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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN - UFPR CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS - CCSA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO ECONMICO - PPGDE/UFPR
CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO ECONMICO
ANTONIO CARNEIRO DE ALMEIDA JNIOR
OS FATORES DETERMINANTES DA DESACELERAO ECONMICA DA UNIO SOVITICA
CURITIBA 2011
ANTONIO CARNEIRO DE ALMEIDA JNIOR
OS FATORES DETERMINANTES DA DESACELERAO ECONMICA DA UNIO SOVITICA
Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do
ttulo de mestre atravs do Programa de Ps-Graduao da
Universidade Federal do Paran - PPGDE/UFPR
Professor Orientador: Claus Magno Germer
CURITIBA 2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN. SISTEMA DE BIBLIOTECAS. BIBLIOTECA CENTRAL. COORDENAO DE PROCESSOS TCNICOS. Ficha catalogrfica Almeida Jnior, Antonio Carneiro de A447 Os fatores determinantes da desacelerao econmica da Unio Sovitica / Antonio Carneiro de Almeida J- nior. Curitiba, 2011. f. Orientador : Claus Magno Germer Dissertao(mestrado)- Universidade Federal do Para- n, Setor de Cincias Sociais Aplicadas, Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Econmico.
1.Unio sovitica Economia. 2. Unio Sovitica Aspectos econmicos. I. Germer, Claus Magno. II. Uni- versidade Federal do Paran. Setor de Cincias Sociais Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Eco- nmico. III. Ttulo. CDD 22.ed. 354.00947 _______________________________________________________ Samira do Rego Elias CRB-9/755
TERMO DE APROVAO
ANTONIO CARNEIRO DE ALMEIDA JNIOR
OS FATORES DETERMINANTES DA DESACELERAO
ECONMICA DA UNIO SOVITICA
Dissertao apresentada como requisito parcial para obteno do ttulo de mestre atravs do Programa de Ps-Graduao da Universidade Federal do Paran -
PPGDE/UFPR
Membros da Banca:
______________________________________________ Professor Doutor Claus Magno Germer (Orientador)
Departamento de Economia (UFPR)
_____________________________________________ Professor Doutor Francisco Paulo Cipolla (Examinador)
Departamento de Economia (UFPR)
______________________________________________________ Professor Doutor Nelson Rosas Ribeiro (Examinador Externo)
Departamento de Economia (UFPB)
Aos heris da revoluo sovitica e a todos os militantes do movimento comunista nacional e internacional Aos primeiros por travarem uma luta rdua contra o poder da burguesia russa e, em seguida, contra a burguesia internacional na inteno de construir um Modo de Produo superior ao Capitalista. Aos ltimos por darem continuidade a esta luta e, assim, constiturem a vanguarda revolucionria dos nossos tempos.
AGRADECIMENTOS
A realizao do presente trabalho, em nenhum momento, esteve destituda de
colaboraes, sejam diretas ou indiretas. Faz-se necessrio agradecer aqui a todos que
colaboraram nesta realizao e em especial:
Aos meus pais, Antonio Carneiro de Almeida e Maria Jos Beijamin de Almeida,
por me incentivarem aos estudos desde os tempos de infncia, por me apoiarem
financeira e emocionalmente durante meus estudos de primeiro e segundo grau e
durante toda a trajetria acadmica que desenvolvi at hoje, e por serem os principais
responsveis pela formao do meu carter e integridade;
A todos os meus familiares que colaboraram e continuam a colaborar com minha
evoluo como pessoa e como profissional, em particular aos meus tios Osvaldo
Faustino da Nbrega e Augusta Cerneiro de Almeida Nbrega. Ao primeiro, agradeo
por ter colaborado diretamente na minha formao acadmica, ltima, agradeo por
colaborar diretamente com minha formao desde os meus primeiros anos na escola. A
ambos, agradeo por sempre estarem presentes como familiares e amigos que
estavam sempre prontos a me ajudar a superar qualquer obstculo;
Ao meu orientador, Claus Magno Germer, pelo trabalho de orientao que
desempenhou para gerar, como resultado, uma dissertao com o melhor grau de
rigorosidade que estava ao meu alcance, dadas as condies objetivas;
Ao meu grande amigo e colega de pesquisa Lucas Milanez de Lima Almeida,
minha amiga Paula Rachel de Louro Leite e aos meus amigos Antnio Albano Freitas,
Gilberto da Silveira Barros Neto, Leonardo Borges Cardoso e Cleiton Silva de Jesus,
que me deram um suporte emocional essencial para que pudesse prosseguir
trabalhando na obteno do ttulo de mestre;
Ao meu amigo e mentor, Nelson Rosas Ribeiro, pela contribuio na formao
do meu carter e da minha postura acadmica;
A todos os professores e pesquisadores que contriburam para a evoluo do
pensamento marxista e do meu conhecimento nesta rea, em particular aos
professores(as) Claus Magno Germer, Francisco Paulo Cipolla, Nelson Rosas Ribeiro,
Elivan Rosas Ribeiro, Rejane Gomes, Elbio Troccoli Pakman e Rosngela Palhano e
aos pesquisadores Lucas milanez de Lima Almeida e Kaio Glauber Vital da Costa, os
quais contriburam para a elevao do meu conhecimento na rea da Economia Poltica
Marxista a um nvel que jamais pensei poder alcanar;
Ao coordenador do PPGDE/UFPR, Maurcio Bittencourt, e ao vice-coordenador
do PPGDE/UFPR, Fernando Motta. do meu conhecimento que ambos, como
coordenador e vice-coordenador, tinham que, por dever, tomar as decises que
contribussem em maior medida para a evoluo do PPGDE/UFPR. Contudo, apesar de
terem indcios do contrrio, continuaram a confiar na minha capacidade de obter o ttulo
de mestre e retomar a matrcula do doutorado no PPGDE/UFPR;
Aos meus amigos Alfredo Nbrega Heim e Takuma Easland pela reviso do
abstract desta dissertao;
E, finalmente, aos funcionrios(as) de todo o Departamento de Economia que
contriburam direta ou indiretamente com a minha formao acadmica, em especial a
secretria do PPGDE/UFPR Ivone Polo, pelas seguidas vezes que me ajudou a
resolver diversos problemas.
A cada momento, teremos a conscincia de que todos os resultados que obtenhamos
estaro necessariamente limitados e estaro condicionados s circunstncias em que os
obtemos [...], pois o que hoje reputamos verdadeiro contm tambm um lado falso,
oculto agora, mas que vir luz mais tarde
Friedrich Engels
RESUMO
Esta dissertao constitui uma anlise do crescimento econmico experimentado pela Unio Sovitica durante a sua existncia. Ela tem por objetivo atestar e caracterizar a desacelerao econmica enfrentada pela URSS, alm de identificar suas causas, para comprovar ou no que esta desacelerao se deu devido ao esgotamento dos fatores extensivos do crescimento econmico e a dificuldade de fazer do crescimento intensivo o maior responsvel pelo crescimento econmico. O objetivo do trabalho foi levado a cabo a parir da leitura crtica de bibliografia selecionada, atravs da qual foram coletados dados e relatos de rgos estatsticos e pesquisadores. Alm disso, o trabalho teve a Economia Poltica Marxista como base terica. Por fim, chegou-se a concluso de que a Unio Sovitica entrou em um processo de desacelerao no incio da dcada de 1960, o qual evoluiu para um processo de crise estrutural deflagrado em 1975 e para uma estagnao em 1989. Esta desacelerao foi causada pela reduo do impacto do crescimento extensivo, pelo desaparecimento do motor do crescimento intensivo, com a criao do Comit Coordenador para o Controle das Exportaes Multilaterais, COCOM, e pela no criao de um novo incentivo direto do desenvolvimento tecnolgico. A crise estrutural, por fim, evoluiu para uma estagnao devido a uma srie de erros de poltica econmica cometidos pelo PCUS na tentativa de reverter o processo de desacelerao. Palavras-chave: Economia Poltica do Socialismo; Unio Sovitica; URSS; Economia Sovitica.
ABSTRACT
This thesis is an analysis of the economic growth experienced by Soviet Union during its existence. It aims to prove and characterize the deceleration experienced by the USSR, and also identifies its causes, to testify whether or not this deceleration was caused due to extensive growth exhaustion and to the difficulty of making intensive growth the determinant factor of economic growth. The thesis objective was accomplished by critical reading of selected bibliography, by which statistics and reports of statistical institutes and researchers were collected. Furthermore, this thesis had Marxist Political Economy as the theoretical basis. Finally, it was concluded that the Soviet Union entered a process of economic growth deceleration in the early 1960s, which evolved to a structural crisis process triggered in 1975, and then stagnation in 1989. This economic growth deceleration was caused due to the reduction of extensive growth impact, the disappearance of the generating mechanism of intensive growth with the emergence of the Coordinating Committee for Multilateral Export Control (COCOM), and to the non direct stimulation of technological development. Thus, the structural crisis evolved to stagnation due to a sequence of misguided economical policies carried out by the Communist Party of the Soviet Union (CPUS) in an attempt to revert the slowdown process.
Key-words: Political Economy of Socialism; Soviet Union; USSR; Soviet Economy.
SUMRIO
1 Introduo .......................................................................................................... 10
1.1 Exposio do Problema ............................................................................13 1.2 Objetivos .................................................................................................. 15
1.2.1 Objetivo Geral ................................................................................... 15 1.2.2 Objetivos Especficos ....................................................................... 16
1.3 Hiptese ................................................................................................... 16 1.3.1 Hiptese Bsica ................................................................................ 16
2 Metodologia da Pesquisa ................................................................................. 17 2.1 Consideraes Gerais ............................................................................. 17 2.2 Analisando as Estatsticas Utilizadas ...................................................... 18
3 Fundamentao Terica ................................................................................... 26 3.1 A Dinmica dos Modos de Produo ....................................................... 26 3.2 Os Conceitos Extensivo e Intensivo ......................................................... 40
4 O Crescimento Econmico Sovitico ............................................................. 51 4.1 Os Ataques Imperialistas, a Guerra Civil e a NEP .................................. 51 4.2 O Debate sobre a Industrializao .......................................................... 58 4.3 O Esforo para o Desenvolvimento: prioridade ao setor produtor de meios de
produo .................................................................................................. 65 4.4 A URSS aps a Segunda Grande Guerra ............................................... 80 4.5 A Caminho da Estagnao Econmica ................................................... 84 4.6 Uma Viso Geral do Crescimento Sovitico ............................................ 94
5 Analisando o Contedo do Crescimento Econmico Sovitico .................. 104
5.1 Os Mecanismos de Aumento da Produtividade e o Contedo do Crescimento Econmico Sovitico at o Final da Dcada de 1940 ......................... 104
5.2 A Criao do COCOM e o Desaparecimento do Motor do Crescimento Intensivo ............................................................................................... 117
5.3 A Economia Sovitica em Desacelerao: a ausncia de um motor do desenvolvimento .................................................................................. 119
5.4 Os Empecilhos ao Aumento do Crescimento Intensivo ......................... 132 5.5 A Situao da Populao Sovitica ....................................................... 144
6 CONCLUSES ................................................................................................. 148 7 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................ 150 ANEXOS ................................................................................................................. 152 Anexo A ................................................................................................................... 153 Anexo B ................................................................................................................... 154
10
1 INTRODUO:
Em outubro de 1917, uma revoluo poltica ocorre na Rssia. Esta revoluo
foi parte integrante do processo de revoluo social que constitui a transio do
capitalismo ao socialismo. Estabeleceu-se, portanto, o primeiro regime socialista do
planeta, e, em 1922, fundada a Unio das Repblicas Socialistas Soviticas, URSS.
Tal fato, entretanto, havia ocorrido em um pas onde as foras produtivas eram
debilmente desenvolvidas. Longe de ter sido fruto de que as relaes de produo
capitalistas existentes na Rssia no mais correspondiam ao desenvolvimento das suas
foras produtivas, a revoluo de outubro foi na verdade uma conseqncia de que se
enfeixavam as mais profundas contradies econmicas e polticas do imperialismo no
elo mais dbil da cadeia imperialista (DRAGULEV, 1961, p. 14).
O Sistema Capitalista desenvolve-se de forma desigual nos diversos pases do
globo. Tal fenmeno identificado como Lei do Desenvolvimento Desigual do
Capitalismo. Entretanto, o fenmeno globalizao torna possvel que sejam
exportadas as contradies dos pases mais desenvolvidos para os demais. Estas, por
sua vez, manifestaram-se com particular violncia na Rssia. Alm disso, a
desigualdade quanto ao desenvolvimento no se d apenas no mbito econmico, mas
tambm no poltico. A organizao, a conscincia poltica e a determinao
revolucionria dos operrios tambm evoluem diferentemente nos vrios pases. Assim,
as condies histricas resultantes da combinao destes fatores fizeram com que a
primeira revoluo socialista ocorresse justamente na Rssia.
Apesar da situao econmica inicial, o regime socialista mostrava grande
capacidade de fazer evoluir as foras produtivas, que se desenvolveram a largos
passos mais ou menos at a dcada de 1960, quando o processo comeou a perder
flego. Neste perodo, evidencia-se claramente o surgimento de um entrave a este
desenvolvimento, embora haja muita polmica quanto a sua identificao. O fato que,
na dcada de 1970, estava instaurada a crise do sistema socialista que culminou no
seu desmoronamento em 1991.
A derrocada do socialismo tornou-se, para os idelogos burgueses, a arma
perfeita para desqualificar o regime socialista. Prolifera-se cada vez mais a idia de que
11
a queda deste regime a evidncia da impossibilidade da sua implantao. A queda do
socialismo, entretanto, pode ser encarada de outra forma.
Sabe-se que a cada etapa de desenvolvimento das foras produtivas
corresponde um tipo especfico de relaes de produo. Portanto, para qualquer tipo
de relaes de produo, chega o momento no qual este se torna um entrave ao
desenvolvimento e, em virtude disto, deve ser substitudo por outro. Para o Capitalismo,
no diferente. Ou seja, assim como todos os outros, o Modo de Produo Capitalista
no eterno.
As relaes de produo capitalistas foram responsveis por uma evoluo
tcnica sem precedentes na histria da humanidade. Isto se deveu ao fato de ser o
capitalismo o primeiro modo de produo cujo funcionamento corrente se baseia na
procura intencional de inovaes tcnicas, porque estas so o instrumento bsico da
concorrncia intercapitalista (GERMER, 2009, p. 10). Mas, o mesmo fenmeno que
leva a um desenvolvimento progressivo das foras produtivas, tem como conseqncia
a concentrao e a centralizao progressivas do capital. Conforme esse processo
progride, aumenta cada vez mais a quantidade de capital inicial necessria para a
criao de uma empresa em qualquer ramo. A economia comea a se tornar cada vez
mais oligopolizada e, como o motor da produo capitalista o lucro, e no a produo
de uma quantidade de valores de uso cada vez maior, conseqentemente, comea a
desaparecer o estmulo concorrencial ao desenvolvimento de novas tcnicas geradoras
de aumentos de produtividade. Como outra conseqncia deste processo, a produo
capitalista torna-se cada vez mais social, fazendo com que se agrave cada vez mais a
contradio fundamental deste sistema: a contradio entre o carter privado de
acumulao e o carter social da produo. Portanto, estes e outros fatores fizeram
com que as relaes de produo capitalistas, que anteriormente eram promotoras do
desenvolvimento das foras produtivas, se tornassem um entrave a este
desenvolvimento (LNIN, 1990).
H mais de um sculo que as foras produtivas entraram em contradio com
as relaes de produo capitalistas. A anlise da evoluo destas, que interligam um
nmero cada vez maior de produtores e cria uma relao estrita de dependncia entre
eles, evidencia que o surgimento desta contradio, por sua vez, deu incio ao processo
12
de revoluo social de transformao do capitalismo em socialismo. Assim, visto que o
desenvolvimento das foras produtivas cumulativo ou progressivo (GERMER, 2009,
p. 7), no haveria como esta contradio desfazer-se no ar, mesmo com a derrocada do
regime socialista. Ela, ao contrrio, vem agravando-se ao longo do tempo1, uma vez
que as foras produtivas, mesmo a passos mais lentos, continuam a desenvolver-se.
O conhecimento dos fatos aqui expostos nos leva, portanto, a concluir que a
derrocada do socialismo, longe de significar a impossibilidade de implantao deste
sistema, deve ser encarada apenas como um retrocesso poltico no processo de
revoluo social, atualmente em marcha. Se encararmos assim o fenmeno, torna-se
evidente a importncia, para a humanidade, da experincia da Unio Sovitica na
construo do socialismo, pois conhecer as leis que regem o desenvolvimento da
sociedade significa ser capaz de acelerar tal processo. Estudar tal experincia torna
possvel conhecer os provveis desafios que o processo de transio trar para
sociedade.
Vrios estudos foram feitos para identificar a causa da desacelerao da
economia sovitica. Destes estudos, surgiram vrias teses acerca do problema. Dentre
as principais, chama ateno a tese de que o que levou a economia socialista
estagnao foram o esgotamento dos fatores extensivos do crescimento (construo de
novas unidades produtivas com a mesma tecnologia existente, aumento das terras
cultivveis e etc.) e a impossibilidade de fazer do crescimento intensivo (crescimento
baseado no aumento da eficincia da produo e da produtividade do trabalho) a base
do crescimento e do desenvolvimento econmico. Esta tese tornou-se bastante comum
durante a Perestroka, sendo defendida pelo principal conselheiro econmico de Mikhail
Gorbachev, o economista Abel Guzovitch Aganbeguian, e difundida ainda hoje.
Diante da j referida importncia do estudo da economia socialista e na
tentativa de contribuir para o debate acerca das causas da desacelerao da economia
sovitica e, indiretamente, para o debate acerca das causas do desmoronamento da
economia socialista, o presente trabalho verificou empiricamente se a causa da
desacelerao do crescimento econmico da Unio Sovitica a partir do fim da dcada
de 60 reside no esgotamento do crescimento extensivo e no fato de no ter sido
1 preciso ter em mente que isto no implica que o fenmeno teve um processo de agravamento linear;
13
possvel fazer do crescimento intensivo a base deste crescimento econmico. Para isto,
desenvolver-se- uma anlise acerca do crescimento econmico da URSS durante a
sua existncia.
1.1 EXPOSIO DO PROBLEMA:
Durante os 40 primeiros anos da revoluo socialista, a economia sovitica
cresceu e desenvolveu-se em ritmo consideravelmente acelerado, excetuando-se os
perodos da guerra civil e dos ataques estrangeiros. Impressionava ainda mais, aos
olhos do mundo capitalista, o fato de que tal economia crescia sem passar pelas crises
cclicas que acometiam os pases de regime capitalista.
No incio da dcada de 1950, ainda no se sentiam os sinais da desacelerao.
Neste perodo algumas reformas2 econmicas que tinham por objetivo elevar a
qualidade de vida dos soviticos foram efetuadas pelos dirigentes soviticos
encabeados por Nikita Kruschev. Para tanto, foram aumentados os salrios e
melhorou-se a oferta de bens de consumo essenciais por meio de polticas de incentivo
da produo agrcola e do aumento do investimento no Setor II, o setor produtor de
bens de consumo. Alm disso, tentaram introduzir algumas medidas de
descentralizao da planificao como criao de Comits Econmicos Regionais.
As medidas de descentralizao do plano logo regrediram, mas os incentivos
econmicos das reformas de Kruschev causaram impactos positivos no crescimento da
economia sovitica at o final da dcada. Contudo, na dcada seguinte, ao passo que
cessaram os efeitos das polticas econmicas, tornou-se evidente a existncia de
elementos de travagem na economia: a velocidade na qual crescia a economia
sovitica comea a diminuir.
Diante disto, e dada a diminuio da perseguio poltica fruto da
desestalinizao, um clima de debate toma conta da Unio Sovitica. O intuito deste
debates era, logicamente, identificar e combater a(s) causa(s) da desacelerao. A
2 Nossa inteno aqui fornecer um panorama geral da situao. Portanto, a descrio das reformas que
mencionaremos nesta seo ser bastante superficial. Pretende-se fazer uma descrio mais detalhada durante o cumprimento do primeiro objetivo especfico do presente trabalho;
14
reao ao novo panorama da economia sovitica, no entanto, no se deu apenas no
plano ideolgico, ela tambm se fez sentir no plano prtico. Com base em algumas
propostas surgidas ao longo dos debates, seguiram-se outras reformas que, agora,
tinham por objetivo fazer com que o crescimento econmico voltasse aos antigos
patamares.
As reformas que se seguiram na segunda metade da dcada de 1960 foram
levadas a cabo pelo primeiro-ministro Kosseguin. Alm de estimularem a agricultura,
como feito durante as reformas de Kruschev, ampliaram-se as experincias de
descentralizao econmica, que j vinham sendo postas em prtica em algumas
empresas, das quais foram derivadas as propostas pr-mercado do professor de
economia de Kharkov Evsei Liberman.
Os incentivos agricultura novamente causaram impactos no crescimento
econmico, pois o crescimento agrcola acabou por contribuir para a dinamizao da
indstria alimentar e de alguns ramos da industria leve dependentes da agricultura. Isto,
assim como antes, elevou a renda real da populao.
No entanto, como ocorrido anteriormente, o impacto das reformas no
crescimento econmico no durou muito e este voltou a desacelerar na dcada de
1970. A situao, nesta dcada, foi amenizada pelo aumento do preo do petrleo, o
que aumentou as receitas das exportaes, mas isto no constituiu um fator que
conseguisse reverter o panorama.
Diante do quadro que se desenhou na Unio Sovitica, era evidente que algo
deveria ser feito. Foi neste momento que as anlises da comunidade cientfica
comearam a convergir cada vez mais para uma determinada tese acerca da causa
central da desacelerao econmica da URSS.
Segundo esta tese, at ento, a maior parte do incremento da produo na
economia sovitica se dava por vias extensivas de crescimento, e s em menor grau se
dava por vias intensivas. Em virtude disto, uma vez que os recursos naturais e os
espaos fsicos ou a terra tm uma quantidade limitada e uma vez que o acrscimo de
trabalhadores tem seus limites, ao chegar a estes limites, o crescimento da economia
sovitica entrou em um processo de desacelerao.
15
Para reverter esta situao, portanto, os dirigentes soviticos, encabeados por
Mikhail Gorbachev, lanam a Perestroka.
Em linhas gerais, este novo conjunto de reformas na economia tinha por
objetivo retomar o crescimento econmico, primeiramente atravs de uma
reorganizao da produo que acabasse com os desperdcios na economia. Em
paralelo, ir-se-iam desenvolvendo reformas econmicas pr-mercado como meio de
incentivar o aumento da produo e, posteriormente, o aumento da produtividade do
trabalho.
Aparentemente, a Perestroka no s no conseguiu reverter o quadro de
estagnao econmica, como tambm no conseguiu impedir (ou at possa ter
conseguido precipitar) uma reconverso da economia socialista do bloco sovitico para
o Modo de Produo Capitalista.
No podemos afirmar aqui se a estagnao econmica da Unio Sovitica deu-
se realmente em virtude da dificuldade de transformar o crescimento extensivo em
intensivo e a Perestroka e as demais reformas apenas no constituram uma soluo
para o problema, ou se as causas da estagnao eram outras. No se pode nem ao
menos afirma a priori que o crescimento da economia sovitica at a dcada de 1960
se deu em maior grau devido a fatores extensivos. Somente uma verificao emprica
acerca desta tese, tendo por base um mtodo cientfico, poder elucidar estas
questes.
1.2 OBJETIVOS:
1.2.1 Objetivo geral:
O presente trabalho tem por objetivo verificar empiricamente a tese sobre a
desacelerao econmica da URSS que foi a base para os criadores da Perestroka.
Nomeadamente, a tese de que, at a dcada de 1960, a maior parte do incremento da
produo na economia sovitica tinha se dado por vias extensivas e, chegado este
16
perodo, sem mais espao para este tipo de crescimento, a economia estagnou por no
ser capaz de transform-lo em um crescimento intensivo em sua maioria.
1.2.2 Objetivos especficos:
Levamos a cabo o objetivo acima descrito atravs do alcance dos seguintes
objetivos especficos:
1. Empreender uma anlise geral do crescimento da URSS durante sua existncia,
apontando os perodos de acelerao e estagnao;
2. Analisar o contedo do crescimento da economia sovitica at a dcada de 1960
atravs de uma anlise do desenvolvimento das tcnicas de produo desta e
dos motores do aumento da produtividade do trabalho durante tal perodo;
3. Empreender a mesma anlise descrita no ponto acima para o perodo que vai da
dcada de 1960 at a dissoluo da URSS.
1.3 HIPTESE:
1.3.1 Hiptese bsica:
A estagnao da economia sovitica deveu-se, de fato, a dificuldade de
transformar a maior parte do crescimento econmico de extensivo para intensivo.
17
2 METODOLOGIA DA PESQUISA:
2.1 CONSIDERAES GERAIS:
O presente trabalho foi realizado atravs da leitura crtica de bibliografia
selecionada, no sendo possvel coletar dados primrios (pesquisa de campo) ou
secundrios (diretamente de institutos responsveis pela elaborao de estatsticas
referentes Unio Sovitica). Isto se deu porque no conseguimos acessar qualquer
informao dos institutos de pesquisa soviticos via internet, e a nica outra maneira de
fazer uma coleta de dados secundrios seria atravs obteno dos documentos, o que
tambm no foi possvel. Contudo, utilizamos estatsticas oficiais apresentadas por
vrios autores.
A leitura da bibliografia serviu a coleta de dados e relatos de pesquisadores
referentes URSS e a sua estrutura produtiva.
No projeto do presente trabalho, definimos quais estatsticas seriam
necessrias para o alcance do objetivo do trabalho. Contudo, devido dificuldade de
acesso s estatsticas soviticas, no foi possvel obter alguns dos dados definidos por
ns. Contudo, procuramos obter dados similares que no prejudicassem a qualidade da
anlise.
Foram poucos os materiais consultados por ns nos quais havia uma descrio
detalhada da metodologia de clculo dos indicadores. Para compensar tal problema,
buscamos obter as estatsticas de quantas fontes fossem possveis. Ao fazer isso, na
quase totalidade dos casos, observamos que, apesar de algumas diferenas nos
valores exatos dos indicadores dados pelas fontes, eles apresentavam um movimento
bastante semelhante.
Devido descontinuidade das estatsticas coletadas, em algumas poucas
ocasies, tivemos que construir sries de tempo de um determinado indicador com
fontes diferentes para cada uma das partes do perodo. Consideramos, todavia, que
isto, embora cause alguma distoro na anlise de curto prazo, no causou qualquer
18
problema para a anlise de longo prazo. O detalhamento de como foram feitas estas
compilaes ser feito na seo seguinte.
Na coleta de todos os dados, tomamos sempre como referncia as estatsticas
oficiais da URSS. Existe uma longa discusso acerca da existncia de motivos para que
os rgos soviticos superestimassem alguns indicadores e subestimassem outros. Ao
mesmo tempo, contudo, h tambm um debate acerca da existncia de motivos para
que os institutos de pesquisa ocidentais, que tambm calculavam indicadores para
economia sovitica, subestimassem alguns indicadores e superestimassem outros.
Fomos capazes, inclusive, de atestar uma destas dissimulaes (o calculo da evoluo
do consumo sovitico feito por Bergson que foi detalhado no ponto 4.3). Seguimos,
portanto, utilizando os dados apresentados pelos institutos oficiais soviticos devido a
isto e tambm devido ao fato de os institutos oficiais, para o clculo destes dados,
utilizarem a mesma base terica utilizada no presente trabalho: a Economia Poltica
Marxista. Mesmo assim, sempre que possvel, comparamos as estatsticas oficiais com
as estatsticas ocidentais.
Quanto aos relatos acerca da situao da economia sovitica e sobre seu
funcionamento, a maioria deles convergiu, havendo uma ou outra discordncia assim
como os indicadores.
2.2 ANALISANDO AS ESTATSTICAS UTILIZADAS:
Para o alcance do primeiro objetivo especfico, utilizamos as mais variadas
estatsticas acerca da produo e dos investimentos na economia sovitica. Quando
possvel, desagregamos tais dados por setores da economia. Este processo de alcance
foi dividido em seis etapas, cada uma correspondendo a uma seo do captulo 4 do
presente trabalho.
A primeira etapa analisou os primeiros anos aps a revoluo at o fim da Nova
Poltica Econmica (NEP). Para cobrir este perodo no foram utilizadas estatsticas
oficiais, mas sim estatsticas elaboradas por diferentes pesquisadores. Estas
estatsticas esto divididas por grandes setores (indstria, agricultura e transporte) e
19
tambm por ramos. No s tais estatsticas, como tambm os relatos fornecidos pelos
autores utilizados apontaram para uma mesma direo.
A segunda etapa constituiu um resumo do debate acerca da estratgia de
industrializao que seria adotada pela URSS aps a NEP. Para tanto, apenas
reunimos as informaes mais importante acerca do tema. Embora as descries dos
autores fossem todas fieis ao contedo do debate, utilizamos como fonte de referncia
apenas Allen (2003), visto que este esquematizou de forma mais clara e simples este
debate e forneceu algumas informaes ausentes em outros autores como Paulino
(2008).
A terceira etapa cobre o perodo que vai do I Plano Qinqenal at o incio da
Segunda Guerra Mundial. Deste ponto em diante, comeamos a ter por base principal
as estatsticas oficiais soviticas. Para alguns casos, no entanto, no foi possvel
apresentar estatsticas oficiais. Assim, nos utilizamos de dados fornecidos por
pesquisadores. Nos pontos que achamos necessrio, fizemos um contraponto entre os
dados oficiais e os dados e estimaes feitas por pesquisadores ocidentais.
Para obter um melhor suporte na anlise de longo prazo, na tabela 8, fizemos
uma juno de duas tabelas apresentadas por Dragulev. Uma delas era a tabela 6
apresentada por ns e a outra apresentada por Dragulev no seu livro A Crise Geral
do Capitalismo (1961, p. 126). Ambas referiam-se a produo de toda a indstria da
URSS e foram obtidas atravs de fontes oficiais. Elas, no entanto, referiam-se a
perodos diferentes e seus ndices tinham por base anos diferentes. Na primeira, a base
do ndice era 1913, enquanto que, na segunda, a base era 1929. Assim, para
apresentarmos os dados em seqncia, decidimos converter a segunda tabela para a
base de 1913. Isto foi possvel devido ao fato de ambas as tabelas terem o ano de 1932
em comum. Assim, utilizando tal ano, poderamos converter os dados da segunda
tabela para a base de 1913. Para testar se existia algum erro no nosso mtodo,
primeiramente convertemos o ano de 1932 da primeira tabela para a base de 1929
(base da segunda tabela) e obtivemos um resultado muito prximo (na segunda tabela
o valor atribudo a 1929 era 168,3 e obtivemos 168,9). Julgamos, primeiramente que a
diferena existente entre os valores certamente devia-se a algum arredondamento feito
na primeira tabela (ela s apresenta valores exatos, nmeros naturais). Alm disso,
20
como a diferena dos valores era muito pequena, no julgamos que ela poderia
prejudicar a anlise de curto prazo. Assim, convertemos os valores da segunda tabela
para a base de 1913 atravs de uma regra de trs simples, com da utilizao do ano
em comum entre as duas (1932).
na terceira etapa que mencionamos, pela primeira vez, o conceito taxas
anuais mdias de crescimento. Quando nos referimos a uma taxa anual mdia de
crescimento, temos em mente a taxa a qual o indicador precisaria crescer a cada ano
para atingir o crescimento total do perodo. Portanto, para transformar um crescimento
de um perodo em acrescimento anual mdio, utilizamos a seguinte equao derivada
da frmula de juros compostos:
(1) 3
Na quarta e quinta etapas, mantiveram-se os procedimentos padres das
anteriores, sem a necessidade de alguma explicao mais detalhada.
Na sexta etapa, demos uma viso geral da trajetria do crescimento sovitico
durante o perodo mais relevante, economicamente falando, de sua existncia: do I
Plano Qinqenal ao colapso do regime socialista. Com esse panorama geral, uma vez
j analisada a evoluo da economia de uma forma mais detalhada, pudemos
identificar o momento exato do incio da desacelerao, da crise estrutural e da
estagnao. Antes de discutir como levamos isto a cabo, necessrio tecer um
comentrio acerca dos indicadores do crescimento econmico sovitico.
J expusemos, na seo anterior do presente captulo, o porqu de utilizarmos
as estatsticas oficiais da URSS como base para o nosso trabalho. Nesta etapa, no foi
diferente. Sabe-se que eram calculados mais de um indicador para o crescimento
econmico da URSS: o Produto Material Lquido (pelos rgos soviticos) e o PNB
(pelos rgos de pesquisa ocidentais). O Produto Material Lquido constitua a soma de
toda a produo material (valores de uso palpveis) que se produzia dentro da URSS.
J o Produto Nacional Bruto constitui a soma de todos os produtos e servios
3 Onde: CT = crescimento total; tam = taxa anual mdia de crescimento e n = nmero de anos contidos
no perodo.
21
produzidos mais a renda lquida recebida do exterior ou menos a renda lquida enviada
ao exterior. Utilizamos como base o primeiro indicador no s pela razo apresentada
na seo anterior do presente captulo, mas tambm pela incompatibilidade do ltimo
com uma anlise da evoluo econmico-social e com a economia socialista da URSS
em particular.
Primeiramente, tendo em mente que a teoria por trs do clculo do PNB a
teoria neoclssica, temos que o princpio valorativo para o seu clculo o valor
utilidade. A utilizao deste princpio faz com que se contabilizem regressos, do ponto
de vista econmico-social, como progressos e vice-versa. Por exemplo: se a violncia
na URSS diminuiu, com a conseqente diminuio da necessidade de policiamento das
ruas, e o estado toma a deciso de diminuir a quantidade de policiais empregados, esta
reduo, embora represente algo positivo para a sociedade sovitica, diminuir o PNB
da URSS, pois nele est contabilizada a utilidade da segurana que o policial fornece
para a populao. No caso destes policiais que foram desempregados assumirem um
emprego em uma fbrica produtora de carros, parte do acrscimo produtivo desta
mudana na composio dos trabalhadores da sociedade ser cancelada pela
diminuio da segurana no clculo do PNB. J no clculo do PML, isto no ocorria.
Alm disso, o componente renda lquida, que se subtrai ou se soma produo interna,
perturba a anlise do crescimento econmico. Isto porque, em vrias ocasies, a URSS
desfazia-se de empresas capitalistas que por alguma razo haviam se tornado
propriedade sovitica ou enviava ajudas a pases capitalistas em desenvolvimento ou a
outros pases socialistas. Estes movimentos impactavam negativamente no indicador,
embora no ocorresse nenhuma diminuio da produo interna. Por estas e outras
razes utilizamos o PML como base na nossa anlise.
Prosseguindo na descrio do que foi feito na etapa, para a identificao exata
do incio da desacelerao, da crise estrutural e da estagnao, utilizamos as taxas
anuais de crescimento do PML. Estas j eram suficientes tambm para atestar a
tendncia desacelerao, contudo, ainda nos utilizamos de taxas anuais mdias de
crescimento por perodos para uma anlise de longo prazo.
Diante do que foi dito no pargrafo anterior, necessrio definir aqui o que
entendemos por desacelerao, crise estrutural e estagnao.
22
Para a anlise do processo de transformao de quantidade em qualidade,
preciso definir os limites quantitativos onde se do as transformaes qualitativas ou
definir estas prprias transformaes. Na nossa pesquisa bibliogrfica, no
encontramos nenhum autor que identificasse e classificasse as diferentes etapas do
processo de reduo do crescimento econmico na Unio Sovitica, portanto isto foi
feito por ns.
Antes de definirmos o conceito desacelerao, julgamos necessrio4 definir
primeiramente o conceito crise estrutural. A maioria dos economistas concebe o
conceito crise estrutural como uma perturbao na economia que se deve a um
problema existente na prpria estrutura produtiva ou at mesmo nas relaes de
produo do agregado econmico em questo. Ela, portanto, por si s no
passageira; somente pode ser superada atravs de uma interveno que modifique a
estrutura. No caso da nossa anlise, tendo em vista que a teoria nos afirma que a
transformao das relaes capitalistas de produo em socialistas faz desaparecer
todo e qualquer empecilho ao desenvolvimento das foras produtivas, pressupe-se
que a capacidade de desenvolvimento das foras produtivas deste regime maior do
que a do Modo de Produo Capitalista. Assim, classificamos de crise estrutural o
perodo no qual a URSS passa a crescer a ritmos semelhantes ao dos pases
capitalistas devido a um problema estrutural.
Deste conceito de crise estrutural deriva-se nosso conceito de desacelerao.
Isto se deve ao fato de ser o materialismo dialtico uma das ferramentas utilizadas por
ns ao longo do trabalho. Ao contrrio da anlise feita por meio da lgica formal,
basear-se na lgica dialtica implica que os fenmenos no surgem milagrosamente,
ou seja, eles no aparecem de uma s vez, em um determinado momento, j na sua
forma mais desenvolvida. Ao contrrio, eles surgem em forma de germe e evoluem
gradativamente. Assim, para se chegar ao ponto de crise estrutural do crescimento
econmico, este teve que iniciar um processo de desacelerao em algum momento.
Classificamos, pois, como desacelerao o perodo que marca o incio da reduo do
crescimento que leva a economia ao estgio de crise estrutural. necessrio
esclarecer, no entanto, que o que classificamos como desacelerao no apenas
4 Posteriormente se entender o porqu;
23
uma reduo do crescimento pura e simples. Ela deve se dar pelo surgimento das
complicaes que levam a economia ao ponto de crise estrutural.
Por fim, classificamos como estagnao simplesmente o perodo onde a renda
nacional per capta do pas socialista para de crescer. Esta nossa classificao deriva-se
simplesmente do fato de que o objetivo da produo de valores de uso no socialismo
satisfazer progressivamente as necessidades da populao. Na medida em que novas
necessidades vo sendo criadas quantitativa e qualitativamente e a capacidade de
satisfaz-las no cresce o suficiente, o objetivo deixa de ser cumprido.
Com base, portanto, nestes princpios, levamos a cabo a quinta etapa e
cumprimos com o primeiro objetivo especfico.
O cumprimento do segundo objetivo especfico foi feito em duas etapas, que
constituem os dois primeiros pontos do captulo 5 do presente trabalho. O primeiro
deles utilizou-se de estatsticas oficiais e relatos de pesquisadores sobre a URSS. Nele,
construmos a tabela 22 atravs do seguinte mtodo: estabelecemos a base da tabela
em 1940, com este ano possuindo um ndice igual a 100. Da em diante, aplicamos a
este ndice as taxas de crescimento e decrescimento da economia sovitica no perodo
em questo. J o segundo se deu atravs da anlise de relatos de pesquisadores.
Por fim, o cumprimento do terceiro, e ltimo, objetivo especfico se deu tambm
em duas partes, as quais constituem o terceiro e quarto ponto do captulo 5 do presente
trabalho.
A primeira etapa foi realizada atravs da utilizao de relatos fornecidos por
pesquisadores e de dados de fontes oficiais e de institutos de pesquisa ocidentais.
importante mencionar que as fontes ocidentais no serviram apenas para como
contraponto das fontes oficiais, mas tambm para cobrir lacunas deixadas pelas fontes
oficiais.
Para a construo da ltima coluna da tabela 24 apenas subtramos as
importaes do valor das exportaes, o que nos deu o saldo de cada categoria e o
saldo total.
Para a elaborao da tabela 25, utilizamos uma tabela fornecida por Segrillo
que estabelecia ndices do crescimento da produtividade na URSS. A partir destes
ndices, determinamos o crescimento o indicador no perodo e, aps isto,
24
transformamos o crescimento do perodo em taxas anuais mdias de crescimento
atravs da equao 1.
J a tabela 26 o resultado de uma compilao de dados fornecidos pelas
Naes Unidas no seu relatrio anual, o World Economic Survey. Isto foi possvel,
pois a entidade apontou a mesma fonte para todos os dados de produtividade nos
relatrios utilizados por ns.
Uma vez adentrado o assunto dos indicadores de produtividade, cabe a ns
fazer um comentrio pertinente. Nos World Economic Surveys que utilizamos
apontado que os dados de produtividade foram calculados a partir dos relatrios dos
planos econmicos da URSS e que estes consistem na diviso do PML pelo nmero de
trabalhadores da esfera de produo material. Nas publicaes feitas pela
Administrao Central de Estatsticas da URSS, a TSsU, segundo Segrillo, a mesma
metodologia utilizada. Contudo, para perodos idnticos, h valores diferentes. Isto
implica dizer, portanto, que h certos ajustes distintos quando da elaborao dos
indicadores por cada um dos rgos. Apesar das diferenas quantitativas, contudo, eles
apontam para uma mesma tendncia.
Voltando s consideraes sobre o tratamento dos dados, necessrio frisar
que, ao apresentarmos a tabela 28, retiramos alguns dos indicadores apresentados por
Aganbeguian. Isto se deu devido ao fato deste pesquisador no apresentar de forma
satisfatria o mtodo de clculo dos referidos indicadores, o que tornaria imprecisa a
utilizao destes dados por ns.
As linhas que foram elaboradas por ns na tabela 29, por sua vez, constituem
apenas as taxas de crescimento dos dados apresentados.
Para a elaborao da tabela 30, primeiramente criamos razes entre a variao
da renda nacional e a variao do investimento em capital fixo e entre a variao da
renda nacional e a variao do investimento produtivo. Aps isto, apresentamos a
variao destas razes.
O cumprimento da segunda etapa foi, por fim, feito atravs de relatos sobre a
estrutura produtiva sovitica, o funcionamento dos seus planos econmicos e seus
mtodos de produo, constituindo, portanto, uma anlise puramente qualitativa.
25
Ademais, acrescentamos uma seo ao ltimo captulo a fim de complementar
o cumprimento do objetivo geral. Esta seo teve por base apenas indicadores de
fontes oficiais.
26
3 FUNDAMENTAO TERICA:
3.1 A DINMICA DOS MODOS DE PRODUO:
O presente estudo ter por base terica geral, conforme apontado
anteriormente, a Economia Poltica Marxista. Escolhemos esta corrente da economia
por base terica primeiramente por um motivo bvio: as demais correntes da economia
consideram o Modo de Produo Capitalista um regime eterno que brota do
individualismo dos seres humanos, que, por alguma razo, inato a estes. Cientes de
que uma breve verificao da histria da humanidade lana por terra tal pensamento,
fez-se a referida escolha de instrumental terico.
Alm disso, observao da realidade demonstra que todos os fenmenos esto
em um eterno processo de movimento, de transformao. Assim sendo, somente
atravs da utilizao de uma ferramenta de anlise capaz de abarcar toda a
complexidade da realidade e sua transformao contnua capaz de gerar resultados
satisfatrios. Diante do fato de que somente a Economia Poltica Marxista, atravs da
anlise dialtica, possui esta capacidade, reafirma-se a assertividade em utiliz-la por
base terica.
O aspecto particular da Economia Poltica Marxista que nos dar maior suporte
ser a Teoria dos Modos de Produo. Em virtude disto, devemos empreender aqui
uma exposio no s do referido aspecto da teoria marxista, como tambm de outros
que sejam necessrios ao entendimento do mesmo. Para tanto, alm de nos apoiarmos
nos escritos de Marx e Engels, nos basearemos na interpretao terica do
Materialismo Dialtico de M. M. Rosental e G. M. Straks desenvolvida no seu livro
Categorias Del Materialismo Dialectico.
Em A Ideologia Alem, possvel encontrar uma fundamentao das
concluses tericas de Marx e Engels acerca da dinmica dos modos de produo, da
evoluo progressiva da sociedade:
27
O primeiro pressuposto de toda vida humana , naturalmente, a existncia de seres humanos vivos. A primeira situao a constatar a constituio corporal destes indivduos e, sua conexo com a natureza em geral. [...] Eles prprios [os seres humanos
5] comeam a se distinguir dos animais logo
que comeam a produzir seus meios de existncia [...] Ao produzirem seus meios de existncia, os homens produzem, indiretamente, sua prpria vida material. A forma pela qual os homens produzem seus meios de vida depende sobretudo da natureza dos meios de vida j encontrados e que eles precisam reproduzir. No se deve, porm, considerar tal modo de produo de um nico ponto de vista, ou seja, a reproduo da existncia fsica dos indivduos. Trata-se muito mais de uma forma determinada de atividade dos indivduos, de uma forma determinada de manifestar sua vida, um modo de vida determinado. Da maneira como os indivduos manifestam sua vida, assim so eles. O que eles so coincide, portanto como o que produzem, como com o modo como produzem. O que os indivduos so, portanto, depende das condies materiais da sua produo (MARX, ENGELS, 2004, p. 44).
6
O ponto de partida da teoria de Marx bem lgico: se no existem seres
humanos vivos, no podem existir vida humana (ou qualquer outra coisa originada por
ela); a existncia destes pressupe, por sua vez, a produo da sua vida material
atravs dos meios de vida pr-existentes; portanto, os meios de vida pr-existentes so
o ponto de partida da histria da humanidade e, por esta razo, condicionam todo o
resto.
com base nisto que Marx constri toda sua teoria acerca da evoluo da
sociedade: a Teoria dos Modos de Produo. Esta resumida por ele no prefcio da
Contribuio para a Crtica da Economia Poltica da seguinte forma:
A concluso geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio condutor dos meus estudos, pode formular-se resumidamente assim: na produo social da sua existncia, os homens estabelecem relaes determinadas, necessrias, independentes da sua vontade, relaes de produo que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das foras produtivas materiais. O conjunto destas relaes de produo constitui a estrutura econmica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurdica e poltica e a qual correspondem determinadas formas de conscincia social. O modo de produo da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, poltica e intelectual em geral. No a conscincia dos homens que determina o seu ser: o seu ser social que, inversamente, determina a sua conscincia. Em certo estdio de desenvolvimento, as foras produtivas materiais da sociedade entram em contradio com as relaes de produo existentes ou, o que a sua expresso jurdica, com as relaes de propriedade no seio das quais se tinham movido at ento. De formas de desenvolvimento das foras produtivas, estas
5 Acrescentado por ns;
6 Destaques j contidos na edio consultada;
28
relaes transformam-se no seu entrave. Surge ento uma poca de revoluo social. A transformao da base econmica altera, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura. [...] Uma organizao social nunca desaparece antes que se desenvolvam todas as foras produtivas que ela capaz de conter; nunca relaes de produo novas e superiores se lhes substituem antes que as condies materiais de existncia destas relaes se produzam no prprio seio da velha sociedade (MARX, 1973, pp. 28 e 29).
No trecho por ns reproduzido, Marx expe a sua teoria sobre a evoluo da
sociedade de forma bastante precisa. No julgamos necessrio incorrer na mesma
tarefa da qual se incumbiu o autor. Contudo, nos sentimos na obrigao de chamar a
ateno para o fato de que, em um trecho bastante curto, Marx utiliza-se de uma carga
bastante pesada de conceitos. O desconhecimento acerca do significado de cada um
deles, por sua vez, faz a riqueza de tal passagem desmanchar-se no ar. Diante disto,
torna-se necessrio elucidar o leitor a respeito do contedo filosfico que est por trs
das afirmaes feitas pelo autor e do que significam alguns conceitos utilizados por ele.
Em primeiro lugar, o processo de produo consiste no ato de transformar um
determinado objeto em um valor de uso para o ser humano. Aos objetos a serem
transformados, d-se o nome de Objetos de Trabalho. Para transform-los, os seres
humanos utilizam-se sempre de uma gama de instrumentos; a estes se d o nome de
Meios de Trabalho. Assim, os Meios de Produo da sociedade so o conjunto formado
pelos Objetos de Trabalho e pelos Meios de Trabalho.
A produo, contudo, no se realiza apenas atravs dos seus elementos
objetivos. O ato de produzir tem como pr-requisito a juno entre os meios de
produo e a fora de trabalho que os pe em movimento. juno dos elementos
objetivos e subjetivos do processo produtivo d-se o nome de Foras Produtivas
Sociais.
Como bem apontou Marx, o processo de produo da existncia caracteriza-se
por uma gama de relaes determinadas, que so as Relaes de Produo. Visto que
se deve considerar os Modos de Produo tanto do ponto de vista da reproduo da
existncia fsica, como da forma como esta reproduo levada a cabo, podemos
concluir que:
Marx definiu o modo de produo, no maior nvel de abstrao, como uma combinao entre um determinado nvel de desenvolvimento das foras
29
produtivas e a correspondente forma material das relaes de produo, cristalizadas nas leis (GERMER, 2009, p. 13).
7 8
O que agora foi dito pode ser sintetizado no seguinte esquema:
FIGURA 1 PARTES COMPONENTES DE UM MODO DE PRODUO:
Fonte: Notas de aula de Nelson Rosas Ribeiro.
As Relaes de Produo de um determinado Modo de Produo, por sua vez,
correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das Foras Produtivas
precisamente porque as primeiras so uma forma de manifestao das ltimas, que so
seu contedo.
preciso que estejamos atentos para as implicaes de assumirmos a
existncia de uma relao forma-contedo entre as Relaes de Produo e as Foras
Produtivas Sociais. Por esta razo, vamos definir e caracterizar tais conceitos.
De acordo com Rosental e Straks:
En el mundo objetivo, el contenido es el aspecto interno de los objetos. Este aspecto representa un conjunto de elementos y procesos que constituyen el fundamento de la existencia y del desarrollo de las cosas. La forma es la organizacin, la estructuracin del contenido. En los fenmenos, que pertenecen a la esfera del conocimiento, la forma es la expresin del contenido (ROSENTAL, STRAKS, 1958, p. 197).
7 Trataremos deste ponto mais adiante;
8 O destaque foi introduzido por ns;
30
Depois da apresentao da definio de tais conceitos, fica mais fcil entender
o porqu de que El modo de produccin social presenta dos aspectos las fuerzas
productivas y las relaciones de produccin , que actan como contenido e forma,
vinculados entre s. (ROSENTAL e STRAKS, 1958, p. 198). Isto porque, de fato, o
fundamento da existncia e do desenvolvimento das Relaes de Produo so as
Foras Produtivas Sociais, uma vez que, medida que estas se desenvolvem,
transformam e desenvolvem progressivamente as formas sob as quais se manifestam
(as Relaes de Produo), ao mesmo tempo que as Relaes de Produo so a
forma de organizao do seu contedo, as Fora Produtivas.
Aps definirmos os conceitos forma e contedo, necessrio ainda caracterizar
a relao existente entre eles. Primeiramente, preciso ter em mente que:
[] el papel fundamental y determinante en la correlacin entre el contenido y la forma corresponde al contenido. Primero, cambia el contenido y despus y, en consonancia con este cambio, se modifica y reestructura la forma El contenido opera como el principio rector por ser el fundamento mismo de las cosas (ROSENTAL, STRAKS, 1958, p. 200).
Assim, o nvel de desenvolvimento do contedo que determinar a forma que
este ir assumir, ou, dito de outra maneira, a forma sempre corresponder a um
determinado grau de desenvolvimento do seu contedo, pois El contenido desempea
el papel determinante en los cambios que se operan en la forma. (ROSENTAL e
STRAKS, 1958, p. 200). Contudo, El contenido de los objetos y fenmenos se halla en
continuo desarrollo. La forma, a su vez, se desarrolla tambin, pero ms lentamente
que el contenido, es decir, posee una mayor estabilidad que ste. (ROSENTAL e
STRAKS, 1958, p. 197). Portanto, isto faz com que, na maioria dos casos, a forma
corresponda apenas parcialmente ao contedo, uma vez que o desenvolvimento
daquela est sempre em atraso em relao ao desenvolvimento deste.
importante mencionar ainda que a forma tem por funo manter o contedo
em desenvolvimento, sendo isto o fundamento da sua existncia. Quanto mais ela
corresponde ao contedo, maiores sero as possibilidades do desenvolvimento deste,
ao passo que, na medida em que diminui esta correspondncia, a forma passa a
31
converter-se em um freio deste desenvolvimento e, uma vez que deixou de cumprir sua
funo, substituda por outra, conforme afirmam Rosental e Straks:
La necesidad de que se correspondan el contenido y la forma viene impuesta objetivamente por las necesidades del desarrollo del contenido. Toda forma concreta existe solamente en la medida en que corresponde total o parcialmente al contenido, en la medida en que abre ancho cauce a su desarrollo y contribuye al desarrollo del contenido, o, al menos, brinda una posibilidad de desarrollo por limitada que sea. Cuanto menos corresponde la forma al contenido, tanto ms se acerca aqulla a su muerte. Cuando surge un hondo divorcio entre la forma y el contenido, la vieja forma acaba por desaparecer, para dejar paso a otra nueva, que corresponde al contenido en desarrollo y garantiza su progreso ulterior y su existencia futura (ROSENTAL, STRAKS, 1958, p. 224).
Apesar de constituir o fundamento das coisas e desempenhar o papel
determinante na relao, o contedo, no entanto, no pode determinar sua prpria
funo. A funo do contedo determinada pela forma e o cumprimento desta funo
contribui para o desenvolvimento do contedo. Para melhor entender o que significa
isto, vejamos o caso do capital, por exemplo.
O capital um contedo que pode manifestar-se atravs das formas dinheiro
(D), mercadoria (M) e produtiva (P). a etapa do desenvolvimento do capital que
determinar qual das formas ele dever assumir, mas, uma vez assumida uma
determinada forma, ela quem determinar a funo do contedo. Sob a forma
dinheiro, o capital s pode comprar9, sob a forma mercadoria, s poder vender10 e,
sob a forma produtiva, s poder produzir11. Cada uma destas funes mantm o
capital em desenvolvimento, pois todas elas fazem parte do processo de valorizao
deste, conforme explica Marx:
9 Enquanto capital monetrio, encontra-se num estado em que pode cumprir funes monetrias, as
funes como o presente caso de meio geral de compra e meio geral de pagamento [...] Essa capacidade no surge do fato de o capital monetrio ser capital, mas do fato de ser dinheiro. [...] o valor-capital, em estado monetrio, s pode cumprir funes de dinheiro e nenhuma outra. O que faz destas ltimas funes de capital seu papel determinado no movimento do capital e, da, tambm a conexo do estgio em que aparecem com os outros estgios de seu ciclo. (MARX, 1985, Vol. III, p. 27); 10
Em forma-mercadoria, o capital tem de executar funo de mercadoria. Os artigos de que constitudo, produzidos desde sua origem para o mercado, tem de ser vendidos, transformados em dinheiro, tem de, portanto, percorrer o movimento M D. (MARX, Vol. III, 1985, p. 34); 11
Mas o resultado imediato de D M (Ft + Mp) a interrupo da circulao do valor-capital adiantado sob a forma-dinheiro. Por meio da transformao do capital monetrio em capital produtivo, o valor capital recebeu uma forma natural, na qual no pode continuar circulando, mas tem de ingressar no consumo, isto , no consumo produtivo. (MARX, Vol. III, 1985, p. 31);
32
Est na natureza das coisas que o prprio ciclo requeira a fixao do capital, durante determinados prazos, nas partes individuais do ciclo. Em cada uma de suas fases, o capital industrial est ligado a determinada forma, como capital monetrio, como capital produtivo, como capital-mercadoria. S depois de ter cumprido a funo que, em cada caso, corresponde a cada uma de suas formas, recebe a forma com a qual pode ingressar em nova fase de transformao (MARX, 1985, Vol. III, p. 41).
12
Utilizamos um exemplo mais simples primeiramente para podermos depois,
sem maiores dificuldades, entender a relao forma-contedo existente entre as Foras
Produtivas Sociais e as Relaes de Produo. As primeiras j se manifestaram atravs
de vrias formas durante o seu processo de desenvolvimento, sendo estas formas
determinadas por cada uma das etapas deste processo. Cada conjunto especfico de
relaes de produo, entretanto, era quem determinava que funo teria o contedo:
satisfazer as necessidades da sociedade, produzir lucro, etc. Atravs da funo
determinada pela forma, o processo de desenvolvimento das foras produtivas se
mantinha em progresso. Quanto este no mais cabia dentro de determinada forma,
esta era substituda por outra.
A sociedade, contudo, no composta apenas pelos elementos objetivos e
subjetivos do processo produtivo e pelas relaes que os pe em funcionamento. Estas
relaes de produo precisam ser retificadas por leis e regras elaboradas por
estruturas polticas e ideolgicas que trabalhem no sentido de perpetu-las. A relao
de dominao existente na esfera das relaes econmicas , portanto, reproduzida na
esfera poltica, jurdica e intelectual pela seguinte razo:
As idias [Gedanken] da classe dominante so, em todas as pocas, as idias dominantes; ou seja, a classe que a fora material dominante da sociedade , ao mesmo tempo sua fora espiritual dominante. A classe que dispe dos meios de produo material dispe tambm dos meios de produo espiritual, que faz com que sejam a ela submetidas, ao mesmo tempo, as idias daqueles que no possuem os meios de produo espiritual. As idias dominantes so, pois, nada mais que a expresso ideal das relaes materiais dominantes, so estas as relaes materiais dominantes compreendidas sob a forma de idias; so, portanto, a manifestao das relaes que transformam uma classe em classe dominante; so desta forma, as idias de sua dominao (MARX, ENGELS, 2004, p. 78).
13
12
Para mais informaes, ver RIBEIRO, N. R. O Capital em Movimento: ciclos, rotao e reproduo. Joo Pessoa: UFPB/Editora Universitria, 2010, captulos 2, 3 e 4; 13
Negrito acrescido por ns;
33
Esta superestrutura poltica, jurdica e ideolgica, por sua vez, deve
corresponder base econmica da sociedade, que nada mais do que suas relaes
de produo. A esse respeito, afirmam Marx e Engels:
Uma vez, porem, que se erige em poder independente, face sociedade, o Estado cria rapidamente uma nova ideologia. Nos polticos profissionais, nos tericos do direito pblico e nos juristas que cultivam o direito privado, a conscincia da relao com os fatos econmicos desaparece por completo. Como em cada caso concreto, os fatos econmicos tm de revestir a forma de motivos jurdicos para serem sancionados em forma de lei e, como para isso, necessrio ter tambm em conta, como lgico, todo o sistema jurdico vigente, pretende-se que a forma jurdica seja tudo e o contedo econmico, nada (MARX, ENGELS, 2004, pp. 133 e 134).
14
Aqui identificamos uma nova relao forma-contedo: a superestrutura a
forma de expresso, ou forma de manifestao, da base econmica, que seu
contedo. Esta relao era, inclusive, motivo de polmica entre os filsofos idealistas e
materialistas15. Enquanto os primeiros atribuam esfera poltica o papel determinante,
os ltimos, ao contrrio atribuam a sociedade civil (a esfera das relaes econmicas)
este papel. Neste sentido, afirmam Marx e Engels:
Portanto, aqui pelo menos, o Estado, o regime poltico a16
elemento subordinado, e a sociedade civil, o reino das relaes econmicas, o elemento dominante. A idia tradicional, que Hegel tambm consagrou, via no Estado o elemento determinante e na sociedade civil, o elemento condicionado por ele. E as aparncias levam a pensar assim [...] todas as necessidades da sociedade civil qualquer que seja a classe que a governe em um dado momento tm de passar pela vontade do Estado, para adquirirem vigncia real, sob a forma de leis. Esse , porm, o aspecto formal do problema, evidente por si mesmo; o que interessa conhecer o contedo desta vontade puramente formal [...] Se nos detivermos nessa indagao, veremos que na histria moderna a vontade do Estado obedece, em geral, s necessidade variveis da sociedade civil, supremacia desta ou daquela classe e, em ltima instncia, ao desenvolvimento das foras produtivas e das condies de troca (MARX, ENGELS, 2004, pp. 131 e 132).
17
Essa passagem deixa claro que as foras produtivas sociais so um contedo
que se manifesta atravs das ( organizado por) relaes de produo, que, por sua
vez, so o contedo da superestrutura, que sua forma. Este fato, no entanto, pode
14
O negrito foi acrescido por ns; 15
O final do trecho apresentado refere-se a esta polmica; 16
Erro da prpria edio; 17
Negrito acrescido por ns;
34
gerar a seguinte pergunta: como podem as relaes de produo constiturem forma e
contedo ao mesmo tempo?
Esta pergunta nos respondia por Rosental e Straks:
Al mismo tiempo, el contenido y la forma no son una pareja de contrarios inmutables e inmviles. Cada uno de estos polos opuestos, enlazados en un conjunto de relaciones mutuas con otros fenmenos, pude desempear el papel de forma o de contenido. Las relaciones de produccin, por ejemplo, son la forma de las fuerzas productivas. Pero, si consideramos las relaciones de produccin en otra conexin mutua, a saber, como base, en su interdependencia con la superestructura, la base actuar entonces como contenido, como objeto que se refleja en la conciencia social, y la superestructura desempear, aqu, la funcin de forma (ROSENTAL, STRAKS, 1958, p. 199).
Ver a sociedade por este ngulo, ou seja, definir a relao forma-contedo
existente entre base e superestrutura, origina um novo conceito: a Formao
Econmico-Social.
Em resumo, portanto, a um determinado grau de desenvolvimento das Foras
Produtivas corresponde um tipo especfico de Relaes de Produo, que so sua
forma de expresso e tm por objetivo dar prosseguimento ao seu desenvolvimento.
Para a perpetuao destas relaes de produo, criam-se determinadas leis e
estruturas polticas e ideolgicas que, em conjunto, constituem a forma de manifestao
destas relaes. O desenvolvimento das Foras Produtivas impe a transformao das
relaes de produo que, a partir de um determinado grau de mudana, impem
tambm a transformao da superestrutura que a elas corresponde. Isto, entretanto,
no implica que no exista nenhuma influncia que parta da superestrutura para a base
ou das relaes de produo para as foras produtivas. Apenas implica dizer que o
contrrio predominante quase na totalidade dos casos.
O que expusemos agora, portanto, pode ser melhor entendido atravs do
seguinte esquema:
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FIGURA 2 A DINMICA DOS MODOS DE PRODUO:
Fonte: Notas de aula de Nelson Rosas Ribeiro.
Ao longo da sua histria, portanto, a evoluo das formas nas quais se
organizava a humanidade ocorreu de acordo com esta lgica por ns exposta. Contudo,
o que analisaremos aqui no presente trabalho uma experincia de passagem do
capitalismo ao Comunismo atravs do Regime Socialista. Assim, preciso caracterizar
bem tal processo, alm de chamar a ateno para as diferenas qualitativas existentes
entre a sucesso dos Modos de Produo ao longo da histria at o Modo de Produo
Capitalista e a passagem deste para o Comunismo.
Primeiramente precisamos entender o Regime Socialista como um regime de
transio entre o Capitalismo e o Comunismo. Ao longo da histria, se estudarmos os
processos de transio de um Modo de Produo para outro, poderemos identificar
certos perodos de transio onde coexistiam o velho e o novo, ou seja, existiam tanto
relaes de produo, instituies e classes caractersticas do velho Modo de
Produo, como as novas, caractersticas do novo Modo de Produo. A diferena
entre eles e o Regime Socialista seria apenas que ele um regime transitrio bem mais
ntido que os demais. No entanto, tambm marcado pela coexistncia entre o velho e
o novo. Existem nele tanto relaes de produo caractersticas do Modo de Produo
Capitalista, como relaes de produo caractersticas do Modo de Produo
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Comunista. Desta forma, a nlise dialtica deste caso nos leva a classificar as Relaes
de Produo Socialistas, por sua vez, como uma Forma de Transio. Assim podemos
defini-las:
[...] Las formas de transicin [] se caracterizan por la combinacin de elementos de formas cualitativamente distintas en un todo nico, lo que responde al carcter especfico del contenido en cada caso concreto (ROSENTAL, STRAKS, 1958, p. 212).
Quando se fala que estas formas de transio correspondem ao carter
especfico do contedo em cada caso concreto, significa dizer que no s a forma
uma forma de transio, como tambm o contedo, ou seja, as Foras Produtivas
Sociais tambm esto em um perodo de transio.
[...] no momento da revoluo poltica18
[...] as foras produtivas encontram-se em transio: no so mais as foras produtivas puras do modo de produo que est chegando ao fim, pois j so parcialmente foras produtivas do novo modo de produo. Por outro lado, estas novas foras produtivas no podem encontrar-se j na forma definitiva correspondente s novas relaes materiais de produo, uma vez que a vigncia, at este momento, da forma jurdica antiga da propriedade constituiu um obstculo ao seu desenvolvimento (GERMER, 2009, p. 16).
Sabendo, portanto, que as Relaes de Produo do Regime Socialista
constituem uma Forma de Transio, justamente porque representa um contedo em
transio, necessrio sublinhar uma caracterstica bastante importante dos
fenmenos que se enquadram neste conceito:
Conviene subrayar que las formas de transicin no solamente son complejas, sino que son adems muy contradictorias de por s, reflejando de este modo las contradicciones existentes en el contenido. Por ello, las formas de transicin tienen menor estabilidad histrica que las que no poseen este ese carcter. Y esto se expresa incluso en su propia denominacin (ROSENTAL, STRAKS, 1958, p. 212).
18
Na transio de um Modo de Produo a outro, o perodo que vai do surgimento da contradio entre as Foras Produtivas e as Relaes de Produo at a consolidao do novo regime chamado Perodo de Revoluo Social e o momento do auge revolucionrio no qual ocorre a alterao do poder do Estado e ocorre a mudana na forma jurdica de propriedade chamado Revoluo Poltica (GERMER, 2009, p. 14);
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Isto implica dizer, portanto, que, mesmo que j esteja instalado o poder
socialista revolucionrio, ainda existe a possibilidade de retorno ao Capitalismo.
Uma vez caracterizado o Regime Socialista, precisamos agora nos deter nas
diferenas qualitativas que existem entre a passagem do Modo de Produo Capitalista
ao Comunista e as demais transies. Marx j afirmava que As relaes de produo
burguesas so a ltima forma contraditria do processo de produo social [...] Com
esta organizao social termina, assim, a pr-histria da sociedade humana (MARX,
1973, p. 29). Mas, o que isto significa?
Marx e Engels, em A Ideologia Alem, explicam que:
A relao coletiva na qual entraram os indivduos de uma classe relao esta condicionada por seus interesses comuns diante de um terceiro, consiste sempre em uma coletividade que conglomerava tais indivduos somente como indivduos mdios, [...] isto , uma relao na qual participavam no como indivduos, mas como membro de uma classe. Por outro lado, com a coletividade dos proletrios revolucionrios, que tomam o controle das suas condies da sua existncia e as dos demais membros da sociedade, ocorre justamente o contrrio: nela os indivduos participam enquanto indivduos. E essa unio de indivduos [...] que pe sob seu domnio as condies de livre desenvolvimento e de movimento dos indivduos, condies que at aqui estavam sob o acaso e tinham tomado uma existncia independente relativamente aos diferentes indivduos [...] Tais condies de existncia so simplesmente os meios de produo e os meios de intercmbio existentes em cada perodo (MARX, ENGELS, 2004, p. 113).
Junte-se a isto o fato de que [...] se o ser humano puder identificar com
preciso as leis de desenvolvimento da sociedade, poder promover o seu
desenvolvimento deliberadamente (GERMER, 2009, p. 5). Disto tudo, deduz-se que,
no Regime Socialista, com os indivduos como um todo tendo sob o seu controle os
Meios e Relaes de Produo atravs de um novo modo de produzir (a economia
planificada) e com o fato de estes mesmo indivduos tomarem conhecimento das leis de
desenvolvimento da sociedade, este desenvolvimento, que at agora se dava por
acaso, dar-se- de forma intencional.
O papel das Foras Produtivas, das Relaes de Produo e da
Superestrutura, assim como a posio de determinante e determinado de cada um
deles, se mantm inalterado, contudo, o fato de que o desenvolvimento se d de forma
intencional, faz surgir um diferencial no Regime Socialista (que ser mantido no Modo
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de Produo Comunista) em comparao com o que ocorria nos Modos de Produo
anteriores.
Sabe-se, em funo da Lei de Correspondncia das Relaes de Produo
com o Carter das Foras Produtivas, que as primeiras correspondem sempre (pelo
menos em alguma medida) s ltimas. Contudo, ao passo que surge uma contradio
entre as Foras Produtivas e qualquer aspecto das Relaes de Produo, em alguma
medida o desenvolvimento das primeiras est sendo freado, dificultado. No Regime
Socialista, no entanto, com os seres humanos tendo tomado o controle deste
desenvolvimento, as Relaes de Produo podem ser alteradas assim que se
identifique qualquer discordncia entre forma e contedo.
A passagem do Capitalismo ao Regime Socialista, portanto, significa para a
humanidade, tomar conhecimento das leis de evoluo da sociedade e utiliz-las para a
acelerao deste processo; a passagem, da pr-histria, para a verdadeira histria da
humanidade.
Expusemos aqui o que seria a teoria dos Modos de Produo concebida por
Marx19. No entanto, expor a teoria no o bastante. Aps percorrer o caminho que vai
do concreto ao abstrato, preciso dar meia-volta e partir do abstrato para o concreto.
Devemos, pois, apontar quais as implicaes de analisar o caso concreto da Unio
Sovitica a luz de tal teoria.
Como j mencionado anteriormente, a revoluo socialista eclodiu em um pas
de foras produtivas debilmente desenvolvidas, a Rssia. Caso esta revoluo se
espalhasse pelos demais pases do mundo, incluindo os pases desenvolvidos, nenhum
problema se apresentaria, a princpio. No entanto, como ser demonstrado mais
adiante no presente trabalho, isto no ocorreu. O problema que se apresentou, por sua
vez, deriva-se da seguinte lgica.
As relaes de produo capitalistas, assim como outras relaes de produo
ao longo da histria o fizeram, servem de forma para as foras produtivas sociais para
assim possibilitarem seu desenvolvimento. Este desenvolvimento, no entanto, assim
como tambm ocorreu no passado com outras relaes de produo, chegar a um
nvel tal que no mais caber dentro da forma de manifestao utilizada e ter de
19
Ou pelo menos a interpretao que temos desta;
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substitu-la por uma nova, neste caso, relaes de produo socialistas. Neste ponto do
seu desenvolvimento, as foras produtivas j constituiro, em parte, foras produtivas
caractersticas do Regime Socialista. Na Rssia, no entanto, a revoluo eclodiu, como
dito anteriormente, como conseqncia de uma espcie de exportao das
contradies dos pases capitalistas desenvolvidos e no devido ao desenvolvimento
do capitalismo russo. As relaes de produo socialistas, portanto, no poderiam
servir de forma para as foras produtivas russas em virtude do seu fraco
desenvolvimento. Segundo Rosental e Straks:
Si la nueva forma sirve a un viejo contenido, tendremos como resultado un agudo conflicto, que estallar, de sbito, entre el contenido y la forma, conflicto que culminar en la destruccin de la segunda, ya que se pondr al descubierto un profundo divorcio entre la forma y el contenido (ROSENTAL, STRAKS, 1958, p. 208).
Sendo assim, explica Germer (2009, p. 20), seria necessrio elevar as FP da
Rssia ao nvel mais avanado atingido no capitalismo, para que, a partir da, se
desenvolvessem as novas FP socialistas e as correspondentes relaes materiais de
produo.
Alm disso, para a manuteno de um desenvolvimento sempre vigoroso das
Foras Produtivas, faz-se necessrio que o poder revolucionrio esteja sempre atento
ao surgimento de qualquer contradio entre estas e qualquer aspecto das Relaes de
Produo e, quando deste surgimento, operar imediatamente as modificaes
necessrias nestas relaes de produo, ao passo de deixar livre o caminho para o
desenvolvimento das Foras Produtivas, pois, caso contrrio, mesmo que em pequena
medida, este aspecto especfico das Relaes de Produo constituiria um freio a este
desenvolvimento.
Outro aspecto particular da revoluo sovitica diz respeito classe promotora
da revoluo. Segundo Marx,
[...] nas revolues do passado, a forma da atividade se mantinha invarivel, e buscava-se somente obter uma outra forma de distribuio desta atividade, uma nova diviso do trabalho entre outras pessoas, ao passo que a revoluo comunista conduzida em oposio ao modo anterior de atividade, pois suprime o trabalho e a dominao das classes ao suprimir as prprias classes, uma vez que uma revoluo feita pela classe que j no mais tida como
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classe na sociedade, no mais considerada como tal, e que j em si mesma a expresso da extino de todas as classes (MARX, ENGELS, 2004, p. 106).
Esta classe a qual Marx se refere o proletariado revolucionrio. No entanto,
em virtude do fraco desenvolvimento da sociedade russa, conforme demonstraremos no
desenvolvimento do presente trabalho, a proletariado era pouco expressivo no pas. A
maioria dos agentes econmicos que no faziam parte da classe dominante no perodo
capitalista era composta por camponeses pobres. Diante disto, a revoluo russa
acabou sendo o resultado da unio de foras entre o proletariado e o campesinato
russo, da aliana operrio-camponesa. Esta aliana constitua a base da revoluo e
deveria ser sustentada a qualquer custo. Portanto, qualquer que fosse a poltica
econmica do regime sovitico, ela deveria sempre ter isto em mente.
, portanto, com base em todo o instrumental terico apresentado aqui que
desenvolveremos o presente estudo.
3.2 OS CONCEITOS EXTENSIVO E INTENSIVO:
Referimo-nos aqui a dois conceitos com os quais o leitor pode no estar
familiarizado: crescimento com base em fatores extensivos e crescimento com base
em fatores intensivos. Vamos, portanto, caracteriz-los neste ponto.
A maioria dos autores consultados por ns que utilizam estes termos no faz
uma caracterizao precisa dos mesmos. Quando aborda o tema, Aganbeguian (1988),
por exemplo, ou at mesmo outros autores como Paulino (2008) ou Fernandes (1992),
supem ser suficiente fazer algumas referncias explicativas durante o texto. O nico
autor a apresentar uma caracterizao precisa e direta de tais conceitos Segrillo
(2000b). Faremos aqui a nossa caracterizao atravs de um misto das caracterizaes
feitas pelos autores, mas teremos por base Aganbeguian (1988), visto que este autor
uma referncia neste aspecto.
O crescimento com base em fatores extensivos o aumento do produto fruto de
um aumento da quantidade de meios de produo e fora de trabalho utilizados na
produo em uma proporo igual ao aumento da produo ou maior. Em termos
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concretos, a criao de uma nova unidade produtiva utilizando uma tecnologia j
existente e, portanto, j dominada pela nao. Esta nova unidade produtiva no s no
substitui outras j existentes, como tambm no mais produtiva do que elas. Assim,
produz a mesma quantidade de produtos que as demais com a mesma quantidade de
trabalhadores, matrias-primas, edificaes, mquinas e equipamentos. So exemplos
de crescimento extensivo: o aumento da rea cultivada, a construo de uma fbrica
com a mesma composio tcnica20 do ramo, explorao de novas jazidas e etc.
Note que, embora este tipo de crescimento no aumente a produtividade do
ramo produtivo em questo (exceto talvez no caso de descobrir-se uma jazida mais
produtiva que as j existentes), o mesmo no pode ser dito em relao produtividade
da economia como um todo. A criao de novas unidades produtivas em um ramo de
produo de alta produtividade, se comparado aos demais ramos da economia, gera,
portanto um aumento de produtividade na economia como um todo, uma vez que
aumenta o peso deste tipo de ramo na produo total. Assim, o crescimento da
produtividade do trabalho da economia no implica necessariamente que o crescimento
no est se dando de forma extensiva.
J um crescimento baseado em fatores intensivos representa um aumento do
produto conseguindo-se, ao mesmo tempo, uma economia dos recursos (sejam
matrias-primas, mquinas, ferramentas, etc.) e/ou fora de trabalho utilizados na
produo. Isto pode ser conseguido atravs do aumento da eficincia produtiva, da
introduo de novas tcnicas ou novas tecnologias. A melhoria da qualidade dos
produtos, entretanto, tambm classificada por Aganbeguian como um fator intensivo.
Nossa interpretao que isto provavelmente se deva ao fato de que, de um ponto de
vista social, isto poderia representar uma melhor utilizao dos recursos, j que produz
um produto melhor para a populao. So, portanto, exemplos deste tipo de
crescimento a substituio da maquinaria da fbrica por outra mais produtiva, um
melhoramento da tcnica que torne possvel produzir um produto com a mesma
qualidade, mas com uma quantidade menor de matrias-primas (ou seja, diminuindo o
desperdcio no mbito da produo), o melhoramento dos solos, criao de uma nova
fbrica que produza um produto de qualidade mais elevada atravs do aprimoramento
20
Relao entre a quantidade de meios de produo e trabalhadores (Marx, 1985, p. 178);
42
da tcnica ou dos equipamentos, aumentar a quantidade de transportes de carga com
um aumento menos que proporcional da quantidade de combustvel utilizada e etc.
preciso sublinhar aqui que, de acordo com esta terminologia, muito raramente
poder ser constatado um caso concreto de um crescimento com base em fatores
intensivos puro. Em geral, ele vir sempre acompanhado de uma certa medida de
crescimento com base em fatores intensivos. Ou seja, um aumento de 10% no produto
em conjunto com um aumento de 5% na utilizao de recursos e fora de trabalho, por
exemplo. No entanto, casos de crescimento baseado puramente em fatores intensivos
no deixam de existir: uma melhoria na organizao da planta da fbrica que aumente
a produtividade um exemplo disto.
tambm interessante notar que, embora a maioria dos fatores intensivos
esteja necessariamente ligada a aumentos de produtividade, um deles, a melhoria da
qualidade, no est. Assim, ao aliar isto ao que dissemos anteriormente acerca da
relao entre o crescimento extensivo e a produtividade do trabalho, no to simples
atestar que tipo de crescimento est se dando na economia atravs da evoluo da
produtividade do trabalho.
Como dissemos anteriormente, em Aganbeguian (1988) no h uma
caracterizao direta e precisa destes conceitos. O que expusemos aqui est baseado
em passagens como as seguintes:
Se nos ltimos quinze anos o nosso desenvolvimento foi custa dos fatores extensivos, comprometendo na produo, e cada vez mais, novos recursos, agora convir conduzir a economia nacional na via de um desenvolvimento intensivo, isto , com a preocupao da melhoria da eficincia e da qualidade. Alm disso, o factor principal de crescimento econmico ser o progresso cientfico e tecnolgico (AGANBEGUIAN, 1988, p. 19).
[...] ns temos de passar duma via extensiva de crescimento das produes e consumos de combustveis e de matrias-primas para a intensificao da produo ligada s economias de recursos (AGANBEGUIAN, 1988, p. 23).
Segrillo, como dissemos anteriormente, o nico autor que apresenta uma
caracterizao precisa destes dois conceitos. Esta caracterizao, a qual empresta de
Wilcynski, est bem prxima da nossa interpretao da viso de Aganbeguian. Segrillo
aponta que:
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Crescimento extensivo da economia aquele e que o aumento da produo (output) realizado atravs do acrscimo em quantidade dos insumos (inputs) dos fatores de produo (capital, trabalho, terra, matrias-primas etc.). Crescimento intensivo aquele em que, com um mesmo volume de inputs, consegue-se uma produo maior, ou seja, realizado atravs de um nvel tecnolgico mais alto, mais produtivo [...] Por exemplo, se numa situao hipottica necessitamos dobrar a produo de automveis num pas, isto pode ser conseguido dobrando-se o nmero de fbricas automobilsticas existentes (crescimento extensivo), ou aumentando tecnologicamente a capacidade e eficincia das fbricas existentes para que, com o mesmo nmero de unidades produtivas, se produza duas vezes mais veculos (crescimento intensivo) (SEGRILLO, 2000b, p. 80).
Contudo, no podemos deixar de apontar uma falha presente na definio
apresentada por Segrillo. Nela, so utilizados conceitos que esto em desacordo com
aqueles utilizados pela Economia Poltica Marxista, sendo