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CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO
CAMPUS ENGENHEIRO COELHO
TRADUTOR E INTÉRPRETE
CAMILA ALVES TEXEIRA
NAIELLY STORCH LEITE LOURENÇO
ESTUDO COMPARATIVO DE ESTRATÉGIAS DE TRADUÇÃO E SUA
APLICAÇÃO NO PROCESSO TRADUTÓRIO
ENGENHEIRO COELHO
2012
CAMILA ALVES TEXEIRA
NAIELLY STORCH LEITE LOURENÇO
ESTUDO COMPARATIVO DE ESTRATÉGIAS DE TRADUÇÃO E SUA
APLICAÇÃO NO PROCESSO TRADUTÓRIO
Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo do curso de Tradutor e Intérprete, sob orientação do Prof. Ms. Neumar de Lima.
ENGENHEIRO COELHO
2012
Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo,
do curso de Tradutor e Intérprete apresentado e aprovado em (dia) de (mês) de (ano).
_________________________________________________
Orientador: Profº Ms. Neumar de Lima
_________________________________________________
Segunda Leitora: Profª Drª Ana Maria de Moura Schäffer
Dedicamos esta monografia aos nossos
pais sempre presentes, cujo apoio foi
constante e amor incondicional.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a Deus, pois sem Ele seria impossível concluir esta
pesquisa;
Aos nossos pais (Gomes e Raquel, Wesley e Mara) pela paciência,
pelos conselhos e longas horas de conversa pelo telefone;
Ao orientador Neumar de Lima, pela disposição em ajudar a
transformar o projeto em realidade;
À professora Ana Schäffer, que com paciência, carinho e bons puxões
de orelha, nos ajudou durante toda a caminhada.
RESUMO
As estratégias de tradução, muitas vezes desconhecidas ou simplesmente ignoradas por muitos tradutores, constituem um dos procedimentos que merecem destaque por parte dos profissionais da tradução para se evitar o que se costuma chamar de tradutorês, ou seja, tradução que tem cheiro de tradução. Neste trabalho procuramos analisar o uso de estratégias tradutórias empregadas pelos tradutores, e mostrar diferentes estratégias usadas pelos profissionais da área com base em três teóricos (BARBOSA, 2004; SAID, 2011; e LIMA, 2011) que esquematizaram uma série de procedimentos e estratégias de tradução. Nossa pesquisa elencou as diferentes estratégias apresentadas por esses autores, e fizemos uma análise da tradução de dois tradutores e quais estratégias usaram, e até que ponto suas escolhas foram eficientes no processo tradutório. A análise revelou que os tradutores fizeram escolhas diferentes resultando em duas traduções distintas: a primeira mais presa à literalidade da língua, enquanto a segunda tradução apresentou resultados mais livres e interpretativos, afastando-se da literalidade. Com a análise, reconhecemos a importância não somente de boas estratégias de tradução, mas também de um bom conhecimento das diferenças entre as duas línguas para que a tradução flua naturalmente, dando a sensação de ter sido escrita no português, ou qualquer que seja a língua de chegada. Palavras-Chave: Estratégias de Tradução; Tradutorês;.Escolhas Tradutórias.
ABSTRACT
Translation strategies, many times unknown or simply ignored by many translators, are one of the procedures that deserve to be pointed out by professionals of translation, to avoid what is usually called “translatorese”; in other words, translations that smells like translation. In this paperwe tried to analyze the use of translation strategies used by translators, and also show the different strategies used by professional of the area, based on three theoretical authors (Barbosa, 2004; Said, 2011; and Lima, 2011) that organized some translation procedures and strategies. Our research listed the different strategies presented by these authors, and we did analyses of the translation of two translators, and what strategies they used, and how far their choices were efficient to the translation process. The analyses revealed that the translators did different choices resulting in distinct translations. The first one more attached to the literality of languagewhile the second one showed freer and more interpretive renditions. With the analysis we recognized the importance not only of good translation strategies, but also of a good knowledge of the differences between the two languages so that the process of translation flows naturally, giving the feeling that it has been written in Portuguese or whatever the target language may be. Key-Words: Translation Strategies; Translatorese; Translation Choices.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 08
2 METODOLOGIA .................................................................................................... 11
3 O PROCESSO DA TRADUÇÃO ........................................................................... 12
3.1 Aspectos teóricos da tradução ....................................................................... 12
3.2 Estratégias de tradução .................................................................................... 14
3.2.1 Estratégias de tradução segundo Barbosa .................................................. 14
3.2.2 Estratégias de tradução segundo Said ........................................................ 19
3.2.3 Estratégias de tradução segundo Lima ........................................................ 25
3.2.3.1. O princípio cognitivo da tradução e os princípios contrastivos ............ 28
4 INVESTIGAÇÃO DE ESTRATÉGIAS TRADUTÓRIAS ......................................... 33
4.1 Análise de excertos de A Mensageira do Senhor .......................................... 33
4.2 Análise de excertos de O Princípio Cognitivo da Teologia Cristã ............ .. .38
4.3 Reflexões Comparativas entre os Tradutores ............................................... 44
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 48
6 REFERENCIAS ...................................................................................................... 50
ANEXOS ................................................................................................................... 51
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1 INTRODUÇÃO
O escopo da pesquisa abordará estratégias de tradução empregadas por
tradutores previamente selecionados para, a partir da análise e discussão dos
modos de traduzir de cada um, estabelecer uma comparação entre eles. Para os
propósitos deste trabalho, adotamos o o termo estratégia para se referir a todo e
qualquer procedimento ou técnica empregada por um tradutor durante o seu
processo de tradução, mesmo que a palavra não tenha sido empregada por todos os
três teóricos selecionados.
Muitos autores têm tentado formalizar, de certa forma, os modos como o
tradutor traduz o seu texto. Como exemplo, temos Heloísa Barbosa, que em seu
livro “Procedimentos técnicos da tradução” (2004) busca recategorizar os modelos
de procedimentos técnicos identificados por Vinay e Darbelnet (1975). Esses
autores, pioneiros nesse tipo de pesquisa, começaram a nomear os procedimentos
que coocorriam nas traduções no contexto francófono do Canadá. Dois outros
autores foram selecionados para a pesquisa: Fabio M. Said, que em seu livro ““Fidus
Interpres: A prática da tradução profissional” (2011), além de falar sobre a profissão
e os desafios que o tradutor encontrará no decorrer do trabalho, apresenta seu
estudo sobre as técnicas de tradução. E o segundo autor foi Neumar de Lima com
sua Dissertação de Pós-Graduação “O princípio cognitivo da tradução literária: um
relato linguístico-teológico do processo de tradução do livro The Cognitive Principle
of Christian Theology: A hermeneutical study of the Revelation and Inspiration of the
Bible, de Fernando Canale” (2011). Nesse trabalho, Lima se baseia na Teoria
Interpretativa de Danica Seleskovitch (1980, 1984, 1995) e Marianne Lederer (1984,
1994); o autor apresenta conceitos que ressaltam a importância de o tradutor se
libertar das amarras estruturais e estilísticas da língua de partida. Para isso, ao
fazermos uma leitura mais aprofundada das obras desses autores, buscaremos
comparar as estratégias e procedimentos discutidos por eles, e identificar, num
corpus previamente selecionado de traduções, a frequência ou não de ocorrência de
determinadas estratégias.
Ao entrarmos em contato com obras traduzidas, constatamos que muitas
traduções são mais literais, mecânicas, seguindo a língua de partida muito de perto.
O resultado é que o texto traduzido parece mutilar a língua portuguesa, deixando de
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levar em conta seus aspectos estilísticos e morfossintáticos. Nesse contexto, o
trabalho procurará responder à seguinte pergunta de pesquisa: como as estratégias
de tradução podem contribuir para ajudar o tradutor a resgatar o sentido do texto
original e transferi-lo naturalmente para a língua portuguesa, sem se preocupar com
a literalidade no processo tradutório, deixando a tradução como se fosse escrita na
língua de chegada?
A partir da pergunta de pesquisa, formulamos a hipótese de que o
conhecimento do uso de estratégias de tradução previamente identificadas podem
contribuir para o processo tradutório e redundar em traduções mais naturais, ou
seja, traduções que dão ao leitor a sensação de que o texto foi escrito na língua em
que está lendo, e não, traduzido. Seguindo o estudo dessa pesquisa e das
estratégias tradutórias, é provável que o tradutor se torne mais apto a alcançar esse
objetivo.
O objetivo geral deste trabalho é analisar o uso de estratégias tradutórias
empregadas pelos tradutores. Para alcançar esse propósito, estabelecemos os
seguintes objetivos específicos:
1. Investigar as estratégias de tradução utilizadas por tradutores
identificados previamente;
2. Identificar se os profissionais selecionados para a pesquisa empregam
os mesmos tipos de estratégias nas suas traduções, se diferem e em que extensão
isto acontece;
3. Comparar os resultados apresentados pelos tradutores ao usar as
diferentes estratégias e os possíveis efeitos sobre a qualidade do texto traduzido.
Este trabalho tem relevância pessoal para nós, pois, como futuras
profissionais da tradução, cremos ser importante refletir sobre o fazer tradutório e
suas implicações para o resultado final de tradução. Por isso, pesquisar e analisar
estratégias de tradução empregadas por tradutores já no exercício de sua profissão
nos ajuda a identificar os caminhos, facilidades e dificuldades que enfrentaremos no
dia a dia.
Além disso, do ponto de vista social, cremos que este trabalho também tem
relevância, pois a pesquisa em tradução no geral tem dado muita ênfase às teorias,
esquecendo-se da prática. A nossa proposta busca evidenciar a prática tradutória e
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os caminhos que possam auxiliar outros tradutores a lapidarem o seu processo
tradutório e se tornarem cada vez mais proficientes nessa atividade.
Nosso alvo é que esta pesquisa desperte o interesse de alunos para se
aprofundarem mais nos estudos dos processos tradutórios, para uma prática mais
consciente e eficiente.
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2 METODOLOGIA
A pesquisa foi realizada no UNASP – campus Engenheiro Coelho e envolveu,
inicialmente, a pesquisa bibliográfica, para em seguida empregarmos a pesquisa
analítico-comparativa. Nosso objetivo foifazer uma comparação entre estratégias de
tradução empregadas por tradutores selecionados, que foram identificados como
Tradutor A nos grupos de análise dos fragmentos da obra Mensageira do Senhor, e
Tradutor B nos grupos de análise dos fragmentos da obra O princípio Cognitivo da
Teologia Cristã. Para procedermos à análise dessas obras selecionadas, seguimos
alguns procedimentos: em primeiro lugar, fizemos para embasamento teórico sobre
as estratégias de tradução com base nos teóricos mencionados; em seguida,
fizemos a seleção de fragmentos de textos de um mesmo gênero traduzidos por dois
tradutores diferentes, que compuseram o nosso corpus de análise.
As análises comparativas seguiram os procedimentos abaixo:
1. Fizemos tabelas comparativas, seguidas das estratégias empregadas por
cada um dos tradutores, com as devidas justificativas.
2. Apresentamos possíveis princípios que possam ter levado o tradutor a
empregar determinada estratégia.
3. Por fim, tecemos considerações gerais sobre o perfil de cada tradutor,
fornecendo, se necessário, sugestões que poderiam melhorar seu
processo tradutório.
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3 O PROCESSO DA TRADUÇÃO
Neste capítulo, discorreremos sobre aspectos teóricos e práticos do processo
de tradução. Iniciaremos tecendo reflexões sobre os aspectos teóricos da tradução.
Em seguida, apresentaremos as estratégias de tradução com base nos autores
selecionados.
3.1 Aspectos teóricos da tradução
Quando se fala em tradução, dois conceitos fundamentais nos vêm à mente:
comunicação e fidelidade. A esse respeito, Lima afirma que
o tradutor pode exercer um papel comunicativo significativo, rompendo barreiras linguísticas e culturais, sem deixar de manter fidelidade à língua de origem, à língua de chegada e ao público a que a mensagem se destina (LIMA, 2011, p. 46).
No entanto, durante o processo de estudo da tradução, observamos que nem
sempre se mantém fidelidade à língua de chegada. E temos que reconhecer que
infidelidade pode comprometer a eficiência do propósito comunicativo da tradução.
Percebe-se, muitas vezes, a tendência por parte de alguns tradutores de adotar um
método mais mecânico ao traduzir, tornando o texto mais literal e preso à estrutura e
ao sistema da língua de partida. Isso implica traduções com cheiro de tradução, o
conhecido tradutorês. Trata-se de traduções que mutilam a língua portuguesa e
comprometem suas características estilísticas e morfossintáticas próprias.
É do conhecimento de todo tradutor, que a tradução deve soar como se
tivesse sido escrita na língua de chegada, como se não fosse de fato uma tradução.
Para isso, vale compreender os princípios da Teoria Interpretativa, a Théorie du
Sens, conforme o original francês, de Danica Seleskovitch (1980, 1984). A
pesquisadora explica que uma boa tradução não acontece pelo simples fato de a
pessoa conhecer a língua em questão. A tradução vai muito além da mera
correspondência estrutural entre uma língua e outra, de forma mecânica e
automática. O texto a ser traduzido não deve ser visto simplesmente como um
conjunto de estruturas gramaticais a serem dissecadas, mas um discurso que exige
processamento cognitivo por parte do tradutor. O conceito de Seleskovitch ressalta a
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importância de “o tradutor se libertar das amarras estruturais e estilísticas da língua
de partida se concentrando no tríplice processo do ato tradutório”, apresentado
como percepção-desverbalização-reverbalização, “processo este que exige do
tradutor profundo envolvimento discursivo e cognitivo” (LIMA, 2012b, p.1).
Baseado nesse princípio, Lima (2012b, p. 2) apresenta três aspectos que
considera essenciais para a tradução:
Um: a tradução constitui atividade cognitiva que se concretiza mediante o processamento de informações no momento em que a mente do tradutor se relaciona com o texto original. Dois: o tradutor se torna, nesse processo, agente cognitivo ativo e atuante e se compromete, às vezes até de forma obstinada, com o ideal de ser criador fiel de pontes de integração, sem barreiras, entre povos, comunidades e culturas diferentes. Três, e o mais importante: o tradutor é um comunicador – comunicador de sentidos – e não meramente um decodificador de estruturas linguísticas.
A missão do tradutor não consiste simplesmente em estabelecer de forma
mecânica e automática correspondências estruturais ou lexicais entre língua de
partida e língua de chegada. Lima (2012b, p. 3), com base em Pagura (2004),
observa que:
O objetivo do processo tradutório não é meramente traduzir a significação linguística das palavras, mas, acima de tudo, a intenção comunicativa – ou, como se diz em francês, o vouloir-dire [querer-dizer] – do autor do texto original. Pensando dessa maneira, é compreensível que a tradução passe a ocorrer em nível de discurso e não no nível de palavras.
É nesse contexto que as estratégias de tradução podem exercer importante
papel no sentido de ajudar o tradutor a compreender o processo tradutório e produzir
um texto que seja fluente na língua para a qual está sendo traduzido. Daremos mais
ênfase a essas estratégias nas seções a seguir.
O propósito da organização dessas técnicas, procedimentos ou estratégias
parece ser o de fazer o tradutor, ou futuro tradutor, compreender que o fato de as
línguas serem tão singulares em suas características faz com que seja necessário
estar atento para que o texto na língua de chegada esteja tão acessível quanto o é
na língua de partida.
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Vale ressaltar, no entanto, que o mero conhecimento de procedimentos
técnicos de tradução, ou de estratégias, conforme generalizamos neste trabalho,
não garante que o texto final corresponderá às expectativas teóricas discutidas
acima. Certamente são de grande utilidade, mas é de extrema importância que os
tradutores se conscientizem de que o mero conhecimento da língua em que o
original está escrito, e mesmo de estratégias para transpô-lo a outra língua, não é
suficiente. O fato é que o tradutor precisa se desprender da estrutura, gramática e
características específicas pertencentes à língua do original para que a tradução soe
agradável ao leitor da língua de chegada. Tendo essa consciência, técnicas e
estratégias de tradução serão de muito maior utilidade durante o processo tradutório.
3.2 Estratégias de Tradução
A seguir, são apresentadas as estratégias de tradução conforme os três
teóricos selecionados. Iniciaremos com as estratégias segundo Barbosa (2004),
seguidas das estratégias de Said (2011) e por fim de Lima (2011).
3.2.1 Estratégias de tradução segundo Barbosa (2004)
Em seu livro, Procedimentos Técnicos da Tradução, Barbosa estabelece e
explica os seguintes procedimentos de tradução.
1) TRADUÇÃO PALAVRA-POR-PALAVRA
Como o próprio nome do procedimento mostra, é uma tradução totalmente
vinculada à literalidade de cada palavra. Trata-se de uma tradução feita de
determinado seguimento da LO (Língua Original) para a LT (Língua de tradução)
mantendo a mesma categoria ou ordem sintática. Inevitavelmente é a visão que
muitos têm quando se fala em tradução.
Exemplo: He wrote a letter to the mayor
↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓ ↓
Ele escreveu uma carta para o prefeito
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2) TRADUÇÃO LITERAL
Esse procedimento é facilmente confundido, ou interpretado como se fosse
uma tradução palavra-por-palavra. Porém, “a tradução literal corresponde à ideia
mais difundida a respeito da tradução, aquela em que se mantém uma fidelidade
semântica escrita” (p. 65), diferenciando-se da estratégia anterior por se adequar às
regras gerais da LT. Há situações em que este procedimento é considerado
“necessário, ou até obrigatório”, dependendo do texto a ser traduzido.
Exemplo: It is a known fact
- é ø fato conhecido
Observe-se no exemplo acima que a tradução pareceu ser palavra-por-
palavra, mas adequou-se ao estilo do português, que aceita verbo sem sujeito
explicito (it is = – é), e dispensa o uso excessivo do artigo indefinido (a – ø). No
demais, segue-se a ordem do original.
3) TRANSPOSIÇÃO
Barbosa afirma que “a transposição consiste na mudança de categoria
gramatical de elementos que constituem o segmento a traduzir” (p. 66). Por
exemplo:
She said apologetically ADVÉRBIO
(ela) disse desculpando-se VERBO REFLEXIVO
(ela) disse como justificativa ADJUNTO ADVERBIAL
O fato de existir mais de uma opção disponível para a tradução mostra que a
transposição não é um procedimento obrigatório. Esse procedimento será
obrigatório unicamente quando for essencial para que “a tradução se atenha às
normas da LT” (p. 67); no caso da tradução do inglês para o português, esse
procedimento serve para evitar o sufixo mente. O fato de Barbosa ressaltar a não
obrigatoriedade desse procedimento parece indicar que a autora não incentiva uma
liberdade excessiva por meio da transposição.
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4) MODULAÇÃO
Esse procedimento consiste em reproduzir a mensagem no TLT (Texto na
Língua de Tradução) “no modo como as línguas interpretam a experiência real” (p.
67). Por exemplo:
like the back of my hand como a palma da minha mão
keyhole buraco da fechadura
5) EQUIVALÊNCIA
Esse procedimento costuma ser aplicado com mais frequência na tradução de
clichês, expressões idiomáticas, provérbios, ditos populares, e outras expressões
relacionadas à cultura da LO (Língua Original), pois “consiste em substituir um
segmento de texto da LO para um outro segmento da LT que não o traduz
literalmente, mas que lhe é funcionalmente equivalente” (p. 67). Por exemplo:
It’s a piece of cake. É sopa.
Truly yours Atenciosamente
Sincerely yours Atenciosamente
Tanto a estratégia anterior, modulação quanto essa última valorizam os
aspectos estilísticos e idiomáticos da LT.
6) OMISSÃO VS. EXPLICITAÇÃO
Segundo Barbosa, “a omissão consiste em omitir elementos do TLO [(Texto
na Língua Original)] que, do ponto de vista da LT, são desnecessários ou
excessivamente repetitivos” (p. 68). O exemplo mais corriqueiro de uma tradução do
inglês para o português, por exemplo, é o uso constante que a primeira faz de
pronomes pessoais, enquanto para a estrutura da segunda, esse mesmo uso
contínuo de pronomes pessoais é considerado excessivo, sendo desnecessário o
uso abusivo deles.
No entanto, a explicitação é exatamente o procedimento inverso da omissão.
Usando o exemplo dado acima, se a tradução fosse do português para o inglês,
seria obrigatório identificar o pronome pessoal, que provavelmente está omitido no
português, levando em consideração que sua presença é obrigatória na língua
inglesa.
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7) COMPENSAÇÃO
A compensação tem uma função bem parecida com a equivalência, citada
acima. Barbosa explica que “consiste em deslocar um recurso estilístico, ou seja,
quando não é possível reproduzir no mesmo ponto da LT um recurso estilístico
usado na LO, o tradutor pode usar outro efeito equivalente, em outro ponto do texto”
(p. 69). Um bom exemplo para o uso desse procedimento são os trocadilhos.
8) RECONSTRUÇÃO DE PERÍODOS
De acordo com Barbosa, esse procedimento “consiste em redividir ou
reagrupar os períodos e orações do original e passá-los para a LT” (p. 70).
Nas traduções do inglês para o português, transformamos as orações curtas,
características da primeira língua, em períodos maiores, como é comum na estrutura
da língua portuguesa. Assim, o texto poderá apresentar aspectos estilísticos do
português. Nas traduções do português para o inglês o procedimento será inverso.
9) MELHORIAS
Esse procedimento apresentado por Barbosa consiste no ato de eliminar os
erros no TLT que foram apresentados no TLO. Barbosa declara que “consiste em
não repetirem na tradução os erros de fato ou outros tipos de erro cometidos na
TLO” (p. 70). Certamente, o autor do original agradeceria ao tradutor seu esforço
para não perpetuar os erros cometidos inadvertidamente no original.
10) TRANSFERÊNCIA
A transferência é o ato de “introduzir material textual da LO na LT” (p. 71). Há
quatro categorias de transferência, que descreveremos a seguir:
(i) Estrangeirismo
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Barbosa relata que “o estrangeirismo consiste em transferir (transcrever ou
copiar) para o TLT vocábulos ou expressões da LO que se refiram a um conceito,
técnica ou objeto mencionado no TLO que seja desconhecido para os falantes da
LT” (p. 71). Ou seja, é a utilização direta na tradução da mesma expressão ou
conceito que o original apresenta, desde que não exista um equivalente para ser
traduzido. Convém ressaltar que essa técnica não deveria ser usada como desculpa
ou “preguiça intelectual” do tradutor, no sentido de se esforçar em encontrar termos
equivalentes em português como se vê muitas vezes em traduções “tradutorescas”.
(ii) Estrangeirismo transliterado ou transliteração
Na tradução entre o inglês e o português, esse procedimento dificilmente será
usado, porque, de acordo com Barbosa, a transliteração “consiste em substituir uma
convenção gráfica por outra. Ocorre em casos de extrema divergência entre duas
línguas que sequer têm o mesmo alfabeto comum” (p. 73).
(iii) Estrangeirismo aclimatado ou Aclimatação
Barbosa declara que a aclimatação refere-se ao “processo através do qual os
empréstimos são adaptados à língua que os toma” (p.73). É por meio desse
procedimento que um estrangeirismo se adapta à estrutura morfológica da língua
que o importa.
(iv) Transferência com Explicação
Neste procedimento, Barbosa explica que para que a transferência ocorra é
necessário que o leitor aprenda o significado através do contexto. Trata-se de fazer
uma breve explicação na língua de chegada do termo ou do assunto ao qual o
original se refere, caso não exista uma equivalência.
Exemplo:
Night School Supletivo americano...
Wall Street O mercado financeiro de Nova Iorque...
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11) EXPLICAÇÃO
Barbosa esclarece que a explicação consiste em “eliminar do TLT os
estrangeirismos para facilitar a compreensão” (p.75), trocando os estrangeirismos
por explicações.
12) DECALQUE
Barbosa descreve o decalque como: “traduzir literalmente sintagmas ou tipos
frasais da LO no TLT; muitos autores interpretam o decalque como sendo uma
aclimatação do empréstimo linguístico” (p.76). Trata-se de um tipo de aclimatação,
pois ocorrem adaptações à TLT (ver aclimatação).
Exemplo:
a) decalque de tipos frasais:
task force grupo tarefa
case study estudo de caso
Drug addict drogadito
b) decalque de tipos frasais ligados a nomes de instituições
INPS – National Institute for Social Welfare
The Peoples’s Republic of China – A República Popular da China.
13) ADAPTAÇÃO
Barbosa sugere que esse procedimento “é o limite extremo da tradução” (p.
76), que se dá quando os “elementos referentes à LO não existem na realidade
extralinguística dos falantes da LT”. Emprega-se então a adaptação, podendo ser
recriada a realidade extralinguística da LT.
3.2.2 Estratégias de tradução segundo Said (2011)
Como segunda fonte de pesquisa, utilizamos o livro “Fidus Interpres: A prática
da tradução profissional” de Fabio M. Said, que no capítulo seis também fala sobre
técnicas de tradução. Elas serão descritas a seguir:
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1) TRADUÇÃO LITERAL
Consiste em uma tradução onde vertemos “as expressões, orações, períodos
ou frases palavra por palavra” (p.113). Cada segmento traduzido possui equivalência
1:1, ou seja, uma correspondência literal entre as palavras do original e da tradução.
Exemplo: “The agreement includes Central and South America as well as the Caribbean with a special focus on Brazil and Chile.”
Tradução: “O contrato abrange a América Central e América do Sul, assim como o Caribe, com foco especial no Brasil e no Chile”.
Said parece unir nessa estratégia as estratégias 1 e 2 de Barbosa (tradução
palavra-por-palavra e tradução literal). Parece que no modelo de Said, ele já
pressupõe que o tradutor deva fazer as devidas adaptações à LT.
2) TRADUÇÃO SEMÂNTICA OU EQUIVALÊNCIA
É a técnica de levar em conta o sentido como o mais importante a ser
passado, e não a correspondência das palavras. Isso também ocorre devido ao fato
de nem sempre termos uma palavra correspondente na língua de chegada.
Exemplo: “The grass is always greener on the other side of the fence”. Tradução: “A galinha do vizinho sempre é mais gorda”.
Barbosa menciona também esse procedimento. A diferença entre os dois
teóricos parece residir na ênfase que Said dá ao aspecto semântico da língua.
Nesse sentido, Said nos parece mais preocupado com a intenção comunicativa da
LO. Não queremos dizer que Barbosa não tem essa preocupação, mas o seu
modelo não a deixa explicita.
3) TRADUÇÃO FORMAL
Said explica que essas traduções estão mais ligadas à correspondência
formal, às expressões, e orações, como no caso de uma poesia. Na tradução formal,
a preocupação é produzir um efeito estético semelhante, mas sem a preocupação
de correspondência de palavras, pois as mensagens possuem marcas culturais que
precisam ser entendidas na língua de chegada.
Exemplo: “Immanuel doesn’t pun, he Kant”.
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Tradução: “Homem sério, esse Emanuel. Nem adianta pedir que ele cante.”
4) AMPLIFICAÇÃO OU TRADUÇÃO EXPLICATIVA
Said aponta que essa é outra opção de tradução no caso de não haver
“correspondência palavra por palavra” (p. 115). Nesse tipo de tradução, portanto,
faz-se uma explicação do texto de partida, algo que facilite a compreensão da
mensagem na tentativa de derrubar barreiras culturais.
Exemplo: “For this purpose, the hypothetical interpretation does seem to suffice”. Tradução: “Para esse propósito, a interpretação do contrato social como hipotético parece ser suficiente”.
5) ORIGINAL ENTRE PARÊNTESES/COLCHETES
Essa técnica é uma variante da amplificação. Consiste em usar o original
entre parênteses, especialmente quando um termo ainda não tem tradução
consagrada.
Exemplo: “BHG”. Tradução: “Supremo Tribunal Federal Alemão [Bundesgerichtshof]”.
6) REDUÇÃO/SUPRESSÃO
Segundo Said, nessa técnica há eliminação de elementos da frase ou de
expressões feitas no original que não são necessários na língua de chegada e, ao
fazer isso, muitas vezes preservamos a elegância e o estilo do texto de chegada.
Exemplo: E-Mail-Adresse (Alemão) Tradução: e-mail (suprimindo-se o “endereço”)
7) TRADUÇÃO POR APROXIMAÇÃO
O autor explica que essa técnica é utilizada quando lidamos com termos que
são culturalmente marcados e a precisão terminológica não é tão importante quanto
à mensagem que o texto quer passar. Nesse caso optamos por essa técnica
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buscando uma tradução aproximada na língua de chegada. Temos ainda duas
vertentes relacionadas a esse tipo de tradução: a generalização e a particularização.
Exemplo: DarkHorse Tradução: Zebra
8) GENERALIZAÇÃO E PARTICULARIZAÇÃO
Variantes da tradução por aproximação, ambas consistem em tornar um
termo mais ou menos específico, dependendo de qual termo e em que situação o
tradutor está inserido. Sendo assim, optamos por um ou por outro.
Exemplo: “The formation of new enterprises may be stimulated through the ‘spin-off’ of managerial staff setting up their own businesses on the basis of experience and skills gained in employment with the foreign firm”.
Tradução: “A formação de novas empresas pode ser encorajada com a saída de profissionais com cargo gerencial que resolveram fundar seus próprios negócios com base na experiência e habilidades adquiridas quando eram empregados da companhia estrangeira”.
Percebe-se que o termo “spin-off”, que geralmente seria “cisão”,
“desmembramento”, “divisão” acaba sendo, em português, uma simples saída e
perde elementos de especificidade do original.
9) DECALQUE
Said descreve que “a técnica do decalque consiste em traduzir literalmente
sintagmas ou palavras compostas, transferindo-se, por assim dizer, elementos da
língua de partida no texto traduzido na língua de chegada” (p.117).
Exemplo: Avoir Lieu (Francês) Tradução: Em vez de usar a tradução “acontecer”, às vezes opta-se pelo decalque
“ter lugar”.
10) EMPRÉSTIMO
De acordo com Said, essa técnica diz respeito à técnica de incorporar um
termo do texto de partida no texto de chegada.
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Exemplo: Termos como “bullying” e “corporate governance”.
11) NOMINALIZAÇÃO DE VERBOS/ADJETIVOS
Said aponta que “a técnica da nominalização de verbos é um tipo de
transposição de uma categoria gramatical para outra, mas sem alteração do sentido
original” (p.118). No caso, trata-se da transposição de verbos em substantivos ou
expressões nominais. Isso se dá devido ao fato de que o inglês é uma língua verbal
e o português é uma língua nominal.
Exemplo: “installing the software”.
Tradução: “instalação do software”.
12) VERBALIZAÇÃO/ADJETIVAÇÃO DE SUBSTANTIVOS
Essa técnica trata-se do oposto da técnica anterior. Ou seja, transformação
dos substantivos do texto de partida em verbos ou adjetivos no texto de chegada.
Tende a acontecer mais em traduções do português para o inglês.
13) TRANSPOSIÇÃO DE ADVÉRBIOS
O autor argumenta que a técnica da transposição de advérbios muitas vezes
é ignorada nas traduções. Em geral, os advérbios terminados em ly são
automaticamente traduzidos como mente. Aplicando a técnica em questão, os
advérbios poderiam ser transformados em expressões adverbiais, adjetivos,
substantivos, ou expressões nominais.
Exemplo: “She paused solemnly and went quietly on, greatly enjoying each moment”.
Tradução: “Ela fez uma pausa solene e depois continuou calmamente, saboreando cada momento com grande prazer”.
14) MODULAÇÃO
Segundo Said, “a técnica da modulação consiste em modificar a perspectiva
ou o ponto de vista de elementos do texto de partida, mas preserva-se a ideia
24
original” (p.119). Uma das formas é a transformação da voz passiva em voz ativa.
Notamos que Barbosa (2004) apresenta essa mesma estratégia usando a mesma
nomenclatura dada por Said. Ambos autores classificam como uma estratégia em
que o texto do original é modulado para que seja mais bem compreendido pela
cultura da língua de chegada. Em outras palavras, conforme esclarece Barbosa,
essa técnica ressalta que as línguas interpretam a experiência real de modos
diferentes
15) COGNATOS, FALSOS COGNATOS OU FALSOS AMIGOS
Segundo Said, cognatos são palavras que possuem a mesma raiz etimológica
em idiomas diferentes, mas, por seguirem direções distintas, possuem traduções
distintas. Segundo Said, falsos cognatos são palavras que dão a falsa impressão de
terem a mesma origem; enquanto os falsos amigos tem a mesma origem, mas
evoluíram em direções diferentes. Por isso, os tradutores devem estar sempre
atentos e com um dicionário em mãos para fazer consulta.
Exemplo de Cognato:
Português “clima”
Alemão “klima”
Exemplo de Falso Cognato:
Português “engenhoso”
Inglês “ingenious”
Exemplo de Falso Amigo:
Português “eventualmente”
Inglês “eventually”
16) ADAPTAÇÃO DE SINAIS DE PONTUAÇÃO
Said define que cada língua tem sua forma de escrita e de pontuação.
Portanto, o tradutor deve estar apto a fazer as alterações e adaptações necessárias
pra que o texto de chegada fique devidamente legível.
25
17) REORGANIZAÇÃO SINTÁTICA
Said julga que “para que as traduções soem naturais na língua de chegada
muitas vezes o tradutor tem de fazer uma reorganização sintática” (p. 120).
18) NOTAS DO TRADUTOR
O autor esclarece que as notas devem ser evitadas. Contudo, há situações
em que elas são imprescindíveis para a compreensão. Nesse caso, o tradutor deve
refletir sobre a melhor forma de colocá-las.
19) LÍNGUA DE APOIO
Said conclui explicando que o tradutor pode utilizar outra língua que o ajude a
obter melhor percepção do significado de determinado termo ou palavra. Entretanto,
isso deve ser feito com muito cuidado, muita pesquisa e comparação para não se
cometerem erros.
3.2.3 Estratégias de tradução segundo Lima (2011)
Como terceira e última fonte, mencionaremos as estratégias de Lima (2011)
ou suas macroestratégias, conforme ele denominou. O autor estruturou essas
estratégias com base no que ele chamou de o princípio cognitivo da tradução (Lima,
2012b), fundamentado na Teoria Interpretativa de Danica Seleskovich (1980, 1984,
1995) e Marianne Lederer (1984, 1994), e também no que ele chamou de Princípios
Contrastivos. Esses pontos serão discutidos no decorrer desta seção.
Lima (2011, p.18), ao discutir sobre o princípio cognitivo da tradução,
descreve que “o tradutor é acima de tudo um comunicador – um comunicador de
sentidos, e não meramente um decodificador de estruturas linguísticas.” Lima parece
se alinhar à preocupação de Said sobre os aspectos semânticos do ato tradutório –
um aspecto aparentemente pouco enfatizado por Barbosa. De fato, as
macroestratégias de Lima não parecem se preocupar em apresentar aspectos
26
meramente técnicos da tradução, mas conceitos gerais de caráter mais cognitivo-
interpretativo.
Essas macroestratégias têm como foco relatar, investigar e avaliar o papel
cognitivo exercido pelo tradutor. O autor esclarece que “o ato tradutório não consiste
numa ação mecânica sem que haja da parte do tradutor um profundo envolvimento
cognitivo e hermenêutico com o objetivo de extrair do texto, com o máximo de
precisão possível, a intenção comunicativa do autor original” (Lima, 2011).
Seguem abaixo um quadro com as macroestratégias, estruturadas em sete
categorias:
MACROESTRATÉGIA DEFINIÇÃO
REDUÇÃO Refere-se a estratégias que deixam o texto traduzido mais sintético e conciso por meio de omissões, supressões ou simplificação discursiva, semântica, lexical, estrutural e morfossintática.
EXPANSÃO
Refere-se a estratégias que ampliam o texto traduzido por meio de acréscimos de natureza discursiva, semântica, lexical, estrutural e morfossintática.
DESLOCAMENTO (TRANSFERÊNCIA/
SUBSTITUIÇÃO)
Refere-se a estratégias que permitem a transmissão da intenção comunicativa do original por meio de elementos morfológicos, sintáticos e estruturais diferentes dos usados no texto de partida. Em outras palavras, desloca-se o significado expresso por determinado elemento morfológico, ou determinada estrutura da língua de partida, para elementos e estruturas distintas na língua de chegada.
IDIOMATIZAÇÃO
Refere-se a estratégias que deixam o texto traduzido mais idiomático, ou seja, mais de acordo com as características estilísticas, estruturais e morfossintáticas da língua de chegada.
CULTURALIZAÇÃO
Refere-se a estratégias que visam romper barreiras culturais por meio de adaptações variadas.
ESTILIZAÇÃO (EDITORAÇÃO)
Refere-se a estratégias intervencionistas por meio das quais o tradutor realiza modificações intencionais no texto traduzido, quer seja para garantir ou reforçar a intenção comunicativa do autor original, ou
27
aprimorar o texto traduzido. Por meio dessa estratégia, o tradutor se faz presente como sujeito discursivo e revela seu estilo tradutório, sem deixar de lado seu compromisso com a fidelidade ao texto original.
EXTRAPOLAÇÃO
Refere-se à capacidade do tradutor de ir além do dito e penetrar no não dito a fim de recuperar o vouloir-dire do autor e evitar incoerências no texto traduzido. A eficácia da aplicação dessa estratégia dependerá da habilidade do tradutor de perceber a real intenção comunicativa do autor por meio de seu profundo conhecimento da língua de partida, do bom uso que fizer dos complementos cognitivos (contextos verbal, situacional e cognitivo), e do seu conhecimento enciclopédico. Essa estratégia se destaca pelo alto nível de envolvimento cognitivo exigido; revela também a competência do tradutor em perceber o que outros poderiam deixar passar batido, e explica por que certa palavra ou expressão foi usada em lugar de outra ou em lugar de uma tradução mais literal.
Fonte: Lima, 2011, p. 36, 37
Percebemos que o modelo de Lima parece estabelecer um quadro conceitual
cognitivo mais amplo sob o qual se podem inserir muitas das estratégias de Barbosa
e Said – estratégias não explicitadas no modelo de Lima. O modelo pode
complementar os anteriores no sentido de dar ao tradutor um papel cognitivo mais
atuante. Os dois modelos anteriores se mostram mais técnicos, ao passo que o de
Lima revela uma preocupação maior com os aspectos semânticos, cognitivos e
extralinguísticos do texto a ser traduzido.
Sem essa consciência cognitiva da parte do tradutor, cremos que se corre o
risco de utilizar as técnicas de Barbosa (2004) e Said (2011) de forma mais
mecânica, estruturalista. O modelo de Lima, porém, parece oferecer recursos que
podem tornar o ato tradutório mais natural, desde que o tradutor tenha consciência
dos princípios envolvidos no ato tradutório.
Lima esclarece esses pontos ao afirmar que o tradutor precisa se desprender
das “amarras” a que ele, inconscientemente, se prende no ato da tradução. O autor
ressalta que o tradutor precisa ter consciência de que uma tradução não é
meramente um trabalho mecânico, de decodificação linguística.
O ato tradutório não consiste numa ação mecânica, mas se distingue pelo profundo envolvimento cognitivo e hermenêutico do tradutor, de
28
forma que o produto final – o texto traduzido – represente, da maneira mais precisa possível, a intenção comunicativa do autor original (LIMA, 2011, p. 25).
Conforme já ressaltamos em 3.1, o mero conhecimento dos procedimentos
técnicos de tradução, como os apresentados por Barbosa e Said – por mais
relevantes e úteis que sejam – não são suficientes para “imunizar” o tradutor contra
o tradutorês
3.2.3.1 O princípio cognitivo da tradução e os princípios contrastivos
Conforme mencionado, Lima (2011, p 36) salienta que suas macroestratégias
têm como fundamento “o Principio Cognitivo da Tradução”, já comentado
anteriormente, e também o que ele chama de “Princípios Contrastivos”. Esses
princípios estabelecem diferenças entre o inglês e o português. Lima esclarece que
esses princípios são
o resultado da [sua] prática tradutória e das discussões realizadas na disciplina Análise Contrastiva, ministrada no curso de Letras e Tradutor e Intérprete do Unasp – EC [...] [Trata-se de] uma serie de Princípios Contrastivos estilísticos e morfossintáticos entre o inglês e o português (Lima, 2011, p.35).
Segundo Lima (2011, p.35), suas estratégias tradutórias “vis[am] à aplicação
[desses princípios] ...[que] não representam polarizações, mas tendências
observadas nas duas línguas”. Lima (2012a), com base em Quénelle e Hourquin
(1987), afirma que essas tendências podem ser compreendidas quando passamos a
“compreender o povo [...] e a cultura em que [cada língua] se desenvolveu”.
No caso da língua inglesa, “os falantes de língua inglesa são fruto da cultura
anglo-saxônica”, cujo “pragmatismo” é uma de suas características (LIMA, 2012a, p.
1), em oposição à cultura greco-latina da língua portuguesa, de viés mais conceitual,
ideológico e filosófico. Lima, ainda com base em Quénelle e Hourquin (1987), ilustra
as considerações acima afirmando que:
A gramática inglesa pode ser comparada a um jardim inglês: espontâneo e natural. A gramática portuguesa é mais semelhante a um jardim francês: harmonioso e simétrico. Como exemplo de espontaneidade, podemos citar o Hyde Park de Londres. Ali você encontrará caminhos que serpenteiam entre bosques e árvores
29
plantadas “ao acaso”. Como exemplo de simetria e harmonia, temos Os Jardins das Tulherias [Jardin de Tuileries] em Paris. Nesse parque os caminhos se alinham simetricamente, revelando uma perspectiva bem arquitetada e uma natureza “domesticada”. Os dois jardins exigiram esforços equivalentes. Contudo, o primeiro reflete o viés pragmático anglo-saxônico, mais preocupado com os fatos e sua utilidade prática. Assim é a língua inglesa. Já o segundo, reflete o desejo dos franceses de permanecer no nível das ideias, apresentando ao público o resultado de um projeto intelectual arquitetônico bem estruturado. O português, língua irmã (ou prima) do francês reflete essa característica (Lima, 2012a, p.1).
Em suas pesquisas, Lima (2011), já relacionou 52 princípios contrastivos,
(Lima, 2011, p.129). Os princípios então organizados segundo cinco categorias: (1)
Princípios estilísticos, (2) Princípios estruturais, (3) Princípios lexicais, (4) Princípios
morfossintáticos e (5) Princípios prosódicos ou suprassegmentais.
Para os propósitos desta pesquisa, mencionaremos apenas alguns princípios
para nos ajudar em nossa análise de estratégias utilizadas. Esses princípios
encontram-se no quadro abaixo com as devidas explicações e categoria a que
pertencem. O número de cada princípio corresponde à sequência numérica utilizada
pelo autor ao descrever seus princípios contrastivos.
Quadro 1 – Seleção de Princípios Contrastivos de Lima (2011). A. Princípios Estilísticos
Língua Inglesa Língua Portuguesa
Comentários
1. Coloquialismo estilístico
Erudição estilística A língua inglesa possui um estilo mais coloquial na sua forma de expressão, ao passo que o português, devido a sua origem latina, possui um estilo mais erudito.
2. Expressividade verbal
Expressividade nominal
A língua inglesa prefere verbos a substantivos – os conceitos em inglês são expressos preferencialmente por meio de verbos, ao passo que em português, substantivos.
3. Sintetismo Prolixidade Conceitos expressos em inglês de forma mais sintética precisam muitas vezes ser traduzidos de forma mais expandida ou explicativa em português para que possam ser veiculados de forma mais eficiente. A prolixidade em português aparentemente ocorre devido às estruturas da língua
30
portuguesa de origem latina, que são mais sofisticadas e complexas.
5. Objetividade expressiva
Subjetividade expressiva
Conceitos e palavras designativas (substantivos) são expressos de forma mais objetiva e concreta em língua inglesa, ao passo que no português, de forma mais subjetiva e abstrata. Ex.: os componentes materiais de um computador são designados de hardware em inglês, dada a natureza “dura” desses materiais; já os programas, de natureza “imaterial”, são designados de software. A ideia de imaterialidade foi transmitida em inglês pelo adjetivo soft = mole, em oposição a hard.
7.Expressividade pictórica ou imagética
Expressividade conceitual
A língua inglesa prefere fazer uso de descrições precisas por meio de imagens ou quadros mentais, enquanto o português prefere conceituar.
8. Condensação semântica
Expansão semântica
Conceitos expressos em inglês de forma mais sintética precisam muitas vezes ser traduzidos de forma mais expandida ou explicativa em português para que possam ser veiculados de forma mais eficiente.
9. Economia referencial ou anafórica
Variedade referencial ou anafórica
Em português, as referências anafóricas parecem ser muito mais frequentes, ou seja, a língua portuguesa parece exigir mais elos coesivos e retomadas referenciais.
12. Conceitualização implícita
Conceitualização explícita
O escritor em língua inglesa parece deixar muitas vezes conceitos implícitos, confiando na bagagem cognitiva do leitor, ao passo que o leitor em língua portuguesa parece exigir uma explicitação maior dos conceitos.
13. Pontuação minimizada
Pontuação maximizada
A língua inglesa faz uso reduzido de pontuação, especialmente vírgulas, ao passo que em português há um uso mais extensivo da pontuação, especialmente virgulas. Ver princípio 15, 47 e 49 para possíveis razões.
14.Pessoalidade Impessoalidade Na forma escrita, a língua inglesa faz mais uso dos pronomes pessoais da primeira e segunda pessoas do discurso (I, we, you), ao discutir temas, ou ao se dirigir ao leitor, transmitindo um tom mais conversacional ao discurso. A língua portuguesa, por outro lado, especialmente em textos mais acadêmicos e formais, prefere formas impessoais.
31
B. Princípios Estruturais
15. Estruturação modular de ideias
Estruturação coesiva de ideias
A língua inglesa parece se estruturar com base em blocos de ideias aparentemente soltas, ao passo que a língua portuguesa exige que as ideias sejam mais amarradas sintática e logicamente. Em outras palavras, o português exige uma coesão ou costuramento sintático mais preciso.
16. Condensação/
concisão estrutural
Explicitação/expansão estrutural
Estruturas que em inglês são estruturalmente concisas exigem uma expansão estrutural maior em português.
21. Simplicidade oracional
Complexidade oracional
A língua inglesa prefere períodos simples aos compostos.
26. Repeticionismo morfológico e estrutural
Variabilidade morfológica e estrutural
Na língua inglesa é muito comum a repetição de uma mesma estrutura gramatical ou morfológica, ao passo que na língua portuguesa essas repetições são evitadas. Ex.: Em português evita-se o uso do pronome relativo “que” (queísmo). A língua inglesa usa com abundância numa mesma oração adjetivos indefinidos (any), advérbios (just), pronomes relativos (that), conjunções (and), etc.
D. Princípios Morfossintáticos
36.Prodigalidade/ generosidade pronominal
Economia pronominal A língua inglesa faz uso abundante de pronomes pessoais e possessivos, ao contrário do português que os evita sempre que possível. Em português, por exemplo, evita-se o uso do pronome pessoal reto na forma escrita, pelo fato de a pessoa estar indicada na desinência número-pessoal; pronomes possessivos são evitados também: He washed his hair (ele lavou o cabelo).
46. Rigidez no aspecto verbal
Flexibilidade/ maleabilidade no aspecto verbal
Na língua inglesa, o aspecto verbal, ou seja, o processo verbal nas fases de seu desenvolvimento na linha do tempo, se mostra bem mais rígido que na língua portuguesa, especificamente no que diz respeito à anterioridade e à progressividade da ação verbal. Exemplos: I’ve read three books so far = li três livros até agora (a noção de repetição da ação verbal fica evidenciada no uso do present perfect tense, o que não ocorre em
32
português); I’ve known her since I was a child = eu a conheço desde criança (a noção da continuidade da ação a partir de um tempo no passado é expressa pelo uso do present perfect tense, noção esta não transmitida pelo presente do indicativo da língua portuguesa.
48. Sintaxe rítmica-modular
Sintaxe fluida-melódica Percebe-se na língua portuguesa uma fluidez estrutural com redução de quebras que possam impedir uma leitura mais “corrida” e não tão rítmica e “quebrada” como a leitura em língua inglesa. Ex.: Evita-se o “que”. A impressão que se tem é que a linha de pensamento em português flui num ritmo mais constante, numa cadência mais melódica, como se quisesse chegar a um descanso final.
E. Princípios Prosódicos ou Suprassegmentais
51. Entonação e acentuação rítmica e marcada
Entonação e acentuação fluida e melódica
Na língua inglesa, a pronúncia dos vocábulos bem como dos sintagmas verbais e nominais é bem mais rítmica e marcada do que na língua portuguesa, cuja pronúncia é de natureza mais fluida e melódica. Esse aspecto parece ter consequências na estruturação sintática da língua portuguesa; observa-se uma maior fluidez sintática.
Fonte: Lima, 2011
Encerramos aqui a fundamentação teórica de nosso trabalho. Procederemos
agora à análise do corpus da pesquisa.
33
4 INVESTIGAÇÃO DE ESTRATÉGIAS TRADUTÓRIAS
Este capítulo tem como propósito aplicar as estratégias apresentadas no
capítulo anterior. Escolhemos trechos de capítulos previamente selecionados de
dois livros: Mensageira do Senhor (Messenger of the Lord) e O Princípio
Cognitivo da Teologia Cristã: Um estudo Hermenêutico sobre Revelação e
Inspiração (The Cognitive Principle of Christian Theology: A Hermeneutical Study of
the Revelation and Inspiration of the Bible). Ele é divido em três partes: na primeira e
segunda partes, fazemos a análise dos fragmentos dos dois livros selecionados; e a
terceira parte trata-se de uma reflexão comparativa entre os tradutores A e B.
Os trechos serão apresentados em tabelas paralelas para uma melhor
visualização, contendo o original em inglês e respectiva tradução. Após cada tabela
comparativa, descreveremos e comentaremos as estratégias propostas pelos três
autores apresentados anteriormente, mostrando quais foram os procedimentos
utilizados segundo cada um deles. Contudo, há situações em que um ou dois
autores não possuem estratégia relacionada ao seguimento. Nesses casos, eles não
serão mencionados. Vale ressaltar que os autores, por vezes, utilizam
nomenclaturas semelhantes para estratégias distintas. O primeiro grupo de análises
refere-se a excertos do livro A Mensageira do Senhor, traduzido pelo Tradutor A; o
segundo grupo de análise refere-se a excertos do livro O Princípio Cognitivo da
Teologia Cristã, traduzido pelo Tradutor B.
4.1 Análise de excertos de A Mensageira do Senhor
a) Análise 1
Tabela 1
ORIGINAL TRADUÇÃO
“Looking forward to Ellen White’s visit to Australia in 1891, G. C. Tenney, first president of the Australian Conference, wrote in the church paper: ‘I need hardly say that this event is anticipated by us all with great interest. I believe it is most opportune. The position that Sister White and her work occupy in connection with our cause renders it imperative that our people should become personally acquainted with her, so far as
“Enquanto aguardava ansiosamente pela visita de Ellen White à Austrália em 1891, G. C. Tenney, primeiro presidente da Associação Australiana, escreveu na revista da igreja: ‘Quase não preciso dizer que este acontecimento é aguardado com grande interesse por todos nós. Creio que é bastante oportuno. A posição que a irmã White e sua obra ocupam em relação a nossa causa torna imperativo que nosso povo a conheça pessoalmente, tanto quanto
34
possible”(p. 44). possível’” (p. 44).
Quadro de Pares Contrastivos 1
Nº PAR CONTRASTIVO
1 Looking forward Enquanto aguardava ansiosamente
2 Wrote in the church paper: Escreveu na revista da igreja
3 I believe it is most opportune Creio que é bastante oportuno.
4 The position that Sister White and her work occupy in connection with our cause
A posição que a irmã White e sua obra ocupam em relação a nossa causa
Observamos que o Tradutor A teve que fazer adaptações para que o termo
“looking forward” fosse mais bem compreendido, já que o termo não parece possuir
uma conotação tão clara e imagética no português, como explica o Príncípio
Contrastivo nº 7 “Expressividade Pictórica ou Imagética versus Expressividade
Conceitual”. Em outras palavras, enquanto em inglês a ideia de aguardar com
ansiedade é expressa em termos imagéticos ou visuais, ou seja, “olhar adiante”, em
português a ideia é expressa de forma conceitual e subjetiva. Essa constatação
reflete as considerações de Lima (2012), com base em Quénelle e Hourquin (1987),
de que a língua inglesa se prende mais aos “fatos”, em oposição à língua
portuguesa, que prefere permanecer mais no nível das ideias.
É possível notar também que foi utilizada a estratégia de Adaptação, segundo
Barbosa (2004), pois o tradutor, consciente de que para a expressão não existe
correspondência na realidade da LT, adaptou-a segundo a realidade cultural da
língua portuguesa. Cremos que podemos incluir aqui a estratégia Amplificação
segundo Said. Isso se dá porque é impossível traduzir “looking forward” palavra por
palavra. Fez-se necessário, portanto, que o tradutor fizesse um tipo de explicação
conceitual para veicular o sentido implícito na expressão imagética da LO.
Alguns princípios contrastivos de Lima nos ajudam nessa análise. O de no 8
(Condensação Semântica versus Expansão Semântica) e o de no 30, por exemplo,
mostram que o inglês possui a natureza de expressar conceitos de forma mais
sintética, diferente do português, que precisou de uma expansão semântica para
35
que o conceito fosse mais bem compreendido. Nesse contexto, encaixa-se a
estratégia Expansão, segundo Lima, pois um simples phrasal verb precisou ser
expandido para uma expressão mais complexa e conceitual em português.
Em um contexto geral, o Tradutor A mostrou ter escolhido manter-se leal às
palavras do autor, no sentido de ter escolhido mais o caminho da literalidade no
decorrer da tradução, conforme evidenciam os pares contrastivos 2, 3 e 4. Esses e
outros exemplos que mostraremos adiante parecem indicar que o Tradutor A seguiu
mais de perto a estratégia TRADUÇÃO PALAVRA-POR-PALAVRA e TRADUÇÃO
LITERAL de Barbosa, ou a estratégia TRADUÇÃO LITERAL de Said, mostrando-se
bastante ligado àquela correspondência 1:1, conforme explicada por Said. Essa
análise se justifica pelo fato de o Tradutor A procurar, sempre que possível, uma
correspondência literal entre as palavras do original e da tradução, evidentemente
procurando se adequar às regras gerais da LT.
b) Análise 2
Tabela 2
ORIGINAL TRADUÇÃO
Portland had a ‘progressive school system’ for students between 4 and 21 years of age. Following primary school, a student could enter grammar school after a public examination. However, free education for girls ended with grammar school, while boys could go on to the English high school, after passing another public examination (p. 45).
Portland tinha ‘um sistema escolar progressista’ para estudantes entre os quatro e os 21 anos de idade. Depois da escola primária básica [4 anos de estudo], o estudante podia entrar para a escola primária superior [4 anos de estudo], chamada grammar school, após um exame público. A educação gratuita para as meninas, contudo, acabava na escola primária superior, enquanto os meninos podiam prosseguir na escola secundária [4 anos de estudo], que se especializava no ensino avançado do inglês, depois de passar noutro exame público (p. 45).
Quadro de Pares Contrastivos 2
Nº PAR CONTRASTIVO
1 Primary school Escola primária básica [4 anos de estudo]
2 Grammar school Escola primária superior [4 anos de estudo]
3 English high school Escola secundária [4 anos de estudo], que se
36
especializava no ensino avançado do inglês
Nesse parágrafo, o Tradutor A nos deu um excelente exemplo de
contextualização cultural. Ele forneceu uma explicação do que é Primay School e
Grammar School. Para aqueles que não têm conhecimento cultural da língua de
partida, sem essa explicação, possivelmente não saberiam como funciona o sistema
escolar relacionado com a LO. Barbosa (2004) explica essa situação com a
estratégia Transferência com explicação, fazendo com que o leitor aprenda o
significado através do contexto. Da mesma forma, como vimos no exemplo anterior,
o Tradutor A também utilizou a estratégia de Said (2011), Amplificação (Tradução
Explicativa), pois a tradução sem a explicação poderia não ser suficiente para a
compreensão do leitor. Notamos que os pares contrastivos 1 e 2 dizem respeito à
cultura da LO, daí o uso da estratégia de Lima (2011), denominada Culturalização,
que também se encaixa aqui, pois a explicação estabelecida pelo Tradutor A rompe
uma possível barreira cultural.
Com referência ao grupo nominal grammar school, o tradutor parece ter
usado a estratégia TRADUÇÃO POR APROXIMAÇÃO de Said. Nesse caso, o mais
importante não era a precisão terminológica, mas apresentar uma tradução que
transmitisse a ideia do original.
Já no caso do par contrastivo 3, o Tradutor A usou a estratégia
AMPLIFICAÇÃO OU TRADUÇÃO EXPLICATIVA de Said, ou a estratégia de Lima
EXPANSÃO. Percebe-se que houve uma ampliação do texto traduzido pela falta de
uma equivalência na realidade cultural da LT.
c) Análise 3
Tabela 3
ORIGINAL TRADUÇÃO
Others, believing that the 1,000-year Sabbath had now begun, and to show their faith in what they believed, would do no more secular work (p. 50).
Outros, crendo que o sábado milenar havia começado naquela época, e para mostrar sua fé nessa crença, não faziam mais nenhuma espécie de trabalho secular (p. 50).
37
He was not only a strategist, He fought like a warrior in the field. He started the church’s publishing work with nothing, fostered church organization, and developed an educational system when others saw only a dream (p. 53).
Era não apenas um estrategista, mas lutava como um guerreiro no campo de batalha. Ele iniciou a obra de publicações da igreja a partir do zero, fomentou a organização da igreja e desenvolveu o sistema educacional quando outros viam nisso apenas um sonho (p. 53).
Quadro de Pares Contrastivos 3
Nº PAR CONTRASTIVO
1 In what they believed Sua fé nessa crença
2 Would do no more secular work Não faziam mais nenhuma espécie de trabalho secular
3 With nothing A partir do zero,
4 When others saw only a dream Quando outros viam nisso apenas um sonho
O par constrastivo 1 mostra que o Tradutor A fez uso da estratégia
TRANSPOSIÇÃO de Barbosa, que corresponde à macroestratégia
DESLOCAMENTO de Lima. Por meio dessa estratégia, houve uma transposição de
categoria gramatical. O sentido do verbo believed foi passado para o português por
meio do uso do substantivo crença. Nesse caso, podemos dizer também que houve
o uso da estratégia NOMINALIZAÇÃO DE VERBOS de Said.. O princípio contrastivo
no 2 de Lima (Expressividade verbal x Expressividade nominal) nos ajuda a entender
por que o tradutor optou pela forma nominal. Como explicado por Lima na
fundamentação teórica, os conceitos em inglês são expressos preferencialmente por
meio de verbos, ao passo que em português, substantivos. O par contrastivo 2
revela o uso da macroestratégia de Lima EXPANSÃO, pois o tradutor expandiu a
tradução, possivelmente com o objetivo de dar um reforço discursivo ao enunciado
mais objetivo da LO. Nesse contexto, vale mencionar dois princípios contrastivos de
Lima que nos ajudam a entender o uso dessa estratégia. Em primeiro lugar,
percebe-se, com base no princípio de no 3, o sintetismo da língua inglesa, ou seja, o
conceito é expresso de forma mais sintética, ao passo que em português ele foi
traduzido de forma mais expandida ou explicativa. Esse princípio relaciona-se com o
38
princípio de no 8 segundo o qual o sentido é expresso de forma mais condensada
em língua inglesa.
No par contrastivo 3, utilizou-se a estratégia IDIOMATIZAÇÃO de Lima, visto
que a tradução em português soou bem mais idiomática, o que não ocorreria se a
tradução tivesse sido literal. Já no par contrastivo 4, o Tradutor A fez uso da
estratégia EXPANSÃO de Lima. O acréscimo de “nisso” na tradução revela o desejo
do tradutor de fazer um acréscimo de natureza discursiva para facilitar a
compreensão da mensagem. O princípio de no 9 de Lima (Economia referencial ou
anafórica x Variedade referencial ou anafórica) nos ajuda a entender o uso dessa
estratégia. Esse princípio esclarece que a língua portuguesa exige mais elos
coesivos e retomadas referenciais. “Nisso” é uma retomada referencial não presente
no original.
Possivelmente a razão por que a língua inglesa “economiza” nas retomadas
referenciais reside no princípio contrastivo de no 12 de Lima. Esse princípio enfatiza
que é comum o escritor em língua inglesa deixar muitas vezes conceitos implícitos,
confiando na bagagem cognitiva do leitor, ao passo que o leitor em língua
portuguesa parece exigir uma explicitação maior dos conceitos.
4.2 Análise de excertos de O Princípio Cognitivo da Teologia Cristã
a) Análise 4 Tabela 4
ORIGINAL TRADUÇÃO
We, however, are following a different understanding of how knowledge and understanding take place: the hermeneutical view as presented in Chapter 5 (p. 87).
Neste livro, no entanto, tomamos como modelo uma visão diferente de como ocorrem o conhecimento e a compreensão: a visão hermenêutica, conforme apresentada no capítulo 5 (p. 85).
Quadro de Pares Contrastivos 4
Nº PAR CONTRASTIVO
1 Neste livro
2 We [...] are following a different Tomamos como modelo uma visão diferente
39
understanding
3 The hermeneutical view as presented in Chapter 5
A visão hermenêutica, conforme apresentada no capítulo 5
O par contrastivo 1 revela que o Tradutor B usou a estratégia EXPANSÃO de
Lima, pois fez uma ampliação de natureza discursiva. O tradutor ao usar “neste livro”
fez uma retomada referencial ou contextual que o original não usou. Esse acréscimo
possivelmente se deu por causa do princípio contrastivo de no 9, conforme já
explicado na Análise 3.
No par constrastivo 2, queremos chamar a atenção em primeiro lugar para a
omissão do pronome pessoal “we” na tradução. O Tradutor B usou aqui a estratégia
OMISSÃO de Barbosa. O princípio contrastivo de no 36 de Lima
(Prodigalidade/Generosidade Pronominal versus Economia Pronominal) esclarece a
razão de tal omissão, pois o uso constante que o inglês faz de pronomes pessoais é
considerado excessivo para a estrutura da língua portuguesa.
Em segundo lugar, percebe-se que o Tradutor B usou no par contrastivo 2 a
estratégia DESLOCAMENTO e IDIOMATIZAÇÃO de Lima. O tradutor fez uso de
estruturas morfossintáticas diferentes (deslocamento), aparentemente com o
objetivo de deixar o texto traduzido mais de acordo com as carcterísticas estilísticas
da língua portuguesa (idiomatização). Pode-se dizer também que o Tradutor B usou
a estratégia TRADUÇÃO SEMÂNTICA OU EQUIVALÊNCIA de Said, pois se vê
claramente que o tradutor deu mais importância ao sentido a ser passado do que a
uma correspondência exata das palavras.
Dois princípios contrastivos de Lima parecem justificar a escolha tradutória do
Tradutor B: o princípio de no 5 (Objetividade expressiva x Subjetividade expressiva)
e o de no 7 (Expressividade pictórica ou imagética x Expressividade conceitual). O
verbo “follow” (seguir) no original transmite uma ideia mais objetiva, concreta e
mesmo imagética. No momento em que o Tradutor B optou por expressar a ideia do
original por meio da expressão “tomar como modelo”, fica claro o caráter mais
conceitual e subjetivo da tradução em português.
O par contrastivo 3 é um exemplo de TRADUÇÃO LITERAL (Barbosa e Said)
com algumas adequações às regras gerais da LT. Nota-se também o uso da
40
estratégia ADAPTAÇÃO DE SINAIS DE PONTUAÇÃO, como pode ser visto na
inserção da vírgula antes de “conforme.” Vale ressaltar, em harmonia com o princípio
contrastivo de no13 (Pontuação minimizada x Pontuação maximizada), que a língua
inglesa faz uso reduzido de pontuação, especialmente vírgulas, ao passo que em
português há um uso mais extensivo desse tipo de pontuação.
b) Análise 5
Tabela 5
ORIGINAL TRADUÇÃO
As Paul and Peter clarified, two agents were continuously and simultaneously operating in the generation of Scripture (p. 87).
Como Paulo e Pedro nos esclareceram, dois agentes operaram de forma contínua e simultânea na produção das Escrituras (p. 85).
Quadro de Pares Contrastivos 5
Nº PAR CONTRASTIVO
1 Two agents were [...] operating Dois agentes operaram
2 Continuously and simultaneously De forma continua e simultânea
3 In the generation of Scripture Na produção das Escrituras
No par contrastivo 1, percebe-se que o Tradutor B fez uso da estratégia
REDUÇÃO de Lima, ao ele deixar a locução verbal “were operating” mais
simplificada no texto em português. Em outras palavras, o tradutor preferiu usar o
pretérito perfeito do indicativo em vez da locução verbal com o verbo principal no
gerúndio (present continuous tense). É verdade que o Tradutor B poderia, sem
comprometer a fidelidade da tradução, ter traduzido literalmente o tempo verbal em
inglês (estavam operando). Tudo indica que o tradutor julgou a forma “estavam
operando” pesada em português, optando por uma forma verbal mais simples.
Mais uma vez, dois princípios contrastivos de Lima parecem nos ajudar a
compreender essa escolha tradutória: o princípio de no 2 (Expressividade verbal x
Expressividade nominal) e o de no 46 (Rigidez no aspecto verbal x Flexibilidade/
41
maleabilidade no aspecto verbal). O princípio de no 2 ressalta o valor que a língua
anglo-saxônica dá ao uso de verbos para se expressar; e esse princípio é
complementado pelo de no 46. Visto que a língua inglesa gosta de usar verbos,
estes são usados com precisão, conforme ressalta o princípio 46. Esse princípio faz
referência ao aspecto verbal, ou ao processo verbal nas fases de seu
desenvolvimento na linha do tempo. No texto original, o autor quis dar ênfase ao
processo contínuo de operação dos dois agentes fazendo uso do past continuous
tense. Já o tradutor se contentou em mencionar o fato em si da operação,
expressando a continuidade simplesmente pela locução adverbial “forma contínua”.
No par contrastivo 2, o Tradutor B fez uso da estratégia TRANSPOSIÇÃO DE
ADVÉRBIOS de Said. Em outras palavras, em vez de usar de modo repetitivo a
forma adverbial com “mente”, o tradutor transformou o advérbio de modo
(continuously and simultaneously) numa expressão adverbial contendo um
substantivo mais dois substantivos (de forma contínua e simultânea). Essa
estratégia é corroborada pelo princípio contrastivo de no 26 de Lima (“Repeticionismo
Morfológico e Estrutural x Variabilidade Morfológica e Estrutural). De acordo com
esse princípio, o texto em inglês costuma estar repleto de repetições de uma mesma
estrutura gramatical, como por exemplo, o sufixo –mente. Temos aqui, portanto, a
explicação por que o Tradutor B fez a alteração no texto traduzido. Ele procurou
evitar que o texto se tornasse repetitivo na língua de chegada.
O par contrastivo 3 representa uma TRADUÇÃO LITERAL. No entanto, pode-
se ver também o uso de duas outras estratégias: a IDIOMATIZAÇÃO de Lima, aliada
à estratégia COGNATOS, FALSOS COGNATOS OU FALSOS AMIGOS, de Said. O
tradutor B se deparou com a palavra “generation” e optou por traduzi-la por
“produção.” O tradutor preferiu um termo mais idiomático em língua portuguesa para
traduzir o cognato “generation.” É verdade que quando alguém “produz” algo, essa
pessoa “gera” algo. No entanto, a língua portuguesa reserva o termo “geração” para
outros contextos que não o da produção escrita.
42
c) Análise 6
Tabela 6
ORIGINAL TRADUÇÃO
How we view the relationship between God and humanity, then, is the main hermeneutical presupposition conditioning any understanding of how the Bible came to be (p. 88).
Em outras palavras, o modo como entendemos a relação entre Deus e a humanidade constitui a pressuposição principal que condiciona qualquer proposta de como a Bíblia se originou (p. 85).
Quadro de Pares Contrastivos 6
Nº PAR CONTRASTIVO
1 Then Em outras palavras
2 hermeneutical presupposition Pressuposição principal
3 Conditioning Que condiciona
4 Any understanding Qualquer proposta
Notamos no par contrastivo 1 a estratégia apresentada por Said (2011)
REORGANIZAÇÃO SINTÁTICA, pois o tradutor mexeu na estrutura sintática do
original, como também utilizou o Deslocamento, segundo Lima, pois ao usar “em
outras palavras” em vez de “então”, o Tradutor B procurou transmitir a intenção
comunicativa do original por meio de elementos morfológicos diferentes do usado
pelo autor original..
No segundo par contrastivo, percebemos a presença da estratégia OMISSÃO
VS. EXPLICITAÇÃO de Barbosa. Vemos que o tradutor omite um elemento que
talvez julgou desnecessário na língua de chegada. Essa estratégia pode ser
comparada com a estratégia REDUÇÃO/SUPRESSÃO de Said, pois o Tradutor B
eliminou um elemento da frase original, bem como com a estratégia REDUÇÃO de
Lima, deixando o texto traduzido mais sintético.
No par contrastivo 3, o Tradutor B fez uso da estratégia EXPANSÃO de Lima,
pois expandiu a forma verbal “conditioning” (no present participle) para uma oração
adjetiva. Nesse caso, ele fez uso também da estratégia IDIOMATIZAÇÃO de Lima,
pois a língua portuguesa evita o uso de orações adjetivas restritivas reduzidas de
gerúndio, preferindo a forma expandida.
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No par contrastivo 4, pode-se perceber que o Tradutor B fez uso da estratégia
EXTRAPOLAÇÃO de Lima. O tradutor aparentemente foi além do dito e interpretou
“understanding” não somente como “compreensão”, mas como uma “proposta.”
Evidentemente o tradutor deve ter se baseado no contexto geral da obra que
traduziu para deduzir esse sentido e não fazer uma tradução literal. Nesse contexto,
pode-se afirmar que ele usou também a estratégia TRADUÇÃO SEMÂNTICA OU
EQUIVALÊNCIA de Said, pois parece ter considerado o sentido como o mais
importante a ser passado e não simplesmente a correspondência exata da palavra.
d) Análise 7
Tabela 7
ORIGINAL TRADUÇÃO
Then, we will discuss the hermeneutical consequences of interpreting revelation-inspiration by following either the classical or biblical views on nature and supernature (p. 89).
Discutiremos quais são, por um lado, as consequências hermenêuticas se interpretarmos a revelação-inspiração de acordo com a visão clássica sobre o natural e o sobrenatural, e, por outro, as consequência se interpretarmos o assunto sob a óptica bíblica do mundo natural e sobrenatural (p. 87).
Escolhemos esse excerto como o último a ser analisado por dois motivos;
primeiro, porque ele revela várias estratégias usadas pelo Tradutor B; segundo,
porque o excerto nos ajuda a estabelecer um contraste não somente em relação às
estratégias usadas pelos dois tradutores, mas também em relação ao estilo
tradutório de ambos. Discutiremos primeiramente sobre as estratégias usadas, e em
seguida teceremos, na seção seguinte, algumas reflexões comparativas entre os
dois tradutores.
Devido à grande liberdade interpretativa e expressiva do Tradutor B nesse
excerto, preferimos não discriminar pares contrastivos. O leitor, porém, pode
observar que no parágrafo em questão, encontramos, mais uma vez, estratégias já
mencionadas e explicadas. São elas: RECONSTRUÇÃO DE PERÍODOS, segundo
Barbosa, REORGANIZAÇÃO SINTÁTICA e ADAPTAÇÃO DE SINAIS DE
PONTUAÇÃO, segundo Said, e DESLOCAMENTO E IDIOMATIZAÇÃO, segundo
Lima
44
Duas outras estratégias são utilizadas pelo Tradutor B neste parágrafo: a
EXPANSÃO e a EXTRAPOLAÇÃO, segundo Lima. Se o leitor observar com cuidado
o original e a tradução, perceberá como o tradutor não somente expande as ideias
do autor, mas também recorre à EXTRAPOLAÇÃO. Devido ao uso marcante dessas
duas estratégias, fica até difícil encontrar as palavras do original de onde a tradução
foi “tirada.” Percebe-se que o Tradutor B trabalhou aqui de forma consistentemente
prolixa, produzindo um texto muito refinado, com marcas de erudição e sofisticação
linguística. Tem-se a impressão também de que o tradutor fez bom uso do tríplice
processo de percepção-desverbalização-reverbalização da Teoria Interpretativa de
Danica Seleskovitch e Marianne Lederer.
Estilo literário à parte, parece-nos que houve aqui pelo menos dois princípios
contrastivos de Lima que levaram o Tradutor B a expandir o texto da forma como o
fez: o princípio contrastivo de no 3 (Sintetismo x Prolixidade) e o de no 16
(Condensação/concisão estrutural x Explicitação/expansão estrutural). Se a tradução
fosse literal, o leitor de língua portuguesa teria dificuldade de acompanhar o
pensamento do original. Esse excerto parece confirmar que conceitos expressos em
inglês de forma mais sintética precisam muitas vezes ser traduzidos de forma mais
expandida ou explicativa em português para que possam ser veiculados de forma
mais eficiente. Além disso, esses conceitos sintéticos parecem ficar condensados
estruturalmente, e exigem uma expansão estrutural maior em português.
4.3 Reflexões comparativas entre os tradutores
Conforme já mencionamos na seção anterior, o objetivo desta seção é tecer
reflexões comparativas relacionadas com o estilo tradutório do Tradutor A e do
Tradutor B e com o uso que fizeram das estratégias de tradução. Convém ressaltar
que não é o propósito investigar com profundidade as diferenças entre os dois
tradutores, mas, tomando-os como modelo, delinear de modo geral as implicações
que o uso de estratégias tem sobre a qualidade do texto traduzido. Caso o leitor
tenha interesse em verificar com mais precisão nossa percepção sobre os dois
autores, recomendamos a leitura do Anexo A e B. O Anexo A contém excertos do
livro A Mensageira do Senhor com suas respectivas traduções feitas pelo Tradutor
45
A; o Anexo B contém excertos do livro The Cognitive Principle of Christian
Theology, com respectivas traduções feitas pelo Tradutor B.
Conforme já mencionamos, uma das marcas mais fortes do diferencial entre
as traduções é que a primeira analisada (Mensageira do Senhor – Tradutor A)
apresentou traços mais literais do que a segunda (O Princípio Cognitivo da
Teologia Cristã – Tradutor B), que se mostrou em muitos aspectos mais
interpretativa e cognitiva, conforme se pôde observar em algumas análises.
Essa diferença, no entanto, merece destaque, pois altera, de forma
significativa, a fluidez do texto na língua de chegada. Como já mencionado, o
português tem como característica estilística natural a prolixidade, entendida aqui
não como vício de linguagem. O termo prolixo usado algumas vezes nos princípios
contrastivos de Lima refere-se ao fato de o português possuir estruturas de origem
latina, por natureza mais sofisticadas e complexas (ver princípio contrastivo de no 3 -
Sintetismo x Prolixidade). O inglês, por outro lado, dada a sua origem anglo-
saxônica, possui, por natureza, um estilo mais coloquial que o português (ver
princípio contrastivo de no 1 - Coloquialismo Estilístico versus Erudição Estilística).
Sendo assim, se o tradutor escolhe manter o estilo natural da língua inglesa, o texto
ficará mais sintético e fortemente marcado por características da língua de partida,
em detrimento das características estilísticas da língua de chegada, em nosso caso
o português.
A partir desse pano de fundo, podemos afirmar que os dois tradutores fizeram
alterações necessárias no texto traduzido. Essas mudanças tiveram que ver, por
exemplo, com pontuação, mais utilizada em português, especialmente vírgulas,
conforme esclarece o princípio contrastivo de no 13 – Pontuação Minimizada x
Pontuação Maximizada). Além disso, tiveram que ver também com a construção de
orações. O português prefere os períodos compostos, ao passo que o inglês tende
a construir o texto com preeminência de períodos simples (ver princípio contrastivo
de no 21 – Simplicidade Oracional x Complexidade Oracional).
O Tradutor A, no entanto, parece ter se preocupado menos com esses
detalhes que o Tradutor B. Os poucos excertos que apresentamos revelaram, em
certa medida, que o Tradutor B procurou usar mais elos coesivos e fazer mais
retomadas referenciais, conforme o princípio contrastivo de no9 – Economia
Referencial ou Anafórica x Variedade referencial ou Anafórica. Notamos também,
46
que o Tradutor B preferiu omitir o exacerbado uso de pronomes pessoais presente
na língua inglesa (ver princípio contrastivo de no36 – Prodigalidade/generosidade
pronominal x Economia pronominal) evitando que o texto ficasse cheio de repetições
desnecessárias, evitadas em língua portuguesa (ver princípio contrastivo de no26 –
Repeticionismo morfológico e estrutural x Variabilidade morfológica e estrutural).
Outra comparação que podemos estabelecer entre o Tradutor A e o Tradutor
B tem que ver com o uso da estratégia EXPANSÃO, segundo Lima. Essa estratégia
se faz necessária ao se traduzir do inglês para o português. Conforme Lima, ao
explicar o princípio contrastivo de no 3 - Sintetismo x Prolixidade –, muitos dos
conceitos expressos em inglês de forma mais sintética precisam, muitas vezes, ser
traduzidos de forma mais expandida ou explicativa em português, para que possam
ser veiculados de forma mais eficiente.
Há momentos em que o Tradutor A utiliza a estratégia da EXPANSÃO;
porém, não com a mesma frequência que o Tradutor B, cujas escolhas tradutórias
mostraram se preocupar mais com esse aspecto expansivo da língua portuguesa.
Pelo fato de o Tradutor A aparentemente não ter levado em conta essas diferenças
estilísticas entre as duas línguas, seu texto ficou mais preso à literalidade das
palavras e das estruturas mais sintéticas da língua de partida.
Essas considerações nos levam ao princípio da Teoria Interpretativa de
Seleskovich (1980, 1984), ou ao Princípio Cognitivo da Tradução de Lima (2012),
que preconizam uma tradução mais interpretativa e menos mecânica, com foco no
significado e não nas palavras ou estruturas contidas no texto.
Dentro dessa perspectiva, o Tradutor B nos pareceu seguir mais de perto os
postulados da teoria de Seleskovitch, Os trechos analisados neste trabalho, bem
como a extensa leitura que fizemos de outros trechos não presentes no produto final
desta pesquisa, apontam que o Tradutor B demonstrou uma percepção além das
palavras. O uso que ele fez do processo de “percepção-desverbalização-
reverbalização” parece ter tornado sua tradução mais “fluida e melódica”, conforme
exige a estruturação discursiva da língua portuguesa (ver princípio contrastivo de
no48 – Sintaxe Rítmica Modular x Sintaxe Fluida-melódica”).
O Tradutor A, por sua vez, ao seguir mais de perto a estruturação rítmica-
modular da língua inglesa, muitas vezes deixou o texto mais fragmentado do ponto
47
de vista discursivo. Na verdade, quando lemos A Mensageira do Senhor, temos
dificuldade muitas vezes de fazer uma leitura mais “corrida” e não tão rítmica, como
esperaríamos de um texto em língua portuguesa, que flui num ritmo mais constante,
numa cadência mais melódica, com se quisesse chegar a um descanso final.
Em suma, podemos dizer que ambos os tradutores foram, pelo menos até
onde os analisamos, fiéis à mensagem do texto original. A diferença mais marcante
entre eles é que o Tradutor A optou por seguir mais a literalidade do texto de partida,
e escolheu um caminho mais ligado à realidade da língua original. O Tradutor B, por
sua vez, ao mesmo tempo em que se preocupou com a fidelidade à mensagem
veiculada pela língua de partida, esforçou-se também em ser fiel aos meios de
expressão da língua portuguesa.
48
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve como objetivo analisar e avaliar o uso de estratégias
tradutórias empregadas por dois tradutores de duas obras distintas e o impacto
dessas estratégias sobre o produto final: as traduções propriamente ditas.
Vimos que as estratégias utilizadas pelos tradutores constituem caminhos que
o tradutor deve escolher no processo tradutório. Para definirmos esses caminhos
estratégicos, buscamos fundamentação teórica nos seguintesautores: Barbosa
(2004), Said (2011) e Lima (2011, 2012). Demos atenção especial ao modelo de
estratégias de Lima por duas razões. Em primeiro lugar, devido a sua ênfase
cognitivo-interpretativa, fundamentada na Teoria Interpretativa de Seleskovitch
(1980, 1984) e Lederer (1990, 1994), “rebatizada” por Lima (2012) como o Princípio
Cognitivo da Tradução. Em segundo lugar, pelo fato de Lima (2011) nos oferecer o
referencial teórico dos Princípios Contrastivos, que nos foi muito útil no processo de
análise do nosso corpus.
O trabalho de investigação de estratégias que empreendemos revelou que o
tradutor possui um amplo leque de escolhas estratégicas no momento do ato
tradutório – escolhas que resultarão, por assim dizer, em diferentes tipos de
tradução, cada uma com sua marca própria. As análises individuais de cada
tradutor, aliadas à analise comparativa no final do trabalho, tornaram evidente como
as escolhas tradutórias de cada um dos dois tradutores investigados influenciaram
de modo distinto o produto final. Tais evidências corroboram a hipótese levantada
para a pesquisa de que, de fato, o emprego coerente de estratégias leva a uma
tradução tão natural e fluida que dá a sensação de ter sido escrita em português, ou
em qualquer que seja a língua de chegada.
O pressuposto básico desta pesquisa foi o de que o conhecimento das
características intrínsecas de cada língua torna o tradutor mais bem preparado para
a função complexa que possui. No exercício dessa função, é importante ater-se a
pequenos detalhes. Infelizmente, contudo, vimos que o tradutor, por vezes, está
muito preso ao sistema linguístico da língua de partida, e acaba produzindo uma
tradução que compromete a integridade da língua de chegada e se mostra com cara
de tradução. Em contrapartida, quando a preocupação maior gira em torno do
49
conteúdo, da ideia, do assunto, do tema, ou seja, quando a preocupação maior é
passar o sentido, mesmo que numa sequência de palavras diferente da do original, o
resultado tende a ser um texto que se parece mais com a língua de chegada. Esse
é, para nós, um dos propósitos fundamentais da tradução.
Em suma, nossa investigação permitiu-nos adquirir conhecimentos e
percepções que certamente contribuirão para a formação e especialização do
profissional da tradução. Além disso, esperamos que sirva de estímulo e motivação
para futuras pesquisas com foco no uso de estratégias que levem em conta as
marcas específicas e idiomáticas da língua inglesa e portuguesa visando a uma
prática tradutória mais consciente e eficiente.
50
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Heloisa. Procedimentos técnicos da tradução: uma nova proposta. Ed 2. Campinas, SP. Pontes, 2004.
LEDERER, M. 1990. The role of cognitive complements in interpreting. In: D. BOWEN e M. BOWEN. Interpreting-yesterday, today and tomorrow. American Translators Association Scholarly Monograph Series, vol. 4, Binghamton, N.Y.: SUNY, 1990.
LIMA, N. Material didático de sala de aula: Aspectos contrastivos entre o inglês e o português. Unasp – EC, 2012.
LIMA, Neumar de. O princípio cognitivo da tradução literária: um relato linguístico-teológico do processo de tradução do livro The Cognitive Principle of Christian Theology: A hermeneutical study of the Revelation and Inspiration of the Bible, de Fernando Canale. São Paulo, 2011. 62 f. Dissertação (Pós-Graduação em Estudos Teológicos). Pós-Gradução em Teologia, UNASP – campus Engenheiro Coelho.
LIMA, Neumar de. O princípio cognitivo da tradução. Anais eletrônicos: 2º CIELLI – Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários, 5º CELLi - de Estudos Linguísticos e Literários. 2012. Em breve disponível em: http://www.cielli.com.br/
PAGURA, R. A Tradutologia. Material de classe do Curso de Tradutor e Intérprete da Alumni de São Paulo, 2004.
QUÉNELLE, G; HOURQUIN, D. Formes et emplois du verbe anglais. Collection Bescherelle. Lausanne, Suíça: Editions Foma,1987.
SAID, Fabio M. Fidus Interpres: A prática da tradução profissional. Edição do autor, 2011.
SELESKOVITCH, D. e M. LEDERER. A systematic approach to teaching of interpretation. Tradução de Pédagogie raisonnée de l’interprétation. n/c: The Registry of Interpreters for the Deaf, 1995
SELESKOVITCH, D. e M. LEDERER. Interpréter pour traduire. Paris: Didier Édurition, 1984.
SELESKOVITCH, D. Pour une théorie de la traduction inspirée de sa pratique. In: Meta, v. 25, n. 4. p. 401-408. Montreal: Presse de l’Université de Montréal, 1980.
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ANEXOS
Anexo A – Amostras de Tradução: Tradutor A
Original Tradução
The evidences, from a Bible standpoint, of the authenticity of the work of the Spirit of Prophecy in connection with the last church are all-sufficient, but a closer acquaintance with the work of Sister White seems to be demanded, in order, to satisfy the honest inquirer that it fills the requirements of God’s Word. (p.44)
As evidências, do ponto de vista bíblico, da autenticidade da obra do Espírito de Profecia em relação à ultima igreja são todo-suficientes, mas parece ser necessário um conhecimento mais meticuloso da obra da irmã White a fim de satisfazer o indagador sincero de que essa obra preenche os requisitos da Palavra de Deus. (p.44)
Increasing waves of immigrants changed the texture of cities, from a “tiny trickle of 150,000 immigrants in the 1820s... to a powerful stream of two and one-half million in the 1850s.” Though they brought “vigor and variety”, they also aroused “fear, suspicion, and hostility.” Roman Catholics from Ireland, Italy, and other European countries were especially resented because their sheer numbers flooded the market with cheap labor; in addition, their religious homogeneity threatened the previous uniformity of a Protestant American (p.46).
Ondas crescentes de imigrantes alteraram a estrutura das cidades, de um minúsculo filete de água de 150.000 imigrantes na década de 1820... para uma cautelosa corrente de dois milhões e meio na década de 1850. Embora eles trouxessem “vigor e variedade”, traziam também “temor, suspeitas e hostilidade”. Os católicos romanos, vindos da Irlanda, Itália e outros países europeus despertaram ressentimento não só porque a sua totalidade inundou o mercado com mão-de-obra barata, mas também porque sua homogeneidade religiosa era uma ameça à uniformidade anteior de uma América Protestante (p.46).
As most maturing spouses learn sooner or later, stress times do come. In 18776, James, 55, was carrying extremely heavy responsibilities as president of the General Conference as well as being the firm counselor to the publishing work. Often his greatest concern was that few of his colleagues were as intense and as courageous regarding challenges as he was. Being a man of action, James tended to become dictatorial and demanding. At times he felt unappreciated. In experiencing the effects of several strokes and advancing
Como a maioria das esposas maduras descobrem mais cedo ou mais tarde, no casamento há também momentos de tensão. Em 1876, Tiago, 55 anos de idade, assumia responsabilidades extremamente pesadas como presidente da Associação Geral e constante conselheiro da obra de publicações. Uma de suas maiores preocupações era a de que poucos colegas eram tão veementes e corajosos ante os desafios como ele. Sendo um homem de ação, Tiago tinha a tendência de tornar-se ditatorial e exigente. Às vezes ele se
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age, thoughts of discouragement and resentment assailed him. Bleak thoughts seeped into his letters to his wife (p.54).
sentia pouco apreciado. Ao experimentar os efeitos de diversos derrames e o avanço da idade, pensamentos de desânimo e ressentimentos o assaltavam. Pensamentos desanimadores transpareciam nas cartas que enviava a sua esposa (p.54).
A few days after a funeral, Ellen White wrote to close friends: “The light of my home had gone and henceforth I should love it [their home] for his [James’s] sake who thought so much of it. It just met his taste.... But now can I ever regard it as I could if he had lived?”
Anyone reviewing the record of their marriage must conclude that this was an extraordinary relationship of two exceptional people. Each had a public life, yet their affection flower through their messages and actions one toward the other. Though living though the “Victorian Period”, Ellen’s warm and persevering devotion to James was far more than platonic. His appreciation for her was well known, the depth of which any wife would be glad to experience (p.57).
Alguns dias depois do funeral, Ellen White escreveu a amigos íntimos: “A luz do meu lar se apagou e daqui por diante devo amá-lo [o lar deles] em consideração a ele [Tiago] que lhe dava tanta importância. ... Ele satisfazia seu gosto. Mas como posso considerá-lo como faria se estivesse vivo?”
Quem quer que examine o relato de sua vida de casados há de concluir que este era um relacionamento extraordinário de duas pessoas extraordinárias. Cada um tinha uma vida pública , apesar de sua afeição fluir um para o outro. Embora vivendo no “Período Vitoriano”, a dedicação cálida e perseverante de Ellen ao marido estava muito distante de ser platônica. O apreço que ele tinha por ela era notório, apreço cuja profundidade qualquer mulher ficaria contente de experimentar (p.57).
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Anexo – Amostras de Tradução: Tradutor B
Original Tradução
Again, our study requires an unusual detour. On the surface, the concept of nature and supernature seems closer to the doctrine of God than to that of revelation-inspiration because it applies directly. A presupposition of nature and supernature affects the doctrine of revelation-inspiration only indirectly. Nonetheless, that indirect bearing is precisely why we should consider this issue carefully (p.88)
Precisamos novamente fazer um desvio de percurso. Numa análise superficial, o conceito do natural e do sobrenatural parece estar mais ligado à doutrina de Deus do que à da revelação-inspiração. Aplicada a Deus, a distinção entre o natural e o sobrenatural é obvia. No caso da revelação-inspiração, porém, a pressuposição da existência desses dois domínios afeta apenas indiretamente a doutrina da revelação-inspiração. Não obstante, é justamente essa relação indireta que nos obriga a investigar o assunto detidamente (p.86).
In Plato’s mind, reality must be eternal. In other words, we cannot conceive of ultimate reality as coming to be or passing away. Plato probably borrowed this idea of reality from Parmenides, who argue that being was timeless and eternal. The problem with Parmenide’s speculative notion about a timeless reality is that ir does not tell us much (p.91).
Na percepção de Platão, a realidade tem de ser eterna. Em outras palavras, segundo ele, não se concebe a ideia de uma realidade última como passando a existir ou deixando de existir. Platão provavelmente se apropriou desse conceito da realidade a partir das ideias de Parmênides, que argumentava que o se era atemporal e eterno. Essa noção especulativa de Parmênides a respeito de uma realidade atemporal é problemática e peca por não ter sentido prático (p.89).