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EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, ROSA WEBER, RELATORA DO MANDADO DE SEGURANÇA N.º
33.078/SP
Os direitos humanos somente podem ser alcançados quando
restringem o poder do Estado. Sendo assim, a defesa desses
direitos depende mais da independência judicial que enunciá-
los em uma constituição. É a aplicação bem sucedida dos
direitos fundamentais judiciais (para os quais a efetiva
proteção judicial é essencial) que marca a diferença entre um
Estado de Direito e um Estado policial. Em outras palavras,
os direitos penais, processuais e processuais penais
desempenham um papel fundamental na realização do estado
democrático de direito moderno. 1
MANDADO DE SEGURANÇA Nº ° 33.078/SP
CONECTAS DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos qualificada
como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, inscrita no CNPJ sob
nº 04.706.954/0001-75, com sede na Avenida Paulista, nº 575, 19º andar, São Paulo/SP,
representada por seus advogados (doc. 01, 02, 03 e 04), vem respeitosamente à presença de
V. Exa. manifestar-se na qualidade de
AMICUS CURIAE no MS n.º 33.078
proposto pelo Estado de São Paulo, representando os interesses institucionais do
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, em face de decisão plenária
1 Trecho do discurso do ministro Gilmar Mendes, então presidente do Supremo Tribunal Federal, no
Simpósio Internacional em comemoração aos 40 anos da Corte Constitucional do Egito, realizado em 2009, na cidade do Cairo. O tema principal do evento foram as garantias constitucionais dos direitos e das liberdades políticas. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaArtigoDiscurso/anexo/DiscEgito.pdf Tradução livre de: “Human rights can only be achieved when they restrict the power of the state. As such, upholding these rights depends more on judicial independence than on listing them in a constitution. It is the successful application of judicial fundamental rights (for which effective judicial protection is essential) that marks the difference between the rule of law and a police state. In other words, criminal, procedural and criminal procedural rights play a key role in accomplishing the modern democratic rule of law.”
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proferida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Pedido de Providências nº 0001527-
26.2014.2.00.0000.
1) OBJETO DA DEMANDA
A decisão colegiada do e. Conselho Nacional de Justiça desafiada pelo presente
Mandado de Segurança foi fruto da inconformidade de um juiz de primeiro grau, Roberto
Luiz Corcioli Filho, que recebeu através de um e-mail da Presidência do TJSP, a
notícia de que estava afastado da 12ª Vara Criminal Central da Capital por conta do
teor garantista de suas decisões.
Indignado com o ocorrido, o magistrado acionou o e. CNJ para que
este se manifestasse sobre o seu caso e sobre a política de designações de juízes
auxiliares no Estado de São Paulo – até porque já era público e notório que a designação e
remoção de juízes auxiliares naquele estado careciam de critérios claros e objetivos
O v. acórdão prolatado em 17/06/2014, no Pedido de Providências de nº
0001527-26.2014.2.00.0000, determinou que o impetrante recoloque o nome do juiz
Roberto Luiz Corcioli Filho na lista de designações de Juízes Auxiliares da Capital para
Varas Criminais e/ou Infracionais na Comarca de São Paulo e que edite, no prazo de 60
(sessenta) dias, ato normativo que regulamente o artigo 8º, caput, da Lei Complementar
Estadual nº 980, de 21 de dezembro de 2005, estabelecendo regras e critérios objetivos
e impessoais para as designações dos Juízes Auxiliares da Capital do Estado de São Paulo.
Nota-se que a controvérsia se inicia por conta do sistema de designações dos
Juízes Auxiliares da Capital do Estado de São Paulo, onde o binômio necessidade-
disponibilidade não foi observado no caso do afastamento do magistrado da vara criminal.
O e. CNJ entendeu ainda que, pelo afastamento ter se dado exclusivamente por conta de
uma representação disciplinar de promotores de justiça perante a Corregedoria-local de
Justiça, a medida teve natureza cautelar disciplinar com todas as características de um ato
administrativo viciado por desvio de finalidade.
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Ora, é inegável que o e. Conselho desempenhou papel determinante para se
garantir a aplicação dos princípios da administração pública, do juiz natural e da garantia da
independência judicial - nada além de sua própria atribuição dada pelo poder constituinte
derivado no art. 103-B, § 4º, II, da Constituição da República.
O inconformismo do TJSP traz a esta Suprema Corte um mandado de segurança
que questiona o papel do e. CNJ de aperfeiçoar o trabalho do sistema judiciário brasileiro,
principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e
processual, o que, inevitavelmente o traz como a primeira questão constitucional a ser
debatida, não obstante haja, ainda, violação da Constituição quanto a direitos fundamentais
de acesso à ordem jurídica justa.
Nesse sentido, vale mencionar as palavras do Exmo. Min. Luiz Fux, em decisão
monocrática no Mandado de Segurança n. 32.077 que também discutia as atribuições do e.
Conselho:
(...) zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União
A necessidade do controle externo do judiciário é evidente, porém só ganhou
corpo após a Emenda Constitucional nº45/2004 e, ainda que este c. Supremo Tribunal já
tenha reconhecido a constitucionalidade do e. CNJ, demandas que questionam as suas
atribuições não deixarão de chegar à esta c. Corte.
Ocorre que a presente demanda escancara a resistência do impetrante em
reconhecer o e. CNJ como legitimador social do Poder Judiciário e ferramenta importante
para a evolução do processo democrático brasileiro.
O caso do magistrado Roberto Luiz Corcioli Filho é apenas um reflexo dessa
resistência por parte da Presidência da Corte paulista em abandonar o controle ideológico
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de seus juízes. Um reflexo que emergiu para o debate público e agora torna-se
paradigmático2.
É a partir do caso de um juiz que aplica a hermenêutica constitucional sob a
perspectiva de garantia de direitos, sendo punido por isso, que a sociedade discute a
mudança da política de designações de juízes auxiliares no Estado de São Paulo.
2) DA POSSIBILIDADE DE MANIFESTAÇÃO COMO AMICUS CURIAE EM MANDADO DE
SEGURANÇA
A presente demanda tem por objeto a validade e os efeitos da decisão do e.
Conselho Nacional de Justiça, que determinou ao Tribunal de Justiça de São Paulo o
estabelecimento de regras e critérios objetivos e impessoais para as designações dos Juízes
Auxiliares da Capital do Estado de São Paulo.
Trata-se, assim, de controvérsia que transcende ao direito fundamental das partes
deste mandamus, possuindo implicações políticas, sociais e jurídicas de indiscutível
magnitude e de inquestionável significação para sociedade, uma vez que trata da garantia
constitucional de acesso à justiça e da necessidade de independência do Poder Judiciário.
Indiscutível magnitude, pois um único juiz afetado em sua independência
funcional gera consequências para toda a coletividade, que recebe uma resposta
jurisdicional sem todas as garantias necessárias para a existência do Estado de Direito,
como aquele desenhado pela Constituição.
Inquestionável significação para a sociedade, pois a movimentação de magistrados
da área criminal para a área cível por conta de decisões que não seguem a linha ideológica
da Presidência do respectivo tribunal, afeta a sua própria confiança no Poder Judiciário e a
sua compreensão quanto às garantias conquistadas na Constituição de 1988.
2 http://alias.estadao.com.br/noticias/geral,martelo-suspenso,1637362 e http://www.conjur.com.br/2015-fev-03/controle-ideologico-juizes-afeta-independencia-judiciario
5
É um típico caso de interesse público onde a pluralização do debate é saudável e
necessária para que o Judiciário continue a garantir valores fundamentais para a
democracia.
É nesse sentido que o Congresso Nacional incorporou ao texto do novo Código
de Processo Civil a possibilidade de amicus curiae em qualquer demanda desde que haja
relevância, especificidade do tema ou repercussão social da controvérsia3.
Da mesma forma, o Exmo. Ministro Gilmar Mendes, nos autos do MS nº
32.033/DF, não só admitiu a figura do amicus curiae em mandado de segurança, bem como
ressaltou a importância da participação social nos processos de interesse social:
Ao ter acesso a essa pluralidade de visões em permanente diálogo, o
Supremo Tribunal Federal passa a contar com os benefícios decorrentes dos
subsídios técnicos, implicações político-jurídicas e elementos de repercussão
econômica que possam vir a ser apresentados pelos “amigos da Corte”. Essa
inovação institucional, além de contribuir para a qualidade da prestação
jurisdicional, garante novas possibilidades de legitimação dos julgamentos
do Tribunal no âmbito de sua tarefa precípua de guarda da Constituição [...]
não há qualquer incompatibilidade do rito do mandado de segurança
com a participação do amicus curiae, nem há qualquer impedimento
legal para a sua admissão pelo fato de o mandado de segurança não
se tratar de um feito do controle abstrato, pois, conforme já
ressaltado, o Tribunal admitiu a possibilidade de amicus curiae em
recurso extraordinário.4
Também Vossa Excelência já enfrentou pedido de ingresso de amicus curiae em
mandado de segurança, como se deu no caso dos MS 27854/DF, MS 28375/DF, MS
3 Novo Código de Processo Civil. Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a
especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a manifestação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de quinze dias da sua intimação. 4 MS 32.03332033/DF. Ministro Relator Gilmar Mendes, julgado em 20.6.2013.
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27728/DF, MS 27761/DF e MS 32874/DF5, em que não admitiu a admissão da mesma
proponente, ANDECC – Associação Nacional de Defesa dos Concursos para Cartórios,
por entender que os amigos da Corte não são assistente litisconsorciais e não estão legitimados a atuar
na defesa incondicional de seus próprios interesses.
Vossa Excelência teve o cuidado de analisar os atos constitutivos da ANDECC,
verificando que os presidentes da associação eram candidatos aos concursos questionados
pelos mandados de segurança, sendo a defesa incondicional de interesse próprio da
proponente no caso, o que fica claro ao transcrever trecho de seu voto no MS 28.375/DF:
Os amigos da Corte não são assistentes litisconsorciais e não estão legitimados a atuar na defesa incondicional de seus próprios interesses. Verifico, pela análise dos atos constitutivos da ANDECC (fl. 1.175 do MS 28.375/DF), que, à época das impetrações, o Presidente da Associação era Humberto Monteiro da Costa, um dos litisconsortes ativos admitidos pela decisão da lavra da Ministra Ellen Gracie, a fls. 819-26. Em eleição de 31.12.2009, uma nova chapa composta por Caroline Sarraf Ferri (Presidente) e Monique da Costa Ribeiro (Vice- Presidente), também candidatas aprovadas no mesmo certame, foi eleita.
Ocorre que a hipótese do presente pedido de ingresso é completamente
distinta.
Uma breve, porém atenta, verificação dos atos constitutivos da organização
requerente permite à Vossa Excelência compreender que o interesse de se ingressar
com a presente manifestação como amicus curiae é o de defender um inegável
interesse coletivo, da qual não é diretamente atingida e que pode impactar todo um
universo de pessoas que buscam na justiça a guarida de seus direitos.
Estes posicionamentos refletem a ampliação de acesso ao Supremo Tribunal
Federal consolidando-se no aumento do número de amici curiae protocolados, bem como na
diversidade de atores proponentes. Com a possibilidade de manifestações da sociedade civil
nas ações que tramitam na Suprema Corte, busca-se a representação da pluralidade e
diversidade sociais nas razões e argumentos a serem considerados por este Egrégio
5 Nos pedidos apresentados nos MS 27854, MS 28375, MS 27728, MS 27815, MS 27761 e MS 32874, por
exemplo.
Comentado [R1]: Acho que aqui seria bom discorrer mais sobre pq nosso caso difere da juris que vc mesmo destacou (juris negativa). Seria bom identificar com mais clareza os argumentos que levaram a Rosa a não admitir no caso citado e rebater cada um deles no nosso caso. Não está claro pq é diferente...
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Supremo Tribunal Federal, conferindo, inegavelmente, maior legitimidade e riqueza às
decisões.
Assim, fica evidenciada a possibilidade jurídica da manifestação da requerente
como amicus curiae no presente Mandado de Segurança.
3) DA LEGITIMIDADE PARA SE MANIFESTAR COMO AMICUS CURIAE
Demonstrada a possibilidade de intervenção de amicus curiae, faz-se necessário
analisar a legitimidade da requerente para se manifestar como tal.
A jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal tem adotado a
possibilidade de entidades da sociedade civil atuarem nos litígios submetidos à Corte como
forma de pluralizar o acesso ao debate constitucional em matérias de relevante interesse
para a sociedade brasileira. Como bem salientado pelo e. Ministro Celso de Mello, na
decisão que deferiu pedido de ingresso como amicus curiae no RE nº 631.053:
EMENTA: “AMICUS CURIAE”. JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E
LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO
“MEDIADOR ENTRE AS DIFERENTES FORÇAS COM LEGITIMAÇÃO NO
PROCESSO CONSTITUCIONAL” (GILMAR MENDES). POSSIBILIDADE DA
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS, NA CONDIÇÃO DE “AMICUS CURIAE”, EM
SEDE DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDA. NECESSIDADE, CONTUDO, DE PREENCHIMENTO, PELA
ENTIDADE INTERESSADA, DO PRÉ-REQUISITO CONCERNENTE À
REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA. DOUTRINA. CONSEQUENTE
ADMISSIBILIDADE DE SEU INGRESSO, NA QUALIDADE DE “AMICUS
CURIAE”, EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDA. PRECEDENTES. PEDIDO DEFERIDO.
[...] É de acentuar que o Supremo Tribunal Federal, em assim agindo,
não só garantirá maior efetividade e atribuirá maior legitimidade às
suas decisões, mas, sobretudo, valorizará, sob uma perspectiva
eminentemente pluralística, o sentido essencialmente democrático
dessa participação processual, enriquecida pelos elementos de
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informação e pelo acervo de experiências que o “amicus curiae”
poderá transmitir à Corte Constitucional, notadamente em processos –
como o de controle abstrato de constitucionalidade ou de recurso
extraordinário com repercussão geral – cujas implicações políticas, sociais,
econômicas, jurídicas e culturais são de irrecusável importância, de
indiscutível magnitude e de inquestionável significação para a vida do País e
a de seus cidadãos. [...] A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
consolidou entendimento de que, a exemplo do que acontece com a
intervenção de ‘amicus curiae’ nas ações de controle concentrado, a
admissão de terceiros nos processos submetidos à sistemática da
repercussão geral há de ser aferida, pelo Ministro Relator, de maneira
concreta e em consonância com os fatos e argumentos apresentados pelo
órgão ou entidade, a partir de 2 (duas) pré-condições ‘cumulativas’, a saber:
(a) a relevância da matéria e (b) a representatividade do postulante.
Apesar de instrumentos de participação coadjuvantes à propositura de ações, os
amici curiae são de extrema importância no que diz respeito à produção do diálogo entre o
STF e a sociedade civil. A relevância do instrumento do amicus reside na necessidade de
promover a discussão dos argumentos trazidos pelos atores sociais pertinentes à causa em
discussão, para que estes possam interagir e dialogar com os Ministros.
A entidade requerente possui interesse singular na defesa de direitos humanos
através de um funcionamento adequado do Sistema de Justiça, para que todos os atores
executem suas atividades ontológicas, principalmente na defesa e garantia dos direitos
fundamentais. Atuar em ações e processos destinados à efetivação dos direitos humanos
inclui a busca continua pela efetivação dos fundamentos da República Federativa do Brasil,
bem como seus princípios e garantias celebrados pela Constituição Federal.
Diante das disposições legais ora disponíveis e da construção jurisprudencial
acerca dos limites da possibilidade de manifestações de organizações da sociedade civil na
qualidade de amicus curiae, depreendem-se alguns aspectos principais, quais sejam: (a) a
relevância da matéria discutida, no sentido de seu impacto sócio-político; (b) a
representatividade e legitimidade material dos postulantes e a pertinência dos
argumentos apresentados.
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Assim vejamos.
a) Relevância da matéria discutida.
A matéria discutida na presente demanda trata da vulneração de garantias da
magistratura, principalmente no que toca à inamovibilidade e à independência judicial. Tais
garantias são diretamente refletidas nas próprias garantias da sociedade de que um juiz não
possa, por interesses políticos e/ou econômicos, ser afastado do juízo onde está a exercer a
sua jurisdição.
A partir do afastamento do juiz Roberto Luiz Corcioli Filho das áreas
criminal e infracional pela presidência do TJSP por suas decisões serem contrárias
à corrente majoritária daquela Corte, observou-se que a designação de juízes pelo
TJSP é sistematicamente realizada mediante decisão administrativa sem motivação
e sem a adoção de critérios objetivos, impessoais e pré-estabelecidos.
Assim, o e. CNJ entendeu que o processo de designação de juízes substitutos,
adotado pelo TJSP, afronta a garantia da inamovibilidade, o princípio do juiz natural e
vulnera a independência judicial, determinando a recolocação do nome do juiz Roberto
Luiz Corcioli Filho na lista de designações de Juízes Auxiliares da Capital para Varas
Criminais e/ou Infracionais na Comarca de São Paulo e a edição de ato normativo que
regulamente o artigo 8, caput, da Lei Complementar Estadual n. 980, de 21 de dezembro de
2005, estabelecendo regras e critérios objetivos e impessoais para as designações dos Juízes
Auxiliares da Capital do Estado de São Paulo (aspecto objetivo).
Sendo essa a decisão da qual o TJSP busca segurança, torna-se clara a
relevância da matéria não só para se assegurar as garantias da magistratura e dos
jurisdicionados, mas também o próprio papel do e. CNJ em promover o controle
externo do Judiciário. Note-se que a possibilidade de designação política do juiz
substituto gera também perseguições daqueles juízes que possuem convicções diferentes de
quem os designa, tendo impacto direto e imensurável para a sociedade.
10
A questão torna-se ainda mais grave quando se trata de matéria criminal e
infracional, onde pode estar em jogo um dos direitos mais caros para todo e qualquer ser
humano: a liberdade.
b) Representatividade da postulante e a sua legitimidade material.
A requerente tem como uma de suas missões a efetivação dos fundamentos da
República Federativa do Brasil, especialmente no que tange à cidadania e à dignidade da
pessoa humana. Veja-se:
“Conectas Direitos Humanos foi fundada em 2001 com a missão de
fortalecer e promover o respeito aos direitos humanos no Brasil e no
hemisfério Sul, dedicando-se, para tanto, à educação em direitos humanos, à
advocacia estratégica e à promoção do diálogo entre sociedade civil,
universidades e agências internacionais envolvidas na defesa destes direitos.
Conectas promove advocacia estratégica em direitos humanos, em
âmbito nacional e internacional, com o objetivo de alterar as práticas
institucionais e sociais que desencadeiam sistemáticas violações de
direitos humanos. Desde 2006, tem status consultivo junto ao Conselho
de Direitos Humanos das Organização das Nações Unidas (ONU) e, desde
2009, dispõe de status de observador na Comissão Africana de Direitos
Humanos e dos Povos.”6
Com relação aos fins institucionais da associação autora, vale transcrever o inciso
VI do artigo 3º e o parágrafo 1º, item “d” do mesmo artigo de seu Estatuto (doc. 01), in
verbis:
Artigo 3º - A ASSOCIAÇÃO será regida nos termos da Lei 9.790/99 e terá
por finalidade promover, apoiar, monitorar e avaliar projetos em direitos
humanos em nível nacional e internacional, em especial:
[...]
6 Disponível em www.conectas.org
11
VI – promoção e defesa dos direitos humanos em âmbito judicial.
Parágrafo 1º - A ASSOCIAÇÃO pode, para consecução de seus objetivos
institucionais, utilizar todos os meios permitidos na lei, especialmente para:
[...]
g) Promover ações judiciais visando à efetivação dos direitos
humanos.
Além disso, é importante mencionar que a requerente é a organização com maior
número de amici curiae perante este Supremo Tribunal Federal, já tendo ingressado com 49
(quarenta e nove) amicus curiae desde a sua fundação.
Restam, desde modo, devidamente demonstrados os requisitos necessários para a
admissão da presente manifestação na qualidade de amicus curiae, quais sejam, relevância da
matéria discutida, a representatividade do postulante e sua legitimidade.
4) PARÂMETROS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DA INDEPENDÊNCIA JUDICIAL
a) Introdução.
A Carta Constitucional brasileira de 1988 atribuiu ao Poder Judiciário
inquestionável relevância para a manutenção e desenvolvimento do Estado Democrático
de Direito. O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional constitui-se, portanto, a
principal garantia de direitos subjetivos elencada na Constituição. Mesmo quando todas as
restantes proteções falham, ele fornece uma barreira protetora ao público contra quaisquer violações de seus
direitos e liberdades garantidos pela lei.
Nesse sentido a vigência de direitos e liberdades em um sistema democrático
requer que os mecanismos judiciais sejam aptos a garantir o devido processo a todas as
pessoas que possam vir a ser submetidas ao exercício do poder punitivo do Estado, de
onde se emane sempre a justiça de maneira independente e imparcial. Essa aptidão,
necessariamente, envolve uma série de garantias aos operadores do sistema de justiça, que
se confundem com os próprios pressupostos de existência do sistema e da necessária
confiança social.
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Dentre os princípios e garantias trazidos pela Constituição de 1988, destaca-se,
para esta demanda, o princípio do juiz natural e a garantia de inamovibilidade e
independência do juiz. A violação desses princípios e garantias foram claras diante do
afastamento do magistrado Roberto Luiz Corcioli Filho da vara criminal, uma vez
que o teor garantista de suas decisões foi o motivo determinante para sua
movimentação para uma vara cível.
Não obstante tal construção ser afirmada pela própria Constituição brasileira, o
que já teria fundamento o bastante para o julgamento da presente lide, é preciso destacar e
trazer à baila o que já se reconhece como construção política, institucional e jurídica
internacional sobre o tema aqui tratado.
É nesse contexto que se insere a presente demanda, que a Conectas Direitos
Humanos se viu compelida a se manifestar como amicus curiae para oferecer um breve
panorama dos principais parâmetros internacionais sobre a independência judicial e a
consequente necessidade da Corte paulista adotar critérios objetivos e impessoais para a
designação de magistrados.
b) Organização das Nações Unidas.
No âmbito da Organização das Nações Unidas, dentre os documentos
internacionais ratificados pelo Brasil estão a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH)7 e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP)8.
A importância destes documentos é inquestionável por garantirem, internacionalmente,
direitos individuais, e proteção frente à violações de direitos humanos. E não é à toa que há
uma explícita preocupação de tais documentos com a garantia de independência judicial
7 Adotada e proclamada pela Resolução n. 217A, da III Assembléia Geral das Nações Unidas de 10.12.1948 e
assinada pelo Brasil na mesma data. 8 Decreto nº 592, DE 6 DE JULHO DE 1992. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm
13
pelos Estados signatários, tendo em vista que a independência judicial é um dos
pressupostos para a garantia do Estado Democrático de Direito.
O artigo 10º da DUDH define como um direito básico e comum a todo ser
humano um julgamento justo realizado por um tribunal independente e imparcial. É a
partir desse dispositivo que se constrói todo arcabouço jurídico de garantias judiciais no
âmbito do sistema da ONU. Veja-se a transcrição do artigo:
Art. 10º - Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e
pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial,
para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer
acusação criminal contra ele.
O PIDCP também prevê em seu artigo 14, parágrafo 1º, a necessidade de
um tribunal independente para se garantir o direito humano de acesso à justiça. Veja-se:
14.1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça.
Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com devidas
garantias por um tribunal competente, independente e imparcial,
estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal
formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de
caráter civil. [...]
Ainda assim, ao reconhecer que havia um distanciamento destas disposições à
situação real dos países, e no intuito de consagrar tais princípios e garantias, o 7º Congresso
da ONU sobre Prevenção ao Crime e Tratamento dos Infratores, em 6 de setembro de
1985, estabeleceu os Princípios Básicos das Nações Unidas sobre a Independência
do Judiciário (doc. 5).
14
Tais princípios foram desenvolvidos no âmbito da ONU com o intuito de
assegurar a independência da função jurisdicional e de ser aceito como instrumento útil
para medir a independência do Poder Judiciário em um Estado-membro9.
Logo nos princípios n°s 1 e 2, o documento chama a atenção quando diz:
1. A independência do Poder Judiciário deve ser garantida pelo Estado e
consagrada na Constituição ou em lei do país. É dever de todas as
instituições governamentais e outras, respeitar e observar a independência
do Judiciário10.
2. O Judiciário deverá decidir de forma imparcial, com base em fatos e em
conformidade com a lei, sem quaisquer restrições, influências, aliciamentos,
pressões, ameaças ou interferências, diretas ou indiretas, de qualquer setor
ou por qualquer motivo.11
O princípio da independência dos juízes, além de ser uma obrigação baseada em
tratados e um direito absoluto não sujeito a qualquer exceção12, é reconhecido pela
comunidade internacional como um costume internacional e princípio geral de direito –
dois critérios de julgamento da Corte Internacional de Justiça13.
No Brasil, pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB),
costumes e princípios gerais de direito são aplicáveis no caso de omissão legislativa, o que
9 Resolução nº 40/32 de 29 de novembro de 1985 e Resolução nº 40/146 de 13 de dezembro de 1985. 10 Tradução livre de “1. The independence of the judiciary shall be guaranteed by the State and enshrined in the Constitution or the law of the country. It is the duty of all governmental and other institutions to respect and observe the independence of the judiciary.” 11 Tradução livre de “2. The judiciary shall decide matters before them impartially, on the basis of facts and in accordance with the law, without any restrictions, improper influences, inducements, pressures, threats or interferences, direct or indirect, from any quarter or for any reason.” 12 Comissão de Direitos Humanos da ONU. Comentário Geral nº 32.1. 13 Estatuto da Corte Internacional de Justiça - Artigo 38. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a. as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b. o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito; c. os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; d. sob ressalva da disposição do Artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isto concordarem.
15
pode não ser o caso da presente demanda, mas que é importante ponderar na medida que
costumes e princípios gerais do direito internacional estão no espectro do alcance do art. 4º
da LINDB.
Tamanha é a importância do tema para a ONU, que em 1994, a Comissão de
Direitos Humanos14 (hoje Conselho de Direitos Humanos), notando a frequência de
ataques à independência de juízes, o enfraquecimento de garantias judicias de
independência e a gravidade das violações de direitos humanos, decidiu criar a
Relatoria Especial para a Independência do Sistema Judicial, que possui a atribuição
de:
a investigar todas as alegações substanciais transmitidos para ele ou ela e
para relatar suas conclusões e recomendações sobre as mesmas;
b identificar e registrar não só ataques à independência do poder judiciário,
advogados e funcionários judiciais, mas também o progresso alcançado na
proteção e promoção de sua independência, além de fazer recomendações
concretas, incluindo a prestação de serviços de consultoria ou assistência
técnica quando forem solicitadas pelo Estado interessado;
c identificar formas e meios para melhorar o sistema judicial, e fazer
recomendações concretas sobre o assunto;
d estudar, com a finalidade de fazer propostas, questões importantes de
princípios, com vistas a proteger e reforçar a independência do Poder
Judiciário e advogados e funcionários judiciais;
A atual Relatora Especial, a juíza brasileira Sra. Gabriela Knaul, já apresentou em
seus relatórios destinados ao Conselho de Direitos Humanos da ONU a preocupação
com a forma que se dão as designações de juízes e a necessidade que elas sejam
realizadas de maneira impessoal e objetiva.
14 Resolução 1994/41.
16
Em 2013, no relatório da Consulta sub-regional sobre a independência do Poder
Judiciário na América Central15, foi registrada a preocupação sobre o que identificou
como controle político exercido nos sistemas de seleção e designação de
magistrados e da importância da criação de instituições de apoio às Cortes
Supremas para a administração de justiça, o que reflete a necessidade da existência do
Conselho Nacional de Justiça e sua função administrativa de estabelecer critérios e
procedimentos objetivos e transparentes de seleção, nomeação, promoção, remoção,
suspensão e destituição de juízes. Veja-se o trecho do relatório mencionado:
86. No que diz respeito ao corpo de seleção, embora na maioria dos países
tenham sido criadas instituições de apoio às supremas cortes para
administrar a justiça, como o Conselho Nacional do Judiciário, em El
Salvador, o Conselho Nacional de Administração e Carreira Judiciária na
Nicarágua ou o Conselho da Judicatura e da Carreira Judicial (criada, mas
ainda não em funcionamento), exige-se que estas instituições sejam, na
prática, independentes das cortes supremas de justiça, com membros
independentes, que estabeleçam procedimentos objetivos e
transparentes de seleção, nomeação, promoção, remoção, suspensão
e demissão de juízes. A composição deste órgão deve ser pluralista, com
predomínio de magistrados e juízes entre os seus membros, e garantir a
participação de instituições da sociedade civil. Além disso, a seleção dos seus
membros deve ser transparente e pública.16
15Apresentado ao Conselho em 02/04/2013. A/HRC/23/43/Add. 4. Disponível em http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/RegularSession/Session23/A-HRC-23-43-Add4_sp.pdf 16 Tradução livre de “86. En lo que atañe al órgano de selección, a pesar de que en la mayoría de los países se crearon instituciones de apoyo a las cortes supremas para la administración de justicia, como el Consejo Nacional de la Judicatura en El Salvador, el Consejo Nacional de Administración y Carrera Judicial en Nicaragua o el Consejo de la Judicatura y de la Carrera Judicial en Honduras (creado, pero aún no en funcionamiento), se requiere que estas instituciones sean en la práctica independientes de las cortes supremas de justicia, con miembros independientes, que establezcan procedimentos objetivos y transparentes de selección, nombramiento, promoción, remoción, suspensión y destitución de jueces. La composición de este órgano tendría que ser pluralista, con un predominio de magistrados y jueces entre sus miembros, y garantizar la participación de entidades de la sociedad civil. Además, el proceso de selección de sus miembros debería ser transparente y público”. Disponível em http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/RegularSession/Session23/A-HRC-23-43-Add4_sp.pdf
17
No Relatório de 2009, dessa vez submetido pelo Relator à época, Sr.
Leandro Despouy, foram apresentadas recomendações fortes e específicas sobre a
necessidade da independência judicial interna, o que significa dizer do risco à
independência quando a cúpula de um tribunal busca influenciar ou interferir nas decisões
de magistrados de primeira instância:
48. O Relator Especial observa que a independência dos juízes
precisa ser protegida da interferência externa e também interna. Para
tanto, as estruturas adequadas dentro do Judiciário são decisivas. Neste
contexto, o relator especial chama a atenção para os procedimentos
aplicados para a nomeação ou eleição de presidentes de tribunais.
49. Juízes precisam trabalhar em um ambiente propício para a tomada
de decisões independentes. Para evitar que a hierarquia interna vá
contra a independência dos juízes, o Relator Especial encoraja os
Estados-Membros a considerar a introdução de um sistema em que os
presidentes dos tribunais são eleitos pelos juízes dos respectivos tribunais.
50. Além disso, as estruturas e as condições apropriadas precisam ser
colocadas em prática, a fim de evitar situações em que a reversão de
decisões por órgãos judiciais superiores inclua uma sanção para os
juízes de nível inferior que fizeram essas decisões, o que resultaria em
uma diminuição da independência de um juiz singular dentro do
Judiciário.17
Vê-se na objetividade das recomendações da Relatoria Especial da ONU para a
Independência do Sistema Judicial, que a Presidência de um tribunal nunca poderia ter o
17 Tradução livre de “48. The Special Rapporteur notes that the independence of judges needs to be protected
both from outside and internal interference. For both, adequate structures within the judiciary are decisive. In this context, the Special Rapporteur draws attention to the procedures applied for the appointment or election of court chairpersons. 49. Judges need to work in an environment which is conducive to independent decision-making. To avoid having internal judicial hierarchy run counter to the independence of judges, the Special Rapporteur encourages Member States to consider introducing a system whereby court chairpersons are elected by the judges of their respective court. 50. Furthermore, appropriate structures and conditions need to be put in place in order to avoid situations in which the overturn of judgements by higher judicial bodies includes a sanction to the lower-level judges that made those rulings, which would result in a lessening of the independence of an individual judge within the judiciary.” Disponível em: http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G09/125/63/PDF/G0912563.pdf?OpenElement
18
poder discricionário que a Corte paulista se propõe a ter, e, nunca um juiz poderia ser
punido com o afastamento da área criminal por tomar decisões que não seguem o
entendimento da cúpula do tribunal, como se deu no caso do magistrado Roberto Luiz
Corcioli Filho.
Especificamente quanto à interferência da cúpula do tribunal, a relatoria especial
da ONU, no mesmo relatório, asseverou que é crucial que se garanta a inamovibilidade do
juiz por esse ser um dos principais pilares da independência do judiciário, o que se aplica
diretamente ao caso tratado na presente demanda. Veja-se o que diz o trecho mencionado
do relatório:
57. Independentemente se o mandato do juiz é vitalício ou para um período
limitado de tempo, é crucial que a nomeação seja garantida através da
inamovibilidade do juiz para o período que ele/ela tenha sido
designado. A inamovibilidade dos juízes é um dos principais pilares
que garantem a independência do poder judicial. Somente em
circunstâncias excepcionais pode o princípio da inamovibilidade ser
transgredido. Uma dessas exceções é a aplicação de medidas disciplinares,
incluindo a suspensão e remoção.”18
Note-se que o caso aqui discutido não é isolado, mas sim reflexo de um
desvio na administração da justiça que tem consequências diretas para os
jurisdicionados.
Além disso, não é exclusividade do Brasil casos em que juízes são punidos por
tomarem decisões que não agradam a cúpula política do respectivo tribunal.
A relatoria da ONU vem tratando do tema ao receber casos individuais. No
Paraguai, um juiz foi destituído do cargo, após absolver 14 pessoas de um processo
18 Tradução livre de “57. Independently of whether the mandate of the judge is for life or for a limited period
of time, it is crucial that tenure be guaranteed through the irremovability of the judge for the period he/she has been appointed. The irremovability of judges is one of the main pillars guaranteeing the independence of the judiciary. Only in exceptional circumstances may the principle of irremovability be transgressed. One of these exceptions is the application of disciplinary measures, including suspension and removal. Disponível em: http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/G09/125/63/PDF/G0912563.pdf?OpenElement
19
criminal19. Em Honduras, quatro magistrados da Suprema Corte de Justiça foram
destituídos, por conta de seus votos a favor em um recurso de amparo em face de um
decreto que criou a Lei de Depuração da Polícia Nacional20.
O e. Conselho Nacional de Justiça, exercendo seu papel definido pela
Constituição e respeitando as recomendações internacionais, determinou a mudança na
política de designação de juízes substitutos para que respeitasse critérios objetivos e
impessoais de seleção no intuito de preservar a independência judicial.
Agora, está diante desta c. Suprema Corte, o papel de reconhecer que o e. CNJ
atuou dentro de suas atribuições e de legitimar o trabalho de um conselho que foi criado
pelo mesmo clamor social que agora busca ver garantida a independência e a
inamovibilidade do magistrado Roberto Luiz Corcioli Filho, como um caso paradigmático,
além da efetivação do art. 37 da Constituição da República na política de designações do
Tribunal paulista.
Nesse sentido, observando-se os parâmetros do sistema universal de proteção dos
direitos humanos, ao qual o Brasil está inserido, e aplicando-os à demanda trazida ao
19 Organização das Nações Unidas. AL – PRY 5/2012. A/HRC/23-51. “presunta destitución de un juez
resultando de un proceso disciplinario que supuestamente no cumplio con el derecho a un juicio justo, garantias al debido proceso y a la independencia de la judicatura. Según la información recibida, en 2011, el Sr. Gustavo David Bonzi Villalba, entonces Juez Penal de Garantías de la ciudad de Yby Yau, decidió sobreseer definitivamente a catorce personas en la causa penal ―Ministerio Público c/ Ossvaldo Villalba
Ayala y otros s/ secuestro y otros en Kuruzu de Hierro-Circunscripción de Concepción‖ luego de once días de audiencia preliminar al considerar imposible elevar fundadamente la causa a juicio oral. Según la fuente, por consiguiente, el Jurado de Enjuiciamiento de Magistrados procedió de oficio al enjuiciamiento del entonces Juez Bonzi por mal desempeño de funciones. El Juez Bonzi fue suspendido de su cargo el 27 de julio, antes de que la segunda instancia revisara su decisión en la causa penal. Se informa además que en diciembre de 2011, el Juez Bonzi fue destituido por el Jurado de Enjuiciamiento de Magistrados, que, según la fuente, se negó a recibir las pruebas a favor del Juez Bonzi en más de una ocasión, y su cargo fue declarado vacante.” Disponível em: http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/SP/A-HRC-23-51_EFS.pdf 20 Organização das Nações Unidas. UA – HND 13/20012. “Supuesta injerencia en la independencia de la
judicatura. Según las informaciones recibidas, el Congreso Nacional destituyó a cuatro de los cinco magistrados de la Sala Constitucional de la Corte Suprema de Justicia: los señores José Antonio Gutiérrez Navas, Gustavo Enrique Bustillo Palma, José Francisco Ruiz Gaekel y la señora Rosalinda Cruz Sequeira. El procedimiento de destitución fue supuestamente realizado durante la madrugada del 12 de diciembre de 2012 sin la debida transparencia, con el supuesto fundamento en los artículos 205, numeral 20, 321 y 324 de la Constitución de la República de Honduras. Sin embargo se informa que este procedimiento de destitución habría sido llevado a cabo como medida de represalia política, en razón de los votos por parte de los cuatro magistrados en referencia a favor de un recurso de amparo en contra del Decreto 89-2012 que creó la Ley de Depuración de la Policía Nacional.” Disponível em: http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/SP/A-HRC-23-51_EFS.pdf
20
presente mandado de segurança, torna-se inevitável a denegação da segurança pretendida
para que continue em seus efeitos a r. decisão tomada pelo plenário do CNJ.
c) Organização dos Estados Americanos.
O Estado brasileiro também é signatário da Convenção Americana de Direitos
Humanos (CADH ou Convenção), que, por meio de seu artigo 33, instituiu a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH ou Comissão) e a Corte
Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH); e, reconheceu a competência
obrigatória da CorteIDH para interpretar ou aplicar a Convenção.
Fundamentalmente todos os parâmetros trazidos pelo Sistema Interamericano de
Direitos Humanos, no que diz respeito a garantias judiciais, emanam da CADH21,
especialmente do artigo 8º da Carta. Veja-se o seu parágrafo 1º, que trata da independência
judicial:
Artigo 8º - Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e
dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente,
independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração
de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de
seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer
outra natureza.
A partir daí, observa-se que, tanto a Comissão quanto a CorteIDH, tratam
substancialmente do tema da independência judicial e, mais especificamente sobre
a punição a juízes por decisões tomadas contrariamente ao entendimento da cúpula
do respectivo tribunal.
A preocupação da Comissão com o fortalecimento do acesso à justiça e o estado
de direito na região é tamanha, que em 5 de dezembro de 2013 apresentou relatório
21 Decreto nº 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm
21
específico sobre Garantias para a independência dos operadores da Justiça22, baseado
em questionário de consulta aos Estados e à sociedade civil com o objetivo de reunir
informações relevantes para identificar as problemáticas que enfrentam os operadores da
justiça e impulsionar a plena utilização de parâmetros internacionais que sirvam de guia aos
Estados para garantirem sua independência e imparcialidade.
Veja-se a justificativa da Comissão para a elaboração desse relatório:
“Ainda que a a comunidade internacional reconheça o trabalho de juízes,
promotores, advogados e defensores públicos como essencial para a garantia
do acesso à justiça e do devido processo legal, em vários países da região
essas funções são desempenhadas sem garantias de uma atuação
independente, tanto em nível individual, quanto das instituições em que
trabalham. Essa fragilidade é expressa em uma série de ingerências
das autoridades públicas e atores não-estatais que criam barreiras de iure
ou de facto para pessoas que buscam o acesso à justiça, o que ainda está
associado à falta de desenhos institucionais que resistam às pressões que
podem vir de outras instituições governamentais ou estatais, ou ainda a
ausência de procedimentos adequados para a nomeação, seleção e
devidas garantias nos procedimentos de caráter disciplinar.”23
Observa-se que foi exatamente a ausência de procedimentos adequados de
nomeação e das devidas garantias nos procedimentos de caráter disciplinar que iniciou o
debate, que chega a esta c. Suprema Corte, mesmo após ter sido apreciado pelo e. CNJ.
22 Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/defensores/docs/pdf/Operadores-de-Justicia-2013.pdf 23 Tradução livre de: “a pesar del amplio reconocimiento que ha dado la comunidad internacional a labor de jueces y juezas, fiscales, defensoras y defensores públicos, como actores esenciales para garantizar el acceso a la justicia y el debido proceso, en varios Estados de la región desempeñan sus labores en ausencia de garantías que aseguren una actuación independiente, tanto en un nivel individual como de las instituciones en las que trabajan. Dicha fragilidad se expresa en una serie de injerencias por parte de poderes públicos y agentes no estatales que generan barreras de iure o de facto para las personas que desean acceder a la justicia las cuales están asociadas a la falta de diseños institucionales que resistan las presiones que pueden provenir de otros poderes públicos o instituciones del Estado, así como en la ausencia de procedimientos adecuados para nombramiento y selección, y de garantías debidas en los procedimientos de carácter disciplinario.” Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/defensores/docs/pdf/Operadores-de-Justicia-2013.pdf
22
Nesse sentido, é importante destacar que o presente mandado de segurança
desafia uma decisão em acordo com os parâmetros internacionais de garantias para a
independência judicial de um órgão essencial para o bom funcionamento do sistema
judicial.
O papel dos juízes para a garantia de direitos humanos e a manutenção e
desenvolvimento do estado democrático de direito é inegável, mesmo assim vale
transcrever a concepção da Comissão Interamericana sobre essa importância:
16. A Comissão reitera que as juízas e os juízes são os principais atores para
se atingir a proteção judicial dos direitos humanos em um Estado
democrático, assim como o devido processo legal, que deve ser observado
na possibilidade do Estado aplicar uma sanção. As juízas e os juízes
encontram-se em um sistema democrático como controladores da
convencionalidade, constitucionalidade e da legalidade das ações de outros
poderes do Estado e de funcionários do Estado em geral, bem como
indutores da justiça em relação às controvérsias entre particulares.”24
Nesse sentido, a Comissão tem desenvolvido em seus relatórios temáticos e no
marco do sistema de petições e casos uma série de parâmetros partindo da premissa de que
a garantia de independência é imprescindível para que juízes possam contribuir
efetivamente para o acesso à justiça das vítimas de violações de direitos humanos25.
24 Tradução livre de: 16. La Comisión reitera que las juezas y los jueces son los principales actores para lograr la protección judicial de los derechos humanos en un Estado democrático, así como del debido proceso que debe observarse cuando el Estado puede establecer una sanción. Las juezas y los jueces fungen en un sistema democrático como controladores de la convencionalidad, constitucionalidad y legalidad de los actos de otros poderes del Estado y funcionarios del Estado en general, así como impartidores de justicia en relación con las controversias generadas por actos de particulares que puedan afectar los derechos de las personas. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/defensores/docs/pdf/Operadores-de-Justicia-2013.pdf 25 Tradução livre de: “En el ámbito del sistema interamericano el derecho de acceso a la justicia deriva de los artículos 8 y 25 de la Convención Americana de los cuales se desprenden una serie de obligaciones estatales que se deben garantizar a las personas afectadas en sus derechos para la búsqueda de justicia en sus respectivos casos. Adicionalmente, de dichas obligaciones estatales se desprenden determinadas garantías que los Estados deben brindar a las y los operadores de justicia a efecto de garantizar su ejercicio independiente y posibilitar así que el Estado cumpla con su obligación de brindar acceso a la justicia a las personas.” Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/defensores/docs/pdf/Operadores-de-Justicia-2013.pdf
23
A análise que a Comissão faz a respeito da independência judicial como uma das
garantias que os Estados devem oferecer, desdobra-se em duas dimensões, a primeira,
institucional e, a segunda, funcional ou de exercício individual do juiz.
A independência, apesar da sua faceta institucional, reflete-se em uma dimensão
funcional ou do exercício individual do juiz. Tal dimensão da independência judicial está
calcada numa série de condições providas pelo Estado nas quais permite ao operador de
justiça exercer sua função de maneira independente.
Ao analisar a dimensão funcional da independência, a CIDH defende que a
movimentação de juízes por motivos de caráter discricionário pode servir de
represália, ameaça ou amedrontamento ao desempenho da função jurisdicional.
Entendimento que se aplica, em sua integralidade, ao caso do magistrado Roberto Luiz
Corcioli Filho levado ao e. CNJ e agora trazido à apreciação desta c. Suprema Corte. Veja-
se:
A movimentação de juízes de praça ou espaço na qual trabalham
pode ter um fim legítimo e ser necessária para a reestruturação e
administração eficiente do poder judiciário. Entretanto, quando está
baseado em motivos de caráter discricionário o ato de separação do
operador de justiça dos casos que vinha tratando ou de sua área de
atuação, pode ser uma represália às suas decisões, servindo também
como uma ameaça ou amedrontamento no desempenho
independente de sua função26.
A CIDH também vem recebendo informações de casos semelhantes ao do
presente mandado de segurança, como o que ocorreu em Honduras, onde um juiz foi
afastado de sua atuação na área criminal por não acompanhar o entendimento do
26 Tradução livre de: “125. El traslado de las y los operadores de justicia de plaza o de la sala en la cual trabajan puede tener un fin legítimo y ser necesaria para la reestructuración y administración eficiente del poder judicial, fiscalías o defensorías públicas. Sin embargo, cuando está basado en motivos de carácter discrecional el acto de separación del operador de justicia de los casos que venía conociendo o de su lugar de trabajo puede ser uma represalia a sus decisiones, sirviendo la amenaza de traslado también como um amedrentamiento para el desempeño independiente de sus labores.” Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/defensores/docs/pdf/Operadores-de-Justicia-2013.pdf
24
presidente da Corte Suprema27 ou o que se passou no Uruguai, onde a Suprema Corte de
Justiça movimentou a juíza Mariana Mota de seu cargo como juíza criminal sem
decisão fundamentada depois de ter condenado um ex-presidente do Uruguai por sua
participação no golpe de Estado de 1973, mesmo tendo ainda por julgar 50 processos por
graves violações de direitos humanos e crimes cometidos durante a ditadura uruguaia28.
Ainda que o Brasil não tenha casos relacionados à independência judicial no
sistema interamericano de direitos humanos, nota-se que o caso discutido nesta demanda é
muito semelhante aos apresentados acima.
Diante dessas situações a CIDH apresentou as seguintes recomendações:
127. Diante das situações mencionadas, a Comissão ressalta a importância
de que as movimentações dos operadores de justiça se realizem de acordo
com critérios públicos e objetivos; adotados por meio de um procedimento
prévio e claramente estabelecido, no que se levem em consideração
interesses e necessidades do operador de justiça envolvido. [...] As
movimentações não devem ser decididas arbitrariamente, mas sim
responder a critérios objetivos. A Comissão considera, assim como a
Relatoria da ONU, que deveria haver a oportunidade para que os
operadores de justiça possam impugnar as decisões de movimentação
ou afastamento de casos, incluindo o direito ao contraditório29.
27 Tradução livre de: “244 (...) La Comisión recibió a su vez información sobre un juez que habiéndose
especializado en el ámbito penal durante todos sus años de servicio en el poder judicialhabía sido trasladado a desempeñarse como juez civil en virtud de no haber coincidido con el criterio jurídico del presidente de la Corte Suprema”. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/defensores/docs/pdf/Operadores-de-Justicia-2013.pdf 28 Tradução livre de: “126. Sobre este aspecto, la Comisión Interamericana recibió información según la cual, por ejemplo, un presidente de una Corte Suprema de Justicia disponía el traslado de jueces de salas con el objetivo de reprimir a aquellos que no votaran en las decisiones de relevancia nacional, apegándose a la directriz señalada por el presidente de la corte. La Comisión recibió a su vez información sobre un juez que habiéndose especializado en el ámbito penal durante todos sus años de servicio en el poder judicial había sido trasladado a desempeñarse como juez civil en virtud de no haber coincidido com el criterio jurídico del presidente de la Corte Suprema. Asimismo, la Comisión recibió información sobre el traslado de jueces de tribunales cuando han adoptado decisiones de carácter sensible en materia de graves violaciones a derechos humanos y dicho traslado podría tener por objetivo separarlos de tomar una decisión que pudiera afectar sensiblemente los intereses de otros poderes.” Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/defensores/docs/pdf/Operadores-de-Justicia-2013.pdf 29 Tradução livre de: “127. En vista de situaciones como las señaladas, la Comisión resalta la importancia de que los traslados de las y los operadores de justicia se realicen sobre labase de criterios públicos y objetivos;
25
Também é preciso destacar que na linha do que já vem decidindo o próprio STF,
a Comissão entende que tais recomendações se aplicam aos juízes substitutos, vendo com
preocupação a pressão exercida para decidirem conforme os interesses da cúpula do
tribunal. Veja-se:
3. Sobre os períodos de prova
97. Em alguns países a Comissão Interamericana tem observado que a
legislação prevê um período de prova com o fim de determinar o ingresso
definitivo do juiz à carreira. Sobre essa questão a CIDH observa que, no
mesmo sentido da provisoriedade, os operadores de justiça sujeitos
aos chamados períodos de prova podem estar sujeitos às pressões
para tomar determinadas decisões em conformidade com os
interesses da autoridade da qual dependa sua nomeação definitiva,
colocando em risco sua independência30.
A proximidade do e. STF com os sistemas regionais e universais de direitos
humanos é a própria consequência dos efeitos dos parágrafos §2º e de 3º do artigo 5º da
Constituição brasileira. E na esteira dessa aproximação, o próprio Excelentíssimo Ministro
Ricardo Lewandowski, no dia 10 de fevereiro de 2015, firmou carta de intenções (doc. 7)
entre o Conselho Nacional de Justiça e a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos em que procura aprofundar a integração do Poder Judiciário brasileiro ao
adoptados a través de un procedimiento previo yclaramente establecido, en el cual se tengan en cuenta los intereses y necesidades deloperador de justicia involucrado. En este sentido, es conveniente brindar unaoportunidad para escuchar cuenta las opiniones, aspiraciones y la situación familiar deloperador de justicia involucrado así como la especialización y fortalezas adquiridas en eltranscurso de su carrera. Las transferencias y rotaciones no deben decidirsearbitrariamente, sino responder a criterios objetivos. La Comisión considera asimismo aligual que la Relatoría de Naciones Unidas que debería existir una oportunidad para las y losoperadores de justicia a impugnar las decisiones de traslado o separación de los casos,incluyendo el derecho de acceso a un tribunal.” Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/defensores/docs/pdf/Operadores-de-Justicia-2013.pdf 30 Tradução livre de: “3. Sobre los períodos de prueba 97. En algunos países la Comisión Interamericana ha observado que la legislación prevé un período de prueba, con el fin de determinar el ingreso definitivo delfuncionario a la carrera judicial. Al respecto, la CIDH observa que en forma similar a laprovisionalidad, las y los operadores de justicia sujetos a dichos períodos de prueba enalgunas ocasiones pueden ser sujetos a presiones para tomar determinadas decisiones deconformidad con los intereses de la autoridad de la cual dependa su nombramientodefinitivo, poniendo en riesgo su actuación independiente.” Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/defensores/docs/pdf/Operadores-de-Justicia-2013.pdf
26
Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. Nas palavras do
excelentíssimo ministro presidente31:
“É preciso que os juízes compreendam não apenas como funcionam
esses sistemas, mas como se integram, e façam aquilo que o ministro
Celso de Mello chama de ‘controle de convencionalidade’, ou seja,
verifiquem se determinada ação está ou não em conformidade
com as convenções internacionais das quais o Brasil faz parte.”
Mas não é só a Comissão que se manifesta sobre o assunto no âmbito da OEA. A
própria CorteIDH já tem jurisprudência sobre independência judicial na região.
No Caso Apitz Barbera e Outros vs. Venezuela32 (doc. 8), juízes designados
para ocupar provisoriamente o cargo de Magistrados de la Corte Primera de lo Contencioso
Administrativo foram destituídos com a justificativa de terem cometido um erro judicial
inexcusável ao suspender um ato administrativo que negou um registro de compra e venda.
Nesta oportunidade, a Corte pontuou quais são as obrigações do Estado no que
tocam as garantias judiciais previstas na Convenção Americana, especificando, inclusive, a
questão da independência dos juízes provisórios:
43. A Corte observa que os Estados estão obrigados a assegurar que
os juízes provisórios sejam independentes e, por isso, deve ser dado
certo tipo de estabilidade e permanência no cargo, posto que a
provisoriedade não equivale à livre remoção [...] No mesmo sentido, a
Corte considera que a provisoriedade não deve significar alteração do
regime de garantias do juiz e dos próprios jurisdicionados. Ademais, a
provisoriedade não deve se estender indefinitivamente no tempo, devendo
estar sujeita à uma condição resolutória, como o cumprimento de um prazo
31 Notícias do STF. Acessível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=285129 32 Corte IDH. Caso Apitz Barbera y otros (“Corte Primera de lo Contencioso Administrativo”) Vs. Venezuela. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 5 de agosto de 2008. Serie C No. 182, párr. 78.
27
pré-determinado ou um concurso público que nomeie o substituto do juiz
provisório com caráter permanente33.
Neste mesmo caso levado à Corte também foi tratada a garantia do direito de
defesa do juiz que se vê perante um processo de movimentação pela autoridade do
tribunal:
44. Esta Corte tem destacado que os diferentes sistemas políticos têm
idealizado diferentes procedimentos estritos tanto para a nomeação de juízes
como para sua destituição. Sobre esse último ponto, o Tribunal tem
afirmado que a autoridade a cargo do processo de destituição de um
juiz deve atuar com imparcialidade e permitir o exercício do direito
de defesa34.
Em outro caso emblemático levado ao Sistema Interamericano de Direitos
Humanos (doc. 9), a CorteIDH reconheceu a responsabilidade internacional da Venezuela
pela destituição arbitrária da juíza Mercedes Chocrón Chocrón sem oferecer garantias de
um devido processo, nem um recurso adequado para questionar tal decisão. 35
33 Corte IDH. Caso Apitz Barbera y otros (“Corte Primera de lo Contencioso Administrativo”) Vs. Venezuela. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 5 de agosto de 2008. Serie C No. 182. Tradução livre de: “43 .La Corte observa que los Estados están obligados a asegurar que los jueces provisorios sean independientes y, por ello, debe otorgarles cierto tipo de estabilidad y permanencia en el cargo, puesto que la provisionalidad no equivale a libre remoción. (…) En similar sentido, la Corte considera que la provisionalidad no debe significar alteración alguna del régimen de garantías para el buen desempeño del juzgador y la salvaguarda de los propios justiciables. Además, no debe extenderse indefinidamente en el tiempo y debe estar sujeta a una condición resolutoria, tal como el cumplimiento de un plazo predeterminado o la celebración y conclusión de un concurso público de oposición y antecedentes que nombre al reemplazante del juez provisorio con carácter permanente.” 34 Corte IDH. Caso Apitz Barbera y otros (“Corte Primera de lo Contencioso Administrativo”) Vs. Venezuela. Excepción Preliminar, Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 5 de agosto de 2008. Serie C No. 182. . Tradução livre de: 44. Esta Corte ha destacado con anterioridad que los diferentes sistemas políticos han ideado procedimientos estrictos tanto para el nombramiento de jueces como para su destitución. Sobre este último punto, el Tribunal ha afirmado que la autoridad a cargo del proceso de destitución de un juez debe conducirse imparcialmente en el procedimiento establecido para el efecto y permitir el ejercicio del derecho de defensa. 35 Corte IDH. Mercedes Chocrón Chocrón vs. Venezuela. Sentencia de 1 de julho de 2011
28
Naquela oportunidade a Corte também reiterou que a provisoriedade não
equivale à livre remoção, hipótese em que devem-se observar um processo disciplinar
com direito à defesa ou um ato administrativo devidamente motivado:
“em qualquer matéria, inclusive trabalhista ou administrativa, a
discricionariedade da administração tem limites intransponíveis, sendo um
deles o respeito aos direitos humanos. É importante que a atuação da
administração se encontre regulada, e esta não pode invocar a ordem
pública para reduzir discricionariamente as garantias dos
administrados. [...]
118. Sobre o dever de motivar as decisões que afetam a estabilidade dos
juízes a seu cargo, a Corte reitera sua jurisprudência no sentido de que a
motivação “é a exteriorização da justificação racional que permite chegar a
uma conclusão”. O dever de motivar as decisões é uma garantia vinculada
com a correta administração de justiça, que protege o direito dos cidadãos
de serem julgados de acordo com o que diz o Direito, e outorga
credibilidade às decisões jurídicas no marco de uma sociedade democrática.
Portanto, as decisões adotadas pelos órgãos internos que possam afetar
direitos humanos devem estar devidamente fundamentadas, pois do
contrário seriam decisões arbitrárias. Nesse sentido, a argumentação de uma
decisão e de certos atos administrativos devem permitir conhecer quais
foram os fatos, motivos e normas em que de fundamentou a autoridade
para tomar sua decisão, a fim de descartar qualquer indício de arbitrariedade.
Assim mesmo, a motivação demonstra às partes que estão sendo ouvidas e,
naqueles casos em que as decisões são recorríveis, proporciona a
possibilidade de criticar a decisão e alcançar um novo exame da questão em
instâncias superiores. Por tudo isso, o dever de motivação é uma das
“devidas garantias” incluídas no artigo 8.1 para assegurar o direito ao devido
processo36.
36 Corte IDH. Mercedes Chocrón Chocrón vc. Venezuela.. Tradução livre de: "en cualquier materia, inclusive en la laboral y la administrativa, la discrecionalidad de la administración tiene límites infranqueables, siendo uno de ellos el respeto de los derechos humanos. Es importante que la actuación de la administración se encuentre regulada, y ésta no puede invocar el orden público para reducir discrecionalmente las garantías de los administrados. [...] 118. Sobre este deber de motivar las decisiones que afectan la estabilidad de los jueces
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O simples e improvável argumento de que não se equivaleria a discussão sobre a
remoção e a movimentação de juízes seria imprudente, e até mesmo temerário, já que a
Constituição brasileira e os tratados internacionais não dão menos garantias a
juízes provisórios sujeitos à movimentação. Uma vez investido na autoridade de
juiz, a jurisdição é exercida em sua plenitude – ao jurisdicionado deve ser entregue
a prestação jurisdicional revestida de todas as garantias judiciais constitucionais e
internacionais. Portanto, essas mesmas garantias devem ser observadas tanto nos
procedimentos de remoção como no procedimento de movimentação que pode ter
caráter de remoção.
Vale salientar que o estado brasileiro reconhece a competência obrigatória da
Corte Interamericana de Direitos Humanos para interpretar ou aplicar a CADH, o que
se dá por meio do Decreto nº 4.463 de 8 de novembro de 2002, cujo artigo 1º, devido à sua
importância, ora transcreve-se:
Art. 1º É reconhecida como obrigatória, de pleno direito e por prazo
indeterminado, a competência da Corte Interamericana de Direitos
Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da
Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), de
22 de novembro de 1969, de acordo com art. 62 da citada Convenção, sob
reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998.
Assim, verifica-se a importância dos organismos internacionais (regionais e
universais) na própria interpretação dos tratados nos quais o Brasil se comprometeu a
cumprir. No presente caso concreto, a aplicação dos tratados e recomendações en su cargo, la Corte reitera su jurisprudencia en el sentido que la motivación “es la exteriorización de la justificación razonada que permite llegar a una conclusión”. El deber de motivar las resoluciones es una garantía vinculada con la correcta administración de justicia, que protege el derecho de los ciudadanos a ser juzgados por las razones que el Derecho suministra, y otorga credibilidad a las decisiones jurídicas en el marco de una sociedad democrática. Por tanto, las decisiones que adopten los órganos internos que puedan afectar derechos humanos deben estar debidamente fundamentadas, pues de lo contrario serían decisiones arbitrarias. En este sentido, la argumentación de un fallo y de ciertos actos administrativos deben permitir conocer cuáles fueron los hechos, motivos y normas en que se basó la autoridad para tomar su decisión, a fin de descartar cualquier indicio de arbitrariedad. Asimismo, la motivación demuestra a las partes que éstas han sido oídas y, en aquellos casos en que las decisiones son recurribles, les proporciona la posibilidad de criticar la resolución y lograr un nuevo examen de la cuestión ante las instancias superiores. Por todo ello, el deber de motivación es una de las “debidas garantías” incluidas en el artículo 8.1 para salvaguardar el derecho a un debido processo”.
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internacionais não deixa outra alternativa ao e. STF a não ser reconhecer e legitimar a r.
decisão tomada pelo plenário do e. CNJ e, por consequência, denegar a segurança
pretendida neste mandado de segurança.
5) FORÇA VINCULANTE DAS DELIBERAÇÕES DE ÓRGÃOS INTERNACIONAIS SOBRE
DIREITOS HUMANOS
O sistema normativo internacional de proteção dos direitos humanos é
integrado por tratados internacionais de proteção que refletem, sobretudo, a consciência
ética contemporânea compartilhada pelos Estados, na medida em que invocam o consenso
internacional acerca de parâmetros protetivos mínimos a serem respeitados pelos Estados
no que tange à dignidade humana.
De acordo com o entendimento da Profª. Flávia Piovesan37, esses Tratados
não são o “teto máximo” de proteção, mas o “piso mínimo” para
garantir a dignidade humana, constituindo o “mínimo ético irredutível”.
Os Estados podem e devem ir além, jamais aquém destes parâmetros.
Além disso, instituem órgãos de proteção como Comissões, Comitês e
Conselhos que estabelecem mecanismos de monitoramento voltados à implementação dos
direitos internacionalmente reconhecidos e, apesar de algumas das normas, deliberações e
recomendações desses órgãos não terem força vinculante direta, possuem a qualidade de
sinalizar ao Estado a sua responsabilidade internacional em assegurar o
cumprimento de direitos humanos internacionalmente admitidos.
No entendimento da professora Márcia Nina Bernardes, em artigo publicado na
Sur – Revista Internacional de Direitos Humanos38, ao tratar do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos
37 Implementação das obrigações, standards e parâmetros internacionais de direitos humanos no âmbito intra-governamental e federativo. Apresentação da Profª Flávia Pìovesan. Disponível em http://www.internationaljusticeproject.org/pdfs/piovesan-speech.pdf
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...a CADH estabelece obrigações jurídicas às autoridades estatais
brasileiras, não se tratando de um documento meramente político que
enuncia aspirações a serem perseguidas a longo prazo. Essa Convenção,
assim como outros tratados internacionais de direitos humanos
reconhecidos pelo Brasil, cria deveres jurídicos para o país. Como
instrumento jurídico que integra o ordenamento interna, a fiscalização de
cumprimento de tais obrigações não deve ser realizada apenas por órgãos
supranacionais e impõe-se também como tarefa daqueles que
desempenham internamente as funções essenciais de justiça, além do
Judiciário. De fato, ao lado do controle de legalidade e de
constitucionalidade, torna-se imperiosa a realização do controle de
convencionalidade. O conhecimento dos padrões de interpretação
dos artigos da CADH pela Corte IDH e também pela CIDH
também estão incluídos nessa obrigação.
Sendo assim, as recomendações, jurisprudência e comunicados dos
mecanismos de controle dos tratados assinados no âmbito da ONU e da OEA,
mencionados acima, são a interpretação dos dispositivos normativos internacionais
firmados entre Estados e por isso devem ser adotadas pelo Poder Judiciário brasileiro,
como também ressaltada André de Carvalho Ramos:
...se a interpretação judicial brasileira for contrária à interpretação desses
órgãos internacionais, o Brasil responderá por isso e, pior, para o
jurisdicionado existirá a sensação de que o tratado de direitos humanos
foi distorcido e só foi usado como “retórica judicial” para fins de
propaganda externa. [...] O reconhecimento da interpretação
internacional dos tratados ratificados pelo Brasil é consequência óbvia
dos vários comandos constitucionais que tratam de “tratados de direitos
humanos”, como os parágrafos 2º e 3º do art. 5º. De que adiantaria a
Constituição pregar o respeito a tratados internacionais de direitos
38 Sistema Interamericano de Direitos Humanos como Esfera Pública Transnacional: Aspectos Jurídicos e Políticas da Implementação de Decisões Internacionais. SUR. Revista Internacional de Direitos Humanos – v. 8, n. 15, dez. 2011. p. 149.
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humanos se o Brasil continuasse a interpretar os direitos humanos neles
contidos nacionalmente?39
Portanto, observa-se que o TJSP, ao não definir critérios objetivos e
impessoais para a designação de juízes substitutos, além de violar a própria
Constituição brasileira também viola a Declaração Universal dos Direitos
Humanos40, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos41 e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (CADH).42
6) CONCLUSÃO
Trata-se o presente caso de mandado de segurança que desafia a r. decisão do e.
Conselho Nacional de Justiça de determinar ao Tribunal de Justiça de São Paulo, ora
impetrante, a recolocação do nome do juiz Roberto Luiz Corcioli Filho na lista de
designações de Juízes Auxiliares da Capital para Varas Criminais e/ou Infracionais na
Comarca de São Paulo e edição de ato normativo que regulamente o artigo 8º, caput, da Lei
Complementar Estadual nº 980, de 21 de dezembro de 2005, estabelecendo regras e
critérios objetivos e impessoais para as designações dos Juízes Auxiliares da Capital do
Estado de São Paulo.
A determinação do e. Conselho Nacional de Justiça foi fruto da inconformidade
de um juiz de primeiro grau, Roberto Luiz Corcioli Filho, que recebeu através de um e-mail
(!) da Presidência do TJSP, a notícia de que estava afastado da 12ª Vara Criminal Central da
Capital por conta do teor garantista de suas decisões.
Nota-se que a controvérsia se inicia por conta de representação disciplinar de
promotores de justiça perante a Corregedoria-local de Justiça contra o juiz Roberto Luiz
39 Processo Internacional de Direitos Humanos, 2ª edição, 2012, Ed. Saraiva. p. 354-355. 40 Adotada e proclamada pela Resolução n. 217A, da III Assembléia Geral das Nações Unidas de 10.12.1948 e assinada pelo Brasil na mesma data. 41 Decreto nº 592, DE 6 DE JULHO DE 1992. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm 42 Decreto nº 678, DE 6 DE NOVEMBRO DE 1992. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm
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Corcioli Filho por conta do teor de suas decisões, cujo pedido de punição foi prontamente
acatado pela Presidência da Corte paulista.
O e. CNJ, desempenhando papel determinante para se garantir a aplicação dos
princípios da administração pública, do juiz natural e da garantia da independência judicial,
entendeu que o ato administrativo de movimentação não respeitou o binômio necessidade-
disponibilidade, identificando ainda um desvio de finalidade diante da discricionariedade
máxima da Presidência do TJSP em movimentar juízes substitutos.
O que está em disputa no presente mandamus é a resistência do impetrante em
abandonar o controle ideológico de seus juízes e em reconhecer o e. CNJ como legitimador
social do Poder Judiciário.
O caso do magistrado Roberto Luiz Corcioli Filho é reflexo dessa resistência por
parte da Presidência da Corte paulista. Um reflexo que emergiu para o debate público e
agora torna-se paradigmático.
Nesse sentido, no intuito de contribuir para debate, a presente manifestação de
amicus curiae traz a esta c. Corte Suprema tratados e recomendações internacionais que, ao
serem aplicados à presente demanda, impõem a denegação da segurança pretendida, por
estarem de acordo com a r. decisão tomada pelo plenário do e. CNJ.
7) PEDIDO
Diante do exposto, a Conectas Direitos Humanos requer a sua admissão como
amicus curiae no presente mandado de segurança e a denegação da segurança pretendida para
que a r. decisão tomada pelo plenário do CNJ mantenha seus efeitos no sentido de
determinar que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo recoloque o nome do juiz
Roberto Luiz Corcioli Filho na lista de designações de Juízes Auxiliares da Capital para
Varas Criminais e/ou Infracionais na Comarca de São Paulo e que edite ato normativo que
regulamente o artigo 8, caput, da Lei Complementar Estadual n. 980, de 21 de dezembro de
2005, estabelecendo regras e critérios objetivos e impessoais para as designações dos Juízes
Auxiliares da Capital do Estado de São Paulo
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Caso não seja admitida a presente manifestação na qualidade de amicus curiae,
requer-se seu recebimento como memoriais.
Termos em que,
Pede deferimento.
São Paulo, 15 de maio de 2015.
Rafael C. G. Custódio Marcos Roberto Fuchs
OAB/SP 262.284 OAB/SP 101.663
Flavio Siqueira Júnior Vivian Calderoni
OAB/SP 284.930 OAB/SP 286.871
Sheila Santana de Carvalho Mayra de Oliveira Gramani
OAB/SP 343.588 RG 50.059.588-4