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Formação de Agentes De Desenvolvimento Para O Território Do Alto
Sertão Piaui-Pernambuco: Um Novo Conceito De Sustentabilidade.
AUTORES:
Lúcia Marisy Souza Ribeiro de Oliveira – Doutora em Desenvolvimento Sócio-ambiental,
Professora Adjunta I da Universidade Federal do Vale do São Francisco.
Luciana Souza de Oliveira – Doutoranda em Desenvolvimento Sócio-ambiental. Professora do
CEFET – Centro Federal de EnsinoTecnológico de Petrolina –Pe.
Andrews Rafael Bruno de Araujo Cunha – Aluno do curso de graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Vale do São Francisco
Victor Tomaz Marques – Aluno do curso de graduação em Psicologia da Universidade Federal do
Vale do São francisco.
Thais Pereira de Azevedo – Aluna do curso de graduação em Engenharia Agrícola e Ambiental da
Universidade Federal do Vale do São Francisco.
RESUMO
Este estudo teve por objetivo avaliar o impacto da atuação dos Agentes de Desenvolvimento
Sustentável (ADS) nas transformações sociais, políticas, econômicas e culturais nos municípios
Acauã, Paulistana e Jacobina no Piauí e Afrânio, Dormentes e Santa Filomena em Pernambuco,
que integram o Projeto de Desenvolvimento Territorial do Alto Sertão, implantado no ano de 2004
pelo Governo Federal com a finalidade de reduzir a fome e a pobreza da população com atividades
geradoras de trabalho e renda. A hipótese formulada para investigação foi a da formação dos
Agentes de Desenvolvimento Sustentável como ferramenta básica para promoção do
desenvolvimento das comunidades e da consolidação do território, na medida em que respondem
às inquietações dos agricultores, potencializando os seus escassos recursos e transformando
possibilidades em oportunidades de melhoria da sua qualidade de vida. O eixo teórico-
metodológico da pesquisa foi a análise das redes sociais. As categorias desenvolvimento territorial,
capacitação profissional, capital social, capital humano, parcerias intersetoriais, consórcio
interestadual, meio ambiente e desenvolvimento sustentável se constituíram em ferramentas
preferenciais de análise, para responder aos questionamentos formulados. A amostra para este
estudo foi do tipo "estratificada não proporcional”. Foram entrevistados 24 ADS e 40 agricultores
familiares. Para interpretação dos dados coletados foram utilizados os métodos quanti-qualitativos.
Pelo uso do método qualitativo foi possível analisar o discurso dos entrevistados e o entendimento
2
da sua postura global diante dos problemas que lhe foram colocados. Esses subsídios somados às
evidências quantitativas permitiram o aprofundamento da complexidade dos fenômenos, suas
contradições e seu relacionamento dinâmico com o contexto.
1- INTRODUÇÃO
O Projeto Desenvolvimento Territorial do Alto Sertão Piauí-Pernambuco, é o resultado do esforço
coletivo de transformação da realidade social dos municípios nele envolvidos e remonta ao projeto
piloto “Fome Zero” desenvolvido nos anos 2003/2004 no município de Acauã-Piaui pela EMBRAPA
Semi-Árido de Petrolina-Pernambuco, com o apoio do CIRAD – Centre de Coopération
Internationale em Recherche Agronomique pour le Développement de Montpellier – França e da
FAO – Food and Agriculture Organization of the United Nations, com o objetivo de desencadear
ações emergenciais e estruturantes capazes de elevar o IDH – Índice de Desenvolvimento
Humano daquela população, apontada pelo IBGE naquele momento como um dos piores do Brasil.
Um zoneamento agro-ecológico do município foi feito de forma participativa, possibilitando a
tipificação dos produtores e definindo as ações a serem executadas, sempre buscando o
fortalecimento do sistema de produção, do melhor aproveitamento da água de chuva, do
processamento de produtos animal e vegetal, mas principalmente capacitando os atores locais
através do CAT – Campos de Aprendizagem Tecnológica onde, pela demonstração prática, era
possível se comprovar a viabilidade das inovações propostas. O trabalho avançou e, novos
saberes foram incorporados à capacitação, como o sentimento de pertencimento ao meio rural, a
valorização da identidade cultural e o fortalecimento dos capitais social e humano, na perspectiva
de um novo olhar sobre o campo. Na visão de Jean Philippe Tonneau, o idealizador da proposta, o
campo como um lugar bom para se viver, trabalhar e ser feliz.
Para tanto, um grupo de cinqüenta e cinco jovens foi por ele e a sua equipe preparada para serem
Agentes de Desenvolvimento Sustentável das suas comunidades, atuando voluntariamente como
multiplicadores das idéias inovadoras de convivência com o semi-árido.
De tão bem sucedida, a experiência buscou novos parceiros e alargou o seu campo de atuação,
marcando presença hoje nos municípios de Afrânio, Dormentes e Santa Filomena em Pernambuco
e Paulistana e Jacobina no Piauí. Uma segunda formação de ADS capacitou sessenta e cinco
sujeitos aprendizes das várias comunidades que integram o Território do Alto Sertão, desta vez por
docentes da UNIVASF – Universidade Federal do Vale do São Francisco e pesquisadores da
EMBRAPA Semi-Árido, respeitando-se a cultura local.
A opção pela formação de agentes locais, como mecanismo de sustentabilidade, decorreu da
compreensão de que, como afirma Lacki (2002), “entre os agricultores familiares, a ineficiência do
fator de produção mais abundante que é a mão de obra, incide negativamente na produtividade
dos demais fatores que geralmente são escassos, como a terra, os animais, os insumos, as
3
máquinas”, apresentando-se a educação como a ferramenta com maior potencial para empoderar
as suas famílias, por contemplar valores como cidadania, autonomia, solidariedade, democracia e
respeito ao meio ambiente.
No dizer de Demo (1998:49):
“Quando a educação está fora do contexto imediato de vida, ela não
consegue tornar-se uma atividade auto-sustentada de interesse
comunitário, e está fortemente propensa à regressão, porque
esquecemos o que não usamos. É mister, pois, que o conteúdo
pedagógico tenha também a característica de utilidade pública. Caso
contrário, praticaríamos o pedagogismo, no sentido de dissociarmos
a educação do contexto sócio–econômico, político e social”.
Existem fortes evidências de que há uma práxis própria da educação rural, onde as relações
sócio-culturais e políticas são definidas a partir dela, o que induz à compreensão de que, valorizar
essa cultura rural constitui um paradigma importante para o enfrentamento das classes
hegemônicas. Só conhecendo a sua realidade, pode o homem nela intervir, transformando-a.
Trata-se de um novo modo de promover o desenvolvimento, onde as próprias comunidades
encontram formas de suprir as suas necessidades investindo na sua vocação, buscando o
intercâmbio externo através da cooperação (OLIVEIRA & OLIVEIRA, 2007). É o que tem sido
chamado de capital social, cujos valores apreendidos formam um ambiente propício à melhoria da
qualidade de vida de todos.
O atual cenário mundial privilegia o conhecimento, exigindo do trabalhador que ele saiba tomar
decisões e atue coletivamente. Na região semi-árida do nordeste, a agricultura segundo estudos
da FAO (1999) e do Banco Mundial (2000), por muito tempo ainda será a principal fonte de
ocupação e renda, embora novas formas de utilização do espaço rural estejam acontecendo,
porque o rural ultrapassa o agrário. Na visão de Abromovay (1998), grande parte dos agricultores
pobres só poderá reproduzir-se tornando-se pluriativa, ou seja, explorando as várias dimensões da
propriedade, daí a importância de se trabalhar a nova ruralidade, partindo de um enfoque territorial,
participativo entre os vários atores. Nessa perspectiva, os Agentes de Desenvolvimento
Sustentável assumem grande importância nas comunidades, porque são eles que ajudam os
agricultores a identificar os recursos e as oportunidades de desenvolvimento existentes no seu
meio, orientando-os a transformar as potencialidades em oportunidades de trabalho e renda, daí a
necessidade da investigação em questão, cujos objetivos foram: a) avaliar a relação entre as
transformações sociais, econômicas, políticas e culturais do território Alto Sertão Piauí-
Pernambuco e a atuação dos ADS junto às comunidades que o integram; b)constatar o papel
assumido pelos ADS no incentivo à construção de iniciativas que reduzam a pobreza e a exclusão
social da população rural; c) avaliar a influência dos ADS para assegurar a permanência dos
agricultores no território; d) identificar as políticas públicas, concepções e princípios adequados ao
4
balizamento da identidade rural; e) diagnosticar as ações necessárias à tomada de decisões pelo
Fórum de Desenvolvimento Territorial.
2– METODOLOGIA
O interesse em conhecer mais profundamente o assunto, decorreu da observação de que
mudanças estavam ocorrendo entre os agricultores familiares das comunidades rurais integrantes
do Território do Alto Sertão Piauí-Pernambuco, tanto na adoção de inovações tecnológicas de
convivência com o semi-árido, como nas relações de trabalho por eles estabelecidas, com
reflexos positivos na renda e, tornava-se necessário verificar se tais mudanças tinham relação
direta com a atuação dos Agentes de Desenvolvimento formados para apoiá-los nos seus
sistemas produtivos, mas, sobretudo, para, com bases científicas, replicar em outras situações o
modelo, com as adaptações convenientes a cada contexto, respeitando-se a cultura e as tradições
locais.
Inicialmente, a pesquisa bibliográfica se fez orientada pelo intuito de avaliar a relevância do tema
dentro da problemática mais geral do desenvolvimento sustentável no mundo contemporâneo. A
intenção de desenvolver uma análise globalizante que fosse capaz de situar os agentes de
desenvolvimento no todo dentro do qual era definida a sua presença – o território do Alto Sertão
Piauí-Pernambuco – exigiu que o processo de investigação seguisse um caminho qualitativo. Foi
necessário pensar os ADS nos aspectos da sua subjetividade, a fim de que fossem
compreendidas não apenas a sua práxis efetiva, mas também as suas potencialidades como força
social de mudança. Para tanto, considerou-se o princípio da totalidade do objeto deste estudo com
a realidade social, levando-se em conta as informações, as mudanças nas mentalidades, nos
comportamentos, nos valores, que foram se concretizando ao longo do tempo, bem como a
identificação das contradições internas da realidade.
A opção por este caminho metodológico justificou-se pois, pela oportunidade de se considerar não
só o sistema de relações no qual os ADS estavam inseridos, mas também as representações
sociais que constituem a vivência do seu cotidiano, da situação vivida no mundo do significado,
das ações e das relações com a sociedade.
A segunda parte da investigação, constou da realização de entrevistas, com o auxílio de dois
formulários, envolvendo 24 ADS e 40 agricultores, vinculados à amostra tomada para estudo. O
roteiro da entrevista com os ADS constou de um item introdutório no qual foram solicitados dados
pessoais dos entrevistados. No segundo item abordou-se aspectos sócio-econômico-culturais
envolvendo atividades produtivas, dados da propriedade, dados familiares, renda, assuntos do
seu interesse e formas de obtenção de informações; o terceiro item - impacto da formação na vida
dos ADS - buscou investigar os conhecimentos por eles adquiridos, expectativas, mudanças, uso
de tecnologias e a inter-relação com as redes sociais que se formaram no território; no item quatro
- atividades dos ADS junto aos agricultores - buscou-se conhecer a forma de estabelecimento de
contatos, atuação, dificuldades e as expectativas quanto aos resultados desse trabalho. O roteiro
5
da entrevista com os agricultores nos itens 1 e 2 coletou as mesmas informações do estudo
realizado com os ADS. No item três avaliou-se os serviços prestados pelos ADS aos agricultores,
a qualidade do atendimento, renda, o impacto dos benefícios governamentais na sua qualidade de
vida e a adoção das tecnologias de convivência com o semi-árido.
Na trajetória percorrida analisou-se os dados em sua historicidade, tentando identificar as
ideologias, utopias ou visão de mundo que lhes davam suporte, pois segundo Lövy (1985:15),
“não existem princípios eternos, nem verdades absolutas; todas as teorias, doutrinas e
interpretações da realidade têm que ser vistas na sua limitação histórica”.
O eixo teórico-metodológico da pesquisa foi a análise das redes sociais, buscando-se a
compreensão do fenômeno estudado pela ruptura com o antagonismo dos conceitos de indivíduo
e de sociedade já que, segundo Simmel (1993:39), a organização da sociedade é um processo
contínuo de troca, que pode provocar mudanças sociais na medida em que, pela interação dos
sujeitos, novos elementos vão sendo incorporados às suas ações e reações, determinando
comportamentos diferenciados.
As redes são sistemas compostos representados por sujeitos sociais conectados por algum tipo
de relação e, a sua construção, traz como conseqüência, o fortalecimento do capital social, cujas
evidências apontadas nos estudos de Granovetter (1973); Marques (2000); Durston (2002) e
Hanneman (2005), pode ser mais um recurso em favor do desenvolvimento territorial e da
inclusão social, especialmente nas comunidades rurais. As redes, portanto, são importantes
canais para a veiculação de informações e conhecimento.
As categorias desenvolvimento territorial, capacitação profissional, capital social, capital humano,
parcerias intersetoriais, consórcio interestadual, meio ambiente e desenvolvimento sustentável se
constituíram em ferramentas preferenciais de análise para responder ao problema que norteou a
pesquisa.
Para a interpretação dos dados coletados buscou-se a análise quanti-qualitativa por considerá-la
adequada a esta pesquisa, uma vez que:
“As duas dimensões não se opõem, mas se inter-relacionam como duas
fases do real num movimento cumulativo e transformador,de tal maneira
que não podemos vê-las uma sem a outra nem uma separada da
outra”(Gamboa, S.S & Santos Filho, 1995:106).
A análise dos dados não se constituiu numa fase isolada das etapas anteriores do processo de
investigação. Ao contrário, foi um momento em que todas as etapas se interligaram.
“Evidentemente, essas fases não se completam numa seqüência linear, mas se interpelam em
vários momentos, sugerindo apenas um movimento constante no confronto teoria-empiria” (Lüdke
& André, 1986:23).
6
Na análise estatística, os dados foram submetidos ao Softwere SAS – STATISTICAL ANALYSIS
SYSTEM, onde as variáveis foram registradas nas colunas e as observações nas linhas. A
associação entre as variáveis foi feita com o emprego do Teste de Qui-quadrado, considerando-se
o nível de significância (p<0,05).
3- AGENTES DE DESENVOLVIMENTO COMO SUJEITOS COLETIVOS
A pesquisa que avaliou o impacto dos ADS nas transformações sociais, políticas e culturais dos
municípios que integram o Território do Alto Sertão Piauí-Pernambuco, desenhou o seguinte perfil
daquela população:
Figura 01 – Idade dos ADS
9
7
1
3 3
1
0
2
4
6
8
10
QU
AN
TID
AD
E
19 – 25
26 – 30
31 – 35
36 – 40
41 – 45
46 – 50
Como pode ser observado na figura 01, 66,7% dos ADS são jovens, com idade entre 19 e 30
anos, já que essa atividade por ser voluntária, demanda tempo para ser exercida e não agrega
valor a sua renda, o que também pode justificar o fato de 54,1% deles serem solteiros, embora
45,9% possuam filhos.
Na zona rural, as informações sobre métodos anti-conceptivos ainda são reduzidas, contribuindo
para que mulheres muito jovens engravidem seguidamente, às vezes com mais de um parceiro,
penalizando os filhos a uma vida de carência, pouca escolaridade, alimentação deficitária e
exclusão social (Oliveira,1998).
Conforme a figura 02, entre os ADS que constituem um segmento diferenciado no território, 45,8%
possuem até 8 anos de escolaridade, embora tenham acumulado muitos saberes práticos
importantes para a sua sobrevivência. Os que concluíram o ensino básico (45,9%) e aqueles que
estão em processo de conclusão (8,3%), demonstraram nas suas falas que a elevação da sua
qualidade de vida se dará pela educação, capaz de transformar em produtividade, progresso
tecnológico e competitividade as condições que hoje lhes são dadas. Está claro para eles que a
mudança da sua realidade não virá de fora, mas de dentro da própria comunidade, onde eles
próprios terão de aprender a fazer diagnósticos, elaborar, executar, monitorar e avaliar projetos,
7
negociar interesses e incentivar todos a buscarem a sua emancipação, o que não é fácil, já que a
educação que receberam não contribui para a formação do sujeito coletivo, o empreendedorismo,
enfatizando fortemente as práticas para o assalariamento e a competição individual.
Figura 02 – Nível de Escolaridade dos ADS
1
10
2
11
0
2
4
6
8
10
12
QU
AN
TID
AD
E
Ensino Básico – 1ª à 4ªsérie
Ensino Básico – 5ª à 8ªsérie
Ensino Médio Incompleto
Ensino Médio Completo
Dos 23 ADS entrevistados, (95,8%) são vinculados a instituições associativistas, o que não
significa que tenham plena consciência de como devem estas funcionar e qual o seu papel
enquanto associado no sentido de fortalecê-las. 63,7% deles ocupam ou já ocuparam a
presidência ou a vice-presidência das instituições às quais estão vinculados e não se observa
grandes transformações nas suas estruturas operacionais capazes de se refletirem no
desempenho global dos associados.
Conforme Bogardus (1964) a finalidade das associações não é “meramente fazer negócios, mas
recriar comunidades, estimulando novos processos de ajuda mútua e novos métodos de
organização e trabalho”. A educação para a coletividade, portanto, torna-se cada vez mais um
imperativo no território do Alto Sertão Piauí-Pernambuco, para criar princípios e valores que
construam efetivamente o associativismo. É interessante observar que 97,7% das reflexões dos
ADS sobre o associativismo o consideram como o instrumento mais forte de empoderamento e de
barganha para as populações do campo. Dos 24 entrevistados, apenas 01 não reconhece a
associação como ferramenta capaz de operar transformações na vida da comunidade.
A produção de pequenos animais, conforme mostra a figura 03, constitui a atividade principal dos
ADS, seguida da agricultura de sequeiro para subsistência. Esta opção deve-se à carência de
água no território e ao tamanho das propriedades que em média não ultrapassa a 30 hectares, ao
fato de somente 10 deles possuírem a posse da terra e só recentemente terem eles adquirido uma
melhor formação para a convivência com o semi-árido.
8
Obs.: Mais de uma resposta por entrevistado.
Com os conhecimentos adquiridos na formação para ADS sobre captação de água “in situ”,
silagem, fenação, curva de nível, construção de barragens e outros, conforme Figura 04, já se
observa mudanças no seu sistema produtivo e no dos seus familiares, com reflexos positivos na
produtividade e na renda.
Figura 03 - Atividades produtivas dos ADS
19%
16%
14%13%
12%
9%
9%
8% Agricultura de Sequeiro
Ovinocultura
Caprinocultura
Avicultura
Bovinocultura
Suinocultura
Prestação de Serviço
Outros
9
Obs: mais de uma resposta por entrevistado.
O importante nesse processo é que os saberes práticos do mundo do trabalho e da cultura local se
articula com os conhecimentos socialmente produzidos, para transformar a realidade dos
agricultores do território. Como diz Arroyo (1982):
“temos que optar entre continuar tratando o homem do campo como um
carente crônico que precisa ser alimentado, curado, informado, integrado,
educado, ou passar a tratá-lo como um cidadão trabalhador, historicamente
excluído dos direitos básicos, que vem tomando consciência dessa
exclusão, e se organizando na reivindicação dos seus direitos”.
Embora a grande maioria (91,6%) possua renda inferior a um salário mínimo, há uma expectativa
de ampliação da mesma através do acesso ao crédito fornecido pelo Pronaf e da utilização das
metodologias e das tecnologias de trabalho aprendidas na formação.
Pela análise dos seus discursos, conforme figura 05 a partir da formação, a sua concepção sobre
o semi-árido mudou completamente, bem como a forma de trabalhar a terra. Hoje eles sabem que
esse ecossistema é rico e oferece oportunidades dignas de sobrevivência, bastando apenas
conhecê-lo e respeitar as suas limitações.
Figura 04 - Conhecimentos adquiridos pelos ADS no curso de
formação
9
4
4
4
6
6
6
7
7
9
10
13
13
0 2 4 6 8 10 12 14
Outros
Agroecologia e adubação orgânica
Barreiro de Salvação
Ração animal
Planejamento e produção em área de sequeiro
Fenação
Amoniação
Manejo de solo
Manejo de rebanho
Sal proteinado
Barragem subterrânea
Silagem
Curvas de nível
QUANTIDADE
10
17
8
4
1
3
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
Qu
anti
dad
eFigura 05 - O que mudou na concepção dos ADS sobre o semi-árido
O semi-árido é rico eprecisamos aprender aconviver com ele
Que a caatinga ofereceoportunidades desobrevivência
Que a caatinga é frágil eprecisa de cuidadosespeciais
Mesmo com a tecnologia oslucros na caatinga sãolimitados
A forma de trabalhar a terra
Obs.:Mais de uma resposta por entrevistado.
A despeito do baixo rendimento dos ADS, todos alegam ter melhorado a sua qualidade de vida
após o curso, pela compreensão que passaram a ter sobre alimentação, habitação, organização
no trabalho, relações interpessoais e, sobretudo, sobre o ser sujeito político de direitos,
responsável pela sua história e pelo seu destino.
Diferentemente dos ADS, a grande maioria dos agricultores (67,5%) está na faixa etária de 30 a
50 anos, 85,0% são do sexo masculino, como mostram as figuras 06 e 07, e possuem baixa
escolaridade, podendo encontrar no segmento 15,0% de letrados, embora com informações
valiosas sobre o território, as culturas tradicionais, contribuindo de forma significativa com os
técnicos e especialistas das instituições que ali atuam com saberes práticos, que orientam as
estratégias de trabalho tornando-as mais eficazes.
11
3 3
5
7 7
8
2
4
1
0
1
2
3
4
5
6
7
8
Qua
ntid
ade
Figura 06 - Faixa etária dos agricultores
20 – 25
26 – 30
31 – 35
36 – 40
41 – 45
46 – 50
51 – 55
56 – 60
61 – 65
34
6
0
5
10
15
20
25
30
35
Qua
ntid
ade
Figura 07 - Sexo
MASCULINO
FEMININO
Na tradição sertaneja, a agricultura se constitui em geral atividade masculina, cabendo às
mulheres o trato dos pequenos animais e a comercialização dos produtos nas feiras livres, além
dos cuidados com os filhos, a família e a casa. Mesmo quando ela se torna assalariada, os seus
papéis tradicionais são conservados a eles se somam as novas funções requeridas pelo
12
assalariamento, com reorganização do tempo e do espaço e adaptação do corpo aos
instrumentos de trabalho.
Esse fato traz a tona, segundo Oliveira (1998:43) a crueldade da invisibilidade do trabalho
feminino realizado na esfera doméstica, que por não resultar em valor de troca não remunerado e,
por não ser remunerado, deixa de ser importante no contexto da própria família, colocando
injustamente a mulher numa posição de inferioridade diante do principal grupo a que pertence.
Desse modo, o que está em questão é a própria representação do modo social e, sobretudo, a
hierarquia e o poder no mundo do trabalho. Trata-se, portanto, de desigualdades, em cujas raízes
estão as diferenças na construção de práticas masculinas e femininas, geradas na esfera da
produção e da reprodução a cerca dos trabalhos que se caracterizam como sendo de homem e de
mulher.
Quase todos, 92,5% são vinculados a associações de produtores rurais, instituições quase
sempre frágeis que não interferem de forma a diferenciá-los dos que não estão a elas associados.
Na zona rural, as associações e cooperativas deveriam ser fortes o suficiente para ampliar o
poder de negociação dos agricultores, o que não ocorre, dado o desconhecimento para eles do
que pode representar para a sua vida as instituições.
Os capitais social e humano precisam ali ser fortalecidos para que a sua permanência no campo
adquira dignidade. Para Zapata (2000), a ampliação do acesso a informação e ao conhecimento
através de processos contínuos de capacitação, promove mudanças de comportamento,
transformando as pessoas em agentes produtivos, atores sociais e sujeito da sua existência.
Também a dimensão social passa a ser parte do desenvolvimento a partir das idéias de Putmam
(1996), para quem, quanto maior a capacidade das pessoas se associarem em torno de valores e
interesses comuns, melhores serão as condições de qualidade de vida.
Nessa perspectiva, a atuação dos ADS junto aos agricultores, embora ainda muito sutil, pode vir a
ser uma importante ferramenta para alavancar as transformações que assegurarão a sua
sustentabilidade no campo. Analisando a figura 08 verifica-se que as representações sociais dos
agricultores sobre o associativismo estão sempre relacionadas com o poder político e a
possibilidade de ser beneficiarem de financiamentos governamentais. O empoderamento coletivo
do segmento e as mudanças dos seus sistemas produtivos, não são por eles mencionados como
força dessa prática.
13
Figura 08 - Percepção dos agricultores sobre a importância do associativismo para o desenvolvimento do teritório
14%
16%
11%
57%
2%
Articulação com a política eo poder local
Possibilidade de ampliaçãode conhecimentos
Mecanismo de organização edesenvolvimentocomunitário
Facilidade na aquisição debenefícios oriundos dogoverno
Nenhum impacto na vida doagricultor
Obs: Mais de uma resposta por entrevistado
A ovinocaprinocultura e a avicultura, seguidas da bovinocultura e suinocultura são as atividades
produtivas que dão sustentação econômica aos agricultores no território. A agricultura de sequeiro
é uma prática para a subsistência familiar, como mostra a figura 09.
Obs: Mais de uma resposta por entrevistado.
Figura 09 - Atividades produtivas dos agricultores
29
33
31
33
35
24
10
12
6
0 10 20 30 40
Caprinocultura
Ovinocultura
Suinocultura
Bovinocultura
Avicultura
Agricultura de Sequeiro
Produção de alimentos
Prestação de serviços
Outros
14
Retomando a discussão sobre as práticas coletivizadas, constata-se no território, uma cultura de
produção de doce de leite e queijo de coalho que apresenta-se como alternativa economicamente
viável para as famílias, caso estas tomassem a iniciativa de se agruparem em associação ou
cooperativa para a aquisição de equipamentos e uso de práticas coerentes com as exigências dos
órgãos públicos responsáveis pela higiene e saúde alimentar da população.
O Fórum de Desenvolvimento Territorial que ali se instalou como espaço permanente de
discussão das questões relevantes para as comunidades tem trazido à tona este assunto, sem
muito sucesso. A perda de autonomia individual no fazer cotidiano, parece intimidar as famílias,
cujos prejuízos são enormes quando autuadas pela fiscalização.
Trata-se, portanto, de não percepção por eles de um outro conceito de desenvolvimento, que
segundo Sen (2000), é um processo que fortaleceu a liberdade daqueles envolvidos na busca dos
seus objetivos individuais. Na mesma linha de raciocínio Franco (2000) defini o desenvolvimento o
local “como fenômeno pelo qual tornam-se dinâmicas as potencialidades locais por meio de
interação de fatores humanos, sociais, econômicos, físicos e ambientais”. Para tanto as
comunidades devem utilizar as suas competências e se especializar nos campos em que têm
vantagem competitiva em relação a outras regiões. E isto é o que está faltando no território.
Embora sejam pequenas as propriedades, conforme aponta a figura 10, 82,5% possuem a posse
de terra, o que representa algo de muita relevância para eles. A gravidade do assunto é que esta
terra cada vez mais tem que sustentar maior número de filhos, que não conseguem renda através
de assalariamento, tão pouco, conseguem adquirir a posse de uma nova terra. A figura 11 mostra
que 50% dos agricultores possuem de 03 a 05 filhos e a renda com a propriedade quase não
ultrapassa a 01 salário mínimo. As aposentadorias rurais e os benefícios sociais concedidos pelo
Governo Federal, representam um diferencial na qualidade de vida das famílias, em cujas falas
deixam claro que fazem três refeições diárias, compram remédios, vestuários e objetos
domésticos e lhes propiciam prazer como rádio, televisão, móveis, bicicletas e até motos.
15
Figura 10 - Agricultores que possuem o título da terra
82,5%
17,5%
POSSUEM
NÃO POSSUEM
2
12
20
6
0
5
10
15
20
Qu
anti
dad
e
Figura 11 - Número de filhos
NENHUM
01 À 02
03 À 05
MAIS DE 05
O rádio e a televisão são os grandes veiculadores de informações (30,6% e 17,1%,
respectivamente), influenciando diretamente nas opiniões que passam a ter sobre todos os
assuntos.
Sobre os ADS’s, 87,5% são por eles atendidos e a percepção que tem sobre seu trabalho é muito
positiva, conforme a Figura 20. Com eles, aprenderam tecnologias de convivência com o semi-
árido, especialmente silagem (32,1%) e sal proteinado (12,0%), cujos usos impactaram
positivamente o seu sistema de produção com bom reflexo no aumento da renda (30,1%), além do
aprendizado para melhor aproveitamento dos recursos humanos e naturais da propriedade e do
tempo na realização das tarefas.
16
Na sua visão, com um pouco mais de apoio financeiro poderão, com os conhecimentos adquiridos
sobre a convivência o semi-árido aprimorar a propriedade e melhorar a qualidade de vida.
4-CONCLUSÕES
A análise do discurso dos entrevistados concluiu por parte dos ADS que o curso cujo objetivo foi
prepará-los para atuar junto aos agricultores, impactou positivamente na sua formação,
contribuindo para transformações na sua alimentação, na engenharia habitacional e na sua
organização para o trabalho. A ausência de política pública de remuneração pelos seus serviços,
apresentou-se como a maior dificuldade para uma ação mais efetiva de atendimento aos
agricultores, tendo em vista os gastos com transporte para as visitas e os prejuízos com a sua
ausência na própria roça. No que se refere aos agricultores, 55,5% deles consideram a assistência
técnica fornecida pelos ADS muito boa, especialmente quando comparada a outras
disponibilizadas por outras instituições. Com eles os agricultores aprenderam a fazer silagem
(32,1%), fenação (10,7%), sal proteinado (12%), além de manejo de rebanho, curva de nível,
manejo de solo e elaboração de projetos, o que proporcionou a 38,1% aproveitar melhor os
recursos da propriedade, a 30,1% aumentar a renda e a 14,3% administrar melhor o seu tempo na
propriedade. Tais dados confirmam a hipótese inicialmente levantada de que os Agentes de
Desenvolvimento Sustentável contribuem para a promoção do desenvolvimento das comunidades,
consolidando o território como espaço de coletividade e de união de forças em prol da gestão
participativa, criando as condições locais para a promoção das transformações sociais e
econômicas sem violar as vocações naturais de cada espaço.
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Figura 12 - ADS em capacitação pela EMBRAPA Semi-Árido
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