Gestão de conflitos

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GESTÃO DE CONFLITOS- PERSPECTIVA DE ENFERMEIROS DE URGÊNCIA

Chave de Siglas: SU- Serviço de Urgência

As relações de natureza intrapessoal e interpessoal assumem um estatuto especial em todas as actividades realizadas pelo ser humano. Os enfermeiros não exercem a sua profissão isoladamente dos outros profissionais de saúde, enquanto grupo profissional inserem-se numa equipa multidisciplinar que trabalha com uma intenção comum, um mesmo objectivo, o utente (Ferreira, 2004).

O relacionamento entre os membros de uma equipa envolve vários factores tais como: a complexidade, a riqueza das personalidades, o comportamento humano, os valores, a comunicação e a organização. Uma equipa só merece esse status quando apresenta uma dedicação àquilo que faz e uma coesão entre os seus elementos, para tal é necessário que haja uma comunicação eficaz, confiança interpessoal e uma motivação para o trabalho a realizar.

Numa definição de 1988 a OMS refere que uma equipa é um grupo baseado na cooperação, que mantém contacto e que se envolve numa acção em que todos os seus elementos dão o seu contributo com empenho. Esta relação de igualdade e confiança intitula-se de espírito de equipa.

Mas numa equipa multidisciplinar há que ter em linha de conta a especificidade e individualidade dos seus elementos. Os elementos que compõem uma equipa têm, de acordo com Ferreira (2004), variados antecedentes valores e expectativas. Para que haja um trabalho eficiente da parte de todos cada um tem que abdicar um pouco de si próprio e aceitar as diferenças sem animosidade promovendo, deste modo, um ambiente de abertura. Os indicadores mais importantes da maturidade e força de uma equipa são a celeridade que as pessoas têm em dar e aceitar e o feedback avaliativo pelo que a comunicação é um dos factores fundamentais.

O Serviço de Urgência (SU) é, de acordo com Camacho (1997), um serviço de choque porque a ele os utentes recorrem apenas nas situações em que necessitam de cuidados imediatos. As situações de emergência ocorrem diariamente de forma súbita e brutal, pelo que o enfermeiro tem que estar preparado e apto a dar resposta a todas as situações de modo rápido, seguro e eficaz.

Nesta linha de pensamento Gonçalves et al (1999) referem que num SU o enfermeiro necessita de assegurar a qualidade dos cuidados prestados, tendo que ser capaz de proporcionar um clima de confiança e, em simultâneo, momentos para que o utente transmita os seus sentimentos. Neste serviço o enfermeiro necessita não apenas de conhecimento técnico e científico, mas também de agilidade e diplomacia para dominar as situações decorrentes e que, na maioria dos casos, representam risco de vida para o utente.

Complementando esta opinião, Sheehy (2001), salienta que a prática de enfermagem de urgência requer um conjunto de capacidades de avaliação, intervenção e tratamento gerais e especializadas. Os cuidados de enfermagem de urgência são episódios primários e agudos, cuja resolução pode implicar desde cuidados mínimos, ensinos ao utente/família, até medidas de reanimação. É neste contexto que os enfermeiros do SU lidam no seu dia-a-dia com situações críticas em que o seu conhecimento, agilidade, destreza e empatia no contacto com os utentes é posta continuamente á prova.

Os utentes que recorrem ao SU, na perspectiva de Camacho (1997), não tiveram a oportunidade para uma devida consciencialização da sua condição de doentes, não se sentindo por isso capazes de longas esperas, pouca informação e/ou pouca solicitude por parte dos profissionais de saúde. Estas condicionantes levam-nos a bombardear os enfermeiros (por serem aqueles que se encontram mais próximos) com perguntas, pedidos e solicitações que muitas vezes ultrapassam o seu limiar de capacidade de resposta, facto que pode ser gerador de situações stressantes e que pode originar conflitos.

O conflito surge assim da incapacidade que os indivíduos têm em ultrapassar os obstáculos que surgem ao longo do seu dia-a-dia. Mas importa esclarecer então o que é o conflito. Cruz (2004) baseando-se em Almeida (1995) distingue conflito de problema, num conflito existem partes em confronto desenvolvendo-se uma relação de hostilidade, enquanto num problema, um grupo de pessoas trabalha em conjunto, numa relação de proximidade com vista à resolução do mesmo.

O conflito é uma situação que ocorre quando existem objectivos e emoções antagónicas entre os indivíduos ou grupos, gerando incompatibilidades e divergência de interesses, crenças ou valores. São vários os motivos que podem dar origem a um conflito, entre os quais Cruz (2004) destaca: diferença de valores, situações de mudança e escassez de recursos; este surge apenas quando as partes consideram atingida a sua esfera individual. Alguns factores encontram-se subjacentes ao conflito: informação, percepção, status e personalidade, sendo que o conjunto destes factores associado à agressividade é o maior gerador de conflitos e, consequentemente, o mais difícil de gerir.

Noutra perspectiva Cruz (2004) salienta que o conflito evolui de acordo com cinco fases progressivas:

-fase de latência – há uma oposição, mas ainda não emergiu o conflito; -fase de incubação – há uma percepção diferente da situação, valorizada pelas

pessoas envolvidas; -fase de consciencialização – há a percepção de que existe um conflito sentindo-

se ambas as partes envolvidas pelo mesmo; -fase de disputa – é a fase do conflito declarado. As partes abrangidas envolvem-

se na discussão do mesmo, podem gerar agressão violenta; -fase de eclosão – pode haver uma resolução e aí o conflito evolui para uma

relação de cooperação, mas se as condições do conflito não forem resolvidas, este pode agravar-se. É a fase mais destrutiva pois as pessoas deixam de se preocupar com o conflito, para preocuparem-se somente com o opositor.

Toda a situação de conflito termina com resultados que atingem as partes envolvidas. Estes podem dividir-se em três categorias:

-Ganho/Perda – uma das partes atinge os objectivos pretendidos impedindo a outra parte de os atingir. Geram-se sentimentos de rancor e vingança;

-Perda/Perda – ambas as partes cedem ou existe intervenção de uma terceira pessoa. Nenhuma das partes fica satisfeita e continuam a centrar-se uma na outra ao invés de se centrarem no problema;

-Ganho/Ganho – o conflito é transformado em problema e as partes aceitam que podem ganhar algo com a resolução do mesmo. É de extrema importância a comunicação, o consenso e a tomada de decisão quebrando o ciclo do conflito e havendo ganhos para ambas as partes.

De que forma deve então ser abordado o conflito? Cruz (2004) enumera várias formas de o solver: recusa, manipulação, regressão, diluição, comportamento adequado e confrontação, destacando os dois últimos por serem na sua opinião os mais eficazes na resolução do mesmo. No comportamento adequado e na confrontação é utilizada a comunicação e um comportamento assertivo, promovendo-se o diálogo entre as partes identificando as causas do conflito e transformando-o em problema. A autora supracitada salienta ainda que evitar ou esconder os problemas não é solução, pois uma vez que estes aconteçam não se podem ignorar, devendo por isso colocar em prática as estratégias mais adequadas à sua resolução. O facto das pessoas se relacionarem com outras com diferentes valores, crenças, conhecimentos, experiências e objectivos leva a que o conflito seja um resultado esperado, não devendo, por isso, ser evitado, mas sim gerido. Só através do diálogo e do respeito mútuo é que se conseguem ganhos para ambas as partes.

Perspectivando a nossa experiência enquanto enfermeiros do SU, o serviço que Camacho (1997) designa de serviço de choque, constatamos no nosso dia-a-dia que o conflito é uma constante, quer entre a equipa multidisciplinar quer entre os profissionais e os utentes. A situação de doença gera fragilidade, incompreensão, pressa em ver a sua situação resolvida e desespero. No entender de Cruz (2004) a percepção encontra-se alterada, a informação por vezes é insuficiente e ao gerar um confronto entre personalidades e diferentes perspectivas surge o conflito.

O enfermeiro como principal prestador de cuidados, visando sempre um cuidar de excelência, tem que estar atento a estas situações gerindo o conflito da melhor forma. Sem nunca perder a razão e a calma, deve permitir ao utente e/ou pessoa significativa espaço para expor a sua opinião e percepção, proporcionando-lhe toda a informação possível, a sua percepção dos factos, bem como a dinâmica e orgânica do serviço (limitações físicas do espaço, regras de funcionamento da Triagem de Manchester, entre outros), factos que na maioria das vezes não são do conhecimento do utente, tentando transformar o conflito em problema.

Num serviço tão multidisciplinar e com um leque tão alargado de utentes, cada um dos quais com as suas crenças e valores, o enfermeiro procura abordar o conflito numa perspectiva que garanta ganhos para ambas as partes. A capacidade de lidar com o conflito depende em grande parte das faculdades cognitivas de ambos os intervenientes, só assim está garantida uma apreciação racional de todas as componentes envolvidas no

contexto do conflito, sendo por isso fulcral o desenvolvimento e cultura da assertividade bem como de comportamentos de congruência que visem o processo de resolução de conflitos (Terceiro et al, 2008).

O enfermeiro do SU constitui de certo modo uma “tábua de salvação” para o utente, pois este é o primeiro que vê e o atende na chegada à urgência e a este conta as suas dúvidas, medos e incertezas, e por estar sempre na “linha da frente” constitui o alvo preferencial das angústias, agressividade e rancor por parte dos utentes. Sem deixar o conflito entrar na esfera individual é fundamental que o enfermeiro seja capaz de geri-lo, levando o utente a concentrar e a dedicar a sua atenção ao factor mais importante naquele momento: a resolução ou atenuação da sua situação clínica. Esta não é uma tarefa fácil, uma vez que para além do cumprimento da sua actividade profissional o enfermeiro tem que lidar ainda com a escassez de recursos, grande afluência de utentes e grande falta de entendimento dos diferentes elementos que compõem a equipa multidisciplinar, pelo que a gestão dos conflitos torna-se ainda mais difícil.

Em jeito de conclusão Sheehy (2001) menciona que o enfermeiro tem que lidar com as reacções por parte do utente e família aos problemas reais ou potenciais. As reacções com que o enfermeiro depara-se compreendem todo um leque de emoções, sentimentos, sintomas e manifestações. Num ambiente de urgência o enfermeiro tem que recorrer a uma abordagem de resolução de problemas para tomar decisões de extrema complexidade. Estas decisões são alvo de várias interpretações, devendo haver um diálogo, confrontação e abertura imediata por parte do enfermeiro, gerindo deste modo situações de conflito.

Elaborado por: João Freitas joaoinacio@netmadeira.com 913321228 Márcia Assunção mjfassuncao@gmail.com 965616369 Enfermeiros do SU

BIBLIOGRAFIA:

Camacho,M. (Julho/Agosto, 1997). Stress e burnout em urgência. Servir, 4, vol 45, 181-193. Cruz, D. (Janeiro, 2004). Gestão de conflitos. Sinais Vitais, 52, 60-65.

Ferreira, A. (Setembro, 2004). As relações Interpessoais: estudo descritivo e

comparativo. Sinais Vitais, 56, 41-45.

Gonçalves, L. et al (1999). Percepção de factores e sintomas de stress nos enfermeiros

do Serviço de Urgência do Centro Hospitalar do Funchal. [Monografia realizada no âmbito do Curso de Pós-Especialização em Enfermagem Médico-Cirúrgica]. Funchal: Escola Superior de Enfermagem da Madeira. Sheehy, S. (2001). Enfermagem de Urgência - da teoria á prática.(4ª ed.). Loures: Lusociência. Terceiro et al (Maio, 2006).Gestão de conflitos: um caminho a percorrer. [Versão

electrónica]. Sinais Vitais, 66.