Post on 25-Jan-2019
2
AVM FACULDADE INTEGRADA
LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
A IMPORTÂNCIA DO ENSINO FILOSÓFICO PARA A
FORMAÇÃO DA CRIANÇA
Por: Alessandra Christine Zaharoff Pontes Luz
Orientador:
PROFESSOR Dr. VILSON SÉRGIO DE CARVALHO
Rio de Janeiro,
2010
DOCU
MENTO
PRO
TEGID
O PEL
A LE
I DE D
IREIT
O AUTO
RAL
3
AVM FACULDADE INTEGRADA
LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
Apresentação de monografia ao IAVM como
requisito parcial para obtenção do grau de
licenciatura em Pedagogia.
Por Alessandra Christine Zaharoff Pontes Luz
A IMPORTÂNCIA DO ENSINO FILOSÓFICO PARA A
FORMAÇÃO DA CRIANÇA
5
DEDICATÓRIA
Este trabalho é dedicado a todas as
crianças deste admirável mundo novo,
sedentas de informação e
conhecimento a todo instante.
6
RESUMO
O presente trabalho visa analisar a importância da educação filosófica
para a formação da criança, através do estudo histórico-evolutivo do ensino
filosófico no Brasil em um primeiro momento, para, então, passando por uma
análise propriamente dita da educação filosófica voltada para o público
infanto-juventil – a partir da construção do conceito de processo de ensino-
aprendizagem filosófico, de uma didática propriamente filosófica – para um
segundo momento, examinar o Programa de Filosofia para crianças de
Matthew Lipman, bem como a possibilidade de utilização de diversas mídias
na educação filosófica de crianças e jovens desta Sociedade da Informação.
7
METODOLOGIA
Foram utilizadas as pesquisas bibliográficas e webgráficas para a
confecção deste trabalho monográfico. Como referências bibliográficas, foram
utilizados alguns textos, trabalhos e artigos dentre os quais se destacam os
seguintes autores: Matthew Lipman (1990), Walter Omar Kohan
(1998/1999/2000), Silvio Gallo (2009), José Carlos Libâneo (1994), Claudine
Leleux (2008), Luiz Alberto Cerqueira (2010), Paula Ramos de Oliveira
(2004), Juarez Gomes Sofiste (2007), Renê José Trentin Silveira (2003),
Renata Innecco B. de Carvalho (2007), dentre outros autores de renome.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I – A FILOSOFIA E A EDUCAÇÃO NO BRASIL 11
CAPÍTULO II – O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
FILOSÓFICO 16
CAPÍTULO III – O PROGRAMA DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS DE
LIPMAN 21
CAPÍTULO IV – FILOSOFIA PARA CRIANÇAS NA SOCIEDADE DA
INFORMAÇÃO 32
CONCLUSÃO 40
ANEXO 42
BIBLIOGRAFIA 56
WEBGRAFIA 59
ÍNDICE 60
FOLHA DE AVALIAÇÃO 61
9
INTRODUÇÃO
Nesta monografia abordou-se, dentro do tema Filosofia para crianças,
o papel da importância do ensino filosófico para a formação do público
infantil. A pergunta chave norteadora deste estudo é: seria a Filosofia uma
disciplina fundamental para a construção da identidade do indivíduo, ao
mesmo tempo em que são trabalhadas suas capacidades críticas e reflexivas
acerca da sociedade na qual encontram-se inseridas?
A criança é curiosa por natureza, o que a aproxima do filósofo. Por que
não iniciar os estudos filosóficos na Educação Infantil e nas primeiras séries
do Ensino Fundamental? Desta forma, cidadãos seriam formados com
verdadeiras capacidades e habilidades para transformar o mundo, através da
crítica e da reflexão, afastando do processo de ensino-aprendizagem a
ultrapassada noção de que a mera transmissão de conhecimentos prontos e
aceitos pela Academia constituem ―bagagem‖ suficiente para a formação dos
estudantes.
O presente estudo demonstrará a importância e a necessidade do
ensino filosófico para a formação moral e intelectual da criança, que aprenderá
a observar a realidade que a cerca de forma crítica e reflexiva, respeitando a
si própria, o outro e o mundo que habita, através da expectativa filosófica, do
pensar por si.
Sendo assim, o presente trabalho monográfico destina-se a
compreender a importância e a necessidade do ensino filosófico para a
formação das crianças dentro da Educação Infantil e das primeiras séries do
Ensino Fundamental, a partir da análise do processo de ensino-aprendizagem
filosófico, da apresentação e crítica dos principais métodos de ensino filosófico
10
voltados para o público infantil, encerrando com uma reflexão acerca da
filosofia para crianças em um mundo globalizado, na sociedade da informação.
De um modo geral, o estudo foi estruturado em quatro capítulos: no
primeiro pretendeu-se traçar um pequeno estudo histórico-evolutivo acerca do
ensino da Filosofia e da Pedagogia no Brasil. Já no segundo capítulo, será
analisado o processo de ensino-aprendizagem filosófico, traçando-se uma
análise comparativa entre o processo educacional das demais disciplinas
escolares com a filosófica, ressaltando-se os pontos de convergência e de
divergência entre ambas. No terceiro capítulo, será esmiuçado o Programa de
Filosofia para Crianças, desenvolvido por Mattew Lipman, importante filósofo
norte-americano. O quarto capítulo denominado ―Filosofia para crianças na
sociedade da Informação‖ visa estabelecer e demonstrar novas estratégias e
possibilidades de utilização de materiais didáticos e não didáticos em
ambientes escolares, a fim de permitir, dentro da atual sociedade, a
continuidade do processo de ensino-aprendizagem filosófico conforme outrora
analisando neste mesmo trabalho. Ao final, a conclusão refletiu que os autores
estudados defendem a importância da educação filosófica desde a mais tenra
idade. Para isso, há diversos métodos elaborados, sendo um dos mais
conhecidos o Programa de Filosofia para Crianças de Matthew Lipman, que
não obsta a inserção de novas tecnologias educacionais, tampouco a
elaboração de novos materiais didáticos, voltados para a formação da criança
nesta sociedade da informação, como será exposto a seguir.
11
CAPÍTULO I
A FILOSOFIA E A EDUCAÇÃO NO BRASIL
Muito foi comemorado com a alteração da legislação educacional, que
tornou obrigatória a presença – antes facultativa e restrita a pouquíssimas
instituições escolares – da Filosofia na grade curricular das três séries do
Ensino Médio1. Se antes havia uma certa ―indisposição‖ entre professores de
diversas disciplinas, ao elaborar a grade de horários, tendenciosamente
favorável às disciplinas matemáticas e lingüísticas, bem como durante
algumas ―conversas de corredor‖, agora não há mais o que ser discutido. A
Filosofia já está presente no Ensino Médio.
O ensino filosófico no país sempre esteve à margem das demais
disciplinas escolares. Todo o processo de ensino-aprendizagem filosófico,
desde os primórdios, caracterizou-se pela limitação do pensar, pela rigidez da
reflexão, pelo cerceamento à própria atividade crítica. Afinal, como fugir do
círculo vicioso da História? É o que será exposto a seguir.
No início, o ensino filosófico no Brasil caracterizava-se pela imposição
da Ratio Studiorum como método pedagógico de ensino. Os jesuítas, tanto na
colônia quanto em Portugal aplicavam tal metodologia. Interessante notar que
o método jesuítico não permitia o livre pensar dos alunos, muito menos o do
professor, constituído uma mera transmissão do ―conhecimentos pré-
aprovados‖, possivelmente uma ―educação filosófica bancária‖.
1 Lei no 11.684/2008, que altera o artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394/1996): ―Art 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes: (...) IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio‖.
12
“Es necesario que los profesores de filosofia, si no es que una gravísima necesidad exija outra cosa, conviene que no sólo hayan terminado el curso de teologia, sino que la hayan repetido durante um bieno, para que su doctrina pueda ser más segura y sirva más a la teologia. Y si algunos mostraren inclinados a novedades e de ingenio demasiado libre, deben sin duda ninguna ser removidos del cargo de enseñar”.2 (Ration atque Instituto Studiorum Societatis Jesu. Auctoritate Septimae Congregationis Generalis aucta. Antverpiae apud Joan. Meursium, 1635, em 8º)
As aulas eram pautadas sob regras rígidas, que deveriam ser seguidas
por todos os componentes da comunidade escolar, sob pena de sanção a ser
decidida de forma secreta. Como curiosidade, pode ser citada a regra nº 24,
que define o tempo e a forma dos atos filosóficos em sala de aula, que
deveriam ocupar o menor tempo possível nas classes, fosse pela manhã ou
após a comida3, momentos em que é sabido, a reflexão encontraria obstáculos
da própria natureza humana (sonolência, por exemplo). Outra norma bastante
chamativa é a de nº 30, que define quais seriam os livros mais apropriados
para a leitura dos alunos, recomendando a leitura da Aristóteles para os
estudantes de Filosofia4.
A recomendação bibliográfica não era apenas uma sugestão para os
alunos. Tratava-se de uma obrigação dos professores de Filosofia da
Companhia de Jesus seguir Aristóteles (v.―Regras do Professor de Filosofia‖),
salvo quando algum ensinamento aristotélico ou algum comentador do
Estagirita encontrasse em dissonância com a doutrina cristã aprovada. Caso
isto ocorresse, a solução seria seguir os ditames do Concílio de Latrão.
2 Ext. Cuáles deben ser los profesores de filosofia in Ration Studiorum Oficial 1599. Ratio atque Instituto Studiorum Societatis Jesu. Auctoritate Septimae Congregations Generalis aucta.Antverpiae apud Joan. Meursium, 1635, em 8º. (Se trata de uma reedicion de la publicada em Roma em 1616). Traducción: Gustavo Amigo. S. J. La presente versión ha sido revisada por el Dr. Daniel Alvarez, S. J. Disponível em: http://www.puj.edu.co/pedagogia/documentos/Documentos_Corporativos_Compania_Jesus.pdf (acessado em 11/04/2010) 3 Ext. Tiempo y forma de los actos filosóficos in op. cit. 4 Ext. Qué libros se han de repartir a cada uno in op. cit.
13
Afinal, a finalidade do estudo da Filosofia, para os jesuítas era uma
preparação para o verdadeiro saber: o conhecimento do Criador5.
Daí decorre a afirmativa de CERQUEIRA (2010) de que ―as referencias
ao aristotelismo no Brasil têm a sua origem a Ratio Studiorum‖6. Portanto, não
há como compreender um sem o outro ao ser analisado o problema do ensino
da Filosofia no país.
Com a saída dos jesuítas do cenário educacional, pouco mudou.
Pombal e suas reformas no ensino brasileiro conseguiram, apenas, retirar da
Igreja a função exclusiva que esta possuía de educar a todos conforme a sua
doutrina. Os professores de Pombal eram oriundos dos colégios jesuíticos,
pois não havia outros leigos qualificados para o oficio, mantendo-se, de certa
forma, os padrões de rigidez e de escolha de textos de outrora.
Após sucessivas reformas educacionais, as mudanças que atingiram o
ensino da Filosofia tornaram-se cada vez mais evidentes: primeiramente
obrigatória nos currículos escolares – dos liceus e dos ginásios do curso
secundário, depois nas escolas normais – especialmente do Colégio Pedro II.
Importante lembrar que com a reforma educacional de Benjamin Constant
(1890), fortemente influenciado pelo positivismo, foram privilegiadas as
disciplinas cientificas, o que foi confirmado por Carlos Maximiliano, em 1915,
que consolidou uma espécie de utilitarismo no ensino secundário,
estabelecendo disciplinas obrigatórias e facultativas, constando neste último
rol, a Filosofia, não como disciplina autônoma, mas como uma metodologia
para o estudo e para o ensino da Psicologia e demais ciências ―facultativas‖.
5 Ext. Fin, Hay que seguir a Aristóteles, pero hasta donde, Autores mal dispuestos con la religión Cristian, in op. cit. 6 CERQUEIRA, Luiz Alberto. O aristotelismo como tradição originária da filosofia no Brasil. http://filosofiabrasileiracefib.blogspost.com/, acessado em 01/09/2010, v. anexo 1
14
Dez anos depois, a reforma educacional de Rocha Vaz volta a incluir a
Filosofia como disciplina ―formativa‖ do ensino secundário, de forma precária,
pois os ensinamentos contidos encontravam-se vinculados à manutenção de
um status quo vigente.
Com a chegada dos anos 30, as reformas educacionais que se
sucederam, concederam mais força à Filosofia como disciplina curricular,
destacando-se a reforma de Gustavo Capanema, que lançou-a à posição de
disciplina obrigatória tanto no curso clássico, quanto no científico:
―A Reforma Capanema representou um certo avanço na luta pela implantação e presença efetiva da filosofia no currículo como disciplina obrigatória nas segundas e terceiras séries dos cursos clássicos e científicos‖. (HORN, 2000, P. 27)
Porém, a partir de 1964, os dirigentes políticos brasileiros decidiram
que a Filosofia deveria ser ―rebaixada‖ à categoria de disciplina optativa,
limitada somente aos estabelecimentos de ensino cujos gestores educacionais
realmente fizessem questão de ministrá-la aos seus estudantes. O motivo
principal estava relacionado ao Acordo Mec-Usaid, que possibilitou o
recebimento de recursos internacionais para o desenvolvimento de programas
educacionais, especialmente de nível teórico, o que exigia a exclusão de
algumas disciplinas humanas e teóricas – como a Filosofia e a Sociologia –
para a inclusão de novas disciplinas técnicas e práticas – como a
Contabilidade e a Mecânica. Com a edição de sucessivos diplomas legais,
pode-se notar a diminuição paulatina da carga horária das demais disciplinas
curriculares não-tecnológicas, como a História, em prol do aumento da carga
horária das disciplinas técnicas e/ou profissionalizantes voltadas para a
constituição de um exército de trabalhadores braçais, formando um
contingente de jovens incapazes de elaborar ao menos uma simples crítica à
realidade em que viviam.
15
Com o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
Lei nº 9,394/1996 – a Filosofia retorna aos currículos, mais uma vez como
disciplina complementar, sujeita à discricionariedade do gestor educacional em
exercício, podendo figurar entre os 25% das disciplinas optativas, para que ao
final do Ensino Médio o estudante demonstre domínio dos conhecimentos
filosóficos necessários ao exercício da cidadania.
Somente com as alterações trazidas pela Lei 11684/2008, que alterou
o artigo 36 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº
9.394/1996), é que vislumbraremos a volta triunfal da Filosofia como disciplina
escolar curricular obrigatória em todas as séries do Ensino Médio, conforme
nos diz a letra da lei:
Art. 36 – O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes: (...) IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplina obrigatórias e todas as séries do ensino médio7. (CONGRESSO NACIONAL, art. 36, IV).
Mas, depois de tanto tempo afastada dos bancos escolares, como será
recebida a Filosofia no Ensino Médio? Será que os novos professores,
formados sob a ordem educacional anterior, onde a presença do ensino
filosófico era restrito a poucos estabelecimentos da Educação Básica, estarão
aptos a lecionar? O bacharelado e a licenciatura foram suficientes para formar
o professor que alfabetizará filosoficamente as crianças e os jovens de hoje?
É importante que os professores que estão no mercado de trabalho
hoje saibam cultivar o amor pelo saber em seus alunos, para que os mesmos
não venham, em um futuro próximo, tornar a Filosofia novamente uma
disciplina facultativa ou complementar, excluindo-a dos currículos escolares,
tal qual uma erva daninha.
7 Lei nº 9.394/1996. art. 36, IV.
16
CAPÍTULO II
O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
FILOSÓFICO
Segundo Libâneo (1994), tanto ensino quanto aprendizagem
constituem facetas de um mesmo processo, que envolve professor e alunos
em sala de aula. Cabe ao professor, através do ensino, suscitar no aluno, a
aprendizagem, que nada mais é do que uma conduta tipicamente humana
que é praticada desde o nascer.
Para tanto, o professor deverá planejar, dirigir e controlar o processo
de ensino – segundo o autor mencionado acima – estimulando os estudantes
para a aprendizagem de determinado conteúdo.
Tal é o caso do processo de ensino-aprendizagem das ciências. A
educação científica, como será tratada aqui, tem como núcleo central o
ensino, a transmissão de saberes técnico-científicos, muito mais do que a
aprendizagem. O foco do processo – que deveria ser equilibrado, mantendo-
se com a mesma freqüência e intensidade nos dois pólos – encontra-se
intensamente centrado no ensino, privilegiado-o em detrimento do
aprendizado dos estudantes.
Assim, na educação científica, o professor ocupa a posição de
mediador do conhecimento, daquele que traz os saberes curriculares e
academicamente aprovados para o contexto escolar.
Na educação filosófica, todavia, não há uma figura central ou
mediadores do conhecimento. Todos os participantes – sejam alunos, sejam
professores – produzem conhecimento, transmitem saberes, através do
17
filosofar. Desta forma, pode-se compreender a educação filosófica como uma
construção coletiva do conhecimento através do filosofar, i. e., um processo de
ensino-aprendizagem específico que transcende o próprio conceito de ensino.
Então, como distinção básica entre a educação cientifica e a educação
filosófica é possível destacar que na primeira o conhecimento é trazido pronto
ao mundo escolar, enquanto que na segunda o saber é construído a partir das
reflexões dos participantes sobre os saberes curriculares e as informações
obtidas fora do contexto escolar, retiradas muitas vezes, da própria realidade
dos envolvidos.
A educação filosófica, através da construção coletiva do conhecimento,
confere significância ao saber, às informações dispostas no mundo. Um
símbolo, um texto, um acontecimento, uma inovação tecnológica passam a
conter significado através da reflexão filosófica, da crítica.
E o que dizer da possibilidade de uma reflexão interdisciplinar do
problema suscitado em sala de aula? Não há debate mais enriquecedor do
que a crítica interdisciplinar de determinada questão: a percepção estudante,
a constatação inicial de que um problema pode ser analisado sob diversos
ângulos será algo extremamente enriquecedor para o aluno, tanto em sua
vida acadêmica quanto em sua vida profissional.
O problema da formação do planeta Terra, bem como o Universo pode
ser transposto de mero conteúdo cientifico para conteúdo filosófico.
Estudantes do Ensino Fundamental são capazes de formular questões acerca
do que é ―real‖ e do que é ―imaginário‖, aproximando ou afastando (pré)
conceitos. Trata-se de interessante trabalho a ser desenvolvido dialogicamente
em sala de aula ou mesmo em laboratório, com o professor de ciências. Nada
obsta uma visita ao Planetário ou ao Museu Natural da Cidade.
18
Com a inserção da disciplina em questão no Ensino Médio, alguns
questionamentos surgem, sendo o primeiro deles relativo ao primeiro contato
do educando com a Filosofia, aquilo que poderíamos chamar de ―Alfabetização
filosófica‖, termos bastante utilizado durante aulas debates em Instituições de
Ensino Superiores. Como deve ser realizada esta nova ―alfabetização‖?
Diversos estudiosos postulam a respeito, sendo as mais conhecidas teses
relativas ao ensino da Filosofia a partir de temas geradores ou de um estudo
acerca da história da Filosofia (no caso dos estudantes do Ensino Médio),
além, é claro, das metodologias desenvolvidas especialmente para o público
infantil, como o Programa de Filosofia para crianças de Matthew Lipman.
O próximo questionamento decorre imediatamente do anterior: o
ensino da Filosofia deve ser restrito aos textos filosóficos (aceitos pela
Academia) selecionados pelo professor e/ou equipe pedagógica – ou livros
didáticos de Filosofia – e submetidos a mera análise dos mesmos? Seria
possível a utilização de mídias diversas em sala de aula – jornais, revistas,
Internet, dentre outras – ultrapassando a repetição de conceitos, fórmulas e
frases de efeito, muitas vezes incompreensíveis ou pouco significativas para
o educando?
A utilização de artigos de revistas e noticias de jornais é mais
freqüentemente utilizada pelos professores de lingüística e de literatura. Nada
impede, no entanto, que estes materiais sejam incorporados ao processo
educativo filosófico. Traduz interessante medida a pesquisa em jornais de
época – tais como os veículos informativos durante as Grandes Guerras – e a
contextualização filosófica, social e histórica de determinada sociedade.
Tal pesquisa ainda poderá ser complementada – caso haja esta
possibilidade – com material audiovisual da época, como, por exemplo, o
farto material de propaganda produzido pelo Governo Alemão Nazista,
contrapondo-o o com os textos filosóficos produzidos no período.
19
Alguns estudiosos como MEDEIROS (2009), apresentaram a
possibilidade de utilização de blogs como estratégia no processo de ensino-
aprendizagem. Desta forma, segundo o trabalho apresentado, seria possível
manter ―vivo‖ o dialogo, o debate surgindo na Grécia Antiga. Algumas tecnologias educacionais, como wikis e blogs são
ferramentas construídas coletivamente, no decorrer do tempo. O professor, in
casu, deve atuar como mediador, como moderador da ferramenta escolhida,
mantendo o bom nível dos debates, bem como a devida organização.
Interessante notar que a utilização de determinadas ferramentas no
processo educativo permite que a aprendizagem ultrapasse as fronteiras
escolares. O educando retorna ao lar e, algumas vezes, seus responsáveis
participam dos diálogos na web (caso a ferramenta aceite comentários de
usuários que não sejam professores ou alunos).
Mas, estas não são as únicas ferramentas disponíveis para o professor.
Durante o processo de ensino-aprendizagem o professor poderá utilizar
diversos recursos para a contextualização do conteúdo didático: composição
de músicas (há diversos exemplos na web de rap8 e sambas9 filosóficos,
especialmente no Youtube), elaboração de jornal da escola (muitos alunos
gostam de escrever e o fazem muito bem, além de possuir, desde cedo,
habilidades para o desenho, bem como para a caricatura e para o humor),
confecção de trabalhos interdisciplinares (leitura e discussão de obras
clássicas gregas), oficinas de arte (arte grega, por exemplo), olimpíadas (com
pesquisa, confecção de vestuário e competições esportivas da época clássica),
dentre outras. Todas as formas citadas de expressão podem e devem ser
usadas como meios facilitadores da aprendizagem, assim como para a
avaliação.
8 Rap Cartesiano: http://www.youtube.com/watch?v=XfX35o28JSU 9 Samba do Parmênides: http://youtube.com/watch?v=57wk9ZHko4l Samba do Heráclito: http://youtube.com/watch?v=HIRzQVF7GCk Samba de Origem da Filosofia: http://youtube.com/watch?v=3SvH06nPazo
20
Porém, algo que não deve ser esquecido é o próprio ato de filosofar,
aquilo que distingue esta disciplina das demais: no processo de ensino-
aprendizagem, como já foi salientado, não há uma figura principal, detentora
de toda a verdade e todo o saber. Há o diálogo, no qual professores e alunos
são convidados a participar, a filosofar.
Assim, todas as atividades desenvolvidas para e durante o processo
educativo deverão ser voltadas para esta ―troca‖ de informações, para o
exercício da reflexão, da crítica, do debate. A aula de filosofia, tanto para
crianças, quanto para jovens e adultos, jamais poderá ser reduzida a um
mero exercício de decoreba de pensamentos de estudiosos célebres
dispostos organizadamente, com vistas a uma futura avaliação, que
mensurará a quantidade de informações gravadas por cada aluno.
A Filosofia deve tornar-se uma disciplina relevante e significativa para
a criança e para o jovem (público-alvo), sendo a partir da alfabetização
filosófica o início de uma nova forma de reflexão crítica, que constituirá
importante ferramenta para a compreensão do mundo em que se vive, quem
se é e quem o outro é – competências formativas essenciais de todo cidadão.
Para tanto, a contextualização da Filosofia, através do trabalho do professor,
faz-se necessária.
21
CAPÍTULO III
O PROGRAMA DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS DE
LIPMAN
Atualmente são diversos os métodos de ensino filosófico voltados para
o público infantil, sendo o mais conhecido e difundido deles, o Programa de
Filosofia para crianças, de Matthew Lipman, que será analisado neste trabalho.
Matthew Lipman, importante filósofo e educador norte-americano,
desenvolveu um interessante método de ensino filosófico centrado em um
estilo literário – a narrativa – e capaz de ser aplicado em diversas faixas
etárias, desde a Educação Infantil até as séries finais do Ensino Fundamental.
De acordo com KOHAN (2000):
―Filosofia para crianças traduz o inglês Philosophy Children, termo que alude a um programa criado gradualmente por Matthew Lipman e colaboradores, nos Estados Unidos, no decorrer dos últimos 30 anos. No final dos anos sessenta, Lipman era professor de Lógica e Teoria do Conhecimento na Universidade de Columbia, Nova York, EUA, e ao perceber as falhas nos raciocínios de seus alunos, achou necessário que eles tivessem um contato com a lógica e a filosofia bem antes da universidade. Vale ressaltar que nos Estados Unidos a filosofia tem, historicamente, uma fraca presença nas instituições educativas – ainda atualmente não faz parte dos currículos escolares em nenhum dos seus níveis -; só ao entrarem para a universidade dos estudantes podem optar por ter algum contato com a filosofia. Assim sendo, um dos primeiros desafios de Lipman era criar um espaço até então inexistente. Lipman não só considerava que os jovens precisavam do contato com a lógica e a filosofia, como supunha que eles teriam enorme interesse e adequada capacidade para lidarem com a sua problemática. Tratava-se, simplesmente, de recriar as idéias dos filósofos, despindo-as da linguagem técnica e erudita, apresentando-as de modo mais simples e menos inibidor. Lipman achava que essa tradução poderia ser feita sem prejudicar a substancia dessas idéias‖. (p. 84-85)
22
O método de Lipman foi amplamente divulgado pelo mundo e chegou
ao Brasil através de Catherine Young Silva, fundadora do Centro Brasileiro de
Filosofia para Crianças (o CBFC), em 1985, na cidade de São Paulo. É triste
constatar que, após tantos anos de fundamento, o CBFC esteja em vias de
encerramento de suas atividades (segundo informações colhidas em sites da
web)10.
O Programa de Filosofia para Crianças de Lipman tem como objetivo
principal revolucionar a educação através do pensar da criança. Por ser
professor e especialista em lógica, Lipman (2000) estrutura o conteúdo de
seu Programa no encadeamento lógico do pensar, através de narrativas,
também chamadas de novelas filosóficas, pois, conforme o seu entendimento
a narrativa de desenvolveria como uma criança, ou seja, o pensamento da
criança fluiria tal como este estilo literário:
―(...) tive a oportunidade de observar os esforços de um professor de criança com deficiências neurológicas para ensiná-las a ler. Os mais novos pareciam capazes de ler as palavras, mas eram incapazes de extrair e sentido do parágrafo. Sugeri que lhes fossem dados exercícios para tirar inferências lógicas, e o professor me informou que tal prática foi útil. Confirmou meu palpite de que as crianças podiam aproveitar a instrução no raciocínio, contanto que recebessem isso antes em seu desenvolvimento. Era possível ajudar as crianças a pensar com maior habilidade? Eu não tinha dúvidas que as crianças pensavam tão naturalmente como falavam e respiravam. Mas como conseguir que pensassem bem? Foi sugerida a mim a idéia de uma história para crianças. (...) Deveria ser algo que os pequenos descobrissem por si mesmos, com pouca ajuda dos adultos. As crianças da história deveriam formar, de alguma maneira, uma pequena comunidade de pesquisa, a qual cada uma participasse, pelo menos em alguma medida, na busca cooperativa e na descoberta de modos mais efetivos de pensar. Minha idéia era que o grupinho de crianças, na história, servisse de modelo com o qual os alunos reais pudessem se identificar. Um retrato, assim de crianças vivendo juntas de maneira inteligente e respeitando-se mutuamente, poderia dar às
10 Conforme http://www.philosletera.org.br
23
crianças a esperança de que semelhante ideal era factível (como fizeram os diálogos de Platão com os adultos). (...) Quanto a trama da história, imaginei-a como um paradigma de pesquisa em miniatura (...). Dizendo sem rodeios, parecia-me que só se podiam induzir crianças a estudar lógica se lhes fosse mostrada como parte da filosofia. As crianças pequenas e a filosofia são aliados naturais, pois ambos começam com o assombro. (...) Por que, então, não tomar as idéias da tradição filosóficas e inseri-las na novela, de modo tal que as crianças da história pudessem ir além do assombro, refletir e discutir de maneira significativa os aspectos metafísicos, cognoscitivos, estéticos e éticos de sua experiência‖. (p. 22-24)
A substituição progressiva do modelo educacional tradicional, centrado
na mera transmissão de conhecimentos para uma educação para o pensar,
dar-se-ia mediante o Programa, no qual o ensino seria o resultado do processo
investigativo orientado pelo professor. É importante observar que o objetivo
não é a aquisição de saberes e informações, mas a percepção critica acerca
dos temas discutidos em sala de aula.
Esta percepção crítica é embasada principalmente em habilidades
lógicas. De acordo com Silveira (2003), ao pesquisar em documentos do
Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças e em textos de Lipman, estas
habilidades lógicas podem ser classificadas em quatro tipos:
―a) Habilidades de raciocínio: possibilitam o estabelecimento de conclusões ou interferências a partir de conhecimentos anteriormente adquiridos, para assegurar a coerência interna do discurso. Envolvem capacidades tais como: ―inferir‖, ―detectar premissas ou pressuposições subjacentes‖, ―formular questões, exemplificar‖, ―identificar similaridades e diferenças‖, ―construir e criticar analogias‖, ―comparar‖, ―contrastar e argumentar ou dar razoes‖. b) Habilidades de formação de conceitos: permitem a análise de conceitos, identificando seus componentes, suas relações com conceitos semelhantes e diferentes para conferir-lhes sentido e torná-los instrumentos para identificação e a compreensão das coisas, dos fatos e das situações. Por exemplo: ―fazer distinções‖, ―fazer conexões‖, ―argumentar, classificar‖, ―explicar‖, ―definir‖, ―identificar significados‖, entre outras capacidades.
24
c) Habilidades de investigação: relacionadas aos procedimentos científicos e à idéia de busca do caminho (e não da resposta pronta) para se chegar às soluções dos problemas postos pela realidade. Incluem: ―observar‖, ―identificar problemas/questões‖, ―formular questões‖, formular hipóteses‖, ―estimular, prever‖, ―verificar, medir, constatar‖, ―desenvolver, analisar‖, ―generalizar adequadamente‖, ―concluir‖, ―sintetizar‖ e ―ser capaz de comportamento autocorretivo‖. d) Habilidades de tradução: permitem a compreensão de discursos (falados ou escritos) de modo que o sujeito desta compreensão possa reproduzir em sua própria linguagem o que ouviu o leu, preservando o significado original. Englobam: ―prestar atenção‖, ―interpretar criticamente‖, ―perceber implicações e suposições‖, ―parafrasear‖ e ―inferir‖. (p. 7-8)
Sendo assim, podemos dizer que os quatro grandes conjuntos de
habilidades mencionados acima possibilitam trabalhar com nossos próprios
discursos, mantendo-lhes a coerência e a coesão, ao mesmo tempo em que
constroem respostas para os problemas suscitados, auxiliando na formação
de conceitos e permitindo a compreensão de discursos alheios (escritos ou
não), conferindo-lhes sentido.
Um ponto do Programa de Lipman que merece destaque é a
metodologia de ensino filosófico empregada. Trata-se da utilização de novelas
filosóficas, que possuem o condão de aproximar o leitor do problema a ser
enfrentando filosoficamente em sala de aula. Para tanto, são escritas em forma
de narrativas, que irão desenvolvendo-se de acordo com os interesses e com
a faixa etária da turma em questão. Note-se que os personagens da historia
são da mesma idade dos estudantes, o que favorece o diálogo entre a turma
acerca da situação descrita na narrativa, muitas vezes podendo ocorrer,
inclusive, uma identificação entre estudantes e personagens (como, por
exemplo, o seguinte questionamento, após a leitura de uma das novelas de
Lipman: ―o que você pensa sobre comer um animal?‖). Da mesma forma,
pode ser citado o trecho do capítulo ―Doze sessões com Pimpa em P.S. 87:
um diário de classe‖, extraído da obra de Lipman (1990):
25
“18 de março de 1992”
A classe leu o último episódio do capítulo 5. ―Há alguma coisa na página 36 que interessa a vocês?‖ ―Sim. Longe e Perto são relações de espaço.‖ Isto lançou uma discussão longa do modo como um termo relacional poderia significar uma relação, da mesma maneira como um substantivo poderia significar uma coisa. Escrevendo a palavra gato no quadro, perguntei ―O que é isto?‖ ―Um gato‖. ―Um gato? Ele tem pelos e garras e ronrona?‖ ―Não, é a palavra para gato‖, eles disseram. Desenhei um gato no quadro. ―O que é isto?‖ ― Um gato‖. ―É?‖, perguntei. A esta altura eles estão mais cautelosos. Alguém diz: ―É um desenho de um gato!‖ ―Ah‖, disse, e desenhei uma moldura em volta da ilustração. ―Então o que é isso?‖ ―É um quadro de um desenho de um gato‖, eles disseram. Então, discutimos se nomes descrevem as coisas que eles querem dizer ou reforme-se ou significam. Levantamos relações de classificação, variando de animais para gatos para (suas sugestões) gatos de pano e gatos selvagens e assim por diante até gatos com nomes próprios. Discutimos ―ser um tipo de‖ como uma relação. A sessão terminou tomando-se uma comparação de relações (cachorrinhos estão para cachorros assim como gatinhos estão para gatos) e contrastando-a com uma comparação de coisas (cachorrinhos são como gatinhos) e com a minha identificação desses dois tipos de coisas como analogias e símiles respectivamente. (p. 189-190)
De acordo com a Profª Paula Ramos de Oliveira (2004):
―A novela tem um caráter (não exclusivo) de compartilhar histórias, interromper em episódios, desdobrar ações e ter uma estrutura fundamentalmente simples. Combina-se, portanto, com a força das narrativas e serve para convívio prazeroso entre pessoas que ouvem ou lêem e comentam o que o autor desenvolve; com certeza, tais razões levaram Lipman a adotar as novelas em seus trabalhos com as crianças. Além do mais – e este talvez seja um dos motivos principais da adoção do gênero novela –, não se trata de fazer uma leitura continuada como em um romance. Cada episódio pode ter a duração de muitas aulas. O objetivo é a reflexão cuidadosa‖. (p. 46)
No Brasil, a tradução das novelas filosóficas componentes do currículo
do método de Filosofia para crianças de Lipman, ficou a cargo exclusivo do
Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças, sendo estas: ―Rebeca‖, única
novela filosófica de autoria de Ronald Reed, dirigida a Educação Infantil;
―Issao e Guga‖, para os educandos das duas primeiras séries do Ensino
Fundamental; ―Pimpa‖, para os estudantes das três séries seguintes do Ensino
26
Fundamental; ―A descoberta de Ari dos Teles‖, voltada para os alunos da
segunda etapa do Ensino Fundamental (6ª, 7ª e 8ª séries); ―Luisa‖, dirigida
aos alunos do último ano do Ensino Fundamental (9º ano) e demais séries do
Ensino Médio, sendo todos estes – com exceção da primeira novela – de
autoria do próprio Lipman.
Walter Kohan (2000) faz uma interessante análise acerca do currículo
do Programa de Filosofia para crianças, ressaltando as habilidades
desenvolvidas e os temas propostos em cada narrativa. Em ―Issao e Guga‖,
indicado para crianças de seis a oito anos de idade, o tema principal a ser
tratado é a natureza e a percepção, e as habilidades desenvolvidas serão as
seguintes: olhar/ver, tocar/apalpar, ouvir/escutar, saborear, cheirar, perceber,
detectar pressupostos, levantar questões, brincar de ser outro, encontrar
alternativas. Tudo isto através dos temas propostos pelas próprias crianças,
tais como: verdade, mundo, amor, natureza, seres vivos, seres humanos,
direitos humanos, esperança, beleza, bem, amizade, ecologia, direitos dos
seres vivos, geologia, cooperação, dentre outros.
Já em ―Pimpa‖, indicado para crianças de nove a dez anos de idade, o
eixo principal é a linguagem, que desenvolverá as seguintes habilidades:
interpretar, criar metáforas, projetar modelos, realizar símiles, traçar
comparações, avaliar analogias, estabelecer relações, dar e pedir razões e
formular perguntas. Como exemplos de possíveis temas propostos pelas
crianças em sala de aula: origem, identidade, beleza, classes, regras, realidade,
amizade, relações, história, nomes, pensar, mente-corpo, corpo/alma, liberdade,
realidade, linguagem, pensamento, espaço-tempo, relato, etc.
Kohan segue a sua análise com a narrativa ―A descoberta de Ari dos
Teles‖, indicada para crianças da faixa etária de dez a treze anos de idade,
que trata da investigação filosófica geral, sendo a lógica o principal ponto a
ser examinado, desenvolvendo as seguintes habilidades: conversão,
27
padronização, ambigüidade, imprecisão, indução, lógica de relações,
silogismo, lógica informal, verdade e validade, silogismo hipotético e
contradição. Como temas que poderão ser propostos pela comunidade de
investigação há diversos, dentre os quais destacam-se: perspectivismo,
objetividade, deus, origem do mundo, ciência arte, mente paradigma,
conhecimento, investigação, verdade, descobrimento, investigação, o bom,
pensamento, idéias, sexismo e racismo.
Em ―Luisa‖, cujo eixo de trabalho contempla a investigação ética com
crianças e jovens de doze a quinze anos de idade, trabalha temas constantes
nas novelas filosóficas tais como direitos humanos, direitos animais, justiça,
bondade, reciprocidade, liberdade/determinismo, solidariedade, personalidade,
mentira, competição, racismo, morte, tentações, dentre outros. Tais temas,
que serão analisados durante as aulas, desenvolverão nos estudantes as
habilidades de ter visão de conjunto, antecipar conseqüências, procurar
consistência, levantar hipóteses, dar e pedir boas razões, universalizar,
considerar o contexto, desenvolver a empatia, detectar pressupostos
valorativos, levar em conta a intenção, considerar a verdade e a falsidade.
Um ponto interessante no método de Lipman é o desenvolvimento de
praticamente todo o trabalho filosófico em grupo, através do que o estudioso
chamou de ―comunidade de investigação‖. Todo o processo de ensino-
aprendizagem filosófico ocorre mediante discussão organizada dos temas
escolhidos em conjunto, a partir da leitura das novelas de Lipman. E qual
seria o papel do professor nesta comunidade de investigação?
Lipman (1990) afirma que em seu método, o professor seria um
facilitador, ou em suas palavras:
―Uma vez que o objetivo é induzir comportamento filosófico e uma vez que as crianças têm uma forte propensão para a expressão verbal, a forma apropriada deveria ser centrada na discussão e não numa aula expositiva. O professor deve ser
28
auto-retraído filosoficamente (sempre atento ao risco de fazer doutrinação inconscientemente) e, contudo, pedagogicamente forte (sempre promovendo o debate entre as crianças e as encorajando a seguir a investigação na direção que ele aponta)‖. (p. 207)
A mediação, proposta por diversos estudiosos do tema, seria, então,
realizada em conjunto, tanto pelo professor quanto pelos alunos. Ou seja: a
comunidade de investigação seria responsável pelo próprio processo dialogo
iniciado a partir da leitura das narrativas filosóficos, da Educação Infantil até o
Ensino Médio, reforçando. Para tanto, é necessário que professores e alunos
participantes das aulas sejam capazes de ouvir uns aos outros em perfeita
harmonia, assim como aceitar opiniões alheias a respeito dos mais diversos
temas.
Sobre a metodologia do Programa de Filosofia para crianças de
Lipman, é importante mencionar alguns procedimentos – válidos para
estudantes e professores –, instituídos para ordenar a comunidade de
investigação e possibilitar os trabalhos: cada participante deverá falar somente
na sua vez e sobre o tema em pauta; os participantes deverão ouvir uns aos
outros; e os participantes deverão dar razoes, argumentar ou apresentar
justificativas quando solicitado ou quando desejarem e a palavra lhes for dada.
Além disso, as aulas do Programa de Lipman seguem um ―roteiro‖ com
algumas etapas pré-estabelecidas, a fim de possibilitar a leitura dos textos
contidos nos manuais dos alunos, seguida de discussão sobre os temas
contidos nas narrativas, sendo as etapas:
1ª) Leitura do texto;
2ª) Formulação de questões pelos estudantes;
3ª) Agrupamento destas questões pelos estudantes;
4ª) Análise dos temas de interesse despertados nos alunos por meio
de exercícios ou debates (preferencialmente).
29
Ressaltando-se que a leitura das novelas filosóficas poderá ser
realizadas de forma individual ou coletiva. A escolha caberá ao professor.
Importante lembrar que os professores do Programa não estão totalmente
livres para conduzir suas aulas, devendo seguir algumas regrinhas e conselhos
presentes nas apostilas e manuais para o professor, além daquilo que foi
ensinado durante os cursos para formação de professores no Centro Brasileiro
de Filosofia para Crianças. Dentro destes manuais para o professor há uma
exposição sumaria das bases teóricas das propostas (na introdução de cada
um deles), seguida de sugestões de atividades didáticas (planos de
discussão, exercícios cujas habilidades cognitivas deverão ser
desenvolvidas), além das questões filosóficas implícitas na narrativa.
De acordo com Lipman (2000), os planos de discussão e os exercícios
filosóficos representam tão-somente uma possibilidade para dramatização do
aluno, uma vez que concentram-se no desempenho das habilidades deste,
durante as discussões e atividades desenvolvidas na comunidade de
investigação. O professor não pode e não deve guardar respostas prontas
dos estudantes. O plano de discussão serve apenas para ensejar o debate de
alguns temas, caso os educandos não os tenham vislumbrado com facilidade,
ou mesmo para aprofundar a discussão e estimular a criatividade.
Os manuais para os professores foram elaborados para atender não
apenas aos professores licenciados em Filosofia, como também àqueles que,
não possuindo formação específica na área filosófica, poderiam ministrar aulas
para crianças utilizando o Programa de Lipman – como os pedagogos. Desde
que fizessem o curso preparatório para formação de professores do Programa
e estivessem subordinados, de certa forma, aos colaboradores (formados ou
especialistas em Filosofia) do Programa.
Muitos autores têm afirmado a importância do método Lipman para o
desenvolvimento do raciocino interdisciplinar de crianças e jovens. PRENDIN
30
(2009), inclusive, traça um paralelo entre as metodologias do Programa de
Filosofia para Crianças de Lipman e da Metodologia Triangular no ensino da
Arte, de Ana Mãe Barbosa:
―No campo da Arte, a Metodologia Triangular oferece suporte para a educação em Arte, com referência a Ana Mae Barbosa e sua publicação. ―A Imagem no Ensino da Arte‖, da década de oitenta do século XX. Nesta obra, a apreciação, o fazer artístico e a História da Arte são o tripé que orienta da formação e a construção do conhecimento artístico. Esta formação procura garantir uma visão mais ampla do saber em Arte, visto que contempla habilidades expressivas, conceitos de cultura e compreensão estética. Nesta metodologia a imagem possui foco estratégico, pois é a partir desta que o processo se desenvolve para as artes visuais. As estratégias exemplificadas em sua proposta utilizam o diálogo como elemento importante e estimulam vivências que tornem mais significados os conteúdos específicos apresentados. As atividades assim caminham para uma produção de idéias e a formação de opiniões mais fundamentadas e abertas às demais formas de interpretação, expressão e, conseqüentemente, comunicação criativa. Observa-se, assim, um reforço à participação efetiva do educando na própria aprendizagem. Ao relacionar estas duas metodologias, propõe-se uma Educação para Pensar que se utilize da Arte, em especial as artes visuais, como recurso para a problematização filosófica, que seja deflagradora de temas, proponha desenvolvimento de habilidades cognitivas (em especial habilidades de tradução e interpretação), estimule a comunicação e a expressão dos envolvidos no processo. No Ensino de Arte a metodologia da Educação para o Pensar aproxima questões estéticas na apreciação da obra de arte e conduz, através do diálogo, também o desenvolvimento de habilidades cognitivas que reflete-se na formação artística do educando, mas também na potencialização da compreensão do humano inserido no ambiente escolar‖. (PRENDIN, 2009, p. 5124)
A Filosofia, dentro da metodologia desenvolvida por Lipman, ao
estimular habilidades tais como a pesquisa, a tradução, a formação de
conceitos e do pensamento crítico e criativo, encaminha o estudante ao
pensamento multidimensional.
Tal afirmativa pode ser facilmente encontrada ao analisar o currículo
do Programa de Filosofia para crianças: as narrativas não contemplam apenas
31
os saberes escolares relacionados ao campo filosófico, como também aos
demais campos do conhecimento humano. Em ―Issao e Guga‖, por exemplo,
os conhecimentos de ciências são enfatizados por Lipman. Em ―Pimpa‖, são
trabalhados os conhecimentos relacionados ao campo lingüístico. Já em ―A
descoberta de Ari dos Teles‖, Lipman trabalha com a lógica formal, ao passo
que em ―Luiza‖, são trabalhados os conceitos ligados à investigação ética.
Pode-se notar que o currículo do Programa foi cuidadosamente desenvolvido
e acordo com o próprio amadurecimento da criança. Inicialmente, é possível a
uma criança nas primeiras séries do Ensino Fundamental, aprender a pensar
através de temas relacionados ao campo científico, questões das quais já
ouviu falar, já experimentou em seu cotidiano ou mesmo já está começando a
estudar na instituição escolar. Assim, os temas tratados em ―Issao e Guga‖,
tornam-se muito mais palatáveis à criança, fazendo com que os estudantes
consigam dialogar uns com os outros a respeito de narrativa e dos temas
suscitados a partir da leitura desta, elaborar trabalhos e compreender o
próprio mundo em que vivem.
A compreensão da realidade na qual estão inseridos é uma
prerrogativa da Filosofia, como também da própria Educação. E Lipman
persegue este objetivo, durante todo o Programa: em ―Pimpa‖ e em ―A
descoberta de Ari dos Teles‖, serão trabalhados o campo lingüístico e o campo
lógico, aliando este último a semântica, presente no primeiro. E, em ―Luísa‖, o
jovem será introduzido aos temas éticos. Com isto, Lipman pretende formar
crianças e jovens conscientes de si e capazes de compreender a si mesmos,
ao outro e a meio no qual estão inseridos, através do pensar, do filosofar.
32
CAPÍTULO IV
FILOSOFIA PARA CRIANÇAS NA SOCIEDADE DA
INFORMAÇÃO
Como cantou CAZUZA (1989), décadas atrás: ―O tempo não pára‖.
Cada vez mais o mundo ―gira‖ a uma velocidade que, se o professor não
acompanhar satisfatoriamente, ele eventualmente será superado por seus
pupilos, de forma irretratável. Segundo CARVALHO (2007):
―No mundo contemporâneo há dois grandes pólos geradores de conhecimento para os indivíduos. No entanto, os dois podem se converter para um único fim: o aprendizado humano. (...) a vivência sócio-cultural, fora das instituições de ensino e, dentro, a formação acadêmica. No entanto, não se pode ingenuamente pensar que a vivencia sócio-cultural dos alunos e dos professores não interfira na organização do trabalho pedagógico e vice-versa. Percebendo essa interdependência é importante incluir experiências vividas, normalmente fora das salas de aula, nos métodos pedagógicos utilizados para formação de futuros profissionais‖. (p. 13)
Assim, dois questionamentos poderiam ser feitos: o ensino da Filosofia
para crianças deve ser restrito aos textos filosóficos e livros didáticos de
Filosofia? Seria possível a utilização de mídias diversas em sala de aula –
jornais, revistas, internet, dentre outras – ultrapassando a repetição de
conceitos, fórmulas e frases de efeito, muita vezes incompreensíveis ou
pouco significativas para o educando?
Alguns autores acreditam ser possível fazer filosofia em sala de aula
com qualquer tipo de material – didático ou não. Outros são irredutíveis, não
aceitando nada além dos textos filosóficos já consagrados e alguns livros
didáticos para o ensino da Filosofia.
33
Analisando a obra de Lipman, é forçoso dizer que é possível fazer
filosofia com outros materiais, desde que estes possuam fundamento
filosófico adequado. Daí as narrativas elaboradas por Lipman para o público
infanto-juvenil. Todas elas possuem conceitos e conhecimentos filosóficos
embutidos, que serão apresentados pelos personagens no desenrolar de
suas histórias, a fim de que o público-alvo consiga identificá-los, debatê-los
entre si, desenvolvendo novas habilidades cognitivas, motoras e afetivas.
Atualmente, a INTERNET constitui uma poderosa aliada educacional.
O professor poderá utilizar diversas ferramentas, tanto de pesquisa, quanto
de construção de conhecimento, para a confecção de materiais didáticos,
elaboração de aulas, como também, para dar continuidade ao processo de
ensino-aprendizagem fora do ambiente escolar.
É possível a construção do blogs, wikis, fóruns ou grupos e listas de e-
mails para discussão de assuntos filosóficos com alunos de Ensino Médio,
por exemplo. Tais atividades aproximam o professor dos estudantes, fazendo
com que o aprendizado torne-se menos monótona do que as aulas filosóficas
meramente expositivas, nas quais muitos dos alunos têm o costume de ―tirar
uma soneca‖.
O trabalho com estas ferramentas da web encontra cada vez mais
espaço em instituições escolares – tenham ou não as famosas salas de
informática – não só devido ao baixo custo operacional (grande parte delas
são gratuitas), como também pela facilidade em manuseá-las (a interface
gráfica e os tutoriais auxiliam no funcionamento de toda web).
Como exemplo, um blog cooperativo, onde toda a turma de 9° ano do
Ensino Fundamental comenta a narrativa ―Luísa‖ de Lipman. A tarefa do
professor poderia ser a de fomentador da discussão, inseridos novos temas
para o debate ou mesmo suscitando novas situações dentro da própria
34
realidade dos estudantes. Assim, no Episódio 1, do Capítulo 1, onde o tema
principal gira em torno de ―Podemos amar os animais e comê-los?‖, o
trabalho poderia ser levado à cada casa onde houvesse um aluno deste
professor, ampliando o questionamento e a reflexão do tema às famílias
destes indivíduos.
Desta forma, na primeira postagem sobre o assunto, o professor ou um
estudante selecionado faria uma introdução sobre o tema, abordando a
problemática, para que depois todos os estudantes e, possivelmente alguns
familiares e amigos que assim desejassem, manifestassem suas próprias
opiniões a respeito, sob a forma de comentários.
Na aula seguinte, o professor mediaria um debate sobre a postagem e
os respectivos comentários, solicitando que, após a discussão feita pela
comunidade investigativa – como diria Lipman –, os alunos fizessem uma
postagem coletiva a respeito do assunto tratado, com as suas reflexões sobre
o tema debatido no blog e em sala.
Outras opções já testadas e aprovadas com estudantes, desta vez do
Ensino Médio11, são a leitura de obras da Mitologia Grega, tais como a
―Odisséia‖ e a ―Ilíada‖, ambas de Homero, exibição de filmes baseados nas
obras literárias, seguidos de debate com todas as turmas e passeio a
Museus, com posterior adesão de professores de outras disciplinas (Artes,
Música, Português, dentre outras) a um Projeto Interdisciplinar, para a
confecção de Oficina Teatral e de Vídeos temáticos.
A leitura de mitos gregos é de sua importância para o estudo da
Filosofia e constitui objeto de extremo interesse para o público jovem. Nos
mitos há uma primeira tentativa de explicação para as coisas, em especial
11 Durante Estágio Supervisionado no Colégio Pedro II – UNED Niterói, durante o ano de 2008, sob orientação do Prof° Regente Paulo Alexandre Marcelino Malafaia Moreno.
35
para os eventos da natureza, fatos que serão posteriormente estudados pelos
Filósofos Pré-socráticos.
Os mitos gregos constituem um excelente material para a
compreensão do mundo grego antigo, possibilitando ao jovem traçar um perfil
de quem seria o homem grego daquele período, e de como era a realidade
sócio-cultural na qual ele estava inserido. Desta forma, o estudante
conseguirá elaborar um estudo acerca do que seria a mitologia, suas
principais características e, conseqüentemente, das distinções entre esta e a
Filosofia, que surgirá a seguir.
O trabalho executado a partir de leitura dos textos – adaptados ou não
– com o apoio de filmes longa metragem produzidos internacionalmente é de
grande valia para debates entre os alunos. Nem sempre o que é lido terá o
mesmo impacto daquilo que é visto. Daí, também, a necessidade de visitas
guiadas a museus que possuam obras de arte da época, tais como estátuas
dos deuses gregos.
Imagens coletadas da INTERNET ou em livros de arte são
interessantes para a visualização dos mitos gregos. Servirão, também, para a
confecção de vestuário e de objetos de cena ou para idealização de cenários
para atividades teatrais ou de áudio-visuais (como produção de vídeos
caseiros ou curta-metragens ou animações).
Não se pode esquecer dos documentários produzidos especialmente
para as instituições escolares ou produzidos para exibição em canais de
televisão, como The History Channel, The Discovery Channel, Canal Futura,
Rede Educativa, dentre outros, que poderão ser utilizados como material
didático pelo professor para ilustrar as aulas de Filosofia:
―Cabe ao professor, diante da situação específica de cada ação pedagógica e do contexto e das condições vivenciadas
36
pelos alunos, construir estratégias eficientes para cada situação, utilizando os meios de comunicação de acordo com os objetos a serem alcançados, ou seja, é imprescindível que ele seja um mediador pedagógico‖. (CARVALHO, 2007, p. 63)
Os recursos midiáticos têm sido bastante explorados nos cursos de
formação de professores, tanto de Pedagogia quanto de Filosofia. Muitos
professores em formação não fazem idéia da quantidade e da qualidade do
instrumental à disposição na atual sociedade da informação.
Não serão apenas as ferramentas disponíveis na web que poderão ser
utilizadas como recursos didáticos. A exibição de filmes, documentários ou
até mesmo de vídeos produzidos pelos próprios estudantes constituem
recursos didáticos valiosíssimos para o processo de ensino-aprendizagem.
Até mesmo a elaboração de maquetes, de desenhos ou pinturas ou a
composição de músicas são válidas.
Como exemplo de mídia na educação filosófica, será utilizado aqui o
cinema: o professor deverá, ao escolher o cinema como recurso didático para
o ensino filosófico para jovens, cuidar para que os critérios de escolha do
título não reflitam um mero capricho pessoal, devendo estabelecer
claramente os motivos para a escolha.
Além disso, deve-se atentar para o fato de que em uma mesma
película há grande diversidade de temas e questões que poderão ser
explorados em sala de aula – alguns deles, talvez, não serão apropriadas
para determinadas faixas etárias – o que levará o professor a elaborar
antecipadamente a ficha técnica do filme e a assisti-lo cautelosamente,
colocando o tema principal em evidência, assim como as cenas mais
importantes para a compreensão da história. Uma pequena observação: o
professor não deve parar o filme antes do final, a não ser que seja
absolutamente necessário, para evitar perda de informações. Segue exemplo
37
de ficha técnica12, utilizada por diversos professores do Ensino Médio, de
filme destinado à apresentação para jovens:
Ficha técnica do filme: ―O homem que virou suco‖ Gênero: Drama Duração: 90 min Lançamento: 1980 Direção: João Batista de Andrade Roteiro: João Batista de Andrade Música: Vital Farias Fotografia: Aloysio Raulino Figurino: Marisa Rebolo Edição: Alain Fresnot Elenco: José Dumont (Deraldo/Severino), Aldo Bueno, Rafael de Carvalho, Ruthinéa de Moraes, Denoy de Oliveira, Dominguinhos, Ruth Escobar, Vital Farias e grande elenco. Premiações: - Medalha de Ouro (Melhor Filme) no Festival Internacional de Moscou 1981 - Festival de Gramado 1981: Melhor Roteiro, Melhor Ator, Melhor Ator Coadjuvante - Festival de Brasília 1980: Melhor Ator - Festival Internacional de Huelva (Espanha) 1981: Melhor Ator - Prêmio Mérito Humanitário (Juventude Soviética – Moscou) 1981 - Festival de Nevers (França) 1983: Melhor Filme, Prêmio da Crítica - Prêmio Qualidade Concine 1983 (Brasil) - Prêmio São Saruê, concedido pela Federação dos Cineclubes do Rio de Janeiro 1983 Tema da Aula: Identidade e Liberdade Objetivos: Apresentar as questões relativas a identidade e a liberdade ao aluno, tendo como exemplo as situações do filme. Demonstrar a relação existente entre a identidade e a liberdade no âmbito filosófico. Examinar as questões na atualidade, traçando paralelos com a época em que o filme foi feito. Estratégias/Metodologia: Exibição do filme: ―O homem que virou suco‖, seguida de debate acerca das questões: ―identidade/ser para si mesmos‖, ―identidade/ser para os outros‖, ―identidade/ser para a sociedade‖, ―como a sociedade vê a identidade do indivíduo‖ e ―há liberdade para escolhermos nossas próprias identidades?‖, traçando uma comparação entre o Brasil da época em que o filme foi feito e o Brasil atual. Teria Deraldo, cuja identidade para si mesmo seria ―o poeta nordestino‖, visto por todos os outros como ―mais um
12 Parte de trabalho apresentado à Profª Dra. Íris Rodrigues de Oliveira, como um dos requisitos para obtenção de grau na disciplina de Didática Especial do Ensino de Filosofia I, durante o curso de Licenciatura em Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no ano de 2008.
38
desempregado‖ (num primeiro momento) ou como ―o empregado que matou seu padrão‖ (num segundo momento), liberdade para impor a sua própria identidade dentro da sociedade brasileira da época, que o vê como ―alguém deve ter uma identidade (um RG) para poder ser um cidadão e poder vender seus poemas‖ em que o filme foi feito e nos dias atuais. Instrumento: Filme ―O homem que virou suco‖, seguida de debate com os alunos. Avaliação: Participação dos alunos no debate suscitado após a exibição do filme.
O cinema dentro da educação filosófica pode ser dividido em alguns
eixos de interesse, tais como: filmes sobre a biografia de filósofos – muitos
deles dirigidos por Roberto Rosselini13, Liliana Cavani14, G. Montaldo15 e
Derek Jarman16 –; filmes com temas filosóficos – algumas obras de Ingmar
Bergman17 e dos irmãos Wachowshi18 se encaixam nesta classificação,
dentre outros.
De acordo com CARVALHO (2007):
―Com a utilização da linguagem audiovisual pelos professores, o trabalho pedagógico pode ser mais diversificado, contudo mais complexo. Para se escolher o material a ser exibido em sala de aula e empregá-lo de forma a alcançar os objetivos pretendidos pelos educadores é importante que se tenha conhecimento das funções das diversas linguagens audiovisuais‖. (p. 27)
Assim, para que a criança e o jovem inseridos neste mundo
informatizado e midiatizado possam prolongar o processo de ensino-
13 Um bom exemplo seria o drama SÓCRATES.Produção de Radiotelevisione Italiana. Itália: New Yorker Films Distribuidora, 1971. TV (20 min.): Mono, color. 14 PARA ALÉM DO MAL. Produção de Clesi Cinematográfica. Itália: United Artist, 1977. Filme (127 min): Mono, color. 15 GIORDANO BRUNO. Produção de Compagnia Cinematográfica Champion. Itália. Globo Vídeo, 1973. VHS (114 min): Dolby, color. 16 WITTGENSTEIN. Produção de BFI Production. Reino Unido: Zeitgeist Films, 1993. Filme (75 min): Dolby, color. 17 O SÉTIMO SELO. Produção de Svensk Filmindustri. Suécia: Svensk Filmindustri, 1957. Filme (96 min): Mono, Preto e branco. 18 MATRIX. Produção de Groucho II Film Partnership. EUA: Warner Bros. Pictures, 1999. Filme (136 min): DTS, color.
39
aprendizagem para além dos muros da escola, é essencial que os professores
utilizem todos os recursos e mídias disponíveis em suas aulas e também fora
delas, como um ―dever de casa‖ atual.
Tendo em vista o que está sendo debatido no presente trabalho
monográfico, seria possível, então, a utilização de mídias diversas em sala de
aula – jornais, revistas, ferramentas da INTERNET, dentre outras –
ultrapassando a repetição de conceitos, fórmulas e frases de efeito, muitas
vezes incompreensíveis ou pouco significativas para o educando?
Pode-se afirmar ser possível a utilização de toda e qualquer mídia pelo
professor durante as suas aulas, desde que as mesmas não se transformem
no foco principal do processo de ensino-aprendizagem. Ou seja: ao utilizarmos
a literatura brasileira ou a literatura internacional, nenhuma delas deve ser o
objeto principal da atenção dos estudantes. Deve-se, a partir da leitura das
mesmas, de sua contextualização, do seu debate em sala de aula, ser retirado
aquilo que interessa – o conteúdo filosófico – de suas entrelinhas, por assim
dizer. Desta forma, o aluno conseguirá obter significado em seu aprendizado,
tornando-o mais eficaz e prolongado no espaço e no tempo.
40
CONCLUSÃO
No presente trabalho os autores analisadores sinalizam a
comprovação da hipótese de que a Filosofia é uma disciplina fundamental
para a construção da identidade do indivíduo, ao serem trabalhadas suas
capacidades críticas e reflexivas acerca da sociedade na qual estão inseridos.
Foi exposto, também, que a educação filosófica, através da construção
coletiva do conhecimento em sala de aula, pelos estudantes e pelo professor,
confere significância ao saber, às informações dispostas no mundo, bem
como àquelas ensinadas na própria escola. Um símbolo, um texto, um
acontecimento, uma inovação tecnológica passam a conter significado
através da reflexão filosófica, da crítica.
A Educação Filosófica voltada para o público infanto-juvenil encontra
diversos defensores, tanto no plano nacional, quanto no plano internacional,
sendo Matthew Lipman um dos mais conhecidos. Quiçá agora, com o retorno
da Filosofia como disciplina obrigatória no Ensino Médio e com os discursos a
favor da Educação – para todos e como um dever do Estado – cada vez mais
freqüentes no meio político global, a formação integral do ser humano passe
a ser um dos objetivos cumpridos da própria sociedade da informação?
A Filosofia como disciplina essencial para a formação da criança
encontra como seu principal porta-voz o professor Matthew Lipman, que
através da criação e do desenvolvimento do seu Programa de Filosofia para
Crianças, mostrou ser possível a educação filosófica desde cedo, aliada ao
programa tradicional, de forma interdisciplinar, gerando crianças com
competências e habilidades crítico-reflexivas acerca de si, do outro e do
mundo no qual se encontram.
41
O Programa de Filosofia para Crianças de Lipman tem como
fundamento a comunidade de investigação, o grupo do qual todas as crianças
– estudantes fazem parte, junto com o professor-mediador, onde debatem
temas surgidos e/ou descobertos por eles mesmos, através da leitura das
novelas filosóficas escritas para o próprio Programa. Tais temas tem relação
direta com a faixa etária dos leitores, bem como seus interesses e prováveis
conteúdos curriculares da escola, possibilitando, desta forma, um debate não
apenas filosófico, como também, interdisciplinar.
A Educação passa por um constante estado de transformação. O atual
envolve a prática pedagógica e as questões acerca da utilização ou não das
novas tecnologias educacionais.
Conclui-se, pois, pela defesa da utilização de mídias diversas dentro
educação filosófica com crianças e jovens, seja através de computadores
conectados a web, seja por meio de produção de materiais audiovisuais pelos
próprios estudantes, como já tem sido feito em diversas instituições de
ensino.
É imperioso que a Educação não se deixe superar pela tecnologia,
sendo certo que esta última consubstancia-se em meio a ser utilizado para a
consecução dos fins perseguidos pelo educador.
42
BIBLIOGRAFIA
ASPIS, Renata Lima. Ensinar filosofia: um livro para professores. 1 ed.
São Paulo: Atta Mídia e Educação, 2009, 152p.
BRASIL, Congresso Nacional. Lei n° 9.394 de 1996. Brasília-DF: 1996.
BRASIL, Congresso Nacional. Lei n° 11.684 de 2008. Brasília-DF: 2008.
CARVALHO, Renata I. B. de. Universidade Midiatizada: o uso da televisão
e do cinema na Educação Superior. 1 ed. Brasília: SENAC-DF, 2007, 172p.
GALLO, Silvio (org.). Filosofia no ensino médio. 3 ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2000, 208p.
GALLO, Silvio (org.). Filosofia do ensino de Filosofia. 1 ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2003, 192p.
KOHAN, Walter O. (org.) Filosofia para crianças: a tentativa pioneira de
Matthew Lipman. 3 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, 184p.
_______________ (org). Filosofia para crianças na prática escolar. 2 ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1999, 224p.
_______________ (org). Filosofia para crianças em debate. 2 ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2000, 464p.
_______________ (org). Filosofia para crianças: possibilidades de um
encontro. 1 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999, 272p.
43
LELEUX, Claudine (org). Filosofia para crianças: o modelo Matthew
Lipman em discussao. 1 ed. Porto Alegre: ARTMED, 2008, 272p.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 29. Reimp. São Paulo: Cortez, 2009, 264p.
LIPMAN, Matthew. A Filosofia vai à escola. 2 ed. São Paulo: Summus,
1990, 256p.
LIPMAN, Matthew. A descoberta da Ari dos Teles. 1 ed. São Paulo: Difusão
de Educação e Cultura, 1997, 96p.
LIPMAN, Matthew. Issao e Guga. 2 ed. São Paulo: Difusão de Educação e
Cultura, 1997, 66p.
.
LIPMAN, Matthew. Luísa. 3 ed. São Paulo: Difusão de Educação e Cultura,
1999, 120p.
LÓPEZ, Maximiliano Valerio. Acontecimento e experiências no trabalho
filosófico com crianças. 1 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008, 108p.
NOBRE, Marcos (org). Ensinar Filosofia: uma conversa sobre aprender a
aprender. 1 ed. Campinas, SP: Papiris, 2007, 112p
OLIVEIRA, Paula Ramos de. Filosofia para a formação da criança. 1 ed.
São Paulo: Pioneira Thompson Learnnig, 2004, 240p.
SILVEIRA, Renê J. Trentin. Matthew Lipman e a filosofia para crianças:
três polemicas. Campinas, SP: Autores Associados, 2003, 124 p.
44
SOFISTE, Juarez Gomes. Sócrates e o ensino da Filosofia. Investigação
dialógica: uma pedagogia para a docência de filosofia. 1 ed. Petrópoles, RJ:
Vozes, 2007, 160p.
45
WEBGRAFIA
CERQUEIRA, Luiz Alberto. O aristetolismo como tradição originária da
filosofia no Brasil. http://filosofiabrasileiracefib.blogspost.com/ , acessado
em 01/09/2010 (v. Anexo 1)
MEDEIROS, Josemir Teixeira. A aplicação do blog no ensino da Filosofia.
http://www.pucpr.br/eventoseducere/educere2009/anuais/trabalhos_1.htm,
acessado em 01/09/2010.
PRENDIN, Andrea. A metodologia de Filosofia e a Arte no Ensino
Fundamental.
http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2009/anais/trabalhos_3.html,
acessado em 01/09/2010.
Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Jesu. Auctoritate Septimae
Congregations Generalis aucta. Antverpiae apud Joan. Meursium, 1635, en
8°. Ratio Studiorum Oficial 1599. Trad: Gustavo Amigó, S. J. Ver: Dr. Daniel
Álvarez, S.J.
http://www.puj.edu.co/pedagogia/documentos/Documentos_Cooperativos_Co
mpania_Jesus.pdf, acessado em 01/04/2010.
46
ANEXOS
Índice de anexos
Anexo 1 >> Artigo de INTERNET – O Aristetolismo como tradição originária
da Filosofia no Brasil;
47
ANEXO 1
ARTIGO DA INTERNET
Centro de Filosofia Brasileira
CENTRO DE FILOSOFIA BRASILEIRA-CEFIB
IFCS, UFRJ Largo de São Francisco, Rio de Janeiro, Brazil
Nossa missão é promover, desenvolver e divulgar o estudo filosófico no Brasil a partir da singularidade da experiência histórico-cultural brasileira e em função da universalidade de problemas. Temos como objetivo investigar as fontes e as perspectivas da ideia de filosofia brasileira, envolvendo o aristotelismo como tradição originária e a exigência da consciência de si como princípio de todo o saber. Em virtude da origem ibérica do aristotelismo no Brasil, mantemos ligação com pesquisadores de Portugal e de Espanha e, por esta mesma via, nosso interesse se estende à história da filosofia na América Latina. A par das atividades de ensino e pesquisa, criamos o Seminário Internacional Farias Brito para funcionar como fórum de debates, promovendo um encontro anual aberto ao público. Nosso lema: "Fideliter Non Serviliter".
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
O aristotelismo como tradição originária da filosofia
no Brasil Luiz Alberto Cerqueira (UFRJ) Notas ao fim do texto As referências ao aristotelismo no Brasil têm a sua origem na Ratio Studiorum, o método pedagógico dos jesuítas cuja versão definitiva foi promulgada como lei, em1599, e ao qual devemos reportar-nos para saber o que e como era o ensino de filosofia desde a fundação dos três primeiros colégios da Cia de Jesus — na década de 1560, no Rio de Janeiro, em Pernambuco e na Bahia[1] — até a reforma pombalina da universidade, em 1772. Sem dúvida, a recomendação da doutrina de Aristóteles, que já se encontra nas Regras do Prefeito dos Estudos[2], e principalmente nas Regras do Professor de Filosofia, é a de um suposto caminho universal e seguro, sem o qual não se compreende a missão educativa da instituição de promover a ascensão da alma ao conhecimento contemplativo do Criador[3]. Mas, afinal, tem significado filosófico esse aristotelismo oficial? Na versão da Ratio Studiorum de 1565-1570 já são indicadas, nos textos de Aristóteles, as questões que devem ou podem ser omitidas, as que devem ser estudadas apenas sumariamente e
48
as que devem receber maior atenção, o que revela a função dessas indicações de proteger a missão educativa institucional. Mas elas não são, de modo algum, aleatórias. No caso da Metafísica, por exemplo, deve observar-se a prioridade dada aos livros I, V, VII, VIII, IX e XII, o que pressupõe não só a preocupação de hierarquizar os conteúdos, mas também uma compreensão da obra de Aristóteles como um todo[4]. Neste sentido, o aristotelismo da Ratio Studiorum pressupõe um conceito da própria filosofia. Mas, qual? Considerando-se o estudo filosófico sob a égide de decretos conciliários[5], a sua condição é a de uma atividade tutelada. É a condição oposta daquela dos filósofos ditos modernos, a exemplo de Descartes, celebrado como o que tirou a filosofia dos bancos da escola e a emancipou, restituindo-lhe a sua única autoridade, a da razão. Mas embora estes dois conceitos — filosofia tutelada e filosofia emancipada — sejam contraditórios no plano teórico, as duas condições de atividade do espírito na verdade podem coexistir no plano da ação, ainda que numa luta marcada pela controvérsia. Sem o sentido dessa luta não podemos dar conta da filosofia em sua historicidade. E como prova, refiro-me à história do próprio aristotelismo até a sua consagração oficial na Universidade de Paris, em 1366, quando a Santa Sé impôs aos candidatos à Licenciatura de Artes a obrigação de estudar os mesmos textos aristotélicos tão longamente proibidos pela autoridade papal. Suponho, portanto, que a mudança de método na maneira de pensar introduzida pelos ―modernos‖ teoricamente nada tem a ver contra a exegese de textos de Aristóteles, senão contra a filosofia tutelada[6]. Desse ponto de vista, julgo necessário um esclarecimento acerca de uma antiga tese de Sílvio Romero, que em estudo pioneiro afirmou, ―em virtude da indagação histórica, que a Filosofia, nos três primeiros séculos de nossa existência, nos foi totalmente estranha‖[7]. Parece-me claro que, enquanto referência histórica da ideia de filosofia brasileira, essa tese deve ser o ponto de partida para a discussão acerca da significação do aristotelismo em uma História da Filosofia no Brasil. Minha intenção é dupla: (i) combater a concepção historicista da filosofia no Brasil, e (ii) consolidar a ideia, já apresentada no meu livro Filosofia brasileira – Ontogênese da consciência de si, do aristotelismo como tradição originária da filosofia no Brasil. ******* Se concebêssemos as ideias filosóficas como fenômenos históricos, cuidando, porém, que na História a evolução segundo a seleção natural também é uma lei, certamente seríamos levados a concordar com Sílvio Romero quanto ao modo de explicá-las pelo critério da descendência dentro da cultura a que os filósofos pertencem enquanto povo. Seu exemplo é o da filosofia alemã: ―Kant dá Fichte; este dá Schelling e, por uma razão imanente ao sistema, aparecem, ao mesmo tempo, Hegel e Schopenhauer‖[8]. Com base nesse critério, à medida que ele estudava as obras filosóficas de seus conterrâneos constatava que ―neste país, ao contrário, os fenômenos mentais seguem outra marcha‖, pois, ―as ideias dos filósofos, que vou estudando, não descendem umas das outras‖[9]. Ora, se o fenômeno filosófico presente deve ser considerado o último elo de uma corrente, como realizar uma História da Filosofia no Brasil se os autores estudados não se conheceram? E mesmo quando, por exceção, se conheceram — considere-se, portanto, que
49
Gonçalves de Magalhães foi aluno de Francisco de Mont‘Alverne —, se nenhum aproveitou do antecessor? Tal situação se constituiu num dilema. Teoricamente, o dilema de Sílvio Romero apresenta a seguinte configuração historicista: ou as ideias filosóficas têm a sua origem na história da cultura nacional ou não têm, sendo que, independentemente das hipóteses, a história da filosofia segue a sua marcha para o futuro. Mas a natureza do dilema tem a ver com os instrumentos metodológicos utilizados. No Brasil, a questão sobre o uso de critérios das ―ciências naturais‖, como o de Darwin, para explicar os fenômenos mentais, só passou a ser discutida criticamente mais tarde, por Farias Brito. Portanto, como Sílvio Romero não se deu conta do problema, parece logicamente compreensível que, uma vez que ele tivesse reconhecido a existência de um processo de assimilação da filosofia moderna no Brasil[10], mas, ao mesmo tempo, não encontrando na história da própria cultura brasileira a fonte dessa modernização, ele considerasse importante ressaltar que, em nosso caso, ―a fonte [...] é extranacional‖[11]. Assim se explica por que Sílvio Romero apontou como premissa de uma História da Filosofia no Brasil a falta de um elo irredimível entre o passado e o presente. E nessa mesma perspectiva historicista, tomando o futuro como a tendência de um processo objetivo e universal (o famigerado ―bonde da História‖), e considerando que em virtude desse elo perdido por necessidade os estudiosos da filosofia têm que buscar em outras culturas a fonte de sua inspiração, filiando-se a autores estrangeiros, também não surpreende a conclusão de Sílvio Romero de que o fato de a fonte ser extranacional ―não é um prejuízo, antes equivale a uma vantagem‖[12]. Como tentativa de superação do dilema romeriano, temos a teoria de Miguel Reale. Para ele, a filosofia no mundo moderno vive da recepção das ideias universais condicionadas ao contexto cultural de cada povo. Vendo de uma maneira muito simplificada, ele substituiu o critério da descendência segundo a seleção natural pelo critério da recepção segundo a preferência. Para tanto, ele se baseou na distinção entre dois sentidos da cultura e na relação de imanência entre eles, ao referir-se à ―maneira pela qual cada ‗cultura fundamental‘ e, no seio desta, cada ‗cultura nacional‘ situam os problemas da filosofia‖[13]. Sendo a cultura, neste último sentido, constituída pelas preferências comuns de um povo referidas a causas geográficas, étnicas, lingüísticas, como também a conjunturas históricas, no primeiro sentido a cultura seria constituída pelo permanente empenho, de caráter ontológico e universalizante (e por isso mesmo extranacional), de condicionar essas preferências a padrões ou tendências gerais subjacentes ao desenvolvimento histórico[14]. A tarefa específica dos filósofos seria, portanto, a recepção de ideias e problemas universais. Mas o modo de recepção em função da preferência, como fator condicional da experiência e da vida de um povo, é que conferiria o caráter nacional à atividade filosófica. Embora incensado como o fundador da primeira e única corrente filosófica brasileira — o ―culturalismo‖ —, Miguel Reale manteve a mesma perspectiva historicista de Sílvio Romero. Como primeiro elo de sua corrente ele ―descobriu‖ Tobias Barreto[15], cujo conceito da cultura como antítese da natureza segundo uma causalidade final ele interpretou como sendo a consolidação da preferência brasileira pelo modo do ser moderno, e pelo futuro da própria filosofia[16], em oposição à preferência portuguesa circunscrita às próprias tradições (o referido ―tradicionalismo
50
em Portugal‖). Dessa maneira, Miguel Reale condenou ao limbo a filosofia no Brasil durante o período colonial[17], no que foi seguido por muitos, principalmente Antônio Paim com sua prestigiosa História das ideias filosóficas no Brasil, logrando, assim, estabelecer a perspectiva historicista como um ponto de vista comum para todo o estudioso da filosofia no Brasil[18]. A esta perspectiva historicista eu me oponho. Certa vez, ao tentar esclarecer o conceito do aristotelismo no Brasil, logo fui interrompido — ―Mas qual aristotelismo? Em que período?‖ Sejamos claros: há muitas vantagens em considerar separadamente o plano teórico das idéias, assim como há muitas maneiras de mostrar que essa separação é só de razão. O caráter filosófico das idéias e dos problemas, como se sabe, é o fato de serem universais. Mas tendo em vista a relação entre os universais e o homem particular que os concebe, em que sentido se deve entender que ―o caráter universal não exclui que a filosofia seja nacional‖? Ao que parece, este corolário de Giovanni Gentile é uma corruptela do famoso argumento de Tomás de Aquino em que este conclui que o caráter abstrato do universal ―homem‖ não exclui a matéria, apenas não inclui as determinações acidentais e circunstanciais do corpo ou matéria assinalada deste homem particular[19]. Ora, parafraseando o argumento original: se a universalidade das ideias não exclui o ―eu penso‖, mas apenas não inclui as minhas determinações particulares enquanto sujeito de ideias (nomeadamente: a cultura nacional), então posso concluir com maior precisão e rigor que o caráter universal das ideias filosóficas, isto é, o modo como são concebidas, é indiferente ao contexto e à nacionalidade de quem as concebe. Em outras palavras: a exigência de universalidade nas ideias filosóficas não impede o conhecimento particular de si mesmo como povo dentro de um contexto histórico e condicionado à circunstância da cultura nacional, mas a recíproca não é verdadeira. Assim, à medida que a filosofia se emancipou da tutela da teologia, ficando o problema da relação entre a fé e a razão exclusivamente para a teologia, estabeleceu-se desde então um novo ideal de conhecimento dentro das diferentes culturas modernas. Este ideal é a ciência universal e objetiva, como a entendemos desde a ―revolução científica‖ empreendida pelos físicos modernos. E foi ao abrigo da ciência do homem moderno, assimilada como tendência, que Sílvio Romero passou a combater o caráter transcendente e contemplativo do antigo ideal de conhecimento na cultura brasileira, afirmando, por exemplo, que a poesia, assim como a religião, ―perdeu todos os ares de mistério, depois que a ciência do dia imparcial e segura penetrou, um pouco mais amplamente, no problema das origens‖[20]. Até aí, tudo bem. Mas a circunstância histórica do seu uso da ciência contra o ―atraso‖ da filosofia no Brasil, então denunciado por Tobias Barreto[21]), o impediu de ver a aplicação do critério genético de Darwin à história das ideias como um problema filosófico. Não sei qual o propósito de tentar justificar o injustificável. Afinal, o que seria uma preferência cultural brasileira por uma postura ―mais crítica, pessimista e cética‖[22], enquanto se manteve a filosofia tutelada no Brasil? Quando eu disse que o aristotelismo português configura-se como um meio exclusivo, uma porta independente, pela qual tanto se pode chegar à filosofia medieval e daí à filosofia antiga, como se pode chegar à filosofia moderna e daí à filosofia contemporânea[23], usei ‗meio exclusivo‘ para referir-me ao peculiar significado que esse estudo pode acrescentar à formação filosófica no Brasil de hoje. Peculiaridade
51
esta que faz do aristotelismo da Ratio Studiorum a condição de possibilidade da emancipação da filosofia no Brasil. Defendo um conceito de filosofia brasileira que implica o aristotelismo da Ratio Studiorum como sendo a sua condição. Do ponto de vista histórico, o que defendo é pouco. Mas supondo a filosofia como a tentativa do homem de colocar-se acima de sua condição, de ver a sua condição fora de si mesmo, esse pouco é tudo. ******* Ao final da década de 1980, meu ponto de partida para o estudo do aristotelismo no Brasil foi a necessidade de distinguir o conceito de aristotelismo português do uso equívoco de ‗Segunda Escolástica Portuguesa‘ na proposição de que a ―Segunda Escolástica Portuguesa [...] logrou estabelecer o mais completo isolamento em relação ao pensamento moderno‖[24]. A equivocidade me parece evidente na medida em que o nome exprime pelo menos dois sentidos diferentes para significar a mesma coisa, sendo que num sentido a Segunda Escolástica Portuguesa é criadora (o ―período barroco‖) e noutro (o período ―escolástico propriamente dito‖) não é[25]. Mas o meu interesse não foi despertado apenas pela observação lógica, nem somente pelo interesse estrito no estudo da filosofia no Brasil. Na verdade, eu não vejo qual a necessidade de cavar um abismo entre a filosofia moderna e o aristotelismo do século XVI. Não tenho dúvida de que a entrada da Cia. de Jesus em Portugal[26], assim como a sua incumbência oficial de administrar o Colégio das Artes (1555) criado pelo Rei D. João III junto à Universidade de Coimbra para o ensino de filosofia e latinidade (1548), são fatos que se explicam no contexto da Contrarreforma, e que nesse contexto as antigas teses escolásticas não se misturam com ideias modernas. Nesse contexto, os inacianos logo assumiram posição de defesa da teologia filosófica tomista contra as teses dos reformadores Lutero e Calvino. Mas se é verdade que a Cia. de Jesus teve papel destacado na Contrarreforma, também é verdade que mestres jesuítas se destacaram como verdadeiros filósofos. Basta lembrar a querela ―de auxiliis‖ sobre a possibilidade de conciliar a presciência e a predestinação divinas com a exigência humanística da liberdade de arbítrio como princípio de dignidade do homem. Em outras palavras: se tudo que acontece está previsto na mente do Criador, qual é o mérito do homem na ação moral?[27] O fato é que da participação dos mestres jesuítas na querela resultou a famosa doutrina que recebeu o nome de ciência média (scientia media), cuja autoria se atribui a Luis de Molina[28]. Cabe aqui também chamar a atenção para o significado do Curso Conimbricense na história da filosofia. Considerado com vistas à filosofia moderna, o pensamento dos mestres de filosofia do Colégio das Artes, especialmente Pedro da Fonseca, ganha um novo colorido e um novo valor. Isto pode ser verificado mais facilmente nos dias de hoje. Com rigor e elegância, Amândio Coxito nos mostra, por exemplo, que, antes mesmo de Descartes, o problema do método ocupa uma posição significativa tanto em Pedro da Fonseca como no Curso Conimbricense[29]; e que ao adotar a metodologia da lógica tópica, Fonseca revela, em sua atitude, ―um certo fundo de ceticismo‖, bem como os seus débitos para com o espírito da filosofia renascentista[30]. Da mesma forma, António Martins, em seus estudos sobre os Commentariorum in libros metaphysicorum Aristotelis, de Pedro da Fonseca, nos mostra a relevância do
52
pensamento deste autor em face do moderno conceito da liberdade[31]. A publicação on-line do Curso Conimbricense e do Comentário ao ‗De Anima‘ de 1598, além da tradução portuguesa deste Comentário, são iniciativas recentes do Departamento de Filosofia da Universidade de Coimbra que confirmam o dinamismo nessa área de estudos[32]. Além da ―Segunda Escolástica Portuguesa‖, outra concepção confusa que nada acrescentou à pesquisa filosófica, mas que continua causando prejuízos ao conhecimento da formação filosófica no Brasil, é a do ―saber de salvação‖. Em que consiste? Segundo Antônio Paim, o ―elemento definidor consiste no desprezo do mundo [...] aqui identificado sobretudo com a dimensão corpórea, na qual se integra o próprio homem. Concebe-se a este como ser corrompido precisamente em decorrência da circunstância‖[33]. E qual o prejuízo gerado por esta concepção? Isto me parece evidente, quando se alega, contra a visão de mundo durante o ―período do catolicismo barroco‖, uma inconsistência ou contradição entre o plano das ideias e o plano da ação, tomando-se a ―visão salvacionista do mundo‖ como pressuposto. A principal vítima deste enfoque é o Padre Antônio Vieira[34], sobre quem já afirmei no meu livro de 2002, e ratifico, que se se justifica um interesse filosófico em seus textos, isto não se deve às questões nem aos problemas por ele suscitados no intuito de converter os homens à religiosidade cristã e católica, senão à universalidade de suas concepções ao pensar tais questões e problemas na perspectiva do aristotelismo[35]. Mas hoje, diante de alegações dessa natureza, eu pergunto: como nutrir interesse filosófico num autor que em sua parenética se propõe discutir a eficácia do sermão como problema, senão à medida que vamos encontrando uma perfeita unidade de pensamento e ação em sua obra? Dentro de uma cultura em que a formação moral dependia exclusivamente da conversão religiosa, Vieira empenhou-se em provar que as ações verdadeiramente eficazes e meritórias implicam o conhecimento de si. Segundo Vieira, não se compreende o conhecimento de si, como um saber específico, dissociado da virtude enquanto a firme disposição a querer e praticar aquilo que se apreendeu pelo entendimento, de modo a fazer de si mesmo um ente poderoso, belo e bom: "Neste mundo racional do homem, o primeiro móbil de todas as nossas ações é o conhecimento de nós mesmos [...] Todos comumente cuidam, que as obras são filhas do pensamento ou idéias, com que se concebem e conhecem as mesmas obras: eu digo que são filhas do pensamento e da idéia, com que cada um se concebe, e conhece a si mesmo [...] A imagem mais perfeita, a proporção mais ajustada, e medida mais igual da obra, é o conhecimento de si mesmo em quem a faz [...] Quando Davi se pôs em campo contra o Golias, Saul desconfiava da vitória, e Davi não: e por quê? Porque Saul media a Davi com o Gigante, e Davi media-se a si consigo mesmo [...] Sendo pois o conhecimento de si mesmo, e o conceito que cada um faz de si uma força tão poderosa sobre as próprias ações" (As cinco pedras da funda de Davi, I). Mas o que tem a ver a conversão com o conhecimento de si? ―Que coisa é a conversão de uma alma‖, explica ele, ―senão entrar um homem dentro em si, e ver-se a si mesmo?‖ (Sermão da sexagésima, III):
53
"ao homem que se ignora, se lhe mande que saia [...] Mas, donde há de sair? Do corpo [...] enquanto o homem não sai do corpo, ignora-se, e só quando sai dele se conhece [...] para que o homem se conheça, há de entrar em si mesmo; e este sair de si, é entrar em si; porque é sair do exterior do homem, que é o corpo, e entrar e penetrar o interior dele, que é a alma." (As cinco pedras da funda de Davi, II) Vieira não tem dúvidas: ―Eu sou a minha alma‖ (idem, IV). E o que significa ‗alma‘, senão, basicamente, a memória, o entendimento e, sobretudo, a vontade, que é maior que o entendimento? Por isso mesmo, é pelo corpo e pelo apetite movendo a vontade que o homem se engana, erra e peca. ―Almas, almas, vivei como almas‖, diz Vieira, ―se conheceis que a alma é racional, governe a razão, e não o apetite‖ (idem, V). Portanto, à conversão enquanto possibilidade do arrependimento e do desengano, e forma da salvação das almas, corresponde um saber específico: o conhecimento de si em separado do corpo. Esta separação, entretanto, nada tem a ver com ―desprezo do mundo‖, senão com aquilo que já fora concebido pelos gregos: a liberdade da alma alcançada em vida pelo uso da razão: "ainda que o homem verdadeiramente é composto de corpo e alma, quem se conhece pela parte do corpo ignora-se, e só quem se conhece pela parte da alma se conhece [...] tratava São Paulo o seu corpo, como se não fora parte sua, senão um escravo rebelde, e como tal o castigava, e domava a açoites [...] e como tal suspirava por se desapegar, e livrar-se dele [...]separemos [...] ao senhor do escravo [...] vivamos como almas separadas. As nossas almas todos sabem que têm dois estados, um nesta vida de alma unida ao corpo, outro depois da morte, que é e se chama de alma separada. Este segundo estado é muito mais perfeito; porque, livre a alma dos embaraços e dependências do corpo, obra com outras espécies, com outra luz, com outra liberdade [...] se a morte há de fazer por força esta separação, por que a não faremos nós por vontade? Por que não fará a razão desde logo, o que a morte há de fazer depois? Oh que vida! Oh que obras seriam as nossas tão outras do que são!" (Idem, II-IV) Cumpre observar, ademais, que o conhecimento de si em Vieira não constitui um fim em si mesmo, senão uma disposição para o modo mais perfeito da existência humana: a sociabilidade. Neste aspecto, ele não se afasta da doutrina aristotélico-tomista, segundo a qual o conhecimento não é princípio de ação se não se acrescenta uma inclinação para produzir o efeito, e essa inclinação é a vontade indiferente ao próprio apetite[36]: ―Basta que havemos de trazer as palavras de Deus a que digam o que nós queremos, e não havemos de querer o que elas dizem?‖ (Sermão da sexagésima). Desse modo, é pela indiferença na vontade que uma alma se obriga a fins em vista do bem comum[37], transformando-se a obrigação em essência do homem moral; e é pelo dever (officium) no agir que o hábito se transforma em natureza do homem moral; é desse modo, enfim, que a manifestação da indiferença na vontade significa a evidência, conforme a ética aristotélica, de que o próprio bem se reveste de um caráter mais belo e divino quando beneficia a sociedade: "Bom era que nos igualáramos todos: mas como se podem igualar extremos que têm a essência na mesma desigualdade? Quem compõe os três estados do Reino, é a desigualdade das pessoas. Pois como se hão de igualar os três estados, se são
54
estados porque são desiguais? Como? Já se sabe que há de ser: Vos estis sal terrae. O que aqui pondero é que não diz Cristo aos Apóstolos: Vós sois semelhantes ao sal; senão: Vos estis. Vós sois sal. Não é necessária Filosofia para saber que um indivíduo não pode ter duas essências. Pois se os Apóstolos eram homens, se eram indivíduos da natureza humana, como lhes diz Cristo que são sal: Vos estis sal? Alta doutrina de estado. Quis-nos ensinar Cristo Senhor nosso, que pelas conveniências do bem comum se hão de transformar os homens, e que hão de deixar de ser o que são por natureza, para serem o que devem ser por obrigação [...] porque o ofício há-se de transformar em natureza, a obrigação há-se de converter em essência, e devem os homens deixar o que são, para chegarem a ser o que devem. Assim o fazia o Batista, que, perguntado quem era, respondeu: Ego sum vox: Eu sou uma voz. Calou o nome da pessoa, e disse o nome do ofício" (Sermão de Santo Antonio, de 1642). Finalmente, cumpre ressaltar o caráter transcendente e contemplativo dessa indiferença na vontade como expressão de liberdade[38]. Em pregação à Irmandade dos Pretos de um Engenho de açúcar na Bahia, Vieira compara a situação dos escravos ao martírio de Cristo. O teor do sermão é o seguinte: ―Todos querem [...] ser glorificados com Cristo; mas não querem padecer, nem ter parte na Cruz com Cristo‖ (Sermão XIV, da série Maria Rosa Mística). Dessa forma, pregava ele que, embora escravizado e vivendo em promiscuidade numa realidade ―que é uma semelhança de inferno‖, o negro africano poderia converter o ―inferno‖ em ―paraíso‖. E como alcançaria isto senão pela conversão de si mesmo mediante o conhecimento de si e vivendo como ―alma separada‖, fazendo sua a vontade de Deus, a exemplo de Cristo em sua via-crúcis. Pois se é pelo corpo que o homem padece o que não quer, é pelo conhecimento de si como alma que ele se liberta da dor e se salva do ―inferno‖. Eis como Vieira se dirige aos negros escravizados no Engenho enquanto cristãos, isto é, no mesmo sentido em que ele considera cristão ―todo o homem que tem a fé e conhecimento de Cristo, de qualquer qualidade, de qualquer nação, e de qualquer cor‖ (idem, V): "Começando pois pelas obrigações que nascem do vosso novo e tão alto nascimento, a primeira e maior de todas é que deveis dar infinitas graças a Deus por vos ter dado conhecimento de si [...] quis Deus que nascessem à Fé debaixo do signo da sua Paixão, e que ela, assim como lhe havia de ser o exemplo para a paciência, lhe fosse também o alívio para o trabalho [...] Que tem que ver a liberdade de uma ave com penas e asas para voar, com a prisão do que se não pode bulir dali por meses e anos, e talvez por toda a vida? [...] se não só de dia, mas de noite vos virdes atados a essas caldeiras com uma forte cadeia, que só vos deixe livres as mãos para o trabalho, e não os pés para dar um passo; nem por isso vos desconsoleis e desanimeis; orai e meditai os mistérios dolorosos, acompanhando a Cristo [...] Oh quem me dera asas como de pombas para voar e descansar! E estas são as mesmas que eu vos prometo no meio dessa miséria [...] porque é tal a virtude dos mistérios dolorosos da Paixão de Cristo para os que orando os meditam [...] que o ferro se lhes converte em prata, o cobre em ouro, a prisão em liberdade, o trabalho em descanso, o inferno em paraíso, e os mesmos homens, posto que pretos, em Anjos." (Idem, VI-VIII) *******
55
A título de conclusão, reitero o que afirmei acima: defendo um conceito de filosofia brasileira que implica o aristotelismo da Ratio Studiorum como sendo a sua condição. Não há outra condição. E sem ela não há como entendermos o sentido da filosofia emancipada no Brasil, correspondendo ao empenho de autores como Gonçalves de Magalhães, Tobias Barreto e Farias Brito, ainda no século XIX. Neste sentido, o aristotelismo é a tradição originária da filosofia no Brasil. Notas [1] O primeiro curso de filosofia no Brasil foi ministrado pelo Padre Gonçalo Coelho e realizou-se no colégio jesuíta da Bahia, de 1572 a 1575, quando se chegou a colar graus de bacharel em Artes (Cf. LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa/Rio de Janeiro, 1938; São Paulo: Loyola, 2004, T. I, pp. 30, 33 e 36). [2] Regras do Prefeito dos Estudos: ―nº 30. Quais livros devem ser usados. — Aos alunos de teologia e filosofia não lhes permita quaisquer livros, mas somente alguns determinados, aconselhados pelos professores com o conhecimento do Reitor: a saber, além da Suma de Santo Tomás para os de teologia, e de Aristóteles para os de filosofia [...]. (http://www.puj.edu.co/pedagogia/documentos/Documentos_Corporativos_Compania_Jesus.pdf) [3] De acordo com a doutrina aristotélica, Tomás de Aquino ensina que o homem se conhece como sendo uma inteligência ativa na medida em que se atualiza pelo conhecimento de si sob o influxo das espécies sensíveis; daí a impossibilidade de um conhecimento imediato de seu Criador (De anima, un. 3, ad 4; Summa contra gentiles III, 47). Quanto à admiração por Aristóteles, vale observar que, mesmo após a reforma pombalina, o primeiro curso de filosofia moderna no Brasil, oferecido por Silvestre Pinheiro Ferreira no Rio de Janeiro (Preleções Filosóficas, 1813-1816), registra ―não só uma preocupação em preservar o nome de Aristóteles das acusações decorrentes do antiaristotelismo, como também um sentido de modernização sem prejuízo da doutrina aristotélica (cf. CERQUEIRA, L. A. Filosofia brasileira – Ontogênese da consciência de si. Petrópolis: Vozes, 2002, pp. 63-64). [4] Cf. MARTINS, A. M. A Recepção da Metafísica de Aristóteles na Segunda Metade do Século XVI. In: CERQUEIRA, L. A. Aristotelismo Antiaristotelismo Ensino de filosofia. Rio de Janeiro: Ágora da Ilha, 2000, pp. 93-109. [5] Regras do Professor de Filosofia: ―nº 2. Como seguir Aristóteles. — Em questões de alguma importância não se afaste de Aristóteles, a menos que se trate de doutrina oposta à unanimemente recebida pelas escolas, ou, mais ainda, em contradição com a verdadeira fé. Semelhantes argumentos de Aristóteles ou de outro filósofo contra a fé, procure refutá-los com todo o vigor, segundo o Concílio de Latrão. (http://www.puj.edu.co/pedagogia/documentos/Documentos_Corporativos_Compania_Jesus.pdf) [6] Já não de trata de lembrar apenas da posição de um antiaristotélico histórico como Pedro Ramus, autor da obra Tudo que Aristóteles disse é falseado (1536); vale lembrar também o testemunho insuspeito de um famoso aristotélico, Pedro da Fonseca (1528-1599), segundo o qual ―ainda que todos os que frequentavam os estudos de filosofia quisessem ser tidos como aristotélicos, pouquíssimos eram os que estudavam Aristóteles‖. Cf. CERQUEIRA, L. A., 2002, p. 35. [7] Cf. ROMERO, Sílvio. A filosofia no Brasil (1878). In: Obra filosófica. Introdução e seleção de Luís Washington Vita. Rio de Janeiro: José Olympio/EDUSP, 1969, p. 7. [8] Idem, p. 33.
56
[9] Ibidem. [10] A consciência desse processo já se encontra em Francisco de Mont‘Alverne (1784-1858), onde ele se refere à necessidade histórica de o intelectual brasileiro emancipar o próprio pensamento, observando que a ―instrução pública nessa época [1807] era muito circunscrita. A metrópole não queria homens sábios nas suas colônias: era à custa de esforços inauditos, que os brasileiros podiam distinguir-se. Restava um meio fácil de promover o nosso adiantamento, o estudo da língua francesa‖ (cf. MONT‘ALVERNE, Obras oratórias, Preliminar, p. IX). Aluno de Mont‘Alverne em curso de filosofia no Rio de Janeiro, Gonçalves de Magalhães transformou o que era um simples atalho em estrada comum para a modernização cultural: foi estudar em Paris e lá assimilou o romantismo, e fez a reforma da literatura brasileira; também assimilou o espiritualismo francês, e fez a crítica do espírito contemplativo no Brasil (cf. CERQUEIRA, L. A. Gonçalves de Magalhães como Fundador da Filosofia Brasileira. In: MAGALHÃES, D. J. Gonçalves de, Fatos do espírito Humano. Petrópolis: Vozes, 2004). Observe-se que, antes de Sílvio Romero, seu venerado amigo Tobias Barreto já reconhecera, em crítica de 1868 do livro Fatos do espírito humano de Gonçalves de Magalhães (Paris, 1858; Rio de Janeiro, 1865), a ―tentativa louvável do seu autor [de] querer assim, em nome da civilização e do progresso, naturalizar entre nós a filosofia, conceder-lhe direito de cidade; porquanto não havia, antes dele, como não há ainda a par dele, obra digna de atenção‖ (cf. BARRETO, Tobias. Estudos de filosofia. Rio de Janeiro: INL/Record, 1990, p. 83). [11] Cf. ROMERO, Sílvio, ibidem. [12] Ibidem. [13] Cf. A Filosofia na Cultura Brasileira (1980). Estudos de filosofia brasileira. Lisboa: Instituto de Filosofia Luso-Brasileira, 1994, pp. 31-32. [14] ―A essa luz, cada Nação [...] tornando patentes as suas potencialidades criadoras [...] pode ser representada por determinadas personalidades-modelo [...] como, por exemplo, no caso da Inglaterra, seriam Francis Bacon, David Hume ou Bertrand Russel, a cujos nomes correspondem, de maneira prevalecente, embora não exclusiva, diretrizes empírico-relativistas que se compõem com um eticismo aberto ao humour e à tolerância‖ (ibidem). [15] A ideia do culturalismo foi desenvolvida por Miguel Reale ao longo de 40 anos. Seu primeiro estudo, denominado O Culturalismo na ‗Escola do Recife‘, é de 1950. Uma década mais tarde, ele formulou sua orientação teórica do seguinte modo: ―Universalidade dos problemas, por conseguinte, e condicionalidade histórica dos problemas, eis duas coordenadas inamovíveis do pensamento filosófico. Varia, assim, através do processo histórico, o condicionamento dos problemas universais, bem como o estilo de vida ligado essencialmente à pessoa do filósofo e ao complexo de fatos e valores culturais em que se situa, assistindo razão a Giovanni Gentile quando diz que o caráter universal não exclui que a filosofia seja nacional‖ (cf. A Filosofia como Autoconsciência de um Povo (1961), Estudos de filosofia brasileira, p. 15). No ano seguinte, ele fala da condicionalidade histórica dos problemas em termos da ―maneira pela qual se operou entre nós a recepção das idéias [...] se não queremos nos contentar com a sucessão extrínseca das teorias, analisando-as em seus puros valores abstratos e formais, é mister correlacioná-las com as circunstâncias histórico-culturais que condicionaram, pelo menos em parte, a sua recepção‖ (cf. Momentos Olvidados do Pensamento Brasileiro (1962), idem, pp. 74 e 76). Em 1980, ele publica ―A Filosofia na Cultura Brasileira‖. Finalmente, em 1990, ele assim se manifesta ―Foi em 1950 [...] que [...] apreciei pela primeira vez o
57
pensamento de Tobias Barreto [...] Estava longe de imaginar, naquela época, que esse pequeno ensaio iria ter desdobramento em vários sentidos, até o ponto de dar origem ao ―culturalismo‖, talvez a única corrente filosófica brasileira constituída na imanência de nossas circunstâncias, não obstante se achar vinculada a múltiplas fontes do pensamento europeu‖ (cf. A Cultura no Pensamento de Tobias Barreto (1990), idem, p. 113). [16] ―Refletiu ele, nesse passo, o movimento geral de ideias dominantes em meados do século XIX, quando do próprio bojo do materialismo partia a reação contra [...] os pressupostos dogmáticos do materialismo [...] voltando a inquietar [...] problemas [...] relativos à [...] necessidade de distinguir-se o físico e o psíquico, o mundo da matéria e o do espírito‖ (cf. O Culturalismo na ―Escola do Recife‖, idem, p. 104). [17] Segundo Miguel Reale, ―há na cultura lusíada duas tendências que de certa forma se contrabalançam ou se completam: uma ligada [...] à tradição aristotélico-tomista [...] a outra, de caráter empírico-positivo [...] À primeira corrente pertencem os grandes comentários de Pedro da Fonseca [...] à segunda corresponde o admirável Quod nihil scitur de Francisco Sanches [...] É possível encontrar entre os moralistas do período colonial, ou em escritos de natureza política, alguns traços de empirismo [...] mas é, sem dúvida, a orientação escolástica que prevalece, sem se esquecer que já no século XVII o escolasticismo português descambava para mero verbalismo vazio, destituído de interesse especulativo‖ (cf. Momentos Olvidados do Pensamento Brasileiro (1962), idem, p. 80). [18] Segundo Antônio Paim: ―A filosofia brasileira, embora visceralmente ligada à portuguesa, seguiu uma linha autônoma [...] As razões profundas dessa diversidade encontram-se no peso que se atribuiu àquela herança místico-religiosa no momento da Independência. A elite da nova nação se tinha heranças a preservar estas consistiam no legado iluminista do momento pombalino [...] Essa circunstância reduz muito o interesse pelo pensamento filosófico na Colônia‖ (cf. História das ideias filosóficas no Brasil (1ª ed. 1967, 267 páginas; 5ª ed. 1997, 760 páginas). São Paulo: Convívio, 1987, pp. 203 e 205). [19] Trata-se do problema tomasiano da individuação, a materia signata quantitate (cf. O ente e a essência, II; ed. Vozes, p. 19). [20] Cf. Cantos do fim do século (poesias, 1878), Prólogo. [21] Depois de ler o livro de José Soriano de Souza, Lições de filosofia elementar, racional e moral (Recife: Livraria Acadêmica, 1871), Tobias Barreto fez o seguinte comentário: ―O ilustre doutor [doutorado em Filosofia por Louvain e professor de filosofia de um dos mais importantes colégios da região, o Ginásio Pernambucano] ainda julga que a sociedade moderna é teatro das velhas contendas entre a razão e a fé [...] O Dr. Soriano está muitíssimo atrasado [...] no meio do triunfo geral da ciência moderna [...] a questão filosófica mais inquietante, se não a de maior alcance, tem sido levantada sobre a própria essência e limites da filosofia‖ (cf. O Atraso da Filosofia no Brasil (1872); obra citada, pp. 165 e 169). [22] ―No Brasil da época [período do catolicismo barroco], era mais importante enfrentar uma situação existencial inquietante do que comentar textos filosóficos da tradição clássica [...] O aristotelismo português nem sequer chegou a se estabelecer aqui, deixando todo o espaço disponível para uma postura mais crítica, pessimista e cética, que apresenta analogias com a filosofia sanchista e não com o comentário tomista ao estilo de Fonseca‖ (cf. MARGUTTI PINTO, Paulo Roberto. O Padre Antônio Vieira e o Pensamento Filosófico Brasileiro. Síntese – Revista de Filosofia, v. 35, nº 112 (2008), pp. 184-185). [23] Cf. Filosofia brasileira – Ontogênese da consciência de si. Petrópolis: Vozes,
58
2002, pp. 37-38. [24] Cf. PAIM, Antônio, História das ideias filosóficas no Brasil, ed. cit., p. 21. [25] Idem, pp. 205-206. Ainda recentemente: ―O Período do Catolicismo Barroco, que vai de 1560 a 1808, correspondeu aproximadamente à Segunda Escolástica Portuguesa, mas dela se diferencia...‖ (cf. MARGUTTI PINTO, Paulo Roberto, idem, p. 180). [26] Em 1541, pouco tempo após a sua aprovação pela bula papal Regimini Militantis Ecclesiae (27/09/1540) de teor político. [27] Em seu De libero arbitrio (1439), Lorenzo Valla se propôs examinar se a presciência divina é incompatível com a liberdade humana de arbítrio, e concluiu pela necessidade da fé como fundamento da certeza; em seu Libri quinque de facto, de libero arbitrio et de praedestinatione (1520), Pomponazzi defendeu a tese de uma intervenção arbitrária de Deus; Erasmo de Roterdam, por sua vez, na obra De libero arbitrio (1524) tentou evitar os desvios dos reformadores, procurando uma mediação entre a Reforma e a Contrarreforma. Em resposta a Erasmo, Lutero publicou De servo arbitrio (1525), onde ressalta o poder do Criador de transformar de fato e de direito o livre-arbítrio da criação em servo-arbítrio das criaturas, de maneira que o homem tenderia naturalmente a perder o sentido absoluto da liberdade da criação, porque ao desaparecer sua semelhança com o Criador, em conseqüência das limitações impostas pela própria natureza, transformar-se-ia o filius Dei em servus Dei. [28] Luis de Molina (1535-1600) ensinou filosofia nas universidades de Coimbra e de Évora. Em sua Concordia (Lisboa, 1588), a denominação scientia media deve-se a duas razões: não só porque medeia entre as duas categorias da teoria do conhecimento estabelecida desde Tomás de Aquino, a ―ciência natural‖ e a ―ciência livre‖, mas também porque compartilha de características de cada uma delas, vindo depois da ―ciência natural‖ e antes da ―ciência livre‖. [29] Cf. COXITO, A. Método e Ensino em Pedro da Fonseca e no Curso Conimbricense. Estudos sobre filosofia em Portugal no século XVI. Lisboa: INCM, 2005, pp. 121-154. [30] ―O fato é que o ideal de uma ciência perfeita deduzida de princípios absolutamente certos é dificilmente realizável. Fonseca reconhece-o quando confessa que ‗não é fácil nem frequente perceber os princípios próprios das coisas‘; e noutro passo escreve que o ‗lugar‘ das causas (pelo qual se descobre o termo médio no argumento demonstrativo) é ‗acessível a poucos‘, pelo que muitas ciências ficariam empobrecidas se fossem esvaziadas dos seus conteúdos prováveis. Está aqui implícito o reconhecimento de que a maior parte do saber humano tem por objeto matérias controversas, quer dizer, questões que não permitem uma solução dogmática‖. Cf. COXITO, A. Pedro da Fonseca: A Lógica Tópica. Idem, p. 207. [32] ―Importa salientar aqui o contraste estabelecido por Fonseca, no contexto do terceiro uso de ‗contingente‘, entre os domínios da ‗natureza‘ e da ‗liberdade‘. Qual é o princípio que permite escapar à necessidade que regula tudo quanto acontece na natureza? Esse princípio é, claramente, a razão (ratio) no exercício efectivo de todas as suas potencialidades. Assim, não basta ser dotado de razão no sentido de ter as capacidades com que geralmente é dotada a espécie humana. É preciso ter capacidade de usar efectivamente esta razão para podermos falar de actos verdadeiramente livres. O texto de Fonseca não deixa dúvidas [...] A verdadeira liberdade, aquela que pode responsabilizar-se pelas suas decisões e permite, portanto, que se fale de mérito ou demérito do agente livre ‗postula o uso da razão‘ e o ‗poder de controlar os seus actos‘ (dominium) [...] O que distingue estes agentes é
59
o facto de não estarem totalmente sujeitos às causas naturais, mas serem ‗agentia per intellectum‘. Em contraposição, no domínio dos chamados ‗agentes puramente naturais‘ a necessidade impera‖. (cf. MARTINS, A. M. A Liberdade como Princípio em Pedro da Fonseca, http://iseminariofariasbrito.blogspot.com/2008/06/liberdade-como-princpio-em-pedro-da.html). [33] Tudo isto pode ser muito facilmente acessado por intermédio dos links no seguinte endereço: http://filosofiabrasileiracefib.blogspot.com [34] Cf. PAIM, A., ob. cit., ed. cit., p. 25. [35] ―[O jesuíta Antônio Vieira] assume dois pesos e duas medidas para resolver algumas das questões mais candentes da sociedade colonial: para os negros africanos, o mais adequado é a escravidão; para os indígenas, o mais adequado é a conversão [...] Vieira simplesmente ignora sua defesa da igualdade dos seres humanos‖ (cf. MARGUTTI PINTO, Paulo Roberto, Aspectos da Visão Filosófica de Mundo no Brasil do Período Barroco (1601-1768). In: WRIGLEY, M. B. & SMITH, P. J. (orgs.). O filósofo e sua história. Uma homenagem a Oswaldo Porchat. Campinas: UNICAMP, CLE, 2003, p. 353). Ou ainda: ―Vieira parece ter experimentado — mais do que qualquer outro contemporâneo — a contradição performativa entre seus ideais ético-religiosos e a moral degradada que caracterizava a Colônia. Isso está bem expresso na falta de consistência [...] entre suas críticas ao comportamento dos colonos e sua defesa da escravidão africana [...] o viver em contradição reforça em Vieira a constatação de que a verdadeira realidade se encontra para além deste mundo interesseiro e egoísta. Nessa perspectiva, o salvacionismo de Vieira é tão intenso [...]‖ (cf. MARGUTTI PINTO, Paulo Roberto, O Padre Antônio Vieira e o Pensamento Filosófico Brasileiro. Síntese – Revista de Filosofia, v. 35, nº 112 (2008), p. 182). [36] Nessa mesma perspectiva, cf. MADEIRA, J. B.; MASSIMI, M. A Palavra Eficaz e a Disposição dos Ouvintes: articulações entre arte retórica e potências psíquicas na obra sermonística de Antônio Vieira. Síntese (Belo Horizonte), 2009. [37] Tomás de Aquino afirma que ―a ciência de Deus é causa das coisas‖ (Summa theologiae, q. 14, a. 8), mas chama a atenção para o fato de que só o conhecimento não basta, sendo necessária a inclinação, e que esta ―inclinação para fazer o que o entendimento concebe pertence à vontade‖ (idem, q. 19, a. 4). [38] Cf. BARROS, Mariana Leal de; MASSIMI, M. Releituras da Indiferença: um estudo baseado em cartas jesuíticas dos séculos XVI e XVII. Paideia (Ribeirão Preto), v. 15, n. 31, 2005, pp. 195-206. [39] Lembremo-nos de que é neste sentido contemplativo que Descartes se refere à liberdade em seu ―grau mais baixo‖ (cf. Meditações, Meditação Quarta). Postado por IFCS, UFRJ às 14:25
60
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 02
AGRADECIMENTO 04
DEDICATÓRIA 05
RESUMO 06
METODOLOGIA 07
SUMÁRIO 08
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I
A Filosofia e a educação no Brasil 11
CAPÍTULO II
O Processo de ensino-aprendizagem filosófico 16
CAPÍTULO III
O Programa de Filosofia para Crianças de Lipman 21
CAPÍTULO IV
Filosofia para Crianças na Sociedade da Informação 32
CONCLUSÃO 40
BIBLIOGRAFIA 42
WEBGRAFIA 45
ANEXO 46
ÍNDICE 60
FOLHA DE AVALIAÇÃO 61