Post on 10-Feb-2019
COMPLEXO DE ENSINO RENATO SARAIVA
PRISCILA OLIVEIRA INÁCIO
ESCRAVIDÃO MODERNA: CONFIGURAÇÃO E
ENFRENTAMENTO
Santos/SP
Março/2018
COMPLEXO DE ENSINO RENATO SARAIVA
PRISCILA OLIVEIRA INÁCIO
ESCRAVIDÃO MODERNA: CONFIGURAÇÃO E ENFRENTAMENTO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Complexo de Ensino Renato Saraiva como exigência parcial para obtenção do título de Pós-Graduada em Direito Material e Processual do Trabalho. Orientador (a): Professores Tutores Mariana Corcini e Felipe Macedo
Santos/SP
Março/2018
PRISCILA OLIVEIRA INÁCIO
ESCRAVIDÃO MODERNA: CONFIGURAÇÃO E ENFRENTAMENTO
Data da aprovação: ___/___/___ Banca Examinadora:
Prof. Prof.
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“Ninguém será mantido em escravidão ou
servidão, a escravidão e o tráfico de
escravos serão proibidos em todas as
suas formas”. (Artigo IV da Declaração
Universal dos Direitos Humanos)
“A escravatura humana atingiu o seu
ponto culminante na nossa época sob a
forma do trabalho livremente assalariado”.
(George Bernard Shaw)
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente ao Mestre, meu Deus, que me proporcionou condições para
concluir mais este desafio, trazendo-me renovo cada dia, não permitindo desfalecer
minhas mãos. A Ele toda honra e glória.
À minha família, em especial meu filho, avó e mãe, por serem minha maior
motivação mesmo sem saber, bem como pela compreensão de minhas ausências,
que não foram poucas. De nada valeria a pena se não fosse por vocês.
Aos professores do curso, em especial Otávio Calvet, Adriana Calvo e
Rodolfo Pamplona Filho, por dividirem com amor seus saberes, preocupados não só
em ministrar a boa formação técnica, mas, sobretudo, com o construir de uma
consciência crítica sobre as relações humanas que permeiam a ciência do Direito do
Trabalho.
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RESUMO
INÁCIO, Priscila Oliveira. Escravidão Moderna: Configuração e Enfrentamento.
Santos, 2018. Trabalho de Conclusão do Curso de Direito – Complexo de Ensino
Renato Saraiva.
O objetivo deste estudo foi analisar as nuances do trabalho em condições análogas à escravidão, sua configuração na perspectiva de ilícito trabalhista e penal, assim como os instrumentos de enfrentamento adotados pelo Estado brasileiro. Foram realizadas pesquisas bibliográficas em doutrinas e artigos, bem como dados coletados em observatório de estudo, compilados pelo Ministério Público do Trabalho. No primeiro capítulo foram abordadas as nuances do princípio da dignidade da pessoa humana e o panorama histórico e evolução do processo de abolição da escravidão no Brasil e no mundo, incluindo sua previsão em diplomas internacionais e Constituição Federal de 1988. O segundo capítulo traz um diagnóstico da prestação estatal no enfrentamento da problemática, incluindo as políticas públicas preventivas e repressivas vigentes e seu nível de efetividade no combate ao tratamento desumano e degradante dispensado às relações trabalhistas que adotam mão de obra análoga à escravidão. No terceiro capítulo foi abordada a questão da escravidão moderna nos setores industriais de maior incidência de sua prática, com um recorte local e análise de situações concretas de comum ocorrências nas fiscalizações dos Grupos de Fiscalização Móveis, integrados por membros do Ministério Público do Trabalho, Auditores-Fiscais do Ministério do Trabalho e outros órgãos e agentes atuantes no combate da exploração ilícita de mão de obra. Outrossim, aborda-se a questão da responsabilização dos infratores responsáveis pela submissão de trabalhadores a condições precárias, degradantes e indignas para atender os anseios de uma lógica de mercado perversa e predatória, que supervaloriza a livre iniciativa e suprime o valor social do trabalho. O quarto e derradeiro capítulo traz apontamentos acerca do retrocesso social na política de enfrentamento da temática, consubstanciada na tentativa governamental de reduzir o alcance do conceito legal de trabalho escravo, assim como limitar a divulgação do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à de escravo, a chamada “Lista Suja”. Por fim, conclui-se que a política de enfrentamento às mais variadas facetas da escravidão moderna não concretiza o primado da Organização Internacional do Trabalho, segundo o qual, trabalho não é mercadoria, assim como o postulado da dignidade da pessoa humana, constitucionalmente previsto e teoricamente assegurado.
PALAVRAS CHAVE: Escravidão moderna. Configuração. Política de enfrentamento.
Trabalho decente. Dignidade da Pessoa Humana.
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LISTA DE SIGLAS
CF - Constituição Federal
CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CONAETE - Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo
Corte IDH – Corte Interamericana de Direitos Humanos
CP – Código Penal
DPU - Defensoria Pública da União
EC – Emenda Constitucional
MPF – Ministério Público Federal
MPT – Ministério Público do Trabalho
OEA – Organização dos Estados Americanos
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONU – Organização das Nações Unidas
RFB - República Federativa do Brasil
STF – Supremo Tribunal Federal
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
1. O DIREITO DE LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO ................................. 15
1.1 A Dignidade da Pessoa Humana como Fundamento do Direito Humano da
liberdade e Igualdade ................................................................................................ 15
1.2 Panorama Histórico e Aspectos Gerais do Processo de Abolição da Escravidão
no Contexto Internacional e Interno .......................................................................... 18
1.2.1 Normativos Internacionais de Combate ao Trabalho em Condições Análogas à
Escravidão ................................................................................................................. 19
1.2.2 Normativos Internos de Combate ao Trabalho em Condições Análogas à
Escravidão ................................................................................................................. 31
1.3 Disciplina jurídica do trabalho em condições análogas à escravidão no Brasil. .. 31
2. DA ATUAÇÃO DE ÓRGÃOS ESTATAIS AUTÔNOMOS E GOVERNAMENTAIS
NO COMBATE A TODAS AS FORMAS DE ESCRAVIDÃO MODERNA ................ 49
2.1 Da Atuação do Ministério Público do Trabalho .................................................... 49
2.2 Da Atuação do Ministério do Trabalho e Emprego .............................................. 53
2.3 Da Atuação da Defensoria Pública da União ...................................................... 56
3. DA RESPONSABILIZAÇAO DOS INFRATORES ................................................ 60
3.1 Do intuito de desresponsabilização com a fragmentação da produção por meio
das cadeias produtivas .............................................................................................. 60
3.2 Cadeias produtivas no meio ambiente de trabalho rural ..................................... 63
3.3 Cadeias produtivas no meio ambiente de trabalho urbano ................................. 70
3.3.1 Trabalho análogo ao de escravo no setor têxtil ................................................ 70
3.3.2 Trabalho análogo ao de escravo na construção civil ........................................ 73
3.3.3 Outras hipóteses de configuração do trabalho em condições análogas à
escravidão no meio urbano ....................................................................................... 74
3.4 Teorias de Responsabilização do Principal Beneficiário da Produção nas
Cadeias Produtivas ................................................................................................... 82
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3.4.1 Teoria da Cegueira Deliberada ........................................................................ 82
3.4.2 Teoria da Subordinação Integrativa ................................................................. 86
3.4.3 Teoria do Ajenidad ........................................................................................... 90
3.4.4 Teoria da Internalização das Externalidades Negativas ................................... 92
4. DO RETROCESSO SOCIAL NA CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE REDUÇÃO À
CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO ................................................................ 94
4.1 Da Edição da Portaria nº 1.129/2017 do Ministério do Trabalho e Emprego ...... 94
4.2 Da condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no
Caso Fazenda Brasil Verde....................................................................................... 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 102
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 104
11
INTRODUÇÃO
Dentre os direitos mais fundamentais do ser humano, a liberdade é valor
central, tendo sido erigida a direito fundamental de primeira geração com escopo de
complementariedade da vida, assim concebida como o primeiro bem maior.
Como cediço, os direitos civis e políticos foram proclamados no século XVIII,
em meio ao cenário impactante da Revolução Industrial, importante fonte material
econômica para o surgimento do Direito do Trabalho.
Idealizada sob o ponto de vista constitucionalista liberal, a liberdade, ao lado
dos demais direitos individuais, são direitos subjetivos oponíveis ao Estado e exigem
deste uma postura negativista, traduzida na garantia a qualquer indivíduo de fazer
ou deixar de fazer algo desde que não proibido por lei.
Nesta perspectiva há um dever de respeito do Estado perante os cidadãos,
exigindo-se daquele uma postura de abstenção em relação a certos direitos, o que
deve ser observado, inclusive, nas relações estabelecidas entre particulares.
Pode-se assim dizer, que os direitos humanos de primeira geração se
baseiam numa clara demarcação entre Estado e não-Estado, fundamentada no
contratualismo de inspiração individualista1.
Se por um lado, esse contexto de extrema liberdade foi de excepcional
importância para superação do Estado absolutista e um ponto de avanço na
evolução dos direitos humanos, criou-se, noutra quadra, ambiente livre e favorável
para exploração do homem sobre o homem, sem limites para relações sociais
abusivas, nelas incluída as relações de trabalho e emprego.
Superada a escravidão em sua acepção originária, surgem novas relações
interpessoais, que a despeito de dotadas de liberdade para formulação de pactos,
podem configurar-se em si mesmas como opressoras, como a que mundo assistiu
no contexto da Revolução Industrial, marcada pela sujeição de trabalhadores a
condições degradantes e insalubres, jornadas exaustivas, sem remuneração justa e
satisfatória.
Nessa conjuntura, o status negativo do Estado é questionado, trazendo-se a
baila a rediscussão de seu papel enquanto agente garantidor dos direitos
fundamentais. Busca-se um novo estágio de efetivação de tais direitos, de modo que
1 - Celso Lafer apud Sílvio Beltramelli Neto, Direitos Humanos, 4ª Ed.2017, p.101, Ed. Jus Podivm.
12
o Poder Público é instado a conferir ao indivíduo prestações que efetivamente
atendam os reclames da classe operária e promovam igualdade substancial aos
excluídos da participação no sistema de bem-estar social.
Essa nova concepção estabelece como diretriz que o ser humano é livre, e,
portanto, não mais sujeito a relações servis e de escravidão e, ainda, que é dever do
Estado atuar positivamente em seu favor. Muito embora, sejam os direitos sociais
também de cunho subjetivo, consubstanciam-se em um direito de crédito e um dever
de promoção.
A conjunção dos valores liberdade e igualdade, mundialmente consagrados,
são vetores interpretativos suficientemente aptos a rechaçar qualquer forma de
superexploração e coisificação do ser humano em qualquer relação social,
sobretudo, para finalidade de obtenção de lucro e multiplicação da riqueza.
Neste sentido, a OIT – Organização Internacional do Trabalho, fundada no
princípio da paz universal e permanente como instrumento de concretização e
universalização dos ideais de justiça social e proteção do ser humano trabalhador,
adota como Princípio Fundamental do Direito Internacional do Trabalho, o postulado
de que o Trabalho não é uma Mercadoria, promovendo diversos tratados
internacionais de direitos humanos alusivos à vedação à escravidão.
Sem embargo do panorama mundial de sedimentação jusfilosófica sobre o
direito universal ao trabalho digno no Estado Democrático de Direito, a Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, consagra como direitos fundamentais a
liberdade e igualdade (art.5º, caput e I), com base no eixo central dos direitos do
homem, a proteção da dignidade da pessoa humana, (art. 1º, III).
Especificamente no âmbito laboral, a proteção constitucional está a revelar a
reprovação a qualquer tratamento que venha suprimir do indivíduo a concepção do
trabalho como fonte de realização dos mínimos existenciais de forma digna.
Rechaça-se assim, todas as formas contemporâneas de escravidão, norma
imperativa tanto no Direito Internacional, como no ordenamento jurídico pátrio.
Nisso, de bom alvitre ressaltar que a escravidão moderna deixou de ser
compreendida apenas como a restrição da liberdade e apropriação do oprimido pela
classe dominante, fruto de uma herança cultural. A concepção hollywoodiana que
relaciona o trabalho escravo ao cárcere, algemas, chicotes e à figura desumana e
atroz do patrão, já não mais corresponde com exatidão às modernas formas de
dominação.
13
Com efeito, o sistema de acumulação capitalista se reinventa a cada ciclo
para alcançar seu escopo de alta lucratividade a baixos custos. Novos mecanismos
de exploração do trabalhador se reinventam constantemente, de maneira a incluir o
homem como instrumental de um modo de produção voraz, predatório, não
realizador do valor social do trabalho.
Nessa perspectiva moderna de abrangência do trabalho escravo, normativos
internacionais e internos proíbem a escravidão sob todas as suas formas,
desautorizando-se, portanto, a coisificação e mercantilização do homem em
qualquer de suas vertentes.
Hodiernamente o esforço da sociedade deve ater-se ao combate da
escravidão contemporânea, inserida no contexto de uma atividade econômica
organizada, mediante a exploração de mão de obra de determinado grupo
socialmente vulnerável, subjugado à condição de objeto de propriedade do
empregador, e não apenas, associada à ideia da escravidão invariavelmente negra,
violenta e cativa.
A liberdade e igualdade como qualidade intrínseca do ser humano, sua
correlação com a organização da força de trabalho no sistema capitalista de
produção e a configuração e combate às modernas formas de escravidão são objeto
do presente estudo, que se desenvolve na perspectiva de relacionar os direitos
inerentes à qualidade de ser humano por si só, com as respostas políticos-estatais
entabuladas no enfrentamento da questão social da escravidão moderna.
O comprometimento estatal do direito fundamental em pauta, a rigor,
ultrapassa a ideia de provimento material. O trabalho digno, ínsito à vida humana
digna, é base para o desenvolvimento pessoal e moral do homem, cujo fim último é
realizar seus anseios no plano material e espiritual, refletindo sua carga simbólica de
autonomia e afirmação pessoal e social.
É dever do Estado e da sociedade repudiar qualquer forma de escravidão, há
tempos já concebida como contrária ao desenvolvimento da humanidade. Apoiado
nessa ideia, já no final do século XVIII, Immanuel Kant afirmou que o ser humano é
o único ser dotado de razão (que lhe permite ter vontade, poder de escolha) e existe
como um fim em si mesmo e não como meio para servir à vontade de outrem. 2
2 - SÍLVIO, Beltramelli Neto, Direitos Humanos, 4ª Ed.2017, p.101, Ed. Jus Podivm.
14
A definição do filósofo é fundamento para concepção de pessoa humana
como todo ente que, dotado de razão, é um fim em si mesmo, por ser
intrinsecamente livre para tomar decisões segundo seus próprios valores.
O desenvolvimento da noção de dignidade da pessoa humana assenta-se na
ideia de que, na essência, todo ser humano é livre e goza dos mesmos direitos
básicos, de modo a concluir que a dignidade do homem guarda indissociável
proximidade com a liberdade e a igualdade, valores constitucionalmente
assegurados, já suficientes para o repúdio ao trabalho escravo.
Contudo, não obstante o elogiável status constitucional, a positivação da
norma não basta por si só. O direito ao trabalho em condições dignas requer
primazia estatal por meio do implemento de efetivas políticas de Estado dissociadas
de estratégias de governo.
Dada a direta correlação das formas de escravidão moderna com a violação
da vida e saúde, a reprodução da força de trabalho sob o viés meramente mercantil
deve ser combatida com absoluta prioridade, pois não há falar na construção de
uma sociedade livre, justa e solidária quando se permite passivamente que seres
humanos subsistam em condições indignas de trabalho.
Ainda que evidente que o acesso ao trabalho se encontra submetido à
estrutura de uma sociedade capitalista, que alija diversas parcelas da sociedade dos
seus direitos mais fundamentais, há que se proporcionar no plano fático a garantia
do trabalho decente, em atendimento ao princípio nuclear da dignidade da pessoa
humana e aos reclames da comunidade internacional.
15
1. O DIREITO DE LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO
1.1 A Dignidade da Pessoa Humana como Fundamento do Direito Humano da liberdade e Igualdade
A compreensão dos institutos do Direito, em qualquer de seus ramos, seja ele
Público ou Privado, requer uma análise geral do desenvolvimento histórico-cultural
destes. Nessa esteira, o método histórico acaba servindo como meio interpretativo e
de entendimento acerca da origem e desenvolvimento das normas jurídicas e
institutos vigentes no ordenamento.
Desde os primórdios da humanidade, uma das principais preocupações do
ser humano é proteger a si mesmo e sua família de toda sorte de indigências e
infortúnios a que se encontra exposto.
Em busca dessa proteção, o ser humano historicamente sempre empreendeu
estratégias para alcançar a plena liberdade, assim concebida como o estado natural
de estar livre de limitações e coações em todas as circunstâncias consideradas
éticas e lícitas em determinado ordenamento jurídico, escrito ou costumeiro.
Liberdade e igualdade são, outrossim, direitos humanos inerentes à natureza
e evolução do próprio homem, seja em seu estágio mais primitivo ou em dada
sociedade contemporânea, que concretizam a dignidade da pessoa humana, núcleo
axiológico dos direitos do homem, fundamento singular para todos os direitos
humanos.
Nesse passo, convém relevar que, a despeito do processo histórico de
racionalização do conceito de dignidade da pessoa humana, esta não se afastou do
seu núcleo essencial no sentido de entender como pessoa humana, todo ente que,
dotado de razão, é um fim em si mesmo, por ser intrinsecamente livre para tomar
decisões segundo seus próprios valores3, e do reconhecimento fundamental da
dignidade e liberdade de todos os seres humanos, concebida esta como a opção
pelo modo de viver, tomar decisões e agir, conforme sua própria racionalidade e
desígnios.
Para Imanuel Kant, a dignidade do homem é contrária à sua coisificação, não
podendo, portanto, ser tratado como objeto nem por ele mesmo. Nisso, inclusive,
3 NETO, Sílvio Beltramelli. Direitos Humanos, 4ª Ed. Bahia: Jus Podivm, 2017, p. 35.
16
repousa as características da irrenunciabilidade, indisponibilidade ou inalienabilidade
enquanto características dos direitos humanos.
Para o mencionado autor,
“O homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, não como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim. Portanto, o valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas ações é sempre condicional. Os seres cuja existência depende não em verdade da nossa vontade, mas da natureza, tem contudo, se são seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chama coisas, ao passo, que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que não poder ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arbítrio (e é um objeto de respeito).4”
Não obstante inexistir uma única concepção de dignidade da pessoa humana,
a Kantiana afigura-se a mais reproduzida. No ordenamento jurídico brasileiro,
partindo desta mesma premissa, Ingo Wolfgand Sarlet, anota que:
(...) “temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”5
Com base nisso, conclui-se que os direitos humanos liberdade e igualdade no
âmbito das relações de trabalho têm como base e escopo teleológico a noção de
dignidade da pessoa humana, considerada esta como diretriz pré-jurídica,
traduzindo-se em verdadeiro dado da vida, inato à condição humana. A salvaguarda
do Direito apenas a promove e tutela seus atributos essenciais.
A referida promoção e proteção dos bens jurídicos essenciais aos indivíduos
afigura-se, contudo, de essencial importância no sentido de efetivar a dignidade da
4 SARLET, Ingo Wolfagang apud NETO, Sílvio Beltramelli. Direitos Humanos, 4ª Ed. Bahia: Jus Podivm, 2017, p. 33. 5 SARLET, Ingo Wolfagang apud NETO, Sílvio Beltramelli. Direitos Humanos, 4ª Ed. Bahia: Jus Podivm, 2017, p. 60.
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pessoa, por meio de arcabouço jurídico capaz de viabilizar efetivas respostas as
situações concretas de afronta aos atributos essenciais da dignidade da pessoa
humana, seja agressão à integridade física e moral do ser humano trabalhador, seja
pelo favorecimento do tratamento desigual.
Nesta perspectiva jurídica, de rigor conceber a dignidade da pessoa sob duplo
enfoque: multidimensional, vez que contempla inúmeros atributos inerentes ao ser
humano, como liberdade, igualdade, integridade física e psíquica e individual,
porque é traço distintivo de todo e qualquer indivíduo, onde quer que se encontre,
ainda que adequado às nuances culturais, sempre com o escopo de assegurar o
conceito de mínimo ético irredutível6, explanado pela Professora Flávia Piovesan,
dentro da perspectiva de multiculturalismo e direitos humanos.
A importância da salvaguarda da dignidade da pessoa humana por meio de
prescrições normativas de comportamento pode ser traduzida pela noção jurídica
conceituada por Ingo W. Sarlet. Neste sentido:
“O que se percebe em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.”7
Nessa toada, é de bom alvitre reafirmar que a proteção do direito à dignidade
da pessoa humana é tarefa atribuída a toda sociedade, em maior ou menor medida.
A empreitada inclui a participação de toda a sociedade, pois a história mostra que a
afronta massificada a direitos humanos é sistematicamente empreendida pela ação
do Estado, mas, também, e, sobretudo, dada a pertinência ao presente estudo, as
relações entre particulares, pessoa física ou jurídica, consubstanciada na eficácia
horizontal dos direitos humanos.
Ainda que não imprescindível ao reconhecimento da dignidade do homem, a
cogência das normas jurídicas sob a temática espelha a afirmação história de 6 PIOVESAN, Flávia apud NETO, Sílvio Beltramelli. Direitos Humanos, 4ª Ed. Bahia: Jus Podivm, 2017, p. 51. 7 SARLET, Ingo Wolfagang apud NETO, Sílvio Beltramelli. Direitos Humanos, 4ª Ed. Bahia: Jus Podivm, 2017, p. 51.
18
valores morais mínimos de toda a humanidade. De acordo com Silvio Beltramelli
Neto, essa positivação,
(...) “se justifica ante a verificação da brutal e insustentável violência contra esses valores. Nessa linha, acredita-se que, especialmente a partir da metade do século XX, a salvaguarda da dignidade da pessoa humana, a despeito de ser o viés mediato de toda a prescrição normativa de comportamentos, passou a inspirar e embasar, de modo direto, explícito e enfático, um conjunto de normas jurídicas que se enunciam exclusivamente em função dessa mesma salvaguarda”.8
Na seara da proteção da liberdade e igualdade correlacionadas com a
escravidão contemporânea, essa realidade é aferível por meio de instrumentos
normativos estabelecidos no ordenamento jurídico interno e internacional, conforme
adiante se constata.
1.2 Panorama Histórico e Aspectos Gerais do Processo de Abolição da
Escravidão no Contexto Internacional e Interno
Não obstante não ser objetivo desse trabalho expor exaustivamente as bases
históricas dos direitos humanos relacionados a liberdade e isonomia nas relações
sociais, em especial, as contratuais trabalhistas, em apertada síntese far-se-á um
breve relato da trajetória histórica de afirmação desses bens jurídicos essenciais à
vida.
De início, desnecessário salientar que a proibição à escravidão é norma
imperativa exaltada tanto no Direito Internacional, como no ordenamento jurídico
brasileiro.
8 NETO, Sílvio Beltramelli. Direitos Humanos, 4ª Ed. Bahia: Jus Podivm, 2017, p. 19.
19
1.2.1 Normativos Internacionais de Combate ao Trabalho em Condições
Análogas à Escravidão
Diversos são os diplomas internacionais que enunciam o direito universal ao
trabalho livre, seguro e digno. Ilustrativamente, de notar a relevância político-jurídica
de importantes documentos, como os adiante mencionados.
Declaração Universal dos Direitos do Homem de 19489: documento
normativo nuclear, base de todo o atual sistema internacional de proteção dos
direitos humanos. Proíbe a escravidão e a servidão (art.4º), assim como a sujeição à
tortura, tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante (art. 5º).
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 196610: é expresso
em determinar que ninguém será submetido à escravidão (art.8º, 1); à servidão
(art.8º, 2) e a trabalhos forçados ou obrigatórios (art.8º, 3).
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de
196611: os Estados Membros pactuantes reconhecem o direito de toda pessoa de
gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, o que inclui uma remuneração
justa; segurança e higiene; isonomia para as promoções; descanso, lazer e limitação
de jornada (art.7º, “a” a “d”, respectivamente).
Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José
da Costa Rica)12: estabelece proibição à escravidão, servidão e o trabalho forçado
(art.6º, 1 e 2); garante direito à liberdade e segurança pessoais (art.7º, 1); e respeito
à honra e reconhecimento da dignidade de toda pessoa (art.11, 1).
9 NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf>. Acesso em: 26/12/2017. 10 PLANALTO. Decreto nº 592, de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm>. Acesso em: 26/12/2017. 11 PLANALTO. Decreto nº 591, de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm>. Acesso em: 26/12/2017. 12 PLANALTO. Convenção Americana de Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/and678-92.pdf>. Acesso em: 26/12/2017.
20
As normas internacionais trabalhistas realizam direitos de segunda dimensão
na clássica divisão doutrinária de evolução dos direitos humanos, vez que objetivam
garantir direitos sociais aos trabalhadores.
A par dos normativos esparsos emanados de diversos órgãos internacionais,
consoante ilustrativamente supracitados, de rigor ressaltar a importância da
Organização Internacional do Trabalho, OIT, na efetivação dos direitos do ser
humano trabalhador.
Em apertada síntese, a OIT constituiu-se em 1919 por meio do Tratado de
Versalhes no âmbito da Liga das Nações, que pretendeu, sem sucesso, instituir um
ambiente de paz mundial e por fim à Primeira Guerra Mundial. Inexitosa no seu
desiderato, a Liga foi substituída pela Organização das Nações Unidas, sistema até
então vigente, que contempla diversas Organizações Internacionais com finalidades
específicas, a exemplo da própria OIT, que a despeito de preceder a ONU, criada
apenas em 1945, passou a integrar esta Organização.
Desde então, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), é a agência das
Nações Unidas que tem por missão promover oportunidades de acesso ao trabalho
decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade.
O Trabalho Decente, conceito formalizado pela OIT em 1999, sintetiza os
objetivos da Organização, sendo considerado condição fundamental para a
superação da pobreza, redução das desigualdades sociais, garantia da
governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável.
Ainda, é o Trabalho Decente o ponto de convergência dos quatro objetivos
estratégicos da OIT, assim expressos na Declaração da OIT sobre os Princípios e
Direitos Fundamentais no Trabalho de 1998, definidos como normas de jus
cogens, de observância obrigatória pelos Membros da Organização,
independentemente de ratificação13.
De acordo com art. 2, da mencionada Declaração, todos os Estados Membros
têm o compromisso derivado do fato de pertencerem à Organização de respeitar,
promover e tornar realidade, de boa fé e de conformidade com a Constituição, os
princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto dessas convenções,
isto é: (a) liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação
coletiva; (b) eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório;
13 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Conheça a OIT. Disponível em: <http://www.ilo.org/brasilia/conheca-a-oit/lang--pt/index.htm>. Acesso em: 16/12/2017.
21
(c) abolição efetiva do trabalho infantil; e (d) eliminação de todas as formas de
discriminação em matéria de emprego e ocupação.
Nesta esteira, sendo a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou
obrigatória, norma imperativa, que de tamanha amplitude e importância, prescinde
de ratificação, é, sobremaneira, importante fonte normativa para o enfrentamento da
questão da escravidão moderna.
Ademais, ainda no âmbito da OIT, é princípio que norteia a atuação da
Organização, enunciado no preâmbulo de sua Constituição, o conceito de Justiça
Social, assim compreendido como direito social realizador da paz social e elevação
do patamar mínimo civilizatório da classe trabalhadora.
Dada a relevância do teor do preâmbulo, destaca-se doravante parcialmente
seu conteúdo:
"Considerando que a paz para ser universal e duradoura deve assentar sobre a justiça social; Considerando que existem condições de trabalho que implicam, para grande número de indivíduos, miséria e privações, e que o descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais, e considerando que é urgente melhorar essas condições no que se refere, por exemplo, à regulamentação das horas de trabalho, à fixação de uma duração máxima do dia e da semana de trabalho, ao recrutamento da mão-de-obra, à luta contra o desemprego, à garantia de um salário que assegure condições de existência convenientes, à proteção dos trabalhadores contra as moléstias graves ou profissionais e os acidentes do trabalho, à proteção das crianças, dos adolescentes e das mulheres, às pensões de velhice e de invalidez, à defesa dos interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro, à afirmação do princípio "para igual trabalho, mesmo salário", à afirmação do princípio de liberdade sindical, à organização do ensino profissional e técnico, e outras medidas análogas; Considerando que a não adoção por qualquer nação de um regime de trabalho realmente humano cria obstáculos aos esforços das outras nações desejosas de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus próprios territórios. (...)”. Texto original sem grifos.
De notar neste contexto que a criação da OIT pautou-se em fundamentos
humanitários para equilibrar a industrialização crescente na Europa, pautada em um
modo de produção capitalista, voltado para acumulação de riquezas pelos
proprietários dos meios de produção ao alvedrio da massa operária, que
protagonizou o aprofundamento das desigualdades sociais, experimentando
22
condições sociais de extrema vulnerabilidade, consubstanciadas na chamada
questão social do século XIX.
Na perspectiva mercantil de busca de maiores lucros e menores custos,
aceleração da produção em larga escala e exploração do trabalhador, tudo pautado
na liberdade contratual, a OIT, fundada no princípio da paz universal e permanente,
estabeleceu através de seus instrumentos, normas protetivas sociais universais para
os trabalhadores, capazes de equilibrar a dicotomia capital/trabalho, que submetia a
classe trabalhadora à condição social de precariedade, incluindo jornadas
exaustivas, ausência de remuneração mínima e meio ambiente insalubre.
Com o fim de concretizar o conceito de justiça social e universalizar a
proteção do trabalhador, a OIT adota os Princípios Fundamentais do Direito
Internacional do Trabalho, dos quais merece destaque para os fins do presente
trabalho, o postulado de que O Trabalho não é uma Mercadoria.
Com base nessa premissa, Gabriela Neves Delgado preceitua que:
“Não há como se concretizar o direito à vida digna se o homem não for livre e tiver acesso ao direito fundamental ao trabalho também digno. Da mesma forma, não há possibilidade real do exercício do trabalho digno se não houver verdadeira preservação do direito fundamental à vida humana digna.”14
A noção de objetificação do homem, contrária à sua dignidade, coaduna com
o conceito de trabalho escravo, que desde a Idade Média está associado à
submissão de uma pessoa à outra, partindo da concepção de propriedade do
sujeito, concebido desde então, como uma mercadoria.
O princípio da negação do trabalho como mercadoria rechaça a coisificação
do trabalhador no processo produtivo, pautada na perspectiva liberal, que privilegia a
compreensão da vida social apenas no sentido de concentração da riqueza.
A rigor, há que se reconhecer e efetivar o valor social do trabalho como meio
de subsistência atrelado ao processo de produção e reprodução da vida social, sem
que isso se resuma apenas à sua satisfação da vida material. Neste sentido, Marilda
V. Iamamoto, com escoro na teoria Marxista, afirma-se que:
14 DELGADO, Gabriela Neves. Direito Fundamental ao Trabalho Digno. São Paulo: LTr, 2006, p. 211.
23
“(...) O primeiro pressuposto de toda existência humana e, portanto, de toda a história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder fazer história.”15
Nessa toada, continua a autora afirmando que,
(...) “Quando se fala em produção/reprodução da vida social não se abrange apenas a dimensão econômica – frequentemente reduzida a uma ótica economicista -, mas a reprodução social de indivíduos, grupos e classes sociais. Relações sociais estas que envolvem poder, sendo relações de luta e confronto entre classes e segmentos sociais, que têm no Estado uma expressão condensada da trama do poder vigente na sociedade”. 16
É significar, portanto, que o primado do trabalho, pautado no conceito de
trabalho decente; a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório
e o rechaço a todas as formas de escravidão contemporânea, deve compreender-se
apartado de uma relação de compra e venda que inclui o ser humano trabalhador na
engrenagem do processo de produção industrial como uma peça da organização
empresarial, facilmente manejável para atendimento dos interesses mercadológicos
e anseios da sociedade capitalista.
A rigor, a análise da não mercantilização do labor humano está intimamente
relacionada com o valor social do trabalho. Partindo desta concepção, no âmbito da
doutrina social da Igreja, vale destacar a Encíclica Mater et Magistra, de João XXIII,
de 1961, no que expressa:
18. Dizem respeito, primeiramente, ao trabalho que deve ser considerado, em teoria e na prática, não mercadoria, mas um modo de expressão direta da pessoa humana. Para a grande maioria dos homens, o trabalho é a única fonte dos meios de subsistência. Por isso, a sua remuneração não pode deixar-se à mercê do jogo automático das leis do mercado; pelo contrário, deve ser estabelecida segundo as normas da justiça e da equidade, que, em caso contrário, ficariam profundamente lesadas, ainda mesmo que o contrato de trabalho fosse livremente ajustado por ambas as partes” (original sem grifos).17
15 MARX, K. e ENGELS, F. A apud IAMAMOTO, M. O Serviço Social na Contemporaneidade: Trabalho e Formação Profissional. 9ª Ed. São Paulo: Cortez, 2005, p. 26. 16 IAMAMOTO, M. O Serviço Social na Contemporaneidade: Trabalho e Formação Profissional. 9ª Ed. São Paulo: Cortez, 2005, p. 26. 17 VATICANO. Carta Encíclica Mater Et Magistra. Disponível em: https://w2.vatican.va/content/john-xxiii/pt/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_15051961_mater.html>. Acesso em: 26/12/2017.
24
Retomando a produção normativa estabelecida pela OIT, não obstante o firme
empenho da Organização em estabelecer politicamente as bases da cidadania
social no mundo do trabalho por meio dos já mencionados instrumentos normativos,
também é função da Organização a criação de normas internacionais do trabalho
sob a forma de Convenções e Recomendações. Tais documentos são formulados
na Conferência Internacional do Trabalho, seu órgão máximo de representação,
responsável pela definição das diretrizes da política social da OIT.
Conforme preleciona Maurício Godinho Delgado18, Convenções são espécies
de tratados com conteúdo obrigacional, normativo e programático, aprovados por
entidade internacional, a que aderem voluntariamente seus membros.
Por sua vez, as recomendações são diplomas programáticos enunciativos,
cujo objetivo é o aperfeiçoamento normativo do conteúdo das Convenções
pactuadas pelos Membros da Organização. São, outrossim, direcionamentos no
sentido de orientar as políticas e práticas nacionais. Ao contrário das convenções,
tanto as recomendações como as declarações, são instrumentos não imperativos,
podendo constituir-se, contudo, em importantes fontes materiais, vez que
desempenham importante papel político e cultural de induzir os Estados a
aperfeiçoar sua legislação interna.
No campo da produção normativa atinente ao combate ao emprego de mão
de obra em condições semelhantes à escravidão, a OIT estabeleceu diversos
instrumentos. No intento de abolir do plano fático tal prática, já que a escravidão ou
situação análoga há muito fora extirpada do ordenamento jurídico, a Organização
formulou diversos tratados acerca da matéria, com destaque para os seguintes:
Convenção para Abolição da Escravatura (1926): Instituída internamente
pelo Decreto 58.563/6619, que Promulga o documento emendado pelo Protocolo de
1953 e a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956.
Dos termos convencionados na Convenção de 1926, destaca-se o art.1º, que
define o conceito de escravidão como estado ou condição de um indivíduo sobre o
qual se exercem, total ou parcialmente, os atributos do direito de propriedade.
18 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14ª Ed. São Paulo: LTR, 201, p.157 e 158. 19 SENADO FEDERAL. Decreto nº 58.563, de 1966. Disponível em: <http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaTextoSigen.action?norma=481163&id=14236686&idBinario=15756635&mime=application/rtf>. Acesso em: 18/12/2017.
25
Da definição, o que se extrai, de imediato, conforme ensina Tiago Muniz
Cavalcanti20, é que a sobredita definição reproduz a essência da escravidão, a
saber, a coisificação do ser humano, omitindo qualquer referência à restrição da
liberdade. Corrobora tal evidência o fato de a própria Convenção diferenciar
“escravidão” de “trabalho forçado ou obrigatório”, entendendo que este pode se
configurar naquele.
De rigor mencionar ainda, a cooperação das Nações para alcance da
supressão da escravidão e do tráfico de escravos (art.4º) e a exceção à proibição do
trabalho forçado ou obrigatório para fins públicos (art.5º, §1º).
Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura, do Tráfico de
Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura (1956): trata-se
do primeiro documento a utilizar a expressão “prática análoga à escravatura”, já
difundida no consenso mundial de que a escravidão no sentido estrito era episódica,
não mais regulamentada pelos países21.
O instrumento suplementar à Convenção sobredita, por seu turno, enumera
em seus dispositivos diversas práticas de trabalho forçado que devem ser
combatidas de forma contínua e progressiva, como a servidão por dívidas (situação
de submissão pessoal relacionada à terra); o tráfico de escravos e a proteção à
liberdade pessoal da mulher, criança e adolescente.
De notar que o documento em comento estabelece distinção entre escravidão
e servidão, definindo a primeira condição como o estado ou a condição de um
indivíduo sobre o qual se exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito
de propriedade, e “escravo” é o indivíduo em tal estado ou condição, ao passo que
“Pessoa de condição servil” é a que se encontra no estado ou condição que resulta
de algumas das instituições ou práticas definidas como escravidão.
Convenção 29 – Trabalho Forçado ou Obrigatório: em vigor no plano
internacional desde 1932, foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº24, de 1956,
20 CAVALCANTI, Thiago Muniz. Estudos Aprofundados Ministério Público do Trabalho. Vol.3. Bahia. Ed. JusPodivm, 2017, O Trabalho Escravo entre a Arte e a Realidade: a Necessária Superação da Perspectiva Hollywoodiana, p. 242. 21 CAVALHEIRO, Ruy Fernando Gomes Leme. Procurador do Trabalho. Mestre e Especialista em Direito. Especialista em Filosofia e História da Ciência. Curso Ênfase, regular 2017. Aulas 41 e 42.
26
ratificada em 25 de abril de 1957, promulgada pelo Decreto nº 41.721, de 25 de
junho de 1957, vigente no plano interno a partir de 25 de abril de 1958.22
Traduz-se no compromisso assumido pelos Estados Membros de suprimir o
emprego do trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas formas no mais curto
prazo possível (art.1º,1)23, admitindo-se transitoriamente seu emprego
exclusivamente para fins públicos (art.1º,2).
Foi a primeira Convenção da OIT a abordar a proibição do trabalho forçado.
No contexto de sua criação diversos países adotavam a escravidão com autorização
prevista em lei.
A convenção conceitua trabalho forçado ou obrigatório como “todo trabalho
ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o
qual ele não se ofereceu de espontânea vontade” (art.2º, 1). Exclui, entretanto,
dessa definição o serviço militar obrigatório legalmente instituído; as obrigações
cívicas; condenações judiciárias em favor de pessoa jurídica de direito público; força
maior; pequenos trabalhos comunitários (art.2º, 2, “a” a “e”, respectivamente).
No mesmo sentido da Convenção sobre a Escravatura de 1926, desvincula-
se a noção de escravidão da estrita restrição da liberdade. Na mesma linha do
mencionado documento distingue-se a escravidão do trabalho forçado ou
obrigatório, compreendendo-se este como o desempenhado em oposição ao
trabalho voluntário, aqui concebido como aquele para o qual se tenha oferecido
espontaneamente (art.13).
A Convenção 29 reflete o compromisso da OIT em eliminar o trabalho
forçado, consubstanciado não apenas em grave violação de direito humano, mas
também, em importante fator de acentuação de pobreza e entrave ao
desenvolvimento econômico.
Convenção 105 – Abolição do Trabalho Forçado: em vigor inicialmente no
plano internacional em 17 de janeiro de 1959, aprovada pelo Decreto Legislativo
nº20, de 1965, ratificada em 18 de junho de 1965, promulgada pelo Decreto nº
22 CHAGAS, Gustavo Luís Teixeira. MIESSA, Élisson. Legislação de Direito Internacional do Trabalho e Proteção Internacional dos Direitos Humanos. 4ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 45. 23 PLANALTO. Decreto nº 41.721, de 1957. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d41721.htm#convencao29>. Acesso em: 18/12/2017.
27
58.822, de 14 de junho de 1966 e vigente no ordenamento interno a partir de 18 de
junho de 196624.
Trata-se de mais um instrumento do arcabouço normativo internacional de
combate à escravidão contemporânea. Qualquer membro que a ratifica assume o
compromisso de suprimir completa e imediatamente o trabalho forçado ou
obrigatório, e a não recorrer ao mesmo sob forma alguma, seja como medida
coerção; educação política; sanção por opção política ou opção ideológica; mão de
obra com finalidade econômica; disciplina de trabalho; punição por participação em
greves; ou ainda, como forma de discriminação racial, social, nacional ou religiosa
(ar.1º, caput, “a” a “e”)25.
A intenção do documento é assegurar a liberdade de contratação e a não
submissão de trabalhadores a condições indignas assentadas em relação de
propriedade do ser humano trabalhador.
Tanto a Convenção 29, como a 105, da Organização Internacional do
Trabalho integram a Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos
Fundamentais no Trabalho de 1998.
Conforme oportunamente mencionado, a observância das Convenções
fundamentais, oito no total, independem de ratificação, sendo dotadas de cogência e
imperatividade pelo simples fato de os Estados pertencerem à Organização.
A inclusão desses normativos internacionais no seleto rol de Convenções
Fundamentais reafirma o compromisso da ordem internacional no combate e
eliminação de todas as formas de escravidão moderna, face o relevante grau de
aviltamento à dignidade da pessoa humana que decorre de tais práticas de gestão
empresarial.
Protocolo Adicional à Convenção da ONU contra o Crime Organizado
Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de
Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, de 2000 (“Protocolo de Palermo”):
aprovado pelo Decreto Legislativo nº231, de 2003, em vigor no âmbito interno desde
28/02/2004, internalizado pelo Decreto nº5.017, de 2004, define tráfico de pessoas
como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento
24 CHAGAS, Gustavo Luís Teixeira. MIESSA, Élisson. Legislação de Direito Internacional do Trabalho e Proteção Internacional dos Direitos Humanos. 4ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 132. 25 PLANALTO. Decreto nº 58.822, de 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/d58822.htm>. Acesso em: 18/12/2017.
28
de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao
rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade
ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento
de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A
exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras
formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou
práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos”.26 (original
sem grifos).
Importante, ainda, trazer a baila que, nos termos do Protocolo, a sujeição a
quaisquer das mencionadas condições independe do consentimento dada pela
vítima (art.3, “b”).
Adaptando-se às mais variadas formas de contratações modernas ilícitas, a
OIT relativiza a questão do oferecimento espontâneo. Neste sentido,
“É da posição da Organização considerar que o consentimento inicial do trabalhador pode ser tido como irrelevante quando a fraude e o engano foram meios utilizados para sua obtenção. Isso faz muito sentido já que são inúmeros os casos em que as vítimas entram em situações que aparentemente são regulares, porém depois descobrem que foram envolvidas em uma situação de trabalho forçado, pois não se encontram livres para abandoná-los em razão de coerção de natureza jurídica, física ou psicológica (OIT, 2009)”.27
Convenção 182 – Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e a
Ação Imediata para sua Eliminação: em vigor no plano internacional em 17 de
junho de 1999, no ordenamento interno foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº178,
de 1999 e ratificada em 02 de fevereiro de 2000. Foi promulgada pelo Decreto
nº3.597, de 12 de setembro de 2000, vigorando para o Brasil em 02de fevereiro de
200028.
A Convenção representa um marco legal na proteção dos direitos de crianças
e adolescentes, ao determinar, em caráter de urgência, a adoção de medidas
26 PLANALTO. Decreto nº 5.017, de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5017.htm>. Acesso em: 26/12/2017. 27 CAVALCANTI, Thiago Muniz. Estudos Aprofundados Ministério Público do Trabalho. Vol.3. Bahia. Ed. JusPodivm, 2017, O Trabalho Escravo entre a Arte e a Realidade: a Necessária Superação da Perspectiva Hollywoodiana, p. 243. 28 CHAGAS, Gustavo Luís Teixeira. MIESSA, Élisson. Legislação de Direito Internacional do Trabalho e Proteção Internacional dos Direitos Humanos. 4ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 291.
29
imediatas e eficazes para proibição e eliminação das piores formas de trabalho
infantil.
O instrumento normativo elenca algumas práticas consideradas como piores
formas de trabalho, merecendo ênfase para o desenvolvimento desta monografia, o
exercício de todas as formas de escravidão ou práticas análogas a ela, destacando-
se ilustrativamente, a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a
condição de servo, e o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento
forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados
(art.3º, “a”).
Ao lado do costume internacional e princípios gerais do direito, as convenções
internacionais (tratados ou pactos), são fontes formais primárias do Direito,
traduzindo-se em diretrizes normativas obrigatórias voltadas à disciplina de relações
sociais cujo objeto é a forma de utilização do labor humano.
Sem embargo da relevância jurídica das fontes formais, na sociedade
moderna o que se busca é o abandono de interpretações meramente reducionistas
pautadas em um ordenamento jurídico meramente formal, notadamente incabível
em se tratando da disciplina de direitos humanos.
Neste sentido, Cançado Trindade defende uma profunda adequação no modo
estático tradicional de enxergar-se o assunto das fontes formais. Para o autor, o
“direito internacional contemporâneo apresenta-se multifacetado, vasto e complexo,
não sendo crível seu entendimento dissociado de seu substratum, apartado,
portanto, de suas fontes materiais”.29
A concepção mais moderna no plano do direito internacional vai além da
forma e busca despertar uma consciência jurídica universal, que privilegia a moral e
os valores como condutores de um objetivo de realização da justiça.
Quanto à incorporação das normas internacionais de direitos humanos, após
cenário controverso e inúmeras decisões sobre o tema, tais normais consolidaram-
se com o status de normas supralegais, isto é, situadas abaixo da Constituição
Federal, porém superiores ao ordenamento infraconstitucional (tese da
supralegalidade). Estabeleceu-se, em verdade, um patamar intermediário para as
normas de tal envergadura, permitindo-se, dessa maneira, o que se convencionou
denominar “controle de convencionalidade”.
29 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A humanização do direito internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.79 a 96.
30
Com efeito, no plano interno e internacional, aprecia-se a compatibilidade
entre a norma nacional e as normas internacionais de direitos humanos, sobretudo
as convenções internacionais.
Paralelamente, firmou-se no âmbito do ordenamento pátrio a tese da
constitucionalidade dos tratados de direitos humanos, em decorrência da
promulgação da Emenda Constitucional 45/04, que inseriu o §3º ao art.5º, da
Constituição Federal de 1988.
Inovou a EC em estabelecer que os tratados internacionais de direitos
humanos aprovados com o quórum diferenciado de três quintos, em dois turnos de
votação em cada Casa do Congresso Nacional (mesmo quórum para as EC), terão
equivalência de emendas constitucionais.
A despeito da polêmica doutrinária que se travou com a alteração legislativa,
eis que se admitiu a interpretação de que os tratados internacionais de direitos
humanos poderão ter ou não status constitucionais. A rigor, as normas não inseridas
de acordo com esse procedimento especial permanecem com o status anterior de
normas supralegais, inserindo-se nesse patamar as normas internacionais que
regem as relações de trabalho, dada sua inegável natureza de direitos humanos.
Sendo assim, independentemente da forma de internalização, as normas
internacionais de direitos humanos integram-se ao ordenamento jurídico nacional
com eficácia imediata (art. 5º, §§1º e 2º, da CF/88) e conotação de ordem pública,
aplicáveis imediatamente às relações jurídicas nacionais, inclusive aos contratos de
trabalho, tão logo incorporadas pelo ordenamento interno.
Assim, com assento nesses mandamentos universais, proíbe-se e criminaliza-
se o emprego de todas as formas contemporâneas de escravidão, agregando-se ao
ordenamento jurídico interno os conceitos de escravidão estabelecidos pela ordem
internacional, mediante a ratificação dos respectivos tratados pelo Brasil (art.5º, §2º,
CF), bem como em razão das disposições da própria legislação doméstica, que
repudia todas as formas de escravidão moderna ao consagrar como fundamentos de
sua Lei Maior, a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho.
31
1.2.2 Normativos Internos de Combate ao Trabalho em Condições Análogas à
Escravidão
O sistema internacional dos direitos humanos pauta-se na sólida premissa da
subsidiariedade, que no plano interno alicerça-se em bases fundamentais da
República Federativa do Brasil, a saber: a soberania estatal, estabelecida como seu
fundamento (art.1º, I), e a autodeterminação dos povos, princípio regente da RFB
em suas relações internacionais (art.4º, III).
Consoante ensinamentos de Sílvio Beltramelli Neto,
Segundo o pressuposto da subsidiariedade, é dever primário dos Estados, seu âmbito doméstico, adotar as providências de proteção e promoção dos direitos humanos e, em caso de violação, proporcionar a reparação dos danos decorrentes, tal como contemplado no direito internacional, entendido em sentido lato (tratados, costume internacional, princípios gerais e demais fontes formais e materiais)30.
Assim, o sistema construiu-se de forma a privilegiar a atuação endógena dos
Estados, inclusive com a necessidade de esgotamento dos recursos internos antes
do acionamento das esferas universais. Somente na hipótese de o Estado falhar no
seu mister de proteção dos direitos humanos, sujeitar-se-á aos documentos
vinculantes dos órgãos internacionais, os quais procederão exame de
compatibilidade entre a norma nacional e as diretrizes internacionais regentes da
matéria (controle de convencionalidade).
1.3 Disciplina jurídica do trabalho em condições análogas à escravidão no Brasil
Quanto à produção normativa interna, o ordenamento jurídico brasileiro
repudia a escravidão sob todas as suas formas, rejeitando, portanto, a coisificação e
mercantilização do homem.
30 NETO, Sílvio Beltramelli. Direitos Humanos, 4ª Ed. Bahia: Jus Podivm, 2017, p. 255.
32
A primeira norma que convergiu neste sentido no cenário pátrio, foi a Lei
Áurea, diploma legal assinado em 13 de maio de 1888, que formalmente extinguiu a
escravatura no Brasil, resultado de longo e gradual processo de abolição.
No âmbito das relações contratuais modernas, o ato de privar alguém de sua
liberdade e dignidade, é repudiado pela ordem constitucional vigente, a qual
abarca em sua proteção diversos bens jurídicos.
Conforme exaustivamente abordado no decorrer do presente trabalho, a
vedação a todas as formas de escravidão moderna encontra-se ancorada em
normas de mais alta envergadura da Constituição Federal de 1988.
A dignidade da pessoa humana (art.1º,III, CF) e os valores sociais do trabalho
(art.1º,IV, CF), são fundamentos da RFB, a representar o que a Carta Política
consagra como núcleo axiológico, base fundante para todo o ordenamento jurídico.
A Constituição Federal garante isonomia a todos sem distinção de qualquer
natureza (art.5º, caput). Ademais, o direito ao trabalho é elevado a direito social
(art.6º, CF), além de o art.7º dedicar-se integralmente em seus incisos à proteção ao
trabalho, representando patamar mínimo de direitos dos trabalhadores e cláusula de
vedação ao retrocesso social.
No título dedicado a Ordem Social, definiu-se constitucionalmente o primado
do trabalho como sua base, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art.193,
CF).
O trabalho decente é, outrossim, fator determinante da ordem econômica.
Neste diapasão, o art.170, da Lei Maior, determina que esta (a ordem econômica)
funda-se na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, cuja finalidade é
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Não obstante, ainda com escoro na Constituição da República, há expressa
proibição de trabalhos forçados, consoante norma estampada no art.5º, III, que
determina que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante”. Inserto neste mesmo rol de direitos e garantias fundamentais, o inciso
XIII, dispõe acerca da liberdade de exercício profissional. Nos termos do dispositivo,
“é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as
qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Por derradeiro, o inciso XLVII, alínea “c”, do mesmo art.5º, veda a adoção de
pena de trabalhos forçados, que, não obstante encontrar-se topograficamente
estabelecido na seara de repressão criminal, seu status de princípio fundamental
33
permite o efeito integrativo da norma constitucional, destacando-se, neste sentido,
os princípios hermenêuticos da Unidade da Constituição, Concordância Prática (ou
Harmonização); Efeito Integrador (ou Eficácia Integradora); e Interpretação
Conforme da Constituição.
Especificamente no âmbito da legislação trabalhista não há expressa
menção de proibição ao trabalho forçado ou afim, contudo, é possível depreender da
norma consolidada inúmeras regras de proteção ao exercício do trabalho em
condições que garantam a integridade física, psíquica e moral dos trabalhadores,
além da contraprestação justa e favorável.
Neste sentido, os artigos 154 a 159, consubstanciam as normas gerais de
segurança e medicina do trabalho, com destaque para o art. 158, p.ú, “b”, que
disciplina o uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa.
Os artigos 66 a 72 e 129 a 145, aduzem sobre os períodos de descanso
remunerados. Aqui, releva mencionar a recente alteração promovida pela Lei 13.467
de 13 de julho de 2017, a chamada Reforma Trabalhista, que modificou o art. 71,
§4º, da CLT, para o fim de determinar o pagamento do intervalo intrajornada mínimo
referente apenas ao período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por
cento), sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.
Com a alteração legislativa, padece de revisão a Súmula 437, item I, do C.
Tribunal Superior do Trabalho, que determina o pagamento total do período
correspondente e não apenas o suprimido, de modo a efetivar medida de maior
proteção ao trabalhador pelo desincentivo da supressão ou redução do intervalo
pelo empregador.
Demais disso, a Consolidação das Leis do Trabalho, com a finalidade de
prevenir e punir eventuais violadores de normas protetivas mínimas nas relações de
emprego, estabelece multa ao empregador que mantiver empregado não registrado:
(arts. 47 e 55); multa ao empregador que infringir qualquer dispositivo concernente
ao salário mínimo (art. 120); multa ao empregador que violar as condições de
estabelecidas no tocante à jornada de trabalho (art. 75); e penalidade para as
infrações relativas às férias anuais remuneradas (art. 153).
É na esfera penal, porém, que se encontra a regulamentação específica da
prática de “redução à condição análoga à de escravo”, consoante art.149, do Código
Penal. O crime é de ação múltipla ou plurinuclear e abrange diversas condutas
34
típicas, afastando definitivamente de seu enquadramento jurídico, única e tão
somente a simples conduta de aprisionamento físico.
Desde o advento da Lei 10.803 de 11 de dezembro de 2003, que modificou
o art.149, do Código Penal Brasileiro, instituído pelo Decreto Lei nº2.848, de 1940,
enquadram-se no gênero trabalho em condições análogas à de escravo não apenas
a submissão a trabalhos forçado, com restrição da liberdade de ir e vir, mas ainda,
outras espécies, notadamente, jornada exaustiva; trabalho em condições
degradantes; servidão por dívida; cerceamento do uso de qualquer meio de
transporte por parte do trabalhador, ou por qualquer outro meio com o fim de retê-lo
no local de trabalho; a vigilância ostensiva no local de trabalho ou a posse de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador por parte do empregador ou seu
preposto, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
De notar, que a odiosa prática de submissão à escravidão moderna, a partir
do aperfeiçoamento legislativo, aparta-se da visão limitada e restritiva da escravidão,
contextualizando-a na ordem jurídica como “um mal atual, lesivo à dignidade
humana, perpetrado através de meios ardis não necessariamente violentos em face
do socialmente oprimido, independentemente de raça, cor, etnia, religião ou
origem”31.
A rigor, amplia-se o espectro de alcance e interpretação do dispositivo
normativo, de sorte que se consolida a defensável diretriz de que o cerceamento da
liberdade do trabalhador pode resultar de fatores isolados ou da conjugação de
diversos elementos, assim como referido em publicação da OIT, 2010, a seguir
mencionada32:
Servidão por dívida: quando os trabalhadores são aliciados, as suas famílias recebem um adiantamento do pagamento, junto a promessas de um bom salário, normalmente acordado por quantidade de trabalho realizado (ex. por hectare desmatado). Entretanto, ao chegarem ao local, os trabalhadores percebem que a realidade é outra. Eles são obrigados a pagar um preço superfaturado pelo alojamento, mesmo que em condições
31 CAVALCANTI, Thiago Muniz. Estudos Aprofundados Ministério Público do Trabalho. Vol.3. Bahia. Ed. JusPodivm, 2017, O Trabalho Escravo entre a Arte e a Realidade: a Necessária Superação da Perspectiva Hollywoodiana, p. 244. 32 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. As boas práticas da inspeção do trabalho no Brasil: a erradicação do trabalho análogo ao de escravo. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/labour_inspection/pub/trabalho_escravo_inspecao_279.pdf>. Acesso em: 12/03/2018.
35
desumanas, e pela alimentação, mesmo que inadequada, além dos custos do transporte e dos instrumentos de trabalho. Os trabalhadores geralmente não recebem uma especificação das despesas pelas quais devem pagar, e nem mesmo tem conhecimento de quanto ainda devem. Esta prática é conhecida como ‘política do barracão’ ou ‘truck system’. Ainda que a imputação da dívida seja fraudulenta, muitos trabalhadores são moralmente coagidos a saudá-la; Retenção de documentos: os documentos dos trabalhadores frequentemente são retidos durante o período da prestação do serviço; Isolamento físico: em grande parte dos casos, o local de trabalho é de difícil acesso e distante de núcleos urbanos, o que dificulta a fuga do trabalhador; Vigilância ostensiva: em alguns casos há presença de guardas armados que ameaçam os trabalhadores e aplicam punições físicas. As condições degradantes, por sua vez, são caracterizadas por uma combinação dos seguintes elementos: Alojamento: os trabalhadores são comumente alojados em barracas precárias de lona ou de folhas de palmeiras no meio da mata, expostos a uma série de riscos; Susceptibilidade a doenças: principalmente na fronteira agrícola, onde se encontra o maior foco de trabalho análogo ao de escravo, há um alto índice de doenças tropicais, como a malária e a febre amarela, além de elevada incidência de outras doenças menos comuns em outras regiões, como a tuberculose. Quando ficam doentes, muitos trabalhadores não recebem atendimento médico; Condições de saneamento: este item se refere tanto à precariedade das condições sanitárias (ausência de instalações sanitárias, por exemplo), quanto ao não fornecimento de água potável. Alimentação: insuficiente para atender às necessidades calóricas dos trabalhadores, e em condições inadequadas de conservação. Remuneração inadequada e salários atrasados: mesmo quando não há escravidão por dívida, caso no qual os trabalhadores não recebem salário em espécie, é comum receberem menos do que o acordado, terem seus salários retidos ou pagos com atraso; Maus tratos e violência: são comuns os relatos de humilhação pública, ameaças e até violência física contra os trabalhadores;
Destaque-se, por oportuno, que a alteração legislativa em tela representa um
avanço na proteção do ser humano trabalhador, materializando-se como norma
36
paradigma e inovadora não só no ordenamento pátrio, como também na
comunidade internacional, superando os tipos consagrados pela OIT, ONU e OEA
em suas declarações e convenções.
A consagração do dispositivo penal é consequência de sua avançada sintonia
com a moderna concepção de trabalho escravo pautada na noção de escravidão
contemporânea como um conceito dinâmico, que se altera de acordo com os povos,
os tempos e suas conjunturas sociais, econômicas e políticas.
O tipo previsto no art.149 do Código Penal brasileiro, preserva a ideia
relacional e não estática de condição análoga à escravidão, o que pressupõe cotejar
as condições existenciais do trabalhador sujeito a tais condições com uma pessoa
livre, em dado contexto histórico.
Com base nessa concepção, a norma penal em comento efetiva o
entendimento concebido no plano internacional de proteção de direitos humanos, no
sentido de desvincular a noção de escravidão de mero aprisionamento físico. Mais
que essa condição física, a escravidão contemporânea está relacionada, outrossim,
com a degradância, indignidade e a coisificação da pessoa.
Bem por isso, a norma é consagrada com louvor na comunidade
internacional, pois amplia o escopo de configuração da sujeição à condição análoga
à escravidão, ao encontro do consenso que se estatuiu no sentido de que “a
escravidão moderna, ou trabalho análogo à escravidão, significa coisificar o ser
humano em uma relação de trabalho, retirando dele sua dignidade por meio da
privação de liberdade, do endividamento, da coação, da submissão à jornada
extenuante ou a condições de trabalho que firam direitos humanos básicos do
trabalhador”33.
No particular, pertinente mencionar a conjuntura político-social de introdução
da mencionada Lei 10.803/2003, que modificou o art.149, do Código Penal:
No ano de 1994, o Estado brasileiro foi denunciado pelas Organizações não
Governamentais Américas Watch e Centro pela Justiça e o Direito Internacional
(CEJIL) na Corte Interamericana de Direitos Humanos, por graves violações de
direitos humanos, no paradigmático Caso José Pereira, vítima de trabalho escravo,
na Zona Sul do Estado do Pará.
33 CAVALHEIRO, Ruy Fernando Gomes Leme. Procurador do Trabalho. Mestre e Especialista em Direito. Especialista em Filosofia e História da Ciência. Curso Ênfase, regular 2017. Aulas 41 e 42.
37
De acordo com o relatório nº 95/03, do caso 11.289 da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos34, as referidas peticionárias sustentaram que o
Brasil violou os artigos I (direito à vida, à liberdade, à segurança e integridade
pessoal), XIV (direito ao trabalho e a uma justa remuneração) e XXV (direito à
proteção contra a detenção arbitrária) da Declaração Americana sobre Direitos e
Obrigações do Homem (doravante denominada a Declaração); e os artigos 6
(proibição de escravidão e servidão); 8 (garantias judiciais) e 25 (proteção Judicial),
em conjunção com o artigo 1(1), da Convenção Americana sobre Direitos Humanos
(doravante denominada a Convenção).
Aduziu-se na ocasião, que José Pereira, à época com 17 (dezessete) anos de
idade, foi gravemente ferido, e que outro trabalhador rural foi morto quando ambos
tentaram escapar, em 1989, da Fazenda “Espírito Santo”, para onde tinham sido
atraídos com falsas promessas sobre condições de trabalho, e terminaram sendo
submetidos a trabalhos forçados, sem liberdade para sair e sob condições
desumanas e ilegais, situação que sofreram juntamente com 60 outros
trabalhadores dessa fazenda.
Ainda de acordo com o relatório, as peticionárias advogaram que os fatos
denunciados constituem um exemplo da falta de proteção e garantias do Estado
brasileiro, ao não responder adequadamente as denúncias sobre essas práticas
que, segundo elas, eram comuns nessa região, e permitir, de fato, sua persistência.
Alegou-se também desinteresse e ineficácia nas investigações e nos processos
referentes aos assassinos e os responsáveis pela exploração trabalhista.
Em 24 de fevereiro de 1999, a Comissão aprovou um relatório, no qual
declarou o caso admissível e, no mérito, concluiu que o Estado brasileiro era
responsável por violações à Declaração Americana sobre os Deveres e Direitos do
Homem, e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Neste relatório, a
Comissão efetuou recomendações pertinentes ao Estado.
Em 24 de março de 1999, o mencionado relatório foi enviado ao Brasil, com
um prazo de dois meses para que este cumprisse com as respectivas
recomendações formuladas pela CIDH.
34 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório nº 95/03. Caso 11.289 – Solução amistosa José Pereira. Disponível em: <https://cidh.oas.org/annualrep/2003port/Brasil.11289.htm>. Acesso em: 06/01/2018.
38
Em 18 de setembro de 2003, as peticionárias e o Estado brasileiro assinaram
um acordo de solução amistosa, no qual o Estado reconheceu a responsabilidade
internacional e estabeleceu uma série de compromissos relacionados com o
julgamento e punição dos responsáveis. Entre os ajustes, se estabeleceu medidas
pecuniárias de reparação, medidas de prevenção, modificações legislativas,
medidas de fiscalização e punição ao trabalho escravo, e medidas de
conscientização contra o trabalho escravo.
Já à época da denúncia, as peticionarias sustentaram que o caso José
Pereira e de seus companheiros não se tratava de caso isolado. Apontaram que no
biênio 1992-93 (anos imediatamente anteriores à denúncia), a Comissão Pastoral da
Terra (CPT), Organização de direitos humanos da Igreja Católica, registrou 37 casos
de fazendas onde imperava o trabalho em condições de escravidão, que afetavam
31.426 trabalhadores.
Nos termos da denúncia, trabalhadores agrícolas sazonais estão mais
suscetíveis a tais condições de trabalho. Geralmente são recrutados atraídos por
promessas fraudulentas, transportados para fazendas distantes de seu lugar de
residência, retidos contra sua vontade mediante violência e endividamento e
obrigados a trabalhar em condições desumanas. Muitos destes trabalhadores são
agricultores pobres e analfabetos ou “sem terra”, provenientes dos Estados do
Nordeste do Brasil, onde as possibilidades de trabalho são mínimas.
Entre os métodos utilizados apontados no relatório, para privar-lhes
efetivamente a liberdade, lança-se mão da violência pura e simples, mediante um
esquema de endividamento resultante de verdadeira armadilha. Apenas após
chegarem às fazendas constatam que as promessas pré-contratuais são falsas e
que as condições de trabalho não correspondem ao acordado. Além disso, são
informados da condição de devedores pelos gastos efetuados com transporte,
comida e habitação, tanto durante a viagem quanto no seu lugar de trabalho.
Quando descobrem o ardil, já é tarde, pois não podem deixar a fazenda nem deixar
de trabalhar, até que paguem suas “dívidas”. Denunciou-se ameaças de morte aos
que investissem na tentativa de fuga, relatando-se casos de trabalhadores que
trabalhavam sob a mira de pistoleiros armados, sem contar com a estratégica
localização das fazendas, distantes de qualquer tipo de transporte para dificultar
fugas e denúncias.
39
Destacou-se na denúncia a impunidade e cumplicidade do Estado, visto que
apesar de estar aumentando à época as situações de trabalho escravo e as
correspondentes denúncias, nenhum agente de contratação, capataz ou proprietário
de fazendas havia sido condenado apesar da violência extrema que caracterizou
essas violações. Alegaram as peticionantes que era muito comum que os
trabalhadores que tentavam escapar fossem assassinados ou agredidos, e citaram
vários exemplos.
Considerando que o caso José Pereira é ilustrativo de prática mais geral de
trabalho “escravo” ante a omissão estatal em promover garantias judiciais e
segurança no trabalho, o acordo de solução amistosa celebrado em 18 de setembro
de 2003 entre o Estado brasileiro, representado pela Secretaria Especial de Direitos
Humanos da Presidência da República, e as peticionárias, representadas pelo
“Centro pela Justiça e o Direito Internacional/Brasil, e pela Comissão Pastoral da
Terra, impulsionou o Brasil a enfrentar com maior empenho a temática do trabalho
escravo contemporâneo no contexto doméstico.
Outrossim, já partir da denúncia do Estado brasileiro, em 1994, na Corte
Interamericana de Direitos Humanos, verificou-se inovações nas práticas de
enfrentamento no país, adotando-se mecanismos internos legais e administrativos
para prevenção e combate da redução do ser humano trabalhador à condição
análoga à escravidão. Senão vejamos alguns:
Grupo Especial Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e
Emprego (GEFM): criado em 1995, o objetivo do Ministério do Trabalho e Emprego
através desse instrumento, é erradicar o trabalho escravo e degradante, por meio de
ações fiscais coordenadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, nos focos
previamente mapeados. A inspeção do trabalho visa regularizar os vínculos
empregatícios dos trabalhadores encontrados e demais consectários e libertá-los da
condição de escravidão35.
A operação precursora sob a responsabilidade do GEFM foi realizada no
período de 15 a 19 de maio de 1995, em carvoarias do estado do Mato Grosso do
Sul, nos municípios de Ribas do Rio Pardo, Água Clara e Brasilândia. Atuaram
35 MINISTÉRIO DO TRABALHO. Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo. Disponível em: <http://trabalho.gov.br/fiscalizacao-combate-trabalho-escravo>. Acesso em: 13/01/2018.
40
nessa operação auditores fiscais do trabalho, procuradores do Ministério Público do
Trabalho e um rerepresentante da Comissão Pastoral da Terra do estado do Mato
Grosso do Sul. Constatou-se por ocasião da atuação Grupo:
(...) A título de exemplo, tem-se que os trabalhadores laboravam sem o devido registro; sem o fornecimento de alojamentos, sendo obrigados a manter moradia em "barracos de lona; sem instalações sanitárias, fazendo as necessidades básicas de excreção no mato, ao redor do acampamento; sem água potável". Em decorrência dessa constatação, foram lavrados 81 autos de infração e expedidas notificações para que os empregadores autuados regularizassem as situações dos trabalhadores36. Original sem destaque.
A constituição do GEFM no combate à degradância e indignidade nas
relações de trabalho representou um avanço nas políticas públicas afetas à matéria,
considerando-se especialmente que no contexto em que se estabeleceu (1995), a
noção de trabalho escravo era limitada à impossibilidade física de locomoção com
escoro na originária redação do art.149, do Código Penal.
O dispositivo supra não incluía em seus núcleos o trabalho forçado, jornada
exaustiva, condições degradantes e restrição de locomoção em razão de dívida
contraída com o empregador ou preposto, como formas de "trabalho escravo",
noções introduzidas no ordenamento somente em 2003, com o advento da Lei
10.803/2003, conforme oportunamente explanado.
Promulgação da Lei 9.777/98 que alterou o art.203 do Código Penal: a
inovação legislativa agravou o preceito secundário do tipo penal “Frustrar, mediante
fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho”, capitulado nos
Crimes contra a Organização do Trabalho, atribuindo pena de “detenção de um ano
a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência”.
Ademais, acrescentou os §§1º e 2º no dispositivo, nestes termos:
(...) § 1º Na mesma pena incorre quem:
I - obriga ou coage alguém a usar mercadorias de determinado estabelecimento, para impossibilitar o desligamento do serviço em virtude de dívida;
36 LYRA, Alexandre Rodrigo T. da C. O enfrentamento do trabalho em condição análoga à de escravo. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142014000200015>. Acesso em: 20/01/2018.
41
II - impede alguém de se desligar de serviços de qualquer
natureza, mediante coação ou por meio da retenção de seus documentos pessoais ou contratuais. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.
Proposta de Emenda Constitucional 438 do Trabalho Escravo (2001):
apresentada pelo Senado Federal em 01 de novembro de 2001, foi transformada na
Emenda Constitucional 81 de 05 de junho de 2014 e conferiu nova redação ao
art.243 da Constituição Federal, que dispõe sobre a expropriação de imóveis onde
forem localizados a exploração de trabalho escravo, na forma da lei.
Nos termos do aludido dispositivo constitucional:
(...) “as propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei”.
O fundamento para alteração constitucional assenta-se na função social da
propriedade, direito fundamental do Estado Democrático de Direito, nos termos do
art. 5º, XXIII, da CF/88.
Com base nessa premissa, a propriedade privada não pode ser utilizada
como instrumento de opressão e submissão de pessoas para aumentar
competitividade e obtenção de lucro.
O trabalho em condições análogas à escravidão é, como exaustivamente
exposto, grave violação de direitos humanos, e o confisco da propriedade onde
ocorre esse crime é medida que concorre para o combate de todas as formas de
escravidão de sua configuração.
42
Segundo dados do Portal do Ministério Público do Trabalho37, a constatação
de trabalho forçado em propriedade fiscalizada e o consequente desvirtuamento da
função social da propriedade desencadeiam processos de desapropriação do imóvel
pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), observadas as
Portarias nº 101, de 12/1/96, do MTE, a Lei nº 8.629/93 e a Lei Complementar nº 76,
de 6/6/93.
Os responsáveis pela exploração são demandados na Justiça do Trabalho
para ressarcimento dos danos aos trabalhadores e pagamento das verbas
contratuais. Também podem ser acionados na esfera criminal pelo Ministério Público
Federal ou pelo Ministério Público Estadual. A possibilidade está prevista no artigo
149 (reduzir alguém à condição análoga a de escravo – pena de reclusão de dois a
oito anos), no artigo 197 e seguintes, especialmente os artigos 203 e 207 (crimes
contra organização do trabalho), todos do Código Penal.
Extensão do seguro-desemprego aos resgatados em situação análoga à
escravidão (2002):
Previsto pela Lei n.10.608, de 20 de dezembro de 2002, que inseriu na Lei do
Seguro-Desemprego, Lei n.7.998/1990, o Art. 2º-C, que dispõe sobre a extensão do
benefício aos trabalhadores resgatados (submetidos ao "trabalho escravo" e
afastados do ambiente pela intervenção da Inspeção do Trabalho). Nos termos da
norma:
Art. 2º-C - O trabalhador que vier a ser identificado como submetido a regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo, em decorrência de ação de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego, será dessa situação resgatado e terá direito à percepção de três parcelas de seguro-desemprego no valor de um salário mínimo cada, conforme o disposto no § 2º deste artigo.
O direito conferido pela legislação compõe o conjunto de políticas para
reinserção social dos trabalhadores resgatados da condição análoga de escravos,
em situação de alta vulnerabilidade socioeconômica. A medida concorre, outrossim,
para romper o ciclo vicioso do trabalhado escravo contemporâneo que, não raro,
37 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Trabalho escravo. Disponível em: <http://portal.mpt.mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/area-atuacao/trabalho+escravo>. Acesso em: 30/01/2018.
43
envolve as seguintes etapas: aliciamento e migração; trabalho escravo; fuga ou
fiscalização liberatória; pagamento de direitos; vulnerabilidade socioeconômica e;
sujeição para o retorno de aliciamento e migração38.
Plano nacional para a erradicação do trabalho escravo: vigora desde 2008
o 2º Plano, tendo sido o primeiro formulado em 2003. Trata-se de documento
elaborado pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana (CDDPH), constituída pela Resolução 05/2002 do CDDPH e que reúne
esforços de entidades e autoridades nacionais ligadas ao tema. O Plano Nacional
para a Erradicação do Trabalho Escravo atende às determinações do Plano
Nacional de Direitos Humanos e expressa uma política pública de Estado,
permanente que deverá ser fiscalizada por um órgão ou fórum nacional dedicado à
repressão do trabalho escravo39
Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo: criada pelo
Decreto sem número, de 31 de julho de 2003. É vinculada à Secretaria de Direitos
da Presidência da República, cujo objetivo é coordenar e avaliar a implementação
das ações previstas no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.
Também compete à Comissão acompanhar a tramitação de projetos de lei no
38 YOUTUBE. Ciclo do trabalho escravo contemporâneo. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=OWFQRQ1GTpE>. Acesso em 20/01/2018. 39 MINISTÉRIO DO TRABALHO. Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em: <http://trabalho.gov.br/fiscalizacao-combate-trabalho-escravo/plano-nacional-para-erradicacao-do-trabalho-escravo>. Acesso em 21/01/2018.
44
Congresso Nacional e avaliar a proposição de estudos e pesquisas sobre o trabalho
escravo no país40.
Sem embargo das mencionadas normas implementadas no ordenamento
pátrio com escopo no combate e prevenção ao trabalho em condições análogas à
escravidão, a celebração do acordo de solução amistosa, celebrado em 18 de
setembro de 2003 entre o Estado brasileiro e a Corte Interamericana de Direitos
Humanos, potencializou a criação de novos instrumentos jurídicos, ilustrativamente a
seguir aduzidos.
Cadastro de Empregadores que tenham Submetido Trabalhadores a
Condições Análogas às de Escravo – Lista Suja do Trabalho Escravo (2004):
considerando que o combate às formas de escravidão contemporânea são de
interesse prioritário enquanto política de Estado e que o ordenamento jurídico
brasileiro proíbe a escravidão sob todas as suas formas, inclusive com repressão
criminal, o cadastro objetiva dar publicidade aos nomes de empregadores infratores,
traduzindo-se em importante mecanismo de combate ao trabalho escravo, de cunho
preventivo e moralizante.
A publicidade dos infratores desse direito, é, outrossim, como bem aponta a
Recomendação nº2, de 10 de março de 2017, do Conselho Nacional dos Direitos
Humanos, instrumento de enfrentamento ao desempenho de qualquer trabalho
análogo à escravidão, na medida em que funciona como meio de denúncia de
violações de direitos humanos, impacta na imagem reputacional dos empregadores
que se beneficiam dessa prática de concorrência desleal, diretamente e ao longo de
suas respectivas cadeias produtivas, atingindo suas relações comerciais e de
investimento, além de incentivar o consumo consciente41;
Salienta-se que a inclusão do empregador na Lista Suja do Trabalho Escravo
é posterior à oportunidade de exercício do contraditório e ampla defesa, de sorte que
somente após o esgotamento do processo na via administrativa sem êxito na
pretensão do empregador, é que haverá a publicidade no cadastro. 40 MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS. Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em: <http://www.mdh.gov.br/assuntos/conatrae/programas/comissao-nacional-para-a-erradicacao-do-trabalho-escravo>. Acesso em: 21/01/2018. 41 MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS. Recomendação nº 2, de 2017. Disponível em: <http://www.mdh.gov.br/sobre/participacao-social/cndh/recomendacoes-1/recomendacao-cndh-02-2017/view>. Acesso em: 21/01/2018.
45
Neste sentido, preconiza o art.2º da Portaria Interministerial do Ministério do
Trabalho e Emprego nº 02 de 12 de maio de 2011;
Art. 2º - A inclusão do nome do infrator no Cadastro ocorrerá após decisão administrativa final relativa ao auto de infração, lavrado em decorrência de ação fiscal, em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo42.
Isso posto, considerando que o combate à prática de todas as formas
análogas à escravidão exige um esforço conjugado de toda sociedade, legítimo que
esta tenha conhecimento dos resultados das fiscalizações e dos respectivos
infratores.
Ademais, as ações de resgate de trabalhadores submetidos a condições que
configuram escravidão moderna desenvolvem-se por meio de procedimentos
administrativos, regidos, em regra, pelas normas constitucionais da moralidade e
publicidade, nos termos do art.37, caput, da CF.
Ainda com assento na Constituição da República, o acesso à informação é
direito fundamental, consoante preconiza o art.5º, inciso XXXIII. Aduz o dispositivo
que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob
pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à
segurança da sociedade e do Estado”43.
A garantia de obtenção das informações não apenas para interesse particular,
mas, ainda, para o coletivo ou geral, traduz-se em instrumento de garantia de defesa
da cidadania, amparada no Estado Democrático de Direito (art.1º, caput, CF).
A Lei 12.527/2011 regulamenta o acesso a informações previsto no inciso
XXXIII do art. 5º, da CF, dispondo em seu art.1º, parágrafo único, inciso I, que os
órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo,
Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público,
subordinam-se ao regime desta Lei, evidenciando de maneira cristalina que os atos
Ministeriais estão abrangidos pelo seu alcance.
42 NORMAS LEGAIS. Portaria Interministerial MTE/SEDH nº 2, de 2011. Disponível em: <http://www.normaslegais.com.br/legislacao/portariainter_mtesedh02_2011.htm>. Acesso em: 21/01/2018. 43 PLANALTO. Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21/01/2018.
46
Interessante destacar que nos termos da referida Lei, a observância do
princípio da publicidade é regra que se impõe, sendo diretriz da norma a divulgação
de informações de interesse público, independentemente de solicitações. Vejamos:
(...) Art. 3º - Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes: I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública; V - desenvolvimento do controle social da administração pública44. Original sem grifos.
Demais disso, nos termos do art.6º, inciso I, da mesma Lei 12.527/11, cabe
aos órgãos e entidades do poder público assegurar a “gestão transparente da
informação, propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação”.
Outrossim, o art.7º, II complementa, determinando que o acesso à informação
de que dispõe a Lei, inclui o direito de “obter informação contida em registros ou
documentos, produzidos ou acumulados por seus órgãos ou entidades, recolhidos
ou não a arquivos públicos”.
Este direito também compreende a informação relativa à “implementação,
acompanhamento e resultados dos programas, projetos e ações dos órgãos e
entidades públicas, bem como metas e indicadores propostos” e; “ao resultado de
inspeções, auditorias, prestações e tomadas de contas realizadas pelos órgãos de
controle interno e externo, incluindo prestações de contas relativas a exercícios
anteriores” (art.7º, VII, “a” e “b”). Original sem grifos.
Por derradeiro, convém destacar que a Lei em comento, dada a relevância
acerca do tema, repisa no art.8º, a diretriz delineada no art.3º, II, no sentido de que a
44 PLANALTO. Lei nº 12.527, de 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em 21/01/2018.
47
divulgação da informação por órgãos da administração pública é regra que se
impõe, independentemente de solicitação. Senão, vejamos:
“Art. 8º - É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas”. Original sem grifos.
Posto isto, a divulgação do cadastro de empregadores que tenham submetido
trabalhadores a condições análogas às de escravo é medida que se impõe em um
Estado Democrático de Direito, vez que a busca pela real liberdade do ser humano
trabalhador passa pela repressão ao ilícito através dos mais variados instrumentos
ao alcance do Poder Público.
Formalização do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo
(2005): voltado para gestão empresarial das cadeias produtivas, traduz-se no
compromisso assumido por empresas brasileiras e multinacionais de não contratar
com quem explora o trabalho escravo.
Composto pelo Instituto Ethos, o Instituto Observatório Social (IOS), a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a ONG Repórter Brasil, o acordo que
visa repelir a utilização de qualquer trabalho escravo na cadeia produtiva de
produtos e serviços, pune os signatários descumpridores dos compromissos, sendo
as empresas publicamente afastadas, além de sujeição a sanções comerciais45.
Em 2013, visando o melhor gerenciamento, fortalecimento e expansão do
acordo, o Comitê Gestor do Pacto criou o Instituto Pacto Nacional pela Erradicação
do Trabalho Escravo - InPACTO.
Quanto à adesão, no início de 2014, o Pacto já contava com mais de 400
signatários que assumiram o compromisso de cortar relações comerciais com
agentes econômicos envolvidos na exploração criminosa de mão de obra escrava e,
juntos, representavam mais de 35% do PIB brasileiro46.
45 SENADO FEDERAL. Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em: <https://www.senado.gov.br/noticias/Jornal/emdiscussao/trabalho-escravo/ongs-contra-o-trabalho-escravo/pacto-nacional-pela-erradicacao-do-trabalho-escravo.aspx>. Acesso em: 18/02/2018. 46 ETHOS. Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em: <https://www3.ethos.org.br/conteudo/projetos/apoiados/pacto-nacional-pela-erradicacao-do-trabalho-escravo/#.Wol9F66nHIU>. Acesso em: 18/02/2018.
48
Todas essas medidas administrativas demonstram o empenho do Estado
brasileiro na prevenção e combate a todas as formas de escravidão contemporânea,
após, pela primeira vez reconhecer expressamente a existência de trabalho escravo
em seu território, no processo junto à Comissão Interamerica de Direitos Humanos,
na solução amistosa no Caso José Pereira.
As medidas concorrem para superação do crime do emprego de mão de obra
escrava, porém, cabe às autoridades, articuladas com todos os atores sociais
envolvidos com a questão, buscar a efetivação de tais instrumentos para que o
Brasil deixe de figurar como telespectador da ocorrência desta prática criminosa
essencialmente violadora dos direitos humanos.
49
2. DA ATUAÇÃO DE ÓRGÃOS ESTATAIS AUTÔNOMOS E GOVERNAMENTAIS
NO COMBATE A TODAS AS FORMAS DE ESCRAVIDÃO MODERNA
2.1 Da Atuação do Ministério Público do Trabalho
O Ministério Público é órgão extrapoder, de natureza constitucional que
compõe a estrutura organizacional do Estado, definido como instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe precipuamente a defesa
da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis (CF/1988, art.127).
Possui independência funcional e administrativa (CF/1988, art.127, §2º), além
da unidade, indivisibilidade e independência funcional, como princípios norteadores
de sua atuação (CF/1988, art.127, §1º).
Quanto ao escopo maior da instituição, oportuno o magistério de Celso Ribeiro
Bastos citado por Carlos Henrique Bezerra Leite47:
O Ministério Público tem a sua razão de ser na necessidade de ativar o Poder Judiciário, em pontos em que este remanesceria inerte porque o interesse agredido não diz respeito a determinadas pessoas, mas a toda coletividade. Mesmo com relação aos indivíduos, é notório o fato de que a nossa ordem jurídica por vezes lhe confere direitos sobre os quais não podem dispor. Surge daí a clara necessidade de um órgão que zele tanto pelos interesses da coletividade quanto pelos dos indivíduos, estes apenas quando indisponíveis. Trata-se, portanto, de instituição voltada ao patrocínio desinteressado de interesses públicos, assim como de privados, quando merecem especial tratamento do ordenamento jurídico. (original sem destaque).
No que se refere à organização interna do Ministério Público, meramente
administrativa e não orgânica, tem-se que o Ministério Público da União
compreende: a) o Ministério Público Federal; b) o Ministério Público do Trabalho; c)
o Ministério Público Militar; d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; e
os Ministérios Públicos dos Estados (CF/1988, art.128).
47 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 34.
50
De especial relevância aos objetivos deste trabalho, o Ministério Público do
Trabalho - MPT é ramo especializado do Ministério Público da União e funciona
processualmente nas causas de competência da Justiça do Trabalho.
Quantos às formas de atuação do MPT, são inúmeras suas atribuições, sendo,
entretanto, possível, sintetizar duas frentes: a atuação judicial e a atuação
extrajudicial (esfera administrativa).
A LC 75/93, que dispõe sobre a organização e atribuições do Ministério Público
da União, dedica o capítulo II do Título II ao Ministério Público do Trabalho, dispondo
entre outras previsões, a delimitação específica da atuação do MPT no âmbito
judicial, consoante art.83.
Em sua atuação judicial, o Ministério Público do Trabalho poderá fazê-lo na
condição de parte (órgão agente), ou de fiscal da ordem jurídica (custos legis ou
órgão interveniente). Como órgão agente destaca-se sua atuação na ação civil
pública, a ação civil, a ação anulatória de cláusulas de contrato, acordo coletivo ou
convenção coletiva, a ação rescisória e o dissídio coletivo no caso de greve em
atividades essenciais lesivas ao interesse público.
Já na esfera extrajudicial, o órgão ministerial pode promover a abertura de
inquérito civil, seu principal instrumento investigatório, instituído pela Lei 7.347/85
(Lei da Ação Civil Pública), assim como, o entabulamento de TAC’s - Termos de
Ajustamento de Conduta, para adequação da conduta de infratores.
Entretanto, de rigor mencionar que o entendimento que prevalece
doutrinariamente é que a referida divisão na atuação judicial ministerial é meramente
didática, dado que a partir das Leis Complementares 73/93 e 75/93 o Ministério
Público volta-se indistintamente à defesa de interesses indisponíveis do indivíduo e
da sociedade e ao zelo dos interesses sociais, coletivos e difusos, vedada sua
atuação fora da vocação institucional48.
Entre as principais áreas de atuação institucional do MPT em defesa da
ordem jurídico-trabalhista, o órgão tem priorizado a erradicação do trabalho escravo
ou forçado, tendo sido criada por meio da Portaria PGT n.231/2002 de 12 de
setembro de 2002, a Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo –
CONAETE, que tem como objetivo integrar as Procuradorias Regionais do Trabalho
48 MAZZILI, Hugo Nigro citado em LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prática. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 119.
51
em plano nacional, uniforme e coordenado, para o combate ao trabalho escravo,
fomentando a troca de experiências e discussões sobre o tema, bem como a
atuação ágil onde necessária se faça a presença do Ministério Público do Trabalho.
As principais áreas de atuação da Coordenadoria são: combate ao trabalho
em condições análogas às de escravo; investigações de situações nas quais os
obreiros são submetidos a trabalho forçado; servidão por dívidas; jornadas
exaustivas e condições degradantes de trabalho - alojamento precário, água não
potável, alimentação inadequada, desrespeito às normas de segurança e saúde do
trabalho, falta de registro, maus tratos e violência49.
Visando conferir efetividade ao planejamento de atuação uniforme e
harmoniosa, a CONAETE formula Orientações, seis até a conclusão do presente
estudo, das quais três especialmente, determinam a definição, alcance e
interpretação dos tipos penais arrolados pelo art.149 do Código Penal, referentes à
condição análoga à de escravo; jornada exaustiva e condições degradantes de
trabalho. Vejamos o teor das mencionadas Orientações50:
ORIENTAÇÃO N.03: “Jornada de trabalho exaustiva é a que, por circunstâncias de intensidade, frequência, desgaste ou outras, cause prejuízos à saúde física ou mental do trabalhador, agredindo sua dignidade, e decorra de situação de sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante a sua vontade”.
ORIENTAÇÃO N.04: “Condições degradantes de trabalho são as que configuram desprezo à dignidade da pessoa humana, pelo descumprimento dos direitos fundamentais do trabalhador, em especial os referentes a higiene, saúde, segurança, moradia, repouso, alimentação ou outros relacionados a direitos da personalidade, decorrentes de situação de sujeição que, por qualquer razão, torne irrelevante a vontade do trabalhador”.
ORIENTAÇÃO N.05: “Trabalho em condições análogas às de escravo. Violação à dignidade da pessoa humana e ao patrimônio ético-moral da sociedade, ensejando danos morais individuais e coletivos. Responsabilização do explorador. A exploração do trabalho em condições análogas às de escravo ofende não somente a direitos individuais do lesado, mas também e, fundamentalmente, aos
49 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Trabalho escravo. Disponível em: <http://portal.mpt.mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/area-atuacao/trabalho+escravo>. Acesso em: 30/01/2018. 50 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Portaria nº 231, 2002. Disponível em: <http://portal.mpt.mp.br/wps/wcm/connect/portal_mpt/e346715f-5885-48a0-af9c-3800148803ba/Orienta%C3%A7%C3%B5es+-+Conaete.pdf?MOD=AJPERES&CVID=lTxWe4j>. Acesso em 03/03/2018.
52
interesses difusos de toda a sociedade brasileira. Tratando-se de grave violação à dignidade da pessoa humana e ao patrimônio ético-moral da sociedade, o Membro do Ministério Público Trabalho, observadas as peculiaridades do caso concreto, promoverá a responsabilização do explorador mediante a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta e /ou a propositura de Ação Civil Pública, ambos os instrumentos contendo obrigação de ressarcimento dos danos morais individuais e/ou coletivos”.
Outrossim, a atuação coordenada inclui a participação do MPT nos grupos
móveis, GEFM – Grupo Especial de Fiscalização Móvel, ligado à Secretaria de
Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Emprego, oportunamente
referenciado neste trabalho no tema atinente às ações governamentais de combate
e prevenção às condições análogas à escravidão após denúncia do Estado
brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em 1992, em razão a
graves violações de direitos humanos no caso José Pereira, vítima de trabalho
escravo.
Acerca da atuação nos grupos móveis, a CONAETE formulou a Orientação
n.01, que dispõe no seguinte sentido:
ORIENTAÇÃO N. 01: “Os Membros do Ministério Público do Trabalho, quando participarem de operações para erradicação do trabalho escravo, deverão atuar de forma coordenada com os demais parceiros, realizando prévia reunião com os representantes dos demais órgãos para definição das prioridades, da forma de abordagem, das atribuições, da divulgação de informações e demais procedimentos a serem adotados na operação”.
A atuação interdisciplinar dos grupos móveis prevê a participação de
diferentes órgãos e instituições públicas e privadas que convergem para a meta
central de extirpar da realidade sociolaboral brasileira a odiosa prática de submeter
trabalhadores a mais vil forma de apropriação do labor humano consubstanciada na
escravidão moderna.
Além da atuação dos procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT)
no GEFM, destaca-se a atuação dos auditores fiscais do trabalho, que coordenam
as operações de campo, agentes e delegados da Polícia Federal (PF) e da Polícia
Rodoviária Federal e membros da Defensoria Pública da União.
53
Sem embargo da proteção trabalhista, face à interdisciplinaridade dos Grupos
decorrente de sua atuação conjunta, a ação de fiscalização ocasiona para os
infratores consequências que ultrapassam a dinâmica sociolaboral, alcançando
eventualmente, os planos civil, administrativo e criminal.
Nisso, de rigor trazer à baila o desempenho do MPT na promoção de Termos
de Ajustamento de Condutas – TAC’s e ajuizamento das ações de tutela coletiva.
2.2 Da Atuação do Ministério do Trabalho e Emprego
No âmbito governamental, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel constitui
relevante instrumento, ocupando papel destacado no reconhecimento do Brasil
como referência na repressão contra a utilização de mão de obra escrava junto à
Organização Internacional do Trabalho.
Na estrutura organizacional do MTE51, a Secretaria de Inspeção do Trabalho
(SIT/MTE) recebe denúncias por meio de uma rede institucional de parceiros e, com
base nelas, o GEFM conduz operações sigilosas de fiscalização, que são realizadas
majoritariamente no meio rural.
Verificada situação de submissão à condição análoga à de escravo, opera-se
o resgate dos trabalhadores com objetivo principal de assegurar sua segurança e
seus direitos trabalhistas.
Além da eventual responsabilização nas respectivas esferas jurídicas, o MTE
maneja ainda, o Cadastro de Empregadores Infratores, também conhecido como
“Lista Suja”, oportunamente destacado no corpo deste trabalhado quando da
abordagem das medidas adotadas pelo Brasil após denúncia junto à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos.
Com efeito, tanto o GEFM, como o cadastro de empregadores
consubstanciado na referida Lista, são medidas resultantes do reconhecimento
oficial do Governo Brasileiro da existência de trabalho em condições análogas à
escravidão em seu território.
51 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. As boas práticas da inspeção do trabalho no Brasil: a erradicação do trabalho análogo ao de escravo. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/labour_inspection/pub/trabalho_escravo_inspecao_279.pdf>. Acesso em: 12/03/2018.
54
Outrossim, apenas para fins de registro e sem a pretensão de
aprofundamento da temática, vale ressaltar que as medidas governamentais
voltadas para a questão social do trabalho escravo não se restringem às sobreditas
práticas de inspeção.
Em suma, vale destacar a evolução cronológica de diversos outros
instrumentos normativos instituídos para o fortalecimento do processo de combate
às formas contemporâneas de escravidão, mencionados em publicação da OIT, em
2010, produzida no âmbito da cooperação técnica entre a Organização Internacional
do Trabalho (OIT) e a Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) 52.
Especificamente quanto ao Plano Nacional para Erradicação do Trabalho
Escravo, o presente documento foi elaborado pela Comissão Especial do Conselho
de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), constituída pela Resolução
05/2002 do CDDPH e que reúne entidades e autoridades nacionais atuantes na
temática. O Plano atende às determinações do Plano Nacional de Direitos Humanos
e expressa uma política pública permanente, tendo sua execução monitorada pela
Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE).53
52 1957: Ratificação pelo Brasil da Convenção nº. 29 sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório (1930) da OIT; 1965: Ratificação pelo Brasil da Convenção nº 105 sobre a Abolição do Trabalho Forçado (1957) da OIT; 1975: Criação da Comissão Pastoral da Terra e com isso, intensificação das primeiras denúncias sobre a existência de trabalho escravo no Brasil; 1995: O governo brasileiro reconhece a existência do trabalho escravo no país; 1995: Criação do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (GERTRAF), juntamente com o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM); 2002: Início da execução do Projeto de cooperação técnica “Combate ao Trabalho Forçado no Brasil”, da Organização Internacional do Trabalho; 2003 (março): Lançamento, pelo Presidente da República, do Primeiro Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, elaborado pela Comissão Especial do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH); 2003 (julho) – Criação da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE); 2003 (setembro): Acordo de Solução Amistosa entre o Estado Brasileiro, representado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, e as peticionárias, representadas pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional, CEJIL-Brasil e a Comissão Pastoral da Terra; 2003 (dezembro): Alteração do artigo 149 do Código Penal Brasileiro, que tipifica o crime de reduzir trabalhador (a) à condição análoga à de escravo; 2004: Criação do Cadastro de Empregadores Infratores (portaria 540/2004 MTE); Constituída pela Resolução no. 05/2002 do CDDPH; 2005: Acordo de cooperação técnica firmado entre o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, com o objetivo de priorizar a inserção de trabalhadores resgatados no Programa Bolsa Família; 2008: Segundo Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, elaborado pela CONATRAE. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. As boas práticas da inspeção do trabalho no Brasil: a erradicação do trabalho análogo ao de escravo. Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/labour_inspection/pub/trabalho_escravo_inspecao_279.pdf>. Acesso em: 12/03/2018. 53 MINISTÉRIO DO TRABALHO. Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em: <http://trabalho.gov.br/fiscalizacao-combate-trabalho-escravo/plano-nacional-para-erradicacao-do-trabalho-escravo>. Acesso em 21/01/2018.
55
Ademais, diversas outras iniciativas são desenvolvidos no âmbito
governamental54, destacando-se ilustrativamente nesta seara:
O Cadastro de Empregadores, oportunamente referenciado;
O Termo de Cooperação do Trabalho Escravo de 08/11/1994, resultante da
conjugação de esforços entre o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), o
Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a
Secretaria de Polícia Federal (SPF), com a finalidade de prevenção, repressão e
erradicação de práticas de trabalho forçado, de trabalho ilegal de crianças e
adolescentes, de crimes contra a organização do trabalho e de outras violências aos
direitos à saúde dos trabalhadores, especialmente no ambiente rural.
A sistematização e compilação de Resultados das Operações de Fiscalização
para Erradicação do Trabalho Escravo, cujos dados referentes ao ano de 2016,
atualizados até 13/03/2017, apontam, nos diferentes Estados do Brasil, 115
operações de fiscalização, 191 estabelecimentos inspecionados, 576 contratos de
trabalho formalizados no curso das ações fiscais, 885 trabalhadores resgatados de
condições análogas de escravo, R$ 2.807.347,19 (dois milhões, oitocentos e sete
mil, trezentos e quarenta e sete reais e dezenove centavos) em pagamentos de
indenizações, resultantes de 2.366 autos lavrados55.
De notar com o panorama institucional, a preocupação estatal com a defesa e
proteção do trabalhador em face de sua utilização como mero instrumento na busca
incessante de lucros pelo capital.
Assiste-se uma mudança de paradigma no perfil nas políticas públicas, que a
partir de provocações da comunidade internacional, buscam posicionar a dignidade
do ser humano trabalhador no centro da dinâmica sociolaboral, concretizando
através de diversas medidas o princípio fundante e axiológico do ordenamento
pátrio, traduzido na dignidade humana.
Em arremate, oportuno repisar que o ser humano é um fim em si mesmo e
jamais um meio para atingir determinado fim, repelindo-se com escoro em tal
premissa toda e qualquer forma de coisificação do trabalhador.
54 MINISTÉRIO DO TRABALHO. Resultados das Operações de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em: <http://trabalho.gov.br/fiscalizacao-combate-trabalho-escravo/resultados-das-operacoes-de-fiscalizacao-para-erradicacao-do-trabalho-escravo>. Acesso em: 15/03/2018. 55 Idem.
56
Com assento nesse pressuposto dever-se-ia se consolidar todas as medidas
estatais de prevenção e combate ao trabalho em condições análogas à escravidão,
de sorte a prestigiar o princípio do não retrocesso social e sempre com vistas a
adaptar o direito ao ser humano e não o ser humano ao direito.
2.3 Da Atuação da Defensoria Pública da União
A Defensoria Pública da União é órgão com previsão constitucional destacada
como função essencial à Justiça, ao lado do Ministério Público e da Advocacia
Pública56.
A instituição é organizada pela LC 80/1994, tendo sua autonomia funcional e
administrativa, assim como iniciativa de sua proposta orçamentária, conferida pela
Emenda Constitucional 74/2013.
Considerando que trabalho escravo não é apenas desrespeito às leis
trabalhistas, mas, sobretudo, grave violação aos direitos humanos, seja na área
rural, seja nas cidades, a DPU milita na temática da escravidão moderna,
participando de vários comitês de combate ao trabalho escravo no país,
concretizando sua atuação por meio do Grupo de Trabalho (GT) de Assistência às
Trabalhadoras e Trabalhadores Resgatados de Situação de Escravidão,
destacando-se ilustrativamente entre as metas do Grupo, a promoção da assistência
aos resgatados; acompanhamento nas ações de fiscalização; estabelecimento de
medidas de prevenção e enfrentamento da questão e fomento do trabalho em rede
integrada 57.
56 Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014). PLANALTO. Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21/01/2018. 57 Art. 3°. Além das atribuições previstas no art. 2º, caberá aos Grupos de Trabalho: V – Ao Grupo de Trabalho de Assistência as Trabalhadoras e Trabalhadores Resgatados de Situação de Escravidão: 1. promover a assistência aos trabalhadoras e trabalhadores resgatados de situação de escravidão; 2. acompanhar as ações de fiscalização do trabalho escravo organizadas em parcerias com outros órgãos e implantar busca ativa de assistência jurídica de trabalhadoras e trabalhadores resgatados de situação de escravidão, afastando-se, na hipótese de trabalho escravo, qualquer restrição ao atendimento de demandas trabalhistas por parte da Defensoria Pública da União, como a prevista na Portaria nº 001/07/DPGU;
57
No trabalho de fiscalização, objetiva-se assegurar a rescisão trabalhista e
indenização por dano moral, entre outras medidas reparatórias. A instituição também
atua na assistência pós-resgate, prevenindo a chamada revitimização, quando o
trabalhador, em razão de sua vulnerabilidade social, retoma o ciclo do trabalho
escravo supramencionado (vulnerabilidade socioeconômica; aliciamento e migração;
trabalho escravo; fuga ou fiscalização e libertação; pagamento de direitos;
vulnerabilidade socioeconômica).
Quanto à atuação em rede, durante as operações coordenada com os demais
órgãos públicos envolvidos, busca-se efetivar assistência às vítimas resgatadas com
atendimento interdisciplinar e integrado, considerando que atendimentos pontuais e
paliativos repercutem em menor escala no processo de superação da
vulnerabilidade vivenciada pelas vítimas.
Como referência ilustrativa, a unidade da Defensoria Pública da União em
São Paulo, a partir de 2010 passou a acompanhar ações de fiscalização do MTE.
Neste mister,
(...) a DPU atuou na orientação e assistência jurídica a vítimas resgatadas de exploração de trabalho escravo urbano no ramo da confecção têxtil, em operações de fiscalização envolvendo as empresas e/ou marcas Pernambucanas, Marisa, Collins, Zara, Talita Kume, GEP, Le Lis Blanc, M.Officer, Seiki, Unique Chic, Atmosfera S/A e Renner. As atuações envolveram desde acompanhamento de rescisões trabalhistas, regularização migratória das vítimas, celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com as empresas contratadas, ajuizamento de ações individuais e coletivas perante a Justiça do Trabalho e participação dos processos criminais na qualidade de assistente de acusação. Na Bahia, em 2014, a DPU atuou na defesa das vítimas resgatadas de condições de escravidão em cruzeiros de navios da MSC. No Rio de Janeiro, em 2015, foram
3. identificar dificuldades políticas e processuais à prevenção e enfrentamento do trabalho escravo com objetivo de propor e debater soluções; 4. mapear os procedimentos judiciais em que se debate a temática do trabalho escravo ou a condenação de pessoas físicas ou jurídicas sobre o tema, seja em sede de tutela individual ou coletiva; 5. monitorar os casos relacionados a trabalho escravo em trâmite na DPU e consolidar os dados necessários a subsidiar políticas públicas visando à erradicação do trabalho escravo; 6. fomentar a integração da Defensoria Pública da União às redes e promover à representação a Defensoria Pública da União na Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE) e demais órgãos colegiados de enfrentamento do trabalho escravo e promoção do trabalho decente; 7. Fomentar a coordenar a participação da Defensoria Pública da União nos comitês estaduais de erradicação do trabalho escravo; DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. Portaria GABDPGF DPGU nº 200, de 2018. Disponível em: <http://www.dpu.def.br/images/stories/Infoleg/2018/03/13/PORTARIA_200.pdf>. Acesso em: 16/03/2018.
58
prestadas orientações e assistência jurídica às vítimas resgatadas de exploração de trabalho escravo de chineses em pastelarias58.
No âmbito político institucional, DPU participa da Comissão Nacional e
Estaduais pela Erradicação do Trabalho Escravo.
No tocante à abrangência de sua atuação, a DPU é incumbida de patrocinar
os interesses das vítimas de exploração de trabalho escravo, nas esferas criminal,
administrativa e trabalhista, sendo que nesta última seara, o permissivo normativo
para atuação decorre do disposto no art.14 da LC 80/94 c/c o art.3º, V, da Portaria
GABDPGF DPGU nº 200/2018 (conforme nota de rodapé 56), que afasta qualquer
restrição ao atendimento de demandas trabalhistas na hipótese de trabalho escravo.
No campo criminal, a defesa dos interesses das vítimas de exploração de
trabalho escravo, permite a participação da DPU no processo na qualidade de
assistente de acusação, conforme art. 268, do Código de Processo Penal (CPP). A
par disso, a Lei 11.719/2008, que conferiu nova redação ao art. 387, IV59, estabelece
competência ao juiz criminal para, na sentença penal condenatória, fixar o valor
mínimo para reparação ao ofendido, antes restrito ao âmbito da ação civil ex delicto.
De notar, a especial relevância da normativa na responsabilização dos infratores.
Nisso, oportuno mencionar ainda, que a competência para processar e julgar
o crime de redução a condição análoga à de escravo, delineado no art.149 do
Código Penal, é, de acordo com entendimento do Supremo Tribunal Federal (RE
459510/MT – 26/11/2015), da Justiça Federal, por tratar-se de delito que ultrapassa
a esfera da liberdade individual, situando-se nos crimes contra a organização do
trabalho.
58 SEVERO, Fabiana Galera. A Atuação da Defensoria Pública da União na Defesa das Vítimas de Trabalho Escravo. Disponível em: <http://www.dpu.def.br/images/esdpu/jornaldpu/edicao_4/Artigo_5_-_A_atuação_da_Defensoria_Pública_da_União_na_defesa_das_vítimas_de_trabalho_escravo.pdf>. Acesso em 16/03/2018. 59 (...) Art. 268. Em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal, ou, na falta, qualquer das pessoas mencionadas no Art. 31; (...) Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: IV - fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido; (Redação dada pela Lei nº 11.719, de 2008). PLANALTO. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em 16/03/2018.
59
Para Defensora Pública Federal em São Paulo/SP, integrante do GT
Erradicação do Trabalho Escravo, Fabiana Galera Severo60, na versão
contemporânea, a escravidão está associada a uma determinada opção de
acumulação capitalista, que se vale da máxima exploração da força de trabalho
humana submetendo pessoas a jornadas extenuantes, condições degradantes de
trabalho ou formas de restrição de locomoção, como servidão por dívida, retenção
de documentos e vigilância ostensiva.
A responsabilização dos infratores, contudo, não é tarefa fácil. De acordo com
a Defensora “como não há previsão legal de responsabilização criminal da pessoa
jurídica por exploração de trabalho escravo, a condenação criminal se restringe à
pessoa física do empregador intermediário, imediatamente ligado às vítimas – o gato
no meio rural ou a pessoa física do trabalhador em nome de quem foi constituída a
empresa individual em meio urbano – comprometendo as chances de efetiva
reparação.”
O enfrentamento do trabalho escravo contemporâneo, em qualquer de suas
mais diversas roupagens é meta institucional da DPU, a qual, na qualidade de órgão
de proteção dos direitos humanos e articulada com os demais atores sociais, integra
a rede de prevenção e combate ao problema, buscando o efetivo cumprimento da lei
e aplicabilidade imediata dos preceitos e pressupostos que efetivam a dignidade da
pessoa humana.
60 SEVERO, Fabiana Galera. A Atuação da Defensoria Pública da União na Defesa das Vítimas de Trabalho Escravo. Disponível em: <http://www.dpu.def.br/images/esdpu/jornaldpu/edicao_4/Artigo_5_-_A_atuação_da_Defensoria_Pública_da_União_na_defesa_das_vítimas_de_trabalho_escravo.pdf>. Acesso em 16/03/2018.
60
3. DA RESPONSABILIZAÇAO DOS INFRATORES
3.1 Do intuito de desresponsabilização com a fragmentação da produção por
meio das cadeias produtivas
Sem embargo da concepção cultural escravagista, apenas formalmente
superada no Brasil, na dinâmica capitalista contemporânea a principal causa do
emprego de mão de obra escrava é a redução de custos e maximização dos lucros.
A prática cada vez mais presente e ao mesmo tempo, cada vez mais velada,
oculta-se nas mais diversas roupagens, inclusive, em complexas cadeias produtivas,
que, a despeito de convergirem para o único objetivo de atender os anseios da
empresa principal, concorrendo para entrega de seu produto final, diluem os riscos
da atividade com diversas outras pessoas jurídicas, com intuito de se desvincular da
responsabilidade pelos ilícitos cometidos.
Ilustrativamente, hipótese fática de cadeia produtiva no meio rural é o trabalho
em carvoarias. O carvão vegetal produz o ferro gusa, destinado às siderúrgicas, as
quais, por sua vez, comercializam o produto para a produção de determinado bem,
por exemplo, a montagem de veículo automotor em uma montadora. Se a carvoaria,
instalada em uma fazenda no interior do Tocantins, por exemplo, utiliza-se de mão
de obra escrava, o seu aproveitamento pela siderúrgica em Minas Gerais e dessa,
para uma montadora de carros em São Paulo, é ilegal, e, consequentemente toda
cadeia produtiva restará viciada.
No que tange a possibilidade de terceirização nessas cadeias, à míngua de
qualquer regulamentação legislativa trabalhista até então, a jurisprudência do
Tribunal Superior do Trabalho, cristalizada na Súmula 331, reconhece a licitude da
terceirização em quatro hipóteses pontuais, a saber: serviços de conservação e
limpeza, serviços de vigilância, serviços especializados na atividade-meio do
tomador e o trabalho temporário.
Pautado nessa diretriz, redes de terceirizações ilícitas verificavam-se com
recorrência nos processos produtivos de grandes empresas, que a adotavam para
obtenção de seu produto final, com o objetivo de esquivarem-se de obrigações
trabalhista.
61
Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) identificou
que 75% de casos de trabalho análogo ao de escravo estão relacionados com a
terceirização. A presença de um intermediário entre a empresa beneficiária dos
serviços e os trabalhadores é quase uma regra nos casos identificados pela
fiscalização na Bahia. A pesquisa está sendo desenvolvida pelo Núcleo de Estudos
Conjunturais da Faculdade de Economia da Ufba (NEC) em parceria com o
Ministério Público do Trabalho (MPT) e outros órgãos de defesa do trabalhador,
como o Ministério do Trabalho61.
Conforme ensina Maurício Godinho Delgado62,
“Atividades-fim podem ser conceituadas como funções e tarefas empresariais e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, compondo a essência dessa dinâmica e contribuindo inclusive para a definição de seu posicionamento e classificação no contexto empresarial e econômico. São, portanto, atividades nucleares e definitórias da essência da dinâmica empresarial do tomador de serviços. Por outro lado, atividades-meio são aquelas funções e tarefas empresariais e laborais que não ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador de serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial e econômico mais amplo. São, portanto, atividades periféricas à essência da dinâmica empresarial do tomador dos serviços”.
O debate da distinção entre atividade meio e fim, parece encontra-se,
entretanto, superado. O processo de repasse da atividade finalística resta
atualmente legalmente respaldado pela Reforma Trabalhista, introduzida no
ordenamento jurídico por meio da Lei 13.467/17, que, modificando a Lei 6.019/74,
acrescentou o art.4ºA63, norma que permite a terceirização da atividade fim da
empresa.
61 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NA BAHIA. Estudo da Ufba aponta relação entre terceirização e trabalho escravo. Disponível em: <http://www.prt5.mpt.mp.br/informe-se/noticias-do-mpt-ba/886-estudo-da-ufba-aponta-relacao-entre-terceirizacao-e-trabalho-escravo>. Acesso em: 23/03/2018. 62 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14ª Ed. São Paulo: LTR, 2015, p. 489. 63 Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017). PLANALTO. Lei nº 6.019, de 1974. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6019.htm>. Acesso em 19/03/2018.
62
No art.5ºA64, acrescentado na mesma conjuntura da Reforma, o legislador
ratifica a possibilidade de terceirização na atividade finalística da tomadora de
serviços (no caso do trabalho temporário), estendendo a mesma prerrogativa à
empresa contratante na hipótese de terceirização.
O próprio processo de transferências sucessivas da responsabilidade pela
execução do serviço (“quarteirização”, “quinteirização”...) foi chancelado pelo novel
legislativo, de modo que o ordenamento passa a permitir expressamente a
subcontratação de outras empresas para realização dos serviços inicialmente a
cargo da prestadora de serviços (art.4ºA, §1º, da Lei 6.019/74).
Inegável neste cenário o enfraquecimento do vínculo de emprego direto,
garantidor de maior estabilidade ao trabalhador e de mais abrangente espectro de
direitos.
Todavia, a despeito do retrocesso social em matéria sociolaboral promovido
pelas alterações legislativas, de notar que transferência da atividade principal pela
maior beneficiária dessa cadeia de exploração do trabalho (a empresa holding ou
empresa-mãe, administradora do conglomerado de empresas, detentora de maior
potencial econômico) para pessoa jurídica diversa, não a exime de sua
responsabilidade em caso de ilicitude na própria prestação dos serviços.
Essa responsabilidade social, intrinsicamente relacionada com o conceito de
desenvolvimento sustentável, no sentido de extrair o máximo com o mínimo de
prejuízo para o meio ambiente, nele incluído o do trabalho, não é, entretanto,
pacificamente aplicada pela jurisprudência dos tribunais trabalhistas.
Nesta toada, organismos e órgãos de defesa e combate da prática de
submissão ao trabalho escravo, notadamente o MPT, buscam a responsabilização
do legítimo empregador, verdadeiro beneficiário do resultado da cadeia produtiva,
lançando mão, para tanto, das mais diversas teorias, a depender do contexto em
que se constatou a ocorrência do crime de redução a condição análoga à de
escravo.
64 (...) Art. 5º-A. Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017). PLANALTO. Lei nº 6.019, de 1974. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6019.htm>. Acesso em 19/03/2018.
63
3.2 Cadeias produtivas no meio ambiente de trabalho rural
Tendo em vista ser o objetivo deste trabalho não apenas uma abordagem
teórica, mas, sobretudo, a análise fática da questão social da escravidão moderna,
oportuno destacar o resultado de investigações do Ministério Público do Trabalho
em operações de resgate de trabalhadores no meio rural, diretamente inseridos nas
cadeias produtivas de grandes empresários ou grupos econômicos.
Além das hipóteses genericamente previstas no art.149, do CP, para
delimitação de trabalho em condição análoga à escravidão, especificamente no meio
rural, condições específicas concorrem para caracterização do ilícito.
Neste sentido, de rigor o registro das condições em que são encontradas as
vítimas dessa prática, ainda muito presente no cotidiano trabalhista contemporâneo.
De acordo com o Procurador do Trabalho Ruy Fernando Gomes Leme
Cavalheiro65, constata-se com recorrência nas intervenções do MPT condições
precárias, caracterizadoras da submissão à condição análoga à escravidão. Nesse
passo, ilustrativamente, apura-se nas ações de fiscalização:
a) Acomodações improvisadas e inadequadas: situações em que a
moradia dos trabalhadores consiste em barracões, barracas, cabanas, casas de
madeira ou de sapé/adobe, tendas e até mesmo redes sob árvores ou sob lonas. Ou
seja, habitações sem a mínima infraestrutura, em completo desacordo com as normas
de proteção ao trabalho, especialmente a NR15 do MTE, que dispõe sobre atividades
e operações insalubres.
Já nas construções com reais características de imóveis, as estruturas são
precárias e são simultaneamente utilizadas como depósito de materiais da produção,
como maquinários, venenos e adubos.
A título ilustrativo da precariedade dos alojamentos destinado aos
trabalhadores reduzidos à condição análoga de escravo, pertinente a análise de uma
operação conjunta dos órgãos de proteção ao trabalho, integrada pelo MPT da Bahia
em maio de 201666:
65 CAVALHEIRO, Ruy Fernando Gomes Leme. Procurador do Trabalho. Mestre e Especialista em Direito. Especialista em Filosofia e História da Ciência. Curso Ênfase, regular 2017. Aulas 41 e 42. 66 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NA BAHIA. Fiscais libertam 5 pessoas em condição análoga à de escravo em Conquista. Disponível em: <http://www.prt5.mpt.mp.br/informe-se/noticias-do-mpt-ba/693-fiscais-libertam-5-pessoas-em-condicao-analoga-a-de-escravo-em-conquista>. Acesso em 23/03/2018.
64
“Fiscais libertam 5 pessoas em condição análoga à de escravo em Conquista Cinco homens foram libertados nessa segunda-feira (30) de uma fazenda na zona rural do município de Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia, onde eram submetidas a condições de trabalho análogas à escravidão. Alojamentos sem as mínimas condições de saúde e higiene e a falta de registro dos contratos de trabalho foram algumas das irregularidades comprovadas no local. Em razão da precariedade do alojamento, os trabalhadores foram retirados do local pela Polícia Rodoviária Federal retornando a suas residências no município de Itambé. A PRF também prendeu em flagrante o dono da fazenda, que foi conduzido à Superintendência da Polícia Federal em Vitória da Conquista.
O alojamento dos empregados era dentro do curral
(...) Os empregados dormiam em um curral, ao lado de cavalos, em camas improvisadas, sem sanitários, sem condições mínimas de higiene, e com um fogareiro aceso ao lado dos colchonetes de espuma. Eles também não tiveram as carteiras de trabalho assinadas, nem realizaram exames médicos admissionais. Além disso, trabalhavam sem qualquer tipo de equipamento de proteção individual e coletiva. Um dos trabalhadores sofreu um corte no dedo e mesmo assim foi obrigado a trabalhar. A carne que consumiam era conservada em sal e ficava dependurada em um varal dentro do curral (...). (original sem destaque).
b) Informalidade do vínculo e da execução do contrato: não há
registro em CTPS, registro de jornada, respeito aos intervalos, recibos de pagamentos
e, muitas vezes, não há sequer pactuação de salário. No mais das vezes, trabalha-se
para sobreviver, obtendo-se como contraprestação apenas comida.
65
c) Precárias condições sanitárias e de higiene: constata-se, outrossim,
a inexistência de banheiros, improvisando-se em substituição fossas ou buracos
para depósito das necessidades fisiológicas dos trabalhadores e utilização de
riachos e igarapés (filete de água rasa, não potável, de aproximadamente 3 dedos
de profundidade na sua parte mais funda). Vejamos na prática as condições em que
sãos resgatados os trabalhadores67:
“Operação resgata 19 pessoas mantidas como escravos em fazenda na Bahia Dezenove trabalhadores rurais que eram mantidos em condição semelhante à de escravos foram resgatados nessa segunda-feira (27/11) da fazenda Vitória, no município de Ribeirão do Largo, no sudoeste da Bahia. A força-tarefa responsável pela operação foi realizada pela Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo da Bahia, com a participação de representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho do Brasil (MTB) e da Secretaria da Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social do Estado (SJCDH), com o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Com o resgate, as vítimas receberão seguro-desemprego e a rescisão do contrato de trabalho, além se suporte da rede de assistência social. A equipe chegou à propriedade de difícil acesso no fim da manhã para apurar denúncia de trabalho escravo e encontrou uma situação de degradância da condição humana de 19 homens, que trabalhavam na roçagem de terreno e no manejo de gado. Desses, só um tinha carteira de trabalho assinada, o vaqueiro da fazenda, e todos dormiam em casas sem energia, água encanada, banheiros e sem acesso a água potável. Além disso, trabalhavam sem qualquer tipo de proteção como luvas, máscaras para aplicação de defensivos agrícolas, que eram armazenados o mesmo local em que dormiam. As camas também eram improvisadas, feitas pelos próprios trabalhadores, que levavam de casa colchões e roupas de cama. A alimentação e o local para as refeições também não eram garantidos. (...) "O que vimos nessa fazenda é um amplo conjunto de irregularidades que, somadas, configuram claramente a submissão desses trabalhadores à condição de escravos contemporâneos” (...) , explicou o procurador do MPT Ilan Fonseca, que integrou a operação. (...) Ao chegar às duas casas que serviam de alojamento para os trabalhadores temporários responsáveis pela roçagem e para o
67 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NA BAHIA. Operação resgata 19 pessoas mantidas como escravos em fazenda na Bahia. Disponível em: <http://www.prt5.mpt.mp.br/informe-se/noticias-do-mpt-ba/976-operacao-resgata-19-pessoas-mantidas-como-escravos-em-fazenda-na-bahia>. Acesso em 23/03/2018.
66
vaqueiro da fazenda, a força-tarefa identificou graves descumprimentos de normas básicas de higiene e saúde”. Original sem destaque.
d) Inadequação da alimentação: além da predominância da inexistência
de refeitórios, exigência da NR15 do MTE e de diversas outras normativas internas e
internacionais adotadas pelo Brasil, há o agravante da verificação de alimentos
vencidos e mal acondicionados, misturados com vestuário, material de limpeza e de
produção, por exemplo, gasolina, adubo, óleo, graxa, com potencial risco de
contaminação. Ademais, constata-se embalagens de alimentos destinados ao
consumo humano atacados por insetos e roedores, além de itens de cozinha velhos
e sem higienização.
e) Inadimplemento das Obrigações: além da característica da
informalidade, os contratos caracterizam-se também pela ausência ou longos
atrasos nos pagamentos; ausência de repouso semanal remunerado; longas
jornadas (ex. começa com o nascer do sol e acaba quando o sol se põe), sendo
aproximadamente de 14h a 16h de trabalho por dia de trabalho; ausência ou atraso
na entrega de mantimentos, equipamentos, itens de higiene, de proteção individual e
coletiva, remédios (dado o isolamento das oficinas de trabalho); vedação ou
restrição na locomoção para fora do local de trabalho (retenção de documentos,
ameaça de não pagamento, ameaça de despedida e até mesmo de agressão e
morte).
f) Dívidas: constituídas como forma de aprisionamento do trabalhador,
sob alegação de contrapartida do que despendeu o empregador para deslocamento
até o local de trabalho; pelo posto de trabalho; pelo uso de equipamentos; consumo
de alimentos; moradia, entre outros. No cotidiano das ações integradas, o
endividamento é uma realidade68:
(...) Um dos trabalhadores, responsável pelo recrutamento e pagamento dos empregados, mantinha uma pequena venda,
68 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NA BAHIA. Operação resgata 19 pessoas mantidas como escravos em fazenda na Bahia. Disponível em: <http://www.prt5.mpt.mp.br/informe-se/noticias-do-mpt-ba/976-operacao-resgata-19-pessoas-mantidas-como-escravos-em-fazenda-na-bahia>. Acesso em 23/03/2018.
67
fornecendo produtos alimentícios e de higiene, além de medicamentos para dores musculares, muito consumidos pelos lavradores. Esses produtos eram adquiridos e descontados do pagamento (...). Original sem destaque.
Exposição a perigos e ameaças: face a inadequação dos alojamentos há
exposição aos perigos naturais, como sujeição a ataques de animais silvestres
(macaco, leão, javali, insetos, cobras, etc.), bem como ameaças à integridade física
e moral do trabalhador, como de não pagamento, não renovação da contratação, de
agressões e intimidação à própria vida.
É comum a presença de seguranças ou chefes e encarregados armados, que
além de se incumbirem da vigilância ostensiva, orientam os trabalhadores a se
esconderem em eventual investigação nos locais de trabalho pelos órgãos de
fiscalização.
A ocorrência da exposição a perigos é verificável com recorrência nas ações
de fiscalização dos Grupos Móveis69. Vejamos:
(...) Alguns estavam com marcas de picada de escorpião e de aranha. Outra grave situação encontrada foi a aplicação de veneno ao mesmo tempo em que as áreas eram roçadas. Os dois responsáveis por borrifar o defensivo também não usavam máscaras, luvas ou qualquer outra proteção. E como o líquido era borrifado próximo ao local onde os demais cortavam o mato, todos ficavam expostos aos produtos. Vários deles se queixaram de dores de cabeça e respiratórias constantes”. (original sem destaque).
g) Trabalhadores isolados: é comum a execução do trabalho ocorrer em
locais de difícil acesso, longínquo e com estradas precárias, muitas com acesso
somente a pé ou de helicóptero. O nível de isolamento é propositalmente
estabelecido para restringir a liberdade de ir e vir dos trabalhadores.
Oportuno, neste sentido, a descrição destes locais pelos próprios agentes de
fiscalização70:
69 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NA BAHIA. Operação resgata 19 pessoas mantidas como escravos em fazenda na Bahia. Disponível em: <http://www.prt5.mpt.mp.br/informe-se/noticias-do-mpt-ba/976-operacao-resgata-19-pessoas-mantidas-como-escravos-em-fazenda-na-bahia>. Acesso em 23/03/2018.
68
(...) A dificuldade de acesso à fazenda chamou a atenção dos integrantes da força-tarefa da Coetrae. O policial rodoviário federal Marcus França, que comandou a unidade da PRF responsável pela segurança da equipe durante a operação, relatou que "foi necessário fazer um levantamento por GPS, com coordenadas, para chegar ao local, a partir de uma estrada vicinal acessada através da BA-634. De lá, os veículos da força-tarefa passaram por sete cancelas e diversos mata-burros até chegar à sede da Fazenda Vitória". Da sede da fazenda à frente de trabalho, foram mais de três quilômetros percorridos a pé num terreno íngreme. Os trabalhadores contaram, inclusive, que levavam cerca de uma hora entre o local onde dormiam e a frente de trabalho. No retorno, já transportando os resgatados em carrocerias de picapes, já que nem ônibus nem vans acessam o local, o grupo chegou a utilizar uma balsa para cruzar o rio e chegar à BA-263, que dá acesso a Itambé”. Original sem destaque.
h) Pagamento por produção: estimula a necessidade de uma produção
absurda para receber o mínimo para subsistência. A pactuação do pagamento
ocorre normalmente pela produção em metros desmatados; metros cercados;
metros de madeira carregadas; metros de áreas para aplicação de veneno; quilos de
colheita ou corte de vegetação.
Especificamente no meio ambiente de trabalho precário e degradante em que
se encontra esses trabalhadores, essa forma de pagamento é desleal com o
empregado, que não tem como aferir com exatidão o que produz. No mais, se lhe
impõe ritmo de trabalho exaustivo e desgastante, vez que não há observância do
salário mínimo, piso regional ou piso convencional, desvinculado da produção.
i) Aliciamento de Trabalhadores: prática tipificada como ilícito penal
(art.207, CP71), está intrinsicamente associada com o trabalho escravo.
70 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NA BAHIA. Operação resgata 19 pessoas mantidas como escravos em fazenda na Bahia. Disponível em: <http://www.prt5.mpt.mp.br/informe-se/noticias-do-mpt-ba/976-operacao-resgata-19-pessoas-mantidas-como-escravos-em-fazenda-na-bahia>. Acesso em 23/03/2018. 71 Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional: Pena - detenção de um a três anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.777, de 29.12.1998) § 1º Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998) § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental. (Incluído pela Lei nº 9.777, de 1998).
69
Geralmente a migração ocorre de uma região pobre, com excesso de mão de
obra, para outra que tem uma demanda maior fluxo de trabalho.
Para coibir esse transporte irregular, a Instrução Normativa SIT nº 90/2011, do
MTE, que disciplina a comunicação do transporte regular de trabalhadores
contratados para desempenhar atividades em localidade diversa da sua origem ao
órgão local do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio da CDTT –
Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores. Possível também a
notificação do sindicato da categoria obreira acerca da origem e destino dos
trabalhadores.
A notificação aos órgãos de proteção pressupõe presunção de correção, a
qual pode ser ilidida pela constatação de aliciamento ilícito no transporte (Princípio
da Primazia da Realidade).
A incidência das mencionadas características nas fiscalizações do MPT no
meio rural, ocorrem com maior ou menor grau, de forma isolada ou conjuntamente.
Outras situações específicas também verificam-se nas inspeções do
Ministério Público do Trabalho, a exemplo dos falsos caseiros, que a despeito de
serem contratados para exercício de zeladoria, com oferecimento de moradia em
contrapartida, exige-se do trabalhador e sua família trabalho constante com
requisitos característicos de escravidão moderna, como impedimento de liberdade
de locomoção, submissão à jornadas degradantes e alegações de supostas dívidas.
Outra fraude constatada nas intervenções são as falsas parcerias, nas quais,
a pretexto da cessão de terrenos para exploração, explora-se em realidade a mão
de obra do “parceiro” e sua família, sem observância das normas trabalhistas de
proteção à saúde, higiene e segurança, nos termos das Normas Regulamentadores
correspondentes.
Todas estas situações denunciam a submissão de pessoas às mais diversas
formas contemporâneas de escravidão, prática que concebe o ser humano como
coisa e, portanto, sem a qualidade que o faz merecedor de um patamar mínimo de
dignidade.
PLANALTO. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 21/03/2018.
70
As condições acima denunciadas (ausência de alojamentos, submissão ao
relento, frio, calor, ataque de animais, ingestão de alimentos impróprios ao consumo,
coação moral e física, entre inúmeras outras), vivenciadas na vida real de milhões
de brasileiros, compõem cenário fático que vai de encontro com as diretrizes
constitucionais que consagram o trabalho como elemento central de redistribuição
de renda, concretizador de autonomia e emancipação social através da melhoria das
condições de vida do trabalhador.
3.3 Cadeias produtivas no meio ambiente de trabalho urbano
Trabalho escravo urbano é essencialmente o que se desenvolve em atividades
não rurais, não relacionadas à pecuária ou agricultura, mas sim, em zonas urbanas
principalmente no setor de produção e, eventualmente, no ramo de serviços.
3.3.1 Trabalho análogo ao de escravo no setor têxtil
Ainda de acordo com o apurado em ações do Ministério Público do Trabalho,
com informações sistematizadas pelo Procurador do Trabalho, Ruy Fernando
Gomes Leme Cavalheiro, as principais ocorrências das cadeias produtivas que
adotam a prática, verificam-se no setor têxtil, em confecções nos grandes centros
urbanos, especialmente na cidade de São Paulo e cidades da Região metropolitana
deste Estado.
Na prática, grandes marcas têxteis contratam confecções para obtenção de seus
produtos finais, e estas, por sua vez, subcontratam oficinas de costura. Essas
oficinas são, em regra, pequenas oficinas clandestinas, sem a mínima estrutura para
o exercício laboral, que contratam normalmente trabalhadores estrangeiros
igualmente clandestinos, geralmente latino americanos fronteiriços, especialmente
bolivianos, peruanos e paraguaios, para confecção de peças encomendadas
indiretamente pelas grifes.
A execução dos trabalhos ocorre em jornadas exaustivas, sob condições
degradantes, sem observância da legislação atinente à proteção do trabalho e
Normas Regulamentadoras do MTE.
As contratações dessas oficinas inserem-se na dinâmica mercadológica de
obtenção de maior produção ao menor custo. A lógica estabelecida segue
71
normalmente o mesmo padrão: as Marcas detêm o nome, mas não realizam a
produção de suas mercadorias. Contratam para tanto confecções prestadora desses
serviços, as quais por sua vez, também não executam diretamente a produção que
lhe foi incumbida, repassando o encargo para as oficinas de costura, em espécie de
quarteirização.
O resultado dessa fragmentação da produção é a sensível redução do valor
do trabalho, ao passo que, todos aqueles que transferem a execução do serviço
para terceiros asseguram para si parte do pagamento que lhe foi conferido na
contratante anterior.
A consequência fática desse ciclo de transferências é a precarização das
relações de trabalho, terreno fértil para a ocorrência de trabalho escravo e
consequentes vícios nas terceirizações de mão de obra.
A redução de trabalhadores à condição análoga a de escravo foi flagrada em
grandes empresas do ramo da moda, como as famosas Zara e M. Officer,
detentoras de considerável poderio econômico. Nesse caso, medida de justiça que
se impõe é que sejam tais empresas responsabilizadas pela degradação ao meio
ambiente de trabalho face a submissão de trabalhadores à situação de indignidade.
Nisso, convém ressaltar que a inovação legislativa promovida pela Lei
13.467/17 na Lei 6.019/74, no sentido de autorizar a terceirização da atividade
empresarial finalística, não tem o condão de afastar a responsabilidade das
empresas holding’s.
A rigor, o substrato das condenações deve pautar-se no aproveitamento
direto dessas empresas com a prática do crime de redução do trabalhador à
condição análoga à escravidão. E, sendo a empresa mãe a principal beneficiária do
processo de precarização, é sua responsabilidade social reparar às vítimas e a
sociedade pelas ilicitudes perpetradas.
Neste sentido, em recente acórdão proferido pelo Tribunal Regional do
Trabalho de São Paulo (TRT/SP), a 4ª Turma manteve a condenação de primeira
instância da M5 Indústria e Comércio, dona da marca M. Officer, por submeter
trabalhadores a condições análogas à de escravidão em ação civil pública do
Ministério Público do Trabalho (MPT). Com isso, a grife de roupa terá que pagar R$
4 milhões por danos morais coletivos e mais R$ 2 milhões por dumping social
(quando uma empresa se beneficia dos custos baixos resultantes da precarização
do trabalho para praticar a concorrência desleal). Além disso, terá que cumprir uma
72
série de obrigações trabalhistas, estando ainda sujeita a aplicação da lei estadual
14.946/201372, que determina a cassação da inscrição no cadastro de contribuintes
do ICMS, de qualquer empresa que faça uso direto ou indireto de trabalho escravo
ou em condições análogas pelo período de 10 anos após condenação em segunda
instância.
Na Ação Civil Pública movida em 2014, o MPT sustentou que “a M5 utilizava
empresas intermediárias para subcontratar o serviço de costura, realizado em
grande parte por imigrantes em oficinas clandestinas submetidos a jornadas
excessivas em condições precárias, sem qualquer direito trabalhista. Em um desses
locais, descoberto em diligência conduzida no dia 6 de maio de 2014 pelo Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE) em atuação conjunta com MPT, Defensoria Pública
da União (DPU) e Receita Federal, constatou-se que os trabalhadores ganhavam de
R$ 3 a R$ 6 por peça produzida e cumpriam jornadas médias de 14 horas (bem
mais do que o limite legal de 8 horas). Os seis bolivianos resgatados pouco falavam
português e viviam com suas famílias no mesmo local de trabalho, costurando em
máquinas próximas a fiação exposta, botijões de gás e pilhas de roupas
(representando grave risco de incêndio). Alguns afirmaram ainda estar pagando pela
passagem ao Brasil com o “salário” recebido pelas peças costuradas, o que,
segundo o MPT, poderia ser indício de tráfico de pessoas para fins de trabalho”.
De acordo com o relator do recurso ordinário, desembargador Ricardo Artur
Costa e Trigueiros, a atividade desenvolvida pelos trabalhadores as empresas
interpostas era a própria finalidade da M.Officer. “O labor desenvolvimento pelos
trabalhadores era essencial na cadeia produtiva da ré. De modo que sem ele
72 Artigo 1º - Além das penas previstas na legislação própria, será cassada a eficácia da inscrição no cadastro de contribuintes do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (ICMS) dos estabelecimentos que comercializarem produtos em cuja fabricação tenha havido, em qualquer de suas etapas de industrialização, condutas que configurem redução de pessoa a condição análoga à de escravo. Artigo 4º - A cassação da eficácia da inscrição do cadastro de contribuintes do ICMS, prevista no artigo 1º, implicará aos sócios, pessoas físicas ou jurídicas, em conjunto ou separadamente, do estabelecimento penalizado: I - o impedimento de exercerem o mesmo ramo de atividade, mesmo que em estabelecimento distinto daquele; II - a proibição de entrarem com pedido de inscrição de nova empresa, no mesmo ramo de atividade. § 1º - As restrições previstas nos incisos prevalecerão pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data de cassação. (...). ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Lei nº 14.946, de 2013. Disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/lei/2013/lei-14946-28.01.2013.html>. Acesso em: 23/03/2018.
73
não se poderia comercializar o produto específico. Não se trata, portanto, de
simples ingerência na qualidade e no controle de produção da prestadora de
serviços, nos moldes do contrato de facção, e sim, de modalidade inaceitável
de terceirização”73. Original sem destaque.
É com o engajamento neste propósito que devem atuar integradamente os
órgãos e instituições de prevenção e combate a todas as formas de escravidão
contemporâneo, com vistas a conferir a máxima efetividade do princípio
constitucional basilar da dignidade da pessoa humana, assim como garantir um
patamar mínimo civilizatório para as relações de trabalho estabelecidas no âmbito
predatório da sociedade capitalista.
3.3.2 Trabalho análogo ao de escravo na construção civil Conforme esclarece o Procurador do Trabalho Ruy Fernando Gomes Leme
Cavalheiro, especialmente na cidade de São Paulo/SP, nas obras para a Copa do
Mundo, o MPT verificou a incidência de quarteirizações. Empreiteiras vencedoras
das licitações com a Administração Pública contratavam empregados de outras
empresas menores, potencializando a natural precarização das contratações
indiretas.
De acordo com o juiz do trabalho da 14ª Região Wagson Linfolfo José Filho74,
na construção civil, empreiteiras menores terceirizadas por grandes construtoras
trazem trabalhadores da região Nordeste e os acumulam em canteiros de obras.
Sem quaisquer recursos, têm suas carteiras de trabalho e vencimentos retidos,
trabalhando horas a fio sem ter seus direitos sociais observados.
Sem embargo da maior ocorrência da prática nos estados do Sudeste, em
razão da maior concentração industrial, o problema acontece em diversos estados
brasileiros. A título de exemplo, cita-se o flagrante de trabalho escravo em obra do
governo federal no oeste baiano no ano de 2015.
73 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO EM SÃO PAULO. Condenada por trabalho escravo, M.Officer pode ser proibida de vender em SP por 10 anos. Disponível em: <http://www.prt2.mpt.mp.br/507-condenada-por-trabalho-escravo-m-officer-pode-ser-proibida-de-vender-em-sp-por-10-anos>. Acesso em: 23/03/2018. 74 MAGISTRADO TRABALHISTA. Teoria do avestruz - Aplicabilidade no Direito do Trabalho. Disponível em: <http://www.magistradotrabalhista.com.br/2013/11/teoria-do-avestruz-aplicabilidade-no.html>. Acesso em: 25/03/2018.
74
Na ocasião, seis trabalhadores contratados para construção de casas
populares do Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR) no município de Santa
Rita de Cássia, foram resgatados após constatada condições de degradância a que
eram submetidos. Força tarefa coordenada pelo MPT constatou que os operários
contratados dormiam em alojamentos improvisados, sem condições mínimas de
higiene, privados de sanitários, água potável, locais apropriados para armazenagem
e preparo de alimentos e sem remuneração adequada. Para reparação do ilícito foi
firmado Termo de Ajustamento de Conduta –TAC, o qual entre outros compromissos
de adequação da empresa infratora, consignou-se a vedação de contratação de
operários por meio de terceiros75.
De notar a preocupação Ministerial em reprimir o ilícito e, sobretudo, formular
estratégias de prevenção para que outras, ou até mesmo as mesmas vítimas, na
dinâmica do ciclo vicioso do trabalho escravo, não venham retomar a situação de
precariedade.
3.3.3 Outras hipóteses de configuração do trabalho em condições análogas à
escravidão no meio urbano
Muito embora a adoção de mão de obra análoga à escravidão na área urbana
tenha maior incidência no setor de produção e serviços, o Procurador do Trabalho,
aponta outras relações contratuais de fática incidência do ilícito. Senão, vejamos:
a) Trabalho análogo ao de escravo na prostituição de mulheres e
travestis
Em pese a reprovação moral, a prostituição é prática que remonta os
primórdios da organização social humana.
De acordo com o representante do MPT, é situação normalmente associada ao
aliciamento de trabalhadores. O que se constata na prática é o deslocamento de
mulheres e travestis de outras regiões do país, especialmente do Norte para as
75 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO NA BAHIA. MPT flagra trabalho escravo em obra do governo federal no oeste baiano. Disponível em: <http://www.prt5.mpt.mp.br/informe-se/noticias-do-mpt-ba/501-mpt-flagra-trabalho-escravo-em-obra-do-governo-federal-no-oeste-baiano>. Acesso em: 28/03/2018.
75
grandes capitais do Sul e Sudeste, que passam a morar com uma “mãe de rua”
(cafetina), a qual oferece a moradia (ponto de trabalho) em troca da exploração. A
venda do corpo forçada normalmente é intermediada pelos chamados “cafetões”.
O pagamento da morada normalmente se estabelece em diárias, não obstante
as péssimas condições das residências convencionadas. Comumente tratam-se de
habitações subdividas em cômodos, com banheiro e cozinha comunitária.
Como cediço, no Brasil a prostituição não é ilegal, sendo prevista, inclusive, na
Classificação Brasileira de Ocupações. Desta feita, não há qualquer reprimenda
para os clientes, nem mesmo para o próprio agente que se submete ao
favorecimento sexual.
Noutro giro, contudo, o ordenamento pátrio penaliza com prisão a exploração
da prática. Ou seja, o agenciamento, a promoção ou contratação de pessoas com
intuito lucrativo é crime tipificado no Código Penal Brasileiro, consoante inovações
trazidas pela Lei 12.015/2009 76
Nessa dinâmica mercantil, a mulher desempenha um trabalho não de acordo
com seu livre arbítrio, mas submetida a exploração sexual por terceiros com
finalidade lucrativa. E, sendo a prostituição uma forma de trabalho, é de interesse
76 Favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual Art. 228. Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. § 1º - Se o agente é ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou se assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos. § 2º - Se o crime, é cometido com emprego de violência, grave ameaça ou fraude: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, além da pena correspondente à violência. § 3º - Se o crime é cometido com o fim de lucro, aplica-se também multa. Casa de prostituição Art. 229. Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente: Rufianismo Art. 230 - Tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 1º- Se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos ou se o crime é cometido por ascendente, padrasto, madrasta, irmão, enteado, cônjuge, companheiro, tutor ou curador, preceptor ou empregador da vítima, ou por quem assumiu, por lei ou outra forma, obrigação de cuidado, proteção ou vigilância: Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. § 2o Se o crime é cometido mediante violência, grave ameaça, fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação da vontade da vítima: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, sem prejuízo da pena correspondente à violência. PLANALTO. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 21/03/2018.
76
dos órgãos de proteção ao trabalho interceder nessas relações contratuais abusivas
que submetem trabalhadores a jornadas exaustivas, sem direito a descanso, sujeitos
a toda sorte de violências.
b) Trabalho análogo ao de escravo no âmbito doméstico
Ainda hodiernamente constata-se a contratação doméstica com contornos de
escravidão contemporânea, notadamente por famílias com melhor poder aquisitivo
que, a pretexto de acolher “filha de criação”, normalmente meninas advindas de
regiões pobres do país, valem-se de sua mão obra, sem observância de qualquer
limitação de jornada e demais direitos da relação de emprego.
Apenas para análise como a ocorrência é factível, pertinente trazer a baila a
condenação criminal de uma empregadora de Brasília/DF acusada dos crimes de
tortura e de redução análoga a de escravo de uma adolescente de 15 anos, que
migrou do interior de Goiás para trabalhar como empregada doméstica para a
acusada, sendo, entretanto, submetida a sofrimento físico e mental, com emprego
de violência e grave ameaça entre agosto de 2004 até fevereiro de 2007. Constatou-
se nas investigações que durante a execução do contrato, a adolescente foi privada
da possibilidade de estudar, jamais recebeu qualquer contraprestação pelo
exaustivo trabalho a que era submetida, não tendo respeitado ainda, os repousos
semanais remunerados. Segue ementa do acórdão:
E M E N T A: APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA DEFESA. CRIMES DE TORTURA E DE REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. ARTIGO 1º, INCISO II, C/C § 4º, INCISO II, DA LEI N.º 9.455/1997 E ARTIGO 149, § 2º, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. NÃO ACOLHIMENTO. PROVA DA MATERIALIDADE E AUTORIA. SUBMISSÃO DA VÍTIMA A INTENSO SOFRIMENTO FÍSICO E MENTAL COMO FORMA DE CASTIGO PESSOAL. CONDIÇÕES DEGRADANTES DE ALIMENTAÇÃO, ACOMODAÇÃO E TRABALHO. PROVA TESTEMUNHAL E PERICIAL EM HARMONIA COM O DEPOIMENTO DA VÍTIMA. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Para a caracterização do crime de tortura previsto no artigo 1º, inciso II, da Lei n.º 9.455/4997, exige-se a existência de lesões físicas e/ou sofrimento mental, causados em decorrência de constrangimento ilegal praticado com emprego de violência ou grave ameaça, como forma de castigo pessoal. 2. O crime de redução à condição análoga à de escravo configura-se com a submissão da vítima a condições degradantes de trabalho, mediante jornada exaustiva. 3. No caso dos autos, restaram configurados os crimes de tortura e de redução à
77
condição análoga à de escravo, pois a prova testemunhal e pericial comprovam que a vítima foi submetida a ilegal e intenso sofrimento físico e mental, durante vários anos, como forma de castigo pessoal, em condições degradantes de alimentação, acomodação e trabalho, sem receber qualquer remuneração. Ademais, além da acusada submeter a vítima a trabalho excessivo, ainda a impedia de se comunicar com a família, restringindo sua liberdade de locomoção. (...) 5. Recurso conhecido e não provido para manter a sentença que condenou a ré nas sanções do artigo 149, § 2º, inciso I, do Código Penal (redução à condição análogo à de escravo) e artigo 1º, inciso II, c/c o § 4º, inciso II, ambos da Lei nº. 9.455/1997 (tortura), às penas de 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 15 (quinze) dias-multa, no valor mínimo legal. (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios TJ-DF - Apelacao Criminal : APR 20100111881165 DF 0060801-58.2010.8.07.0001. 2ª Turma Criminal. 18 de julho de 2013).
Ainda no contexto de caracterização de trabalho análogo a de escravo no
âmbito doméstico, cita-se o recente e emblemático caso da doméstica resgatada na
Bahia, na cidade de Elísio Medrado, após 40 anos sem salário, folga ou férias. A
doméstica foi resgatada no dia 21/12/2017 por uma força tarefa composta pelo
Ministério Público do Trabalho, auditores-fiscais do trabalho, e Polícia Federal.
Como contraprestação pelo trabalho desempenhado, recebia apenas
alimentação, vestuário e medicamentos. Além de privar-se de vínculos sociais, era
submetida à violência psicológica, moral e física77.
Por fim, retomando as considerações do Representante do MPT, o membro
ressalta que, muito embora verificáveis em área urbana, as situações características
do trabalho escravo contemporâneo, não se distinguem relevantemente em relação
ao trabalho rural no tocante à exposição a situações de degradância e violação da
dignidade. Neste sentido, semelhantemente constata-se no cotidiano das ações de
fiscalização e resgate integradas pelo MPT78:
a) Trabalhadores em vulnerabilidade: em especial imigrantes legais (ex.
paraguaios que podem residir no Brasil) ou ilegais (ex. peruanos e bolivianos, países
77 G1. Doméstica em condições análogas à escravidão é resgatada na BA após 40 anos sem salário, folga ou férias. Disponível em: <https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/domestica-em-condicoes-analogas-a-escravidao-e-resgatada-na-ba-apos-40-anos-sem-salario-folga-ou-ferias.ghtml>. Acesso em: 22/03/2018. 78 CAVALHEIRO, Ruy Fernando Gomes Leme. Procurador do Trabalho. Mestre e Especialista em Direito. Especialista em Filosofia e História da Ciência. Curso Ênfase, regular 2017. Aulas 41 e 42.
78
sem acordo de reciprocidade para trabalho no Brasil); migrantes de regiões pobres
(ex. Região Norte e Nordeste); atividades ilegais, clandestinas ou irregularidades.
b) Isolamento; cárcere ou restrição para contato com outras pessoas: em
regra, não é uma determinação impositiva para configuração da escravidão
moderna, mas decorrente da situação de vulnerabilidade, clandestinidade, ilicitude
do objeto da prestação de serviços, dívidas etc.
c) Informalidade do vínculo e da execução do contrato: inexistência de
registro em carteira profissional; anotação de jornadas; dias de trabalho, intervalos,
recibos de pagamentos e de consectários do salário, como depósitos fundiários e
recolhimentos previdenciários.
d) Condições sanitárias e de higiene precárias: comum a existências de
banheiros comunitários sem higienização, especialmente na construção civil e
prostíbulos.
e) Inadimplemento das Obrigações: reiteradas constatações de ausências ou
longos atrasos no pagamento de salários; longas jornadas sem pausa e restrição de
locomoção. Comum a ocorrências em oficinas de costura, prostíbulos e trabalho
doméstico.
f) Dívidas: normalmente decorrentes do transporte do aliciamento ilegal e cota
parte de moradia. Na prostituição também decorre de procedimentos estéticos,
como implantação de silicone, em regra aplicado por profissionais não habilitados.
g) Assédio moral e pressão por metas: estabelecimento de metas difíceis ou
impossíveis, cujo descumprimento gera ameaças de não pagamento, não renovação
de contrato, e até mesmo à vida do trabalhador. Exemplo: cafetina ameaça prostituta
de ir morar na rua, caso não trabalhe. Certas de que a ameaça é real, se submetem
às imposições. Em São Paulo é comum prostitutas em situação de rua. Em se
tratando de travestis e prostitutas, o meio ambiente de trabalho é muito propenso à
coisificação da pessoa.
79
Outra hipótese é o trabalho de estrangeiros nas oficinas de costura, os quais
produzem sob ameaça de não pagamento, não renovação de contrato, não
permissão para trazer a família, denúncia da ilegalidade imigratória, agressões
físicas e até mesmo homicídios.
h) Pagamento por produção: em regra, há estabelecimento de metas
altíssimas, que demandam jornadas exaustivas e assédio moral para o
cumprimento. São exemplos o número de programas para prostitutas e produção de
centenas e milhares de peças de vestuário nas oficinas têxteis. O MPT já constatou
neste meio ambiente laboral o trabalho de Boliviano que recebia R$ 0,02 (dois
centavos) por zíper que juntava à roupa.
i) Aliciamento de trabalhadores: migrantes brasileiros oriundos normalmente
da Região Norte e Nordeste, ou do interior de São Paulo e Minas Gerais para
trabalharem nos grandes centros industriais, sem comunicação ao Ministério do
Trabalho.
j) Tráfico de pessoas: casos de imigrantes ilegais. Há tipificação do crime no
Código Penal Brasileiro, consoante art.149 A79, acrescentado pela Lei 13.344/2016.
Trata-se de crime de ação múltipla ou plurinuclear, isto é, descreve várias condutas
no mesmo artigo, entre as quais destaca-se o núcleo do tipo comprar, verbo que
sinaliza a coisificação do ser humano.
79 Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de: I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo; II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo; III - submetê-la a qualquer tipo de servidão; IV - adoção ilegal; ou V - exploração sexual. Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. § 1o A pena é aumentada de um terço até a metade se: I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las; II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência; III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional. § 2º A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa. PLANALTO. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em 21/03/2018.
80
No cotidiano laboral é comum a submissão passiva de estrangeiros a condições
degradantes, por considerarem-se em posição de vantagem face o patamar de
direitos inferior praticados em seus países de origem.
A vontade do contratado, entretanto, é desconsiderada, pois aqui se tutela a
dignidade da pessoa humana. A vítima não é só o trabalhador, mas a coletividade,
sendo este é fundamento para o dano moral coletivo, pois a liberdade, a dignidade e
o valor social do trabalho são bens sociais que ultrapassam a esfera de contratação
privada.
k) Tráfico de pessoas para o estrangeiro: a crise econômica pode levar
brasileiros à emigração. Os destinos mais comuns são EUA, Turquia e Japão.
O enquadramento jurídico para conduta é o mesmo art.149 A do CP, que é
crime plurinuclear que prevê amplo rol de condutas para tipificar o tráfico de
pessoas, a saber: Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou
acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a
finalidade de: (...) II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;
III - submetê-la a qualquer tipo de servidão.
Os recrutados geralmente são pessoas com baixa instrução, não ocupantes
de rentáveis postos de trabalho no Brasil, que se iludem com a ideia de fazer fortuna
no estrangeiro.
O Representante do MPT aponta como principais características do fluxo de
trabalhadores recrutados no Brasil para trabalhar no estrangeiro:
a) Falsas promessas de salário e condições de trabalho;
b) Informalidade do vínculo: Não existe contrato de trabalho, não obstante a
lei do trabalho estrangeiro exigir registro em carteira e uma série de outros
requisitos;
c) Ausência de vistos para trabalhar no país de destino: Comum nos EUA e
Europa, países nos quais os trabalhadores adquirem visto de turista, porém ao
chegarem ao destino iniciam atividade profissional. Em alguns casos, como nos
EUA, por exemplo, a prática é considerada crime, com risco de deportação.
81
d) Assunção de despesas burocráticas pelo trabalhador: para pagamento
de passaportes, vistos, acomodações, vacinas, passagens de ida e volta etc.
e) Trabalhadores que não dominam o idioma do local de destino;
f) Em casos extremos ocorre: Trabalho escravo; Prostituição; Trabalhos
pornográficos (vídeos e webcam ao vivo).
g) Trabalhadores imigrantes sem visto de trabalho: Com exceção dos
países integrantes do Mercosul, geralmente o trabalhador imigrante que vem ao
Brasil é clandestino (ex. peruano, boliviano).
A característica da clandestinidade favorece a exploração ilícita de mão de
obra, pois o trabalhador se sujeita à toda e qualquer arbitrariedade sem recorrer às
autoridades.
h) Inadequação ambiental: a inspeção pelos órgãos de fiscalização em
oficinas de costura resulta na constatação de problemas de ergonomia. Comum a
realização do trabalho em cadeiras inadequadas, a exemplo, de praia, de jantar, de
plástico, utilizadas em uma jornada média de 12 horas por dia de trabalho.
Verifica-se, outrossim, a presença de alojamentos inadequados, com camas
velhas sem roupas de cama, ausência de armários e outros utensílios domésticos
essenciais.
Ademais, a iluminação normalmente é precária, havendo casos em que a
confecção ou oficinas de costura situam-se no subsolo do prédio ou em quarto no
fundo da casa, normalmente sem janela para ocultar a degradância do trabalho.
Também se verifica ausência de segurança na rede elétrica, com fiação
exposta e irregular para funcionamento das máquinas, fios desencapados ou com
fitas isolantes e benjamins. Todas situações de alto risco de curto circuito e incêndio.
Constata-se ainda, a presença de poeiras e pós de cortar, de adesivo, gases
das máquinas, dos tingimentos; fezes de animais; restos de comida; lixo
desembalado; além de riscos estruturais do imóvel, dada a inadequação para
atender aquela finalidade, sendo ainda, velhos e mal conservados.
É comum a ausência de alvarás e de licenças para funcionamento dos
estabelecimentos; existência de máquinas perigosas sem manutenção; ausência de
82
equipamentos de proteção individual e de PCMSO - Programa de Controle da Saúde
Médico Ocupacional.
i) Terceirização fraudulenta: hipótese tipicamente aferível em confecções
têxteis, para onde a marca encaminha peças pilotos com todas as orientações de
montagem para reprodução. Da confecção, o trabalho é repassado para oficinas de
costura, as quais não desempenham qualquer criação. Todo serviço é coordenado
pela empresa contratante, que impõe integralmente o modus operandi.
3.4 Teorias de Responsabilização do Principal Beneficiário da Produção nas
Cadeias Produtivas
3.4.1 Teoria da Cegueira Deliberada
Proveniente do Direito Penal, também é analisada na perspectiva sociológica
das relações humanas. É também conhecida como “Teoria do Avestruz”, em alusão
ao animal que enterra a cabeça na terra. Concebe o comportamento do agente que
acintosamente se coloca em situação de ignorância, quando tinha o dever razoável
e objetivo de conhecer.
O infrator, nessa perspectiva, cria obstáculos, de forma consciente e
voluntária, para desconhecer a ilicitude de sua conduta, de sorte que sua ignorância
deliberada passa a equivaler-se ao dolo eventual ou, até mesmo, à culpa
consciente. Há possibilidade de o agente ter acesso à determinada informação,
porém, por razões diversas, opta por não adquiri-las, mantendo-se,
intencionalmente, em estado de incerteza80.
O MPT atua enfaticamente na questão da precarização do trabalho nas
cadeias produtivas, buscando a condenação das empresas-mãe, reais beneficiárias
da exploração ilícita.
No âmbito dos tribunais trabalhistas vêm se obtendo o reconhecimento da
responsabilidade da empresa holding, como, a título de exemplo, em recentes
80 CONJUR. Aplicação da cegueira deliberada requer cuidados na prática forense. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-ago-09/victor-valente-aplicacao-cegueira-deliberada-requer-cuidados>. Acesso em: 20/03/2018.
83
decisões proferidas no caso Zara, a respeito do qual, o MPT/SP divulgou matéria em
seu site oficial81:
“Justiça responsabiliza Zara por trabalho escravo e empresa pode entrar na “lista suja” Empresa tentou anular as provas de que havia trabalho escravo em sua cadeia de produção São Paulo, 13 novembro de 2017 – O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região determinou na semana passada (8/11) que o trabalho análogo ao escravo registrado na cadeia produtiva da Zara Brasil LTDA em 2011 é de fato responsabilidade da marca de roupas, que faz parte do grupo multinacional Inditex. Segundo o desembargador do Trabalho Ricardo Artur Costa Trigueiros, relator do acórdão, “é impossível” aceitar a ideia de que a Zara não sabia o que estava acontecendo nas oficinas de costura, em uma espécie de “cegueira conveniente”. (...) "A decisão está em conformidade com as deliberações da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em matéria de responsabilidade em cadeias produtivas”, afirmou o procurador do Trabalho Luiz Carlos Michele fabre, que acompanha o caso desde o início. “O subproduto do trabalho escravo é a proliferação de bolsões de miséria e mazelas sociais. Nada mais justo que tal degradação sócio-ambiental urbana seja internalizada pela detentora do poder econômico relevante em uma cadeia produtiva, ainda que o trabalho escravo haja sido flagrado em oficinas contratadas por fornecedoras da Zara". No acórdão, o desembargador afirma que a Zara fez mais do que ignorar deliberadamente o que se passava nas oficinas contratadas por suas tercerizadas, como a Aha Indústria e Comércio: “A cadeia produtiva da Zara empregou a Aha como entreposta, no esforço de evitar seu flagrante envolvimento com mão-de-obra em condições análogas às de escravo”, afirmou. A decisão judicial também possibilita que a Zara seja incluída no Cadastro de Empregadores que mantiveram trabalhadores em condições análogas à de escravos, conhecido como "Lista Suja". Um dos indícios mais fortes da fraude era que a Aha não tinha em suas instalações nenhuma máquina de costura. Era impossível que a Zara não soubesse disso, já que a produção dependeria de máquinas e trabalhadores. Para o Desembargador, a Zara pretendia, com a cegueira deliberada, “obter um produto de qualidade barata, através de quarteirização, que obviamente implicava em baixíssimos custos, que somente poderiam ser obtidos de forma ilegal”. O grupo têxtil Inditex, que detém a marca Zara, é uma multinacional com patrimônio de cerca de U$ 25 milhões. Em 2016, o grupo registrou lucro líquido de US$ 3,277 bilhões), uma alta de 10% com
81 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO EM SÃO PAULO. Justiça responsabiliza Zara por trabalho escravo e empresa pode entrar na “lista suja”. Disponível em: <http://www.prt2.mpt.mp.br/513-justica-responsabiliza-zara-por-trabalho-escravo-e-empresa-pode-entrar-na-lista-suja>. Acesso em: 23/03/2018.
84
relação a 2015. Em agosto de 2011, uma operação do Ministério do Trabalho flagrou 15 pessoas, incluindo uma adolescente de 14 anos, trabalhando em regime análogo ao de escravidão nas oficinas fornecedoras da Zara situadas em São Paulo. Meses antes, dezenas de trabalhadores, bolivianos em sua maioria, também haviam sido flagrados nas mesmas condições em oficinas na cidade de Americana (SP)”. Original sem destaque.
A aceitação da teoria na jurisprudência laboral sinaliza a recusa da cegueira
opcional, que nos dizeres do juiz do trabalho da 14ª Região, Wagson Lindolfo José
Filho82 “não pode ser arguida para se imiscuir das obrigações de cunho social,
caracterizando-se a conduta omissa do tomador dos serviços em nítida fraude aos
preceitos trabalhistas”.
Especialmente no TRT da 2ª Região, o trabalho escravo está concentrado na
construção civil e na área têxtil. Nesta, como se denota ilustrativamente do acórdão
supramencionado, há envolvimento de empresas detentoras de marcas de grife,
gerando grande repercussão social os flagrantes de trabalho escravo em suas
cadeias produtivas.
O sobredito magistrado trabalhista descreve a problemática do trabalho em
condições análogas à escravidão nas oficinas de costura da seguinte maneira:
As vítimas, nestes casos, são estrangeiras, oriundas de países como Bolívia, Peru e Paraguai. Em seus países de origem são aliciadas para trabalhar em oficinas de costura, com promessas de melhores oportunidades. Quando chegam em São Paulo já possuem uma dívida de US$ 1500,00 (mil e quinhentos dólares) com os seus agenciadores. São empilhadas em casas transformadas em cortiços, sem as mínimas condições dignas para habitação. Sem recursos, veem a dívida aumentando com a moradia e alimentação “subsidiadas”. Recebem um salário médio de R$ 400,00 por mês, numa jornada que vai das sete da manhã até meia noite, seis dias por semana, de segunda a sábado. Passam um período de três meses de experiência, quando seus vencimentos são destinados integralmente ao pagamento das dívidas da viagem. Desconhecem a língua portuguesa, sendo que muitos sequer falam espanhol, pois são oriundos de regiões onde se comunicam através de dialetos indígenas. Quando estragam uma peça de roupa é descontado de seus salários o valor da loja, de vitrine, e não o de custo. Diz o procurador Fabre que dos trezentos mil estrangeiros que chegaram nestas situações, somente um terço está de forma regular. Como com os imigrantes europeus do final do século XIX, que aportavam
82 MAGISTRADO TRABALHISTA. Teoria do avestruz - Aplicabilidade no Direito do Trabalho. Disponível em: <http://www.magistradotrabalhista.com.br/2013/11/teoria-do-avestruz-aplicabilidade-no.html>. Acesso em: 25/03/2018.
85
em Santos, rumo às fazendas de café e se endividavam nos armazéns, a história se repete. Original sem destaque.
Oportuno mencionar que tais considerações foram extraídas de artigo,
publicado pelo juiz em novembro de 2013, o que denota que, não obstante
transcorrido quase cinco anos, esta realidade não se alterou significativamente,
conforme apontamentos das investigações narradas pelo Procurador do Trabalho
Ruy Fernando Gomes Leme Cavalheiro, descritas no transcorrer deste trabalho.
Especificamente quanto às cadeias produtivas, relata o magistrado da 14ª
Região:
(...) A cadeia criminosa funciona da seguinte forma: As vítimas vêm diretamente para as “instalações” de um oficineiro, que normalmente é uma pessoa que chegou nas mesmas circunstâncias e conseguiu transitar da posição de vítima para escravizador. Este é terceirizado por confecções maiores, muitas cujos donos são sul coreanos, que intermediam o produto para a ponta final, com a função de colocar o produto no mercado, ou seja, para as grandes grifes. (...) A estratégia de combate é começar de cima para baixo, fazendo com que as grandes grifes não subsidiem este tipo de conduta, provocando a quebra de toda a cadeia. Estas grandes empresas sempre afirmam que desconheciam tais práticas por suas parcerias, mas os membros do MPT aplicam para responsabilizá-las a denominada “teoria da Cegueira Deliberada”, também conhecida como teoria do avestruz, segundo a qual o maior beneficiado, embora não tenha um contato direto com a conduta ilegal, faz vistas grossas a um fato conhecido no ramo, que não teria como ser ignorado em razão dos preços bem baixos pagos pelas peças têxteis encomendadas, o que evidencia que do outro lado só pode haver uma parte sendo prejudicada, qual seja, o trabalhador.
Sem embargo da dignidade da pessoa humana, valor central que se busca
preservar com o combate das cadeias produtivas ilícitas, há, outrossim, a
preocupação com o equilíbrio socioeconômico do país. Isso porque é certo que a
fragmentação fraudulenta que se observa nessas cadeias gera o dumping social,
prática caracterizada pela “adoção de práticas desumanas de trabalho, pelo
empregador, com o objetivo de reduzir os custos de produção e, assim, aumentar os
seus lucros”83.
83 MIGALHAS. "Dumping Social" - Uma prática desconhecida pelas empresas. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI217836,21048-%20Dumping+Social+Uma+pratica+desconhecida+pelas+empresas>. Acesso em 26/03/2018.
86
O dumping social é, a rigor, concorrência desleal contra as empresas que
observam as leis trabalhistas, concorrendo efetivamente para o desequilíbrio na
economia. Ademais, resulta na configuração de uma nova roupagem da escravidão
contemporânea, assentada na versão moderna de novos mercadores de escravos
combatidos, noutro giro, por novos abolicionistas.
Com base nisso, medida que se impõe é a responsabilização de todos
aqueles que, de um lado, deliberadamente assumem posição de desconhecedores
das ilicitudes em seus processos produtivos, e, de outro, afiguram-se principais
beneficiários do trabalho executados em condições indignas e subumanas.
3.4.2 Teoria da Subordinação Integrativa
Como cediço, a relação de emprego é configurada a partir dos elementos
fáticos jurídicos da pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e especialmente,
a subordinação jurídica.
De rigor, entretanto, salientar que o conceito tradicional de subordinação
sofreu significativas alterações com as mudanças sociolaborais, vindo a estabelecer-
se atualmente em moldes bastante diversos do estado de sujeição do empregado na
relação de trabalho, baseada em controle rigorosamente pessoal, essencialmente
subjetivo.
Consoante doutrina de Maurício Godinho Delgado, em sua concepção
moderna, a natureza jurídica da subordinação classifica-se, inquestionavelmente,
como um fenômeno jurídico, derivado do contrato estabelecido entre trabalhador e
tomador de serviços, pelo qual o primeiro acolhe o direcionamento objetivo do
segundo sobre a forma de efetuação da prestação do trabalho84.
Noutra quadra, a reestruturação do processo produtivo exigiu o
estabelecimento de novos critérios objetivos para averiguação da subordinação
jurídica, entre estes, o grau de integração do trabalhador na estrutura ou
organização da empresa, consubstanciada na subordinação estrutural ou integrativa.
Para o mencionado doutrinador, também Ministro do Tribunal Superior do
Trabalho, a subordinação, como qualquer fenômeno social, tem sofrido ajustes e
adequações ao longo dos dois últimos séculos. Neste contexto, destacam-se com
84 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14ª Ed. São Paulo: LTR, 2015.2015, p. 312.
87
relação ao fenômeno três dimensões principais: a clássica (a mais comum,
consistente no acolhimento do poder direção empresarial quanto ao modo de
prestação da atividade laborativa); a objetiva (pautada pela integração do
trabalhador nos fins e objetivos do empreendimento do tomador de serviços, ainda
que afrouxadas as amarras do vínculo empregatício) e, por fim, a estrutural, de
especial relevância ao presente estudo.
Nessa linha, Godinho aponta que subordinação estrutural é a que se
expressa:
(...) na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento. Nesta dimensão da subordinação, não importa que o trabalhador se harmonize (ou não) aos objetivos do empreendimento, nem que receba ordens diretas das específicas chefias deste: o fundamental é que esteja estruturalmente vinculado à dinâmica operativa da atividade do tomador de serviços85.
A teoria da subordinação estrutural ou integrativa, bastante aplicada nas
cadeias produtivas pautadas na terceirização dos serviços, mede a integração do
trabalhador na estrutura produtiva da empresa beneficiária dos serviços contratados,
avaliando-se a sua sujeição ao poder diretivo da empresa tomadora dos serviços.
Na prática, quando determinado fornecedor tem quase a totalidade de sua
produção voltada a atender a demanda de determinada empresa, subordina-se
economicamente a esta. Seria o caso de um fornecedor que, sem aquela empresa
que o contrata, seque existiria.
É, de fato, uma nova versão do exercício do poder diretivo, harmônica com os
novos tempos e com a inovação legislativa inaugurada pela Lei 12.551/11. A norma
em tela altera o art.6º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que dispõe
sobre a ausência de distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do
empregador e o executado à distância. Dispõe neste sentido que “os meios
telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para
85 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14ª Ed. São Paulo: LTR, 2015, p. 314.
88
fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e
supervisão do trabalho alheio”86.
A teoria da subordinação estrutural, de viés objetivo, visa resguardar a
proteção do trabalhador face às novas formas de trabalho antes afastadas pela
teoria tradicional.
No âmbito da jurisprudência trabalhista é possível o reconhecimento do
vínculo de emprego direto com o tomador dos serviços, quando caracterizado os
elementos da subordinação integrativa. Neste sentido:
MATÉRIAS SUSCITADAS APENAS NO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA PROATIVO SERVIÇOS E TELEMARKETING EIRELI - EPP . RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. REQUERIMENTO DE SOBRESTAMENTO DO FEITO PARA AGUARDAR PRONUNCIAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM PROCESSO COM REPERCUSSÃO GERAL. (...) MATÉRIA COMUM SUSCITADA NOS AGRAVOS DE INSTRUMENTO EM RECURSOS DE REVISTA DOS RECLAMADOS . RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. BANCÁRIO. ATIVIDADE-FIM. FORMAÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO DIRETAMENTE COM O TOMADOR DE SERVIÇOS. SÚMULA Nº 331, ITEM I, DO TST. APLICAÇÃO DOS BENEFÍCIOS PREVISTOS EM NORMAS COLETIVAS DA CATEGORIA. O Tribunal Regional, com base no conjunto fático-probatório dos autos e com amparo na Súmula nº 331, item I, desta Corte, afirmou que as atividades desempenhadas pela reclamante, consistentes "na venda de produtos, empréstimos, seguros, etc.", aos clientes do banco estavam inseridas na atividade-fim do tomador de serviços, porquanto eram essenciais para os serviços de créditos oferecidos pelo banco reclamado, ficando configurada a ilicitude da terceirização. Indubitável que as atividades descritas estão inseridas na atividade precípua do tomador de serviços, tratando-se de serviço integrado à dinâmica produtiva do banco reclamado, com a inserção da reclamante no âmbito do empreendimento econômico do banco, o qual se beneficiou da força de trabalho da autora, caracterizando o que a doutrina moderna denomina subordinação estrutural, apta ao reconhecimento do vínculo de emprego. Nesse contexto, merece ser mantida a decisão regional por meio da qual se reconheceram o vínculo de emprego com o tomador de serviços e, como consectário lógico, a aplicação das normas coletivas dos bancários e a responsabilidade solidária dos reclamados, em face da terceirização ilícita. Agravo de instrumento desprovido. (TST - AIRR: 105881520155030040, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data
86 PLANALTO. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm>. Acesso em 26/03/2018.
89
de Julgamento: 20/03/2018, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/03/2018). Original sem destaque.
No particular, convém mencionar que com as inovações trazidas pela
Reforma Trabalhista, consoante Lei 13.467/17, a irregularidade das terceirizações
para execução das atividades finalísticas da empresa ganha novos contornos.
Conforme oportunamente mencionado no decorrer deste trabalho, a inovação
legislativa tornou expressamente lícita a contratação de prestadoras de serviços
para prestação de quaisquer atividades empresariais, inclusive a principal. (Lei
6.019/74, art.4ºA).
Com isso, a Reforma instituiu um regramento autorizador da divisão e
especialização do trabalho dentro da empresa. Entretanto, o que se convém
sustentar pautado no princípio maior do Direito do Trabalho, Princípio da Proteção, é
que a inovação legislativa não autorizou o emprego da terceirização como
instrumento de intermediação de mão obra, pactuação excepcionalmente admitida
somente nas relações de trabalho temporário.
Para Ricardo Souza Calcini87, não há que se confundir a intermediação de
mão de obra com a legítima e efetiva terceirização de serviços, viabilizada por uma
pessoa jurídica de direito privado a terceiros. Complementa que no âmbito da Lei
13.429/17, a empresa terceirizada, responsável pela prestação de serviços a
terceiros, passou a se dedicar à execução de serviços, os quais, a partir da reforma
trabalhista, podem ser direcionados às atividades principais da contratante dentro da
perspectiva de terceirização lícita.
Contudo, releva mencionar que a licitude da terceirização neste contexto, é a
que pressupõe ausência de pessoalidade e subordinação direta dos empregados
terceirizados em relação aos representantes legais e/ou prepostos da contratante.
Assim sendo, o disposto na parte final do item III, da Súmula 331 do C. TST88, segue
87 CONJUR. Contrato de trabalho anterior à reforma trabalhista deve seguir Súmula 331. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-out-29/ricardo-calcini-contrato-anterior-reforma-trabalhista-seguir-sumula-331>. Acesso em: 16/03/2018. 88 Súmula nº 331 do TST - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011. (...) III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Súmula nº 331. Disponível em: <http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_301_350.html>. Acesso em 26/03/2018.
90
vigente, ainda que a essência do verbete tenha sido mitigada pela legislação
superveniente.
Com isso, é medida acertada sustentar que as modificações legiferantes
promovidas pela Reforma não são permissivos para mercantilização do trabalho
humano, o que sustenta com base no valor social do trabalho como fundamento da
República (CF/88, art.1º, IV), alicerce da ordem econômica (Cf/88, art.170 caput e
VIII), e base da ordem social (CF/88, art.193).
Com base no exposto, constatações de fragmentação do processo produtivo
por meio de cadeias produtivas ilícitas, são sim fatores que ensejam reprimenda
estatal com a devida responsabilização dos infratores.
3.4.3 Teoria do Ajenidad
Alheiabilidade ou “Ajenidad” é termo espanhol que se refere à alteridade, ou
seja, assunção dos riscos de um negócio, consoante previsão na norma consolidada
(CLT, art. 2º)89.
Essa teoria responsabiliza quem detém o poder econômico, valendo-se, para
tanto, do Princípio da Justiça, segundo o qual quem detém o bônus aufere o ônus da
atividade empreendida. Neste sentido, o maior beneficiário da atividade deve
assumir todos os riscos de sua execução.
Em relação à temática, Vólia Bonfim Cassar aduz:
“Ajenidad significa aquisição originária de trabalho por conta alheia. Este princípio revela dois conteúdos: a) que a aquisição do trabalho gera o vínculo de emprego com o tomador que originariamente recebe os serviços do empregado, daí por que a aquisição é originária; b) que o trabalho é exercido para e por conta de outra pessoa. Isto quer dizer que a energia desprendida pelo trabalhador destina-se a outro que não ele próprio e que é por conta deste tomador que ele exerce seus serviços, logo, é o empregador quem corre os riscos deste negócio. Daí exsurge a conclusão de que o natural é que o vínculo de emprego se forme diretamente com o tomador de serviços. A terceirização deve ser considerada como exceção, pois a aquisição
89 Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. PLANALTO. Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452compilado.htm>. Acesso em 26/03/2018.
91
do trabalho se dá de forma derivada para a empresa que terceiriza mão de obra. Outra característica que se abstrai deste princípio é o caráter forfetário da relação de emprego, isto é, de que ela é onerosa e os riscos são sofridos apenas pelo patrão”90.
A teoria da alheiabilidade, baseada no direito comparado espanhol, também
ventila a jurisprudência dos tribunais pátrios, como bem delineado no aresto adiante
transcrito:
COOPERATIVA RELAÇÃO DE EMPREGO. ALTERIDADE E ALHEAMENTO. Uma vez não evidenciado que o trabalho prestado - de forma pessoal e habitual, resultasse em proveito comum da própria coletividade de trabalhadores, é de se presumir que o produto desse trabalho se efetivasse em proveito alheio. Em se tratando de atividade perfeita e essencialmente inserida na esfera produtiva do tomador de serviço, sujeitada ao seu poder de organização, a presunção ordinária é a de que tal labor seja logrado a benefício do empreendimento contratante do trabalho. Para configuração do autêntico trabalho cooperado, o essencial não é propriamente a inexistência de alteridade, já que esta última decorre da própria prestação de serviço a outro, mas, sim, e, sobretudo, da inexistência de alheamento dos frutos do trabalho prestado. Nessa mesma linha, inclusive, a tradição da doutrina espanhola, por exemplo, foca-se primordialmente na existência ou não de trabalho em proveito alheio "ajenidad" e não especificamente na subordinação hierárquica, já que a subordinação decorre muito mais da forma rígida de organização da produção "regime taylorista" do que especificamente do modo de apropriação do excedente econômico gerado pelo trabalho. Se há apropriação desse excedente por outrem que não o trabalhador, não há falar em regime de trabalho cooperado, senão em trabalho economicamente alienado e tornado estranho ao seu produtor imediato e, enquanto tal, sujeito ao regime de tuição normativa da CLT. (RO-00586-2007-134-03-00-6- D.J. de 26/09/2007). (TRT-3 - RO: 1993507 01667-2006-043-03-00-5, Relator: Jose Eduardo Resende Chaves Jr., Quarta Turma, Data de Publicação: 06/11/2007,DJMG . Página 19. Boletim: Não.) Original sem destaque.
Conclui-se diante do exposto, que se a contratação da prestação dos serviços
é gestada sem autonomia pelo prestador, mantendo-se este alheio à produção de
seus frutos, não há falar em terceirização lícita, restando em consequência o
reconhecimento direto com o tomador dos serviços, real beneficiários dos frutos do
trabalho alheio.
90 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 9ª Ed. São Paulo: Método, 2014, p. 267.
92
3.4.4 Teoria da Internalização das Externalidades Negativas
De comum aplicação na seara do Direito Ambiental, no âmbito do Direito do
Trabalho quer significar que os efeitos gerados no meio ambiente do trabalho pela
atividade econômica devem ser assumidos pela empresa responsável.
Na esfera das cadeias produtivas, a teoria é fundamento válido para
responsabilização dos beneficiários do custo ambiental dos processos produtivos,
traduzidos nos danos ocasionados aos trabalhadores em sua concepção coletiva ou
mesmo individualizada, como ocorre no trabalho escravo.
No Direito pátrio, o fundamento jurídico para aplicação da Teoria da
Internalização das Externalidades Negativas invoca como argumento o art. 14, §1º
da Lei nº 6.938/8191 (Política Nacional do Meio Ambiente), que dispõe acerca da
responsabilidade do poluidor independentemente de culpa, pautado na sua
responsabilidade objetiva.
Na realidade justrabalhista, aplica-se a teoria ilustrativamente na hipótese de
Grife de vestuário sem produção própria que contrata confecção para produção de
calças, ao valor de $40,00, comercializando a mesma peça no mercado por
R$120,00. A confecção contratada subcontrata oficina de costura, oferecendo-lhe o
preço de R$4,50 à peça. O dono da oficina retém parte deste valor, repassando aos
trabalhadores um terço da quantia por peça produzida.
No exemplo acima, mencionado pelo Procurador do Trabalho Luís Carlos
Michele Fabre92, “a concentração de esforços em face da Oficina levará à
formalização da situação de 20, 30 trabalhadores. A atuação na Confecção elevará
este número em algumas dezenas. Já a atuação em face da Grife abrangerá até
quinze mil costureiros, a um dispêndio de esforços e recursos que pouco varia
91 Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: (...) § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. PLANALTO. Lei nº 6.938, de 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938compilada.htm>. Acesso em: 26/03/2018. 92 CARTA FORENSE. A responsabilidade das grifes pelo trabalho escravo nas oficinas. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-responsabilidade-das-grifes-pelo-trabalho-escravo-nas-oficinas/12979>. Acesso em: 26/03/2018.
93
conforme o alvo. Portanto, a solução racional do problema requesta imputações à
Grife”.
Ressalta o Procurador que nesta hipótese, a Grife, não se trata de um
beneficiário situado em ponto remoto da cadeia produtiva. É patente a configuração
de sua intervenção enquanto detentora de relevante poderio econômico,
idealizadora do modo operacional de execução dos trabalhos e principal beneficiária
da rede produtiva.
Na perspectiva internacional o Princípio do Poluidor Pagador, também
chamado de Princípio da Responsabilidade, foi consagrado com a Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizados no Rio de
Janeiro, em junho de 1992 (ECO-92). O evento reafirmou as diretrizes da
Conferência de Estocolmo (1972), adicionando e consagrando outras diretrizes,
como os Princípios do Desenvolvimento Sustentável e do Poluidor Pagador, este
elevado à matéria da Declaração do Rio (1992).
O Princípio16 da mencionada Declaração dispõe o seguinte:
(..) Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais93.
Em se tratando de externalidades negativas ambientais, o Princípio do
Poluidor Pagador pretende distribuir equitativamente os danos ao meio ambiente,
nele incluído a ambiência laboral (art.200, VIII)94.
No âmbito das relações trabalhistas aplica-se a teoria em questão com o fim
de responsabilizar o empregador ou tomador dos serviços, os quais, em razão do
exercício de suas atividades econômicas, provocam danos ao meio ambiente
laboral, sendo correta a responsabilização pela reparação, independentemente de
culpa eventualmente verificável.
93 SCIELO. Declaração do Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v6n15/v6n15a13.pdf>. Acesso em: 26/03/2018. 94 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: (...) VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. PLANALTO. Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21/01/2018.
94
4. DO RETROCESSO SOCIAL NA CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE REDUÇÃO À
CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO
4.1 Da Edição da Portaria nº 1.129/2017 do Ministério do Trabalho e Emprego
A despeito do destacado papel do Brasil na concretização de políticas
públicas de prevenção e combate ao trabalho em condições análogas à escravidão
após a denúncia na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, face o
paradigmático Caso José Pereira, testemunha-se hodiernamente flagrante tentativa
de retrocesso na temática em voga.
O recuo normativo refere-se à edição da Portaria nº 1.129 DE 13/10/2017 pelo
Ministério do Trabalho, publicada no Diário Oficial da União em 16/10/2017, cujo teor
modifica o conceito de trabalho escravo e traz novo regramento para publicação do
Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições
análogas a de escravo, a chamada “Lista Suja”.
A Portaria dispõe sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e
condições análogas à de escravo para fins de concessão de seguro-desemprego ao
trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização do Ministério do Trabalho.
De acordo com o art.1º, para fins de concessão de benefício de seguro-
desemprego ao trabalhador que vier a ser identificado como submetido a regime de
trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo, em decorrência de
fiscalização do Ministério do Trabalho, bem como para inclusão do nome de
empregadores no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores
à condição análoga à de escravo, considerar-se-á:
(...) II - jornada exaustiva: a submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais aplicáveis a sua categoria; III - condição degradante: caracterizada por atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que impliquem na privação da sua dignidade95.
95 LEGISWEB. Portaria MTB nº 1129, de 2017. Disponível em: <https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=351466>. Acesso em: 26/03/2018.
95
De notar que nos termos da norma, para que a jornada excessiva ou a
condição degradante sejam caracterizadas, é preciso haver a restrição de liberdade
do trabalhador, o que contraria o artigo 149 do Código Penal, com redação dada
pela Lei nº 10.803/2003, amplamente discutido no decorrer desta monografia, que
determina que qualquer um dos quatro elementos do tipo (condição análoga à de
escravo; trabalhos forçados; jornada exaustiva; condições degradantes) é suficiente
para caracterizar a prática de trabalho escravo.
Não é só. Consoante art.4º, §1º da Portaria96, a divulgação da “Lista Suja”
será realizada apenas por determinação expressa do Ministro do Trabalho, atividade
até então realizada pelo setor técnico do Ministério.
De negativa repercussão no meio jurídico interno e internacional, a norma
ministerial teve sua constitucionalidade questionada na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, nº 489, ajuizada pelo partido
Rede Sustentabilidade.
No processo objetivo junto ao Supremo Tribunal Federal, em 24/10/2017, foi
deferida liminar pela Ministra Rosa Weber, suspendendo a Portaria até julgamento
do mérito em plenário, em consonância com o que defende o Ministério Público do
Trabalho e diversos órgãos e setores da sociedade que militam em prol da dignidade
do ser humano trabalhador.
Tramita ainda no STF ação semelhante (ADPF 491) ajuizada pela
Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL), também sob relatoria da
ministra Rosa Weber.
Em apertada síntese, em sua decisão na ação proposta pela Rede, a Ministra
Relatora afirma que as definições conceituais “sobremodo restritivas”, não se
coadunam com o que exige o ordenamento jurídico brasileiro, os tratados
96 (...) Art. 4º O Cadastro de Empregadores previsto na PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016, será divulgado no sítio eletrônico oficial do Ministério do Trabalho, contendo a relação de pessoas físicas ou jurídicas autuadas em ação fiscal que tenha identificado trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo. § 1º A organização do Cadastro ficará a cargo da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), cuja divulgação será realizada por determinação expressa do Ministro do Trabalho. (...). LEGISWEB. Portaria MTB nº 1129, de 2017. Disponível em: <https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=351466>. Acesso em: 26/03/2018.
96
internacionais celebrados pelo Brasil e a jurisprudência dos tribunais sobre a
matéria97.
Nos termos de sua decisão, acrescenta a Relatora com acertada precisão
que, consonante com a evolução do direito internacional "a 'escravidão moderna' é
mais sutil e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos
econômicos e não necessariamente físicos”
“A violação do direito ao trabalho digno, com impacto na capacidade da vítima
de realizar escolhas segundo a sua livre determinação, também significa ‘reduzir
alguém a condição análoga à de escravo’”.
Na avaliação da ministra, a Portaria ministerial esvazia o conceito de jornada
exaustiva de trabalho e trabalho forçado. Além disso, introduz, sem base legal, “o
isolamento geográfico” como elemento necessário à configuração de hipótese de
cerceamento do uso de meios de transporte pelo trabalhador e coloca a presença de
segurança armada, como requisito da caracterização da retenção coercitiva do
trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída.
A relatora menciona ainda, os mecanismos e instrumentos de repressão,
prevenção e de reparação às vítimas do trabalho em condições análogas à de
escravo viabilizados pelos Grupos Especiais de Fiscalização Móvel, de
reconhecimento internacional.
Salientou, ademais, que os relevantes esforços enveredados não foram
suficientes, entretanto, para evitar a condenação do Brasil pela Corte Interamericana
de Direitos Humanos no caso Fazenda Brasil Verde, o que demonstra que as
iniciativas de combate e prevenção a esta modalidade de violação de direitos
humanos é um processo que não admite retrocessos.
A Portaria do Ministério do Trabalho também foi amplamente repudiada por
representantes do Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal,
Delegacia Sindical do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho e
Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho.
O MPT e Ministério Público Federal – MPF, expediram, inclusive,
Recomendação pela revogação da Portaria face a sua manifesta ilegalidade. Nos
termos da Recomendação “a portaria “é manifestamente ilegal”, porque “contraria
97 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ministra Rosa Weber suspende efeitos de portaria ministerial sobre trabalho escravo. Disponível em: <http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=359907>. Acesso em: 26/03/2018.
97
frontalmente o que prevê o artigo 149 do Código Penal e as Convenções 29 e 105
da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao condicionar a caracterização do
trabalho escravo contemporâneo à restrição da liberdade de locomoção da vítima”98.
Para o coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete)
do MPT, Tiago Muniz Cavalcanti, a Portaria viola tanto a legislação nacional quanto
compromissos internacionais firmados pelo Brasil. "O governo está de mãos dadas
com quem escraviza. Não bastasse a não publicação da Lista Suja, a falta de
recursos para as fiscalizações, a demissão do chefe da Divisão de Fiscalização para
Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), agora o Ministério edita uma Portaria que
afronta a legislação vigente e as convenções da OIT”99.
Em suma, conclui-se que Portaria nº 1.129/2017 do Ministério do Trabalho é
norma que se estabelece contrariamente ao arcabouço pátrio e internacional de
combate a todas as formas de escravidão contemporânea, em suas mais diversas
roupagens.
Com efeito, os conceitos trazidos pela normativa são reducionistas, com nítido
escopo de limitar as fiscalizações e desresponsabilizar eventuais infratores. Sua
eventual vigência, após julgamento de mérito em sede de controle de
constitucionalidade, é apta a significar perigosas consequências à efetiva
erradicação do trabalho em condições análogas à escravidão, com possíveis
impunidades de escravocratas contemporâneos, em cenário de patente retrocesso
na esfera de proteção dos direitos humanos.
4.2 Da condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
no Caso Fazenda Brasil Verde
O avanço na concepção dos direitos humanos exige do Estado a efetiva
implementação desses direitos, sob pena de se tornar inócua a premissa de situar o
ser humano no centro do ordenamento jurídico, elevando sua dignidade como um
fim em si mesmo.
98 MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Notícias. Disponível em: <http://portal.mpt.mp.br/wps/portal/portal_mpt/mpt/sala-imprensa/mpt-noticias>. Acesso em: 26/03/2018. 99 Idem.
98
Todavia, consolidada a necessidade de proteção desses direitos à nível
global, o Estado deixa de ser o único responsável pela solução de problemas
constitucionais, agindo em verdadeira atuação sistêmica com a sociedade mundial
em um processo de desterritorialização de questões jurídico-constitucionais, as
quais emanciparam-se do Estado100.
Com efeito, o que resta estabelecido a partir dessa inovadora ordem não é
uma nova hierarquia absoluta ou um supranacionalismo, mas sim, o reconhecimento
de diversas ordens jurídicas entrelaçadas, que devem se articular transversalmente
na solução de questões de direitos fundamentais e humanos.
Alcançou-se, de fato, após as atrocidades e violações de direitos humanos
presenciadas pela humanidade após as Guerras Mundiais, inescapável nível de
correlação e coordenação entre a normativa doméstica e a internacional, porquanto
ambas fundamentam-se no irrestrito compromisso com a dignidade da pessoa
humana. Tal premissa determina que seu objeto comum deverá sempre ser o
avanço na proteção dos direitos humanos no plano dos fatos, isto é, na solução de
problemas-caso101.
Sumariamente, conforme bem expõe Sílvio Beltramelli Neto, a participação do
Brasil nos sistemas internacionais de direitos humanos, não se cuida por certo de
meras citações de tratados internacionais como incremento teórico e petições. Trata-
se, em verdade, de debater a partir de padrões de entendimento e argumentação
calcados exclusivamente sob a teologia da preservação da dignidade da pessoa
humana, razão pela qual merecem ser consideradas pelas instâncias jurídicas
pátrias. Daí a pertinência da estratégia denominada por Carvalho Ramos como
“Diálogo das Cortes”, interação a ser implementada com objetivo de impedir
violações de direitos humanos oriundas de interpretações nacionais equivocadas
dos tratados. Tal proposta é complementada pela teoria do duplo controle: de
constitucionalidade nacional e de convencionalidade internacional102.
Com escoro neste entendimento, em 2016, o Brasil foi julgado pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos não cumpridor da proteção dos direitos
humanos ao não viabilizar efetivos esforços para coibir a prática de submissão de
100 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. 1ª Ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013, p. 297 e 298. 101 NETO, Sílvio Beltramelli. Direitos Humanos, 4ª Ed. Bahia: Jus Podivm, 2017, p. 433 e 434. 102 Ibidem, p.434 a 435.
99
trabalhadores à condição análoga à escravidão. Trata-se do Caso Fazenda Brasil
Verde, que culminou no primeiro pronunciamento da Corte IDH em matéria de
trabalho análogo ao de escravo, cuja síntese histórica é descrita por Sílvio
Beltramelli Neto103, conforme segue:
Em fevereiro de 1989, março de 1993, novembro de 1996, abril e novembro de 1997 e março de 2000, Auditores-Fiscais do Trabalho e outras autoridades estatais fizeram visitas e fiscalizações à Fazenda Brasil Verde, localizada no Estado do Pará, para constatar as condições em que se encontravam trabalhadores. As fiscalizações de abril de 1997 e março de 2000 concluíram que existia trabalho análogo ao de escravo; a visita policial de 1989 e as fiscalizações de 1993 e 1996 encontraram “irregularidades” trabalhistas; e a fiscalização de novembro de 1997 considerou que havia “algumas falhas” na referida fazenda. Em 1988, foi comunicada à Polícia Federa local o desaparecimento de dois adolescentes que tentaram fugir do regime análogo à escravidão, mantido na Fazenda. Não se deu prosseguimento à investigação desse desaparecimento. Além dos autos de infração lavrados pelos Auditores-Fiscais do Trabalho, nas ocasiões das fiscalizações, e uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (encerrada por acordo judicial), todas as mencionadas constatações, conquanto repetidas, ensejaram apenas uma ação penal contra o dono da fazenda, referente à fiscalização de 1997 e que experimentou demora de cerca de dez anos apenas para a definição da competência material para o julgamento. Após, a ação penal restou extinta, a pedido do Ministério Público Federal, em razão do decurso do prazo prescricional. Ainda em 1998 o caso foi levado à CIDH pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL/Brasil). Após análise, a CIDH considerou que a informação disponível permite qualificar as práticas na fazenda como trabalho forçado e servidão por dívidas como forma contemporânea de escravidão, todavia, suas decisões não foram cumpridas e o caso foi submetido à Corte IDH, em 4 de março de 2015. Em sentença de 20 de outubro de 2016, o tribunal declarou a responsabilidade internacional do Estado brasileiro pela violação dos seguintes direitos previstos na Convenção Americana sobre os DH: direito a não ser submetido à escravidão e ao tráfico de pessoas (art.6.1); direito ao reconhecimento da personalidade jurídica (art.3º); direito à integridade pessoal (art.5º); direito à liberdade pessoal (art.7º); direitos da criança (art.19); proteção da honra e da dignidade (art.11); direito de circulação e de residência (art.22); garantia judiciais de devida diligência e de prazo razoável (art.8.1); e direito à proteção judicial (art.25). A Corte IDH impôs, por conseguinte, as diversas formas de reparação: (i) reiniciar, com a devida diligência , as investigações e/ou processos penais relacionados aos fatos, com vistas a, em um prazo razoável, identificar, processar e, se for o caso, punir os responsáveis; (ii) publicar, no prazo de seis meses, o resumo oficial da sentença, elaborado pela Corte, por uma única vez, no Diário Oficial, o mesmo resumo oficial, por uma única
103 Ibidem, p. 468 e 469.
100
vez, em um jornal de ampla circulação nacional e a íntegra da sentença, por um período de um ano, em um sítio web oficial; (iii) dentro de um prazo razoável, adotar as medidas necessárias para garantir que a prescrição não seja aplicada ao delito de Direito Internacional de escravidão e suas fontes análogas; e (iv) pagar às vítimas montantes fixados a título de indenizações por dano imaterial e aos representantes, valores estabelecidos a propósito de reembolso de custas e gastos. Original sem destaque.
Quanto à importância da condenação na esfera internacional, Beltramelli
ressalva que se trata de decisão histórica, sendo o primeiro pronunciamento da
Corte IDH acerca da escravidão moderna, ainda recorrente no Brasil. O tribunal em
sua fundamentação vale-se de diversas normativas internacionais de direitos
humanos para “consagrar a imprescritibilidade do crime de submissão de qualquer
pessoa à condição análoga à de escravo, posto que se trata de norma imperativa de
Direito Internacional (jus cogens) implicando em obrigação erga omnes”.
No mais, merece destaque o fato de a sentença declarar manifesta
discriminação estrutural por parte do Estado brasileiro no tratamento das
ocorrências, porquanto constatadas características comuns de particular vitimização
dos trabalhadores resgatados em 15 de março de 2000, quais sejam:
(...) se encontravam em uma situação de pobreza; provinham das regiões mais pobres do país, com menor desenvolvimento humano e perspectivas de trabalho e emprego; eram analfabetos e tinham pouca ou nenhuma escolarização. Segundo a Corte, essas circunstâncias de origens históricas tornavam os resgatados mais suscetíveis a aliciamento mediante falsas promessas e enganos, denotando risco imediato para um grupo determinado de pessoas com características idênticas e originários das mesmas regiões do país, contexto amplamente conhecido, pelo menos, desde 1995, quando o Governo do Brasil expressamente admitiu a existência de “trabalho escravo” no país104.
No tocante ao atual marco normativo da escravidão, a Corte IDH traçou o
panorama da construção internacional do conceito legal de trabalho escravo
contemporâneo, cotejando-o com a legislação brasileira, para declarar a
inadequação da redação original do art.149 do Código Penal vigente à época dos
fatos julgados, reconhecendo, contudo que sua posterior alteração o colocou em
sintonia com o padrão normativo internacional.
104 Idem.
101
No particular, oportuno destacar com base nisso, o desajuste da Portaria nº
1.129 DE 13/10/2017, editada pelo Ministério do Trabalho, que, na contramão dos
avanços alcançados pelo Brasil no enfrentamento da questão social da escravidão
contemporânea, pretende introduzir no ordenamento jurídico pátrio, não obstante a
ausência de compatibilidade constitucional e convencional, a redução do conceito de
trabalho escravo e excluir da esfera de responsabilização infratores que, não
obstante violem direitos humanos, não privem o trabalhador de sua locomoção
física.
A responsabilização do Estado brasileiro por instâncias jurídicas de Direito
Internacional concorre para a prevenção e combate de todas as formas de trabalho
análogas à escravidão, incluindo, neste contexto, as mais modernas roupagens do
ilícito, que se reinventam-se reiteradamente com o objetivo desenfreado de alcançar
maiores vantagens ao custo da dignidade do ser humano trabalhador.
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muito se discutiu no decorrer deste trabalho acerca da dignidade da pessoa
humana como fim último do ordenamento jurídico e o conceito legal de trabalho
escravo contemporâneo, enfatizando-se sua ocorrência como postura largamente
afastada da matriz constitucional de 1988 e do universo normativo internacional
trabalhista vigorante no plano interno da sociedade e economia brasileira.
Outrossim, destacou-se a atuação estatal no enfrentamento da questão social
da escravidão moderna, abarcada em suas mais sutis e versáteis roupagens, sendo
por derradeiro, forçoso concluir pela insuficiência das estratégias de prevenção e
combate, muito embora tenha o país alcançado significativo avanço atinente à
temática.
Este cenário atribui-se essencialmente ao desenvolvimento de uma política
estatal ainda bastante retraída na efetiva responsabilização dos infratores sopesada
com o agravante da hodierna afronta ao patamar normativo já alcançado pelo país
em matéria de configuração de trabalho em condição análoga à escravidão.
Hipótese ilustrativa da empreitada de desregulamentação do padrão
civilizatório mínimo de proteção aos direitos humanos trabalhistas é a edição da
Portaria nº 1.129 de 13/10/2017 pelo Ministério do Trabalho, cujo teor reduz a
amplitude do conceito de trabalho escravo e impõe regramento restritivo para
publicação do Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a
condições análogas a de escravo, a chamada “Lista Suja”.
Oportuno mencionar, neste sentido, que o estabelecimento de mecanismos
sem efetivo potencial para enfrentamento das ilicitudes que configuram a escravidão
moderna resultam em um desequilíbrio estrutural de difícil superação.
Com efeito, a questão social da precarização do trabalho humano situa-se na
correlação de forças entre capital e trabalho, sendo certo que nesta dinâmica, o
trabalhador, parte hipossuficiente dessa relação essencialmente desigual, situa-se
em situação maior de vulnerabilidade socioeconômica, porquanto não se articule
efetiva teia de proteção apta a atenuar, no plano jurídico, o desiquilíbrio inerente ao
plano fático do contrato de trabalho.
Neste sentido, pertinente as considerações da Corte Interamericana de
Justiça, que ao julgar e condenar o Brasil, no ano de 2016, no Caso Fazenda Brasil
Verde, apontou para manifesta discriminação estrutural por parte do Estado
103
brasileiro no tratamento das ocorrências de trabalho em condições análogas à
escravidão.
A discriminação apontada pela Corte relaciona-se às semelhantes
características dos trabalhadores resgatados da fazenda em questão, identificados
de forma uníssona quanto ao acentuado grau de vulnerabilidade social.
A rigor, o perfil de proeminente pobreza e baixo ou nenhum nível de
escolarização das vítimas, reflete as consequências de um sistema produtivo
predatório estabelecido com a chancela estatal, responsável por posicionar o Brasil
entre os países de maior desigualdade social.
Com efeito, na sistemática de produção do capital, migrantes, analfabetos,
clandestinos, pessoas com deficiência, doentes, alcoolistas, e pessoas que nunca
tiveram um documento de identificação, são concebidos como “peças” essenciais de
uma lógica capitalista perversa que tende a acentuar a segregação e marginalização
de trabalhadores, com a finalidade última de preservar e fortalecer o sistema de
acumulação de lucros.
Com escoro nessa perspectiva econômica, segmentos de baixa ou nenhuma
renda, provenientes de regiões mais pobres do país, analfabetos ou pessoas com
pouca ou nenhuma escolarização, conforme apontados na sentença da Corte
Interamericana de Justiça, compõem a classe de trabalhadores excluídos dos
processos de pertencimento social, achando-se mais suscetíveis a aliciamentos
disfarçados mediante falsas promessas.
O trabalho análogo ao de escravo, ainda recorrente no Brasil, enquanto
prática de cunho desumano e degradante, que priva o trabalhador de condições
existências mínimas para uma vida digna, estabelece-se na contramão dos
fundamentos e direitos fundamentais da República Federativa do Brasil, assim como
dos direitos humanos defensáveis na comunidade internacional, especialmente no
âmbito das Organização das Nações Unidas – ONU e Organização Internacional do
Trabalho – OIT.
Nisso, urge que máximo esforço deve ser articulado para interação entre os
sistemas internacionais de proteção e políticas nacionais, em favor do real
afastamento da mercantilização do trabalho humano, pautado na coisificação do
trabalhador justificadora da perversa contratação de mão de obra escrava.
Para o alcance de tal desiderato, necessário que, para além das normativas
estabelecidas em plano interno e internacional, o valor social do trabalho, enquanto
104
fundamento do Estado Democrático de Direito, (CF/88, art.1º, IV), alicerce da ordem
econômica (Cf/88, art.170 caput e VIII), e base da ordem social (CF/88, art.193),
seja de fato concebido como instrumento de realização do ser humano, viabilizador
de sua autonomia e emancipação social, valores que efetivamente prestigiam sua
dignidade enquanto pessoa.
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