Post on 13-Feb-2018
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Se der polcia, some , prega o pastor para uma milci
de jovens fiis prestes a atacar um terreiro de candombl'
E a violncia religiosa brotando no Brasi
,.'1~
SETEMBRO 2015
SUPER
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LCIO BARRETO JNIOR, opastor
Lucinho , uma estrela da Igreja
Batista da Lagoinha, tradicional
instituio evanglica de Belo Ho-
rizonte. Nos lt imos meses, Luci-
nho pregou na Inglaterra, Espanha
e Luxemburgo. Tambm foi para
o Rio de Janeiro, Santa C atarina e
Paraba. M uitas das suas pregaes
tm ingressos esgotados. Ele urna
celebridade eva nglica.
Em seu s i te o f ic ia l , Lucinho
vende camisetas com a frase Com
Jesus, veno at Chuck N orris . Ele
t ambm tem uma l inha de DVD s,
com t tulos como A Verdadeira Tro-
pa d e El i te e
Tre inando um Louco
Por Jesus.
Na igreja da Lagoinha, Lucinho
responsvel po r evangelizar jo-
vens e adolescentes, e se apresenta
como se fosse um. N em de perto
aparenta seus 43 anos -usa cabe-
lo espetado e grias de quem tem
pouco menos de 20anos. Tambm
faz questo de se definir como um
Louco por Jesus , uma verso reli-
giosa do vida loka da puberdade.
Lucinho fez dessa def inio tan-
to um slogan das suas pregaes
quanto um estilo de v ida.
Num vdeo que c i rculou pelo
Facebook neste ano, o pastor apa-
rece pregando em Belo H or izon-
te . Logo no comeo , Lucinho diz:
S va i ter marcha das vadias se
voc quiser. S vai ter boate gay,
parada gay, parada dos maconhei-
ros, se voc quiser. Outro dia, em
Belo Ho rizonte, falaram com igo:
'Lucinho, vai ter a festa do P reto
Velho'. Eu falei, 'ningum m e pe-
diu. No aceito. No vai ter' . Ento
ele explica como estragar a festa
alheia. Cheguei l no meu grupo
de jovens, chamei 20 jovens, falei
' v amos dar um B .O. na fe s ta do
capeta?' . Os jovens, para tristeza
do pastor, no estavam dispostos
a dar B.O. na fes ta de umba nda.
M as Lucinho no desiste.
En to fui no melhor depar ta-
mento d e qualquer igreja. Fui falar
com os adolescentes . Cheguei e
fa le i 'p reciso de 20 malucos p a-
ra dar uma busca e apreenso no
Preto Velho. ' O pastor diz que os
meninos aceitaram na hora. E passa a
gritar com a multido que ouvia sua
pregao: Fica velho, mas no fica
idiota. Faz faculdade, mas no vira
um retardado mental. No perde o
sangue nos olhos. No deixa a s su-
as muitas letras te levarem a delirar.
No vira um palhao. No porque
agora est vestindo uma roupinha
engomadinha que no pode dar uma
busca e apreenso no capeta .
Na sequncia, ele conta como
treinou os ad olescentes ao longo
de ao dias. Eles no podiam cau-
sar tumultos e deveriam seguir as
regras da disperso: Se der po-
lcia, confuso, FB I, d o 'vazari'.
Som e . E conclui: O mais legal
voc pegar gente s imples . Vo -
c pode desenhar Cristo na alma
deles , melhor do que gente que
voc tem que desconstruir para
depois construir .
M isso dada, misso cumprida.
No final do vdeo, o pastor descre-
ve como os adolescentes cercaram
a praa, a confuso com a festa da
umba nda, a chegada da polcia e
como um dos meninos depredou a
esttua do Preto Velho. A festa, que
deveria ir at as 6h, acabou antes da
meia-noite. Lucinho diz que isso
prova de autoridade divina, de que
Jesus est guiando cada um deles.
O v deo abre para ap lausos e
gritos da multido dentro da Igreja
Batista da Lagoinha. Centenas de
pessoas celebravam um pastor que
acabava de contar como tinha for-
mado uma milcia adolescente para
acabar com a celebrao de outra f.
Poder e intolerncia
Lucinho no um caso isolado
de atitudes extremas e linguagem
beligerante dentro da comunidade
evanglica. O v deo do pastor s
uma entre diversas evidncias de
intolerncia que tm se acumulado.
Por exem plo : o pas to r Ceza r
Cavalcante, rei tor da Faculdade
Teolgica Betesda, de Cam pinas
(SP), disse, em entrevista Folha
d e S.Paulo, que tem todo o direito
de pregar contra a umba nda e o
candombl porque, afinal, so duas
religies em pecado .
Nessa toada extremista, a Igreja
Universa l lanou uma campanha
d e ev an g e l iz a o ch am ad a d e
Gladiadores do Altar. Num vdeo
recente, as p essoas , ves t idas de
soldados , dizem que graas ao
Senhor, hoje estamos aqui prontos
para a batalha .
A batalha evanglica tambm
extrapolou o al tar e chegou com
fora bruta p oltica. Em Braslia,
deputados evanglicos bloqueiam
qualquer proposta que v contra
as suas crenas religiosas. Eles re-
zam o pai -nosso no Congresso e
propem projetos para criminalizar
crticas sua religio.
A lm disso, a Cmara dos De-
putados j aprovo u le is que au-
mentam a i seno de impos tos
a igrejas, livrando o s pastores de
pagar tributos pelas comisses que
recebem. Eles tm metas a alcanar.
Precisam conquistar novos fiis e
aumentar a arrecadao de dzimo.
Logo, so bonificados por seus lde-
res quando conseguem . E isso era
tributado. Pela prop osta, no ser
mais. A inda no pacote tributrio,
a C mara anist iou mul tas de
R
200
milhes aplicadas pela Receita
Federal a igrejas.
Tem mais. A Cmara estuda pro-
posta que inclui as igrejas entre as
instituies que podem propor a es
de inconsti tucionalidade no STF
(Supremo Tribunal Federal). Hoje,
apenas o governo, a OA B, partidos
polticos e alguns sindicatos tm es-
se direito. Se pastar, igrejas podero
contestar aes que aumentam direi-
tos LGBT no P as, por exemplo. Elas
ganhariam um p oder institucional
grande demais dentro de um Estado
que, a princpio, laico.
Po r f im, temos vrios outros
pastores Lucinhos brotando pelo
Brasil. Principalmente no Rio de
Janeiro. O R io o Estado com maior
presena evanglica no Pas. E nos
ltimos meses passou S o Paulo no
ranking de reclama es de intole-
rncia religiosa. H vrias denncias
de invases de terreiros e agresses.
Nas fav elas da cidade, traficantes
conver tidos probem umb anda e
candombl nos seus domnios.
maiores
religies
do Brasil
Catlicos
123,2
milhes
Evanglicos
(incluindo
os pente-
costais)
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2
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spritas
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Outras
1
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Sem religio
15,3
milhes
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O s templos evanglicos foram e ainda so fundam entais
para a construo do Pas: providenciam con forto
espiritual e socializao on de o E stado no ch ega.
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Os l deres evangl icos sabem
f a z t emp o qu e t m p o d e r . A d i -
ferena que eles nunca tiveram
uma base to grande para jus t if i -
car esse poder. Nunca houve tan-
tas pessoas para ou vi-los e seguir
suas or ientaes . E tudo por um
motivo inusitado: a C hina.
Sim, a C hina. Nossas igrejas
evangl icas do nfase chama-
da teologia da prosperidade . Po r
esse ponto de v ista, o sucesso deve
ser procurado na vida te r rena. E
Deus devolve em dobro a quem
contr ibui com a igreja , fazendo
o fiel ganhar dinheiro, acumular
bens , conquis tar um a vida ma is
confortvel.
Bom , o crescimento acelerado
do P IB na l tima dcada ajudou
milhes de b rasileiros a acumular
bens , conquis tar um a vida ma is
confortvel. Uma fatia gorda dessa
populao ou j era evanglica, ou
tornou-se no meio do cam inho, e
passou a fazer uma associao entre
seu progresso financeiro e a igre-
ja. Se a carteira do fiel estava mais
recheada, era porque D eus estava
a g i n d o a f a v o r d e l e . E s e D e u s e s t a v a
com ele, era graas igreja, graas
ao pastor. Nada mais natural do que
confundir o alho do crescimento
econmico com o bugalho da te-
ologia da prosperidade.
Mas fora do mundo espiritual o
benfeitor foi outro: o crescimen-
t o d a C h in a . A s eg u n d a m a io r
economia do mundo se tornou o
comprador nmero um das nossas
mercadorias agrcolas e minerais.
Isso fez chover d lar no Brasi l ,
ajudando a gi rar as engrenagens
d o r e s to d a econ om ia . Fo i u m
dos m aiores c rculos v i r tuosos
da nossa his tr ia , com inflao
sob con trole, renda l em cima e
desemprego l embaixo.
M as a ve io a c ri se - a C hina
perdeu o flego, o gov erno federal
pedalou na p ol t ica econm ica, a
inflao saiu da toca e o dem nio
do desemprego voltou a assombrar
nossas almas. Nisso, a corrente para
frente da teologia da prosperidade
comeou a enferrujar. A final, co-
mo justificar que Deus est tirando
a lgo que essas pessoas sua ram
tan to pa ra conquis ta r? E ssa a
teoria que alguns pesquisadores
vm montando pa ra en tender o
radical ismo evangl ico recente .
C o m a crise econmica, difcil
sustentar a teologia da prosperida-
de. A agenda m oral, portanto, vem
a calhar. Ela serve para manter os
fiis unidos sob uma bandeira clara
e agressiva. Nada ma is distante das
origens humildes de nossa comu-
nidade evang lica.
A
fonte do poder
Eles foram uma minoria pol-
t ica e re ligiosa por dcadas. O s
evanglicos sofreram um enorme
preconceito num pas m ajoritaria-
mente catlico. Vrios cemitrios
adminis t rados p or catl icos no
permit iam que pastores fossem
enterrados ali. Os fiis eram desde-
nhosamente chamados de crentes
e classificados de ignoran tes. Ain-
da h resqucios desse olho torto
- basta escutar uma conversa num
bar descolado na zona sul do R io
de Janeiro ou na Vila M adalena, em
So P aulo. Se a pessoa se declara
evanglica, uma bigorna classifica-
tria cai sobre a cabea dela.
O tempo de m inoria acabou. Os
dados do censo de
2010 mostram
que h 42 milhes de evanglicos
no Brasil. Um em cada cinco brasi-
leiros segue um a entre as milhares
de igrejas espalhadas pelo P as. S
que algumas lideranas eva nglicas
se esqueceram da poca em que a
democracia os protegeu. Afinal, de-
mocracia no o regime da maioria
cont ra as m inor ias . Um dos m -
ritos da democracia proteger as
minorias contra a m aioria.
S e g u n d o o I B G E, qu e f a z o
censo, os evangl icos es to em
r i tmo a centuado de crescimento.
Em mdia, a Igreja C atl ica per -
deu 46 5 f iis por dia ent re 2000
e 2010.
Os evanglicos ganharam
4.383 novos fiis por dia no mes-
mo pero do. Hoje, o catolicismo
mais forte entre os mais velhos. Os
mais jovens tendem a ser evang-
licos. Pela primeira vez na histria
do censo, o nm ero absoluto de
catl icos diminuiu no Pas . M i-
lhes de indivduos esto trocando
o padre p elo pastor.
Vrias razes expl icam essa
expanso. Em boa parte das reas
pobres do B rasil, as igrejas evan-
glicas so as nicas inst ituies
presentes . No h Es tado ou o u-
t ra organizao comunitria. Em
vrias favelas, como mostram os
estudos do ant roplogo R onaldo
de A lmeida, da Unicamp, igrejas
so centros com unitrios, reas de
lazer e centros de ass istncia social.
Elas oferecem tanto consolo espi-
ritual quanto benefcios terrenos.
A s igrejas fazem at papel de Tin-
der, ajudando fiis a encontrar seu
par. Nos m omentos de dificuldade,
pastores e religiosos atuam com o
te rapeutas e ps icana l i s tas para
populaes que nem sonham em
ter como paga r t ra tam entos psi -
colgicos.
Em alguns casos, essa influncia
separa a v ida da mo r te . Os a nos
1990 registraram recordes de vio-
l ncia em S o Paulo e no R io de
Janei ro . Os pastores t iveram um
papel importantssimo em ameni-
zar a violncia de vrias periferias.
Os R acionais M C, maior grupo de
rap do Brasil, fez sua homenag em
aos pastores em um a cano cha-
mada
Vida Loka Par te
1): F em
Deus que ele justo/Ei irmo nu n-
ca se esquea , na guarda, guerreiro/
Levanta a cabea truta, onde estiver
seja l como for/Tenha f porque
at no lixo nasce flor/Ore por ns
pastor, lembra da gente/No culto
dessa noi te , fi rmo segue q uen-
te /Adm iro os c rente /D l icena
aqui/M funo, m tabela , pow,
desculpa a .
A cientis ta social A na Pa ula
Ga ldeano, do Centro Brasileiro de
A nlise e Planejamento (Cebrap),
mostrou em uma p esquisa o que
os Racionais cantaram em m sica:
as igrejas ajudam at a organizar
a segurana de reas pob res e
convencem l deres c r iminosos
a diminuir a ferocidade. Elas fa-
zem aq ui lo que sem pre pareceu
impossv el no Brasil : diminuir a
violncia endm ica.
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Em tempos de desaquecimen to econm ico, tique
une
os evang licos no m ais tanto a teologia da
prosperidade, mas o conservadorismo m oral.
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A lm disso, as igrejas evang-
licas esto sempre perto dos fiis,
pelo rdio e pela televiso. A lm da
Record, propriedade da Universal,
os pas to res a lugam os ho r r ios
nobres da Bandeirantes e da Re-
de TV, alm de contar com uma
mirade de rdios em basicamente
todos os 5 .57o municpios do P a-
s. Vrias pesquisas mostram como
essa estrutura de m dia foi funda-
mental para manter uma l igao
forte e constante entre pastores e
fiis. Se o pastor no p ode celebrar
cultos o dia todo, os veculos de
comunicao podem . Porm, h
outro ponto-chave para entender
essa expanso m iditica. o esp-
rito missionrio dos p rprios fiis.
H um forte conservadorismo no
Brasil, e entre os evanglicos em
particular , conta M agali Cu nha,
da Universidade M etodista de So
Paulo, especialista em religio, po-
ltica e comunica o. A s pessoas
querem ver sua agenda representa-
da na TV. P or isso que elas no tm
problema algum em doar dinheiro
para igrejas que vo defender cau-
sas nas quais elas acreditam , diz.
Com essa quantidade de gente
ao seu lado, inclusive dispostas a
dar dinheiro, os pastores saram do
templo e foram para o Parlamento.
E a agend a da igreja virou pauta
do Pas.
A disputa de poder
Os evangl icos esto na po l tica
brasi lei ra desde m eados do scu-
lo 20. M as foi s a part ir de 1986
que eles ganharam alguma fora .
Naquele ano, os parlamentares que
fa r iam a p r imei ra C ons t i tu io
ps-di tadura foram elei tos . Um
impul so para a o rganizao dos
evanglicos foi o boato, numa era
pr-redes sociais, de que a Consti-
tuio faria do B rasil um pas ofi-
cialmente catlico. O s eva nglicos
costumavam dizer que crente no
se mete em poltica . O receio de ter
sua rel igio vir tualmen te banida
fez com q ue eles t rocassem essa
ideia pelo conceito de que irmo
vota em irmo . E tomaram gosto
pela coisa. Em 198 6, foram eleitos
32 deputados federais evanglicos.
Ho je, o C ongresso tem 78 par la-
mentares que professam essa f .
Quase um em cada seis deputados
evanglico, incluindo o presiden-
te da Cmara dos D eputados, Edu-
ardo Cunha (PMDB-RJ).
Essa bancada gravita em torno
da Frente Parlamentar Evanglica,
cr iada em 2003 e que hoje conta
com um a das es t ru tu ras po l ti -
cas mais eficientes do P as. Cada
mem bro cede um assessor par la-
mentar frente, de tal forma que
eles conseguem acompanhar cada
movi mento no Congresso . Mai s
recentemente , essa organizao
ganhou u ma bandeira unif icada.
A gora, alm da organizao, eles
tm uma agenda forte em comum :
a defesa da famlia tradicional.
Um estudo do telogo Jung M o
Sung, da Un iversidade M etodis-
ta de So Paulo, mostra que essa
agenda muito impo rtante para a
nova classe mdia evanglica. Te-
mas como aborto e legalizao da
maconha seriam o fensas diretas a
Deus - mesm o que a Bblia tenha
mais citaes contra a manipulao
da f do que contra a hom ossexu-
alidade.
Por causa da fora na sociedade,
essa bandeira est se expandindo
para a l m do P ar lamento . J h
associaes ev anglicas de juzes,
que vm tentando bloquear algu-
mas pautas que no passariam no
Co ngresso, mas tm aceitao no
Judicirio - a unio civil de pessoas
do mesm o sexo e uma legislao
mais moderada para o uso de dro-
gas, por exemplo.
O pastor Ricardo Gondim, mes-
t re em cincias da re l igio pela
Universidade M etodista e pastor
da Igreja Betesda, em So P aulo,
um cr tico dessa agenda extre-
mista. Ho je, a agenda evanglica
reacionria. Eles s reagem, e isso
vem dando unidade a essa parcela
mais radical , diz Gondim , que
uma figura influente entre os evan-
glicos mais liberais. Isso uma
pena, porque divide o Pas e refora
o estigma de que todo evanglico
um radical.
De fato. No faz sentido gene-
ralizar os evanglicos. um erro
achar que todos seguem uma agen-
da comum , conta Christina Vital
da Cunha, professora de antropo-
logia cultural da U FF (Universidade
Federal Fluminense) e pesquisado-
ra da relao entre evanglicos e
poltica. Pou cas coisas unem todos
os lideres da igreja. E todos, no final
das contas, competem por fiis para
seus templos. A agenda de defesa
da fam lia tradicional uma das
poucas coisas que eles tm em co-
mum , explica ela.
Dois personagens, com forte as-
cendncia na Frente Parlamentar
Ev anglica, sinalizam essas s e m e -
lhanas
e diferenas. Eles simbo-
l izam as duas instituies com os
projetos polticos ma is claros.
Silas Malafaia, pastor da A ssem-
bleia de Deus, usa as redes sociais
e a TV para ofender adversrios,
pregar contra o aborto, atacar ho-
mossexuais e pressionar candidatos
a cargos pblicos. admirado e te-
mido por vrios lideres evanglicos
Pas afora. E adora ostentar riqueza.
M ostra o carro de meio milho de
reais e o relgio carssimo com o
provas de que Deus aprova o seu
trabalho. Malafaia cresceu bastante
a part ir de 2010 , quando se trans-
formou num dos principais oposi-
tores do PT, e segue como op osio
ao governo federal.
Do outro lado est Edir M acedo,
da Igreja Universal. Ele j mistura
f e poltica h m uito tempo. Des-
de os anos 1990, seus programas
de rdio e TV e seus templos so
usados para ungir algumas pessoas,
atacar outras e defender a fam lia
tradicional. Um dos seus primeiros
alvos, h mais de 20 a nos, foi o en-
to eterno candidato presidncia
Luiz Incio Lula da Silva (PT ), que
alguns dos seus pastores definiam
como o demnio de quatro dedos .
Essa fase passou quando Lula foi
eleito presidente em 200 2 e con-
tou com apoio significativo da U ni-
versal. Desde ento, M acedo tem
adotado um a ati tude discreta em
pblico e agressiva nos ba stidores.
Ele emplacou ministros e aliados,
5
aiores
igrejas
evang-
licas do
Brasil
Assembleia
de Deus
12,3
milhes
Igreja
Evanglica
Batista
3,8
milhes
Congrega-
o Crist
do
Brasil
2,3
milhes
Igreja
Universal do
Reino
De Deus
1,9
milho
Igreja do
Evangelho
Quadrangu-
lar
1,5
milho
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NDONSIARASIL IGRIA
183,5
milhes
325,1
255,7
milhes
ilhes
4 , 6
milhes
88
milhes
4
milhes
26,9
milhes
milhes
2 6 , 9
milhes
milhes
B R A S I L
Enquanto a Igreja
Catlica perdeu 9
pontos percentuais
em penetrao
entre z000 e 2010
os evanglicos ga-
nharam 6,8 pontos.
22.2
15 .4 %
Evanglicos
11 13.2
Espritas e outros
73.6
11 64.6
Catlicos
6 9 2
I
1 9 S U D E S T E
24.6
17.596
3 . 3 15.9
Pentecostais no mun do
As igrejas de Silas Malafaia e Edir Macedo pertencem
a essa vertente evanglica. E o Brasil o pas com mais fiis.
Populao ristos entecostais
O pastor sobe e o padre desce
A proporo de catlicos cai em todas as regies do Brasil, enquanto
a de evanglicos cresce. Confira a variao dos percentuais entre s000 e solo,
de acordo com os ltimos censos do IBGE.
2
79 .9
71 3
2 2
I 60.6
N O R T E
78. 5
O R D E S T E
19.8
89 10.
9
10 3
16 4
9 8
114
1.1
le
Catlicos Evanglicos
spritas
atlicos Evanglicos Espritas
e outros
outros
6 9 1 9 6
1
6
E
NjR 0 0 E S T E
12.0
13.6
Catlicos
Fonte Distribuio percentual da
populao residente, por Grandes
Regies,1BGE. Censo Demogrfico
2000/2010
Evanglicos
spiritas
e outros
77.4
I 701
Catlicos
S U L
153
20.2 70
Evanglicos
Catlicos
vanglicos
7.3
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Espritas
e outros
Espritas
e outros
S U P E R SETEMBRO 2015
7/23/2019 extremismo-evangelico
10/10
em m inistrios e postos-chave dos
governos Lula e Dilma. Apesar de
sua igreja no ser a maior do P as,
a m ais influente.
Um a prova desse poder se tor -
nou concreto . O T emplo de Salo-
mo, inaugurado em 2014 e sede
da Un iversal , o maior temp lo
religioso do Brasil. Ele custou R $
685 m ilhes e tem uma rea qua-
tro vezes maior do que o santurio
catlico de A parecida, tambm em
So P aulo. A const ruo imi ta o
templo do re i Salomo s que
n u m a v e r s o e s t u pen d am en te
maior que a do santurio original,
descrito pela Bblia como uma edi-
ficao modesta. Na inaugurao,
a presidente D ilma, o governador
Geraldo Alckmin (PSD B) e o pre-
feito Fernando Haddad (P T) mar-
caram presena. Nenhum deles
evanglico, mas q uem se atreveria
a desagradar Macedo?
M alafaia e Edir esto longe de
ser unanimidade entre os evangli-
cos, naturalmente. Vrios p astores
so contra a m istura de f e poltica
e preferem fazer seu trabalho de
formiguinha nos recantos do Pas.
E no so poucos.
Tanto que o nmero de evan-
gl icos que f requentam templos
menores ou q ue no se identificam
com uma igreja especfica explodiu
nos ltimos anos. A s pessoas vo
aos lugares onde se sentem bem .
Na p rtica, aumentou a infidelida-
de a um a igreja especfica. como
uma p laylist da f - voc escolhe
apenas as experincias que fazem
mais sent ido para voc. A o mes-
mo tempo, a Universal, igreja mais
identificada com poltica partidria,
foi uma das poucas a perder fiis
entre 2000 e
2010.
M ais um ponto
a favor dessa tendncia de uma co-
munidade evanglica mais difusa,
menos disposta a servir como mas-
sa de manob ra ou curral de votos.
A moderao vem de dentro
M acedo , M ala fa ia e o pas to r
Lucinho l do incio do texto so
trs entre os 42 milhes de evan-
glicos do Brasil, mas de um ram o
especfico. Eles so evanglicos
pentecostais - assim com o outros
26 ,9 milhes de brasileiros. Segun-
do dados do W orld Christian Data-
base, o Brasil o pas com o maior
nmero de seguidores desse ramo
do cristianismo. Nigria, Estados
Unidos, Indonsia e Gana comple-
tam o ranking dos cinco m aiores.
Os evanglicos pentecostais so
difceis de entender num pas ma-
joritariamente catlico, acostumad o
com uma hierarquia rgida, com pa-
pa, bispos e padres, e com uma ce-
lebrao clara - a missa, organizada
em torno do serm o do sacerdote.
Evanglicos no tm uma doutrina
padronizada nem uma forma nica
de celebrao muito menos um
papa , claro. Q ualquer um pode
mudar de igreja e continuar sendo
evanglico. Na prtica, dizer que
algum evangl ico to vago
quanto dizer que algum nasceu
na A mrica do Sul, sem mencionar
o pas, a regio, a cidade.
H os evanglicos nascidos na
reforma protestante, como os lu-
teranos, metodistas e calvinistas.
H os batistas, que so anteriores
grande ciso com a Igreja C atli-
ca. H a linhagem fundamentalista,
que surgiu nos EU A , no incio do
sculo
20,
e pregava um a interpre-
tao literal do Velho T estamento,
mo da do que fazem os judeus
ul t raor todox os . Por f im, h os
evangl icos pentecosta is - que
so b as icamente os evangl icos
que chamamos de evanglicos no
Brasil. M uitas dessas pessoas esto
em igrejas que tm expoentes co-
mo S ilas M alafaia e Edir M acedo.
Outros m ilhes, no.
Os evangl icos pentecosta is
nasceram nos EUA , no comeo do
sculo ao. Eles so inspirados pelo
dia de Pentecostes o quinqua-
gsimo dia aps a Pscoa, ocasio
em que os ap stolos , segundo a
Bblia, receberam do Esprito Santo
a capacidade de falar l nguas es-
trangeiras, de modo que pudessem
pregar a palavra de Jesus pelo mun-
do inteiro. Pentecostais acreditam
em curas espirituais e profecias. E,
alm de conservadores, so forte-
mente missionrios.
N o s a n o s 1 9 7 0 , s u rg e o n e o -
pen t ecos t a li s m o - u m a v e r s o
ma is midi t ica e es tr idente dos
pentecostais. Eles do nfase
ma ior cura - espiri tual e f sica
- e, principalmente, teologia da
prosperidade. Por isso mesmo os
neopentecos tais ganharam tanta
fora no B ras i l nos anos d e es ta-
bilidade e crescimento, j que en-
tenderam tal bonana como prova
da graa divina.
Mas a teologia da prosperidade
e a posio reacionria no so as
nicas bandeiras, claro. Na verda-
de, elas at ofuscam outras causas
evanglicas, como a assistncia so-
cial e a organizao com unitria
de ajuda mtua. No fim das contas,
colocar todo evanglico no balaio
conservador de Si las M alafaia e
Edi r M acedo como d ize r que
todo b rasileiro foi corintiano en-
quanto Lula, que torce para o time
do Parque S o Jorge, foi presidente.
H m uita vida alm do fanatismo.
Basta olhar para a histria.
Nos EUA, um pas majoritaria-
mente evanglico, vrios lderes co-
munitrios so pentecostais ou de
outros ramos evanglicos. M artin
Luther King, l der do m ovimento
de direitos civis nos anos 1960, era
pastor. No Brasil, vrios pastores
vm abrindo seus templos para gays
e lsbicas. Essa quantidade enorme
de pessoas, m uitas delas silenciosas,
sofrem um dup lo preconceito. Pa-
ra os evanglicos radicais, elas no
so evanglicas o suficiente. Para o
restante da sociedade, so fanticos.
Portanto, se h algum caminho
para impedir o crescimento dessa
agenda agressiva, ele passa necessa-
riamente por esses evanglicos mo-
derados. So os milhes de pessoas
que seguem as p alavras que Jesus
disse quando alguns radicais que-
riam matar uma mulher a pedradas:
Quem no tiver pecado que atire a
primeira pedra . Esses evanglicos
so os mesmos fiis que o pastor
Lucinho chama de palhaos . Na
vida real, porm, eles no tm nada
de ridculos. So nada m enos que a
chave para a construo de um Brasil
to evanglico quanto tolerante.
;)