Frédéric Mauro - SciELO · 2013. 8. 16. · Frédéric Mauro ** * Traduzido do original em...

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1. O empresário presta auxílioao historiador;

2. O historiador presta auxílioao empresário.

Frédéric Mauro **

* Traduzido do originalem francês pelo

Prof. Sérgio MiceU.* * Professor de

História Econômica naUniversidade de Paris

X (Nanterre).

R. Adm. Emp., Rio de Janeiro,

Já se discutiu muito na França a respeito dopapel dos economista nas grandes empresas,embora nos paises anglo-saxões tal papel venharecebendo há muito tempo um reconhecimentooficial. Na França, a profissão de economistanem existia e seu substituto era o engenheiroformado nas chamadas "Grandes Escolas" den-tre as quais algumas eram escolas militares. Asfaculdades de direito também ensinavam "aeconomiapolitica" mas não chegavam, nessecampo, além de uma formação muito limitada.De outro lado, nas escolas comerciais o nivel eramediocre e, ao invés de ciência econômica ou ad-ministração, o que se fazia era direito, geografiae técnicas comerciais. É bem verdade que, atual-mente, essas escolas modernizaram-se e pas-sou-se a ensinar economia, economia aplicadae administração de empresas. As faculdades deeconomia acabaram separando-se das faculda-des de direito. e atingem um elevado rendimentoacadêmico. Não obstante, o engenheiro continuaa desempenhar um papel importante como eco-nomista de empresa. Convém observar que osestudos das ciências econômicas tornaram-seassunto da maior seriedade nas escolas de en-genharia. E o alto nivel destas últimas faz comque os engenheiros constituam uma elite acujos membros são entregues em prazo curtopostos de responsabilidade para os quais o cál-culo econômico é primordial. É evidente que osconhecimentos matemáticos transmitidos nasescolas de engenharia são muito úteis para aprática da ciência econômica. Em suma, não háqualquer diferença de natureza entre o enge-nheiro e.o economista, mas apenas uma diferen-ça de grau. O engenheiro que calcula uma pon-te procura construi-la da maneira mais sólidae mais bela pelo menor preço. Sua problemáti-ca é a escassez. Mas a economia é também umaciência da escassez. Por exemplo, o economistadeve calcular o volume de produção através doqual a empresa atingirá o lucro máximo. Aonivel macroeconômico, o economista deve saberde que maneira utilizar investimentos limitadosa fim de obter o máximo de bem-estar para to-dos.

São estas as razões pelas quais a direção deuma empresa deve, mesmo sem o saber, praticara ciência econômica e recorrer a economistasainda que eles não possam ousar aparecer en-quanto tais. Deveria a empresa recorrer tambémao historiador da economia, ao historiador-eco-nomista, como se diz hoje? Antes de adiantarqualquer resposta, é preciso explicitar o que en-tendemos por história econômica. Algumas ve-zes ela foi considerada a ciência econômica dopassado, ou então o conjunto das ciências eco-nômicas do passado. Isto significa que, em nos-sa opinião, ela não é apenas uma sociologia ouuma geografia econômica retrospectiva, masuma teoria ou uma análise econômica retros-pectiva. Assim como o economista nos oferece omodelo dos sistemas econômicos atuais, o his-toriador nos dá o modelo dos sistemas econô-

14(4) : 63-68, [ul.Zago, 1974

O empresario moderno e a historia econômica

micos passados, ambos esforçando-se para lhesaplicar um tratamento quantitativo. E podemrealizar este estudo ao nível das empresas, dosramos da atividade econômica ou mesmo ao ní-vel das variáveis globais. Enquanto o historia-dor se coloca geralmente de um ponto de vistaretrospectivo, o economista coloca-se de um pon-to de vista prospectivo. Todavia, o segundoponto de vista só se constitui quando o primei-ro existe de fato, sendo portanto impossível se-pará-los. Em conseqüência, a história pode serútil à empresa. De outro lado, a coleta de. fon-tes primárias na empresa acaba aproximando ohistoriador do empresário, e seus vínculos ten-dem a se estreitar. Passamos em seguida a ana-lisar, primeiramente, de que maneira o empre-sário pode prestar auxilio ao historiador e, emsegundo lugar, como o historiador pode auxiliaro empresário.

1. O EMPRESARIO PRESTAAUXíLIO AO HISTORIADOR

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O historiador tem necessidade de escrever a his-tória das empresas porque a mícroeconomía re-presenta a metade da ciência econômica. Umahistória estudada apenas sob o aspecto macro-econômico não é uma história completa. Ade-mais, a história das empresas só pode ser feitaa partir dos seus arquivos, assim como a histó-ria dos setores da atividade econômica só podeser construída com base nos organismos públi-cos ou privados encarregados de gerír tais seto-res ou de defender seus interesses.

Esses arquivos são interessante de inúmerospontos de vista, uma vez que ti. história da em-presa pertence a diversos setores da história: odas técnicas e das ciências índüstríaís, agríco-las, e sobretudo das ciências comerciais (tome-mos por exemplo, a história da contabílídade ea passagem da contabilidade de partida simplesà contabilidade de partida dobrada), o da econo-mia da firma e de sua evolução financeira o dahistória social da empresa que abrange o ~ecru-tamento do pessoal dirigente, dos funcionáriose dos operários. Ao mesmo tempo, esses arqui-vos podem propiciar informações valiosas a res-peito do setor econômico a que. pertence a em-presa, e até mesmo acerca da economia globaldo país, do continente e até mesmo do própriomundo, seja do ponto de vista das estruturascomo do ponto de vista da conjuntura.

Por conseguinte, é preciso, antes de tudo, queo empresário tenha confiança no historiador e,em especial, em sua competência. Sem dúvida,muitas vezes falta ao historiador o manejo dosdocumentos de negócios; mas não é difícil ad-quiri-lo pelas facilidades que encontra paraadaptar-se, ou então por estar em condições derecolocar uma determinada técnica na linhade uma evolução mais geral, ou uma fase econô-mica no interior do desenvolvimento de todo osistema. É inegável que o seu ângulo de aborda-gem ou o seu método de pensamento não são

Revista de Administração de Empresas

os mesmos do empresário, mas isto não significaque sejam errados. Na verdade, as duas posiçõescomplementam-se muito bem. Em geral, paraque esteja apto a fazer a história das empresas,o historiador estudou contabilidade, adminis-tração de empresas, sociologia industrial, pes-quisa de mercado, etc. É provável que todas es-sas noções sejam para ele algo livrescas, mas ocontato com a realidade poderá auxiliá-lo bas-tante a superar tais limitações. Afinal, convémque o empresário se convença de que o historia-dor' das empresas não visa fazer uma pesquisafiscal ou· policial, e muito menos servir à espio-nagem industrial; sua intenção é tão-somenterealizar um estudo cientifico que não prejudica-rá em nada a empresa, pois seus objetivos sãomuito mais científicos e sérios do que se pensa.Isto poderá estimular o empresário a ter muitomais cuidado com a preservação, a conservação,a seleção e a classificação de seus arquivos. Atriagem constitui uma etapa delicada que deveser empreendida não só em função das necessi-dades da empresa, mas também das necessida-des da pesquisa histórica. O empresário ou seusubordinado, cuja tarefa é tratar dessa coleta,deverá informar-se junto a um historiador-eco-nomista ou a um arquivista diplomado que sejaespecializado neste tipo de problemas.' Caso osarquivos sejam muito importantes, conviria es-tabelecer um inventário geral de fácil consulta.E no caso de o empresário não saber o que fazercom seus arquivos (em especial, com os arqui-vos mais antigos), poderá entregá-los a um ar-quivo público, exigindo o tratamento que lhepareça mais adequado: seja concedendo plenapropriedade à administração pública, seja con-fiando-lhe apenas a preservação, estipulando sepermite ou não a consulta pública, para a quala empresa deve ou não conceder autorização.Em quase todos os países existe tal sistema dedepósito. Na França, por exemplo, os ArquivosNacionais em Paris e os arquivos departamen-tais na província possuem uma seção de históriadas empresas. Nos Arquivos Nacionais, o volu-me de Bertrand Gílle" dá-nos uma visão impres-sionante do material arrolado. Acrescente-seainda a enorme série 65AQ cujo inventárioexiste sob a forma de umfichário por setores daatividade industrial. Existem ainda inventáriosdatilografados para as séries posteriores a 65AQ:66AQ e seguintes.

Bertrand Gille estabeleceu uma classificaçãodos tipos de documento que se pode encontrarnos arquivos de empresas: a formação da em-presa, os Conselhos, a direção-geral, o patrimô-nio, o material de serviço, suprimentos, estoquese produção, o serviço financeiro, a contabilida-de, a correspondência, a "jurisprudência", opessoal, o serviço de estudos, os serviços comer-ciais, além das séries particulares.

Esta classificação é bastante completa, embo-ra possa ser bem simplificada em alguns arqui-vos de 'empresas. Um de nossos pesquisadoresque trabalhou tempos atrás sobre a história de

uma cadeia de mercearias no sudeste da Fran-ça" utilizou sobretudo três categorias ele docu-mentos: a contabilidade e os ba.laDços paracompreender a gestão nnaneeíra da, empresa; acorrespondência para conhecer seus fornecedo-res e seu mercado de venda; os arquivos relati-vos ao pessoal para um estudo de sociologiaeconômica. Outro pesquisador dedicou-se à his-tória de um grande hotel- e, para tanto, anali-sou o registro de seus clientes, além da corres-pondência e da contabilidade. No caso de arqui-vos incompletos, algumas séries. podem substi-tuir as que estão faltando. Por exemplo, se acorrespondência se perdeu, as faturas podemauxiliar na reconstrução da geografia ou mes-mo da sociologia da clientela.

Mas o empresário pode também auxiliar ohistoriador na pesquisa do setor particular daatividade industrial a que pertence a empresa.Trata-se novamente de história microeconômi-ca, uma vez que a economia setorial se ressentedos mesmos mecanismos de uma economia deempresa. Em geral, um dado setor possui, no es-calão mais alto, um organismo profissional deque faz parte o empresário. Este, por sua vez po-de interferir na pesquisa no sentido de que esteorganismo proceda ao levantamento e à con-servação de seus próprio arquivos. Ademais, ospróprios arquivos da empresa podem conter in-formações interessantes para a história do setor.E, através dos organismos profissionais, é muitomais fácil entrar em contato com seus congê-neres no estrangeiro quando se pretende tra-balhar sobre a economia estrangeira. Atravésdesses mesmos organismos pode-se entrar tam-bém em contato com os departamentos minis-teriais interessados e, destarte, pode-se ter aces-so a arquivos públicos que cobrem um períodomais recente para cujo estudo não se pode, emgeral, consultá-los. Pode-se também ter acessoaos organismos internacionais públicos e priva-dos, aos órgãos de pesquisa, aos bancos e a todasas instituições onde o empresário circula livre-mente, podendo por conseguinte facilitar in-gresso do historiador. E mesmo no caso de mo-nopólio ou de oligopólio,o conhecimento dos ar-quivos de uma ou duas empresas esclarece qua-se completamente a respeito da história do se-tor. Em suma, a ajuda do empresário é decisivano caso da microeconomia retrospectiva; e dis-so dependerá 'em lar~a medida o progresso dosEstudos nessa área. Poder-se-á inclusive entre-vistar o empresário (e seu estado-maior) por-que, assim como os documentos, ele é uma tes-temunha da história econômica e está em con-dições para dizer de que modo a empresa passoupor um determinado período conjuntural. Nu-ma ocasião passada, tivemos a oportunidade dediscutir a crise de 1930 com um dos pioneirosda siderurgia brasileira. É claro que sua visãoda crise era bem distinta daquela que lhe da-vam os economistas. Destarte, é possível com-pletar ou refinar análises excessivamente cal-cadas em documentação escrita. O próprio em-

presário, ou então seus antecessores, acaba tam-bém. acumulando uma documentação bastanterica a respeito da economia global e sua evolu-ção, peís nesse contexto que ele teve que se in-serir.

Graças ao apoio dos empresários públicos ouprivados, alguns trabalhos de peso no campoda história econômica puderam ser realizados.Nos Estados Unidos, por exemplo, a Universi-dade de Harvard constitui o centro mais impor-tante: sua Business Historica; Society possui-uma reserva de documentação muito rica e pu-blica a Business History Review. Para o grandepúblico, uma revista como Fortune oferece umavisão concreta da atividade e das realizações dosmaiores homens de negócios. Na França, a revis-ta Histoire desEntreprises foi publicada de 1958a 1963, com a média de dois volumes por ano, eseu fracasso não deve ser atribuído de modoalgum à falta de interesse ou de atividade porparte de seu diretor, Bertrand Gille. Entre 1960e 1968 foi public8da a Revue d'Histoire de la Si-dérurgie com a média de quatro fascículosanuais. Em 1969, tornou-se Beou« d'Histoire âesMines et de la Métallurgie, num regime de pu-blicação semestral sob os auspícios .do Centredes Recherches de I'Histoire de la Sidérurgie, emJarville (Meurthe-et-Moselle). Muitas coleçõesde obras históricas são consagradas à históriadas empresas ou dos diversos setores da econo-mia, como a famosa coleção Affaires et gensd'affaires e inclusive outras coleçõesmenos es-pecializadas onde é possível encontrar este gê-nero de obras. Podemos citar Les affaires deJacques Coeur, de Michel Mollat, Aux originesâessociétésanonymese Les moulms de Toulou-se, de Germain Sicard, Une famille de mar-chands, les Ruiz de Henri Lapeyre, e Le CréditLyonnais de 1863 a 1882, de Jean Bouvier. Re-centemente duas volumosas teses de Estado fo-ram dedicadas ao estudo de companhias fran-cesas: a tese de François Caron sobre As estra-das de ferro do Norte e a tese de Claude Pris in-titulada Saint Gobain desde suas origens até1830. Muitas dessas grandes companhias publí-caram um grande volume fartamente ilustradoou uma plaqueta para comemorar o centenáriode fundação. Uma verdadeira coleção dessasplaquetas comemorativas foi organizada nosArquivos Nacionais na seção de I: Brot. Algunscatálogos de arquivos privados foram redigidose alguns publicados, como por exemplo este queacabamos de citar, de autoria de Isabelle Brota respeito dos Arquivos da Agência Haves (Se-tor Informação) conservados nos Arquivos Na-cionais (5AR).5 Em outros casos, tais arqui-vos permaneceram em seu lugar de origem.embora se possa encontrar catálogos a seurespeito nos Arquivos Nacionais. Podemos citaros catálogos relativos às Anciennes Manufactu-res Canson et Montgolfier, a Vidalon-les-Anno-nay, na região de Ardósia. Os Arquivos Nacio-nais intalaram "missões" em alguns ministériosa fim de selecionar e conservar sua documenta-

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História econômica

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çãono próprio lugar, de origem. A. maio, dosArquivm lfaaionaia no Ministério, da, Baonomiae das Htnanças, instalada. no prédio' do, Louwe(Rue de Riroli), }JQS8Ui,toda, a doeumentaçãoreferente à inscrição na bolsa de Paris dos pedi.dos de empréstimo.. das coletividades latino.americanas. Alguns. pesquisado:rf!o,4t,sob noasaorientação, tiveram· acesso a esse material; comvistas. a, estudar o- problema dos investimentosfranceses na. América Latina.6

Tais estudos e investigações pennitem verifi-car e refinar um certo, número de grandes hí-póteses de trabalho· muitas veIBI formuladaspor sooiólogos e economiStas, sendo, licito, ~guntan quaisossi&temas econômioos.e quaiaostipos de empresas a que tais hipóteses se refe-rem. Por exemplo, a teoria, de Schumpeter so-bre o papel'do,empresário,e·da,inovação, distin.ta da invenção, Ou então, a,teoriade Bmest:ha •.brousse a respeito das diversas faaes do capita-lismo industrial: patrimonial; anônimo, finan.·ceiro, teenoerátíeo, Inclusive as teorias. da, eseo-la necelássíea. sobre o mecanismo, dos preços,bem como da escola sueca. sobre os oáloulOlllCante e ex ~. 11m suma, todas as. partal. dateoria econômica, passíveis de uma wrificaçãoao nível macroeconômico.

Não há dúvida de que uma das razões capa-zes de explicar o' íneípíente desenvolvimento dahistória das empresas vem, a ser o' preconceitode muitos historiadores. e economistas contra amicroeconomia, que muitas vezes é confundidafacilmente com a economia de empresa. Aiiás,trata-se de um, preconceito de origem, m~apesar dos trabalhos "microeconômicos" demarxístas como Jean Bouvier, ou P1erre Vilar.Felizmente, é um preeoneeíto- em, vias de élItin-ção uma vez que, a, respeito, dos invastiment08franceses no ellterior, Jean Bouviell contrapu-nha recentemente' o' método de avaliação di...reta mícroeeonômíca, empregadá pelos marlJli&,.tas, ao método, macroeconômico, da. balan~ depagamentos, tão em voga junto aos anglo..aa.xões. Todavia;' sempre é bom·lembl'Bl' quemuí-tos historiadores temem repetir, na, empresa aexperiência do cronista na corte doa reis. deFrança, subsídíadn- para entoar a glória de seushóspedes ilustres. B·por.estemotiVD; o.empMSá•.rio que atrai, ou acolhe historiadores dev.1hesassegurar que suas intenções são· ouwa&, alémde lhes dar, plena, liberdade· e jJUDaistemer, queos historiadores possam, rev.elar setp:edoa aapa~zes de denegrir a imagem da, empresa junto "àopinião, pública. .

2. O· HlSTOBIADOR PRBSTAAUXíliIQ,A{;),BMPRBSARIO·

Nunca se deve tmIlsmitir aos empr-'rios idéiade que a história é- um, &gf8dáveli pa&&atempo.que lhes dá, a, opoIltunidade de se-tomarem· me-cenas faustoaoa e dealntel'8l88doa daade· que afinanciam ou prestmn amúlio. ao.. pIICllliBado-res, Q'f;mbalho·que o.historiadQl'\ reaUm,ent,saus

Reviata de Adminiatração de BmfITe.Ba6

arquivos.lhes é tão útn.como o desenvolvido pe-los economistas e por outros especialistas dasciências. sociais.

4' hlItória da empresa é, em primeiro lugar,vaUosa para o proprietário ou. para o diretor daemp1'f!!ll!J8.Bvidentemente, quando 'a firma é decaréter familiar, o filho herdeiro recebeu portradição· oral um certo conhecimento das ori-gens. e do desenvolWmento do negócio. Todavia,muitas ve&lS tal' conhecimento é meramenteanedótico e apercepção·dos problemas não pas-sa de um estágio bastante intuitivo. Pareceaconselhável que o jovem executivo que assu-me o poder saiba, através da história, a natu-reza de sua empresa; as vicissitudes com queela teve de se defrontar e, ainda,' as dificulda-des por que pa.- e que ameaçam perturbarsua apansio. Tal oonbeeimento toma-se' mui-to mais aconselhável, quando se trata de umagrande sociedade anônima moderna, onde osescalões de direç~. nada têm 'de familiar, ondeos.'ellíeCUtivosde alto nível· são originãrios dosgrandes· quadros. da. administração estatal, e,por conseguinte, têm que aprender tudo sobreo empreendimento. A menos que se tenha umamentalidade puramente funcionalista, como li-vrar-se da necessidade de lançar um olhar re-troapecttV{) nem que fosse para compreenderapenas o que constitui persistência do passadoe que deixou de corresponder às necessidadespresentes?

Isto é vãUdo tanto para a história contãbilda' empresa .oomo para sua história geográficaou sociológica. Tomemos um único exemplo ..QuandO P1erre Vaysslàre estudou a história darede de lojas L'Bpargne,8 um dos aspectos de.seu trabalho que mais interessou os dirigentesda. firma, foi o estudo dos relatórios elaboradospelos gerentes de sucursais. Havia nessa pes-quísa, uma. aná11se estatística, sobre a origem,o recrutamento· e a carreira. desses gerentes quesó poderia, ser. bem rea1iz&da por um historia-dor preocupado em conhecer o contexto eco.nômico e social' das atividades desses gerentese também, que f0188 capaz de assinalar o queera necessidade atual e o que eram antigos hâ-bitos.

A história de uma. empresa também é útilpara os grandes empresários. Não queremosnos referir aos concorrentes o que acabaria setomando· uma. razão· a maís. para o empresãriofechar suas portas aos historiadores - massim às empntSaS de outros ramos da produção.O·conheciJrioento··de·seu·tuncíonamentoe desuahistória, pode semr, a útéis comparações porpute doa, empresál'ioa.Por eumplo; é possívelque encontze no. perfil de um outro empresário .um modelo· pare si;mesmo, Ademais, c econo-mista que trabalha. a seu lado e o aconselhatambém pod'e ter idéias. novas se tiver acessoa essas ellP8riênaias. Q" empresá.rio químico po-derá conbecer melhor a diferença entre astransformações de uma firma como a sua e

aquelas por que passou uma firma metalúrgicaou têxtil.

A história de um setor da atividade econômi-ca poderá trazer informações e subsidios valio-sos para todos os empresários pertencentes aesse setor e a todos os economistas que neletrabalham. Ao revelar a história estrutural deum dado setor, o historiador desvendará seusmecanismos próprios. Tal conhecimento possi-bilitará entender de que maneira as diversasempresas se integraram a estes mecanismos nopassado, além de estar em condições de apon-tar as modificações de estruturas do setor nocurso do tempo. Poderá mostrar se o papel daspersonalidades do setor foi ou não importantee qual o peso médio respectivo dos diversos fa-tores de produção. Mostrará a .ímportâncía dosetor no âmbito do mercado global, regional,nacional, ou internacional. Poderá. ainda. dedi-car-se à história de certas' empresas que man-têm relações particularmente estreitas com asua: 'os bancos - os trustes ou holdings que li-gam a empresa e o setor a outros setores e aoutras empresas. Fazer a história destas liga-ções e de suas relações pode esclarecê-Ias bas-tante e, ao mesmo tempo, esclarecer a trajetó-ria do empresário. Fusões, integrações, incorpo-rações, cartéís, koneerns, acordos, etc., toda es-ta teia pode ser desemaranhada através da his-tória de,uma das empresas envolvidas. No to-cante aos bancos, eles sempre constituíram pos-tos de observação privilegiados e estratégicospara o conhecimento do andamento dos negó-cios, da conjuntura, da própria estrutura dosmercados, dos setores da indústria, das empre-sas. A imensa documentação bancária contémindicações sugestivas sobre o papel das perso-nalidades nas empresas; o que pode interessardiretamente o próprio empresário moderno.

Conviria mostrar também em que medida oconhecimento da história econômica global, na-cional ou internacional é imprescindível aoempresário que a todo momento é solicitado asituar-se em relação ao conjunto da vida eco-nômica e do mercado, bem como avaliar os ru-mos de sua evolução, tanto a curto como a lon-go prazo. De que modo poderia o empresário es-quivar-se de refletir acerca do que representaas estruturas de sua empresa e o papel dela nodesenvolvimento econômico geral. o que esteúltimo significa no contexto do capitalismo in-dustrial e o que significa esteúltímo termo emoposição ao capitalismo comercial ou à eeono-mia pré-capitalista? Sabendo de onde vem, oempresárío saberá melhor para onde vai. Eisporque algumas vezes os historiadores desem-penharam um papel relevante nos órgãos dedesenvolvimento econômico nacional ou regio-nal, ao lado dos geógrafos. dos sociólogos. doseconomistas. Na reorganização do espaço da qualdepende muitas vezes a sobrevivência de umaempresa regional ou local. seria conveniente in-dagar quais as razões que explicam o desen-volvimento exagerado. o subdesenvolvimento

ou o menor desenvolvimento da região. Poisfreqüentemente as origens de tudo ÍSEIO são decaráter, histórico. ~do trabalhado como his-toriador numa comissão de reorganização doSudeste da França, vimos de que maneira asestruturas agrárias medievais, as revoluçõesagrícolas dos séculos XVI e XVIII, a inexistên-cia de uma classe de empresários sehumpete-rianos no século XX podiam trazer subsidios-para a ação da aclministração e das empresas.

Bate tipo de hiatóría econômica não deve ne-gligenciar os aspectos sociológicos, geográficos,jurídicos e técnicos. Um exemplo célebre encon-tra-se' no ,opúsculo de Jean Fourastié, coleçãoSaber. dedicado à contabüidade. Trata-se deuma história da contabilidade que mostra, emparticular, como surgiu a técnica de contabili-dade de partida dobrada. O que :permite com-preender, sem recorrer a teorias pul'amente ar-tificiais. os "paradoxos" da contabilidade departida dobrada. como por exemplo aquilo quese costuma designar "a inversão dos signos".

De maneira mais geral. digamos que a ciên-cia econômica é indispensável ao empresário.Contudo, a ciência econômica, ciência do pre-sente e do futuro, não pode se desenvolver semreferir-se ao passado e à história econômica,nem que seja para explicar uns pelos outros Ossistemas, as estruturas, .os mecanismos, nemque seja para compará-los, ou para comparar eexplicar as conjunturas. Destarte, embora in-diretamente, mas nem por isso em bases me-nos . sólidas e seguras, o historiador auxilia oempresário a estabelecer seu diagnóstico, a t0-mar uma decisão ou assumir uma dada inicia-tiva.

Peder-se-ía ir mais longe ainda e mostrar aimportância da história na formação do em-presário, bem como na do economista. A pre-sença desta disciplina na ação cotidiana com-prova sua importância na formação do jovemcandídato a um diploma de administraçãode empresas. Na verdade, é toda a eJq)8riênciadeseus predecessores que lhe é oferecida em ba-ses sistemáticas e no seu processo dinâmico detransformação. 11claro, com a exigência prévia.de que uma tal hístôría econômica seja reínse-rida no âmbito da história 'geral. Esta últimaconstitui um instrumento de cultura de primei-ra ordem para o futuro dirigente da sociedade.A história alimenta a reflexão de' um homemde ação, aponte, a relatividade dos pensamentose das coisas" além de "humanizar" suas atitu-des e decisões e enriquecer sua filosofia. Nas si-tuações graves, ajuda 'o ,empresário· a situar-see a tomar uma decisão.

Praticamente, o que pode ser feito para de-senvolver a colalloração entre historiadores eempresári<>s;?Diversas medidas e ações são efe-tivamente possíveis. A prlineira consiste em de-senvolveros contatos entre as duas corpora-ções que, destarte, podem aprender a se estima-rem' e a connarem uma na outra. A segundaconsiste em criar, onde ainda não existe, 'uma

HutóritJ 'econômka

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comissao de preservação ou conservação dosarquivos privados e dos arquivos das empresas,o que estimulará os empresários a preservarseus arquivos, dando-lhes eventualmente os re-cursos para fazer isso. A terceira cabe aosexecutivos que poderão encontrar historiadoresdesejosos e capazes de fazer. a história de suaempresa, para o que será necessário auxWá-Iosamplamente através de um estágio nos escri-tórios da empresa e, em seguida, abrindo-lhesseus arquivos e colocando pessoal qualificadoa sua disposição. Sem falar da plena liberdadeque deve facultar aos pesquisadores e nos sub-sídios financeiros que sejam necessários parapara a publicação de seus trabalhos.

Contudo, a história é apenas uma das ciên-cias sociais. As demais também são multo úteispara o empresário que não. deve de modo al-gum negligenciá-las. Haveria ainda muitos ou-tros ternas para reflexão. No que diz. respeitoaos historiadores, devem desenvolver um esfor-ço em prol da história econômica .:....sempretão desdenhada apesar das pomposas declara-

ções de entusiasmo - e em particular, em fa-vor da história das empresas. É este esforço queesperamos seja feito pela nova geração. O

1 Na França muitos "arquivistas-paleógrafos", ouseja, antigos alunos da Escola de Chartes, interes-sam-se por arquiVOSde empresas.2 Situação sumária dos arquivos de empresas con-servados nos Arquivos Nacionais, Série AQ, tomo IlAQ e 64AQ,Paris, Imprensa Nacional, 1957.3 Vayssiêre, Pierre. L'Epargne, 1900-1960.

• tacaze, Marie elaire. La. maison Tivolller, 1853-1904.fi SBVPEN,Paris, 1969.c No tocante a diversas teses de mestrado e douto-ramento, consultar nossa comunicação feita no Con-gresso da Associação Francesa de Historiadores Eco-nomistas, Paris, 1973,cujas atas serão publicadas embreve.7 Refiro-me ao mesmo Congresso citado.S Ver nota 3.

Livro também é arma de guerra contra a poluiçãovocê precisa conhecer a extensão da ameaça

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Guerra â poluição - deU Thant, ex-SecretárioGeral da ONU, e mais5 autores. Relaçãohomem-natureza,contaminação industrialeuropéia, busca daágua, pantanalmatogrossense. Estes sãoalguns dos temastratados na obra

Revista de Administração de Empresas

o mar - direito eecologia - de PauloMoreira da Silva eoutros. Trata não apenasda poluição mas tambémdo direito marítimo edos recursos que o marpode oferecer aohomem moderno.

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