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7/23/2019 Entre a Prosa e a Poesia - Bakhtin e o Formalismo Russo (Cristovo Tezza)
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na busca do conhecimento, eno mais lutando por dinheiro e
poder, ento nossa sociedade
poder enfim evoluir a um novo
nvel."
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ENTRE A PROSA E APOESIA:
BAKHTIN E OFORMALISMORUSSO
CRISTOVOTEZZA
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TOVOTEXTOS
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Copyright 2003 byCristovoTezza
Todos os direitos reservados
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Primeira edio: Editora Rocco,2003.
E-book produzido porTovo Textos
em julho de 2013
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Agradecimentos
Gostaria de registrar me
agradecimento a todos aquelesque de alguma forma meauxiliaram neste trabalho, acomear pelos colegas do
Departamento de Lingustica daUniversidade Federal do Paran,liberando-me dos encargos
didticos durante o perodo dedoutorado. Ao amigo Manuel daCosta Pinto, devo valiosasindicaes bibliogrficas; so
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igualmente grato s amigasRosse-Marye Bernardi e Raquel
Illescas Bueno, que sugeriram eme cederam importante materialde consulta; e a Gilberto deCastro, que tem sido ao longo dosanos um fiel interlocutor sobre asquestes bakhtinianas. A MariaBaiocchi, devo timas sugestes
bibliogrficas em lngua italiana,alm de inestimvel ajuda nasminhas dvidas de traduo.Quero lembrar igualmente AuroraFornoni Bernardini, cujo curso
iteratura e Sociedaderepresentou um excelente ponto
de partida para a discusso do
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Formalismo Russo. A Jos LuiFiorin, agradeo especialmente a
leitura atenta e as semprecerteiras implicncias tericas,chamando-me a ateno paradetalhes que, espero, vo aqui omelhorados, ou mais beexplicados; do mesmo modo,agradeo a In Camargo Costa e
Renata Marchezan a leituracrtica e preciosas observaes.E quero expressar minha
especial homenagem a dois
grandes amigos e dois grandesmestres , aos quais devo no s
boa parte de minha formao
acadmica, desde a graduao,
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como tambm de certa forma adeciso de levar adiante este
projeto: Joo Roberto Faria, meorientador, e Carlos AlbertoFaraco. E nem ser preciso dizerque, se muitas das qualidades
eventuais deste trabalho se devea eles, pela leitura paciente egenerosa e s vezes pela crtica
aguda e estimulante, prossegueinalterada a minharesponsabilidade por seusdefeitos.
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Para Beth, Felipe e Ana.
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NDICE
COPYRIGHT
APRESENTAO Carlos Albertoaraco
INTRODUO
I MIKHAIL BAKHTIN: A DIFCILUNIDADE
1. Bakhtin popular: polifonia e
carnaval2. O Crculo de Bakhtin e asobras disputadas
3. Voloshinov e os mistrios do
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signo
4. Medvedev e o formalismo
5. Os manuscritos inditos deakhtin
II A POESIA SEGUNDO OS POETAS1. Uma cincia dos poetas
2. A antiguidade como valor
3. Para que serve a poesia?4. A negao da prosa
III O FORMALISMO RUSSO1. Em busca da cincia literria
2. Os precursores: Veselvski e
otebnia
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3. Os antecedentes: futurismo,simbolismo e acmesmo
4. Da lngua prtica lnguaotica: o breve abismo
5. Autonomia potica e
estranhamento6. Ritmo, verso, material econstruo
7. O problema do verso livre8. Formalismo e prosa artstica
9. Imanncia, desvio e Histria
10. O sistema de Romanakobson
IV A HIPTESE DEBAKHTIN
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1. Em busca de uma primahilosophia
2. Signo e sinal: um campo debatalha
3. O autor e o heri: a
conscincia de uma conscincia4. Poesia e prosa: as formas e asrelaes
5. Dialogismo e polifonia: aquesto tcnica e a questo tica
6. Momento verbal, centro de
valor e relaes dialgicas7. Polifonia: o limite do gnero
8. Da polifonia ao
lurilingismo
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9. Entre a prosa e a poesia:delimitando os terrenos
10. Na fronteira das linguagens:um estudo de caso
CONSIDERAES FINAIS
SOBRE O AUTOR
OTAS
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APRESENTAO
Carlos Alberto Faraco
Mikhail M. Bakhtin (1895-1975) permanece como um dosmaiores enigmas intelectuais do
sculo XX. Escreveextensamente, mas conclui
poucas obras. E estas s vieram a
ser, de fato, conhecidas dopblico russo e no Ocidentemuito tardiamente, quando seautor j no tinha nem sade, ne
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espao acadmico para participarde seu debate.
Bakhtin foi tambm, ao quetudo indica, a principal figura deum ativo crculo de intelectuaisque mergulhou fundo na discusso
dos mais variados temas deFilosofia e Cincias Humanas queocupavam a intelectualidade
russa na dcada de 1920,naqueles febris primeiros anosposteriores Revoluo deOutubro.
Chegaram a constituir econjunto um discurso tericoheuristicamente poderoso que se
sustenta numa densa e inovadora
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filosofia da linguagem. Noentanto, esse discurso ficou sob
interdito por mais de trinta anos(embaraando sua divulgao eexegese) e ainda hoje h quediscuta se esse ou aquele texto
mesmo de V. N. Voloshinov e P.. Medvedev, seus autores
pblicos, ou de Bakhtin.
O conjunto da obra de Bakhti(os livros publicados com senome e todo o material dearquivo), por sua vez, uma
disperso de temas de tica eesttica, epistemologia e filosofiada linguagem, literatura e histria
literria. Nesse vasto conjunto,
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nem sempre esto muito visveisas coordenadas que pode
fornecer eixos integradores de toampla temtica.Pensador de mltiplos
interesses, Bakhtin foi abrindo
sendas (abandonando-as na frentepor fora de circunstnciaspessoais ou polticas), deixando-
nos em textos inacabados densasreflexes pontuais, raciocniosinterrompidos, asseres quaseaforsticas, curtas notas
mnemnicas.Em meio dessa vastido,
encontra-se, em algumas poucas
pginas de sua anlise do
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discurso romanesco, umaintrigante teorizao sobre prosa
e poesia que at hoje geracontnuas perplexidades e ucerto desnorteio dos exegetas.Mais um dos enigmas
bakhtinianos.Pois bem, Cristovo Tezza
resolveu enfrentar esse enigma
em sua tese de doutorado que,defendida na USP em 2002, estrecebendo agora sua merecida
publicao em livro.
Cristovo trouxe, para estareflexo de carter acadmico,sua longa histria de leitor de
Bakhtin. E, romancista
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consagrado, trouxe tambm aexperincia do artista que
vivencia a prosa romanesca pordentro e tem, portanto, um pontode observao privilegiado paradiscutir o tema que escolheu.
O resultado um textoprofundamente instigante, no qualCristovo se aproxima daquela
enigmtica questo bakhtinianasem eludir-lhe a complexidade.Pode, ento, demonstrarcuidadosamente e com muita
clareza como a distino entreprosa e poesia em Bakhtin no apenas um estranho apndice de
uma teoria do romance, mas uma
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rigorosa consequncia lgica desua filosofia da linguagem. Sem a
compreenso desta, perde-se todaa beleza e a riqueza heursticadaquela.
Mas, antes de chegar neste
ponto, Cristovo nos oferece,alm de uma apresentao geraldo Crculo de Bakhtin, dois
primorosos captulos. Num deles,percorre o discurso dos poetassobre a poesia e num outro fauma necessria revisita crtica ao
pensamento do chamadoformalismo russo (ao qual seopunham Bakhtin e seus pares).
So captulos cruciais para
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sustentar a argumentao geral datese. Mas, para alm dessa funo
interna, adquirem especialrelevncia para o leitorinteressado em Bakhtin e nateoria literria. que Cristovo
no se contentou em percorrer atrilha fcil e segura da merareiterao do senso comu
acadmico, mas recolocou temasfundamentais sob um novo olharcrtico.
Com tudo isso, este livro tra
para o debate acadmico umavaliosa contribuio. E, aomesmo tempo, oferece u
saudvel antdoto a leituras que,
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reduzindo o pensamento deBakhtin a dois ou trs conceitos
(lidos antes por uma tica desenso comum do que de rigorfilosfico), banalizaraimpiedosamente sua densa
filosofia.
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INTRODUO
O pensamento de Mikhail
Bakhtin (1895-1975) constitui udos conjuntos mais intrigantes dateoria literria e lingustica dosculo XX. Uma srie inusitada
de fatores contribuiu para fazerdesse autor russo uma espcie decharada terica que continua
desafiando os estudiosos. Somuitos os complicadores queaparecem quando o assunto Bakhtin, desde as vicissitudes
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biogrficas que marcaram suavida at a delimitao do escopo
de sua obra, as fronteiras que seolhar marca entre um campo eoutro de conhecimento porexemplo, onde se separam, ou nose separam, na concepo
bakhtiniana, os campos dalingustica, da teoria literria e da
filosofia. A bibliografiabakhtiniana tambm apresentadificuldades a quem pretendaestud-la e at mesmo a dataode seus textos inditos ainda no uma questo resolvida.
Historicamente, dois
problemas imediatos se
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apresentaram: Bakhtin s setornou conhecido tardiamente, e a
publicao avulsa de alguns deseus livros, no fim de sua vida,no obedeceu cronologia de sua
produo. Alm disso, levantou-
se a hiptese de que muitos livrospublicados sob a chancela deoutros nomes seriam, de fato,
obras de Bakhtin, ou pelo menosinfluenciados diretamente peloseu pensamento. Finalmente,descobriram-se manuscritos de
Bakhtin produzidos na juventudeque acrescentariam um poderosovis filosfico sua obra capa
de dar nova luz ao que, sem eles,
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seriam primeira vista trabalhosapenas temticos de teoria
literria.No terreno da literatura,Bakhtin ficou mundialmenteconhecido como o criador da
categoria do romancepolifnico, definido por ele apartir da obra de Dostoivski no
livro Problemas da potica deostoivski, publicado na UnioSovitica em 1929 e recebendonova edio, reformulada pelo
autor, em 1963, e divulgado noOcidente no final da dcada de601.
Num outro momento, tornou-se
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igualmente clebre o seu estudosobre a obra de Rabelais, A
cultura popular na Idade Mdiae no Renascimento o contextode Franois Rabelais2, em queBakhtin desenvolve outracategoria, de natureza histrico-literria, hoje clssica: acarnavalizao. A par disso, o
conjunto conhecido das obras deBakhtin publicadas do final dosanos 60 ao final dos anos 70 (asobras sobre Dostoivski e sobreRabelais, mais os manuscritosdos anos 40 sobre literatura eesttica) dar a ele, basicamente,
o ttulo de terico do romance.
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Terico do romance gnerodefinido por Bakhtin em termos
to singulares que hoje suasconcepes so de fatoinescapveis a quem desejediscorrer sobre discurso
romanesco , mas apenas doromance, o que de certo modo oalijou do universo de discusses
tericas mais amplas. til para adiscusso da polifonia romanesca e o prprio termo polifoniavai se tornar moeda corrente, co
mil utilidades, nas discusseslingustico-literrias a partir dosanos 80 e igualmente frtil na
discusso mais sociolgica que
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literria do conceito decarnavalizao, Bakhtin no ter
relevncia especial na discussodos temas estritamente tericosda literatura. Em particular, noteria nada a dizer sobre a poesia,
ou sobre o gnero poticostrictosensu.
O primeiro motivo para esta
especializao a que se condenaBakhtin tem na verdadefundamentao concreta: de fato,ele no dedicou poesia nenhu
estudo maior. Suas grandesreferncias literrias seroDostoivski e Rabelais. Assim,
fica justificado o papel de terico
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temtico, para sintetizar numaexpresso o papel que se
reservou a Bakhtin.A segunda razo e maisprofunda a histriabibliogrfica de Bakhtin: os
livros sobre Dostoivski eRabelais foram publicadosisolada e erraticamente, se
relao com o conjunto de suaobra e com as razes de sepensamento. Isto , naqueleprimeiro momento no se
percebia que a concepoliterria de Bakhtin decorria,antes, de uma concepo da
linguagem, da qual o discurso
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literrio seria uma das expresseshistricas. E o gnero romanesco
seria uma das manifestaeshistricas do discurso literrio,lado a lado com o gnero poticoem sentido estrito. No ser
exagero dizer que a concepo deromance, em Bakhtin, depende
profundamente de uma concepo
de poesia, na medida em que apoesia elemento essencial dodiscurso pico, contra o qual, nostermos bakhtinianos, o discurso
romanesco vai se construindo aolongo da histria. Embora, comodissemos, a poesia no tenha sido
objeto de estudos especficos de
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Bakhtin, ela est de fato entendida aqui como um gnero
estrito e no como expresso deuma potica geral subjacenteem toda a discusso literria
bakhtiniana. E, de modo
assistemtico, a referncia poesia aparece em vriosmomentos de sua obra. Basta
lembrar que no texto longo maisantigo escrito por Bakhtin Parauma filosofia do ato encontra-se uma extensa anlise de u
poema de Pushkin, usado comoparadigma para definir a relaoque se estabelece entre ponto de
vista, tempo e espao na
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articulao da linguagem.Se acrescentamos a isso o
conjunto das obras definidascomo pertencentes ao chamadoCrculo de Bakhtin, e
particular O mtodo formal nos
estudos literrios, assinado porP. N. Medvedev, veremos que, arigor, no faz mais sentido dizer
que Bakhtin no teorizou sobrepoesia. A questo central queBakhtin no foi um terico daliteratura, no sentido tradicional
que a especializao didtica dosculo XX costuma conferir aostericos, o autor de u
compndio em que se
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encontrariam os captulosromance, novela, conto e
poesia. Nesse terreno, o daclassificao escolar, Bakhtin notem nada a dizer. Bakhtin foi,digamos provisoriamente, u
filsofo da linguagem; nessadimenso que ele nos oferece umaconcepo de poesia e uma
concepo de prosa.E qual a definiobakhtiniana de poesia? Parachegar a ela, ser preciso extrair
da viso de mundo bakhtinianauma concepo de poesia comouma face especfica da linguage
literria. esse o propsito deste
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trabalho: traar a distino entrepoesia e prosa, nos termos da
teoria da linguagem de MikhailBakhtin.Esta distino levar e
considerao, em primeiro lugar,
os poucos textos esparsos em queele tratou especificamente dotema, como o captulo II (O
discurso na poesia e o discursono romance) do seu estudo Odiscurso no romance queconstitui de fato o nico momento
conhecido de sua obra, poucomais de 20 pginas, em que a
poesia tratada sistematicamente,
em oposio prosa. Esses sero
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os momentos temticos em queo assunto foi discutido mas,
igualmente importante, tentaremosdefinir os termos de sua teoria eque a distino proposta por eleaz sentido. Isto , a hiptese
bakhtiniana necessita de umafundamentao na sua concepode linguagem, a concepo
particular que se depreende desua obra. Fora do dialogismobakhtiniano e usamos aqui otermo genrico dialogismo
apenas preliminarmente , difcil compreender a viso de
poesia definida por ele, na
medida em que esta viso se
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deixa contaminar quase queobrigatoriamente pela avaliao
ideolgica, pela noo de valor.essa avaliao, em sntese, oque se ressalta na superfcie oesquema da centralizao
autoritria do discurso poticoversus a descentralizaodemocrtica do discurso
romanesco, para resumir mais omenos brutalmente o modo comoat agora tem sido posta adiscusso.
E a questo no pode tambser apenas formal (no sentidocorrente e dominante das
concepes formalistas) se
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assumimos o ponto de vistabakhtiniano. Para Bakhtin, a
fronteira entre a poesia e a prosamarca uma tenso de pontos devistas scio-ideolgicos que voencontrar na literatura (no poema,
no romance) a sua arena, noapenas como formas primeiras,fundadoras, mas como relaes
entre quem fala e quem ouve eque se atualizam em formashistoricamente flutuantes. ParaBakhtin antecipando um dos
pontos centrais de suacontestao ao iderio formalista,a ser discutido adiante , aforma
do material incapaz de fundar a
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orma potica. Esse o terrenoem que se sustenta a hiptese de
Bakhtin e que aqui tentaremosdesenvolver. E, conformeanotaremos indicativamente aofinal do trabalho, essa tenso
encontra na poesia domodernismo brasileiro uexemplo notvel.
Dividimos nossa tarefa ecinco passos. No primeirocaptulo, As ideias de Bakhtin,
procuramos fazer uma breve
introduo ao conjunto da suaobra, levantando seus temas
principais e traando alguns
paralelos entre a vida e a obra,
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uma vez que, no seu caso, esseparalelo ter particular
relevncia. Ao mesmo tempo,tentamos descobrir alguma pistacapaz de identificar, namultifacetada obra de Bakhtin, o
seu ponto de unidade. Justamenteporque a sua concepo de poesiano redutvel aos quadros
convencionais em que a questofoi em geral discutida nos sculoXX, parece-nos importante essaviso introdutria do conjunto de
sua obra.No segundo captulo Uma
imagem da poesia procuramos
levantar, por via mais intuitiva
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que terica, como os prpriospoetas vem a poesia, isto , qual
a imagem que os poetas tm deseu trabalho e em que a poesia sedistinguiria da prosa. Para essetambm sumrio levantamento,
escolhemos alguns dos nomesmais representativos da poesia dosculo XX, como T. S. Eliot, Ezra
Pound e Paul Valry, entre outros.Do Brasil, escolhemos algunsmomentos de Manuel Bandeira ede Mrio de Andrade. O objetivo
flagrar, nas entrelinhas, em queponto normalmente se fundamentaa definio do discurso potico
estrito em oposio ao discurso
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prosaico. claro que, por si s, olevantamento dessa image
permitiria um trabalho completo,de flego, sistematicamenteorganizado, o que nem de longefoi nossa pretenso. Queramos
to somente levantar os pontoscentrais de um certo sensocomum de poetas incomuns
sobre a natureza da poesia e eque aspecto ela se diferenciariada prosa.
No terceiro captulo
repassamos o ponto de vistacentral do conjunto de tericosconhecidos como os formalistas
russos, encerrando com uma
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sntese da viso de RomaJakobson sobre a questo. A
escolha dos formalistas resultoobrigatria, por duas razes. Aprimeira que foi o movimentoconhecido como Formalismo
Russo que, pela primeira vez, demodo mais ou menos sistemticoe consistente, props uma
abordagem cientfica dofenmeno potico e das questesda linguagem; a sua influnciacontinua viva at os dias de hoje.
A segunda razo o fato de que oFormalismo Russo representouma das grandes referncias de
Bakhtin, no ao modo de u
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epgono ou outro formalista,como de forma equivocada se
pensou durante muito tempo, mascomo a sua contrapartida maisslida; os textos de Bakhtin e doseu Crculo continuam sendo hoje
os que de modo mais agudoprocuraram demonstrar afragilidade terica e filosfica
daquele movimento. Por outraironia histrica, como se ver,esse embate jamais veio tona.Para fechar o captulo, Roma
Jakobson aparece representando asntese mais feliz, unitria ecompleta dos pressupostos do
formalismo russo, a sua
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realizao plena como sistema.O quarto captulo, A hiptese
de Bakhtin, representa o corpoprincipal da nossa tese. Com oobjetivo de retomar a obra deBakhtin passo a passo, o captulo
procura fazer o traado de suaviso desde a gnese presente e
ara uma filosofia do ato,
passando pela obra sobreDostoivski e se detendoparticularmente nos ensaios sobreo discurso romanesco dos anos
30 e 40. De passagem, rediscute-se o conceito de signo em Bakhtie Voloshinov e como eles viam o
processo da significao. O
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objetivo desenhar o quadroterico em que a questo do
discurso potico foi colocada porBakhtin e levantar o ponto em quesua hiptese subverte o olhartradicional sobre a questo.
Finalmente, um poema de CarlosDrummond de Andrade analisado como demonstrao do
potencial terico da hiptesebaktiniana no levantamento dafronteira entre a poesia e a prosae da significao axiolgica da
guerra dos gneros.
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CAPTULOI
MIKHAILBAKHTIN: A DIFCILUNIDADE
1.Bakhtin popular: polifonia e
carnaval
Num sculo em que s o que rpido parece fazer sentido,Mikhail Mikhailovitch Bakhtin,nascido em Orel, ao sul deMoscou, na antiga Rssia, e
1895, e morto em 1975, na
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Moscou da tambm antiga UnioSovitica, pode ser considerado
uma das mais curiosas negaesdesse princpio. Tudo queaconteceu em torno de Bakhtin foide uma lentido exasperante. S
agora, na virada do sculo XX,comeamos a ter em mos oconjunto de seus escritos e a
consolidar os dados fundamentaisde sua biografia. Um complicadorextra na apreenso desse conjunto o fato de que a obra de Bakhti
apareceu de forma errtica pode-se dizer que ela foipublicada ao contrrio; isto ,
apenas no fim do sculo tomamos
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conhecimento do que ele escreveno seu incio e a descoberta
desses manuscritos, como Oautor e o heri na atividadeesttica, e principalmente oltimo de todos, e o primeiro a
ser escrito,Para uma filosofia doato, da primeira metade dos anos20, nos obriga a reconsiderar e
boa parte o que de certa forma jhavia se afirmado criticamenteem torno de sua obra.
Olhando Bakhtin daqui do
Ocidente, do lado de fora, oexotopicamente, para usar umacategoria que lhe cara, e
considerando, digamos, o ano de
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1975, teramos um tericoliterrio que publicou dois nicos
livros em vida. O primeiro roblemas da potica deostoivski3, editado em 1929,
quando ele j estava preso eLeningrado (hoje novamente SoPetersburgo), pouco antes de seexlio no Cazaquisto, e que seria
relanado, em edio reformuladapelo autor, somente 35 anosdepois. E em 1965 publicou-sesua obra sobre Franois Rabelaise a cultura popular na IdadeMdia.4O livro era uma tese que,escrita em 1940 e defendida logo
depois da Segunda Guerra sob a
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atmosfera viva de Stlin, no foiaprovada: Bakhtin merece
apenas o ttulo de candidato adoutor5.A obra sobre Dostoivski
defendia o ponto de vista originalde que o escritor russo haviacriado um novo gneroromanesco, o romance polifnico.
esse novo gnero, os pontos devista dos diferentes personagens edo narrador que se apresentam noconcerto das vozes ideolgicasrevelado pelo texto, para falar deforma simples, lutam entre si e
p de igualdade. Para Bakhtin,
Dostoivski representa a forma
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historicamente amadurecida deuma tendncia da prosa
romanesca, de natureza centrfugae descentralizadora das visesmonolticas do mundo, que vinhade longe na gnese e no
desenvolvimento do romance. Olivro exerceu um forte impacto noOcidente, quando aparece
traduzido no final dos anos 60, ealguma confuso terica.Estvamos, poca, em plenoimprio estruturalista na teoria
literria, e sob o domnioortodoxo, na concepo dalinguagem, dos pressupostos
formalistas. Nesse quadro
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terico, era difcil acomodar ospontos de vista de Bakhtin; na
verdade, era difcil compreend-los. Aconteceu assim uma rpidaadaptao de seu vocabulrio ede suas categorias ao quadro
formal j disposio da teorialiterria corrente, de modo que asnoes de dialogismo, polifonia e
plurilinguismo se encaixaram semuito conflito em tpicospopularizados e simplificados etorno do conceito de
intertextualidade.J a obra de Rabelais
introduzia conceitos mais
visivelmente ideolgicos: Bakhti
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postula que toda cultura de raipopular, no oficial, traz em si
momentos cclicos de umacarnavalizao demolidora dasestruturas hierrquicas, de todosos valores polticos, morais,
ideolgicos, estticos, religiosos,sendo Franois Rabelais uexemplo maior desse fenmeno
no contexto da cultura medieval.A toda cultura e toda linguage oficial e centralizadora,contrape-se a fora de
estratificaes e de linguagensno-oficiais e descentralizadoras,que incluem a categoria do riso
popular e do realismo grotesco.
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Ao analisar o papel do riso naIdade Mdia, Bakhtin lembra que
o riso estava relegado para forade todas as esferas oficiais daideologia () e tinha sidoexpurgado do culto religioso, do
cerimonial feudal e estatal, daetiqueta social e de todos osgneros da ideologia elevada. O
tomsrio exclusivocaracteriza acultura medieval oficial6. Pode-se imaginar o efeito dessa tesesob a seriedade oficialaterrorizante do stalinismo, e tem-se talvez uma pista paracompreender o fracasso de
Bakhtin em receber seu ttulo de
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doutor. Com a publicao daobra, em 1965, o conceito
bakhtiniano de carnavalizao,isto , o fenmeno da inversohierrquica de valores tpica daarte popular, acabou por correr
mundo pelo seu forte apelotemtico e ideolgico. Mas averdade que se tornou u
conceito avulso, apenas umadefinio desvinculada da teoriahistrica da linguagem e dacultura que lhe dava sustentao
ao longo da tese.
2. O Crculo de Bakhtin e as
obras disputadas
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S esses dois trabalhos jseriam suficientes para consagrar
Bakhtin, mas a extenso de suasideias e a rea de sua atividadeintelectual iam muito mais longe.
o incio dos anos 70, acontece
uma revelao surpreendente: ofillogo russo Viacheslav Ivanovafirma que Mikhail Bakhtin seria
o verdadeiro autor de trs artigose dois livros assinados porValentin N. Voloshinov, e de outroassinado por Pavel N. Medvedev.
Alm desses dois autores, fez-sereferncia tambm a um longoartigo de Ivan Ivanovich Kanaev,
bilogo e estudioso de cincias
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naturais, chamado O vitalismocontemporneo (1926),
curiosamente o nico que foicomprovadamente escrito porBakhtin, como atesta uma carta do
prprio Kanaev.7 De Voloshinov,destacamos trs obras principais:
arxismo e filosofia dalinguagem (1929)8, Freudismo
(1927)9 e um longo ensaiochamado Discurso na vida ediscurso na arte (1926)10. De
Medvedev, bastar citar aqui Omtodo formal nos estudosliterrios(1928).11
Tratava-se, claro, de uma
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revelao bombstica, ainda maisconsiderando o fato de que o
prprio Bakhtin vivia quando elafoi feita mas preciso noesquecer de que estamos ainda naUnio Sovitica e de que o
pronturio dos envolvidosrecomendava prudncia: seKanaev, nascido em 1893, teve
melhor sorte, morto de mortenatural recentemente, Valentiicolaevich Voloshinov, nascido
em 1895, poeta e crtico musical
com interesse pela lingustica epela psicologia, morreu em 1936em circunstncias obscuras, muito
provavelmente vtima dos
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expurgos stalinistas; e Medvedev,nascido em 1892, reitor da
universidade proletriainstaurada pelo novo regime,desapareceu nos anos 30,ilegalmente suprimido segundo
a biografia oficial sovitica.Assim, o prprio Bakhtin sindiretamente admitiu ser o autor
de tais livros, embora lamentandoos acrscimos desagradveis,como teria declarado eentrevista a S. G. Bocharov
pouco antes de morrer12. Masnunca fez uma declarao formalindiscutvel a respeito. Os dados
so contraditrios. H quem,
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expressamente, pelo menos corelao a Voloshinov e
Medvedev, negue a autoria deBakhtin, como Brian Poole,sustentando que
() ele no poderia terescrito [as obras atribudas aele]. So reivindicaes que o
prprio Bakhtin nuncapublicou ou afirmou ecorrespondncia pessoal.Outros fazem isso para ele.
Em uma carta a V. Kozhinov,em 1961, Bakhtin escreveu:
Os livros O mtodo
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formal nos estudosliterrios e Marxismo e
filosofia da linguagemso bem conhecidos pormim. V. N. Voloshinov eP. N. Medvedev,
falecidos, foram meusamigos. No perodo dacriao desses livros ns
trabalhamos com ucontato criativo muitoprximo. Alm disso, osfundamentos desses
livros e do meu trabalhosobre Dostoivski tm amesma concepo de
linguagem e de produo
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de enunciados.
Bakhtin explicitamentereconhece aqui que isso demodo algum reduz aindependncia e a
originalidade de cada udesses livros. Kozhinovacrescenta uma nota de
rodap: Bakhtin admitiu antesde morrer que as obras foraquase completamenteescritas por ele.13
At hoje no aconteceu, defato, um consenso sobre a autoria
desses textos houve mesmo
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quem visse na revelao apenasuma estratgia de mercado para
revalorizar obras de autoresdesconhecidos dos anos 20 e 30que, sem o emprstimo do nomede Bakhtin, dificilmente teria
pblico hoje. Alm disso, adisparidade, multiplicidade ecomplexidade dessas obras, que
discutem desde questes debiologia, passando pela crtica dateoria freudiana, at a proposta derefundao epistemolgica dos
conceitos da lingustica,exigiriam naturalmente tempo
para serem devidamente
apreciadas, compreendidas e
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assimiladas (ou no) naperspectiva do universo
bakhtiniano. Essa leitura, somadaao aparecimento de informaesmais concretas sobre Bakhtin, quevo culminar na edio de sua j
clssica biografia, de KaterinaClark e Michael Holquist, e1984, deixaro para um segundo
plano a questo formal da autoria.A biografia revelava que, aolongo dos anos 20, naefervescncia da Rssia
revolucionria, Bakhtiparticipou de um grupo dediscusses culturais, filosficas e
religiosas de que faziam parte,
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entre outros, Voloshinov eMedvedev, grupo definido mais
tarde como o Crculo deBakhtin. Suas obrascompartilham algumas ideiascentrais de Bakhtin, revelando
entretanto uma personalidademais ou menos autnoma corelao aos temas lingusticos e
literrios discutidos.O grau dessa autonomia no uma questo fcil de resolver. Secom relao obra de
Dostoivski, de 1929, e aostextos sobre o discursoromanesco, escritos nos anos 40,
a proximidade terica dos
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pressupostos de Bakhtin com aobra do Crculo (em particular a
obra-chave Marxismo e filosofiada linguagem, e o ensaioiscurso na arte, discurso na
vida, assinados por Voloshinov)
transparece com alguma nitidez,tirante uma certa diferena deestilo (o evidente didatismo dos
textos de Voloshinov e Medvedev,por exemplo, em contraste com averticalidade radical dos textos
bakhtinianos, que parece
perpetuamente inacabados) e uvocabulrio mais ostensivamentemarxista (ausente em Bakhtin), o
mesmo no se pode dizer dos
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primeiros manuscritos de Bakhtin,ara uma filosofia do ato e
Sobre o autor e o heri, quesero comentados mais adiante.14
esses textos, transparece ntidoum Bakhtin ele-mesmo,digamos provisoriamente assim.E, passando-se ao final da dcadade 40, a obra sobre Rabelais,
com o seu conceito decarnavalizao e sua definio dorealismo grotesco, avana equestes scio-histricas cujovis original dificilmente poderiaser colocado sem ressalvas aolado das concepes de
Voloshinov e de Medvedev,
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embora, quem sabe, deva bastante perspectiva sociolgica de
ambos. Mas o livro sobreRabelais , de fato, um caso parte. Como lembrou SimoDentith,
a primeira coisa que chamaa ateno de qualquer leitor
de Rabelais and His World que o alcance da obra vaimuito alm de seu temaostensivo imediato. No foi
pelo que ele diz sobreRabelais, por interessante queseja, que o livro foi traduzido
em mais lnguas do que
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qualquer outro trabalho crticosobre Rabelais. Na verdade, o
tema do livro estende-se almesmo da vida festivo-popular do comeo da Europamoderna da qual, Bakhti
demonstra, Rabelaisaproveitou-se tocopiosamente; ele fornece uma
descrio poderosa datransio para a modernidadena cultura do Continente. Esuma, a instituio histrica
do carnaval e suas formasfestivo-popularesrelacionadas se tornam a
chave para revelar um tema
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crucial da histria europeiacultural, social e pessoal da
Idade Mdia em diante. Nestaviso, a Renascena v oflorescimento de uma atitudemilitantemente anti-autoritria
diante da vida, alegre eafirmativa, fundada sobre umaaceitao feliz da
materialidade do corpo ainda que Bakhtin, claro,no afirme que essa seja anica atitude diante da vida a
ser encontrada naquela poca.A histria europeiasubsequente assiste
fragmentao dessa atitude, na
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verdade sua supresso edisperso, sob as influncias
nocivas do racionalismo emodernidade do sculo XVIIem diante.15
A sntese acima nos diz algotambm sobre o processo do
pensamento bakhtiniano quando
posto prova nos estudosestritamente temtico-literrios,como na obra sobre Dostoivski.Longe de desenvolver um sistema
fechado de uma ordem literria aser aplicado universalmente,Bakhtin faz emergir das obras que
enfrenta (Dostoivski, Rabelais)
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uma rede de relaes formais evalorativas altamente complexa,
enraizadas na histria e nacultura, que lhe do umasingularidade extraordinria:
olifonia e carnavalizao,
assim, surgem como expressesnicas de momentos histricos,categorias no reiterveis ao
acaso, que s com muito cuidadosero redutveis a um esquemaabstrato; da a inadequao detentar dar a elas um uso
instrumental. Talvez parte dasdificuldades que se encontram na
busca de uma compreenso
melhor de Bakhtin decorra da
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atitude de tomar pontos dechegada como pontos de partida.
O mesmo se poder dizer,retomando nosso tema, a respeitode seu conceito de poesia.
Voltando ao Crculo, o fato
que, desconsiderando-se os textosestritamente filosficos do joveBakhtin, numa ponta, e a obra
sobre Rabelais, em outra,transparece no conjunto dostrabalhos produzidos ao longo demeados dos anos 20 at meados
dos anos 40, comeando com oensaio O problema do contedo,do material e da forma na
criao literria e terminando
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com os textos sobre o discursoromanesco dos anos 40, u
visvel parentesco terico entreVoloshinov, Bakhtin e Medvedev,em especial o Medvedev queassinou O mtodo formal nos
estudos literrios. Esseparentesco transparece noapenas nas concepes mais
gerais mas at mesmo epargrafos inteiros que dizem amesma coisa nos textos de uns eoutros. Pode-se mesmo falar de
um carter predominantementehomogneo dessas obras,sintetizadas sob a autoria do
Crculo de Bakhtin, textos que se
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encaixariam quase magicamenteum ao lado do outro como as
peas de um mosaico ou de uquebra-cabeas, na expressodos italianos Paolo Jachia eAugusto Ponzio16. preciso ucerto cuidado, entretanto, parano se reduzir a obra deVoloshinov e Medvedev (e
especialmente a obra deVoloshinov, pela sua importnciana rea da lingustica) a simplessombra de Bakhtin. Antes queacontecesse em Bakhtin o queKen Hirschkop chama de suavirada lingustica17, a partir
dos anos 30, Voloshinov j
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trabalhava as questes dalinguagem em uma perspectiva
sociolgica prpria que estausente dos primeiros textosbakhtinianos. Mika Lhteenmki,ao comparar a relao entre
lngua e realidade em Voloshinove Cassirer18, lembra, porexemplo, que Voloshinov traduzi
parte de A filosofia das formassimblicas, de Cassirer. E sabido que Voloshinov e Bakhti
partilharam a mesma dacha novero de 1928 momento em queHirschkop localiza a viradalingustica bakhtiniana pela
influncia recproca.19
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A leitura tardia dos textos doCrculo, a partir dos anos 70,
ampliar a imagem da obra deBakhtin, acrescentando-lhe, viaVoloshinov, uma teoria autnomada linguagem, filosoficamente
articulada, e uma teoria que seopunha, desde o ponto de partida, grande vertente formalista que,
pode-se dizer sem muito exagero,afinal dominou o sculo XX.Assim, os conceitos e categoriasmais ou menos apressados que se
criaram para definir num primeiromomento a natureza das obras deBakhtin sobre Dostoivski e
Rabelais passariam agora a ser
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revistos.E com as obras do Crculo
apareciam outros complicadores,ou fantasmas, se lembramos daGuerra Fria, em particular aquesto da mais ou menos
ostensiva filiao marxista deBakhtin, ressaltada pelas obras deVoloshinov e Medvedev. Isto ,
era preciso situar o lugar domarxismo em Bakhtin se setratava simplesmente de umarxismo nominal, uma
estratgia de publicao deVoloshinov e Medvedev, com as
palavras de ordem repetidas e
geral no primeiro captulo do
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livro para escapar da censura, ose de fato, ou alm disso, havia
uma legtima preocupao defundar uma teoria da linguagede raiz marxista, situada tantocontra o marxismo oficial, como
contra as correntes de raiidealista, cujo melhor exemploseriam os formalistas. Nessa
batalha inevitvel e tambinevitavelmente inglria pelosfragmentos das informaes disposio e pelo desejo de
tomar partido diante da novidadesurpreendente aparecer, numa
ponta do espectro, um certo
esforo em transformar
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dialogismo em dialtica; eoutra, em fazer de Bakhtin u
pensador cristo.Voltando questo da autoriados textos disputados, talvez sejasuficiente, pelo menos por
enquanto, reter as palavrastranquilas de Simon Dentith arespeito, que, escritas em 1995,
continuam a fazer sentido:
Na ausncia de qualquerevidncia conclusiva para u
lado ou outro, muito dosargumentos de ambos os ladosda questo tm sido
francamente especulativos.
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Mas o que se sabe claro.Houve realmente duas pessoas
chamadas Voloshinov eMedvedev, que eram membrosdo mesmo crculo intelectualde Bakhtin ao longo dos anos
20. Assim no estamostratando com uma casosimples de textos sendo
publicados sob pseudnimos.() tambm claro que huma coincidncia bastantesubstancial entre os
argumentos dos livrosaparecidos sob seus nomes, e,em particular, os argumentos
produzidos por Bakhtin e
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seus escritos inditos dos anos30. tambm claro que os
livros de Voloshinov eMedvedev tm um idiomaexplicitamente marxista,enquanto os de Bakhtin o so
menos, embora Bakhtin, nomnimo, em seus escritos
publicados e inditos, seja
reverente diante do Marxismo,e, mais fortemente, parea tersido influenciado por ele ealguns aspectos
fundamentais.20
Embora seja discutvel a
citada reverncia de Bakhtin ao
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Marxismo de fato, Marx estpraticamente ausente da obra de
Bakhtin, exceo de doisprefcios oficiais obra deTolsti escritos em 1929, o anoem que ele foi preso e deportado
, a influncia de alguns de seusaspectos pode ser entrevista emuitos momentos, em particular
na afirmao da materialidade dosigno, em todas as suasinstncias, que aparece noconjunto da sua obra dos anos 30
e 40. Mas o foco da questo, aessa altura, deve ser outro descobrir Bakhtin em Bakhtin, o
seu eixo unitrio, se que ele
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pode ser encontrado. E at que aspesquisas historiogrficas seja
capazes de nos dar respostas maisprecisas sobre os textosdisputados, parece-nosconveniente tratar os autores do
Crculo pelos seus prpriosnomes.
3. Voloshinov e os mistrios dosigno
Haver mais revelaessurpreendentes adiante, mas porenquanto vejamos em linhasgerais o que dizia esse Bakhti
mascarado recm-descoberto. A
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obra disputada mais conhecidaentre ns Marxismo e filosofia
da linguagem, assinada porVoloshinov. Por detrs de umavisvel preocupao em inserir asdiscusses sobre a questo da
linguagem no grande trilho domarxismo, de certa forma e
busca de algum marxismo
verdadeiro, numa UnioSovitica que cada vez maismonopolizava oficialmente todosos discursos filosficos, o texto
de Voloshinov faz uma viagem edireo aos pressupostosepistemolgicos dos conceitos de
linguagem. Nesta discusso, ele
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rev duas grandes linhasdominantes: o subjetivismo
idealista, representado pelacorrente do pensamento deWilhelm Humboldt, e oobjetivismo abstrato, cujo
exemplo maior estaria na obra deSaussure e que aqui nos interessamais de perto pelo papel que ter
na maturidade do formalismo,representada por Jakobson. ParaVoloshinov, a lngua como usistema estvel de formas
normativamente idnticas apenas uma abstrao cientficaque s pode servir a certos fins
tericos e prticos
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articulares21, no dando contado que o texto define como
realidade concreta da lngua.E o que ser essa realidadeconcreta da lngua?
A questo levantada no textode Voloshinov a verdadeiracaixa de Pandora da viso demundo bakhtiniana, em diferentes
momentos de sua obra e sobdiferentes designaes: trata-seda passagem do sinal reitervel
para o acontecimento nico, noreitervel, do evento da palavra,a sua vida concreta, digamosassim. Dissemos aqui viso
bakhtiniana porque,
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simplificando bastante, transpor oabismo entre a representao
abstrata do mundo, desprovida desujeito, e a vida concreta dapalavra, inseparvel do sujeito,ser uma de suas obsesses mais
permanentes e, talvez no planoestritamente terico, irresolvidasat o fim. uma questo que
transcende a lingustica, pelomenos a lingustica que seconsolidou como cincia nosltimos cem anos.
Ken Hirschkop, em um textoque tem o ttulo sugestivo deBakhtin luz sbria do dia,
centra a obsesso de Bakhtin no
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seu projeto inicial de umafilosofia tica indicando que
o filsofo teria uma questo denatureza temticaa resolver. Masveja-se que as mesmas palavrasque Hirschkop enderea a Bakhti
sobre seu projeto filosficoestrito podem ser endereadas questo ingente da passagem do
signo reitervel ao evento daalavra:
Se ns detemos nosso
olhar sobre a carreira deBakhtin, observamos no udesenvolvimento suave ou u
cultivo cuidadoso de vrios
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campos, mas um lidarinfindvel, quase compulsivo,
com alguns poucos problemaschaves. A interpretao usualdesta obsesso que Bakhtiteve um momento de glorioso
insight filosfico, que, porrazes polticas, ele acabotranspondo para uma
variedade de diferentesdisciplinas. Mas a realsucesso dos textos implicaalguma coisa a mais: que
Bakhtin prosseguiu neleporque ele no conseguiaresolver o problema o
exorcizar o trauma que lhe de
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partida.22
Obviamente, no nossainteno aqui abrir essa caixaterica, cujas faces vo sedesdobrando impiedosas umas
sobre as outras, at mesmo parase fixar em que plano tericoestamos nos movendo e de qual
Bakhtin estamos falando. EVoloshinov a questo se colocamais ou menos desta forma: oelemento puramente abstrato da
lngua, o signo saussuriano,reitervel e sempre igual a elemesmo, s pode dar conta de uma
lngua morta, de uma criao
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abstrata; um mero cdigo. ParaVoloshinov, restar sempre u
abismo intransponvel entre osigno puramente formal da lnguae a sua vida concreta, e alingustica seria incapaz de
ultrapass-lo. Nos termos dele, osigno da lingustica para nosinal.E a vida da linguagem s nasce
depois dele. O que produsignificado (ou o que d vidaconcreta palavra) no adefinio reitervel do
dicionrio, dentro de umaestrutura abstrata de sinais, dafontica semntica, nem mesmo
um contexto abstratamente
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considerado, mas o espao entresujeitos socialmente organizados
em que a palavra real vive.Em Marxismo e filosofia dalinguagem essa passagem designada como significao e
tema. Na verdade, dizer que avida da linguagem nasce depoisdo elemento reitervel no fa
ustia concepo definida pelotexto:
Um sentido definido e
nico, uma significaounitria, uma propriedadeque pertence a cada
enunciao como um todo.
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Vamos chamar o sentido daenunciao completa o se
tema. O tema deve ser nico.() Por significao,diferentemente do tema,entendemos os elementos da
enunciao que soreiterveis e idnticos cadavez que so repetidos.
Naturalmente, esses elementosso abstratos: fundados sobreuma conveno, eles no texistncia concreta
independente, o que no osimpede de formar uma parteinalienvel, indispensvel, da
enunciao.23
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significado no pano de fundo dosignificado dos outros; tudo que
se pensa, tudo que se diz, dirige-se a algum, antes mesmo quehaja algum diante de ns esuma, sem um outro no h
palavra.E que significado esse? a
pedra igual a pedra da
semitica clssica? ParaVoloshinov e para Bakhtin, a vidaconcreta da linguagem ultrapassaesse estgio primordial, em que
temos um sinal correspondente auma referncia; ela estindissoluvelmente ligada a u
complexo de valores toda
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enunciao compreende umaorientao apreciativa. Isto ,
toda palavra concreta (pensada,falada, escrita, sussurrada,imaginada, sonhada), est vestida,impregnada, banhada de
significados sociais concretosrviossobre os quais colocamos
nossa orientao. Ela sempre se
dirige a algum; e a suacompreenso vai alm do simplesdecodificar de um sinal; umacompreenso ativa, uma resposta.
Quando algum nos diz algo, noprestamos ateno no significadoreitervel das palavras, aquilo
que est nos dicionrios; ao
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contrrio, estamos atentos sempreao que novo no que est sendo
dito; a cada momento s nosinteressa o que novo cadasinal que ouvimos detona em nsno uma recepo passiva, mas
uma resposta ativa, e nesseterritrio inescapavelmentevalorativo que a linguagem, e ns,
vivemos. Eis porque, repetindoesse velho exemplo, uma palavraconcreta pode significarexatamente o contrrio de se
sentido de dicionrio, e ns,falantes na vida real, temos oouvido bastante atento para a
orientao apreciativa implcita
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em tudo que nos dizem.Em outro momento do livro,
Voloshinov analisa as formassintticas da enunciao,especificamente a questo datransmisso do discurso de
outrem na prpria fala e suasformas24. Aqui o captuloantecipa e desenvolve questes
centrais do pensamento doCrculo de Bakhtin, ressaltando ofato de um mesmo enunciado, deum mesmo locutor, conter em sino s a minha palavra, mastambm a palavra do outro,incluindo as respectivas
avaliaes, os pontos de vista
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conflitantes. Isto , o dilogo no apenas uma forma alternada de
enunciados isolados, como namarcao teatral, mas est naprpria natureza, desde onascimento, de todo enunciado,
mesmo tomado isoladamente.Mais adiante voltaremos ao tema.Por ora, lembremos que nessa
concepo radical sobre anatureza plurilngue de todalinguagem repousa boa parte dadistncia epistemolgica do
Crculo com relao s teorias deraiz formalista, fundadas sobre aestrutura abstrata da lngua.
Particularmente no caso da
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nossa tese, essa diferena serfundamental para entender o
sentido da diviso bakhtinianaentre prosa e poesia: no umadistino formalmente definida,ou, mais precisamente, definida a
riori pela forma do material,mas uma diferena de substnciaque se estabelece na relao
trplice entre quem fala, o seobjeto, e quem ouve, uma relaoinescapvel a qualquerenunciao. A distino ser
fundada por Bakhtin sobre anatureza dessa relao, e a formavai aparecer a como estratgia,
no como essncia. Mas isso
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assunto a se desdobrar maisadiante.
Desta viso bakhtiniana aquisimplificada guardemos, porenquanto, a ideia de que alinguagem no uma realidade
monolgica, isolada ou nica enenhuma de suas instncias umacategoria recorrente de Bakhti
ser a natureza inescapavelmentedialgica da linguagem. Essepressuposto transparece em todasas obras do Crculo, ainda que
variem seu vocabulrio e suasdefinies em diferentesmomentos. Ser esse pressuposto
dialgico, como princpio prvio
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especfica. Nesse estudo, aparecea categoria do ouvintecomo parte
inseparvel, constitutiva, de todoenunciado sem ouvinte,nenhuma palavra far sentido.Observe-se que ouvinte, aqui,
no apenas um interlocutorconcreto, algum fisicamentediante de ns (embora ele tamb
seja parte constituinte de todosignificado); o ouvinte sertambm, paralelamente, ohorizonte social sobre o qual
cada sinal ganha o seu sentido.Em vrias obras de Bakhtin essacategoria fundamental vai
reaparecer, algumas vezes co
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outra terminologia.
4. Medvedev e o formalismo
Para encerrar essa fase,lembremos outra obra disputada,esta assinada por Medvedev: Omtodo formal nos estudosliterrios, publicada em 1928.
Aqui Medvedev submete ochamado mtodo formal a umacrtica rigorosa. Os formalistas como veremos extensamenteadiante postulavam que era
preciso fazer do estudo daliteratura uma cincia autnoma
e o objeto da cincia literria no
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seria propriamente a literatura,mas a literaturidade, o
literariedade, como se tornoconhecido o termo em algumastradues brasileiras, do russoliteraturnost, isto , tudo que fa
de uma determinada obra umaobra literria. Assim, seria
preciso libertar a palavra
literria de tudo que no fosseliteratura; libert-la da filosofia,da religio, da poltica, dahistria, da psicologia. Esse
ponto de partida refletia umapreocupao legtima diante deum estudo da literatura que cada
vez mais discutia os temas das
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obras polticos, sociais,psicolgicos, etc. e cada ve
menos o trao especificamenteliterrio delas. Para osformalistas era preciso recuperaro que era estritamente literrio.
Com esse objetivo, os formalistasestabelecem uma distino entrelngua potica e lngua
quotidiana, a linguagem correntede todos ns, a linguagem prtica.A partir dessa oposio inicial,eles vo criar um conjunto de
conceitos que faro histria,como estranhamento,singularizao, sistema,
estrutura, etc. Basicamente, as
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ideias formalistas giram em tornoda noo de autonomia da obra de
arte, a noo de imanncia dasleis literrias, o conceito desistema e a supressometodolgica da ideia de valor
como trao intrnseco do objetoartstico. So conceitos familiaresao estudo acadmico dos anos 60
para c e que de certa formaembasaram as perspectivasdominantes de abordagem dosfenmenos literrios na segunda
metade do sculo XX. Acontraposio de raisociolgica, que podemos chamar
superficialmente de esquerda26
,
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em torno da questo formal queMedvedev vai combater o
formalismo russo, no porqueconsidere o problema irrelevante;usto pelo contrrio, considera
que o formalismo foi capaz de
formular os problemas maisimportantes dos estudosliterrios, com tal agudeza que
no podem () ser evitados oignorados. verdade que oformalismo no resolveu esses
problemas. Mas seus prprios
erros, em seu arrojo econsistncia, focaram ainda maisa ateno sobre os problemas
formulados.27
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Segundo Medvedev, o errocentral, para definir numa
expresso a linha crtica da obra, a falta de uma sustentaofilosfica. Sim, a questo daespecificao da obra literria
ser fundamental tambm para oCrculo de Bakhtin, mas a obra dearte deve se especificar, antes de
mais nada, em relao aos outroscampos ideolgicos, e noestritamente por seus traoscomposicionais abstratos28. Isto, a linguagem da literatura seespecifica diante da linguagem dacincia, da religio, da moral,
como sistemas de valores.
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Qualquer elemento formalabstrato a trama, a fbula, a
rima, o tema, o motivo s entrana literatura quando j embebidode valor, de dimenso axiolgica,no como trama ou forma
abstratas, mas como bem, mal,verdade, mentira, crime, dever,morte, vitria, etc. Em direo
contrria e com a mesmaintensidade, Medvedev condenano marxismo sovitico atendncia a ver a literatura como
a mera transmissora deideologias, ou como o reflexodireto da vida, ou como reflexo
mecnica da realidade, ou como
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portadora de teses. Para Bakhti(e aqui se trata de Bakhtin ele-
mesmo, tanto em O autor e oheri como em O discurso doromance), na literatura no hfilosofia, mas o ato de filosofar;
no h o conhecimento, mas oprocesso de cognio.
Em outro momento, Medvedev
desmonta a ideia de umalinguagem potica em sicontrapondo-se chamadalinguagem prtica, um ponto de
partida que chegou a buscar umacerta gramtica da lngua
potica em oposio gramtica
da lngua comum. Para o Crculo
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de Bakhtin, a definio do que ou no potico um dado
histrico, e no uma categoriatranscendente do ponto de vistalingustico, cada elemento formalda linguagem possui idntico
potencial artstico. Na sua timasntese, s a enunciao podeser bela ou seja, a vida
concreta, dialgica, da linguagem,que dar ou no os contornos daliteratura. Alm do mais, achamada linguagem prtica dos
formalistas, ou dos vriosmomentos do formalismo, nuncachegou a ser definida com rigor; e
as chamadas funes da
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natureza; o som est entre aspessoas e apenas desse
territrio duplo, bidirecional, queo som ganha o seu sentido:potico, prosaico, prtico,cientfico, religioso Em suma:
o poeta, quando escreve, noseleciona um sistema abstrato de
possibilidades fonticas,
gramaticais, lexicais seleciona,isso sim, as avaliaes sociaisimplcitas em cada palavra. Parao Crculo de Bakhtin, a palavra j
entra na arte carregada deintenes, opinies, traossociais, com todas as marcas de
seu territrio valorativo. Assim, a
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tarefa da potica deve ser aespecificao da literatura no
universo das enunciaes sociais,no territrio em que as palavrassignificam concretamente, eamais nas supostas propriedades
de um sistema abstrato.Seguindo Medvedev, haveria
ainda uma outra fraqueza na
teoria formalista: o formalismofoi incapaz, de fato, de lidar coa prosa romanesca. Ao colocar opotico como tudo aquilo que
no se confunde com a chamadalngua prtica, e ao eleger oestranhamento como uma das
mais caras categorias da
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se destruir como prosa e setransformar em poesia.29
5. Os manuscritos inditos deBakhtin
At aqui chegamos ao segundoBakhtin, o que transparece eVoloshinov e Medvedev. No
primeiro, tnhamos um grandeensasta temtico da literatura,analisando dois momentos
histricos, Rabelais eDostoivski. No segundo Bakhtin,definido aqui com as necessriasreservas at que a historiografia
nos permita afirmaes
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categricas a respeito da autoriados textos disputados, encontra-se
a procura sistemtica de umafilosofia da linguagem capaz detranscender os limites que seencerravam afinal no objetivismo
abstrato de Saussure. Em outradireo, o Crculo buscotambm uma filosofia que
ultrapassasse o mecanicismo deum marxismo oficial que crescevoraz no panorama cultural dosanos 20 at inviabilizar qualquer
dissidncia. Com a priso deBakhtin, em 1929, o Crculo seencerra.
Um fato relevante a considerar
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que esse segundo Bakhtitambm no foi lido esgotou-se
nas edies originais, numa UnioSovitica j dominada pelastrevas do stalinismo e com seusautores desaparecidos nos
expurgos dos anos 30. Bakhtiteve mais sorte quem sabedevido a sua doena, uma
osteomielite que o obrigou amputao de uma das pernas,acabou exilado no Cazaquisto,trabalhando na contabilidade de
uma fazenda coletiva. A nicapublicao de que se tem notciade Bakhtin dos tempos de exlio
ser o artigo Descobertas
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baseadas em um estudo dasnecessidades de membros de
famlias coletivas, de junho de1934. Assim, tanto o contraponto concepo saussuriana delinguagem quanto a contestao
aos princpios do formalismo noestudo da literatura, alm da
prpria obra sobre Dostoivski,
no tiveram sobrevida na prtica somente nos anos 70comeariam a serfragmentariamente lidos. Talve
no seja exagero dizer que onico pensador que teria sidocapaz de fazer frente terica, de
fato, a essas correntes, era
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Bakhtin, mas por ironia dahistria ele jamais foi ouvido.
Mas h um terceiro Bakhtin,que comeou a aparecer quaseque simultaneamente com asobras de Voloshinov e Medvedev,
ao longo dos anos 70 e 80. Trata-se agora, mais uma vez, deBakhtin ele-mesmo, em uma srie
de manuscritos inditos eincompletos que daro umasignificativa amplitude filosficaao que at ento se conhecia dele.
O Bakhtin que emerge dessesmanuscritos, quase todosincompletos, pode ser separado
em trs subgrupos, considerando
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menos a cronologia e mais atemtica. O primeiro texto quase
chegou a ser publicado numarevista em 1924 mas, em outraironia biogrfica, a revista fechoantes da edio e o artigo s
reapareceu em 1975, o ano damorte de Bakhtin. Trata-se de O
problema do contedo, do
material e da forma na criaoverbal30. Neste texto, apareceum Bakhtin nitidamente centradonas questes filosficas, falandoa linguagem e seguindo a esteirados pressupostos neokantianos31
o que ser um complicador a
mais na definio filosfica de
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Bakhtin. Transparece tambm umadensa sistematizao terica co
uma dimenso que no seencontrar nem nas obras doCrculo (sempre mais didticas),nem nos seus trabalhos sobre
Dostoivski e Rabelais,preponderantemente temticospor vocao.
Aqui o filsofo Bakhtidebrua-se detalhista sobre aquesto da autonomia do objetoesttico, discutindo a falta de
consistncia do que ele chama deesttica material, isto , ascorrentes formalistas. Para ele,
impossvel definir a natureza da
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que contm vises de mundo, coformas puramente
composicionais; finalmente, aesttica material, ao trabalharcom sries isoladas eautossuficientes, na imanncia das
leis literrias, incapaz de fundaruma histria da arte. Noscaptulos seguintes, Bakhti
define contedo, material e formanuma perspectiva que encontrarressonncia em todo o conjuntode sua obra.
Um segundo grupo de textosfoi escrito entre 1934 e 1940 tambm publicados apenas e
meados dos anos 70 e trata
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especificamente da teoria doromance; dentre eles destacamos
O discurso no romance,Formas do tempo e do cronotopono romance, esse com o subttulode notas para uma potica
histrica, e Da pr-histria dodiscurso romanesco.32 Nessestrabalhos Bakhtin desenvolve a
teoria do romance que, desde aobra sobre Dostoivski, ser asua marca maior. Para Bakhtin, oromance no um gnerofechado, definvel por seuscontornos composicionais oromance um gnero
historicamente aberto,
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sociais, comportamentoscaractersticos de grupos,
jarges profissionais,linguagens genricas,linguagens de geraes e defaixas etrias, linguagens
tendenciosas, linguagens dasautoridades, de vrioscrculos e de modas
passageiras, linguagens queservem a propsitos scio-polticos especficos do dia,mesmo da hora (cada dia te
seu prprio slogan, seprprio vocabulrio, suaprpria nfase) essa
estratificao presente e
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toda linguagem num dadomomento de sua existncia
histrica o pr-requisitoindispensvel do romancecomo gnero.33
Na viso bakhtiniana, preciso refundar a noo degnero literrio, uma noo que
ainda no saiu da descrio deformas acabadas, e refundar aprpria estilstica tradicional,incapaz de trabalhar com uma
noo plurestilstica da lngua.Para ele, h duas foras histricas
principais agindo sobre a lngua;
uma fora centrpeta,
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centralizadora e unificante,realizada por tudo aquilo que
oficial, dos mecanismos de poderde estado e de reproduo demodelos ideolgicos e culturais,e uma fora centrfuga,
descentralizadora, que oplurilinguismo real da vidaconcreta da linguagem; cada
enunciao constitui o ponto deaplicao dessas foras sociais,de centralizao edescentralizao, de unificao e
desunificao. nesse materialmultiforme que o romance se criae se desenvolve, camalenico,
mutante e descentralizante atravs
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fortemente diferenciados e umavariedade de linguagens culturais,
religiosas, etc.Contrariando a visotradicional que v no romanceuma verso da epopeia antiga,
Bakhtin dir justamente ocontrrio o romance anegao ideolgica completa do
universo pico, e tem suas razesem tudo que presentifica alinguagem e a viso de mundo, eoposio ao mito pico e sua
transcendentalidade espacial etemporal. Bakhtin v nos dilogosde Plato, por exemplo, uma
forma romanesca embrionria,
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pelo fato de tratar de um mundosubstancialmente incompleto
isto , preciso chegar verdadeatravs do dilogo; ela no udado pronto e acabado, como naviso pica, mas uma construo
insegura; e pela primeira vez nahistria o aqui e agorasocrticos, em tudo que eles t
de prosaico e imediato, ganhaestatuto literrio. Justamente portratar de um mundo que no est
pronto nunca, por fazer dessa
guerra permanente de linguagens(no apenas de suas marcasformais, seus acentos e sotaques,
mas principalmente de suas
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vises de mundo concretamenteideolgicas) o seu espao, o
romance um gnerosubstancialmente inacabado oseu objeto o homem inacabado,
por se fazer, situado no limite de
sua tenso existencial, do eventode sua vida. Mais adiantevoltaremos a esse conceito
central o homem inacabado eseu lugar filosfico na viso demundo bakhtiniana.
Tambm aqui podemos
entrever a distino entre prosa epoesia segundo Bakhtin e, defato, neste texto dos anos 40 que
est o seu nico captulo
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dedicado estritamente fronteiraentre as duas linguagens. Tamb
dele vir a ideia corrente de que,para Bakhtin, a poesia ugnero inferior, uma conclusoque parece decorrer da fuso
conceitual entre a articulaoviva da linguagem social concreta(processos de centralizao e
descentralizao) e a noo devalor (a centralizao dalinguagem, para Bakhtin uma dasmarcas fundamentais do discurso
potico, como um processonecessariamente autoritrio e
portanto, para a nossa cultura,
negativo). Note-se que
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centralizao, para Bakhtin,no tem nada a ver com o
autocentramento da linguagepotica proposto por Jakobson.Para Bakhtin, centralizao anatureza de uma relao
dialgica; para Jakobson, comoveremos, a mecnica de usinal que se volta para si mesmo.
Uma outra categoria criadapor Bakhtin nesta poca ser ocronotopo (literalmente, tempoespao), que ele define como a
conexo intrnseca das relaesespaciais e temporais que seexpressam artisticamente na
literatura, um termo empregado
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heri da narrativa, da mesmaforma que o espao em que eles
se movem tambm indiferente,por mais extico, longnquo evariado que seja. Avanando pelahistria, Bakhtin vai definindo
outros cronotopos tpicos, dabiografia antiga, do romance decavalaria, de Rabelais, e mais,
modernamente, o cronopoto deBalzac, Dostoivski, a funo doespao pblico, da sala, doquarto como centros
organizadores dos eventosnarrativos fundamentais doromance36. Em outro momento,
ele far referncia longa viage
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que a literatura empreendeu edireo do espao e do tempo
ntimos, a passagem da clssicapraa pblica e da voz alta, parao quarto, a solido e o
pensamento mais secreto. Assim,
esses cronotopos no socomposies formais neutras, masmedidas concretas de valor onde
a literatura se realiza como tal.Alm desses dois grupos detextos inditos sobre asdiscusses estritamente de
contedo e de forma na esttica,que encontramos no artigo de1924, e sobre a teoria do
romance, produzida ao longo dos
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Tambm sugere que asprimeiras obras de Bakhti
esto mais intimamenterelacionadas com a primeiraedio de seu estudo sobreDostoivski do que ns
geralmente assumimos.37
Mas no s pela data incerta
que a histria desses manuscritos curiosa, conforme nos relataMichael Holquist em seu prefcio edio americana de Para uma
ilosofia do ato, de 199338.Apenas em 1972, perto do fim davida, escaldado pelos arcanos do
poder sovitico que ele sentiu na
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carne a vida inteira, Bakhticonfessou a seus admiradores que
havia escondido na cidade deSaransk, por onde passou depoisde seu exlio, vrios cadernoscom textos filosficos da
uventude. Os cadernos estavaem petio de misria, comidosde ratos e carcomidos de
goteiras. Depois de um longotrabalho de decifrao, publicou-se o manuscrito maior, querecebeu o ttulo de O autor e o
heri na atividade esttica39.ote-se que esse texto foi escrito
depoisde Para uma filosofia do
ato, mas publicado antes se
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tivesse acontecido o contrrio,teria ficado mais visvel aos
estudiosos, desde o incio, queO autor e o heri na atividadeesttica era provavelmente ucaptulo, um prosseguimento do
projeto filosfico mais amplo doovem Bakhtin.
Neste estudo que
consideramos um dos mais ricos,complexos e difceis da obra deBakhtin ele discute o princpio
bsico da relao do autor com o
personagem, com o heri. Aabordagem de Bakhtin, como tesido observado pelos estudiosos,
tem uma raiz fundamentalmente
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fenomenolgica. A sua grandeoriginalidade ter definido, a
partir do instrumentalfenomenolgico, uma teorianarrativa pioneira, nas palavrasde Brian Poole:
Em 1923, Oskar Walzel(um autor importante para
Voloshinov, Medvedev eBakhtin) observou que apalavra fenomenologiaressoa em toda parte e
conexo com as artes.Infelizmente, ele acrescenta,Husserl e Scheler nunca nos
mostraram como a arte pode
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Em O autor e o heri naatividade esttica, Bakhtin di
que o enunciado literrio arepresentao de umaconscincia, a conscincia de uautor, que a conscincia de uma
conscincia uma conscinciaque engloba e d acabamento conscincia do heri e do se
mundo. O princpio bsico darelao criadora portantomarcado por uma exotopia [dorusso vnenakhodimost], um estar
do lado de fora, nos doissentidos: espacialmente de fora, etemporalmente mais tarde que o
heri. O autor d ao heri o que
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lhe inacessvel: a sua imageexterna; fazendo o paralelo com a
prpria vida, o autor para oheri o que o outro para mim.Isto : cada um de ns vive
perpetuamente um acontecimento
aberto e inacabado, e s os outrospodem nos dar acabamento daporque o romance (como Bakhti
dir mais adiante) porexcelncia o gnero do homeinacabado. Pois bem, o tipo, anatureza e a intensidade de
relao entre a conscincia doautor-criador e a conscincia doheri so alguns dos fatores
centrais que definiro o gnero e
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enunciado). Toda uma tipologiade gneros pode ser criada a
partir dessa relao: comoexemplo, lembremos a stira, queocorre quando o autor despreza oseu heri. E o extremo oposto, o
panegrico, quando a conscinciado autor admira profundamente aconscincia do seu heri. Entre
um extremo e outro, encontra-se oinfinito espectro depossibilidades estilsticas, todasbaseadas na tenso de linguagens
e vises de mundos diferentes namesma enunciao dialgica.
O conceito de exotopia, do
fato de se estar do lado de fora
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neste outro ser humano, ver semundo axiologicamente de dentro
dele, como ele v esse mundo;devo me colocar em seu lugar, eento, depois de voltar ao me
prprio lugar, preencher se
horizonte por meio desse excessode viso que se abre fora dele, domeu prprio lugar fora dele.
Devo emoldur-lo, criar uambiente que o finalize, a partirdo meu excedente de viso, saber,desejo e sentimento.41
Finalmente, chegamos aoprimeiro livro de Bakhtin, escrito(at onde se sabe hoje) em torno
dos seus 25 anos: Para uma
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ilosofia do ato. Aqui vemos,talvez mais ntida do que e
qualquer outra parte, a extensodo projeto intelectual de MikhailBakhtin, ou da sua pretenso nada menos do que a fundao de
uma nova viso filosfica dohomem; nos termos dele, umanova filosofia moral. O ponto
de partida do livro oreconhecimento de que existe uabismo entre o que ele chama deSer como evento, na tradio
da filosofia alem, isto , arealidade concreta, inescapvelda vida em sua totalidade viva, e
a sua abstrao terica; a ciso
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fundamental entre o contedo deuma dada ao e a realidade
histrica do seu ser, a suaexperincia real e nica.42
Comea a a crtica bakhtinianaaos sistemas abstratos derepresentao da realidade, paraele incapazes de apreender aunicidade do Ser, incapazes de
apreender o fato de que cada serhumano ocupa um lugar nico,absolutamente singular einsubstituvel, no tempo e noespao histricos que ele ocupaem cada momento. Para definiressa inescapabilidade do ato
nenhum de ns pode ser u
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impostor de si mesmo , Bakhticria a categoria do no-libi:
ns no temos libi na vida. Cadaato nosso uma resposta, umaao responsvel (orespondvel, para usar o
radical usado por Bakhtin), umaao inescapvel: precisofundar uma filosofia que integre
essa realidade. O que ele postula,com palavras que soam tofortemente contemporneas quase80 anos depois, u
pensamento participativo, no-indiferente. Nas palavras dele, essa arquitetnica concreta do
mundo real do ato realizado que a
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terico do romance sefamiliaridade com a poesia que
o jovem Bakhtin, nas ltimaspginas do que restou de suailosofia do ato, tenha se
dedicado anlise detalhada
ustamente de um poema, umaanlise que ele apresenta nosseguintes termos:
A melhor maneira declarificar a disposioarquitetnica do mundo na
viso esttica em torno de ucentro de valores, isto , o serhumano mortal, apresentar
uma anlise de forma-e-
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ttulo deste captulo a ideia deuma unidade bakhtiniana talve
seja parte da utopia particular deseu projeto, pelo menos comometfora. Ainda h muito para sedescobrir sobre o que acontece
exatamente com Bakhtin e seamigos ao longo dos conturbadosanos 20, e o que havia de comu
no horizonte dos intelectuais doCrculo. Alm disso, toda a obrade Bakhtin praticamente umacolc