Post on 21-Jul-2020
Faculdade Meridional – IMED
Escola de Saúde
Curso de Psicologia
Relatório de Pesquisa
Trabalho de Conclusão de Curso
O processo de luto e a percepção da família frente ao suicídio
Leticia dos Santos Souza
Passo Fundo
2016
Letícia dos Santos Souza
O processo de luto e a percepção da família frente ao suicídio
Relatório de Pesquisa apresentado pela
Acadêmica de Psicologia Letícia dos Santos
Souza da Faculdade Meridional – IMED, como
requisito para desenvolver o Trabalho de
Conclusão de Curso, indispensável para a
obtenção de grau de Bacharel em Psicologia.
Orientadora: Profª. Me. Susana König Luz
Passo Fundo
2016
Leticia dos Santos Souza
O processo de luto e a percepção da família frente ao suicídio
Relatório de Pesquisa apresentado pela
Acadêmica de Psicologia Leticia dos Santos Souza da
Faculdade Meridional – IMED, como requisito para
desenvolver o Trabalho de Conclusão de Curso,
indispensável para a obtenção de grau de Bacharel em
Psicologia.
Aprovado em: _____ de ____________________ de _____.
BANCA EXAMIDANORA
______________________________________________________
Profª. Naiana Dapieve Patias
Faculdade Meridional – IMED, Brasil
______________________________________________________
Profª. Simone Nenê Portela Dalbosco
Faculdade Meridional – IMED, Brasil
_____________________________________________________
Orientadora : Profª. Susana König Luz
Faculdade Meridional – IMED, Brasil
Passo Fundo
2016
RESUMO
O suicídio é um ato contra a vida do próprio ser, por apresentar-se como um fenômeno
violento e complexo, tem consequências imensuráveis sobre a vida dos familiares. Tal
fenômeno vem merecendo ampla discussão na sociedade, à medida que se caracteriza como
uma das principais causas de morte no mundo. Nessa direção, este estudo apresenta-se como
uma revisão narrativa de literatura e teve como objetivo apresentar uma análise do processo de
luto pela morte de pessoas que se suicidaram, além dos sentimentos vivenciados pelas
familias, e dos ritos de passagem. Para tanto, foram utilizados materiais científicos,
encontrados nas bases de dados Scielo e Lilacs,com os descritores em português:morte,
luto,ritos funerários, suicídio, família, publicados entre os anos 2006 até 2016, os quais
permitiram realizar a pesquisa e elaborar a fundamentação teórica. Dentre o material analisado
na íntegra, pode-se verificar os principais sentimentos vivenciados pelos familiares enlutados,
sendo eles, desamparo, dúvida, impotência, pressão, rejeição, busca pela religiosidade,
saudade, sensação de perda, solidão e tristeza. Destacaram-se, no entanto, os sentimentos de
angústia, choque, medo, negação, raiva, vergonha, em especial, de culpa. Ainda, evidenciou-
se o trauma, muitas vezes, por se ter encontrado o corpo. A pesquisa revelou, também que o
suicídio ainda é visto como tabu, abrindo, assim, uma lacuna para novas pesquisas.
Palavras-chave: morte, luto, ritos funerários, família, suicídio
ABSTRACT
Suicide is an act against the own life of being, by be presented as a violent and complex
phenomenon, it has immeasurable consequences on relative lives. This phenomenon has been
deserving large discussion in society, as it is characterized as one of the main causes of death
worldwide. In this direction, this study presents itself as a narrative literature review and
aimed to present an analysis of the mourning process of people who committed suicide family.
Therefore, scientific materials were used, found in the databases Scielo and Lilacs, which
allowed to search and develop the theoretical basis. Among the material analyzed in its
entirety, it can be verified that the main feelings experienced by mourning families, namely,
helplessness, doubt, powerlessness, pressure, rejection, pursuit by religion, missing, sense of
loss, loneliness and sadness. It stressed, however, feelings of anxiety, shock, fear, denial,
anger, shame, especially, of guilt. Still, it was evidenced the trauma, often, because they have
found the body. The survey revealed, also, that suicide is still seen as taboo, thus opening a
gap for new research.
Keywords: death, mourning, funeral rites, suicide , family
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 7
MÉTODO ....................................................................................................................... 11
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ....................................... ...12
O período de luto dos familiares em função da morte por suicídio...............................12
Sentimentos pela morte do suicida.................................................................................13
Os rituais de passagem na morte por suicídio...............................................................17
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 19
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 20
7
INRODUÇÃO
O suicídio é uma das principais causas de morte no mundo, contabilizando um milhão
de mortes anuais com tendência de crescimento nas próximas décadas, caracterizando,
portanto, um importante problema de saúde pública. A taxa mundial média de suicídio é de
16 óbitos por 100 mil habitantes, tendo aumentado 60% nos últimos 45 anos. No Brasil,
atinge em média 5,7 óbitos por 100 mil habitantes, constituindo-se na terceira causa de óbitos
(6,8%) por fatores externos identificados no país (Machado & Silva,2015)
Nesse contexto de pensar a morte e o luto, emergem as questões que se referem ao
suicídio. A palavra suicídio deriva do latim e significa: sui , si mesmo e caedes, ação de
matar. O suicídio é um ato contra o próprio ser, sendo caracterizado como um fenômeno
violento e complexo, e, consequentemente, um golpe violento na vida dos familiares. Por se
tratar de vidas e de perda das mesmas, merece uma ampla discussão na sociedade. Desde a
antiguidade, até os dias de hoje, o fenômeno do suicídio é visto como tabu e motivo de culpa.
O suicídio e suas tentativas representam uma grande violência no âmbito familiar e dos
profissionais envolvidos (médicos, psicólogos, assistentes sociais), pois implicam em atitudes
que traumatizam, silenciam e estarrecem. Tem sido considerado sinônimo de loucura, sendo,
por vezes, um assunto proibido (Fukumitsu, 2013).
A morte, é um fenômeno inerente aos seres humanos, no entanto, as incertezas e a
imprevisibilidade desse fato fazem com que as pessoas tenham que conviver com a morte e o
morrer do início até o final do seu desenvolvimento e de modo, nem sempre, pacífico. Isso,
em função de que esse fenômeno natural tem para cada pessoa significações diversas,
gerando conflitos que lhe são consequência em função do pensar a própria morte ou a de um
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familiar. Tal conduta faz aflorar, segundo Silva, Santos, Moura, Melo e Monteiro (2011),
vários sentimentos, como raiva, tristeza e, muitas vezes, negação.
Caputo (2008) aponta a maneira como uma sociedade se posiciona diante da morte
tem um papel decisivo na formação e na manutenção da identidade coletiva e, assim, na
formação de uma cultura. Evita-se falar de morte, assim como ver o corpo do morto, pois isso
traz à tona a nossa relação com a finitude.
Barbosa, Melchior e Neme (2011) estudando a morte no contexto familiar, percebeu a
maneira como as famílias lidam com situações de perda de seus diferentes membros,
mostrando que essa experiência é invariavelmente marcada por sofrimento, em diversas
configurações e magnitudes. Assim, quanto mais próximo e mais amado, mais essa morte
significa a perda de parte de si mesmo e, ainda, mais aproxima o familiar enlutado de sua
condição de ser-para-a-morte.
Buscando-se abordar as questões que se relacionam diretamente à morte, discorre-se
sobre o luto. Para Bousso (2011), o luto pode ser caracterizado pela fase de elaboração de
uma perda de algo significativo, que pode vir a acontecer não apenas nos casos de morte de
algum ente querido, mas em situações diversas, como aposentadorias, separações, entre
outros. Desse modo, para a autora, o luto é considerado algo natural, pois é o rompimento de
um vínculo, sendo que a importância que o indivíduo atribui a essa perda é que irá definir a
intensidade dessa etapa.
Sendo assim, a pessoa entra no estado de luto buscando fazer com que a dor não se
eternize, ao contrário, o luto tem a função de fazer com que o indivíduo elabore e assimile a
perda, bem como estabeleça o rompimento com esse objeto/sujeito. No caso de luto em
função da morte, o enlutado sofre com a perda, lembra constantemente do morto, tentando,
assim, afirmar que algo se perdeu, o que resulta, por algum tempo, no prevalecimento da
inibição de atividade, e, temporariamente, a falta de capacidade de ter um novo objeto de
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amor (Pinheiro, Quintela, & Verztman, 2010). É importante consciencializar que o luto é um
processo dinâmico e ativo que varia de pessoa para pessoa.
Candido (2011) relata, também, fruto de suas pesquisas sobre suicídios, que os
sistemas familiares do qual os suicidas faziam parte, aparentavam dificuldades psicossociais
antes do falecimento. Ainda, que tais famílias mostravam maior incidência de conflitos
interpessoais, transtornos mentais e uso de substâncias psicoativas.
O comportamento suicida é determinado por inúmeras causas complexas, como a
perda de entes queridos, o término de relações, endividamento, problemas jurídicos e sociais.
A história familiar de suicídio, abuso de álcool e drogas, abuso na infância, isolamento social
e alguns transtornos mentais, como depressão e esquizofrenia, também têm grande influência
sobre inúmeros casos de suicídios (Barron & krmpotic, 2016).
Assim como são complexas e variadas as causas do suicídio, também são os
sentimentos que despertam na família. Fukumitsu (2013), Batista e Santos (2014), Fukumitsu
e Kovacs (2016) ,afirmam que os sentimentos são vividos com maior intensidade e são
acompanhados de uma sensação de ambivalência, pois, por um lado o familiar sente a dor da
perda, mas, ao mesmo tempo, sente um estranho alívio. Também apontam que as famílias
vivem sentimentos diversos em função de serem obrigadas a viver a partir do momento do
suicídio com as especulações e com o olhar do outro, pois torna exposto socialmente uma
dificuldade antes vivenciada e mantida no em segredo na dinâmica familiar.
Na mesma proporção, uma morte por suicídio afeta as pessoas nos mais variados tipos
de relacionamento e altera as relações entre os membros da família para com os parentes mais
distantes, amigos e vizinhos. Jordan e McIntosh (2011) propuseram vários níveis de reação ao
luto por suicídio, tais como: a tristeza, o desejo de se reunir com o falecido (características
após mortes inesperadas), o choque, nomeadamente a sensação de irrealidade sobre a morte e
o trauma de encontrar um corpo mutilado e destruído.
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Mostram os autores que tal crescimento obriga a dar-se atenção especial aos
sobreviventes, cuidado de extrema importância, pois são encontrados vários desafios que,
ainda, envolvem os processos de luto. Caputo (2008), ao abordar aspectos do tema da morte e
do luto na sociedade, aponta que não há muitos estudos sobre esse assunto confirmando um
espaço necessário na literatura. Barbosa, Melchiori e Neme (2011) revelam a necessidade de
estudos que propiciem a abordagem e a reflexão sobre como a morte é vivenciado no âmbito
individual e familiar, uma vez que a experiência dessa perda será inevitável em algum
momento da trajetória de vida de todo ser humano – de modo especial a perda por suicídio.
Em função dessa grande prevalência de morte por suicídio e das, ainda, necessidades
de se pensar, saber e publicar sobre o assunto, o presente artigo tem como objetivo, por meio
de uma pesquisa de revisão narrativa da literatura apresentar uma análise do processo de luto
pela morte de pessoas que se suicidaram, além dos sentimentos vivenciados pelas famílias, e
dos rituais de passagem para, assim, possibilitar a abertura para novas discussões e debates
envolvendo esse tema.
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MÉTODO
O presente estudo trata-se de uma revisão narrativa da literatura. Segundo Rother
(2007), as revisões narrativas são publicações amplas usadas para descrever e discutir o
“desenvolvimento” de um determinado assunto, sob o ponto de vista teórico e contextual. São
textos que constituem a análise da literatura científica na interpretação e análise crítica do
autor. Constituem, assim, basicamente, da revisão bibliográfica de livros, artigos, teses,
artigos de revistas impressas e ou eletrônicas, na interpretação e análise crítica pessoal do
autor. Essa categoria de artigos tem papel fundamental para a educação continuada, pois
permite ao leitor adquirir e atualizar o conhecimento sobre uma temática específica em curto
espaço de tempo.
As revisões narrativas podem contribuir, também, no debate de determinadas
temáticas, que ainda encontram-se insipientes (Rother, 2007). Com base nessas ideias, a
busca do material para esta pesquisa se deu de forma não sistemática, incluindo a busca em
bases eletrônicas de dados, nomeadamente, Lilacs e Scielo. Estipulou-se apenas o período de
abrangência dos artigos - entre 2006 e 2016 – e, ainda, utilizou-se dos descritores Família,
Suicídio e Luto, valendo-se do operador AND.
Os títulos e os resumos de todos os artigos identificados na busca eletrônica foram
revisados.
Os critérios de inclusão foram: artigos de pesquisa, estudos de caso e revisões
sistemática, bibliográficas, teses que discutissem o tema e que fossem do ano 2006-2016.
Os critérios de exclusão foram: textos que não foram disponibilizados e textos que
não discutissem sobre o tema ou que não tivessem sido publicado de 2006 até 2016.
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APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DE DADOS:
O período de luto dos familiares em função da morte por suicídio
Dentre o material selecionado e analisado na íntegra, buscou-se, primeiramente,
identificar como se processa o período de luto pelos familiares em função da perda por
suicídio, além dos sentimentos vivenciados pelas famílias.Fukumitsu (2013) expõe que o luto
é um convite para lidar com a falta, com o acolhimento, com o não saber, com a tolerância
para informações mal respondidas. Refletir sobre o luto, significa a vivência da dor, a busca
pelo recomeço, a conscientização dos lugares e dos papéis na família. Segundo os autores,
refletir sobre o luto por suicídio é, então, falar das consequências da morte do outro, enfrentar
as perguntas sem respostas e explicações sem comprovações, lidar com especulações sobre a
vida daquele que se matou.
Todavia, Pinheiro, Quintela e Verztman (2010) apontam que a morte por suicídio
pode comprometer o desenvolvimento do processo de luto, em decorrência de ser uma morte
violenta, envolvida em tabu e preconceito e, muitas vezes, em circunstâncias de doença
psiquiátrica prévia e intensos conflitos familiares. O suicídio é, desse modo, um tipo de morte
com um impacto muito negativo e pode ainda ser devastador para seus sobreviventes.
Conforme os autores, o enlutado sofre com a perda, lembra constantemente do morto,
tentando, assim, afirmar que algo se perdeu, mas, por algum tempo, prevalecendo a inibição
de atividade, e, temporariamente, a falta de capacidade de ter um novo objeto de amor.
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Candido (2011), nessa direção, relata que parte da literatura sobre o tema afirma que
os indivíduos enlutados por suicídios estão mais suscetíveis a riscos de desenvolver
transtornos mentais, podendo, esse fato, estar associado às dificuldades de enfrentamento da
perda, o que significativamente aumenta a chance de vivenciarem o, chamado, luto
patológico. Concorda-se com tais condutas e sentimentos, pois, dos diversos tipos de morte
que tornam o luto uma fase delicada, sem dúvidas, o suicídio é um dos mais difíceis.
Compreende-se que o luto por mortes inesperadas, como o suicídio, está relacionado com
manifestações depressivas mais intensas e duradouras do que nas mortes que são de alguma
maneira "esperadas".
Sentimentos pela morte do suicida
Dentre o material selecionado e analisado na íntegra, buscou-se, ainda, na direção do
objetivo de pesquisa, verificar os principais sentimentos vivenciados pelos familiares
enlutados em função da perda por suicídio. García-Viniegras e Cernuda (2013) relatam que,
além da saudade, sentimento comum de quem perde alguém, outros sentimentos são
vivenciados pelos familiares de suicidas, como a tristeza, choque, abandono, angústia,
desamparo, solidão, dúvida e impotência. Machado e Santos (2015) apontam como
sentimentos decorrentes da perda por suicídio, a raiva, a negação, a culpa, a vergonha do
olhar do outro, e o trauma por, muitas vezes, ter encontrado o corpo mutilado. Ainda, o fato
de o suicídio ser visto como tabu.
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Woehl (2016), por sua vez, expõe que os familiares de um suicida não só ficam com
uma sensação de perda, mas ficam com uma herança de vergonha, medo, rejeição, raiva e
culpa. Os enlutados sofrem uma pressão após o ato, que interferem e definem o
comportamento da própria família e de suas relações sociais. Sendo assim, aceitar uma morte
não é tarefa fácil, aceitar o suicídio como morte é ainda mais desafiador, pois envolve tabus,
ritos religiosos, e, ainda, padrões éticos e morais que decifram o comportamento das pessoas
que compartilham do mesmo princípio.
Martins e Leão (2010) esclarecem que, em função de o impacto do suicídio na família
ser tão devastador, ela tenta se reorganizar para superá-lo, para admiti-lo ou para negá-lo.
Para tanto, utiliza uma série de estratégias, que contribuirão, ou não, para a reconstrução da
instituição após a perda do ente. As principais estratégias citadas são a religiosidade e o
suporte social.
A forma como os sobreviventes reagem aos sentimentos após morte por suicídio,
conforme Silva e Polubriaginof (2009), difere em consequência da história anterior do
falecido e a expectativa de morte - o quanto ela foi inesperada. Assim, familiares podem
vivenciar, após o suicídio, o sentimento de alívio (muitas vezes, subjetivamente percebido
como inaceitável e juntamente com culpa). Ainda, podem reagir demonstrando o sentimento
de choque, especialmente nos casos em que a morte aconteceu inesperadamente. A principal
mudança do indivíduo pode ser manifestada pela agressividade em relação à pessoa perdida.
Outros fatores estão ligados às reações psicológicas de familiares de pessoas que se
suicidaram, na visão dos supracitados autores, dentre eles: a idade do falecido; o tipo de
relação estabelecida; o tempo passado desde o episódio; a exposição ao corpo da vítima; a
antecipação do suicídio.
Desde o início, o luto dos sobreviventes do suicídio passa pela fase de reconstruir as
condições, os significados e as motivações que levaram o familiar a cometer o ato. Fukumitsu
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(2013), em uma pesquisa com filhos de genitor que cometeu suicídio, identificou que, além
da culpa, sentimento trazido por todos os autores que pesquisam sobre o tema, o medo de
seguir os passos do familiar foi algo que apareceu nas entrevistas. Tal fato em função de
poderem/terem recebido do genitor um modelo de autodestruição, medo de não ser um bom
pai/mãe. Ainda, em alguns filhos, a autora notou a demanda em salvar pessoas, sendo, talvez,
uma estratégia utilizada para amenizar a culpa por não ter salvo o pai/mãe. Além da
intensidade de sentimentos ser muito grande, a pesquisa revelou que os filhos sentiam-se
evitados pelos amigos e familiares, as mudanças bruscas de assunto dos amigos quando
queriam falar no assunto, mencionando o suicídio como um tabu, sentindo que no próprio
contexto familiar não era permitido que o tema fosse compartilhado.
Concordando com tais direcionamentos, Martins e Leão (2010) relatam que, além do
sentimento de culpa, os familiares buscam estratégias para enfrentar o processo de luto. As
autoras inferem, então, sobre os sentimentos de negação - expresso pelo comportamento de
fuga e esquiva, que consiste em fantasiar sobre possíveis soluções para o problema para
escapar e/ou evitar o fator estressante; a busca pelas respostas na religiosidade - para tentar
explicar a morte.
Fukumitsu (2013), por sua vez, busca explicar os sentimentos em função das cartas,
muitas vezes, deixadas pelo sujeito que suicida-se. Tal instrumento é, muitas vezes, a única
explicação encontrada, mas, que nem sempre traz sentimento de alívio para a família,
podendo tornar-se um peso, dependendo do conteúdo escrito nela, especialmente, quando
pouco explica os motivos do ato. Acrescenta o autor, que costuma serem diversos os assuntos
deixados escritos, como pedidos de desculpas ou textos acusatórios, permitindo criar no
imaginário da família enlutada a ideia de que a pessoa não gostava o suficiente delas ou não
pensou nelas ao cometer suicídio, aumentando, assim, muitas vezes, o sentimento de culpa.
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Abordando o mesmo direcionamento, para Silva e Polubriaginof (2009) aqueles que
escrevem uma carta antes de cometerem uma autoviolência, atentando contra sua própria
vida, parecem ser movidos pelos mesmos intuitos - consciente ou inconscientemente, querem
viver para além da sua própria vida. Os suicidas tentam viver de alguma forma através de
seus escritos derradeiros, cujos conteúdos ‘amarram’ a vida dos vivos à vida dos mortos,
fazendo dos que seguem vivendo, destinatários das motivações do suicídio. A função
‘psicológica’ de fazer cair sobre os destinatários o peso e a culpa da morte do emissário, é
também uma constante nas escritas de suicidas
Sentimentos peculiares ocorrem quanto acontece o testemunho visual do suicídio –
“encontrar o corpo” como comumente se chama. É comum, na visão de Martins (2011), que
familiares e amigos sejam testemunhas do ato suicida, além dessa exposição, é comum que os
suicídios aconteçam na própria casa. A cena da morte é o que há de mais desconcertante, o
que há de mais característico neste instante é sua atipicidade: a violência do ato, a morte, o
rompimento da relação. Podendo-se perceber que o chamado enlutamento por suicídio é uma
combinação de reações de luto e de transtorno de estresse pós-traumático, pois o fato de
encontrar o corpo pode, muitas vezes, ser traumático.
Em função de todos os sentimentos e situações elencadas, concorda-se com
Fukumitsu e Kovacs (2016), ao falarem da importância de pensar sobre a maneira de se
oferecer amparo a uma pessoa que presenciou o suicídio de um ente querido. É necessário o
acolhimento do enlutado por suicídio que presenciou a cena, respeitando a singularidade e o
limite de cada um. Sérvio e Cavalcante (2013), expõem que a angústia daqueles que terão que
conviver com a lembrança de um suicídio deve ser vista com atenção (pelos profissionais da
saúde), por representar um significativo fator de risco para ocorrência de outros suicídios. A
lembrança da ocorrência do suicídio parece acompanhá-los como um fantasma, destruindo
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planos de vida, nos quais pessoas com maior grau afetivo não encontram forças para se
reerguer. A ausência de conformação, para os autores, caracteriza-se, nesses casos, como a
principal barreira para as pessoas enlutadas.
Percebe-se, assim, a gama de sentimentos vivenciados pelos familiares ao enfrentarem
o suicídio dos seus – com ou sem a observação da cena em si. Dentre esses se destacam os
sentimentos de abandono, agressividade, alívio, angústia, choque, culpa, desamparo, dúvida,
impotência, medo, negação, pressão, raiva, rejeição, religiosidade, saudade, sensação de
perda, solidão, tabu, trauma, tristeza e, ainda, vergonha.
Os rituais de passagem na morte por suicídio
O estigma social contribui para que o suicídio seja uma fase dolorosa, devastadora e
traumatizante, ocorrendo, por esses motivos, a falta de despedida e a falta de rituais de luto,
que são considerados fundamentais para dar sentido e significado a situações de crise. Os
rituais funerários são muito importantes, porque a convivência entre vivos e mortos nem
sempre é pacífica. A participação nesses rituais ajuda na elaboração do luto e na construção
de significados na vida sem a pessoa amada (Kovacs, Vaiciunas, & Alves, 2014).
Na morte por suicídio, os rituais perdem seu lugar de significado. Diminui-se o tempo
do velório e os enterros são, muitas vezes, rápidos. Dessa forma, em épocas diferentes, e por
vários motivos, os funerais de pessoas que se suicidaram foram proibidos, eram tratados
como uma traição por parte da pessoa que cometeu o ato. Ademais, e em meio a isso tudo, o
enlutado não era/é socialmente aceito, sofrendo pressão social, sendo questionado do
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porquê de não terem impedido de alguma forma que acontecesse o suicídio (García-
Viniegras & Cernuda, 2013).
Há que se considerar, ainda, que, dependendo do caso, é necessário que o velório seja
de urna lacrada. Assim, além de serem realizados rapidamente, a família ainda tem que lidar,
muitas vezes, com problemas econômicos e legais, pois envolve investigação, autópsias,
impedimento de acesso à residência e prestação de depoimentos, fatos que causam
desconforto, culpa e questionamentos para os familiares. A realização de uma autópsia, que é
muitas vezes imprescindível nos caso de suicídio, pode ir contra a cultura ou a religião dos
familiares, trazendo uma nova forma de dor. Esses processos legais podem durar muito
tempo, prolongar o processo de luto e aumentar as especulações de porque o familiar cometeu
o ato (Silva, 2015).
Sendo assim, novamente cita-se o sentimento da culpa. Agora, conforme Candido
(2011), vinda pelo fato do questionamento alheio, como um sentimento que acompanha a
maioria dos familiares de quem cometeu suicídio. Além disso, como foi citado acima, por ser
uma morte que inclui vários processos legais, os familiares não têm assegurada a privacidade,
pois a morte por suicídio está na maioria das vezes exposta ao olhar alheio, sendo a morte
escancarada.
Percebe-se, então, a gama de dificuldades da família de um ente que se suicidou – seja
no processamento do luto, seja na profusão de sentimentos gerado, seja, ainda, no
enfrentamento dos ritos de passagem e aspectos legais. Conforme Candido (2011), o enlutado
precisa encontrar meios para enxergar o impacto que vem de diversas formas, isolando-se ou
mesmo culpando-se daquilo que mais lhe parece ameaçador: o olhar do outro.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O suicídio é um ato contra o próprio ser, é um fenômeno violento e complexo, um
momento difícil na vida dos familiares, merecendo uma ampla discussão na sociedade, sendo
uma das principais causas de morte no mundo. A perda por suicídio encontra-se na categoria
das mortes não reconhecidas, e é considerada, ainda, um tabu para nossa sociedade, e a partir
disso as famílias sobreviventes são rotuladas como desajustadas, desequilibradas,
desestruturadas e incapazes de dar amor e cuidado, tendo que viver além da dor de ter perdido
um ente querido, viver rodeado do julgamento dos outros.
Dentre o material analisado na íntegra, pode-se verificar os principais sentimentos
vivenciados pelos familiares enlutados, sendo eles, desamparo, dúvida, impotência, pressão,
rejeição, busca pela religiosidade, saudade, sensação de perda, solidão, trauma e tristeza. No
entanto, destacaram-se, na pesquisa, os sentimentos de angústia, choque, medo, negação,
raiva, vergonha, em especial, de culpa. Entende-se, assim, a necessidade de olhar para
aqueles que ficam, o cuidado com o sentimento no processo de luto é visto com extrema
importância, sendo esse momento delicado e cheio de emoções vindas de maneiras intensas,
pois a sociedade ainda trata a morte por suicídio como tabu e, muitas vezes, não é aceitado e
nem falado sobre o assunto, criando uma barreira para os que sofrem com a fase de luto.
Por fim, destaca-se a importância de estudos nesse tema,os mesmos podem auxiliar os
profissionais que trabalham com suicídio a ajudarem as famílias enlutadas, sendo o processo
de luto uma fase muito singular, que pode variar de pessoa para pessoa. Pesquisar sobre esse
assunto requer ética, responsabilidade além de empatia, para que possa proporcionar
intervenções e assistência aos indivíduos sobreviventes. Sugere-se que, para estudos futuros,
possam ser feitas mais pesquisas empíricas frente ao tema exposto.
20
REFERÊNCIAS
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