros atores da poliacutetica mundial eacute
fortemente influenciado pelos constrangimentos (constraints) e incentivos fornecidos pelo
ambiente internacional Quando o sistema internacional muda o mesmo acontece com os
incentivos e com os comportamentos dos atores
A ecircnfase no sistema internacional eacute a propoacutesito a grande diferenccedila entre a teoria
de Keohane e as publicaccedilotildees mais recentes que abordam o tema da cooperaccedilatildeo Os estudos
realizados sobre o tema nos anos noventa27 embora tenham a caracteriacutestica notaacutevel de
manter a definiccedilatildeo do fenocircmeno de cooperaccedilatildeo elaborado por Keohane (MILNER 1992
466) uma deacutecada antes criticaram o peso excessivo dos constrangimentos estruturais do
sistema internacional na definiccedilatildeo do comportamento dos atores As anaacutelises dos anos
noventa passaram a dar maior enfoque agraves poliacuteticas domeacutesticas na definiccedilatildeo dos
comportamentos dos Estados e de suas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo (PUTMAN 1993 432
MILNER amp KEOHANE 1996 4)28 As teorias dos anos noventa embora incorporem um
estudo sobre os atores domeacutesticos29 tambeacutem minimizam certas situaccedilotildees de
27 Importante resenha comparada sobre os estudos e publicaccedilotildees da teoria da cooperaccedilatildeo internacional nos anos 90 (Robert Keohane e Kenneth A Oye Putman e Bayne Grieco e Haas) eacute o artigo de Helen Milner International theories of cooperation among nations strengths and weaknesses publicado no world politics (referecircncia no final deste trabalho)
28 E interessante perceber que o proacuteprio modelo de cooperaccedilatildeo internacional entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo voltada ao desenvolvimento no mesmo periacuteodo dos anos 90 tambeacutem comeccedilou a relacionar os problemas de desenvolvimento dos paiacuteses agrave fatores domeacutesticos e natildeo mais agrave problemas decorrentes do sistema internacional
29 O proacuteprio Keohane quando estuda em na segunda metade dos anos noventa o fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo admite que em suas anaacutelises anteriores pouca atenccedilatildeo foi dada ao comportamento dos atores domeacutesticos Isso natildeo significa que Keohane abandone a anaacutelise sistecircmica pelo contraacuterio ele continua afirmando que todos os atores sofrem constrangimentos e incentivos mas que internamente estas constriccedilotildees e incentivos seratildeo percebidas de maneira diferente devido aos arranjamentos estruturais e poliacuteticos dos diferentes atores Sua anaacutelise contudo se refere mais ao fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo e natildeo especificamente aquele da cooperaccedilatildeo internacional (MILNER amp KEOHANE 1996)
15
constrangimentos vividas pelos atores desavantajados como por exemplo as pressotildees
econocircmicas (MILNER 1992) No caso especiacutefico do nosso estudo sobre a ocorrecircncia da
cooperaccedilatildeo internacional aoacute desenvolvimento natildeo poderemos desprezar as pressotildees
econocircmicas sofridas pelos atores desavantajados visto os atuais mecanismos de repasse de
financiamentos do setor se estabelecem a partir de mecanismos de condicionalidade que
satildeo por si mesmo formas de pressatildeo econocircmica Desse modo decidimos pelo uso da
anaacutelise sistecircmica de Keohane na estruturaccedilatildeo deste trabalho
Para que possamos entender como os incentivos e os constrangimentos colocados
pelo sistema internacional podem afetar o comportamento dos atores deveremos
aprofundar a noccedilatildeo de regimes internacionais que satildeo entendidos por Keohane como os
ambientes facilitadores da cooperaccedilatildeo entre os Estados
Regimes internacionais
Os regimes internacionais satildeo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos
normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo dos quais as expectativas
dos atores convergemrdquo30- em uma variedade de aacutereas-tema das relaccedilotildees internacionais
(AXELROD amp KEOHANE 1982 327)31 Essa definiccedilatildeo e a proacutepria importacircncia dos
regimes internacionais satildeo plenamente entendidos depois de relembradas duas
caracteriacutesticas do contexto internacional A primeira delas eacute a ausecircncia no mundo poliacutetico
de instituiccedilotildees governamentais autoritaacuterias que possam regular (impondo obrigaccedilotildees) o
comportamento dos Estados e demais atores poliacuteticos A segunda eacute resultado da primeira a
30 Princiacutepios satildeo opiniotildees de fatos causas retidatildeo Normas satildeo modelos de comportamento definidos em termos de regras e obrigaccedilotildees Regras satildeo especiacuteficas prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees para atos Procedimentos de tomada de decisotildees satildeo praacuteticas prevalecentes para fazer e implementar escolhas coletivas (Krasner 1983 p2) Keohane considera normas apenas como modelos de comportamento
31 Os sistemas financeiro e comercial internacionais satildeo exemplos de regimes internacionais bem como organizaccedilotildees regionais e a proacutepria cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (tambeacutem chamada pelos americanos ajuda ao desenvolvimento) (KEOHANE NYE 1988 36)
16
constante incerteza do sistema internacional Os regimes internacionais cumpririam uma
funccedilatildeo ao sistema internacional definindo modelos de comportamento possibilitando
algum tipo de confiabilidade entre os atores e permitindo que expectativas comuns possam
ser tratadas de modo comum
Keohane acredita que princiacutepios normas regras e procedimentos conteacutem
determinaccedilotildees (quase) legais sobre comportamentos eles prescrevem certas accedilotildees e
proscrevem outras Nos regimes internacionais certos comportamentos ldquocorretosrdquo (no
sentido de serem coerentes com os princiacutepios do regime) satildeo incentivados enquanto
aqueles incorretos satildeo como veremos reprimidos Mais explicitamente os regimes
internacionais implicam em obrigaccedilotildees para os atores mesmo que estas obrigaccedilotildees natildeo
sejam cumpridas atraveacutes de um sistema hieraacuterquico legal
Considerando as duas caracteriacutesticas do sistema internacional - ausecircncia no mundo
poliacuteticos de instituiccedilotildees internacionais autoritaacuterias e a constante incerteza do sistema
internacional - podemos afirmar que uma das funccedilatildeo dos regimes internacionais eacute a
facilitaccedilatildeo de acordos entre governos de modo que as condiccedilotildees estruturais de anarquia
natildeo conduzam o sistema internacional a uma completa guerra de todos contra todos
(AXELROD amp KEOHANE 1982 332) Sem regimes internacionais a total incerteza
sobre o comportamento uns dos outros atores natildeo permitiria nenhum tipo de cooperaccedilatildeo
entre Estados colocando em riscos ateacute mesmo os grandes fluxos de trocas do sistema
capitalista Os regimes internacionais tambeacutem acabam facilitando a operaccedilatildeo de
descentralizaccedilatildeo do sistema poliacutetico internacional (diminuindo a presenccedila de um Estado
hegemocircnico como regulador do sistema) e expandindo o acesso dos atores poliacuteticos agraves
informaccedilotildees e em algum modo aos procedimentos de tomadas de decisatildeo o que
consequentemente aumenta as possibilidades de cooperaccedilatildeo internacional Contudo os
regimes internacionais natildeo devem ser percebidos como elementos de uma nova ordem
internacional aleacutem do Estado naccedilatildeo Eles precisam ser entendidos como arranjos
motivados por interesses proacuteprios em um sistema onde a soberania e o poder permanecem
sendo fatores constitutivos Isso significa que eles tendem a ser formados principalmente
Porque o mundo poliacutetico eacute descentralizado ao inveacutes de hierarquizado os princiacutepios prevalecentes de soberania significam que os Estados natildeo satildeo sujeitos agrave governos superiores (Ruggil 1983)
17
pelos atores mais poderosos priorizando seus proacuteprios interesses (KEOHANE 1984 62-
3)
Como afirmamos anteriormente Keohane manteacutem em suas anaacutelises a premissa de
que em geral os atores poliacuteticos tendem a responder racionalmente aos constrangimentos e
aos incentivos A teoria racional aplicada ao estudo da cooperaccedilatildeo implica em aceitarmos
que as decisotildees dos atores quanto aos regimes internacionais satildeo em alguma medida
voluntaacuterias Na ausecircncia de uma possibilidade de escolha dos atores reduziriacuteamos os
regimes internacionais a simples imposiccedilotildees quando na verdade sua natureza eacute muito mais
complexa Contudo tambeacutem pode ser limitativo e incorreto no estudo do comportamento
(cooperativo) dos Estados afirmar que os atores escolhem voluntariamente quando
participam dos regimes internacionais ou que os proacuteprios regimes satildeo de alguma maneira
fruto de accedilotildees voluntaacuterias Fazendo-o sacrificariacuteamos uma interpretaccedilatildeo Realista
Para que possamos manter a afirmaccedilatildeo de que os atores escolhem racionalmente - e
prosseguir a investigaccedilatildeo dos regimens internacionais - sem contudo ignorar as pressotildees
exercidas pelos mais fortes Keohane propotildee que sejam distinguidos dois aspectos do
processo atraveacutes do qual os regimes internacionais acontecem a imposiccedilatildeo de
constrangimentos (constvaints) e os processo de tomadas de decisatildeo (adesatildeo aos regimes)
Estes dois aspectos satildeo particularmente importantes para entenderas motivaccedilotildees dos atores
desavantajados de pertencer a um regime internacional
Em termos formais noacutes podemos considerar todos os regimes como tendo sido
criados ou mantidos voluntariamente atores independentes com a capacidade de recusar ou
consentirem em participar Mas caso estes atores sejam fracos agindo sob medo invasatildeo
ou colapso econocircmico natildeo pode-se dizer que exista verdadeiramente uma adesatildeo
voluntaacuteria (AXELROD amp KEOHANE 1982 330) Nestas situaccedilotildees devemos
primeiramente focar nossa atenccedilatildeo nos constrangimentos impostas aos atores antes de
examinar suas escolhas (KEOHANE 1984 71-2) Os atores podem sofrer
constrangimentos natildeo apenas atraveacutes de fatores estruturais do sistema mas tambeacutem
diretamente atraveacutes de pressotildees daqueles mais poderosos Regimes internacionais podem
ser acordados possuindo constrangimentos internos impostos desde a origem pelos atores
mais poderosos Relaccedilotildees de poder e dependecircncia e o contexto no qual os acordos foram
realizados seratildeo tambeacutem fatores de constrangimentos de escolhas nos regimes
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internacionais e afetaratildeo todos os acordos que resultam de barganhas entre atores Muitas
vezes a uacutenica alternativa racional do ator naquele momento eacute associar-se a um regime que
lhe garanta o miacutenimo de previsibilidade quanto ao comportamento dos atores
internacionais Mantendo-se em mente estas restriccedilotildees poderemos aplicar a anaacutelise de
escolhas racionais de maneira sofisticada sem implicar no entendimento de que os atores
estatildeo em situaccedilatildeo igual de poder de escolha pois relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo envolvem
diferentes custos de oportunidades para diferentes atores
Muito provavelmente os atores em posiccedilotildees fracas teratildeo custos e oportunidades
diferentes dos atores em posiccedilotildees avantajadas Essa constataccedilatildeo nos faz lembrar que no
mundo poliacutetico natildeo eacute via de regra que as trocas entre os Estados mesmo aquelas
resultantes de barganhas tenham que ser necessariamente iguais ou benignas para todos
Sobre as trocas desiguais Keohane acredita que elas acontecem como o resultado de uma
operaccedilatildeo onde atingiram-se objetivos possiacuteveis ou ainda devido agraves necessidades de creacutedito
ou da seguranccedila dos Estados ou mesmo devido agrave expectativa dos atores de atingirem-se
benefiacutecios futuros Keohane e os realistas percebem nas trocas desiguais oportunidades
para que os Estados poderosos transformem seus recursos materiais e ideoloacutegicos em regras
do sistema internacional Os Estados mais poderosos procuram em relaccedilotildees de troca
mesmo no interior de regimes internacionais beneficiar seus proacuteprios interesses poliacutetico-
econocircmicos Uma diferenciaccedilatildeo entre os realistas e Keohane quanto as trocas desiguais
deve ser precisada enquanto para os realista as trocas desiguais acontecem a partir de uma
diferenccedila de poder (militar) entre os Estados Keohane que considera simplistas todas as
explicaccedilotildees baseadas apenas em poder acredita que explicaccedilotildees mais plausiacuteveis
encontram-se no poder dos recursos econocircmicos
Quanto agraves tomadas de decisatildeo de pertencer ou natildeo agrave regimes internacionais espera-
se em geral que os Estados juntem-se a regimes onde os benefiacutecios como membros
superem os custos Atraveacutes desse raciociacutenio pode-se esperar que atores poliacuteticos escolham
participar de regimes internacionais que lhes garantam a mesma ou melhor condiccedilatildeo
dentro do que fora deles Isso natildeo implica necessariamente em ganho considerando-se que
os regimes tendem a impor custos para os que natildeo participam O Fundo Monetaacuterio
Internacional por exemplo natildeo empresta para os natildeo associados (ASCARI 1999 64)
Aleacutem disso ainda devemos recordar que os pressotildees e as desigualdades de poder que
19
estendem-se por traacutes dos regimes internacionais podem tomar os resultados da barganha
voluntaacuteria natildeo inteiramente benignos Natildeo existe garantia de que a formaccedilatildeo de um regime
internacional iraacute produzir benefiacutecios globais de bem estar social (welfare) Desse modo
pertencer a um regime internacional implica sempre em riscos especialmente para os atores
desavantajados
A existecircncia (e a aceitaccedilatildeo) no mundo poliacutetico de trocas desiguais a compreensatildeo
de que os Estados podem em determinados casos tomar a decisatildeo de pertencer a regimes
simplesmente para natildeo verem aumentados seus custos a percepccedilatildeo de que os atores mais
fracos realizam muitas vezes escolhas a partir de constrangimentos e que o resultados
destas encolhas podem natildeo ser inteiramente benignos nos ajuda a entender porque atores
desavantajados juntam-se a regimes mesmo quando eles recebem menos benefiacutecios do que
os outros membros (AXELROD amp KEOHANE 1982 340) Em poliacutetica natildeo podemos
nunca esquecer que escolhas voluntaacuterias natildeo implicam na igualdade de situaccedilotildees e
resultados para os atores (AXELROD amp KEOHANE 1982 330 KEOHANE 1984 70) e
que os regimes internacionais satildeo uma esfera onde o poder eacute diretamente exercido e onde
as desigualdades satildeo grandes
Um uacuteltimo aspecto em relaccedilatildeo aos regimes e aos atores desavantajados ainda deve
ainda ser tratado a conformidade dos Estados aos regimes internacionais Regimes
internacionais satildeo instituiccedilotildees descentralizadas o que natildeo significa ausecircncia de
mecanismos de conformidade Regimes produzem procedimentos e regras e estabelecem
sanccedilotildees por violaccedilotildees do proacuteprio regime podem ser coordenadas em diversos niacuteveis e
intensidade No mundo poliacutetico e econocircmico observamos uma alta conformidade com os
regimes Entretanto essa constataccedilatildeo natildeo deve ser exagerada Tome-se como exemplo o
caso da conformidade da Europa aos regimes internacionais financeiro e comercial
oriundos do final da Segunda Guerra Mundial que efetivou-se realmente somente depois
do saneamento econocircmico e da retomada do crescimento da regiatildeo promovidos pelo plano
Marshall (DINOLFO 1994 601-29)
Para entender o quebra-cabeccedila da conformidade precisamos examinar como os
regimes internacionais afetam o caacutelculos dos governos racionais e egoiacutestas Keohane nos
aponta duas distintas possibilidades de entendimento A primeira delas observa cada regime
isoladamente considerando as vantagens de adesatildeo (para os governos) em oposiccedilatildeo agraves
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alternativas viaacuteveis A segunda coloca os regimes em contexto com outros regimes no
mundo poliacutetico Desse modo cada regime eacute interpretado como parte e em conformidade
com uma longa rede de temas e regimes Perceber cada regime em conformidade com
outros regimes produz diferentes estruturas de incentivos e constrangimentos para os
atores A pressatildeo que pode ser exercida atraveacutes de elos entre temas por diferentes regimes
serve muitas vezes como razatildeo para o ajuste dos governos a um determinado regime No
mundo contemporacircneo os governos tratam de vaacuterios temas e pertencem a muitos regimes
um governo que natildeo cumpre as regras e natildeo conforma-se a um determinado regime pode
criar uma expectativa negativa sobre seu comportamento em outros regimes para os
demais Estados Em uma anaacutelise racional-egoiacutesta podemos pensar que governos cumprem
seus compromissos para natildeo serem retalhados (punidos ou excluiacutedos de possiacuteveis
benefiacutecios) naquele proacuteprio ou nos demais regimes mesmo quando o regime e os temas
envolvidos natildeo satildeo de acordo com o auto-interesse (imediato) daquele Estado
Para entender o comportamento cooperativo dos atores devemos perceber os
regimes internacionais como muacuteltiplos e interligados Caso existisse apenas um regime no
mundo poliacutetico ou cada regime isoladamente os governos egoiacutestas poderiam
racionalmente parar de cumprir regras de regime internacionais Regimes seriam
abandonados quando os governos calculassem as que as oportunidade de custo como
membro como sendo maiores do que os de alguma alternativa viaacutevel de accedilatildeo Perceber os
regimes como interligados nos faz compreender que caso um Estado deixe de cumprir as
regras de um determinado regime que natildeo estatildeo diretamente de acordo com seus interesses
(ao menos imediatos) ele seraacute punido naquele e em outros regimes Da mesma maneira o
custo de adquirir maacute reputaccedilatildeo como resultado de violaccedilatildeo de regras seraacute imposto ao
transgressor naquele ou em demais regimes
Outro motivo de conformaccedilatildeo eacute a expectativa que os governos tecircm do crescimento
do regime internacional Conformar-se a um regime em um primeiro momento pode ser
fonte de determinados benefiacutecios para os atores ou mesmo uma oportunidade de participar
de acordos no sistema internacional Aleacutem disso as decisotildees de certos governos de
participar de regimes podem acontecer atraveacutes de um certo grau de ignoracircncia os regimes
evoluem e seus rumos nunca satildeo completamente previsiacuteveis Isso muitas vezes implica que
governos atuais aceitem determinadas situaccedilotildees pouco vantajosas devido a compromissos
21
assumidos no passado e que poderiam implicar-lhes em maacute reputaccedilatildeo ou retaliaccedilotildees caso
natildeo fossem cumpridos Por exemplo decisotildees tomadas em um certo periacuteodo de promover
a abertura econocircmica tecircm profundamente surtido efeitos negativos na habilidade de futuros
governos de controlar as transaccedilotildees econocircmicas com o mundo exterior Esse problema diz
respeito a um dos aspectos mais obscuros dos regimes internacionais sua utilizaccedilatildeo para
afetar as preferecircncias dos governos futuros atraveacutes da criaccedilatildeo de constrangimentos em suas
(futuras) liberdades de accedilatildeo (KEOHANE 1984 120)
A conformaccedilatildeo aos regimes ainda pode ocorrer devido ao alto custo da construccedilatildeo
de regimes internacionais Estabelecer um regime pode ser muito difiacutecil e dispendioso para
os atores devido a grandes articulaccedilotildees envolvidas para conformar os atores o regime
necessita de um ambiente internacional de grande conflito para sua formaccedilatildeo ou ateacute mesmo
de presenccedila de uma potecircncia hegemocircnica - como foram os Estados Unidos depois da
Segunda Guerra Mundial Essa implicaccedilatildeo de custos de construccedilatildeo toma os regimes
internacionais mais faacuteceis de serem mantidos do que criados
Um uacuteltimo aspecto ainda deve ser abordado quanto agrave manifestaccedilatildeo dos regimes Os
comportamentos coordenados dos atores podem acontecer de forma declarada ou natildeo
podem ser sub-entendidos em acordos e tratados entre os Estados ou podem ser efetivados
no interior de organizaccedilotildees internacionais Isso natildeo significa que as organizaccedilotildees
internacionais cumpram simplesmente um papel funcional de servir aos regimes O
estabelecimento de organizaccedilotildees internacionais estaacute ligado a uma seacuterie de motivaccedilotildees das
mais diversas que natildeo aprofundaremos nesse momento estudo por natildeo representarem
ganho imediato para nossa discussatildeo Aquilo que nos pode interessar saber eacute que a
coordenaccedilatildeo de certas poliacuteticas estabelecidas nos regimes podem ter aspectos positivos e
aspectos negativos para os atores desavantajados Quanto aos aspectos positivos pode-se
listar a reduccedilatildeo dos custos de transaccedilatildeo (como aqueles organizacionais e de pagamentos) e
a diminuiccedilatildeo das imperfeiccedilotildees de informaccedilotildees (incertezas e riscos) e o no estabelecimento
de algum tipo de confianccedila legal para os Estados mesmo atraveacutes de normas imperfeitas ou
pouco precisas tomando os acordos mais convenientes dentro de um regime do que fora
dele Quanto aos aspectos negativos o primeiro deles seria que tendencialmente as
organizaccedilotildees internacionais favorecem os interesses dos atores mais poderosos Isso
significa que suas regras seratildeo estabelecidas ou poderatildeo constituir-se em mecanismos de
22
constrangimento para os atores desavantajados Por esse motivo o estudo das regras das
organizaccedilotildees internacionais pode constituir-se em um interessante instrumento de
investigaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo e evoluccedilatildeo dos regimes internacionais e dos conflitos poliacuteticos
entre os atores
Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional
Depois da anaacutelise teoacuterica realizada nos sentimos confortaacuteveis para afirmar que a
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento entre paiacuteses do Norte e Sul do mundo tema
de anaacutelise de nosso trabalho manifesta-se como um regime internacional proacuteprio Ou seja
que agrave cooperaccedilatildeo entre Norte e Sul em relaccedilatildeo agrave aacuterea-tema desenvolvimento constitui-se
como sendo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos normas regras e
procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo do qual as expectativas dos atores
convergem As expectativas dos atores satildeo necessariamente nesse caso o
desenvolvimento Essa afirmaccedilatildeo implica em aceitarmos que tanto os paiacuteses do Norte como
os paiacuteses do Sul do mundo dividem expectativas em torno de um modelo uacutenico de
desenvolvimento33 e que eacute justamente essa expectativa que poderaacute nos ajudar a entender
os motivos dos paiacuteses pobres em conformarem-se voluntariamente ao regime da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
Considerar as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como um
regime internacional orientado ao desenvolvimento nos permite tambeacutem estruturar com
mais rigor cientiacutefico as relaccedilotildees entre Estados do Norte e do Sul do mundo Pensadas como
regime as poliacuteticas internacionais orientadas ao desenvolvimento podem ser entendidas
33 O grupo de autores poacutes-estruturalista considera o discurso do desenvolvimento como um aparato de controle e vigilacircncia Desenvolvimento engloba uma seacuterie de controles de discurso e de controle de praacuteticas - um regime de forccedila - que apareceu desde que o Iluminismo a extensatildeo do projeto de universalizaccedilatildeo europeu nos quatro cantos do mundo Que a maior parte dos projetos de desenvolvimento falhe - um ponto de concordacircncia entre poacutes-modemistas e ultramodemistas - acaba reforccedilando o desenvolvimentismo eles dizem que ao falimento define a populaccedilatildeo target demarcada pelo resto da humanidade por sua aboriacutegine pobreza ignoracircncia passividade e portanto esta populaccedilatildeo precisa de uma intervenccedilatildeo de conhecimento de fora (ESCOBAR 1995 APFFEL MARGLIN AND MARGLIN 1990 SACHS 1992 NANDY 1988 CRUSH 1995)
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como proporcionado incentivos e constrangimentos diferentes - e com graus de intensidade
desiguais - para atores fracos e atores fortes Podemos ainda perceber que nas relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento certas limitaccedilotildees e constrangimentos podem
ser estabelecidos diretamente pelos Estados mais fortes a partir dos recursos econocircmicos
Aleacutem disso entender as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da oacutetica de
regime internacional nos permite investigar o papel das organizaccedilotildees internacionais que
atuam diretamente estabelecendo regras e modelos de cooperaccedilatildeo entre os Estados do Norte
e do Sul do mundo e o quanto estas organizaccedilotildees satildeo orientadas a efetuar programas e
projetos de desenvolvimento que atendam as demandas dos atores avantajados Mas
sobretudo entender o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento como regime internacional
nos faz perceber as relaccedilotildees dos Estados nesse tema como fenocircmenos poliacutetico-
econocircmicos ajudando-nos desse modo a permanecer imunes agrave consideraccedilatildeo que retratem o
fenocircmeno como uma forma valida de ajuda que visa ldquo combater os fenocircmenos que
ameaccedilam a paz e a convivecircncia civil a pobreza o degrado ambiental a violecircncia e os
desequiliacutebrios de todos os gecircnerosrdquo (BARBARELLA 1998 64) Sendo todos estes
fenocircmenos referidos claramente como caracteriacutesticos dos paiacuteses em desenvolvimento
Perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
internacional ainda nos ajuda a definir um meacutetodo de investigaccedilatildeo para o tema Ou seja
buscar entender nas regras das organizaccedilotildees internacionais e na sua evoluccedilatildeo os processos
atraveacutes dos quais o regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi afirmado e investigar os
constrangimentos e incentivos colocados pelo regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento
em relaccedilatildeo de complementaridade com outros regimes internacionais Pensar nos regimes
internacionais em relaccedilatildeo uns com os outros nos faz perceber que a cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento pode impor ou sofrer constrangimentos incentivos e
puniccedilotildees a partir da rede de temas e regimes
A escolha de estudar a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
internacional tambeacutem nos possibilita investigar o tema a partir dos constrangimentos dos
atores mais desavantajados e identificar nas pressotildees econocircmicas sofridas por esse grupo
sua causa maior em aceitar barganhas desiguais que nem sempre parecem muito toleraacuteveis
considerando-se apenas um comportamento racional-egoiacutesta dos atores
24
Finalmente perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
nos ajuda a estabelecer o proacuteprio termo cooperaccedilatildeo para definir o fenocircmeno Pois a
literatura especializada se utiliza de trecircs locuccedilotildees distintas para nomear o mesmo
fenocircmeno Estas locuccedilotildees satildeo assistecircncia ajuda e cooperaccedilatildeo Considerando que estes trecircs
termos natildeo satildeo sinocircnimos e denotam intensidades diferentes de participaccedilatildeo dos atores no
processo algumas consideraccedilotildees podem ser oportunas O termo cooperaccedilatildeo internacional
ao desenvolvimento eacute utilizado especialmente pelos autores europeus que pretendem
conseguir uma conotaccedilatildeo equilibrada e quase amigaacutevel aos esforccedilos dos atores e aos
resultados obtidos no setor (BASILE 1995 8 ANTONELLI 1995 230 ASCARI 1999
116 BOFFO 1993) Ajuda e assistecircncia satildeo utilizadas sobretudo na literatura americana e
datildeo evidentemente ecircnfase aos paiacuteses doadores ou seja aqueles desenvolvidos
economicamente como motores unilaterais da relaccedilatildeo o que acaba descaracterizando
qualquer tipo de barganha poliacutetica que possa envolver o fenocircmeno (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1995 94) Estes dois tipos de conotaccedilatildeo da literatura
especializada - cooperaccedilatildeo como equiliacutebrio de esforccedilos e resultados e ajuda ou assistecircncia
como accedilatildeo unilateral e apoliacutetica - revelaram-se depois de nossa investigaccedilatildeo teoacuterica uma
maneira incorreta de tentar entender o fenocircmeno
Assistecircncia ou ajuda natildeo poderiam ser utilizados como termos na investigaccedilatildeo do
fenocircmeno de relaccedilatildeo entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo porque excluiriam
imediatamente do processo de desenvolvimento o uacuteltimo grupo de paiacuteses desconsiderando
inclusive os recursos financeiros empregados por estas atores nos proacuteprios projetos e
programas de desenvolvimento e na manutenccedilatildeo do setor Interpretaccedilatildeo que seria incorreta
considerando-se que apenas o Brasil repassou para o Programa de Desenvolvimento das
Naccedilotildees Unidas (PNUD) mais de R$ 250 milhotildees de doacutelares34 ente janeiro e novembro de
2000 para a execuccedilatildeo do Programa Paiacutes (Tribunal de Contas da Uniatildeo)
Cooperaccedilatildeo tambeacutem natildeo poderia ser mantido caso utilizaacutessemos apenas a
conotaccedilatildeo dada ao termo pela literatura europeacuteia visto que natildeo existem situaccedilotildees de
equiliacutebrio de esforccedilos e resultados quando a anaacutelise de alguns simples indicadores de
crescimento econocircmico nos revela que desde a implementaccedilatildeo dos primeiros esforccedilos
34 O Orccedilamento anual do PNUD eacute atualmente de US$1 bilhatildeo de doacutelares
25
mundiais coordenados para o desenvolvimento nos anos cinquumlenta a diferenccedila (gap) entre
a renda per capita dos paiacuteses do Norte e dos paiacuteses dos Sul passou de U$ 3677 em 1950
(referecircncias do doacutelar de 1980) para U$ 24000 em 1995 (referecircncia do doacutelar em 1995)35
Contudo tomando-se cooperaccedilatildeo como relevado pelos proacuteprios dados acima expostos
como um fenocircmeno econocircmico-poliacutetico que acontece a partir de uma situaccedilatildeo de conflito
vivida pelos atores como seraacute proposto no primeiro capiacutetulo deste trabalho nos
afastaremos completamente das conotaccedilotildees utilizadas pela literatura especializada europeacuteia
e poderemos definir sem risco de sermos contraditoacuterios o fenocircmeno de cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento entre Estados do Norte e do Sul do mundo como
cooperaccedilatildeo
Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional
ODA ou seja ajuda oficial ao desenvolvimento (a literatura internacional manteacutem a
sigla em inglecircs - ofjicial development aid) eacute utilizado no setor da cooperaccedilatildeo internacional
ao desenvolvimento como criteacuterio global de medida financeira das modalidade de
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento realizadas pelos paiacuteses do Norte e do Sul do mundo
(BASILE 1995 ANTONELLI 1995 GRILLI 1993 MARCfflSIO 19862000
TRIULZI 19982000) Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive agravequela
teacutecnica e fianceira (com exceccedilatildeo da ajuda de emergecircncia e de eventuais contribuiccedilotildees
privadas de ONGs) eacute contabilizado como fluxo financeiro da Ajuda Oficial ao
Desenvolvimento - ODA36 ODA eacute definido internacionalmente como sendo um ldquoconjunto
35 ldquoA diferenccedila de renda entre os paiacuteses do Norte e do Sul cresceu dramaticamente depois da Segunda Guerra Mundial Em 1950 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de USS 164 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de US$ 3841 - o que constituiacutea uma diferenccedila absoluta de U$ 3 677 (referecircncia do doacutelar americano de 1980) Trinta anos depois em 1980 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 245 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 9648 - o que constituiu uma diferenccedila absoluta de U$ 9043O crescimento da diferenccedila continuou nos anos 90 Em 1995 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 430 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 24930 - o que constitui uma diferenccedila absoluta de U$ 24000 (referecircncia do doacutelar americano de 1995) (SELIGTON 1998 3)
36 Internacionalmente eacute aceita a sigla ODA para definir estes fluxos financeiros motivo pelo qual decidimos mantecirc-la nesse trabalho
26
de fluxos destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento^7 e agraves agecircncias multilaterais
fornecidos atraveacutes das agecircncias oficiais incluindo-se o Estado e os governos locais ou suas
agecircncias executivas cujas transaccedilotildees respeitem os seguintes criteacuterios a) como primeiro
objetivo que a assistecircncia seja administrada em funccedilatildeo da promoccedilatildeo do desenvolvimento
econocircmico e do bem estar dos paiacuteses em vias de desenvolvimento b) que os fluxos
destinados agrave cooperaccedilatildeo puacuteblica sejam facilitados e contenham um elemento de doaccedilatildeo de
ao menos 25rdquo (wwwoecdorgdac)
Por tratarem-se os fluxos ODA tambeacutem de ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e
expliacutecitos normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em torno do qual as
expectativas dos atores convergemrdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) eles tambeacutem seratildeo
nesse trabalho definidos como regimes internacionais
Como vimos Keohane percebe a cooperaccedilatildeo internacional como fundamentalmente
econocircmica e possiacutevel de acontecer a partir de um ambiente facilitador ou seja de um
regime internacional O ODA foi introduzido internacionalmente para cumprir a funccedilatildeo de
ambiente facilitador das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses do Norte e Sul depois da
afirmaccedilatildeo do conceito de multilateralismo no final da Segunda Guerra Mundial (BASILE
1995) O ODA deveria ter garantido que os benefiacutecios da implantaccedilatildeo da maior abertura
comercial e financeira fossem em alguma medida repassados para os atores mais fracos e
ajudassem estes paiacuteses em seus processo de desenvolvimento (entendido como crescimento
econocircmico38) (JEPMA1991)
No proacuteximo capiacutetulo iniciaremos nosso estudo sobre a nova modalidade de ajuda
multibilateral Depois de introduzir o termo buscaremos perceber como foi possiacutevel que
esse tipo de modalidade a princiacutepio contraacuteria as regras das organizaccedilotildees internacionais que
deveriam preservar uma certa neutralidade na conduccedilatildeo do repasse dos fluxos ODA
conseguiu estruturar-se a partir das falhas das normativas do proacuteprio PNUD e da
37 Esse tipo de definiccedilatildeo exclui os cria um problema para os paiacuteses em vias de desenvolvimento pois mede como fluxos ODA apenas aqueles repassados pelos paiacuteses desenvolvidos para o setor da cooperaccedilatildeo excluindo desse modo os recursos (muito substanciais) que os paiacuteses em desenvolvimento destinam ao proacuteprio desenvolvimento e agravequela internacional
38 Uma observaccedilatildeo fundamental para nossa discussatildeo eacute que ldquoateacute os anos cinquumlenta o conceito de desenvolvimento era estritamente interpretado como crescimento econocircmicordquo (DECLICH E EBOLI 1995 p 131)
27
Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas Finalmente dedicaremos a parte final do capiacutetulo a
uma breve explanaccedilatildeo da foacutermula multibilateral dos custos divididos (cost-sharing) aquela
prioritariamente utilizada pelo PNUD no Brasil e na Ameacuterica Latina
28
CAPIacuteTULO II
A AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO
As foacutermulas multiacutebilaterais como puniccedilatildeo
A partir da deacutecada de setenta uma nova modalidade de administraccedilatildeo e utilizaccedilatildeo
dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) foi estabelecida a partir
do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) Esta modalidade foi
denominada com um singular neologismo lsquomultibilateraV e se apresentava como uma
siacutentese dos dois modelos tiacutepicos de financiamento de projetos e programas do setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o multilateral efetuado atraveacutes da accedilatildeo das organizaccedilotildees
internacionais multilaterais e o bilateral realizado diretamente pelos Estados
A ajuda multibilateral eacute definida como uma forma particular de administraccedilatildeo e
repasse dos fluxos do regime internacional da ODA que consiste ldquono financiamento de
programas elaborados pelas organizaccedilotildees internacionais que se empenham mediante
acordos ad hoc a executar projetos especiacuteficos (setorizados) utilizando bens serviccedilos e
capacidade teacutecnica profissional dos paiacuteses doadoresrdquo (BASILE 1995 20 MARCHISIO
198612 MARCHISIO 2000 345369) A nova modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos
ODA inaugurou um precedente no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
De fato Marchisio nos lembra que ateacute a introduccedilatildeo da modalidade de ajuda multibilateral
o repasse dos fluxos ODA atraveacutes das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter regional em
particular do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) tendiam a
pieservar o princiacutepio constituinte da cooperaccedilatildeo multilateral ou seja a natildeo identificaccedilatildeo
dos paiacuteses doadores dos recursos (MARCHISIO 1986) Com efeito Basile argumenta que
os fundos das organizaccedilotildees internacionais dos programas das Naccedilotildees Unidas tinham sido
constituiacutedos e cumpriam a funccedilatildeo de preservar o anonimato entre paiacuteses doadores e paiacuteses
recebedores dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) (BASILE
29
1995) Dessa forma os paiacuteses recebedores dos recursos (aqueles em desenvolvimento)
teriam a garantia de que os fluxos ODA seriam repassados com o menor nuacutemero possiacutevel
de viacutenculos Isso significava que o Estado recebedor natildeo teria compromissos de utilizar os
fluxos do regime internacional ODA para efetuar compras de bens e serviccedilos dos paiacuteses
doadores destes recursos (procurement) ou para favorecer eventuais interesses poliacuteticos
destes Estados A questatildeo da licitaccedilatildeo para as compras de bens e serviccedilos para a execuccedilatildeo e
a implantaccedilatildeo de projetos e programas de desenvolvimento procurement) eacute atualmente
um dos pontos mais emblemaacuteticos das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre
paiacuteses dos hemisfeacuterios Norte e do Sul39 Segundo dados fornecidos por Escobar o Banco
Mundial gastou desde o final dos anos setenta mais de 80 do total dos recursos
multilaterais recebidos com contratos de aquisiccedilatildeo de mercadorias e com salaacuterios de
consultores nos proacuteprios paiacuteses doadores (ESCOBAR 1995 166) Como vimos em nosso
capiacutetulo anterior os Estados em vias de desenvolvimento sofreram puniccedilotildees sistecircmicas
atraveacutes do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a partir do iniacutecio dos
anos setenta Estas puniccedilotildees econocircmicas contra os paiacuteses em vias de desenvolvimento
(PVD) aconteceram atraveacutes de uma diminuiccedilatildeo dos repasses dos fluxos do regime da ajuda
oficial ao desenvolvimento (ODA) e de um maior controle destes fluxos As puniccedilotildees
sistecircmicas reordenaram o comportamento dos atores do regime internacional da cooperaccedilatildeo
ao desenvolvimento atraveacutes do estabelecimento de novos incentivos e constrangimentos
O primeiro ator que sofreu puniccedilotildees sistecircmicas e alterou profundamente seu
comportamento foi o Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) que ateacute
os anos setenta concentrava a maior parte dos fluxos do regime internacional da ajuda
oficial ao desenvolvimento (ODA) De fato o PNUD administrava 75 dos recursos das
atividades de cooperaccedilatildeo teacutecnica do Sistema das Naccedilotildees Unidas Com as puniccedilotildees
sistecircmicas impostas pelos Estados mais fortes a partir do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a quantidade de fluxos ODA administrados pelo PNUD
diminuiu vertiginosamente Jaacute no iniacutecio dos anos oitenta os fluxos ODA administrados
pelo PNUD eram apenas 25 dos fundos multilaterais da cooperaccedilatildeo teacutecnica
(MARCHISIO 1986) Quanto ao volume dos fluxos multilaterais ODA no setor da
39 Seraacute sob esse ponto de vista que Norte e Sul seratildeo tratados daqui em diante
30
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o total administrado pelo PNUD diminuiu de 65 em
1968 para 38 em 1980 (NOGUEIRA 2001 30)
A diminuiccedilatildeo de recursos no Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
(PNUD) aconteceu como uma forma direta de puniccedilatildeo econocircmica contra os Estados em
desenvolvimento Isso porque o PNUD sendo um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia Geral
das Naccedilotildees Unidas em que os Estados tecircm o mesmo peso de voto (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1996) podia como detentor majoritaacuterio dos recursos do
desenvolvimento favorecer poliacuteticas de utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA mais proacuteximas das
preferecircncia dos PVD
A praacutetica da ajuda vinculada era sobretudo ateacute a introduccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais uma caracteriacutestica da ajuda bilateral ao desenvolvimento (aquela realizada
diretamente entre os Estados) Contudo com a introduccedilatildeo da ajuda multibilateral os
Estados doadores puderam natildeo apenas condicionar de maneira mais acentuada o repasse
dos fluxos ODA agrave satisfaccedilatildeo de seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou econocircmicos mas
garantir um maior controle sobre os fluxos ODA multilaterais destinados aos paiacuteses em
desenvolvimento A introduccedilatildeo da ajuda multibilateral e o fortalecimento do poder de
decisatildeo da utilizaccedilatildeo destes recursos pelos Estados doadores podem ajudar a entender
porque trinta dos cinquumlenta maiores clientes das induacutestrias de mercadorias americanas
vecircm sendo a partir da metade dos anos setenta paiacuteses em desenvolvimento A maior parte
destes 30 satildeo os maiores recebedores da ajuda alimentar (ESCOBAR 1995166) Um fator
tambeacutem importante para o fortalecimento dos Estados doadores no setor da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a partir dos anos setenta foi a aproximaccedilatildeo promovida
pela cooperaccedilatildeo multibilateral dos paiacuteses doadores das agecircncias das Naccedilotildees Unidas Essa
aproximaccedilatildeo tomou possiacutevel aos paiacuteses doadores apropriar-se de uma seacuterie de informaccedilotildees
dos paiacuteses em desenvolvimento assim como do know how dos organismos de cooperaccedilatildeo
multilateral Elementos que resultaram uacuteteis para reorganizar em bases proacuteprias a
cooperaccedilatildeo multilateral e para a introduccedilatildeo de novos elementos como a condicionalidade
da ajuda e a cooperaccedilatildeo descentralizada Por exemplo com a foacutermula multibilateral
claacutessicas dos custos divididos e dos custos divididos com uma terceira parte os paiacuteses
doadores puderam ter acesso agraves informaccedilotildees completas do ldquoPrograma Paiacutesrdquo dos PVD
ainda em fase de projeccedilatildeo Desses projetos consta aleacutem de uma anaacutelise minuciosa das
31
poliacuteticas de governos que seratildeo seguidas pelos paiacuteses em aacutereas estrateacutegicas como aquela
econocircmica uma seacuterie de informaccedilotildees relativas aos custos que o governo do paiacutes em
desenvolvimento pretende utilizar como recursos proacuteprios para a realizaccedilatildeo dos projetos
Essas informaccedilotildees tendem a ser utilizada para favorecer interesses poliacuteticos e comerciais
dos Estados doadores
Marchisio afirma que a ajuda multibilateral pocircde constituir-se no acircmbito das
organizaccedilotildees multilaterais atraveacutes da introduccedilatildeo de uma seacuterie de novas foacutermulas de
financiamento de projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento que foram
encontrando legitimaccedilatildeo nas falhas normativas e na falta de regulamentaccedilatildeo homogecircnea
das normas financeiras do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD)
assim como nas proacuteprias regras financeiras da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
(MARCHISIO 2000) As foacutermulas multibilaterais migraram em um segundo momento
para os demais oacutergatildeos subsidiaacuterios40 da Assembleacuteia Geral e para os institutos financeiros
Disso resulta que as foacutermulas multibilaterais encontram-se entre as principais modalidades
de utilizaccedilatildeo dos recursos multilaterais do Sistema das Naccedilotildees Unidas Limitaremos nossa
anaacutelise nesse capiacutetulo ao estudo da categoria multibilateral no PNUD por ter sido esse o
Programa que inicialmente instituiu a ajuda multibilateral Aleacutem disso o PNUD eacute o maior
parceiro de programas de cooperaccedilatildeo do Brasil41 e utiliza uma foacutermula multibilateral - o
cost-sharing - para efetuar o Programa Paiacutes de Desenvolvimento (NOGUEIRA 2001) A
ajuda multibilateral permitira aos Estados doadores (os paiacuteses mais desenvolvidos
economicamente) um maior poder de decisatildeo na aplicaccedilatildeo dos fundos ODA das
organizaccedilotildees multilaterais de caraacuteter universal e o estabelecimento institucionalizado da
ajuda vinculada multilateral que atualmente representa ldquopercentuais meacutedios de 50 dos
fluxos do regime internacional ODA recolhido por estas organizaccedilotildees com pontas que
40 Oacutergatildeos subsidiaacuterios satildeo organismos operativos ligados por uma relaccedilatildeo de auxiliares agraveAssembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (quase todos principiam pela sigla UN contudo devemos daratenccedilatildeo agrave UNESCO - United Nations Educational Scientific and Cultural Organization - e agraveUNIDO - United Nations Industrial and Development Organization - que satildeo agecircnciasinstitutosespecializados do Sistema e cujos nomes tambeacutem principiam com a mesma sigla)
45 A proacutepria Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento nasceu como um projeto PNUD (NOGUEIRA 1999)
32
alcanccedilam ateacute 80 nos paiacuteses do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD)
(BASILE 1995 63)42
As foacutermulas multibilaterais de repasse de financiamento comeccedilaram a ser aplicadas
depois que a resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas sugeriu que se
efetivassem mecanismos de repasse obrigatoacuterio dos fluxos ODA dos paiacuteses industrializados
(em uma quantidade miacutenima de 07 do PIB) para a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento dos
paiacuteses mais pobres Aumentar a quantidade de recursos e obter uma garantia de
recebimento de financiamentos dos paiacuteses industrializados podem ser consideradas medidas
efetivas dos paiacuteses em desenvolvimento para o estabelecimento da pretendida nova ordem
econocircmica mundial no iniacutecio dos anos setenta A iniciativa dos paiacuteses em desenvolvimento
que se articulou a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas preocupou os paiacuteses
doadores quanto agrave organizaccedilatildeo dos paiacuteses mais pobres e tambeacutem quanto agrave utilizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas como promotora dos interesses do Sul do mundo (ARMSTRONG LLOYD
amp REDMOND 1996 95) Os paiacuteses industrializados reagiram imediatamente agrave resoluccedilatildeo
2626 (XXV) retirando os fluxos do regime internacional ODA das organizaccedilotildees
internacionais particularmente do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
(PNUD)
Essa retirada gerou uma crise orccedilamentaacuteria no Programa que determinou a criaccedilatildeo
de foacutermulas de administraccedilatildeo da ajuda que fossem mais atrativas para os paiacuteses doadores
(ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1999) As foacutermulas multibilaterais permitiram
que os paiacuteses doadores passassem a identificar os Estados onde seriam aplicados os fundos
podendo escolher o tipo de projeto e o setor onde seus recursos seriam utilizados As
foacutermulas multibilaterais permitiram ainda que os paiacuteses doadores pudessem concentrar seus
repasses de fluxos ODA em projetos (setores ou paiacuteses) que lhes trouxessem maior retomo
econocircmico Esse foi por exemplo o caso da Gratilde-Bretanha - que no periacuteodo entre 1979-82
destinou US$ 3994 milhotildees para a cooperaccedilatildeo e recebeu de retomo econocircmico US$ 7747
milhotildees Outros paiacuteses que costumam conseguir um alto retorno econocircmico satildeo a Aacuteustria a
Franccedila e a Nova Zelacircndia (MARCHISIO 198631) Podemos perceber portanto como a
42 Entre os paiacuteses que mais recorrem a este tipo de praacutetica estatildeo os Estados Unidos (com mais de 60 dos recursos) o Reino Unido (60) a Itaacutelia (65) o Canadaacute (50) e a Beacutelgica (mais de 60) (BASILE 1995 63)
33
aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees econocircmicas aos paiacuteses em vias de desenvolvimento gerou novos
incentivos e novas constriccedilotildees para o PNUD que acabaram determinando uma mudanccedila de
comportamento desse organismo
Enquanto os fluxos ODA eram retirados do PNUD acontecia o aumento da
concentraccedilatildeo destes fundos nos programas bilaterais dos paiacuteses doadores e nas entidades
(Institutos Financeiros e Fundo Europeu) mais facilmente controlaacuteveis por estes paiacuteses
Keohane afirma que os regimes internacionais que se constituem dentro das
organizaccedilotildees internacionais proporcionam algum tipo de confianccedila legal e a reduccedilatildeo dos
custos organizacionais para os Estados porque as regras destas organizaccedilotildees mesmo que
imperfeitas orientam os modelos de comportamento dos atores (KEOHANE 1984 88)
Ao mesmo tempo Keohane tambeacutem admite que as regras ou a ausecircncia de regras das
organizaccedilotildees internacionais em determinadas temas tendem a favorecer os interesse
econocircmicos e poliacuteticos dos atores mais fortes (KEOHANE 1984 90) Acreditamos que
esse quadro possa contribuir para a compreensatildeo da implantaccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais nas organizaccedilotildees internacionais E inegaacutevel que os fundos da cooperaccedilatildeo
multilateral enquanto eram preferencialmente administrados a partir de organizaccedilotildees
internacionais de caraacuteter universal particularmente pelo Programa de Desenvolvimento das
Naccedilotildees Unidas (PNUD) proporcionavam certa confiabilidade para os paiacuteses em vias de
desenvolvimento quanto ao comportamento dos atores mais fortes Contudo depois das
alteraccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento provocadas pelo acirramento das
tensotildees entre o grupo de paiacuteses doadores e o dos paiacuteses recebedores - e da consequumlente
concentraccedilatildeo dos fundos nas entidades ligadas aos paiacuteses doadores O proacuteprio PNUD foi
encontrando falhas normativas internas ou atraveacutes da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
(passivas ateacute entatildeo) por onde as foacutermulas multibilaterais puderam ser implantadas Disso
resulta que efetivamente o estudo das regras das organizaccedilotildees internacionais e de sua
evoluccedilatildeo no tempo pode ser muito interessante contribuindo para que possamos analisar
os processos poliacuteticos que envolvem os regimes internacionais
As falhas nas normativas que regulamentam a administraccedilatildeo financeira de oacutergatildeos
importantes como a Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas ou do PNUD ateacute entatildeo principal
regulador dos fundos da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento podem ser interpretadas como
constrangimentos iniciais do proacuteprio Programa Isso natildeo significa que estes oacutergatildeos
34
cumpram um papel funcional junto aos atores mais fortes Mas isto sim que a proacutepria
loacutegica das contribuiccedilotildees voluntaacuterias que estruturam estas organizaccedilotildees podem ter impedido
que mecanismos mais restritivos de controle dos recursos (que resultariam em perda de
flexibilidade) fossem estabelecidos Para Keohane constrangimentos pode ser acordados jaacute
no momento de instituiccedilatildeo das organizaccedilotildees (KEOHANE 1984) O constrangimento
representado pelas falhas das normativas financeiras de organizaccedilotildees que administravam
substanciais recursos destinados aos PVD pode ter permanecido em estado latente ateacute
serem habilitadas quando foi propiacutecia sua utilizaccedilatildeo
Para que possamos ter uma melhor compreensatildeo de como os interesses dos paiacuteses
doadores acabaram sendo legitimados nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal
toma-se necessaacuterio fazer uma anaacutelise mais focada das foacutermulas multibilaterais nestas
organizaccedilotildees Devido a isso o capiacutetulo eacute dedicado primeiramente agrave investigaccedilatildeo da origem
institucional das modalidades de cooperaccedilatildeo multibilaterais a partir da Resoluccedilatildeo 2626
(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na deacutecada de setenta (Segundo Dececircnio
para o Desenvolvimento) Analisaremos a seguir os principais pontos da regulamentaccedilatildeo da
Assembleacuteia Geral e do PNUD - ou seja aqueles ligados agrave administraccedilatildeo dos recursos e ao
procurement Assim procuraremos entender de que maneira os vaacutecuos dessas normativas
possibilitaram a constituiccedilatildeo das foacutermulas de financiamento multibilaterais no Programa A
parte final do capiacutetulo seraacute dedicada agrave anaacutelise da foacutermula multibilateral do cost-sharing no
Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas e da mais recente versatildeo do cost-
sharing atraveacutes da qual os paiacuteses em desenvolvimento assumiram a quase totalidade do
custo de seu Programa Paiacutes elaborado pelo PNUD
A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
A tendecircncia dos Estados em fornecer recursos financeiros agraves organizaccedilotildees
internacionais multilaterais estabelecendo condiccedilotildees de vaacuterios gecircneros natildeo eacute certamente
nova Uma anaacutelise realista nos faz perceber que as condiccedilotildees formuladas pelos atores mais
fortes para o repasse de recursos sempre existiram Contudo como dissemos as novas
foacutermulas multibilaterais acentuaram em medida notaacutevel os viacutenculos de destino dos
35
recursos pois os Estados doadores puderam passar a escolher diretamente para qual setor -
e paiacutes - seriam destinados os fluxos ODA multilaterais interferindo desse modo nos
processos globais e nacionais de desenvolvimento Aleacutem disso vale ressaltar que esse tipo
de modalidade de favorecimento dos interesses dos paiacuteses doadores a partir de fluxos ODA
multilaterais abriu um precedente para esse mesmo tipo de favorecimento em outros
organismos administradores de recursos multilaterais como por exemplo o Fundo Europeu
de Desenvolvimento (FED)
A afirmaccedilatildeo do fenocircmeno dos financiamentos multibilaterais na cooperaccedilatildeo a partir
da metade dos anos setenta pode ser ligada de maneira generalizante agraves vastas
transformaccedilotildees no ambiente internacional realizadas no curso daqueles anos que haviam
consolidado a estrutura das relaccedilotildees econocircmicas internacionais desde o final da Segunda
Guerra Mundial Alguns acontecimentos do iniacutecio da deacutecada de setenta - como o final dos
sistema monetaacuterio baseado nos acordos de Bretton Woods43 a inflaccedilatildeo e a recessatildeo dos
paiacuteses agrave economia de mercado o aumento das taxas de desocupaccedilatildeo e o choque do petroacuteleo
- fortaleceram a posiccedilatildeo dos paiacuteses em vias de desenvolvimento quanto ao
estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial que garantisse uma redistribuiccedilatildeo
mais equilibrada dos recursos internacionais
Esperava-se que o crescimento econocircmico da deacutecada de setenta pudesse derivar em
uma repercussatildeo positiva para os paiacuteses em desenvolvimento desde que mecanismos mais
eficazes do setor da cooperaccedilatildeo fossem criados e efetivados pelas organizaccedilotildees
internacionais (RESOLUCcedilAtildeO 2626 (XXV) sect 8) O ambiente internacional44 levou os
paiacuteses em vias de desenvolvimento a aprovarem na Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
como um dos objetivos da Comunidade Internacional para a deacutecada de setenta45 a
automatizaccedilatildeo da transferecircncia de 07 do PIB dos paiacuteses industrializados para ajuda ao
43 Em 1971 o padratildeo doacutelar-ouro foi abandonado pelos EUA
44 Que parecia tender para uma mudanccedila da ordem econocircmica devido agrave crise do regime monetaacuterio agraves expectativas da continuaccedilatildeo do crescimento mundial e agrave declaraccedilatildeo do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE de que os paiacuteses industrializados pretendiam adotar a Recomendaccedilatildeo sobre Condiccedilotildees e Termos Financeiros ou seja a primeira proposta de elevar os fluxos ODA para 07 do PIB dos paiacuteses industrializados (FUumlHRER 1996)
4gt A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) eacute de 24 de setembro de 1970
36
desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres (ARMSTRONG LLOYDamp REDMOND 1996
94-5)
Para os paiacuteses mais pobres um dos principais problemas para a efetivaccedilatildeo de
projetos e programas de desenvolvimento a longo prazo tem sido a ausecircncia de uma
garantia no recebimento de financiamentos internacionais (CECHI1995 ASCARI 1999)
O paiacutes que escolhe a estrada do desenvolvimento econocircmico pode encontrar na feita de
recursos algumas complicaccedilotildees capazes de comprometer seu crescimento econocircmico
(EATON 1989 CARDOSO e DORBUSCH 1989) A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi tomada
justamente para que um comprometimento maior dos paiacuteses doadores de repasse de
financiamentos pudesse proporcionar a realizaccedilatildeo de projetos e programas de crescimento
mais longos Os fundos destinados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento por
constituiacuterem repasses voluntaacuterios tecircm sido fetor de constrangimento para o
estabelecimento de poliacuteticas de desenvolvimento continuadas nos paiacuteses mais pobres
As intenccedilotildees declaradas dos paiacuteses industrializados de destinar um percentual
miacutenimo de 07 seus respectivos PIBs para o setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo
eram garantia do estabelecimento de medidas concretas de repasses dos fundos
Atualmente ainda podemos comprovar esta situaccedilatildeo pois mesmo que o paiacuteses
industrializados continuem afirmando suas intenccedilotildees de aumentar os fluxos ODA
(Conferecircncia de Monterrey em 2002) para um percentual miacutenimo de 07 de seus PIBs
nacionais na realidade os financiamentos facilitados continuam diminuindo Os fluxos
ODA dos paiacuteses Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) baixaram de 033 do
PIB no biecircnio de 1986-7 para 022 em 1997 e continuam em queda acentuada (TRIULZI
1998 123)
A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi uma tentativa de conseguir garantir aos paiacuteses em
desenvolvimento uma quantidade miacutenima de recursos que pudessem ser empregados como
financiamento aos paiacuteses do Sul atraveacutes de um maior comprometimento dos paiacuteses
doadores com a ajuda ao desenvolvimento46 Eacute interessante perceber que na recente
46 A funccedilatildeo deste oacutergatildeo plenaacuterio das Naccedilotildees Unidas limita-se apenas ao estudo discussatildeo e recomendaccedilotildees - aos Estados membros e natildeo-membros e aos demais organismos da ONU e subsidiaacuterios - de temas ligados agrave manutenccedilatildeo da paz e agrave resoluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias (CAFFARENA 200180 Carta das Naccedilotildees Unidas art 10-14) Neste sentido o termo resoluccedilatildeo manteacutem o significado geneacuterico de recomendaccedilatildeo
37
Conferecircncia Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento realizada em marccedilo
de 2002 na cidade de Monterrey o tema da necessidade de um repasse automatizado de
fundos para o setor da cooperaccedilatildeo que continua sendo uma das questotildees centrais para os
paiacuteses pobres natildeo foi nem mesmo levantado (CONFEREcircNCIA DE MONTERREY) O
fato de omitir-se uma questatildeo de tamanha importacircncia para os paiacuteses em desenvolvimento
na principal Conferecircncia sobre os fundos da cooperaccedilatildeo desta deacutecada evidencia como os
paiacuteses industrializados fortaleceram suas posiccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo desde os anos
setenta
As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD
As foacutermulas multibilaterais por estarem diretamente ligadas aos interesses
comerciais dos paiacuteses doadores (interesses de procurement - ajuda vinculada) foram
introduzidos sobretudo a partir da regulamentaccedilatildeo financeira dos oacutergatildeos subsidiaacuterios e da
proacutepria Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas afirmando-se de maneira pragmaacutetica
aproveitando os vaacutecuos existentes nas normas que regulam a gestatildeo financeira da
Assembleacuteia Geral e seus oacutergatildeos subsidiaacuterios (MARCHISIO 2000) Esse eacute o caso da
resoluccedilatildeo 3556 da Assembleacuteia Geral que trata das estrateacutegias das Naccedilotildees Unidas para o
Terceiro Dececircnio do Desenvolvimento nos anos oitenta No paraacutegrafo 103 b afirma-se que
ldquoem regravegle gegravenerale laacuteide publique au deacuteveloppement ne devrais pas ecirctre lieacuteerdquo (YODER
1997) O uso do condicional que natildeo estava presente ateacute os anos oitenta nesse paraacutegrafo
permite entender claramente a presenccedila de um espaccedilo (que deveria ser marginal) no qual
satildeo consentidas derrogas ou exceccedilotildees Nos documentos que definiram as estrateacutegias das
Naccedilotildees Unidas para o Primeiro e o Segundo Dececircnio para o Desenvolvimento a ajuda
vinculada realizada atraveacutes de recursos oficiais ao desenvolvimento multilaterais era
categoricamente proibida47
Natildeo existe uma regulamentaccedilatildeo uacutenica que normatize a gestatildeo financeira das
diversas agecircncias e institutos do Sistema das Naccedilotildees Unidas Pelo contraacuterio cada
47 Disponiacutevel on-line (HTTPVwww unorgdoc)
38
organismo conta com medidas proacuteprias de alocaccedilatildeo e administraccedilatildeo dos recursos
(CAFFARENA 2001) Mesmo para os organismos subsidiaacuterios da Assembleacuteia Geral dos
quais a grande parte dos oacutergatildeos que trabalham no setor da cooperaccedilatildeo eacute subsidiaacuterio existe
uma autonomia funcional Contudo sendo o PNUD um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia
Geral das Naccedilotildees Unidas eacute pertinente aprofundar mais especificamente os limites da
autonomia financeira do proacuteprio Programa em relaccedilatildeo agrave Assembleacuteia Geral
A Assembleacuteia Geral conteacutem algumas indicaccedilotildees vagas sobre a gestatildeo financeira dos
seus oacutergatildeos subsidiaacuterios48 De maneira generalizante a proacutepria Assembleacuteia deveria
responder pelo regulamento financeiro de seus oacutergatildeos subsidiaacuterios a menos que ldquoas
resoluccedilotildees atraveacutes das quais eles foram individualmente constituiacutedos lhes tenham conferido
autonomia financeira que o Secretaacuterio Geral das Naccedilotildees Unidas tenha autorizado
autonomia de gestatildeo financeira ou no caso dos organismos que possuem atividades
operativas que estes sejam financiados atraveacutes de contribuiccedilotildees voluntaacuterias e possuam bens
proacutepriosrdquo (REGULAMENTO FINANCEIRO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS )49 Ou seja isso
significa que na praacutetica todos os oacutergatildeos subsidiaacuterios das Naccedilotildees Unidas tecircm autonomia
financeira de administraccedilatildeo dos recursos pois todos enquadram-se em ao menos duas das
categorias de exceccedilatildeo (contribuiccedilotildees voluntaacuterias e bens proacuteprios)
Quanto ao procurement espaccedilo de maior abertura para a introduccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais nos projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (CREWE amp
HARRISON 1998) os oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia mesmo que dotados de
autonomia de gestatildeo deveriam manter-se compatiacuteveis com os princiacutepios gerais da
regulamentaccedilatildeo financeira das Naccedilotildees Unidas de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeo Contudo o
proacuteprio estatuto da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas eacute ambiacuteguo na regulamentaccedilatildeo da
compra de seus bens e serviccedilos
Para o procurement (acima de 10 mil doacutelares) da Assembleacuteia Geral se determina
que ldquoa compra de bens e serviccedilos deve ser feita atraveacutes de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeordquo (art
48 Da instituiccedilatildeo e da normativa dos oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia trata o art 2 2 da Carta das Naccedilotildees Unidas
49 Disponiacutevel on-line (http w w w u n o rg l Ponto 5 do art X101 do Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
39
105 do Regulamento Financeiro)50 Essa normativa contudo soacute eacute vaacutelida para as compras
de bens e serviccedilos efetuados com recursos ldquoobrigatoacuteriosrdquo aqueles recebidos para a
manutenccedilatildeo das estruturas Quanto aos procurement efetuados pela Assembleacuteia Geral e
realizados com recursos voluntaacuterios (fora do orccedilamento anual de manutenccedilatildeo da estrutura)
a Assembleacuteia estabelece que o Secretaacuterio Geral pode ldquoestabelecer qualquer outro criteacuterio
para a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos desde que no interesse da organizaccedilatildeordquo (11016 a
11024 do Regulamento Financeiro)51 Essa falta de regulamentaccedilatildeo precisa possibilita a
praacutetica de ajuda vinculada jaacute a partir da proacutepria Assembleacuteia Geral
Quanto ao PNUD o Programa estabelece princiacutepios complementares aos da
Assembleacuteia Geral em mateacuteria de procurement de um lado que o programa deve
normalmente utilizar o procedimento da licitaccedilatildeo internacional para aquisiccedilatildeo de bens e
serviccedilos favorecendo todavia onde possiacutevel o emprego daqueles disponiacuteveis nos proacuteprios
paiacuteses em via de desenvolvimento Contudo os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo destes bens e
serviccedilos natildeo satildeo o preccedilo mas o maacuteximo de eficaacutecia teacutecnica (humana e material) para a
realizaccedilatildeo do projeto (artigo 145 do Regulamento Financeiro do PNUD) O criteacuterio de
julgamento de eficiecircncia eacute realizado evidentemente no proacuteprio PNUD atraveacutes do setor de
execuccedilatildeo de projetos (OPE) Torna-se evidente portanto que as avaliaccedilotildees das licitaccedilotildees
totalmente baseadas nas decisotildees subjetivas dos funcionaacuterios do Programa (CREWE amp
HARRISON 1998) possam vir a favorecer foacutermulas multibilaterais
Um segundo ponto a ser sublinhado A aplicabilidade do regulamento do PNUD diz
respeito somente aos projetos que o Programa executa diretamente Acontece que a
execuccedilatildeo direta de projetos pelo programa natildeo eacute regra Ao contraacuterio o PNUD limita-se na
maior parte dos casos agrave funccedilatildeo de oacutergatildeo financeiro conferindo fundos necessaacuterios para
cobrir os custos internacionais (custos de operacionalizaccedilatildeo) de projetos cuja execuccedilatildeo
vem confiada agraves agecircncias de execuccedilatildeo (executing agencie) do Sistema das Naccedilotildees Unidas
e tambeacutem a partir de 1984 agraves ONGs internacionais que tenham caraacuteter consultivo junto ao
ECOSOC (das quais 79 satildeo dos EUA e da Europa) Quando um projeto - entre aqueles
50 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
51 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
40
indicados nos programas nacionais de desenvolvimento e aprovado pela PNUD - chega agrave
fase de atuaccedilatildeo normalmente entram em cena as executing agencies como encarregadas de
providenciar as necessaacuterias aquisiccedilotildees de bens e serviccedilos Ocorre precisar que onde o
Programa recorre a subcontratos parciais ou totais de realizaccedilatildeo de um projeto estes
uacuteltimos eacute que iratildeo fazer diretamente a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos no lugar da PNUD ldquoNa
hipoacutetese em que a realizaccedilatildeo de um projeto seja delegada a uma executing agency em
razatildeo da sua competecircncia teacutecnica a funccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos e o
recrutamento dos especialistas seraacute tambeacutem do oacutergatildeo contratado que utilizaraacute suas proacuteprias
regras de procurementrdquo (art 151 do regulamento financeiro do PNUD) Atualmente
grande parte das executing agencies satildeo os institutos financeiros e as ONGs internacionais
acreditadas pelo ECOSOC O regulamento dos institutos financeiros natildeo prevecirc nem mesmo
o mecanismo da licitaccedilatildeo internacional pois o proacuteprio diretor geral do instituto
especializado eacute o responsaacutevel pelas decisotildees de aquisiccedilatildeo de mercadorias e serviccedilos
especializados para a realizaccedilatildeo dos projetos Situaccedilatildeo ainda mais grave eacute o caso das ONGs
que atuam como executing agencies e tecircm autonomia praticamente absoluta na
administraccedilatildeo dos recursos nas licitaccedilotildees nas compras internacionais e na contrataccedilatildeo de
pessoal As ONGs satildeo muito orgulhosas de sua suposta autonomia e podem utilizar seu
apoio junto agrave comunidade civil para que natildeo lhes sejam estabelecidas regras mais
transparentes de controle (TAVARES 1999)
Foacutermulas multibilaterais custos divididos (ltcost-sharing)
No que diz respeito agrave cooperaccedilatildeo teacutecnica as foacutermulas multibilaterais legitimadas
dentro da normativa do Sistema do PNUD satildeo as contribuiccedilotildees in natura52 (agraves quais se liga
o problema das contribuiccedilotildees de contraparte) a participaccedilatildeo nos custos (ltcost-sharing) e a
participaccedilatildeo nos custos de uma terceira parte (third-party-cost-sharing) os fundos de
52 Se referem aos custos locais e de manutenccedilatildeo dos programas de desenvolvimento
41
confianccedila (trust-funds) os serviccedilos de gestatildeo53 (management-services) e as contribuiccedilotildees
em moeda natildeo conversiacutevel54 Uma evoluccedilatildeo mais recente das foacutermulas de financiamento de
projetos multibilateral satildeo os jaacute citados fundos de confianccedila temaacuteticos (thematic trusts
Junds)55 Limitaremos nossa anaacutelise ao estudo do cost-sharing ao third-party-cost-sharing
e agrave mais nova versatildeo de cost-sharing (integral) - a foacutermula utilizada pelo Brasil para
realizar o Programa Paiacutes junto ao PNUD
bull Custos Divididos e Custos Divididos com uma Terceira Parte
Os custos divididos e os custos divididos com uma terceira parte constituiacuteram-se
em uma verdadeira exceccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de serem impostas restriccedilotildees quanto ao uso e o
destino das contribuiccedilotildees voluntaacuterias O Cost-sharing e sua variante third-party-cost-
sharing foram introduzidas em suas versotildees claacutessicas na metade dos anos setenta e
tomaram-se rapidamente a principal foacutermula de execuccedilatildeo de programas e projetos de
desenvolvimento realizados atraveacutes da cooperaccedilatildeo internacional
Na modalidade claacutessica de cost-sharing um projeto de ajuda teacutecnica comporta um
custo global do qual uma parte cabe ao Estado beneficiado e outra ao PNUD em
conformidade com os acordos descritivos de base e com aqueles descritivos do projeto O
PNUD normalmente elabora como cooperaccedilatildeo teacutecnica multilateral um conjunto de
projetos de atuaccedilatildeo quumlinquumlenal para os paiacuteses em vias de desenvolvimento definidos como
Programa Paiacutes country programme) Estes projetos em sua primeira fase satildeo cobertos (na
totalidade ou em sua parte mais consistente) pelos paiacuteses beneficiados Uma segunda lista
de projetos chamada pipeline embora compreenda tambeacutem accedilotildees prioritaacuterias seraacute depois
5j Os serviccedilos administrativos (management services) consiste em colocar agrave disposiccedilatildeo da cooperaccedilatildeo bilateral entre os Estados a infra-estrutura do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
54 Consiste em destinar para os fluxos ODA doaccedilotildees em moedas de difiacutecil conversatildeo ou natildeo conversiacuteveis que seratildeo depois gastas no proacuteprio paiacuteses de origem da doaccedilatildeo
55 Os fundos de confianccedila temaacuteticos permitem aos doadores participar de fundos multianuais elaborados pelo PNUD para implantaccedilatildeo de projetos ligados aos temas da agenda internacional nos paiacuteses em desenvolvimento
42
financiada pelo PNUD Os recursos financeiros destes projetos de segunda fase definidos
como custo internacional satildeo provenientes da ajuda multilateral
O custo global do Programa Paiacutes eacute definido antes da assinatura do contratado Nele
estatildeo os custos da primeira e da segunda fase Os custos da segunda fase de projetos
deveriam ser equivalentes aos pagos pelos paiacuteses beneficiados na primeira fase Todavia
como estes custos satildeo definidos ainda durante a fase de elaboraccedilatildeo do programa o que
acaba acontecendo eacute que jaacute a partir dos primeiros projetos (primeira fase) os custos
revelam-se maiores do que o previsto Quem assume a diferenccedila entre os custos reais e os
custos estimados da primeira e da segunda fase eacute o paiacutes beneficiado A intervenccedilatildeo
financeira direta dos proacuteprios Estados beneficiados na forma de participaccedilatildeo nos custos
(cost-sharing) permite a finalizaccedilatildeo dos projetos originalmente previstos nos programas
nacionais de desenvolvimento Os custos que os Estados recebedores tiveram que repassar
ao PNUD para a execuccedilatildeo completa de seus country programmes foram identificados
como uma verdadeira contribuiccedilatildeo ao PNUD maior do que as realizadas pelos doadores
industrializados No entanto os recursos fornecidos pelos governos dos Estados
beneficiados como cost-sharing natildeo satildeo considerados uma participaccedilatildeo financeira destes
Estados mas apenas a parte que lhes cabe na participaccedilatildeo de custos e sobretudo de riscos
nos programas nacionais de desenvolvimento elaborados pelo PNUD
Uma segunda forma de divisatildeo de custos que utiliza foacutermulas multibilaterais de
financiamento eacute o third-party-cost-sharing (custos divididos com uma terceira parte) Esse
mecanismo consiste em um procedimento multibilateral no qual as despesas para a
assistecircncia de primeira fase do country-programme satildeo cobertas em totalidade ou em parte
por uma contribuiccedilatildeo fornecida por um ou mais Estados diferentes daquele beneficiado Eacute
evidente que se trate de uma foacutermula mista ou multilateral visto que o terceiro doador pode
livremente escolher os paiacuteses e atividades a privilegiar
O princiacutepio geral adotado no caso de intervenccedilatildeo de terceiros eacute que se respeitem as
prioridades dos governos beneficiados Evidentemente encontram-se maneiras de garantir
os interesses dos terceiros ainda durante as negociaccedilotildees para a estipulaccedilatildeo dos acordos
entre o PNUD e os Estados interessados em participar como terceiros O PNUD promove
consultas com eventuais paiacuteses doadores dos programas de third-party-cost-sharing
43
submetendo a anaacutelise de projetos e programas a serem financiados atraveacutes deste mecanismo
aos agentes diplomaacuteticos dos Estados doadores Obtida uma geneacuterica manifestaccedilatildeo de
interesse o Programa envia missotildees ad hoc nas capitais dos paiacuteses doadores entre
setembro e novembro de cada ano para reexaminar com detalhes as propostas e chegar a
acordos para o financiamento do programa Nesta ocasiatildeo o doador poderaacute fazer valer suas
exigecircncias especialmente em mateacuteria de procurement escolhendo intervir em projetos para
os quais seja necessaacuterio um certo nuacutemero de materiais disponiacuteveis em seu mercado
nacional A satisfaccedilatildeo de tais interesses seraacute portanto realizada diretamente visto que o
third-party-cost-sharing natildeo eacute considerado formalmente um instrumento de ajuda
vinculada
O Brasil e a Ameacuterica Latina realizaram programas com o PNUD atraveacutes dos custos
divididos e tambeacutem dos custos divididos com uma terceira parte desde a implantaccedilatildeo da
modalidade ateacute o iniacutecio dos anos noventa - quando o CAD determinou que os fluxos
ODA mesmo vinculados fossem suspensos para os paiacuteses de renda meacutedia (RESOLUCcedilAtildeO
ANUAL CAD 1991) Essa medida afetou grande parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina que
passaram a disponibilizar recursos proacuteprios (obtidos internacionalmente) para manter as
atividades do PNUD A modalidade de execuccedilatildeo dos programas ainda eacute nominalmente
chamada cost-sharing Contudo nessa nova versatildeo os custos dos Programas Paiacutes satildeo quase
que integralmente pagos pelos governos dos Estados onde se realizam os projetos Essa
decisatildeo parece ter sido determinante para o aumento dos custos globais dos recursos
administrados pelo PNUD na regiatildeo
Em 1993 na regiatildeo da Ameacuterica Latina e do Caribe foram utilizados em programas e
projetos de desenvolvimento PNUD e governos nacionais aproximadamente US$ 400
milhotildees dos quais metade proveniente de recursos do Programa e a outra metade de
recursos cost-sharing junto aos paiacuteses da regiatildeo Em 1997 na mesma regiatildeo foram
utilizados pouco mais de US$ 800 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de
desenvolvimento entre os governos e o PNUD dos quais menos de cem milhotildees eram
recursos do Programa e 700 eram recursos cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32)
No Brasil a progressatildeo do aumento do volume de recursos puacuteblicos implicados nos
programas e projetos de cost-sharing com o PNUD eacute ainda mais espantosa No periacuteodo de
1982-86 eram utilizados menos de US$ 50 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de
44
desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais menos da metade eram recursos cost-
sharing No periacuteodo de 1992-96 foram gastos quase US$ 250 milhotildees de doacutelares em
programas e projetos de desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais quase a
totalidade (US$ 220 milhotildees aproximadamente) em cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32-
5) Devemos lembrar que os fluxos financeiros destinados pelos paiacuteses em vias de
desenvolvimento para a execuccedilatildeo de seus Programas de desenvolvimento natildeo satildeo
contabilizados internacionalmente como ODA Este fato eacute bastante significativo se
considerarmos que a maior parte dos paiacuteses de renda meacutedia paga atualmente atraveacutes de
recursos proacuteprios seus programas de desenvolvimento Um dos problemas apontados pelos
analistas (Marchisio Cecchi) eacute que as categorias de paiacuteses doadores e paiacuteses recebedores
(embora atualmente isto faccedila pouco sentido devido agrave acentuaccedilatildeo da presenccedila de fluxos
privados no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento nos uacuteltimos anos) natildeo encontram
espaccedilo de debate nos foacuteruns internacionais Esse fato demonstra o tratamento diferenciado
que os atores mais fortes pode ter no interior dos regimes internacionais
Uma segunda questatildeo que deve ser levantada eacute o fato de que embora o Brasil pague
praticamente sozinho seus custos do Programa Paiacutes ainda estaacute utilizando o PNUD como
fornecedor de serviccedilos e consultoria de desenvolvimento Esse fato pode ser explicado de
diversas maneiras Keohane nos lembra que muitas vezes por uma questatildeo de
credibilidade os atores que participam dos regimes internacionais procuram preservar
acordos anteriormente estabelecidos (KEOHANE 1984) Uma segunda explicaccedilatildeo pode
ser encontrada na teoria de Keohane sobre a cooperaccedilatildeo O autor afirma que os regimes
internacionais efetuados a partir das organizaccedilotildees internacionais podem trazer alguma
garantia legal aos atores Mesmo que o Brasil natildeo esteja mais utilizando os recursos
provenientes do regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento devemos lembrar
que nosso volume de procurement eacute sempre substancial Logo caso natildeo tiveacutessemos um
oacutergatildeo regulador no qual administrar esse grande volume de recursos talvez nossos custos
de procurement pudessem ser ainda maiores Podemos ainda pensar que devido agrave
condicionalidade da ajuda fenocircmeno que estudaremos no proacuteximo capiacutetulo manter um
Programa Paiacutes atraveacutes de uma organizaccedilatildeo internacional seja uma condiccedilatildeo imposta pelos
institutos financeiros ou pelo proacuteprio mercado para podermos ter acesso a financiamentos
externos Todas estas explicaccedilotildees ajudam a entender a permanecircncia do fenocircmeno do cost-
45
sharing no Brasil Contudo nenhuma delas eacute motivo para permanecermos indiferentes agraves
grandes quantias que o paiacutes vem repassando atualmente para o PNUD e outras
organizaccedilotildees internacionais e natildeo-govemamentais que atuam em seu territoacuterio Sobretudo
se considerarmos que o PNUD a Organizaccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a
Unesco receberam em 2000 70 do total de recursos que o Brasil destinou a projetos de
desenvolvimento desligados das estruturas de governo Tendo em contrapartida destas
organizaccedilotildees PNUD (projetos) Unesco (projetos) e OPAS (projetos missotildees teacutecnicas
seminaacuterios) (ABC)56
A evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional dos anos setenta ateacute nossos dias
tem demonstrado quatildeo acentuados tecircm sido os constrangimentos destinados a fazer os
atores dos PDV acederem aos recursos do regime internacional ODA No caso da
cooperaccedilatildeo multibilateral o cost sharing natildeo significou apenas um constrangimento que
dificultou o acesso a financiamentos facilitados para o paiacutes mas um custo adicional
bastante elevado que estaacute sendo comprometido para a realizaccedilatildeo de um Programa Paiacutes
Como dissemos nosso proacuteximo capiacutetulo seraacute dedicado ao fenocircmeno da
condicionalidade da ajuda A condicionalidade por representar um instrumentos teoacuterico-
poliacutetico eacute um dos mecanismos de puniccedilatildeo do uso da ajuda oficial ao desenvolvimento
(ODA) que mais podem interferir nos processos nacionais de desenvolvimento dos paiacuteses
recebedores dos recursos assim como daqueles que dependem de grandes volumes de
empreacutestimos internacionais
56 Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo (ABC) (httpwwwmregovbr)
46
CAPIacuteTULO m
A CONDICIONAL IDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO
A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos
No uacuteltimo capiacutetulo analisamos a ajuda multibilateral como sendo o resultado de
uma mudanccedila de comportamento do PNUD devido aos novos incentivos e puniccedilotildees
impostos pelo ambiente internacional durante os anos do choque do petroacuteleo e agrave tentativa
de estabelecimento da nova ordem econocircmica internacional No presente capiacutetulo
estudaremos a condicionalidade da ajuda outro fenocircmeno que se estabeleceu a partir dos
anos setenta no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento E que desde
entatildeo tem sido considerado um dos mais emblemaacuteticos instrumentos de puniccedilatildeo e
constrangimento para o uso da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pelos paiacuteses em
vias de desenvolvimento
A literatura especializada vem identificando a condicionalidade como um fenocircmeno
que ocorre quando os financiamentos destinados aos projetos e programas de
desenvolvimento satildeo condicionados explicitamente agrave transformaccedilatildeo de certas poliacuteticas
sociais econocircmicas ou administrativas destes paiacuteses recebedores (CREWE amp HARRISON
1998 47-52 SCHMITZ amp GILLES 1992 ASCARI 1999 54-5 BASILE 1995 78) Os
autores que abordam a questatildeo da condicionalidade tecircm contudo pareceres muito
destoantes quanto ao fenocircmeno Para Ascari e Basile o uso da condicionalidade se coloca
como uma visatildeo altruiacutestica e uma preocupaccedilatildeo dos paiacuteses doadores no confronto com as
populaccedilotildees mais pobres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Populaccedilotildees que
subjugadas pelos seus proacuteprios governos natildeo poderiam ser de outra maneira beneficiadas
pela ajuda oficial ao desenvolvimento
Em direta oposiccedilatildeo agrave visatildeo de Ascari e Basile estatildeo Crewe e Harrison para quem a
condicionalidade eacute sintomaacutetica da suposiccedilatildeo dos paiacuteses doadores de que eles tecircm um
47
melhor entendimento das necessidades dos paiacuteses em vias de desenvolvimento do que os
govemos destes Condiccedilotildees para o repasse da ajuda ldquorelacionadas agrave natureza dos sistemas
poliacuteticos agraves estatiacutesticas de direitos humanos agrave poliacutetica econocircmica e aos mais variados
iacutendices de governabilidade dos paiacuteses em vias de desenvolvimento vecircm se tomando parte
dos grandes temas que dominam grande parte das agendas das poliacuteticas das agecircncias
multilaterais e bilateraisrdquo e refletem ldquoa crenccedila dos paiacuteses ricos de que eles sabem maisrdquo (do
que os governos locais) e podem portanto interferir na esfera domeacutestica dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento (CREWE amp HARRISON 1998 3235) Schmitz e Gilles satildeo ainda
mais criacuteticos quanto ao fenocircmeno da condicionalidade ao afirmar que seu uso ldquoeacute forma de
imperialismo cultural que estrategicamente promove a erosatildeo da soberania dos paiacuteses mais
pobresrdquo (SCHMITZ amp GILLES 1992 18)
A condicionalidade como se pode perceber pelas divergecircncias de interpretaccedilatildeo que sua
aplicaccedilatildeo suscita eacute um dos fenocircmenos mais emblemaacuteticos de discussatildeo dentro do setor da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Essa divergecircncia de opiniotildees quanto ao uso
da condicionalidade eacute justificada pela proacutepria abrangecircncia que o fenocircmeno ganhou dentro
do setor Evidentemente a condicionalidade eacute um constrangimento ao uso do regime oficial
da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pois atraveacutes deste instrumento os paiacuteses
doadores podem interferir diretamente nas estrateacutegias macroeconocircmicas de
desenvolvimento dos paiacuteses recebedores dos recursos Ou ainda podem decidiras poliacuteticas
locais atraveacutes do favorecimento de certos setores temas agendas ou populaccedilotildees no que diz
respeito aos projetos e programas de desenvolvimento O instrumento da condicionalidade
eacute empregado para o cumprimento dos mais diferentes objetivos de desenvolvimento dos
paiacuteses mais pobres dos projetos e programas que atendam agraves necessidades de base das
populaccedilotildees mais carentes aos ajustes estruturais e abertura das economias dos paiacuteses mais
pobres Esse tipo de abrangecircncia pode acirrar os mais variados acircnimos quanto agraves questotildees
do desenvolvimento e contribuir para que as poliacuteticas governamentais destes paiacuteses sofram
pressotildees em vaacuterios niacuteveis
Costuma-se identificar o iniacutecio do uso da condicionalidade aos financiamentos e
empreacutestimos de ajustamento estrutural - colocados em pauta pelo FMI e pelo Banco
Mundial apoacutes a crise da diacutevida dos paiacuteses em vias de desenvolvimento - a partir da metade
dos anos oitenta (BASILE 1995) Contudo essa interpretaccedilatildeo eacute errocircnea pois se refere
48
apenas agrave manifestaccedilatildeo da condicionalidade nos repasses financeiros que promovem
intervenccedilotildees precisas nas poliacuteticas econocircmicas e administrativas dos Estados O uso de
mecanismos de condicionalidade no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento eacute contudo
anterior a este uacuteltimo tipo de manifestaccedilatildeo
O uso da condicionalidade foi estabelecido no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento logo apoacutes o choque do petroacuteleo depois que os paiacuteses doadores
aumentaram repentinamente seus interesses pelas questotildees Norte-Sul57 e iniciaram
modificaccedilotildees no repasse da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como revelam os
proacuteprios documentos CAD do periacuteodo38 Atraveacutes de nota administrativa ldquoO Conselho da
Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) convidou o CAD
(Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento) a empreender uma visatildeo mais complexa dos
problemas do desenvolvimento Em particular foi sugerido que se passasse a dar grande
atenccedilatildeo ao volume e sobretudo aos termos e condiccedilotildees exigidas para a transferecircncia da
ajuda para o Terceiro Mundordquo (FUumlHRER 1996 24) Os fluxos da ODA natildeo poderiam
mais ser utilizados para o suposto ldquocrescimento desordenado dos paiacuteses recebedoresrdquo
(CONSELHO ECONOcircMICO OCDE1973)59 e deveriam ter sua utilizaccedilatildeo acompanhada e
condicionada pelos paiacuteses industrializados Ao CAD foi delegada a funccedilatildeo de revelar um
corpo de temas ligados ao desenvolvimento temas que serviriam para orientar os paiacuteses
recebedores quanto agrave utilizaccedilatildeo dos recursos da ODA (FUumlHRER 1996 26) A partir de
1975 a OCDE determinou que fossem formados no interior do CAD Grupos de Alto
57 Keohane faz a mesma afirmaccedilatildeo quando diz que por volta da metade da deacutecada de setenta as demandas dos paiacuteses menos desenvolvidos pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica internacional criaram problemas para os regimes internacionais econocircmico e financeiro estabelecidos em Bretton Woods (Keohane e Nye 1988 37) Grilli afirma que o choque do petroacuteleo e a crise dos paiacuteses produtores de mateacuteria primas assim como as tentativas destes paiacuteses de regulamentar um maior acesso aos financiamentos provocou a organizaccedilatildeo e a expansatildeo da Cooperaccedilatildeo Econocircmica Europeacuteia que visa basicamente manter o acesso garantido da Comunidade agrave energia e as mateacuterias primas (GRILLI 1993)
58 O CAD liberou em 1994 grande parte de seus documentos e resoluccedilotildees internas referentes a ajuda oficial ao desenvolvimento Estes documentos foram organizados por Helmut Fuumlhner ex-diretor do CAD de 1974-93 e constituem uma publicaccedilatildeo sobre a histoacuteria da ajuda oficial ao desenvolvimento em datas e nomes disponiacutevel em versatildeo on-line no site da OCDE (wwwoecdorg) Quanto as resoluccedilotildees anuais do CAD algumas podem ser encontradas em versatildeo integral no mesmo site
59 Disponiacutevel on-line (httpAvwwoecdorgdocL
49
Niacutevel ad hoc que se ocupariam das relaccedilotildees econocircmicas entre os paiacuteses membros da OCDE
e os paiacuteses em desenvolvimento Estes grupos foram criados visando ldquoidentificar quais
novos e construtivos temas poderiam ser selecionados como relevantes para estruturar uma
agenda em tomo da qual seriam confrontadas as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento
buscando estabelecer uma nova ordem econocircmica e mundialrdquo (CONSELHO
ECONOcircMICO OCDE1975)60
O primeiro uso do instrumento de condicionalidade foi estabelecido em 1976
quando os paiacuteses doadores adotando um conceito de necessidades humanas baacutesicas (NHB)
receacutem-criado pelo Banco Mundial61 estabeleceram que a ajuda oficial ao desenvolvimento
devido ao seu caraacuteter facilitado deveria atender agraves necessidades baacutesicas das populaccedilotildees
mais pobres (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1976) O condicionamento do uso dos fluxos
financeiros e da cooperaccedilatildeo teacutecnica recebidos para o atendimento de um tema
anteriormente considerado questatildeo intema dos paiacuteses recebedores foi a grande
transformaccedilatildeo que os fluxos da ODA e o setor da cooperaccedilatildeo sofreram a partir dos anos
setenta Desde entatildeo parece ter-se estabelecido uma espeacutecie de deslocamento das questotildees
poliacuteticas que envolviam os temas do Hemisfeacuterio Sul nos quais os proacuteprios efeitos de uma
ordem econocircmica que proporciona benefiacutecios desiguais foram tomados como causas do
descompasso econocircmico destes paiacuteses Desse modo foi possivel estabelecer uma loacutegica
inversa a qual possibilitou que as demandas dos paiacuteses do Sul - pelo melhoramento de
suas condiccedilotildees internas e da condiccedilatildeo de vida de suas populaccedilotildees - fossem afastadas de
suas causas provocadas pelos desequiliacutebrios do sistema internacional e passassem a ser
transformadas em instrumentos de pressatildeo sobre os paiacuteses em desenvolvimento
Os governos dos paiacuteses recebedores se manifestaram quanto ao dirigismo da ajuda e
tambeacutem ao fato de que o condicionamento dos fluxos da ODA no atendimento das
necessidades humanas baacutesicas comprometeria os esforccedilos de industrializaccedilatildeo aleacutem de
60 Disponiacutevel on-line (httpAvww oecd orgdoc)
61 A adoccedilatildeo da estrateacutegia de condicionar a utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA para a melhora das necessidades humanas baacutesicas vinculou as praacuteticas de desenvolvimento a estreita orientaccedilatildeo do Banco Mundial elaborador do conceito de HBN assim como dos indicadores de desempenho dos paiacuteses nessa aacuterea (ESCOBAR 1995 55) seguindo a loacutegica da concentraccedilatildeo dos fluxos ODA nos institutos financeiros
50
aumentar imensamente os custos locais destes governos na implantaccedilatildeo de projetos e
programas de desenvolvimento (FUumlHRER 1996 32) Contudo os paiacuteses em vias de
desenvolvimento acabaram se conformando ao novo modelo de repasse condicionado do
regime internacional da ODA Natildeo podemos esquecer que essa conformaccedilatildeo aos novos
criteacuterios aconteceu em um momento tenso para os dois grupos de paiacuteses em que se chegou
inclusive a cogitar o cancelamento da ajuda puacuteblica ao desenvolvimento (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1995 96-98) Nesse sentido a aceitaccedilatildeo dos paiacuteses em
desenvolvimento de que se estabelecessem novos criteacuterios mais restritivos aos repasses
pode ser interpretada ldquocomo resultado de um acordo onde se puderam atingir objetivos
possiacuteveisrdquo (KEOHANE 19849899) Todavia como efeito colateral dessa aceitaccedilatildeo na
medida em que na deacutecada de oitenta novos temas iam sendo inseridos e condicionados ao
repasse dos fluxos do regime internacional da ODA as demandas dos paiacuteses em
desenvolvimento por mudanccedilas na ordem econocircmico- financeira iam perdendo espaccedilo nos
foacuteruns internacionais Ao mesmo tempo e cada vez mais os temas apresentados a partir do
novo tipo de diaacutelogo Norte-Sul (aceito como construtivo pelo grupo de paiacuteses
industrializados) iam ganhando uma dimensatildeo figurada mais ampla do que as proacuteprias
questotildees sistecircmicas de que grande parte destas mesmas questotildees derivavam Assim os
novos temas que iam sendo associados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e
condicionando o uso dos recursos da ODA foram ganhando uma naturalidade e uma
dimensatildeo de grupo-espetaacuteculo ou tema-espetaacuteculo62 na definiccedilatildeo de Escobar ou grupo-
cliente ou tema-cliente na definiccedilatildeo de Sachs (1990)63 Estes temas acabaram por encobrir a
maior parte da dimensatildeo conflitiva das relaccedilotildees Norte-Sul (ESCOBAR 1995 155)
62 Temas espetaacuteculo ou grupos espetaacuteculo satildeo situaccedilotildees ou grupos de pessoas que periodicamente satildeo identificados e vatildeo ganhando centralidade no discurso que sustenta o desenvolvimento Estes temas ou grupos passam a constituir a agenda das organizaccedilotildees internacionais das ONGs dos institutos financeiros etc Todas os programas setoriais passam a tentar mesmo de maneira pouco convincente a ligar sua proacutepria accedilatildeo ao tema espetaacuteculo Escobar costuma identificar e desconstruir os mecanismos de discurso entorno dos quais os temas espetaacuteculo satildeo estruturados Em Encounterig Development (1995) o autor desconstruir os temas espetaacuteculo dos camponeses das mulheres no desenvolvimento e do meio-ambiente (ESCOBAR 1995)
6j Grupos e temas clientes tecircm praticamente a mesma conotaccedilatildeo de grupos espetaacuteculo Contudo esse termo faz tambeacutem referecircncia agrave dimensatildeo financeira que passam a assumir estes temas no setor do desenvolvimento por exemplo quando em 1948 o Banco Mundial definiu que os paiacuteses pobres eram aqueles com uma renda per capta abaixo de UU$ 100 mais de dois terccedilos da humanidade passaram a ser sua populaccedilatildeo cliente (SACHS 1990 9 ESCOBAR 1995 2223)
51
A introduccedilatildeo do discurso das Necessidades Humanas Baacutesicas pode ser interpretada
como uma mudanccedila no leacutexico intemacionalista Os novos conceitos introduzidos no setor
da cooperaccedilatildeo como relevantes para o diaacutelogo Norte-Sul (e associados ao regime da ODA)
passaram a ser utilizados pelos atores que desfrutavam das vantagens como uma
necessidade estabelecida como algo a que a poliacutetica deveria ajustar-se e natildeo como
situaccedilotildees parcialmente criadas pela poliacutetica64 Contudo Keohane nos lembra que as
investigaccedilotildees de fenocircmenos que envolvem riqueza e poder no caso a cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento devem ser buscadas na dimensatildeo onde se estruturam as
relaccedilotildees poliacuteticas e econocircmicas dos atores De outro modo estariacuteamos arriscando que na
investigaccedilatildeo do fenocircmeno os efeitos de determinada situaccedilatildeo fossem tomados como causas
desta mesma situaccedilatildeo (KEOHANE 1984 18-9)
Uma vez estabelecida a loacutegica de que a ajuda oficial por seu caraacuteter facilitado
deveria ser condicionada ao atendimento das necessidades baacutesicas das populaccedilotildees dos
PVD os fluxos do regime da ODA perderam seu caraacuteter de mecanismos de compensaccedilatildeo
mesmo que informais destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento devido aos
desequiliacutebrios causados pelos regimes de Bretton Woods (BASILE 1995 78 GRILLE
1993) e se tomaram instrumentos atraveacutes dos quais os paiacuteses doadores poderiam interferir
diretamente em setores pontuais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O uso da
condicionalidade estabelecido como limitaccedilatildeo agrave liberdade destes paiacuteses na utilizaccedilatildeo dos
fluxos da ajuda oficial ou nas decisotildees referentes a suas escolhas poliacuteticas e econocircmicas
pode ser considerado originalmente uma puniccedilatildeo econocircmica e um aumento dos
constrangimentos impostos a estes paiacuteses
A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais
64 Em analogia a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia em ambientes internacionais elaborada por Keohane e Nye em Poder e Interdependecircncia (KEOHANE amp NYE1982)
52
A expansatildeo do uso da condicionalidade aconteceu no iniacutecio dos anos oitenta
quando os sinais da crise da diacutevida extema 65 reacenderam as esperanccedilas dos PVD de
promover discussotildees internacionais voltadas agrave revisatildeo corretiva dos regimes de Bretton
Woods Tal esperanccedila foi reforccedilada em 1981 quando o CAD introduziu em seu relatoacuterio
anual a noccedilatildeo de interdependecircncia (mesmo que em nenhum momento o relatoacuterio precisasse
o que os paiacuteses da OCDE entendiam por interdependecircncia66) (FURNER 1996)
A introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia67 em um momento de grave crise
econocircmica pode ter sido percebida como uma abertura de diaacutelogo para que fossem
retomadas as discussotildees internacionais sobre a necessidade de se buscar uma ordem
econocircmico-financeira mais favoraacutevel aos paiacuteses do Hemisfeacuterio Sul (RELATOacuteRIO DA
COMISAtildeO SUL 1990 16) Com o apoio dos paiacuteses em desenvolvimento o CAD
seguindo a ecircnfase da interdependecircncia passou a promover a discussatildeo dos temas Norte-
Sul que poderiam ser considerados como de pertinecircncia global (RELATOacuteRIO ANUAL
CAD 1981) Antes da definiccedilatildeo dos temas primeiramente aprovou-se na sede do Conselho
65 Trecircs fatores internacionais (a expansatildeo dos mercados de cacircmbio europeu a reciclagem dos excedentes financeiros dos paiacuteses produtores de petroacuteleo e a recessatildeo econocircmica dos paiacuteses industrializados) criaram um excesso de liquidez no sistema bancaacuterio internacional que foi transferido em forma de empreacutestimos para os paiacuteses em desenvolvimento na deacutecada de setenta A necessidade dos paiacuteses desenvolvidos no final dos anos setenta de empreenderem medidas macropoliacuteticas recessivas para o combate da inflaccedilatildeo ocasionou a diminuiccedilatildeo da liquidez internacional aumentando exponencialmente as taxas de juros internacionais que chegaram a ficar quatro vezes mais caras no periacuteodo Ao mesmo tempo as medidas recessivas diminuiccedilatildeo as atividades industriais dos paiacuteses desenvolvidos o que causou uma brusca queda no preccedilo das mateacuterias primas Entre 1980 e 1982 o preccedilo das principais mateacuterias-primas exportadas pelos paiacuteses em desenvolvimento (excluiacutedo o petroacuteleo) caiu 21 Essa queda acentuou-se em 1983-4 e em 1988 o preccedilo de 33 mateacuterias primas de interesse especial para os paiacuteses em vias de desenvolvimento (a queda meacutedia do preccedilo do petroacuteleo nos periacuteodos tratados foi de 65) eram 30 mais baixos do que a meacutedia de 1979-81) A diminuiccedilatildeo dos fluxos privados no periacuteodo a estagnaccedilatildeo dos fluxos ODA a diminuiccedilatildeo dos preccedilos das mateacuterias-primas e o aumento das taxas de juros fizeram com que os reembolsos da diacutevida ficassem excedessem as entradas do Sul Der fato no periacuteodo de 1984 a 1988 os paiacuteses em vias de desenvolvimento em seu conjunto transferiram um montante liacutequido de 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte (RELATOacuteRIO SUL 1990 63-9)
66 Para Keohane e Nye interdependecircncia eacute entendida ldquocomo situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocosrdquo (KEOHANE amp NYE Poder e Interdependecircncia 8)
67 Keohane afirma que a interdependecircncia foi utilizada como estrateacutegia de limitaccedilatildeo das reinvincaccedilotildees do Terceiro Mundo em um periacuteodo de promoccedilatildeo dos nacionalismo econocircmicos entenda-se formaccedilatildeo da OPEP guerra dos produtos primaacuterios (KEOHANE amp NYE 1982)
53
Ministerial da OCDE o conceito de que os financiamentos oficiais ao desenvolvimento
poderiam ser condicionados ao atendimento de problemas identificados como globais
definidos como ldquoaqueles que tivessem ressonacircncia nos Estados do Sul e do Norte do
mundordquo Na mesma ocasiatildeo por iniciativa dos paiacuteses noacuterdicos especialmente da Alemanha
e do Canadaacute69 lanccedilou-se a proposta de que as instituiccedilotildees multilaterais de
desenvolvimento atraveacutes de um programa coordenado passassem tambeacutem a apreciar os
temas globais e condicionaacute-los agrave realizaccedilatildeo de programas e projetos de desenvolvimento70
(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981 j
A noccedilatildeo de interdependecircncia natildeo foi estendida contudo aos temas econocircmicos
como esperavam os paiacuteses em desenvolvimento A esperada revisatildeo corretiva dos regimes
de Bretton Woods foi frustrada logo no iniacutecio da adoccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia
Durante o Encontro Internacional dos Representantes do Norte e do Sul do Mundo sobre
Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento (1981) o Presidente Reagan assumiu que a posiccedilatildeo dos
paiacuteses industrializados quanto agraves poliacuteticas de desenvolvimento na deacutecada que se iniciava
seria baseada na promoccedilatildeo do comeacutercio internacional no livre mercado e nos
investimentos privados O relatoacuterio da Comissatildeo Sul aponta que a crise dos anos oitenta
natildeo se converteu em ocasiatildeo de revisatildeo das causas dos problemas porque os paiacuteses
desenvolvidos se recusaram a reconhecer que era necessaacuterio intervir no contexto
econocircmico internacional (RELATOacuteRIO DA COMISSAtildeO SUL 199078) Tambeacutem Fuumlhrer
afirma que os esforccedilos muacuteltiplos dos paiacuteses mais pobres para conseguirem utilizar o
68
68 Relaccedilotildees Com Os Paiacuteses Em Desenvolvimento No Contexto Da Interdependecircncia E Diversidade (CAD documents - disponiacutevel on line)
69 A sugestatildeo do Canadaacute e da Alemanha foi justificada pela publicaccedilatildeo em 1979 da Comissatildeo Independente BRANDT COMMISSION (Independent Commission On International Development Issues) da Relaccedilatildeo Norte-Sul Um Programa Para A Sobrevivecircncia A orientaccedilatildeo da Comissatildeo BRANDT eacute que se criem junto agraves organizaccedilotildees correlatas aos problemas do desenvolvimento subcomissotildees ambientais Em um primeiro momento os Estados do Sul do mundo o discurso da interdependecircncia e a aproximaccedilatildeo do setor da cooperaccedilatildeo internacional
70 Depois da oficializaccedilatildeo do CAD como centro coordenador das poliacuteticas de desenvolvimento em 1986 os temas identificados pelos grupos de alto-niacutevel do Comitecirc como de pertinecircncia global passaram a ser imediatamente incorporados agraves agendas do PNUD Banco Mundial e FMI (FUumlHNER 1996)
54
discurso da interdependecircncia e promover um novo espaccedilo internacional de discussatildeo dos
temas do desenvolvimento foi frustrante para os paiacuteses do Sul
Os demais temas globais que seriam condicionados ao uso dos fluxos daODA
contudo permaneceram e foram sendo inseridos durante toda a deacutecada de oitenta na agenda
internacional Depois do discurso de Reagan o primeiro tema oficialmente inserido na
agenda CAD e estendido a todos os programas e projetos de cooperaccedilatildeo ao foi ldquoo
financiamento da substituiccedilatildeo de cultivo de plantas destinadas agrave produccedilatildeo de entorpecentes
nos paiacuteses em desenvolvimentordquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981)
Ateacute 1992 os projetos e programas de desenvolvimento realizados pelos paiacuteses da
OCDE na cooperaccedilatildeo atraveacutes de fundos multi (ou bi) laterais deveriam em alguma medida
favorecer ao menos um dos seguintes temas as mulheres no desenvolvimento as
necessidades humanas baacutesicas a preservaccedilatildeo do meio-ambiente global o combate ao
narcotraacutefico a luta contra a disseminaccedilatildeo de doenccedilas a manutenccedilatildeo da paz a abertura do
sistema econocircmico e reformas estruturais cabiveis nos paiacuteses em desenvolvimento o
desenvolvimento participativo a governabilidade (good govemanceacute) a luta contra a
corrupccedilatildeo nos paiacuteses do Terceiro Mundo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)
Devemos considerar que em 1986 o CAD assumiu internacionalmente sua funccedilatildeo
de coordenador dos fluxos da ajuda71 Isso significa que depois desta data por uma questatildeo
de racionalidade de utilizaccedilatildeo dos recursos os temas definidos pela agenda do CAD iam
tambeacutem sendo aplicados ao PNUD FMI e Banco Mundial
O Banco Mundial nos Programas de Assistecircncia Paiacutes estabelece como agenda que
os fluxos ODA sejam condicionados a reformas que promovam o crescimento econocircmico e
a reduccedilatildeo da pobreza investimentos em capital humano (necessidades humanas baacutesicas)
tutela do ambiente promoccedilatildeo do crescimento do setor privado e reordenaccedilatildeo das atividades
de governo (CAS) Como Agenda Geral o Banco utiliza a condicionalidade para os
seguintes temas a boa governanccedila o combate agrave corrupccedilatildeo o desenho de poliacuteticas
setoriais ou de projetos especiacuteficos que sejam ambientalmente sustentaacuteveis e socialmente
71 Na reuniatildeo anual do CAD em 1986 (na qual estavam presentes Emest Stem (vice- presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador PNUD) ) o Comitecirc assumiu oficialmente a responsabilidade pela coordenaccedilatildeo da ajuda multilateral junto agraves organizaccedilotildees internacionais e as organizaccedilotildees regionais ldquoOs membros CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo
55
responsaacuteveis A mesma agenda eacute seguida pelos bancos regionais de desenvolvimento O
uso da ajuda coordenada - CAD - nos ajuda a entender porque as agendas dos organismos
que atuam no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento estabelecem basicamente os
mesmos criteacuterios e condicionam o uso dos recursos ao favorecimento dos mesmos temas
Keohane afirma que ldquoa interdependecircncia da maneira como eacute utilizada nos discursos
oficiais natildeo eacute apenas entendida como um instrumento analiacutetico de compreensatildeo da poliacutetica
mundial e do comportamento dos Estados mas tambeacutem eacute um mecanismo retoacuterico de largo
emprego pelos publicistas e estadistas ansiosos em aumentar a quantidade de gente que se
alie agraves suas bandeiras para quem as palavras vagas e de grande ressonacircncia satildeo muito
uacuteteisrdquo (KEOHANE e NYE 1982) Embora a anaacutelise da interdependecircncia de Keohane tenha
sido estabelecida para ilustrar o momento especiacutefico da substituiccedilatildeo do discurso de
seguranccedila nacional na poliacutetica internacional acreditamos que ela possa ser bastante
ilustrativa para a compreensatildeo do porque da adoccedilatildeo dos novos temas globais que passaram
a ser condicionados ao uso dos recursos oficiais ao desenvolvimento no momento da crise
da diacutevida A interdependecircncia nessa concepccedilatildeo de Keohane eacute vista como uma estrateacutegia
de reduccedilatildeo de conflitos A noccedilatildeo de interdependecircncia no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento parece ter sido empregada para reduzir possiacuteveis novos conflitos gerados
pela crise da diacutevida
Muitos dos proacuteprios temas condicionados agrave utilizaccedilatildeo dos recursos do
desenvolvimento a partir da nova agenda global reforccedilavam a noccedilatildeo de que as
dificuldades dos PVD de ajustarem suas economias agrave ordem econocircmico-financeira eram
um problema que deveria ser resolvido no interior dos proacuteprios paiacuteses em vias de
desenvolvimento Desse modo na deacutecada de oitenta enquanto em todo o setor da
cooperaccedilatildeo reforccedilava-se o discurso politizado de que as causas internas dos paiacuteses em
desenvolvimento estavam provocando a crise da diacutevida e de que a ajuda internacional
deveria ser utilizada para promover intervenccedilotildees nas poliacuteticas internas destes paiacuteses (aleacutem
de ajustar suas economias a uma maior abertura dos mercados) os PVD comprometiam
cada vez mais suas capacidades produtivas transferindo em seu conjunto um montante
liacutequido de US$ 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte - e no periacuteodo mais grave da
crise entre 1984 a 1988) (RELATOacuteRIO SUL 1990 69)
56
A determinaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados em natildeo efetivar medidas de revisatildeo dos
regimes internacionais de Bretton Woods permaneceu a mesma inclusive depois de
deflagrada a moratoacuteria decretada pelo Meacutexico e pela Argentina em 1982 Natildeo se promoveu
uma revisatildeo dos regimes internacionais somente foram propostas medidas domeacutesticas de
ajuste das economias e ampliou-se o suporte da concessatildeo de creacuteditos para as balanccedilas de
pagamento A maior inovaccedilatildeo das medidas foi contudo a extensatildeo dos mecanismos de
condicionalidade para os institutos financeiros
As novas modalidades de ajuda condicionada do FM - o SAF e o ESAF72 (1986)
(creacuteditos para ajustamento estrutural e creacuteditos ampliados para ajustamento estrutural) - e
do Banco Mundial - o SAL (empreacutestimos de ajustamento estrutural) e SECAL
(empreacutestimos de ajustamento setorial)73 - traziam como elementos de inovaccedilatildeo a
possibilidade para os institutos financeiros de realizar empreacutestimos condicionados agrave
execuccedilatildeo de reformas poliacutetico-econocircmicas e estrateacutegias de desenvolvimento dos governos
a permissatildeo de que os paiacuteses pudessem financiar reformas econocircmicas implementadas em
diversos anos74 e a permissatildeo de que se pudesse financiar as importaccedilotildees de bens de modo
desligado de uma necessidade de projetos especiacuteficos ou seja dar suporte direto agraves
balanccedilas de pagamento destes paiacuteses (BASILE 1995 43 ASCARI 1999 30-1)
72 Structural Adjustment Facility e The Enhanced Structural Adjustment Facility
73 No iniacutecio ao menos no acircmbito da principal instituiccedilatildeo multilateral o Banco mundial o uso de empreacutestimos de ajustamento (seja o SAL que o SECAL) eacute extremamente ligado a um problema da balanccedila de pagamento (previsto ou existente) ldquoO princiacutepio da balanccedila de pagamento natildeo significa que natildeo exista a necessidade de reformas econocircmicas em setores nos quais os custos natildeo satildeo em moeda estrangeira Sabemos bem que estes paiacuteses (em vias de desenvolvimento) enfrentam seacuterios problemas de reformas nos setores os quais a instruccedilatildeo e os setores sociais em geral nos transportes nas infra-estruturas no ambiente e no desenvolvimento humano (entretanto) creio que a assistecircncia fornecida rapidamente (quick disbursing assistance) natildeo seja apropriada a estes tipos de reformasrdquo73 E Stem na eacutepoca vice-presidente para as Finaccedilas em Evolution and Lessons of Adjustment Lending in Restructuring Economies in Distress Policy Reform and World Bank Oxford University Press 1991
74 Como vimos quando tratamos da Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) os paiacuteses industrializados nunca concederam creacuteditos ou financiamentos a longo prazo para dar sustentaccedilatildeo aos projetos e programas de desenvolvimento dos PVD Estes creacuteditos e financiamento a longo prazo soacute se efetivaram quando foram condicionados as reformas dos sistemas poliacutetico e econocircmicos e agrave abertura econocircmica destes paiacuteses
57
A resposta oferecida pelos paiacuteses desenvolvidos para a crise da diacutevida deixava claro
que nenhum tipo de reavaliaccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro de Bretton Woods
seria realizada para proporcionar uma integraccedilatildeo das economias destes paiacuteses agrave ordem
econocircmico-financeira vigente Toda a ajuda oferecida aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento em forma de disponibilizaccedilatildeo de creacuteditos e empreacutestimos tinha como
objetivos principais ajustar os PVD a uma abertura de mercados e garantir a renegociaccedilatildeo
das diacutevidas atraveacutes da concessatildeo de creacuteditos de ajuste das balanccedilas de pagamento Ou seja
continuou prevalecendo a noccedilatildeo de que as dificuldades encontradas pelos vaacuterios paiacuteses
tinham uma raiz intema
A segunda expansatildeo do uso da condicionalidade natildeo estaacute ligada apenas agrave
manutenccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro vigentes a partir dos Estados nacionais O
uso de mecanismos de condicionalidade nos institutos financeiros natildeo pode ser relacionado
simplesmente a uma puniccedilatildeo ou a um aumento dos constrangimentos imputados agrave
utilizaccedilatildeo de fluxos da ODA pelos PVD Basicamente pelo fato de que mais de 90 dos
recursos multilaterais disponiacuteveis atualmente nos institutos financeiros natildeo tecircm caraacuteter
facilitado (ASCARI 1999 66) e que os paiacuteses de renda meacutedia - aqueles que mais utilizam
os institutos financeiros para resolver suas crises de balanccedilo de pagamento - natildeo podem
mais receber fluxos facilitados desde 1991 (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1991) Aleacutem
disso natildeo existia como nos anos setenta uma demanda organizada pelo estabelecimento
de uma nova ordem econocircmica mundialisto eacute uma barreira conflitiva difiacutecil de transpor
Pelo contraacuterio a proacutepria aceitaccedilatildeo pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento do discurso
da interdependecircncia em ambiente internacional pode ser interpretado como uma tentativa
de estabelecer uma relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo para a superaccedilatildeo da crise
Na explicaccedilatildeo da expansatildeo do uso da condicionalidade e sua extensatildeo para os
institutos financeiros precisamos introduzir um novo elemento nesta anaacutelise o interesse dos
ambientes privados na cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento que aconteceu a partir
de dois motivos interligados Podemos considerar como o primeiro deles a aceleraccedilatildeo do
processo de internacionalizaccedilatildeo (entendida como um processo gerado por acentuadas
mudanccedilas nos custos de transaccedilatildeo que produzem fluxos observaacuteveis de mercadorias
serviccedilos e capital) que aumentou os empreacutestimos internacionais realizados pelos bancos
privados Os empreacutestimos dos bancos privados internacionais cresceram globalmente de
58
5 do PIB dos paiacuteses da OCDE em 1973 para 20 do PIB dos paiacuteses OCDE em 1991
(Economic Report o f the President 1993281 - citado por MILNER amp KEOHANE 1996
13) O segundo motivo foi a sugestatildeo do secretaacuterio-geral adjunto da OCDE Van Lennep
em 1979 de que se implantassem co-fiacutenanciamentos com fins de desenvolvimento para os
PVD atraveacutes de bancos privados em conjunto com instituiccedilotildees financeiras de
desenvolvimento multilaterais e bilaterais Essa iniciativa pode ser interpretada como
decorrente em parte do aumento da presenccedila dos capitais privados no acircmbito internacional
e denota o maior interesse dos mercados financeiros pelos paiacuteses em desenvolvimento Esse
interesse pode ter acontecido ateacute mesmo a partir da decisatildeo tomada pelos paiacuteses em vias de
desenvolvimento de utilizar o excesso de liquidez internacional dos anos setenta para
financiar seus processos de desenvolvimento
O aumento do processo de internacionalizaccedilatildeo pode ter contribuiacutedo para a
manutenccedilatildeo dos interesses econocircmico e financeiro estabelecidos pelos regimes
internacionais dessas aacutereas A aproximaccedilatildeo dos institutos financeiros dos setores privados e
a escolha de certos temas para a composiccedilatildeo da agenda internacional podem ter sido
utilizados como elemento de sustentaccedilatildeo desse sistema Milner e Keohane acreditam que
ldquopressotildees poliacuteticas intensas (puacuteblicas privadas e bilaterais) foram exercidas para que os
paiacuteses em vias de desenvolvimento abrissem as suas economiasrdquo (MILNER amp KEOHANE
1996 16-7) Os temas da agenda global podem ser entendidos como elementos de reforccedilo
do processo de internacionalizaccedilatildeo uma vez que estes temas satildeo condicionados aos
repasses de recursos (mesmo privados) pois muacuteltiplos esforccedilos nos paiacuteses em vias de
desenvolvimento satildeo direcionados para o atendimento (mesmo burocraacutetico) destes temas
Por exemplo atualmente todos os projetos e programas executados com recursos
provenientes do Banco Mundial devem ter uma anaacutelise de impacto ambiental
Isso significa que todo tipo de empreacutestimo (mesmo com creacuteditos IBRD a juros de
mercado) efetuado pelo Brasil atraveacutes do Banco Mundial deve considerar que uma parte
dos gastos seraacute comprometida com o pagamento de consultores internacionais ambientais e
com a compra de equipamentos dessa aacuterea (procurement) Em 1998 as vendas
internacionais para o mercado ambiental brasileiro chegaram a um faturamento de US$ 25
bilhotildees de doacutelares (duas vezes e meia o orccedilamento anual do PNUD) Desse montante 35
dos recursos foram gastos com a cogravempra de bens e serviccedilos dos EUA seguidos pela
59
Alemanha - que recebeu 25 desse valor- pelo Canadaacute que recebeu 12 e pela Espanha
Japatildeo Gratilde-Bretanha e Itaacutelia que como grupo receberam 13 dos recursos (MARTINS
2000 63) Esses dados revelam que a pressatildeo dos paiacuteses do mundo desenvolvido para que
as organizaccedilotildees internacionais passassem a considerar os temas globais em suas agendas
natildeo pode ser tomada como ocasional
Keohane acredita que um bom antiacutedoto contra a retoacuterica da interdependecircncia eacute
lembrar que ldquoos atores agem motivados pelo poder e pela riqueza natildeo pela realizaccedilatildeo de
interesses comunsrdquo (KEOHANE 1984 22) Como nos advertem Keohane e Nye
raramente ou mesmo nunca os regimes internacionais satildeo instituiacutedos por idealistas
desinteressados que visem o atendimento de objetivos comuns (KEOHANE amp NYE 1982)
Isso significa que os regimes internacionais inclusive daquele ODA criado como ambiente
favorecedor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento natildeo podem ser estudados sob
uma oacutetica de interdependecircncia de temas globais Caso estudaacutessemos o fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo internacional para o desenvolvimento a partir de uma perspectiva globalista
poderiacuteamos ser enganados quanto agrave motivaccedilatildeo dos atores
Quanto ao estabelecimento da condicionalidade financeira Haggard e Maxfield
identificam nas pressotildees sofridas pelos balanccedilos de pagamento dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento os principais mecanismos de efetivaccedilatildeo da abertura de suas economias75
Em uma grande variedade de dimensotildees a regulamentaccedilatildeo das economias nacionais dos
PVD foi colocada em questatildeo pelos paiacuteses fortes ldquoEm suma o fato de que desde os anos
setenta paiacuteses de todo o mundo incluindo aqueles de cultura e tradiccedilatildeo muito
diversificadas como o Vietnatilde a iacutendia a China o Sul da Aacutefrica o Chile e o Meacutexico
decidiram reduzir suas barreiras comerciais abrir seus mercados de capitais reduzir as
intervenccedilotildees governamentais na economia privatizar as empresas estatais e reduzir as
poliacuteticas sociais (welfare policies) sugere a existecircncia de fortes pressotildees exercidas pela
forccedila da internacionalizaccedilatildeordquo (HAGGARD amp MAXFIELD 1996 211) ldquoEsse fenocircmeno
natildeo pode ser percebido apenas como um crescente processo de globalizaccedilatildeo promovido
73 Os autores ainda citam como importante mecanismos de pressatildeo a sessatildeo 301 do Trade Act pressionou fortemente a liberalizaccedilatildeo das regras para investimento estrangeiro e ao mesmo tempo para a proteccedilatildeo da propriedade intelectual
60
pela expansatildeo tecnoloacutegica e pela maior presenccedila das empresas transnacionaisrdquo (MILNER
amp KEOHANE 19964)
Segundo Haggard e Maxfiacuteeld os frequumlentes ajustes das balanccedilas de pagamento aos
quais os atores mais fracos foram submetidos a partir da deacutecada de oitenta (com a inversatildeo
dos fluxos de capitais Norte-Sul para Sul-Norte) obrigaram os paiacuteses em desenvolvimento
a um processo forccedilado de abertura econocircmica estimulado tambeacutem pelos mecanismos de
condicionalidade76 A razatildeo desta abertura tem segundo os autores relaccedilatildeo com os altos
custos que os paiacuteses pagam em um contexto neoliberal de integraccedilatildeo financeira pela
ausecircncia de instituiccedilotildees poliacuteticas que os ajudem a minimizar estes custos Isso porque
mesmo que a internacionalizaccedilatildeo seja um processo sofrido por todos os paiacuteses os paiacuteses
centrais devido a suas fortes instituiccedilotildees poliacuteticas (Estado) podem minimizar evitar ou ateacute
mesmo redirecionar os custos da internacionalizaccedilatildeo para outros atores (MILNER amp
KEOHANE 1996 9-10)
Atualmente no setor financeiro internacional estabeleceu-se a loacutegica de que manter
ou aumentar a abertura financeira (nos primeiros momentos de crise) daacute sinais aos
investidores estrangeiros de que eles seratildeo capazes de liquidar seus investimentos indica as
intenccedilotildees dos governos de manter a disciplina fiscal e financeira e em uacuteltima anaacutelise
aumenta os fluxos de capital (HAGGARD amp MAXFIacuteELD 1996 211-15) Contudo os
sinais dados aos investidores estrangeiros pelos governos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento quanto agrave abertura de seus mercados natildeo parecem mais ser suficientes para
a garantia da manutenccedilatildeo dessa abertura Esse eacute o ponto em que acontece a interaccedilatildeo entre
o mercado financeiro privado e os institutos financeiros
Ascari considera que a razatildeo da expansatildeo da condicionalidade para os empreacutestimos
dos institutos financeiros eacute que tais empreacutestimos garantiriam a capacidade do paiacutes de
restituir os recursos recebidos pois segundo os analistas dos proacuteprios institutos financeiros
os empreacutestimos soacute poderiam ser devolvidos na medida que reformas internas nos PVD
fossem realizadas (ASCARI 1999) Um controle sobre as reformas somente seria possiacutevel
atraveacutes do condicionamento do uso dos fundos Os institutos financeiros internacionais
70 A opiniatildeo dos teoacutericos claacutessicos do liberalismo como Rosecrance eacute de que os paiacuteses do terceiro mundo por tratarem-se de naccedilotildees com estruturas econocircmicas sociais e poliacuteticas deacutebeis procurariam adotar estrateacutegias comerciais de participaccedilatildeo no acircmbito internacional como uma maneira de resolver os problemas crocircnicos (Citado por MILNER amp KEOHANE 1996)
61
teriam nessa perspectiva a funccedilatildeo de garantidores do capital privado A aproximaccedilatildeo das
organizaccedilotildees internacionais e dos institutos financeiros do setor privado criou novos
mecanismos de constrangimento sobre os paiacuteses em vias de desenvolvimento mecanismos
que foram reforccedilados pelo aumento da internacionalizaccedilatildeo dos fluxos de capitais Desse
modo estabeleceu-se nos uacuteltimos anos a loacutegica de que as atuais condiccedilotildees de austeridade
insseridas pelos organismos multilaterais nos programas de reformas econocircmicas dos paiacuteses
garantem outros financiadores acerca da credibilidade do programa econocircmico do paiacutes
recebedor Na Conferecircncia Internacional sobre Desenvolvimento Econocircmico (1995) o
economista D Rodrik (ligado ao Banco Mundial) afirmou que a austeridade imposta pelos
empreacutestimos de ajustamento estrutural assegura os financiadores privados sobre a
possibilidade do paiacutes recebedor conseguir ex post um melhoramento da situaccedilatildeo
econocircmica tal que lhes possibilitaria efetuar a devoluccedilatildeo dos empreacutestimos ou justificar a
concessatildeo da ajuda com base nas expectativas de eficaacutecia (RODRIK 1995)77
A partir do estabelecimento da condicionalidade acentuou-se a diminuiccedilatildeo dos
financiamentos facilitados (fundos ODA) para os paiacuteses das economias em
desenvolvimento e aumentaram exponencialmente os creacuteditos privados O aumento da
condicionalidade e a aproximaccedilatildeo com o setor da cooperaccedilatildeo de bancos privados
determinaram a diminuiccedilatildeo dos fluxos do regime ODA que passaram de um total de 59
em 1990 dos recursos dos paiacuteses do CAD aos paiacuteses em vias de desenvolvimento para
236 em 1997 No mesmo periacuteodo os fluxos financeiros privados passaram de 336
para 777 - ou seja de 436 bilhotildees de doacutelares em 1990 para 2521 bilhotildees de doacutelares em
1997 (TRILZI 1998 1223) Outra consideraccedilatildeo diz respeito agrave performance dos paiacuteses do
CAD relativamente aos fluxos de recursos destinados aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento Enquanto os fluxos do regime ODA sofreram uma contraccedilatildeo em
percentual sobre o PIB destes paiacuteses (de 033 em 1986-7 a 022 em 1997) os capitais
privados passaram no mesmo periacuteodo de 019 a 059 Nesse contexto foi significativa
a performance dos Estados Unidos cujo capital privado destinado aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento passou nos dez anos mencionados de 6 bilhotildees de doacutelares em 1986-7
77 Why is there Multilateral Lending Annual World Bank Conference on Development Economics 1995 (http wwwwborg)
62
(014 do PIB dos EUA) a aproximadamente 65 bilhotildees de doacutelares em 1997 (o equivalente
a 081 do PIB americano) por seu lado a cota destinada ao financiamento puacuteblico
(fluxos ODA) foi reduzida no periacuteodo de 021 a 009 (TRIULZI 1998 123)
Com a introduccedilatildeo da condicionalidade e dos creacuteditos e empreacutestimos estruturais os
capitais privados puderam receber garantias efetivas dos governos dos PVD de que as
poliacuteticas econocircmicas implantadas em seus paiacuteses manteriam a conformaccedilatildeo destes Estados
aos regimes de Bretton Woods Em outras palavras com a introduccedilatildeo da condicionalidade
nos institutos financeiros o retomo dos recursos devido agrave ecircnfase no ajustamento estrutural
nas balanccedilas de pagamento estaria assegurado
A introduccedilatildeo de mecanismos de condicionalidade a partir do choque do petroacuteleo e
da crise da diacutevida externa - dois momentos de conflito (em diferentes graus de intensidade)
entre o grupo de paiacuteses em vias de desenvolvimento e o dos paiacuteses industrializados - revela
como os atores favorecidos e desfavorecidos podem obter benefiacutecios e tratamentos
desiguais dos regimes estabelecidos Aleacutem disso como evidenciado pela proacutepria crise da
diacutevida e depois pela noccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo os paiacuteses em vias de desenvolvimento
por natildeo terem conseguido reforccedilar suas poliacuteticas institucionais (seus governos) antes de
efetuarem uma conformaccedilatildeo aos regimes de Bretton Woods (como foi o caso dos paiacuteses
europeus do bloco ocidental) acabaram arcando com os custos maiores das variaccedilotildees
sistecircmicas Finalmente podemos ainda considerar que os proacuteprios regimes de Bretton
Woods foram acordados com constrangimentos internos para que se beneficiassem os
atores mais fortes (a ecircnfase nas balanccedilas de pagamento) Esse tipo de interpretaccedilatildeo ganha
dimensatildeo quando consideramos que as potecircncias secundaacuterias europeacuteias no final da
Segunda Guerra soacute aceitaram participar dos regimes de Bretton Woods depois de
fortalecerem suas instituiccedilotildees poliacuteticas atraveacutes do plano Marshall e da Uniatildeo Europeacuteia de
Pagamento (KEOHANE 1984 DINOLFO 1993)
Nosso proacuteximo e uacuteltimo capiacutetulo seraacute dedicado agrave anaacutelise do fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo descentralizada um constrangimento que exclui os governos dos paiacuteses em
desenvolvimento da aplicaccedilatildeo dos fluxos da ODA Analisaremos a modalidade de
cooperaccedilatildeo descentralizada a partir da instrumentalizaccedilatildeo das ONGs dos paiacuteses
desenvolvidos e de sua relaccedilatildeo com as homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
63
CAPIacuteTULO IV
A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA
COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO
Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo
No estudo da cooperaccedilatildeo descentralizada um dos primeiros problemas que se
apresenta eacute a proacutepria investigaccedilatildeo do termo Embora essa modalidade de administraccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)
tenha comeccedilado timidamente a partir da metade dos anos setenta somente quando o
fenocircmeno ganhou expansatildeo na metade dos anos oitenta buscou-se formalmente um
conceito para a praacutetica que jaacute vinha sendo estabelecida Antes de buscar uma compreensatildeo
mais ampla do termo cooperaccedilatildeo descentralizada devemos esclarecer que esse eacute um
fenocircmeno especiacutefico da cooperaccedilatildeo internacional ao europeacuteia desenvolvimento
Para Jahier e Triulzi cooperaccedilatildeo descentralizada eacute a modalidade de administraccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)
na qual estatildeo excluiacutedos os governos nacionais dos Estados recebedores dos recursos
(JAHIER 2000 TRIULZI 1998 2000) A Comunidade Europeacuteia define de maneira muito
mais generalizante a cooperaccedilatildeo descentralizada ldquoum novo meacutetodo de cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento que potildee os operadores no centro da atuaccedilatildeo das atividades e que persegue
assim o duplo objetivo de adequar as accedilotildees agraves exigecircncias e de garantir sua realizaccedilatildeordquo78
Estas duas primeiras definiccedilotildees pouco revelam sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada Aquilo
que se percebe inicialmente eacute que essa praacutetica tem possibilitado um afastamento dos
Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento da utilizaccedilatildeo direta dos fluxos do
regime internacional ODA Por esse motivo buscaremos investigar a praacutetica da cooperaccedilatildeo
7S Cooperazione Decentrata 2002 (httpeuropaeuintsacdiplusprintversionitlvbrl2004htm)
64
descentralizada como sendo um constrangimento imposto pelos atores mais fortes aos
paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD)
Acreditamos que a maneira mais construtiva de nos aproximarmos do fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo descentralizada seja descrever a maneira como se manifesta essa modalidade no
setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Nesse sentido Basile descreve a cooperaccedilatildeo
descentralizada como sendo uma praacutetica na qual os recursos do regime internacional ODA
disponiacuteveis no Fundo Europeu e na cooperaccedilatildeo bilateral dos paiacuteses europeus eacute diretamente
destinado agraves ONGs internacionais europeacuteias que mantenham projetos de cooperaccedilatildeo em
parceria partnership) com entidades homocircnimas locais dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento e natildeo mais aos governos nacionais destes paiacuteses - nem mesmo para
organizaccedilotildees multilaterias que ainda mantenham princiacutepios de natildeo-identifiacutecaccedilatildeo dos
doadores (BASILE 1995)
A discussatildeo internacional sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada pode ser ainda mais
polecircmica do que a proacutepria discussatildeo da condicionalidade da ajuda Isso porque na praacutetica a
cooperaccedilatildeo descentraliza envolve atores natildeo estatais (ONGs) que atuam no setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Devido a essa particularidade promover um estudo sobre
a legitimidade da cooperaccedilatildeo descentralizada toma-se tarefa bastante complicada Isso
porque muitas vezes eacute difiacutecil distinguir o que eacute a anaacutelise do fenocircmeno daquela que eacute a
posiccedilatildeo subjetiva dos teoacutericos sobre a funccedilatildeo social das ONGs e das ONGs internacionais
no desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres
Os proacuteprios autores que citamos acima Jahier e Triulzi embora tenham uma visatildeo
muito similar da definiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada tecircm opiniotildees muito contrastadas
em relaccedilatildeo agrave sua legitimidade Para Triulzi a praacutetica da cooperaccedilatildeo descentralizada eacute
vaacutelida e se justifica porque coloca os atores natildeo-estatais dos paiacuteses desenvolvidos em uma
espeacutecie de parceria (contratualidade ao inveacutes de condicionalidade) com aqueles atores natildeo-
estatais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (TRIULZI 1998) Segundo ele por meio
de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores seria possiacutevel atingir as necessidades ldquoreaisrdquo das
populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento pois essa relaccedilatildeo proporcionaria o
ldquofavorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-administrativas a ponto de defender os
direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos defendendo a igualdade entre gecircneros
introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo democraacutetica na vida social e civil dos paiacuteses em
65
vias de desenvolvimentordquo (TRIULZI 1998 128) Ao mesmo tempo que faz tal afirmaccedilatildeo
Triulzi coloca-se contraacuterio acirc condicionalidade da ajuda (praacutetica que abordamos no capiacutetulo
anterior) pois ldquoas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento assim como a ajuda
humanitaacuteria tecircm uma particularidade especiacutefica que natildeo eacute a de promover a democracia e os
direitos civis valores indiscutiacuteveisrdquo (TRIULZI 1998 128) mas ainda segundo o autor
natildeo devem acontecer a partir da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (sic) Devemos recordar
que a condicionalidade da ajuda foi um processo iniciado nos anos setenta que pretendia
condicionar o regime internacional ODA agrave realizaccedilatildeo de objetivos pontuais e setorizados
nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Contudo Triulzi declara natildeo perceber uma
incoerecircncia em sua afirmaccedilatildeo quando defende o uso do regime ODA atraveacutes do modelo de
cooperaccedilatildeo descentralizada e opotildee-se ao mesmo tempo agrave condicionalidade da ajuda
Segundo o autor a ldquocontratualidaderdquo entre atores natildeo-estatais seria a garantia de um
verdadeiro processo de desenvolvimento das populaccedilotildees dos paiacuteses mais pobres (TRIULZI
19982000)
Como dissemos anteriormente o conceito inicialmente favoraacutevel de alguns autores
quanto agrave atuaccedilatildeo das ONGs parece natildeo permitir uma verdadeira aproximaccedilatildeo do problema
da cooperaccedilatildeo descentralizada que eacute o fato de que os fluxos do regime internacional ODA
atraveacutes dessa modalidade satildeo em si mesmo uma espeacutecie de constrangimento para aplicaccedilatildeo
dos recursos pelos paiacuteses do Sul considerando que nem os governos destes paiacuteses nem as
ONGs locais podem conduzir diretamente seus proacuteprios projetos de desenvolvimento De
fato segundo a Resoluccedilatildeo 165898 (sect 31 e 32)79 das normas gerais de co-financiamento
para ONGs da Comunidade Europeacuteia atesta apenas as ONGs europeacuteias satildeo elegiacuteveis para a
apresentaccedilatildeo de projetos de desenvolvimento na modalidade da cooperaccedilatildeo
descentralizada
Jahier o segundo autor tratado aqui tem uma visatildeo mais criacutetica quanto agrave
modalidade da cooperaccedilatildeo descentralizada Para ele os recursos do regime internacional
ODA deveriam ser tratados diretamente pelos Estados Isso porque as ONGs internacionais
podem perder valor de representaccedilatildeo civil ou legitimidade quando atuam ligadas de
maneira tatildeo direta aos Estados nacionais dos paiacuteses europeus Aleacutem disso a cooperaccedilatildeo
descentralizada estabelece uma parceria desigual que pode comprometer as relaccedilotildees
66
positivas entre elas e suas homocircnimas de diferentes paiacuteses Finalmente o autor acredita que
as ONGs natildeo deveriam ser inseridas em um acircmbito econocircmico como aquele do setor da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento pois as ONGs internacionais - quando se
colocam no lugar dos Estados como promotoras do desenvolvimento - ldquopodem assumir a
funccedilatildeo de servir de acompanhantes das transferecircncias de dinheiro tecnologia e poliacuteticas
dos atores mais fortesrdquo (JAHEER 2000 223)
0 estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada
Da mesma forma que na condicionalidade da ajuda a cooperaccedilatildeo descentralizada
teve dois momentos distintos de inserccedilatildeo no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento O primeiro aconteceu em 1975 quando a Comunidade Europeacuteia
estabeleceu novas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e aproximou-se do diaacutelogo
Norte-Sul depois do choque do petroacuteleo e da crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-
primas de acordo com a nova orientaccedilatildeo decidida pelos paiacuteses industrializados na
Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) (RELATOacuteRIO
ANUAL CAD 1973) Esse primeiro momento como veremos estruturou as bases da
cooperaccedilatildeo descentralizada O segundo momento de expansatildeo da cooperaccedilatildeo
descentralizada aconteceu em 1985 com a introduccedilatildeo da ldquoCharte Europeacuteenne de
1 Autonomie Localersquorsquorsquo que permitiu que as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos colaborassem
com homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizando os fluxos do regime
internacional ODA do Fundo Europeu de Desenvolvimento80
Em 1975 a Europa que depende fortemente da importaccedilatildeo de mateacuterias-primas e
energia dos paiacuteses em desenvolvimento visando reduzir os conflitos com os paiacuteses
(prioritariamente) fornecedores de mateacuterias-primas ampliou a base geograacutefica de suas 81 rpoliacuteticas de cooperaccedilatildeo atraveacutes da Convenccedilatildeo de Lomeacute I (1975) Com Lomeacute I as
80 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wwwesteriitpoleseracooperazquadrocix)pdechim)
81 Ateacute 1975 quando aconteceu a passagem das Convenccedilotildees de Yaoundeacute I II e III que tinham regulamentado desde 1957 as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa todas
67
poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa passaram agrave atender os paiacuteses da
bacia do Mediterracircneo da Aacutesia e da Ameacuterica Latina Segundo Grilli esta convenccedilatildeo
estabeleceu um compromisso entre a Europa e os paiacuteses em vias de desenvolvimento para
que se regularizasse o fornecimento de mateacuterias-primas em troca do suprimento de
assistecircncia comercial e financeira com base nos princiacutepios de paridade e natildeo-
interferecircncia82 (TRIULZI 2000 GRILLI 1993) Firmou na ocasiatildeo o compromisso de que
os fluxos do regime internacional ODA seriam destinados como uma forma de compensar
financeiramente os paiacuteses em vias de desenvolvimento pelas menores oportunidades
comerciais e financeiras destes atores (GRILLI 1993 38)83
Ao mesmo tempo em que ampliou as aacutereas geograacuteficas de atuaccedilatildeo do setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento com Lomeacute I a Europa promoveu em 1976 a aproximaccedilatildeo
do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) das ONGs europeacuteias84 Naquela data foi
permitido que as ONGs dos paiacuteses europeus passassem a ter acesso diretamente aos
recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento para co-financiar ou financiar
integralmente projetos que seriam implementados nos paiacuteses atendidos pela Convenccedilatildeo de
Lomeacute I (1975) Com esse fim ainda em 1976 ldquocriou-se o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre as
as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento executadas pelo continente eram restritas as aacutereas aos paiacuteses da Aacutefrica Caribe e Paciacutefico ditos paiacuteses ACP
82 Com Lomeacute I a Europa comeccedilou a responder as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento (natildeo reciprocidade nas relaccedilotildees comerciais estabilizaccedilatildeo da renda de exportaccedilatildeo e alguns indexadores dos preccedilos de exportaccedilatildeo) as bases do acordo eram estruturas com igualdade entre dois conjuntos de paiacuteses extremamente diferentes em seus estaacutegios de desenvolvimento
83 Antonelli Salvatori Triulzi e Grilli e Di Nolfo percebem a expansatildeo geograacutefica das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Comunidade Europeacuteia como uma iniciativa de contenccedilatildeo do movimento de organizaccedilatildeo dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas (power o f cartels) e como uma aproximaccedilatildeo dos paiacuteses europeus do diaacutelogo Norte-Sul (ANTONELLI 1995 SALVATORI 1994 TRIULZI 2000 GRILLI 1993 Di Nolfo 1994)
84 Este processo de constituiccedilatildeo de novas entidades combina-se no caso europeu com o processo de revitalizaccedilatildeo do papel desempenhado por agecircncias privadas atuantes no campo da ajuda ou cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta Naquela deacutecada estabeleceram-se como ONGs internacionais de grande porte a NOVIB na Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique contre la Faim etpour le Deacuteveloppement na Franccedila A exemplo do papel desempenhado pelas fundaccedilotildees empresariais americanas estas agecircncias de ajuda e cooperaccedilatildeo em sua maioria vinculadas a Igreja canalizaratildeo em nome da solidariedade internacional um volume expressivo de recursos (TAVARES 1999)
68
ONGs e a Comissatildeo Europeacuteia (COMUNIDADE EUROPEacuteIA)85 Esse Comitecirc foi composto
pelos representantes da Comissatildeo Europeacuteia e por quinze representantes de ONGs dos paiacuteses
membros da Comunidade (MARTINS 2000 42)rdquo Note-se que essa praacutetica eacute diferente da
introduzida pela expansatildeo de 1985 pois ainda natildeo existia a possibilidade de estabelecer
parcerias entre as ONGs europeacuteias e as dos PVD Contudo naquele momento tambeacutem natildeo
existia uma rede de ONGs estruturada como atualmente conhecemos
Tavares percebe uma relaccedilatildeo direta entre a aproximaccedilatildeo das ONGs europeacuteias da
Comissatildeo Europeacuteia e a expansatildeo do setor nos anos setenta Os subsiacutedios puacuteblicos para as
ONGs europeacuteias aumentaram substancialmente a partir desta eacutepoca representando
atualmente de 59 a 68 dos recursos totais das Organizaccedilotildees francesas e alematildes
(TAVARES 1999 133) O processo de constituiccedilatildeo do Comitecirc de Aproximaccedilatildeo entre a
Comissatildeo e as ONGs combina com a expansatildeo do papel desempenhado por agecircncias
privadas atuantes no campo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta
Naquela deacutecada estabeleceram-se ONGs internacionais de grande porte como a NOVIB na
Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot
Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique Contre la Faim et Pour le
Deacuteveloppement na Franccedila (OLIVEIRA 1999) Aleacutem disso segundo Antonelli e tambeacutem
nos anos setenta os paiacuteses europeus passaram a promover incentivos puacuteblicos para a
formaccedilatildeo de pessoal que iria atuar na aacuterea de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir das
ONGs (CECCHI 1995)
A aproximaccedilatildeo da Comissatildeo Europeacuteia das ONGs pode ser explicada por uma seacuterie
de fatores Quanto agraves motivaccedilotildees das proacuteprias ONGs europeacuteias de se aproximarem dos
Estados de maneira institucionalizada devemos lembrar que Keohane considera que no
setor da cooperaccedilatildeo internacional todos os atores agem fundamentalmente por motivaccedilotildees
econocircmicas inclusive organizaccedilotildees internacionais e natildeo-governamentais (KEOHANE
1984) Contudo o autor considera que em algumas situaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento ou ajuda humanitaacuteria podem existir fenocircmenos definidos como
dependecircncia empaacutetica Ou seja que os atores de organizaccedilotildees natildeo governamentais podem
agir motivados por reais preocupaccedilotildees humanitaacuterias Nesses casos deve-se tomar em
85 Ref (httpwvesteriitpolesteracooperazquadrocoopdechtm)
69
consideraccedilatildeo natildeo a opiniatildeo dos fornecedores da ajuda mas a daqueles beneficiados por ela
(KEOHANE 1984 123)
Esta nossa investigaccedilatildeo contudo por tratar das puniccedilotildees e dos constrangimentos
impostos aos Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento a partir de um
fenocircmeno poliacutetico definido (a crise entre paiacuteses industrializados e paiacuteses preferencialmente
produtores de mateacuterias-primas) natildeo abordaraacute diretamente as motivaccedilotildees empaacuteticas destes
atores que podem existir em alguns casos Contudo preferimos manter a orientaccedilatildeo de
Cecchi e Tavares e prosseguir em nossa investigaccedilatildeo considerando que o crescimento
exponencial do nuacutemero de ONGs internacionais filiadas ao Comitecirc de Ligaccedilatildeo da
Comissatildeo Europeacuteia a partir de 1970 pode estar mais relacionado agraves motivaccedilotildees da proacutepria
Comunidade Europeacuteia do que a um fenocircmeno coletivo de dependecircncia empaacutetica Quando o
Comitecirc de aproximaccedilatildeo entre a Comissatildeo Europeacuteia e as ONGs europeacuteias foi fundado em
1976 as ONGs participantes eram 15 Na metade dos anos noventa mais de 800 ONGs jaacute
eram filiadas ao Comitecirc (MARTINS 2000 42) e atualmente mais de 1000 ONGs
internacionais europeacuteias podem ter acesso direto aos fluxos do regime internacional ODA
alocados no Fundo europeu de Desenvolvimento (COMUNE Dl MILANO)86 Segundo
Tavares atualmente o nuacutemero total de ONGs internacionais no mundo eacute de 1500
(TAVARES 1999)
Quanto agraves motivaccedilotildees da Europa nos primeiros anos de suas novas poliacuteticas de
cooperaccedilatildeo a partir do choque do petroacuteleo pode-se supor que os dois frontes abertos de
atuaccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo (a ampliaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas cobertas pela
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e a aproximaccedilatildeo das ONGs da Comissatildeo Europeacuteia) fosse
inicialmente uma tentativa destes governos de conseguir uma imagem positiva de suas
iniciativas de cooperaccedilatildeo ampliada Grilli sugere que Lomeacute I (1975) cumpriu a funccedilatildeo de
desvincular a imagem da Europa de seu passado colonial que tinha sido perpetuado desde
a Segunda-Guerra pelo Associativismo87 entre a Europa e suas antigas colocircnias (GRILLI
86 Disponiacutevel on-line (httpAvwwcomunemilanoif) - Settore di Relazione Estere e Comunicazione
87 O associativismo foi estabelecido em 1957 com o Tratado de Roma e visava regularizar as tenccedilotildees do final do regime colonial Os paiacuteses participantes do associativismo eram aqueles da Aacutefhca Caribe e Paciacutefico ditos ACP
70
1993) Eacute possiacutevel que a aproximaccedilatildeo da Europa das ONGs tenha cumprido essa mesma
funccedilatildeo Isso porque naqueles anos do choque do petroacuteleo quando a tensatildeo entre paiacuteses
industrializados (desenvolvidos) e paiacuteses produtores basicamente de mateacuterias-primas (em
desenvolvimento) estava bastante acentuada a Europa tentava afastar de si mesma e de
suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo a imagem do passado colonial (GRILLI 1995)
O segundo momento de expansatildeo das relaccedilotildees da Comunidade Europeacuteia com as
ONGs internacionais aconteceu em 1985 quando o Conselho da Europa adotou a ldquoCherte
Europeacuteenne de L Autonomie Localerdquo que permitiu agraves ONGs europeacuteias utilizar o regime
ODA para realizar diretamente projetos de cooperaccedilatildeo com as ONGs dos paiacuteses em
desenvolvimento sem a participaccedilatildeo direta dos governos nacionais (COOPERAZIONE
DECENTRATA ALLO SVTLUPPO 2000)88 No mesmo ano o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre a
Comissatildeo Europeacuteia e ONGs adotou o conceito de interdependecircncia Norte-Sul de atuaccedilatildeo
de accedilotildees globais para a soluccedilatildeo dos problemas de desenvolvimento (GRILLI 1993 40-45)
(como visto no capiacutetulo anterior a noccedilatildeo de interdependecircncia no cenaacuterio internacional dos
anos oitenta foi decidida na Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento
Econocircmico em 1981)
De fato em 1985 a agenda das atividades cobertas pela modalidade de cooperaccedilatildeo
descentralizada foi estabelecida como veremos mais adiante a partir do conceito de
necessidades humanas baacutesicas (NHB) e dos temas globais Esse tipo de agenda eacute uma
limitaccedilatildeo ao uso dos fluxos do regime internacional ODA pois estabelece para quais
setores os projetos de desenvolvimento deveratildeo ser apresentados (CREWEampHARRISON
1999)
Devemos ainda recordar que a expansatildeo das atividades da ONGs aconteceu no
mesmo momento em que o processo de internacionalizaccedilatildeo (abordado no capiacutetulo anterior
como uma reduccedilatildeo de custos operacionais que promoveram uma acentuada circulaccedilatildeo dos
fluxos de mercadorias financcedilas e serviccedilos (MDLNER amp KEOHANE 1996) se acentuava
Rainhom a partir de um estudo sobre as ONGs de sauacutede relaciona a expansatildeo
internacional das ONGs internacionais agrave do capital financeiro internacional O tema como
afirma o proacuteprio autor embora ainda natildeo seja explorado em todas as suas possibilidades
88 disponiacutevel on-line (httpwwwesteriitpolesteracooperazquadrocoopdcchtin)
71
pode vir a constituir um campo de investigaccedilatildeo bastante interessante proximamente
Algumas constataccedilotildees podem ser percebidas no trabalho de Hours Segundo o autor a
expansatildeo das ONGs internacionais e emergenciais e a implantaccedilatildeo do discurso privado nos
paiacuteses em desenvolvimento aconteceram paralelamente Para esse autor a ideologia
humanitaacuteria fundada nas intervenccedilotildees de urgecircncia (em um futuro direito de ingerecircncia) e
nas intervenccedilotildees pontuais se impotildee como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS
2001) Em particular a presenccedila na miacutedia das ONGs de sauacutede e do heroacutei meacutedico sem
fronteira eacute abordada pelo autor como uma ofensiva ideoloacutegica e poliacutetica que antecedeu a
ofensiva neoliberal da ONG americana Liberdade Sem Fronteiras (proacutexima dos Meacutedicos
Sem Fronteiras) fundada em 1985 quando terminou a Guerra Fria O objetivo da
Liberdade sem Fronteiras era promover as intervenccedilotildees privadas (e das proacuteprias ONGs) em
um momento de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas mundiais quando os paiacuteses em
desenvolvimento reacenderam suas esperanccedilas de instaurar regimes internacionais mais
favoraacuteveis aos seus interesses (HOURS 2001 98-103)
Natildeo temos elementos teoacutericos disponiacuteveis para avanccedilar no discurso ilustrado acima
contudo acreditamos que esse tipo de aproximaccedilatildeo poderaacute ser produtivo para uma futura
investigaccedilatildeo mais focada na hipoacutetese levantada por Hours de se interpretar as ONGs
internacionais como promotoras do neoliberalismo Aleacutem disso esse tipo de anaacutelise pode
nos deixar mais atentos para a sincronizaccedilatildeo que existiu entre a expansatildeo das ONGs no
setor da cooperaccedilatildeo internacional na Europa a partir dos anos oitenta - notoriamente nas
Convenccedilotildees de Lomeacute Hl (1985) e Lomeacute IV (1990) - e os movimentos de expansatildeo do
capital financeiro europeu estabelecidos nestas mesmas Convenccedilotildees Neste sentido a
Convenccedilatildeo de Lomeacute Hl (1985) que definiu as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Europa entre
1985 e 1990 estabeleceu a salvaguarda dos investimentos privados do continente aplicados
em paiacuteses em desenvolvimento Isso determinou que os fluxos privados (IDE)89 europeus
destinados aos PVD teriam uma garantia dos governos nacionais dos paiacuteses do Sul que
mantivessem relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo com a Europa (GRILLI 1993)90 Segundo Grilli esse
89 Fluxos IDE satildeo financiamentos privados ou capital internacional investido no paiacutes recebedor dos recursos
90 Grilli aponta sempre o enfraquecimento do poder de barganha dos Estados em desenvolvimento como responsaacutevel pela introduccedilatildeo da praacutetica da salvaguarda (GRILLI 1993)
72
tipo de concessatildeo nunca tinha sido tolerado pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento O
autor acredita que a concessatildeo da salvaguarda dos investimentos privados soacute foi possiacutevel
porque os PVD encontravam-se em um dos momentos mais difiacuteceis da crise da diacutevida
externa e como vimos natildeo tinham recebido nenhum tipo de apoio econocircmico aleacutem dos
previstos em Bretton Woods Qualquer tipo de capital destinado a estes paiacuteses mesmo com
fortes condicionamentos era indispensaacutevel para uma tentativa de normalizaccedilatildeo da
economia destes paiacuteses
Uma uacuteltima observaccedilatildeo sobre a expansatildeo das ONGs e a das poliacuteticas liberais pela
Europa na Convenccedilatildeo de Lomeacute IV (1990) em que o conceito de cooperaccedilatildeo
descentralizado foi oficialmente instituiacutedo e alargado para os paiacuteses que mantecircm relaccedilotildees
de cooperaccedilatildeo com a Comunidade Europeacuteia a Europa introduziu e adotou o conceito de
condicionalidade financeira deixando de financiar projetos tradicionais e passando a
realizar como os institutos financeiros empreacutestimos de ajustamento estrutural que
utilizavam os fluxos do regime internacional ODA (GRILLI 1993)
Parece correto afirmar que o setor da cooperaccedilatildeo internacional da Europa adequou-
se agraves medidas decididas pelos paiacuteses da OCDE no Comitecirc de Assistecircncia ao
Desenvolvimento (CAD) quanto agrave orientaccedilatildeo ainda no final dos anos setenta de destinar
as poliacuteticas de desenvolvimento para os setores privados (RELATOacuteRIO ANUAL CAD
1979) No capiacutetulo anterior demonstramos que em 1979 Van Lennep - entatildeo secretaacuterio-
geral adjunto da OCDE - tomou possiacutevel a aproximaccedilatildeo entre os bancos privados e o setor
de financiamento da ajuda financeira ao desenvolvimento Acrescentamos agora a
informaccedilatildeo de que naquele mesmo ano o Comitecirc promoveu o ldquoI Encontro CAD com o
Conselho Internacional das Agecircncias de Voluntaacuterios (ICVA 91
Essa aproximaccedilatildeo das ONGs com a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi sustentada
pelas afirmaccedilotildees feitas pelos grupos de estudo do CAD segundo as quais o setor privado
garantiria maior eficaacutecia e transparecircncia na utilizaccedilatildeo dos recursos enviados aos paiacuteses em
vias de desenvolvimento sustentando que os Estados doadores poderiam estabelecer mais
facilmente mecanismos de avaliaccedilatildeo da efetiva utilizaccedilatildeo dos financiamentos
91 Logo depois em 1981 foi Banco Mundial quem estabeleceu uma diretriz especiacutefica (nota de poliacutetica operacional 1005) Segundo Fuumlhner a decisatildeo do Banco ldquorefletia o interesse do Banco em aproveitar em operaccedilotildees de financiamento a experiecircncia de campo daquelas organizaccedilotildeesrdquo (FUumlRNER 1996)
73
Vilanova nos lembra que em 1976 quando o relacionamento das ONGs com a
Comunidade Europeacuteia nasceu o Estado ficou no centro do processo Ou seja os paiacuteses
europeus puderam controlar e garantir ao mesmo tempo o maacuteximo de eficiecircncia Para
esse autor as ONGs como atores menos sujeitos ao direito internacional e devido ao bom
relacionamento que estabeleceram com a miacutedia conseguiram promover a reorganizaccedilatildeo
das estruturas humanitaacuterias nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Ele sugere que esse eacute
um aspecto muito positivo da atuaccedilatildeo das ONGs contudo seu discurso natildeo avanccedila sobre a
possibilidade que as ONGs tecircm de atuar sobre a reorganizaccedilatildeo de outras estruturas nos
paiacuteses em vias de desenvolvimento
Na verdade essa investigaccedilatildeo do poder de interferecircncia das ONGs nos paiacuteses em
vias de desenvolvimento eacute ainda muito recente no setor da cooperaccedilatildeo internacional
Deveremos reservar para o futuro o aprofundamento dessa discussatildeo Poreacutem Vilanova
Basile Antonelli e Jahier mdash autores estudados nesse capiacutetulo que em maior ou menor
medida se aproximaram desse tema mdash natildeo colocaram em discussatildeo em qualquer
momento o papel central de seus Estados como o ator mais importante desse processo de
ampliaccedilatildeo das ONGs no cenaacuterio internacional Essa observaccedilatildeo denuncia um aspecto da
discussatildeo que embora tenha estado presente desde a introduccedilatildeo do termo - cooperaccedilatildeo
descentralizada - esteve agrave margem durante nossa anaacutelise aquele ligado aos conceitos de
governabilidade (good governace) e de desenvolvimento sustentaacutevel participativo que tecircm
servido de suporte conceituai para a afirmaccedilatildeo dessa modalidade de ajuda Esses dois
suportes conceituais seratildeo vistos em relaccedilatildeo com as justificativas teoacutericas da Comunidade
Europeacuteia e da literatura especializada para a realizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada
atraveacutes das parcerias entre ONGs europeacuteias e ONGs locais
Podemos encerrar essa seccedilatildeo com a afirmaccedilatildeo de Tavares de que muitas vezes a
falta de transparecircncia das ONGs pode ser identificada no fato de que muitos governos
utilizam estas organizaccedilotildees como instrumentos de atuaccedilatildeo externa em iniciativas sobre as
quais natildeo lhes conveacutem assumir responsabilidade direta Em tais casos a flexibilidade em
mateacuteria de elaboraccedilatildeo de relatoacuterios e procedimentos contaacutebeis concedidos agraves ONGs por
92 Em VILANOVA 1995 BASILE 1995 ANTONELLI 1995 JAHIER 2000
74
estes governos revela-se essencial para que as iniciativas natildeo sejam diretamente
identificadas com estes atores (TAVARES 1999)
As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada
As justificativas da Comunidade para a implantaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada
foram baseadas em dois aspectos distintos Primeiramente justificou-se a implantaccedilatildeo da
cooperaccedilatildeo descentralizada devido ao fato de que mesmo depois de estabelecida a ajuda
internacional ao desenvolvimento nos anos sessenta os indicadores de desenvolvimento e
de necessidades humanas baacutesicas dos PVD (atualmente definido como desenvolvimento
humano) permaneciam estagnados93 As causas do falimento da ajuda foram buscadas em
uma certa incapacidade organizacional e institucional destes paiacuteses na administraccedilatildeo dos
recursos Tambeacutem Barbarella afirma que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi instituiacuteda porque
os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizaram inadequadamente os
instrumentos da cooperaccedilatildeo e os reduziram a um aparato operativo ineficaz vinculado
muitas vezes agrave poliacutetica externa e comercial de seus Estados (BARBARELLA 1998)
Basile e Antonelli justificam a cooperaccedilatildeo descentralizada focando seu discurso na
maior transparecircncia e eficiecircncia das ONGs e na sua natural vocaccedilatildeo de cumprir metas
sociaisrdquo (BASILE ANTONELLI 1995) Lal afirma que as ONGs internacionais com
organizaccedilotildees radicadas no territoacuterio dos paiacuteses beneficiados podem identificar os
potenciais beneficiaacuterios e endereccedilaacute-los aleacutem de monitorar os benefiacutecios a serem destinados
a eles muito melhor do que os governos nacionais (LAL) Outros autores mais favoraacuteveis
ao processo da participaccedilatildeo das ONGs chegam a considerar a cooperaccedilatildeo descentralizada
como uma necessidade - isto devido agrave proacutepria conduta dos governos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento ldquoque costumam ser corruptos pouco democraacuteticos e incompetentes no
exerciacutecio de suas funccedilotildees governamentaisrdquo (BARBARELLA 1998)
93 LIVRO VERDE 1997 O Livro Verde eacute editado pela direccedilatildeo geral do desenvolvimento e conteacutem as normas da Comunidade para o setor
75
Podemos perceber que esse tipo de observaccedilatildeo nos conduz primeiramente agrave
percepccedilatildeo de que se naturalizou a ideacuteia de que os fluxos do regime internacional ODA
devem cumprir funccedilotildees de desenvolvimento humano (necessidades humanas baacutesicas) A
segunda percepccedilatildeo eacute que as justificativas iniciais da Comunidade Europeacuteia parecem
fortemente baseadas no suporte teoacuterico da governabilidade A noccedilatildeo de governabilidade
associada ao pluralismo democraacutetico eacute vista atualmente como uma forma de
desenvolvimento correto para os paiacuteses mais pobres A legitimidade da cooperaccedilatildeo
descentralizada para promover a governabilidade nos paiacuteses em vias de desenvolvimento
parece estar sendo buscada pelos autores abordados no uacuteltimo paraacutegrafo na ideacuteia de que
os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento seriam pouco representativos de suas
populaccedilotildees A proacutepria Comunidade faz essa afirmaccedilatildeo no documento oficial de
sensibilizaccedilatildeo popular mdash destinado agrave sociedade civil europeacuteia mdash sobre a necessidade da
manutenccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento ldquoa
Comunidade estaacute trabalhando haacute mais de dez anos para desenvolver (atraveacutes da
cooperaccedilatildeo) um diaacutelogo simultacircneo com aqueles que satildeo os reais beneficiaacuterios da ajuda
Mandando delegaccedilotildees a campo a Comunidade manteacutem uma permanente relaccedilatildeo com as
pessoas locais e serve de intermediaacuteria entre a populaccedilatildeo local e os governos oficiaisrdquo 94
A noccedilatildeo de governabilidade como aquela utilizada pelo discurso da Comunidade
Europeacuteia estabelece uma ilegitimidade dos governos nacionais dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento perante as populaccedilotildees destes Estados aleacutem de criar uma imagem negativa
dos governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento junto agraves populaccedilotildees dos paiacuteses
desenvolvidos O que pode representar inclusive perdas comercias profundas para estes
uacuteltimos Essa imagem negativa pode ser utilizada inclusive pelos governos dos paiacuteses
desenvolvidos como instrumento de pressatildeo econocircmica e poliacutetica contra os paiacuteses do
Terceiro Mundo Cooper e Packhard argumentam que o sucesso da transmissatildeo de ideacuteias
como a governabilidade (que eacute oficialmente produto da ajuda conceituai CAD) emana das
poderosas organizaccedilotildees de desenvolvimento com o claro objetivo de promover mudanccedilas
poliacuteticas- Os autores acreditam que criacuteticas agrave corrupccedilatildeo de governo ao clientelismo e a
incompetecircncia satildeo criadas propositadamente para desconstruir a capacidade politica dos
94 ( w europaeuintscadpluslegleslubrl 2500htm)
76
governos dos paiacuteses mais pobres Mais importante olhar a governabilidade na perspectiva
histoacuterica permite que o conceito pareccedila menos novo A insistecircncia em good governance eacute
em grande parte reproduccedilatildeo do que jaacute foi previamente dito sobre good economy uma
afirmaccedilatildeo - em forma de eufemismo - de que o Ocidente tem proposto objetivos a serem
atingidos pelos PVD um conjunto generalizado de categorias que definem seus standards
(COOPER amp PACKHARD 1997)
A cooperaccedilatildeo descentralizada foi implementada no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento concomitantemente agrave introduccedilatildeo na agenda internacional dos conceitos
de governabilidade e participaccedilatildeo civil e de corrupccedilatildeo dos governos dos paiacuteses do terceiro
mundo Embora alguns autores afirmem que o conceito de governabilidade tenha entrado
no cenaacuterio internacional a partir do estudo poor governance do Banco Mundial em 1992
devemos lembrar que jaacute na metade dos anos oitenta o CAD publicou que ldquoAs Agecircncias
das Naccedilotildees Unidas (e as demais organizaccedilotildees internacionais) deveriam estabelecer projetos
que procurassem contribuir para estrateacutegias de Orientaccedilatildeo Paiacutesrdquo Estas orientaccedilotildees
contudo deveriam estar centralizadas ldquoem trecircs principais elementos o melhoramento
poliacutetico e a construccedilatildeo institucional da regiatildeo (que estruturam o conceito de good
governance) e o desenvolvimento de programas com investimentos puacuteblicosrdquo
(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1987) Em 1988 o CAD adotou os princiacutepios para a
apreciaccedilatildeo internacional de projetos de organizaccedilotildees natildeo-govemamentais (RELATOacuteRIO
ANUAL CAD 1987) Sobre a corrupccedilatildeo dos governos dos PVD o relatoacuterio anual do CAD
de 1992 afirmava ldquoLutar contra a corrupccedilatildeo e melhorar as financcedilas eacute um elemento
essencial da governabilidade A corrupccedilatildeo pode minar a inteira faacutebrica da economia e da
vida poliacutetica A corrupccedilatildeo pode prejudicar a reputaccedilatildeo da ajuda (ODA) junto agraves
populaccedilotildees civis dos paiacuteses doadoresrdquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)
E interessante perceber que a cooperaccedilatildeo descentralizada e a questatildeo da
governabilidade parecem estar conseguindo unir uma seacuterie de atores dos paiacuteses
desenvolvidos Apesar das diferenccedilas de discurso na cooperaccedilatildeo descentralizada e na
noccedilatildeo de que ela representa um papel fundamental para promover a governabilidade dos
paiacuteses em vias de desenvolvimento engajaram-se aleacutem do fundo europeu os doadores
bilaterais destes paiacuteses e as proacuteprias ONGs internacionais europeacuteias A esse propoacutesito a
posiccedilatildeo do grupo de ONGs europeacuteias durante a uacuteltima Conferecircncia sobre o Financiamento
77
do Desenvolvimento em Monterrey foi bastante clara em sua posiccedilatildeo sobre a administraccedilatildeo
direta dos recursos ODA pelos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
O grupo dos 77 reafirmava exaustivamente o direito dos PVD administrarem seus
proacuteprios recursos mesmo que nunca tenha ficado claro quais fossem exatamente seus
objetivos Aleacutem disso os governos destes paiacuteses costumam desconsiderar alguns direitos de
desenvolvimento como regras de govemo e direitos das populaccedilotildees Estes governos
tambeacutem costumam se opor ao dinheiro que venha atraveacutes das organizaccedilotildees natildeo
governamentais e continuam desconfiados quanto agrave utilizaccedilatildeo de mecanismos de ajuda - do
FMI e do Banco Mundial - que estabeleccedilam ajustes macroeconocircmicos Eles se opotildeem ateacute
mesmo ao recente foco da ajuda bilateral de privilegiar os paiacuteses mais pobres Finalmente
costumam natildeo consideraras demandas sociais e ambientais de seus paiacuteses (THE COURIER
ACP-EU 2002 l)95
A posiccedilatildeo das ONGs europeacuteias parece bastante adequada com os crescentes
interesses financeiros destas organizaccedilotildees no setor do desenvolvimento Estimava-se que
no final dos anos 90 o conjunto de ONGs dos paiacuteses OCDE administrasse o equivalente a
mais de 10 bilhotildees de doacutelares por ano entre contribuiccedilotildees puacuteblicas e privadas Destes
recursos em meacutedia 23 provecircm de doaccedilotildees privadas (JAHIER 2000 208) Quanto agraves
contribuiccedilotildees privadas das ONGs precisamos ressaltar que estas organizaccedilotildees podem
utilizar um percentual de ateacute 15 dos recursos conseguidos junto ao Fundo Europeu para
realizar campanhas publicitaacuterias de suas atividades Esse feto tem contribuiacutedo em larga
medida para a expansatildeo das contribuiccedilotildees privadas das ONGs nos paiacuteses da OCDE que
passaram de pouco menos de US$ 1 bilhatildeo para 7 bilhotildees de doacutelares entre 1970 e 1990
(JAHEER 2000) Realizar uma pesquisa criteriosa da administraccedilatildeo dos recursos das ONGs
e da efetiva aplicaccedilatildeo destes recursos nos paiacuteses em vias de desenvolvimento eacute uma tarefa
extremamente complicada As ONGs colocam-se como organizaccedilotildees separadas dos
governos e orgulhosas de sua autonomia natildeo permitem facilmente interferecircncia e
controles quanto agrave administraccedilatildeo de seus recursos (TAVARES 1999) Horton Smith
(citado por Tavares) chama a atenccedilatildeo para o feto de que estas organizaccedilotildees tendem a tratar
com certo grau de sigilo o processo de definiccedilatildeo de suas atividades e os esquemas de apoio
95 Courier ACP-EU eacute o informativo das ONGs europeacuteias
78
financeiro dos quais se beneficiam chegando em alguns casos a natildeo revelar claramente sua
composiccedilatildeo Mesmo nos paiacuteses europeus onde se costuma destinar grandes somas puacuteblicas
para estas organizaccedilotildees um controle do uso dos recursos natildeo acontece (TfiacuteATFR 2000)
Ateacute mesmo pela proacutepria regulamentaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada que aleacutem de dar
autonomia para estas organizaccedilotildees para a gestatildeo dos fundos ainda permite que a prestaccedilatildeo
de contas finais da realizaccedilatildeo de um projeto seja apresentada cinco anos depois da
assinatura do contrato96 Esse intervalo temporal concede agraves ONGs uma ampla
possibilidade de alterar ou maquiar seus relatoacuterios finais de prestaccedilatildeo de contas
A segunda justificativa da Comunidade Europeacuteia para a introduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo
descentralizada foi o crescimento da vitalidade e da efervescecircncia da sociedade civil nos
paiacuteses em vias de desenvolvimento A cooperaccedilatildeo descentralizada foi justificada como um
incentivo para que as sociedades civis organizadas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pudessem interferir diretamente nos processos de desenvolvimento destes paiacuteses Contudo
como vimos a cooperaccedilatildeo descentralizada natildeo significou um acesso direto das ONGs do
Sul aos recursos do Fundo Europeu como poderia ser esperado a partir das motivaccedilotildees
declaradas Para justificar a ampliaccedilatildeo dessa praacutetica a Comunidade Europeacuteia tem utilizado
o apoio que as ONGs do Sul demonstraram pelas iniciativas de desenvolvimento
descentralizado97 A mesma justificativa baseia-se no conceito de desenvolvimento
sustentaacutevel participativo no papel que a ajuda oficial ao desenvolvimento supostamente
tem de promover a expansatildeo da rede de suporte agraves poliacuteticas da governabilidade (CREWE
amp HARRISON 1998)
O grande problema da questatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel participativo eacute que
essa noccedilatildeo vem se sobrepondo nos anos noventa ao conceito de cooperaccedilatildeo teacutecnica que
era um dos pilares fundadores do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
A cooperaccedilatildeo teacutecnica era entendida inicialmente como uma transferecircncia de capacidade
produtiva que devia servir para consolidar a autonomia dos Estados na formulaccedilatildeo das
poliacuteticas nacionais de desenvolvimento (MARCHISIO 1986) Contudo depois da
introduccedilatildeo da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel participativo a cooperaccedilatildeo teacutecnica tem
96 General Conditons For The Cofinance Of Development 2000 2
97 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 fwwvvestonityioleseracooreraz auadrocooixfcchtml
79
sido percebida como a possibilidade dos paiacuteses doadores de interferir em niacuteveis de
eficiecircncia (humana) nos sistemas produtivos do paiacutes recebedor Desse modo deixa-se de
mandar tecnologia para os paiacuteses do Terceiro Mundo passando-se a mandar pessoal
teacutecnico que ajudaraacute na construccedilatildeo de projetos locais de desenvolvimento e orientaraacute as
populaccedilotildees de base quanto a suas capacidades de organizaccedilatildeo (CAFFARENA 2001) Esse
tipo de procedimento aumenta muito o nuacutemero de teacutecnicos internacionais e expatriados dos
paiacuteses em desenvolvimento que encontram trabalho bem remunerado nos paiacuteses em vias de
desenvolvimento
Devemos ainda aprofundar a questatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada estabelecida a
partir do criteacuterio de parcerias Vimos anteriormente que a regulamentaccedilatildeo do programa natildeo
permitiu que as ONGs do Sul pudessem ter acesso direto aos recursos da Comunidade98 e
que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi baseada no criteacuterio de parceria (partnership) entre as
ONGs internacionais europeacuteias e suas congecircneres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
Segundo a Comunidade Europeacuteia as parcerias foram introduzidas ldquopara favorecer a
participaccedilatildeo ativa dos diversos componentes representativos da sociedade civil dos paiacuteses
parceiros no processo de decisatildeo com fins de desenvolvimento sustentaacutevel nos seusbull bull laquo99terntonos
Segundo Crewe e Harrison a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada -
a partir do criteacuterio de parceria - foi uma estrateacutegia dos paiacuteses detentores dos fundos para
conseguir manter a maior parte possiacutevel dos recursos em seus proacuteprios paiacuteses atraveacutes do
pagamento de consultores e pessoal especializado local e expatriado da manutenccedilatildeo de
mecanismos burocraacuteticos em seus territoacuterios e da tendecircncia em aprovar projetos que
pudessem incentivar a venda de seus produtos e equipamentos Uma segunda razatildeo
apontada pelas autoras para o estabelecimento de um modelo de cooperaccedilatildeo
descentralizada baseada em parcerias eacute que as organizaccedilotildees locais assim como os
governos do Terceiro Mundo passam a ter uma conotaccedilatildeo passiva e satildeo mais fortemente
percebidas como incapazes de manejar seu proacuteprio trabalho (CREWE amp HARRISON
9S Em 1992 a autoridade orccedilamentaacuteria da Comunidade criou uma rubrica orccedilamentaacuteriadestinada a promover a cooperaccedilatildeo descentralizada em todas as atividades de cooperaccedilatildeo aodesenvolvimento com paiacuteses pobres (httpwwweuropaeuint) A cooperaccedilatildeo descentralizada foiincentivada sem regulamentaccedilatildeo orccedilamentaacuteria jaacute a partir dos anos oitenta
99 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wAvesten it nolesera cooperaz ciuadro cooixiechtm)
80
1998) Em concordacircncia com a opiniatildeo das autoras parece estar a proacutepria definiccedilatildeo do CAD
de parceria ldquoAtraveacutes da parceria (partnership) a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo tenta
fazer coisas para os paiacuteses em desenvolvimento e para suas populaccedilotildees mas com eles Isso
pode ser visto como um esforccedilo colaborativo para ajudaacute-los a aumentar suas capacidades de
fazer coisas para eles mesmosrdquo (OECD 1996 13) Na mesma linha de raciociacutenio se
encontra a definiccedilatildeo do PNUD de cooperaccedilatildeo descentralizada a partir das parcerias ldquoA
cooperaccedilatildeo descentralizada eacute um processo cujo objetivo eacute capacitar as pessoas para
empreender uma accedilatildeo para um desenvolvimento autocircnomo e de adquirir a capacidade de
influenciar e dirigir as mudanccedilas da proacutepria sociedaderdquo
Sobre as opiniotildees favoraacuteveis em relaccedilatildeo agrave questatildeo das parcerias relembramos as
anaacutelises de Triulzi Basile e Antonelli atraveacutes das quais iniciamos a investigaccedilatildeo do termo
cooperaccedilatildeo descentralizada Para Triulzi por meio de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores
se atingiratildeo as necessidades reais das populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pois essa relaccedilatildeo ldquoproporcionaria o favorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-
administrativas de maneira a defender os direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos
defendendo a igualdade entre gecircneros introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo
democraacutetica na vida social e civil dos PVDrdquo (TRIULZI 1998 128)
Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais
Dois uacuteltimos aspectos seratildeo abordados no encerramento desse trabalho O primeiro
eacute em relaccedilatildeo agrave agenda da cooperaccedilatildeo descentralizada que - como salientamos
anteriormente - pode representar um constrangimento inicial para a utilizaccedilatildeo dos recursos
do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Isso porque os projetos satildeo
aprovados com bases setorial preacute-determinada pela proacutepria Comunidade Europeacuteia O
segundo aspecto que discutiremos eacute em relaccedilatildeo agrave expansatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo das ONGs
internacionais no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive como
agecircncias executivas de organizaccedilotildees internacionais e dos proacuteprios governos
A mesma liberdade quanto agrave aplicaccedilatildeo dos recursos alocados pelas ONGs
internacionais que apenas discutimos natildeo acontece em relaccedilatildeo agrave escolha dos temas e das
aacutereas dos projetos apresentados a Comunidade Europeacuteia O Guia Geral das Condiccedilotildees de
81
Co-Financiamento de Operaccedilotildees de Desenvolvimento Executadas por ONGs Europeacuteias em
paiacuteses de Desenvolvimento da Comissatildeo da Comunidade Europeacuteia estabelece que os
projetos sejam executados nas seguintes aacutereas principais desenvolvimento econocircmico e
social local em aacutereas urbanas e rurais desenvolvimento de recursos humanos e suporte para
a estruturaccedilatildeo de ONGs locais Ainda podem ser apresentados projetos nas aacutereas
secundaacuterias de promoccedilatildeo dos direitos humanos e da democracia promoccedilatildeo das mulheres
desenvolvimento sustentaacutevel direitos das crianccedilas proteccedilatildeo de culturas ameaccediladas
educaccedilatildeo de base sauacutede baacutesica proteccedilatildeo e resoluccedilatildeo de conflitos100
Os temas assistidos pelas ONGs internacionais estatildeo em concordacircncia com os
estabelecidos pelos paiacuteses da OCDE para o uso da condicionalidade da ajuda visto no
capiacutetulo anterior Considerando-se as limitaccedilotildees iniciais para a apresentaccedilatildeo de projetos
pelas ONGs internacionais e apenas os fundos puacuteblicos por elas administrados ou seja o
equivalente a US$ 3 bilhotildees de doacutelares (em meacutedia 5 dos recursos do fundo Europeu mdash
TRJLUZI 1998)101 podemos perceber o quanto a cooperaccedilatildeo descentralizada possa vir a
representar um fator de constrangimento para o acesso dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento aos fundos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento
(ODA) e ao estabelecimento de programas nacionais de desenvolvimento No que diz
respeito agraves contribuiccedilotildees dos fundos puacuteblicos dos Estados europeus tomados
individualmente os paiacuteses destinam agraves ONGs percentuais muito variados de seus fundos
oficiais A Aacuteustria e a Irlanda satildeo os dois paiacuteses que menos repassam contribuiccedilotildees para as
ONGs fixando-se em um percentual de 10 de seus fundos ODA na margem oposta estatildeo
a Beacutelgica e a Itaacutelia que repassam mais de 70 de suas contribuiccedilotildees oficiais ao
desenvolvimento atraveacutes das ONGs
Como dissemos as ONGs internacionais estatildeo expandindo suas fontes de recursos e
podem receber financiamentos dos institutos financeiros e do proacuteprio PNUD a partir da
cooperaccedilatildeo coordenada CAD que incentivou a aproximaccedilatildeo das ONGs do setor da
cooperaccedilatildeo jaacute a partir de 1979 (REALATOacuteRIO ANUAL CAD 1979) O Banco Mundial
atualmente utiliza 50 de seus recursos por meio das ONGs internacionais (dados de 1999
luu General Conditions For The Cofmancing Of Development 2000 3-4
K1 Em 1970 os fundos puacuteblicos eram inferiores a US$ 200 milhotildees (JAHIER 2000 208)
82
TAVARES 1999) O PNUD assim como uma seacuterie de outras agecircncias e Programas das
Naccedilotildees Unidas utiliza ONGs internacionais acreditadas junto ao ECOSOC (Conselho
Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas) com status consultivo como agecircncias executivas
em suas atividades desde 1984 As ONGs ativas de voluntariado desenvolvimento ajuda
humanitaacuteria e de emergecircncia (os quatro termos correspondem agrave quase totalidade das ONGs)
satildeo atualmente aproximadamente 4000 (JAHEER 2000208) Destas 2234 satildeo acreditadas
junto ao ECOSOC sendo que 79 delas pertencem agrave Europa e aos Estados Unidos103
(dados fornecidos pelo ECOSOC) Devemos lembrar que o Banco Mundial assim como as
demais agecircncias do Sistema das Naccedilotildees Unidas realiza empreacutestimos com garantia
governamental Desse modo a atuaccedilatildeo das ONGs a partir destas fontes seraacute decidida em
acordo feito junto aos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
(AGEcircNCIA BRASILEIRA DE COOPERACcedilAtildeO) De qualquer maneira Tavares nos
lembra que muitas das organizaccedilotildees internacionais estatildeo condicionando a presenccedila de
ONGs no andamento dos projetos realizados nos paiacuteses em vias de desenvolvimento para
a liberaccedilatildeo dos recursos o que acaba alterando o procedimento das preferecircncias dos
governos e os leva muitas vezes a modificar estrateacutegias de negociaccedilatildeo e a incorporar as
ONGs em suas iniciativas especiacuteficas (TAVARES 1999)
Sobre a desproporccedilatildeo do nuacutemero de ONGs internacionais do Norte e do Sul que tecircm
caraacuteter consultivo junto ao ECOSOC devemos considerar que a falta de um criteacuterio
regional mais equilibrado para a concessatildeo do status consultivo junto agrave organizaccedilatildeo
aumenta ainda mais a concentraccedilatildeo do poder de utilizaccedilatildeo dos recursos nas esferas de
102
102 O relacionamento das Ongs com o Banco Mundial se desenvolveu basicamente a partir dos anos 80 com o estabelecimento de diretrizes especiacuteficas em 1981 (Nota de Poliacutetica Operacional 1005) (TAVARES 1999)
103 Das 2234 Ongs acreditadas junto ao ECOSOC em 2002 (segundo criteacuterio de localizaccedilatildeo da sede central) 39 pertencem agrave Europa 30 aos EUA 6 agrave Ameacuterica Latinal agrave Oceania 10 agrave Aacutefrica e 14 agrave Aacutesia (ECOSOC - httpwww unorg - dados solicitados diretamente) A proporccedilatildeo de ONGs dos paiacuteses desenvolvidos acreditadas junto ao ECOSOC pode ser ainda maior do que revelam os dados Isso porque o criteacuterio de cadastramento das ONGs em base regional eacute realizado tomando-se como referecircncia a sede administrativa das atividades da ONG naquele ano Considerando que atualmente as grandes organizaccedilotildees (que pertencem todas aos paiacuteses desenvolvidos) mudam constantemente de sede estabelecendo em alguns periacuteodos as sedes centrais das organizaccedilotildees nos paiacuteses em vias de desenvolvimento os dados do ECOSOC podem esconder uma realidade ainda mais favoraacutevel as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos
83
decisatildeo do Norte do mundo Aleacutem disso as ONGs do Sul estatildeo de qualquer maneira em
desvantagem porque elas tecircm menos acesso a informaccedilatildeo privilegiadas devido ao feto de
que atualmente as grandes ONGs internacionais dos paiacuteses desenvolvidos manteacutem
escritoacuterios permanentes em Bruxelas e Nova Iorque podendo desse modo obter
informaccedilotildees avantajadas sobre a liberaccedilatildeo de recursos oficiais Aleacutem disso as redes mais
limitadas de suporte das ONGs do Sul tomam estas organizaccedilotildees mecanismos de obtenccedilatildeo
de recursos menos eficientes do que as organizaccedilotildees dos paiacuteses mais ricos que se
expandem internacionalmente De acordo com Pereira as ONGs internacionais obtecircm
reconhecimento e recursos porque fornecem aos paiacuteses doadores um produto ou seja um
relatoacuterio profissional com textos e informaccedilotildees estrategicamente preparados para agradar
ao leitor (PEREIRA 1997 167)
Devemos considerar ainda que quando as ONGs atuam em funccedilotildees setorizadas
como eacute atualmente o caso das agendas das organizaccedilotildees internacionais e dos institutos
financeiros comprometem muito de sua ldquoforccedila inovadorardquo (DARCY 2000) Alguns
estudos do setor demonstram que estaacute acontecendo uma crescente homogeneizaccedilatildeo das
ONGs (JAHDER 2000 213) De fato os setores de atuaccedilatildeo destas organizaccedilotildees se
diferenciam sempre menos devido a sua proacutepria necessidade de empreender meacutetodos de
atuaccedilatildeo empresarial e seguir as agendas dos financiadores para obter recursos Esta
tendecircncia acaba limitando fortemente a capacidade original de inovaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo
que era caracteriacutestica das ONGs (TAVARES 1999) A propoacutesito Bemard Hours
acrescenta que as ONGs promovem a ideacuteia de desenvolvimento identificado em termos de
intervenccedilatildeo global e estandardizada determinada pelos procedimentos de avaliaccedilatildeo de
projetos das organizaccedilotildees internacionais que lhes concedem recursos Dessa forma ldquoa
ideologia humanitaacuteria fundada sobre a urgecircncia e sobre as intervenccedilotildees pontuais foram
impostas como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS 2001 98)rdquo
La 1 (assim como inuacutemeros outros autores) tem uma visatildeo contraacuteria agravequelas ateacute
agora abordadas Vimos que na opiniatildeo desse autor os institutos de caridade e as Ongs
nacionais ou internacionais - que tenham sede estabelecida nos paiacuteses atendidos - podem
identificar os beneficiaacuterios em potencial e endereccedilando e monitorando os benefiacutecios a
serem destinados a eles muito melhor do que os governos locais Com a finalidade de
84
tornar praacutetica esta possibilidade Lal sugere que todos os fluxos do regime internacional da
ajuda ao desenvolvimento ODA venham alocados a estas organizaccedilotildees com base nas suas
propostas de utilizaccedilatildeo e eventualmente em sua capacidade para contribuir com uma
quantidade correspondente de recursos proacuteprios (LAL 1985)
Uma caracteriacutestica interessante que deve ser percebida nas ONGs internacionais eacute
que elas se ocupam prevalentemente de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e accedilotildees
humanitaacuterias - isso lhes confere um setor especiacutefico de accedilatildeo os paiacuteses em
desenvolvimento Milner e Keohane afirmam que alguns paiacuteses devido a suas forccedilas
institucionais podem isolar a si mesmo das pressotildees societais aumentadas com o processo
de internacionalizaccedilatildeo Isso implica que mesmo que com a crescente internacionalizaccedilatildeo e
com as mudanccedilas de preferecircncia dos atores domeacutesticos as decisotildees centrais destes Estados
natildeo vatildeo responder a estas mudanccedilas ou o faratildeo a seu proacuteprio modo (MILNER amp
KEOHANE 1996 9-10) Essa constataccedilatildeo vale tanto para as pressotildees do capital privado
como para as populaccedilotildees civis Esse tipo de interpretaccedilatildeo resulta na avaliaccedilatildeo de que as
populaccedilotildees dos paiacuteses desenvolvidos podem estar sendo direcionadas estrategicamente por
seus governos para questotildees e problemas que se encontram fora de seus territoacuterios
nacionais possibilitando a diminuiccedilatildeo das pressotildees societais internas e ao mesmo tempo
cumprindo seus objetivos de poliacutetica exterior Enquanto as populaccedilotildees civis dos paiacuteses
desenvolvidos se ocupam das questotildees sociais dos outros paiacuteses os governos nacionais dos
paiacuteses desenvolvidos podem promover com maior tranquumlilidade suas estrateacutegias nacionais
centralizadas de desenvolvimento e reforccedilar suas instituiccedilotildees internas Aleacutem disso as
populaccedilotildees locais quando comparam a sua proacutepria condiccedilatildeo com a das populaccedilotildees em vias
de desenvolvimento (devido sobretudo agrave atual capacidade que tecircm as ONGs internacionais
de divulgar na miacutedia as situaccedilotildees de emergecircncia e trageacutedia humanitaacuteria) acabam
inevitavelmente reforccedilando o conceito de que seus governos nacionais conduzem poliacuteticas
puacuteblicas eficientes e portanto as pressotildees internas natildeo se justificam Uma pesquisa de
opiniatildeo conduzida por Marelli e Garelli na Itaacutelia104 em 2000 sobre o suporte dos italianos
aos programas de cooperaccedilatildeo descentralizada revela alguns dados interessantes sobre a
questatildeo Quanto agrave confianccedila dos entrevistados nas ONGs (de forma generalizante)
104 Onde existem 150 ONGs internacionais (JAHIER 2000)
85
averiguou-se que 67 4 dos entrevistados tecircm muita ou muitiacutessima confianccedila nelas
269 tecircm pouca e apenas 56 natildeo tecircm nenhuma Em segundo lugar verificou-se que
70 dos entrevistados aprovam que a conduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento seja
realizada atraveacutes das ONGs internacionais (cooperaccedilatildeo descentralizada)
Os dados levantados nessa pesquisa oferecem um quadro inicial do emergente papel
que vecircm assumindo as ONGs internacionais e o modelo da cooperaccedilatildeo descentralizada
como modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos do regime internacional ODA
Sobre a questatildeo da legitimidade das ONGs internacionais como administradoras de
fluxos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) devemos
lembrar que como sugere Tavares pouco se discute sobre a democracia interna das ONGs
e a total ausecircncia de mecanismos democraacuteticos internos nestas instituiccedilotildees As ONGs
internacionais tendem a legitimar seus interesses natildeo a partir das democracias
representativas atuais mas com base nos interesses futuros de milhotildees de pessoas que ainda
natildeo nasceram - como eacute o caso das organizaccedilotildees ambientais e pacifistas Aleacutem disso
Tavares ainda afirma que as ONGs tendem a relativizar as regras da democracia
representativa para encontrar a legitimidade de suas accedilotildees em grupos minoritaacuterios criando
desse modo a noccedilatildeo de que existem muacuteltiplas fontes de legitimidade dentro da sociedade
relacionadas com causas de interesses de minorias ou com a busca de eficiecircncia as quais
lhes permitiram desempenhar papel de utilidade puacuteblica O autor justifica a aceitaccedilatildeo das
ONGs pelos Estados baseado em dois motivos principais O primeiro seria que as ONGs
podem ser uma melhor alternativa aos grupos de pressatildeo mais radicais da classe meacutedia A
segunda seria que as ONGs podem ter um efeito positivo nas populaccedilotildees menos
favorecidas da sociedade mostrando a estes grupos que suas necessidades podem ser
atendidas (TAVARES 1999)
Opiniotildees menos otimistas tambeacutem satildeo encontradas Cremer nos lembra que pensar
que as ONGs natildeo cometem erros eacute um falso pressuposto (CREMER 1996) Souza acredita
que elas construiacuteram sua imagem a partir da crenccedila de que tais organizaccedilotildees satildeo honestas
competentes pequenas flexiacuteveis e eficientes que o autor considera uma informaccedilatildeo
irreal Como qualquer ator as ONGs estatildeo sujeitas agrave falhas na administraccedilatildeo dos recursos
a desvios de verba e a incompetecircncia
86
0 maior problema contudo de pensar nas ONGs internacionais como promotoras de
desenvolvimento eacute que esse tipo de raciociacutenio e constrangimento pode levar os paiacuteses em
vias de desenvolvimento a se desviarem a desviarem-se de um projeto nacional de
desenvolvimento
A Europa atraveacutes da estruturaccedilatildeo da rede de ONGs internacionais que atualmente
participam ativamente do setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento tem conseguido cada
vez mais interferir diretamente nos processos de desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres
As ONGs internacionais vatildeo disputar cada vez mais com os Estados do Sul os recursos do
regime internacional ODA assumindo funccedilotildees diversificadas sobretudo nos Estados que
natildeo tiverem redes de proteccedilatildeo contra as forccedilas da internacionalizaccedilatildeo Essa sobreposiccedilatildeo de
interesses econocircmicos poderaacute comprometer ateacute mesmo a possibilidade de surgimento de
uma cooperaccedilatildeo real e inequiacutevoca entre os atores avantajados e desavantajados
Jahier defende a existecircncia de uma legiacutetima sensibilidade das populaccedilotildees dos paiacuteses
desenvolvidos em relaccedilatildeo agraves questotildees do desenvolvimento Experiecircncias positivas podem
nascer da atuaccedilatildeo de ONGs de diferentes paiacuteses Natildeo podemos deixar de lembrar que o
voluntariado cumpria uma funccedilatildeo positiva de natildeo ingerecircncia antes de sua aproximaccedilatildeo ao
setor da cooperaccedilatildeo internacional Contudo os aspectos positivos das relaccedilotildees destes atores
pocircdem ficar obscurecidos quando as ONGs internacionais se colocam atraveacutes da
cooperaccedilatildeo descentralizada como promotoras do desenvolvimento no lugar dos Estados
(JAHIER 2000 211-23)
87
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A ecircnfase dos paiacuteses desenvolvidos em utilizar mecanismos de condicionalidade e
estabelecer agendas mais orientadas agrave soluccedilatildeo de problemas globais vem sendo interpretada
pela literatura poliacutetica como uma espeacutecie de crise de paradigma Uma inversatildeo paradoxal
de perspectiva das questotildees internacionais ligadas ao desenvolvimento na qual o ldquotema
Norte-Sul deixou de ter uma dimensatildeo exclusiva de cobranccedila coletiva do Sul em relaccedilatildeo ao
Norte por recursos financeiros e tecnoloacutegicos por mais cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento em
suma - e passou tambeacutem a ter a dimensatildeo de uma cobranccedila do Norte ao Sul por mais
respeito aos direitos humano maior preservaccedilatildeo do ambiente adesatildeo agrave natildeo-proliferaccedilatildeo de
armas de destruiccedilatildeo em massa combate ao narcotraacutefico e livre-comeacuterciordquo (LAFER 1994
33)
Essa crise de paradigma teria sido possiacutevel segundo a interpretaccedilatildeo acima exposta
porque com a superaccedilatildeo dos conflitos Leste-Oeste uma nova realidade se apresentou no
cenaacuterio internacional a crise Norte-Sul Segundo essa interpretaccedilatildeo as agendas
internacionais mais voltadas agraves chamadas questotildees do Norte teriam sido estabelecidas
somente depois da superaccedilatildeo da Guerra Fria - quando a nova ordem internacional que se
estabelecia retirou dos paiacuteses do Sul do mundo seu caraacuteter de terceira forccedila
Nossa pesquisa que se aproximou das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional entre
paiacuteses do Norte e do Sul revelou no entanto que a suposta crise de paradigmas e a
retirada do Sul de seu caraacuteter de terceira forccedila natildeo foram os fatores determinantes do
estabelecimento de novas agendas internacionais menos atentas agraves questotildees econocircmicas e
agraves demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Como vimos a tendecircncia de retirar os
problemas econocircmicos do cenaacuterio internacional foi estabelecida ainda durante os anos
setenta depois do choque do petroacuteleo e das Resoluccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica
Mundial (ou crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas) Nos anos oitenta depois da
diminuiccedilatildeo do poder de barganha dos paiacuteses em desenvolvimento a inserccedilatildeo de uma
agenda global que considerasse a noccedilatildeo de interdependecircncia sem contudo abordar as
questotildees econocircmicas desta relaccedilatildeo nos parece mais ligada agrave perpetuaccedilatildeo da estrateacutegia
88
estabelecida nos anos setenta a de diminuiccedilatildeo das tensotildees poliacuteticas Norte-Sul a partir da
apropriaccedilatildeo e revisatildeo pelos paiacuteses do Norte das demandas do Sul em bases mais toleraacuteveis
aos interesses dos atores avantajados
Devemos tambeacutem considerar que um dos grandes problemas de interpretar as novas
agendas e as recentes modalidades do setor da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento em particular a condicionalidade da ajuda como iniciativas estabelecidas
a partir de uma suposta crise de paradigmas como uma inversatildeo de cobranccedilas do Norte em
relaccedilatildeo ao Sul - que teria comeccedilado a partir do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste - eacute
que este tipo de interpretaccedilatildeo natildeo confere o peso poliacutetico devido aos conflitos e agraves tensotildees
que permeiam as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre estes dois grupos de atores Mais
especificamente esse tipo de interpretaccedilatildeo retira do Sul um papel de forccedila poliacutetica atuante
O Sul nessa interpretaccedilatildeo parece ter existido apenas enquanto aliado potencial dos paiacuteses
do Leste que depois do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste e jaacute natildeo representando
maiores perigos pocircde ser cobrado quanto agrave resoluccedilatildeo de seus problemas
Nossa investigaccedilatildeo tentou explorar a questatildeo da introduccedilatildeo das novas agendas
primeiro sociais e depois globais e a proacutepria evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva diferente e acreditamos
mais centrada nos dois atores principais desta relaccedilatildeo paiacuteses do Norte e do Sul do mundo
Ainda devemos ressaltar que o fato de perceber as novas agendas globais como o
fruto de uma mudanccedila de paradigma tambeacutem contribui para desvincular os fluxos do
regime internacional ODA de seu processo poliacutetico ou seja de sua origem como elemento
de compensaccedilatildeo e como uma espeacutecie de garantia de crescimento econocircmico para os atores
desavantajados em um sistema internacional assimeacutetrico
Atraveacutes dessas afirmaccedilotildees natildeo estamos negando a existecircncia de situaccedilotildees
particularmente graves de desequiliacutebrio sistecircmicos que podem afetar aspectos da vida dos
cidadatildeos de todo o planeta Contudo como nos foi revelado atraveacutes de nossa fonte teoacuterica -
Keohane - os problemas globais devem ser separados da dimensatildeo poliacutetico-econocircmica dos
Estados pois caso natildeo o faccedila-mos podemos correr o risco de tomar certos efeitos como
causas destes problemas
A propoacutesito de nossa fonte teoacuterica devemos ressaltar que a escolha de utilizar a
anaacutelise sistecircmica para discutir o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre atores
89
avantajados e atores desavantajados revelou-se como acertada na estruturaccedilatildeo desta
pesquisa Atraveacutes desse tipo de orientaccedilatildeo e da identificaccedilatildeo do tema da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento como regime internacional pudemos instrumentalizar
nosso estudo e investigar o comportamento cooperativo dos Estados como resultado de
arranjamentos poliacuteticos gerados em situaccedilotildees de conflito O que contribuiu para que
percebecircssemos que as mudanccedilas do setor da cooperaccedilatildeo - representadas nos anos setenta
pela primeira aproximaccedilatildeo Norte-Sul e pela introduccedilatildeo do conceito de necessidades
humanas baacutesicas e a expansatildeo dessa aproximaccedilatildeo a partir do conceito de interdependecircncia
nos anos oitenta - pudessem ser relacionadas a causas precisas de acirramento das tensotildees
entre o grupo de paiacuteses desenvolvidos e em desenvolvimento
Pudemos perceber com nossa investigaccedilatildeo que os processos de distensatildeo
empreendidos pelos paiacuteses do Norte no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento vecircm cumprindo seu objetivo de afastar do cenaacuterio poliacutetico internacional
as questotildees econocircmicas Atualmente pouco se discute sobre o momento de fortalecimento
dos nacionalismos do Sul provocados pela nova ordem econocircmica mundial (WAFT DF
1998) Eacute inegaacutevel que parte desse afastamento se deve ao feto de que a crise dos paiacuteses
produtores de mateacuterias primas influenciou poliacuteticas restritivas de fechamento de mercado
que se se tomaram insustentaacuteveis para os atores desavantajados Contudo as poliacuteticas de
crescimento econocircmico a partir do fortalecimento das instituiccedilotildees locais natildeo nos parece
tatildeo fora de contexto se comparadas por exemplo aos processos de crescimento a que
foram submetidas as potecircncia secundaacuterias (Europa e Japatildeo) no final da Segunda Guerra
Estas potecircncias puderam fortalecer suas instituiccedilotildees tambeacutem atraveacutes da cooperaccedilatildeo
internacional antes de participar dos regimes de Bretton Woods Esse na verdade eacute um
dos aspectos intrigantes do estudo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento ou seja as
assimetrias de tratamento as quais estatildeo sujeitos os diversos atores internacionais
Enquanto os paiacuteses do Sul do mundo quando no regime da cooperaccedilatildeo
internacional constantemente satildeo chamados a resolver seus problemas econocircmicos a partir
das organizaccedilotildees criadas em Bretton Woods os Estados secundaacuterios quando passaram por
problemas de ordem financeira e de crescimento econocircmico receberam tratamento diverso
A Europa pocircde contar com recursos financeiros e transferecircncia direta de tecnologia do
Plano Marshall Aleacutem disso as diacutevidas externas destes paiacuteses inclusive aquelas da lei de
90
alugueacuteis e empreacutestimos nunca foram pagas Os maiores devedores como a Alemanha
ocidental (que tinha inclusive a moratoacuteria das Diacutevidas da Primeira Guerra) tiveram
negociaccedilotildees vantajosas e praticamente seus deacutebitos cancelados Mas sobretudo foi
tolerado aos paiacuteses europeus que eles pudessem manter um regime preferencial de compras
com suas antigas colocircnias (o que na realidade permanece ateacute nossos dias) e que os custos de
ajustamento de suas balanccedilas de pagamentos aos novos regimes internacionais pudessem
ser divididos atraveacutes da Uniatildeo Europeacuteia de Pagamentos dois procedimentos
intrinsecamente contraacuterios aos princiacutepios de Bretton Woods
Os atores desavantajados natildeo contaram no regime da cooperaccedilatildeo internacional
com redes efetivas de proteccedilatildeo e nunca puderam estabelecer mecanismos proacuteprios de
salvaguarda de suas balanccedilas de pagamentos Desse modo estes paiacuteses natildeo fortaleceram
suas instituiccedilotildees para participar de maneira mais equilibrada dos regimes de Bretton
Woods Estas diferenccedilas de tratamento dos atores dentro dos regimes internacionais satildeo
explicadas por Keohane como uma caracteriacutestica dos proacuteprios regimes Ou seja nem todos
os atores tecircm benefiacutecios iguais Contudo isso natildeo eacute motivo para deixar de repropor
poliacuteticas de cooperaccedilatildeo mais justas entre Norte e Sul A experiecircncia dos anos setenta pode
ser bastante positiva caso consigamos aproximar o discurso da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento de sua vertente poliacutetica e perceber da mesma forma (como entes
poliacuteticos) os atores que constituem esse regime
Finalmente nos resta ainda ressaltar que nossa pesquisa revelou que as mudanccedilas de
orientaccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a parir da deacutecada de
setenta tecircm resultado na aproximaccedilatildeo deste setor de ambientes privados Ou seja a
cooperaccedilatildeo financeira tem sido exercida prioritariamente pelo capital financeiro privado
internacional A cooperaccedilatildeo teacutecnica como vimos em nosso uacuteltimo capiacutetulo estaacute sendo
orientada para questotildees do desenvolvimento humano fato conveniente para justificar a
expansatildeo das organizaccedilotildees natildeo-governamentais e a presenccedila de teacutecnicos internacionais
(atualmente 150000 expatriados dos paiacuteses desenvolvidos) do Norte do mundo como
administradoras de recursos oficiais da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (ODA)
Como abordamos no capiacutetulo da condicionalidade eacute inegaacutevel o aumento das forccedilas
da internacionalizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos Estas forccedilas tenderatildeo cada vez mais a acentuar a
processo de privatizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Os estudos
91
Keohane e Milner abordados nesse trabalho nos sugerem que a uacutenica maneira de
conseguir controlar as pressotildees da internacionalizaccedilatildeo eacute atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas de
fortalecimento das instituiccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O Relatoacuterio Sul
afirma que o fortalecimento institucional dos paiacuteses do Sul pode acontecer a partir do
estabelecimento de uma rede de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses em vias de desenvolvimento
Poderiacuteamos atraveacutes desse processo conseguir um fortalecimento de nossas instituiccedilotildees
atraveacutes da reaproximaccedilatildeo dos paiacuteses do Sul entre eles mesmos e de suas demandas
92
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Monterrey Congress Documentation in (httpoecddac)
Operational guide for handling application budget lines Cofinancing o f operations to raise public awareness of development issues undertaken by European NGOs (B7- 6000) and Decentralised Cooperation (B7-6430) European Community
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Programme o f action o f the ECs development policy European Commissionin (httDAmropaeuintcommdeve1opmcntsectortgtovertv reductioninfopack target indicatorspdf)
United Nations Second decade for development 2626 (XXV) Resolution United Nations
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The average ODA in the DAC member countries European Commissionin (http europaeuintcomndevelopmentpublicatinfofin1999info99_7_enhtm)
Voluntariato intemazionale nozioni di base Ufficio Soei Comune di Milano Settore Relazioni Estere e Comunicazione
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Para a consultaDocumentos das Naccedilotildees Unidasin (httpwww unsystemorg)A documentaccedilatildeo das Agencias das Naccedilotildees UnidasUNIONS (United Nations International Organizations Network Search) in (httpwww3ituintunions)CEEin lthttpeuropaorgOECDin (httpAvwwOECDorg)
IacuteNDICE
INTRODUCcedilAtildeO
Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema1
CAPIacuteTULO I
A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS
O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional11Regimes internacionais16Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional 23
Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional 26
CAPIacuteTULO nA AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO
As foacutermulas multibilaterias como puniccedilatildeo29A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas35As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD 38Foacutermulas multibilaterias custos divididos (cost-sharing) 41
CAPIacuteTULO Ml
A CONDICIONALIDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO
A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos 47A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais 52
CAPIacuteTULO IV
A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO
Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo 64O estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada67As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada 75Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais81
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS88
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
INTRODUCcedilAtildeO
Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema
No iniacutecio dos anos sessenta quando o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento estava sendo afirmado1 os paiacuteses do Sul (em vias de desenvolvimento)
reunidos em organizaccedilotildees - como o Movimento Natildeo-Alinhado no campo poliacutetico e o
Grupo dos 77 no campo econocircmico - passaram a exigir do grupo de paiacuteses do Norte
(desenvolvidos) regras comerciais mais justas e termos mais generosos para o
financiamento do desenvolvimento (entendido no sentido de crescimento econocircmico) As
demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD) foram respondidas com
declaraccedilotildees de boas intenccedilotildees pelos paiacuteses do Norte (como por exemplo a promessa de
aumento do volume dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento - ODA) mas tambeacutem
com fortes insistecircncias de que os foacuteruns apropriados para a resoluccedilatildeo de questotildees
econocircmicas continuavam a ser as instituiccedilotildees de Bretton Woods - nas quais devido ao
1 O estabelecimento de arranjamentos que pudessem regulamentar a cooperaccedilatildeo internacional entre atores dos paiacuteses industrializados e dos paiacuteses mais pobres pode ser percebido atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas efetivas pelos atores Ainda nos anos cinquumlenta os institutos financeiros - FMI e Banco Mundial - passaram a ter suas atividade re-orientadas para as questotildees do desenvolvimento (ASCARI 1999 BASILE 1995 CECCHI 1995) Em 1957 o Tratado de Roma estabeleceu a criaccedilatildeo do Primeiro Fundo Europeu de Desenvolvimento1 e adotou o conceito de Associativismo como modo de regulamentar as relaccedilotildees entre os Estados europeus e suas ex- colocircnias (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Em 1960 aconteceu a Primeira Deacutecada para o Desenvolvimento nas Naccedilotildees Unidas que contribuiu para o estabelecimento do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas (ECOSOC) em 1962 e para a criaccedilatildeo do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas)1 em 1965 sob orientaccedilatildeo direta da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (NOGUEIRA 2001) Em 1960 foi criado o CAD (Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento dos paiacuteses OCDE1 - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento Econocircmico e Financeiro) para regulamentar a relaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados (ex- colonizadores) com os paiacuteses fornecedores de mateacuterias-primas (quase todos ex-colocircnias) na nova era poacutes- colonial (BASILE 1995 45-6)
1
regime de voto2 os paiacuteses industrializados podiam assegurar a manutenccedilatildeo de seus proacuteprios
interesses Contudo no final dos anos sessenta quando o sonho de Bretton Woods - um
sistema monetaacuterio estaacutevel com taxas de conversatildeo fixas a partir do padratildeo doacutelar - comeccedilou
a entrar em colapso um grande otimismo passou a contagiar o Sul que viu o fim do padratildeo
monetaacuterio como uma possibilidade de reavaliar os demais regimes internacionais do poacutes-
guerra capaz de estabelecer um sistema de trocas mais favoraacutevel aos interesses dos paiacuteses
em vias de desenvolvimento
Os PVD passaram desde o momento de desestruturaccedilatildeo do regime monetaacuterio a dar
mais ecircnfase internacional agraves suas demandas e comeccedilaram a tomar medidas concretas para
uma revisatildeo dos processos poliacuteticos e econocircmicos instaurados no poacutes-guerra Uma das
primeiras medidas tomadas foi a tentativa destes paiacuteses para aumentar e tomar obrigatoacuterio
o repasse de fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) atraveacutes da Resoluccedilatildeo 2626
(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas de 24 de setembro de 1970 A intensidade
das demandas dos paiacuteses em desenvolvimento foi se tomando cada vez mais acentuada e
depois do choque do petroacuteleo^ estes paiacuteses (julgando-se fortalecidos devido agrave soluccedilatildeo natildeo-
militar do conflito) estabeleceram a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas trecircs
importantes Resoluccedilotildees em mateacuteria econocircmica chamadas de Nova Ordem Econocircmica
Mundial (New International Economic Order - NIEO) Este momento de reivindicaccedilotildees do
Sul tambeacutem eacute definido pela literatura como ldquocrise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-
primasrdquo (ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1996) Estas Resoluccedilotildees colocavam em
2 Nos institutos financeiros d Bretton Woods - FMI e Banco Mundial - o voto acontece segundo o volume de contribuiccedilotildees que cada paiacuteses destina agrave estes entes O que favorece os paiacuteses fortemente industrializados (ANTONELLI 1995)
3 O choque do petroacuteleo eacute percebido nas relaccedilotildees internacionais como uma mudanccedila no regime internacional do petroacuteleo que aconteceu a partir das organizaccedilatildeo dos paiacuteses exportadores de petroacuteleo (OPEP) nos anos sessenta Essa mudanccedila de regime efetivou-se nos anos setenta (nas negociaccedilotildees de Teeratilde em 1971 e depois da guerra de Yom Kippur de 1973) e representou o fim do poder centralizado nas companhias e o exerciacutecio paiacuteses produtores no controle dos mercados Depois de 1973 o preccedilo do petroacuteleo quadruplicou sem negociaccedilotildees Os preccedilos do petroacuteleo baixaram em termos reais ateacute o iniacutecio de 1979 quando a Revoluccedilatildeo no Iratilde reduplicou o preccedilo do petroacuteleo Seria exagerado dizer que os Estados da OPEP tomaram-se hegemocircnicos no sistema do petroacuteleo (capazes de fazer ou reforccedilar regras) porque a mudanccedilas na demanda internacional forccedilaram nos anos oitenta novas quedas no preccedilo da mateacuteria prima Contudo a mudanccedila de regime levou a uma renegociaccedilatildeo dos modelos de cooperaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados com os paiacuteses OPEP em outras bases e a um desgaste diplomaacutetico pelo primeiro grupo de paiacuteses (KEOHANE 1984 190-94)
2
questatildeo as leis econocircmicas de Bretton Woods revelavam que o sistema econocircmico era
desigual para estes dois grupos de paiacuteses e convidavam o Norte a empreender medidas
efetivas de accedilatildeo para a soluccedilatildeo dos problemas do Sul a partir de uma reorganizaccedilatildeo das
estruturas que regulamentavam os proacuteprios regimes internacionais econocircmico financeiro e
comercial surgidos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Autores da poliacutetica internacional como
Keohane Waelde e Armstrong Lloyd e Redmond identificam na crise dos paiacuteses
produtores de mateacuterias-primas e no choque do petroacuteleo momentos concretos de ameaccedila
para os regimes econocircmico-financeiro e comercial de Bretton Woods4
Acreditamos que as mudanccedilas ocorridas no sistema internacional nos anos setenta a
partir do choque do petroacuteleo e do iniacutecio da intensificaccedilatildeo das pressotildees dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial
afetaram diretamente o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Segundo
nossa interpretaccedilatildeo a ameaccedila de desarticulaccedilatildeo da ordem econocircmica a possibilidade do
surgimento de outros carteacuteis organizados para controlar os preccedilos de mateacuterias-primas (aleacutem
da OPEP - Organizaccedilatildeo dos Paiacuteses Produtores de Petroacuteleo) e o risco de que se tomasse
necessaacuterio estabelecer novos modelos de cooperaccedilatildeo internacional mais favoraacuteveis agraves
demandas dos paiacuteses do Sul geraram puniccedilotildees econocircmicas para os paiacuteses em vias de
desenvolvimento atraveacutes do aumento dos constrangimentos para a utilizaccedilatildeo dos fluxos do
regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Pois - como veremos em
nosso primeiro capiacutetulo dedicado agrave discussatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional - os
regimes internacionais dos atores avantajados constituiacutedos pelo bloco do Norte
estruturados atraveacutes de redes interligadas quando e se ameaccedilados podem impor puniccedilotildees e
aumentar o nuacutemero de constrangimentos impostos aos atores que promovam tentativas de
desestabilizaccedilatildeo do sistema internacional5 (KEOHANE 1984)
Nossa proposta de estudo eacute discutir os trecircs elementos baacutesicos atraveacutes dos quais as
puniccedilotildees econocircmicas contra os PVD puderam ser efetivadas a partir do regime da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento O primeiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica
4 Em (KEOHANE 1984 WAELDE 1998 ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND1996)
5 O sistema internacional eacute uma ordenaccedilatildeo dos Estados que acontece a partir de ambientes facilitadores de acordos definidos regimes internacionais
3
que discutiremos no segundo capiacutetulo desse trabalho aconteceu de maneira institucional a
partir daquele que era o principal organismo regulador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento no iniacutecio da deacutecada de setenta o Programa de
Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas - PNUD (MARCHISIO 1986 2000 BASILE
1995) A puniccedilatildeo institucional consistiu em cortes orccedilamentaacuterios para o Programa que
resultaram na implantaccedilatildeo de uma nova modalidade de administraccedilatildeo e repasse dos fluxos
da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) definida como multibilateral (MARCHISIO
19862000 BASILE 1995) O segundo elemento de puniccedilatildeo econocircmica para os paiacuteses em
vias de desenvolvimento foi teoacuterico-poliacutetico e aconteceu a partir do iniacutecio do uso da
condicionalidade da ajuda no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
(TRIULZI 1998 2000 ESCOBAR 1995) Este segundo elemento constituiraacute o elemento-
chave do terceiro capiacutetulo do presente trabalho Como veremos em nosso quarto capiacutetulo o
terceiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica utilizado contra os PVD a cooperaccedilatildeo
descentralizada aconteceu a partir da instrumentalizaccedilatildeo de agentes natildeo-estatais como as
ONGs internacionais que passaram a se multiplicar como agentes promotores (e
defensores) dos interesses dos paiacuteses desenvolvidos (CREWE amp HARRISON 1998
JAFDER 2000) Estes elementos de puniccedilatildeo econocircmica acabaram reorganizando o proacuteprio
regime da cooperaccedilatildeo internacional definindo tambeacutem novos modelos de comportamento
entre o Norte e o Sul
As puniccedilotildees econocircmicas impostas aos PVD a partir do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento puderam ser estabelecidas porque os paiacuteses detentores
dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) passaram a retirar seus
recursos das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal especialmente do PNUD
concentrando-os em organismos que lhes fossem mais confiaacuteveis em suas proacuteprias
modalidades de ajuda bilateral (efetuada diretamente pelos Estados sem a participaccedilatildeo das
organizaccedilotildees internacionais) em fundos regionais proacuteprios - Fundo Europeu de
Desenvolvimento - ou nos Institutos Financeiros nascidos em Bretton Woods - FMI
Banco Mundial e Bancos Regionais de Desenvolvimento (MARCHISIO 1986 BASILE
1995 ANTONELLI 1995) Tal mudanccedila de recolhimento dos fluxos da ajuda oficial ao
desenvolvimento (ODA) que passaram das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal
para os organismos de confianccedila dos detentores dos recursos revelou-se estrateacutegica pois
4
permitiu aos paiacuteses doadores aumentar seus poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo do ODA
Isso porque enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal os paiacuteses
recebedoresdoadores6 assim como os paiacuteses apenas doadores podiam interferir sobre a
aplicaccedilatildeo dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento no Fundo Europeu de
Desenvolvimento assim como nos institutos financeiros internacionais e nos bancos
regionais o poder de decisatildeo sobre a administraccedilatildeo e sobre a aplicaccedilatildeo do ODA recai
apenas sobre o grupo de paiacuteses doadores7 (CECCHI 1995) O Fundo Europeu de
Desenvolvimento responde agraves orientaccedilotildees diretas da Comissatildeo e do Conselho Europeu que
estruturam as poliacuteticas que seratildeo aplicadas no regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento
com base unilateral (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Tambeacutem nos institutos
financeiros o poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo dos recursos recai somente sobre os
membros do Conselho de Administraccedilatildeo ou seja os paiacuteses fortemente doadores (ASCARI
1999)
Devemos tambeacutem lembrar que com a supremacia dos institutos financeiros e do
Fundo Europeu como administradores dos fluxos ODA perdeu-se a tendecircncia promovida
anteriormente pelo PNUD de financiar a maior parte dos projetos e programas de
desenvolvimento em regime de fundo perdido8 Ao contraacuterio nas instituiccedilotildees financeiras
nascidas em Bretton Woods os repasses de recursos acontecem a juros facilitados e na
maior parte das vezes a juros de mercado Disso resulta que na metade dos anos noventa
mais de 90 dos fundos multilaterais dos institutos financeiros (FMI e Banco Mundial e
regionais) se constituiacuteam de transferecircncias natildeo-facilitadas ou em empreacutestimos puacuteblicos a
juros de mercado - empreacutestimos Ibrd do Banco Mundial (BASILE 1995 69) Neste
6 Os paiacuteses em desenvolvimento satildeo doadores recebedores porque contribuem para estas organizaccedilotildees e retiram recursos destas organizaccedilotildees
7 Enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal o poder de voto eacute o mesmo para atores avantajados e atores desavantajados nos institutos financeiros o voto eacute realizado apenas pelos atores avantajados ou seja por aqueles que mais contribuem financeiramente com estes entes O fundo europeu responde apenas as ordens dos Estados membros da Comunidade Econocircmica Europeacuteia
8 No final dos anos 80 a quota UNDP dos financiamentos a fundo perdido das Naccedilotildees Unidas eram cerca de 60 (BROWNE 1990 p 241)
5
sentido em 1997 no Banco Mundial os empreacutestimos puacuteblicos (Ibrd)9 a juros de mercado
constituiacuteram um volume de 14525 bilhotildees de doacutelares enquanto os facilitados tiveram um
volume de U$ 4622 bilhotildees (ASCARI 1999 69)
Devemos ainda considerar que a aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees e o aumento dos
constrangimentos que possibilitaram a reordenaccedilatildeo do regime internacional da cooperaccedilatildeo
ao desenvolvimento aconteceu a partir de uma forccedila aglutinadora que tomando a iniciativa
de organizar o setor da cooperaccedilatildeo inclusive sistematizando conceitos estabeleceu-se
como centro coordenador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo Esta forccedila aglutinadora eacute hoje o
Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e
Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que tendo nascido nos anos sessenta como oacutergatildeo
responsaacutevel pelas poliacuteticas dos ex-paiacuteses colonizadores europeus em relaccedilatildeo a suas ex-
colocircnias transformou-se no principal centro de coordenaccedilatildeo das poliacuteticas bilaterais e
multilaterais dos paiacuteses industrializados
Depois do choque do petroacuteleo e das declaraccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica
Mundial a OCDE reformulou e estendeu as accedilotildees do CAD que passou exercer um papel de
coordenaccedilatildeo no setor do desenvolvimento que abrange atualmente os paiacuteses
industrializados e as organizaccedilotildees internacionais10 Baseado nisto o CAD foi capaz de se
estabelecer como uma espeacutecie de centro de inteligecircncia e de consultoria dos problemas do
desenvolvimento internacional Em um certo sentido o CAD posicionou-se
internacionalmente como a CEP AL11 dos paiacuteses industrializados e vem contribuindo para o
fortalecimento dos paiacuteses doadores como administradores dos fluxos do regime
internacional da ajuda ao desenvolvimento (ODA)
9 Recolhidos pelos banco no mercado financeiro e repassados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento com juros e condiccedilotildees de mercado (ASCARI 1999)
10 O CAD oficializou seu papel de centro de coordenaccedilatildeo da poliacuteticas de ajuda ao desenvolvimento em 1986 na Reuniatildeo anual do Comitecirc agrave qual estavam presentes Emest Stem (vice-presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador do PNUD) o CAD e os demais presentes concordaram que ldquoOs membros do CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1986)
11 Comissatildeo Econocircmica Para a Ameacuterica Latina
6
O Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) natildeo possui um oacutergatildeo
executivo de administraccedilatildeo dos fundos da cooperaccedilatildeo Entretanto funciona como centro de
decisatildeo12 para a aplicaccedilatildeo dos fundos da ajuda teacutecnica e financeira bilateral e multilateral
fornecendo aos paiacuteses-membros indicadores sociais e econocircmicos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento A ausecircncia de um oacutergatildeo executivo entretanto pouco afeta o repasse
centralizador dos recursos provenientes dos paiacuteses do CAD13 para a cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento Depois da oficializaccedilatildeo do papel do Comitecirc como centro coordenador da
ajuda em 1986 e da adoccedilatildeo pelo Banco Mundial bem como pelo FMI e pelo PNUD do guia
de princiacutepios para a apreciaccedilatildeo de projetos ldquoPrincipies For Project AppraisaF elaborado
pelo Comitecirc ldquocom o objetivo de melhorar a capacidade operacional das agecircncias
multilaterais e a qualificaccedilatildeo dos projetos atraveacutes da definiccedilatildeo comum de objetivosrdquo todas
as poliacuteticas e conceitos (definidas ajuda teacutecnica conceituai) desenvolvidos ad hoc pelos
centros de pesquisa do CAD satildeo aplicados conjuntamente nas organizaccedilotildees internacionais
(BASILE 1995 FUHNER 1996) Aleacutem disso a grande maioria dos paiacuteses que pertencem
ao CAD tambeacutem pertencem agrave CEE14 que por sua vez possui um oacutergatildeo executivo Ou seja
estes paiacuteses podem administrar diretamente - e sem nenhum tipo de intervenccedilatildeo dos paiacuteses
em vias de desenvolvimento - os recursos destinados agrave ajuda multilateral
Segundo Keohane no estudo dos regimes e da cooperaccedilatildeo internacional entre atores
fortes e atores desavantajados priorizar os constrangimentos dos atores fracos eacute mais
importante do que buscar suas motivaccedilotildees em conformar-se ou natildeo a regimes estabelecidos
(KEOHANE 1984) Os PVD dependiam como ainda dependem dos fluxos financeiros
especialmente daqueles facilitados (ODA) - em teoria mais previsiacuteveis e constantes dos que
os capitais privados - para programar o desenvolvimento de suas economias tomando-as
12 Os fluxos multilaterais ODA satildeo aplicados atraveacutes da proacutepria CEE do Banco Mundial do FMI dos Bancos Regionais de Desenvolvimento e das Agecircncias Multilaterais e dos Institutos Especializados das Naccedilotildees Unidas (BASILE 1995)
13 Atualmente a niacutevel agregado os recursos multilaterais dos paiacuteses DAC satildeo concentrados entomo a trecircs poacutelos o Banco Mundial as Naccedilotildees Unidas e a CEE que ocupam entorno a 90 das transferecircncias destes paiacuteses (ASCARI 1999)
14 Dos anos 80 para os anos 90 observa-se um forte aumento do repasse dos fundos multilaterais dos paiacuteses OCDE em direccedilatildeo a CEE que passou de 161 em 1984 para 284 em 1991
7
menos vulneraacuteveis agraves flutuaccedilotildees do mercado Celso Lafer enfatizou esta necessidade na
Conferecircncia sobre Financiamentos para o Desenvolvimento ocorrida em maio de 2002 na
cidade de Monterrey (Meacutexico)15
As puniccedilotildees e constrangimentos impostos aos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pelos paiacuteses detentores de recursos e constituiacutedos em medidas operativas pelo PNUD
Banco Mundial FMI e Fundo Europeu de Desenvolvimento (ajuda multilateral
condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada) foram introduzidas ou projetadas
no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da primeira metade dos
anos setenta e exerceram segundo nossa hipoacutetese a funccedilatildeo comum de limitar o poder de
decisatildeo dos paiacuteses recebedores na aplicaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos multilaterais (inclusive
dos empreacutestimos puacuteblicos) do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
Toma-se oportuno lembrar que os fluxos oficiais ao desenvolvimento ODA16 ateacute a
completa afirmaccedilatildeo das puniccedilotildees e do aumento dos constrangimentos17 eram entendidos
como uma espeacutecie de compensaccedilatildeo financeira destinada aos governos dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento devido agraves suas menores oportunidades comercias e financeiras
(GRILLI 1994 MARCHISIO 1986) As novas modalidades contudo parecem diluir essa
noccedilatildeo inicial que caracterizava os fluxos ODA - que de certa forma passaram a representar
um mecanismo atraveacutes dos quais os Estados detentores dos recursos podem conduzir
intervenccedilotildees pontuais e setorizadas nos PVD
Conveacutem enfatizar que mesmo tratando-se os fluxos ODA de financiamentos
facilitados eles tambeacutem devem ser em grande parte devolvidos pelos paiacuteses recebedores
(ESCOBAR 1995 165) e que quando recebidos estes recursos somam-se em menor ou
maior grau a diacutevida puacuteblica dos paiacuteses em desenvolvimento (ASCARI 1999) Aleacutem disso
15 Em seu discurso Lafer lembrou os conferencistas que durante a deacutecada de 1990 o aumento de capital privado nos paiacuteses em desenvolvimento mas que esse capital eacute altamente imprevisiacutevel e em muitas situaccedilotildees diminuiu seu niacutevel vertiginosamente Essas entradas e saiacutedas bruscas de capital constituem-se tambeacutem em limitaccedilotildees para aos paiacuteses em vias de desenvolvimento
16 Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento teacutecnica ou financeira eacute contabilizada em fluxos financeiros ODA menos as contribuiccedilotildees emergecircncias in natura e os eventuais recursos privados das ONGs (BASILE 1995)
17 Que aconteceu na metade dos anos oitenta quando o setor da cooperaccedilatildeo foi direcionado para ambientes privados
8
a proacutepria tendecircncia que tem crescido no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento de
efetuar financiamentos privados aos PVD com fins de desenvolvimento utilizando
organizaccedilotildees internacionais para a perpetuaccedilatildeo da colocaccedilatildeo de condicionamentos de
vaacuterios gecircneros eacute um aspecto preocupante que natildeo deve ser ignorado Por esse motivo os
governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento assim como os estudiosos das ciecircncias
sociais poliacuteticas e econocircmicas natildeo podem permanecer indiferentes quanto agraves modalidades
de efetivaccedilatildeo da ajuda Em outras palavras os projetos e programas de desenvolvimento
(governamentais ou natildeo-govemamentais) e o grau efetivo de controle que os governos dos
paiacuteses do Sul exercem na orientaccedilatildeo destes projetos poderiam constituir um interessante
objeto de estudo nas aacutereas de ciecircncias humanas
Como foi possiacutevel a introduccedilatildeo de medidas operativas que resultaram na limitaccedilatildeo
do poder de decisatildeo dos atores mais fracos (puniccedilotildees e constrangimentos) quanto a
aplicaccedilatildeo dos fluxos ODA - e como estas medidas se transformaram em regras do setor da
cooperaccedilatildeo internacional - tambeacutem eacute um aspecto intrigante que deve ser abordado
Keohane nos lembra que os Estados poderosos procuram introduzir poliacuteticas econocircmicas
internacionais que atendam seus interesses e ideologias Parte importante da investigaccedilatildeo eacute
buscar entender como paiacuteses fortes transformam seus recursos materiais e ideoloacutegicos em
regras do sistema assim como constroacuteem alteram ou mantecircm regimes internacionais que
facilitam determinados tipos de cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 256 KEOHANE 1984
94) Para os realistas a ecircnfase eacute colocada no poder18 Keohane que considera simplistas
todas as explicaccedilotildees baseadas apenas neste poder acredita que uma explicaccedilatildeo mais
plausiacutevel encontra-se no poder dos recursos econocircmicos
Quanto agrave conformidade dos PVD agraves alteraccedilotildees promovidas no regime da
cooperaccedilatildeo internacional a partir dos anos setenta podemos identificar a proacutepria
necessidade destes paiacuteses de continuar recebendo financiamentos mesmo privados como
sendo a mais importante causa de aceitaccedilatildeo - por estes mesmos paiacuteses - das medidas
punitivas e do aumento dos constrangimentos na utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA Aleacutem disso
como veremos em nosso primeiro capiacutetulo Keohane teoriza que os regimes internacionais
natildeo devem ser estudados individualmente mas em relaccedilatildeo e em concordacircncia com outros
18 No sentido beacutelico do termo
9
regimes internacionais Em consequumlecircncia mesmo que os PVD sofram puniccedilotildees econocircmicas
e tenham seus constrangimentos aumentados nesse especiacutefico setor abandonar o regime ou
deixar de cumprir acordos estabelecidos anteriormente isto poderia implicar em puniccedilotildees
ainda mais graves para os atores desavantajados
Para que as noccedilotildees de regimes internacionais puniccedilotildees sistecircmicas e
constrangimentos fiquem claras ao leitor no decorrer deste trabalho nosso proacuteximo capiacutetulo
seraacute dedicado a um aprofundamento destes conceitos a partir do estudo teoacuterico da
cooperaccedilatildeo internacional elaborado prioritariamente a partir das obras de Robert
Keohane19
19 Duas obras de Keohane abordam especificamente a questatildeo dos regimes internacionais e da cooperaccedilatildeo A primeira eacute ldquoAchiving cooperation under anarchy rdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) um estudo que serviu de base ao posterior e mais completo ldquoAfter hegemony cooperation and discord in the world political economyrdquo (KEOHANE 1984) Aleacutem dos dois citados tambeacutem seraacute utilizado no proacuteximo capiacutetulo para elaboraccedilatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional o estudo de Krasner sobre regimes interanacionais ldquoRegimes and the limits o f realism regimes as autonomous variables rdquo e algumas noccedilotildees da obra de Keohane e Nye ldquoPoder e interdependencia la poliacutetica mundial en transicioacuten
10
CAPIacuteTULO I
A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS
O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional
Robert Keohane define o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo como sendo aquele no qual
ldquoatores ajustam seus comportamentos para as preferecircncias atuais ou antecipadas dos outros
atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacuteticardquo (KEOHANE 1984 51-2) A
definiccedilatildeo do conceito e o desenvolvimento da teoria da cooperaccedilatildeo realizados por Keohane
aconteceram a partir do estudos realizados pelo autor da ocorrecircncia do fenocircmeno nas
relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente Essa escolha
de abordagem na elaboraccedilatildeo da teoria deveu-se ao pressuposto de que as relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo acontecem quando existem interesses muacutetuos entre os Estado envolvidos
Estabelecer interesses muacutetuos entre paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente e que
dividem uma visatildeo relativamente similar da conduccedilatildeo de suas econocircmicas aleacutem de
cultivarem extensas relaccedilotildees de interdependecircncia20 uns com os outros facilita o trabalho de
investigaccedilatildeo do fenocircmeno da cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 6)
Quanto agrave cooperaccedilatildeo entre paiacuteses avanccedilados industrialmente e paiacuteses em vias
desenvolvimento Keohane considera que os instrumentos de anaacutelise desenvolvidos em sua
teoria tambeacutem podem ser em certa medida aplicados na compreensatildeo de algumas destas
20 Para Keohane e Nye o conceito de interdependecircncia na poliacutetica mundial diz respeito ldquoa situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocos entre os paiacutesesrdquo (p8) Estes efeitos resultam de uma ampla gama de contatos e transaccedilotildees ocorridas no plano internacional o que produz uma restriccedilatildeo agrave autonomia dos atores envolvidos Ao mesmo tempo impotildee alguma forma de custos para os participantes do sistema internacional o que poderia levar a uma ocorrecircncia de determinados tipos de conflito entre eles
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relaccedilotildees Contudo algumas consideraccedilotildees precisam ser realizadas Em primeiro lugar no
caso de atores desiguais a cooperaccedilatildeo pode tomar-se adversa e constituir-se em meio de
exploraccedilatildeo de um grupo de Estados ricos que efetivamente cooperam entre si para com os
Estados pobres (KEOHANE 1984 11) Essa situaccedilatildeo pode definir-se desde o
estabelecimento das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo devido aos constrangimentos colocados aos
atores mais fracos ateacute mesmo como condiccedilatildeo para sua participaccedilatildeo em uma relaccedilatildeo com
atores mais fortes ou pode mesmo acontecer posteriormente mesmo que objetivos iniciais
de cooperaccedilatildeo fossem desejados mutuamente agrave princiacutepio Um segundo ponto ainda deve ser
ressaltado quanto agrave cooperaccedilatildeo entre atores desiguais antes de iniciarmos o
aprofundamento do estudo do fenocircmeno a ocorrecircncia de relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre
atores avantajados e atores desavantajados costuma proporcionar benefiacutecios menores ou
mesmo nenhum beneficio para aqueles atores desavantajados Isso natildeo significa que os
atores desavantajados ajam de maneira irracional quando estabelecem relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo com os atores avantajados Muitas vezes o caacutelculo racional dos atores
desavantajados natildeo eacute obter benefiacutecios mas simplesmente natildeo ver aumentado seus custos
que poderiam tomar dimensotildees ainda maiores caso acordos de cooperaccedilatildeo natildeo fossem
estabelecidos Feitas estas consideraccedilotildees podemos finalmente iniciar o estudo teoacuterico da
cooperaccedilatildeo internacional
Para Keohane a teoria realista natildeo eacute capaz de explicar o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo
internacional em todas as suas manifestaccedilotildees Na teoria realista onde o sistema
internacional eacute composto por Estados como unidades individuais que competem entre si em
um permanente estado de natureza anaacuterquico21 o uacutenico modelo possiacutevel de cooperaccedilatildeo eacute
aquele de alianccedilas resultante de uma operaccedilatildeo de balanccedilo de poder (KEOHANE 1984
7) Tambeacutem outros modelos explicativos da cooperaccedilatildeo internacional como o
Universalismo (de modelo kantiano) ou ateacute mesmo o Intemacionalismo (oriundo da teoria
de Grotius22) que opondo-se ao realismo conferiram segundo Keohane muito peso ao
21 Anarquia para Keohane constitui a falta de um governo comum no mundo poliacutetico internacional e natildeo uma negaccedilatildeo de que a sociedade internacional embora fragmentada exista (AXELROD amp KEOHANE 1982 227)
22 A obra de Hugo Grotius Do Direito da Guerra e da Paz (1625) que inaugura a tradiccedilatildeo Intemacionalista na poliacutetica internacional eacute um dos trecircs paradigmas (ou escolas de pensamento) fuacutendantes do estudo das relaccedilotildees internacionais segundo a divisatildeo de Hedley Buli Os outros dois
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papel das funccedilotildees reguladoras das instituiccedilotildees internacionais e ao direito internacional natildeo
seriam adequados como instrumentos teoacutericos por natildeo aprofundarem as relaccedilotildees de poder
e de conflitos decorrentes da dimensatildeo econocircmica entre os Estados Considerando as
limitaccedilotildees dos modelos anteriores Keohane decidiu elaborar a estruturaccedilatildeo teoacuterica sobre o
fenocircmeno da cooperaccedilatildeo a partir de uma combinaccedilatildeo de teorias (liberal23 e realista 24) que
pudessem analisar as relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos atores internacionais sem esquecer o
egoiacutesmo e propensatildeo dos Estados em aumentar a proacutepria riqueza e poder
Keohane assim como os realistas considera que os atores poliacuteticos satildeo egoiacutestas e
agem motivados por interesses proacuteprios Para este autor quando os atores cooperaram o
fazem dentro de uma situaccedilatildeo de conflito que quando natildeo resolvida por essa via poderia
resultar em perdas ainda maiores para os envolvidos Os governos entram em negociaccedilotildees
internacionais visando reduzir o conflito que iria resultar necessariamente de outra
maneira Sem cooperaccedilatildeo os governos interferem no mercado uni lateralmente para
perseguir o que eles consideram seus proacuteprios interesses25 aumentando em muito a
possibilidade de perdas coletivas Atraveacutes desse tipo de raciociacutenio pode-se afirmar que os
paradigmas derivam das obras de Hobbes O Leviatatilde (1651) que influecircncia a tradiccedilatildeo Realista e do texto de Kant A Paz Perpeacutetua mdash Um Projeto Filosoacutefico (17956) da qual deriva a tradiccedilatildeo Universalista Segundo Hedley Buli a posiccedilatildeo de Grotius fica a meio caminho daquelas de Hobbes e Kant Grotius se diferencia do universalismo porque mesmo considerando a existecircncia de outros entes eacute o Estado o principal ator das relaccedilotildees internacionais Quanto agrave Hobbes Grotius afirma que as relaccedilotildees entre os Estados natildeo se resume a dimensatildeo conflitiva sendo necessaacuterio levar em conta a dimensatildeo cooperativa e a existecircncia de uma sociedade internacional (formada por Estados) que interage com base em valores culturais comuns e do direito internacional (GOLCcedilALVES 2001 94-6)
O Liberalismo propotildee alternativas agraves concepccedilotildees realistas Enfatizando aspectos a interdependecircncia econocircmica com suas muacuteltiplas e complexas camadas de ligaccedilotildees o liberalismo prevecirc comportamentos cooperativos entre os Estados Mecanismos como sanccedilotildees e puniccedilotildees econocircmicas possibilitam na visatildeo liberal um certo controle e previsibilidade sobre o comportamento dos participantes do sistema internacional
24 O Realismo poliacutetico apresenta um sistema internacional caracterizado pela anarquia tendo como atores principais os Estados Por ser anaacuterquico o sistema internacional eacute baseado no poder e na forccedila e cada Estado eacute visto como uma entidade isolada age apenas motivado pelos proacuteprios interesses Para o realismo natildeo existe cooperaccedilatildeo entre atores poliacuteticos
23 Ao contraacuterio dos economistas liberais Keohane acredita que os Estados agindo unilateralmente vatildeo interferir no mercado estrangeiro de trocas impor vaacuterias restriccedilotildees em importaccedilotildees subsidiar a induacutestria domeacutestica e estabelecer preccedilos de mercadorias como petroacuteleo
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atores agem de maneira egoiacutesta-racional tentando maximizar as possibilidades de ganho
em uma situaccedilatildeo de conflito real ou potencial Isso significa que um fenocircmeno de
cooperaccedilatildeo acontece sempre a partir de uma situaccedilatildeo de conflito e nunca de harmonia26
entre atores no mundo poliacutetico Seraacute justamente a tentativa de resoluccedilatildeo deste conflito que
poderaacute levar os atores agrave cooperar ou seja agrave ajustar seus comportamentos ou antecipar as
preferecircncias dos outros atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacutetica
Enquanto para os realistas que utilizam a teoria dos jogos (especialmente do dilema
do prisioneiro) nos estudos de comportamento a cooperaccedilatildeo eacute impossiacutevel porque os atores
racionalmente desconfiam sempre das accedilotildees uns dos outros e egoiacutesticamente pensam nos
proacuteprios interesses Keohane acredita que as mesmas premissas de comportamento racional
e egoiacutesta em uma ambiente internacional favoraacutevel podem levar os atores agrave cooperarem
uns com os outros (KEOHANE 1984 65-7) Quando os atores agem por meio de escolhas
racionais pensando nos interesses proacuteprios atraveacutes da realizaccedilatildeo de benefiacutecios coletivos
pode-se esperar um volume substancial de cooperaccedilatildeo internacional (inclusive
institucionalizada) nas economias de mercado dos paiacuteses industrialmente avanccedilados A
anaacutelise da cooperaccedilatildeo internacional e a elaboraccedilatildeo de um conceito sobre o fenocircmeno
acontece desse modo atraveacutes de uma combinaccedilatildeo de teorias que reconheccedilam os interesses
complementares entre naccedilotildees mas que natildeo deixem de reconhecer que os Estados satildeo atores
racionais e egoiacutestas na medida em satildeo orientados a promover seus dos proacuteprios interesses
E necessaacuterio lembrar que no mundo das relaccedilotildees internacionais os temas mais
significativos satildeo ao mesmo tempo poliacuteticos e econocircmicos portanto a perseguiccedilatildeo da
riqueza e do poder por parte dos Estados pode iluminar as motivaccedilotildees especiacuteficas dos
atores e servir como antiacutedoto contra uma parcial ecircnfase em interdependecircncia e retoacutericas
globalistas de realizaccedilatildeo de interesses comuns (KEOHANE NYE 198818-22) Na teoria
da cooperaccedilatildeo de Keohane os atores abordados e considerados significativos satildeo os
Estados que estabelecem os objetivos e constroacuteem as regras nas quais os demais atores
(inclusive as organizaccedilotildees natildeo- governamentais) deveratildeo se adaptar Definir a economia
poliacutetica internacional em termos de perseguiccedilatildeo de riqueza e poder nos leva agrave analisar a
26 Harmonia no mundo poliacutetico acontece em uma situaccedilatildeo onde automaticamente os atores (perseguindo seus proacuteprios interesses sem considerar o interesses dos outros) facilitam a realizaccedilatildeo dos objetivos dos outros sem conflito
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cooperaccedilatildeo na economia poliacutetica mundial menos como um esforccedilo de implementar ideacuteias
elevadas (moralmente) e mais como um meio de atingir interesses proacuteprios em objetivos
poliacuteticos e econocircmicos (KEOHANE 1984 25)
Na anaacutelise das relaccedilotildees entre Estados Keohane daacute grande enfoque agrave influecircncia do
sistema internacional como modelador do comportamento dos atores (teoria sistecircmica) O
comportamento dos Estados assim como os de outros atores da poliacutetica mundial eacute
fortemente influenciado pelos constrangimentos (constraints) e incentivos fornecidos pelo
ambiente internacional Quando o sistema internacional muda o mesmo acontece com os
incentivos e com os comportamentos dos atores
A ecircnfase no sistema internacional eacute a propoacutesito a grande diferenccedila entre a teoria
de Keohane e as publicaccedilotildees mais recentes que abordam o tema da cooperaccedilatildeo Os estudos
realizados sobre o tema nos anos noventa27 embora tenham a caracteriacutestica notaacutevel de
manter a definiccedilatildeo do fenocircmeno de cooperaccedilatildeo elaborado por Keohane (MILNER 1992
466) uma deacutecada antes criticaram o peso excessivo dos constrangimentos estruturais do
sistema internacional na definiccedilatildeo do comportamento dos atores As anaacutelises dos anos
noventa passaram a dar maior enfoque agraves poliacuteticas domeacutesticas na definiccedilatildeo dos
comportamentos dos Estados e de suas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo (PUTMAN 1993 432
MILNER amp KEOHANE 1996 4)28 As teorias dos anos noventa embora incorporem um
estudo sobre os atores domeacutesticos29 tambeacutem minimizam certas situaccedilotildees de
27 Importante resenha comparada sobre os estudos e publicaccedilotildees da teoria da cooperaccedilatildeo internacional nos anos 90 (Robert Keohane e Kenneth A Oye Putman e Bayne Grieco e Haas) eacute o artigo de Helen Milner International theories of cooperation among nations strengths and weaknesses publicado no world politics (referecircncia no final deste trabalho)
28 E interessante perceber que o proacuteprio modelo de cooperaccedilatildeo internacional entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo voltada ao desenvolvimento no mesmo periacuteodo dos anos 90 tambeacutem comeccedilou a relacionar os problemas de desenvolvimento dos paiacuteses agrave fatores domeacutesticos e natildeo mais agrave problemas decorrentes do sistema internacional
29 O proacuteprio Keohane quando estuda em na segunda metade dos anos noventa o fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo admite que em suas anaacutelises anteriores pouca atenccedilatildeo foi dada ao comportamento dos atores domeacutesticos Isso natildeo significa que Keohane abandone a anaacutelise sistecircmica pelo contraacuterio ele continua afirmando que todos os atores sofrem constrangimentos e incentivos mas que internamente estas constriccedilotildees e incentivos seratildeo percebidas de maneira diferente devido aos arranjamentos estruturais e poliacuteticos dos diferentes atores Sua anaacutelise contudo se refere mais ao fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo e natildeo especificamente aquele da cooperaccedilatildeo internacional (MILNER amp KEOHANE 1996)
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constrangimentos vividas pelos atores desavantajados como por exemplo as pressotildees
econocircmicas (MILNER 1992) No caso especiacutefico do nosso estudo sobre a ocorrecircncia da
cooperaccedilatildeo internacional aoacute desenvolvimento natildeo poderemos desprezar as pressotildees
econocircmicas sofridas pelos atores desavantajados visto os atuais mecanismos de repasse de
financiamentos do setor se estabelecem a partir de mecanismos de condicionalidade que
satildeo por si mesmo formas de pressatildeo econocircmica Desse modo decidimos pelo uso da
anaacutelise sistecircmica de Keohane na estruturaccedilatildeo deste trabalho
Para que possamos entender como os incentivos e os constrangimentos colocados
pelo sistema internacional podem afetar o comportamento dos atores deveremos
aprofundar a noccedilatildeo de regimes internacionais que satildeo entendidos por Keohane como os
ambientes facilitadores da cooperaccedilatildeo entre os Estados
Regimes internacionais
Os regimes internacionais satildeo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos
normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo dos quais as expectativas
dos atores convergemrdquo30- em uma variedade de aacutereas-tema das relaccedilotildees internacionais
(AXELROD amp KEOHANE 1982 327)31 Essa definiccedilatildeo e a proacutepria importacircncia dos
regimes internacionais satildeo plenamente entendidos depois de relembradas duas
caracteriacutesticas do contexto internacional A primeira delas eacute a ausecircncia no mundo poliacutetico
de instituiccedilotildees governamentais autoritaacuterias que possam regular (impondo obrigaccedilotildees) o
comportamento dos Estados e demais atores poliacuteticos A segunda eacute resultado da primeira a
30 Princiacutepios satildeo opiniotildees de fatos causas retidatildeo Normas satildeo modelos de comportamento definidos em termos de regras e obrigaccedilotildees Regras satildeo especiacuteficas prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees para atos Procedimentos de tomada de decisotildees satildeo praacuteticas prevalecentes para fazer e implementar escolhas coletivas (Krasner 1983 p2) Keohane considera normas apenas como modelos de comportamento
31 Os sistemas financeiro e comercial internacionais satildeo exemplos de regimes internacionais bem como organizaccedilotildees regionais e a proacutepria cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (tambeacutem chamada pelos americanos ajuda ao desenvolvimento) (KEOHANE NYE 1988 36)
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constante incerteza do sistema internacional Os regimes internacionais cumpririam uma
funccedilatildeo ao sistema internacional definindo modelos de comportamento possibilitando
algum tipo de confiabilidade entre os atores e permitindo que expectativas comuns possam
ser tratadas de modo comum
Keohane acredita que princiacutepios normas regras e procedimentos conteacutem
determinaccedilotildees (quase) legais sobre comportamentos eles prescrevem certas accedilotildees e
proscrevem outras Nos regimes internacionais certos comportamentos ldquocorretosrdquo (no
sentido de serem coerentes com os princiacutepios do regime) satildeo incentivados enquanto
aqueles incorretos satildeo como veremos reprimidos Mais explicitamente os regimes
internacionais implicam em obrigaccedilotildees para os atores mesmo que estas obrigaccedilotildees natildeo
sejam cumpridas atraveacutes de um sistema hieraacuterquico legal
Considerando as duas caracteriacutesticas do sistema internacional - ausecircncia no mundo
poliacuteticos de instituiccedilotildees internacionais autoritaacuterias e a constante incerteza do sistema
internacional - podemos afirmar que uma das funccedilatildeo dos regimes internacionais eacute a
facilitaccedilatildeo de acordos entre governos de modo que as condiccedilotildees estruturais de anarquia
natildeo conduzam o sistema internacional a uma completa guerra de todos contra todos
(AXELROD amp KEOHANE 1982 332) Sem regimes internacionais a total incerteza
sobre o comportamento uns dos outros atores natildeo permitiria nenhum tipo de cooperaccedilatildeo
entre Estados colocando em riscos ateacute mesmo os grandes fluxos de trocas do sistema
capitalista Os regimes internacionais tambeacutem acabam facilitando a operaccedilatildeo de
descentralizaccedilatildeo do sistema poliacutetico internacional (diminuindo a presenccedila de um Estado
hegemocircnico como regulador do sistema) e expandindo o acesso dos atores poliacuteticos agraves
informaccedilotildees e em algum modo aos procedimentos de tomadas de decisatildeo o que
consequentemente aumenta as possibilidades de cooperaccedilatildeo internacional Contudo os
regimes internacionais natildeo devem ser percebidos como elementos de uma nova ordem
internacional aleacutem do Estado naccedilatildeo Eles precisam ser entendidos como arranjos
motivados por interesses proacuteprios em um sistema onde a soberania e o poder permanecem
sendo fatores constitutivos Isso significa que eles tendem a ser formados principalmente
Porque o mundo poliacutetico eacute descentralizado ao inveacutes de hierarquizado os princiacutepios prevalecentes de soberania significam que os Estados natildeo satildeo sujeitos agrave governos superiores (Ruggil 1983)
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pelos atores mais poderosos priorizando seus proacuteprios interesses (KEOHANE 1984 62-
3)
Como afirmamos anteriormente Keohane manteacutem em suas anaacutelises a premissa de
que em geral os atores poliacuteticos tendem a responder racionalmente aos constrangimentos e
aos incentivos A teoria racional aplicada ao estudo da cooperaccedilatildeo implica em aceitarmos
que as decisotildees dos atores quanto aos regimes internacionais satildeo em alguma medida
voluntaacuterias Na ausecircncia de uma possibilidade de escolha dos atores reduziriacuteamos os
regimes internacionais a simples imposiccedilotildees quando na verdade sua natureza eacute muito mais
complexa Contudo tambeacutem pode ser limitativo e incorreto no estudo do comportamento
(cooperativo) dos Estados afirmar que os atores escolhem voluntariamente quando
participam dos regimes internacionais ou que os proacuteprios regimes satildeo de alguma maneira
fruto de accedilotildees voluntaacuterias Fazendo-o sacrificariacuteamos uma interpretaccedilatildeo Realista
Para que possamos manter a afirmaccedilatildeo de que os atores escolhem racionalmente - e
prosseguir a investigaccedilatildeo dos regimens internacionais - sem contudo ignorar as pressotildees
exercidas pelos mais fortes Keohane propotildee que sejam distinguidos dois aspectos do
processo atraveacutes do qual os regimes internacionais acontecem a imposiccedilatildeo de
constrangimentos (constvaints) e os processo de tomadas de decisatildeo (adesatildeo aos regimes)
Estes dois aspectos satildeo particularmente importantes para entenderas motivaccedilotildees dos atores
desavantajados de pertencer a um regime internacional
Em termos formais noacutes podemos considerar todos os regimes como tendo sido
criados ou mantidos voluntariamente atores independentes com a capacidade de recusar ou
consentirem em participar Mas caso estes atores sejam fracos agindo sob medo invasatildeo
ou colapso econocircmico natildeo pode-se dizer que exista verdadeiramente uma adesatildeo
voluntaacuteria (AXELROD amp KEOHANE 1982 330) Nestas situaccedilotildees devemos
primeiramente focar nossa atenccedilatildeo nos constrangimentos impostas aos atores antes de
examinar suas escolhas (KEOHANE 1984 71-2) Os atores podem sofrer
constrangimentos natildeo apenas atraveacutes de fatores estruturais do sistema mas tambeacutem
diretamente atraveacutes de pressotildees daqueles mais poderosos Regimes internacionais podem
ser acordados possuindo constrangimentos internos impostos desde a origem pelos atores
mais poderosos Relaccedilotildees de poder e dependecircncia e o contexto no qual os acordos foram
realizados seratildeo tambeacutem fatores de constrangimentos de escolhas nos regimes
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internacionais e afetaratildeo todos os acordos que resultam de barganhas entre atores Muitas
vezes a uacutenica alternativa racional do ator naquele momento eacute associar-se a um regime que
lhe garanta o miacutenimo de previsibilidade quanto ao comportamento dos atores
internacionais Mantendo-se em mente estas restriccedilotildees poderemos aplicar a anaacutelise de
escolhas racionais de maneira sofisticada sem implicar no entendimento de que os atores
estatildeo em situaccedilatildeo igual de poder de escolha pois relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo envolvem
diferentes custos de oportunidades para diferentes atores
Muito provavelmente os atores em posiccedilotildees fracas teratildeo custos e oportunidades
diferentes dos atores em posiccedilotildees avantajadas Essa constataccedilatildeo nos faz lembrar que no
mundo poliacutetico natildeo eacute via de regra que as trocas entre os Estados mesmo aquelas
resultantes de barganhas tenham que ser necessariamente iguais ou benignas para todos
Sobre as trocas desiguais Keohane acredita que elas acontecem como o resultado de uma
operaccedilatildeo onde atingiram-se objetivos possiacuteveis ou ainda devido agraves necessidades de creacutedito
ou da seguranccedila dos Estados ou mesmo devido agrave expectativa dos atores de atingirem-se
benefiacutecios futuros Keohane e os realistas percebem nas trocas desiguais oportunidades
para que os Estados poderosos transformem seus recursos materiais e ideoloacutegicos em regras
do sistema internacional Os Estados mais poderosos procuram em relaccedilotildees de troca
mesmo no interior de regimes internacionais beneficiar seus proacuteprios interesses poliacutetico-
econocircmicos Uma diferenciaccedilatildeo entre os realistas e Keohane quanto as trocas desiguais
deve ser precisada enquanto para os realista as trocas desiguais acontecem a partir de uma
diferenccedila de poder (militar) entre os Estados Keohane que considera simplistas todas as
explicaccedilotildees baseadas apenas em poder acredita que explicaccedilotildees mais plausiacuteveis
encontram-se no poder dos recursos econocircmicos
Quanto agraves tomadas de decisatildeo de pertencer ou natildeo agrave regimes internacionais espera-
se em geral que os Estados juntem-se a regimes onde os benefiacutecios como membros
superem os custos Atraveacutes desse raciociacutenio pode-se esperar que atores poliacuteticos escolham
participar de regimes internacionais que lhes garantam a mesma ou melhor condiccedilatildeo
dentro do que fora deles Isso natildeo implica necessariamente em ganho considerando-se que
os regimes tendem a impor custos para os que natildeo participam O Fundo Monetaacuterio
Internacional por exemplo natildeo empresta para os natildeo associados (ASCARI 1999 64)
Aleacutem disso ainda devemos recordar que os pressotildees e as desigualdades de poder que
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estendem-se por traacutes dos regimes internacionais podem tomar os resultados da barganha
voluntaacuteria natildeo inteiramente benignos Natildeo existe garantia de que a formaccedilatildeo de um regime
internacional iraacute produzir benefiacutecios globais de bem estar social (welfare) Desse modo
pertencer a um regime internacional implica sempre em riscos especialmente para os atores
desavantajados
A existecircncia (e a aceitaccedilatildeo) no mundo poliacutetico de trocas desiguais a compreensatildeo
de que os Estados podem em determinados casos tomar a decisatildeo de pertencer a regimes
simplesmente para natildeo verem aumentados seus custos a percepccedilatildeo de que os atores mais
fracos realizam muitas vezes escolhas a partir de constrangimentos e que o resultados
destas encolhas podem natildeo ser inteiramente benignos nos ajuda a entender porque atores
desavantajados juntam-se a regimes mesmo quando eles recebem menos benefiacutecios do que
os outros membros (AXELROD amp KEOHANE 1982 340) Em poliacutetica natildeo podemos
nunca esquecer que escolhas voluntaacuterias natildeo implicam na igualdade de situaccedilotildees e
resultados para os atores (AXELROD amp KEOHANE 1982 330 KEOHANE 1984 70) e
que os regimes internacionais satildeo uma esfera onde o poder eacute diretamente exercido e onde
as desigualdades satildeo grandes
Um uacuteltimo aspecto em relaccedilatildeo aos regimes e aos atores desavantajados ainda deve
ainda ser tratado a conformidade dos Estados aos regimes internacionais Regimes
internacionais satildeo instituiccedilotildees descentralizadas o que natildeo significa ausecircncia de
mecanismos de conformidade Regimes produzem procedimentos e regras e estabelecem
sanccedilotildees por violaccedilotildees do proacuteprio regime podem ser coordenadas em diversos niacuteveis e
intensidade No mundo poliacutetico e econocircmico observamos uma alta conformidade com os
regimes Entretanto essa constataccedilatildeo natildeo deve ser exagerada Tome-se como exemplo o
caso da conformidade da Europa aos regimes internacionais financeiro e comercial
oriundos do final da Segunda Guerra Mundial que efetivou-se realmente somente depois
do saneamento econocircmico e da retomada do crescimento da regiatildeo promovidos pelo plano
Marshall (DINOLFO 1994 601-29)
Para entender o quebra-cabeccedila da conformidade precisamos examinar como os
regimes internacionais afetam o caacutelculos dos governos racionais e egoiacutestas Keohane nos
aponta duas distintas possibilidades de entendimento A primeira delas observa cada regime
isoladamente considerando as vantagens de adesatildeo (para os governos) em oposiccedilatildeo agraves
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alternativas viaacuteveis A segunda coloca os regimes em contexto com outros regimes no
mundo poliacutetico Desse modo cada regime eacute interpretado como parte e em conformidade
com uma longa rede de temas e regimes Perceber cada regime em conformidade com
outros regimes produz diferentes estruturas de incentivos e constrangimentos para os
atores A pressatildeo que pode ser exercida atraveacutes de elos entre temas por diferentes regimes
serve muitas vezes como razatildeo para o ajuste dos governos a um determinado regime No
mundo contemporacircneo os governos tratam de vaacuterios temas e pertencem a muitos regimes
um governo que natildeo cumpre as regras e natildeo conforma-se a um determinado regime pode
criar uma expectativa negativa sobre seu comportamento em outros regimes para os
demais Estados Em uma anaacutelise racional-egoiacutesta podemos pensar que governos cumprem
seus compromissos para natildeo serem retalhados (punidos ou excluiacutedos de possiacuteveis
benefiacutecios) naquele proacuteprio ou nos demais regimes mesmo quando o regime e os temas
envolvidos natildeo satildeo de acordo com o auto-interesse (imediato) daquele Estado
Para entender o comportamento cooperativo dos atores devemos perceber os
regimes internacionais como muacuteltiplos e interligados Caso existisse apenas um regime no
mundo poliacutetico ou cada regime isoladamente os governos egoiacutestas poderiam
racionalmente parar de cumprir regras de regime internacionais Regimes seriam
abandonados quando os governos calculassem as que as oportunidade de custo como
membro como sendo maiores do que os de alguma alternativa viaacutevel de accedilatildeo Perceber os
regimes como interligados nos faz compreender que caso um Estado deixe de cumprir as
regras de um determinado regime que natildeo estatildeo diretamente de acordo com seus interesses
(ao menos imediatos) ele seraacute punido naquele e em outros regimes Da mesma maneira o
custo de adquirir maacute reputaccedilatildeo como resultado de violaccedilatildeo de regras seraacute imposto ao
transgressor naquele ou em demais regimes
Outro motivo de conformaccedilatildeo eacute a expectativa que os governos tecircm do crescimento
do regime internacional Conformar-se a um regime em um primeiro momento pode ser
fonte de determinados benefiacutecios para os atores ou mesmo uma oportunidade de participar
de acordos no sistema internacional Aleacutem disso as decisotildees de certos governos de
participar de regimes podem acontecer atraveacutes de um certo grau de ignoracircncia os regimes
evoluem e seus rumos nunca satildeo completamente previsiacuteveis Isso muitas vezes implica que
governos atuais aceitem determinadas situaccedilotildees pouco vantajosas devido a compromissos
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assumidos no passado e que poderiam implicar-lhes em maacute reputaccedilatildeo ou retaliaccedilotildees caso
natildeo fossem cumpridos Por exemplo decisotildees tomadas em um certo periacuteodo de promover
a abertura econocircmica tecircm profundamente surtido efeitos negativos na habilidade de futuros
governos de controlar as transaccedilotildees econocircmicas com o mundo exterior Esse problema diz
respeito a um dos aspectos mais obscuros dos regimes internacionais sua utilizaccedilatildeo para
afetar as preferecircncias dos governos futuros atraveacutes da criaccedilatildeo de constrangimentos em suas
(futuras) liberdades de accedilatildeo (KEOHANE 1984 120)
A conformaccedilatildeo aos regimes ainda pode ocorrer devido ao alto custo da construccedilatildeo
de regimes internacionais Estabelecer um regime pode ser muito difiacutecil e dispendioso para
os atores devido a grandes articulaccedilotildees envolvidas para conformar os atores o regime
necessita de um ambiente internacional de grande conflito para sua formaccedilatildeo ou ateacute mesmo
de presenccedila de uma potecircncia hegemocircnica - como foram os Estados Unidos depois da
Segunda Guerra Mundial Essa implicaccedilatildeo de custos de construccedilatildeo toma os regimes
internacionais mais faacuteceis de serem mantidos do que criados
Um uacuteltimo aspecto ainda deve ser abordado quanto agrave manifestaccedilatildeo dos regimes Os
comportamentos coordenados dos atores podem acontecer de forma declarada ou natildeo
podem ser sub-entendidos em acordos e tratados entre os Estados ou podem ser efetivados
no interior de organizaccedilotildees internacionais Isso natildeo significa que as organizaccedilotildees
internacionais cumpram simplesmente um papel funcional de servir aos regimes O
estabelecimento de organizaccedilotildees internacionais estaacute ligado a uma seacuterie de motivaccedilotildees das
mais diversas que natildeo aprofundaremos nesse momento estudo por natildeo representarem
ganho imediato para nossa discussatildeo Aquilo que nos pode interessar saber eacute que a
coordenaccedilatildeo de certas poliacuteticas estabelecidas nos regimes podem ter aspectos positivos e
aspectos negativos para os atores desavantajados Quanto aos aspectos positivos pode-se
listar a reduccedilatildeo dos custos de transaccedilatildeo (como aqueles organizacionais e de pagamentos) e
a diminuiccedilatildeo das imperfeiccedilotildees de informaccedilotildees (incertezas e riscos) e o no estabelecimento
de algum tipo de confianccedila legal para os Estados mesmo atraveacutes de normas imperfeitas ou
pouco precisas tomando os acordos mais convenientes dentro de um regime do que fora
dele Quanto aos aspectos negativos o primeiro deles seria que tendencialmente as
organizaccedilotildees internacionais favorecem os interesses dos atores mais poderosos Isso
significa que suas regras seratildeo estabelecidas ou poderatildeo constituir-se em mecanismos de
22
constrangimento para os atores desavantajados Por esse motivo o estudo das regras das
organizaccedilotildees internacionais pode constituir-se em um interessante instrumento de
investigaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo e evoluccedilatildeo dos regimes internacionais e dos conflitos poliacuteticos
entre os atores
Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional
Depois da anaacutelise teoacuterica realizada nos sentimos confortaacuteveis para afirmar que a
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento entre paiacuteses do Norte e Sul do mundo tema
de anaacutelise de nosso trabalho manifesta-se como um regime internacional proacuteprio Ou seja
que agrave cooperaccedilatildeo entre Norte e Sul em relaccedilatildeo agrave aacuterea-tema desenvolvimento constitui-se
como sendo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos normas regras e
procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo do qual as expectativas dos atores
convergem As expectativas dos atores satildeo necessariamente nesse caso o
desenvolvimento Essa afirmaccedilatildeo implica em aceitarmos que tanto os paiacuteses do Norte como
os paiacuteses do Sul do mundo dividem expectativas em torno de um modelo uacutenico de
desenvolvimento33 e que eacute justamente essa expectativa que poderaacute nos ajudar a entender
os motivos dos paiacuteses pobres em conformarem-se voluntariamente ao regime da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
Considerar as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como um
regime internacional orientado ao desenvolvimento nos permite tambeacutem estruturar com
mais rigor cientiacutefico as relaccedilotildees entre Estados do Norte e do Sul do mundo Pensadas como
regime as poliacuteticas internacionais orientadas ao desenvolvimento podem ser entendidas
33 O grupo de autores poacutes-estruturalista considera o discurso do desenvolvimento como um aparato de controle e vigilacircncia Desenvolvimento engloba uma seacuterie de controles de discurso e de controle de praacuteticas - um regime de forccedila - que apareceu desde que o Iluminismo a extensatildeo do projeto de universalizaccedilatildeo europeu nos quatro cantos do mundo Que a maior parte dos projetos de desenvolvimento falhe - um ponto de concordacircncia entre poacutes-modemistas e ultramodemistas - acaba reforccedilando o desenvolvimentismo eles dizem que ao falimento define a populaccedilatildeo target demarcada pelo resto da humanidade por sua aboriacutegine pobreza ignoracircncia passividade e portanto esta populaccedilatildeo precisa de uma intervenccedilatildeo de conhecimento de fora (ESCOBAR 1995 APFFEL MARGLIN AND MARGLIN 1990 SACHS 1992 NANDY 1988 CRUSH 1995)
23
como proporcionado incentivos e constrangimentos diferentes - e com graus de intensidade
desiguais - para atores fracos e atores fortes Podemos ainda perceber que nas relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento certas limitaccedilotildees e constrangimentos podem
ser estabelecidos diretamente pelos Estados mais fortes a partir dos recursos econocircmicos
Aleacutem disso entender as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da oacutetica de
regime internacional nos permite investigar o papel das organizaccedilotildees internacionais que
atuam diretamente estabelecendo regras e modelos de cooperaccedilatildeo entre os Estados do Norte
e do Sul do mundo e o quanto estas organizaccedilotildees satildeo orientadas a efetuar programas e
projetos de desenvolvimento que atendam as demandas dos atores avantajados Mas
sobretudo entender o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento como regime internacional
nos faz perceber as relaccedilotildees dos Estados nesse tema como fenocircmenos poliacutetico-
econocircmicos ajudando-nos desse modo a permanecer imunes agrave consideraccedilatildeo que retratem o
fenocircmeno como uma forma valida de ajuda que visa ldquo combater os fenocircmenos que
ameaccedilam a paz e a convivecircncia civil a pobreza o degrado ambiental a violecircncia e os
desequiliacutebrios de todos os gecircnerosrdquo (BARBARELLA 1998 64) Sendo todos estes
fenocircmenos referidos claramente como caracteriacutesticos dos paiacuteses em desenvolvimento
Perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
internacional ainda nos ajuda a definir um meacutetodo de investigaccedilatildeo para o tema Ou seja
buscar entender nas regras das organizaccedilotildees internacionais e na sua evoluccedilatildeo os processos
atraveacutes dos quais o regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi afirmado e investigar os
constrangimentos e incentivos colocados pelo regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento
em relaccedilatildeo de complementaridade com outros regimes internacionais Pensar nos regimes
internacionais em relaccedilatildeo uns com os outros nos faz perceber que a cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento pode impor ou sofrer constrangimentos incentivos e
puniccedilotildees a partir da rede de temas e regimes
A escolha de estudar a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
internacional tambeacutem nos possibilita investigar o tema a partir dos constrangimentos dos
atores mais desavantajados e identificar nas pressotildees econocircmicas sofridas por esse grupo
sua causa maior em aceitar barganhas desiguais que nem sempre parecem muito toleraacuteveis
considerando-se apenas um comportamento racional-egoiacutesta dos atores
24
Finalmente perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
nos ajuda a estabelecer o proacuteprio termo cooperaccedilatildeo para definir o fenocircmeno Pois a
literatura especializada se utiliza de trecircs locuccedilotildees distintas para nomear o mesmo
fenocircmeno Estas locuccedilotildees satildeo assistecircncia ajuda e cooperaccedilatildeo Considerando que estes trecircs
termos natildeo satildeo sinocircnimos e denotam intensidades diferentes de participaccedilatildeo dos atores no
processo algumas consideraccedilotildees podem ser oportunas O termo cooperaccedilatildeo internacional
ao desenvolvimento eacute utilizado especialmente pelos autores europeus que pretendem
conseguir uma conotaccedilatildeo equilibrada e quase amigaacutevel aos esforccedilos dos atores e aos
resultados obtidos no setor (BASILE 1995 8 ANTONELLI 1995 230 ASCARI 1999
116 BOFFO 1993) Ajuda e assistecircncia satildeo utilizadas sobretudo na literatura americana e
datildeo evidentemente ecircnfase aos paiacuteses doadores ou seja aqueles desenvolvidos
economicamente como motores unilaterais da relaccedilatildeo o que acaba descaracterizando
qualquer tipo de barganha poliacutetica que possa envolver o fenocircmeno (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1995 94) Estes dois tipos de conotaccedilatildeo da literatura
especializada - cooperaccedilatildeo como equiliacutebrio de esforccedilos e resultados e ajuda ou assistecircncia
como accedilatildeo unilateral e apoliacutetica - revelaram-se depois de nossa investigaccedilatildeo teoacuterica uma
maneira incorreta de tentar entender o fenocircmeno
Assistecircncia ou ajuda natildeo poderiam ser utilizados como termos na investigaccedilatildeo do
fenocircmeno de relaccedilatildeo entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo porque excluiriam
imediatamente do processo de desenvolvimento o uacuteltimo grupo de paiacuteses desconsiderando
inclusive os recursos financeiros empregados por estas atores nos proacuteprios projetos e
programas de desenvolvimento e na manutenccedilatildeo do setor Interpretaccedilatildeo que seria incorreta
considerando-se que apenas o Brasil repassou para o Programa de Desenvolvimento das
Naccedilotildees Unidas (PNUD) mais de R$ 250 milhotildees de doacutelares34 ente janeiro e novembro de
2000 para a execuccedilatildeo do Programa Paiacutes (Tribunal de Contas da Uniatildeo)
Cooperaccedilatildeo tambeacutem natildeo poderia ser mantido caso utilizaacutessemos apenas a
conotaccedilatildeo dada ao termo pela literatura europeacuteia visto que natildeo existem situaccedilotildees de
equiliacutebrio de esforccedilos e resultados quando a anaacutelise de alguns simples indicadores de
crescimento econocircmico nos revela que desde a implementaccedilatildeo dos primeiros esforccedilos
34 O Orccedilamento anual do PNUD eacute atualmente de US$1 bilhatildeo de doacutelares
25
mundiais coordenados para o desenvolvimento nos anos cinquumlenta a diferenccedila (gap) entre
a renda per capita dos paiacuteses do Norte e dos paiacuteses dos Sul passou de U$ 3677 em 1950
(referecircncias do doacutelar de 1980) para U$ 24000 em 1995 (referecircncia do doacutelar em 1995)35
Contudo tomando-se cooperaccedilatildeo como relevado pelos proacuteprios dados acima expostos
como um fenocircmeno econocircmico-poliacutetico que acontece a partir de uma situaccedilatildeo de conflito
vivida pelos atores como seraacute proposto no primeiro capiacutetulo deste trabalho nos
afastaremos completamente das conotaccedilotildees utilizadas pela literatura especializada europeacuteia
e poderemos definir sem risco de sermos contraditoacuterios o fenocircmeno de cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento entre Estados do Norte e do Sul do mundo como
cooperaccedilatildeo
Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional
ODA ou seja ajuda oficial ao desenvolvimento (a literatura internacional manteacutem a
sigla em inglecircs - ofjicial development aid) eacute utilizado no setor da cooperaccedilatildeo internacional
ao desenvolvimento como criteacuterio global de medida financeira das modalidade de
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento realizadas pelos paiacuteses do Norte e do Sul do mundo
(BASILE 1995 ANTONELLI 1995 GRILLI 1993 MARCfflSIO 19862000
TRIULZI 19982000) Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive agravequela
teacutecnica e fianceira (com exceccedilatildeo da ajuda de emergecircncia e de eventuais contribuiccedilotildees
privadas de ONGs) eacute contabilizado como fluxo financeiro da Ajuda Oficial ao
Desenvolvimento - ODA36 ODA eacute definido internacionalmente como sendo um ldquoconjunto
35 ldquoA diferenccedila de renda entre os paiacuteses do Norte e do Sul cresceu dramaticamente depois da Segunda Guerra Mundial Em 1950 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de USS 164 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de US$ 3841 - o que constituiacutea uma diferenccedila absoluta de U$ 3 677 (referecircncia do doacutelar americano de 1980) Trinta anos depois em 1980 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 245 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 9648 - o que constituiu uma diferenccedila absoluta de U$ 9043O crescimento da diferenccedila continuou nos anos 90 Em 1995 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 430 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 24930 - o que constitui uma diferenccedila absoluta de U$ 24000 (referecircncia do doacutelar americano de 1995) (SELIGTON 1998 3)
36 Internacionalmente eacute aceita a sigla ODA para definir estes fluxos financeiros motivo pelo qual decidimos mantecirc-la nesse trabalho
26
de fluxos destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento^7 e agraves agecircncias multilaterais
fornecidos atraveacutes das agecircncias oficiais incluindo-se o Estado e os governos locais ou suas
agecircncias executivas cujas transaccedilotildees respeitem os seguintes criteacuterios a) como primeiro
objetivo que a assistecircncia seja administrada em funccedilatildeo da promoccedilatildeo do desenvolvimento
econocircmico e do bem estar dos paiacuteses em vias de desenvolvimento b) que os fluxos
destinados agrave cooperaccedilatildeo puacuteblica sejam facilitados e contenham um elemento de doaccedilatildeo de
ao menos 25rdquo (wwwoecdorgdac)
Por tratarem-se os fluxos ODA tambeacutem de ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e
expliacutecitos normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em torno do qual as
expectativas dos atores convergemrdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) eles tambeacutem seratildeo
nesse trabalho definidos como regimes internacionais
Como vimos Keohane percebe a cooperaccedilatildeo internacional como fundamentalmente
econocircmica e possiacutevel de acontecer a partir de um ambiente facilitador ou seja de um
regime internacional O ODA foi introduzido internacionalmente para cumprir a funccedilatildeo de
ambiente facilitador das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses do Norte e Sul depois da
afirmaccedilatildeo do conceito de multilateralismo no final da Segunda Guerra Mundial (BASILE
1995) O ODA deveria ter garantido que os benefiacutecios da implantaccedilatildeo da maior abertura
comercial e financeira fossem em alguma medida repassados para os atores mais fracos e
ajudassem estes paiacuteses em seus processo de desenvolvimento (entendido como crescimento
econocircmico38) (JEPMA1991)
No proacuteximo capiacutetulo iniciaremos nosso estudo sobre a nova modalidade de ajuda
multibilateral Depois de introduzir o termo buscaremos perceber como foi possiacutevel que
esse tipo de modalidade a princiacutepio contraacuteria as regras das organizaccedilotildees internacionais que
deveriam preservar uma certa neutralidade na conduccedilatildeo do repasse dos fluxos ODA
conseguiu estruturar-se a partir das falhas das normativas do proacuteprio PNUD e da
37 Esse tipo de definiccedilatildeo exclui os cria um problema para os paiacuteses em vias de desenvolvimento pois mede como fluxos ODA apenas aqueles repassados pelos paiacuteses desenvolvidos para o setor da cooperaccedilatildeo excluindo desse modo os recursos (muito substanciais) que os paiacuteses em desenvolvimento destinam ao proacuteprio desenvolvimento e agravequela internacional
38 Uma observaccedilatildeo fundamental para nossa discussatildeo eacute que ldquoateacute os anos cinquumlenta o conceito de desenvolvimento era estritamente interpretado como crescimento econocircmicordquo (DECLICH E EBOLI 1995 p 131)
27
Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas Finalmente dedicaremos a parte final do capiacutetulo a
uma breve explanaccedilatildeo da foacutermula multibilateral dos custos divididos (cost-sharing) aquela
prioritariamente utilizada pelo PNUD no Brasil e na Ameacuterica Latina
28
CAPIacuteTULO II
A AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO
As foacutermulas multiacutebilaterais como puniccedilatildeo
A partir da deacutecada de setenta uma nova modalidade de administraccedilatildeo e utilizaccedilatildeo
dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) foi estabelecida a partir
do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) Esta modalidade foi
denominada com um singular neologismo lsquomultibilateraV e se apresentava como uma
siacutentese dos dois modelos tiacutepicos de financiamento de projetos e programas do setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o multilateral efetuado atraveacutes da accedilatildeo das organizaccedilotildees
internacionais multilaterais e o bilateral realizado diretamente pelos Estados
A ajuda multibilateral eacute definida como uma forma particular de administraccedilatildeo e
repasse dos fluxos do regime internacional da ODA que consiste ldquono financiamento de
programas elaborados pelas organizaccedilotildees internacionais que se empenham mediante
acordos ad hoc a executar projetos especiacuteficos (setorizados) utilizando bens serviccedilos e
capacidade teacutecnica profissional dos paiacuteses doadoresrdquo (BASILE 1995 20 MARCHISIO
198612 MARCHISIO 2000 345369) A nova modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos
ODA inaugurou um precedente no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
De fato Marchisio nos lembra que ateacute a introduccedilatildeo da modalidade de ajuda multibilateral
o repasse dos fluxos ODA atraveacutes das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter regional em
particular do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) tendiam a
pieservar o princiacutepio constituinte da cooperaccedilatildeo multilateral ou seja a natildeo identificaccedilatildeo
dos paiacuteses doadores dos recursos (MARCHISIO 1986) Com efeito Basile argumenta que
os fundos das organizaccedilotildees internacionais dos programas das Naccedilotildees Unidas tinham sido
constituiacutedos e cumpriam a funccedilatildeo de preservar o anonimato entre paiacuteses doadores e paiacuteses
recebedores dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) (BASILE
29
1995) Dessa forma os paiacuteses recebedores dos recursos (aqueles em desenvolvimento)
teriam a garantia de que os fluxos ODA seriam repassados com o menor nuacutemero possiacutevel
de viacutenculos Isso significava que o Estado recebedor natildeo teria compromissos de utilizar os
fluxos do regime internacional ODA para efetuar compras de bens e serviccedilos dos paiacuteses
doadores destes recursos (procurement) ou para favorecer eventuais interesses poliacuteticos
destes Estados A questatildeo da licitaccedilatildeo para as compras de bens e serviccedilos para a execuccedilatildeo e
a implantaccedilatildeo de projetos e programas de desenvolvimento procurement) eacute atualmente
um dos pontos mais emblemaacuteticos das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre
paiacuteses dos hemisfeacuterios Norte e do Sul39 Segundo dados fornecidos por Escobar o Banco
Mundial gastou desde o final dos anos setenta mais de 80 do total dos recursos
multilaterais recebidos com contratos de aquisiccedilatildeo de mercadorias e com salaacuterios de
consultores nos proacuteprios paiacuteses doadores (ESCOBAR 1995 166) Como vimos em nosso
capiacutetulo anterior os Estados em vias de desenvolvimento sofreram puniccedilotildees sistecircmicas
atraveacutes do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a partir do iniacutecio dos
anos setenta Estas puniccedilotildees econocircmicas contra os paiacuteses em vias de desenvolvimento
(PVD) aconteceram atraveacutes de uma diminuiccedilatildeo dos repasses dos fluxos do regime da ajuda
oficial ao desenvolvimento (ODA) e de um maior controle destes fluxos As puniccedilotildees
sistecircmicas reordenaram o comportamento dos atores do regime internacional da cooperaccedilatildeo
ao desenvolvimento atraveacutes do estabelecimento de novos incentivos e constrangimentos
O primeiro ator que sofreu puniccedilotildees sistecircmicas e alterou profundamente seu
comportamento foi o Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) que ateacute
os anos setenta concentrava a maior parte dos fluxos do regime internacional da ajuda
oficial ao desenvolvimento (ODA) De fato o PNUD administrava 75 dos recursos das
atividades de cooperaccedilatildeo teacutecnica do Sistema das Naccedilotildees Unidas Com as puniccedilotildees
sistecircmicas impostas pelos Estados mais fortes a partir do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a quantidade de fluxos ODA administrados pelo PNUD
diminuiu vertiginosamente Jaacute no iniacutecio dos anos oitenta os fluxos ODA administrados
pelo PNUD eram apenas 25 dos fundos multilaterais da cooperaccedilatildeo teacutecnica
(MARCHISIO 1986) Quanto ao volume dos fluxos multilaterais ODA no setor da
39 Seraacute sob esse ponto de vista que Norte e Sul seratildeo tratados daqui em diante
30
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o total administrado pelo PNUD diminuiu de 65 em
1968 para 38 em 1980 (NOGUEIRA 2001 30)
A diminuiccedilatildeo de recursos no Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
(PNUD) aconteceu como uma forma direta de puniccedilatildeo econocircmica contra os Estados em
desenvolvimento Isso porque o PNUD sendo um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia Geral
das Naccedilotildees Unidas em que os Estados tecircm o mesmo peso de voto (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1996) podia como detentor majoritaacuterio dos recursos do
desenvolvimento favorecer poliacuteticas de utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA mais proacuteximas das
preferecircncia dos PVD
A praacutetica da ajuda vinculada era sobretudo ateacute a introduccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais uma caracteriacutestica da ajuda bilateral ao desenvolvimento (aquela realizada
diretamente entre os Estados) Contudo com a introduccedilatildeo da ajuda multibilateral os
Estados doadores puderam natildeo apenas condicionar de maneira mais acentuada o repasse
dos fluxos ODA agrave satisfaccedilatildeo de seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou econocircmicos mas
garantir um maior controle sobre os fluxos ODA multilaterais destinados aos paiacuteses em
desenvolvimento A introduccedilatildeo da ajuda multibilateral e o fortalecimento do poder de
decisatildeo da utilizaccedilatildeo destes recursos pelos Estados doadores podem ajudar a entender
porque trinta dos cinquumlenta maiores clientes das induacutestrias de mercadorias americanas
vecircm sendo a partir da metade dos anos setenta paiacuteses em desenvolvimento A maior parte
destes 30 satildeo os maiores recebedores da ajuda alimentar (ESCOBAR 1995166) Um fator
tambeacutem importante para o fortalecimento dos Estados doadores no setor da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a partir dos anos setenta foi a aproximaccedilatildeo promovida
pela cooperaccedilatildeo multibilateral dos paiacuteses doadores das agecircncias das Naccedilotildees Unidas Essa
aproximaccedilatildeo tomou possiacutevel aos paiacuteses doadores apropriar-se de uma seacuterie de informaccedilotildees
dos paiacuteses em desenvolvimento assim como do know how dos organismos de cooperaccedilatildeo
multilateral Elementos que resultaram uacuteteis para reorganizar em bases proacuteprias a
cooperaccedilatildeo multilateral e para a introduccedilatildeo de novos elementos como a condicionalidade
da ajuda e a cooperaccedilatildeo descentralizada Por exemplo com a foacutermula multibilateral
claacutessicas dos custos divididos e dos custos divididos com uma terceira parte os paiacuteses
doadores puderam ter acesso agraves informaccedilotildees completas do ldquoPrograma Paiacutesrdquo dos PVD
ainda em fase de projeccedilatildeo Desses projetos consta aleacutem de uma anaacutelise minuciosa das
31
poliacuteticas de governos que seratildeo seguidas pelos paiacuteses em aacutereas estrateacutegicas como aquela
econocircmica uma seacuterie de informaccedilotildees relativas aos custos que o governo do paiacutes em
desenvolvimento pretende utilizar como recursos proacuteprios para a realizaccedilatildeo dos projetos
Essas informaccedilotildees tendem a ser utilizada para favorecer interesses poliacuteticos e comerciais
dos Estados doadores
Marchisio afirma que a ajuda multibilateral pocircde constituir-se no acircmbito das
organizaccedilotildees multilaterais atraveacutes da introduccedilatildeo de uma seacuterie de novas foacutermulas de
financiamento de projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento que foram
encontrando legitimaccedilatildeo nas falhas normativas e na falta de regulamentaccedilatildeo homogecircnea
das normas financeiras do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD)
assim como nas proacuteprias regras financeiras da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
(MARCHISIO 2000) As foacutermulas multibilaterais migraram em um segundo momento
para os demais oacutergatildeos subsidiaacuterios40 da Assembleacuteia Geral e para os institutos financeiros
Disso resulta que as foacutermulas multibilaterais encontram-se entre as principais modalidades
de utilizaccedilatildeo dos recursos multilaterais do Sistema das Naccedilotildees Unidas Limitaremos nossa
anaacutelise nesse capiacutetulo ao estudo da categoria multibilateral no PNUD por ter sido esse o
Programa que inicialmente instituiu a ajuda multibilateral Aleacutem disso o PNUD eacute o maior
parceiro de programas de cooperaccedilatildeo do Brasil41 e utiliza uma foacutermula multibilateral - o
cost-sharing - para efetuar o Programa Paiacutes de Desenvolvimento (NOGUEIRA 2001) A
ajuda multibilateral permitira aos Estados doadores (os paiacuteses mais desenvolvidos
economicamente) um maior poder de decisatildeo na aplicaccedilatildeo dos fundos ODA das
organizaccedilotildees multilaterais de caraacuteter universal e o estabelecimento institucionalizado da
ajuda vinculada multilateral que atualmente representa ldquopercentuais meacutedios de 50 dos
fluxos do regime internacional ODA recolhido por estas organizaccedilotildees com pontas que
40 Oacutergatildeos subsidiaacuterios satildeo organismos operativos ligados por uma relaccedilatildeo de auxiliares agraveAssembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (quase todos principiam pela sigla UN contudo devemos daratenccedilatildeo agrave UNESCO - United Nations Educational Scientific and Cultural Organization - e agraveUNIDO - United Nations Industrial and Development Organization - que satildeo agecircnciasinstitutosespecializados do Sistema e cujos nomes tambeacutem principiam com a mesma sigla)
45 A proacutepria Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento nasceu como um projeto PNUD (NOGUEIRA 1999)
32
alcanccedilam ateacute 80 nos paiacuteses do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD)
(BASILE 1995 63)42
As foacutermulas multibilaterais de repasse de financiamento comeccedilaram a ser aplicadas
depois que a resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas sugeriu que se
efetivassem mecanismos de repasse obrigatoacuterio dos fluxos ODA dos paiacuteses industrializados
(em uma quantidade miacutenima de 07 do PIB) para a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento dos
paiacuteses mais pobres Aumentar a quantidade de recursos e obter uma garantia de
recebimento de financiamentos dos paiacuteses industrializados podem ser consideradas medidas
efetivas dos paiacuteses em desenvolvimento para o estabelecimento da pretendida nova ordem
econocircmica mundial no iniacutecio dos anos setenta A iniciativa dos paiacuteses em desenvolvimento
que se articulou a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas preocupou os paiacuteses
doadores quanto agrave organizaccedilatildeo dos paiacuteses mais pobres e tambeacutem quanto agrave utilizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas como promotora dos interesses do Sul do mundo (ARMSTRONG LLOYD
amp REDMOND 1996 95) Os paiacuteses industrializados reagiram imediatamente agrave resoluccedilatildeo
2626 (XXV) retirando os fluxos do regime internacional ODA das organizaccedilotildees
internacionais particularmente do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
(PNUD)
Essa retirada gerou uma crise orccedilamentaacuteria no Programa que determinou a criaccedilatildeo
de foacutermulas de administraccedilatildeo da ajuda que fossem mais atrativas para os paiacuteses doadores
(ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1999) As foacutermulas multibilaterais permitiram
que os paiacuteses doadores passassem a identificar os Estados onde seriam aplicados os fundos
podendo escolher o tipo de projeto e o setor onde seus recursos seriam utilizados As
foacutermulas multibilaterais permitiram ainda que os paiacuteses doadores pudessem concentrar seus
repasses de fluxos ODA em projetos (setores ou paiacuteses) que lhes trouxessem maior retomo
econocircmico Esse foi por exemplo o caso da Gratilde-Bretanha - que no periacuteodo entre 1979-82
destinou US$ 3994 milhotildees para a cooperaccedilatildeo e recebeu de retomo econocircmico US$ 7747
milhotildees Outros paiacuteses que costumam conseguir um alto retorno econocircmico satildeo a Aacuteustria a
Franccedila e a Nova Zelacircndia (MARCHISIO 198631) Podemos perceber portanto como a
42 Entre os paiacuteses que mais recorrem a este tipo de praacutetica estatildeo os Estados Unidos (com mais de 60 dos recursos) o Reino Unido (60) a Itaacutelia (65) o Canadaacute (50) e a Beacutelgica (mais de 60) (BASILE 1995 63)
33
aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees econocircmicas aos paiacuteses em vias de desenvolvimento gerou novos
incentivos e novas constriccedilotildees para o PNUD que acabaram determinando uma mudanccedila de
comportamento desse organismo
Enquanto os fluxos ODA eram retirados do PNUD acontecia o aumento da
concentraccedilatildeo destes fundos nos programas bilaterais dos paiacuteses doadores e nas entidades
(Institutos Financeiros e Fundo Europeu) mais facilmente controlaacuteveis por estes paiacuteses
Keohane afirma que os regimes internacionais que se constituem dentro das
organizaccedilotildees internacionais proporcionam algum tipo de confianccedila legal e a reduccedilatildeo dos
custos organizacionais para os Estados porque as regras destas organizaccedilotildees mesmo que
imperfeitas orientam os modelos de comportamento dos atores (KEOHANE 1984 88)
Ao mesmo tempo Keohane tambeacutem admite que as regras ou a ausecircncia de regras das
organizaccedilotildees internacionais em determinadas temas tendem a favorecer os interesse
econocircmicos e poliacuteticos dos atores mais fortes (KEOHANE 1984 90) Acreditamos que
esse quadro possa contribuir para a compreensatildeo da implantaccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais nas organizaccedilotildees internacionais E inegaacutevel que os fundos da cooperaccedilatildeo
multilateral enquanto eram preferencialmente administrados a partir de organizaccedilotildees
internacionais de caraacuteter universal particularmente pelo Programa de Desenvolvimento das
Naccedilotildees Unidas (PNUD) proporcionavam certa confiabilidade para os paiacuteses em vias de
desenvolvimento quanto ao comportamento dos atores mais fortes Contudo depois das
alteraccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento provocadas pelo acirramento das
tensotildees entre o grupo de paiacuteses doadores e o dos paiacuteses recebedores - e da consequumlente
concentraccedilatildeo dos fundos nas entidades ligadas aos paiacuteses doadores O proacuteprio PNUD foi
encontrando falhas normativas internas ou atraveacutes da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
(passivas ateacute entatildeo) por onde as foacutermulas multibilaterais puderam ser implantadas Disso
resulta que efetivamente o estudo das regras das organizaccedilotildees internacionais e de sua
evoluccedilatildeo no tempo pode ser muito interessante contribuindo para que possamos analisar
os processos poliacuteticos que envolvem os regimes internacionais
As falhas nas normativas que regulamentam a administraccedilatildeo financeira de oacutergatildeos
importantes como a Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas ou do PNUD ateacute entatildeo principal
regulador dos fundos da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento podem ser interpretadas como
constrangimentos iniciais do proacuteprio Programa Isso natildeo significa que estes oacutergatildeos
34
cumpram um papel funcional junto aos atores mais fortes Mas isto sim que a proacutepria
loacutegica das contribuiccedilotildees voluntaacuterias que estruturam estas organizaccedilotildees podem ter impedido
que mecanismos mais restritivos de controle dos recursos (que resultariam em perda de
flexibilidade) fossem estabelecidos Para Keohane constrangimentos pode ser acordados jaacute
no momento de instituiccedilatildeo das organizaccedilotildees (KEOHANE 1984) O constrangimento
representado pelas falhas das normativas financeiras de organizaccedilotildees que administravam
substanciais recursos destinados aos PVD pode ter permanecido em estado latente ateacute
serem habilitadas quando foi propiacutecia sua utilizaccedilatildeo
Para que possamos ter uma melhor compreensatildeo de como os interesses dos paiacuteses
doadores acabaram sendo legitimados nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal
toma-se necessaacuterio fazer uma anaacutelise mais focada das foacutermulas multibilaterais nestas
organizaccedilotildees Devido a isso o capiacutetulo eacute dedicado primeiramente agrave investigaccedilatildeo da origem
institucional das modalidades de cooperaccedilatildeo multibilaterais a partir da Resoluccedilatildeo 2626
(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na deacutecada de setenta (Segundo Dececircnio
para o Desenvolvimento) Analisaremos a seguir os principais pontos da regulamentaccedilatildeo da
Assembleacuteia Geral e do PNUD - ou seja aqueles ligados agrave administraccedilatildeo dos recursos e ao
procurement Assim procuraremos entender de que maneira os vaacutecuos dessas normativas
possibilitaram a constituiccedilatildeo das foacutermulas de financiamento multibilaterais no Programa A
parte final do capiacutetulo seraacute dedicada agrave anaacutelise da foacutermula multibilateral do cost-sharing no
Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas e da mais recente versatildeo do cost-
sharing atraveacutes da qual os paiacuteses em desenvolvimento assumiram a quase totalidade do
custo de seu Programa Paiacutes elaborado pelo PNUD
A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
A tendecircncia dos Estados em fornecer recursos financeiros agraves organizaccedilotildees
internacionais multilaterais estabelecendo condiccedilotildees de vaacuterios gecircneros natildeo eacute certamente
nova Uma anaacutelise realista nos faz perceber que as condiccedilotildees formuladas pelos atores mais
fortes para o repasse de recursos sempre existiram Contudo como dissemos as novas
foacutermulas multibilaterais acentuaram em medida notaacutevel os viacutenculos de destino dos
35
recursos pois os Estados doadores puderam passar a escolher diretamente para qual setor -
e paiacutes - seriam destinados os fluxos ODA multilaterais interferindo desse modo nos
processos globais e nacionais de desenvolvimento Aleacutem disso vale ressaltar que esse tipo
de modalidade de favorecimento dos interesses dos paiacuteses doadores a partir de fluxos ODA
multilaterais abriu um precedente para esse mesmo tipo de favorecimento em outros
organismos administradores de recursos multilaterais como por exemplo o Fundo Europeu
de Desenvolvimento (FED)
A afirmaccedilatildeo do fenocircmeno dos financiamentos multibilaterais na cooperaccedilatildeo a partir
da metade dos anos setenta pode ser ligada de maneira generalizante agraves vastas
transformaccedilotildees no ambiente internacional realizadas no curso daqueles anos que haviam
consolidado a estrutura das relaccedilotildees econocircmicas internacionais desde o final da Segunda
Guerra Mundial Alguns acontecimentos do iniacutecio da deacutecada de setenta - como o final dos
sistema monetaacuterio baseado nos acordos de Bretton Woods43 a inflaccedilatildeo e a recessatildeo dos
paiacuteses agrave economia de mercado o aumento das taxas de desocupaccedilatildeo e o choque do petroacuteleo
- fortaleceram a posiccedilatildeo dos paiacuteses em vias de desenvolvimento quanto ao
estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial que garantisse uma redistribuiccedilatildeo
mais equilibrada dos recursos internacionais
Esperava-se que o crescimento econocircmico da deacutecada de setenta pudesse derivar em
uma repercussatildeo positiva para os paiacuteses em desenvolvimento desde que mecanismos mais
eficazes do setor da cooperaccedilatildeo fossem criados e efetivados pelas organizaccedilotildees
internacionais (RESOLUCcedilAtildeO 2626 (XXV) sect 8) O ambiente internacional44 levou os
paiacuteses em vias de desenvolvimento a aprovarem na Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
como um dos objetivos da Comunidade Internacional para a deacutecada de setenta45 a
automatizaccedilatildeo da transferecircncia de 07 do PIB dos paiacuteses industrializados para ajuda ao
43 Em 1971 o padratildeo doacutelar-ouro foi abandonado pelos EUA
44 Que parecia tender para uma mudanccedila da ordem econocircmica devido agrave crise do regime monetaacuterio agraves expectativas da continuaccedilatildeo do crescimento mundial e agrave declaraccedilatildeo do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE de que os paiacuteses industrializados pretendiam adotar a Recomendaccedilatildeo sobre Condiccedilotildees e Termos Financeiros ou seja a primeira proposta de elevar os fluxos ODA para 07 do PIB dos paiacuteses industrializados (FUumlHRER 1996)
4gt A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) eacute de 24 de setembro de 1970
36
desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres (ARMSTRONG LLOYDamp REDMOND 1996
94-5)
Para os paiacuteses mais pobres um dos principais problemas para a efetivaccedilatildeo de
projetos e programas de desenvolvimento a longo prazo tem sido a ausecircncia de uma
garantia no recebimento de financiamentos internacionais (CECHI1995 ASCARI 1999)
O paiacutes que escolhe a estrada do desenvolvimento econocircmico pode encontrar na feita de
recursos algumas complicaccedilotildees capazes de comprometer seu crescimento econocircmico
(EATON 1989 CARDOSO e DORBUSCH 1989) A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi tomada
justamente para que um comprometimento maior dos paiacuteses doadores de repasse de
financiamentos pudesse proporcionar a realizaccedilatildeo de projetos e programas de crescimento
mais longos Os fundos destinados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento por
constituiacuterem repasses voluntaacuterios tecircm sido fetor de constrangimento para o
estabelecimento de poliacuteticas de desenvolvimento continuadas nos paiacuteses mais pobres
As intenccedilotildees declaradas dos paiacuteses industrializados de destinar um percentual
miacutenimo de 07 seus respectivos PIBs para o setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo
eram garantia do estabelecimento de medidas concretas de repasses dos fundos
Atualmente ainda podemos comprovar esta situaccedilatildeo pois mesmo que o paiacuteses
industrializados continuem afirmando suas intenccedilotildees de aumentar os fluxos ODA
(Conferecircncia de Monterrey em 2002) para um percentual miacutenimo de 07 de seus PIBs
nacionais na realidade os financiamentos facilitados continuam diminuindo Os fluxos
ODA dos paiacuteses Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) baixaram de 033 do
PIB no biecircnio de 1986-7 para 022 em 1997 e continuam em queda acentuada (TRIULZI
1998 123)
A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi uma tentativa de conseguir garantir aos paiacuteses em
desenvolvimento uma quantidade miacutenima de recursos que pudessem ser empregados como
financiamento aos paiacuteses do Sul atraveacutes de um maior comprometimento dos paiacuteses
doadores com a ajuda ao desenvolvimento46 Eacute interessante perceber que na recente
46 A funccedilatildeo deste oacutergatildeo plenaacuterio das Naccedilotildees Unidas limita-se apenas ao estudo discussatildeo e recomendaccedilotildees - aos Estados membros e natildeo-membros e aos demais organismos da ONU e subsidiaacuterios - de temas ligados agrave manutenccedilatildeo da paz e agrave resoluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias (CAFFARENA 200180 Carta das Naccedilotildees Unidas art 10-14) Neste sentido o termo resoluccedilatildeo manteacutem o significado geneacuterico de recomendaccedilatildeo
37
Conferecircncia Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento realizada em marccedilo
de 2002 na cidade de Monterrey o tema da necessidade de um repasse automatizado de
fundos para o setor da cooperaccedilatildeo que continua sendo uma das questotildees centrais para os
paiacuteses pobres natildeo foi nem mesmo levantado (CONFEREcircNCIA DE MONTERREY) O
fato de omitir-se uma questatildeo de tamanha importacircncia para os paiacuteses em desenvolvimento
na principal Conferecircncia sobre os fundos da cooperaccedilatildeo desta deacutecada evidencia como os
paiacuteses industrializados fortaleceram suas posiccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo desde os anos
setenta
As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD
As foacutermulas multibilaterais por estarem diretamente ligadas aos interesses
comerciais dos paiacuteses doadores (interesses de procurement - ajuda vinculada) foram
introduzidos sobretudo a partir da regulamentaccedilatildeo financeira dos oacutergatildeos subsidiaacuterios e da
proacutepria Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas afirmando-se de maneira pragmaacutetica
aproveitando os vaacutecuos existentes nas normas que regulam a gestatildeo financeira da
Assembleacuteia Geral e seus oacutergatildeos subsidiaacuterios (MARCHISIO 2000) Esse eacute o caso da
resoluccedilatildeo 3556 da Assembleacuteia Geral que trata das estrateacutegias das Naccedilotildees Unidas para o
Terceiro Dececircnio do Desenvolvimento nos anos oitenta No paraacutegrafo 103 b afirma-se que
ldquoem regravegle gegravenerale laacuteide publique au deacuteveloppement ne devrais pas ecirctre lieacuteerdquo (YODER
1997) O uso do condicional que natildeo estava presente ateacute os anos oitenta nesse paraacutegrafo
permite entender claramente a presenccedila de um espaccedilo (que deveria ser marginal) no qual
satildeo consentidas derrogas ou exceccedilotildees Nos documentos que definiram as estrateacutegias das
Naccedilotildees Unidas para o Primeiro e o Segundo Dececircnio para o Desenvolvimento a ajuda
vinculada realizada atraveacutes de recursos oficiais ao desenvolvimento multilaterais era
categoricamente proibida47
Natildeo existe uma regulamentaccedilatildeo uacutenica que normatize a gestatildeo financeira das
diversas agecircncias e institutos do Sistema das Naccedilotildees Unidas Pelo contraacuterio cada
47 Disponiacutevel on-line (HTTPVwww unorgdoc)
38
organismo conta com medidas proacuteprias de alocaccedilatildeo e administraccedilatildeo dos recursos
(CAFFARENA 2001) Mesmo para os organismos subsidiaacuterios da Assembleacuteia Geral dos
quais a grande parte dos oacutergatildeos que trabalham no setor da cooperaccedilatildeo eacute subsidiaacuterio existe
uma autonomia funcional Contudo sendo o PNUD um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia
Geral das Naccedilotildees Unidas eacute pertinente aprofundar mais especificamente os limites da
autonomia financeira do proacuteprio Programa em relaccedilatildeo agrave Assembleacuteia Geral
A Assembleacuteia Geral conteacutem algumas indicaccedilotildees vagas sobre a gestatildeo financeira dos
seus oacutergatildeos subsidiaacuterios48 De maneira generalizante a proacutepria Assembleacuteia deveria
responder pelo regulamento financeiro de seus oacutergatildeos subsidiaacuterios a menos que ldquoas
resoluccedilotildees atraveacutes das quais eles foram individualmente constituiacutedos lhes tenham conferido
autonomia financeira que o Secretaacuterio Geral das Naccedilotildees Unidas tenha autorizado
autonomia de gestatildeo financeira ou no caso dos organismos que possuem atividades
operativas que estes sejam financiados atraveacutes de contribuiccedilotildees voluntaacuterias e possuam bens
proacutepriosrdquo (REGULAMENTO FINANCEIRO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS )49 Ou seja isso
significa que na praacutetica todos os oacutergatildeos subsidiaacuterios das Naccedilotildees Unidas tecircm autonomia
financeira de administraccedilatildeo dos recursos pois todos enquadram-se em ao menos duas das
categorias de exceccedilatildeo (contribuiccedilotildees voluntaacuterias e bens proacuteprios)
Quanto ao procurement espaccedilo de maior abertura para a introduccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais nos projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (CREWE amp
HARRISON 1998) os oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia mesmo que dotados de
autonomia de gestatildeo deveriam manter-se compatiacuteveis com os princiacutepios gerais da
regulamentaccedilatildeo financeira das Naccedilotildees Unidas de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeo Contudo o
proacuteprio estatuto da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas eacute ambiacuteguo na regulamentaccedilatildeo da
compra de seus bens e serviccedilos
Para o procurement (acima de 10 mil doacutelares) da Assembleacuteia Geral se determina
que ldquoa compra de bens e serviccedilos deve ser feita atraveacutes de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeordquo (art
48 Da instituiccedilatildeo e da normativa dos oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia trata o art 2 2 da Carta das Naccedilotildees Unidas
49 Disponiacutevel on-line (http w w w u n o rg l Ponto 5 do art X101 do Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
39
105 do Regulamento Financeiro)50 Essa normativa contudo soacute eacute vaacutelida para as compras
de bens e serviccedilos efetuados com recursos ldquoobrigatoacuteriosrdquo aqueles recebidos para a
manutenccedilatildeo das estruturas Quanto aos procurement efetuados pela Assembleacuteia Geral e
realizados com recursos voluntaacuterios (fora do orccedilamento anual de manutenccedilatildeo da estrutura)
a Assembleacuteia estabelece que o Secretaacuterio Geral pode ldquoestabelecer qualquer outro criteacuterio
para a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos desde que no interesse da organizaccedilatildeordquo (11016 a
11024 do Regulamento Financeiro)51 Essa falta de regulamentaccedilatildeo precisa possibilita a
praacutetica de ajuda vinculada jaacute a partir da proacutepria Assembleacuteia Geral
Quanto ao PNUD o Programa estabelece princiacutepios complementares aos da
Assembleacuteia Geral em mateacuteria de procurement de um lado que o programa deve
normalmente utilizar o procedimento da licitaccedilatildeo internacional para aquisiccedilatildeo de bens e
serviccedilos favorecendo todavia onde possiacutevel o emprego daqueles disponiacuteveis nos proacuteprios
paiacuteses em via de desenvolvimento Contudo os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo destes bens e
serviccedilos natildeo satildeo o preccedilo mas o maacuteximo de eficaacutecia teacutecnica (humana e material) para a
realizaccedilatildeo do projeto (artigo 145 do Regulamento Financeiro do PNUD) O criteacuterio de
julgamento de eficiecircncia eacute realizado evidentemente no proacuteprio PNUD atraveacutes do setor de
execuccedilatildeo de projetos (OPE) Torna-se evidente portanto que as avaliaccedilotildees das licitaccedilotildees
totalmente baseadas nas decisotildees subjetivas dos funcionaacuterios do Programa (CREWE amp
HARRISON 1998) possam vir a favorecer foacutermulas multibilaterais
Um segundo ponto a ser sublinhado A aplicabilidade do regulamento do PNUD diz
respeito somente aos projetos que o Programa executa diretamente Acontece que a
execuccedilatildeo direta de projetos pelo programa natildeo eacute regra Ao contraacuterio o PNUD limita-se na
maior parte dos casos agrave funccedilatildeo de oacutergatildeo financeiro conferindo fundos necessaacuterios para
cobrir os custos internacionais (custos de operacionalizaccedilatildeo) de projetos cuja execuccedilatildeo
vem confiada agraves agecircncias de execuccedilatildeo (executing agencie) do Sistema das Naccedilotildees Unidas
e tambeacutem a partir de 1984 agraves ONGs internacionais que tenham caraacuteter consultivo junto ao
ECOSOC (das quais 79 satildeo dos EUA e da Europa) Quando um projeto - entre aqueles
50 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
51 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
40
indicados nos programas nacionais de desenvolvimento e aprovado pela PNUD - chega agrave
fase de atuaccedilatildeo normalmente entram em cena as executing agencies como encarregadas de
providenciar as necessaacuterias aquisiccedilotildees de bens e serviccedilos Ocorre precisar que onde o
Programa recorre a subcontratos parciais ou totais de realizaccedilatildeo de um projeto estes
uacuteltimos eacute que iratildeo fazer diretamente a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos no lugar da PNUD ldquoNa
hipoacutetese em que a realizaccedilatildeo de um projeto seja delegada a uma executing agency em
razatildeo da sua competecircncia teacutecnica a funccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos e o
recrutamento dos especialistas seraacute tambeacutem do oacutergatildeo contratado que utilizaraacute suas proacuteprias
regras de procurementrdquo (art 151 do regulamento financeiro do PNUD) Atualmente
grande parte das executing agencies satildeo os institutos financeiros e as ONGs internacionais
acreditadas pelo ECOSOC O regulamento dos institutos financeiros natildeo prevecirc nem mesmo
o mecanismo da licitaccedilatildeo internacional pois o proacuteprio diretor geral do instituto
especializado eacute o responsaacutevel pelas decisotildees de aquisiccedilatildeo de mercadorias e serviccedilos
especializados para a realizaccedilatildeo dos projetos Situaccedilatildeo ainda mais grave eacute o caso das ONGs
que atuam como executing agencies e tecircm autonomia praticamente absoluta na
administraccedilatildeo dos recursos nas licitaccedilotildees nas compras internacionais e na contrataccedilatildeo de
pessoal As ONGs satildeo muito orgulhosas de sua suposta autonomia e podem utilizar seu
apoio junto agrave comunidade civil para que natildeo lhes sejam estabelecidas regras mais
transparentes de controle (TAVARES 1999)
Foacutermulas multibilaterais custos divididos (ltcost-sharing)
No que diz respeito agrave cooperaccedilatildeo teacutecnica as foacutermulas multibilaterais legitimadas
dentro da normativa do Sistema do PNUD satildeo as contribuiccedilotildees in natura52 (agraves quais se liga
o problema das contribuiccedilotildees de contraparte) a participaccedilatildeo nos custos (ltcost-sharing) e a
participaccedilatildeo nos custos de uma terceira parte (third-party-cost-sharing) os fundos de
52 Se referem aos custos locais e de manutenccedilatildeo dos programas de desenvolvimento
41
confianccedila (trust-funds) os serviccedilos de gestatildeo53 (management-services) e as contribuiccedilotildees
em moeda natildeo conversiacutevel54 Uma evoluccedilatildeo mais recente das foacutermulas de financiamento de
projetos multibilateral satildeo os jaacute citados fundos de confianccedila temaacuteticos (thematic trusts
Junds)55 Limitaremos nossa anaacutelise ao estudo do cost-sharing ao third-party-cost-sharing
e agrave mais nova versatildeo de cost-sharing (integral) - a foacutermula utilizada pelo Brasil para
realizar o Programa Paiacutes junto ao PNUD
bull Custos Divididos e Custos Divididos com uma Terceira Parte
Os custos divididos e os custos divididos com uma terceira parte constituiacuteram-se
em uma verdadeira exceccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de serem impostas restriccedilotildees quanto ao uso e o
destino das contribuiccedilotildees voluntaacuterias O Cost-sharing e sua variante third-party-cost-
sharing foram introduzidas em suas versotildees claacutessicas na metade dos anos setenta e
tomaram-se rapidamente a principal foacutermula de execuccedilatildeo de programas e projetos de
desenvolvimento realizados atraveacutes da cooperaccedilatildeo internacional
Na modalidade claacutessica de cost-sharing um projeto de ajuda teacutecnica comporta um
custo global do qual uma parte cabe ao Estado beneficiado e outra ao PNUD em
conformidade com os acordos descritivos de base e com aqueles descritivos do projeto O
PNUD normalmente elabora como cooperaccedilatildeo teacutecnica multilateral um conjunto de
projetos de atuaccedilatildeo quumlinquumlenal para os paiacuteses em vias de desenvolvimento definidos como
Programa Paiacutes country programme) Estes projetos em sua primeira fase satildeo cobertos (na
totalidade ou em sua parte mais consistente) pelos paiacuteses beneficiados Uma segunda lista
de projetos chamada pipeline embora compreenda tambeacutem accedilotildees prioritaacuterias seraacute depois
5j Os serviccedilos administrativos (management services) consiste em colocar agrave disposiccedilatildeo da cooperaccedilatildeo bilateral entre os Estados a infra-estrutura do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
54 Consiste em destinar para os fluxos ODA doaccedilotildees em moedas de difiacutecil conversatildeo ou natildeo conversiacuteveis que seratildeo depois gastas no proacuteprio paiacuteses de origem da doaccedilatildeo
55 Os fundos de confianccedila temaacuteticos permitem aos doadores participar de fundos multianuais elaborados pelo PNUD para implantaccedilatildeo de projetos ligados aos temas da agenda internacional nos paiacuteses em desenvolvimento
42
financiada pelo PNUD Os recursos financeiros destes projetos de segunda fase definidos
como custo internacional satildeo provenientes da ajuda multilateral
O custo global do Programa Paiacutes eacute definido antes da assinatura do contratado Nele
estatildeo os custos da primeira e da segunda fase Os custos da segunda fase de projetos
deveriam ser equivalentes aos pagos pelos paiacuteses beneficiados na primeira fase Todavia
como estes custos satildeo definidos ainda durante a fase de elaboraccedilatildeo do programa o que
acaba acontecendo eacute que jaacute a partir dos primeiros projetos (primeira fase) os custos
revelam-se maiores do que o previsto Quem assume a diferenccedila entre os custos reais e os
custos estimados da primeira e da segunda fase eacute o paiacutes beneficiado A intervenccedilatildeo
financeira direta dos proacuteprios Estados beneficiados na forma de participaccedilatildeo nos custos
(cost-sharing) permite a finalizaccedilatildeo dos projetos originalmente previstos nos programas
nacionais de desenvolvimento Os custos que os Estados recebedores tiveram que repassar
ao PNUD para a execuccedilatildeo completa de seus country programmes foram identificados
como uma verdadeira contribuiccedilatildeo ao PNUD maior do que as realizadas pelos doadores
industrializados No entanto os recursos fornecidos pelos governos dos Estados
beneficiados como cost-sharing natildeo satildeo considerados uma participaccedilatildeo financeira destes
Estados mas apenas a parte que lhes cabe na participaccedilatildeo de custos e sobretudo de riscos
nos programas nacionais de desenvolvimento elaborados pelo PNUD
Uma segunda forma de divisatildeo de custos que utiliza foacutermulas multibilaterais de
financiamento eacute o third-party-cost-sharing (custos divididos com uma terceira parte) Esse
mecanismo consiste em um procedimento multibilateral no qual as despesas para a
assistecircncia de primeira fase do country-programme satildeo cobertas em totalidade ou em parte
por uma contribuiccedilatildeo fornecida por um ou mais Estados diferentes daquele beneficiado Eacute
evidente que se trate de uma foacutermula mista ou multilateral visto que o terceiro doador pode
livremente escolher os paiacuteses e atividades a privilegiar
O princiacutepio geral adotado no caso de intervenccedilatildeo de terceiros eacute que se respeitem as
prioridades dos governos beneficiados Evidentemente encontram-se maneiras de garantir
os interesses dos terceiros ainda durante as negociaccedilotildees para a estipulaccedilatildeo dos acordos
entre o PNUD e os Estados interessados em participar como terceiros O PNUD promove
consultas com eventuais paiacuteses doadores dos programas de third-party-cost-sharing
43
submetendo a anaacutelise de projetos e programas a serem financiados atraveacutes deste mecanismo
aos agentes diplomaacuteticos dos Estados doadores Obtida uma geneacuterica manifestaccedilatildeo de
interesse o Programa envia missotildees ad hoc nas capitais dos paiacuteses doadores entre
setembro e novembro de cada ano para reexaminar com detalhes as propostas e chegar a
acordos para o financiamento do programa Nesta ocasiatildeo o doador poderaacute fazer valer suas
exigecircncias especialmente em mateacuteria de procurement escolhendo intervir em projetos para
os quais seja necessaacuterio um certo nuacutemero de materiais disponiacuteveis em seu mercado
nacional A satisfaccedilatildeo de tais interesses seraacute portanto realizada diretamente visto que o
third-party-cost-sharing natildeo eacute considerado formalmente um instrumento de ajuda
vinculada
O Brasil e a Ameacuterica Latina realizaram programas com o PNUD atraveacutes dos custos
divididos e tambeacutem dos custos divididos com uma terceira parte desde a implantaccedilatildeo da
modalidade ateacute o iniacutecio dos anos noventa - quando o CAD determinou que os fluxos
ODA mesmo vinculados fossem suspensos para os paiacuteses de renda meacutedia (RESOLUCcedilAtildeO
ANUAL CAD 1991) Essa medida afetou grande parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina que
passaram a disponibilizar recursos proacuteprios (obtidos internacionalmente) para manter as
atividades do PNUD A modalidade de execuccedilatildeo dos programas ainda eacute nominalmente
chamada cost-sharing Contudo nessa nova versatildeo os custos dos Programas Paiacutes satildeo quase
que integralmente pagos pelos governos dos Estados onde se realizam os projetos Essa
decisatildeo parece ter sido determinante para o aumento dos custos globais dos recursos
administrados pelo PNUD na regiatildeo
Em 1993 na regiatildeo da Ameacuterica Latina e do Caribe foram utilizados em programas e
projetos de desenvolvimento PNUD e governos nacionais aproximadamente US$ 400
milhotildees dos quais metade proveniente de recursos do Programa e a outra metade de
recursos cost-sharing junto aos paiacuteses da regiatildeo Em 1997 na mesma regiatildeo foram
utilizados pouco mais de US$ 800 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de
desenvolvimento entre os governos e o PNUD dos quais menos de cem milhotildees eram
recursos do Programa e 700 eram recursos cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32)
No Brasil a progressatildeo do aumento do volume de recursos puacuteblicos implicados nos
programas e projetos de cost-sharing com o PNUD eacute ainda mais espantosa No periacuteodo de
1982-86 eram utilizados menos de US$ 50 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de
44
desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais menos da metade eram recursos cost-
sharing No periacuteodo de 1992-96 foram gastos quase US$ 250 milhotildees de doacutelares em
programas e projetos de desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais quase a
totalidade (US$ 220 milhotildees aproximadamente) em cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32-
5) Devemos lembrar que os fluxos financeiros destinados pelos paiacuteses em vias de
desenvolvimento para a execuccedilatildeo de seus Programas de desenvolvimento natildeo satildeo
contabilizados internacionalmente como ODA Este fato eacute bastante significativo se
considerarmos que a maior parte dos paiacuteses de renda meacutedia paga atualmente atraveacutes de
recursos proacuteprios seus programas de desenvolvimento Um dos problemas apontados pelos
analistas (Marchisio Cecchi) eacute que as categorias de paiacuteses doadores e paiacuteses recebedores
(embora atualmente isto faccedila pouco sentido devido agrave acentuaccedilatildeo da presenccedila de fluxos
privados no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento nos uacuteltimos anos) natildeo encontram
espaccedilo de debate nos foacuteruns internacionais Esse fato demonstra o tratamento diferenciado
que os atores mais fortes pode ter no interior dos regimes internacionais
Uma segunda questatildeo que deve ser levantada eacute o fato de que embora o Brasil pague
praticamente sozinho seus custos do Programa Paiacutes ainda estaacute utilizando o PNUD como
fornecedor de serviccedilos e consultoria de desenvolvimento Esse fato pode ser explicado de
diversas maneiras Keohane nos lembra que muitas vezes por uma questatildeo de
credibilidade os atores que participam dos regimes internacionais procuram preservar
acordos anteriormente estabelecidos (KEOHANE 1984) Uma segunda explicaccedilatildeo pode
ser encontrada na teoria de Keohane sobre a cooperaccedilatildeo O autor afirma que os regimes
internacionais efetuados a partir das organizaccedilotildees internacionais podem trazer alguma
garantia legal aos atores Mesmo que o Brasil natildeo esteja mais utilizando os recursos
provenientes do regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento devemos lembrar
que nosso volume de procurement eacute sempre substancial Logo caso natildeo tiveacutessemos um
oacutergatildeo regulador no qual administrar esse grande volume de recursos talvez nossos custos
de procurement pudessem ser ainda maiores Podemos ainda pensar que devido agrave
condicionalidade da ajuda fenocircmeno que estudaremos no proacuteximo capiacutetulo manter um
Programa Paiacutes atraveacutes de uma organizaccedilatildeo internacional seja uma condiccedilatildeo imposta pelos
institutos financeiros ou pelo proacuteprio mercado para podermos ter acesso a financiamentos
externos Todas estas explicaccedilotildees ajudam a entender a permanecircncia do fenocircmeno do cost-
45
sharing no Brasil Contudo nenhuma delas eacute motivo para permanecermos indiferentes agraves
grandes quantias que o paiacutes vem repassando atualmente para o PNUD e outras
organizaccedilotildees internacionais e natildeo-govemamentais que atuam em seu territoacuterio Sobretudo
se considerarmos que o PNUD a Organizaccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a
Unesco receberam em 2000 70 do total de recursos que o Brasil destinou a projetos de
desenvolvimento desligados das estruturas de governo Tendo em contrapartida destas
organizaccedilotildees PNUD (projetos) Unesco (projetos) e OPAS (projetos missotildees teacutecnicas
seminaacuterios) (ABC)56
A evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional dos anos setenta ateacute nossos dias
tem demonstrado quatildeo acentuados tecircm sido os constrangimentos destinados a fazer os
atores dos PDV acederem aos recursos do regime internacional ODA No caso da
cooperaccedilatildeo multibilateral o cost sharing natildeo significou apenas um constrangimento que
dificultou o acesso a financiamentos facilitados para o paiacutes mas um custo adicional
bastante elevado que estaacute sendo comprometido para a realizaccedilatildeo de um Programa Paiacutes
Como dissemos nosso proacuteximo capiacutetulo seraacute dedicado ao fenocircmeno da
condicionalidade da ajuda A condicionalidade por representar um instrumentos teoacuterico-
poliacutetico eacute um dos mecanismos de puniccedilatildeo do uso da ajuda oficial ao desenvolvimento
(ODA) que mais podem interferir nos processos nacionais de desenvolvimento dos paiacuteses
recebedores dos recursos assim como daqueles que dependem de grandes volumes de
empreacutestimos internacionais
56 Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo (ABC) (httpwwwmregovbr)
46
CAPIacuteTULO m
A CONDICIONAL IDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO
A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos
No uacuteltimo capiacutetulo analisamos a ajuda multibilateral como sendo o resultado de
uma mudanccedila de comportamento do PNUD devido aos novos incentivos e puniccedilotildees
impostos pelo ambiente internacional durante os anos do choque do petroacuteleo e agrave tentativa
de estabelecimento da nova ordem econocircmica internacional No presente capiacutetulo
estudaremos a condicionalidade da ajuda outro fenocircmeno que se estabeleceu a partir dos
anos setenta no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento E que desde
entatildeo tem sido considerado um dos mais emblemaacuteticos instrumentos de puniccedilatildeo e
constrangimento para o uso da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pelos paiacuteses em
vias de desenvolvimento
A literatura especializada vem identificando a condicionalidade como um fenocircmeno
que ocorre quando os financiamentos destinados aos projetos e programas de
desenvolvimento satildeo condicionados explicitamente agrave transformaccedilatildeo de certas poliacuteticas
sociais econocircmicas ou administrativas destes paiacuteses recebedores (CREWE amp HARRISON
1998 47-52 SCHMITZ amp GILLES 1992 ASCARI 1999 54-5 BASILE 1995 78) Os
autores que abordam a questatildeo da condicionalidade tecircm contudo pareceres muito
destoantes quanto ao fenocircmeno Para Ascari e Basile o uso da condicionalidade se coloca
como uma visatildeo altruiacutestica e uma preocupaccedilatildeo dos paiacuteses doadores no confronto com as
populaccedilotildees mais pobres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Populaccedilotildees que
subjugadas pelos seus proacuteprios governos natildeo poderiam ser de outra maneira beneficiadas
pela ajuda oficial ao desenvolvimento
Em direta oposiccedilatildeo agrave visatildeo de Ascari e Basile estatildeo Crewe e Harrison para quem a
condicionalidade eacute sintomaacutetica da suposiccedilatildeo dos paiacuteses doadores de que eles tecircm um
47
melhor entendimento das necessidades dos paiacuteses em vias de desenvolvimento do que os
govemos destes Condiccedilotildees para o repasse da ajuda ldquorelacionadas agrave natureza dos sistemas
poliacuteticos agraves estatiacutesticas de direitos humanos agrave poliacutetica econocircmica e aos mais variados
iacutendices de governabilidade dos paiacuteses em vias de desenvolvimento vecircm se tomando parte
dos grandes temas que dominam grande parte das agendas das poliacuteticas das agecircncias
multilaterais e bilateraisrdquo e refletem ldquoa crenccedila dos paiacuteses ricos de que eles sabem maisrdquo (do
que os governos locais) e podem portanto interferir na esfera domeacutestica dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento (CREWE amp HARRISON 1998 3235) Schmitz e Gilles satildeo ainda
mais criacuteticos quanto ao fenocircmeno da condicionalidade ao afirmar que seu uso ldquoeacute forma de
imperialismo cultural que estrategicamente promove a erosatildeo da soberania dos paiacuteses mais
pobresrdquo (SCHMITZ amp GILLES 1992 18)
A condicionalidade como se pode perceber pelas divergecircncias de interpretaccedilatildeo que sua
aplicaccedilatildeo suscita eacute um dos fenocircmenos mais emblemaacuteticos de discussatildeo dentro do setor da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Essa divergecircncia de opiniotildees quanto ao uso
da condicionalidade eacute justificada pela proacutepria abrangecircncia que o fenocircmeno ganhou dentro
do setor Evidentemente a condicionalidade eacute um constrangimento ao uso do regime oficial
da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pois atraveacutes deste instrumento os paiacuteses
doadores podem interferir diretamente nas estrateacutegias macroeconocircmicas de
desenvolvimento dos paiacuteses recebedores dos recursos Ou ainda podem decidiras poliacuteticas
locais atraveacutes do favorecimento de certos setores temas agendas ou populaccedilotildees no que diz
respeito aos projetos e programas de desenvolvimento O instrumento da condicionalidade
eacute empregado para o cumprimento dos mais diferentes objetivos de desenvolvimento dos
paiacuteses mais pobres dos projetos e programas que atendam agraves necessidades de base das
populaccedilotildees mais carentes aos ajustes estruturais e abertura das economias dos paiacuteses mais
pobres Esse tipo de abrangecircncia pode acirrar os mais variados acircnimos quanto agraves questotildees
do desenvolvimento e contribuir para que as poliacuteticas governamentais destes paiacuteses sofram
pressotildees em vaacuterios niacuteveis
Costuma-se identificar o iniacutecio do uso da condicionalidade aos financiamentos e
empreacutestimos de ajustamento estrutural - colocados em pauta pelo FMI e pelo Banco
Mundial apoacutes a crise da diacutevida dos paiacuteses em vias de desenvolvimento - a partir da metade
dos anos oitenta (BASILE 1995) Contudo essa interpretaccedilatildeo eacute errocircnea pois se refere
48
apenas agrave manifestaccedilatildeo da condicionalidade nos repasses financeiros que promovem
intervenccedilotildees precisas nas poliacuteticas econocircmicas e administrativas dos Estados O uso de
mecanismos de condicionalidade no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento eacute contudo
anterior a este uacuteltimo tipo de manifestaccedilatildeo
O uso da condicionalidade foi estabelecido no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento logo apoacutes o choque do petroacuteleo depois que os paiacuteses doadores
aumentaram repentinamente seus interesses pelas questotildees Norte-Sul57 e iniciaram
modificaccedilotildees no repasse da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como revelam os
proacuteprios documentos CAD do periacuteodo38 Atraveacutes de nota administrativa ldquoO Conselho da
Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) convidou o CAD
(Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento) a empreender uma visatildeo mais complexa dos
problemas do desenvolvimento Em particular foi sugerido que se passasse a dar grande
atenccedilatildeo ao volume e sobretudo aos termos e condiccedilotildees exigidas para a transferecircncia da
ajuda para o Terceiro Mundordquo (FUumlHRER 1996 24) Os fluxos da ODA natildeo poderiam
mais ser utilizados para o suposto ldquocrescimento desordenado dos paiacuteses recebedoresrdquo
(CONSELHO ECONOcircMICO OCDE1973)59 e deveriam ter sua utilizaccedilatildeo acompanhada e
condicionada pelos paiacuteses industrializados Ao CAD foi delegada a funccedilatildeo de revelar um
corpo de temas ligados ao desenvolvimento temas que serviriam para orientar os paiacuteses
recebedores quanto agrave utilizaccedilatildeo dos recursos da ODA (FUumlHRER 1996 26) A partir de
1975 a OCDE determinou que fossem formados no interior do CAD Grupos de Alto
57 Keohane faz a mesma afirmaccedilatildeo quando diz que por volta da metade da deacutecada de setenta as demandas dos paiacuteses menos desenvolvidos pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica internacional criaram problemas para os regimes internacionais econocircmico e financeiro estabelecidos em Bretton Woods (Keohane e Nye 1988 37) Grilli afirma que o choque do petroacuteleo e a crise dos paiacuteses produtores de mateacuteria primas assim como as tentativas destes paiacuteses de regulamentar um maior acesso aos financiamentos provocou a organizaccedilatildeo e a expansatildeo da Cooperaccedilatildeo Econocircmica Europeacuteia que visa basicamente manter o acesso garantido da Comunidade agrave energia e as mateacuterias primas (GRILLI 1993)
58 O CAD liberou em 1994 grande parte de seus documentos e resoluccedilotildees internas referentes a ajuda oficial ao desenvolvimento Estes documentos foram organizados por Helmut Fuumlhner ex-diretor do CAD de 1974-93 e constituem uma publicaccedilatildeo sobre a histoacuteria da ajuda oficial ao desenvolvimento em datas e nomes disponiacutevel em versatildeo on-line no site da OCDE (wwwoecdorg) Quanto as resoluccedilotildees anuais do CAD algumas podem ser encontradas em versatildeo integral no mesmo site
59 Disponiacutevel on-line (httpAvwwoecdorgdocL
49
Niacutevel ad hoc que se ocupariam das relaccedilotildees econocircmicas entre os paiacuteses membros da OCDE
e os paiacuteses em desenvolvimento Estes grupos foram criados visando ldquoidentificar quais
novos e construtivos temas poderiam ser selecionados como relevantes para estruturar uma
agenda em tomo da qual seriam confrontadas as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento
buscando estabelecer uma nova ordem econocircmica e mundialrdquo (CONSELHO
ECONOcircMICO OCDE1975)60
O primeiro uso do instrumento de condicionalidade foi estabelecido em 1976
quando os paiacuteses doadores adotando um conceito de necessidades humanas baacutesicas (NHB)
receacutem-criado pelo Banco Mundial61 estabeleceram que a ajuda oficial ao desenvolvimento
devido ao seu caraacuteter facilitado deveria atender agraves necessidades baacutesicas das populaccedilotildees
mais pobres (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1976) O condicionamento do uso dos fluxos
financeiros e da cooperaccedilatildeo teacutecnica recebidos para o atendimento de um tema
anteriormente considerado questatildeo intema dos paiacuteses recebedores foi a grande
transformaccedilatildeo que os fluxos da ODA e o setor da cooperaccedilatildeo sofreram a partir dos anos
setenta Desde entatildeo parece ter-se estabelecido uma espeacutecie de deslocamento das questotildees
poliacuteticas que envolviam os temas do Hemisfeacuterio Sul nos quais os proacuteprios efeitos de uma
ordem econocircmica que proporciona benefiacutecios desiguais foram tomados como causas do
descompasso econocircmico destes paiacuteses Desse modo foi possivel estabelecer uma loacutegica
inversa a qual possibilitou que as demandas dos paiacuteses do Sul - pelo melhoramento de
suas condiccedilotildees internas e da condiccedilatildeo de vida de suas populaccedilotildees - fossem afastadas de
suas causas provocadas pelos desequiliacutebrios do sistema internacional e passassem a ser
transformadas em instrumentos de pressatildeo sobre os paiacuteses em desenvolvimento
Os governos dos paiacuteses recebedores se manifestaram quanto ao dirigismo da ajuda e
tambeacutem ao fato de que o condicionamento dos fluxos da ODA no atendimento das
necessidades humanas baacutesicas comprometeria os esforccedilos de industrializaccedilatildeo aleacutem de
60 Disponiacutevel on-line (httpAvww oecd orgdoc)
61 A adoccedilatildeo da estrateacutegia de condicionar a utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA para a melhora das necessidades humanas baacutesicas vinculou as praacuteticas de desenvolvimento a estreita orientaccedilatildeo do Banco Mundial elaborador do conceito de HBN assim como dos indicadores de desempenho dos paiacuteses nessa aacuterea (ESCOBAR 1995 55) seguindo a loacutegica da concentraccedilatildeo dos fluxos ODA nos institutos financeiros
50
aumentar imensamente os custos locais destes governos na implantaccedilatildeo de projetos e
programas de desenvolvimento (FUumlHRER 1996 32) Contudo os paiacuteses em vias de
desenvolvimento acabaram se conformando ao novo modelo de repasse condicionado do
regime internacional da ODA Natildeo podemos esquecer que essa conformaccedilatildeo aos novos
criteacuterios aconteceu em um momento tenso para os dois grupos de paiacuteses em que se chegou
inclusive a cogitar o cancelamento da ajuda puacuteblica ao desenvolvimento (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1995 96-98) Nesse sentido a aceitaccedilatildeo dos paiacuteses em
desenvolvimento de que se estabelecessem novos criteacuterios mais restritivos aos repasses
pode ser interpretada ldquocomo resultado de um acordo onde se puderam atingir objetivos
possiacuteveisrdquo (KEOHANE 19849899) Todavia como efeito colateral dessa aceitaccedilatildeo na
medida em que na deacutecada de oitenta novos temas iam sendo inseridos e condicionados ao
repasse dos fluxos do regime internacional da ODA as demandas dos paiacuteses em
desenvolvimento por mudanccedilas na ordem econocircmico- financeira iam perdendo espaccedilo nos
foacuteruns internacionais Ao mesmo tempo e cada vez mais os temas apresentados a partir do
novo tipo de diaacutelogo Norte-Sul (aceito como construtivo pelo grupo de paiacuteses
industrializados) iam ganhando uma dimensatildeo figurada mais ampla do que as proacuteprias
questotildees sistecircmicas de que grande parte destas mesmas questotildees derivavam Assim os
novos temas que iam sendo associados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e
condicionando o uso dos recursos da ODA foram ganhando uma naturalidade e uma
dimensatildeo de grupo-espetaacuteculo ou tema-espetaacuteculo62 na definiccedilatildeo de Escobar ou grupo-
cliente ou tema-cliente na definiccedilatildeo de Sachs (1990)63 Estes temas acabaram por encobrir a
maior parte da dimensatildeo conflitiva das relaccedilotildees Norte-Sul (ESCOBAR 1995 155)
62 Temas espetaacuteculo ou grupos espetaacuteculo satildeo situaccedilotildees ou grupos de pessoas que periodicamente satildeo identificados e vatildeo ganhando centralidade no discurso que sustenta o desenvolvimento Estes temas ou grupos passam a constituir a agenda das organizaccedilotildees internacionais das ONGs dos institutos financeiros etc Todas os programas setoriais passam a tentar mesmo de maneira pouco convincente a ligar sua proacutepria accedilatildeo ao tema espetaacuteculo Escobar costuma identificar e desconstruir os mecanismos de discurso entorno dos quais os temas espetaacuteculo satildeo estruturados Em Encounterig Development (1995) o autor desconstruir os temas espetaacuteculo dos camponeses das mulheres no desenvolvimento e do meio-ambiente (ESCOBAR 1995)
6j Grupos e temas clientes tecircm praticamente a mesma conotaccedilatildeo de grupos espetaacuteculo Contudo esse termo faz tambeacutem referecircncia agrave dimensatildeo financeira que passam a assumir estes temas no setor do desenvolvimento por exemplo quando em 1948 o Banco Mundial definiu que os paiacuteses pobres eram aqueles com uma renda per capta abaixo de UU$ 100 mais de dois terccedilos da humanidade passaram a ser sua populaccedilatildeo cliente (SACHS 1990 9 ESCOBAR 1995 2223)
51
A introduccedilatildeo do discurso das Necessidades Humanas Baacutesicas pode ser interpretada
como uma mudanccedila no leacutexico intemacionalista Os novos conceitos introduzidos no setor
da cooperaccedilatildeo como relevantes para o diaacutelogo Norte-Sul (e associados ao regime da ODA)
passaram a ser utilizados pelos atores que desfrutavam das vantagens como uma
necessidade estabelecida como algo a que a poliacutetica deveria ajustar-se e natildeo como
situaccedilotildees parcialmente criadas pela poliacutetica64 Contudo Keohane nos lembra que as
investigaccedilotildees de fenocircmenos que envolvem riqueza e poder no caso a cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento devem ser buscadas na dimensatildeo onde se estruturam as
relaccedilotildees poliacuteticas e econocircmicas dos atores De outro modo estariacuteamos arriscando que na
investigaccedilatildeo do fenocircmeno os efeitos de determinada situaccedilatildeo fossem tomados como causas
desta mesma situaccedilatildeo (KEOHANE 1984 18-9)
Uma vez estabelecida a loacutegica de que a ajuda oficial por seu caraacuteter facilitado
deveria ser condicionada ao atendimento das necessidades baacutesicas das populaccedilotildees dos
PVD os fluxos do regime da ODA perderam seu caraacuteter de mecanismos de compensaccedilatildeo
mesmo que informais destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento devido aos
desequiliacutebrios causados pelos regimes de Bretton Woods (BASILE 1995 78 GRILLE
1993) e se tomaram instrumentos atraveacutes dos quais os paiacuteses doadores poderiam interferir
diretamente em setores pontuais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O uso da
condicionalidade estabelecido como limitaccedilatildeo agrave liberdade destes paiacuteses na utilizaccedilatildeo dos
fluxos da ajuda oficial ou nas decisotildees referentes a suas escolhas poliacuteticas e econocircmicas
pode ser considerado originalmente uma puniccedilatildeo econocircmica e um aumento dos
constrangimentos impostos a estes paiacuteses
A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais
64 Em analogia a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia em ambientes internacionais elaborada por Keohane e Nye em Poder e Interdependecircncia (KEOHANE amp NYE1982)
52
A expansatildeo do uso da condicionalidade aconteceu no iniacutecio dos anos oitenta
quando os sinais da crise da diacutevida extema 65 reacenderam as esperanccedilas dos PVD de
promover discussotildees internacionais voltadas agrave revisatildeo corretiva dos regimes de Bretton
Woods Tal esperanccedila foi reforccedilada em 1981 quando o CAD introduziu em seu relatoacuterio
anual a noccedilatildeo de interdependecircncia (mesmo que em nenhum momento o relatoacuterio precisasse
o que os paiacuteses da OCDE entendiam por interdependecircncia66) (FURNER 1996)
A introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia67 em um momento de grave crise
econocircmica pode ter sido percebida como uma abertura de diaacutelogo para que fossem
retomadas as discussotildees internacionais sobre a necessidade de se buscar uma ordem
econocircmico-financeira mais favoraacutevel aos paiacuteses do Hemisfeacuterio Sul (RELATOacuteRIO DA
COMISAtildeO SUL 1990 16) Com o apoio dos paiacuteses em desenvolvimento o CAD
seguindo a ecircnfase da interdependecircncia passou a promover a discussatildeo dos temas Norte-
Sul que poderiam ser considerados como de pertinecircncia global (RELATOacuteRIO ANUAL
CAD 1981) Antes da definiccedilatildeo dos temas primeiramente aprovou-se na sede do Conselho
65 Trecircs fatores internacionais (a expansatildeo dos mercados de cacircmbio europeu a reciclagem dos excedentes financeiros dos paiacuteses produtores de petroacuteleo e a recessatildeo econocircmica dos paiacuteses industrializados) criaram um excesso de liquidez no sistema bancaacuterio internacional que foi transferido em forma de empreacutestimos para os paiacuteses em desenvolvimento na deacutecada de setenta A necessidade dos paiacuteses desenvolvidos no final dos anos setenta de empreenderem medidas macropoliacuteticas recessivas para o combate da inflaccedilatildeo ocasionou a diminuiccedilatildeo da liquidez internacional aumentando exponencialmente as taxas de juros internacionais que chegaram a ficar quatro vezes mais caras no periacuteodo Ao mesmo tempo as medidas recessivas diminuiccedilatildeo as atividades industriais dos paiacuteses desenvolvidos o que causou uma brusca queda no preccedilo das mateacuterias primas Entre 1980 e 1982 o preccedilo das principais mateacuterias-primas exportadas pelos paiacuteses em desenvolvimento (excluiacutedo o petroacuteleo) caiu 21 Essa queda acentuou-se em 1983-4 e em 1988 o preccedilo de 33 mateacuterias primas de interesse especial para os paiacuteses em vias de desenvolvimento (a queda meacutedia do preccedilo do petroacuteleo nos periacuteodos tratados foi de 65) eram 30 mais baixos do que a meacutedia de 1979-81) A diminuiccedilatildeo dos fluxos privados no periacuteodo a estagnaccedilatildeo dos fluxos ODA a diminuiccedilatildeo dos preccedilos das mateacuterias-primas e o aumento das taxas de juros fizeram com que os reembolsos da diacutevida ficassem excedessem as entradas do Sul Der fato no periacuteodo de 1984 a 1988 os paiacuteses em vias de desenvolvimento em seu conjunto transferiram um montante liacutequido de 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte (RELATOacuteRIO SUL 1990 63-9)
66 Para Keohane e Nye interdependecircncia eacute entendida ldquocomo situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocosrdquo (KEOHANE amp NYE Poder e Interdependecircncia 8)
67 Keohane afirma que a interdependecircncia foi utilizada como estrateacutegia de limitaccedilatildeo das reinvincaccedilotildees do Terceiro Mundo em um periacuteodo de promoccedilatildeo dos nacionalismo econocircmicos entenda-se formaccedilatildeo da OPEP guerra dos produtos primaacuterios (KEOHANE amp NYE 1982)
53
Ministerial da OCDE o conceito de que os financiamentos oficiais ao desenvolvimento
poderiam ser condicionados ao atendimento de problemas identificados como globais
definidos como ldquoaqueles que tivessem ressonacircncia nos Estados do Sul e do Norte do
mundordquo Na mesma ocasiatildeo por iniciativa dos paiacuteses noacuterdicos especialmente da Alemanha
e do Canadaacute69 lanccedilou-se a proposta de que as instituiccedilotildees multilaterais de
desenvolvimento atraveacutes de um programa coordenado passassem tambeacutem a apreciar os
temas globais e condicionaacute-los agrave realizaccedilatildeo de programas e projetos de desenvolvimento70
(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981 j
A noccedilatildeo de interdependecircncia natildeo foi estendida contudo aos temas econocircmicos
como esperavam os paiacuteses em desenvolvimento A esperada revisatildeo corretiva dos regimes
de Bretton Woods foi frustrada logo no iniacutecio da adoccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia
Durante o Encontro Internacional dos Representantes do Norte e do Sul do Mundo sobre
Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento (1981) o Presidente Reagan assumiu que a posiccedilatildeo dos
paiacuteses industrializados quanto agraves poliacuteticas de desenvolvimento na deacutecada que se iniciava
seria baseada na promoccedilatildeo do comeacutercio internacional no livre mercado e nos
investimentos privados O relatoacuterio da Comissatildeo Sul aponta que a crise dos anos oitenta
natildeo se converteu em ocasiatildeo de revisatildeo das causas dos problemas porque os paiacuteses
desenvolvidos se recusaram a reconhecer que era necessaacuterio intervir no contexto
econocircmico internacional (RELATOacuteRIO DA COMISSAtildeO SUL 199078) Tambeacutem Fuumlhrer
afirma que os esforccedilos muacuteltiplos dos paiacuteses mais pobres para conseguirem utilizar o
68
68 Relaccedilotildees Com Os Paiacuteses Em Desenvolvimento No Contexto Da Interdependecircncia E Diversidade (CAD documents - disponiacutevel on line)
69 A sugestatildeo do Canadaacute e da Alemanha foi justificada pela publicaccedilatildeo em 1979 da Comissatildeo Independente BRANDT COMMISSION (Independent Commission On International Development Issues) da Relaccedilatildeo Norte-Sul Um Programa Para A Sobrevivecircncia A orientaccedilatildeo da Comissatildeo BRANDT eacute que se criem junto agraves organizaccedilotildees correlatas aos problemas do desenvolvimento subcomissotildees ambientais Em um primeiro momento os Estados do Sul do mundo o discurso da interdependecircncia e a aproximaccedilatildeo do setor da cooperaccedilatildeo internacional
70 Depois da oficializaccedilatildeo do CAD como centro coordenador das poliacuteticas de desenvolvimento em 1986 os temas identificados pelos grupos de alto-niacutevel do Comitecirc como de pertinecircncia global passaram a ser imediatamente incorporados agraves agendas do PNUD Banco Mundial e FMI (FUumlHNER 1996)
54
discurso da interdependecircncia e promover um novo espaccedilo internacional de discussatildeo dos
temas do desenvolvimento foi frustrante para os paiacuteses do Sul
Os demais temas globais que seriam condicionados ao uso dos fluxos daODA
contudo permaneceram e foram sendo inseridos durante toda a deacutecada de oitenta na agenda
internacional Depois do discurso de Reagan o primeiro tema oficialmente inserido na
agenda CAD e estendido a todos os programas e projetos de cooperaccedilatildeo ao foi ldquoo
financiamento da substituiccedilatildeo de cultivo de plantas destinadas agrave produccedilatildeo de entorpecentes
nos paiacuteses em desenvolvimentordquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981)
Ateacute 1992 os projetos e programas de desenvolvimento realizados pelos paiacuteses da
OCDE na cooperaccedilatildeo atraveacutes de fundos multi (ou bi) laterais deveriam em alguma medida
favorecer ao menos um dos seguintes temas as mulheres no desenvolvimento as
necessidades humanas baacutesicas a preservaccedilatildeo do meio-ambiente global o combate ao
narcotraacutefico a luta contra a disseminaccedilatildeo de doenccedilas a manutenccedilatildeo da paz a abertura do
sistema econocircmico e reformas estruturais cabiveis nos paiacuteses em desenvolvimento o
desenvolvimento participativo a governabilidade (good govemanceacute) a luta contra a
corrupccedilatildeo nos paiacuteses do Terceiro Mundo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)
Devemos considerar que em 1986 o CAD assumiu internacionalmente sua funccedilatildeo
de coordenador dos fluxos da ajuda71 Isso significa que depois desta data por uma questatildeo
de racionalidade de utilizaccedilatildeo dos recursos os temas definidos pela agenda do CAD iam
tambeacutem sendo aplicados ao PNUD FMI e Banco Mundial
O Banco Mundial nos Programas de Assistecircncia Paiacutes estabelece como agenda que
os fluxos ODA sejam condicionados a reformas que promovam o crescimento econocircmico e
a reduccedilatildeo da pobreza investimentos em capital humano (necessidades humanas baacutesicas)
tutela do ambiente promoccedilatildeo do crescimento do setor privado e reordenaccedilatildeo das atividades
de governo (CAS) Como Agenda Geral o Banco utiliza a condicionalidade para os
seguintes temas a boa governanccedila o combate agrave corrupccedilatildeo o desenho de poliacuteticas
setoriais ou de projetos especiacuteficos que sejam ambientalmente sustentaacuteveis e socialmente
71 Na reuniatildeo anual do CAD em 1986 (na qual estavam presentes Emest Stem (vice- presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador PNUD) ) o Comitecirc assumiu oficialmente a responsabilidade pela coordenaccedilatildeo da ajuda multilateral junto agraves organizaccedilotildees internacionais e as organizaccedilotildees regionais ldquoOs membros CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo
55
responsaacuteveis A mesma agenda eacute seguida pelos bancos regionais de desenvolvimento O
uso da ajuda coordenada - CAD - nos ajuda a entender porque as agendas dos organismos
que atuam no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento estabelecem basicamente os
mesmos criteacuterios e condicionam o uso dos recursos ao favorecimento dos mesmos temas
Keohane afirma que ldquoa interdependecircncia da maneira como eacute utilizada nos discursos
oficiais natildeo eacute apenas entendida como um instrumento analiacutetico de compreensatildeo da poliacutetica
mundial e do comportamento dos Estados mas tambeacutem eacute um mecanismo retoacuterico de largo
emprego pelos publicistas e estadistas ansiosos em aumentar a quantidade de gente que se
alie agraves suas bandeiras para quem as palavras vagas e de grande ressonacircncia satildeo muito
uacuteteisrdquo (KEOHANE e NYE 1982) Embora a anaacutelise da interdependecircncia de Keohane tenha
sido estabelecida para ilustrar o momento especiacutefico da substituiccedilatildeo do discurso de
seguranccedila nacional na poliacutetica internacional acreditamos que ela possa ser bastante
ilustrativa para a compreensatildeo do porque da adoccedilatildeo dos novos temas globais que passaram
a ser condicionados ao uso dos recursos oficiais ao desenvolvimento no momento da crise
da diacutevida A interdependecircncia nessa concepccedilatildeo de Keohane eacute vista como uma estrateacutegia
de reduccedilatildeo de conflitos A noccedilatildeo de interdependecircncia no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento parece ter sido empregada para reduzir possiacuteveis novos conflitos gerados
pela crise da diacutevida
Muitos dos proacuteprios temas condicionados agrave utilizaccedilatildeo dos recursos do
desenvolvimento a partir da nova agenda global reforccedilavam a noccedilatildeo de que as
dificuldades dos PVD de ajustarem suas economias agrave ordem econocircmico-financeira eram
um problema que deveria ser resolvido no interior dos proacuteprios paiacuteses em vias de
desenvolvimento Desse modo na deacutecada de oitenta enquanto em todo o setor da
cooperaccedilatildeo reforccedilava-se o discurso politizado de que as causas internas dos paiacuteses em
desenvolvimento estavam provocando a crise da diacutevida e de que a ajuda internacional
deveria ser utilizada para promover intervenccedilotildees nas poliacuteticas internas destes paiacuteses (aleacutem
de ajustar suas economias a uma maior abertura dos mercados) os PVD comprometiam
cada vez mais suas capacidades produtivas transferindo em seu conjunto um montante
liacutequido de US$ 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte - e no periacuteodo mais grave da
crise entre 1984 a 1988) (RELATOacuteRIO SUL 1990 69)
56
A determinaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados em natildeo efetivar medidas de revisatildeo dos
regimes internacionais de Bretton Woods permaneceu a mesma inclusive depois de
deflagrada a moratoacuteria decretada pelo Meacutexico e pela Argentina em 1982 Natildeo se promoveu
uma revisatildeo dos regimes internacionais somente foram propostas medidas domeacutesticas de
ajuste das economias e ampliou-se o suporte da concessatildeo de creacuteditos para as balanccedilas de
pagamento A maior inovaccedilatildeo das medidas foi contudo a extensatildeo dos mecanismos de
condicionalidade para os institutos financeiros
As novas modalidades de ajuda condicionada do FM - o SAF e o ESAF72 (1986)
(creacuteditos para ajustamento estrutural e creacuteditos ampliados para ajustamento estrutural) - e
do Banco Mundial - o SAL (empreacutestimos de ajustamento estrutural) e SECAL
(empreacutestimos de ajustamento setorial)73 - traziam como elementos de inovaccedilatildeo a
possibilidade para os institutos financeiros de realizar empreacutestimos condicionados agrave
execuccedilatildeo de reformas poliacutetico-econocircmicas e estrateacutegias de desenvolvimento dos governos
a permissatildeo de que os paiacuteses pudessem financiar reformas econocircmicas implementadas em
diversos anos74 e a permissatildeo de que se pudesse financiar as importaccedilotildees de bens de modo
desligado de uma necessidade de projetos especiacuteficos ou seja dar suporte direto agraves
balanccedilas de pagamento destes paiacuteses (BASILE 1995 43 ASCARI 1999 30-1)
72 Structural Adjustment Facility e The Enhanced Structural Adjustment Facility
73 No iniacutecio ao menos no acircmbito da principal instituiccedilatildeo multilateral o Banco mundial o uso de empreacutestimos de ajustamento (seja o SAL que o SECAL) eacute extremamente ligado a um problema da balanccedila de pagamento (previsto ou existente) ldquoO princiacutepio da balanccedila de pagamento natildeo significa que natildeo exista a necessidade de reformas econocircmicas em setores nos quais os custos natildeo satildeo em moeda estrangeira Sabemos bem que estes paiacuteses (em vias de desenvolvimento) enfrentam seacuterios problemas de reformas nos setores os quais a instruccedilatildeo e os setores sociais em geral nos transportes nas infra-estruturas no ambiente e no desenvolvimento humano (entretanto) creio que a assistecircncia fornecida rapidamente (quick disbursing assistance) natildeo seja apropriada a estes tipos de reformasrdquo73 E Stem na eacutepoca vice-presidente para as Finaccedilas em Evolution and Lessons of Adjustment Lending in Restructuring Economies in Distress Policy Reform and World Bank Oxford University Press 1991
74 Como vimos quando tratamos da Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) os paiacuteses industrializados nunca concederam creacuteditos ou financiamentos a longo prazo para dar sustentaccedilatildeo aos projetos e programas de desenvolvimento dos PVD Estes creacuteditos e financiamento a longo prazo soacute se efetivaram quando foram condicionados as reformas dos sistemas poliacutetico e econocircmicos e agrave abertura econocircmica destes paiacuteses
57
A resposta oferecida pelos paiacuteses desenvolvidos para a crise da diacutevida deixava claro
que nenhum tipo de reavaliaccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro de Bretton Woods
seria realizada para proporcionar uma integraccedilatildeo das economias destes paiacuteses agrave ordem
econocircmico-financeira vigente Toda a ajuda oferecida aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento em forma de disponibilizaccedilatildeo de creacuteditos e empreacutestimos tinha como
objetivos principais ajustar os PVD a uma abertura de mercados e garantir a renegociaccedilatildeo
das diacutevidas atraveacutes da concessatildeo de creacuteditos de ajuste das balanccedilas de pagamento Ou seja
continuou prevalecendo a noccedilatildeo de que as dificuldades encontradas pelos vaacuterios paiacuteses
tinham uma raiz intema
A segunda expansatildeo do uso da condicionalidade natildeo estaacute ligada apenas agrave
manutenccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro vigentes a partir dos Estados nacionais O
uso de mecanismos de condicionalidade nos institutos financeiros natildeo pode ser relacionado
simplesmente a uma puniccedilatildeo ou a um aumento dos constrangimentos imputados agrave
utilizaccedilatildeo de fluxos da ODA pelos PVD Basicamente pelo fato de que mais de 90 dos
recursos multilaterais disponiacuteveis atualmente nos institutos financeiros natildeo tecircm caraacuteter
facilitado (ASCARI 1999 66) e que os paiacuteses de renda meacutedia - aqueles que mais utilizam
os institutos financeiros para resolver suas crises de balanccedilo de pagamento - natildeo podem
mais receber fluxos facilitados desde 1991 (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1991) Aleacutem
disso natildeo existia como nos anos setenta uma demanda organizada pelo estabelecimento
de uma nova ordem econocircmica mundialisto eacute uma barreira conflitiva difiacutecil de transpor
Pelo contraacuterio a proacutepria aceitaccedilatildeo pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento do discurso
da interdependecircncia em ambiente internacional pode ser interpretado como uma tentativa
de estabelecer uma relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo para a superaccedilatildeo da crise
Na explicaccedilatildeo da expansatildeo do uso da condicionalidade e sua extensatildeo para os
institutos financeiros precisamos introduzir um novo elemento nesta anaacutelise o interesse dos
ambientes privados na cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento que aconteceu a partir
de dois motivos interligados Podemos considerar como o primeiro deles a aceleraccedilatildeo do
processo de internacionalizaccedilatildeo (entendida como um processo gerado por acentuadas
mudanccedilas nos custos de transaccedilatildeo que produzem fluxos observaacuteveis de mercadorias
serviccedilos e capital) que aumentou os empreacutestimos internacionais realizados pelos bancos
privados Os empreacutestimos dos bancos privados internacionais cresceram globalmente de
58
5 do PIB dos paiacuteses da OCDE em 1973 para 20 do PIB dos paiacuteses OCDE em 1991
(Economic Report o f the President 1993281 - citado por MILNER amp KEOHANE 1996
13) O segundo motivo foi a sugestatildeo do secretaacuterio-geral adjunto da OCDE Van Lennep
em 1979 de que se implantassem co-fiacutenanciamentos com fins de desenvolvimento para os
PVD atraveacutes de bancos privados em conjunto com instituiccedilotildees financeiras de
desenvolvimento multilaterais e bilaterais Essa iniciativa pode ser interpretada como
decorrente em parte do aumento da presenccedila dos capitais privados no acircmbito internacional
e denota o maior interesse dos mercados financeiros pelos paiacuteses em desenvolvimento Esse
interesse pode ter acontecido ateacute mesmo a partir da decisatildeo tomada pelos paiacuteses em vias de
desenvolvimento de utilizar o excesso de liquidez internacional dos anos setenta para
financiar seus processos de desenvolvimento
O aumento do processo de internacionalizaccedilatildeo pode ter contribuiacutedo para a
manutenccedilatildeo dos interesses econocircmico e financeiro estabelecidos pelos regimes
internacionais dessas aacutereas A aproximaccedilatildeo dos institutos financeiros dos setores privados e
a escolha de certos temas para a composiccedilatildeo da agenda internacional podem ter sido
utilizados como elemento de sustentaccedilatildeo desse sistema Milner e Keohane acreditam que
ldquopressotildees poliacuteticas intensas (puacuteblicas privadas e bilaterais) foram exercidas para que os
paiacuteses em vias de desenvolvimento abrissem as suas economiasrdquo (MILNER amp KEOHANE
1996 16-7) Os temas da agenda global podem ser entendidos como elementos de reforccedilo
do processo de internacionalizaccedilatildeo uma vez que estes temas satildeo condicionados aos
repasses de recursos (mesmo privados) pois muacuteltiplos esforccedilos nos paiacuteses em vias de
desenvolvimento satildeo direcionados para o atendimento (mesmo burocraacutetico) destes temas
Por exemplo atualmente todos os projetos e programas executados com recursos
provenientes do Banco Mundial devem ter uma anaacutelise de impacto ambiental
Isso significa que todo tipo de empreacutestimo (mesmo com creacuteditos IBRD a juros de
mercado) efetuado pelo Brasil atraveacutes do Banco Mundial deve considerar que uma parte
dos gastos seraacute comprometida com o pagamento de consultores internacionais ambientais e
com a compra de equipamentos dessa aacuterea (procurement) Em 1998 as vendas
internacionais para o mercado ambiental brasileiro chegaram a um faturamento de US$ 25
bilhotildees de doacutelares (duas vezes e meia o orccedilamento anual do PNUD) Desse montante 35
dos recursos foram gastos com a cogravempra de bens e serviccedilos dos EUA seguidos pela
59
Alemanha - que recebeu 25 desse valor- pelo Canadaacute que recebeu 12 e pela Espanha
Japatildeo Gratilde-Bretanha e Itaacutelia que como grupo receberam 13 dos recursos (MARTINS
2000 63) Esses dados revelam que a pressatildeo dos paiacuteses do mundo desenvolvido para que
as organizaccedilotildees internacionais passassem a considerar os temas globais em suas agendas
natildeo pode ser tomada como ocasional
Keohane acredita que um bom antiacutedoto contra a retoacuterica da interdependecircncia eacute
lembrar que ldquoos atores agem motivados pelo poder e pela riqueza natildeo pela realizaccedilatildeo de
interesses comunsrdquo (KEOHANE 1984 22) Como nos advertem Keohane e Nye
raramente ou mesmo nunca os regimes internacionais satildeo instituiacutedos por idealistas
desinteressados que visem o atendimento de objetivos comuns (KEOHANE amp NYE 1982)
Isso significa que os regimes internacionais inclusive daquele ODA criado como ambiente
favorecedor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento natildeo podem ser estudados sob
uma oacutetica de interdependecircncia de temas globais Caso estudaacutessemos o fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo internacional para o desenvolvimento a partir de uma perspectiva globalista
poderiacuteamos ser enganados quanto agrave motivaccedilatildeo dos atores
Quanto ao estabelecimento da condicionalidade financeira Haggard e Maxfield
identificam nas pressotildees sofridas pelos balanccedilos de pagamento dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento os principais mecanismos de efetivaccedilatildeo da abertura de suas economias75
Em uma grande variedade de dimensotildees a regulamentaccedilatildeo das economias nacionais dos
PVD foi colocada em questatildeo pelos paiacuteses fortes ldquoEm suma o fato de que desde os anos
setenta paiacuteses de todo o mundo incluindo aqueles de cultura e tradiccedilatildeo muito
diversificadas como o Vietnatilde a iacutendia a China o Sul da Aacutefrica o Chile e o Meacutexico
decidiram reduzir suas barreiras comerciais abrir seus mercados de capitais reduzir as
intervenccedilotildees governamentais na economia privatizar as empresas estatais e reduzir as
poliacuteticas sociais (welfare policies) sugere a existecircncia de fortes pressotildees exercidas pela
forccedila da internacionalizaccedilatildeordquo (HAGGARD amp MAXFIELD 1996 211) ldquoEsse fenocircmeno
natildeo pode ser percebido apenas como um crescente processo de globalizaccedilatildeo promovido
73 Os autores ainda citam como importante mecanismos de pressatildeo a sessatildeo 301 do Trade Act pressionou fortemente a liberalizaccedilatildeo das regras para investimento estrangeiro e ao mesmo tempo para a proteccedilatildeo da propriedade intelectual
60
pela expansatildeo tecnoloacutegica e pela maior presenccedila das empresas transnacionaisrdquo (MILNER
amp KEOHANE 19964)
Segundo Haggard e Maxfiacuteeld os frequumlentes ajustes das balanccedilas de pagamento aos
quais os atores mais fracos foram submetidos a partir da deacutecada de oitenta (com a inversatildeo
dos fluxos de capitais Norte-Sul para Sul-Norte) obrigaram os paiacuteses em desenvolvimento
a um processo forccedilado de abertura econocircmica estimulado tambeacutem pelos mecanismos de
condicionalidade76 A razatildeo desta abertura tem segundo os autores relaccedilatildeo com os altos
custos que os paiacuteses pagam em um contexto neoliberal de integraccedilatildeo financeira pela
ausecircncia de instituiccedilotildees poliacuteticas que os ajudem a minimizar estes custos Isso porque
mesmo que a internacionalizaccedilatildeo seja um processo sofrido por todos os paiacuteses os paiacuteses
centrais devido a suas fortes instituiccedilotildees poliacuteticas (Estado) podem minimizar evitar ou ateacute
mesmo redirecionar os custos da internacionalizaccedilatildeo para outros atores (MILNER amp
KEOHANE 1996 9-10)
Atualmente no setor financeiro internacional estabeleceu-se a loacutegica de que manter
ou aumentar a abertura financeira (nos primeiros momentos de crise) daacute sinais aos
investidores estrangeiros de que eles seratildeo capazes de liquidar seus investimentos indica as
intenccedilotildees dos governos de manter a disciplina fiscal e financeira e em uacuteltima anaacutelise
aumenta os fluxos de capital (HAGGARD amp MAXFIacuteELD 1996 211-15) Contudo os
sinais dados aos investidores estrangeiros pelos governos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento quanto agrave abertura de seus mercados natildeo parecem mais ser suficientes para
a garantia da manutenccedilatildeo dessa abertura Esse eacute o ponto em que acontece a interaccedilatildeo entre
o mercado financeiro privado e os institutos financeiros
Ascari considera que a razatildeo da expansatildeo da condicionalidade para os empreacutestimos
dos institutos financeiros eacute que tais empreacutestimos garantiriam a capacidade do paiacutes de
restituir os recursos recebidos pois segundo os analistas dos proacuteprios institutos financeiros
os empreacutestimos soacute poderiam ser devolvidos na medida que reformas internas nos PVD
fossem realizadas (ASCARI 1999) Um controle sobre as reformas somente seria possiacutevel
atraveacutes do condicionamento do uso dos fundos Os institutos financeiros internacionais
70 A opiniatildeo dos teoacutericos claacutessicos do liberalismo como Rosecrance eacute de que os paiacuteses do terceiro mundo por tratarem-se de naccedilotildees com estruturas econocircmicas sociais e poliacuteticas deacutebeis procurariam adotar estrateacutegias comerciais de participaccedilatildeo no acircmbito internacional como uma maneira de resolver os problemas crocircnicos (Citado por MILNER amp KEOHANE 1996)
61
teriam nessa perspectiva a funccedilatildeo de garantidores do capital privado A aproximaccedilatildeo das
organizaccedilotildees internacionais e dos institutos financeiros do setor privado criou novos
mecanismos de constrangimento sobre os paiacuteses em vias de desenvolvimento mecanismos
que foram reforccedilados pelo aumento da internacionalizaccedilatildeo dos fluxos de capitais Desse
modo estabeleceu-se nos uacuteltimos anos a loacutegica de que as atuais condiccedilotildees de austeridade
insseridas pelos organismos multilaterais nos programas de reformas econocircmicas dos paiacuteses
garantem outros financiadores acerca da credibilidade do programa econocircmico do paiacutes
recebedor Na Conferecircncia Internacional sobre Desenvolvimento Econocircmico (1995) o
economista D Rodrik (ligado ao Banco Mundial) afirmou que a austeridade imposta pelos
empreacutestimos de ajustamento estrutural assegura os financiadores privados sobre a
possibilidade do paiacutes recebedor conseguir ex post um melhoramento da situaccedilatildeo
econocircmica tal que lhes possibilitaria efetuar a devoluccedilatildeo dos empreacutestimos ou justificar a
concessatildeo da ajuda com base nas expectativas de eficaacutecia (RODRIK 1995)77
A partir do estabelecimento da condicionalidade acentuou-se a diminuiccedilatildeo dos
financiamentos facilitados (fundos ODA) para os paiacuteses das economias em
desenvolvimento e aumentaram exponencialmente os creacuteditos privados O aumento da
condicionalidade e a aproximaccedilatildeo com o setor da cooperaccedilatildeo de bancos privados
determinaram a diminuiccedilatildeo dos fluxos do regime ODA que passaram de um total de 59
em 1990 dos recursos dos paiacuteses do CAD aos paiacuteses em vias de desenvolvimento para
236 em 1997 No mesmo periacuteodo os fluxos financeiros privados passaram de 336
para 777 - ou seja de 436 bilhotildees de doacutelares em 1990 para 2521 bilhotildees de doacutelares em
1997 (TRILZI 1998 1223) Outra consideraccedilatildeo diz respeito agrave performance dos paiacuteses do
CAD relativamente aos fluxos de recursos destinados aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento Enquanto os fluxos do regime ODA sofreram uma contraccedilatildeo em
percentual sobre o PIB destes paiacuteses (de 033 em 1986-7 a 022 em 1997) os capitais
privados passaram no mesmo periacuteodo de 019 a 059 Nesse contexto foi significativa
a performance dos Estados Unidos cujo capital privado destinado aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento passou nos dez anos mencionados de 6 bilhotildees de doacutelares em 1986-7
77 Why is there Multilateral Lending Annual World Bank Conference on Development Economics 1995 (http wwwwborg)
62
(014 do PIB dos EUA) a aproximadamente 65 bilhotildees de doacutelares em 1997 (o equivalente
a 081 do PIB americano) por seu lado a cota destinada ao financiamento puacuteblico
(fluxos ODA) foi reduzida no periacuteodo de 021 a 009 (TRIULZI 1998 123)
Com a introduccedilatildeo da condicionalidade e dos creacuteditos e empreacutestimos estruturais os
capitais privados puderam receber garantias efetivas dos governos dos PVD de que as
poliacuteticas econocircmicas implantadas em seus paiacuteses manteriam a conformaccedilatildeo destes Estados
aos regimes de Bretton Woods Em outras palavras com a introduccedilatildeo da condicionalidade
nos institutos financeiros o retomo dos recursos devido agrave ecircnfase no ajustamento estrutural
nas balanccedilas de pagamento estaria assegurado
A introduccedilatildeo de mecanismos de condicionalidade a partir do choque do petroacuteleo e
da crise da diacutevida externa - dois momentos de conflito (em diferentes graus de intensidade)
entre o grupo de paiacuteses em vias de desenvolvimento e o dos paiacuteses industrializados - revela
como os atores favorecidos e desfavorecidos podem obter benefiacutecios e tratamentos
desiguais dos regimes estabelecidos Aleacutem disso como evidenciado pela proacutepria crise da
diacutevida e depois pela noccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo os paiacuteses em vias de desenvolvimento
por natildeo terem conseguido reforccedilar suas poliacuteticas institucionais (seus governos) antes de
efetuarem uma conformaccedilatildeo aos regimes de Bretton Woods (como foi o caso dos paiacuteses
europeus do bloco ocidental) acabaram arcando com os custos maiores das variaccedilotildees
sistecircmicas Finalmente podemos ainda considerar que os proacuteprios regimes de Bretton
Woods foram acordados com constrangimentos internos para que se beneficiassem os
atores mais fortes (a ecircnfase nas balanccedilas de pagamento) Esse tipo de interpretaccedilatildeo ganha
dimensatildeo quando consideramos que as potecircncias secundaacuterias europeacuteias no final da
Segunda Guerra soacute aceitaram participar dos regimes de Bretton Woods depois de
fortalecerem suas instituiccedilotildees poliacuteticas atraveacutes do plano Marshall e da Uniatildeo Europeacuteia de
Pagamento (KEOHANE 1984 DINOLFO 1993)
Nosso proacuteximo e uacuteltimo capiacutetulo seraacute dedicado agrave anaacutelise do fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo descentralizada um constrangimento que exclui os governos dos paiacuteses em
desenvolvimento da aplicaccedilatildeo dos fluxos da ODA Analisaremos a modalidade de
cooperaccedilatildeo descentralizada a partir da instrumentalizaccedilatildeo das ONGs dos paiacuteses
desenvolvidos e de sua relaccedilatildeo com as homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
63
CAPIacuteTULO IV
A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA
COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO
Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo
No estudo da cooperaccedilatildeo descentralizada um dos primeiros problemas que se
apresenta eacute a proacutepria investigaccedilatildeo do termo Embora essa modalidade de administraccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)
tenha comeccedilado timidamente a partir da metade dos anos setenta somente quando o
fenocircmeno ganhou expansatildeo na metade dos anos oitenta buscou-se formalmente um
conceito para a praacutetica que jaacute vinha sendo estabelecida Antes de buscar uma compreensatildeo
mais ampla do termo cooperaccedilatildeo descentralizada devemos esclarecer que esse eacute um
fenocircmeno especiacutefico da cooperaccedilatildeo internacional ao europeacuteia desenvolvimento
Para Jahier e Triulzi cooperaccedilatildeo descentralizada eacute a modalidade de administraccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)
na qual estatildeo excluiacutedos os governos nacionais dos Estados recebedores dos recursos
(JAHIER 2000 TRIULZI 1998 2000) A Comunidade Europeacuteia define de maneira muito
mais generalizante a cooperaccedilatildeo descentralizada ldquoum novo meacutetodo de cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento que potildee os operadores no centro da atuaccedilatildeo das atividades e que persegue
assim o duplo objetivo de adequar as accedilotildees agraves exigecircncias e de garantir sua realizaccedilatildeordquo78
Estas duas primeiras definiccedilotildees pouco revelam sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada Aquilo
que se percebe inicialmente eacute que essa praacutetica tem possibilitado um afastamento dos
Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento da utilizaccedilatildeo direta dos fluxos do
regime internacional ODA Por esse motivo buscaremos investigar a praacutetica da cooperaccedilatildeo
7S Cooperazione Decentrata 2002 (httpeuropaeuintsacdiplusprintversionitlvbrl2004htm)
64
descentralizada como sendo um constrangimento imposto pelos atores mais fortes aos
paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD)
Acreditamos que a maneira mais construtiva de nos aproximarmos do fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo descentralizada seja descrever a maneira como se manifesta essa modalidade no
setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Nesse sentido Basile descreve a cooperaccedilatildeo
descentralizada como sendo uma praacutetica na qual os recursos do regime internacional ODA
disponiacuteveis no Fundo Europeu e na cooperaccedilatildeo bilateral dos paiacuteses europeus eacute diretamente
destinado agraves ONGs internacionais europeacuteias que mantenham projetos de cooperaccedilatildeo em
parceria partnership) com entidades homocircnimas locais dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento e natildeo mais aos governos nacionais destes paiacuteses - nem mesmo para
organizaccedilotildees multilaterias que ainda mantenham princiacutepios de natildeo-identifiacutecaccedilatildeo dos
doadores (BASILE 1995)
A discussatildeo internacional sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada pode ser ainda mais
polecircmica do que a proacutepria discussatildeo da condicionalidade da ajuda Isso porque na praacutetica a
cooperaccedilatildeo descentraliza envolve atores natildeo estatais (ONGs) que atuam no setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Devido a essa particularidade promover um estudo sobre
a legitimidade da cooperaccedilatildeo descentralizada toma-se tarefa bastante complicada Isso
porque muitas vezes eacute difiacutecil distinguir o que eacute a anaacutelise do fenocircmeno daquela que eacute a
posiccedilatildeo subjetiva dos teoacutericos sobre a funccedilatildeo social das ONGs e das ONGs internacionais
no desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres
Os proacuteprios autores que citamos acima Jahier e Triulzi embora tenham uma visatildeo
muito similar da definiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada tecircm opiniotildees muito contrastadas
em relaccedilatildeo agrave sua legitimidade Para Triulzi a praacutetica da cooperaccedilatildeo descentralizada eacute
vaacutelida e se justifica porque coloca os atores natildeo-estatais dos paiacuteses desenvolvidos em uma
espeacutecie de parceria (contratualidade ao inveacutes de condicionalidade) com aqueles atores natildeo-
estatais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (TRIULZI 1998) Segundo ele por meio
de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores seria possiacutevel atingir as necessidades ldquoreaisrdquo das
populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento pois essa relaccedilatildeo proporcionaria o
ldquofavorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-administrativas a ponto de defender os
direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos defendendo a igualdade entre gecircneros
introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo democraacutetica na vida social e civil dos paiacuteses em
65
vias de desenvolvimentordquo (TRIULZI 1998 128) Ao mesmo tempo que faz tal afirmaccedilatildeo
Triulzi coloca-se contraacuterio acirc condicionalidade da ajuda (praacutetica que abordamos no capiacutetulo
anterior) pois ldquoas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento assim como a ajuda
humanitaacuteria tecircm uma particularidade especiacutefica que natildeo eacute a de promover a democracia e os
direitos civis valores indiscutiacuteveisrdquo (TRIULZI 1998 128) mas ainda segundo o autor
natildeo devem acontecer a partir da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (sic) Devemos recordar
que a condicionalidade da ajuda foi um processo iniciado nos anos setenta que pretendia
condicionar o regime internacional ODA agrave realizaccedilatildeo de objetivos pontuais e setorizados
nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Contudo Triulzi declara natildeo perceber uma
incoerecircncia em sua afirmaccedilatildeo quando defende o uso do regime ODA atraveacutes do modelo de
cooperaccedilatildeo descentralizada e opotildee-se ao mesmo tempo agrave condicionalidade da ajuda
Segundo o autor a ldquocontratualidaderdquo entre atores natildeo-estatais seria a garantia de um
verdadeiro processo de desenvolvimento das populaccedilotildees dos paiacuteses mais pobres (TRIULZI
19982000)
Como dissemos anteriormente o conceito inicialmente favoraacutevel de alguns autores
quanto agrave atuaccedilatildeo das ONGs parece natildeo permitir uma verdadeira aproximaccedilatildeo do problema
da cooperaccedilatildeo descentralizada que eacute o fato de que os fluxos do regime internacional ODA
atraveacutes dessa modalidade satildeo em si mesmo uma espeacutecie de constrangimento para aplicaccedilatildeo
dos recursos pelos paiacuteses do Sul considerando que nem os governos destes paiacuteses nem as
ONGs locais podem conduzir diretamente seus proacuteprios projetos de desenvolvimento De
fato segundo a Resoluccedilatildeo 165898 (sect 31 e 32)79 das normas gerais de co-financiamento
para ONGs da Comunidade Europeacuteia atesta apenas as ONGs europeacuteias satildeo elegiacuteveis para a
apresentaccedilatildeo de projetos de desenvolvimento na modalidade da cooperaccedilatildeo
descentralizada
Jahier o segundo autor tratado aqui tem uma visatildeo mais criacutetica quanto agrave
modalidade da cooperaccedilatildeo descentralizada Para ele os recursos do regime internacional
ODA deveriam ser tratados diretamente pelos Estados Isso porque as ONGs internacionais
podem perder valor de representaccedilatildeo civil ou legitimidade quando atuam ligadas de
maneira tatildeo direta aos Estados nacionais dos paiacuteses europeus Aleacutem disso a cooperaccedilatildeo
descentralizada estabelece uma parceria desigual que pode comprometer as relaccedilotildees
66
positivas entre elas e suas homocircnimas de diferentes paiacuteses Finalmente o autor acredita que
as ONGs natildeo deveriam ser inseridas em um acircmbito econocircmico como aquele do setor da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento pois as ONGs internacionais - quando se
colocam no lugar dos Estados como promotoras do desenvolvimento - ldquopodem assumir a
funccedilatildeo de servir de acompanhantes das transferecircncias de dinheiro tecnologia e poliacuteticas
dos atores mais fortesrdquo (JAHEER 2000 223)
0 estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada
Da mesma forma que na condicionalidade da ajuda a cooperaccedilatildeo descentralizada
teve dois momentos distintos de inserccedilatildeo no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento O primeiro aconteceu em 1975 quando a Comunidade Europeacuteia
estabeleceu novas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e aproximou-se do diaacutelogo
Norte-Sul depois do choque do petroacuteleo e da crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-
primas de acordo com a nova orientaccedilatildeo decidida pelos paiacuteses industrializados na
Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) (RELATOacuteRIO
ANUAL CAD 1973) Esse primeiro momento como veremos estruturou as bases da
cooperaccedilatildeo descentralizada O segundo momento de expansatildeo da cooperaccedilatildeo
descentralizada aconteceu em 1985 com a introduccedilatildeo da ldquoCharte Europeacuteenne de
1 Autonomie Localersquorsquorsquo que permitiu que as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos colaborassem
com homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizando os fluxos do regime
internacional ODA do Fundo Europeu de Desenvolvimento80
Em 1975 a Europa que depende fortemente da importaccedilatildeo de mateacuterias-primas e
energia dos paiacuteses em desenvolvimento visando reduzir os conflitos com os paiacuteses
(prioritariamente) fornecedores de mateacuterias-primas ampliou a base geograacutefica de suas 81 rpoliacuteticas de cooperaccedilatildeo atraveacutes da Convenccedilatildeo de Lomeacute I (1975) Com Lomeacute I as
80 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wwwesteriitpoleseracooperazquadrocix)pdechim)
81 Ateacute 1975 quando aconteceu a passagem das Convenccedilotildees de Yaoundeacute I II e III que tinham regulamentado desde 1957 as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa todas
67
poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa passaram agrave atender os paiacuteses da
bacia do Mediterracircneo da Aacutesia e da Ameacuterica Latina Segundo Grilli esta convenccedilatildeo
estabeleceu um compromisso entre a Europa e os paiacuteses em vias de desenvolvimento para
que se regularizasse o fornecimento de mateacuterias-primas em troca do suprimento de
assistecircncia comercial e financeira com base nos princiacutepios de paridade e natildeo-
interferecircncia82 (TRIULZI 2000 GRILLI 1993) Firmou na ocasiatildeo o compromisso de que
os fluxos do regime internacional ODA seriam destinados como uma forma de compensar
financeiramente os paiacuteses em vias de desenvolvimento pelas menores oportunidades
comerciais e financeiras destes atores (GRILLI 1993 38)83
Ao mesmo tempo em que ampliou as aacutereas geograacuteficas de atuaccedilatildeo do setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento com Lomeacute I a Europa promoveu em 1976 a aproximaccedilatildeo
do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) das ONGs europeacuteias84 Naquela data foi
permitido que as ONGs dos paiacuteses europeus passassem a ter acesso diretamente aos
recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento para co-financiar ou financiar
integralmente projetos que seriam implementados nos paiacuteses atendidos pela Convenccedilatildeo de
Lomeacute I (1975) Com esse fim ainda em 1976 ldquocriou-se o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre as
as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento executadas pelo continente eram restritas as aacutereas aos paiacuteses da Aacutefrica Caribe e Paciacutefico ditos paiacuteses ACP
82 Com Lomeacute I a Europa comeccedilou a responder as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento (natildeo reciprocidade nas relaccedilotildees comerciais estabilizaccedilatildeo da renda de exportaccedilatildeo e alguns indexadores dos preccedilos de exportaccedilatildeo) as bases do acordo eram estruturas com igualdade entre dois conjuntos de paiacuteses extremamente diferentes em seus estaacutegios de desenvolvimento
83 Antonelli Salvatori Triulzi e Grilli e Di Nolfo percebem a expansatildeo geograacutefica das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Comunidade Europeacuteia como uma iniciativa de contenccedilatildeo do movimento de organizaccedilatildeo dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas (power o f cartels) e como uma aproximaccedilatildeo dos paiacuteses europeus do diaacutelogo Norte-Sul (ANTONELLI 1995 SALVATORI 1994 TRIULZI 2000 GRILLI 1993 Di Nolfo 1994)
84 Este processo de constituiccedilatildeo de novas entidades combina-se no caso europeu com o processo de revitalizaccedilatildeo do papel desempenhado por agecircncias privadas atuantes no campo da ajuda ou cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta Naquela deacutecada estabeleceram-se como ONGs internacionais de grande porte a NOVIB na Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique contre la Faim etpour le Deacuteveloppement na Franccedila A exemplo do papel desempenhado pelas fundaccedilotildees empresariais americanas estas agecircncias de ajuda e cooperaccedilatildeo em sua maioria vinculadas a Igreja canalizaratildeo em nome da solidariedade internacional um volume expressivo de recursos (TAVARES 1999)
68
ONGs e a Comissatildeo Europeacuteia (COMUNIDADE EUROPEacuteIA)85 Esse Comitecirc foi composto
pelos representantes da Comissatildeo Europeacuteia e por quinze representantes de ONGs dos paiacuteses
membros da Comunidade (MARTINS 2000 42)rdquo Note-se que essa praacutetica eacute diferente da
introduzida pela expansatildeo de 1985 pois ainda natildeo existia a possibilidade de estabelecer
parcerias entre as ONGs europeacuteias e as dos PVD Contudo naquele momento tambeacutem natildeo
existia uma rede de ONGs estruturada como atualmente conhecemos
Tavares percebe uma relaccedilatildeo direta entre a aproximaccedilatildeo das ONGs europeacuteias da
Comissatildeo Europeacuteia e a expansatildeo do setor nos anos setenta Os subsiacutedios puacuteblicos para as
ONGs europeacuteias aumentaram substancialmente a partir desta eacutepoca representando
atualmente de 59 a 68 dos recursos totais das Organizaccedilotildees francesas e alematildes
(TAVARES 1999 133) O processo de constituiccedilatildeo do Comitecirc de Aproximaccedilatildeo entre a
Comissatildeo e as ONGs combina com a expansatildeo do papel desempenhado por agecircncias
privadas atuantes no campo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta
Naquela deacutecada estabeleceram-se ONGs internacionais de grande porte como a NOVIB na
Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot
Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique Contre la Faim et Pour le
Deacuteveloppement na Franccedila (OLIVEIRA 1999) Aleacutem disso segundo Antonelli e tambeacutem
nos anos setenta os paiacuteses europeus passaram a promover incentivos puacuteblicos para a
formaccedilatildeo de pessoal que iria atuar na aacuterea de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir das
ONGs (CECCHI 1995)
A aproximaccedilatildeo da Comissatildeo Europeacuteia das ONGs pode ser explicada por uma seacuterie
de fatores Quanto agraves motivaccedilotildees das proacuteprias ONGs europeacuteias de se aproximarem dos
Estados de maneira institucionalizada devemos lembrar que Keohane considera que no
setor da cooperaccedilatildeo internacional todos os atores agem fundamentalmente por motivaccedilotildees
econocircmicas inclusive organizaccedilotildees internacionais e natildeo-governamentais (KEOHANE
1984) Contudo o autor considera que em algumas situaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento ou ajuda humanitaacuteria podem existir fenocircmenos definidos como
dependecircncia empaacutetica Ou seja que os atores de organizaccedilotildees natildeo governamentais podem
agir motivados por reais preocupaccedilotildees humanitaacuterias Nesses casos deve-se tomar em
85 Ref (httpwvesteriitpolesteracooperazquadrocoopdechtm)
69
consideraccedilatildeo natildeo a opiniatildeo dos fornecedores da ajuda mas a daqueles beneficiados por ela
(KEOHANE 1984 123)
Esta nossa investigaccedilatildeo contudo por tratar das puniccedilotildees e dos constrangimentos
impostos aos Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento a partir de um
fenocircmeno poliacutetico definido (a crise entre paiacuteses industrializados e paiacuteses preferencialmente
produtores de mateacuterias-primas) natildeo abordaraacute diretamente as motivaccedilotildees empaacuteticas destes
atores que podem existir em alguns casos Contudo preferimos manter a orientaccedilatildeo de
Cecchi e Tavares e prosseguir em nossa investigaccedilatildeo considerando que o crescimento
exponencial do nuacutemero de ONGs internacionais filiadas ao Comitecirc de Ligaccedilatildeo da
Comissatildeo Europeacuteia a partir de 1970 pode estar mais relacionado agraves motivaccedilotildees da proacutepria
Comunidade Europeacuteia do que a um fenocircmeno coletivo de dependecircncia empaacutetica Quando o
Comitecirc de aproximaccedilatildeo entre a Comissatildeo Europeacuteia e as ONGs europeacuteias foi fundado em
1976 as ONGs participantes eram 15 Na metade dos anos noventa mais de 800 ONGs jaacute
eram filiadas ao Comitecirc (MARTINS 2000 42) e atualmente mais de 1000 ONGs
internacionais europeacuteias podem ter acesso direto aos fluxos do regime internacional ODA
alocados no Fundo europeu de Desenvolvimento (COMUNE Dl MILANO)86 Segundo
Tavares atualmente o nuacutemero total de ONGs internacionais no mundo eacute de 1500
(TAVARES 1999)
Quanto agraves motivaccedilotildees da Europa nos primeiros anos de suas novas poliacuteticas de
cooperaccedilatildeo a partir do choque do petroacuteleo pode-se supor que os dois frontes abertos de
atuaccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo (a ampliaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas cobertas pela
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e a aproximaccedilatildeo das ONGs da Comissatildeo Europeacuteia) fosse
inicialmente uma tentativa destes governos de conseguir uma imagem positiva de suas
iniciativas de cooperaccedilatildeo ampliada Grilli sugere que Lomeacute I (1975) cumpriu a funccedilatildeo de
desvincular a imagem da Europa de seu passado colonial que tinha sido perpetuado desde
a Segunda-Guerra pelo Associativismo87 entre a Europa e suas antigas colocircnias (GRILLI
86 Disponiacutevel on-line (httpAvwwcomunemilanoif) - Settore di Relazione Estere e Comunicazione
87 O associativismo foi estabelecido em 1957 com o Tratado de Roma e visava regularizar as tenccedilotildees do final do regime colonial Os paiacuteses participantes do associativismo eram aqueles da Aacutefhca Caribe e Paciacutefico ditos ACP
70
1993) Eacute possiacutevel que a aproximaccedilatildeo da Europa das ONGs tenha cumprido essa mesma
funccedilatildeo Isso porque naqueles anos do choque do petroacuteleo quando a tensatildeo entre paiacuteses
industrializados (desenvolvidos) e paiacuteses produtores basicamente de mateacuterias-primas (em
desenvolvimento) estava bastante acentuada a Europa tentava afastar de si mesma e de
suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo a imagem do passado colonial (GRILLI 1995)
O segundo momento de expansatildeo das relaccedilotildees da Comunidade Europeacuteia com as
ONGs internacionais aconteceu em 1985 quando o Conselho da Europa adotou a ldquoCherte
Europeacuteenne de L Autonomie Localerdquo que permitiu agraves ONGs europeacuteias utilizar o regime
ODA para realizar diretamente projetos de cooperaccedilatildeo com as ONGs dos paiacuteses em
desenvolvimento sem a participaccedilatildeo direta dos governos nacionais (COOPERAZIONE
DECENTRATA ALLO SVTLUPPO 2000)88 No mesmo ano o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre a
Comissatildeo Europeacuteia e ONGs adotou o conceito de interdependecircncia Norte-Sul de atuaccedilatildeo
de accedilotildees globais para a soluccedilatildeo dos problemas de desenvolvimento (GRILLI 1993 40-45)
(como visto no capiacutetulo anterior a noccedilatildeo de interdependecircncia no cenaacuterio internacional dos
anos oitenta foi decidida na Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento
Econocircmico em 1981)
De fato em 1985 a agenda das atividades cobertas pela modalidade de cooperaccedilatildeo
descentralizada foi estabelecida como veremos mais adiante a partir do conceito de
necessidades humanas baacutesicas (NHB) e dos temas globais Esse tipo de agenda eacute uma
limitaccedilatildeo ao uso dos fluxos do regime internacional ODA pois estabelece para quais
setores os projetos de desenvolvimento deveratildeo ser apresentados (CREWEampHARRISON
1999)
Devemos ainda recordar que a expansatildeo das atividades da ONGs aconteceu no
mesmo momento em que o processo de internacionalizaccedilatildeo (abordado no capiacutetulo anterior
como uma reduccedilatildeo de custos operacionais que promoveram uma acentuada circulaccedilatildeo dos
fluxos de mercadorias financcedilas e serviccedilos (MDLNER amp KEOHANE 1996) se acentuava
Rainhom a partir de um estudo sobre as ONGs de sauacutede relaciona a expansatildeo
internacional das ONGs internacionais agrave do capital financeiro internacional O tema como
afirma o proacuteprio autor embora ainda natildeo seja explorado em todas as suas possibilidades
88 disponiacutevel on-line (httpwwwesteriitpolesteracooperazquadrocoopdcchtin)
71
pode vir a constituir um campo de investigaccedilatildeo bastante interessante proximamente
Algumas constataccedilotildees podem ser percebidas no trabalho de Hours Segundo o autor a
expansatildeo das ONGs internacionais e emergenciais e a implantaccedilatildeo do discurso privado nos
paiacuteses em desenvolvimento aconteceram paralelamente Para esse autor a ideologia
humanitaacuteria fundada nas intervenccedilotildees de urgecircncia (em um futuro direito de ingerecircncia) e
nas intervenccedilotildees pontuais se impotildee como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS
2001) Em particular a presenccedila na miacutedia das ONGs de sauacutede e do heroacutei meacutedico sem
fronteira eacute abordada pelo autor como uma ofensiva ideoloacutegica e poliacutetica que antecedeu a
ofensiva neoliberal da ONG americana Liberdade Sem Fronteiras (proacutexima dos Meacutedicos
Sem Fronteiras) fundada em 1985 quando terminou a Guerra Fria O objetivo da
Liberdade sem Fronteiras era promover as intervenccedilotildees privadas (e das proacuteprias ONGs) em
um momento de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas mundiais quando os paiacuteses em
desenvolvimento reacenderam suas esperanccedilas de instaurar regimes internacionais mais
favoraacuteveis aos seus interesses (HOURS 2001 98-103)
Natildeo temos elementos teoacutericos disponiacuteveis para avanccedilar no discurso ilustrado acima
contudo acreditamos que esse tipo de aproximaccedilatildeo poderaacute ser produtivo para uma futura
investigaccedilatildeo mais focada na hipoacutetese levantada por Hours de se interpretar as ONGs
internacionais como promotoras do neoliberalismo Aleacutem disso esse tipo de anaacutelise pode
nos deixar mais atentos para a sincronizaccedilatildeo que existiu entre a expansatildeo das ONGs no
setor da cooperaccedilatildeo internacional na Europa a partir dos anos oitenta - notoriamente nas
Convenccedilotildees de Lomeacute Hl (1985) e Lomeacute IV (1990) - e os movimentos de expansatildeo do
capital financeiro europeu estabelecidos nestas mesmas Convenccedilotildees Neste sentido a
Convenccedilatildeo de Lomeacute Hl (1985) que definiu as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Europa entre
1985 e 1990 estabeleceu a salvaguarda dos investimentos privados do continente aplicados
em paiacuteses em desenvolvimento Isso determinou que os fluxos privados (IDE)89 europeus
destinados aos PVD teriam uma garantia dos governos nacionais dos paiacuteses do Sul que
mantivessem relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo com a Europa (GRILLI 1993)90 Segundo Grilli esse
89 Fluxos IDE satildeo financiamentos privados ou capital internacional investido no paiacutes recebedor dos recursos
90 Grilli aponta sempre o enfraquecimento do poder de barganha dos Estados em desenvolvimento como responsaacutevel pela introduccedilatildeo da praacutetica da salvaguarda (GRILLI 1993)
72
tipo de concessatildeo nunca tinha sido tolerado pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento O
autor acredita que a concessatildeo da salvaguarda dos investimentos privados soacute foi possiacutevel
porque os PVD encontravam-se em um dos momentos mais difiacuteceis da crise da diacutevida
externa e como vimos natildeo tinham recebido nenhum tipo de apoio econocircmico aleacutem dos
previstos em Bretton Woods Qualquer tipo de capital destinado a estes paiacuteses mesmo com
fortes condicionamentos era indispensaacutevel para uma tentativa de normalizaccedilatildeo da
economia destes paiacuteses
Uma uacuteltima observaccedilatildeo sobre a expansatildeo das ONGs e a das poliacuteticas liberais pela
Europa na Convenccedilatildeo de Lomeacute IV (1990) em que o conceito de cooperaccedilatildeo
descentralizado foi oficialmente instituiacutedo e alargado para os paiacuteses que mantecircm relaccedilotildees
de cooperaccedilatildeo com a Comunidade Europeacuteia a Europa introduziu e adotou o conceito de
condicionalidade financeira deixando de financiar projetos tradicionais e passando a
realizar como os institutos financeiros empreacutestimos de ajustamento estrutural que
utilizavam os fluxos do regime internacional ODA (GRILLI 1993)
Parece correto afirmar que o setor da cooperaccedilatildeo internacional da Europa adequou-
se agraves medidas decididas pelos paiacuteses da OCDE no Comitecirc de Assistecircncia ao
Desenvolvimento (CAD) quanto agrave orientaccedilatildeo ainda no final dos anos setenta de destinar
as poliacuteticas de desenvolvimento para os setores privados (RELATOacuteRIO ANUAL CAD
1979) No capiacutetulo anterior demonstramos que em 1979 Van Lennep - entatildeo secretaacuterio-
geral adjunto da OCDE - tomou possiacutevel a aproximaccedilatildeo entre os bancos privados e o setor
de financiamento da ajuda financeira ao desenvolvimento Acrescentamos agora a
informaccedilatildeo de que naquele mesmo ano o Comitecirc promoveu o ldquoI Encontro CAD com o
Conselho Internacional das Agecircncias de Voluntaacuterios (ICVA 91
Essa aproximaccedilatildeo das ONGs com a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi sustentada
pelas afirmaccedilotildees feitas pelos grupos de estudo do CAD segundo as quais o setor privado
garantiria maior eficaacutecia e transparecircncia na utilizaccedilatildeo dos recursos enviados aos paiacuteses em
vias de desenvolvimento sustentando que os Estados doadores poderiam estabelecer mais
facilmente mecanismos de avaliaccedilatildeo da efetiva utilizaccedilatildeo dos financiamentos
91 Logo depois em 1981 foi Banco Mundial quem estabeleceu uma diretriz especiacutefica (nota de poliacutetica operacional 1005) Segundo Fuumlhner a decisatildeo do Banco ldquorefletia o interesse do Banco em aproveitar em operaccedilotildees de financiamento a experiecircncia de campo daquelas organizaccedilotildeesrdquo (FUumlRNER 1996)
73
Vilanova nos lembra que em 1976 quando o relacionamento das ONGs com a
Comunidade Europeacuteia nasceu o Estado ficou no centro do processo Ou seja os paiacuteses
europeus puderam controlar e garantir ao mesmo tempo o maacuteximo de eficiecircncia Para
esse autor as ONGs como atores menos sujeitos ao direito internacional e devido ao bom
relacionamento que estabeleceram com a miacutedia conseguiram promover a reorganizaccedilatildeo
das estruturas humanitaacuterias nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Ele sugere que esse eacute
um aspecto muito positivo da atuaccedilatildeo das ONGs contudo seu discurso natildeo avanccedila sobre a
possibilidade que as ONGs tecircm de atuar sobre a reorganizaccedilatildeo de outras estruturas nos
paiacuteses em vias de desenvolvimento
Na verdade essa investigaccedilatildeo do poder de interferecircncia das ONGs nos paiacuteses em
vias de desenvolvimento eacute ainda muito recente no setor da cooperaccedilatildeo internacional
Deveremos reservar para o futuro o aprofundamento dessa discussatildeo Poreacutem Vilanova
Basile Antonelli e Jahier mdash autores estudados nesse capiacutetulo que em maior ou menor
medida se aproximaram desse tema mdash natildeo colocaram em discussatildeo em qualquer
momento o papel central de seus Estados como o ator mais importante desse processo de
ampliaccedilatildeo das ONGs no cenaacuterio internacional Essa observaccedilatildeo denuncia um aspecto da
discussatildeo que embora tenha estado presente desde a introduccedilatildeo do termo - cooperaccedilatildeo
descentralizada - esteve agrave margem durante nossa anaacutelise aquele ligado aos conceitos de
governabilidade (good governace) e de desenvolvimento sustentaacutevel participativo que tecircm
servido de suporte conceituai para a afirmaccedilatildeo dessa modalidade de ajuda Esses dois
suportes conceituais seratildeo vistos em relaccedilatildeo com as justificativas teoacutericas da Comunidade
Europeacuteia e da literatura especializada para a realizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada
atraveacutes das parcerias entre ONGs europeacuteias e ONGs locais
Podemos encerrar essa seccedilatildeo com a afirmaccedilatildeo de Tavares de que muitas vezes a
falta de transparecircncia das ONGs pode ser identificada no fato de que muitos governos
utilizam estas organizaccedilotildees como instrumentos de atuaccedilatildeo externa em iniciativas sobre as
quais natildeo lhes conveacutem assumir responsabilidade direta Em tais casos a flexibilidade em
mateacuteria de elaboraccedilatildeo de relatoacuterios e procedimentos contaacutebeis concedidos agraves ONGs por
92 Em VILANOVA 1995 BASILE 1995 ANTONELLI 1995 JAHIER 2000
74
estes governos revela-se essencial para que as iniciativas natildeo sejam diretamente
identificadas com estes atores (TAVARES 1999)
As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada
As justificativas da Comunidade para a implantaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada
foram baseadas em dois aspectos distintos Primeiramente justificou-se a implantaccedilatildeo da
cooperaccedilatildeo descentralizada devido ao fato de que mesmo depois de estabelecida a ajuda
internacional ao desenvolvimento nos anos sessenta os indicadores de desenvolvimento e
de necessidades humanas baacutesicas dos PVD (atualmente definido como desenvolvimento
humano) permaneciam estagnados93 As causas do falimento da ajuda foram buscadas em
uma certa incapacidade organizacional e institucional destes paiacuteses na administraccedilatildeo dos
recursos Tambeacutem Barbarella afirma que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi instituiacuteda porque
os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizaram inadequadamente os
instrumentos da cooperaccedilatildeo e os reduziram a um aparato operativo ineficaz vinculado
muitas vezes agrave poliacutetica externa e comercial de seus Estados (BARBARELLA 1998)
Basile e Antonelli justificam a cooperaccedilatildeo descentralizada focando seu discurso na
maior transparecircncia e eficiecircncia das ONGs e na sua natural vocaccedilatildeo de cumprir metas
sociaisrdquo (BASILE ANTONELLI 1995) Lal afirma que as ONGs internacionais com
organizaccedilotildees radicadas no territoacuterio dos paiacuteses beneficiados podem identificar os
potenciais beneficiaacuterios e endereccedilaacute-los aleacutem de monitorar os benefiacutecios a serem destinados
a eles muito melhor do que os governos nacionais (LAL) Outros autores mais favoraacuteveis
ao processo da participaccedilatildeo das ONGs chegam a considerar a cooperaccedilatildeo descentralizada
como uma necessidade - isto devido agrave proacutepria conduta dos governos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento ldquoque costumam ser corruptos pouco democraacuteticos e incompetentes no
exerciacutecio de suas funccedilotildees governamentaisrdquo (BARBARELLA 1998)
93 LIVRO VERDE 1997 O Livro Verde eacute editado pela direccedilatildeo geral do desenvolvimento e conteacutem as normas da Comunidade para o setor
75
Podemos perceber que esse tipo de observaccedilatildeo nos conduz primeiramente agrave
percepccedilatildeo de que se naturalizou a ideacuteia de que os fluxos do regime internacional ODA
devem cumprir funccedilotildees de desenvolvimento humano (necessidades humanas baacutesicas) A
segunda percepccedilatildeo eacute que as justificativas iniciais da Comunidade Europeacuteia parecem
fortemente baseadas no suporte teoacuterico da governabilidade A noccedilatildeo de governabilidade
associada ao pluralismo democraacutetico eacute vista atualmente como uma forma de
desenvolvimento correto para os paiacuteses mais pobres A legitimidade da cooperaccedilatildeo
descentralizada para promover a governabilidade nos paiacuteses em vias de desenvolvimento
parece estar sendo buscada pelos autores abordados no uacuteltimo paraacutegrafo na ideacuteia de que
os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento seriam pouco representativos de suas
populaccedilotildees A proacutepria Comunidade faz essa afirmaccedilatildeo no documento oficial de
sensibilizaccedilatildeo popular mdash destinado agrave sociedade civil europeacuteia mdash sobre a necessidade da
manutenccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento ldquoa
Comunidade estaacute trabalhando haacute mais de dez anos para desenvolver (atraveacutes da
cooperaccedilatildeo) um diaacutelogo simultacircneo com aqueles que satildeo os reais beneficiaacuterios da ajuda
Mandando delegaccedilotildees a campo a Comunidade manteacutem uma permanente relaccedilatildeo com as
pessoas locais e serve de intermediaacuteria entre a populaccedilatildeo local e os governos oficiaisrdquo 94
A noccedilatildeo de governabilidade como aquela utilizada pelo discurso da Comunidade
Europeacuteia estabelece uma ilegitimidade dos governos nacionais dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento perante as populaccedilotildees destes Estados aleacutem de criar uma imagem negativa
dos governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento junto agraves populaccedilotildees dos paiacuteses
desenvolvidos O que pode representar inclusive perdas comercias profundas para estes
uacuteltimos Essa imagem negativa pode ser utilizada inclusive pelos governos dos paiacuteses
desenvolvidos como instrumento de pressatildeo econocircmica e poliacutetica contra os paiacuteses do
Terceiro Mundo Cooper e Packhard argumentam que o sucesso da transmissatildeo de ideacuteias
como a governabilidade (que eacute oficialmente produto da ajuda conceituai CAD) emana das
poderosas organizaccedilotildees de desenvolvimento com o claro objetivo de promover mudanccedilas
poliacuteticas- Os autores acreditam que criacuteticas agrave corrupccedilatildeo de governo ao clientelismo e a
incompetecircncia satildeo criadas propositadamente para desconstruir a capacidade politica dos
94 ( w europaeuintscadpluslegleslubrl 2500htm)
76
governos dos paiacuteses mais pobres Mais importante olhar a governabilidade na perspectiva
histoacuterica permite que o conceito pareccedila menos novo A insistecircncia em good governance eacute
em grande parte reproduccedilatildeo do que jaacute foi previamente dito sobre good economy uma
afirmaccedilatildeo - em forma de eufemismo - de que o Ocidente tem proposto objetivos a serem
atingidos pelos PVD um conjunto generalizado de categorias que definem seus standards
(COOPER amp PACKHARD 1997)
A cooperaccedilatildeo descentralizada foi implementada no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento concomitantemente agrave introduccedilatildeo na agenda internacional dos conceitos
de governabilidade e participaccedilatildeo civil e de corrupccedilatildeo dos governos dos paiacuteses do terceiro
mundo Embora alguns autores afirmem que o conceito de governabilidade tenha entrado
no cenaacuterio internacional a partir do estudo poor governance do Banco Mundial em 1992
devemos lembrar que jaacute na metade dos anos oitenta o CAD publicou que ldquoAs Agecircncias
das Naccedilotildees Unidas (e as demais organizaccedilotildees internacionais) deveriam estabelecer projetos
que procurassem contribuir para estrateacutegias de Orientaccedilatildeo Paiacutesrdquo Estas orientaccedilotildees
contudo deveriam estar centralizadas ldquoem trecircs principais elementos o melhoramento
poliacutetico e a construccedilatildeo institucional da regiatildeo (que estruturam o conceito de good
governance) e o desenvolvimento de programas com investimentos puacuteblicosrdquo
(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1987) Em 1988 o CAD adotou os princiacutepios para a
apreciaccedilatildeo internacional de projetos de organizaccedilotildees natildeo-govemamentais (RELATOacuteRIO
ANUAL CAD 1987) Sobre a corrupccedilatildeo dos governos dos PVD o relatoacuterio anual do CAD
de 1992 afirmava ldquoLutar contra a corrupccedilatildeo e melhorar as financcedilas eacute um elemento
essencial da governabilidade A corrupccedilatildeo pode minar a inteira faacutebrica da economia e da
vida poliacutetica A corrupccedilatildeo pode prejudicar a reputaccedilatildeo da ajuda (ODA) junto agraves
populaccedilotildees civis dos paiacuteses doadoresrdquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)
E interessante perceber que a cooperaccedilatildeo descentralizada e a questatildeo da
governabilidade parecem estar conseguindo unir uma seacuterie de atores dos paiacuteses
desenvolvidos Apesar das diferenccedilas de discurso na cooperaccedilatildeo descentralizada e na
noccedilatildeo de que ela representa um papel fundamental para promover a governabilidade dos
paiacuteses em vias de desenvolvimento engajaram-se aleacutem do fundo europeu os doadores
bilaterais destes paiacuteses e as proacuteprias ONGs internacionais europeacuteias A esse propoacutesito a
posiccedilatildeo do grupo de ONGs europeacuteias durante a uacuteltima Conferecircncia sobre o Financiamento
77
do Desenvolvimento em Monterrey foi bastante clara em sua posiccedilatildeo sobre a administraccedilatildeo
direta dos recursos ODA pelos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
O grupo dos 77 reafirmava exaustivamente o direito dos PVD administrarem seus
proacuteprios recursos mesmo que nunca tenha ficado claro quais fossem exatamente seus
objetivos Aleacutem disso os governos destes paiacuteses costumam desconsiderar alguns direitos de
desenvolvimento como regras de govemo e direitos das populaccedilotildees Estes governos
tambeacutem costumam se opor ao dinheiro que venha atraveacutes das organizaccedilotildees natildeo
governamentais e continuam desconfiados quanto agrave utilizaccedilatildeo de mecanismos de ajuda - do
FMI e do Banco Mundial - que estabeleccedilam ajustes macroeconocircmicos Eles se opotildeem ateacute
mesmo ao recente foco da ajuda bilateral de privilegiar os paiacuteses mais pobres Finalmente
costumam natildeo consideraras demandas sociais e ambientais de seus paiacuteses (THE COURIER
ACP-EU 2002 l)95
A posiccedilatildeo das ONGs europeacuteias parece bastante adequada com os crescentes
interesses financeiros destas organizaccedilotildees no setor do desenvolvimento Estimava-se que
no final dos anos 90 o conjunto de ONGs dos paiacuteses OCDE administrasse o equivalente a
mais de 10 bilhotildees de doacutelares por ano entre contribuiccedilotildees puacuteblicas e privadas Destes
recursos em meacutedia 23 provecircm de doaccedilotildees privadas (JAHIER 2000 208) Quanto agraves
contribuiccedilotildees privadas das ONGs precisamos ressaltar que estas organizaccedilotildees podem
utilizar um percentual de ateacute 15 dos recursos conseguidos junto ao Fundo Europeu para
realizar campanhas publicitaacuterias de suas atividades Esse feto tem contribuiacutedo em larga
medida para a expansatildeo das contribuiccedilotildees privadas das ONGs nos paiacuteses da OCDE que
passaram de pouco menos de US$ 1 bilhatildeo para 7 bilhotildees de doacutelares entre 1970 e 1990
(JAHEER 2000) Realizar uma pesquisa criteriosa da administraccedilatildeo dos recursos das ONGs
e da efetiva aplicaccedilatildeo destes recursos nos paiacuteses em vias de desenvolvimento eacute uma tarefa
extremamente complicada As ONGs colocam-se como organizaccedilotildees separadas dos
governos e orgulhosas de sua autonomia natildeo permitem facilmente interferecircncia e
controles quanto agrave administraccedilatildeo de seus recursos (TAVARES 1999) Horton Smith
(citado por Tavares) chama a atenccedilatildeo para o feto de que estas organizaccedilotildees tendem a tratar
com certo grau de sigilo o processo de definiccedilatildeo de suas atividades e os esquemas de apoio
95 Courier ACP-EU eacute o informativo das ONGs europeacuteias
78
financeiro dos quais se beneficiam chegando em alguns casos a natildeo revelar claramente sua
composiccedilatildeo Mesmo nos paiacuteses europeus onde se costuma destinar grandes somas puacuteblicas
para estas organizaccedilotildees um controle do uso dos recursos natildeo acontece (TfiacuteATFR 2000)
Ateacute mesmo pela proacutepria regulamentaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada que aleacutem de dar
autonomia para estas organizaccedilotildees para a gestatildeo dos fundos ainda permite que a prestaccedilatildeo
de contas finais da realizaccedilatildeo de um projeto seja apresentada cinco anos depois da
assinatura do contrato96 Esse intervalo temporal concede agraves ONGs uma ampla
possibilidade de alterar ou maquiar seus relatoacuterios finais de prestaccedilatildeo de contas
A segunda justificativa da Comunidade Europeacuteia para a introduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo
descentralizada foi o crescimento da vitalidade e da efervescecircncia da sociedade civil nos
paiacuteses em vias de desenvolvimento A cooperaccedilatildeo descentralizada foi justificada como um
incentivo para que as sociedades civis organizadas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pudessem interferir diretamente nos processos de desenvolvimento destes paiacuteses Contudo
como vimos a cooperaccedilatildeo descentralizada natildeo significou um acesso direto das ONGs do
Sul aos recursos do Fundo Europeu como poderia ser esperado a partir das motivaccedilotildees
declaradas Para justificar a ampliaccedilatildeo dessa praacutetica a Comunidade Europeacuteia tem utilizado
o apoio que as ONGs do Sul demonstraram pelas iniciativas de desenvolvimento
descentralizado97 A mesma justificativa baseia-se no conceito de desenvolvimento
sustentaacutevel participativo no papel que a ajuda oficial ao desenvolvimento supostamente
tem de promover a expansatildeo da rede de suporte agraves poliacuteticas da governabilidade (CREWE
amp HARRISON 1998)
O grande problema da questatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel participativo eacute que
essa noccedilatildeo vem se sobrepondo nos anos noventa ao conceito de cooperaccedilatildeo teacutecnica que
era um dos pilares fundadores do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
A cooperaccedilatildeo teacutecnica era entendida inicialmente como uma transferecircncia de capacidade
produtiva que devia servir para consolidar a autonomia dos Estados na formulaccedilatildeo das
poliacuteticas nacionais de desenvolvimento (MARCHISIO 1986) Contudo depois da
introduccedilatildeo da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel participativo a cooperaccedilatildeo teacutecnica tem
96 General Conditons For The Cofinance Of Development 2000 2
97 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 fwwvvestonityioleseracooreraz auadrocooixfcchtml
79
sido percebida como a possibilidade dos paiacuteses doadores de interferir em niacuteveis de
eficiecircncia (humana) nos sistemas produtivos do paiacutes recebedor Desse modo deixa-se de
mandar tecnologia para os paiacuteses do Terceiro Mundo passando-se a mandar pessoal
teacutecnico que ajudaraacute na construccedilatildeo de projetos locais de desenvolvimento e orientaraacute as
populaccedilotildees de base quanto a suas capacidades de organizaccedilatildeo (CAFFARENA 2001) Esse
tipo de procedimento aumenta muito o nuacutemero de teacutecnicos internacionais e expatriados dos
paiacuteses em desenvolvimento que encontram trabalho bem remunerado nos paiacuteses em vias de
desenvolvimento
Devemos ainda aprofundar a questatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada estabelecida a
partir do criteacuterio de parcerias Vimos anteriormente que a regulamentaccedilatildeo do programa natildeo
permitiu que as ONGs do Sul pudessem ter acesso direto aos recursos da Comunidade98 e
que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi baseada no criteacuterio de parceria (partnership) entre as
ONGs internacionais europeacuteias e suas congecircneres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
Segundo a Comunidade Europeacuteia as parcerias foram introduzidas ldquopara favorecer a
participaccedilatildeo ativa dos diversos componentes representativos da sociedade civil dos paiacuteses
parceiros no processo de decisatildeo com fins de desenvolvimento sustentaacutevel nos seusbull bull laquo99terntonos
Segundo Crewe e Harrison a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada -
a partir do criteacuterio de parceria - foi uma estrateacutegia dos paiacuteses detentores dos fundos para
conseguir manter a maior parte possiacutevel dos recursos em seus proacuteprios paiacuteses atraveacutes do
pagamento de consultores e pessoal especializado local e expatriado da manutenccedilatildeo de
mecanismos burocraacuteticos em seus territoacuterios e da tendecircncia em aprovar projetos que
pudessem incentivar a venda de seus produtos e equipamentos Uma segunda razatildeo
apontada pelas autoras para o estabelecimento de um modelo de cooperaccedilatildeo
descentralizada baseada em parcerias eacute que as organizaccedilotildees locais assim como os
governos do Terceiro Mundo passam a ter uma conotaccedilatildeo passiva e satildeo mais fortemente
percebidas como incapazes de manejar seu proacuteprio trabalho (CREWE amp HARRISON
9S Em 1992 a autoridade orccedilamentaacuteria da Comunidade criou uma rubrica orccedilamentaacuteriadestinada a promover a cooperaccedilatildeo descentralizada em todas as atividades de cooperaccedilatildeo aodesenvolvimento com paiacuteses pobres (httpwwweuropaeuint) A cooperaccedilatildeo descentralizada foiincentivada sem regulamentaccedilatildeo orccedilamentaacuteria jaacute a partir dos anos oitenta
99 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wAvesten it nolesera cooperaz ciuadro cooixiechtm)
80
1998) Em concordacircncia com a opiniatildeo das autoras parece estar a proacutepria definiccedilatildeo do CAD
de parceria ldquoAtraveacutes da parceria (partnership) a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo tenta
fazer coisas para os paiacuteses em desenvolvimento e para suas populaccedilotildees mas com eles Isso
pode ser visto como um esforccedilo colaborativo para ajudaacute-los a aumentar suas capacidades de
fazer coisas para eles mesmosrdquo (OECD 1996 13) Na mesma linha de raciociacutenio se
encontra a definiccedilatildeo do PNUD de cooperaccedilatildeo descentralizada a partir das parcerias ldquoA
cooperaccedilatildeo descentralizada eacute um processo cujo objetivo eacute capacitar as pessoas para
empreender uma accedilatildeo para um desenvolvimento autocircnomo e de adquirir a capacidade de
influenciar e dirigir as mudanccedilas da proacutepria sociedaderdquo
Sobre as opiniotildees favoraacuteveis em relaccedilatildeo agrave questatildeo das parcerias relembramos as
anaacutelises de Triulzi Basile e Antonelli atraveacutes das quais iniciamos a investigaccedilatildeo do termo
cooperaccedilatildeo descentralizada Para Triulzi por meio de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores
se atingiratildeo as necessidades reais das populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pois essa relaccedilatildeo ldquoproporcionaria o favorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-
administrativas de maneira a defender os direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos
defendendo a igualdade entre gecircneros introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo
democraacutetica na vida social e civil dos PVDrdquo (TRIULZI 1998 128)
Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais
Dois uacuteltimos aspectos seratildeo abordados no encerramento desse trabalho O primeiro
eacute em relaccedilatildeo agrave agenda da cooperaccedilatildeo descentralizada que - como salientamos
anteriormente - pode representar um constrangimento inicial para a utilizaccedilatildeo dos recursos
do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Isso porque os projetos satildeo
aprovados com bases setorial preacute-determinada pela proacutepria Comunidade Europeacuteia O
segundo aspecto que discutiremos eacute em relaccedilatildeo agrave expansatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo das ONGs
internacionais no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive como
agecircncias executivas de organizaccedilotildees internacionais e dos proacuteprios governos
A mesma liberdade quanto agrave aplicaccedilatildeo dos recursos alocados pelas ONGs
internacionais que apenas discutimos natildeo acontece em relaccedilatildeo agrave escolha dos temas e das
aacutereas dos projetos apresentados a Comunidade Europeacuteia O Guia Geral das Condiccedilotildees de
81
Co-Financiamento de Operaccedilotildees de Desenvolvimento Executadas por ONGs Europeacuteias em
paiacuteses de Desenvolvimento da Comissatildeo da Comunidade Europeacuteia estabelece que os
projetos sejam executados nas seguintes aacutereas principais desenvolvimento econocircmico e
social local em aacutereas urbanas e rurais desenvolvimento de recursos humanos e suporte para
a estruturaccedilatildeo de ONGs locais Ainda podem ser apresentados projetos nas aacutereas
secundaacuterias de promoccedilatildeo dos direitos humanos e da democracia promoccedilatildeo das mulheres
desenvolvimento sustentaacutevel direitos das crianccedilas proteccedilatildeo de culturas ameaccediladas
educaccedilatildeo de base sauacutede baacutesica proteccedilatildeo e resoluccedilatildeo de conflitos100
Os temas assistidos pelas ONGs internacionais estatildeo em concordacircncia com os
estabelecidos pelos paiacuteses da OCDE para o uso da condicionalidade da ajuda visto no
capiacutetulo anterior Considerando-se as limitaccedilotildees iniciais para a apresentaccedilatildeo de projetos
pelas ONGs internacionais e apenas os fundos puacuteblicos por elas administrados ou seja o
equivalente a US$ 3 bilhotildees de doacutelares (em meacutedia 5 dos recursos do fundo Europeu mdash
TRJLUZI 1998)101 podemos perceber o quanto a cooperaccedilatildeo descentralizada possa vir a
representar um fator de constrangimento para o acesso dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento aos fundos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento
(ODA) e ao estabelecimento de programas nacionais de desenvolvimento No que diz
respeito agraves contribuiccedilotildees dos fundos puacuteblicos dos Estados europeus tomados
individualmente os paiacuteses destinam agraves ONGs percentuais muito variados de seus fundos
oficiais A Aacuteustria e a Irlanda satildeo os dois paiacuteses que menos repassam contribuiccedilotildees para as
ONGs fixando-se em um percentual de 10 de seus fundos ODA na margem oposta estatildeo
a Beacutelgica e a Itaacutelia que repassam mais de 70 de suas contribuiccedilotildees oficiais ao
desenvolvimento atraveacutes das ONGs
Como dissemos as ONGs internacionais estatildeo expandindo suas fontes de recursos e
podem receber financiamentos dos institutos financeiros e do proacuteprio PNUD a partir da
cooperaccedilatildeo coordenada CAD que incentivou a aproximaccedilatildeo das ONGs do setor da
cooperaccedilatildeo jaacute a partir de 1979 (REALATOacuteRIO ANUAL CAD 1979) O Banco Mundial
atualmente utiliza 50 de seus recursos por meio das ONGs internacionais (dados de 1999
luu General Conditions For The Cofmancing Of Development 2000 3-4
K1 Em 1970 os fundos puacuteblicos eram inferiores a US$ 200 milhotildees (JAHIER 2000 208)
82
TAVARES 1999) O PNUD assim como uma seacuterie de outras agecircncias e Programas das
Naccedilotildees Unidas utiliza ONGs internacionais acreditadas junto ao ECOSOC (Conselho
Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas) com status consultivo como agecircncias executivas
em suas atividades desde 1984 As ONGs ativas de voluntariado desenvolvimento ajuda
humanitaacuteria e de emergecircncia (os quatro termos correspondem agrave quase totalidade das ONGs)
satildeo atualmente aproximadamente 4000 (JAHEER 2000208) Destas 2234 satildeo acreditadas
junto ao ECOSOC sendo que 79 delas pertencem agrave Europa e aos Estados Unidos103
(dados fornecidos pelo ECOSOC) Devemos lembrar que o Banco Mundial assim como as
demais agecircncias do Sistema das Naccedilotildees Unidas realiza empreacutestimos com garantia
governamental Desse modo a atuaccedilatildeo das ONGs a partir destas fontes seraacute decidida em
acordo feito junto aos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
(AGEcircNCIA BRASILEIRA DE COOPERACcedilAtildeO) De qualquer maneira Tavares nos
lembra que muitas das organizaccedilotildees internacionais estatildeo condicionando a presenccedila de
ONGs no andamento dos projetos realizados nos paiacuteses em vias de desenvolvimento para
a liberaccedilatildeo dos recursos o que acaba alterando o procedimento das preferecircncias dos
governos e os leva muitas vezes a modificar estrateacutegias de negociaccedilatildeo e a incorporar as
ONGs em suas iniciativas especiacuteficas (TAVARES 1999)
Sobre a desproporccedilatildeo do nuacutemero de ONGs internacionais do Norte e do Sul que tecircm
caraacuteter consultivo junto ao ECOSOC devemos considerar que a falta de um criteacuterio
regional mais equilibrado para a concessatildeo do status consultivo junto agrave organizaccedilatildeo
aumenta ainda mais a concentraccedilatildeo do poder de utilizaccedilatildeo dos recursos nas esferas de
102
102 O relacionamento das Ongs com o Banco Mundial se desenvolveu basicamente a partir dos anos 80 com o estabelecimento de diretrizes especiacuteficas em 1981 (Nota de Poliacutetica Operacional 1005) (TAVARES 1999)
103 Das 2234 Ongs acreditadas junto ao ECOSOC em 2002 (segundo criteacuterio de localizaccedilatildeo da sede central) 39 pertencem agrave Europa 30 aos EUA 6 agrave Ameacuterica Latinal agrave Oceania 10 agrave Aacutefrica e 14 agrave Aacutesia (ECOSOC - httpwww unorg - dados solicitados diretamente) A proporccedilatildeo de ONGs dos paiacuteses desenvolvidos acreditadas junto ao ECOSOC pode ser ainda maior do que revelam os dados Isso porque o criteacuterio de cadastramento das ONGs em base regional eacute realizado tomando-se como referecircncia a sede administrativa das atividades da ONG naquele ano Considerando que atualmente as grandes organizaccedilotildees (que pertencem todas aos paiacuteses desenvolvidos) mudam constantemente de sede estabelecendo em alguns periacuteodos as sedes centrais das organizaccedilotildees nos paiacuteses em vias de desenvolvimento os dados do ECOSOC podem esconder uma realidade ainda mais favoraacutevel as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos
83
decisatildeo do Norte do mundo Aleacutem disso as ONGs do Sul estatildeo de qualquer maneira em
desvantagem porque elas tecircm menos acesso a informaccedilatildeo privilegiadas devido ao feto de
que atualmente as grandes ONGs internacionais dos paiacuteses desenvolvidos manteacutem
escritoacuterios permanentes em Bruxelas e Nova Iorque podendo desse modo obter
informaccedilotildees avantajadas sobre a liberaccedilatildeo de recursos oficiais Aleacutem disso as redes mais
limitadas de suporte das ONGs do Sul tomam estas organizaccedilotildees mecanismos de obtenccedilatildeo
de recursos menos eficientes do que as organizaccedilotildees dos paiacuteses mais ricos que se
expandem internacionalmente De acordo com Pereira as ONGs internacionais obtecircm
reconhecimento e recursos porque fornecem aos paiacuteses doadores um produto ou seja um
relatoacuterio profissional com textos e informaccedilotildees estrategicamente preparados para agradar
ao leitor (PEREIRA 1997 167)
Devemos considerar ainda que quando as ONGs atuam em funccedilotildees setorizadas
como eacute atualmente o caso das agendas das organizaccedilotildees internacionais e dos institutos
financeiros comprometem muito de sua ldquoforccedila inovadorardquo (DARCY 2000) Alguns
estudos do setor demonstram que estaacute acontecendo uma crescente homogeneizaccedilatildeo das
ONGs (JAHDER 2000 213) De fato os setores de atuaccedilatildeo destas organizaccedilotildees se
diferenciam sempre menos devido a sua proacutepria necessidade de empreender meacutetodos de
atuaccedilatildeo empresarial e seguir as agendas dos financiadores para obter recursos Esta
tendecircncia acaba limitando fortemente a capacidade original de inovaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo
que era caracteriacutestica das ONGs (TAVARES 1999) A propoacutesito Bemard Hours
acrescenta que as ONGs promovem a ideacuteia de desenvolvimento identificado em termos de
intervenccedilatildeo global e estandardizada determinada pelos procedimentos de avaliaccedilatildeo de
projetos das organizaccedilotildees internacionais que lhes concedem recursos Dessa forma ldquoa
ideologia humanitaacuteria fundada sobre a urgecircncia e sobre as intervenccedilotildees pontuais foram
impostas como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS 2001 98)rdquo
La 1 (assim como inuacutemeros outros autores) tem uma visatildeo contraacuteria agravequelas ateacute
agora abordadas Vimos que na opiniatildeo desse autor os institutos de caridade e as Ongs
nacionais ou internacionais - que tenham sede estabelecida nos paiacuteses atendidos - podem
identificar os beneficiaacuterios em potencial e endereccedilando e monitorando os benefiacutecios a
serem destinados a eles muito melhor do que os governos locais Com a finalidade de
84
tornar praacutetica esta possibilidade Lal sugere que todos os fluxos do regime internacional da
ajuda ao desenvolvimento ODA venham alocados a estas organizaccedilotildees com base nas suas
propostas de utilizaccedilatildeo e eventualmente em sua capacidade para contribuir com uma
quantidade correspondente de recursos proacuteprios (LAL 1985)
Uma caracteriacutestica interessante que deve ser percebida nas ONGs internacionais eacute
que elas se ocupam prevalentemente de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e accedilotildees
humanitaacuterias - isso lhes confere um setor especiacutefico de accedilatildeo os paiacuteses em
desenvolvimento Milner e Keohane afirmam que alguns paiacuteses devido a suas forccedilas
institucionais podem isolar a si mesmo das pressotildees societais aumentadas com o processo
de internacionalizaccedilatildeo Isso implica que mesmo que com a crescente internacionalizaccedilatildeo e
com as mudanccedilas de preferecircncia dos atores domeacutesticos as decisotildees centrais destes Estados
natildeo vatildeo responder a estas mudanccedilas ou o faratildeo a seu proacuteprio modo (MILNER amp
KEOHANE 1996 9-10) Essa constataccedilatildeo vale tanto para as pressotildees do capital privado
como para as populaccedilotildees civis Esse tipo de interpretaccedilatildeo resulta na avaliaccedilatildeo de que as
populaccedilotildees dos paiacuteses desenvolvidos podem estar sendo direcionadas estrategicamente por
seus governos para questotildees e problemas que se encontram fora de seus territoacuterios
nacionais possibilitando a diminuiccedilatildeo das pressotildees societais internas e ao mesmo tempo
cumprindo seus objetivos de poliacutetica exterior Enquanto as populaccedilotildees civis dos paiacuteses
desenvolvidos se ocupam das questotildees sociais dos outros paiacuteses os governos nacionais dos
paiacuteses desenvolvidos podem promover com maior tranquumlilidade suas estrateacutegias nacionais
centralizadas de desenvolvimento e reforccedilar suas instituiccedilotildees internas Aleacutem disso as
populaccedilotildees locais quando comparam a sua proacutepria condiccedilatildeo com a das populaccedilotildees em vias
de desenvolvimento (devido sobretudo agrave atual capacidade que tecircm as ONGs internacionais
de divulgar na miacutedia as situaccedilotildees de emergecircncia e trageacutedia humanitaacuteria) acabam
inevitavelmente reforccedilando o conceito de que seus governos nacionais conduzem poliacuteticas
puacuteblicas eficientes e portanto as pressotildees internas natildeo se justificam Uma pesquisa de
opiniatildeo conduzida por Marelli e Garelli na Itaacutelia104 em 2000 sobre o suporte dos italianos
aos programas de cooperaccedilatildeo descentralizada revela alguns dados interessantes sobre a
questatildeo Quanto agrave confianccedila dos entrevistados nas ONGs (de forma generalizante)
104 Onde existem 150 ONGs internacionais (JAHIER 2000)
85
averiguou-se que 67 4 dos entrevistados tecircm muita ou muitiacutessima confianccedila nelas
269 tecircm pouca e apenas 56 natildeo tecircm nenhuma Em segundo lugar verificou-se que
70 dos entrevistados aprovam que a conduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento seja
realizada atraveacutes das ONGs internacionais (cooperaccedilatildeo descentralizada)
Os dados levantados nessa pesquisa oferecem um quadro inicial do emergente papel
que vecircm assumindo as ONGs internacionais e o modelo da cooperaccedilatildeo descentralizada
como modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos do regime internacional ODA
Sobre a questatildeo da legitimidade das ONGs internacionais como administradoras de
fluxos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) devemos
lembrar que como sugere Tavares pouco se discute sobre a democracia interna das ONGs
e a total ausecircncia de mecanismos democraacuteticos internos nestas instituiccedilotildees As ONGs
internacionais tendem a legitimar seus interesses natildeo a partir das democracias
representativas atuais mas com base nos interesses futuros de milhotildees de pessoas que ainda
natildeo nasceram - como eacute o caso das organizaccedilotildees ambientais e pacifistas Aleacutem disso
Tavares ainda afirma que as ONGs tendem a relativizar as regras da democracia
representativa para encontrar a legitimidade de suas accedilotildees em grupos minoritaacuterios criando
desse modo a noccedilatildeo de que existem muacuteltiplas fontes de legitimidade dentro da sociedade
relacionadas com causas de interesses de minorias ou com a busca de eficiecircncia as quais
lhes permitiram desempenhar papel de utilidade puacuteblica O autor justifica a aceitaccedilatildeo das
ONGs pelos Estados baseado em dois motivos principais O primeiro seria que as ONGs
podem ser uma melhor alternativa aos grupos de pressatildeo mais radicais da classe meacutedia A
segunda seria que as ONGs podem ter um efeito positivo nas populaccedilotildees menos
favorecidas da sociedade mostrando a estes grupos que suas necessidades podem ser
atendidas (TAVARES 1999)
Opiniotildees menos otimistas tambeacutem satildeo encontradas Cremer nos lembra que pensar
que as ONGs natildeo cometem erros eacute um falso pressuposto (CREMER 1996) Souza acredita
que elas construiacuteram sua imagem a partir da crenccedila de que tais organizaccedilotildees satildeo honestas
competentes pequenas flexiacuteveis e eficientes que o autor considera uma informaccedilatildeo
irreal Como qualquer ator as ONGs estatildeo sujeitas agrave falhas na administraccedilatildeo dos recursos
a desvios de verba e a incompetecircncia
86
0 maior problema contudo de pensar nas ONGs internacionais como promotoras de
desenvolvimento eacute que esse tipo de raciociacutenio e constrangimento pode levar os paiacuteses em
vias de desenvolvimento a se desviarem a desviarem-se de um projeto nacional de
desenvolvimento
A Europa atraveacutes da estruturaccedilatildeo da rede de ONGs internacionais que atualmente
participam ativamente do setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento tem conseguido cada
vez mais interferir diretamente nos processos de desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres
As ONGs internacionais vatildeo disputar cada vez mais com os Estados do Sul os recursos do
regime internacional ODA assumindo funccedilotildees diversificadas sobretudo nos Estados que
natildeo tiverem redes de proteccedilatildeo contra as forccedilas da internacionalizaccedilatildeo Essa sobreposiccedilatildeo de
interesses econocircmicos poderaacute comprometer ateacute mesmo a possibilidade de surgimento de
uma cooperaccedilatildeo real e inequiacutevoca entre os atores avantajados e desavantajados
Jahier defende a existecircncia de uma legiacutetima sensibilidade das populaccedilotildees dos paiacuteses
desenvolvidos em relaccedilatildeo agraves questotildees do desenvolvimento Experiecircncias positivas podem
nascer da atuaccedilatildeo de ONGs de diferentes paiacuteses Natildeo podemos deixar de lembrar que o
voluntariado cumpria uma funccedilatildeo positiva de natildeo ingerecircncia antes de sua aproximaccedilatildeo ao
setor da cooperaccedilatildeo internacional Contudo os aspectos positivos das relaccedilotildees destes atores
pocircdem ficar obscurecidos quando as ONGs internacionais se colocam atraveacutes da
cooperaccedilatildeo descentralizada como promotoras do desenvolvimento no lugar dos Estados
(JAHIER 2000 211-23)
87
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A ecircnfase dos paiacuteses desenvolvidos em utilizar mecanismos de condicionalidade e
estabelecer agendas mais orientadas agrave soluccedilatildeo de problemas globais vem sendo interpretada
pela literatura poliacutetica como uma espeacutecie de crise de paradigma Uma inversatildeo paradoxal
de perspectiva das questotildees internacionais ligadas ao desenvolvimento na qual o ldquotema
Norte-Sul deixou de ter uma dimensatildeo exclusiva de cobranccedila coletiva do Sul em relaccedilatildeo ao
Norte por recursos financeiros e tecnoloacutegicos por mais cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento em
suma - e passou tambeacutem a ter a dimensatildeo de uma cobranccedila do Norte ao Sul por mais
respeito aos direitos humano maior preservaccedilatildeo do ambiente adesatildeo agrave natildeo-proliferaccedilatildeo de
armas de destruiccedilatildeo em massa combate ao narcotraacutefico e livre-comeacuterciordquo (LAFER 1994
33)
Essa crise de paradigma teria sido possiacutevel segundo a interpretaccedilatildeo acima exposta
porque com a superaccedilatildeo dos conflitos Leste-Oeste uma nova realidade se apresentou no
cenaacuterio internacional a crise Norte-Sul Segundo essa interpretaccedilatildeo as agendas
internacionais mais voltadas agraves chamadas questotildees do Norte teriam sido estabelecidas
somente depois da superaccedilatildeo da Guerra Fria - quando a nova ordem internacional que se
estabelecia retirou dos paiacuteses do Sul do mundo seu caraacuteter de terceira forccedila
Nossa pesquisa que se aproximou das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional entre
paiacuteses do Norte e do Sul revelou no entanto que a suposta crise de paradigmas e a
retirada do Sul de seu caraacuteter de terceira forccedila natildeo foram os fatores determinantes do
estabelecimento de novas agendas internacionais menos atentas agraves questotildees econocircmicas e
agraves demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Como vimos a tendecircncia de retirar os
problemas econocircmicos do cenaacuterio internacional foi estabelecida ainda durante os anos
setenta depois do choque do petroacuteleo e das Resoluccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica
Mundial (ou crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas) Nos anos oitenta depois da
diminuiccedilatildeo do poder de barganha dos paiacuteses em desenvolvimento a inserccedilatildeo de uma
agenda global que considerasse a noccedilatildeo de interdependecircncia sem contudo abordar as
questotildees econocircmicas desta relaccedilatildeo nos parece mais ligada agrave perpetuaccedilatildeo da estrateacutegia
88
estabelecida nos anos setenta a de diminuiccedilatildeo das tensotildees poliacuteticas Norte-Sul a partir da
apropriaccedilatildeo e revisatildeo pelos paiacuteses do Norte das demandas do Sul em bases mais toleraacuteveis
aos interesses dos atores avantajados
Devemos tambeacutem considerar que um dos grandes problemas de interpretar as novas
agendas e as recentes modalidades do setor da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento em particular a condicionalidade da ajuda como iniciativas estabelecidas
a partir de uma suposta crise de paradigmas como uma inversatildeo de cobranccedilas do Norte em
relaccedilatildeo ao Sul - que teria comeccedilado a partir do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste - eacute
que este tipo de interpretaccedilatildeo natildeo confere o peso poliacutetico devido aos conflitos e agraves tensotildees
que permeiam as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre estes dois grupos de atores Mais
especificamente esse tipo de interpretaccedilatildeo retira do Sul um papel de forccedila poliacutetica atuante
O Sul nessa interpretaccedilatildeo parece ter existido apenas enquanto aliado potencial dos paiacuteses
do Leste que depois do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste e jaacute natildeo representando
maiores perigos pocircde ser cobrado quanto agrave resoluccedilatildeo de seus problemas
Nossa investigaccedilatildeo tentou explorar a questatildeo da introduccedilatildeo das novas agendas
primeiro sociais e depois globais e a proacutepria evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva diferente e acreditamos
mais centrada nos dois atores principais desta relaccedilatildeo paiacuteses do Norte e do Sul do mundo
Ainda devemos ressaltar que o fato de perceber as novas agendas globais como o
fruto de uma mudanccedila de paradigma tambeacutem contribui para desvincular os fluxos do
regime internacional ODA de seu processo poliacutetico ou seja de sua origem como elemento
de compensaccedilatildeo e como uma espeacutecie de garantia de crescimento econocircmico para os atores
desavantajados em um sistema internacional assimeacutetrico
Atraveacutes dessas afirmaccedilotildees natildeo estamos negando a existecircncia de situaccedilotildees
particularmente graves de desequiliacutebrio sistecircmicos que podem afetar aspectos da vida dos
cidadatildeos de todo o planeta Contudo como nos foi revelado atraveacutes de nossa fonte teoacuterica -
Keohane - os problemas globais devem ser separados da dimensatildeo poliacutetico-econocircmica dos
Estados pois caso natildeo o faccedila-mos podemos correr o risco de tomar certos efeitos como
causas destes problemas
A propoacutesito de nossa fonte teoacuterica devemos ressaltar que a escolha de utilizar a
anaacutelise sistecircmica para discutir o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre atores
89
avantajados e atores desavantajados revelou-se como acertada na estruturaccedilatildeo desta
pesquisa Atraveacutes desse tipo de orientaccedilatildeo e da identificaccedilatildeo do tema da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento como regime internacional pudemos instrumentalizar
nosso estudo e investigar o comportamento cooperativo dos Estados como resultado de
arranjamentos poliacuteticos gerados em situaccedilotildees de conflito O que contribuiu para que
percebecircssemos que as mudanccedilas do setor da cooperaccedilatildeo - representadas nos anos setenta
pela primeira aproximaccedilatildeo Norte-Sul e pela introduccedilatildeo do conceito de necessidades
humanas baacutesicas e a expansatildeo dessa aproximaccedilatildeo a partir do conceito de interdependecircncia
nos anos oitenta - pudessem ser relacionadas a causas precisas de acirramento das tensotildees
entre o grupo de paiacuteses desenvolvidos e em desenvolvimento
Pudemos perceber com nossa investigaccedilatildeo que os processos de distensatildeo
empreendidos pelos paiacuteses do Norte no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento vecircm cumprindo seu objetivo de afastar do cenaacuterio poliacutetico internacional
as questotildees econocircmicas Atualmente pouco se discute sobre o momento de fortalecimento
dos nacionalismos do Sul provocados pela nova ordem econocircmica mundial (WAFT DF
1998) Eacute inegaacutevel que parte desse afastamento se deve ao feto de que a crise dos paiacuteses
produtores de mateacuterias primas influenciou poliacuteticas restritivas de fechamento de mercado
que se se tomaram insustentaacuteveis para os atores desavantajados Contudo as poliacuteticas de
crescimento econocircmico a partir do fortalecimento das instituiccedilotildees locais natildeo nos parece
tatildeo fora de contexto se comparadas por exemplo aos processos de crescimento a que
foram submetidas as potecircncia secundaacuterias (Europa e Japatildeo) no final da Segunda Guerra
Estas potecircncias puderam fortalecer suas instituiccedilotildees tambeacutem atraveacutes da cooperaccedilatildeo
internacional antes de participar dos regimes de Bretton Woods Esse na verdade eacute um
dos aspectos intrigantes do estudo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento ou seja as
assimetrias de tratamento as quais estatildeo sujeitos os diversos atores internacionais
Enquanto os paiacuteses do Sul do mundo quando no regime da cooperaccedilatildeo
internacional constantemente satildeo chamados a resolver seus problemas econocircmicos a partir
das organizaccedilotildees criadas em Bretton Woods os Estados secundaacuterios quando passaram por
problemas de ordem financeira e de crescimento econocircmico receberam tratamento diverso
A Europa pocircde contar com recursos financeiros e transferecircncia direta de tecnologia do
Plano Marshall Aleacutem disso as diacutevidas externas destes paiacuteses inclusive aquelas da lei de
90
alugueacuteis e empreacutestimos nunca foram pagas Os maiores devedores como a Alemanha
ocidental (que tinha inclusive a moratoacuteria das Diacutevidas da Primeira Guerra) tiveram
negociaccedilotildees vantajosas e praticamente seus deacutebitos cancelados Mas sobretudo foi
tolerado aos paiacuteses europeus que eles pudessem manter um regime preferencial de compras
com suas antigas colocircnias (o que na realidade permanece ateacute nossos dias) e que os custos de
ajustamento de suas balanccedilas de pagamentos aos novos regimes internacionais pudessem
ser divididos atraveacutes da Uniatildeo Europeacuteia de Pagamentos dois procedimentos
intrinsecamente contraacuterios aos princiacutepios de Bretton Woods
Os atores desavantajados natildeo contaram no regime da cooperaccedilatildeo internacional
com redes efetivas de proteccedilatildeo e nunca puderam estabelecer mecanismos proacuteprios de
salvaguarda de suas balanccedilas de pagamentos Desse modo estes paiacuteses natildeo fortaleceram
suas instituiccedilotildees para participar de maneira mais equilibrada dos regimes de Bretton
Woods Estas diferenccedilas de tratamento dos atores dentro dos regimes internacionais satildeo
explicadas por Keohane como uma caracteriacutestica dos proacuteprios regimes Ou seja nem todos
os atores tecircm benefiacutecios iguais Contudo isso natildeo eacute motivo para deixar de repropor
poliacuteticas de cooperaccedilatildeo mais justas entre Norte e Sul A experiecircncia dos anos setenta pode
ser bastante positiva caso consigamos aproximar o discurso da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento de sua vertente poliacutetica e perceber da mesma forma (como entes
poliacuteticos) os atores que constituem esse regime
Finalmente nos resta ainda ressaltar que nossa pesquisa revelou que as mudanccedilas de
orientaccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a parir da deacutecada de
setenta tecircm resultado na aproximaccedilatildeo deste setor de ambientes privados Ou seja a
cooperaccedilatildeo financeira tem sido exercida prioritariamente pelo capital financeiro privado
internacional A cooperaccedilatildeo teacutecnica como vimos em nosso uacuteltimo capiacutetulo estaacute sendo
orientada para questotildees do desenvolvimento humano fato conveniente para justificar a
expansatildeo das organizaccedilotildees natildeo-governamentais e a presenccedila de teacutecnicos internacionais
(atualmente 150000 expatriados dos paiacuteses desenvolvidos) do Norte do mundo como
administradoras de recursos oficiais da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (ODA)
Como abordamos no capiacutetulo da condicionalidade eacute inegaacutevel o aumento das forccedilas
da internacionalizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos Estas forccedilas tenderatildeo cada vez mais a acentuar a
processo de privatizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Os estudos
91
Keohane e Milner abordados nesse trabalho nos sugerem que a uacutenica maneira de
conseguir controlar as pressotildees da internacionalizaccedilatildeo eacute atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas de
fortalecimento das instituiccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O Relatoacuterio Sul
afirma que o fortalecimento institucional dos paiacuteses do Sul pode acontecer a partir do
estabelecimento de uma rede de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses em vias de desenvolvimento
Poderiacuteamos atraveacutes desse processo conseguir um fortalecimento de nossas instituiccedilotildees
atraveacutes da reaproximaccedilatildeo dos paiacuteses do Sul entre eles mesmos e de suas demandas
92
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INTRODUCcedilAtildeO
Ambientaccedilatildeo histoacuterica do problema
No iniacutecio dos anos sessenta quando o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento estava sendo afirmado1 os paiacuteses do Sul (em vias de desenvolvimento)
reunidos em organizaccedilotildees - como o Movimento Natildeo-Alinhado no campo poliacutetico e o
Grupo dos 77 no campo econocircmico - passaram a exigir do grupo de paiacuteses do Norte
(desenvolvidos) regras comerciais mais justas e termos mais generosos para o
financiamento do desenvolvimento (entendido no sentido de crescimento econocircmico) As
demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD) foram respondidas com
declaraccedilotildees de boas intenccedilotildees pelos paiacuteses do Norte (como por exemplo a promessa de
aumento do volume dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento - ODA) mas tambeacutem
com fortes insistecircncias de que os foacuteruns apropriados para a resoluccedilatildeo de questotildees
econocircmicas continuavam a ser as instituiccedilotildees de Bretton Woods - nas quais devido ao
1 O estabelecimento de arranjamentos que pudessem regulamentar a cooperaccedilatildeo internacional entre atores dos paiacuteses industrializados e dos paiacuteses mais pobres pode ser percebido atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas efetivas pelos atores Ainda nos anos cinquumlenta os institutos financeiros - FMI e Banco Mundial - passaram a ter suas atividade re-orientadas para as questotildees do desenvolvimento (ASCARI 1999 BASILE 1995 CECCHI 1995) Em 1957 o Tratado de Roma estabeleceu a criaccedilatildeo do Primeiro Fundo Europeu de Desenvolvimento1 e adotou o conceito de Associativismo como modo de regulamentar as relaccedilotildees entre os Estados europeus e suas ex- colocircnias (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Em 1960 aconteceu a Primeira Deacutecada para o Desenvolvimento nas Naccedilotildees Unidas que contribuiu para o estabelecimento do Conselho Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas (ECOSOC) em 1962 e para a criaccedilatildeo do PNUD (Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas)1 em 1965 sob orientaccedilatildeo direta da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (NOGUEIRA 2001) Em 1960 foi criado o CAD (Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento dos paiacuteses OCDE1 - Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento Econocircmico e Financeiro) para regulamentar a relaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados (ex- colonizadores) com os paiacuteses fornecedores de mateacuterias-primas (quase todos ex-colocircnias) na nova era poacutes- colonial (BASILE 1995 45-6)
1
regime de voto2 os paiacuteses industrializados podiam assegurar a manutenccedilatildeo de seus proacuteprios
interesses Contudo no final dos anos sessenta quando o sonho de Bretton Woods - um
sistema monetaacuterio estaacutevel com taxas de conversatildeo fixas a partir do padratildeo doacutelar - comeccedilou
a entrar em colapso um grande otimismo passou a contagiar o Sul que viu o fim do padratildeo
monetaacuterio como uma possibilidade de reavaliar os demais regimes internacionais do poacutes-
guerra capaz de estabelecer um sistema de trocas mais favoraacutevel aos interesses dos paiacuteses
em vias de desenvolvimento
Os PVD passaram desde o momento de desestruturaccedilatildeo do regime monetaacuterio a dar
mais ecircnfase internacional agraves suas demandas e comeccedilaram a tomar medidas concretas para
uma revisatildeo dos processos poliacuteticos e econocircmicos instaurados no poacutes-guerra Uma das
primeiras medidas tomadas foi a tentativa destes paiacuteses para aumentar e tomar obrigatoacuterio
o repasse de fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) atraveacutes da Resoluccedilatildeo 2626
(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas de 24 de setembro de 1970 A intensidade
das demandas dos paiacuteses em desenvolvimento foi se tomando cada vez mais acentuada e
depois do choque do petroacuteleo^ estes paiacuteses (julgando-se fortalecidos devido agrave soluccedilatildeo natildeo-
militar do conflito) estabeleceram a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas trecircs
importantes Resoluccedilotildees em mateacuteria econocircmica chamadas de Nova Ordem Econocircmica
Mundial (New International Economic Order - NIEO) Este momento de reivindicaccedilotildees do
Sul tambeacutem eacute definido pela literatura como ldquocrise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-
primasrdquo (ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1996) Estas Resoluccedilotildees colocavam em
2 Nos institutos financeiros d Bretton Woods - FMI e Banco Mundial - o voto acontece segundo o volume de contribuiccedilotildees que cada paiacuteses destina agrave estes entes O que favorece os paiacuteses fortemente industrializados (ANTONELLI 1995)
3 O choque do petroacuteleo eacute percebido nas relaccedilotildees internacionais como uma mudanccedila no regime internacional do petroacuteleo que aconteceu a partir das organizaccedilatildeo dos paiacuteses exportadores de petroacuteleo (OPEP) nos anos sessenta Essa mudanccedila de regime efetivou-se nos anos setenta (nas negociaccedilotildees de Teeratilde em 1971 e depois da guerra de Yom Kippur de 1973) e representou o fim do poder centralizado nas companhias e o exerciacutecio paiacuteses produtores no controle dos mercados Depois de 1973 o preccedilo do petroacuteleo quadruplicou sem negociaccedilotildees Os preccedilos do petroacuteleo baixaram em termos reais ateacute o iniacutecio de 1979 quando a Revoluccedilatildeo no Iratilde reduplicou o preccedilo do petroacuteleo Seria exagerado dizer que os Estados da OPEP tomaram-se hegemocircnicos no sistema do petroacuteleo (capazes de fazer ou reforccedilar regras) porque a mudanccedilas na demanda internacional forccedilaram nos anos oitenta novas quedas no preccedilo da mateacuteria prima Contudo a mudanccedila de regime levou a uma renegociaccedilatildeo dos modelos de cooperaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados com os paiacuteses OPEP em outras bases e a um desgaste diplomaacutetico pelo primeiro grupo de paiacuteses (KEOHANE 1984 190-94)
2
questatildeo as leis econocircmicas de Bretton Woods revelavam que o sistema econocircmico era
desigual para estes dois grupos de paiacuteses e convidavam o Norte a empreender medidas
efetivas de accedilatildeo para a soluccedilatildeo dos problemas do Sul a partir de uma reorganizaccedilatildeo das
estruturas que regulamentavam os proacuteprios regimes internacionais econocircmico financeiro e
comercial surgidos apoacutes a Segunda Guerra Mundial Autores da poliacutetica internacional como
Keohane Waelde e Armstrong Lloyd e Redmond identificam na crise dos paiacuteses
produtores de mateacuterias-primas e no choque do petroacuteleo momentos concretos de ameaccedila
para os regimes econocircmico-financeiro e comercial de Bretton Woods4
Acreditamos que as mudanccedilas ocorridas no sistema internacional nos anos setenta a
partir do choque do petroacuteleo e do iniacutecio da intensificaccedilatildeo das pressotildees dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial
afetaram diretamente o regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Segundo
nossa interpretaccedilatildeo a ameaccedila de desarticulaccedilatildeo da ordem econocircmica a possibilidade do
surgimento de outros carteacuteis organizados para controlar os preccedilos de mateacuterias-primas (aleacutem
da OPEP - Organizaccedilatildeo dos Paiacuteses Produtores de Petroacuteleo) e o risco de que se tomasse
necessaacuterio estabelecer novos modelos de cooperaccedilatildeo internacional mais favoraacuteveis agraves
demandas dos paiacuteses do Sul geraram puniccedilotildees econocircmicas para os paiacuteses em vias de
desenvolvimento atraveacutes do aumento dos constrangimentos para a utilizaccedilatildeo dos fluxos do
regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Pois - como veremos em
nosso primeiro capiacutetulo dedicado agrave discussatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional - os
regimes internacionais dos atores avantajados constituiacutedos pelo bloco do Norte
estruturados atraveacutes de redes interligadas quando e se ameaccedilados podem impor puniccedilotildees e
aumentar o nuacutemero de constrangimentos impostos aos atores que promovam tentativas de
desestabilizaccedilatildeo do sistema internacional5 (KEOHANE 1984)
Nossa proposta de estudo eacute discutir os trecircs elementos baacutesicos atraveacutes dos quais as
puniccedilotildees econocircmicas contra os PVD puderam ser efetivadas a partir do regime da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento O primeiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica
4 Em (KEOHANE 1984 WAELDE 1998 ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND1996)
5 O sistema internacional eacute uma ordenaccedilatildeo dos Estados que acontece a partir de ambientes facilitadores de acordos definidos regimes internacionais
3
que discutiremos no segundo capiacutetulo desse trabalho aconteceu de maneira institucional a
partir daquele que era o principal organismo regulador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento no iniacutecio da deacutecada de setenta o Programa de
Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas - PNUD (MARCHISIO 1986 2000 BASILE
1995) A puniccedilatildeo institucional consistiu em cortes orccedilamentaacuterios para o Programa que
resultaram na implantaccedilatildeo de uma nova modalidade de administraccedilatildeo e repasse dos fluxos
da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) definida como multibilateral (MARCHISIO
19862000 BASILE 1995) O segundo elemento de puniccedilatildeo econocircmica para os paiacuteses em
vias de desenvolvimento foi teoacuterico-poliacutetico e aconteceu a partir do iniacutecio do uso da
condicionalidade da ajuda no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
(TRIULZI 1998 2000 ESCOBAR 1995) Este segundo elemento constituiraacute o elemento-
chave do terceiro capiacutetulo do presente trabalho Como veremos em nosso quarto capiacutetulo o
terceiro elemento de puniccedilatildeo econocircmica utilizado contra os PVD a cooperaccedilatildeo
descentralizada aconteceu a partir da instrumentalizaccedilatildeo de agentes natildeo-estatais como as
ONGs internacionais que passaram a se multiplicar como agentes promotores (e
defensores) dos interesses dos paiacuteses desenvolvidos (CREWE amp HARRISON 1998
JAFDER 2000) Estes elementos de puniccedilatildeo econocircmica acabaram reorganizando o proacuteprio
regime da cooperaccedilatildeo internacional definindo tambeacutem novos modelos de comportamento
entre o Norte e o Sul
As puniccedilotildees econocircmicas impostas aos PVD a partir do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento puderam ser estabelecidas porque os paiacuteses detentores
dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) passaram a retirar seus
recursos das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal especialmente do PNUD
concentrando-os em organismos que lhes fossem mais confiaacuteveis em suas proacuteprias
modalidades de ajuda bilateral (efetuada diretamente pelos Estados sem a participaccedilatildeo das
organizaccedilotildees internacionais) em fundos regionais proacuteprios - Fundo Europeu de
Desenvolvimento - ou nos Institutos Financeiros nascidos em Bretton Woods - FMI
Banco Mundial e Bancos Regionais de Desenvolvimento (MARCHISIO 1986 BASILE
1995 ANTONELLI 1995) Tal mudanccedila de recolhimento dos fluxos da ajuda oficial ao
desenvolvimento (ODA) que passaram das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal
para os organismos de confianccedila dos detentores dos recursos revelou-se estrateacutegica pois
4
permitiu aos paiacuteses doadores aumentar seus poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo do ODA
Isso porque enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal os paiacuteses
recebedoresdoadores6 assim como os paiacuteses apenas doadores podiam interferir sobre a
aplicaccedilatildeo dos fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento no Fundo Europeu de
Desenvolvimento assim como nos institutos financeiros internacionais e nos bancos
regionais o poder de decisatildeo sobre a administraccedilatildeo e sobre a aplicaccedilatildeo do ODA recai
apenas sobre o grupo de paiacuteses doadores7 (CECCHI 1995) O Fundo Europeu de
Desenvolvimento responde agraves orientaccedilotildees diretas da Comissatildeo e do Conselho Europeu que
estruturam as poliacuteticas que seratildeo aplicadas no regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento
com base unilateral (GRILLI 1993 ANTONELLI 1995) Tambeacutem nos institutos
financeiros o poder de decisatildeo sobre a aplicaccedilatildeo dos recursos recai somente sobre os
membros do Conselho de Administraccedilatildeo ou seja os paiacuteses fortemente doadores (ASCARI
1999)
Devemos tambeacutem lembrar que com a supremacia dos institutos financeiros e do
Fundo Europeu como administradores dos fluxos ODA perdeu-se a tendecircncia promovida
anteriormente pelo PNUD de financiar a maior parte dos projetos e programas de
desenvolvimento em regime de fundo perdido8 Ao contraacuterio nas instituiccedilotildees financeiras
nascidas em Bretton Woods os repasses de recursos acontecem a juros facilitados e na
maior parte das vezes a juros de mercado Disso resulta que na metade dos anos noventa
mais de 90 dos fundos multilaterais dos institutos financeiros (FMI e Banco Mundial e
regionais) se constituiacuteam de transferecircncias natildeo-facilitadas ou em empreacutestimos puacuteblicos a
juros de mercado - empreacutestimos Ibrd do Banco Mundial (BASILE 1995 69) Neste
6 Os paiacuteses em desenvolvimento satildeo doadores recebedores porque contribuem para estas organizaccedilotildees e retiram recursos destas organizaccedilotildees
7 Enquanto nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal o poder de voto eacute o mesmo para atores avantajados e atores desavantajados nos institutos financeiros o voto eacute realizado apenas pelos atores avantajados ou seja por aqueles que mais contribuem financeiramente com estes entes O fundo europeu responde apenas as ordens dos Estados membros da Comunidade Econocircmica Europeacuteia
8 No final dos anos 80 a quota UNDP dos financiamentos a fundo perdido das Naccedilotildees Unidas eram cerca de 60 (BROWNE 1990 p 241)
5
sentido em 1997 no Banco Mundial os empreacutestimos puacuteblicos (Ibrd)9 a juros de mercado
constituiacuteram um volume de 14525 bilhotildees de doacutelares enquanto os facilitados tiveram um
volume de U$ 4622 bilhotildees (ASCARI 1999 69)
Devemos ainda considerar que a aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees e o aumento dos
constrangimentos que possibilitaram a reordenaccedilatildeo do regime internacional da cooperaccedilatildeo
ao desenvolvimento aconteceu a partir de uma forccedila aglutinadora que tomando a iniciativa
de organizar o setor da cooperaccedilatildeo inclusive sistematizando conceitos estabeleceu-se
como centro coordenador das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo Esta forccedila aglutinadora eacute hoje o
Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e
Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) que tendo nascido nos anos sessenta como oacutergatildeo
responsaacutevel pelas poliacuteticas dos ex-paiacuteses colonizadores europeus em relaccedilatildeo a suas ex-
colocircnias transformou-se no principal centro de coordenaccedilatildeo das poliacuteticas bilaterais e
multilaterais dos paiacuteses industrializados
Depois do choque do petroacuteleo e das declaraccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica
Mundial a OCDE reformulou e estendeu as accedilotildees do CAD que passou exercer um papel de
coordenaccedilatildeo no setor do desenvolvimento que abrange atualmente os paiacuteses
industrializados e as organizaccedilotildees internacionais10 Baseado nisto o CAD foi capaz de se
estabelecer como uma espeacutecie de centro de inteligecircncia e de consultoria dos problemas do
desenvolvimento internacional Em um certo sentido o CAD posicionou-se
internacionalmente como a CEP AL11 dos paiacuteses industrializados e vem contribuindo para o
fortalecimento dos paiacuteses doadores como administradores dos fluxos do regime
internacional da ajuda ao desenvolvimento (ODA)
9 Recolhidos pelos banco no mercado financeiro e repassados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento com juros e condiccedilotildees de mercado (ASCARI 1999)
10 O CAD oficializou seu papel de centro de coordenaccedilatildeo da poliacuteticas de ajuda ao desenvolvimento em 1986 na Reuniatildeo anual do Comitecirc agrave qual estavam presentes Emest Stem (vice-presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador do PNUD) o CAD e os demais presentes concordaram que ldquoOs membros do CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1986)
11 Comissatildeo Econocircmica Para a Ameacuterica Latina
6
O Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) natildeo possui um oacutergatildeo
executivo de administraccedilatildeo dos fundos da cooperaccedilatildeo Entretanto funciona como centro de
decisatildeo12 para a aplicaccedilatildeo dos fundos da ajuda teacutecnica e financeira bilateral e multilateral
fornecendo aos paiacuteses-membros indicadores sociais e econocircmicos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento A ausecircncia de um oacutergatildeo executivo entretanto pouco afeta o repasse
centralizador dos recursos provenientes dos paiacuteses do CAD13 para a cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento Depois da oficializaccedilatildeo do papel do Comitecirc como centro coordenador da
ajuda em 1986 e da adoccedilatildeo pelo Banco Mundial bem como pelo FMI e pelo PNUD do guia
de princiacutepios para a apreciaccedilatildeo de projetos ldquoPrincipies For Project AppraisaF elaborado
pelo Comitecirc ldquocom o objetivo de melhorar a capacidade operacional das agecircncias
multilaterais e a qualificaccedilatildeo dos projetos atraveacutes da definiccedilatildeo comum de objetivosrdquo todas
as poliacuteticas e conceitos (definidas ajuda teacutecnica conceituai) desenvolvidos ad hoc pelos
centros de pesquisa do CAD satildeo aplicados conjuntamente nas organizaccedilotildees internacionais
(BASILE 1995 FUHNER 1996) Aleacutem disso a grande maioria dos paiacuteses que pertencem
ao CAD tambeacutem pertencem agrave CEE14 que por sua vez possui um oacutergatildeo executivo Ou seja
estes paiacuteses podem administrar diretamente - e sem nenhum tipo de intervenccedilatildeo dos paiacuteses
em vias de desenvolvimento - os recursos destinados agrave ajuda multilateral
Segundo Keohane no estudo dos regimes e da cooperaccedilatildeo internacional entre atores
fortes e atores desavantajados priorizar os constrangimentos dos atores fracos eacute mais
importante do que buscar suas motivaccedilotildees em conformar-se ou natildeo a regimes estabelecidos
(KEOHANE 1984) Os PVD dependiam como ainda dependem dos fluxos financeiros
especialmente daqueles facilitados (ODA) - em teoria mais previsiacuteveis e constantes dos que
os capitais privados - para programar o desenvolvimento de suas economias tomando-as
12 Os fluxos multilaterais ODA satildeo aplicados atraveacutes da proacutepria CEE do Banco Mundial do FMI dos Bancos Regionais de Desenvolvimento e das Agecircncias Multilaterais e dos Institutos Especializados das Naccedilotildees Unidas (BASILE 1995)
13 Atualmente a niacutevel agregado os recursos multilaterais dos paiacuteses DAC satildeo concentrados entomo a trecircs poacutelos o Banco Mundial as Naccedilotildees Unidas e a CEE que ocupam entorno a 90 das transferecircncias destes paiacuteses (ASCARI 1999)
14 Dos anos 80 para os anos 90 observa-se um forte aumento do repasse dos fundos multilaterais dos paiacuteses OCDE em direccedilatildeo a CEE que passou de 161 em 1984 para 284 em 1991
7
menos vulneraacuteveis agraves flutuaccedilotildees do mercado Celso Lafer enfatizou esta necessidade na
Conferecircncia sobre Financiamentos para o Desenvolvimento ocorrida em maio de 2002 na
cidade de Monterrey (Meacutexico)15
As puniccedilotildees e constrangimentos impostos aos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pelos paiacuteses detentores de recursos e constituiacutedos em medidas operativas pelo PNUD
Banco Mundial FMI e Fundo Europeu de Desenvolvimento (ajuda multilateral
condicionalidade da ajuda e cooperaccedilatildeo descentralizada) foram introduzidas ou projetadas
no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da primeira metade dos
anos setenta e exerceram segundo nossa hipoacutetese a funccedilatildeo comum de limitar o poder de
decisatildeo dos paiacuteses recebedores na aplicaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos multilaterais (inclusive
dos empreacutestimos puacuteblicos) do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
Toma-se oportuno lembrar que os fluxos oficiais ao desenvolvimento ODA16 ateacute a
completa afirmaccedilatildeo das puniccedilotildees e do aumento dos constrangimentos17 eram entendidos
como uma espeacutecie de compensaccedilatildeo financeira destinada aos governos dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento devido agraves suas menores oportunidades comercias e financeiras
(GRILLI 1994 MARCHISIO 1986) As novas modalidades contudo parecem diluir essa
noccedilatildeo inicial que caracterizava os fluxos ODA - que de certa forma passaram a representar
um mecanismo atraveacutes dos quais os Estados detentores dos recursos podem conduzir
intervenccedilotildees pontuais e setorizadas nos PVD
Conveacutem enfatizar que mesmo tratando-se os fluxos ODA de financiamentos
facilitados eles tambeacutem devem ser em grande parte devolvidos pelos paiacuteses recebedores
(ESCOBAR 1995 165) e que quando recebidos estes recursos somam-se em menor ou
maior grau a diacutevida puacuteblica dos paiacuteses em desenvolvimento (ASCARI 1999) Aleacutem disso
15 Em seu discurso Lafer lembrou os conferencistas que durante a deacutecada de 1990 o aumento de capital privado nos paiacuteses em desenvolvimento mas que esse capital eacute altamente imprevisiacutevel e em muitas situaccedilotildees diminuiu seu niacutevel vertiginosamente Essas entradas e saiacutedas bruscas de capital constituem-se tambeacutem em limitaccedilotildees para aos paiacuteses em vias de desenvolvimento
16 Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento teacutecnica ou financeira eacute contabilizada em fluxos financeiros ODA menos as contribuiccedilotildees emergecircncias in natura e os eventuais recursos privados das ONGs (BASILE 1995)
17 Que aconteceu na metade dos anos oitenta quando o setor da cooperaccedilatildeo foi direcionado para ambientes privados
8
a proacutepria tendecircncia que tem crescido no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento de
efetuar financiamentos privados aos PVD com fins de desenvolvimento utilizando
organizaccedilotildees internacionais para a perpetuaccedilatildeo da colocaccedilatildeo de condicionamentos de
vaacuterios gecircneros eacute um aspecto preocupante que natildeo deve ser ignorado Por esse motivo os
governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento assim como os estudiosos das ciecircncias
sociais poliacuteticas e econocircmicas natildeo podem permanecer indiferentes quanto agraves modalidades
de efetivaccedilatildeo da ajuda Em outras palavras os projetos e programas de desenvolvimento
(governamentais ou natildeo-govemamentais) e o grau efetivo de controle que os governos dos
paiacuteses do Sul exercem na orientaccedilatildeo destes projetos poderiam constituir um interessante
objeto de estudo nas aacutereas de ciecircncias humanas
Como foi possiacutevel a introduccedilatildeo de medidas operativas que resultaram na limitaccedilatildeo
do poder de decisatildeo dos atores mais fracos (puniccedilotildees e constrangimentos) quanto a
aplicaccedilatildeo dos fluxos ODA - e como estas medidas se transformaram em regras do setor da
cooperaccedilatildeo internacional - tambeacutem eacute um aspecto intrigante que deve ser abordado
Keohane nos lembra que os Estados poderosos procuram introduzir poliacuteticas econocircmicas
internacionais que atendam seus interesses e ideologias Parte importante da investigaccedilatildeo eacute
buscar entender como paiacuteses fortes transformam seus recursos materiais e ideoloacutegicos em
regras do sistema assim como constroacuteem alteram ou mantecircm regimes internacionais que
facilitam determinados tipos de cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 256 KEOHANE 1984
94) Para os realistas a ecircnfase eacute colocada no poder18 Keohane que considera simplistas
todas as explicaccedilotildees baseadas apenas neste poder acredita que uma explicaccedilatildeo mais
plausiacutevel encontra-se no poder dos recursos econocircmicos
Quanto agrave conformidade dos PVD agraves alteraccedilotildees promovidas no regime da
cooperaccedilatildeo internacional a partir dos anos setenta podemos identificar a proacutepria
necessidade destes paiacuteses de continuar recebendo financiamentos mesmo privados como
sendo a mais importante causa de aceitaccedilatildeo - por estes mesmos paiacuteses - das medidas
punitivas e do aumento dos constrangimentos na utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA Aleacutem disso
como veremos em nosso primeiro capiacutetulo Keohane teoriza que os regimes internacionais
natildeo devem ser estudados individualmente mas em relaccedilatildeo e em concordacircncia com outros
18 No sentido beacutelico do termo
9
regimes internacionais Em consequumlecircncia mesmo que os PVD sofram puniccedilotildees econocircmicas
e tenham seus constrangimentos aumentados nesse especiacutefico setor abandonar o regime ou
deixar de cumprir acordos estabelecidos anteriormente isto poderia implicar em puniccedilotildees
ainda mais graves para os atores desavantajados
Para que as noccedilotildees de regimes internacionais puniccedilotildees sistecircmicas e
constrangimentos fiquem claras ao leitor no decorrer deste trabalho nosso proacuteximo capiacutetulo
seraacute dedicado a um aprofundamento destes conceitos a partir do estudo teoacuterico da
cooperaccedilatildeo internacional elaborado prioritariamente a partir das obras de Robert
Keohane19
19 Duas obras de Keohane abordam especificamente a questatildeo dos regimes internacionais e da cooperaccedilatildeo A primeira eacute ldquoAchiving cooperation under anarchy rdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) um estudo que serviu de base ao posterior e mais completo ldquoAfter hegemony cooperation and discord in the world political economyrdquo (KEOHANE 1984) Aleacutem dos dois citados tambeacutem seraacute utilizado no proacuteximo capiacutetulo para elaboraccedilatildeo da teoria da cooperaccedilatildeo internacional o estudo de Krasner sobre regimes interanacionais ldquoRegimes and the limits o f realism regimes as autonomous variables rdquo e algumas noccedilotildees da obra de Keohane e Nye ldquoPoder e interdependencia la poliacutetica mundial en transicioacuten
10
CAPIacuteTULO I
A COOPERACcedilAtildeO COMO FENOcircMENO DAS RELACcedilOtildeES INTERNACIONAIS CONSIDERACcedilOtildeES TEOacuteRICAS
O estudo teoacuterico da cooperaccedilatildeo internacional
Robert Keohane define o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo como sendo aquele no qual
ldquoatores ajustam seus comportamentos para as preferecircncias atuais ou antecipadas dos outros
atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacuteticardquo (KEOHANE 1984 51-2) A
definiccedilatildeo do conceito e o desenvolvimento da teoria da cooperaccedilatildeo realizados por Keohane
aconteceram a partir do estudos realizados pelo autor da ocorrecircncia do fenocircmeno nas
relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente Essa escolha
de abordagem na elaboraccedilatildeo da teoria deveu-se ao pressuposto de que as relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo acontecem quando existem interesses muacutetuos entre os Estado envolvidos
Estabelecer interesses muacutetuos entre paiacuteses altamente avanccedilados industrialmente e que
dividem uma visatildeo relativamente similar da conduccedilatildeo de suas econocircmicas aleacutem de
cultivarem extensas relaccedilotildees de interdependecircncia20 uns com os outros facilita o trabalho de
investigaccedilatildeo do fenocircmeno da cooperaccedilatildeo (KEOHANE 1984 6)
Quanto agrave cooperaccedilatildeo entre paiacuteses avanccedilados industrialmente e paiacuteses em vias
desenvolvimento Keohane considera que os instrumentos de anaacutelise desenvolvidos em sua
teoria tambeacutem podem ser em certa medida aplicados na compreensatildeo de algumas destas
20 Para Keohane e Nye o conceito de interdependecircncia na poliacutetica mundial diz respeito ldquoa situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocos entre os paiacutesesrdquo (p8) Estes efeitos resultam de uma ampla gama de contatos e transaccedilotildees ocorridas no plano internacional o que produz uma restriccedilatildeo agrave autonomia dos atores envolvidos Ao mesmo tempo impotildee alguma forma de custos para os participantes do sistema internacional o que poderia levar a uma ocorrecircncia de determinados tipos de conflito entre eles
11
relaccedilotildees Contudo algumas consideraccedilotildees precisam ser realizadas Em primeiro lugar no
caso de atores desiguais a cooperaccedilatildeo pode tomar-se adversa e constituir-se em meio de
exploraccedilatildeo de um grupo de Estados ricos que efetivamente cooperam entre si para com os
Estados pobres (KEOHANE 1984 11) Essa situaccedilatildeo pode definir-se desde o
estabelecimento das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo devido aos constrangimentos colocados aos
atores mais fracos ateacute mesmo como condiccedilatildeo para sua participaccedilatildeo em uma relaccedilatildeo com
atores mais fortes ou pode mesmo acontecer posteriormente mesmo que objetivos iniciais
de cooperaccedilatildeo fossem desejados mutuamente agrave princiacutepio Um segundo ponto ainda deve ser
ressaltado quanto agrave cooperaccedilatildeo entre atores desiguais antes de iniciarmos o
aprofundamento do estudo do fenocircmeno a ocorrecircncia de relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre
atores avantajados e atores desavantajados costuma proporcionar benefiacutecios menores ou
mesmo nenhum beneficio para aqueles atores desavantajados Isso natildeo significa que os
atores desavantajados ajam de maneira irracional quando estabelecem relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo com os atores avantajados Muitas vezes o caacutelculo racional dos atores
desavantajados natildeo eacute obter benefiacutecios mas simplesmente natildeo ver aumentado seus custos
que poderiam tomar dimensotildees ainda maiores caso acordos de cooperaccedilatildeo natildeo fossem
estabelecidos Feitas estas consideraccedilotildees podemos finalmente iniciar o estudo teoacuterico da
cooperaccedilatildeo internacional
Para Keohane a teoria realista natildeo eacute capaz de explicar o fenocircmeno da cooperaccedilatildeo
internacional em todas as suas manifestaccedilotildees Na teoria realista onde o sistema
internacional eacute composto por Estados como unidades individuais que competem entre si em
um permanente estado de natureza anaacuterquico21 o uacutenico modelo possiacutevel de cooperaccedilatildeo eacute
aquele de alianccedilas resultante de uma operaccedilatildeo de balanccedilo de poder (KEOHANE 1984
7) Tambeacutem outros modelos explicativos da cooperaccedilatildeo internacional como o
Universalismo (de modelo kantiano) ou ateacute mesmo o Intemacionalismo (oriundo da teoria
de Grotius22) que opondo-se ao realismo conferiram segundo Keohane muito peso ao
21 Anarquia para Keohane constitui a falta de um governo comum no mundo poliacutetico internacional e natildeo uma negaccedilatildeo de que a sociedade internacional embora fragmentada exista (AXELROD amp KEOHANE 1982 227)
22 A obra de Hugo Grotius Do Direito da Guerra e da Paz (1625) que inaugura a tradiccedilatildeo Intemacionalista na poliacutetica internacional eacute um dos trecircs paradigmas (ou escolas de pensamento) fuacutendantes do estudo das relaccedilotildees internacionais segundo a divisatildeo de Hedley Buli Os outros dois
12
papel das funccedilotildees reguladoras das instituiccedilotildees internacionais e ao direito internacional natildeo
seriam adequados como instrumentos teoacutericos por natildeo aprofundarem as relaccedilotildees de poder
e de conflitos decorrentes da dimensatildeo econocircmica entre os Estados Considerando as
limitaccedilotildees dos modelos anteriores Keohane decidiu elaborar a estruturaccedilatildeo teoacuterica sobre o
fenocircmeno da cooperaccedilatildeo a partir de uma combinaccedilatildeo de teorias (liberal23 e realista 24) que
pudessem analisar as relaccedilotildees poliacutetico-econocircmicas dos atores internacionais sem esquecer o
egoiacutesmo e propensatildeo dos Estados em aumentar a proacutepria riqueza e poder
Keohane assim como os realistas considera que os atores poliacuteticos satildeo egoiacutestas e
agem motivados por interesses proacuteprios Para este autor quando os atores cooperaram o
fazem dentro de uma situaccedilatildeo de conflito que quando natildeo resolvida por essa via poderia
resultar em perdas ainda maiores para os envolvidos Os governos entram em negociaccedilotildees
internacionais visando reduzir o conflito que iria resultar necessariamente de outra
maneira Sem cooperaccedilatildeo os governos interferem no mercado uni lateralmente para
perseguir o que eles consideram seus proacuteprios interesses25 aumentando em muito a
possibilidade de perdas coletivas Atraveacutes desse tipo de raciociacutenio pode-se afirmar que os
paradigmas derivam das obras de Hobbes O Leviatatilde (1651) que influecircncia a tradiccedilatildeo Realista e do texto de Kant A Paz Perpeacutetua mdash Um Projeto Filosoacutefico (17956) da qual deriva a tradiccedilatildeo Universalista Segundo Hedley Buli a posiccedilatildeo de Grotius fica a meio caminho daquelas de Hobbes e Kant Grotius se diferencia do universalismo porque mesmo considerando a existecircncia de outros entes eacute o Estado o principal ator das relaccedilotildees internacionais Quanto agrave Hobbes Grotius afirma que as relaccedilotildees entre os Estados natildeo se resume a dimensatildeo conflitiva sendo necessaacuterio levar em conta a dimensatildeo cooperativa e a existecircncia de uma sociedade internacional (formada por Estados) que interage com base em valores culturais comuns e do direito internacional (GOLCcedilALVES 2001 94-6)
O Liberalismo propotildee alternativas agraves concepccedilotildees realistas Enfatizando aspectos a interdependecircncia econocircmica com suas muacuteltiplas e complexas camadas de ligaccedilotildees o liberalismo prevecirc comportamentos cooperativos entre os Estados Mecanismos como sanccedilotildees e puniccedilotildees econocircmicas possibilitam na visatildeo liberal um certo controle e previsibilidade sobre o comportamento dos participantes do sistema internacional
24 O Realismo poliacutetico apresenta um sistema internacional caracterizado pela anarquia tendo como atores principais os Estados Por ser anaacuterquico o sistema internacional eacute baseado no poder e na forccedila e cada Estado eacute visto como uma entidade isolada age apenas motivado pelos proacuteprios interesses Para o realismo natildeo existe cooperaccedilatildeo entre atores poliacuteticos
23 Ao contraacuterio dos economistas liberais Keohane acredita que os Estados agindo unilateralmente vatildeo interferir no mercado estrangeiro de trocas impor vaacuterias restriccedilotildees em importaccedilotildees subsidiar a induacutestria domeacutestica e estabelecer preccedilos de mercadorias como petroacuteleo
13
atores agem de maneira egoiacutesta-racional tentando maximizar as possibilidades de ganho
em uma situaccedilatildeo de conflito real ou potencial Isso significa que um fenocircmeno de
cooperaccedilatildeo acontece sempre a partir de uma situaccedilatildeo de conflito e nunca de harmonia26
entre atores no mundo poliacutetico Seraacute justamente a tentativa de resoluccedilatildeo deste conflito que
poderaacute levar os atores agrave cooperar ou seja agrave ajustar seus comportamentos ou antecipar as
preferecircncias dos outros atores atraveacutes de um processo de coordenaccedilatildeo poliacutetica
Enquanto para os realistas que utilizam a teoria dos jogos (especialmente do dilema
do prisioneiro) nos estudos de comportamento a cooperaccedilatildeo eacute impossiacutevel porque os atores
racionalmente desconfiam sempre das accedilotildees uns dos outros e egoiacutesticamente pensam nos
proacuteprios interesses Keohane acredita que as mesmas premissas de comportamento racional
e egoiacutesta em uma ambiente internacional favoraacutevel podem levar os atores agrave cooperarem
uns com os outros (KEOHANE 1984 65-7) Quando os atores agem por meio de escolhas
racionais pensando nos interesses proacuteprios atraveacutes da realizaccedilatildeo de benefiacutecios coletivos
pode-se esperar um volume substancial de cooperaccedilatildeo internacional (inclusive
institucionalizada) nas economias de mercado dos paiacuteses industrialmente avanccedilados A
anaacutelise da cooperaccedilatildeo internacional e a elaboraccedilatildeo de um conceito sobre o fenocircmeno
acontece desse modo atraveacutes de uma combinaccedilatildeo de teorias que reconheccedilam os interesses
complementares entre naccedilotildees mas que natildeo deixem de reconhecer que os Estados satildeo atores
racionais e egoiacutestas na medida em satildeo orientados a promover seus dos proacuteprios interesses
E necessaacuterio lembrar que no mundo das relaccedilotildees internacionais os temas mais
significativos satildeo ao mesmo tempo poliacuteticos e econocircmicos portanto a perseguiccedilatildeo da
riqueza e do poder por parte dos Estados pode iluminar as motivaccedilotildees especiacuteficas dos
atores e servir como antiacutedoto contra uma parcial ecircnfase em interdependecircncia e retoacutericas
globalistas de realizaccedilatildeo de interesses comuns (KEOHANE NYE 198818-22) Na teoria
da cooperaccedilatildeo de Keohane os atores abordados e considerados significativos satildeo os
Estados que estabelecem os objetivos e constroacuteem as regras nas quais os demais atores
(inclusive as organizaccedilotildees natildeo- governamentais) deveratildeo se adaptar Definir a economia
poliacutetica internacional em termos de perseguiccedilatildeo de riqueza e poder nos leva agrave analisar a
26 Harmonia no mundo poliacutetico acontece em uma situaccedilatildeo onde automaticamente os atores (perseguindo seus proacuteprios interesses sem considerar o interesses dos outros) facilitam a realizaccedilatildeo dos objetivos dos outros sem conflito
14
cooperaccedilatildeo na economia poliacutetica mundial menos como um esforccedilo de implementar ideacuteias
elevadas (moralmente) e mais como um meio de atingir interesses proacuteprios em objetivos
poliacuteticos e econocircmicos (KEOHANE 1984 25)
Na anaacutelise das relaccedilotildees entre Estados Keohane daacute grande enfoque agrave influecircncia do
sistema internacional como modelador do comportamento dos atores (teoria sistecircmica) O
comportamento dos Estados assim como os de outros atores da poliacutetica mundial eacute
fortemente influenciado pelos constrangimentos (constraints) e incentivos fornecidos pelo
ambiente internacional Quando o sistema internacional muda o mesmo acontece com os
incentivos e com os comportamentos dos atores
A ecircnfase no sistema internacional eacute a propoacutesito a grande diferenccedila entre a teoria
de Keohane e as publicaccedilotildees mais recentes que abordam o tema da cooperaccedilatildeo Os estudos
realizados sobre o tema nos anos noventa27 embora tenham a caracteriacutestica notaacutevel de
manter a definiccedilatildeo do fenocircmeno de cooperaccedilatildeo elaborado por Keohane (MILNER 1992
466) uma deacutecada antes criticaram o peso excessivo dos constrangimentos estruturais do
sistema internacional na definiccedilatildeo do comportamento dos atores As anaacutelises dos anos
noventa passaram a dar maior enfoque agraves poliacuteticas domeacutesticas na definiccedilatildeo dos
comportamentos dos Estados e de suas relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo (PUTMAN 1993 432
MILNER amp KEOHANE 1996 4)28 As teorias dos anos noventa embora incorporem um
estudo sobre os atores domeacutesticos29 tambeacutem minimizam certas situaccedilotildees de
27 Importante resenha comparada sobre os estudos e publicaccedilotildees da teoria da cooperaccedilatildeo internacional nos anos 90 (Robert Keohane e Kenneth A Oye Putman e Bayne Grieco e Haas) eacute o artigo de Helen Milner International theories of cooperation among nations strengths and weaknesses publicado no world politics (referecircncia no final deste trabalho)
28 E interessante perceber que o proacuteprio modelo de cooperaccedilatildeo internacional entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo voltada ao desenvolvimento no mesmo periacuteodo dos anos 90 tambeacutem comeccedilou a relacionar os problemas de desenvolvimento dos paiacuteses agrave fatores domeacutesticos e natildeo mais agrave problemas decorrentes do sistema internacional
29 O proacuteprio Keohane quando estuda em na segunda metade dos anos noventa o fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo admite que em suas anaacutelises anteriores pouca atenccedilatildeo foi dada ao comportamento dos atores domeacutesticos Isso natildeo significa que Keohane abandone a anaacutelise sistecircmica pelo contraacuterio ele continua afirmando que todos os atores sofrem constrangimentos e incentivos mas que internamente estas constriccedilotildees e incentivos seratildeo percebidas de maneira diferente devido aos arranjamentos estruturais e poliacuteticos dos diferentes atores Sua anaacutelise contudo se refere mais ao fenocircmeno da internacionalizaccedilatildeo e natildeo especificamente aquele da cooperaccedilatildeo internacional (MILNER amp KEOHANE 1996)
15
constrangimentos vividas pelos atores desavantajados como por exemplo as pressotildees
econocircmicas (MILNER 1992) No caso especiacutefico do nosso estudo sobre a ocorrecircncia da
cooperaccedilatildeo internacional aoacute desenvolvimento natildeo poderemos desprezar as pressotildees
econocircmicas sofridas pelos atores desavantajados visto os atuais mecanismos de repasse de
financiamentos do setor se estabelecem a partir de mecanismos de condicionalidade que
satildeo por si mesmo formas de pressatildeo econocircmica Desse modo decidimos pelo uso da
anaacutelise sistecircmica de Keohane na estruturaccedilatildeo deste trabalho
Para que possamos entender como os incentivos e os constrangimentos colocados
pelo sistema internacional podem afetar o comportamento dos atores deveremos
aprofundar a noccedilatildeo de regimes internacionais que satildeo entendidos por Keohane como os
ambientes facilitadores da cooperaccedilatildeo entre os Estados
Regimes internacionais
Os regimes internacionais satildeo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos
normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo dos quais as expectativas
dos atores convergemrdquo30- em uma variedade de aacutereas-tema das relaccedilotildees internacionais
(AXELROD amp KEOHANE 1982 327)31 Essa definiccedilatildeo e a proacutepria importacircncia dos
regimes internacionais satildeo plenamente entendidos depois de relembradas duas
caracteriacutesticas do contexto internacional A primeira delas eacute a ausecircncia no mundo poliacutetico
de instituiccedilotildees governamentais autoritaacuterias que possam regular (impondo obrigaccedilotildees) o
comportamento dos Estados e demais atores poliacuteticos A segunda eacute resultado da primeira a
30 Princiacutepios satildeo opiniotildees de fatos causas retidatildeo Normas satildeo modelos de comportamento definidos em termos de regras e obrigaccedilotildees Regras satildeo especiacuteficas prescriccedilotildees ou proscriccedilotildees para atos Procedimentos de tomada de decisotildees satildeo praacuteticas prevalecentes para fazer e implementar escolhas coletivas (Krasner 1983 p2) Keohane considera normas apenas como modelos de comportamento
31 Os sistemas financeiro e comercial internacionais satildeo exemplos de regimes internacionais bem como organizaccedilotildees regionais e a proacutepria cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento (tambeacutem chamada pelos americanos ajuda ao desenvolvimento) (KEOHANE NYE 1988 36)
16
constante incerteza do sistema internacional Os regimes internacionais cumpririam uma
funccedilatildeo ao sistema internacional definindo modelos de comportamento possibilitando
algum tipo de confiabilidade entre os atores e permitindo que expectativas comuns possam
ser tratadas de modo comum
Keohane acredita que princiacutepios normas regras e procedimentos conteacutem
determinaccedilotildees (quase) legais sobre comportamentos eles prescrevem certas accedilotildees e
proscrevem outras Nos regimes internacionais certos comportamentos ldquocorretosrdquo (no
sentido de serem coerentes com os princiacutepios do regime) satildeo incentivados enquanto
aqueles incorretos satildeo como veremos reprimidos Mais explicitamente os regimes
internacionais implicam em obrigaccedilotildees para os atores mesmo que estas obrigaccedilotildees natildeo
sejam cumpridas atraveacutes de um sistema hieraacuterquico legal
Considerando as duas caracteriacutesticas do sistema internacional - ausecircncia no mundo
poliacuteticos de instituiccedilotildees internacionais autoritaacuterias e a constante incerteza do sistema
internacional - podemos afirmar que uma das funccedilatildeo dos regimes internacionais eacute a
facilitaccedilatildeo de acordos entre governos de modo que as condiccedilotildees estruturais de anarquia
natildeo conduzam o sistema internacional a uma completa guerra de todos contra todos
(AXELROD amp KEOHANE 1982 332) Sem regimes internacionais a total incerteza
sobre o comportamento uns dos outros atores natildeo permitiria nenhum tipo de cooperaccedilatildeo
entre Estados colocando em riscos ateacute mesmo os grandes fluxos de trocas do sistema
capitalista Os regimes internacionais tambeacutem acabam facilitando a operaccedilatildeo de
descentralizaccedilatildeo do sistema poliacutetico internacional (diminuindo a presenccedila de um Estado
hegemocircnico como regulador do sistema) e expandindo o acesso dos atores poliacuteticos agraves
informaccedilotildees e em algum modo aos procedimentos de tomadas de decisatildeo o que
consequentemente aumenta as possibilidades de cooperaccedilatildeo internacional Contudo os
regimes internacionais natildeo devem ser percebidos como elementos de uma nova ordem
internacional aleacutem do Estado naccedilatildeo Eles precisam ser entendidos como arranjos
motivados por interesses proacuteprios em um sistema onde a soberania e o poder permanecem
sendo fatores constitutivos Isso significa que eles tendem a ser formados principalmente
Porque o mundo poliacutetico eacute descentralizado ao inveacutes de hierarquizado os princiacutepios prevalecentes de soberania significam que os Estados natildeo satildeo sujeitos agrave governos superiores (Ruggil 1983)
17
pelos atores mais poderosos priorizando seus proacuteprios interesses (KEOHANE 1984 62-
3)
Como afirmamos anteriormente Keohane manteacutem em suas anaacutelises a premissa de
que em geral os atores poliacuteticos tendem a responder racionalmente aos constrangimentos e
aos incentivos A teoria racional aplicada ao estudo da cooperaccedilatildeo implica em aceitarmos
que as decisotildees dos atores quanto aos regimes internacionais satildeo em alguma medida
voluntaacuterias Na ausecircncia de uma possibilidade de escolha dos atores reduziriacuteamos os
regimes internacionais a simples imposiccedilotildees quando na verdade sua natureza eacute muito mais
complexa Contudo tambeacutem pode ser limitativo e incorreto no estudo do comportamento
(cooperativo) dos Estados afirmar que os atores escolhem voluntariamente quando
participam dos regimes internacionais ou que os proacuteprios regimes satildeo de alguma maneira
fruto de accedilotildees voluntaacuterias Fazendo-o sacrificariacuteamos uma interpretaccedilatildeo Realista
Para que possamos manter a afirmaccedilatildeo de que os atores escolhem racionalmente - e
prosseguir a investigaccedilatildeo dos regimens internacionais - sem contudo ignorar as pressotildees
exercidas pelos mais fortes Keohane propotildee que sejam distinguidos dois aspectos do
processo atraveacutes do qual os regimes internacionais acontecem a imposiccedilatildeo de
constrangimentos (constvaints) e os processo de tomadas de decisatildeo (adesatildeo aos regimes)
Estes dois aspectos satildeo particularmente importantes para entenderas motivaccedilotildees dos atores
desavantajados de pertencer a um regime internacional
Em termos formais noacutes podemos considerar todos os regimes como tendo sido
criados ou mantidos voluntariamente atores independentes com a capacidade de recusar ou
consentirem em participar Mas caso estes atores sejam fracos agindo sob medo invasatildeo
ou colapso econocircmico natildeo pode-se dizer que exista verdadeiramente uma adesatildeo
voluntaacuteria (AXELROD amp KEOHANE 1982 330) Nestas situaccedilotildees devemos
primeiramente focar nossa atenccedilatildeo nos constrangimentos impostas aos atores antes de
examinar suas escolhas (KEOHANE 1984 71-2) Os atores podem sofrer
constrangimentos natildeo apenas atraveacutes de fatores estruturais do sistema mas tambeacutem
diretamente atraveacutes de pressotildees daqueles mais poderosos Regimes internacionais podem
ser acordados possuindo constrangimentos internos impostos desde a origem pelos atores
mais poderosos Relaccedilotildees de poder e dependecircncia e o contexto no qual os acordos foram
realizados seratildeo tambeacutem fatores de constrangimentos de escolhas nos regimes
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internacionais e afetaratildeo todos os acordos que resultam de barganhas entre atores Muitas
vezes a uacutenica alternativa racional do ator naquele momento eacute associar-se a um regime que
lhe garanta o miacutenimo de previsibilidade quanto ao comportamento dos atores
internacionais Mantendo-se em mente estas restriccedilotildees poderemos aplicar a anaacutelise de
escolhas racionais de maneira sofisticada sem implicar no entendimento de que os atores
estatildeo em situaccedilatildeo igual de poder de escolha pois relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo envolvem
diferentes custos de oportunidades para diferentes atores
Muito provavelmente os atores em posiccedilotildees fracas teratildeo custos e oportunidades
diferentes dos atores em posiccedilotildees avantajadas Essa constataccedilatildeo nos faz lembrar que no
mundo poliacutetico natildeo eacute via de regra que as trocas entre os Estados mesmo aquelas
resultantes de barganhas tenham que ser necessariamente iguais ou benignas para todos
Sobre as trocas desiguais Keohane acredita que elas acontecem como o resultado de uma
operaccedilatildeo onde atingiram-se objetivos possiacuteveis ou ainda devido agraves necessidades de creacutedito
ou da seguranccedila dos Estados ou mesmo devido agrave expectativa dos atores de atingirem-se
benefiacutecios futuros Keohane e os realistas percebem nas trocas desiguais oportunidades
para que os Estados poderosos transformem seus recursos materiais e ideoloacutegicos em regras
do sistema internacional Os Estados mais poderosos procuram em relaccedilotildees de troca
mesmo no interior de regimes internacionais beneficiar seus proacuteprios interesses poliacutetico-
econocircmicos Uma diferenciaccedilatildeo entre os realistas e Keohane quanto as trocas desiguais
deve ser precisada enquanto para os realista as trocas desiguais acontecem a partir de uma
diferenccedila de poder (militar) entre os Estados Keohane que considera simplistas todas as
explicaccedilotildees baseadas apenas em poder acredita que explicaccedilotildees mais plausiacuteveis
encontram-se no poder dos recursos econocircmicos
Quanto agraves tomadas de decisatildeo de pertencer ou natildeo agrave regimes internacionais espera-
se em geral que os Estados juntem-se a regimes onde os benefiacutecios como membros
superem os custos Atraveacutes desse raciociacutenio pode-se esperar que atores poliacuteticos escolham
participar de regimes internacionais que lhes garantam a mesma ou melhor condiccedilatildeo
dentro do que fora deles Isso natildeo implica necessariamente em ganho considerando-se que
os regimes tendem a impor custos para os que natildeo participam O Fundo Monetaacuterio
Internacional por exemplo natildeo empresta para os natildeo associados (ASCARI 1999 64)
Aleacutem disso ainda devemos recordar que os pressotildees e as desigualdades de poder que
19
estendem-se por traacutes dos regimes internacionais podem tomar os resultados da barganha
voluntaacuteria natildeo inteiramente benignos Natildeo existe garantia de que a formaccedilatildeo de um regime
internacional iraacute produzir benefiacutecios globais de bem estar social (welfare) Desse modo
pertencer a um regime internacional implica sempre em riscos especialmente para os atores
desavantajados
A existecircncia (e a aceitaccedilatildeo) no mundo poliacutetico de trocas desiguais a compreensatildeo
de que os Estados podem em determinados casos tomar a decisatildeo de pertencer a regimes
simplesmente para natildeo verem aumentados seus custos a percepccedilatildeo de que os atores mais
fracos realizam muitas vezes escolhas a partir de constrangimentos e que o resultados
destas encolhas podem natildeo ser inteiramente benignos nos ajuda a entender porque atores
desavantajados juntam-se a regimes mesmo quando eles recebem menos benefiacutecios do que
os outros membros (AXELROD amp KEOHANE 1982 340) Em poliacutetica natildeo podemos
nunca esquecer que escolhas voluntaacuterias natildeo implicam na igualdade de situaccedilotildees e
resultados para os atores (AXELROD amp KEOHANE 1982 330 KEOHANE 1984 70) e
que os regimes internacionais satildeo uma esfera onde o poder eacute diretamente exercido e onde
as desigualdades satildeo grandes
Um uacuteltimo aspecto em relaccedilatildeo aos regimes e aos atores desavantajados ainda deve
ainda ser tratado a conformidade dos Estados aos regimes internacionais Regimes
internacionais satildeo instituiccedilotildees descentralizadas o que natildeo significa ausecircncia de
mecanismos de conformidade Regimes produzem procedimentos e regras e estabelecem
sanccedilotildees por violaccedilotildees do proacuteprio regime podem ser coordenadas em diversos niacuteveis e
intensidade No mundo poliacutetico e econocircmico observamos uma alta conformidade com os
regimes Entretanto essa constataccedilatildeo natildeo deve ser exagerada Tome-se como exemplo o
caso da conformidade da Europa aos regimes internacionais financeiro e comercial
oriundos do final da Segunda Guerra Mundial que efetivou-se realmente somente depois
do saneamento econocircmico e da retomada do crescimento da regiatildeo promovidos pelo plano
Marshall (DINOLFO 1994 601-29)
Para entender o quebra-cabeccedila da conformidade precisamos examinar como os
regimes internacionais afetam o caacutelculos dos governos racionais e egoiacutestas Keohane nos
aponta duas distintas possibilidades de entendimento A primeira delas observa cada regime
isoladamente considerando as vantagens de adesatildeo (para os governos) em oposiccedilatildeo agraves
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alternativas viaacuteveis A segunda coloca os regimes em contexto com outros regimes no
mundo poliacutetico Desse modo cada regime eacute interpretado como parte e em conformidade
com uma longa rede de temas e regimes Perceber cada regime em conformidade com
outros regimes produz diferentes estruturas de incentivos e constrangimentos para os
atores A pressatildeo que pode ser exercida atraveacutes de elos entre temas por diferentes regimes
serve muitas vezes como razatildeo para o ajuste dos governos a um determinado regime No
mundo contemporacircneo os governos tratam de vaacuterios temas e pertencem a muitos regimes
um governo que natildeo cumpre as regras e natildeo conforma-se a um determinado regime pode
criar uma expectativa negativa sobre seu comportamento em outros regimes para os
demais Estados Em uma anaacutelise racional-egoiacutesta podemos pensar que governos cumprem
seus compromissos para natildeo serem retalhados (punidos ou excluiacutedos de possiacuteveis
benefiacutecios) naquele proacuteprio ou nos demais regimes mesmo quando o regime e os temas
envolvidos natildeo satildeo de acordo com o auto-interesse (imediato) daquele Estado
Para entender o comportamento cooperativo dos atores devemos perceber os
regimes internacionais como muacuteltiplos e interligados Caso existisse apenas um regime no
mundo poliacutetico ou cada regime isoladamente os governos egoiacutestas poderiam
racionalmente parar de cumprir regras de regime internacionais Regimes seriam
abandonados quando os governos calculassem as que as oportunidade de custo como
membro como sendo maiores do que os de alguma alternativa viaacutevel de accedilatildeo Perceber os
regimes como interligados nos faz compreender que caso um Estado deixe de cumprir as
regras de um determinado regime que natildeo estatildeo diretamente de acordo com seus interesses
(ao menos imediatos) ele seraacute punido naquele e em outros regimes Da mesma maneira o
custo de adquirir maacute reputaccedilatildeo como resultado de violaccedilatildeo de regras seraacute imposto ao
transgressor naquele ou em demais regimes
Outro motivo de conformaccedilatildeo eacute a expectativa que os governos tecircm do crescimento
do regime internacional Conformar-se a um regime em um primeiro momento pode ser
fonte de determinados benefiacutecios para os atores ou mesmo uma oportunidade de participar
de acordos no sistema internacional Aleacutem disso as decisotildees de certos governos de
participar de regimes podem acontecer atraveacutes de um certo grau de ignoracircncia os regimes
evoluem e seus rumos nunca satildeo completamente previsiacuteveis Isso muitas vezes implica que
governos atuais aceitem determinadas situaccedilotildees pouco vantajosas devido a compromissos
21
assumidos no passado e que poderiam implicar-lhes em maacute reputaccedilatildeo ou retaliaccedilotildees caso
natildeo fossem cumpridos Por exemplo decisotildees tomadas em um certo periacuteodo de promover
a abertura econocircmica tecircm profundamente surtido efeitos negativos na habilidade de futuros
governos de controlar as transaccedilotildees econocircmicas com o mundo exterior Esse problema diz
respeito a um dos aspectos mais obscuros dos regimes internacionais sua utilizaccedilatildeo para
afetar as preferecircncias dos governos futuros atraveacutes da criaccedilatildeo de constrangimentos em suas
(futuras) liberdades de accedilatildeo (KEOHANE 1984 120)
A conformaccedilatildeo aos regimes ainda pode ocorrer devido ao alto custo da construccedilatildeo
de regimes internacionais Estabelecer um regime pode ser muito difiacutecil e dispendioso para
os atores devido a grandes articulaccedilotildees envolvidas para conformar os atores o regime
necessita de um ambiente internacional de grande conflito para sua formaccedilatildeo ou ateacute mesmo
de presenccedila de uma potecircncia hegemocircnica - como foram os Estados Unidos depois da
Segunda Guerra Mundial Essa implicaccedilatildeo de custos de construccedilatildeo toma os regimes
internacionais mais faacuteceis de serem mantidos do que criados
Um uacuteltimo aspecto ainda deve ser abordado quanto agrave manifestaccedilatildeo dos regimes Os
comportamentos coordenados dos atores podem acontecer de forma declarada ou natildeo
podem ser sub-entendidos em acordos e tratados entre os Estados ou podem ser efetivados
no interior de organizaccedilotildees internacionais Isso natildeo significa que as organizaccedilotildees
internacionais cumpram simplesmente um papel funcional de servir aos regimes O
estabelecimento de organizaccedilotildees internacionais estaacute ligado a uma seacuterie de motivaccedilotildees das
mais diversas que natildeo aprofundaremos nesse momento estudo por natildeo representarem
ganho imediato para nossa discussatildeo Aquilo que nos pode interessar saber eacute que a
coordenaccedilatildeo de certas poliacuteticas estabelecidas nos regimes podem ter aspectos positivos e
aspectos negativos para os atores desavantajados Quanto aos aspectos positivos pode-se
listar a reduccedilatildeo dos custos de transaccedilatildeo (como aqueles organizacionais e de pagamentos) e
a diminuiccedilatildeo das imperfeiccedilotildees de informaccedilotildees (incertezas e riscos) e o no estabelecimento
de algum tipo de confianccedila legal para os Estados mesmo atraveacutes de normas imperfeitas ou
pouco precisas tomando os acordos mais convenientes dentro de um regime do que fora
dele Quanto aos aspectos negativos o primeiro deles seria que tendencialmente as
organizaccedilotildees internacionais favorecem os interesses dos atores mais poderosos Isso
significa que suas regras seratildeo estabelecidas ou poderatildeo constituir-se em mecanismos de
22
constrangimento para os atores desavantajados Por esse motivo o estudo das regras das
organizaccedilotildees internacionais pode constituir-se em um interessante instrumento de
investigaccedilatildeo da afirmaccedilatildeo e evoluccedilatildeo dos regimes internacionais e dos conflitos poliacuteticos
entre os atores
Cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime internacional
Depois da anaacutelise teoacuterica realizada nos sentimos confortaacuteveis para afirmar que a
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento entre paiacuteses do Norte e Sul do mundo tema
de anaacutelise de nosso trabalho manifesta-se como um regime internacional proacuteprio Ou seja
que agrave cooperaccedilatildeo entre Norte e Sul em relaccedilatildeo agrave aacuterea-tema desenvolvimento constitui-se
como sendo ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e expliacutecitos normas regras e
procedimentos de tomada de decisatildeo em tomo do qual as expectativas dos atores
convergem As expectativas dos atores satildeo necessariamente nesse caso o
desenvolvimento Essa afirmaccedilatildeo implica em aceitarmos que tanto os paiacuteses do Norte como
os paiacuteses do Sul do mundo dividem expectativas em torno de um modelo uacutenico de
desenvolvimento33 e que eacute justamente essa expectativa que poderaacute nos ajudar a entender
os motivos dos paiacuteses pobres em conformarem-se voluntariamente ao regime da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
Considerar as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como um
regime internacional orientado ao desenvolvimento nos permite tambeacutem estruturar com
mais rigor cientiacutefico as relaccedilotildees entre Estados do Norte e do Sul do mundo Pensadas como
regime as poliacuteticas internacionais orientadas ao desenvolvimento podem ser entendidas
33 O grupo de autores poacutes-estruturalista considera o discurso do desenvolvimento como um aparato de controle e vigilacircncia Desenvolvimento engloba uma seacuterie de controles de discurso e de controle de praacuteticas - um regime de forccedila - que apareceu desde que o Iluminismo a extensatildeo do projeto de universalizaccedilatildeo europeu nos quatro cantos do mundo Que a maior parte dos projetos de desenvolvimento falhe - um ponto de concordacircncia entre poacutes-modemistas e ultramodemistas - acaba reforccedilando o desenvolvimentismo eles dizem que ao falimento define a populaccedilatildeo target demarcada pelo resto da humanidade por sua aboriacutegine pobreza ignoracircncia passividade e portanto esta populaccedilatildeo precisa de uma intervenccedilatildeo de conhecimento de fora (ESCOBAR 1995 APFFEL MARGLIN AND MARGLIN 1990 SACHS 1992 NANDY 1988 CRUSH 1995)
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como proporcionado incentivos e constrangimentos diferentes - e com graus de intensidade
desiguais - para atores fracos e atores fortes Podemos ainda perceber que nas relaccedilotildees de
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento certas limitaccedilotildees e constrangimentos podem
ser estabelecidos diretamente pelos Estados mais fortes a partir dos recursos econocircmicos
Aleacutem disso entender as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir da oacutetica de
regime internacional nos permite investigar o papel das organizaccedilotildees internacionais que
atuam diretamente estabelecendo regras e modelos de cooperaccedilatildeo entre os Estados do Norte
e do Sul do mundo e o quanto estas organizaccedilotildees satildeo orientadas a efetuar programas e
projetos de desenvolvimento que atendam as demandas dos atores avantajados Mas
sobretudo entender o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento como regime internacional
nos faz perceber as relaccedilotildees dos Estados nesse tema como fenocircmenos poliacutetico-
econocircmicos ajudando-nos desse modo a permanecer imunes agrave consideraccedilatildeo que retratem o
fenocircmeno como uma forma valida de ajuda que visa ldquo combater os fenocircmenos que
ameaccedilam a paz e a convivecircncia civil a pobreza o degrado ambiental a violecircncia e os
desequiliacutebrios de todos os gecircnerosrdquo (BARBARELLA 1998 64) Sendo todos estes
fenocircmenos referidos claramente como caracteriacutesticos dos paiacuteses em desenvolvimento
Perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
internacional ainda nos ajuda a definir um meacutetodo de investigaccedilatildeo para o tema Ou seja
buscar entender nas regras das organizaccedilotildees internacionais e na sua evoluccedilatildeo os processos
atraveacutes dos quais o regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi afirmado e investigar os
constrangimentos e incentivos colocados pelo regime da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento
em relaccedilatildeo de complementaridade com outros regimes internacionais Pensar nos regimes
internacionais em relaccedilatildeo uns com os outros nos faz perceber que a cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento pode impor ou sofrer constrangimentos incentivos e
puniccedilotildees a partir da rede de temas e regimes
A escolha de estudar a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
internacional tambeacutem nos possibilita investigar o tema a partir dos constrangimentos dos
atores mais desavantajados e identificar nas pressotildees econocircmicas sofridas por esse grupo
sua causa maior em aceitar barganhas desiguais que nem sempre parecem muito toleraacuteveis
considerando-se apenas um comportamento racional-egoiacutesta dos atores
24
Finalmente perceber a cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento como regime
nos ajuda a estabelecer o proacuteprio termo cooperaccedilatildeo para definir o fenocircmeno Pois a
literatura especializada se utiliza de trecircs locuccedilotildees distintas para nomear o mesmo
fenocircmeno Estas locuccedilotildees satildeo assistecircncia ajuda e cooperaccedilatildeo Considerando que estes trecircs
termos natildeo satildeo sinocircnimos e denotam intensidades diferentes de participaccedilatildeo dos atores no
processo algumas consideraccedilotildees podem ser oportunas O termo cooperaccedilatildeo internacional
ao desenvolvimento eacute utilizado especialmente pelos autores europeus que pretendem
conseguir uma conotaccedilatildeo equilibrada e quase amigaacutevel aos esforccedilos dos atores e aos
resultados obtidos no setor (BASILE 1995 8 ANTONELLI 1995 230 ASCARI 1999
116 BOFFO 1993) Ajuda e assistecircncia satildeo utilizadas sobretudo na literatura americana e
datildeo evidentemente ecircnfase aos paiacuteses doadores ou seja aqueles desenvolvidos
economicamente como motores unilaterais da relaccedilatildeo o que acaba descaracterizando
qualquer tipo de barganha poliacutetica que possa envolver o fenocircmeno (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1995 94) Estes dois tipos de conotaccedilatildeo da literatura
especializada - cooperaccedilatildeo como equiliacutebrio de esforccedilos e resultados e ajuda ou assistecircncia
como accedilatildeo unilateral e apoliacutetica - revelaram-se depois de nossa investigaccedilatildeo teoacuterica uma
maneira incorreta de tentar entender o fenocircmeno
Assistecircncia ou ajuda natildeo poderiam ser utilizados como termos na investigaccedilatildeo do
fenocircmeno de relaccedilatildeo entre paiacuteses do Norte e do Sul do mundo porque excluiriam
imediatamente do processo de desenvolvimento o uacuteltimo grupo de paiacuteses desconsiderando
inclusive os recursos financeiros empregados por estas atores nos proacuteprios projetos e
programas de desenvolvimento e na manutenccedilatildeo do setor Interpretaccedilatildeo que seria incorreta
considerando-se que apenas o Brasil repassou para o Programa de Desenvolvimento das
Naccedilotildees Unidas (PNUD) mais de R$ 250 milhotildees de doacutelares34 ente janeiro e novembro de
2000 para a execuccedilatildeo do Programa Paiacutes (Tribunal de Contas da Uniatildeo)
Cooperaccedilatildeo tambeacutem natildeo poderia ser mantido caso utilizaacutessemos apenas a
conotaccedilatildeo dada ao termo pela literatura europeacuteia visto que natildeo existem situaccedilotildees de
equiliacutebrio de esforccedilos e resultados quando a anaacutelise de alguns simples indicadores de
crescimento econocircmico nos revela que desde a implementaccedilatildeo dos primeiros esforccedilos
34 O Orccedilamento anual do PNUD eacute atualmente de US$1 bilhatildeo de doacutelares
25
mundiais coordenados para o desenvolvimento nos anos cinquumlenta a diferenccedila (gap) entre
a renda per capita dos paiacuteses do Norte e dos paiacuteses dos Sul passou de U$ 3677 em 1950
(referecircncias do doacutelar de 1980) para U$ 24000 em 1995 (referecircncia do doacutelar em 1995)35
Contudo tomando-se cooperaccedilatildeo como relevado pelos proacuteprios dados acima expostos
como um fenocircmeno econocircmico-poliacutetico que acontece a partir de uma situaccedilatildeo de conflito
vivida pelos atores como seraacute proposto no primeiro capiacutetulo deste trabalho nos
afastaremos completamente das conotaccedilotildees utilizadas pela literatura especializada europeacuteia
e poderemos definir sem risco de sermos contraditoacuterios o fenocircmeno de cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento entre Estados do Norte e do Sul do mundo como
cooperaccedilatildeo
Os fluxos da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como regime internacional
ODA ou seja ajuda oficial ao desenvolvimento (a literatura internacional manteacutem a
sigla em inglecircs - ofjicial development aid) eacute utilizado no setor da cooperaccedilatildeo internacional
ao desenvolvimento como criteacuterio global de medida financeira das modalidade de
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento realizadas pelos paiacuteses do Norte e do Sul do mundo
(BASILE 1995 ANTONELLI 1995 GRILLI 1993 MARCfflSIO 19862000
TRIULZI 19982000) Todo tipo de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive agravequela
teacutecnica e fianceira (com exceccedilatildeo da ajuda de emergecircncia e de eventuais contribuiccedilotildees
privadas de ONGs) eacute contabilizado como fluxo financeiro da Ajuda Oficial ao
Desenvolvimento - ODA36 ODA eacute definido internacionalmente como sendo um ldquoconjunto
35 ldquoA diferenccedila de renda entre os paiacuteses do Norte e do Sul cresceu dramaticamente depois da Segunda Guerra Mundial Em 1950 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de USS 164 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de US$ 3841 - o que constituiacutea uma diferenccedila absoluta de U$ 3 677 (referecircncia do doacutelar americano de 1980) Trinta anos depois em 1980 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 245 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 9648 - o que constituiu uma diferenccedila absoluta de U$ 9043O crescimento da diferenccedila continuou nos anos 90 Em 1995 a meacutedia da renda per capta dos paiacuteses pobres era de U$ 430 enquanto aquela dos paiacuteses industrializados era de U$ 24930 - o que constitui uma diferenccedila absoluta de U$ 24000 (referecircncia do doacutelar americano de 1995) (SELIGTON 1998 3)
36 Internacionalmente eacute aceita a sigla ODA para definir estes fluxos financeiros motivo pelo qual decidimos mantecirc-la nesse trabalho
26
de fluxos destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento^7 e agraves agecircncias multilaterais
fornecidos atraveacutes das agecircncias oficiais incluindo-se o Estado e os governos locais ou suas
agecircncias executivas cujas transaccedilotildees respeitem os seguintes criteacuterios a) como primeiro
objetivo que a assistecircncia seja administrada em funccedilatildeo da promoccedilatildeo do desenvolvimento
econocircmico e do bem estar dos paiacuteses em vias de desenvolvimento b) que os fluxos
destinados agrave cooperaccedilatildeo puacuteblica sejam facilitados e contenham um elemento de doaccedilatildeo de
ao menos 25rdquo (wwwoecdorgdac)
Por tratarem-se os fluxos ODA tambeacutem de ldquoum conjunto de princiacutepios impliacutecitos e
expliacutecitos normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo em torno do qual as
expectativas dos atores convergemrdquo (AXELROD amp KEOHANE 1982) eles tambeacutem seratildeo
nesse trabalho definidos como regimes internacionais
Como vimos Keohane percebe a cooperaccedilatildeo internacional como fundamentalmente
econocircmica e possiacutevel de acontecer a partir de um ambiente facilitador ou seja de um
regime internacional O ODA foi introduzido internacionalmente para cumprir a funccedilatildeo de
ambiente facilitador das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses do Norte e Sul depois da
afirmaccedilatildeo do conceito de multilateralismo no final da Segunda Guerra Mundial (BASILE
1995) O ODA deveria ter garantido que os benefiacutecios da implantaccedilatildeo da maior abertura
comercial e financeira fossem em alguma medida repassados para os atores mais fracos e
ajudassem estes paiacuteses em seus processo de desenvolvimento (entendido como crescimento
econocircmico38) (JEPMA1991)
No proacuteximo capiacutetulo iniciaremos nosso estudo sobre a nova modalidade de ajuda
multibilateral Depois de introduzir o termo buscaremos perceber como foi possiacutevel que
esse tipo de modalidade a princiacutepio contraacuteria as regras das organizaccedilotildees internacionais que
deveriam preservar uma certa neutralidade na conduccedilatildeo do repasse dos fluxos ODA
conseguiu estruturar-se a partir das falhas das normativas do proacuteprio PNUD e da
37 Esse tipo de definiccedilatildeo exclui os cria um problema para os paiacuteses em vias de desenvolvimento pois mede como fluxos ODA apenas aqueles repassados pelos paiacuteses desenvolvidos para o setor da cooperaccedilatildeo excluindo desse modo os recursos (muito substanciais) que os paiacuteses em desenvolvimento destinam ao proacuteprio desenvolvimento e agravequela internacional
38 Uma observaccedilatildeo fundamental para nossa discussatildeo eacute que ldquoateacute os anos cinquumlenta o conceito de desenvolvimento era estritamente interpretado como crescimento econocircmicordquo (DECLICH E EBOLI 1995 p 131)
27
Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas Finalmente dedicaremos a parte final do capiacutetulo a
uma breve explanaccedilatildeo da foacutermula multibilateral dos custos divididos (cost-sharing) aquela
prioritariamente utilizada pelo PNUD no Brasil e na Ameacuterica Latina
28
CAPIacuteTULO II
A AJUDA MULTIBILATERAL COMO PUNICcedilAtildeO
As foacutermulas multiacutebilaterais como puniccedilatildeo
A partir da deacutecada de setenta uma nova modalidade de administraccedilatildeo e utilizaccedilatildeo
dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) foi estabelecida a partir
do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) Esta modalidade foi
denominada com um singular neologismo lsquomultibilateraV e se apresentava como uma
siacutentese dos dois modelos tiacutepicos de financiamento de projetos e programas do setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o multilateral efetuado atraveacutes da accedilatildeo das organizaccedilotildees
internacionais multilaterais e o bilateral realizado diretamente pelos Estados
A ajuda multibilateral eacute definida como uma forma particular de administraccedilatildeo e
repasse dos fluxos do regime internacional da ODA que consiste ldquono financiamento de
programas elaborados pelas organizaccedilotildees internacionais que se empenham mediante
acordos ad hoc a executar projetos especiacuteficos (setorizados) utilizando bens serviccedilos e
capacidade teacutecnica profissional dos paiacuteses doadoresrdquo (BASILE 1995 20 MARCHISIO
198612 MARCHISIO 2000 345369) A nova modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos
ODA inaugurou um precedente no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
De fato Marchisio nos lembra que ateacute a introduccedilatildeo da modalidade de ajuda multibilateral
o repasse dos fluxos ODA atraveacutes das organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter regional em
particular do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) tendiam a
pieservar o princiacutepio constituinte da cooperaccedilatildeo multilateral ou seja a natildeo identificaccedilatildeo
dos paiacuteses doadores dos recursos (MARCHISIO 1986) Com efeito Basile argumenta que
os fundos das organizaccedilotildees internacionais dos programas das Naccedilotildees Unidas tinham sido
constituiacutedos e cumpriam a funccedilatildeo de preservar o anonimato entre paiacuteses doadores e paiacuteses
recebedores dos fluxos do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) (BASILE
29
1995) Dessa forma os paiacuteses recebedores dos recursos (aqueles em desenvolvimento)
teriam a garantia de que os fluxos ODA seriam repassados com o menor nuacutemero possiacutevel
de viacutenculos Isso significava que o Estado recebedor natildeo teria compromissos de utilizar os
fluxos do regime internacional ODA para efetuar compras de bens e serviccedilos dos paiacuteses
doadores destes recursos (procurement) ou para favorecer eventuais interesses poliacuteticos
destes Estados A questatildeo da licitaccedilatildeo para as compras de bens e serviccedilos para a execuccedilatildeo e
a implantaccedilatildeo de projetos e programas de desenvolvimento procurement) eacute atualmente
um dos pontos mais emblemaacuteticos das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre
paiacuteses dos hemisfeacuterios Norte e do Sul39 Segundo dados fornecidos por Escobar o Banco
Mundial gastou desde o final dos anos setenta mais de 80 do total dos recursos
multilaterais recebidos com contratos de aquisiccedilatildeo de mercadorias e com salaacuterios de
consultores nos proacuteprios paiacuteses doadores (ESCOBAR 1995 166) Como vimos em nosso
capiacutetulo anterior os Estados em vias de desenvolvimento sofreram puniccedilotildees sistecircmicas
atraveacutes do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a partir do iniacutecio dos
anos setenta Estas puniccedilotildees econocircmicas contra os paiacuteses em vias de desenvolvimento
(PVD) aconteceram atraveacutes de uma diminuiccedilatildeo dos repasses dos fluxos do regime da ajuda
oficial ao desenvolvimento (ODA) e de um maior controle destes fluxos As puniccedilotildees
sistecircmicas reordenaram o comportamento dos atores do regime internacional da cooperaccedilatildeo
ao desenvolvimento atraveacutes do estabelecimento de novos incentivos e constrangimentos
O primeiro ator que sofreu puniccedilotildees sistecircmicas e alterou profundamente seu
comportamento foi o Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD) que ateacute
os anos setenta concentrava a maior parte dos fluxos do regime internacional da ajuda
oficial ao desenvolvimento (ODA) De fato o PNUD administrava 75 dos recursos das
atividades de cooperaccedilatildeo teacutecnica do Sistema das Naccedilotildees Unidas Com as puniccedilotildees
sistecircmicas impostas pelos Estados mais fortes a partir do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a quantidade de fluxos ODA administrados pelo PNUD
diminuiu vertiginosamente Jaacute no iniacutecio dos anos oitenta os fluxos ODA administrados
pelo PNUD eram apenas 25 dos fundos multilaterais da cooperaccedilatildeo teacutecnica
(MARCHISIO 1986) Quanto ao volume dos fluxos multilaterais ODA no setor da
39 Seraacute sob esse ponto de vista que Norte e Sul seratildeo tratados daqui em diante
30
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento o total administrado pelo PNUD diminuiu de 65 em
1968 para 38 em 1980 (NOGUEIRA 2001 30)
A diminuiccedilatildeo de recursos no Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
(PNUD) aconteceu como uma forma direta de puniccedilatildeo econocircmica contra os Estados em
desenvolvimento Isso porque o PNUD sendo um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia Geral
das Naccedilotildees Unidas em que os Estados tecircm o mesmo peso de voto (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1996) podia como detentor majoritaacuterio dos recursos do
desenvolvimento favorecer poliacuteticas de utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA mais proacuteximas das
preferecircncia dos PVD
A praacutetica da ajuda vinculada era sobretudo ateacute a introduccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais uma caracteriacutestica da ajuda bilateral ao desenvolvimento (aquela realizada
diretamente entre os Estados) Contudo com a introduccedilatildeo da ajuda multibilateral os
Estados doadores puderam natildeo apenas condicionar de maneira mais acentuada o repasse
dos fluxos ODA agrave satisfaccedilatildeo de seus proacuteprios interesses poliacuteticos ou econocircmicos mas
garantir um maior controle sobre os fluxos ODA multilaterais destinados aos paiacuteses em
desenvolvimento A introduccedilatildeo da ajuda multibilateral e o fortalecimento do poder de
decisatildeo da utilizaccedilatildeo destes recursos pelos Estados doadores podem ajudar a entender
porque trinta dos cinquumlenta maiores clientes das induacutestrias de mercadorias americanas
vecircm sendo a partir da metade dos anos setenta paiacuteses em desenvolvimento A maior parte
destes 30 satildeo os maiores recebedores da ajuda alimentar (ESCOBAR 1995166) Um fator
tambeacutem importante para o fortalecimento dos Estados doadores no setor da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a partir dos anos setenta foi a aproximaccedilatildeo promovida
pela cooperaccedilatildeo multibilateral dos paiacuteses doadores das agecircncias das Naccedilotildees Unidas Essa
aproximaccedilatildeo tomou possiacutevel aos paiacuteses doadores apropriar-se de uma seacuterie de informaccedilotildees
dos paiacuteses em desenvolvimento assim como do know how dos organismos de cooperaccedilatildeo
multilateral Elementos que resultaram uacuteteis para reorganizar em bases proacuteprias a
cooperaccedilatildeo multilateral e para a introduccedilatildeo de novos elementos como a condicionalidade
da ajuda e a cooperaccedilatildeo descentralizada Por exemplo com a foacutermula multibilateral
claacutessicas dos custos divididos e dos custos divididos com uma terceira parte os paiacuteses
doadores puderam ter acesso agraves informaccedilotildees completas do ldquoPrograma Paiacutesrdquo dos PVD
ainda em fase de projeccedilatildeo Desses projetos consta aleacutem de uma anaacutelise minuciosa das
31
poliacuteticas de governos que seratildeo seguidas pelos paiacuteses em aacutereas estrateacutegicas como aquela
econocircmica uma seacuterie de informaccedilotildees relativas aos custos que o governo do paiacutes em
desenvolvimento pretende utilizar como recursos proacuteprios para a realizaccedilatildeo dos projetos
Essas informaccedilotildees tendem a ser utilizada para favorecer interesses poliacuteticos e comerciais
dos Estados doadores
Marchisio afirma que a ajuda multibilateral pocircde constituir-se no acircmbito das
organizaccedilotildees multilaterais atraveacutes da introduccedilatildeo de uma seacuterie de novas foacutermulas de
financiamento de projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento que foram
encontrando legitimaccedilatildeo nas falhas normativas e na falta de regulamentaccedilatildeo homogecircnea
das normas financeiras do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas (PNUD)
assim como nas proacuteprias regras financeiras da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
(MARCHISIO 2000) As foacutermulas multibilaterais migraram em um segundo momento
para os demais oacutergatildeos subsidiaacuterios40 da Assembleacuteia Geral e para os institutos financeiros
Disso resulta que as foacutermulas multibilaterais encontram-se entre as principais modalidades
de utilizaccedilatildeo dos recursos multilaterais do Sistema das Naccedilotildees Unidas Limitaremos nossa
anaacutelise nesse capiacutetulo ao estudo da categoria multibilateral no PNUD por ter sido esse o
Programa que inicialmente instituiu a ajuda multibilateral Aleacutem disso o PNUD eacute o maior
parceiro de programas de cooperaccedilatildeo do Brasil41 e utiliza uma foacutermula multibilateral - o
cost-sharing - para efetuar o Programa Paiacutes de Desenvolvimento (NOGUEIRA 2001) A
ajuda multibilateral permitira aos Estados doadores (os paiacuteses mais desenvolvidos
economicamente) um maior poder de decisatildeo na aplicaccedilatildeo dos fundos ODA das
organizaccedilotildees multilaterais de caraacuteter universal e o estabelecimento institucionalizado da
ajuda vinculada multilateral que atualmente representa ldquopercentuais meacutedios de 50 dos
fluxos do regime internacional ODA recolhido por estas organizaccedilotildees com pontas que
40 Oacutergatildeos subsidiaacuterios satildeo organismos operativos ligados por uma relaccedilatildeo de auxiliares agraveAssembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas (quase todos principiam pela sigla UN contudo devemos daratenccedilatildeo agrave UNESCO - United Nations Educational Scientific and Cultural Organization - e agraveUNIDO - United Nations Industrial and Development Organization - que satildeo agecircnciasinstitutosespecializados do Sistema e cujos nomes tambeacutem principiam com a mesma sigla)
45 A proacutepria Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo ao Desenvolvimento nasceu como um projeto PNUD (NOGUEIRA 1999)
32
alcanccedilam ateacute 80 nos paiacuteses do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD)
(BASILE 1995 63)42
As foacutermulas multibilaterais de repasse de financiamento comeccedilaram a ser aplicadas
depois que a resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas sugeriu que se
efetivassem mecanismos de repasse obrigatoacuterio dos fluxos ODA dos paiacuteses industrializados
(em uma quantidade miacutenima de 07 do PIB) para a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento dos
paiacuteses mais pobres Aumentar a quantidade de recursos e obter uma garantia de
recebimento de financiamentos dos paiacuteses industrializados podem ser consideradas medidas
efetivas dos paiacuteses em desenvolvimento para o estabelecimento da pretendida nova ordem
econocircmica mundial no iniacutecio dos anos setenta A iniciativa dos paiacuteses em desenvolvimento
que se articulou a partir da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas preocupou os paiacuteses
doadores quanto agrave organizaccedilatildeo dos paiacuteses mais pobres e tambeacutem quanto agrave utilizaccedilatildeo das
Naccedilotildees Unidas como promotora dos interesses do Sul do mundo (ARMSTRONG LLOYD
amp REDMOND 1996 95) Os paiacuteses industrializados reagiram imediatamente agrave resoluccedilatildeo
2626 (XXV) retirando os fluxos do regime internacional ODA das organizaccedilotildees
internacionais particularmente do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
(PNUD)
Essa retirada gerou uma crise orccedilamentaacuteria no Programa que determinou a criaccedilatildeo
de foacutermulas de administraccedilatildeo da ajuda que fossem mais atrativas para os paiacuteses doadores
(ARMSTRONG LLOYD amp REDMOND 1999) As foacutermulas multibilaterais permitiram
que os paiacuteses doadores passassem a identificar os Estados onde seriam aplicados os fundos
podendo escolher o tipo de projeto e o setor onde seus recursos seriam utilizados As
foacutermulas multibilaterais permitiram ainda que os paiacuteses doadores pudessem concentrar seus
repasses de fluxos ODA em projetos (setores ou paiacuteses) que lhes trouxessem maior retomo
econocircmico Esse foi por exemplo o caso da Gratilde-Bretanha - que no periacuteodo entre 1979-82
destinou US$ 3994 milhotildees para a cooperaccedilatildeo e recebeu de retomo econocircmico US$ 7747
milhotildees Outros paiacuteses que costumam conseguir um alto retorno econocircmico satildeo a Aacuteustria a
Franccedila e a Nova Zelacircndia (MARCHISIO 198631) Podemos perceber portanto como a
42 Entre os paiacuteses que mais recorrem a este tipo de praacutetica estatildeo os Estados Unidos (com mais de 60 dos recursos) o Reino Unido (60) a Itaacutelia (65) o Canadaacute (50) e a Beacutelgica (mais de 60) (BASILE 1995 63)
33
aplicaccedilatildeo de puniccedilotildees econocircmicas aos paiacuteses em vias de desenvolvimento gerou novos
incentivos e novas constriccedilotildees para o PNUD que acabaram determinando uma mudanccedila de
comportamento desse organismo
Enquanto os fluxos ODA eram retirados do PNUD acontecia o aumento da
concentraccedilatildeo destes fundos nos programas bilaterais dos paiacuteses doadores e nas entidades
(Institutos Financeiros e Fundo Europeu) mais facilmente controlaacuteveis por estes paiacuteses
Keohane afirma que os regimes internacionais que se constituem dentro das
organizaccedilotildees internacionais proporcionam algum tipo de confianccedila legal e a reduccedilatildeo dos
custos organizacionais para os Estados porque as regras destas organizaccedilotildees mesmo que
imperfeitas orientam os modelos de comportamento dos atores (KEOHANE 1984 88)
Ao mesmo tempo Keohane tambeacutem admite que as regras ou a ausecircncia de regras das
organizaccedilotildees internacionais em determinadas temas tendem a favorecer os interesse
econocircmicos e poliacuteticos dos atores mais fortes (KEOHANE 1984 90) Acreditamos que
esse quadro possa contribuir para a compreensatildeo da implantaccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais nas organizaccedilotildees internacionais E inegaacutevel que os fundos da cooperaccedilatildeo
multilateral enquanto eram preferencialmente administrados a partir de organizaccedilotildees
internacionais de caraacuteter universal particularmente pelo Programa de Desenvolvimento das
Naccedilotildees Unidas (PNUD) proporcionavam certa confiabilidade para os paiacuteses em vias de
desenvolvimento quanto ao comportamento dos atores mais fortes Contudo depois das
alteraccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento provocadas pelo acirramento das
tensotildees entre o grupo de paiacuteses doadores e o dos paiacuteses recebedores - e da consequumlente
concentraccedilatildeo dos fundos nas entidades ligadas aos paiacuteses doadores O proacuteprio PNUD foi
encontrando falhas normativas internas ou atraveacutes da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
(passivas ateacute entatildeo) por onde as foacutermulas multibilaterais puderam ser implantadas Disso
resulta que efetivamente o estudo das regras das organizaccedilotildees internacionais e de sua
evoluccedilatildeo no tempo pode ser muito interessante contribuindo para que possamos analisar
os processos poliacuteticos que envolvem os regimes internacionais
As falhas nas normativas que regulamentam a administraccedilatildeo financeira de oacutergatildeos
importantes como a Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas ou do PNUD ateacute entatildeo principal
regulador dos fundos da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento podem ser interpretadas como
constrangimentos iniciais do proacuteprio Programa Isso natildeo significa que estes oacutergatildeos
34
cumpram um papel funcional junto aos atores mais fortes Mas isto sim que a proacutepria
loacutegica das contribuiccedilotildees voluntaacuterias que estruturam estas organizaccedilotildees podem ter impedido
que mecanismos mais restritivos de controle dos recursos (que resultariam em perda de
flexibilidade) fossem estabelecidos Para Keohane constrangimentos pode ser acordados jaacute
no momento de instituiccedilatildeo das organizaccedilotildees (KEOHANE 1984) O constrangimento
representado pelas falhas das normativas financeiras de organizaccedilotildees que administravam
substanciais recursos destinados aos PVD pode ter permanecido em estado latente ateacute
serem habilitadas quando foi propiacutecia sua utilizaccedilatildeo
Para que possamos ter uma melhor compreensatildeo de como os interesses dos paiacuteses
doadores acabaram sendo legitimados nas organizaccedilotildees internacionais de caraacuteter universal
toma-se necessaacuterio fazer uma anaacutelise mais focada das foacutermulas multibilaterais nestas
organizaccedilotildees Devido a isso o capiacutetulo eacute dedicado primeiramente agrave investigaccedilatildeo da origem
institucional das modalidades de cooperaccedilatildeo multibilaterais a partir da Resoluccedilatildeo 2626
(XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas na deacutecada de setenta (Segundo Dececircnio
para o Desenvolvimento) Analisaremos a seguir os principais pontos da regulamentaccedilatildeo da
Assembleacuteia Geral e do PNUD - ou seja aqueles ligados agrave administraccedilatildeo dos recursos e ao
procurement Assim procuraremos entender de que maneira os vaacutecuos dessas normativas
possibilitaram a constituiccedilatildeo das foacutermulas de financiamento multibilaterais no Programa A
parte final do capiacutetulo seraacute dedicada agrave anaacutelise da foacutermula multibilateral do cost-sharing no
Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas e da mais recente versatildeo do cost-
sharing atraveacutes da qual os paiacuteses em desenvolvimento assumiram a quase totalidade do
custo de seu Programa Paiacutes elaborado pelo PNUD
A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
A tendecircncia dos Estados em fornecer recursos financeiros agraves organizaccedilotildees
internacionais multilaterais estabelecendo condiccedilotildees de vaacuterios gecircneros natildeo eacute certamente
nova Uma anaacutelise realista nos faz perceber que as condiccedilotildees formuladas pelos atores mais
fortes para o repasse de recursos sempre existiram Contudo como dissemos as novas
foacutermulas multibilaterais acentuaram em medida notaacutevel os viacutenculos de destino dos
35
recursos pois os Estados doadores puderam passar a escolher diretamente para qual setor -
e paiacutes - seriam destinados os fluxos ODA multilaterais interferindo desse modo nos
processos globais e nacionais de desenvolvimento Aleacutem disso vale ressaltar que esse tipo
de modalidade de favorecimento dos interesses dos paiacuteses doadores a partir de fluxos ODA
multilaterais abriu um precedente para esse mesmo tipo de favorecimento em outros
organismos administradores de recursos multilaterais como por exemplo o Fundo Europeu
de Desenvolvimento (FED)
A afirmaccedilatildeo do fenocircmeno dos financiamentos multibilaterais na cooperaccedilatildeo a partir
da metade dos anos setenta pode ser ligada de maneira generalizante agraves vastas
transformaccedilotildees no ambiente internacional realizadas no curso daqueles anos que haviam
consolidado a estrutura das relaccedilotildees econocircmicas internacionais desde o final da Segunda
Guerra Mundial Alguns acontecimentos do iniacutecio da deacutecada de setenta - como o final dos
sistema monetaacuterio baseado nos acordos de Bretton Woods43 a inflaccedilatildeo e a recessatildeo dos
paiacuteses agrave economia de mercado o aumento das taxas de desocupaccedilatildeo e o choque do petroacuteleo
- fortaleceram a posiccedilatildeo dos paiacuteses em vias de desenvolvimento quanto ao
estabelecimento de uma nova ordem econocircmica mundial que garantisse uma redistribuiccedilatildeo
mais equilibrada dos recursos internacionais
Esperava-se que o crescimento econocircmico da deacutecada de setenta pudesse derivar em
uma repercussatildeo positiva para os paiacuteses em desenvolvimento desde que mecanismos mais
eficazes do setor da cooperaccedilatildeo fossem criados e efetivados pelas organizaccedilotildees
internacionais (RESOLUCcedilAtildeO 2626 (XXV) sect 8) O ambiente internacional44 levou os
paiacuteses em vias de desenvolvimento a aprovarem na Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas
como um dos objetivos da Comunidade Internacional para a deacutecada de setenta45 a
automatizaccedilatildeo da transferecircncia de 07 do PIB dos paiacuteses industrializados para ajuda ao
43 Em 1971 o padratildeo doacutelar-ouro foi abandonado pelos EUA
44 Que parecia tender para uma mudanccedila da ordem econocircmica devido agrave crise do regime monetaacuterio agraves expectativas da continuaccedilatildeo do crescimento mundial e agrave declaraccedilatildeo do Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) da OCDE de que os paiacuteses industrializados pretendiam adotar a Recomendaccedilatildeo sobre Condiccedilotildees e Termos Financeiros ou seja a primeira proposta de elevar os fluxos ODA para 07 do PIB dos paiacuteses industrializados (FUumlHRER 1996)
4gt A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) eacute de 24 de setembro de 1970
36
desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres (ARMSTRONG LLOYDamp REDMOND 1996
94-5)
Para os paiacuteses mais pobres um dos principais problemas para a efetivaccedilatildeo de
projetos e programas de desenvolvimento a longo prazo tem sido a ausecircncia de uma
garantia no recebimento de financiamentos internacionais (CECHI1995 ASCARI 1999)
O paiacutes que escolhe a estrada do desenvolvimento econocircmico pode encontrar na feita de
recursos algumas complicaccedilotildees capazes de comprometer seu crescimento econocircmico
(EATON 1989 CARDOSO e DORBUSCH 1989) A resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi tomada
justamente para que um comprometimento maior dos paiacuteses doadores de repasse de
financiamentos pudesse proporcionar a realizaccedilatildeo de projetos e programas de crescimento
mais longos Os fundos destinados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento por
constituiacuterem repasses voluntaacuterios tecircm sido fetor de constrangimento para o
estabelecimento de poliacuteticas de desenvolvimento continuadas nos paiacuteses mais pobres
As intenccedilotildees declaradas dos paiacuteses industrializados de destinar um percentual
miacutenimo de 07 seus respectivos PIBs para o setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo
eram garantia do estabelecimento de medidas concretas de repasses dos fundos
Atualmente ainda podemos comprovar esta situaccedilatildeo pois mesmo que o paiacuteses
industrializados continuem afirmando suas intenccedilotildees de aumentar os fluxos ODA
(Conferecircncia de Monterrey em 2002) para um percentual miacutenimo de 07 de seus PIBs
nacionais na realidade os financiamentos facilitados continuam diminuindo Os fluxos
ODA dos paiacuteses Comitecirc de Assistecircncia ao Desenvolvimento (CAD) baixaram de 033 do
PIB no biecircnio de 1986-7 para 022 em 1997 e continuam em queda acentuada (TRIULZI
1998 123)
A Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) foi uma tentativa de conseguir garantir aos paiacuteses em
desenvolvimento uma quantidade miacutenima de recursos que pudessem ser empregados como
financiamento aos paiacuteses do Sul atraveacutes de um maior comprometimento dos paiacuteses
doadores com a ajuda ao desenvolvimento46 Eacute interessante perceber que na recente
46 A funccedilatildeo deste oacutergatildeo plenaacuterio das Naccedilotildees Unidas limita-se apenas ao estudo discussatildeo e recomendaccedilotildees - aos Estados membros e natildeo-membros e aos demais organismos da ONU e subsidiaacuterios - de temas ligados agrave manutenccedilatildeo da paz e agrave resoluccedilatildeo paciacutefica das controveacutersias (CAFFARENA 200180 Carta das Naccedilotildees Unidas art 10-14) Neste sentido o termo resoluccedilatildeo manteacutem o significado geneacuterico de recomendaccedilatildeo
37
Conferecircncia Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento realizada em marccedilo
de 2002 na cidade de Monterrey o tema da necessidade de um repasse automatizado de
fundos para o setor da cooperaccedilatildeo que continua sendo uma das questotildees centrais para os
paiacuteses pobres natildeo foi nem mesmo levantado (CONFEREcircNCIA DE MONTERREY) O
fato de omitir-se uma questatildeo de tamanha importacircncia para os paiacuteses em desenvolvimento
na principal Conferecircncia sobre os fundos da cooperaccedilatildeo desta deacutecada evidencia como os
paiacuteses industrializados fortaleceram suas posiccedilotildees no setor da cooperaccedilatildeo desde os anos
setenta
As regras financeiras da Assembleacuteia Geral e do PNUD
As foacutermulas multibilaterais por estarem diretamente ligadas aos interesses
comerciais dos paiacuteses doadores (interesses de procurement - ajuda vinculada) foram
introduzidos sobretudo a partir da regulamentaccedilatildeo financeira dos oacutergatildeos subsidiaacuterios e da
proacutepria Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas afirmando-se de maneira pragmaacutetica
aproveitando os vaacutecuos existentes nas normas que regulam a gestatildeo financeira da
Assembleacuteia Geral e seus oacutergatildeos subsidiaacuterios (MARCHISIO 2000) Esse eacute o caso da
resoluccedilatildeo 3556 da Assembleacuteia Geral que trata das estrateacutegias das Naccedilotildees Unidas para o
Terceiro Dececircnio do Desenvolvimento nos anos oitenta No paraacutegrafo 103 b afirma-se que
ldquoem regravegle gegravenerale laacuteide publique au deacuteveloppement ne devrais pas ecirctre lieacuteerdquo (YODER
1997) O uso do condicional que natildeo estava presente ateacute os anos oitenta nesse paraacutegrafo
permite entender claramente a presenccedila de um espaccedilo (que deveria ser marginal) no qual
satildeo consentidas derrogas ou exceccedilotildees Nos documentos que definiram as estrateacutegias das
Naccedilotildees Unidas para o Primeiro e o Segundo Dececircnio para o Desenvolvimento a ajuda
vinculada realizada atraveacutes de recursos oficiais ao desenvolvimento multilaterais era
categoricamente proibida47
Natildeo existe uma regulamentaccedilatildeo uacutenica que normatize a gestatildeo financeira das
diversas agecircncias e institutos do Sistema das Naccedilotildees Unidas Pelo contraacuterio cada
47 Disponiacutevel on-line (HTTPVwww unorgdoc)
38
organismo conta com medidas proacuteprias de alocaccedilatildeo e administraccedilatildeo dos recursos
(CAFFARENA 2001) Mesmo para os organismos subsidiaacuterios da Assembleacuteia Geral dos
quais a grande parte dos oacutergatildeos que trabalham no setor da cooperaccedilatildeo eacute subsidiaacuterio existe
uma autonomia funcional Contudo sendo o PNUD um oacutergatildeo subsidiaacuterio da Assembleacuteia
Geral das Naccedilotildees Unidas eacute pertinente aprofundar mais especificamente os limites da
autonomia financeira do proacuteprio Programa em relaccedilatildeo agrave Assembleacuteia Geral
A Assembleacuteia Geral conteacutem algumas indicaccedilotildees vagas sobre a gestatildeo financeira dos
seus oacutergatildeos subsidiaacuterios48 De maneira generalizante a proacutepria Assembleacuteia deveria
responder pelo regulamento financeiro de seus oacutergatildeos subsidiaacuterios a menos que ldquoas
resoluccedilotildees atraveacutes das quais eles foram individualmente constituiacutedos lhes tenham conferido
autonomia financeira que o Secretaacuterio Geral das Naccedilotildees Unidas tenha autorizado
autonomia de gestatildeo financeira ou no caso dos organismos que possuem atividades
operativas que estes sejam financiados atraveacutes de contribuiccedilotildees voluntaacuterias e possuam bens
proacutepriosrdquo (REGULAMENTO FINANCEIRO DAS NACcedilOtildeES UNIDAS )49 Ou seja isso
significa que na praacutetica todos os oacutergatildeos subsidiaacuterios das Naccedilotildees Unidas tecircm autonomia
financeira de administraccedilatildeo dos recursos pois todos enquadram-se em ao menos duas das
categorias de exceccedilatildeo (contribuiccedilotildees voluntaacuterias e bens proacuteprios)
Quanto ao procurement espaccedilo de maior abertura para a introduccedilatildeo das foacutermulas
multibilaterais nos projetos e programas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (CREWE amp
HARRISON 1998) os oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia mesmo que dotados de
autonomia de gestatildeo deveriam manter-se compatiacuteveis com os princiacutepios gerais da
regulamentaccedilatildeo financeira das Naccedilotildees Unidas de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeo Contudo o
proacuteprio estatuto da Assembleacuteia Geral das Naccedilotildees Unidas eacute ambiacuteguo na regulamentaccedilatildeo da
compra de seus bens e serviccedilos
Para o procurement (acima de 10 mil doacutelares) da Assembleacuteia Geral se determina
que ldquoa compra de bens e serviccedilos deve ser feita atraveacutes de publicaccedilatildeo de licitaccedilatildeordquo (art
48 Da instituiccedilatildeo e da normativa dos oacutergatildeos subsidiaacuterios da Assembleacuteia trata o art 2 2 da Carta das Naccedilotildees Unidas
49 Disponiacutevel on-line (http w w w u n o rg l Ponto 5 do art X101 do Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
39
105 do Regulamento Financeiro)50 Essa normativa contudo soacute eacute vaacutelida para as compras
de bens e serviccedilos efetuados com recursos ldquoobrigatoacuteriosrdquo aqueles recebidos para a
manutenccedilatildeo das estruturas Quanto aos procurement efetuados pela Assembleacuteia Geral e
realizados com recursos voluntaacuterios (fora do orccedilamento anual de manutenccedilatildeo da estrutura)
a Assembleacuteia estabelece que o Secretaacuterio Geral pode ldquoestabelecer qualquer outro criteacuterio
para a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos desde que no interesse da organizaccedilatildeordquo (11016 a
11024 do Regulamento Financeiro)51 Essa falta de regulamentaccedilatildeo precisa possibilita a
praacutetica de ajuda vinculada jaacute a partir da proacutepria Assembleacuteia Geral
Quanto ao PNUD o Programa estabelece princiacutepios complementares aos da
Assembleacuteia Geral em mateacuteria de procurement de um lado que o programa deve
normalmente utilizar o procedimento da licitaccedilatildeo internacional para aquisiccedilatildeo de bens e
serviccedilos favorecendo todavia onde possiacutevel o emprego daqueles disponiacuteveis nos proacuteprios
paiacuteses em via de desenvolvimento Contudo os criteacuterios para a aquisiccedilatildeo destes bens e
serviccedilos natildeo satildeo o preccedilo mas o maacuteximo de eficaacutecia teacutecnica (humana e material) para a
realizaccedilatildeo do projeto (artigo 145 do Regulamento Financeiro do PNUD) O criteacuterio de
julgamento de eficiecircncia eacute realizado evidentemente no proacuteprio PNUD atraveacutes do setor de
execuccedilatildeo de projetos (OPE) Torna-se evidente portanto que as avaliaccedilotildees das licitaccedilotildees
totalmente baseadas nas decisotildees subjetivas dos funcionaacuterios do Programa (CREWE amp
HARRISON 1998) possam vir a favorecer foacutermulas multibilaterais
Um segundo ponto a ser sublinhado A aplicabilidade do regulamento do PNUD diz
respeito somente aos projetos que o Programa executa diretamente Acontece que a
execuccedilatildeo direta de projetos pelo programa natildeo eacute regra Ao contraacuterio o PNUD limita-se na
maior parte dos casos agrave funccedilatildeo de oacutergatildeo financeiro conferindo fundos necessaacuterios para
cobrir os custos internacionais (custos de operacionalizaccedilatildeo) de projetos cuja execuccedilatildeo
vem confiada agraves agecircncias de execuccedilatildeo (executing agencie) do Sistema das Naccedilotildees Unidas
e tambeacutem a partir de 1984 agraves ONGs internacionais que tenham caraacuteter consultivo junto ao
ECOSOC (das quais 79 satildeo dos EUA e da Europa) Quando um projeto - entre aqueles
50 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
51 Disponiacutevel on-line (http wwwunorg) Regulamento Financeiro das Naccedilotildees Unidas (financial regulations and financial rules)
40
indicados nos programas nacionais de desenvolvimento e aprovado pela PNUD - chega agrave
fase de atuaccedilatildeo normalmente entram em cena as executing agencies como encarregadas de
providenciar as necessaacuterias aquisiccedilotildees de bens e serviccedilos Ocorre precisar que onde o
Programa recorre a subcontratos parciais ou totais de realizaccedilatildeo de um projeto estes
uacuteltimos eacute que iratildeo fazer diretamente a aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos no lugar da PNUD ldquoNa
hipoacutetese em que a realizaccedilatildeo de um projeto seja delegada a uma executing agency em
razatildeo da sua competecircncia teacutecnica a funccedilatildeo de aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos e o
recrutamento dos especialistas seraacute tambeacutem do oacutergatildeo contratado que utilizaraacute suas proacuteprias
regras de procurementrdquo (art 151 do regulamento financeiro do PNUD) Atualmente
grande parte das executing agencies satildeo os institutos financeiros e as ONGs internacionais
acreditadas pelo ECOSOC O regulamento dos institutos financeiros natildeo prevecirc nem mesmo
o mecanismo da licitaccedilatildeo internacional pois o proacuteprio diretor geral do instituto
especializado eacute o responsaacutevel pelas decisotildees de aquisiccedilatildeo de mercadorias e serviccedilos
especializados para a realizaccedilatildeo dos projetos Situaccedilatildeo ainda mais grave eacute o caso das ONGs
que atuam como executing agencies e tecircm autonomia praticamente absoluta na
administraccedilatildeo dos recursos nas licitaccedilotildees nas compras internacionais e na contrataccedilatildeo de
pessoal As ONGs satildeo muito orgulhosas de sua suposta autonomia e podem utilizar seu
apoio junto agrave comunidade civil para que natildeo lhes sejam estabelecidas regras mais
transparentes de controle (TAVARES 1999)
Foacutermulas multibilaterais custos divididos (ltcost-sharing)
No que diz respeito agrave cooperaccedilatildeo teacutecnica as foacutermulas multibilaterais legitimadas
dentro da normativa do Sistema do PNUD satildeo as contribuiccedilotildees in natura52 (agraves quais se liga
o problema das contribuiccedilotildees de contraparte) a participaccedilatildeo nos custos (ltcost-sharing) e a
participaccedilatildeo nos custos de uma terceira parte (third-party-cost-sharing) os fundos de
52 Se referem aos custos locais e de manutenccedilatildeo dos programas de desenvolvimento
41
confianccedila (trust-funds) os serviccedilos de gestatildeo53 (management-services) e as contribuiccedilotildees
em moeda natildeo conversiacutevel54 Uma evoluccedilatildeo mais recente das foacutermulas de financiamento de
projetos multibilateral satildeo os jaacute citados fundos de confianccedila temaacuteticos (thematic trusts
Junds)55 Limitaremos nossa anaacutelise ao estudo do cost-sharing ao third-party-cost-sharing
e agrave mais nova versatildeo de cost-sharing (integral) - a foacutermula utilizada pelo Brasil para
realizar o Programa Paiacutes junto ao PNUD
bull Custos Divididos e Custos Divididos com uma Terceira Parte
Os custos divididos e os custos divididos com uma terceira parte constituiacuteram-se
em uma verdadeira exceccedilatildeo agrave proibiccedilatildeo de serem impostas restriccedilotildees quanto ao uso e o
destino das contribuiccedilotildees voluntaacuterias O Cost-sharing e sua variante third-party-cost-
sharing foram introduzidas em suas versotildees claacutessicas na metade dos anos setenta e
tomaram-se rapidamente a principal foacutermula de execuccedilatildeo de programas e projetos de
desenvolvimento realizados atraveacutes da cooperaccedilatildeo internacional
Na modalidade claacutessica de cost-sharing um projeto de ajuda teacutecnica comporta um
custo global do qual uma parte cabe ao Estado beneficiado e outra ao PNUD em
conformidade com os acordos descritivos de base e com aqueles descritivos do projeto O
PNUD normalmente elabora como cooperaccedilatildeo teacutecnica multilateral um conjunto de
projetos de atuaccedilatildeo quumlinquumlenal para os paiacuteses em vias de desenvolvimento definidos como
Programa Paiacutes country programme) Estes projetos em sua primeira fase satildeo cobertos (na
totalidade ou em sua parte mais consistente) pelos paiacuteses beneficiados Uma segunda lista
de projetos chamada pipeline embora compreenda tambeacutem accedilotildees prioritaacuterias seraacute depois
5j Os serviccedilos administrativos (management services) consiste em colocar agrave disposiccedilatildeo da cooperaccedilatildeo bilateral entre os Estados a infra-estrutura do Programa de Desenvolvimento das Naccedilotildees Unidas
54 Consiste em destinar para os fluxos ODA doaccedilotildees em moedas de difiacutecil conversatildeo ou natildeo conversiacuteveis que seratildeo depois gastas no proacuteprio paiacuteses de origem da doaccedilatildeo
55 Os fundos de confianccedila temaacuteticos permitem aos doadores participar de fundos multianuais elaborados pelo PNUD para implantaccedilatildeo de projetos ligados aos temas da agenda internacional nos paiacuteses em desenvolvimento
42
financiada pelo PNUD Os recursos financeiros destes projetos de segunda fase definidos
como custo internacional satildeo provenientes da ajuda multilateral
O custo global do Programa Paiacutes eacute definido antes da assinatura do contratado Nele
estatildeo os custos da primeira e da segunda fase Os custos da segunda fase de projetos
deveriam ser equivalentes aos pagos pelos paiacuteses beneficiados na primeira fase Todavia
como estes custos satildeo definidos ainda durante a fase de elaboraccedilatildeo do programa o que
acaba acontecendo eacute que jaacute a partir dos primeiros projetos (primeira fase) os custos
revelam-se maiores do que o previsto Quem assume a diferenccedila entre os custos reais e os
custos estimados da primeira e da segunda fase eacute o paiacutes beneficiado A intervenccedilatildeo
financeira direta dos proacuteprios Estados beneficiados na forma de participaccedilatildeo nos custos
(cost-sharing) permite a finalizaccedilatildeo dos projetos originalmente previstos nos programas
nacionais de desenvolvimento Os custos que os Estados recebedores tiveram que repassar
ao PNUD para a execuccedilatildeo completa de seus country programmes foram identificados
como uma verdadeira contribuiccedilatildeo ao PNUD maior do que as realizadas pelos doadores
industrializados No entanto os recursos fornecidos pelos governos dos Estados
beneficiados como cost-sharing natildeo satildeo considerados uma participaccedilatildeo financeira destes
Estados mas apenas a parte que lhes cabe na participaccedilatildeo de custos e sobretudo de riscos
nos programas nacionais de desenvolvimento elaborados pelo PNUD
Uma segunda forma de divisatildeo de custos que utiliza foacutermulas multibilaterais de
financiamento eacute o third-party-cost-sharing (custos divididos com uma terceira parte) Esse
mecanismo consiste em um procedimento multibilateral no qual as despesas para a
assistecircncia de primeira fase do country-programme satildeo cobertas em totalidade ou em parte
por uma contribuiccedilatildeo fornecida por um ou mais Estados diferentes daquele beneficiado Eacute
evidente que se trate de uma foacutermula mista ou multilateral visto que o terceiro doador pode
livremente escolher os paiacuteses e atividades a privilegiar
O princiacutepio geral adotado no caso de intervenccedilatildeo de terceiros eacute que se respeitem as
prioridades dos governos beneficiados Evidentemente encontram-se maneiras de garantir
os interesses dos terceiros ainda durante as negociaccedilotildees para a estipulaccedilatildeo dos acordos
entre o PNUD e os Estados interessados em participar como terceiros O PNUD promove
consultas com eventuais paiacuteses doadores dos programas de third-party-cost-sharing
43
submetendo a anaacutelise de projetos e programas a serem financiados atraveacutes deste mecanismo
aos agentes diplomaacuteticos dos Estados doadores Obtida uma geneacuterica manifestaccedilatildeo de
interesse o Programa envia missotildees ad hoc nas capitais dos paiacuteses doadores entre
setembro e novembro de cada ano para reexaminar com detalhes as propostas e chegar a
acordos para o financiamento do programa Nesta ocasiatildeo o doador poderaacute fazer valer suas
exigecircncias especialmente em mateacuteria de procurement escolhendo intervir em projetos para
os quais seja necessaacuterio um certo nuacutemero de materiais disponiacuteveis em seu mercado
nacional A satisfaccedilatildeo de tais interesses seraacute portanto realizada diretamente visto que o
third-party-cost-sharing natildeo eacute considerado formalmente um instrumento de ajuda
vinculada
O Brasil e a Ameacuterica Latina realizaram programas com o PNUD atraveacutes dos custos
divididos e tambeacutem dos custos divididos com uma terceira parte desde a implantaccedilatildeo da
modalidade ateacute o iniacutecio dos anos noventa - quando o CAD determinou que os fluxos
ODA mesmo vinculados fossem suspensos para os paiacuteses de renda meacutedia (RESOLUCcedilAtildeO
ANUAL CAD 1991) Essa medida afetou grande parte dos paiacuteses da Ameacuterica Latina que
passaram a disponibilizar recursos proacuteprios (obtidos internacionalmente) para manter as
atividades do PNUD A modalidade de execuccedilatildeo dos programas ainda eacute nominalmente
chamada cost-sharing Contudo nessa nova versatildeo os custos dos Programas Paiacutes satildeo quase
que integralmente pagos pelos governos dos Estados onde se realizam os projetos Essa
decisatildeo parece ter sido determinante para o aumento dos custos globais dos recursos
administrados pelo PNUD na regiatildeo
Em 1993 na regiatildeo da Ameacuterica Latina e do Caribe foram utilizados em programas e
projetos de desenvolvimento PNUD e governos nacionais aproximadamente US$ 400
milhotildees dos quais metade proveniente de recursos do Programa e a outra metade de
recursos cost-sharing junto aos paiacuteses da regiatildeo Em 1997 na mesma regiatildeo foram
utilizados pouco mais de US$ 800 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de
desenvolvimento entre os governos e o PNUD dos quais menos de cem milhotildees eram
recursos do Programa e 700 eram recursos cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32)
No Brasil a progressatildeo do aumento do volume de recursos puacuteblicos implicados nos
programas e projetos de cost-sharing com o PNUD eacute ainda mais espantosa No periacuteodo de
1982-86 eram utilizados menos de US$ 50 milhotildees de doacutelares em programas e projetos de
44
desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais menos da metade eram recursos cost-
sharing No periacuteodo de 1992-96 foram gastos quase US$ 250 milhotildees de doacutelares em
programas e projetos de desenvolvimento do Brasil com o PNUD dos quais quase a
totalidade (US$ 220 milhotildees aproximadamente) em cost-sharing (NOGUEIRA 2001 32-
5) Devemos lembrar que os fluxos financeiros destinados pelos paiacuteses em vias de
desenvolvimento para a execuccedilatildeo de seus Programas de desenvolvimento natildeo satildeo
contabilizados internacionalmente como ODA Este fato eacute bastante significativo se
considerarmos que a maior parte dos paiacuteses de renda meacutedia paga atualmente atraveacutes de
recursos proacuteprios seus programas de desenvolvimento Um dos problemas apontados pelos
analistas (Marchisio Cecchi) eacute que as categorias de paiacuteses doadores e paiacuteses recebedores
(embora atualmente isto faccedila pouco sentido devido agrave acentuaccedilatildeo da presenccedila de fluxos
privados no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento nos uacuteltimos anos) natildeo encontram
espaccedilo de debate nos foacuteruns internacionais Esse fato demonstra o tratamento diferenciado
que os atores mais fortes pode ter no interior dos regimes internacionais
Uma segunda questatildeo que deve ser levantada eacute o fato de que embora o Brasil pague
praticamente sozinho seus custos do Programa Paiacutes ainda estaacute utilizando o PNUD como
fornecedor de serviccedilos e consultoria de desenvolvimento Esse fato pode ser explicado de
diversas maneiras Keohane nos lembra que muitas vezes por uma questatildeo de
credibilidade os atores que participam dos regimes internacionais procuram preservar
acordos anteriormente estabelecidos (KEOHANE 1984) Uma segunda explicaccedilatildeo pode
ser encontrada na teoria de Keohane sobre a cooperaccedilatildeo O autor afirma que os regimes
internacionais efetuados a partir das organizaccedilotildees internacionais podem trazer alguma
garantia legal aos atores Mesmo que o Brasil natildeo esteja mais utilizando os recursos
provenientes do regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento devemos lembrar
que nosso volume de procurement eacute sempre substancial Logo caso natildeo tiveacutessemos um
oacutergatildeo regulador no qual administrar esse grande volume de recursos talvez nossos custos
de procurement pudessem ser ainda maiores Podemos ainda pensar que devido agrave
condicionalidade da ajuda fenocircmeno que estudaremos no proacuteximo capiacutetulo manter um
Programa Paiacutes atraveacutes de uma organizaccedilatildeo internacional seja uma condiccedilatildeo imposta pelos
institutos financeiros ou pelo proacuteprio mercado para podermos ter acesso a financiamentos
externos Todas estas explicaccedilotildees ajudam a entender a permanecircncia do fenocircmeno do cost-
45
sharing no Brasil Contudo nenhuma delas eacute motivo para permanecermos indiferentes agraves
grandes quantias que o paiacutes vem repassando atualmente para o PNUD e outras
organizaccedilotildees internacionais e natildeo-govemamentais que atuam em seu territoacuterio Sobretudo
se considerarmos que o PNUD a Organizaccedilatildeo Pan-Americana de Sauacutede (OPAS) e a
Unesco receberam em 2000 70 do total de recursos que o Brasil destinou a projetos de
desenvolvimento desligados das estruturas de governo Tendo em contrapartida destas
organizaccedilotildees PNUD (projetos) Unesco (projetos) e OPAS (projetos missotildees teacutecnicas
seminaacuterios) (ABC)56
A evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional dos anos setenta ateacute nossos dias
tem demonstrado quatildeo acentuados tecircm sido os constrangimentos destinados a fazer os
atores dos PDV acederem aos recursos do regime internacional ODA No caso da
cooperaccedilatildeo multibilateral o cost sharing natildeo significou apenas um constrangimento que
dificultou o acesso a financiamentos facilitados para o paiacutes mas um custo adicional
bastante elevado que estaacute sendo comprometido para a realizaccedilatildeo de um Programa Paiacutes
Como dissemos nosso proacuteximo capiacutetulo seraacute dedicado ao fenocircmeno da
condicionalidade da ajuda A condicionalidade por representar um instrumentos teoacuterico-
poliacutetico eacute um dos mecanismos de puniccedilatildeo do uso da ajuda oficial ao desenvolvimento
(ODA) que mais podem interferir nos processos nacionais de desenvolvimento dos paiacuteses
recebedores dos recursos assim como daqueles que dependem de grandes volumes de
empreacutestimos internacionais
56 Agecircncia Brasileira de Cooperaccedilatildeo (ABC) (httpwwwmregovbr)
46
CAPIacuteTULO m
A CONDICIONAL IDADE DA AJUDA COMO PUNICcedilAtildeO
A condicionalidade da ajuda como estrateacutegia de reduccedilatildeo de conflitos
No uacuteltimo capiacutetulo analisamos a ajuda multibilateral como sendo o resultado de
uma mudanccedila de comportamento do PNUD devido aos novos incentivos e puniccedilotildees
impostos pelo ambiente internacional durante os anos do choque do petroacuteleo e agrave tentativa
de estabelecimento da nova ordem econocircmica internacional No presente capiacutetulo
estudaremos a condicionalidade da ajuda outro fenocircmeno que se estabeleceu a partir dos
anos setenta no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento E que desde
entatildeo tem sido considerado um dos mais emblemaacuteticos instrumentos de puniccedilatildeo e
constrangimento para o uso da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pelos paiacuteses em
vias de desenvolvimento
A literatura especializada vem identificando a condicionalidade como um fenocircmeno
que ocorre quando os financiamentos destinados aos projetos e programas de
desenvolvimento satildeo condicionados explicitamente agrave transformaccedilatildeo de certas poliacuteticas
sociais econocircmicas ou administrativas destes paiacuteses recebedores (CREWE amp HARRISON
1998 47-52 SCHMITZ amp GILLES 1992 ASCARI 1999 54-5 BASILE 1995 78) Os
autores que abordam a questatildeo da condicionalidade tecircm contudo pareceres muito
destoantes quanto ao fenocircmeno Para Ascari e Basile o uso da condicionalidade se coloca
como uma visatildeo altruiacutestica e uma preocupaccedilatildeo dos paiacuteses doadores no confronto com as
populaccedilotildees mais pobres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Populaccedilotildees que
subjugadas pelos seus proacuteprios governos natildeo poderiam ser de outra maneira beneficiadas
pela ajuda oficial ao desenvolvimento
Em direta oposiccedilatildeo agrave visatildeo de Ascari e Basile estatildeo Crewe e Harrison para quem a
condicionalidade eacute sintomaacutetica da suposiccedilatildeo dos paiacuteses doadores de que eles tecircm um
47
melhor entendimento das necessidades dos paiacuteses em vias de desenvolvimento do que os
govemos destes Condiccedilotildees para o repasse da ajuda ldquorelacionadas agrave natureza dos sistemas
poliacuteticos agraves estatiacutesticas de direitos humanos agrave poliacutetica econocircmica e aos mais variados
iacutendices de governabilidade dos paiacuteses em vias de desenvolvimento vecircm se tomando parte
dos grandes temas que dominam grande parte das agendas das poliacuteticas das agecircncias
multilaterais e bilateraisrdquo e refletem ldquoa crenccedila dos paiacuteses ricos de que eles sabem maisrdquo (do
que os governos locais) e podem portanto interferir na esfera domeacutestica dos paiacuteses em vias
de desenvolvimento (CREWE amp HARRISON 1998 3235) Schmitz e Gilles satildeo ainda
mais criacuteticos quanto ao fenocircmeno da condicionalidade ao afirmar que seu uso ldquoeacute forma de
imperialismo cultural que estrategicamente promove a erosatildeo da soberania dos paiacuteses mais
pobresrdquo (SCHMITZ amp GILLES 1992 18)
A condicionalidade como se pode perceber pelas divergecircncias de interpretaccedilatildeo que sua
aplicaccedilatildeo suscita eacute um dos fenocircmenos mais emblemaacuteticos de discussatildeo dentro do setor da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Essa divergecircncia de opiniotildees quanto ao uso
da condicionalidade eacute justificada pela proacutepria abrangecircncia que o fenocircmeno ganhou dentro
do setor Evidentemente a condicionalidade eacute um constrangimento ao uso do regime oficial
da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) pois atraveacutes deste instrumento os paiacuteses
doadores podem interferir diretamente nas estrateacutegias macroeconocircmicas de
desenvolvimento dos paiacuteses recebedores dos recursos Ou ainda podem decidiras poliacuteticas
locais atraveacutes do favorecimento de certos setores temas agendas ou populaccedilotildees no que diz
respeito aos projetos e programas de desenvolvimento O instrumento da condicionalidade
eacute empregado para o cumprimento dos mais diferentes objetivos de desenvolvimento dos
paiacuteses mais pobres dos projetos e programas que atendam agraves necessidades de base das
populaccedilotildees mais carentes aos ajustes estruturais e abertura das economias dos paiacuteses mais
pobres Esse tipo de abrangecircncia pode acirrar os mais variados acircnimos quanto agraves questotildees
do desenvolvimento e contribuir para que as poliacuteticas governamentais destes paiacuteses sofram
pressotildees em vaacuterios niacuteveis
Costuma-se identificar o iniacutecio do uso da condicionalidade aos financiamentos e
empreacutestimos de ajustamento estrutural - colocados em pauta pelo FMI e pelo Banco
Mundial apoacutes a crise da diacutevida dos paiacuteses em vias de desenvolvimento - a partir da metade
dos anos oitenta (BASILE 1995) Contudo essa interpretaccedilatildeo eacute errocircnea pois se refere
48
apenas agrave manifestaccedilatildeo da condicionalidade nos repasses financeiros que promovem
intervenccedilotildees precisas nas poliacuteticas econocircmicas e administrativas dos Estados O uso de
mecanismos de condicionalidade no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento eacute contudo
anterior a este uacuteltimo tipo de manifestaccedilatildeo
O uso da condicionalidade foi estabelecido no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento logo apoacutes o choque do petroacuteleo depois que os paiacuteses doadores
aumentaram repentinamente seus interesses pelas questotildees Norte-Sul57 e iniciaram
modificaccedilotildees no repasse da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) como revelam os
proacuteprios documentos CAD do periacuteodo38 Atraveacutes de nota administrativa ldquoO Conselho da
Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) convidou o CAD
(Comitecirc de Ajuda ao Desenvolvimento) a empreender uma visatildeo mais complexa dos
problemas do desenvolvimento Em particular foi sugerido que se passasse a dar grande
atenccedilatildeo ao volume e sobretudo aos termos e condiccedilotildees exigidas para a transferecircncia da
ajuda para o Terceiro Mundordquo (FUumlHRER 1996 24) Os fluxos da ODA natildeo poderiam
mais ser utilizados para o suposto ldquocrescimento desordenado dos paiacuteses recebedoresrdquo
(CONSELHO ECONOcircMICO OCDE1973)59 e deveriam ter sua utilizaccedilatildeo acompanhada e
condicionada pelos paiacuteses industrializados Ao CAD foi delegada a funccedilatildeo de revelar um
corpo de temas ligados ao desenvolvimento temas que serviriam para orientar os paiacuteses
recebedores quanto agrave utilizaccedilatildeo dos recursos da ODA (FUumlHRER 1996 26) A partir de
1975 a OCDE determinou que fossem formados no interior do CAD Grupos de Alto
57 Keohane faz a mesma afirmaccedilatildeo quando diz que por volta da metade da deacutecada de setenta as demandas dos paiacuteses menos desenvolvidos pelo estabelecimento de uma nova ordem econocircmica internacional criaram problemas para os regimes internacionais econocircmico e financeiro estabelecidos em Bretton Woods (Keohane e Nye 1988 37) Grilli afirma que o choque do petroacuteleo e a crise dos paiacuteses produtores de mateacuteria primas assim como as tentativas destes paiacuteses de regulamentar um maior acesso aos financiamentos provocou a organizaccedilatildeo e a expansatildeo da Cooperaccedilatildeo Econocircmica Europeacuteia que visa basicamente manter o acesso garantido da Comunidade agrave energia e as mateacuterias primas (GRILLI 1993)
58 O CAD liberou em 1994 grande parte de seus documentos e resoluccedilotildees internas referentes a ajuda oficial ao desenvolvimento Estes documentos foram organizados por Helmut Fuumlhner ex-diretor do CAD de 1974-93 e constituem uma publicaccedilatildeo sobre a histoacuteria da ajuda oficial ao desenvolvimento em datas e nomes disponiacutevel em versatildeo on-line no site da OCDE (wwwoecdorg) Quanto as resoluccedilotildees anuais do CAD algumas podem ser encontradas em versatildeo integral no mesmo site
59 Disponiacutevel on-line (httpAvwwoecdorgdocL
49
Niacutevel ad hoc que se ocupariam das relaccedilotildees econocircmicas entre os paiacuteses membros da OCDE
e os paiacuteses em desenvolvimento Estes grupos foram criados visando ldquoidentificar quais
novos e construtivos temas poderiam ser selecionados como relevantes para estruturar uma
agenda em tomo da qual seriam confrontadas as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento
buscando estabelecer uma nova ordem econocircmica e mundialrdquo (CONSELHO
ECONOcircMICO OCDE1975)60
O primeiro uso do instrumento de condicionalidade foi estabelecido em 1976
quando os paiacuteses doadores adotando um conceito de necessidades humanas baacutesicas (NHB)
receacutem-criado pelo Banco Mundial61 estabeleceram que a ajuda oficial ao desenvolvimento
devido ao seu caraacuteter facilitado deveria atender agraves necessidades baacutesicas das populaccedilotildees
mais pobres (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1976) O condicionamento do uso dos fluxos
financeiros e da cooperaccedilatildeo teacutecnica recebidos para o atendimento de um tema
anteriormente considerado questatildeo intema dos paiacuteses recebedores foi a grande
transformaccedilatildeo que os fluxos da ODA e o setor da cooperaccedilatildeo sofreram a partir dos anos
setenta Desde entatildeo parece ter-se estabelecido uma espeacutecie de deslocamento das questotildees
poliacuteticas que envolviam os temas do Hemisfeacuterio Sul nos quais os proacuteprios efeitos de uma
ordem econocircmica que proporciona benefiacutecios desiguais foram tomados como causas do
descompasso econocircmico destes paiacuteses Desse modo foi possivel estabelecer uma loacutegica
inversa a qual possibilitou que as demandas dos paiacuteses do Sul - pelo melhoramento de
suas condiccedilotildees internas e da condiccedilatildeo de vida de suas populaccedilotildees - fossem afastadas de
suas causas provocadas pelos desequiliacutebrios do sistema internacional e passassem a ser
transformadas em instrumentos de pressatildeo sobre os paiacuteses em desenvolvimento
Os governos dos paiacuteses recebedores se manifestaram quanto ao dirigismo da ajuda e
tambeacutem ao fato de que o condicionamento dos fluxos da ODA no atendimento das
necessidades humanas baacutesicas comprometeria os esforccedilos de industrializaccedilatildeo aleacutem de
60 Disponiacutevel on-line (httpAvww oecd orgdoc)
61 A adoccedilatildeo da estrateacutegia de condicionar a utilizaccedilatildeo dos fluxos ODA para a melhora das necessidades humanas baacutesicas vinculou as praacuteticas de desenvolvimento a estreita orientaccedilatildeo do Banco Mundial elaborador do conceito de HBN assim como dos indicadores de desempenho dos paiacuteses nessa aacuterea (ESCOBAR 1995 55) seguindo a loacutegica da concentraccedilatildeo dos fluxos ODA nos institutos financeiros
50
aumentar imensamente os custos locais destes governos na implantaccedilatildeo de projetos e
programas de desenvolvimento (FUumlHRER 1996 32) Contudo os paiacuteses em vias de
desenvolvimento acabaram se conformando ao novo modelo de repasse condicionado do
regime internacional da ODA Natildeo podemos esquecer que essa conformaccedilatildeo aos novos
criteacuterios aconteceu em um momento tenso para os dois grupos de paiacuteses em que se chegou
inclusive a cogitar o cancelamento da ajuda puacuteblica ao desenvolvimento (ARMSTRONG
LLOYD amp REDMOND 1995 96-98) Nesse sentido a aceitaccedilatildeo dos paiacuteses em
desenvolvimento de que se estabelecessem novos criteacuterios mais restritivos aos repasses
pode ser interpretada ldquocomo resultado de um acordo onde se puderam atingir objetivos
possiacuteveisrdquo (KEOHANE 19849899) Todavia como efeito colateral dessa aceitaccedilatildeo na
medida em que na deacutecada de oitenta novos temas iam sendo inseridos e condicionados ao
repasse dos fluxos do regime internacional da ODA as demandas dos paiacuteses em
desenvolvimento por mudanccedilas na ordem econocircmico- financeira iam perdendo espaccedilo nos
foacuteruns internacionais Ao mesmo tempo e cada vez mais os temas apresentados a partir do
novo tipo de diaacutelogo Norte-Sul (aceito como construtivo pelo grupo de paiacuteses
industrializados) iam ganhando uma dimensatildeo figurada mais ampla do que as proacuteprias
questotildees sistecircmicas de que grande parte destas mesmas questotildees derivavam Assim os
novos temas que iam sendo associados ao setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e
condicionando o uso dos recursos da ODA foram ganhando uma naturalidade e uma
dimensatildeo de grupo-espetaacuteculo ou tema-espetaacuteculo62 na definiccedilatildeo de Escobar ou grupo-
cliente ou tema-cliente na definiccedilatildeo de Sachs (1990)63 Estes temas acabaram por encobrir a
maior parte da dimensatildeo conflitiva das relaccedilotildees Norte-Sul (ESCOBAR 1995 155)
62 Temas espetaacuteculo ou grupos espetaacuteculo satildeo situaccedilotildees ou grupos de pessoas que periodicamente satildeo identificados e vatildeo ganhando centralidade no discurso que sustenta o desenvolvimento Estes temas ou grupos passam a constituir a agenda das organizaccedilotildees internacionais das ONGs dos institutos financeiros etc Todas os programas setoriais passam a tentar mesmo de maneira pouco convincente a ligar sua proacutepria accedilatildeo ao tema espetaacuteculo Escobar costuma identificar e desconstruir os mecanismos de discurso entorno dos quais os temas espetaacuteculo satildeo estruturados Em Encounterig Development (1995) o autor desconstruir os temas espetaacuteculo dos camponeses das mulheres no desenvolvimento e do meio-ambiente (ESCOBAR 1995)
6j Grupos e temas clientes tecircm praticamente a mesma conotaccedilatildeo de grupos espetaacuteculo Contudo esse termo faz tambeacutem referecircncia agrave dimensatildeo financeira que passam a assumir estes temas no setor do desenvolvimento por exemplo quando em 1948 o Banco Mundial definiu que os paiacuteses pobres eram aqueles com uma renda per capta abaixo de UU$ 100 mais de dois terccedilos da humanidade passaram a ser sua populaccedilatildeo cliente (SACHS 1990 9 ESCOBAR 1995 2223)
51
A introduccedilatildeo do discurso das Necessidades Humanas Baacutesicas pode ser interpretada
como uma mudanccedila no leacutexico intemacionalista Os novos conceitos introduzidos no setor
da cooperaccedilatildeo como relevantes para o diaacutelogo Norte-Sul (e associados ao regime da ODA)
passaram a ser utilizados pelos atores que desfrutavam das vantagens como uma
necessidade estabelecida como algo a que a poliacutetica deveria ajustar-se e natildeo como
situaccedilotildees parcialmente criadas pela poliacutetica64 Contudo Keohane nos lembra que as
investigaccedilotildees de fenocircmenos que envolvem riqueza e poder no caso a cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento devem ser buscadas na dimensatildeo onde se estruturam as
relaccedilotildees poliacuteticas e econocircmicas dos atores De outro modo estariacuteamos arriscando que na
investigaccedilatildeo do fenocircmeno os efeitos de determinada situaccedilatildeo fossem tomados como causas
desta mesma situaccedilatildeo (KEOHANE 1984 18-9)
Uma vez estabelecida a loacutegica de que a ajuda oficial por seu caraacuteter facilitado
deveria ser condicionada ao atendimento das necessidades baacutesicas das populaccedilotildees dos
PVD os fluxos do regime da ODA perderam seu caraacuteter de mecanismos de compensaccedilatildeo
mesmo que informais destinados aos paiacuteses em vias de desenvolvimento devido aos
desequiliacutebrios causados pelos regimes de Bretton Woods (BASILE 1995 78 GRILLE
1993) e se tomaram instrumentos atraveacutes dos quais os paiacuteses doadores poderiam interferir
diretamente em setores pontuais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O uso da
condicionalidade estabelecido como limitaccedilatildeo agrave liberdade destes paiacuteses na utilizaccedilatildeo dos
fluxos da ajuda oficial ou nas decisotildees referentes a suas escolhas poliacuteticas e econocircmicas
pode ser considerado originalmente uma puniccedilatildeo econocircmica e um aumento dos
constrangimentos impostos a estes paiacuteses
A afirmaccedilatildeo do uso da condicionalidade nos institutos financeiros internacionais
64 Em analogia a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia em ambientes internacionais elaborada por Keohane e Nye em Poder e Interdependecircncia (KEOHANE amp NYE1982)
52
A expansatildeo do uso da condicionalidade aconteceu no iniacutecio dos anos oitenta
quando os sinais da crise da diacutevida extema 65 reacenderam as esperanccedilas dos PVD de
promover discussotildees internacionais voltadas agrave revisatildeo corretiva dos regimes de Bretton
Woods Tal esperanccedila foi reforccedilada em 1981 quando o CAD introduziu em seu relatoacuterio
anual a noccedilatildeo de interdependecircncia (mesmo que em nenhum momento o relatoacuterio precisasse
o que os paiacuteses da OCDE entendiam por interdependecircncia66) (FURNER 1996)
A introduccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia67 em um momento de grave crise
econocircmica pode ter sido percebida como uma abertura de diaacutelogo para que fossem
retomadas as discussotildees internacionais sobre a necessidade de se buscar uma ordem
econocircmico-financeira mais favoraacutevel aos paiacuteses do Hemisfeacuterio Sul (RELATOacuteRIO DA
COMISAtildeO SUL 1990 16) Com o apoio dos paiacuteses em desenvolvimento o CAD
seguindo a ecircnfase da interdependecircncia passou a promover a discussatildeo dos temas Norte-
Sul que poderiam ser considerados como de pertinecircncia global (RELATOacuteRIO ANUAL
CAD 1981) Antes da definiccedilatildeo dos temas primeiramente aprovou-se na sede do Conselho
65 Trecircs fatores internacionais (a expansatildeo dos mercados de cacircmbio europeu a reciclagem dos excedentes financeiros dos paiacuteses produtores de petroacuteleo e a recessatildeo econocircmica dos paiacuteses industrializados) criaram um excesso de liquidez no sistema bancaacuterio internacional que foi transferido em forma de empreacutestimos para os paiacuteses em desenvolvimento na deacutecada de setenta A necessidade dos paiacuteses desenvolvidos no final dos anos setenta de empreenderem medidas macropoliacuteticas recessivas para o combate da inflaccedilatildeo ocasionou a diminuiccedilatildeo da liquidez internacional aumentando exponencialmente as taxas de juros internacionais que chegaram a ficar quatro vezes mais caras no periacuteodo Ao mesmo tempo as medidas recessivas diminuiccedilatildeo as atividades industriais dos paiacuteses desenvolvidos o que causou uma brusca queda no preccedilo das mateacuterias primas Entre 1980 e 1982 o preccedilo das principais mateacuterias-primas exportadas pelos paiacuteses em desenvolvimento (excluiacutedo o petroacuteleo) caiu 21 Essa queda acentuou-se em 1983-4 e em 1988 o preccedilo de 33 mateacuterias primas de interesse especial para os paiacuteses em vias de desenvolvimento (a queda meacutedia do preccedilo do petroacuteleo nos periacuteodos tratados foi de 65) eram 30 mais baixos do que a meacutedia de 1979-81) A diminuiccedilatildeo dos fluxos privados no periacuteodo a estagnaccedilatildeo dos fluxos ODA a diminuiccedilatildeo dos preccedilos das mateacuterias-primas e o aumento das taxas de juros fizeram com que os reembolsos da diacutevida ficassem excedessem as entradas do Sul Der fato no periacuteodo de 1984 a 1988 os paiacuteses em vias de desenvolvimento em seu conjunto transferiram um montante liacutequido de 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte (RELATOacuteRIO SUL 1990 63-9)
66 Para Keohane e Nye interdependecircncia eacute entendida ldquocomo situaccedilotildees caracterizadas por efeitos reciacuteprocosrdquo (KEOHANE amp NYE Poder e Interdependecircncia 8)
67 Keohane afirma que a interdependecircncia foi utilizada como estrateacutegia de limitaccedilatildeo das reinvincaccedilotildees do Terceiro Mundo em um periacuteodo de promoccedilatildeo dos nacionalismo econocircmicos entenda-se formaccedilatildeo da OPEP guerra dos produtos primaacuterios (KEOHANE amp NYE 1982)
53
Ministerial da OCDE o conceito de que os financiamentos oficiais ao desenvolvimento
poderiam ser condicionados ao atendimento de problemas identificados como globais
definidos como ldquoaqueles que tivessem ressonacircncia nos Estados do Sul e do Norte do
mundordquo Na mesma ocasiatildeo por iniciativa dos paiacuteses noacuterdicos especialmente da Alemanha
e do Canadaacute69 lanccedilou-se a proposta de que as instituiccedilotildees multilaterais de
desenvolvimento atraveacutes de um programa coordenado passassem tambeacutem a apreciar os
temas globais e condicionaacute-los agrave realizaccedilatildeo de programas e projetos de desenvolvimento70
(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981 j
A noccedilatildeo de interdependecircncia natildeo foi estendida contudo aos temas econocircmicos
como esperavam os paiacuteses em desenvolvimento A esperada revisatildeo corretiva dos regimes
de Bretton Woods foi frustrada logo no iniacutecio da adoccedilatildeo da noccedilatildeo de interdependecircncia
Durante o Encontro Internacional dos Representantes do Norte e do Sul do Mundo sobre
Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento (1981) o Presidente Reagan assumiu que a posiccedilatildeo dos
paiacuteses industrializados quanto agraves poliacuteticas de desenvolvimento na deacutecada que se iniciava
seria baseada na promoccedilatildeo do comeacutercio internacional no livre mercado e nos
investimentos privados O relatoacuterio da Comissatildeo Sul aponta que a crise dos anos oitenta
natildeo se converteu em ocasiatildeo de revisatildeo das causas dos problemas porque os paiacuteses
desenvolvidos se recusaram a reconhecer que era necessaacuterio intervir no contexto
econocircmico internacional (RELATOacuteRIO DA COMISSAtildeO SUL 199078) Tambeacutem Fuumlhrer
afirma que os esforccedilos muacuteltiplos dos paiacuteses mais pobres para conseguirem utilizar o
68
68 Relaccedilotildees Com Os Paiacuteses Em Desenvolvimento No Contexto Da Interdependecircncia E Diversidade (CAD documents - disponiacutevel on line)
69 A sugestatildeo do Canadaacute e da Alemanha foi justificada pela publicaccedilatildeo em 1979 da Comissatildeo Independente BRANDT COMMISSION (Independent Commission On International Development Issues) da Relaccedilatildeo Norte-Sul Um Programa Para A Sobrevivecircncia A orientaccedilatildeo da Comissatildeo BRANDT eacute que se criem junto agraves organizaccedilotildees correlatas aos problemas do desenvolvimento subcomissotildees ambientais Em um primeiro momento os Estados do Sul do mundo o discurso da interdependecircncia e a aproximaccedilatildeo do setor da cooperaccedilatildeo internacional
70 Depois da oficializaccedilatildeo do CAD como centro coordenador das poliacuteticas de desenvolvimento em 1986 os temas identificados pelos grupos de alto-niacutevel do Comitecirc como de pertinecircncia global passaram a ser imediatamente incorporados agraves agendas do PNUD Banco Mundial e FMI (FUumlHNER 1996)
54
discurso da interdependecircncia e promover um novo espaccedilo internacional de discussatildeo dos
temas do desenvolvimento foi frustrante para os paiacuteses do Sul
Os demais temas globais que seriam condicionados ao uso dos fluxos daODA
contudo permaneceram e foram sendo inseridos durante toda a deacutecada de oitenta na agenda
internacional Depois do discurso de Reagan o primeiro tema oficialmente inserido na
agenda CAD e estendido a todos os programas e projetos de cooperaccedilatildeo ao foi ldquoo
financiamento da substituiccedilatildeo de cultivo de plantas destinadas agrave produccedilatildeo de entorpecentes
nos paiacuteses em desenvolvimentordquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1981)
Ateacute 1992 os projetos e programas de desenvolvimento realizados pelos paiacuteses da
OCDE na cooperaccedilatildeo atraveacutes de fundos multi (ou bi) laterais deveriam em alguma medida
favorecer ao menos um dos seguintes temas as mulheres no desenvolvimento as
necessidades humanas baacutesicas a preservaccedilatildeo do meio-ambiente global o combate ao
narcotraacutefico a luta contra a disseminaccedilatildeo de doenccedilas a manutenccedilatildeo da paz a abertura do
sistema econocircmico e reformas estruturais cabiveis nos paiacuteses em desenvolvimento o
desenvolvimento participativo a governabilidade (good govemanceacute) a luta contra a
corrupccedilatildeo nos paiacuteses do Terceiro Mundo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)
Devemos considerar que em 1986 o CAD assumiu internacionalmente sua funccedilatildeo
de coordenador dos fluxos da ajuda71 Isso significa que depois desta data por uma questatildeo
de racionalidade de utilizaccedilatildeo dos recursos os temas definidos pela agenda do CAD iam
tambeacutem sendo aplicados ao PNUD FMI e Banco Mundial
O Banco Mundial nos Programas de Assistecircncia Paiacutes estabelece como agenda que
os fluxos ODA sejam condicionados a reformas que promovam o crescimento econocircmico e
a reduccedilatildeo da pobreza investimentos em capital humano (necessidades humanas baacutesicas)
tutela do ambiente promoccedilatildeo do crescimento do setor privado e reordenaccedilatildeo das atividades
de governo (CAS) Como Agenda Geral o Banco utiliza a condicionalidade para os
seguintes temas a boa governanccedila o combate agrave corrupccedilatildeo o desenho de poliacuteticas
setoriais ou de projetos especiacuteficos que sejam ambientalmente sustentaacuteveis e socialmente
71 Na reuniatildeo anual do CAD em 1986 (na qual estavam presentes Emest Stem (vice- presidente do Banco Mundial) Richard Erb (diretor administrativo do FMI) e Willian Draper (administrador PNUD) ) o Comitecirc assumiu oficialmente a responsabilidade pela coordenaccedilatildeo da ajuda multilateral junto agraves organizaccedilotildees internacionais e as organizaccedilotildees regionais ldquoOs membros CAD aceitam a responsabilidade central de coordenaccedilatildeo de bases da ajuda ao desenvolvimentordquo
55
responsaacuteveis A mesma agenda eacute seguida pelos bancos regionais de desenvolvimento O
uso da ajuda coordenada - CAD - nos ajuda a entender porque as agendas dos organismos
que atuam no setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento estabelecem basicamente os
mesmos criteacuterios e condicionam o uso dos recursos ao favorecimento dos mesmos temas
Keohane afirma que ldquoa interdependecircncia da maneira como eacute utilizada nos discursos
oficiais natildeo eacute apenas entendida como um instrumento analiacutetico de compreensatildeo da poliacutetica
mundial e do comportamento dos Estados mas tambeacutem eacute um mecanismo retoacuterico de largo
emprego pelos publicistas e estadistas ansiosos em aumentar a quantidade de gente que se
alie agraves suas bandeiras para quem as palavras vagas e de grande ressonacircncia satildeo muito
uacuteteisrdquo (KEOHANE e NYE 1982) Embora a anaacutelise da interdependecircncia de Keohane tenha
sido estabelecida para ilustrar o momento especiacutefico da substituiccedilatildeo do discurso de
seguranccedila nacional na poliacutetica internacional acreditamos que ela possa ser bastante
ilustrativa para a compreensatildeo do porque da adoccedilatildeo dos novos temas globais que passaram
a ser condicionados ao uso dos recursos oficiais ao desenvolvimento no momento da crise
da diacutevida A interdependecircncia nessa concepccedilatildeo de Keohane eacute vista como uma estrateacutegia
de reduccedilatildeo de conflitos A noccedilatildeo de interdependecircncia no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento parece ter sido empregada para reduzir possiacuteveis novos conflitos gerados
pela crise da diacutevida
Muitos dos proacuteprios temas condicionados agrave utilizaccedilatildeo dos recursos do
desenvolvimento a partir da nova agenda global reforccedilavam a noccedilatildeo de que as
dificuldades dos PVD de ajustarem suas economias agrave ordem econocircmico-financeira eram
um problema que deveria ser resolvido no interior dos proacuteprios paiacuteses em vias de
desenvolvimento Desse modo na deacutecada de oitenta enquanto em todo o setor da
cooperaccedilatildeo reforccedilava-se o discurso politizado de que as causas internas dos paiacuteses em
desenvolvimento estavam provocando a crise da diacutevida e de que a ajuda internacional
deveria ser utilizada para promover intervenccedilotildees nas poliacuteticas internas destes paiacuteses (aleacutem
de ajustar suas economias a uma maior abertura dos mercados) os PVD comprometiam
cada vez mais suas capacidades produtivas transferindo em seu conjunto um montante
liacutequido de US$ 163 bilhotildees de doacutelares para os paiacuteses do Norte - e no periacuteodo mais grave da
crise entre 1984 a 1988) (RELATOacuteRIO SUL 1990 69)
56
A determinaccedilatildeo dos paiacuteses industrializados em natildeo efetivar medidas de revisatildeo dos
regimes internacionais de Bretton Woods permaneceu a mesma inclusive depois de
deflagrada a moratoacuteria decretada pelo Meacutexico e pela Argentina em 1982 Natildeo se promoveu
uma revisatildeo dos regimes internacionais somente foram propostas medidas domeacutesticas de
ajuste das economias e ampliou-se o suporte da concessatildeo de creacuteditos para as balanccedilas de
pagamento A maior inovaccedilatildeo das medidas foi contudo a extensatildeo dos mecanismos de
condicionalidade para os institutos financeiros
As novas modalidades de ajuda condicionada do FM - o SAF e o ESAF72 (1986)
(creacuteditos para ajustamento estrutural e creacuteditos ampliados para ajustamento estrutural) - e
do Banco Mundial - o SAL (empreacutestimos de ajustamento estrutural) e SECAL
(empreacutestimos de ajustamento setorial)73 - traziam como elementos de inovaccedilatildeo a
possibilidade para os institutos financeiros de realizar empreacutestimos condicionados agrave
execuccedilatildeo de reformas poliacutetico-econocircmicas e estrateacutegias de desenvolvimento dos governos
a permissatildeo de que os paiacuteses pudessem financiar reformas econocircmicas implementadas em
diversos anos74 e a permissatildeo de que se pudesse financiar as importaccedilotildees de bens de modo
desligado de uma necessidade de projetos especiacuteficos ou seja dar suporte direto agraves
balanccedilas de pagamento destes paiacuteses (BASILE 1995 43 ASCARI 1999 30-1)
72 Structural Adjustment Facility e The Enhanced Structural Adjustment Facility
73 No iniacutecio ao menos no acircmbito da principal instituiccedilatildeo multilateral o Banco mundial o uso de empreacutestimos de ajustamento (seja o SAL que o SECAL) eacute extremamente ligado a um problema da balanccedila de pagamento (previsto ou existente) ldquoO princiacutepio da balanccedila de pagamento natildeo significa que natildeo exista a necessidade de reformas econocircmicas em setores nos quais os custos natildeo satildeo em moeda estrangeira Sabemos bem que estes paiacuteses (em vias de desenvolvimento) enfrentam seacuterios problemas de reformas nos setores os quais a instruccedilatildeo e os setores sociais em geral nos transportes nas infra-estruturas no ambiente e no desenvolvimento humano (entretanto) creio que a assistecircncia fornecida rapidamente (quick disbursing assistance) natildeo seja apropriada a estes tipos de reformasrdquo73 E Stem na eacutepoca vice-presidente para as Finaccedilas em Evolution and Lessons of Adjustment Lending in Restructuring Economies in Distress Policy Reform and World Bank Oxford University Press 1991
74 Como vimos quando tratamos da Resoluccedilatildeo 2626 (XXV) os paiacuteses industrializados nunca concederam creacuteditos ou financiamentos a longo prazo para dar sustentaccedilatildeo aos projetos e programas de desenvolvimento dos PVD Estes creacuteditos e financiamento a longo prazo soacute se efetivaram quando foram condicionados as reformas dos sistemas poliacutetico e econocircmicos e agrave abertura econocircmica destes paiacuteses
57
A resposta oferecida pelos paiacuteses desenvolvidos para a crise da diacutevida deixava claro
que nenhum tipo de reavaliaccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro de Bretton Woods
seria realizada para proporcionar uma integraccedilatildeo das economias destes paiacuteses agrave ordem
econocircmico-financeira vigente Toda a ajuda oferecida aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento em forma de disponibilizaccedilatildeo de creacuteditos e empreacutestimos tinha como
objetivos principais ajustar os PVD a uma abertura de mercados e garantir a renegociaccedilatildeo
das diacutevidas atraveacutes da concessatildeo de creacuteditos de ajuste das balanccedilas de pagamento Ou seja
continuou prevalecendo a noccedilatildeo de que as dificuldades encontradas pelos vaacuterios paiacuteses
tinham uma raiz intema
A segunda expansatildeo do uso da condicionalidade natildeo estaacute ligada apenas agrave
manutenccedilatildeo dos regimes econocircmico e financeiro vigentes a partir dos Estados nacionais O
uso de mecanismos de condicionalidade nos institutos financeiros natildeo pode ser relacionado
simplesmente a uma puniccedilatildeo ou a um aumento dos constrangimentos imputados agrave
utilizaccedilatildeo de fluxos da ODA pelos PVD Basicamente pelo fato de que mais de 90 dos
recursos multilaterais disponiacuteveis atualmente nos institutos financeiros natildeo tecircm caraacuteter
facilitado (ASCARI 1999 66) e que os paiacuteses de renda meacutedia - aqueles que mais utilizam
os institutos financeiros para resolver suas crises de balanccedilo de pagamento - natildeo podem
mais receber fluxos facilitados desde 1991 (RESOLUCcedilAtildeO ANUAL CAD 1991) Aleacutem
disso natildeo existia como nos anos setenta uma demanda organizada pelo estabelecimento
de uma nova ordem econocircmica mundialisto eacute uma barreira conflitiva difiacutecil de transpor
Pelo contraacuterio a proacutepria aceitaccedilatildeo pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento do discurso
da interdependecircncia em ambiente internacional pode ser interpretado como uma tentativa
de estabelecer uma relaccedilatildeo de cooperaccedilatildeo para a superaccedilatildeo da crise
Na explicaccedilatildeo da expansatildeo do uso da condicionalidade e sua extensatildeo para os
institutos financeiros precisamos introduzir um novo elemento nesta anaacutelise o interesse dos
ambientes privados na cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento que aconteceu a partir
de dois motivos interligados Podemos considerar como o primeiro deles a aceleraccedilatildeo do
processo de internacionalizaccedilatildeo (entendida como um processo gerado por acentuadas
mudanccedilas nos custos de transaccedilatildeo que produzem fluxos observaacuteveis de mercadorias
serviccedilos e capital) que aumentou os empreacutestimos internacionais realizados pelos bancos
privados Os empreacutestimos dos bancos privados internacionais cresceram globalmente de
58
5 do PIB dos paiacuteses da OCDE em 1973 para 20 do PIB dos paiacuteses OCDE em 1991
(Economic Report o f the President 1993281 - citado por MILNER amp KEOHANE 1996
13) O segundo motivo foi a sugestatildeo do secretaacuterio-geral adjunto da OCDE Van Lennep
em 1979 de que se implantassem co-fiacutenanciamentos com fins de desenvolvimento para os
PVD atraveacutes de bancos privados em conjunto com instituiccedilotildees financeiras de
desenvolvimento multilaterais e bilaterais Essa iniciativa pode ser interpretada como
decorrente em parte do aumento da presenccedila dos capitais privados no acircmbito internacional
e denota o maior interesse dos mercados financeiros pelos paiacuteses em desenvolvimento Esse
interesse pode ter acontecido ateacute mesmo a partir da decisatildeo tomada pelos paiacuteses em vias de
desenvolvimento de utilizar o excesso de liquidez internacional dos anos setenta para
financiar seus processos de desenvolvimento
O aumento do processo de internacionalizaccedilatildeo pode ter contribuiacutedo para a
manutenccedilatildeo dos interesses econocircmico e financeiro estabelecidos pelos regimes
internacionais dessas aacutereas A aproximaccedilatildeo dos institutos financeiros dos setores privados e
a escolha de certos temas para a composiccedilatildeo da agenda internacional podem ter sido
utilizados como elemento de sustentaccedilatildeo desse sistema Milner e Keohane acreditam que
ldquopressotildees poliacuteticas intensas (puacuteblicas privadas e bilaterais) foram exercidas para que os
paiacuteses em vias de desenvolvimento abrissem as suas economiasrdquo (MILNER amp KEOHANE
1996 16-7) Os temas da agenda global podem ser entendidos como elementos de reforccedilo
do processo de internacionalizaccedilatildeo uma vez que estes temas satildeo condicionados aos
repasses de recursos (mesmo privados) pois muacuteltiplos esforccedilos nos paiacuteses em vias de
desenvolvimento satildeo direcionados para o atendimento (mesmo burocraacutetico) destes temas
Por exemplo atualmente todos os projetos e programas executados com recursos
provenientes do Banco Mundial devem ter uma anaacutelise de impacto ambiental
Isso significa que todo tipo de empreacutestimo (mesmo com creacuteditos IBRD a juros de
mercado) efetuado pelo Brasil atraveacutes do Banco Mundial deve considerar que uma parte
dos gastos seraacute comprometida com o pagamento de consultores internacionais ambientais e
com a compra de equipamentos dessa aacuterea (procurement) Em 1998 as vendas
internacionais para o mercado ambiental brasileiro chegaram a um faturamento de US$ 25
bilhotildees de doacutelares (duas vezes e meia o orccedilamento anual do PNUD) Desse montante 35
dos recursos foram gastos com a cogravempra de bens e serviccedilos dos EUA seguidos pela
59
Alemanha - que recebeu 25 desse valor- pelo Canadaacute que recebeu 12 e pela Espanha
Japatildeo Gratilde-Bretanha e Itaacutelia que como grupo receberam 13 dos recursos (MARTINS
2000 63) Esses dados revelam que a pressatildeo dos paiacuteses do mundo desenvolvido para que
as organizaccedilotildees internacionais passassem a considerar os temas globais em suas agendas
natildeo pode ser tomada como ocasional
Keohane acredita que um bom antiacutedoto contra a retoacuterica da interdependecircncia eacute
lembrar que ldquoos atores agem motivados pelo poder e pela riqueza natildeo pela realizaccedilatildeo de
interesses comunsrdquo (KEOHANE 1984 22) Como nos advertem Keohane e Nye
raramente ou mesmo nunca os regimes internacionais satildeo instituiacutedos por idealistas
desinteressados que visem o atendimento de objetivos comuns (KEOHANE amp NYE 1982)
Isso significa que os regimes internacionais inclusive daquele ODA criado como ambiente
favorecedor da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento natildeo podem ser estudados sob
uma oacutetica de interdependecircncia de temas globais Caso estudaacutessemos o fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo internacional para o desenvolvimento a partir de uma perspectiva globalista
poderiacuteamos ser enganados quanto agrave motivaccedilatildeo dos atores
Quanto ao estabelecimento da condicionalidade financeira Haggard e Maxfield
identificam nas pressotildees sofridas pelos balanccedilos de pagamento dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento os principais mecanismos de efetivaccedilatildeo da abertura de suas economias75
Em uma grande variedade de dimensotildees a regulamentaccedilatildeo das economias nacionais dos
PVD foi colocada em questatildeo pelos paiacuteses fortes ldquoEm suma o fato de que desde os anos
setenta paiacuteses de todo o mundo incluindo aqueles de cultura e tradiccedilatildeo muito
diversificadas como o Vietnatilde a iacutendia a China o Sul da Aacutefrica o Chile e o Meacutexico
decidiram reduzir suas barreiras comerciais abrir seus mercados de capitais reduzir as
intervenccedilotildees governamentais na economia privatizar as empresas estatais e reduzir as
poliacuteticas sociais (welfare policies) sugere a existecircncia de fortes pressotildees exercidas pela
forccedila da internacionalizaccedilatildeordquo (HAGGARD amp MAXFIELD 1996 211) ldquoEsse fenocircmeno
natildeo pode ser percebido apenas como um crescente processo de globalizaccedilatildeo promovido
73 Os autores ainda citam como importante mecanismos de pressatildeo a sessatildeo 301 do Trade Act pressionou fortemente a liberalizaccedilatildeo das regras para investimento estrangeiro e ao mesmo tempo para a proteccedilatildeo da propriedade intelectual
60
pela expansatildeo tecnoloacutegica e pela maior presenccedila das empresas transnacionaisrdquo (MILNER
amp KEOHANE 19964)
Segundo Haggard e Maxfiacuteeld os frequumlentes ajustes das balanccedilas de pagamento aos
quais os atores mais fracos foram submetidos a partir da deacutecada de oitenta (com a inversatildeo
dos fluxos de capitais Norte-Sul para Sul-Norte) obrigaram os paiacuteses em desenvolvimento
a um processo forccedilado de abertura econocircmica estimulado tambeacutem pelos mecanismos de
condicionalidade76 A razatildeo desta abertura tem segundo os autores relaccedilatildeo com os altos
custos que os paiacuteses pagam em um contexto neoliberal de integraccedilatildeo financeira pela
ausecircncia de instituiccedilotildees poliacuteticas que os ajudem a minimizar estes custos Isso porque
mesmo que a internacionalizaccedilatildeo seja um processo sofrido por todos os paiacuteses os paiacuteses
centrais devido a suas fortes instituiccedilotildees poliacuteticas (Estado) podem minimizar evitar ou ateacute
mesmo redirecionar os custos da internacionalizaccedilatildeo para outros atores (MILNER amp
KEOHANE 1996 9-10)
Atualmente no setor financeiro internacional estabeleceu-se a loacutegica de que manter
ou aumentar a abertura financeira (nos primeiros momentos de crise) daacute sinais aos
investidores estrangeiros de que eles seratildeo capazes de liquidar seus investimentos indica as
intenccedilotildees dos governos de manter a disciplina fiscal e financeira e em uacuteltima anaacutelise
aumenta os fluxos de capital (HAGGARD amp MAXFIacuteELD 1996 211-15) Contudo os
sinais dados aos investidores estrangeiros pelos governos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento quanto agrave abertura de seus mercados natildeo parecem mais ser suficientes para
a garantia da manutenccedilatildeo dessa abertura Esse eacute o ponto em que acontece a interaccedilatildeo entre
o mercado financeiro privado e os institutos financeiros
Ascari considera que a razatildeo da expansatildeo da condicionalidade para os empreacutestimos
dos institutos financeiros eacute que tais empreacutestimos garantiriam a capacidade do paiacutes de
restituir os recursos recebidos pois segundo os analistas dos proacuteprios institutos financeiros
os empreacutestimos soacute poderiam ser devolvidos na medida que reformas internas nos PVD
fossem realizadas (ASCARI 1999) Um controle sobre as reformas somente seria possiacutevel
atraveacutes do condicionamento do uso dos fundos Os institutos financeiros internacionais
70 A opiniatildeo dos teoacutericos claacutessicos do liberalismo como Rosecrance eacute de que os paiacuteses do terceiro mundo por tratarem-se de naccedilotildees com estruturas econocircmicas sociais e poliacuteticas deacutebeis procurariam adotar estrateacutegias comerciais de participaccedilatildeo no acircmbito internacional como uma maneira de resolver os problemas crocircnicos (Citado por MILNER amp KEOHANE 1996)
61
teriam nessa perspectiva a funccedilatildeo de garantidores do capital privado A aproximaccedilatildeo das
organizaccedilotildees internacionais e dos institutos financeiros do setor privado criou novos
mecanismos de constrangimento sobre os paiacuteses em vias de desenvolvimento mecanismos
que foram reforccedilados pelo aumento da internacionalizaccedilatildeo dos fluxos de capitais Desse
modo estabeleceu-se nos uacuteltimos anos a loacutegica de que as atuais condiccedilotildees de austeridade
insseridas pelos organismos multilaterais nos programas de reformas econocircmicas dos paiacuteses
garantem outros financiadores acerca da credibilidade do programa econocircmico do paiacutes
recebedor Na Conferecircncia Internacional sobre Desenvolvimento Econocircmico (1995) o
economista D Rodrik (ligado ao Banco Mundial) afirmou que a austeridade imposta pelos
empreacutestimos de ajustamento estrutural assegura os financiadores privados sobre a
possibilidade do paiacutes recebedor conseguir ex post um melhoramento da situaccedilatildeo
econocircmica tal que lhes possibilitaria efetuar a devoluccedilatildeo dos empreacutestimos ou justificar a
concessatildeo da ajuda com base nas expectativas de eficaacutecia (RODRIK 1995)77
A partir do estabelecimento da condicionalidade acentuou-se a diminuiccedilatildeo dos
financiamentos facilitados (fundos ODA) para os paiacuteses das economias em
desenvolvimento e aumentaram exponencialmente os creacuteditos privados O aumento da
condicionalidade e a aproximaccedilatildeo com o setor da cooperaccedilatildeo de bancos privados
determinaram a diminuiccedilatildeo dos fluxos do regime ODA que passaram de um total de 59
em 1990 dos recursos dos paiacuteses do CAD aos paiacuteses em vias de desenvolvimento para
236 em 1997 No mesmo periacuteodo os fluxos financeiros privados passaram de 336
para 777 - ou seja de 436 bilhotildees de doacutelares em 1990 para 2521 bilhotildees de doacutelares em
1997 (TRILZI 1998 1223) Outra consideraccedilatildeo diz respeito agrave performance dos paiacuteses do
CAD relativamente aos fluxos de recursos destinados aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento Enquanto os fluxos do regime ODA sofreram uma contraccedilatildeo em
percentual sobre o PIB destes paiacuteses (de 033 em 1986-7 a 022 em 1997) os capitais
privados passaram no mesmo periacuteodo de 019 a 059 Nesse contexto foi significativa
a performance dos Estados Unidos cujo capital privado destinado aos paiacuteses em vias de
desenvolvimento passou nos dez anos mencionados de 6 bilhotildees de doacutelares em 1986-7
77 Why is there Multilateral Lending Annual World Bank Conference on Development Economics 1995 (http wwwwborg)
62
(014 do PIB dos EUA) a aproximadamente 65 bilhotildees de doacutelares em 1997 (o equivalente
a 081 do PIB americano) por seu lado a cota destinada ao financiamento puacuteblico
(fluxos ODA) foi reduzida no periacuteodo de 021 a 009 (TRIULZI 1998 123)
Com a introduccedilatildeo da condicionalidade e dos creacuteditos e empreacutestimos estruturais os
capitais privados puderam receber garantias efetivas dos governos dos PVD de que as
poliacuteticas econocircmicas implantadas em seus paiacuteses manteriam a conformaccedilatildeo destes Estados
aos regimes de Bretton Woods Em outras palavras com a introduccedilatildeo da condicionalidade
nos institutos financeiros o retomo dos recursos devido agrave ecircnfase no ajustamento estrutural
nas balanccedilas de pagamento estaria assegurado
A introduccedilatildeo de mecanismos de condicionalidade a partir do choque do petroacuteleo e
da crise da diacutevida externa - dois momentos de conflito (em diferentes graus de intensidade)
entre o grupo de paiacuteses em vias de desenvolvimento e o dos paiacuteses industrializados - revela
como os atores favorecidos e desfavorecidos podem obter benefiacutecios e tratamentos
desiguais dos regimes estabelecidos Aleacutem disso como evidenciado pela proacutepria crise da
diacutevida e depois pela noccedilatildeo de internacionalizaccedilatildeo os paiacuteses em vias de desenvolvimento
por natildeo terem conseguido reforccedilar suas poliacuteticas institucionais (seus governos) antes de
efetuarem uma conformaccedilatildeo aos regimes de Bretton Woods (como foi o caso dos paiacuteses
europeus do bloco ocidental) acabaram arcando com os custos maiores das variaccedilotildees
sistecircmicas Finalmente podemos ainda considerar que os proacuteprios regimes de Bretton
Woods foram acordados com constrangimentos internos para que se beneficiassem os
atores mais fortes (a ecircnfase nas balanccedilas de pagamento) Esse tipo de interpretaccedilatildeo ganha
dimensatildeo quando consideramos que as potecircncias secundaacuterias europeacuteias no final da
Segunda Guerra soacute aceitaram participar dos regimes de Bretton Woods depois de
fortalecerem suas instituiccedilotildees poliacuteticas atraveacutes do plano Marshall e da Uniatildeo Europeacuteia de
Pagamento (KEOHANE 1984 DINOLFO 1993)
Nosso proacuteximo e uacuteltimo capiacutetulo seraacute dedicado agrave anaacutelise do fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo descentralizada um constrangimento que exclui os governos dos paiacuteses em
desenvolvimento da aplicaccedilatildeo dos fluxos da ODA Analisaremos a modalidade de
cooperaccedilatildeo descentralizada a partir da instrumentalizaccedilatildeo das ONGs dos paiacuteses
desenvolvidos e de sua relaccedilatildeo com as homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
63
CAPIacuteTULO IV
A COOPERACcedilAtildeO DESCENTRALIZADA
COMO FORMA DE CONSTRANGIMENTO
Definiccedilatildeo e aacuterea de abrangecircncia do termo
No estudo da cooperaccedilatildeo descentralizada um dos primeiros problemas que se
apresenta eacute a proacutepria investigaccedilatildeo do termo Embora essa modalidade de administraccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)
tenha comeccedilado timidamente a partir da metade dos anos setenta somente quando o
fenocircmeno ganhou expansatildeo na metade dos anos oitenta buscou-se formalmente um
conceito para a praacutetica que jaacute vinha sendo estabelecida Antes de buscar uma compreensatildeo
mais ampla do termo cooperaccedilatildeo descentralizada devemos esclarecer que esse eacute um
fenocircmeno especiacutefico da cooperaccedilatildeo internacional ao europeacuteia desenvolvimento
Para Jahier e Triulzi cooperaccedilatildeo descentralizada eacute a modalidade de administraccedilatildeo e
utilizaccedilatildeo dos recursos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA)
na qual estatildeo excluiacutedos os governos nacionais dos Estados recebedores dos recursos
(JAHIER 2000 TRIULZI 1998 2000) A Comunidade Europeacuteia define de maneira muito
mais generalizante a cooperaccedilatildeo descentralizada ldquoum novo meacutetodo de cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento que potildee os operadores no centro da atuaccedilatildeo das atividades e que persegue
assim o duplo objetivo de adequar as accedilotildees agraves exigecircncias e de garantir sua realizaccedilatildeordquo78
Estas duas primeiras definiccedilotildees pouco revelam sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada Aquilo
que se percebe inicialmente eacute que essa praacutetica tem possibilitado um afastamento dos
Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento da utilizaccedilatildeo direta dos fluxos do
regime internacional ODA Por esse motivo buscaremos investigar a praacutetica da cooperaccedilatildeo
7S Cooperazione Decentrata 2002 (httpeuropaeuintsacdiplusprintversionitlvbrl2004htm)
64
descentralizada como sendo um constrangimento imposto pelos atores mais fortes aos
paiacuteses em vias de desenvolvimento (PVD)
Acreditamos que a maneira mais construtiva de nos aproximarmos do fenocircmeno da
cooperaccedilatildeo descentralizada seja descrever a maneira como se manifesta essa modalidade no
setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Nesse sentido Basile descreve a cooperaccedilatildeo
descentralizada como sendo uma praacutetica na qual os recursos do regime internacional ODA
disponiacuteveis no Fundo Europeu e na cooperaccedilatildeo bilateral dos paiacuteses europeus eacute diretamente
destinado agraves ONGs internacionais europeacuteias que mantenham projetos de cooperaccedilatildeo em
parceria partnership) com entidades homocircnimas locais dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento e natildeo mais aos governos nacionais destes paiacuteses - nem mesmo para
organizaccedilotildees multilaterias que ainda mantenham princiacutepios de natildeo-identifiacutecaccedilatildeo dos
doadores (BASILE 1995)
A discussatildeo internacional sobre a cooperaccedilatildeo descentralizada pode ser ainda mais
polecircmica do que a proacutepria discussatildeo da condicionalidade da ajuda Isso porque na praacutetica a
cooperaccedilatildeo descentraliza envolve atores natildeo estatais (ONGs) que atuam no setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento Devido a essa particularidade promover um estudo sobre
a legitimidade da cooperaccedilatildeo descentralizada toma-se tarefa bastante complicada Isso
porque muitas vezes eacute difiacutecil distinguir o que eacute a anaacutelise do fenocircmeno daquela que eacute a
posiccedilatildeo subjetiva dos teoacutericos sobre a funccedilatildeo social das ONGs e das ONGs internacionais
no desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres
Os proacuteprios autores que citamos acima Jahier e Triulzi embora tenham uma visatildeo
muito similar da definiccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada tecircm opiniotildees muito contrastadas
em relaccedilatildeo agrave sua legitimidade Para Triulzi a praacutetica da cooperaccedilatildeo descentralizada eacute
vaacutelida e se justifica porque coloca os atores natildeo-estatais dos paiacuteses desenvolvidos em uma
espeacutecie de parceria (contratualidade ao inveacutes de condicionalidade) com aqueles atores natildeo-
estatais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento (TRIULZI 1998) Segundo ele por meio
de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores seria possiacutevel atingir as necessidades ldquoreaisrdquo das
populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento pois essa relaccedilatildeo proporcionaria o
ldquofavorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-administrativas a ponto de defender os
direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos defendendo a igualdade entre gecircneros
introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo democraacutetica na vida social e civil dos paiacuteses em
65
vias de desenvolvimentordquo (TRIULZI 1998 128) Ao mesmo tempo que faz tal afirmaccedilatildeo
Triulzi coloca-se contraacuterio acirc condicionalidade da ajuda (praacutetica que abordamos no capiacutetulo
anterior) pois ldquoas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento assim como a ajuda
humanitaacuteria tecircm uma particularidade especiacutefica que natildeo eacute a de promover a democracia e os
direitos civis valores indiscutiacuteveisrdquo (TRIULZI 1998 128) mas ainda segundo o autor
natildeo devem acontecer a partir da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (sic) Devemos recordar
que a condicionalidade da ajuda foi um processo iniciado nos anos setenta que pretendia
condicionar o regime internacional ODA agrave realizaccedilatildeo de objetivos pontuais e setorizados
nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Contudo Triulzi declara natildeo perceber uma
incoerecircncia em sua afirmaccedilatildeo quando defende o uso do regime ODA atraveacutes do modelo de
cooperaccedilatildeo descentralizada e opotildee-se ao mesmo tempo agrave condicionalidade da ajuda
Segundo o autor a ldquocontratualidaderdquo entre atores natildeo-estatais seria a garantia de um
verdadeiro processo de desenvolvimento das populaccedilotildees dos paiacuteses mais pobres (TRIULZI
19982000)
Como dissemos anteriormente o conceito inicialmente favoraacutevel de alguns autores
quanto agrave atuaccedilatildeo das ONGs parece natildeo permitir uma verdadeira aproximaccedilatildeo do problema
da cooperaccedilatildeo descentralizada que eacute o fato de que os fluxos do regime internacional ODA
atraveacutes dessa modalidade satildeo em si mesmo uma espeacutecie de constrangimento para aplicaccedilatildeo
dos recursos pelos paiacuteses do Sul considerando que nem os governos destes paiacuteses nem as
ONGs locais podem conduzir diretamente seus proacuteprios projetos de desenvolvimento De
fato segundo a Resoluccedilatildeo 165898 (sect 31 e 32)79 das normas gerais de co-financiamento
para ONGs da Comunidade Europeacuteia atesta apenas as ONGs europeacuteias satildeo elegiacuteveis para a
apresentaccedilatildeo de projetos de desenvolvimento na modalidade da cooperaccedilatildeo
descentralizada
Jahier o segundo autor tratado aqui tem uma visatildeo mais criacutetica quanto agrave
modalidade da cooperaccedilatildeo descentralizada Para ele os recursos do regime internacional
ODA deveriam ser tratados diretamente pelos Estados Isso porque as ONGs internacionais
podem perder valor de representaccedilatildeo civil ou legitimidade quando atuam ligadas de
maneira tatildeo direta aos Estados nacionais dos paiacuteses europeus Aleacutem disso a cooperaccedilatildeo
descentralizada estabelece uma parceria desigual que pode comprometer as relaccedilotildees
66
positivas entre elas e suas homocircnimas de diferentes paiacuteses Finalmente o autor acredita que
as ONGs natildeo deveriam ser inseridas em um acircmbito econocircmico como aquele do setor da
cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento pois as ONGs internacionais - quando se
colocam no lugar dos Estados como promotoras do desenvolvimento - ldquopodem assumir a
funccedilatildeo de servir de acompanhantes das transferecircncias de dinheiro tecnologia e poliacuteticas
dos atores mais fortesrdquo (JAHEER 2000 223)
0 estabelecimento da cooperaccedilatildeo descentralizada
Da mesma forma que na condicionalidade da ajuda a cooperaccedilatildeo descentralizada
teve dois momentos distintos de inserccedilatildeo no setor da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento O primeiro aconteceu em 1975 quando a Comunidade Europeacuteia
estabeleceu novas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e aproximou-se do diaacutelogo
Norte-Sul depois do choque do petroacuteleo e da crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias-
primas de acordo com a nova orientaccedilatildeo decidida pelos paiacuteses industrializados na
Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento Econocircmico (OCDE) (RELATOacuteRIO
ANUAL CAD 1973) Esse primeiro momento como veremos estruturou as bases da
cooperaccedilatildeo descentralizada O segundo momento de expansatildeo da cooperaccedilatildeo
descentralizada aconteceu em 1985 com a introduccedilatildeo da ldquoCharte Europeacuteenne de
1 Autonomie Localersquorsquorsquo que permitiu que as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos colaborassem
com homocircnimas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizando os fluxos do regime
internacional ODA do Fundo Europeu de Desenvolvimento80
Em 1975 a Europa que depende fortemente da importaccedilatildeo de mateacuterias-primas e
energia dos paiacuteses em desenvolvimento visando reduzir os conflitos com os paiacuteses
(prioritariamente) fornecedores de mateacuterias-primas ampliou a base geograacutefica de suas 81 rpoliacuteticas de cooperaccedilatildeo atraveacutes da Convenccedilatildeo de Lomeacute I (1975) Com Lomeacute I as
80 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wwwesteriitpoleseracooperazquadrocix)pdechim)
81 Ateacute 1975 quando aconteceu a passagem das Convenccedilotildees de Yaoundeacute I II e III que tinham regulamentado desde 1957 as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa todas
67
poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento da Europa passaram agrave atender os paiacuteses da
bacia do Mediterracircneo da Aacutesia e da Ameacuterica Latina Segundo Grilli esta convenccedilatildeo
estabeleceu um compromisso entre a Europa e os paiacuteses em vias de desenvolvimento para
que se regularizasse o fornecimento de mateacuterias-primas em troca do suprimento de
assistecircncia comercial e financeira com base nos princiacutepios de paridade e natildeo-
interferecircncia82 (TRIULZI 2000 GRILLI 1993) Firmou na ocasiatildeo o compromisso de que
os fluxos do regime internacional ODA seriam destinados como uma forma de compensar
financeiramente os paiacuteses em vias de desenvolvimento pelas menores oportunidades
comerciais e financeiras destes atores (GRILLI 1993 38)83
Ao mesmo tempo em que ampliou as aacutereas geograacuteficas de atuaccedilatildeo do setor da
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento com Lomeacute I a Europa promoveu em 1976 a aproximaccedilatildeo
do Fundo Europeu de Desenvolvimento (FED) das ONGs europeacuteias84 Naquela data foi
permitido que as ONGs dos paiacuteses europeus passassem a ter acesso diretamente aos
recursos do Fundo Europeu de Desenvolvimento para co-financiar ou financiar
integralmente projetos que seriam implementados nos paiacuteses atendidos pela Convenccedilatildeo de
Lomeacute I (1975) Com esse fim ainda em 1976 ldquocriou-se o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre as
as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento executadas pelo continente eram restritas as aacutereas aos paiacuteses da Aacutefrica Caribe e Paciacutefico ditos paiacuteses ACP
82 Com Lomeacute I a Europa comeccedilou a responder as demandas dos paiacuteses em desenvolvimento (natildeo reciprocidade nas relaccedilotildees comerciais estabilizaccedilatildeo da renda de exportaccedilatildeo e alguns indexadores dos preccedilos de exportaccedilatildeo) as bases do acordo eram estruturas com igualdade entre dois conjuntos de paiacuteses extremamente diferentes em seus estaacutegios de desenvolvimento
83 Antonelli Salvatori Triulzi e Grilli e Di Nolfo percebem a expansatildeo geograacutefica das poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Comunidade Europeacuteia como uma iniciativa de contenccedilatildeo do movimento de organizaccedilatildeo dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas (power o f cartels) e como uma aproximaccedilatildeo dos paiacuteses europeus do diaacutelogo Norte-Sul (ANTONELLI 1995 SALVATORI 1994 TRIULZI 2000 GRILLI 1993 Di Nolfo 1994)
84 Este processo de constituiccedilatildeo de novas entidades combina-se no caso europeu com o processo de revitalizaccedilatildeo do papel desempenhado por agecircncias privadas atuantes no campo da ajuda ou cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta Naquela deacutecada estabeleceram-se como ONGs internacionais de grande porte a NOVIB na Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique contre la Faim etpour le Deacuteveloppement na Franccedila A exemplo do papel desempenhado pelas fundaccedilotildees empresariais americanas estas agecircncias de ajuda e cooperaccedilatildeo em sua maioria vinculadas a Igreja canalizaratildeo em nome da solidariedade internacional um volume expressivo de recursos (TAVARES 1999)
68
ONGs e a Comissatildeo Europeacuteia (COMUNIDADE EUROPEacuteIA)85 Esse Comitecirc foi composto
pelos representantes da Comissatildeo Europeacuteia e por quinze representantes de ONGs dos paiacuteses
membros da Comunidade (MARTINS 2000 42)rdquo Note-se que essa praacutetica eacute diferente da
introduzida pela expansatildeo de 1985 pois ainda natildeo existia a possibilidade de estabelecer
parcerias entre as ONGs europeacuteias e as dos PVD Contudo naquele momento tambeacutem natildeo
existia uma rede de ONGs estruturada como atualmente conhecemos
Tavares percebe uma relaccedilatildeo direta entre a aproximaccedilatildeo das ONGs europeacuteias da
Comissatildeo Europeacuteia e a expansatildeo do setor nos anos setenta Os subsiacutedios puacuteblicos para as
ONGs europeacuteias aumentaram substancialmente a partir desta eacutepoca representando
atualmente de 59 a 68 dos recursos totais das Organizaccedilotildees francesas e alematildes
(TAVARES 1999 133) O processo de constituiccedilatildeo do Comitecirc de Aproximaccedilatildeo entre a
Comissatildeo e as ONGs combina com a expansatildeo do papel desempenhado por agecircncias
privadas atuantes no campo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir dos anos setenta
Naquela deacutecada estabeleceram-se ONGs internacionais de grande porte como a NOVIB na
Holanda Christian Aid e OXFAM na Inglaterra Deacuteveloppement et Paix no Canadaacute Brot
Fur Die Welt na Alemanha ou Comiteacute Catholique Contre la Faim et Pour le
Deacuteveloppement na Franccedila (OLIVEIRA 1999) Aleacutem disso segundo Antonelli e tambeacutem
nos anos setenta os paiacuteses europeus passaram a promover incentivos puacuteblicos para a
formaccedilatildeo de pessoal que iria atuar na aacuterea de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento a partir das
ONGs (CECCHI 1995)
A aproximaccedilatildeo da Comissatildeo Europeacuteia das ONGs pode ser explicada por uma seacuterie
de fatores Quanto agraves motivaccedilotildees das proacuteprias ONGs europeacuteias de se aproximarem dos
Estados de maneira institucionalizada devemos lembrar que Keohane considera que no
setor da cooperaccedilatildeo internacional todos os atores agem fundamentalmente por motivaccedilotildees
econocircmicas inclusive organizaccedilotildees internacionais e natildeo-governamentais (KEOHANE
1984) Contudo o autor considera que em algumas situaccedilotildees de cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento ou ajuda humanitaacuteria podem existir fenocircmenos definidos como
dependecircncia empaacutetica Ou seja que os atores de organizaccedilotildees natildeo governamentais podem
agir motivados por reais preocupaccedilotildees humanitaacuterias Nesses casos deve-se tomar em
85 Ref (httpwvesteriitpolesteracooperazquadrocoopdechtm)
69
consideraccedilatildeo natildeo a opiniatildeo dos fornecedores da ajuda mas a daqueles beneficiados por ela
(KEOHANE 1984 123)
Esta nossa investigaccedilatildeo contudo por tratar das puniccedilotildees e dos constrangimentos
impostos aos Estados nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento a partir de um
fenocircmeno poliacutetico definido (a crise entre paiacuteses industrializados e paiacuteses preferencialmente
produtores de mateacuterias-primas) natildeo abordaraacute diretamente as motivaccedilotildees empaacuteticas destes
atores que podem existir em alguns casos Contudo preferimos manter a orientaccedilatildeo de
Cecchi e Tavares e prosseguir em nossa investigaccedilatildeo considerando que o crescimento
exponencial do nuacutemero de ONGs internacionais filiadas ao Comitecirc de Ligaccedilatildeo da
Comissatildeo Europeacuteia a partir de 1970 pode estar mais relacionado agraves motivaccedilotildees da proacutepria
Comunidade Europeacuteia do que a um fenocircmeno coletivo de dependecircncia empaacutetica Quando o
Comitecirc de aproximaccedilatildeo entre a Comissatildeo Europeacuteia e as ONGs europeacuteias foi fundado em
1976 as ONGs participantes eram 15 Na metade dos anos noventa mais de 800 ONGs jaacute
eram filiadas ao Comitecirc (MARTINS 2000 42) e atualmente mais de 1000 ONGs
internacionais europeacuteias podem ter acesso direto aos fluxos do regime internacional ODA
alocados no Fundo europeu de Desenvolvimento (COMUNE Dl MILANO)86 Segundo
Tavares atualmente o nuacutemero total de ONGs internacionais no mundo eacute de 1500
(TAVARES 1999)
Quanto agraves motivaccedilotildees da Europa nos primeiros anos de suas novas poliacuteticas de
cooperaccedilatildeo a partir do choque do petroacuteleo pode-se supor que os dois frontes abertos de
atuaccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo (a ampliaccedilatildeo das aacutereas geograacuteficas cobertas pela
cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e a aproximaccedilatildeo das ONGs da Comissatildeo Europeacuteia) fosse
inicialmente uma tentativa destes governos de conseguir uma imagem positiva de suas
iniciativas de cooperaccedilatildeo ampliada Grilli sugere que Lomeacute I (1975) cumpriu a funccedilatildeo de
desvincular a imagem da Europa de seu passado colonial que tinha sido perpetuado desde
a Segunda-Guerra pelo Associativismo87 entre a Europa e suas antigas colocircnias (GRILLI
86 Disponiacutevel on-line (httpAvwwcomunemilanoif) - Settore di Relazione Estere e Comunicazione
87 O associativismo foi estabelecido em 1957 com o Tratado de Roma e visava regularizar as tenccedilotildees do final do regime colonial Os paiacuteses participantes do associativismo eram aqueles da Aacutefhca Caribe e Paciacutefico ditos ACP
70
1993) Eacute possiacutevel que a aproximaccedilatildeo da Europa das ONGs tenha cumprido essa mesma
funccedilatildeo Isso porque naqueles anos do choque do petroacuteleo quando a tensatildeo entre paiacuteses
industrializados (desenvolvidos) e paiacuteses produtores basicamente de mateacuterias-primas (em
desenvolvimento) estava bastante acentuada a Europa tentava afastar de si mesma e de
suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo a imagem do passado colonial (GRILLI 1995)
O segundo momento de expansatildeo das relaccedilotildees da Comunidade Europeacuteia com as
ONGs internacionais aconteceu em 1985 quando o Conselho da Europa adotou a ldquoCherte
Europeacuteenne de L Autonomie Localerdquo que permitiu agraves ONGs europeacuteias utilizar o regime
ODA para realizar diretamente projetos de cooperaccedilatildeo com as ONGs dos paiacuteses em
desenvolvimento sem a participaccedilatildeo direta dos governos nacionais (COOPERAZIONE
DECENTRATA ALLO SVTLUPPO 2000)88 No mesmo ano o Comitecirc de Ligaccedilatildeo entre a
Comissatildeo Europeacuteia e ONGs adotou o conceito de interdependecircncia Norte-Sul de atuaccedilatildeo
de accedilotildees globais para a soluccedilatildeo dos problemas de desenvolvimento (GRILLI 1993 40-45)
(como visto no capiacutetulo anterior a noccedilatildeo de interdependecircncia no cenaacuterio internacional dos
anos oitenta foi decidida na Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo e Desenvolvimento
Econocircmico em 1981)
De fato em 1985 a agenda das atividades cobertas pela modalidade de cooperaccedilatildeo
descentralizada foi estabelecida como veremos mais adiante a partir do conceito de
necessidades humanas baacutesicas (NHB) e dos temas globais Esse tipo de agenda eacute uma
limitaccedilatildeo ao uso dos fluxos do regime internacional ODA pois estabelece para quais
setores os projetos de desenvolvimento deveratildeo ser apresentados (CREWEampHARRISON
1999)
Devemos ainda recordar que a expansatildeo das atividades da ONGs aconteceu no
mesmo momento em que o processo de internacionalizaccedilatildeo (abordado no capiacutetulo anterior
como uma reduccedilatildeo de custos operacionais que promoveram uma acentuada circulaccedilatildeo dos
fluxos de mercadorias financcedilas e serviccedilos (MDLNER amp KEOHANE 1996) se acentuava
Rainhom a partir de um estudo sobre as ONGs de sauacutede relaciona a expansatildeo
internacional das ONGs internacionais agrave do capital financeiro internacional O tema como
afirma o proacuteprio autor embora ainda natildeo seja explorado em todas as suas possibilidades
88 disponiacutevel on-line (httpwwwesteriitpolesteracooperazquadrocoopdcchtin)
71
pode vir a constituir um campo de investigaccedilatildeo bastante interessante proximamente
Algumas constataccedilotildees podem ser percebidas no trabalho de Hours Segundo o autor a
expansatildeo das ONGs internacionais e emergenciais e a implantaccedilatildeo do discurso privado nos
paiacuteses em desenvolvimento aconteceram paralelamente Para esse autor a ideologia
humanitaacuteria fundada nas intervenccedilotildees de urgecircncia (em um futuro direito de ingerecircncia) e
nas intervenccedilotildees pontuais se impotildee como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS
2001) Em particular a presenccedila na miacutedia das ONGs de sauacutede e do heroacutei meacutedico sem
fronteira eacute abordada pelo autor como uma ofensiva ideoloacutegica e poliacutetica que antecedeu a
ofensiva neoliberal da ONG americana Liberdade Sem Fronteiras (proacutexima dos Meacutedicos
Sem Fronteiras) fundada em 1985 quando terminou a Guerra Fria O objetivo da
Liberdade sem Fronteiras era promover as intervenccedilotildees privadas (e das proacuteprias ONGs) em
um momento de reestruturaccedilatildeo das poliacuteticas mundiais quando os paiacuteses em
desenvolvimento reacenderam suas esperanccedilas de instaurar regimes internacionais mais
favoraacuteveis aos seus interesses (HOURS 2001 98-103)
Natildeo temos elementos teoacutericos disponiacuteveis para avanccedilar no discurso ilustrado acima
contudo acreditamos que esse tipo de aproximaccedilatildeo poderaacute ser produtivo para uma futura
investigaccedilatildeo mais focada na hipoacutetese levantada por Hours de se interpretar as ONGs
internacionais como promotoras do neoliberalismo Aleacutem disso esse tipo de anaacutelise pode
nos deixar mais atentos para a sincronizaccedilatildeo que existiu entre a expansatildeo das ONGs no
setor da cooperaccedilatildeo internacional na Europa a partir dos anos oitenta - notoriamente nas
Convenccedilotildees de Lomeacute Hl (1985) e Lomeacute IV (1990) - e os movimentos de expansatildeo do
capital financeiro europeu estabelecidos nestas mesmas Convenccedilotildees Neste sentido a
Convenccedilatildeo de Lomeacute Hl (1985) que definiu as poliacuteticas de cooperaccedilatildeo da Europa entre
1985 e 1990 estabeleceu a salvaguarda dos investimentos privados do continente aplicados
em paiacuteses em desenvolvimento Isso determinou que os fluxos privados (IDE)89 europeus
destinados aos PVD teriam uma garantia dos governos nacionais dos paiacuteses do Sul que
mantivessem relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo com a Europa (GRILLI 1993)90 Segundo Grilli esse
89 Fluxos IDE satildeo financiamentos privados ou capital internacional investido no paiacutes recebedor dos recursos
90 Grilli aponta sempre o enfraquecimento do poder de barganha dos Estados em desenvolvimento como responsaacutevel pela introduccedilatildeo da praacutetica da salvaguarda (GRILLI 1993)
72
tipo de concessatildeo nunca tinha sido tolerado pelos paiacuteses em vias de desenvolvimento O
autor acredita que a concessatildeo da salvaguarda dos investimentos privados soacute foi possiacutevel
porque os PVD encontravam-se em um dos momentos mais difiacuteceis da crise da diacutevida
externa e como vimos natildeo tinham recebido nenhum tipo de apoio econocircmico aleacutem dos
previstos em Bretton Woods Qualquer tipo de capital destinado a estes paiacuteses mesmo com
fortes condicionamentos era indispensaacutevel para uma tentativa de normalizaccedilatildeo da
economia destes paiacuteses
Uma uacuteltima observaccedilatildeo sobre a expansatildeo das ONGs e a das poliacuteticas liberais pela
Europa na Convenccedilatildeo de Lomeacute IV (1990) em que o conceito de cooperaccedilatildeo
descentralizado foi oficialmente instituiacutedo e alargado para os paiacuteses que mantecircm relaccedilotildees
de cooperaccedilatildeo com a Comunidade Europeacuteia a Europa introduziu e adotou o conceito de
condicionalidade financeira deixando de financiar projetos tradicionais e passando a
realizar como os institutos financeiros empreacutestimos de ajustamento estrutural que
utilizavam os fluxos do regime internacional ODA (GRILLI 1993)
Parece correto afirmar que o setor da cooperaccedilatildeo internacional da Europa adequou-
se agraves medidas decididas pelos paiacuteses da OCDE no Comitecirc de Assistecircncia ao
Desenvolvimento (CAD) quanto agrave orientaccedilatildeo ainda no final dos anos setenta de destinar
as poliacuteticas de desenvolvimento para os setores privados (RELATOacuteRIO ANUAL CAD
1979) No capiacutetulo anterior demonstramos que em 1979 Van Lennep - entatildeo secretaacuterio-
geral adjunto da OCDE - tomou possiacutevel a aproximaccedilatildeo entre os bancos privados e o setor
de financiamento da ajuda financeira ao desenvolvimento Acrescentamos agora a
informaccedilatildeo de que naquele mesmo ano o Comitecirc promoveu o ldquoI Encontro CAD com o
Conselho Internacional das Agecircncias de Voluntaacuterios (ICVA 91
Essa aproximaccedilatildeo das ONGs com a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento foi sustentada
pelas afirmaccedilotildees feitas pelos grupos de estudo do CAD segundo as quais o setor privado
garantiria maior eficaacutecia e transparecircncia na utilizaccedilatildeo dos recursos enviados aos paiacuteses em
vias de desenvolvimento sustentando que os Estados doadores poderiam estabelecer mais
facilmente mecanismos de avaliaccedilatildeo da efetiva utilizaccedilatildeo dos financiamentos
91 Logo depois em 1981 foi Banco Mundial quem estabeleceu uma diretriz especiacutefica (nota de poliacutetica operacional 1005) Segundo Fuumlhner a decisatildeo do Banco ldquorefletia o interesse do Banco em aproveitar em operaccedilotildees de financiamento a experiecircncia de campo daquelas organizaccedilotildeesrdquo (FUumlRNER 1996)
73
Vilanova nos lembra que em 1976 quando o relacionamento das ONGs com a
Comunidade Europeacuteia nasceu o Estado ficou no centro do processo Ou seja os paiacuteses
europeus puderam controlar e garantir ao mesmo tempo o maacuteximo de eficiecircncia Para
esse autor as ONGs como atores menos sujeitos ao direito internacional e devido ao bom
relacionamento que estabeleceram com a miacutedia conseguiram promover a reorganizaccedilatildeo
das estruturas humanitaacuterias nos paiacuteses em vias de desenvolvimento Ele sugere que esse eacute
um aspecto muito positivo da atuaccedilatildeo das ONGs contudo seu discurso natildeo avanccedila sobre a
possibilidade que as ONGs tecircm de atuar sobre a reorganizaccedilatildeo de outras estruturas nos
paiacuteses em vias de desenvolvimento
Na verdade essa investigaccedilatildeo do poder de interferecircncia das ONGs nos paiacuteses em
vias de desenvolvimento eacute ainda muito recente no setor da cooperaccedilatildeo internacional
Deveremos reservar para o futuro o aprofundamento dessa discussatildeo Poreacutem Vilanova
Basile Antonelli e Jahier mdash autores estudados nesse capiacutetulo que em maior ou menor
medida se aproximaram desse tema mdash natildeo colocaram em discussatildeo em qualquer
momento o papel central de seus Estados como o ator mais importante desse processo de
ampliaccedilatildeo das ONGs no cenaacuterio internacional Essa observaccedilatildeo denuncia um aspecto da
discussatildeo que embora tenha estado presente desde a introduccedilatildeo do termo - cooperaccedilatildeo
descentralizada - esteve agrave margem durante nossa anaacutelise aquele ligado aos conceitos de
governabilidade (good governace) e de desenvolvimento sustentaacutevel participativo que tecircm
servido de suporte conceituai para a afirmaccedilatildeo dessa modalidade de ajuda Esses dois
suportes conceituais seratildeo vistos em relaccedilatildeo com as justificativas teoacutericas da Comunidade
Europeacuteia e da literatura especializada para a realizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada
atraveacutes das parcerias entre ONGs europeacuteias e ONGs locais
Podemos encerrar essa seccedilatildeo com a afirmaccedilatildeo de Tavares de que muitas vezes a
falta de transparecircncia das ONGs pode ser identificada no fato de que muitos governos
utilizam estas organizaccedilotildees como instrumentos de atuaccedilatildeo externa em iniciativas sobre as
quais natildeo lhes conveacutem assumir responsabilidade direta Em tais casos a flexibilidade em
mateacuteria de elaboraccedilatildeo de relatoacuterios e procedimentos contaacutebeis concedidos agraves ONGs por
92 Em VILANOVA 1995 BASILE 1995 ANTONELLI 1995 JAHIER 2000
74
estes governos revela-se essencial para que as iniciativas natildeo sejam diretamente
identificadas com estes atores (TAVARES 1999)
As justificativas da cooperaccedilatildeo descentralizada
As justificativas da Comunidade para a implantaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada
foram baseadas em dois aspectos distintos Primeiramente justificou-se a implantaccedilatildeo da
cooperaccedilatildeo descentralizada devido ao fato de que mesmo depois de estabelecida a ajuda
internacional ao desenvolvimento nos anos sessenta os indicadores de desenvolvimento e
de necessidades humanas baacutesicas dos PVD (atualmente definido como desenvolvimento
humano) permaneciam estagnados93 As causas do falimento da ajuda foram buscadas em
uma certa incapacidade organizacional e institucional destes paiacuteses na administraccedilatildeo dos
recursos Tambeacutem Barbarella afirma que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi instituiacuteda porque
os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento utilizaram inadequadamente os
instrumentos da cooperaccedilatildeo e os reduziram a um aparato operativo ineficaz vinculado
muitas vezes agrave poliacutetica externa e comercial de seus Estados (BARBARELLA 1998)
Basile e Antonelli justificam a cooperaccedilatildeo descentralizada focando seu discurso na
maior transparecircncia e eficiecircncia das ONGs e na sua natural vocaccedilatildeo de cumprir metas
sociaisrdquo (BASILE ANTONELLI 1995) Lal afirma que as ONGs internacionais com
organizaccedilotildees radicadas no territoacuterio dos paiacuteses beneficiados podem identificar os
potenciais beneficiaacuterios e endereccedilaacute-los aleacutem de monitorar os benefiacutecios a serem destinados
a eles muito melhor do que os governos nacionais (LAL) Outros autores mais favoraacuteveis
ao processo da participaccedilatildeo das ONGs chegam a considerar a cooperaccedilatildeo descentralizada
como uma necessidade - isto devido agrave proacutepria conduta dos governos dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento ldquoque costumam ser corruptos pouco democraacuteticos e incompetentes no
exerciacutecio de suas funccedilotildees governamentaisrdquo (BARBARELLA 1998)
93 LIVRO VERDE 1997 O Livro Verde eacute editado pela direccedilatildeo geral do desenvolvimento e conteacutem as normas da Comunidade para o setor
75
Podemos perceber que esse tipo de observaccedilatildeo nos conduz primeiramente agrave
percepccedilatildeo de que se naturalizou a ideacuteia de que os fluxos do regime internacional ODA
devem cumprir funccedilotildees de desenvolvimento humano (necessidades humanas baacutesicas) A
segunda percepccedilatildeo eacute que as justificativas iniciais da Comunidade Europeacuteia parecem
fortemente baseadas no suporte teoacuterico da governabilidade A noccedilatildeo de governabilidade
associada ao pluralismo democraacutetico eacute vista atualmente como uma forma de
desenvolvimento correto para os paiacuteses mais pobres A legitimidade da cooperaccedilatildeo
descentralizada para promover a governabilidade nos paiacuteses em vias de desenvolvimento
parece estar sendo buscada pelos autores abordados no uacuteltimo paraacutegrafo na ideacuteia de que
os governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento seriam pouco representativos de suas
populaccedilotildees A proacutepria Comunidade faz essa afirmaccedilatildeo no documento oficial de
sensibilizaccedilatildeo popular mdash destinado agrave sociedade civil europeacuteia mdash sobre a necessidade da
manutenccedilatildeo de suas poliacuteticas de cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento ldquoa
Comunidade estaacute trabalhando haacute mais de dez anos para desenvolver (atraveacutes da
cooperaccedilatildeo) um diaacutelogo simultacircneo com aqueles que satildeo os reais beneficiaacuterios da ajuda
Mandando delegaccedilotildees a campo a Comunidade manteacutem uma permanente relaccedilatildeo com as
pessoas locais e serve de intermediaacuteria entre a populaccedilatildeo local e os governos oficiaisrdquo 94
A noccedilatildeo de governabilidade como aquela utilizada pelo discurso da Comunidade
Europeacuteia estabelece uma ilegitimidade dos governos nacionais dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento perante as populaccedilotildees destes Estados aleacutem de criar uma imagem negativa
dos governos dos paiacuteses em vias de desenvolvimento junto agraves populaccedilotildees dos paiacuteses
desenvolvidos O que pode representar inclusive perdas comercias profundas para estes
uacuteltimos Essa imagem negativa pode ser utilizada inclusive pelos governos dos paiacuteses
desenvolvidos como instrumento de pressatildeo econocircmica e poliacutetica contra os paiacuteses do
Terceiro Mundo Cooper e Packhard argumentam que o sucesso da transmissatildeo de ideacuteias
como a governabilidade (que eacute oficialmente produto da ajuda conceituai CAD) emana das
poderosas organizaccedilotildees de desenvolvimento com o claro objetivo de promover mudanccedilas
poliacuteticas- Os autores acreditam que criacuteticas agrave corrupccedilatildeo de governo ao clientelismo e a
incompetecircncia satildeo criadas propositadamente para desconstruir a capacidade politica dos
94 ( w europaeuintscadpluslegleslubrl 2500htm)
76
governos dos paiacuteses mais pobres Mais importante olhar a governabilidade na perspectiva
histoacuterica permite que o conceito pareccedila menos novo A insistecircncia em good governance eacute
em grande parte reproduccedilatildeo do que jaacute foi previamente dito sobre good economy uma
afirmaccedilatildeo - em forma de eufemismo - de que o Ocidente tem proposto objetivos a serem
atingidos pelos PVD um conjunto generalizado de categorias que definem seus standards
(COOPER amp PACKHARD 1997)
A cooperaccedilatildeo descentralizada foi implementada no setor da cooperaccedilatildeo ao
desenvolvimento concomitantemente agrave introduccedilatildeo na agenda internacional dos conceitos
de governabilidade e participaccedilatildeo civil e de corrupccedilatildeo dos governos dos paiacuteses do terceiro
mundo Embora alguns autores afirmem que o conceito de governabilidade tenha entrado
no cenaacuterio internacional a partir do estudo poor governance do Banco Mundial em 1992
devemos lembrar que jaacute na metade dos anos oitenta o CAD publicou que ldquoAs Agecircncias
das Naccedilotildees Unidas (e as demais organizaccedilotildees internacionais) deveriam estabelecer projetos
que procurassem contribuir para estrateacutegias de Orientaccedilatildeo Paiacutesrdquo Estas orientaccedilotildees
contudo deveriam estar centralizadas ldquoem trecircs principais elementos o melhoramento
poliacutetico e a construccedilatildeo institucional da regiatildeo (que estruturam o conceito de good
governance) e o desenvolvimento de programas com investimentos puacuteblicosrdquo
(RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1987) Em 1988 o CAD adotou os princiacutepios para a
apreciaccedilatildeo internacional de projetos de organizaccedilotildees natildeo-govemamentais (RELATOacuteRIO
ANUAL CAD 1987) Sobre a corrupccedilatildeo dos governos dos PVD o relatoacuterio anual do CAD
de 1992 afirmava ldquoLutar contra a corrupccedilatildeo e melhorar as financcedilas eacute um elemento
essencial da governabilidade A corrupccedilatildeo pode minar a inteira faacutebrica da economia e da
vida poliacutetica A corrupccedilatildeo pode prejudicar a reputaccedilatildeo da ajuda (ODA) junto agraves
populaccedilotildees civis dos paiacuteses doadoresrdquo (RELATOacuteRIO ANUAL CAD 1992)
E interessante perceber que a cooperaccedilatildeo descentralizada e a questatildeo da
governabilidade parecem estar conseguindo unir uma seacuterie de atores dos paiacuteses
desenvolvidos Apesar das diferenccedilas de discurso na cooperaccedilatildeo descentralizada e na
noccedilatildeo de que ela representa um papel fundamental para promover a governabilidade dos
paiacuteses em vias de desenvolvimento engajaram-se aleacutem do fundo europeu os doadores
bilaterais destes paiacuteses e as proacuteprias ONGs internacionais europeacuteias A esse propoacutesito a
posiccedilatildeo do grupo de ONGs europeacuteias durante a uacuteltima Conferecircncia sobre o Financiamento
77
do Desenvolvimento em Monterrey foi bastante clara em sua posiccedilatildeo sobre a administraccedilatildeo
direta dos recursos ODA pelos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
O grupo dos 77 reafirmava exaustivamente o direito dos PVD administrarem seus
proacuteprios recursos mesmo que nunca tenha ficado claro quais fossem exatamente seus
objetivos Aleacutem disso os governos destes paiacuteses costumam desconsiderar alguns direitos de
desenvolvimento como regras de govemo e direitos das populaccedilotildees Estes governos
tambeacutem costumam se opor ao dinheiro que venha atraveacutes das organizaccedilotildees natildeo
governamentais e continuam desconfiados quanto agrave utilizaccedilatildeo de mecanismos de ajuda - do
FMI e do Banco Mundial - que estabeleccedilam ajustes macroeconocircmicos Eles se opotildeem ateacute
mesmo ao recente foco da ajuda bilateral de privilegiar os paiacuteses mais pobres Finalmente
costumam natildeo consideraras demandas sociais e ambientais de seus paiacuteses (THE COURIER
ACP-EU 2002 l)95
A posiccedilatildeo das ONGs europeacuteias parece bastante adequada com os crescentes
interesses financeiros destas organizaccedilotildees no setor do desenvolvimento Estimava-se que
no final dos anos 90 o conjunto de ONGs dos paiacuteses OCDE administrasse o equivalente a
mais de 10 bilhotildees de doacutelares por ano entre contribuiccedilotildees puacuteblicas e privadas Destes
recursos em meacutedia 23 provecircm de doaccedilotildees privadas (JAHIER 2000 208) Quanto agraves
contribuiccedilotildees privadas das ONGs precisamos ressaltar que estas organizaccedilotildees podem
utilizar um percentual de ateacute 15 dos recursos conseguidos junto ao Fundo Europeu para
realizar campanhas publicitaacuterias de suas atividades Esse feto tem contribuiacutedo em larga
medida para a expansatildeo das contribuiccedilotildees privadas das ONGs nos paiacuteses da OCDE que
passaram de pouco menos de US$ 1 bilhatildeo para 7 bilhotildees de doacutelares entre 1970 e 1990
(JAHEER 2000) Realizar uma pesquisa criteriosa da administraccedilatildeo dos recursos das ONGs
e da efetiva aplicaccedilatildeo destes recursos nos paiacuteses em vias de desenvolvimento eacute uma tarefa
extremamente complicada As ONGs colocam-se como organizaccedilotildees separadas dos
governos e orgulhosas de sua autonomia natildeo permitem facilmente interferecircncia e
controles quanto agrave administraccedilatildeo de seus recursos (TAVARES 1999) Horton Smith
(citado por Tavares) chama a atenccedilatildeo para o feto de que estas organizaccedilotildees tendem a tratar
com certo grau de sigilo o processo de definiccedilatildeo de suas atividades e os esquemas de apoio
95 Courier ACP-EU eacute o informativo das ONGs europeacuteias
78
financeiro dos quais se beneficiam chegando em alguns casos a natildeo revelar claramente sua
composiccedilatildeo Mesmo nos paiacuteses europeus onde se costuma destinar grandes somas puacuteblicas
para estas organizaccedilotildees um controle do uso dos recursos natildeo acontece (TfiacuteATFR 2000)
Ateacute mesmo pela proacutepria regulamentaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada que aleacutem de dar
autonomia para estas organizaccedilotildees para a gestatildeo dos fundos ainda permite que a prestaccedilatildeo
de contas finais da realizaccedilatildeo de um projeto seja apresentada cinco anos depois da
assinatura do contrato96 Esse intervalo temporal concede agraves ONGs uma ampla
possibilidade de alterar ou maquiar seus relatoacuterios finais de prestaccedilatildeo de contas
A segunda justificativa da Comunidade Europeacuteia para a introduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo
descentralizada foi o crescimento da vitalidade e da efervescecircncia da sociedade civil nos
paiacuteses em vias de desenvolvimento A cooperaccedilatildeo descentralizada foi justificada como um
incentivo para que as sociedades civis organizadas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pudessem interferir diretamente nos processos de desenvolvimento destes paiacuteses Contudo
como vimos a cooperaccedilatildeo descentralizada natildeo significou um acesso direto das ONGs do
Sul aos recursos do Fundo Europeu como poderia ser esperado a partir das motivaccedilotildees
declaradas Para justificar a ampliaccedilatildeo dessa praacutetica a Comunidade Europeacuteia tem utilizado
o apoio que as ONGs do Sul demonstraram pelas iniciativas de desenvolvimento
descentralizado97 A mesma justificativa baseia-se no conceito de desenvolvimento
sustentaacutevel participativo no papel que a ajuda oficial ao desenvolvimento supostamente
tem de promover a expansatildeo da rede de suporte agraves poliacuteticas da governabilidade (CREWE
amp HARRISON 1998)
O grande problema da questatildeo do desenvolvimento sustentaacutevel participativo eacute que
essa noccedilatildeo vem se sobrepondo nos anos noventa ao conceito de cooperaccedilatildeo teacutecnica que
era um dos pilares fundadores do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento
A cooperaccedilatildeo teacutecnica era entendida inicialmente como uma transferecircncia de capacidade
produtiva que devia servir para consolidar a autonomia dos Estados na formulaccedilatildeo das
poliacuteticas nacionais de desenvolvimento (MARCHISIO 1986) Contudo depois da
introduccedilatildeo da noccedilatildeo de desenvolvimento sustentaacutevel participativo a cooperaccedilatildeo teacutecnica tem
96 General Conditons For The Cofinance Of Development 2000 2
97 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 fwwvvestonityioleseracooreraz auadrocooixfcchtml
79
sido percebida como a possibilidade dos paiacuteses doadores de interferir em niacuteveis de
eficiecircncia (humana) nos sistemas produtivos do paiacutes recebedor Desse modo deixa-se de
mandar tecnologia para os paiacuteses do Terceiro Mundo passando-se a mandar pessoal
teacutecnico que ajudaraacute na construccedilatildeo de projetos locais de desenvolvimento e orientaraacute as
populaccedilotildees de base quanto a suas capacidades de organizaccedilatildeo (CAFFARENA 2001) Esse
tipo de procedimento aumenta muito o nuacutemero de teacutecnicos internacionais e expatriados dos
paiacuteses em desenvolvimento que encontram trabalho bem remunerado nos paiacuteses em vias de
desenvolvimento
Devemos ainda aprofundar a questatildeo da cooperaccedilatildeo descentralizada estabelecida a
partir do criteacuterio de parcerias Vimos anteriormente que a regulamentaccedilatildeo do programa natildeo
permitiu que as ONGs do Sul pudessem ter acesso direto aos recursos da Comunidade98 e
que a cooperaccedilatildeo descentralizada foi baseada no criteacuterio de parceria (partnership) entre as
ONGs internacionais europeacuteias e suas congecircneres dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
Segundo a Comunidade Europeacuteia as parcerias foram introduzidas ldquopara favorecer a
participaccedilatildeo ativa dos diversos componentes representativos da sociedade civil dos paiacuteses
parceiros no processo de decisatildeo com fins de desenvolvimento sustentaacutevel nos seusbull bull laquo99terntonos
Segundo Crewe e Harrison a introduccedilatildeo da noccedilatildeo de cooperaccedilatildeo descentralizada -
a partir do criteacuterio de parceria - foi uma estrateacutegia dos paiacuteses detentores dos fundos para
conseguir manter a maior parte possiacutevel dos recursos em seus proacuteprios paiacuteses atraveacutes do
pagamento de consultores e pessoal especializado local e expatriado da manutenccedilatildeo de
mecanismos burocraacuteticos em seus territoacuterios e da tendecircncia em aprovar projetos que
pudessem incentivar a venda de seus produtos e equipamentos Uma segunda razatildeo
apontada pelas autoras para o estabelecimento de um modelo de cooperaccedilatildeo
descentralizada baseada em parcerias eacute que as organizaccedilotildees locais assim como os
governos do Terceiro Mundo passam a ter uma conotaccedilatildeo passiva e satildeo mais fortemente
percebidas como incapazes de manejar seu proacuteprio trabalho (CREWE amp HARRISON
9S Em 1992 a autoridade orccedilamentaacuteria da Comunidade criou uma rubrica orccedilamentaacuteriadestinada a promover a cooperaccedilatildeo descentralizada em todas as atividades de cooperaccedilatildeo aodesenvolvimento com paiacuteses pobres (httpwwweuropaeuint) A cooperaccedilatildeo descentralizada foiincentivada sem regulamentaccedilatildeo orccedilamentaacuteria jaacute a partir dos anos oitenta
99 Cooperazione Decentrata Alio Sviluppo 2000 (wAvesten it nolesera cooperaz ciuadro cooixiechtm)
80
1998) Em concordacircncia com a opiniatildeo das autoras parece estar a proacutepria definiccedilatildeo do CAD
de parceria ldquoAtraveacutes da parceria (partnership) a cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento natildeo tenta
fazer coisas para os paiacuteses em desenvolvimento e para suas populaccedilotildees mas com eles Isso
pode ser visto como um esforccedilo colaborativo para ajudaacute-los a aumentar suas capacidades de
fazer coisas para eles mesmosrdquo (OECD 1996 13) Na mesma linha de raciociacutenio se
encontra a definiccedilatildeo do PNUD de cooperaccedilatildeo descentralizada a partir das parcerias ldquoA
cooperaccedilatildeo descentralizada eacute um processo cujo objetivo eacute capacitar as pessoas para
empreender uma accedilatildeo para um desenvolvimento autocircnomo e de adquirir a capacidade de
influenciar e dirigir as mudanccedilas da proacutepria sociedaderdquo
Sobre as opiniotildees favoraacuteveis em relaccedilatildeo agrave questatildeo das parcerias relembramos as
anaacutelises de Triulzi Basile e Antonelli atraveacutes das quais iniciamos a investigaccedilatildeo do termo
cooperaccedilatildeo descentralizada Para Triulzi por meio de uma atuaccedilatildeo conjunta destes atores
se atingiratildeo as necessidades reais das populaccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
pois essa relaccedilatildeo ldquoproporcionaria o favorecimento da presenccedila de instituiccedilotildees poliacutetico-
administrativas de maneira a defender os direitos dos cidadatildeos e prevenir os conflitos
defendendo a igualdade entre gecircneros introduzindo mecanismos de participaccedilatildeo
democraacutetica na vida social e civil dos PVDrdquo (TRIULZI 1998 128)
Agendas e expansatildeo das ONGs internacionais
Dois uacuteltimos aspectos seratildeo abordados no encerramento desse trabalho O primeiro
eacute em relaccedilatildeo agrave agenda da cooperaccedilatildeo descentralizada que - como salientamos
anteriormente - pode representar um constrangimento inicial para a utilizaccedilatildeo dos recursos
do regime da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) Isso porque os projetos satildeo
aprovados com bases setorial preacute-determinada pela proacutepria Comunidade Europeacuteia O
segundo aspecto que discutiremos eacute em relaccedilatildeo agrave expansatildeo das aacutereas de atuaccedilatildeo das ONGs
internacionais no regime internacional da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento inclusive como
agecircncias executivas de organizaccedilotildees internacionais e dos proacuteprios governos
A mesma liberdade quanto agrave aplicaccedilatildeo dos recursos alocados pelas ONGs
internacionais que apenas discutimos natildeo acontece em relaccedilatildeo agrave escolha dos temas e das
aacutereas dos projetos apresentados a Comunidade Europeacuteia O Guia Geral das Condiccedilotildees de
81
Co-Financiamento de Operaccedilotildees de Desenvolvimento Executadas por ONGs Europeacuteias em
paiacuteses de Desenvolvimento da Comissatildeo da Comunidade Europeacuteia estabelece que os
projetos sejam executados nas seguintes aacutereas principais desenvolvimento econocircmico e
social local em aacutereas urbanas e rurais desenvolvimento de recursos humanos e suporte para
a estruturaccedilatildeo de ONGs locais Ainda podem ser apresentados projetos nas aacutereas
secundaacuterias de promoccedilatildeo dos direitos humanos e da democracia promoccedilatildeo das mulheres
desenvolvimento sustentaacutevel direitos das crianccedilas proteccedilatildeo de culturas ameaccediladas
educaccedilatildeo de base sauacutede baacutesica proteccedilatildeo e resoluccedilatildeo de conflitos100
Os temas assistidos pelas ONGs internacionais estatildeo em concordacircncia com os
estabelecidos pelos paiacuteses da OCDE para o uso da condicionalidade da ajuda visto no
capiacutetulo anterior Considerando-se as limitaccedilotildees iniciais para a apresentaccedilatildeo de projetos
pelas ONGs internacionais e apenas os fundos puacuteblicos por elas administrados ou seja o
equivalente a US$ 3 bilhotildees de doacutelares (em meacutedia 5 dos recursos do fundo Europeu mdash
TRJLUZI 1998)101 podemos perceber o quanto a cooperaccedilatildeo descentralizada possa vir a
representar um fator de constrangimento para o acesso dos paiacuteses em vias de
desenvolvimento aos fundos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento
(ODA) e ao estabelecimento de programas nacionais de desenvolvimento No que diz
respeito agraves contribuiccedilotildees dos fundos puacuteblicos dos Estados europeus tomados
individualmente os paiacuteses destinam agraves ONGs percentuais muito variados de seus fundos
oficiais A Aacuteustria e a Irlanda satildeo os dois paiacuteses que menos repassam contribuiccedilotildees para as
ONGs fixando-se em um percentual de 10 de seus fundos ODA na margem oposta estatildeo
a Beacutelgica e a Itaacutelia que repassam mais de 70 de suas contribuiccedilotildees oficiais ao
desenvolvimento atraveacutes das ONGs
Como dissemos as ONGs internacionais estatildeo expandindo suas fontes de recursos e
podem receber financiamentos dos institutos financeiros e do proacuteprio PNUD a partir da
cooperaccedilatildeo coordenada CAD que incentivou a aproximaccedilatildeo das ONGs do setor da
cooperaccedilatildeo jaacute a partir de 1979 (REALATOacuteRIO ANUAL CAD 1979) O Banco Mundial
atualmente utiliza 50 de seus recursos por meio das ONGs internacionais (dados de 1999
luu General Conditions For The Cofmancing Of Development 2000 3-4
K1 Em 1970 os fundos puacuteblicos eram inferiores a US$ 200 milhotildees (JAHIER 2000 208)
82
TAVARES 1999) O PNUD assim como uma seacuterie de outras agecircncias e Programas das
Naccedilotildees Unidas utiliza ONGs internacionais acreditadas junto ao ECOSOC (Conselho
Econocircmico e Social das Naccedilotildees Unidas) com status consultivo como agecircncias executivas
em suas atividades desde 1984 As ONGs ativas de voluntariado desenvolvimento ajuda
humanitaacuteria e de emergecircncia (os quatro termos correspondem agrave quase totalidade das ONGs)
satildeo atualmente aproximadamente 4000 (JAHEER 2000208) Destas 2234 satildeo acreditadas
junto ao ECOSOC sendo que 79 delas pertencem agrave Europa e aos Estados Unidos103
(dados fornecidos pelo ECOSOC) Devemos lembrar que o Banco Mundial assim como as
demais agecircncias do Sistema das Naccedilotildees Unidas realiza empreacutestimos com garantia
governamental Desse modo a atuaccedilatildeo das ONGs a partir destas fontes seraacute decidida em
acordo feito junto aos governos nacionais dos paiacuteses em vias de desenvolvimento
(AGEcircNCIA BRASILEIRA DE COOPERACcedilAtildeO) De qualquer maneira Tavares nos
lembra que muitas das organizaccedilotildees internacionais estatildeo condicionando a presenccedila de
ONGs no andamento dos projetos realizados nos paiacuteses em vias de desenvolvimento para
a liberaccedilatildeo dos recursos o que acaba alterando o procedimento das preferecircncias dos
governos e os leva muitas vezes a modificar estrateacutegias de negociaccedilatildeo e a incorporar as
ONGs em suas iniciativas especiacuteficas (TAVARES 1999)
Sobre a desproporccedilatildeo do nuacutemero de ONGs internacionais do Norte e do Sul que tecircm
caraacuteter consultivo junto ao ECOSOC devemos considerar que a falta de um criteacuterio
regional mais equilibrado para a concessatildeo do status consultivo junto agrave organizaccedilatildeo
aumenta ainda mais a concentraccedilatildeo do poder de utilizaccedilatildeo dos recursos nas esferas de
102
102 O relacionamento das Ongs com o Banco Mundial se desenvolveu basicamente a partir dos anos 80 com o estabelecimento de diretrizes especiacuteficas em 1981 (Nota de Poliacutetica Operacional 1005) (TAVARES 1999)
103 Das 2234 Ongs acreditadas junto ao ECOSOC em 2002 (segundo criteacuterio de localizaccedilatildeo da sede central) 39 pertencem agrave Europa 30 aos EUA 6 agrave Ameacuterica Latinal agrave Oceania 10 agrave Aacutefrica e 14 agrave Aacutesia (ECOSOC - httpwww unorg - dados solicitados diretamente) A proporccedilatildeo de ONGs dos paiacuteses desenvolvidos acreditadas junto ao ECOSOC pode ser ainda maior do que revelam os dados Isso porque o criteacuterio de cadastramento das ONGs em base regional eacute realizado tomando-se como referecircncia a sede administrativa das atividades da ONG naquele ano Considerando que atualmente as grandes organizaccedilotildees (que pertencem todas aos paiacuteses desenvolvidos) mudam constantemente de sede estabelecendo em alguns periacuteodos as sedes centrais das organizaccedilotildees nos paiacuteses em vias de desenvolvimento os dados do ECOSOC podem esconder uma realidade ainda mais favoraacutevel as ONGs dos paiacuteses desenvolvidos
83
decisatildeo do Norte do mundo Aleacutem disso as ONGs do Sul estatildeo de qualquer maneira em
desvantagem porque elas tecircm menos acesso a informaccedilatildeo privilegiadas devido ao feto de
que atualmente as grandes ONGs internacionais dos paiacuteses desenvolvidos manteacutem
escritoacuterios permanentes em Bruxelas e Nova Iorque podendo desse modo obter
informaccedilotildees avantajadas sobre a liberaccedilatildeo de recursos oficiais Aleacutem disso as redes mais
limitadas de suporte das ONGs do Sul tomam estas organizaccedilotildees mecanismos de obtenccedilatildeo
de recursos menos eficientes do que as organizaccedilotildees dos paiacuteses mais ricos que se
expandem internacionalmente De acordo com Pereira as ONGs internacionais obtecircm
reconhecimento e recursos porque fornecem aos paiacuteses doadores um produto ou seja um
relatoacuterio profissional com textos e informaccedilotildees estrategicamente preparados para agradar
ao leitor (PEREIRA 1997 167)
Devemos considerar ainda que quando as ONGs atuam em funccedilotildees setorizadas
como eacute atualmente o caso das agendas das organizaccedilotildees internacionais e dos institutos
financeiros comprometem muito de sua ldquoforccedila inovadorardquo (DARCY 2000) Alguns
estudos do setor demonstram que estaacute acontecendo uma crescente homogeneizaccedilatildeo das
ONGs (JAHDER 2000 213) De fato os setores de atuaccedilatildeo destas organizaccedilotildees se
diferenciam sempre menos devido a sua proacutepria necessidade de empreender meacutetodos de
atuaccedilatildeo empresarial e seguir as agendas dos financiadores para obter recursos Esta
tendecircncia acaba limitando fortemente a capacidade original de inovaccedilatildeo e experimentaccedilatildeo
que era caracteriacutestica das ONGs (TAVARES 1999) A propoacutesito Bemard Hours
acrescenta que as ONGs promovem a ideacuteia de desenvolvimento identificado em termos de
intervenccedilatildeo global e estandardizada determinada pelos procedimentos de avaliaccedilatildeo de
projetos das organizaccedilotildees internacionais que lhes concedem recursos Dessa forma ldquoa
ideologia humanitaacuteria fundada sobre a urgecircncia e sobre as intervenccedilotildees pontuais foram
impostas como o neoliberalismo contemporacircneo (HOURS 2001 98)rdquo
La 1 (assim como inuacutemeros outros autores) tem uma visatildeo contraacuteria agravequelas ateacute
agora abordadas Vimos que na opiniatildeo desse autor os institutos de caridade e as Ongs
nacionais ou internacionais - que tenham sede estabelecida nos paiacuteses atendidos - podem
identificar os beneficiaacuterios em potencial e endereccedilando e monitorando os benefiacutecios a
serem destinados a eles muito melhor do que os governos locais Com a finalidade de
84
tornar praacutetica esta possibilidade Lal sugere que todos os fluxos do regime internacional da
ajuda ao desenvolvimento ODA venham alocados a estas organizaccedilotildees com base nas suas
propostas de utilizaccedilatildeo e eventualmente em sua capacidade para contribuir com uma
quantidade correspondente de recursos proacuteprios (LAL 1985)
Uma caracteriacutestica interessante que deve ser percebida nas ONGs internacionais eacute
que elas se ocupam prevalentemente de cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento e accedilotildees
humanitaacuterias - isso lhes confere um setor especiacutefico de accedilatildeo os paiacuteses em
desenvolvimento Milner e Keohane afirmam que alguns paiacuteses devido a suas forccedilas
institucionais podem isolar a si mesmo das pressotildees societais aumentadas com o processo
de internacionalizaccedilatildeo Isso implica que mesmo que com a crescente internacionalizaccedilatildeo e
com as mudanccedilas de preferecircncia dos atores domeacutesticos as decisotildees centrais destes Estados
natildeo vatildeo responder a estas mudanccedilas ou o faratildeo a seu proacuteprio modo (MILNER amp
KEOHANE 1996 9-10) Essa constataccedilatildeo vale tanto para as pressotildees do capital privado
como para as populaccedilotildees civis Esse tipo de interpretaccedilatildeo resulta na avaliaccedilatildeo de que as
populaccedilotildees dos paiacuteses desenvolvidos podem estar sendo direcionadas estrategicamente por
seus governos para questotildees e problemas que se encontram fora de seus territoacuterios
nacionais possibilitando a diminuiccedilatildeo das pressotildees societais internas e ao mesmo tempo
cumprindo seus objetivos de poliacutetica exterior Enquanto as populaccedilotildees civis dos paiacuteses
desenvolvidos se ocupam das questotildees sociais dos outros paiacuteses os governos nacionais dos
paiacuteses desenvolvidos podem promover com maior tranquumlilidade suas estrateacutegias nacionais
centralizadas de desenvolvimento e reforccedilar suas instituiccedilotildees internas Aleacutem disso as
populaccedilotildees locais quando comparam a sua proacutepria condiccedilatildeo com a das populaccedilotildees em vias
de desenvolvimento (devido sobretudo agrave atual capacidade que tecircm as ONGs internacionais
de divulgar na miacutedia as situaccedilotildees de emergecircncia e trageacutedia humanitaacuteria) acabam
inevitavelmente reforccedilando o conceito de que seus governos nacionais conduzem poliacuteticas
puacuteblicas eficientes e portanto as pressotildees internas natildeo se justificam Uma pesquisa de
opiniatildeo conduzida por Marelli e Garelli na Itaacutelia104 em 2000 sobre o suporte dos italianos
aos programas de cooperaccedilatildeo descentralizada revela alguns dados interessantes sobre a
questatildeo Quanto agrave confianccedila dos entrevistados nas ONGs (de forma generalizante)
104 Onde existem 150 ONGs internacionais (JAHIER 2000)
85
averiguou-se que 67 4 dos entrevistados tecircm muita ou muitiacutessima confianccedila nelas
269 tecircm pouca e apenas 56 natildeo tecircm nenhuma Em segundo lugar verificou-se que
70 dos entrevistados aprovam que a conduccedilatildeo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento seja
realizada atraveacutes das ONGs internacionais (cooperaccedilatildeo descentralizada)
Os dados levantados nessa pesquisa oferecem um quadro inicial do emergente papel
que vecircm assumindo as ONGs internacionais e o modelo da cooperaccedilatildeo descentralizada
como modalidade de administraccedilatildeo dos fluxos do regime internacional ODA
Sobre a questatildeo da legitimidade das ONGs internacionais como administradoras de
fluxos do regime internacional da ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA) devemos
lembrar que como sugere Tavares pouco se discute sobre a democracia interna das ONGs
e a total ausecircncia de mecanismos democraacuteticos internos nestas instituiccedilotildees As ONGs
internacionais tendem a legitimar seus interesses natildeo a partir das democracias
representativas atuais mas com base nos interesses futuros de milhotildees de pessoas que ainda
natildeo nasceram - como eacute o caso das organizaccedilotildees ambientais e pacifistas Aleacutem disso
Tavares ainda afirma que as ONGs tendem a relativizar as regras da democracia
representativa para encontrar a legitimidade de suas accedilotildees em grupos minoritaacuterios criando
desse modo a noccedilatildeo de que existem muacuteltiplas fontes de legitimidade dentro da sociedade
relacionadas com causas de interesses de minorias ou com a busca de eficiecircncia as quais
lhes permitiram desempenhar papel de utilidade puacuteblica O autor justifica a aceitaccedilatildeo das
ONGs pelos Estados baseado em dois motivos principais O primeiro seria que as ONGs
podem ser uma melhor alternativa aos grupos de pressatildeo mais radicais da classe meacutedia A
segunda seria que as ONGs podem ter um efeito positivo nas populaccedilotildees menos
favorecidas da sociedade mostrando a estes grupos que suas necessidades podem ser
atendidas (TAVARES 1999)
Opiniotildees menos otimistas tambeacutem satildeo encontradas Cremer nos lembra que pensar
que as ONGs natildeo cometem erros eacute um falso pressuposto (CREMER 1996) Souza acredita
que elas construiacuteram sua imagem a partir da crenccedila de que tais organizaccedilotildees satildeo honestas
competentes pequenas flexiacuteveis e eficientes que o autor considera uma informaccedilatildeo
irreal Como qualquer ator as ONGs estatildeo sujeitas agrave falhas na administraccedilatildeo dos recursos
a desvios de verba e a incompetecircncia
86
0 maior problema contudo de pensar nas ONGs internacionais como promotoras de
desenvolvimento eacute que esse tipo de raciociacutenio e constrangimento pode levar os paiacuteses em
vias de desenvolvimento a se desviarem a desviarem-se de um projeto nacional de
desenvolvimento
A Europa atraveacutes da estruturaccedilatildeo da rede de ONGs internacionais que atualmente
participam ativamente do setor da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento tem conseguido cada
vez mais interferir diretamente nos processos de desenvolvimento dos paiacuteses mais pobres
As ONGs internacionais vatildeo disputar cada vez mais com os Estados do Sul os recursos do
regime internacional ODA assumindo funccedilotildees diversificadas sobretudo nos Estados que
natildeo tiverem redes de proteccedilatildeo contra as forccedilas da internacionalizaccedilatildeo Essa sobreposiccedilatildeo de
interesses econocircmicos poderaacute comprometer ateacute mesmo a possibilidade de surgimento de
uma cooperaccedilatildeo real e inequiacutevoca entre os atores avantajados e desavantajados
Jahier defende a existecircncia de uma legiacutetima sensibilidade das populaccedilotildees dos paiacuteses
desenvolvidos em relaccedilatildeo agraves questotildees do desenvolvimento Experiecircncias positivas podem
nascer da atuaccedilatildeo de ONGs de diferentes paiacuteses Natildeo podemos deixar de lembrar que o
voluntariado cumpria uma funccedilatildeo positiva de natildeo ingerecircncia antes de sua aproximaccedilatildeo ao
setor da cooperaccedilatildeo internacional Contudo os aspectos positivos das relaccedilotildees destes atores
pocircdem ficar obscurecidos quando as ONGs internacionais se colocam atraveacutes da
cooperaccedilatildeo descentralizada como promotoras do desenvolvimento no lugar dos Estados
(JAHIER 2000 211-23)
87
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A ecircnfase dos paiacuteses desenvolvidos em utilizar mecanismos de condicionalidade e
estabelecer agendas mais orientadas agrave soluccedilatildeo de problemas globais vem sendo interpretada
pela literatura poliacutetica como uma espeacutecie de crise de paradigma Uma inversatildeo paradoxal
de perspectiva das questotildees internacionais ligadas ao desenvolvimento na qual o ldquotema
Norte-Sul deixou de ter uma dimensatildeo exclusiva de cobranccedila coletiva do Sul em relaccedilatildeo ao
Norte por recursos financeiros e tecnoloacutegicos por mais cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento em
suma - e passou tambeacutem a ter a dimensatildeo de uma cobranccedila do Norte ao Sul por mais
respeito aos direitos humano maior preservaccedilatildeo do ambiente adesatildeo agrave natildeo-proliferaccedilatildeo de
armas de destruiccedilatildeo em massa combate ao narcotraacutefico e livre-comeacuterciordquo (LAFER 1994
33)
Essa crise de paradigma teria sido possiacutevel segundo a interpretaccedilatildeo acima exposta
porque com a superaccedilatildeo dos conflitos Leste-Oeste uma nova realidade se apresentou no
cenaacuterio internacional a crise Norte-Sul Segundo essa interpretaccedilatildeo as agendas
internacionais mais voltadas agraves chamadas questotildees do Norte teriam sido estabelecidas
somente depois da superaccedilatildeo da Guerra Fria - quando a nova ordem internacional que se
estabelecia retirou dos paiacuteses do Sul do mundo seu caraacuteter de terceira forccedila
Nossa pesquisa que se aproximou das relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo internacional entre
paiacuteses do Norte e do Sul revelou no entanto que a suposta crise de paradigmas e a
retirada do Sul de seu caraacuteter de terceira forccedila natildeo foram os fatores determinantes do
estabelecimento de novas agendas internacionais menos atentas agraves questotildees econocircmicas e
agraves demandas dos paiacuteses em vias de desenvolvimento Como vimos a tendecircncia de retirar os
problemas econocircmicos do cenaacuterio internacional foi estabelecida ainda durante os anos
setenta depois do choque do petroacuteleo e das Resoluccedilotildees da Nova Ordem Econocircmica
Mundial (ou crise dos paiacuteses produtores de mateacuterias primas) Nos anos oitenta depois da
diminuiccedilatildeo do poder de barganha dos paiacuteses em desenvolvimento a inserccedilatildeo de uma
agenda global que considerasse a noccedilatildeo de interdependecircncia sem contudo abordar as
questotildees econocircmicas desta relaccedilatildeo nos parece mais ligada agrave perpetuaccedilatildeo da estrateacutegia
88
estabelecida nos anos setenta a de diminuiccedilatildeo das tensotildees poliacuteticas Norte-Sul a partir da
apropriaccedilatildeo e revisatildeo pelos paiacuteses do Norte das demandas do Sul em bases mais toleraacuteveis
aos interesses dos atores avantajados
Devemos tambeacutem considerar que um dos grandes problemas de interpretar as novas
agendas e as recentes modalidades do setor da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento em particular a condicionalidade da ajuda como iniciativas estabelecidas
a partir de uma suposta crise de paradigmas como uma inversatildeo de cobranccedilas do Norte em
relaccedilatildeo ao Sul - que teria comeccedilado a partir do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste - eacute
que este tipo de interpretaccedilatildeo natildeo confere o peso poliacutetico devido aos conflitos e agraves tensotildees
que permeiam as relaccedilotildees de cooperaccedilatildeo entre estes dois grupos de atores Mais
especificamente esse tipo de interpretaccedilatildeo retira do Sul um papel de forccedila poliacutetica atuante
O Sul nessa interpretaccedilatildeo parece ter existido apenas enquanto aliado potencial dos paiacuteses
do Leste que depois do relaxamento das tensotildees Leste-Oeste e jaacute natildeo representando
maiores perigos pocircde ser cobrado quanto agrave resoluccedilatildeo de seus problemas
Nossa investigaccedilatildeo tentou explorar a questatildeo da introduccedilatildeo das novas agendas
primeiro sociais e depois globais e a proacutepria evoluccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento a partir de uma perspectiva diferente e acreditamos
mais centrada nos dois atores principais desta relaccedilatildeo paiacuteses do Norte e do Sul do mundo
Ainda devemos ressaltar que o fato de perceber as novas agendas globais como o
fruto de uma mudanccedila de paradigma tambeacutem contribui para desvincular os fluxos do
regime internacional ODA de seu processo poliacutetico ou seja de sua origem como elemento
de compensaccedilatildeo e como uma espeacutecie de garantia de crescimento econocircmico para os atores
desavantajados em um sistema internacional assimeacutetrico
Atraveacutes dessas afirmaccedilotildees natildeo estamos negando a existecircncia de situaccedilotildees
particularmente graves de desequiliacutebrio sistecircmicos que podem afetar aspectos da vida dos
cidadatildeos de todo o planeta Contudo como nos foi revelado atraveacutes de nossa fonte teoacuterica -
Keohane - os problemas globais devem ser separados da dimensatildeo poliacutetico-econocircmica dos
Estados pois caso natildeo o faccedila-mos podemos correr o risco de tomar certos efeitos como
causas destes problemas
A propoacutesito de nossa fonte teoacuterica devemos ressaltar que a escolha de utilizar a
anaacutelise sistecircmica para discutir o tema da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento entre atores
89
avantajados e atores desavantajados revelou-se como acertada na estruturaccedilatildeo desta
pesquisa Atraveacutes desse tipo de orientaccedilatildeo e da identificaccedilatildeo do tema da cooperaccedilatildeo
internacional ao desenvolvimento como regime internacional pudemos instrumentalizar
nosso estudo e investigar o comportamento cooperativo dos Estados como resultado de
arranjamentos poliacuteticos gerados em situaccedilotildees de conflito O que contribuiu para que
percebecircssemos que as mudanccedilas do setor da cooperaccedilatildeo - representadas nos anos setenta
pela primeira aproximaccedilatildeo Norte-Sul e pela introduccedilatildeo do conceito de necessidades
humanas baacutesicas e a expansatildeo dessa aproximaccedilatildeo a partir do conceito de interdependecircncia
nos anos oitenta - pudessem ser relacionadas a causas precisas de acirramento das tensotildees
entre o grupo de paiacuteses desenvolvidos e em desenvolvimento
Pudemos perceber com nossa investigaccedilatildeo que os processos de distensatildeo
empreendidos pelos paiacuteses do Norte no regime da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento vecircm cumprindo seu objetivo de afastar do cenaacuterio poliacutetico internacional
as questotildees econocircmicas Atualmente pouco se discute sobre o momento de fortalecimento
dos nacionalismos do Sul provocados pela nova ordem econocircmica mundial (WAFT DF
1998) Eacute inegaacutevel que parte desse afastamento se deve ao feto de que a crise dos paiacuteses
produtores de mateacuterias primas influenciou poliacuteticas restritivas de fechamento de mercado
que se se tomaram insustentaacuteveis para os atores desavantajados Contudo as poliacuteticas de
crescimento econocircmico a partir do fortalecimento das instituiccedilotildees locais natildeo nos parece
tatildeo fora de contexto se comparadas por exemplo aos processos de crescimento a que
foram submetidas as potecircncia secundaacuterias (Europa e Japatildeo) no final da Segunda Guerra
Estas potecircncias puderam fortalecer suas instituiccedilotildees tambeacutem atraveacutes da cooperaccedilatildeo
internacional antes de participar dos regimes de Bretton Woods Esse na verdade eacute um
dos aspectos intrigantes do estudo da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento ou seja as
assimetrias de tratamento as quais estatildeo sujeitos os diversos atores internacionais
Enquanto os paiacuteses do Sul do mundo quando no regime da cooperaccedilatildeo
internacional constantemente satildeo chamados a resolver seus problemas econocircmicos a partir
das organizaccedilotildees criadas em Bretton Woods os Estados secundaacuterios quando passaram por
problemas de ordem financeira e de crescimento econocircmico receberam tratamento diverso
A Europa pocircde contar com recursos financeiros e transferecircncia direta de tecnologia do
Plano Marshall Aleacutem disso as diacutevidas externas destes paiacuteses inclusive aquelas da lei de
90
alugueacuteis e empreacutestimos nunca foram pagas Os maiores devedores como a Alemanha
ocidental (que tinha inclusive a moratoacuteria das Diacutevidas da Primeira Guerra) tiveram
negociaccedilotildees vantajosas e praticamente seus deacutebitos cancelados Mas sobretudo foi
tolerado aos paiacuteses europeus que eles pudessem manter um regime preferencial de compras
com suas antigas colocircnias (o que na realidade permanece ateacute nossos dias) e que os custos de
ajustamento de suas balanccedilas de pagamentos aos novos regimes internacionais pudessem
ser divididos atraveacutes da Uniatildeo Europeacuteia de Pagamentos dois procedimentos
intrinsecamente contraacuterios aos princiacutepios de Bretton Woods
Os atores desavantajados natildeo contaram no regime da cooperaccedilatildeo internacional
com redes efetivas de proteccedilatildeo e nunca puderam estabelecer mecanismos proacuteprios de
salvaguarda de suas balanccedilas de pagamentos Desse modo estes paiacuteses natildeo fortaleceram
suas instituiccedilotildees para participar de maneira mais equilibrada dos regimes de Bretton
Woods Estas diferenccedilas de tratamento dos atores dentro dos regimes internacionais satildeo
explicadas por Keohane como uma caracteriacutestica dos proacuteprios regimes Ou seja nem todos
os atores tecircm benefiacutecios iguais Contudo isso natildeo eacute motivo para deixar de repropor
poliacuteticas de cooperaccedilatildeo mais justas entre Norte e Sul A experiecircncia dos anos setenta pode
ser bastante positiva caso consigamos aproximar o discurso da cooperaccedilatildeo internacional ao
desenvolvimento de sua vertente poliacutetica e perceber da mesma forma (como entes
poliacuteticos) os atores que constituem esse regime
Finalmente nos resta ainda ressaltar que nossa pesquisa revelou que as mudanccedilas de
orientaccedilatildeo do regime da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento a parir da deacutecada de
setenta tecircm resultado na aproximaccedilatildeo deste setor de ambientes privados Ou seja a
cooperaccedilatildeo financeira tem sido exercida prioritariamente pelo capital financeiro privado
internacional A cooperaccedilatildeo teacutecnica como vimos em nosso uacuteltimo capiacutetulo estaacute sendo
orientada para questotildees do desenvolvimento humano fato conveniente para justificar a
expansatildeo das organizaccedilotildees natildeo-governamentais e a presenccedila de teacutecnicos internacionais
(atualmente 150000 expatriados dos paiacuteses desenvolvidos) do Norte do mundo como
administradoras de recursos oficiais da cooperaccedilatildeo ao desenvolvimento (ODA)
Como abordamos no capiacutetulo da condicionalidade eacute inegaacutevel o aumento das forccedilas
da internacionalizaccedilatildeo nos uacuteltimos anos Estas forccedilas tenderatildeo cada vez mais a acentuar a
processo de privatizaccedilatildeo da cooperaccedilatildeo internacional ao desenvolvimento Os estudos
91
Keohane e Milner abordados nesse trabalho nos sugerem que a uacutenica maneira de
conseguir controlar as pressotildees da internacionalizaccedilatildeo eacute atraveacutes da adoccedilatildeo de medidas de
fortalecimento das instituiccedilotildees dos paiacuteses em vias de desenvolvimento O Relatoacuterio Sul
afirma que o fortalecimento institucional dos paiacuteses do Sul pode acontecer a partir do
estabelecimento de uma rede de cooperaccedilatildeo entre os paiacuteses em vias de desenvolvimento
Poderiacuteamos atraveacutes desse processo conseguir um fortalecimento de nossas instituiccedilotildees
atraveacutes da reaproximaccedilatildeo dos paiacuteses do Sul entre eles mesmos e de suas demandas
92
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