Post on 08-Nov-2018
Enquanto o barco ia se afastando da comunidade de Ca via na, as crianças cantavam a canção “Jamais dei-
xarei você”, da cantora gospel Bruna Karla. Aos poucos a margem ficava mais distante, mas as vozes pa re ciam mais altas. Às lágrimas, os vo lun tá rios acenavam e gritavam para os ribeirinhos com a sensação de dever cumprido e um sentimento de que teriam de voltar àquele lugar outra vez.
Não é fácil chegar até ali. Vamos rebobinar um pouco. Ainda em São Paulo, a equipe do projeto Amazon Vida, coor dena da pela Gerência de Responsabilidade So cial e Filantropia do Instituto Pres bi teria no Macken zie (IPM) e pela Coor de na ção de Projetos de Extensão, da Universidade Pres bi te ria na Macken zie (UPM), madrugou na Base Aérea da Ae ro náu ti ca, no Aeroporto de Gua ru lhos, para embarcar em uma via gem de cerca de 6 horas em direção a Manaus. O traslado é oferecido pela Força Aérea Brasileira em uma parceria que possibilita aos participantes via jar até lá sem custos.
Já na capital do Amazonas, os mackenzis tas embarcaram no J.J. Mesquita, barco
Mackenzie VoluntárioSaúde e Educação no Amazonas
OS REPÓRTERES TALITA SILVEIRA E JOÃO PEDRO PIRAGIBE EMBARCARAM NO PROJETO QUE REALIZA TRABALHO SOCIAL ENTRE AS COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO AMAZONAS. AQUI A PERCEPÇÃO DELES POR TUDO O QUE VIVERAM.
“Eu prometo, vou te retribuir
Tudo aquilo que tens feito por mim
Ah, eu prometo te fazer mais feliz
E ser tudo que você sempre quis”
Bruna KARLA. Jamais deixarei você.
Amazon é Vida…hospitalar que oferece atendimento clínico geral e odontológico, que fun cio na em parceria com a ONG Visão Mun dial. Acomodados em cabines, os vo lun tá rios, alunos dos cursos de Filosofia, Fi sio te ra pia, Psicologia e Tecnologia em Gastronomia, além do programa de pós gra dua ção em Dis túr bios do Desenvolvimento, passaram a semana via jan do pelo Rio Solimões em atividades com foco em educação.
para receber o atendimento tão raro na região. Raro também é o acesso à educação. Algumas comunidades ficam bem distantes da capital e a via gem de barco até Manaus pode levar dias. Pensando nisso, mensalmente o projeto Amazon Vida segue com equipes de saú de e assistentes sociais pelos rios amazônicos. O mês de julho, porém, é ainda mais es pe cial para aquela população. Desde 2009, os macken zis tas participam de uma expedição própria com projetos que pos suem viés edu ca cio nal.
Enquanto as mães ficavam nas filas de atendimento médico e odontológico, as crian ças participavam de trabalhos com a equipes da área de Psicologia. Em grupos, alunos da gra dua ção e do programa de pós gra dua ção em Dis túr bios do Desenvolvimento trabalharam questões psicomotoras com os pequenos, além de levantar a relação delas com suas emoções.
Na comunidade Cristo Ressuscitado, no segundo dia, o transporte entre uma casa e outra era rea li za do de barco. Lá, o trabalho da equipe de Gastronomia aconteceu com um treinamento para as merendeiras da escola.
Nesse dia, uma equipe focada na formação dos professores deslocou se para a Vila do Jacaré, próximo dali, para trabalhar em uma escola com um curso de capacitação sobre dificuldades na aprendizagem. Além da palestra, foi um momento em que os professores expuseram as dificuldades que encontram no trabalho no dia a dia das escolas da re gião.
TRABALHOS COM AS COMUNIDADESA via gem de Manaus até a primeira comunidade, a Fé em Deus, aconteceu durante toda a noite. Logo na chegada o grupo de alunos e professores encontrou pes soas receptivas e an sio sas por aprender. Na cozinha de uma das casas a equipe de Gastronomia teria seu primeiro contato com in gre dien tes locais. A proposta do professor Rodrigo Libbos era aproveitar os insumos disponíveis para produzir compotas e conservas, ensinando técnicas de conservação dos alimentos, além de apresentar outras possibilidades de receitas.
A cada comunidade em que o barco parava, a população se organizava em filas
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Quem ministrou o treinamento foi Patricia de Melo Batista, fun cio ná ria da Gerência de Responsabilidade So cial e aluna do mestrado em Dis túr bios do Desenvolvimento. “No ano passado conhecemos o local e nos programamos para, neste ano, falar sobre a dificuldade de aprendizagem. Tivemos grandes rodas de conversa, nas quais foram expostas as dificuldades encontradas dia ria men te. Além de ser algo do co tidia no deles, trouxemos ferramentas para afinar o olhar e tentar ajuda los”, contou.
O ma te rial a que Patrícia se refere é o Programa de Intervenção em Autorregulação e Funções Executivas (Pia fex), desenvolvido pela professora da UPM, Alessandra Gotuzo Sea bra, que propõe jogos para trabalhar com crian ças pré escolares e no início do Ensino Fundamental, visando estimular o desenvolvimento de habilidades como organização, planejamento, inibição de impulsos, atenção, memória de trabalho, metacognição e regulação emo cional. Cada escola visitada recebeu um kit e treinamento para utilizá lo com os alunos.
O grupo que levou os kits, liderado pelo aluno Matheus Michelino, trabalhou com re crea ção aplicando esses jogos em cada comunidade. “Se desenvolvermos essas habilidades agora, no futuro será um fator preditivo, tanto para o sucesso acadêmico, ou seja, boas notas, melhora das habilidades de leitura, de Matemática, quanto para o sucesso pes soal, melhores empregos, melhor remuneração, entre outras”, explicou Matheus lembrando que os kits foram uma doa ção da autora e da editora Memnon.
a sorte de ter participado da expedição e levado meu conhecimento e minha vontade de ajudar o próximo para as comunidades ribeirinhas do rio Solimões”, afirmou o professor Rodrigo Libbos.
Excelente an fi trião, Sandro, que trabalha há sete anos com o projeto, resumiu o sentimento. “Apesar de sermos uma comunidade pequena, nós temos uma demanda muito grande. Os cursos que o Macken zie traz são fundamentais. A capacitação dos professores, o aprendizado para as crianças. Espero que essa parceria continue, nós sempre estaremos de portas abertas para o Macken zie. Não existem palavras para agradecer”, afirmou.
A quarta comunidade a ser visitada foi Repartimento, lá o aluno de Fi sio te ra pia, Rodrigo Silva Araú jo, visitou o casal Aure lia no, de 106 anos, e Lázara, de 98 anos. O projeto de Rodrigo consistia em rea li zar um levantamento sobre pes soas com defi ciên cia de locomoção em cada comunidade. Mais que isso, no entanto, a cada visita ao lado da assistente so cial da Visão Mun dial, Rosa Maria da Silva Nunes, ele dis tri buía sorrisos e carinho.
Nesta comunidade a equipe de Distúr bios do Desenvolvimento, que trabalhava em uma pesquisa sobre administração financeira, abordou o tema de forma diferente. “As meninas perceberam nas outras comunidades que havia dúvidas sobre Imposto de Renda, como montar uma microem pre sa, e adaptaram suas oficinas a esse tema. No próximo ano estamos pensando em trazer uma economista para debater essas questões básicas. Isso seria mais interessante do que uma ava lia ção”, explicou Lucas Murrins Marques, líder de um dos projetos. O grupo realizou uma pesquisa para ver como as pes soas lidam com distribuição monetária.
Na Vila do Cuia, durante o quinto e último dia, a oficina sobre cons ciên cia
No terceiro dia, em Ca via na, entre um workshop e outro, a equipe de Gastronomia aproveitava para conhecer a re gião. Isso foi possível graças à ajuda de Sandro Tavares Guimarães, um dos líderes do Monitoramento Jovem de Políticas Públicas (MJPOP) e da comunidade. Sandro os levou à casa de farinhas e mostrou lhes a fabricação artesanal do produto. “A Floresta Ama
zônica é uma nova fronteira para nós no ramo da Gastronomia, o mundo fala da diversidade de in gre dien tes da re gião. Para nossa equipe a troca foi algo impossível de ser mensurado. Ensinamos e treinamos o máximo que pudemos mas aprendemos muito com as comunidades. Só tenho a agradecer Castanha do Brasil, colhida do pé.
Acima, oficina de gastronomia. Abaixo, visita ao casal Aureliano e Lázara; atividade recreativa.
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emo cio nal, outro projeto encabeçado por Lucas, trabalhou com as crian ças emoções pri má rias e se cun dá rias em uma oficina que debateu o que são as emoções para depois ava liar como e onde cada crian ça rea ge a elas. A intenção de Lucas é voltar no próximo ano com projetos que auxiliem as crian ças a trabalhar internamente cada uma dessas emoções.
Ao longo de todas as comunidades, um grupo com três alunas do curso de Filosofia trabalhava abordando de forma discreta a questão da valorização da vida com as jovens, mostrando com viés filosófico a importância de valorizar seus corpos. A líder do grupo, Bea triz Fonseca, de 22 anos, voltava ao Amazon Vida pela segunda vez. Da primeira ela não sabia, mas deixaria um grande legado.
UM SONHO DE MENINA . . .“Eu tinha 16 anos e, fazendo um trabalho para o colégio, li uma matéria em que meninas da Amazônia eram pros ti tuí das, vendendo sua virgindade por 20 reais. É o tipo de informação que você não consegue esquecer. Eu ficava imaginando como as pessoas conseguiram chegar até lá, fazer uma matéria e nada foi feito a respeito? Isso mexeu muito comigo”, contou Bea triz.
Im pres sio na da, a menina conversou com o professor e em seguida com o capelão da escola, o reverendo Josué Alves Ferreira. Para trabalhar essa questão que chocou as meninas do colégio, o capelão organizou o projeto “Infância e adolescência não têm preço, têm valor” com a ajuda de alunos como Bea triz, Vitória Machado de Barros Cruz e Sa muel Nobrega Cortinas.
O resultado do projeto foi uma vaga para via jar com a Expedição da Universidade, o Amazon Vida. Ali nasceria o Amazon
Teen. Em julho de 2013, Bea triz, seu colega de turma Sa muel e o reverendo Josué embarcaram para Manaus para vi ven ciar a ex pe riên cia de percorrer o rio Solimões com o grupo de vo lun tá rios da Universidade. “Nós fomos para pesquisar, entender a si tua ção, conhecer aquele povo. E vimos pes soas muito aplicadas, todo mundo dando o seu melhor”, contou o capelão.
Depois dessa via gem, o reverendo Josué decidiu se dedicar a levar mais alunos para essa ex pe riên cia. “Que ría mos um projeto para que pudéssemos fazer a diferença. Os professores vie ram para colaborar e trabalhar com educação, que é o objetivo fim dos Co lé gios Macken zie. A educação com uma visão cristã de mundo, de como nós podemos amar ao próximo e nos dedicar”, contou
Após rea li zar outras via gens com a expedição da Universidade, o capelão delineou o projeto com a Gerência de Responsabilidade So cial e Filantropia do IPM e, em 2016, foi rea li za da a primeira edição do Amazon Teen. Os gastos com o barco ficaram por conta das ca pe la nias e as passagens, os transportes e a hospedagem em Manaus foram pagas pelos alunos.
Assim como o Amazon Vida, que conta com a participação de docentes e discentes da UPM, a versão Teen do projeto leva alunos e professores dos Co lé gios Pres bi te ria nos Macken zie São Paulo, Tamboré e Brasília pelas comunidades ribeirinhas, dessa vez percorrendo o rio Negro.
Essa expedição levou doa ções de materiais, bí blias e alimentos. A cada uma das cinco comunidades visitadas, os alunos trabalharam com atividades de re crea ção e esporte com as crian ças; já os professores trabalharam na capacitação de professores e em palestras para jovens e adultos, a fim de incentivar o despertar cien tí fi co nesse público. Além disso, a expedição contou com o apoio do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica de São Carlos, in te rior
de São Paulo, que doou kits educacionais que foram entregues às escolas visitadas.
Um tripulante es pe cial estava no barco, o doutor Francismar Vidal de Arruda Júnior. Por meio de uma parceria com os hospitais Sírio Libanês e Albert Einstein, ele levou equipamentos de alta tecnologia que rea li za vam hemogramas por meio de um
Atividades com os jogos Piafex.
Equipe do Amazon Vida ao chegar com o avião da FAB em Manaus.
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aparelho simples, sem necessidade de furar os pa cien tes. Através de uma leitura com raio ul tra vio le ta é possível verificar o pH do sangue, por exemplo. “Trouxemos tecnologia is rae len se de última geração. Que remos usar inovações tecnológicas que não só melhoram a ex pe riên cia para o pa ciente, mas também fornecem, dois ou três minutos depois do atendimento, pelo menos 14 exames, com dados em tempo real. Temos aparelhos de fácil manuseio que podem diag nos ti car e tratar doen ças de pele no mesmo dia”, contou o doutor.
Segundo ele, o que chama a atenção é que o povo ribeirinho do Amazonas é um povo rico. “Eles se cuidam, são unidos, não são carentes de todas as coisas, só daquilo que a gente pode ajudar, que é um pouco de estrutura. Estamos aqui para cuidar do outro, para ajudar a transformar o outro e quando compartilhamos coisas boas isso se torna um ciclo que impacta a vida das pes soas”, finalizou doutor Fran.
O reverendo Josué concorda com a afirmação do médico. “É maravilhoso ver a transformação na vida das crian ças, dos professores e, principalmente, o resultado disso. Espero que possamos fazer novas via gens e que sejam marcantes na vida de todos. Nós recebemos muito mais do que oferecemos”, analisou o pastor.
PARA FICAR NA MEMÓRIA . . .Raquel Spin, de 17 anos, foi uma das alunas do colégio que participou da expedição Amazon Teen. “Eu estava muito
se mais pes soas vies sem para sentir o que a gente viveu aqui”, descreveu.
Há doze anos trabalhando com o Amazon Vida, Maria Lucinete Trindade Bezerra, a Nete, atual coor de na do ra do projeto, contou que se sente aben çoa da. “Cada via gem tem as suas particularidades, cada comunidade, cada pessoa, é sempre um marco que fica. Meu sentimento é de gratidão a Deus por todo o aprendizado. Aprendi muito com professores e médicos, foi uma oportunidade ímpar na minha vida”, contou ela, que chegou a assistir aulas com a equipe de Gastronomia. “Nós entendemos que a via gem mostra que as pes soas são mais importantes do que as coisas. E é esse amor que Deus tem colocado em nosso coração”, conclui.
Em sua segunda expedição, a integrante da organização da via gem, Patrícia de Melo Batista, acrescenta: “Essa expedição é muito importante, e eu espero que possamos manter esse trabalho. Seria uma perda não só para as comunidades que a gente atende, mas para os alunos e o corpo docente, porque saí mos da nossa rea li da de e voltamos com muito mais conhecimento do que apenas com o que a universidade oferece nas salas de aula”, afirmou, lembrando que o único barco que passa nas comunidades atendidas é o do projeto.
Durante toda a via gem do barco J.J. Mesquita, na descida pelo rio Solimões e em seguida pelo rio Negro, os vo lun tá rios puderam vi ven ciar expressões de carinho e afeto. Além disso, a via gem ainda propiciou um pouco de farinha de man dio ca para o professor da Gastronomia, um elogio para a tia que pintava o rosto de uma menina, um olhar, uma prosa boa, a admiração.
Talvez, o que aquelas crian ças de Cavia na não saibam, é que elas já re tri buíram e muito o que foi feito. No final ganham todos!Beatriz Fonseca, em sua segunda viagem ao Amazon.
Doutor Fran em atendimento médico às crianças.
Equipe do Amazon Teen no barco.
Crianças da comunidade de Caviana com o Victor Perez (palhaço Mamé).
an sio sa, mas esta via gem superou as minhas expectativas. Foi muito bom passar uma semana servindo com meus colegas dos outros co lé gios. Pudemos trocar expe riên cias, conversar. Eu ficaria muito feliz
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