Post on 29-Nov-2018
*Universidade Federal de Uberlândia. Doutoranda em História. Bolsista Fapemig.
cassia.hist@gmail.com
Entre imagens, folhas amareladas e recordos: a beleza e magia de "O percevejo"
na cena brasileira
CÁSSIA ABADIA DA SILVA*
Pergunto-me às vezes o que acontece com que já aconteceu e encontro a
memória: construção dissimulada, aparência de verdade. Como confiar nela?
Como prescindir dela? A memória está, assim, permanentemente posta sob
suspenção, como a única testemunha de um crime. A memória traz-nos o que
se passou mas, mais que isso, instila no presente, que parece eterno, o
estranho sentimento de que o passado é um tesouro do qual só podemos dispor
consentindo em abandoná-lo. Recordar é trazer novamente para perto do
coração, experimentar intensamente o sentimento de que as coisas passaram.
A perda é, na verdade, a garantia maior de que as coisas realmente passaram.
(SAADI, 1993: 45)
O trabalho do Maiakóvski é um trabalho que fala do tempo presente, um
mundo muito amplo, é o mundo do cinema, é o mundo do teatro, é o mundo do
circo, é o da propaganda política, é do teatro agit-prop é tudo isso o teatro
dele, então fidelidade a ele é mostrar o Maiakóvski inteiro. [...] Maiakóvski
não é uma coisa só, o Maiakóvski é futurista, é cubofuturista, é construtivista,
é suprematista, sei lá, o Maiakóvski é tudo isso né, então esse lado de humor
do Maiakóvski é muito, o Maiakóvski é um cara engraçado, muito engraçado,
você morre de rir com ele, entendeu?! E agora que tá aparecendo isso né,
porque durante anos, anos e anos né, o Maiakóvski que vinha era aquele
cuecão, aquele cara chato do partido comunista, falando aquelas verdades
eternas, mas não é só isso não, o Maiakóvski é um sarro. (CORRÊA, 1981)
Quando assisti O percevejo (em cartaz no SESC Pompéia) pela quinta vez eu
não conseguia parar de chorar. Os motivos para tal choradeira estavam muito
claros para mim: em primeiro lugar a peça era escrita por um poeta
romântico futurista e era justamente sobre seu suicídio; ou melhor: o suicídio
de todos nós, envolvidos pelas mesquinharias de todas limitações-opressões;
falta de amor, habitação, comida, mesquinharias e mesquinharias que
somando-se nos conduzem a moratória do coração. (MAUTNER, 1983)
O presente texto traz algumas das reflexões que desenvolvemos na pesquisa de
mestrado em História, finalizada em fevereiro deste ano (2016), intitulada, Anarquia,
beleza e magia: Luís Antonio Martinez Corrêa e O percevejo. Tendo como objeto a
encenação brasileira de O percevejo, adaptação livre de Luís Antonio juntamente com
outros nomes do cenário cultural na década de (19)80. O nosso objetivo era pensar
como foi o processo de construção da encenação, o que significou essa experiência
artística para aqueles que estiveram envolvidos nesse projeto.
Frente há uma significativa quantidade de materiais de pesquisa espalhados em
acervos públicos, guardados em acervos pessoais de familiares e amigos, recordações
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mantidas por aqueles que estiveram envolvidos na produção, exercícios de
rememoração por meio de entrevistas, ficávamos perguntando: o que as folhas
amareladas do caderno de direção e do roteiro da peça nos revelam? O que elas nos
contam depois de tanto tempo guardadas com outros recortes de jornais, programações,
cartazes? E as fotografias? Oque elas permitem pensar sobre a cena desse espetáculo?
Começamos o texto com algumas epígrafes que expressam um pouco da
pesquisa. A primeira delas é de Fátima Saadi quem acompanhou um pouco do trabalho
desenvolvido por Luís Antonio enquanto professor, a passagem foi retirada de um texto
que compôs um dossiê do número de lançamento da revista O Percevejo em 1993, que
leva esse nome em homenagem ao diretor. O dossiê, além desse texto relembrando Luís
é composto por críticas, imagens sobre a encenação e o texto original de O percevejo.
Saadi fala dessa relação complexa que temos com os acontecimentos, os
desafios de lidar com a memória, sempre a brincar com presente e passado. Trabalhar
com a encenação ocorrida a mais de 30 anos nos levou manejar as várias memórias
desse acontecimento artístico e a cada documento encontrado nos trazia a sensação de
que “recordar é trazer novamente para perto do coração”.
Esse tipo de sensação tivemos ao deparar com o fragmento de uma entrevista
com Luís Antonio (nossa segunda epígrafe), para nós uma experiência única, afinal era
a possibilidade de ouvir o próprio diretor dizendo a sua concepção sobre encenar um
texto de Maiakóvski.
O trecho da fala demostra a forma como o diretor gostaria de apresentar o
dramaturgo na sua multiplicidade ao público brasileiro, misturando as diferentes faces
de Maiakóvski – poético, sarcástico e político – o que parece ter conseguido,
emocionando e tocando o público como podemos notar na crítica de Jorge Mautner,
nossa terceira epígrafe.
A encenação que marcou a temporada teatral carioca de 1981, ganhou o gosto do
público e da crítica, foi indicada a vários prêmios que compreendia desde a direção,
entreatos cinematográficos aos cenários de Helio Eichbauer, como ressalta o crítico Yan
Michalski:
Entre os cartazes do momento O percevejo destaca-se nitidamente dos demais,
em matéria de números de indicações para o troféu mambembe de 1981. O júri
que recentemente selecionou as candidaturas, provenientes dos lançamentos
do primeiro semestre, escolheu entre os candidatos, que no fim do ano
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concorrerão à eleição final, o diretor da peça de Maiakóvski, Luís Antônio
Martinez Corrêa; seu cenógrafo e figurinista, Hélio Eichbauer; a dupla
responsável pela realização cinematográfica que desempenha uma importante
função no espetáculo, Guel Arraes e Ney Costa Santos; a equipe responsável
pela elaboração do exemplar programa da peça; e o próprio grupo, pela
contribuição que a produção de O percevejo trouxe para o nível da atual
temporada. (MICHALSKI, 1981)
Contudo o processo de criação foi bem longo e cheio de percalços, nas
entrevistas que realizamos com os irmãos de Luís Antonio, Maria Helena e José Celso
Martinez Corrêa (Zé Celso), ambos nos ressaltava que o diretor nutria o desejo de
encenar o texto desde muito jovem, a primeira tentativa foi em 1973, mas após dois
meses de ensaios em São Paulo foram censurados.
Maria Helena conta que Luís lidava de maneira bem humorada com a situação,
dizia: “Maiakóvski foi pra Brasília e não voltou” (CORRÊA, 2015). Com a situação
política mais amena ele retoma o projeto em 1979, foram dois anos de estudos e preparo
para a fabricação da encenação, como nos diz o cenógrafo Helio Eichbauer em seu livro
Cartas de marear:
O grupo de criadores do espetáculo no Rio de Janeiro era muito estudioso;
liam muitos textos e poemas do poeta russo, diversos ensaios – o maravilhoso
Maiakóvski e o teatro de vanguarda, de Angelo Maria Ripellino (Majakovskij e
il teatro d’avanguardia) - , além de textos de história e política. O grupo
reunia-se a cada noite no apartamento de Luiz Antônio em Ipanema; ali
construíram a dramaturgia, tradução e os projetos de encenação da comédia
russa. Os operários construtivistas e tradutores eram a produtora, dançarina e
atriz Dedé Veloso, o diretor e ator Luiz Antônio Martinez, o cineasta Guel
Arraes e ator-pintor Maurício Arraes, o também cineasta Ney Costa Santos, e
os atores João Carlos Motta e Fernando Horcades. Como eu conhecia aquele
universo de vanguarda russa, que também era o de minha formação, fui
responsável pela cenografia, figurinos e projeto gráfico (que chamei de
Orientamenti dela scenografia). (EICHBAUER, 2013: 266)
Como destaca Eichbauer, o diretor reuniu um interessante grupo que realizou a
tradução e adaptação do texto, juntos criaram a produtora KLOP para que fosse possível
a realização da encenação. Todos os envolvidos desenvolviam várias funções, desde a
criação a atuação e mesmo em cena muitos deles como Luís Antonio e Dedé Veloso
faziam vários personagens, contudo o caderno de direção de Luís Antonio revela que ele
acompanha cada detalhe do processo de criação, é ele que delimita o que cada um deve
desempenhar.
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Vários livros e filmes foram utilizados para dar suporte a equipe, o programa da
peça traz uma extensa bibliografia utilizada pelo grupo, em conversa com Helio
Eichabeur ele falava que a ideia era pensar a cultura naquele início de século XX, de
forma ampla e por isso mergulharam na produção norte-americana, alemã sem falar na
russa.
O texto original de Vladímir Maiakóvski evidencia muitas marcas da conjuntura
em que foi escrito, assim era preciso lidar com essa temporalidade, escrito em 1929 pelo
um dos maiores artistas do inicio do século XX, o poeta russo traz uma situação de seu
cotidiano, mas lendo o texto ela nos parece contemporânea, a propagação dos costumes
pequeno-burgueses.
Na trama um ex-operário decidi romper com sua classe, abandonando seus
ideais políticos e a noiva operária para se casar com a filha do dono do salão de beleza,
uma pequena burguesa, a união é a ponte para sua sonhada ascensão social, entretanto
na festa de casamento há um incêndio onde todos morrem, sendo que um corpo não foi
encontrado.
Passados 50 anos, consolidado o socialismo é encontrado um bloco de gelo com
um ser que aparenta ser um trabalhador, após votação o corpo é
descongelado/ressuscitado, trate-se do ex-operário que diante dessa nova sociedade não
se reconhece, seus hábitos e costumes são recriminados, uma verdadeira ameaça, seu
fim (trágico) é servir de alimento para um percevejo (praga do início do séc. XX) que
foi descongelado com ele, ambos expostos numa jaula do jardim zoológico.
O texto original com sua trama serviu de ponto de partida para o processo de
criação da encenação brasileira, sendo os envolvidos de diferentes campos das artes o
objetivo era misturar em cena poesia, música, cinema, circo com teatro, como o próprio
material de divulgação deixa evidente. Confira abaixo o cartaz da peça e um folder/
folheto:
Imagem 1: Cartaz da peça criado por Helio
Eichbauer, o qual também compunha a capa do
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programa da peça. Reproduzida do acervo pessoal
do cenógrafo.
Imagem 2: Folheto de divulgação, autoria desconhecida, pertencente ao
acervo pessoal de Luís Antonio M. Corrêa, arquivo “Martinez Corrêa”
aos cuidados da Funarte.
As duas imagens revelam um pouco da riqueza dos materiais imagéticos que
compõe nossa pesquisa, o que também foi sempre um desafio quanto à forma de melhor
manuseio e análise dos mesmos, principalmente as fotografias do espetáculo que
traremos mais adiante.
A capa do programa com sua beleza indiscutível é uma representação do
universo cubofuturista russo que nos permite realizar uma leitura não só textual, mas
também imagética, revelando o grande conhecimento e o impecável domínio da técnica
de quem o produziu.
Helio utiliza a colagem também na confecção dos outros materiais da peça, a
técnica é muito empregada por Maiakóvski em seus trabalhos, assim como por Luís
Antonio, ao nos mostrar esse material o cenógrafo explica um pouco de sua criação e
seus elementos:
São as colagens que eu faço, até hoje eu faço colagens, eu faço muita colagem,
porque a colagem é um objeto plástico, são artes plásticas e gráficas, é tudo
desenhado, isso aí tem o ator do cinema mudo, tem Maiakóvski, o Brasil, os
círculos, tem o fogo, é próximo do universo de como nós trabalhamos, a
Bauhaus é a escola alemã no tempo da vanguarda russa, escola de artes
gráficas, e tem uma relação muito forte
dos russos, da vanguarda russa com a da
escola, da Bauhaus que depois foi
fechada pelo Hitler, foi a grande escola
de desenho industrial do século XX.
(EICHBAUER, 2015)
Já o folheto de divulgação, chamado na época de
filipeta era usado para uma divulgação mão a mão na
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rua, segundo Helio, era utilizado na propaganda nos fins de semana em que saiam
distribuindo pelas praias, feito de um papel simples e pequeno que continha
informações básicas sobre o espetáculo. Nele podemos encontrar os responsáveis pelo
texto, pela direção, cenografia, figurinos, músicas, filmes, atuação (observe os nomes
dos atores da encenação de 1981compõem as bordas do folheto).
No folheto o grupo diz que estará em cena “Leninistas, Stalinistas, Capitalistas,
Revisionistas, comunistas, Oportunistas, Trotskistas, Teatro, Cinema, Música, Dança,
Circo, Poesia, um suicídio, uma revolução, uma Orgia, um Incêndio, um
Descongelamento, uma Epidemia, uma Ressurreição, Eisentein, Greta Garbo, Tom Mix,
Lília Brik, Dziga Vetov, Paulo Autran, Douglas Fairbanks e muito mais” em “2 horas
de anarquia, beleza e magia”.
Tomando o roteiro, o caderno de direção e fotografias, podemos entender um
pouco dessa mistura que o folheto apresenta. O grupo não perdendo de vista o texto
original, em seu processo de criação fez inserções de entreatos cinematográficos sobre o
contexto histórico da Rússia e sua revolução, utilizou parte de filmes de Eisentein e
Dziga Vetov, trouxe dados da biografia de Maiakóvski como seu suicídio, a cena
contava com a gravação da sua carta de despedida na voz de Zé Celso, mas a palavra
suicídio também remete a trama, a tentativa de suicídio de Zóia, namorada que
Prissípkin trocou pela pequena burguesa.
Já a ressureição é de Prissípkin após seu descongelamento, mas também a de
Maiakóvski, talvez o momento mais comentado e emocionante da encenação seja seu
epílogo, após o fim trágico do personagem principal, o grupo cria uma cena final que
era tocado parte do poema “Sobre isto” de Maiakóvski, traduzido e depois musicado por
Ney Costa Santos e Caetano Veloso, a música “O amor” gravada por Caetano para peça,
se tornou um hino quando Gal Costa a grava no mesmo ano.
Para pensar as fotografias – oriundas de arquivos públicos, assim como de
acervos pessoais – tomamos o roteiro e o texto original, buscando compreender o
processo de produção da encenação, tendo em vista que a cada apresentação temos uma
nova cena, as fotografias remetem tanto a temporada de 1981 no Teatro Dulcina, quanto
a temporada de 1983 no Sesc Pompéia, sabemos que para temporada de 1983 houve
várias modificações no roteiro, adaptação dos cenários por Lina Bo Bardi , novos atores.
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Dentro de dezenas de registros fotográficos, em preto e branco e colorido,
escolhemos 10 fotografias, uma pequena quantidade, até mesmo pelo espaço, a escolha
se deu sem muitos critérios, fizemos por considerar que elas remetem a momentos
interessantes das cenas. Cabe destacar que a resolução de algumas delas não ficaram de
boa qualidade, devido adequação das normas de publicação. Vamos às fotografias
então!
Imagem 3: Confusão na feira. Acervo CCSP.
Reproduzida do acervo do Centro Cultural de São Paulo, a imagem 3 assim
como as demais da mesma intituição são registro fotográficos realizados por
profissionais do CCSP, durante a temporada de 1983, assim alguns registros evideciam
a mudança de alguns atores, a imagem acima é um exemplo. Prissípkin personagem
feito por Cacá Rosset desde a criação da encenação em 1981, é substituito após sua
saida por Carlos Augusto Carvalho.
A imagem 3 considerando o roteiro da peça, nos remete ao final da cena 2, em
meio as compras para o “casamento vermelho” Bayan, Prissípkin e Rosália (mãe da
noiva) encontram com Zóia, momento que descobre que foi trocada pela pequena-
burguesa, o encontro foi confusão certa. Zóia não se se conforma com o fim do
realcionamento, Rosália irritada com a situação atraca na operária, a confusão atraiu os
vendedores.
Em primeiro plano temos Prissípkin puxando Rosália pelo pé que está deitada no
chão com Zóia, no segundo plano temos os vendedores e Bayan que está puxando
Prissípkin pelo braço, notem que Bayan leva em seu braço os embrulhos de compras e
um peixe na mão.
O figurino de Prissípkin num estilo próximo do de Bayan evidencia seus novos
hábitos de pequeno-burguês, muito diferente do vestuário que os vendedores usam,
outro aspecto que salta aos olhos é a maquiagem exagerada de todos em cena, uma
mistura de vermelho e branco.
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Imagem 4: Zóia / Dedé Veloso. Acervo do
CCSP.
Zóia interpretada por Dedé Veloso, depois de descobrir que foi abandonada sai
pela rua desorientada, na imagem acima ela está com a roupa da bailarina e sua roupa
no chão, referência (talvez) a parte de uma filmagem que aparece Lília Brik vestida de
bailarina, no registro Zóia está num quanto da palco agachada com um revólver na mão,
momento em que ela tenta suicidar.
Imagem 5: Casamento vermelho.
Acervo da Funarte, 1981.
Finalmente o “casamento vermelho”, que uniu Prissípkin e a filha do dono do
salão de beleza, Elzevira, entre os convidados estavam dirigentes do partido, intelectuais
como o pintor futurista. Na imagem vemos que estão todos sentados a mesa, notem a
presença de uma bailarina acima da mesa, algo exótico é uma espécie de cocal que um
dos convidados usa em sua cabeça.
A cena do banquete, do casamento como todo foi bastante comentada pela
crítica, a cena ( em sua maioria) não foi vista com bom olhos, os críticos ressaltavam
que ela era uma espécie de colagem de outra montagem do diretor, a saber, “O
casamento do pequeno-burguês” (texto de Bertold Brecht), criticavam o excesso dos
gestos sexuais da cena. Luís e os demais envolvidos se defenderam, dizendo que essa
referência a outra encenação foi feita propositalmente.
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Imagem 6: Festa do casamento.
Acervo do CCSP
Depois de muita bebedeira, todos já estão alterados, a imagem 6 evidencia essa
festa orgiástica, os convidados e os noivos fazem gestos sexuais (considerados
obscenos), alguns apresentam meio despidos, gostariamos de ressaltar no canto direito
da fotografia a presença de um índio atado com um dos convidados, durante o
casamento, segundo as rúbricas do roteiro, ele era uam espécie de estátua viva, uma das
inserção que fizeram para a temporada paulista.
Podemos notar também no cenário ao fundo, entre o telão temos a bandeira do
Brasil e uma bandeira vermelha (com certeza da URSS), o palco que tinha uma
diferença de altura traz em segundo plano a mesa, onde alguns dos convidados estão
deitados, em primeiro plano temos um cavelete com um quadro.
Imagem 7: Descogelamento. Acervo do CCSP.
O defecho do casamento foi um incêndio
que matou todos, contudo um corpo não é encontrado. Passados 50 anos esse corpo é
encontrado, trata-se de Prissípkin que foi congelado pelos jatos de água dos bombeiros,
o instituto de ressureição após consulta pública, decide descongelar aquele ser, sem
saber direito do que se trata, a imagem 7 incide sobre esse momento do
descongelamento. A luz foca tanto nos
médicos descongelando Prissípkin, como nas
duas bandeiras.
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Imagem 8: Prissípkin e a disseminação de seus costumes. Acervo da Funarte, 1981.
Após ser ressuscitado Prissípkin percebe que está em outra sociedade,
marcadamente fria e asséptica, seus costumes do início do século XX não cabem mais
nesta civilização extremamente avançada. Observe que no registro acima o médico
(Luís Antonio) tem um objeto que afasta Prissípkin (Cacá Rosset) que está fumando, no
chão está seu violão e uma garrafa de vodka.
Prissípkin acostumando a beber, a fumar e a cantar torna um grande perigo para
a sociedade, todos esses vícios passam a contaminar os demais, uma verdadeira
epidemia. Não se reconhecendo em meio a essa sociedade do futuro acaba tendo um
desfecho trágico, ele decide servir de alimento para seu companheiro de
descongelamento, o percevejo, parasita que nas primeiras décadas do século XX
causavam várias doenças, objeto de várias campanhas sanitárias.
Prissípkin e o percevejo são levados para o Jardim Zoológico onde são expostos
em uma jaula, delegações de todos os cantos do mundo estão ali para conhecer esses
dois seres exóticos, o diretor do jardim apresenta Prissípkin como um animal adestrado,
pede para que ele cante, fume para o público, no entanto Prissípkin exaltado em ver
tantas pessoas, aparentemente iguais a ele, assim acaba saindo da jaula causando um
grande tumulto, contornado após retorná-lo para a jaula.
A imagem abaixo ( a imagem 9) é um registro da cena, Prissípkin está dentro de
um espaço triangular (a jaula formada por um barbante e pelos atores, todos de branco
segurando o barbante) cantando e tocando seu violão, ao chão uma garrafa.
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Imagem 9: Prissípkin na Jaula do Jardim Zoológico. Acervo do CCSP.
Imagem 10: Dançarinos acobratas. Acervo da
Funarte, 1981.
Já a imagem 10 pode ser vista como um registro de parte do prólogo, levando
em consideração o roteiro da peça, após uma projeção “entram os 12 atores em fileira
segurando uma faixa vermelha com movimentos corporais e gritos festeja-se a
Revolução, dançarinos-acrobatas executam números de circo e de ballet” (roteiro da
peça), observem que atrás dos bailarinos há uma projeção, que aparece parte do rosto da
atriz russa Lília Brik.
O roteiro descreve com maiores detalhes o restante da cena: “cada ator
representa uma figura ou um símbolo importante da revolução: a foice, o martelo, o
marinheiro, o soldado, o aviador, o estudante, o livro, o trigo, o pintor futurista, a
bailarina, a bandeira vermelha”, ao mesmo tempo, “os atores movimentam-se no palco
agitando os objetos e gritando com alegria e vigor”.
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Imagem 11: Elenco de 1981. Acervo pessoal de Helio Eichbauer.
Imagem 12: Elenco de 1983. Acervo
pessoal de Helio Eichbauer.
Por fim, temos duas fotografias dos elencos, uma da temporada de 1981 e outra
da temporada de 1983, como já mencionamos para essa última temporada teve uma
renovação no quadro de atores, permanecendo do elenco original apenas Cacá Rosset,
Dedé, Luís Antonio e Maria Alice Vergueiro, que se juntou ao grupo quando foram para
França em 1982.
O elenco - composto por Dedé, Luís Antonio, Cacá Rosset, Maria Alice
Vergueiro, Gisele Schwartz, Michele Matalon, Gilberto Caetano, Marcelo Rangoni,
Carlos Augusto Carvalho, Sérgio Farias, Flávio Cardoso e Yeta Hansen – dão vida a
temporada paulista, na imagem 12 os atores em fila, estão do lado de fora do teatro Sesc
Pompéia.
Ao tomar algumas críticas notamos que os atores também é alvo do olhar e da
análise de Jorge Mautner, Sábato Magaldi e Jefferson Del Rios dentre outros, que fazem
as seguintes considerações sobre o desempenho e atuação:
Os atores são atores e são acrobatas. Atletas, fazem pantomima. Todos
excelentes e magníficos: de Dedé Velloso (a quem tive a honra e o prazer de
lançar como atriz no filme O Demiurgo feito em Londres em 1971) até o
atlético e circense expressionista Cacá. (MAUTNER, 1983.)
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Luís Antônio conta com um núcleo original sólido, em que se distingue Cacá
Rosset, um Prissipkin desabrido, solto, visceral, de acento expressionista,
não perdendo uma sugestão para marcar sua presença. Maria Alice
Vergueiro, em papel de menor relevo, faz com ele uma dupla vigorosa (acho
apenas que está na hora de tão expressiva atriz poupar-se algo de evidente
exibicionismo). Luís Antônio é que, no desempenho, se prejudica por timidez
e ausência de verdadeira força histriônica, talvez pela excessiva
responsabilidade da encenação. (MAGALDI, 1981.)
Nosso exercício aqui foi apresentar um pouco da nossa pesquisa sobre a
encenação de O percevejo, por meio do material imagético que é riquíssimo e em
significativa quantidade. Na confecção da dissertação este material permeou toda a
escrita, contudo este tem muitos outros aspectos e possibilidades a serem exploradas,
analisadas.
Esses registros imagéticos, fotografias, cartazes e folhetos dentre outros
vestígios são fragmentos que sobreviveram as intempéries do tempo, eles guardam e
contam partes dessa experiência artística, que acabou encerrada nas memórias de seus
idealizadores e de seus expectadores, nas páginas de jornais e revistas, de certo modo
apagada e/ou esquecida pela a produção da historiográfica do teatro brasileiro.
Imagem 13: Colagem para a peça,
confeccionada por Helio Eichbauer.
Acervo do cenógrafo.
Bibliografia e fontes:
Caderno de direção – Arquivo Martinez Corrêa/ Funarte
CORRÊA, José Celso Martinez. Entrevista concedida à autora. São Paulo, 7 de abril de
2015.
CORRÊA, Luís Antonio Martinez. “Luiz Antonio sobre Maiakóvski” (entrevista).
Conferir em: http://teatroficina.com.br/tv_uzyna. Acesso em: 15/10/15.
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CORRÊA, Maria Helena Martinez. Entrevista concedida à autora. São Paulo, 24 e 27 de
fevereiro de 2015.
EICHBAUER, Helio. Cartas de marear: impressões de viagem, caminhos de criação.
Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.
EICHBAUER, Helio. Entrevista concedida à autora. Rio de Janeiro, 17 de novembro de
2015.
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(coord.). Dicionário do teatro brasileiro: temas, formas e conceitos. São Paulo:
Perspectiva/Sesc São Paulo, 2006.
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2006.
MAIAKÓVSKI, Vladímir. O percevejo. Tradução de Luís Antonio Martinez Corrêa,
cotejo com original russo e posfácio de Boris Schnaiderman. São Paulo: Editora 34,
2009.
MATE, Alexandre. O teatro adulto na cidade de São Paulo na década de 1980. São
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MAUTNER, Jorge. No drama de Maiakóvski, o suicídio e a política. Folha de S. Paulo.
São Paulo, 16 de outubro de 1983.
MICHALSKI, Yan. 1981 - Um teatro dissociado da realidade. Jornal do Brasil. Rio de
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RIPELLINO, Angelo Maria. Maiakóvski e o teatro de vanguarda. São Paulo:
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Roteiro de adaptação – Arquivo Martinez Corrêa/ Funarte
15
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