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Geodiversidade do Mar de Fora da Ilha de Fernando de Noronha
Debora Rodrigues Barbosa (a)
(a) Curso de Geografia, Universidade Estácio de Sá, debora.rodrigues.geo@gmail.com
Eixo: Geoarqueologia, Geodiversidade e Patrimônio Natural
Resumo
O conceito de Geodiversidade vem cada vez mais sendo considerado nos estudos
científicos e, no Brasil, a diversidade de elementos geocientíficos tem permitido o avanço de
pesquisas dessa natureza. Dentro desse contexto, ganha destaque a Geodiversidade observada no
Arquipélago de Fernando de Noronha, no Estado de Pernambuco. O objetivo desse trabalho,
portanto, é discutir a Diversidade Geológica do Mar de Fora da ilha principal de Fernando de
Noronha, com uso de revisão bibliográfica e trabalho de campo. Esse trecho da ilha conta grande
número de geossítios presentes, principalmente na Praia do Leão e a Enseada da Caieira, onde há
inúmeras oportunidades de ensino-aprendizado e Geoturismo.
Palavras chave: Patrimônio Geológico; geossítios; Mar de Fora, Fernando de Noronha
1. Introdução
De acordo com Brilha (2005), a geodiversidade fundamenta-se na diversidade de ambientes e
elementos geológicos (rochas, minerais, fósseis), geomorfológicos (geoformas-formas da superfície
terrestre, produzidas por feições geológicas e geomorfológicas) e pedológicos, incluindo as suas inter-
relações que dão origem às paisagens, que servem de suporte à vida no Planeta Terra.
No arquipélago de Fernando de Noronha, a geodiversidade tem servido aos interesses da
crescente atividade turística local e seu patrimônio histórico, ambiental e geológico tem sofrido
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intervenções de geoconservação, sobretudo, com a criação de importantes unidades de conservação, no
final do século passado.
Na década de oitenta, foram criadas as Unidades de Conservação presentes no arquipélago,
administradas pelo Instituto Chico Mendes. Em 1986, foi a vez da Área de Proteção Ambiental de
Fernando de Noronha – Rocas – São Pedro e São Paulo, com uma área de 797,06 km² (Silva Junior,
2003) e, em Fernando de Noronha, especificadamente, ocupa quase 50% da ilha principal, incorporando
trechos terrestres já ocupados pela atividade antrópica, como centro histórico, pousadas, comérico e
serviços diversos. Por sua vez, o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (Parnamar-FN) foi
criado em 1988, de uso restrito, ocupando uma área de 112,7 km² (Santana et al, 2016), o que
corresponde a 50% da ilha principal, todas as demais 17 ilhas secundárias e a maior parte das águas
adjacentes até a profundidade de 50 metros.
Hoje, há os esforços liderados pelo Serviço Geológico do Brasil para a criação do Geoparque
de Fernando de Noronha, onde 43 geossítios foram reconhecidos, sejam terrestres e marinhos (Wildner
e Ferreira, 2012). O patrimônio geológico do Mar de Fora contam com representantes de rochas
vulcânicas e sedimentares, originadas no Mioceno e Pleistoceno e o período do Quaternário é revelado
por sedimentos arenosos e de origem calcária. O trecho insular reúne componentes relevantes ou
notáveis que constituem a geodiversidade e deixa um legado que inclui os patrimônios petrográfico,
mineralógico, geomorfológico e pedológico.
O problema é que o turismo tem sido canalizado principalmente para a contemplação e
desfrute da beleza cênica, praias e áreas de mergulho, deixando, em segundo plano, as possibilidades
educativas e científicas dos demais elementos patrimoniais. Dentro desse contexto, o objetivo desse
trabalho é discutir a Geodiversidade do Mar de Fora da ilha principal de Fernando de Noronha, no
sentido de contribuir para os conhecimentos geocientíficos locais.
2. Materiais e Métodos
A metodologia adotada no presente trabalho consistiu em revisão bibliográfica,
desenvolvimento cartográfico e trabalho de campo. Em primeiro momento, foi realizado um
levantamento bibliográfico com a discussão conceitual sobre geodiversidade, Patrimônio Geológico,
Exploração turística e caracterização de geossítios no arquipélago de Fernando de Noronha.
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Na segunda fase, foram realizados trabalhos de campo, onde as visitas permitiram a
identificação e mapeamento, com uso do sistema de posicionamento global (GPS), dos principais
geoossítios e seu registro fotográfico. Entre os dias 03/01/2019 e e 06/01/2019, foram realizadas visitas
aos sítios geológicos do que é considerado o Mar de Fora da Ilha de Fernando de Noronha, ou seja, as
feições voltadas para o continente africano, como a Enseada do Abreu, a Baía do Sueste, a ponta das
Caracas e Praia do Leão, a praia de Atalaia e a Enseada da Caieira, todas dentro do Parque Nacional
Marinho. Todas as trilhas demarcadas e com visitas permitidas também foram percorridas, nesse
período.
No dia 11/01/2019, foram realizadas conversas informais com os representantes dos Projetos
Tamar e Golfinho Rotador, bem como descobriu-se as principais demandas educacionais da população,
através de visitas na Escola de Referência em Ensino Médio Arquipélago de Fernando de Noronha
Novamente, no gabinete, o mapeamento de geomorssítios, com uso de Geoprocessamento
(ArcGis), bem como a reunião de dados estatísticos e analise final formaram a última etapa do trabalho
científico.
3. A Geodiversidade do Mar de Fora da Ilha de Fernando de Noronha
A formação das ilhas está associada à separação das placas tectônicas africana e sul-americana
que gerou erupções vulcânicas contínuas, formadas pela passagem da placa Sul-Americana por um
ponto quente (hotspot), que gerou colunas magmáticas superaquecidas. De acordo com Almeida (2002),
essas feições geológicas estão bem demarcadas em imagens de satélite que mostram uma cadeia
montanhosa formada pelo Cuyot do Ceará, o Atol das Rocas e a Cadeia Fernando de Noronha (Figura
01).
As ilhas do arquipélago são essencialmente formadas por rochas representativas por dois
vulcânicas e subvulcânicas, essencialmente alcalinas subsaturadas, geradas a partir de dois episódios
eruptivos diferentes (Figura 2).
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Figura 1 – Cadeia de montanhas oceânicas distribuídas nas zonas de fraturas transformantes de Fernando de
Noronha e Romanche. Adaptado de Wildner e Ferreira (2012)
Figura 2 – Mapa Geoloógico de Fernando de Noronha. Adaptao de Almeida (1955) e elaborado por M.Sc. Maria
Luciene da Silva Lima (PUC-RJ)
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O primeiro evento geológico está representado pela Formação Remédios, do Mioceno
Superior, revelado por depósitos piroclásticos na base, recortados por intrusões na forma de necks, plugs,
domos e diques de rochas alcalinas subsaturadas (Moreira, 2009). As rochas, de cores acinzentadas a
esverdeadas, predominantemente, apresentam uma estrutura granular grosseira e podem ser observados
em toponímias famosas do arquipélago, como os Morros Atalaia e do Medeira e Ilhas do Frade, dos
Ovos e Cabeluda, bem como a Enseada do Abreu e a Ponta do Espinhaço, no Mar de Fora.
Na Enseada do Abreu, localizada entre a Ponta do Espinhaço e o Morro do Medeira, as rochas
vulcânicas apresentam-se de coloração acinzentada. O acesso é a partir da Praia do Atalaia ou pela
Estrada Velha do Atalaia, ao sul do aeroporto e, na trilha acidentada posterior, os neossolos estão
expostos, de forma didática. No geossítio, é possível observar diques descritos por Guerriero (2002),
como resultantes das últimas injeções de magma que se infiltraram em rupturas de rochas já
consolidadas e hoje, após amplo processo erosivo, apresenta-se em forma tabular vertical. Esses
paredões rochosos conseguem represar a água do mar, formando pequenas piscinas naturais que, desde
que sejam localizadas próximo à Ponta do Espinhaço, podem ser utilizadas para banho (Figura 03).
Figura 3 – Enseada do Abreu e um exemplar de piscina natural
A partir do Mirante da Baía do Sueste, também é possível observar a litologia resultante das
erupções que originaram a Formação dos Remédios, na Ilha Cabeluda. De acordo com Almeida (2002),
nesse lugar, afloram extensos depósitos piroclásticos, compostos predominantemente, por fragmentos
de basanitos e pumíceos (Figura xx). O mesmo episódio está representado nas Ilhas dos Morros do Leão
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e da Viuvinha, na costa da praia do Leão. Todos são morros de fonólitos e traquitos, onde as aves fazem
muitos ninhos, circundados por rochas piroclásticas intemperizadas e alguns diques (Figura 4).
Figura 4 – Praia do Leão com as Ilhas dos Morros do Leão e da Viuvinha da Formação dos Remédios
O segundo episódio geológico é representado pela Formação Quixaba, do Plioceno Superior
ao início do Pleistoceno, e se constitui em um empilhamento de derrames de lava melanocrática
ankaratrítica e há a presença de depósitos piroclásticos subordinados e alguns diques de nefelinito
(Wildner e Ferreira, 2012). No Mar de Fora, são exemplos dessas rochas efusivas, predominantemente
negras, as feições continentais que vão desde a ponta da Sapata até o lado leste da Ponta das Caracas,
bem como as rochas entre o Saco do Atalaia e a Pontinha. Os moradores locais informam que o nome
do Morro do Leão, que mais parece um hipopótamo, está associada ao barulho gerado quando a água
do mar se insere e uma fenda, que lembra o urro de um leão.
De acordo com Guerriero (2002), a ponta da Sapata, localizada no extremo oeste do
Arquipélago, apresenta um relevo acidentado, assentado sobre derrames de ankaratritos e material
piroclástico, como tufos, brechas e cinzas vulcânicas, típicos da Formação Quixaba. A alternância entre
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os derrames de lavas e os depósitos piroclásticos favoreceu a o desenvolvimento de uma abertura,
denominada de Portal da Sapata (Figura 05). Esse geossítio é, na verdade, uma janela entre os Mares
de Dentro e de Fora e pode ser acessado, de forma restrita, através de embarcações, uma vez que é uma
área de preservação importante para os golfinhos rotadores.
Figura 05 – Formação Quixaba, na parte oeste do Mar de Fora e o Portal da Sapata
Na faixa leste da ilha, a Enseada da Caieira forma um importante exemplo da geodiversidade
da ilha, uma vez que afloram as rochas piroclásticas (tufos e brechas vulcânicas) da Formação dos
Remédios, e blocos e seixos rolados, da Formação Quixaba. A diferenciação litológica de afloramentos
e seixos, bem como a presença de recifes de corais, dunas e praia pode servir aos objetivos educacionais
e científicos (Figura 06). Parte do trecho litorâneo tem acesso restrito, sobretudo perto do Buraco da
Raquel, por conta da dificuldade de ingresso (presença de seixos e cascalhos arredondados, pela
atividade marinha) e seus propósitos de conservação ambiental (área de recifes de corais e reprodução
de aves marinhas).
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Figura 06 – Enseada da Caieira. A – diferenciação geológica; B – Arredores do Buraco da Raquel
Durante o Quaternário, após os eventos eruptivos, um período erosivo acabou por destruir
parcialmente os aparelhos vulcânicos e cobriu a plataforma insular de depósitos de areias e cascalhos de
praia. De acordo com Almeida (2002), no Pleistoceno, o nível do mar estava 6 metros abaixo do que é
observado atualmente, o que permitiu a acumulação sedimentar que, posteriormente, foram
parcialmente recobertos, gerando a Formação Caracas, presente na Ponta de mesmo nome.
O sedimento dessa Formação apresenta-se de cor amarelada clara, constituída
predominantemente de grãos de carbonato de cálcio, de origem biogênica e, secundariamente, por
minerais das rochas magmáticas, o que permitiu a contaminação dos calcarenitos pelos minerais
fêmicos, contribuindo para a sua petrificação.
Expostos no Mirante do Sueste, estão os calcarenitos de estratificação cruzada eólica,
desenvolvidos através da atividade dos ventos alísios de outrora (e atuante até hoje), e que depois foram
erodidos (Figura 07).
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Figura 07 – Calcarenitos de estratificação cruzada da Formação Caracas, observados no Mirante do Sueste
De acordo com Guerriero (2002), os calcarenitos formavam antigas dunas móveis, agora
petrificadas por processos litológicos. Na Ponta das Caracas, essas rochas sedimentares formam uma
plataforma recifal, com inúmeras piscinas naturais, cujo acesso é proibido à população, porque serve de
abrigo e reprodução da vida marinha (Figura 08). Mas, a contemplação desse geossítio é uma
experiência única.
Figura 08 – Plataforma recifal na Ponta das Caracas
No período Quaternário, depois das últimas glaciações, foram formadas praias e dunas, cuja
composição é predominantemente de fragmentos vulcânicos e grãos de calcário. As dunas ativas do
Mar de Fora estão presentes nas praias do Leão, Sueste e Atalaia e na Enseada das Caieras e muitas
estão recobertas pela vegetação, reduzindo sua mobilidade. Perto do único posto de gasolina do
arquipélago, na Enseada das Caieiras, as dunas encontram-se parcialmente inativas, por conta da densa
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vegetação. Na Praia do Leão, a diversidade de origens litológicas pode servir de aprendizando e estudos
científicos em um único lugar (Figura 09)
Figura 09 – Formações litológicas, faixa praial e dunas da Praia do Leão
Os geossítios do Mar de Fora estão localizados dentro do Parque Nacional Marinho de Fernando de
Noronha e o acesso é feito pelos Postos de Informação e Controle (PIC) e a entrada precisa de um
ingresso cobrado pela administração da empresa privada Econoronha.
5. Considerações Finais
Esse trabalho buscou discutir a Geodiversidade do como Mar de Fora da ilha principal de
Fernando de Noronha, no sentido de contribuir para os conhecimentos geocientíficos locais.
O Mar de Fora abriga geossitios na costa voltada para o continente africano, entre a Ponta da
Sapata e Enseada da Caieira, passando pela Praia do Leão, a Baía do Sueste, Ponta das Caracas, Enseada
do Abreu, Praia de Atalaia e Enseada da Caieira, todas dentro do Parque Nacional Marinho. Foram
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identificados geossítios com possibilidaes geocientíficas na área de Geologia, Geomorfologia,
Sedimentologia e Pedologia.
O arquipélago de Fernando de Noronha, embora ocupando uma pequena área, conta com
inúmeras potencialidades de aprendizado na área de Geodiversidade e a identificação de geossítios é de
muita relevância para a prática do geoturismo, agregando conhecimento científico, aos visitantes e
moradores, e promovendo a compreensão das Ciências da Terra.
Os esforços do Serviço Geológico do Brasil, para a criação do Geoparque e sua efetiva
confirmação pela Unesco, poderá ser fundamental para que práticas integradas de conservação do
patrimônio geológico de Fernando de Noronha possam ser realizadas nos próximos anos, no sentido de
que a sua beleza e variedade possam ser preservadas para as futuras gerações.
3. Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Fernando Flávio Marques de. Geologia e petrologia do arquipélago de
Fernando de Noronha. DNPM/DGM. Rio de Janeiro,1955.
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Natureza na sua Vertente Geológica. Palimage Editores, Viseu-PT. 2005.
GUERRIERO, Nicia. Ilhas Oceânicas Fernando de Noronha. São Paulo: Nicia Guerriero
Edições, 2002.
MOREIRA, Jasmine Cardozo. Guia Geológico e Geoturístico de Fernando de Noronha. São
Paulo, Nicia Guerriero Edições, 2009.
SANTANA, Rebeka Cristiny Barbosa de; SILVA, Hernande Pereira da; CARVALHO, Renata
Maria Caminha Mendes de Oliveira; FRUTUOSO, Maria Núbia Medeiros de Araújo e
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BRANDÃO, Sofia Suely Ferreira. A Importância Das Unidades De Conservação Do
Arquipélago De Fernando De Noronha. Revista Holos, Natal, RN, v. 7, p. 15-31, nov. 2016.
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WILDNER, Wilson e FERREIRA, Rogério Valença. Geoparque Fernando De Noronha (PE) -
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