Post on 26-Nov-2018
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subo aos céuspelas escadas rolantesda rodoviária de brasília
o corpo de cristoaqui não é pão,é pastel de carne
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o sangue de cristoaqui não é vinho,é caldo de cana
o padroeiro desta cidadeé dom bosco ou padim ciço?
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POESÍLIA - poesia pau-brasíliaCopiraite bai © Nicolas Behr
Capa: Nicolas Behr / Bené Fonteles
Fotos: Juan Pratginestós
“OBRAS quase COMPLETAS”de Nicolas BehrCx. Postal 08-76270.312-970 – Brasília DFpaubrasilia@paubrasilia.com.brwww.nicolasbehr.com.br(61) 3468 3191
RESTOS VITAIS
Iogurte com Farinha – agosto 77Grande Circular – junho 78Caroço de Goiaba – julho 78Chá com Porrada – julho 78
VINDE A MIM AS PALAVRINHAS
Com a Boca na Botija – junho 79Parto do Dia – julho 79Elevador de Serviço – agosto 79Põe sia nisso! – agosto 79Entre Quadras – agosto 79Brasiléia Desvairada – setembro 79Saída de Emergência – setembro 79Kruh – outubro 79303F415 – julho 80L2 Noves Fora W3 – novembro 80
PRIMEIRA PESSOA
Porque Construi Braxília – 1993Beijo de Hiena – 1993Pelas Lanchonetes dos Casais Felizes – 1994Segredo Secreto – 1996Estranhos Fenômenos – 1997 (ant.)Viver Deveria Bastar – 2001Umbigo – 2001Poesília – poesia pau-brasilia – 2002Menino Diamantino – 2003Peregrino do Estranho – 2004Braxília Revisitada – vol.1 – 2004Restos Vitais (coletânea) – 2005Braxília Revisitada – vol.2 – 2005Iniciação à Dendolatria – 2005Laranja Seleta, Ed. Lingua Geral – 2007Beije-me (fotografias) – 2009La Brasilíada (espanhol) – 2009O Bagaço da Laranja – 2009
ESTE E OUTROS LIVROS DO AUTORPODEM SER ADQUIRIDOS ATRAVÉS DOSITE WWW.NICOLASBEHR.COM.BROU NO VIVEIRO PAU-BRASÍLIA(Polo Verde - Saída Norte - entre a Ponte doBragueto e o Balão do Torto)Tel.: (61) 3468-3191
“LARANJA SELETA – 1977-2007– poesia escolhida” Editora Língua Geral.Finalista do Prêmio Portugal Telecom deLiteratura (2008). Adquira nas livrariasou pelo site www.linguageral.com.br
Dados Internacionais de catalogação na publicação (CIP)
Behr, Nicolas. Poesília: poesia pau brasília / Nicolas behr. – Brasília ; 2010.
84 p.
1. Literatura brasileira. 2. Poesia. I. Título.
CDU 82.1
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A LITERATURA BRASILIENSE NÃOEXISTE. É PURA FICÇÃO.
Nenhum(a) professor(a) ou aluno(a) darede oficial ou da rede particular deensino no Distrito Federal seráobrigado(a), nem por força da lei, acomprar, ler, interpretar ou mesmodecorar nenhum dos poemas que constamdeste livro. Só vale se for por amor.
(resposta do autor ao decreto ao lado, quetorna “obrigatório” o ensino de“literatura brasiliense” nas escolas)
Pobre da literatura que precisa de umdecreto para existir.
Literatura Brasiliense é o Diário Oficial.
a poesia é necessária,mas não obrigatória.
se obrigatória, deixa deser poesia. passa a ser burocracia.
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SQS415F303SQN303F415NQS403F315QQQ313F405SSS305F413
seria issoum poemasobre brasília?seria um poema?seria brasília?
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dedico este canteirode obras, estejardim-operário, aosesquecidos de Deusque construíramesta cidade deBrasília e que, umdia, construirãocomigo, em sonho esem dor, a cidade deBraxília
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a sindicância internaconcluiu pela necessidadeda criação de umasindicância externa
recomendandoexpressamenteque desta vezos anexossigam em separado
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A VOZ DO BRABIL
em brasília 19 horas noite e diaem brasília 19 horas em 15 minutosem brasília 19 horas nunca passamem brasília 19 horas sem saber pra onde irem brasília 19 horas mudando de estaçãoem brasília 19 horas não é nadaem brasília 19 horas de silêncioem brasília 19 horas do segundo tempoem brasília 19 horas desde 1500em brasília 19 horas procurando outras vozesem brasília 19 horas desligando o rádioem brasília 19 horas 19 honras 19 tarasem brasília 19 horas com a mulher do ministroem brasília 19 horas noves fora nada a declararem brasília 19 horas esperando ônibusem brasília 19 horas de atropelamentos no eixãoem brasília 19 horas sem escrever um poemaem brasilia 19 horas embaixo do blocoem brasília 19 horas sem fim
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BRASÍLIA ENIGMÁTICA
brasília, faltam exatos 3.232 diaspara o nosso acerto de contas
me deves um poemate devo um olhar terno
na beira do paranoápego um pedaço de pauentre um pneu velhoe um peixe morto(uma garça por testemunha)
não me reconhecesnão te reconheço
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AMOR ÀS PAMPAS pra ângela
você voltoupro seu ranchono rio grande
enquanto eu fiqueiaqui a verministérios...
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brasília passa embaixodo meu blocotodos os dias
o poeta descobreas cidades-satélitese entra em órbitamas não sabe a diferençaentre taguatinga centro e taguacentere pensava que ceilândiatinha alguma coisa a vercom ceilão - não tem nãoagora dentro de um ônibus:depois desse o outrodepois desce o outrodepois desse desce o outro
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braxília nãobraxília é sonho
braxília foiconstruídacom a língua
2.354 línguaspolindoas escadariasdo palácio
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cento e noveah, sempre nove109 4everali deveria terum ponto de ônibusa W3 deveria passarpela 109falta uma pastelariae uma escada rolantena 109ah, sempre novepassei metadeda minha vidaencostadonaqueles carros
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burocratas brasilienses(mortos-vivos)enviam ofícios de estimae consideração aossacerdotes egípcios(mortos-mortos)informando sobremudanças no ritual
brasília se soerguesobre as ruínas de luxor
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com licença, carlos
POLÍTICA LITERÁRIA
o poeta da asa nortediscute com o poetada asa sulpra ver qual deles é capazde bater o poetado plano piloto
enquanto isso, um poetade uma cidade-satélitequalquertira a lama do sapato
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tem alguémcutucando o tetoe fazendo muito barulho
não sei se quer falar comigoatravés de um códigoqualquer
vai ver nem sabe que aquimora alguém
e talvez esteja apenastentando matar as baratasque correm pelo teto
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DRUMMOND BRASILIENSIS
brasília, e agora?com o avião na pista,quer levantar vôo,não existe vôo...quer se afogar no lagomas o lago secou...quer falar com o presidentemas este viajou...quer se esconder no cerrado,o cerrado acabou...quer ir pra goiás,goiás não há mais...
brasília, e agora?
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eu engoli brasília
em paz com a cidade,meu fusca vaipor esses eixos,balões e quadras,burocraticamente,carimbando o asfalto
e enviando ofícios deestima e consideraçãoao sr. diretor
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e eu que aquicheguei em 74não tive a sortede veras pegadas dospioneiros queexistiam pertoda igrejinha
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falta um bloco naminha quadracomo falta um denteem minha boca
meu bloco é redondocomo um cuboazul como uma laranja
bloco KK pra nós, K de poesia
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LORCA BRASILIENSIS
brasília que te quero braxíliaplano que te quero pilotosuper que te quero quadradabelhu que te quero trêséle que te quero doisgrande que te quero circularcidade que te quero satélitepastel que te quero caldoescada que te quero rolante
iogurte que te quero farinha
cerrado que não te quero soja
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desço aos infernospelas escadas rolantesda rodoviáriade brasília
meu corpo boiandono óleo que ferveum pedaçodo seu coraçãonum pastel de carne
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L 2 é poucoW 3 é demais
quando estoumuito triste,pego ogrande circulare vou passearde mãos dadascom o banco
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não consigo sair dessas palavras- setor comercial sul -
em que banco eu pagopra sair do setor comercial sul?
em quantas prestações eu saiodo setor comercial sul?
você quer 30% do meu saláriopra me livrar do setor comerical sul?
dois litros do meu sangue pra me tirardo setor comercial sul?
pra sair do setor comercial suleu faço qualquer negócio
só não vendo a alma
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me lembrei de quando vibrasília lá de cimaali de quem vem desobradinho,depois do colorado,na descida
foi perto de onde hojeé a catedralque eu perdi Esperança
vaca parideirapé duroboa de leite
caiu numa grota funda
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naquela noitesuzana estavamais W3do que nuncatoda eixosacheia de L2
suzana, vai sersuperquadraassim lá naminha cama
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o guardador de carrosdo estacionamentodo jumbo da 502 sulé meu amigo
(isso é poesia? perguntaum membro qualquer daacademia...)
só sei que o sorriso deleé poesia. a gentileza deleé poesia. o sofrimento deleé poesia
o seu não é
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no setor poético sulsaio pela emergênciano setor mortífero norteescapo pela válvulano setor deradioatividade sulaperto o botão de alarme
vou entrar numaspra sair dessae não cair em outra
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o olhar paradoo olhar perdidouma lista telefônicainútil na minha frente
é madrugada
e a madrugadade brasíliaé fria, inviabilizandoa criação de camarãogigante de água doceda malásia na região
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o barulho subindoas escadaso barulho de vocêsubindo as escadasmeu coraçãodisparandoa campainhatocando
não era cinthyaera o síndico
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o mundo desaba numa tardede quarta-feira e eu cato sementesde palmeiras na W3, perto da fofi
dois meninos de rua me ajudam edepois se digladiam com os milcruzeiros que dei para quedividissem entre si
cena patética
eles, no sinal, pedindo esmolas e eu,no meu velho fusca, com a uma listade clientes que ainda teria de visitarnaquele dia
quando é que eu eu vou ser feliz?
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olhos cerradosabertospara vercertos
cerradoscertos
e certosdesertoserrados
(o deserto certochora areia)
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nossa senhorado cerrado,protetorados pedestresque atravessamo eixãoàs seis horasda tarde,
fazei com que eucheguesão e salvona casa da noélia
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os fazedoresde desertosse aproximame os cerradosse despedemda paisagembrasileira
uma casca grossaenvolve meucoração
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papai, olha a estátua!é o juscelinokubitschek!ele é um super-herói?é sim!então cadê a espadadele?
viva JK, herói civildo brasildiálogo com erik, aos 3 anos de idade
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POESÍLIA
poesia, pois é, ilhabrasa
brasa em ilhailha em brasaversailles
se isso não é poesia,então põe sia nisso!
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SAUDADES DE BRAXÍLIA
soltar pipa no eixãonadar e pescar no paranoácomer pastel na rodoviáriaestacionar no setor comercial sulvoltar da festa a pé, altas horascatar gabirobas perto da catedralnamorar embaixo do blococruzar a L2 de patins e a W3 de skatepegar um grande circular e circularde mãos dadas com o bancover estrelas, muitas estrelaspescar no riacho fundo,que hoje atravesso a pé
erik volta do parquinho comsementes de leucena na mão epergunta: são essas as sementesque você colocouna minha mãe?
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ACONTECEU NA 103
o porteiro do bloco Ida 103 sul pegoua filha do síndicodo bloco O da 413 nortecom o cara da 302do bloco D da 209 suldentro do carrodo zelador do bloco Lda 517 norte
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TRISTE FIM
aí a poesia delecomeçou a ficar meio bestaxingar burocrata é fácil,ainda mais em brasíliae esse negócio de braxíliatambém é um sacomudar a capital pra onde?com que dinheiro?pra piorar as coisascomeçou a fazer poesiada poesia e a poesia,é claro, chateou-see o abandonouveja este exemplo,por exemplo
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senhores turistas,eu gostariade frisarmais uma vezque nestes blocosde apartamentosmoram inclusivepessoas normais
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SUPERQUADRAS
na entrada,um quebra-molase uma banca dejornal
blocos blocos blocosblocos blocos blocosblocos blocos blocos
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um poeta como nicolas behrbrasília não verá tão cedo
radical, profundo, se entregandoem cada linha, se expondo comonenhum outro poeta até hoje seexpos. tipo rimbaud
seremos lembrados no futurowagner hermuche, turiba, bené fonteles,odeth ernest dias, joão antonio, maurabaiochi, eliana carneiro, cassia eller,hugo rodas, reza, nanche las casas,maravalhas, aluísio batata, renato russo,pereira, néio lucio, cassiano nunes,tt catalão, athos bulcão, fernando villar,vitor alegria, ivan silva, toninho maya,galeno, rômulo andrade, regina ramalho,francisco alvim, chico chaves, clodo,climério, clésio, renato matos, chacal,paulinho andrade, omar franco,eudoro augusto
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SIM, O RATOTROUXE O CARIMBO
cidade, está decretado:teu símbolo é um carimbo
melhor: um rato segurando um carimbo
um rato autorizando vocêa entrar pela porta da esquerda(não, essa não, a outra.isso, essa mesma, pode entrar)
um rato autorizando você aseguir em frente pra seestrepar logo ali adiante(o rato ri)
um rato autorizando vocêa pular da torre de tv
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(o rato ri novamente: gente,faz tanto tempo que não pulaninguém da torre de tv)
um rato autorizando vocêa vomitar dentro do ônibuslotado, com gente em pé
rato, posso cuspir aqui na pia?pode sim, responde o rato
um rato autorizando você aesfaquear o pobre do policialdesarmado
um rato autorizando você acontinuar na fila que giraem círculos, de nadaa lugar nenhum
cidade, teu símboloé um rato, um rato indiferente
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bem, o sr.já nos mostrouos blocos, as quadras,os palácios, os eixos,os monumentos...
será que dava pro sr.nos mostrar a cidadepropriamente dita?
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tentei um programa diferentecom minha garotalevei-a para comer pastelna rodoviáriaela preferiu hamburgerdias depois passei com elanovamente pela rodoviária ea convidei para tomar umcaldo de canaela preferiu pepsi(tempos depois sonhei que vio rosto dela numa tampinhade coca-cola)a caminho da asa norte passeisozinho pela rodoviária e pedium caldo de cana:- sem açúcar, falô?
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suzana, a eixosa que sumiu no SMUdops lá em casa, mamãe na igrejadrica e as suas tangerinas no parquebrasilinhas do luís da reginanuvem cigana e o tal do chatalonde andará renato mitos?cheio de água nos olhos, apostojari, a morte gmelinicachorei qdo hugo rodas foi atropeladoouvir a vaia do ventoonde o plano pilatos lava as mãosL2 noves fora W3uma namorada em cada blocoacadêmicos x marginaisninguém me ama, só quem liga tripabrasiléia desvairadabeirute, gayrute, arrote metrópole
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maria mercedes dos anjos alvimjoga a chave, meu bem, joga o jorgevocê está aqui mas aquinão está ninguémaluisio batata, o flautista doceturiba & kiprokó por toda partechico, mestre, agüentando a gente, enas horas vagas, moendo carnevidas erradas, vidas passadas (doeu?)Detrito Federal e DF-carsexoral é bom no ponto de ônibussenta que vai demorarcabeças (viva néio lúcido, viva!)fazeolos vulgaris, for peoplepereira e sua mala (upj sabe!)sempre nove, ah sempre novepunk não se espanqueazeitonas enguiçando as escadasrolantes da rodoviária
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(azeitonas más, expulsas do paraíso dos pastéis)colina, a outra tribo, religião urbanaum telefone pra quem mora no gamaé pouco no plano piloucoministéricas – saudades da leninhaa descoberta do beijo na bocaem goiânia, no carnaval, a primeiratransa foi sobre a bandeira nacionaltudo para todosdamata queimou o filme da janiscircuito: escola parque-galpão-beirutepela primeira vez – eu amo brasília –meus amigos mortos, algunsoutros sãos e salvos na casa da noéliafoi assim que construímos braxíliafoi assim que começamosa sentir saudades de vocês
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VOZES DO CERRADO
brasília, brasília,onde estásque não respondes?!
em que bloco,em que superquadratu te escondes?!
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joga a chave, meu bemjoga teu coração, meu bemjoga teu bem, meu bemjoga o síndico tambémjoga logo o jorgejoga o bloco, meu bemjoga a janela, meu bemjoga o pára-quedas tambémjoga teu corpo, meu bem
antes que o porteiroavise o zelador
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estou
dentro de mimentre quatro paredesnum apartamento
dentro de um blocoentre outros blocosnuma cidade
dentro do cerradoentre árvoresnum país
dentro da américa do sulentre dois maresno mundo
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PLANO PILOTIS
duas asas partidasdois eixos fora dos eixosdois traços invisíveisduas pistas falsas
minha plataformapolíticaé a plataformada rodoviária
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neste paíssem memóriatambém vou construirum memorialem memóriade todos osconstrutoresde cidades
MemorialJKLMNOPQRSTUVXZ
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o vigia do meu blocopassa as noitesapitando um jogoque já perdeupara as estrelas
aquele pri-prise perdendoentre aspilastras
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meu corpo brancochega mais pertoda janela
lá embaixonão tem nada a ver
lá de baixoninguém me vê
olhando pra tudoquanto é ladonão tem nada a vernão tem nada a vernão tem nada a vernão tem nada a vertá vendo?
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e eu quenão tenhounhas ficodesesperadonos pontosde ônibusda W3tentandoarrancaraqueles cartazescom os dentes
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V I E T N A N Z I N H OCANDANGO ouA MANCHA QUE NÃO SAI
não se esqueçamdo massacre da GEB
façam um filme,documentário,escrevem um livro,comentem comos amigos,mas não se esqueçam
não se esqueçam nuncado massacre da GEB
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sem nada pra fazerando por baixo dosblocos dumaquadra qualquer
atrás das pilastrasapenas maispilastras
atrás das pessoasuma nova máscaraou muitasconhecidas