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I
Fundao Oswaldo Cruz Instituto Nacional de Sade da Mulher,
da Criana e do Adolescente Fernandes Figueira
DIAGNSTICO DIFERENCIAL DAS LESES TUMEFATIVAS
DESMIELINIZANTES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL NA INFNCIA E
ADOLESCNCIA: REVISO SISTEMTICA DA LITERATURA
Stella de Aparecida Ederli Pinto dos Santos
Rio de Janeiro
Agosto de 2013
II
Fundao Oswaldo Cruz Instituto Nacional de Sade da Mulher,
da Criana e do Adolescente Fernandes Figueira
DIAGNSTICO DIFERENCIAL DAS LESES TUMEFATIVAS
DESMIELINIZANTES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL NA INFNCIA E
ADOLESCNCIA: REVISO SISTEMTICA DA LITERATURA
Stella de Aparecida Ederli Pinto dos Santos
Dissertao apresentada Ps Graduao em Pesquisa aplicada Sade da Criana e da Mulher, como pr-requisito para o ttulo de Mestre em Cincias.
Orientador: Prof. Dr. Leonardo C. de Azevedo
Coorientadora: Prof. Dr. Tania Regina Dias Saad Salles
Rio de Janeiro
Agosto de 2013
III
IV
V
Agradecimentos:
Ao meu orientador, Dr Leonardo de Azevedo, e minha coorientadora, Dra Tnia
Saad agradeo pelo apoio, orientao e sabedoria. Vocs me ensinaram
muito alm da neurologia infantil e sempre sero exemplos pra mim;
Dra Alessandra Penna e Costa pela idia do projeto e estmulo acadmico;
Ao Dr Adailton Pontes e Dra Maria Alice Genofre, meus eternos mestres;
s amigas da neurologia infantil que acompanharam meu trajeto e me
apoiaram sempre: Livia Lobo e Carla Quero;
A todo o corpo docente do Programa de Ps Graduao do IFF/FIOCRUZ;
Rose Silva e Ana Rafalsky, secretrias da ps-graduao e laboratrio de
neurofisiologia pelo auxlio;
s Dras Maria Lucia Vellutini Pimentel e Maria Virginia Marques Peixoto que
fizeram parte da banca de qualificao e da banca examinadora da defesa:
pelas crticas construtivas e auxlio no aperfeioamento do projeto;
Dra Flavia Miranda Corra pelos ensinamentos e auxlio com revises
sistemticas;
CAPES pelo apoio pesquisa;
s Dras Helosa Pereira e Raquel Boy por me proporcionarem a oportunidade
de estar no Hospital Universitrio Pedro Ernesto / UERJ e de fazer parte desta
equipe;
Aos amigos pela compreenso;
Aos colegas de mestrado, pelo auxlio e momentos de descontrao: Anna
Paula, Anna Beatriz, Antonio Bellas, Carla Castro, Daniel Silva, Lilian Arago,
Nina Kuperman, Rovena Barcellos;
Aos meus pais que sempre acreditaram em mim, por todo apoio e por todo o
amor. Mais um sonho realizado, que no seria possvel sem vocs;
VI
Lista de Siglas e Abreviaturas:
Anti-AQP4: anticorpo anti-aquaporina 4
Anti-MOG: anticorpo anti glicoprotena de mielina do oligodendrcito
BERA: potencial evocado de tronco cerebral
BOC: bandas oligoclonais
D: direita
DDs: doenas desmielinizantes
E: esquerda
EM: esclerose mltipla
Gd: gadolneo
HSV1: vrus herpes simples tipo 1
IgIV: imunoglobulina humana venosa
LCR: lquido cefalorraquideano; lquor
LT: leso tumefativa
LTD: leso tumefativa desmielinizante
NC: nervos cranianos
NMO: neuromielite ptica
NR: no realizado / no relatado
PBM: protena bsica de mielina
PESS: potencial evocado somatossensitivo
PEV: potencial evocado visual
PL: puno lombar
PMN: polimorfonucleares
RM: ressonncia magntica
RSL: reviso sistemtica da literatura
SCI: sndrome clnica isolada
SNC: sistema nervoso central
TC: tomografia computadorizada
VII
Pinto dos Santos SAE. Diagnstico Diferencial das Leses Tumefativas Desmielinizantes do Sistema Nervoso Central na Infncia e Adolescncia: Reviso Sistemtica da Literatura. Rio de Janeiro, 2013. Dissertao [Mestrado em Pesquisa Clnica] - Instituto Nacional Fernandes Figueira IFF / FIOCRUZ.
RESUMO:
Introduo: As leses tumefativas desmielinizantes (LTD) do SNC apresentam extrema dificuldade diagnstica em virtude da similaridade clnica e radiolgica com outras entidades nosolgicas, incluindo doenas neoplsicas, inflamatrias e infecciosas. Frequentemente, o carter indefinido das leses aponta para a necessidade de bipsia cerebral com alto risco de morbidade. Portanto, o reconhecimento das caractersticas neurorradiolgicas da LTD fundamental para evitar a utilizao de procedimentos invasivos. Na prtica clnica, os exemplos das formas tumefativas no tumorais so os seguintes: esclerose mltipla (EM), neuromielite ptica (NMO), doena de Schilder e encefalomielite agudadisseminada (ADEM). Objetivo e Mtodos: Analisar, atravs de reviso sistemtica da literatura, quais ferramentas diagnsticas clnicas, radiolgicas e laboratoriais so utilizadas pelos autores na investigao da etiologia das LTDs do SNC na infncia. Resultados: As doenas desmielinizantes encontradas foram as seguintes: EM em 36% dos casos; LTD, sem classificao especfica, em 27%; ADEM 17%;doena de Schilder 13 % e NMO 7%. De todos os casos estudados, em 45% houve recorrncia de eventos desmielinizantes. No h protocolo definido em relao aos tipos de exame solicitados nem a sequncia apropriada ou oportunidade de indic-los. Os exames mais realizados pelos autores foram os seguintes: RM de crnio, exame histopatolgico, pesquisa de bandas oligoclonais e ndice de IgG no lquor, RM de coluna e pesquisa de anticorpo antiaquaporina 4. Concluso: A anlise da literatura mostra que os dados mais relevantes para se definir o diagnstico das LTDs so obtidos atravs da histria e evoluo clnica dos pacientes, e exames de neuroimagem; fundamental que pacientes portadores de LTD sejam acompanhados a mdio/longo prazo na tentativa de aumentar as possibilidades diagnsticas; no existe protocolo universal de abordagem das LTDs; h necessidade incondicional de implementao de fluxo de procedimentos capazes de orientar o diagnstico das LTDs na infncia e adolescncia. Palavras-chave: 1. Reviso Sistemtica de Literatura; 2. Leso Tumefativa Desmielinizante; 3. Crianas; 4. Adolescentes; 5. Doenas desmielinizantes; 6. Ressonncia Magntica; 7. Esclerose Mltipla; 8. Encefalomielite Difusa Aguda Disseminada; 9. Neuromielite ptica;
VIII
Pinto dos Santos SAE. Differential Diagnosis of Tumefactive demyelinating lesion in children and adolescents: Systematic Review of Literature. Rio de Janeiro, 2013. Master [Science dissertation in clinical research] - Instituto Fernandes Figueira IFF / FIOCRUZ
ABSTRACT:
Introduction: The tumefactive demyelinating lesions (TDL) of the CNS have extremely difficult diagnosis due to the clinical and radiological similarity with other nosological entities, including neoplastic, inflammatory and infectious diseases. Commonly, the undefined character of the lesions points to the need of brain biopsy with high risk of morbidity. Thus, the recognition of neuroradiological characteristics of the TDL is critical to avoid the use of invasive procedures. In the clinical practice, the examples of the non tumorous forms of tumefactive lesions are the following: multiple sclerosis (MS), optic neuromyelitis (ONM), Schilder`s disease and acute disseminated encephalomyelitis (ADEM). Objective and Methods: Analysis, through the systematic review of the literature, which clinic, radiological and laboratorial diagnostic tools are used by the authors in the investigation of the etiology of the TDL`s of the CNS in the childhood. Results: The following demyelinating diseases have been found: MS in 36% of the cases; TDL without a specific classification in 27%; ADEM 17%;Schilder`s disease 13 % and ONM 7%. Considering all the cases studied, in 45% had recurrence of demyelinating events. There is no defined protocol with respect to the types with medical exams requested neither the appropriate sequence or the opportunity of indicate them. The medical exams more conducted by the authors were the following: MRI of skull,histopathological exam, research of oligoclonal bands and IgGindex in the liquor, MRI of spine and research of anti-aquaporin-4 antibody. Conclusion: The analysis of the literature shows that the most relevant data to define the diagnosis of the TDLs are obtained through the history and clinical evolution of the patients and neuroimaging tests.It is critical that the patients with TDL be accompanied over the medium/long term in an attempt of increase the diagnostic possibilities; there is not an universal protocol of approach of the TDL; there is unconditional necessity of implementation of flow of procedures able to guide the diagnosis of the TDLs in the childhood and adolescence. Key-words: 1. Systematic Review of Literature; 2. Tumefactive Demyelinating Lesion; 3. Children; 4. Teenager; 5. Demyelinating Disease; 6. Magnetic Resonance Imaging; 7. Multiple sclerosis; 8. Diffuse acute disseminated encephalomyelitis; 9. Optic neuromyelitis;
IX
Sumrio Introduo ...................................................................................................................... 14
Leso Tumefativa Desmielinizante do SNC ..................................................................... 15
Doenas Desmielinizantes na Infncia ......................................................................... 18
Justificativa .................................................................................................................... 38
Objetivos ........................................................................................................................ 40
Hiptese .......................................................................................................................... 41
Metodologia .................................................................................................................... 42
Questo Norteadora da Reviso Sistemtica da Literatura ......................................... 43
Identificao dos Estudos .................................................................................................. 43
Seleo dos Estudos .......................................................................................................... 44
Extrao dos Dados ........................................................................................................... 46
Anlise dos Dados e Sntese da Informao ................................................................. 52
Aspectos ticos ............................................................................................................. 53
Resultados ..................................................................................................................... 54
Discusso ....................................................................................................................... 67
Concluso ...................................................................................................................... 73
Consideraes Finais ................................................................................................... 74
Referncias Bibliogrficas ........................................................................................... 76
Apndices ....................................................................................................................... 82
X
Lista de Quadros:
Quadro 1: Critrios para definio de EM na infncia segundo consenso do grupo
internacional de estudos de esclerose mltipla na Infncia (KRUPP et al, 2013),
traduzidos pela autora. .................................................................................................... 28 Quadro 2: ADEM Definio e consenso do grupointernacional de estudos l em EM
Peditrica (YOUNG, 2008), traduzido pela autora. ....................................................... 31 Quadro 3: Critrios diagnsticos para NMO, traduzidos pela autora (WINGERCHUCK
et al, 2006) ...................................................................................................................... 33 Quadro 4: Critrios de SCI na Infncia (KRUPP et al, 2013) traduzidos pela autora.... 36 Quadro 5: Comparao dos critrios do grupo internacional de esclerose mltipla na
infncia de 2007 (KRUPP, 2007) e 2012 (KRUPP, 2013) ............................................. 37
Quadro 6: Etapas de Reviso Sistemtica. ..................................................................... 42 Quadro 7: Ficha de avaliao dos Estudos ..................................................................... 82 Quadro 8: Descrio do nmero de artigos encontrados, duplicados, excludos e
selecionados para a Reviso Sistemtica da Literatura nas bases de dados e demais
fontes de busca. .............................................................................................................. 83
XI
Lista de Tabelas:
Tabela 1: Extrao de dados demogrficos e anlise individual dos casos .................... 47
Tabela 2: Extrao de dados dos sinais e sintomas ........................................................ 48 Tabela 3: Extrao de dados dos exames laboratoriais realizados ................................. 49 Tabela 4: Extrao de caractersticas da imagem na RM ............................................... 50 Tabela 5: Extrao de dados dos exames decisivos ao diagnstico etiolgico. ............. 50 Tabela 6: Etiologias das LTDs encontradas no estudo-piloto da RSL ........................... 51
Tabela 7: Extrao de dados demogrficos e anlise individual dos casos; ................... 95 Tabela 8: Extrao de dados dos sinais e sintomas ........................................................ 97 Tabela 9: Extrao de dados dos exames laboratoriais realizados; ................................ 98 Tabela 10: Extrao de caractersticas da imagem na RM ........................................... 100
Tabela 11: Extrao de dados dos exames decisivos ao diagnstico etiolgico. ....... 102 Tabela 12: Etiologias das LTDs encontradas na RSL .................................................. 102
XII
Lista de Figuras:
Figura 1: Possveis etiologias de uma Leso Tumefativa Desmielinizante do SNC.
Construdo pela autora. ................................................................................................... 17 Figura 2: Histria natural da forma surto-remisso da esclerose mltipla. Traduzido e
adaptado de KAWKINS e WOLINSKY. Principles of Treatments in Multiple Sclerosis
- Oxford: Butterworth-Heinemann, 2000. ...................................................................... 21 Figura 3: Formas clnicas de esclerose mltipla. Traduzido e adaptado ( LUBLIN e
REINGOLD,1996 ) ........................................................................................................ 22 Figura 4: Fluxograma PRISMA dos estudos durante as diferentes fases da RSL .......... 55 Figura 5: Sinais e sintomas dos casos analisados na RSL So descritas sintomatologias
de 58 dos 60 casos . Os casos so mostrados naordenada e os sintomas e/ou sndromes
na abscissa. ..................................................................................................................... 57 Figura 6: LocalizaodasLTDs de acordo com a anatomia do SNC .............................. 60 Figura 7: Localizao das LTDs adicionais no SNC ...................................................... 60
XIII
Lista de Grficos:
Grfico 1: Sintomas e/ou sndromes neurolgicas observadas nas crianas e
adolescentes com LTD ................................................................................................... 58 Grfico 2: Resultados dos exames laboratoriais realizados no lquor e sangue ............. 59 Grfico 3: Exames diagnsticos realizados ou no (ou no relatados) em 60 pacientes 62 Grfico 4: Percentual de alteraes em exames realizados. ........................................... 63 Grfico 5: Etiologia da doena de base definida a partir do exame histopatolgico. ..... 64
Grfico 6: Tratamento da fase aguda recebido por todos os pacientes .......................... 65 Grfico 7: Etiologia das LTDs do SNC .......................................................................... 66
14
1 - Introduo
As desordens desmielinizantes do Sistema Nervoso Central (SNC) como
a Esclerose Mltipla, Neuromielite ptica e Encefalomielite Aguda Disseminada
so diagnosticadas nos exame de imagem, por leses caractersticas da
substncia branca, e podem se apresentar como leses tumefativas definidas
por aspectos radiolgicos especficos. Na tomografia computadorizada (TC) ou
ressonncia magntica (RM) do crnio, as leses so dos seguintes tipos
(RIETH et al, 1981; KEPES, 1993; DAGHER e SMIRNIOTOPOULOS, 1996):
Leso solitria;
Dimetro maior que 2,0 cm;
Associao com efeito de massa, edema, e/ou captao de
contraste perilesional;
As Leses Tumefativas do SNC denominaes variadas, incluindo
Esclerose Mltipla Pseudotumoral e Esclerose Mltipla Tumefativa.
O nmero de casos descritos limitado mesmo entre adultos onde as
desmielinizaes do SNC so mais comuns. Alm disso, a no confirmao
etiolgica e o seguimento clnico-radiolgico tornam difcil o diagnstico
definitivo, o que acarreta falta de consenso na literatura
Frequentemente a dvida quanto a indefinio da leso aponta para a
necessidade de bipsia cerebral e, portanto, alto risco de morbidade. Deste
modo, reconhecer as caractersticas neurorradiolgicas da leso
desmielinizante tumefativa fundamental para se evitar procedimentos
invasivos, e at mesmo resseces errneas de tecido cerebral vivel
(FALLAH et al, 2010). Em resumo, as LTDs do SNC so raras nos adultos e
15
nas crianas, mas sua abordagem adequada importante na diferenciao das
doenas desmielinizantes em geral, mas, sobretudo para orientar o tratamento
da patologia de base.
1.1 - Leso Tumefativa Desmielinizante do SNC
O diagnstico das leses tumefativas desmielinizantes do SNC
desafiador em virtude da similaridade clnica e radiolgica com outras
entidades neoplsicas, inflamatrias e infecciosas, tais como abscesso
cerebral, tuberculose, toxoplasmose, neurocisticercose e HIV. A apresentao
clnica da doena depende da localizao e tamanho da leso, e os sintomas
costumam progredir rapidamente e so representados por dficits motores,
convulses, ataxia, cefalia, apraxia, afasia e alterao cognitiva ou do estado
mental (HEYMAN et al, 2001, GUTRECHT et al, 2002).
Um estudo retrospectivo a partir de resultados de bipsia de LTDs
analisou as apresentaes clnica e radiolgica da doena em 168 pacientes
adultos. Desses, 70% desenvolveram Esclerose Mltipla clinicamente definida
no seguimento e 14% apresentaram sndrome clnica isolada. A RM de crnio
j apresentava antes da bipsia, leses mltiplas e os pacientes mostravam
clnica neurolgica multifocal. O objetivo do trabalho foi enfocado no
diagnstico precoce, mostrando a utilizao de intervenes cirrgicas
desnecessrias, e ainda propondo manejo e seguimento adequados
(LUCCHINETTI et al, 2008)
Na populao peditrica este tipo de leso ainda mais raro, sendo sua
prevalncia anual estimada em 8,6/100 000 e incidncia de 0,4/100 000 (VAN
16
LANDINGHAM et al, 2010). Em comparao aos adultos, sugere-se que a
doena tem curso mais benigno e de carter monofsico (YAPICI e ERAKSOY,
2002; KUMAR et al, 1998, KEPES, 1993). Contudo,sries de publicao mais
recentes mostram que durante o seguimento clnico dos pacientes a evoluo
pode no ser to benigna e ter at carter recorrente (MC ADAM et al, 2002;
DASTGIR e DiMARIO, 2009).
O aparecimento das LTDs pode ocorrer de forma monofsica
caracterizando Sndrome Clnica Isolada (SCI) ou com caractersticas mais
comumente encontradas nas doenas desmielinizantes inflamatrias, de
carter no tumoral, seja como primeira manifestao ou mesmo durante o
curso clnico. Os exemplos das formas no tumorais so: esclerose mltipla,
neuromielite ptica, doena de Schilder (esclerose mielinoclstica difusa) e
encefalomielite aguda disseminada. Nesta ltima, em menor nmero de casos,
as leses so nicas e extensas (YOUNG et al, 2008; SINGH et al, 2003). A
figura de um iceberg mostrada abaixo pode exemplificar esquematicamente
que, na realidade, o aspecto da leso inicial no define por si s determinada
doena, mas ao contrrio, o padro neurorradiolgico pode ser encontrado em
diversas patologias desmielinizantes.
17
Figura 1: Possveis etiologias de uma Leso Tumefativa Desmielinizante do SNC. Construdo pela autora.
Ainda, no diagnstico diferencial, importante ressaltar a possvel
concomitncia de determinada patologia infecciosa ou tumoral com as doenas
desmielinizantes. Na literatura j descrita a associao entre esclerose
mltipla e tumores do SNC de diversos tipos histopatolgicos, tais como,
oligodendroglioma, astrocitoma e glioblastoma multiforme (KHAN et al, 1997;
HO e WOLFE, 1981; WERNECK et al, 2002). Alm disso, o aspecto das leses
na neuroimagem imita o comportamento invasivo de metstases de tumores
primrios de pulmo e estmago (SPAAR e WIKSTROM, 1978). Por exemplo,
no caso de associao com gliomas, os autores especulam sobre a
possibilidade de haver apenas coincidncia ou relao causal. As opinies dos
autores so divididas sobre haver relao causal ou apenas coincidncia na
rara concorrncia entre esclerose mltipla e glioma (ANDERSON et al, 1980;
MALGREN et al, 1984; GREEN et al, 2008).
18
1.2 Doenas Desmielinizantes na Infncia
As doenas desmielinizantes tm sido estudadas e melhor conhecidas
ao longo do tempo resultando na elaborao de critrios diagnsticos com a
finalidade de facilitar sua identificao clnica. Esses critrios sofreram
atualizaes em virtude da descoberta de exames laboratoriais acessrios,
marcadores imunolgicos e uso de imagem por RM. Um dos objetivos das
revises de critrios estabelecer o diagnstico precoce dessas entidades
objetivando iniciar terapia imunomediada e reduziros surtos, bem como evitar
ou reduzir as incapacidades residuais.
A seguir, sero brevemente mostrados alguns marcos histricos
relacionados s publicaes das doenas desmielinizantes tendo como foco as
patologias peditricas:
1954 Primeiros critrios clnicos reconhecidos para EM, por Allison e
Millard (ALLISON, 1954);
1983 Critrios de Poser (POSER, 1983);
1997 - Critrios de Barkhof de RM para EM (BARKHOF, 1997);
1999 - Critrios diagnsticos de Wingerchuck para NMO
(WINGERCHUCK, 1999);
2001 - Critrios diagnsticos de McDonald para EM (McDONALD, 2001);
2004 - Descoberta do anticorpo anti-AQP4 e sua relao com NMO
(LENNON, 2004);
2006 Reviso dos critrios de Wingerchuck para NMO
(WINGERCHUCK, 2006);
2007 Primeiro consenso sobre EM na infncia (KRUPP, 2007);
19
2010 Reviso dos critrios de McDonald para EM (POLMAN, 2011).
Referncia EM de incio na infncia;
2012 Avaliao dos critrios de McDonald para EM em crianas
com sndrome clnica isolada (KORNEK et al, 2012);
2013 Reviso dos critrios de 2007 de doenas desmielinizantes
imunomediadas do SNC na infncia publicao dos critrios de
2012 (KRUPP et al, 2013).
As revises seriadas acima apontadas indicam que as desordens
desmielinizantes inflamatrias do SNC na infncia tm sido cada vez mais
estudadas e reconhecidas. Assim, diversas formas clnicas foram descritas, tais
como (POHL 2008):
Monofocais e monofsicas, como neurite ptica e mielite transversa;
Multifocais e monofsicas, como ADEM em sua forma clssica;
Multifocais e crnicas ou polifsicas, como a EM, Neuromielite ptica e
as formas recorrente de ADEM.
Clinicamente, como ser visto adiante com maior detalhe, a
apresentao inicial das DDs pode ser muito semelhante (ver tambm figura 1).
Portanto, no diagnstico diferencial importante ressaltar a importncia dos
exames de imagem, avaliaes laboratoriais e acompanhamento prolongado
do curso da doena. O auxlio do laboratrio fundamental, via exame do LCR
mostrando pleocitose linfomonocitria e hiperproteinorraquia discretas (at 30
clulas/mm3 e proteinorraquia de at 100 mg/dL). O dado liqurico mais
importante e til no diagnstico a presena de bandas BOCs e aumento do
ndice de IgG que ocorrem em mais de 90% dos casos de EM em adultos. Nas
20
crianas, a positividade inconsistente variando de 10 a 90% nas casusticas
estudadas sendo a presena destas bandas menos frequentes nos casos de
incio pr-puberal da doena (RUGGIERI, 1999, POHL, 2004). Apenas para
comparao, na ADEM cujo diagnstico mais frequentemente confundido
com EM, a proporo de bandas varia de 4 a 29%, mas sua dosagem
geralmente negativa fora do surto. A dosagem da protena bsica de mielina no
LCR no tem valor diagnstico em virtude de mostrar nveis variveis e por ser
altamente inespecfica (MIKAELOFF et al 2007, DALE et al, 2000).
1.2.1 Esclerose Mltipla
A esclerose mltipla doena autoimune, desmielinizante e crnica do
SNC ocorrendo mais comumente em adultos jovens. condio complexa e
heterognea que envolve diversas fases fisiopatolgicas, s vezes
sobrepostas. O processo inflamatrio inicia-se atravs de infiltrado linfocitrio
resultando em desmielinizao. Nas fases iniciais, este mecanismo transitrio
ocorrendo depois fase de reparo acompanhada de remielinizao. Por conta
desses mecanismos a doena caracterizada por disfunes neurolgicas
multifocais decorrentes de leso em qualquer local do neuroeixo, mas que em
geral se resolvem. Ao longo da evoluo da doena, em virtude da
perpetuao dos mecanismos inflamatrios com liberao de citocinas, inicia-
se neurodegenerao havendo leso axonal definida clinicamente pela no-
recuperao completa de dficits neurolgicos (Figura 2), resultando em
diversas incapacidades funcionais (COMPSTON, 2008; LYNCH, 2012).
21
Figura 2: Histria natural da forma surto-remisso da esclerose mltipla. Traduzido e adaptado de
KAWKINS e WOLINSKY. Principles of Treatments in Multiple Sclerosis - Oxford: Butterworth-Heinemann,
2000.
No adulto, a doena se manifesta por quatro formas clnicas (Figura 3)
importantes na definio do prognstico e conduta teraputica, a saber:
Forma remitente-recorrente ou surto-remisso: corresponde a 85% dos
casos. Caracteriza-se por exacerbaes seguidas por grau varivel de
melhora neurolgica podendo haver recuperao completa ou evoluo
para disfunes residuais. No h progresso dos dficits entre os
surtos. Nesse grupo, 50 a 85% dos pacientes devem evoluir, em 10
anos, para fase secundariamente progressiva (MILLER, 2007).
Forma primariamente progressiva: Ocorre em 10 a 15% dos casos,
principalmente em faixas etrias mais avanadas. O diagnstico difcil,
22
uma vez que neste grupo no h critrios clssicos de disseminao
temporal, havendo, no entanto necessidade de progresso por 12
meses. A progresso ocorre desde o incio da doena, com velocidade
varivel e perodos de estabilizao e discreta melhora, mas sem haver
surto bem definido (DAUMER, 2009).
Forma secundariamente progressiva: Corresponde a 15 a 20% dos
casos. Inicialmente o curso se apresenta como surto-remisso, com
posterior progresso contnua dos dficits, independentemente da
presena de surtos. A progresso confirmada se mantida durante 6
meses (MILLER, 2007).
Forma progressiva com surtos ou progressiva recorrente: a mais rara
das formas clnicas acometendo menos de 5% dos pacientes. O incio
progressivo havendo posteriormente surtos bem definidos e evidente
progresso entre eles (DAUMER, 2009).
Figura 3: Formas clnicas de esclerose mltipla. Traduzido e adaptado ( LUBLIN e REINGOLD,1996 )
23
Os critrios de McDonald (Quadro 1) utilizados para estabelecer o
diagnstico de EM foram revistos e recentemente publicados (POLMAN, 2011).
Usam-se informaes da anamnese e exame neurolgico para caracterizar a
presena de surtos, bem como imagens de RM confirmando a disseminao
das leses no tempo e espao (Quadro 2). Nesta reviso, os critrios
diagnsticos passaram a incluir exames de neuroimagem e auxlio laboratorial
representado por pesquisa de BOCs e aumento dos nveis de IgG no lquor em
relao ao sangue, com a finalidade de demonstrar sntese intratecal de
imunoglobulina.
Na reviso diagnstica, alm dos critrios clnicos, o estudo das imagens
do encfalo e medula espinhal por RM permite evidenciar processo inflamatrio
e leses em estruturas do SNC sem traduo clnica, facilitando as exigncias
para preenchimento dos critrios diagnsticos. A RM capaz de mostrar
disseminao no tempo e espao (Quadro 2) e excluir diagnsticos
alternativos, podendo at mesmo prescindir da exigncia de novo surto clnico,
como sugerido pela reviso dos Critrios de McDonald (POLMAN, 2011) em
2010. A utilizao da RM visa o diagnstico precoce com alta sensibilidade e
especificidade, com a finalidade de se iniciar precocemente o tratamento.
24
Critrios de McDonald de 2010 para Esclerose Mltipla
Apresentao clnica Dados adicionais necessrios ao
diagnstico
Mais de 2 surtosa; evidncia clnica de
mais de 2 leses ou evidncia clnica de 1
leso com surto prvio na histriab.
Nenhumc
Mais de 2 surtosa; evidncia clnica de 1
leso
Disseminao no espao demonstrvel por
alteraes tpicas na RM ou aguardar por
novo surto em diferente localizao do
SNC
Surto nicoa com evidncia clnica de 2 ou
mais leses
Disseminao no tempo demonstrvel por
RM ou aguardar por novo surto clnico
Surto nicoa com evidncia clnica de 1
leso (Sndrome Clnica Isolada)
Disseminao no tempo e espao
demonstrvel por RM ou aguardar por
novo surto clnico
Progresso neurolgica insidiosa,
sugestiva de EM
1 ano de progresso da doena
(prospectivo ou retrospectivo) associado a
2 ou mais dos critriosd:
1. Evidncia de Disseminao no espao no encfalo
2. Evidncia de Disseminao no espao na coluna vertebral com 2
ou mais leses em T2
3. Lquor caracterstico (presena de BOC ou elevado ndice de IgG)
Nota explicativa: Se os critrios forem preenchidos e no houver outra explicao para a apresentao
clnica, o diagnstico de EM, mas se os critrios no forem completamente peenchidos o diagnstico
de EM possvel. Se outro diagnstico surgir durante a avaliao e for capaz de melhor explicar a
apresentao clnica, ento o diagnstico final no EM. aSurto (exacerbao) definido como sintoma relatado pelo paciente ou evento observvel de
desmielinizao inflamatria aguda do SNC, atual ou na histria, com durao de pelo menos 24 horas,
na ausncia de febre ou infeco. O relato de sintomas paroxsticos (atuais ou documentados) so
sintomas que duram menos de 24h, no sendo considerados surtos, mas que falam a favor de EM.
Para o diagnstico de EM, 1 surto deve ter ocorrido e ser corroborado por achados no exame neurolgico,
potencial evocado visual ou RM,alm de desmielinizao em reascorrespondentes aos sintomas atuais ou
anteriormente reportados. bO diagnstico mais seguro se for baseado em achados clnicos objetivos presentes em 2 ou mais surtos.
Evidncia de surto anterior na histria na ausncia de achados neurolgicos objetivos podeocorrer na
evoluo da doena, mas pelo menos 1 surto deve ser corroborado por achados objetivos. cExames adicionais no so necessrios. No entanto, conveniente que o diagnstico de EM seja feito
com suporte dos exames de imagem. Se o exame de imagem ou outros (por exemplo, LCR) forem
negativos necessria extrema cautela antes de se definir o diagnstico de EM, e a possibilidade de
diagnstico alternativo deve ser considerada. importante ressaltar que mesmo no se tendo explicao
clara para os sintomas do paciente as evidncias clnicas objetivas devem existir para configurar o
diagnstico de EM. dLeses com captao de gadolnio no so necessrias; leses sintomticas no so levadas em
considerao se presentes em sndromes de tronco cerebral ou na medula espinhal.
Quadro 1: Reviso dos Critrios de McDonald (POLMAN et al, 2011), traduzido pela autora.
25
Critrios de McDonald (2010) na RM para Disseminao no Tempo e Espao
Disseminao no espao evidenciada por mais de uma leso em T2* em, pelo menos 2
das 4 seguintes reas do SNC:
Periventricular
Justacortical
Infratentorial
Medula espinhal**
*Captao de gadolneo no necessria para disseminao no espao
**Leses sintomticas em tronco cerebral e medula so excludas e no contam para
disseminao no espao.
Disseminao no tempo demonstrada pela presena de:
1- Nova leso em T2 e/ou captante de gadolneo nas ressonncias de seguimento, relacionada a imagem inicial (baseline), independentemente da poca da
primeira imagem
2- Presena simultnea de leses assintomticas captantes de gadolneo e leses sem realce por contraste, em qualquer momento.
Quadro2: Critrios de Mc Donald 2010 (POLMAN et al, 2011) para disseminao no tempo e espao da esclerose mltipla traduzido pela autora.
26
- Esclerose Mltipla na Infncia versus no adulto
A EM na infncia foi primeiramente descrita por Pierre Marie em 1983,
15 anos aps descrio da doena em adultos por seu mentor, Jean Martin
Charcot. Apenas em 2007, foi publicado o primeiro consenso (KRUPP, 2007)
sobre a doena com critrios aplicados a faixa etria peditrica, na tentativa de
facilitar o diagnstico.
Em 2010, os critrios de McDonald utilizados para diagnstico de EM em
adultos foram revisados com a finalidade de simplific-los e possibilitar o
diagnstico precoce da doena (POLMAN, 2011). Neste consenso, h
referncia faixa etria peditrica e suas diferenas em relao a EM do
adulto, em termos de diagnstico diferencial e apresentao clnico-radiolgica.
Esses trabalhos citam inclusive o fato de que, em crianas menores de 11
anos, as leses detectadas na RM costumam ser diferentes daquelas dos
adolescentes e adultos. Em geral, so em menor nmero, porm maiores e
menos bem definidas, assumindo at mesmo a forma tumefativa (CHABAS,
2008). A explicao para o fentipo diverso da EM pr-puberal parece estar
ligada ao processo biolgico subjacente, incluindo imaturidade do sistema
imunolgico, mielinizao ainda incompleta de vrias reas do SNC e diferente
capacidade de remielinizao e reparo.
A incidncia de EM na populao peditrica ainda incerta. Estudo
alemo estimou 0,3 / 100 000 crianas por ano (POHL, 2007). Em outro
trabalho, quando se perguntou a pacientes adultos com EM sobre o incio dos
sintomas, verificou-se que em 10% dos casos a doena comeou antes de 18
anos, sendo que destes, 3 a 5 % antes de 16 e 1% antes de 11 anos (DALE,
2009). Nas duas ltimas dcadas, com a maior disponibilidade de Ressonncia
27
Magntica, vem sendo cada vez mais diagnosticada, mas no existem dados
publicados at o momento sobre as leses radiolgicas da Esclerose Mltipla
em pacientes muito jovens (menores de 11 anos). Um recente estudo
demonstrou que a maioria desses pacientes costuma ser erroneamente
diagnosticada como ADEM, apesar de no apresentarem encefalopatia, mas
apenas por conta do tamanho de suas leses (CHABAS et al, 2008).
A taxa de surtos nesta populao parece ser maior que na esclerose
mltipla de incio no adulto, com somatrio de leses inflamatrias cerebrais
nos primeiros anos que se seguem ao primeiro surto. Associa-se o fato de
estarem expostas a um tempo mais longo de doena, o que justifica que a
incapacidade fsica se d mais precocemente (RENOUX et al, 2007).
Sabe-se que dentro de 5 anos de doena, mais de 30% das crianas
acometidas tero declnio cognitivo, no s por defasagem do crescimento
cerebral esperado para a idade, mas tambm por perda de volume cerebral
(BANWELL et al, 2011).
Os critrios de McDonald revisados foram aplicados a crianas
(SADAKA et al, 2012; SEDANI et al, 2012) e encontrado Valor preditivo positivo
de 76% e valor preditivo negativo de 100%. Os menores valores preditivos so
encontrados em crianas mais novas (pr-pberes), as quais apresentam
leses maiores e clnicas por vezes sugestivas de ADEM. Critrios de RM mais
especficos e sensveis para essa faixa etria necessitam ser desenvolvidos
(KRUPP et al, 2013).
Segundo consenso do Grupo de estudos internacional de Esclerose
Mltipla Peditrica (KRUPP et al, 2013), a doena definida na infncia se
satisfizer qualquer dos seguintes critrios (Quadro 3):
28
Critrios para definio de EM na Infncia (KRUPP et al, 2013): necessrio preencher pelo menos 1 deles
Dois ou mais eventos clnicos do SNC de causa presumidamente inflamatria, separados por mais de 30 dias e envolvendo mais de uma rea do SNC;
Um episdio tpico de EM, sem clnica de encefalite, associado a achados de RM consistentes com 1 dos critrios de McDonald (2010) de disseminao no espao e, na RM de seguimento, presena de pelo menos uma nova leso captante ou no-captante de contraste, consistente com critrios de disseminao no tempo;
Um surto de ADEM seguido por evento clnico, sem encefalite, aps trs meses ou mais de aparecimento dos sintomas inicias, e associado a novas leses na RM que preencham os critrios de McDonald (2010) de disseminao no espao
Um primeiro e nico evento agudo que no preencha critrios para ADEM e cujos achados na RM sejam consistentes com os critrios de McDonald (2010) de disseminao no tempo eespao (aplicvel apenas para crianas acima de 12 anos);
Quadro 1: Critrios para definio de EM na infncia segundo consenso do grupo internacional de estudos de
esclerose mltipla na Infncia (KRUPP et al, 2013), traduzidos pela autora.
1.2.2 Doena de Schilder:
A doena de Schilder ou esclerose mielinoclstica difusa variante da
esclerose mltipla, de incioentre 5 e 15 anos de idade,cuja apresentao
subaguda e progressiva. O quadro clnico caracterizado por cefalia,
confuso mental, alteraes comportamentais, convulses, hemi ou
tetraparesias, neurite ptica, sndromes de tronco cerebral, afasia, alteraes
esfincterianas e distrbios do movimento. De modo geral, a evoluo da
doena rpida e fatal. Embora, sua evoluo grave seja questionada com
base em estudo retrospectivo de pacientes cuja remisso foi completa, e sem
novos sintomas neurolgicos posteriormente (MERRIT, 2007).
Anatomopatologicamente, as leses so concntricas alternando em seu
interior bandas mielinizadas e desmielinizadasem formato de bulbo de cebola
ou alvo. Na RM, evidenciam-se leses grandes e confluentes envolvendo a
substncia branca profunda onde so tambm observados diferentes graus de
desmielinizao. O diagnstico realizado basicamente excluindo-se
29
desordens infecciosas e metablicas, como por exemplo, adrenoleucodistrofia
ligada ao X e, alm disso, de acordo com os critrios de Poser (POSER, 1992)
descritos abaixo:
Sinais e sintomas atpicos para EM, ou seja, envolvimento
bilateral de nervos pticos, cefalia e vmitos decorrentes do
aumento dapresso intracraniana, manifestaes psiquitricas e
crises convulsivas;
LCR sem alteraes ou com alteraes no condizentes com EM;
reas extensas de desmielinizao na substncia branca,
usualmente bilateral;
Ausncia de febre, infeces virais ou vacinaes anteriores ao
surto;
Concentrao srica normal de cidos graxos de cadeia muito
longa.
1.2.3 Encefalomielite Disseminada Aguda (ADEM)
ADEM afeco inflamatria imunomediada caracterizada por
desmielinizao difusa da substncia branca cerebral e medular. Esta condio
geralmente precipitada por infeco viral ou vacinao,possivelmente via
mimetismo molecular,afetando predominantemente a faixa etria infantil. A
incidncia varia deacordo com a localizao geogrfica. Em estudo realizado
em San Diego (USA), a incidncia mdia entre menores de 20 anos foi de 0,4 /
100 000habitantes por ano (LEAKE, 2004). Na infncia,a incidncia global de
ADEM cerca de trs vezes maior que a EM..
Clinicamente, os sintomas e dficits neurolgicos costumam ter
30
apresentao multifocal associados encefalopatia, que condio
indispensvel para o diagnstico. Atualmente, a mortalidade relativamente
baixa, de 5 a 7%, sendo consequncia de edema cerebral e hipertenso
intracraniana. De modo geral, h recuperao completa do paciente aps
pulsoterapia com corticosteride (metilprednisolona). No entanto, existe risco
de morbidade residual com manifestaes sequelares motoras variando desde
ataxia leve at hemiparesia, alm de dficits na esfera neuropsicolgica. Em
diversos estudos, estes achados variam de 11 a 46% (LEAKE, 2004; DALE,
2000; TENEMBAUM, 2002). A ADEM, apesar de usualmente ter curso
monofsico, pode apresentar-se de modo recorrente com leses e
manifestaes clnicas semelhantes ao primeiro surto, ou envolvendo leses
em novas reas do SNC, configurando quadro neurolgico diferentes daquele
do surto inicial (Quadro 4). Estima-se que 15 a 25% das crianas com
diagnstico inicial de ADEM, aps novos surtos no-ADEM, tero diagnstico
final de EM (MIKAELOFF 2007; TENEMBAUM 2002).No laboratrio, o exame
de LCR mostra que a positividade para BOCs varia de 4 a 29% na fase aguda,
mas sua negatividade geralmente encontrada fora de surto (MIKAELOFF et
AL 2007, DALE et al, 2000). Outro critrio liqurico, que o anticorpo
antiaquaporina-4 deve ser negativo, enquantoos anticorpos sricos anti-MOG
podem estar transitoriamente presentes.
31
Encefalomielite aguda disseminada (ADEM):
ADEM monofsico: Primeiro evento clnico de causa inflamatria ou desmielinizante presumida, de incio agudo ou subagudo, afetando reas multifocais do SNC. A clnica deve ser polissintomtica e incluir encefalopatia, definida na presenade um ou mais dos seguintes parmetros: - Alterao comportamental: confuso mental, irritabilidade excessiva; - Alterao do nvel de conscincia: letargia, coma;
Evento deve ser seguido por melhora clnica e/ou na RM, mas podem permanecer seqelas;
Ausncia de evento desmielinizante prvio;
Evento no pode ser explicado por qualquer outra etiologia;
Sinais ou sintomas novos ou flutuantes, ou achados na RM ocorrendo dentro de 3 meses do episdio inicial devem ser considerados parte do evento agudo;
Neuroimagem mostrando leses focais ou multifocais envolvendo predominantemente substncia branca, sem evidncias prvias de alteraes destrutivas de substncia branca;
RM com alteraes extensas em T2 ou FLAIR (>1cm), multifocais, hiperintensas e localizadas na substncia branca supra ou infratentorial, havendo tambm possibilidade de envolvimento da substncia cinzenta,incluindo tlamo e ncleos da base do crerbro;
Em raros casos, a RM mostra leso nica e extensa (>1 ou 2 cm) envolvendo predominantemente a substncia branca;
RM de coluna apontando leses intramedulares confluentes com captao varivel de contraste, alm de achados previamente descritos na RM.
ADEM recorrente: Novo evento de ADEM com sinais e sintomas semelhantes aos do evento inicial, ocorrendo aps 3 meses, sem haver na histria, clnica ou neuroimagem acometimento de novas reas anatmicas;
Evento no pode ocorrer durante uso de corticosterides ou aps 1 ms da retirada total;
A RM no deve mostrar novas leses, porm, as leses inicias podem estar maiores;
Nenhuma explicao melhor deve existir para o quadro clnico.
ADEM multifsico: ADEM seguido por novo evento clnico que tambm preenche critrios para ADEM, mas envolvendo novas reas anatmicas do SNC, confirmado na histria, clnica e neuroimagem;
Novo evento deve ocorrer: - Pelo menos 3 meses aps o evento inicial; - Aps 1 ms do trmino da corticoterapia;
Evento subsequente deve ter apresentao polissintomtica, incluindo encefalopatia, com sinais e sintomas neurolgicos diferentes dos apresentados no evento inicial, embora as alteraes do estado mental possam ser praticamente iguais. Quadro 2: ADEM Definio e consenso do grupointernacional de estudos l em EM Peditrica (YOUNG,
2008), traduzido pela autora.
De acordo com a publicao de novos critrios de ADEM (KRUPP,
2013), algumas modificaes foram introduzidas na classificao acima
descrita, a saber:
No ADEM monofsico, ressalta-se que a encefalopatia no deve ser
explicada apenas por febre; as leses tpicas na RM devem ser difusas,
pouco delimitadas, grandes, de 12 cm, envolvendo
predominantemente substncia branca, e ainda, as leses hipointensas
em T1 devem ser raras, podendo haver leses de substncia cinzenta
32
envolvendo tlamo ou ncleos da base; aps 3 meses do evento inicial,
novos sinais, sintomas ou leses na RM devem estar ausentes.
A categoria ADEM recorrente eliminada por sua baixa frequncia,
sendo esses casos agrupados na classificao de ADEM multifsico.
O ADEM multifsico definido por novo evento clnico ocorrendo a partir
de 3 meses aps os sintomas iniciais, e associado a alteraes novas
ou reemergentes na RM. O tempo em relao ao uso de corticoterapia
no mais pertinente.
1.2.4 Neuromielite ptica (NMO) ou Doena de Dvic
A NMO doena desmielinizante inflamatria envolvendo
preferentemente os nervos pticos e medula espinhal, locais onde existe maior
nmero de canais de gua (aquaporina 4), alvos de auto-antgenos NMO-IgG
recentemente apontados como biomarcadores da doena. Embora estes
anticorpos possam estar presentes em aproximadamente10-20% (LENNON,
2004) dos caso de EM, sua positividade dado a favor do diagnstico de NMO.
Anteriormente considerada doena monofsica, hoje sabe-se que a
recorrncia pode ocorrer em 70% dos casos (WINGERCHUCK, 1999).
Em 2006, os critrios diagnsticos de NMO foram revisados
(WINGERCHUCK, 2006) e so mostrados a seguir (Quadro 5):
33
Quadro 3: Critrios diagnsticos para NMO, traduzidos pela autora (WINGERCHUCK et al, 2006)
Atualmente, admite-se tambm o novo conceito de espectro NMO
incluindo portadores de mielite longitudinalmente extensa e neurite ptica
bilateral e recorrente, mas que no preenchem completamente os critrios de
NMO. Esta condio clnica ocorre seja por no haverem surtos medulares e
pticos ou quando o marcador biolgico est ausente. A NMO tem menor
prevalncia que a EM, porm mais frequente em populaes asiticas e
afrodescendentes. O prognstico, em virtude de maior nmero e gravidade dos
surtos e pior resposta ao tratamento na fase aguda resulta em sequelas
neurolgicas incapacitantes (WINGERCHUCK, 1999). Em sries brasileiras, a
mortalidadevaria entre 9 e 50%, principalmente em decorrncia de insuficincia
respiratria associada mielite transversa longitudinalmente extensa (PAPAIS-
ALVARENGA, 2002).
No tratamento, os imunomoduladores utilizados como modificadores do
curso da doena na EM, como observado com o interferon beta, no
conseguiram alterar as taxas de recada na NMO e, em alguns casos, houve
at piora do nmero de surtos (AXTELL, 2011). No diagnstico laboratorial, a
deteco do anticorpo anti-AQP4 realizada por diversos mtodos,
prevalecendo nas sries brasileiras a imunofluorescncia indireta com
Critrios diagnsticos de NMO
Critrios necessrios:
Neurite ptica;
Mielite transversa;
Critrios de suporte: pelo menos 2 dos seguintes:
1- Leso medular extensa na RM, acometendo mais de 3 segmentos vertebrais;
2- Leses na RM de crnio que no preenchem critrios para EM;
3- NMO-IgG positivo
34
sensibilidade de cerca de 64% e especificidade de 41% (ADONI, 2008). Em
sries internacionais, com diferentes metodologias, a sensibilidade varia entre
60 e 86% eespecificidade entre 79 e 100% (FAZIO, 2009), particularmente nos
casos recorrentes.
- NMO na infncia versus no adulto
Em crianas, as leses inflamatrias cerebrais detectadas por RM so
mais frequentes e podem ocorrer em at 50% dos casos (MC KEON, 2008).
Anatomicamente, as leses esto presentes em regies cerebrais de maior
predomnio de canais de AQP4, incluindo zonas periventriculares, tlamo e
tronco cerebral. Algumas vezes, as leses so grandes e difusas dificultando o
diagnstico diferencial entre EM e ADEM.
Sabe-se ainda que 90% das crianas com NMO manifestam a doena
sob forma recorrente, com surtos de neurite ptica e mielite transversa
longitudinalmente extensa (WINGERCHUCK, 1999; MC KEON, 2008). Na faixa
etria peditrica, h maior nmero de surtos na histria da doena, maior
gravidade do quadro clnico e maior probabilidade de incapacidade neurolgica
residual grave. Particularmente, a diminuio da acuidade visual nas crianas
se d em menor intervalo de tempo do que nos pacientes adultos (MC KEON,
2008; COLLONGUES, 2010).
Na populao peditrica, o maior estudo realizado referente aos
biomarcadores em doenas desmielinizantes mostrou que 47% das crianas
com NMO clinicamente definida apresentaram NMO-IgG positivo. As crianas
que manifestaram forma recorrenteda doena tinham maior positividade do
anticorpo (78%) em relao quelas cuja apresentao foi monofsica (12,5%)
35
(BANWELL, 2008). Nas crianas, o NMO-IgG especfico e raramente positivo
no primeiro episdio de desmielinizao. Assim sendo, a presena do anticorpo
preditor da forma recorrente da doena (BANWELL, 2011) e sua presena no
primeiro surto pode orientar o tratamento precoce. Da mesma forma, o
marcador pode servir de guia para monitorar a doena e a resposta teraputica
(DALE, 2012).
Na ltima reunio do grupo internacional de estudos em EM peditrica
(KRUPP, 2013) os critrios do consenso de 2007 (KRUPP, 2007) foram
revistos. Agora, considera-se que as crianas podem apresentar doena do
espectro-NMO, definida como neurite ptica recorrente OU mielite transversa
recorrente com positividade do anticorpo anti Aquaporina4. Alm disso, o
consenso aponta que as leses esto localizadas preferencialmente no tronco
cerebral, na vizinhana do IV ventrculo e regies hipotalmicas.
Admite-se ainda que surtos de NMO possam apresentar caractersticas
clnicas de ADEM, e que na RM as leses sejam supratentorias no evento
inicial ou subsequentemente. Devemos pensar em NMO em casos com clnica
de ADEM e RM sem captao de contraste. Esses casos so mais freqentes
nos pacientes com positividade do anticorpo anti-aquaporina 4 pois a no
captao de contraste sugere que a barreira hematoenceflica esteja intacta,
havendo apenas o mecanismo de edema pela disfuno dos canais de gua
(com receptor de aquaporina) (EICHEL, 2008)
1.2.5 Sndrome Clnica Isolada (SCI)
Caracteriza-se pelo primeiro episdio de alterao neurolgica sugestivo
36
de um evento desmielinizante do SNC, com evoluo aguda ou subaguda.
Pode ser multifocal ou monofocal, estes, manifestando-se sob a forma de
neurite ptica, mielite transversa, sndromes de tronco enceflico, hemisfrica
ou cerebelar. Diferente do ADEM, geralmente no se apresenta clinicamente
por encefalopatia, a no ser que haja comprometimento de tronco cerebral.Nos
adultos, cerca de 30 a 70% dos casos evoluem para Esclerose Mltipla
(disseminao no tempo e espao por exame de RM ou, segundo surto clnico)
(SCALFARI, 2010).Nas crianas, estudos mostram haver maior probabilidade
de evoluo para Esclerose Mltipla aps Sndrome Clnica Isolada do que
aps ADEM (MIKAELOFF, 2004).
- Sndrome Clnica Isolada na Infncia:
A SCI na Infncia definida conforme citado no Quadro 6:
Critrios para definio de SCI na infncia (KRUPP et al, 2013) So necessrios todos os critrios mostrados a seguir:
Evento mono ou multifocal do SNC de causa presumida inflamatria desmielinizante;
Ausncia de histria clnica prvia de doena desmielinizante (ex: neurite ptica, mielite transversa ou sndromes hemisfricas ou de tronco cerebral);
Ausncia de encefalopatia (sem alterao de estado mental ou comportamental) que no seja explicada por febre;
Critrios de RM para EM no preenchidos. Quadro 4: Critrios de SCI na Infncia (KRUPP et al, 2013) traduzidos pela autora
Os critrios de doenas desmielinizantes na infncia de 2007 (KRUPP,
2007) e 2012 (KRUPP, 2013) foram comparados no quadro abaixo:
37
Comparao dos critrios de 2007 e 2012 das DDs na Infncia:
Doena: 2007 2012
Sndrome clnica isolada Primeiro evento mono ou multifocal desmielinizante do SNC; Encefalopatia ausente.
Primeiro evento mono ou multifocal desmielinizante do SNC; Encefalopatia ausente a no ser por conta de febre
ADEM monofsico Primeiro evento clnico polissintomtico de causa presumidamente inflamatria afetandoreas multifocais do SNC; Encefalopatia presente; RM tpica: leses grandes, 12 cm na substncia branca, frequente envolvimento da substncia cinzenta (tlamo ou ncleos da base); Sintomas novos ou flutuantes e leses na RM no perodo de 3 meses dos primeiros sintomas fazem parte do evento agudo de ADEM.
Primeiro evento clnico polissintomtico de causa presumidamente inflamatria; Encefalopatia que no seja explicada por febre deve estar presente; RM tpica: leses difusas, pouco delimitadas, grandes, 12 cm, envolvendo predominantemente substncia branca. Leses hipointensas em T1 so raras. Leses de substncia cinzenta (tlamo ou ncleos da base) podem estar presentes; Ausncia de novos sinais, sintomas ou leses na RM aps 3 meses do evento inicial.
ADEM recorrente Novo evento de ADEM com recorrncia dos sintomas iniciais, trs meses ou mais, aps o evento inicial de ADEM.
Agrupado na classificao de ADEM multifsico. *A categoria foi eliminada por sua baixa freqncia.
ADEM multifsico Novo evento de ADEM que envolva novas reas anatmicas do SNC e que ocorra aps 3 meses do eventoinicial de ADEM e, ao menos um ms aps terminada a corticoterapia.
Novo evento de ADEM que ocorra a partir de 3 meses dos sintomas iniciais e que seja associado a sintomas clnicos e achados novos ou reemergentesna RM. O tempo em relao corticoterapia no mais pertinente.
Esclerose Mltipla Qualquer dos seguintes: Mltiplos eventosclnicos desmielinizantes do SNC, separados no tempo e espao; Evento clinico nico associado aos critrios de disseminao no espao e subsequentes alteraes na RM,consistentes com disseminao no tempo de acordo com os critrios de McDonald de 2010; Um episdio com caractersticas clnicas de ADEM no pode ser considerado como o primeiro evento de EM.
Qualquer dos seguintes: Dois ou mais eventos clnicos do SNC no-encefaliticos, separados por mais de 30 dias, envolvendo mais de uma rea do SNC; Evento clinico nico e caractersticas na RM que preencham os critrios de McDonald de 2010 para disseminao no espao etempo (critrio relativo disseminao no tempo apenas aplicvel a crianas 12 anos, e somente a casos sem evento inicial de ADEM). ADEM seguida aps 3 meses de evento clinico que no seja encefalite, com novas leses na RM compatveis com EM.
NMO Necessita todos os critrios: Neurite ptica Mielite aguda Ao menos um dos 2 critrios de suporte: Leso contgua em medula 3 segmentos Positividade do anticorpo Anti-Aquaporina 4
Necessita todos os critrios: Neurite ptica Mielite aguda Ao menos um dos 2 critrios de suporte: Leso contgua em medula de 3 segmentos Positividade do anticorpo Anti-Aquaporina 4 RM cerebral com leses que no preencham critrios para EM.
Quadro 5: Comparao dos critrios do grupo internacional de esclerose mltipla na infncia de 2007
(KRUPP, 2007) e 2012 (KRUPP, 2013)
38
2- Justificativa:
O interesse pelo estudo surgiu no ambulatrio de Neurologia Infantil do
IFF/Fiocruz, em 2010, ocasio em que foi solicitada consulta de avaliao de
paciente, de 11 anos de idade, portadora de mielite transversa totalmente
resolvida aps pulsoterapia com metilprednisolona.
Aps um ano assintomtica, apresentou dficit focal acompanhado de
leso supratentorial extensa com efeito de massa e captao de contraste
evidenciada por RM. A anlise do quadro clnico e achados de RM no foram
capazes de definir com preciso se tratava-se de leso neoplsica,
demandando abordagem cirrgica, ou de leso desmielinizante. No segundo
caso, a indicao era de tratamento com altas doses de corticoterapia na
tentativa de reverter rapidamente os dficits neurolgicos.
Aps consenso com colegas de especialidades afins concluiu-se tratar-
se de DD. O protocolo de abordagem da fase aguda inicial das DDs foi seguido
e o tratamento institudo. Considerando a dificuldade diagnstica universal no
contexto das DDs, particularmente na esfera peditrica, alguns
questionamentos tiveram que ser enfrentados. Por exemplo: para qual DD a
paciente preencheria critrios? Tratava-se de evento isolado ou de possvel
recorrncia? Haveria algo a ser feito para evitar novos surtos e,
consequentemente, novos dficits que poderiam resultar em incapacitao
funcional? Nesse momento, estas perguntas ficaram sem resposta, e a
alternativa buscada foi encontrar resposta na literatura.
A partir deste ponto, ficou claro que a abordagem das LTs na infncia
precisava ser melhor definida. Como nos adultos, o diagnstico diferencial das
leses tumefativas desmielinizantes na infncia ainda difcil em decorrncia
39
da similaridade clnica e radiolgica com outras entidades. Na literatura mundial
h poucas referncias sobre o assunto, no havendo consenso sobre esta
forma de apresentao, mas apenas opinies baseadas em relatos de caso
isolados. H, no entanto, suspeita que o nmero de casos seja maior
orientando o foco da questo para a possibilidade de erros diagnsticos e
agravamento do curso da doena. Algumas possiblidades de erro diagnstico
so mostradas abaixo:
O no diagnstico de leso tumoral acarretando atraso teraputico,
crescimento da massa e suas complicaes e, at mesmo, implantes
secundrios;
Bipsia ou cirurgia excisional com resseco de tecido vivel, no caso
de leses desmielinizantes;
Demora em lidar com o evento desmielinizante, podendo prolongar a
sintomatologia ou at gerar dficits neurolgicos incapacitantes;
Incio de imunomodulao inadequada no seguimento da doena,
podendo at aumentar o nmero de surtos, como no caso da NMO, se
tratada com Interferon (WARABI, 2007).
Finalmente, conclui-se que fundamental utilizar ferramentas de
investigao laboratorial e neuroimagem para definir a etiologia das LTs e
indicar tratamento adequado na tentativa de impedir sequelas neurolgicas
permanentes, e incapacidades graves podendo resultar na morte do paciente.
A abordagem das LTs na infncia deve ser feita de preferncia atravs de
protocolo especfico.
40
3- Objetivos:
3.1- Objetivo Geral:
Analisar, atravs de reviso sistemtica da literatura, se as ferramentas
diagnsticas clnicas, radiolgicas e laboratoriais so utilizadas pelos autores
na investigao da etiologia das LT desmielinizantes do SNC na infncia.
3.2- Objetivos Especficos:
Avaliar como os autores concluem que a leso tumefativa de carter
desmielinizante;
Analisar como os autores investigam a doena de base aps definido o
diagnstico de leso desmielinizante:
o Quais so os critrios clnicos utilizados para definira etiologia da
leso tumefativa desmielinizante?
o Quais so os critrios radiolgicos?
o Quais so os critrios laboratoriais?
41
4 Hiptese:
No existe consenso na literatura sobre o diagnstico diferencial das
LTD do SNC na infncia.
42
5- Metodologia:
Trata-se de trabalho que tem como objetivo reunir a literatura existente
sobre as leses tumefativas desmielinizantes do SNC na infncia e, alm disso,
analisar como foi realizada pelos autores a investigao etiolgica de cada
caso encontrado. Realizou-se busca por meio de Reviso Sistemtica da
Literatura (RSL), de acordo com a metodologia de Cochrane (HIGGINS 2011).
A RSL um mtodo fundamental para a medicina baseada em
evidncias, a fim de responder uma determinada pergunta. capaz de
condensar o conhecimento, fracionado na literatura, em um nico estudo
permitindo ao pesquisador conhecimento mais amplo da temtica estudada.
Esse mtodo ainda possibilita refinar os resultados de vrios estudos
identificando aqueles de maior confiabilidade e rigor acadmico.
A Reviso Sistemtica da Literatura compreende as seguintes etapas:
Identificao de estudos
Seleo de estudos: critrios de incluso
Formulao da pergunta
Extrao de dados de estudos selecionados
Anlise e sntese da informao
Quadro 6: Etapas de Reviso Sistemtica.
43
5.1 Questo norteadora da Reviso Sistemtica da Literatura
Em uma reviso no sistematizada da literatura no foi encontrado
protocolo definido para investigao etiolgica das LTD da Infncia. Assim
sendo, formulou-se a seguinte questo: Como os pesquisadores chegam
concluso de que se trata de leso tumefativa desmielinizante?. Para
respond-la, foi realizada pesquisa bibliogrfica via Reviso Sistemtica da
Literatura utilizando conjunto de palavras chaveslistadas em ingls:
(tumefactive OR pseudotumoral) AND ("demyelinating diseases" OR
"demyelinating" AND"diseases" OR "demyelination") AND ("child" OR
"children").
Nas bases latino-americanas de dados foi realizada busca em portugus
e espanhol utilizando-se os mesmos termos empregados nas lnguas
estrangeiras abaixo mencionadas.
A definio das palavras-chave foi feita aps busca no MEDLINE e
avaliao dos termos contidos na indexao dos artigos.
Optou-se por selecionar os estudos publicados nos ltimos 20 anos
(1992 2012), considerando a recente utilizao de ferramentas diagnsticas
incluindo biomarcadores celulares e/ou moleculares e ampla utilizao de RM
do SNC. Portanto, a busca foi restrita s publicaes em lngua inglesa,
portuguesa, espanhola, francesa e italiana.
5.2 Identificao dos estudos
Os estudos apontados so observacionais, incluindo relatos ou srie de
casos. Esses estudos ainda so importantes na medicina moderna baseada
44
em evidncias, em virtude de descreverem doenas raras. As bases de dados
pesquisadas foram as seguintes: MEDLINE, EMBASE, Cochrane Library,
SciELO, SIGLE (Grey Literature), SCOPUS, LILACS. Ainda, diversas outras
fontes foram consultadas, a saber: Banco de Teses da plataforma CAPES,
onde esto disponveis teses de ps-graduao de todo o pas; seleo de
artigos citados na lista original de referncias, e tambm busca manual na
internet e relatos de caso apresentados em eventos cientficos e/ou anais de
congressos. Finalmente, foi tentado contato com 2 autores que descreveram
preliminarmente pacientes com LTs desmielinizantes, na tentativa de
compartilhar a dificuldade diagnstica, mas no houve resposta.
5.3 Seleo dos Estudos
A seleo dos estudos foi realizada por 2 pessoas e, em caso de
divergncia, um 3 investigador foi consultado.
5.3.1: Critrios de Incluso:
Os critrios de seleo aplicados aos artigos para inclu-los no trabalho
foram os seguintes:
Artigos completos publicados;
Estudos observacionais descritivos, incluindo relatos ou srie de casos;
Amostra de crianas e adolescentes entre 0 e 18 anos;
Leso tumefativa nica do SNC definida por imagem de RM, com as
seguintes caractersticas: leso solitria, maior de 2 cm, com efeito de
massa, edema e/ou captao de contraste perilesional;
45
Confirmao da natureza desmielinizante da leso, por exemplo, por
imagem, exames laboratoriais ou resposta clnica e reduo do tamanho
da leso na RM;
Publicao no perodo de tempo estipulado: ltimos 20 anos;
Estudos publicados nos idiomas: ingls, portugus, espanhol, francs,
italiano.
O carregamento dos dados obtidos pelos pesquisadores ser feito
atravs de ficha de avaliao dos artigos (APNDICE 1). Inicialmente, a
inteno foi realizar Reviso Sistemtica da Literatura incluindo apenas
artigos cuja etiologia da desmielinizao foi previamente definida (ADEM,
NMO, EM, Schilder). No entanto, isso no foi possvel na maioria dos
trabalhos consultados, possivelmente em decorrncia de mltiplos fatores,
entre outros, o curto tempo de seguimento do paciente at o momento da
publicao. A identificao das referncias incorporadas ou excludas do
estudo podem ser melhor apreciadas separadamente (APNDICE 5).
5.3.2 Avaliao de qualidade dos estudos:
A avaliao critica para verificar se determinado estudo se qualifica para
ser includo em uma Reviso Sistemtica da Literatura deve ser rigorosa, em
virtude da probabilidade de utilizao de dados viciados. Na literatura, no h
ferramenta disponvel usada como instrumento de avaliao de qualidade dos
estudos observacionais descritivos, entretanto, sabe-se que esses estudos tm
menor probabilidade de apresentarem vis. Por outro lado, sabe-se ainda que
tais estudos no so frequentemente publicados em revistas mais
46
conceituadas e, por isso, utilizar o fator de impacto da revista no seria
adequado.
5.4 Extrao dos Dados
De cada trabalho publicado foram extradas informaes especficas
organizadas em tabela prpria (APNDICE 3) e mostradas a seguir:
Autor e ano da publicao;
Caractersticas demogrficas dos pacientes, incluindo idade e sexo;
Sinais e sintomas apresentados pelo paciente;
Surtos neurolgicos anteriores ou posteriores;
Padres radiolgicos na RM ou TC de crnio;
Diagnstico inicial do paciente;
Exames histopatolgicos e demais exames laboratoriais;
Tratamento e evoluo do paciente;
Diagnstico final do autor;
Para analisar a operacionalidade da tabela de extrao de dados, testagem
prvia (piloto), incluindo 4 artigos de diferentes bases de dados, foi conduzida
por diferentes pesquisadores. Os avaliadores no tiveram conhecimento prvio
dos autores ou revistas onde os artigos foram publicados.
A tabela (TABELA 1) mostra o resultado da avaliao-piloto acima proposta:
47
Auto
r,
ano
N
de
cas
os
Ida
de,
sexo
Sinais/
sintomas
Surtos
anteriores
?
Imagem (RM,
TC)
Diagn
stico
inicial
Histopat
ologia
Outros
exames
Tratame
nto/
evoluo
Diagnst
ico final
TES
TE
1,
2005
1 F,
13a
Cefalia, convulses,
hemiparesia
e hemianopsi
a E
1, 2 meses antes: leso
tumefativa
desmielinizante
frontopariet
al E
TC leso subst. branca
subcortical
parietoccipital D
RM edema
perilesional com efeito de
massa, realce
Gd incompleta Espectroscopia
aumento
colina, reduo
NAA, inverso
pico de lactato
1 surto: tumor
SNC;
2: leso
desmiel
ini-zante
*1 surto: atrcitos
reativos,
infiltrado perivascul
ar
linfocitrio, focos
de
desmielinizao.
Axnios
preservad
os. Sem
tumor.
LCR normal,
BOC -,
RM coluna
normal,
BERA normal,
PEV
normal
Pulsoterapia
seguido
de prednison
a oral 14
dias persistind
o com
hemianopsia
Esclerose Mltipla
TES
TE
2,
2003
1
M,
6a
Alteraes
comportam
ento, sonolncia,
hemiplegia
fascio-braquio-
crural E,
febre, sialorria
No Leses
mltiplas com
efeito de massa, realce
Gd anular:
maior parietotempora
l D.
Parietal E coroa radiada
Espectroscopia
Aumento colina/creatina,
reduo NAA
Tumor Astroglio
se com
infiltrado linfoctti
o T CD8,
desmielinizao.
Axnios
preservados. Sem
clulas
neoplsicas
cidos
graxos de
cadeia muito
longa
normal, LCR
normal,
BOC -, Sorologia
s
negativas.
Pulsotera
pia
seguida de
prednison
a oral 5 meses
com
melhora total
Schilder
TES
TE
3,
2011
1 M,
6a
Cefalia,
irritabilidad
e, paresia fascio-
braquio-
crural E
No TC leso
hipodensa
frontoparietal D com edema,
RM leso
grande frontal D, com edema
e captao Gd,
pequena leso occipital D;
Tumor
X leso
desmielini-
zante
Infiltrado
inflamat
rio, preserva
o axonal,
linfcitoreativos,
desmielin
izao, ausncia
de clulas
neoplsicas
LCR
normal
Pesquisa para
bactrias,
fungos e vrus
negativa,
RM coluna
normal
Pulsotera
pia com
melhora
Leso
Tumefati
va desmielin
izante
TES
TE
4,
2011
3
F,
5a
Ataxia de
marcha,
nistagmo
No RM leso no
hemisfrio
cerebelar E
com efeito de
massa
Leso
desmiel
ini-
zante
- LCR com
pleocitose
e BOC +,
PCR p/
HSV1 -
Melhora
clnica
total
Schilder
F,
9a
Cefalia, vmitos,
ataxia,
bradicardia e papildema
(hipertenso
intracraniana)
No RM leso no hemisfrio
cerebelar
esquerdo com efeito de
massa e
compresso sobre IV
ventrculo
Leso desmiel
ini-
zante
- LCR com pleocitose
e
sorologias negativas
Pulsoterapia
seguida
de prednison
a oral 14
dias. Melhora
total
Schilder
M,
8a
Cefalia, vmitos,
hemiplegia
e hemianestes
ia D
No RM leso parietal
esquerda,
poupando crtex, com
edema efeito
de massa. Captao
anelar Gd.
Leso desmiel
ini-
zante
- LCR com pleocitose
,
BOC -, sorologias
negativas
Pulsoterapia
Mantm
hemiparesia,
hemianest
esia e apraxia
D
Schilder
Tabela 1: Extrao de dados demogrficos e anlise individual dos casos
48
Conclui-se que a tabela mostrada acima foi capaz de descrever
claramente os casos sob o ponto de vista clnico-evolutivo, apontar os exames
laboratoriais e neurorradiolgicos realizados, sugerir tratamento especfico e
definir o diagnstico final.
Seguindo a mesma estratgia dos casos apontados na avaliao-piloto,
agora a separao dos pacientes ser feita por categorias de sintomas ou
sndromes neurolgicas. Estes dados sero expostos a seguir, e tambm
mostrados em tabela adicional ( APNDICE 4):
Sndrome Menngea, incluindo febre e meningismo;
Convulso;
Hipertenso Intracraniana caracterizada por vmitos, cefalia,
papiledema, bradicardia, alterao do ritmo respiratrio;
Encefalopatia representada por alteraes do estado de
conscincia, incluindo irritabilidade, sonolncia, torpor e coma;
Sndrome Piramidal;
Sndrome Medular, incluindo alteraes esfincterianas;
Sndrome Cerebelar;
Sndrome de nervos cranianos;
Alteraes visuais decorrentes de neurite ptica, incluindo baixa
visual (ambliopia) e/ou amaurose.
Caso
s
Sin
tom
as
Sndrome
Menngea
Convulso
Hipertenso
Intracraniana
Encefalopatia
Sndrome
Piramidal
Sndrome
medular
Sndrome
cerebelar
Neurite ptica
Sndrome de nervos crania
nos
TESTE 1
X X X
TESTE 2
X X X
TESTE 3
X X X
TESTE 4
X
X X
X X
Tabela 2: Extrao de dados dos sinais e sintomas
49
De novo, com o mesmo propsito de testar a extrao de dados
pertinentes em pequeno nmero de pacientes, os casos-piloto foram
explorados agrupando agora os achados liquricos e de sangue perifrico
(TABELA 3). Na TABELA 4, exibida logo a seguir, o agrupamento ser realizado
incluindo os achados de neuroimagem. No tpico resultados estes dados
sero novamente mostrados sob forma de grfico.
Autor, ano
Diagnstico final do autor
LCR: celularidade
LCR: Proteinorraquia
Bandas oligoclonais em LCR?
Dosagem de anticorpo anti aquaporina 4 (IgG anti- NMO)
TESTE 1
EM Normal Normal Ausentes NR
TESTE 2
Schilder Normal Normal Ausentes NR
TESTE 3
LTD Normal Normal NR NR
TESTE 4
Schilder Aumentada Aumentada Presentes NR
Schilder Normal Normal NR NR
Schilder Normal Normal Ausentes NR Tabela 3: Extrao de dados dos exames laboratoriais realizados
50
Caractersticas por Imagem RM convencional:
casos
Localizao da leso
Outras
leses
Efeito de mass
a
Edema
Captao de contraste Espectroscopia
Homognea
Anel aberto
Anel fechado
Heterognea
NR
Aumento
colina, reduo NAA
Pico glutam
ato
pico lacta
to
NR
1. Parieto-occipital
X X X X
2. Parieto-temporal
X X X X
3. Fronto-parietal
X X X X
4. Cerebelo
X X X
5. Cerebelo
X X X
Tabela 4: Extrao de caractersticas da imagem na RM
Finalmente, utilizando os mesmos 4 casos-piloto,os critrios
diagnsticos decisivos para caracterizao da doena de base foram
agrupados na tentativa de responder a pergunta fundamental da Reviso
Sistemtica da Literatura, ou seja, quais foram os elementos mais importantes
para definir o diagnstico etiolgico? (TABELA 5). Mais adiante, no tpico
resultados, estes dados sero mostrados em grfico de barras.
Autor, ano
Diagnstico etiolgico
RM de crnio:
RM coluna:
LCR/BOC / ndice IgG:
Anti-AQP 4
Perfil linfocitrio / citocinas:
Histopatologia:
Melhora clnica com o tratamento:
Recorrncia:
TESTE 1
EM Sim No No NR NR No Sim Sim
TESTE 2
Schilder Sim NR No NR NR Sim Sim No
TESTE 3
LTD Sim No No NR NR No Sim No
TESTE 4
Schilder Sim No Sim NR NR NR No No
Schilder Sim No No NR NR NR No No
Schilder Sim No No NR NR NR Sim No
Tabela 5: Extrao de dados dos exames decisivos ao diagnstico etiolgico.
51
Em concluso, os diagnsticos obtidos atravs de estudo-piloto
constando da avaliao de 4 publicaes da literatura relacionadas s DDs
foram separados nas seguintes categorias:
ADEM;
Esclerose mltipla;
NMO / Espectro-NMO;
Doena de Schilder;
Leso Tumefativa Desmielinizante, sem diagnstico nosolgico
definido.
Estes dados diagnsticos so tambm indicados na TABELA 6. As
tabelas completas referentes aos 60 casos pesquisados na literatura sero
exibidas no APNDICE 2.
Nmero de casos encontrados na RSL
% de casos encontrados
na RSL
ADEM 0 0
EM 1 16,66
NMO 0 0
Doena de Schilder 4 66,66
Leso Tumefativa
Desmielinizante sem
caracterizao
1 16,66
TOTAL: 6 100% Tabela 6: Etiologias das LTDs encontradas no estudo-piloto da RSL
52
5.5 - Anlise dos Dados e Sntese da Informao
Como se trata de RSL, qualitativa, a anlise da informao foi conduzida de forma descritiva atravs do resumo das caractersticas e achados dos estudos primrios. Para isso, seguimos uma proposta de relato de metanlises de estudos observacionais - MOOSE (DONNA, 2000).
53
6 Aspectos ticos
Questes ticas no se aplicam Reviso Sistemtica de Literatura.
A autorizao para o seguimento da coorte de pacientes com DDs na
Infncia, bem como para relato de casos em reunies cientficas est
registrada sob nmero CAAE 02636812.0.0000.5269, tendo j sido o caso
clnico exposto sob forma de pster em Congresso Internacional de Esclerose
Mltipla.
54
7 Resultados
A partir dos artigos includos na pesquisa foi construdo fluxograma
PRISMA (MOHER 2009) dos resultados de busca, seleo e anlise da
qualidade dos estudos (FIGURA 4). Para facilitar a construo do fluxograma,
elaborou-se tabela analisando o nmero de artigos identificado em cada base
de dados, aqueles porventura duplicados e includos e/ou excludos da anlise
(APNDICE 2). Foram encontrados 71 estudos nas principais bases de dados.
Adicionalmente, selecionou-se 23 estudos via busca manual na internet, anais
de congresso e lista de referncia dos artigos originais.Deste total, 37 estavam
duplicados e foram retirados da amostra, contabilizando 57 artigos para
avaliao. Em seguida, 22 artigos foram excludos por no se adequarem aos
critrios de incluso.
Finalmente, para anlise da Reviso Sistemtica da Literatura restaram 35
artigos incluindo relatos e sries de caso, perfazendo um total de 67 casos de
LTDs na infncia. Desses, 7 casos foram excludos em decorrncia de
descries conflitantes das leses supostamente desmielinizantes, talvez mais
compatveis com metstases ou ADEM.Os casos excludos esto listados no
APNDICE, aps tabela da base de dados.
55
Figura 4: Fluxograma PRISMA dos estudos durante as diferentes fases da RSL
Inicialmente, estabeleceu-se resumo de cada caso relatado nos artigos
(TABELA 7 APNDICE 3). Isso facilitou a organizao dos dados e as
demais anlises propostas. Dos 60 casos estudados, a idade dos pacientes
variou entre 3 e 18 anos,com mdia de 11,5. Em relao ao gnero, 35 eram
do sexo feminino e 23, masculino, numa proporo de 1,5 mulheres: 1 homem.
Em 2 casos o sexo dos pacientes no foi informado. O aparecimento de LT
como nico evento desmielinizante sob forma de SCI ocorreu em 33 casos.
56
Conclui-se, portanto, que 27 pacientes (45%) apresentaram recorrncia de
surtos desmielinizantes prvios ou posteriores LT.
Na Tabela 8 (APNDICE 4), a sintomatologia apresentada pelos
pacientes foi agrupada nas seguintes categorias:
Sndrome Menngea, incluindo febre, meningismo;
Convulso;
Hipertenso Intracraniana caracterizada por vmitos, cefalia,
papiledema, bradicardia, alterao do ritmo respiratrio;
Encefalopatia representada por alteraes do estado de
conscincia, irritabilidade, sonolncia, torpor e coma;
Sndrome Piramidal;
Sndrome Medular, incluindo alteraes esfincterianas;
Sndrome Cerebelar;
Alteraes visuais decorrentes de neurite ptica, incluindo baixa
visual (ambliopia )e/ou amaurose.
Sndrome de nervos cranianos;
A seguir, ser mostrada figura exibindo os sinais e sintomas de 58 dos
60 casos analisados na RSL (Figura 5). Em 2 casos (KEPPES 1993) no h
sintomatologia relatada.
Na abscissa, esto listados os sintomas ou sndromes e, na ordenada, o
nmero total de casos. Na evoluo da doena e/ou durante mais de 1 surto,
alguns pacientes apresentaram um nico tipo de sintoma ou sndrome
neurolgica (ex: pacientes 1,4,24); outros, desenvolveram diversos sintomas ou
quadros neurolgicos superpostos (ex: pacientes 7, 55, 58).
57
Figura 5: Sinais e sintomas dos casos analisados na RSL So descritas sintomatologias de 58 dos 60 casos . Os
casos so mostrados naordenada e os sintomas e/ou sndromes na abscissa.
No prximo grfico exibido abaixo, a ocorrncia dos sintomas e/ou
sndromes expressa em percentual (Figura 6).
58
Grfico 1: Sintomas e/ou sndromes neurolgicas observadas nas crianas e adolescentes com LTD
A partir da Tabela 9 (APNDICE 4) foi analisado o resultado dos
seguintes exames laboratoriais: no lquor, celularidade, protenas e BOCs; no
sangue, pesquisa de anticorpo anti Aquaporina 4. O resultado foi expresso da
seguinte forma: NORMAL, ALTERADO ou NR (no realizado / no relatado).
Os valores de referncia considerados normais para crianas e adolescentes
so os seguintes:
Celularidade: 0-7 clulas/mm3;
Proteinorraquia: 540 mg/dl;
Ausncia de BOCs;
Ausncia de Anticorpo AntiAquaporina 4;
59
Grfico 2: Resultados dos exames laboratoriais realizados no lquor e sangue
As anlises mais realizadas foram a celularidade 45% e dosagem de
protenas no LCR 43%, mas mesmo assim, em 55% dos casos estes exames
no foram feitos ou relatados. A dosagem de BOCs foi realizada em 43% dos
casos e a de anticorpo anti-AQP4 em apenas 5%.
Na anlise da Tabela 10 (APNDICE 4) relacionada s caractersticas
mostradas na RM, no foi feito qualquer julgamento crtico, mas apenas
considerou-se a descrio das leses apontadas pelos autores. Nos casos da
tabela s foram considerados exames de RM, mas dos 60 casos relatados, em
2 deles, apenas a TC de crnio foi feita, e em alguns a TC foi seguida por RM.
A localizao das leses nas diversas reas do SNC mostrada abaixo na
Figura 7, sendo que em 3 casos no houve relado da rea da LTD. Algumas
delas ocupam mais de um stio ou ocorrem em reas de transio entre os
hemisfrios cerebrais, a saber: 15 fronto-parietais, 2 parieto-temporais, 5
fronto-parieto-temporais e 5 tmporo-parieto-occipitais.
Celularidade no LCR
Protenas no LCR Bandas
Oligoclonais Anti-AQP 4
NR 33 34 34 57
Normal 19 20 22 2
Alterado 8 6 4 1
0
10
20
30
40
50
60
70
NR
Normal
Alterado
60
Figura 6: LocalizaodasLTDs de acordo com a anatomia do SNC
Fonte: Modificada de: http://nantescestabasica.blogspot.com.br/2012/09/conhecendo-o-corpo-humano-o-
cerebro.html
Em seco paramedial do SNC so localizadas leses
adicionaisexibidas na Figura 8: 2 na ponte, 5 periventriculares, 3 na coroa
radiada, 2 no tlamo e 1 no bulbo.
Figura 7: Localizao das LTDs adicionais no SNC
Fonte: Modificada de: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/corpo-humano-sistema-
nervoso/hemisferios-cerebrais.php
Do total de casos, 12 deles apresentaram mais de uma leso na RM,
associada a outras pequenas leses ou leso antiga, no captante de
http://nantescestabasica.blogspot.com.br/2012/09/conhecendo-o-corpo-humano-o-cerebro.htmlhttp://nantescestabasica.blogspot.com.br/2012/09/conhecendo-o-corpo-humano-o-cerebro.htmlhttp://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/corpo-humano-sistema-nervoso/hemisferios-cerebrais.phphttp://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/corpo-humano-sistema-nervoso/hemisferios-cerebrais.php
61
contraste. O edema perilesional ocorreu em 33 casos e efeito de massa em 30.
Em 17 casos as leses foram mistas e/ou apresentaram as duas
caractersticas. Na RM, a captao do Gd obedeceu s seguintes formas:
homognea, quando h realce slido e uniforme na totalidade da leso;
heterognea, mostrando padro varivel e complexo de distribuio da
captao; em anel aberto (do ingls, open ring),se a captao se restringe s
bordas da leso formando arco ou crculo, sem fechamento completo; ou em
anel fechado (closed ring),quando as bordas se completam em crculo
fechado.
Entre as leses reforadas por Gd, 45 foram captantes; em 11 casos, os
autores no realizaram ou no relataram se foi ou no usado contraste.
Portanto, dos 49 casos contrastados houve 92% de captao. Nos pacientes, o
tipo de captao de contraste foi assim distribudo: 3, captaram de forma
homognea (6,6%); 11, heterognea(24,4%); 21, em anel aberto (46,6%); 10,
em anel fechado (22,2%). A espectroscopia foi descrita em apenas 10 casos:
em 2 deles,houve documentao de pico de glutamato; em 7, aumento de
colina e reduo de NAA (N-acetil aspartato), sendo que 3 destes associados a
pico de lactato; 1, apresentou apenas pico de lactato.
A partir da TABELA 11 (APNDICE 4), exibe-se a seguir o nmero de
casos e respectivas percentagens relacionados aos critrios diagnsticos para
caracterizao da doena de base (Grfico 3). Por exemplo, a RM foi realizada
em quase 100% dos casos, mas a pesquisa de BOCs e IgG no LCR em
aproximadamente metade (40-50%). A ideia inicial foi tambm avaliar aspectos
celulares e moleculares dos casos estudados, como por exemplo, dosagem de
PBM, citocinas inflamatrias e perfil linfocitrio, mas muito pouco a respeito foi
62
encontrado na pesquisa realizada. Ou seja, em 3 casos foi dosada a PBM no
LCR, e o perfil linfocitrio e dosagem de citocinas em apenas 1.
Grfico 3: Exames diagnsticos realizados ou no (ou no relatados) em 60 pacientes
Os exames realizados que contriburam para definir o diagnstico final
de DD so mostrados a seguir em termos percentuais (Grfico 4). A RM de
crnio e coluna em conjunto com o exame histopatolgico foram os dados mais
relevantes.
5,0
26,7
26,0
46,7
96,7
95,0
73,3
56,7
53,3
3,3
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Anti AQP4
Ressonncia de coluna
BOC e ndice de IgG em LCR
Histop