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ENSINO DE GEOMETRIA NÃO EUCLIDIANA POR MEIO

DA EXPRESSÃO GRÁFICA

Keilla Cristina Arsie Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação em Ciências e

Matemática – UFPR e Professora da Rede Estadual de Ensino - PR keillacamargo@gmail.com

Ana Maria Petraitis Liblik Setor de Educação/UFPR

ampliblik@ufpr.br

Simone da Silva Soria Medina Departamento de Expressão Gráfica/UFPR

moni@ufpr.br

Resumo

Neste artigo traçamos um possível caminho para se introduzir o estudo das Geometrias não – Euclidianas no Ensino Médio, o qual é proposto desde 2006 pelas Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Matemática do Estado do Paraná. Este caminho será trilhado a partir do estudo da Geometria Esférica, por meio da Expressão Gráfica, especialmente com uso de imagens mentais, explorando a imaginação para auxiliar na apropriação de conceitos deste conteúdo e sua representação, acreditando que a Expressão Gráfica é uma ferramenta facilitadora na construção do conhecimento, buscando metodologias alternativas e recursos visuo-espaciais que auxiliem o aluno no seu processo de aprendizagem. Palavras-chave: Expressão Gráfica, Geometria, Educação.

Abstract

In this paper we outline a possible way to introduce the study of the Non - Euclidean Geometries in High School, which is proposed at the 2006 Basic Education Curriculum Guidelines for Mathematics in the State of Paraná. This path will be pursued from a study of Non-Euclidean Geometries, the Spherical Geometry, by means of Graphic Expression, especially with the use of mental imagery, exploring the imagination to help in the appropriation of concepts and content, and its representation, believing that Graphic Expression is a tool in facilitating construction of knowledge, seeking alternative methods and resources visuo - spatial assist students in their learning process. Keywords: Graphic Expression, Geometry, Education.

1 Introdução

Este artigo é fruto da nossa preocupação com o Ensino das Geometrias não

Euclidianas, devido a ele ainda não estar concretizado nas escolas públicas do Estado

do Paraná, apesar de estar proposto nas Diretrizes Curriculares de Matemática da

Educação Básica do Estado. As Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná

apresentam a fundamentação teórica e os encaminhamentos metodológicos que

definem o rumo de cada disciplina da formação básica.

A inserção das Geometrias não Euclidianas, nas aulas de Matemática, não ocorre,

segundo Franco e Thomaz (2008), por algumas hipóteses: a falta de formação do

professor, que não as estudou na sua grade curricular; a ausência do assunto nos

livros didáticos utilizados pelas escolas; a carga horária reduzida da disciplina; ou

ainda por seu conteúdo não estar contemplado nos cursos de formação de

professores.

No documento das Diretrizes Curriculares da Educação Básica (DCEB) de

Matemática tem-se a seguinte afirmação:

A aprendizagem da Matemática consiste em criar estratégias que possibilitam ao aluno atribuir sentido e construir significado às ideias matemáticas de modo a tornar-se capaz de estabelecer relações, justificar, analisar, discutir e criar. Deste modo, supera o ensino baseado apenas em desenvolver habilidades, como calcular e resolver problemas ou fixar conceitos pela memorização ou listas de exercícios. (DCEB, 2008, p.).

Entretanto é preciso dar condições ao aluno para que estas estratégias possam se

concretizar de fato, motivando-o a partir da sua visão de mundo, pelas suas opções

diante da vida, e assim conquistar seu interesse para aprender matemática.

Franco e Thomaz (2008) acreditam que as Geometrias não – Euclidianas auxiliem

nesta motivação e interesse, pois este conteúdo apresenta algo que já está inserido no

seu cotidiano, mais do que a própria Geometria Euclidiana. Os autores fazem a

seguinte pergunta intuitiva: “a geometria euclidiana é para superfícies planas, então

como podemos definir situações geométricas sobre uma superfície curva, como por

exemplo, a superfície da Terra?” (p. 4).

Quando falamos na superfície física da Terra, muitas imagens são criadas em

nosso pensamento. A imaginação pode ser uma ferramenta facilitadora na apropriação

de conceitos e assim, na construção do conhecimento matemático.

Segundo Bronowski (1998) a imaginação é uma qualidade comum dentro da

ciência e da arte, nos atingindo de formas diferentes. O homem tem o dom de recriar o

mundo por meio da imaginação. A imaginação, nas palavras do autor, é “o hábito

humano de produzir imagens mentais” (p. 26). Assim, cada pessoa fará a sua

interpretação, pois imaginar é uma atividade particular e ninguém recriará para si as

mesmas imagens mentais de outros.

Desta forma, pensou-se numa atividade introdutória às Geometrias não –

Euclidianas e que foi desenvolvida e aplicada a um grupo de sete alunos voluntários

de turmas do Segundo Ano e Terceiro Ano do período da manhã, do Colégio Estadual

Professor Altair da Silva Leme, que estará descrita a seguir e logo após, serão feitas

as considerações finais relevantes para esta análise.

2 Desenvolvimento do trabalho

A partir das discussões em sala, durante as aulas de Didática da Imagem, disciplina

do Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática, surgiu a

proposta de se aplicar uma atividade que aproveitasse elementos previamente

conhecidos dos alunos, desenvolver esta ideia até se chegar ao tema de estudo:

Ensino de Geometrias não – Euclidianas.

Para a realização da atividade, que será descrita a seguir, foram convidados

alunos dos Segundo e Terceiro Anos, do período matutino, do Colégio Estadual

Professor Altair da Silva Leme, escola da periferia de Colombo – PR. Foram sete os

alunos que aceitaram o convite e vieram à escola no período da tarde, ou seja, no

contra-turno, para o desenvolvimento da atividade em duas aulas.

2.1 Atividade

Para a atividade, utilizamos o poema de Thomas Empson, “Para uma velha Dama”,

encontrado em Bronowski (1998, p. 44), para primeiramente iniciar uma viagem pela

imaginação e aproximar a Matemática da Literatura:

A maturidade é tudo, no seu planeta que esfria. Respeite – a, não a julgue extinta

Nem me despache num foguete. Os deuses duram Muito mais do que o sol; perdem calor um de cada vez.

(...) Não. Espiemos pelo telescópio, ela e a paisagem,

Enquanto durar seu ritual; Enquanto seus templos se afundam nas areias

Que em ondas recobrem as torres em ruínas.

(...) Não a desarticula a precessão dos anos,

Ela segue a bússola segura de seu norte; Confiante, não tem limites na sua esfera,

O que lhe falta continua sob controle.

(...).

Os alunos foram convidados a ouvir este poema e todos receberam papel e lápis.

Numa segunda leitura, foram motivados a escrever o que vinha à sua imaginação

quando os versos lhes tocavam os sentidos. Após, fizeram representações daquilo

que imaginaram e apresentaram suas ideias para o grupo.

As figuras 1 e 2 correspondem a algumas imagens do que os alunos fizeram:

Figura 1: Representação do Aluno 1

Figura 2: Representação Aluno 2

O poema então foi explicado com mais detalhes e assim, este foi o gancho

utilizado para iniciar a introdução das Geometrias não – Euclidianas, partindo da

Geometria Esférica, mostrando a diferença entre esta e a Geometria Euclidiana.

Bronowski (1998) afirma que a velha dama está num planeta, que não se sabe

qual é, mas que não é a Terra. Este planeta está esfriando e morrendo e ela não pode

ser salva. Se um foguete a tentasse salvar, seria repelido, assim como as abelhas

fazem com a rainha, apesar de sua necessidade dela. Nada pode ser feito, a não ser

observá-la com um binóculo; ver os seus gestos e como está crente que sua

existência está na direção certa. Não tem noção de que possam existir outras

civilizações e que embora pertençamos ao mesmo sistema solar, estejamos tão

afastados dela, pois nossa visão é perturbada pela superficialidade de uma civilização

comum. Apenas quando forem esquecidas estas semelhanças é que se poderá vê–la.

A figura 3 ilustra a visão do observador do planeta da velha dama.

Figura 3: Mundos

Fonte: http://www.tuswallpapersgratis.com/wallpaper/Dos-Mundos/

Este poema, inicialmente, pode nos deixar frios diante de seus versos. Mas numa

releitura, começamos a sentir seu calor, quando eles nos ficam mais claros. Isto

porque sua linguagem pertence a uma época científica e a uma mente científica.

Talvez este seja o motivo de precisarmos reler mais de uma vez para ouvir o que o

poema nos diz, pois contém palavras que à primeira vista nos parecem técnicas, como

telescópio, planeta, foguete, bússola, esfera que nos aproximam desta ideia e

posteriormente começamos a entendê-las como imagens vívidas que se encaixam ao

poema. Sua dificuldade se encontra nas ideias derivadas da ciência e não na

terminologia científica. Estranhamos por que algumas coisas não nos são familiares e

desta forma não conseguimos recriar em nossa imaginação. Os alunos escreveram

em sua folha de papel palavras que se lembraram do poema e que remetem a termos

científicos, como os que foram citados acima.

Para exemplificar a diferença entre as Geometrias Euclidiana e as Não-

Euclidianas utilizamos um globo terrestre, como mostrado na figura 4. Nesta fase os

alunos foram conduzidos a usar a imaginação e assim a se familiarizar com o conceito

da geometria esférica. Utilizou-se então uma fita e foi pedido para um deles esticá-la

sobre uma mesa. Na sequência foram questionados a respeito desta linha:

responderam que esta linha era uma reta. Em seguida, com o globo, o contornamos

com a fita e então foi explicado que a linha numa superfície esférica não era reta e sim

uma curva, denominada geodésica.

Figura 4: Representação de uma geodésica

Após, analisamos sobre o significado de extensão finita e infinita, limitada e

ilimitada e fizemos a seguinte representação, dando a noção de que podemos

percorrer ilimitadamente a superfície terrestre e que sua extensão é finita:

Figura 5: Representação de caminhos diferentes na superfície da Terra

Bronowski (1998) cita um verso em específico que mostra a união que pode ser

feita entre o poema e um conteúdo matemático: “confiante, não tem limite na sua

esfera”. Esta metáfora tem como base a Matemática, onde a superfície pode ser

ilimitada e a sua extensão é finita. A velha dama pode passear livremente por toda a

extensão do planeta, como se fosse infinita. A partir do poema, conseguimos criar uma

imagem e fazer a associação da ideia presente na Matemática, para compreender o

que é superfície de uma esfera.

Figura 6: Esfera Fonte: http://neuroniomatematico.blogspot.com/2008_02_01_archive.html

Pois, segundo Bronowski (1998, p. 65),

A matemática é uma linguagem: a linguagem em que, em primeiro lugar, discutimos as partes do mundo real que podem ser descritas por números ou relações de ordem semelhante. Mas a atividade de traduzir fatos nessa linguagem provoca, nos que tem tal habilidade, um prazer especial, ao descobrir que a linguagem em sim mesma é mais rica do que seu conteúdo; o que ela traduz passa a ser menos importante do que a lógica e o estilo de tradução; daí nasce a matemática como uma literatura científica.

Este foi um ponto de partida para entender uma das geometrias não – euclidianas,

a geometria esférica. Ela está ligada à forma do nosso planeta, que é quase uma

esfera e com isso pode-se usar a imaginação para fazer a introdução deste assunto

por meio de ideias que nos são mais próximas e podem dar a noção de como o

Universo é imenso e que a geometria de Euclides não é suficiente para explicá-la.

Quem não se imaginou viajando por toda a Terra, visitando outros planetas ou

conhecendo um extraterrestre, quando, por exemplo, assistiu os episódios de Guerra

nas Estrelas ou as aventuras do Pequeno Príncipe ou ainda se emocionou com o filme

E.T.?

Então foi solicitado que falassem sobre filmes e desenhos animados que lhes

vinham à mente quando pensavam sobre o planeta, o universo. Citaram: Star Wars,

Homens de Preto, Independence Day, E.T., Power Rangers, Armagedon, Apocalipse,

Liga da Justiça, Pequeno Príncipe e relembramos algumas aulas de Ciências e

Geografia.

Figura 7: O pequeno príncipe Fonte: livro - O Pequeno Príncipe

Figura 8: Cena da bicicleta – Filme E.T. Fonte: http://www.mundogump.com.br/os-melhores-20-filmes-com-extraterrestres/

Seguindo, iniciamos a explicação de mais uma diferença entre as duas

geometrias, em relação aos triângulos. Lembramos a representação de um triângulo

no plano e que a soma de seus ângulos internos é igual a 180º. As figuras 9 e 10

mostram atividades desenvolvidas com relação ao conteúdo de triângulos na

geometria plana.

Figura 9: Representação do triângulo no plano e seus ângulos Fonte: imagem autoras.

Figura 10: Representação da soma dos ângulos internos de um triângulo Fonte: imagem autoras.

Isto não é válido para a Geometria Esférica e para exemplificar, fizemos a

representação no globo, mostrando que o triângulo numa superfície esférica é

denominado triângulo esférico e que a soma dos ângulos internos é superior a 180º.

Aproveitamos as linhas dos meridianos e equador para a representação, explicitando

dois ângulos retos e não importando o valor do terceiro, pois com sua soma já

teríamos um resultado maior que 180º.

Figura 11: Representação de um triângulo esférico Fonte: imagem autoras.

Os alunos fizeram a sua representação de um triângulo esférico. A seguir, duas

imagens:

Figura 12: Representação feita pelos alunos Fonte: imagem autoras.

Para concluir esta introdução a este novo conteúdo, foi dito que existem outras

geometrias não – euclidianas, consideradas assim pelas Diretrizes.Curriculares de

Matemática: projetiva, fractais e hiperbólica. Apresentamos alguns exemplos de cada

uma e fizemos algumas perguntas recapitulando os conceitos vistos para analisar as

respostas, percebendo se o que foi proposto foi compreendido pelos alunos

participantes.

3 Conclusão

Quando ouvimos um poema, nossa imaginação é convidada a se libertar, mas quando

o que nos chega aos ouvidos é parte de uma teoria matemática, ficamos travados e

não conseguimos criar nenhuma imagem que faça alguma associação com o que

estamos ouvindo. No entanto, se nossos sentidos forem aguçados, se partirmos de um

lugar que é um pouco mais familiar, estaremos mais seguros para esta liberdade do

imaginar.

Quando falamos em Geometrias não – Euclidianas e pedimos para falarem sobre

o que vem à mente, os alunos ficaram sem reação. Após a conclusão da atividade,

conseguiram relatar suas construções mentais sobre o assunto.

Nos versos que se remetem ao planeta da velha dama, poema da atividade, a

imaginação pode voar livre pelas representações que os alunos fazem do Universo e

podem ser inspirados por meio de seus filmes ou livros favoritos, ligados ao tema.

Escolhemos versos que se encaixam ao conteúdo e então seguimos com sua

exploração.

O caminho percorrido não “assustou” os alunos, apesar do assunto ser totalmente

novo para eles e que ainda não tinham visto nas aulas de matemática. Uma das

alunas comentou que: “se as aulas de matemática começassem com atividades como

essa, seria mais divertido aprender”.

A atividade foi positiva, pois se conseguiu também a participação e interação dos

alunos convidados para a sua realização.

Não pretendemos aqui abandonar o rigor matemático e sua formalidade, mas de

uma forma mais entusiasmante motivar o estudo de um assunto e após, seguir com a

estrutura matemática necessária.

Nem professores nem alunos devem aceitar mais o velho algoritmo: título,

definição, exemplos e exercícios. Como afirma Bronowski (1998), toda atividade

científica é uma atividade criativa. Não podemos deixar que os estudantes se tornem

operários da ciência, desprovidos de imaginação criadora.

Referências

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