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Gravatá – Urbanização e arquitetura no agreste pernambucano da Primeira República
Diomedes de Oliveira Neto1
Introdução
Situado na região Agreste do Estado Pernambucano, na região do Vale do
Ipojuca, o município de Gravatá, em termos de urbanização, se configuraria apenas ao
longo do século XX. A história de sua urbanização, portanto, acompanha concepções e
práticas urbanísticas pensadas e adotadas ao longo deste século. É nesta análise que o
artigo irá se debruçar.
A proposta é apresentar questões da urbanização de Gravatá relacionadas à
historiografia de Pernambuco e do Brasil, em sintonia com as movimentações políticas,
sociais, econômicas e culturais experimentadas nestes dois planos maiores. Não se trata
de um estudo meramente memorialístico a descrever fatos relacionados a reformas
urbanas ocorridas na cidade, nem tampouco isolado e aquém do que se observava na
capital irradiadora no Estado, Recife.
Para tanto, tomou-se por base a obra de Alberto Frederico Lins, História de
Gravatá, datada de 1996, considerada pesquisa com teor acadêmico e melhor embasada
dentre os estudos existentes sobre o município.2 No que tange à urbanização, esta
aparece apenas como tema diluído na narrativa histórica deste pesquisador. Daí,
portanto, a percepção da ausência de estudos mais apurados sobre o tema.
Ademais foram realizadas observações dos espaços urbanos, consultas a um
trabalho compilatório de Emanoel Silva com imagens e fotografias ao longo do século
1 Trabalho como pré-requisito para avaliação da disciplina História de Pernambuco 2, ministrada pelo professor Severino Vicente da Silva no Curso de Bacharelado em História da Universidade Federal de Pernambuco – Recife/2014
2 O próprio Alberto Frederico apresenta a escassez de trabalhos referentes a uma historiografia do município, estas de caráter mais memorialístico e compilatório, a exemplo de um suplemento do jornal A TRIBUNA do Recife, datado de 1942 Homens e cousas de Gravatá de Antônio Farias e Lamartine Castro; um relatório de prestação de contas de 1925 referente à gestão de Rodolpho de Morais; e referências da região ainda em períodos coloniais nos clássicos Dicionário Corográfico, Histórico e Estatístico de Pernambuco de Sebastião de Vasconcelos Galvão e Anais Pernambucanos, vol VIII de Pereira da Costa.
XX de Gravatá no livro: Gravatá – Memórias do Tempo; e conversas e reunião de
depoimentos e fotografias junto à professora e moradora do município Dilsa Farias, uma
verdadeira interessada pelas questões da história da cidade.
O recorte se desenvolve com foco no período da Primeira República (até fins da
década de 1920), período onde fervilhavam os debates em torno de questões
urbanísticas nos campos formais, sociais e econômicos. No entanto, para o caso de
Gravatá foi necessário também observar algumas questões da historiografia referentes a
meados do século XIX, com a instalação de freguesia na localidade.
Trata-se de um passo inicial, a apontar outras possibilidades de estudo para a
urbanização e mesmo para as práticas arquitetônicas tanto no município de Gravatá
como noutras realidades do interior do Estado de Pernambuco ao longo do século XX.
A povoação e o século XIX
Antes de tratar melhor da urbanização do município de Gravatá nas primeiras
décadas do século XX, cabe remeter a alguns pontos referentes à sua ocupação ainda em
séculos anteriores.
A historiografia clássica, ao abordar sobre as ocupações luso-brasileiras em
direção aos “sertões”, apresenta um acesso já tardio à região do Planalto da Borborema,
comparado à formação de currais ao longo do Vale do São Francisco, dentro de uma
economia com base na pecuária a se desenvolver naquela região. Fatores como
dificuldades topográficas e áreas de foco de resistências indígenas e negras se
colocariam como entraves a essa colonização “branca” no interior.3
Apenas no século XVIII, com o desbravamento de novas entradas para o São
Francisco margeando o Rio Ipojuca foi-se delineando outras possibilidades de acesso
para o sertão com ocupações ao longo destes trajetos, já que se fazia exigir a
configuração de paradas de descanso para as boiadas e boiadeiros, formando-se novos
currais.
A primeira referência ao “Caminho do Ipojuca” data, em referência a
documento, de 17384, donde dentre as inúmeras paradas, encontrava-se a de Crauatá
3 INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO DE PERNAMBUCO. Gravatá. Recife: FIDEPE/FIAM, 1982. (Monografias municipais, 8).
4 ibid
numa localidade que por sua abundância em mananciais no vale do Rio Ipojuca,
possibilitou a constituição de “pouso” (estabelecimentos para descanso), pequenas casas
de negócios e currais. Até então, a área que hoje abriga o município de Gravatá,
sobretudo seu perímetro urbano, se apresentava não mais que um local de “pouso” para
as boiadas.
Com a instalação da Fazenda Gravatá em 1808, de posse de José Justino
Carreiro de Miranda, sua condição de propriedade fixa, privada, possibilitaria um
assentamento mais permanente na região, desenvolvendo-se inclusive, além do
comércio do gado, também o de lenha, em virtude da presença abundante de mata de
brejo de altitude em seu entorno.
Observa-se a “formação de dois arruados, um em cada margem do rio”, a
presença de um pequeno comércio, e seus intercâmbios com a feira na cidade de Santo
Antão, no momento, polo satélite de desenvolvimento naquelas paragens agrestes.5
Um dos primeiros marcos naquilo que possibilitaria uma urbanização posterior
da região seria a construção de uma capela dedicada à Sant’Anna no ano de 1820, pelo
então proprietário da Fazenda Gravatá, sendo concluída em 1857.6
Assim como em muitos exemplos nas histórias dos municípios interioranos do
Estado de Pernambuco, a construção de capelas (sejam elas votivas ou não) dentro do
perímetro de fazendas, aglutina novas habitações em seu entorno, proporcionada pela
chegada de trabalhadores, artífices, comerciantes ou mesmo fiéis, diante deste elemento
religioso considerado central numa povoação.7
A presença de uma capela, a aglutinar novas populações, por vezes possibilita
até mesmo transformações administrativas na região, que aos poucos consegue pô-la em
destaque. No caso da Fazenda Gravatá, cujo território seria dividido em mais de cem
lotes comercializados com moradores, sua povoação ao longo da primeira metade dos
dezenove possibilitou a instalação de uma Freguesia no ano de 1857, por intermédio da
5 INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO DE PERNAMBUCO (FIDEPE). Gravatá. Recife: FIDEPE/FIAM, 1982. (Monografias municipais, 8), p. 21.
6 FIDEPE (1982); LINS, Alberto Frederico. História de Gravatá . Recife: Inojosa, 1993
7 Sobre a formação desses núcleos urbanos, recomendo a leitura do artigo Breve história do debate sobre a cidade colonial brasileira de Fania Fridman no livro Cidades latino-americanas-um debate sobre a formação de núcleos urbanos. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2010.
lei Provincial de n° 422, com elevação da capela à condição de Matriz, tornando a
localidade um distrito do município de Bezerros.8
Principal espaço de sociabilidade nas povoações interioranas do período
colonial, capelas como a de Sant’Anna abrigavam um pátio em seu entorno, onde
usualmente se instalavam as feiras. No caso de Gravatá, logo aos fundos da edificação,
localizava-se o referido pátio, sendo posteriormente no século XX estruturada a Praça
Aarão Lins, hoje um marco urbano da cidade. Ao longo da capela-Matriz se encontrava
também o “arruado do comércio”9
Na Gravatá da década de 1870, então ano de falecimento de Francisco do Rego
Barros (o conhecido Conde da Boa Vista) governador da província responsável por uma
série de reformas urbanísticas e de higienização na cidade do Recife, além da
construção de prédios que marcavam o gosto arquitetônico da época; o pesquisador
Alberto Frederico Lins, apresenta a região gravataense marcada pelo isolamento e
pontuada por uma povoação esparsa, sem ares de uma configuração urbana.10
Neste período alguns comerciantes já faziam pressão para que a localidade fosse
elevada à categoria de vila, sendo o pedido negado pelo governo provincial diante da
falta de um aparato sócio-econômico que justificasse esta nova titulação. A ideia de
“progresso” tão aclamada no século XIX nas sociedades ocidentais, ainda não se fazia
presente no vale do Ipojuca, de acordo com o pensamento administrativo da época.
Da parte dos comerciantes locais, o desejo era a instauração de todos os
mecanismos administrativos cabíveis a uma Vila (distrito foral, câmara e pelourinho).
Além disso, havia também o anseio em emancipar a povoação do município de
Bezerros. A região, contudo, ainda era considerada bastante isolada da capital da
província, tendo um acesso dificultoso.
Alberto relata que o Diário de Pernambuco de 11 de dezembro de 1880
apresenta nota do governador da província de Pernambuco, exigindo o término das
obras da estrada Vitória-Gravatá, empreendimento então construído sobre um caminho
aberto desde o século XVIII, com suas obras se arrastando ao longo do século XIX.
No ano seguinte, diante das pressões da elite local, das circunstâncias favoráveis
da região, que começava a se inserir nas rotas da capital, e de seu crescimento em sua
8 Acontecimento informado na edição número 64 do Diário de Pernambuco – ver LINS, Alberto Frederico. História de Gravatá . Recife: Inojosa, 1993
9 LINS, Alberto Frederico. História de Gravatá . Recife: Inojosa, 1993
10 ibid. p.86
povoação Gravatá foi elevada à vila, com direito a foros e uma capela na condição de
Matriz.11 Seria então a sua “certidão de nascimento civil” como atesta Alberto Frederico
Lins.12
O autor coloca, no entanto, que apesar dessa nova situação civil da localidade, a
região ainda apresentava sérias dificuldades no que tange a questões sociais e mesmo
urbanísticas. O surto de varíola, epidemia comum a grassar nos interiores de
Pernambuco naquela época, havia dizimado uma quantidade considerável da população,
afetando seu comércio e os intercâmbios com outras localidades a partir da feira.
Assim se apresentava Gravatá na década de 1880 nas palavras de Alberto
Frederico Lins, seguindo os relatos do Diário de Pernambuco:
As notícias que o jornal recifense estampava irregularmente, pintavam o retrato de gente humilde, desafeita à solércia metropolitana, distante de modismos, presa à herança portuguesa da conquista e do aventureirismo colonial.13
Percebe-se nesse discurso que a região do Ipojuca ainda era considerada como
“atrasada”, não estando na esteira do “progresso” tão aclamado nos principais centros
urbanos do então império, que exigiam reformas, inclusive urbanísticas numa
europeização não-lusitana a fim de quebrar com os hábitos coloniais. Ainda sobre a
povoação na época, acrescenta: “A vila mal possuía algumas ruas que davam nos pátios
da igreja e da feira, onde promoviam-se as festas.”14
Diante desse quadro pintado nos escritos da época, parecia que a única solução
para Gravatá seria entrar nas rodas do tão aclamado “progresso”, e os avanços das
ferrovias para o interior pareciam ser a solução para tal “atraso”.
É importante destacar que não era apenas Gravatá e tantas outras regiões da
província afastadas da capital que experimentavam um ar de “marasmo” e mesmo
declínio. O controle parasitário de elites econômicas da época, tanto entre os aristocratas
do açúcar como nos fazendeiros dos sertões, não possibilitavam avanços de ordem
11 FIDEPE (1982)
12 LINS, Alberto Frederico. História de Gravatá . Recife: Inojosa, 1993. p.91
13 ibid. p. 91
14 ibid. p. 92
econômica, social e mesmo urbanística na província pernambucana, esta não
acompanhando os ritmos da história do Brasil e mesmo do mundo.15
Autores como Robert Levine16 e Manuel Correia de Andrade17 apresentavam a
situação de declínio da província de Pernambuco, onde nem mesmo a proclamação da
República possibilitaria uma sintonia do mesmo nas políticas da capital federal,
estendendo-se em sucessivas perdas de influência assinaladas por Levine até a
implantação do chamado Estado Novo.
Manuel Correia ainda faria uma análise mais preocupada ao atestar que
“Pernambuco e o Recife mudavam lentamente, sem, no entanto transformar as
estruturas sociais”18 A questão, porém, não deveria se colocar apenas diante de um
“progresso” aparente, seja nas políticas de urbanização e embelezamento promovidas
pelo Conde da Boa Vista na capital pernambucana, ou em melhorias nos acessos e
transportes para o interior, já que tais medidas não significavam acessos e melhorias
para toda a população.
No entanto, a atuação de empresas estrangeiras na província como a Great
Western19, na implantação e monopólio dos transportes ferroviários, dentro de uma
lógica então estabelecida de dependência do capital exterior, provocaria transformações
em algumas regiões interioranas por onde passassem aqueles trilhos, influenciando nas
configurações urbanísticas, espaciais e arquitetônicas dessas localidades, a exemplo da
povoação do Vale do Ipojuca.
A linha férrea ao adentrar nos sertões da província, mesmo não se tratando de
uma malha ferroviária funcional a interligar todas as localidades de Pernambuco, foi
vista por onde passava como um símbolo do progresso, a estreitar as influências da
capital no interior. Em notícia no Diário de Pernambuco, em 21 de março de 1884,
15 SILVA, Severino Vicente. História de Pernambuco Contemporâneo: o início do século XX. Recife: UFPE, 2013 (mimeo)
16 LEVINE, Robert. Pernambuco e a Federação Brasileira, 1889-1937, in História Geral da Civilização
Brasileira, Tomo III, vol. I, org. de Boris Fausto, São Paulo, Difel, 1975
17 ANDRADE, Manuel Correia de. História das usinas de açúcar de Pernambuco. 2ª. Edição. Recife:
Editora da UFPE, 2001
18 SILVA, Severino Vicente. História de Pernambuco Contemporâneo: o início do século XX. Recife: UFPE, 2013. p. 4-5
19 Levine destaca o primeiro contrato de construção com a empresa, datado de 1852. In: Levine (1975). p.160
assim aparece descrito um dos braços ferroviários para o interior, que passaria por
Gravatá:
Já não é utopiaa estrada de ferro do Recife a Caruaru. Os cem quilômetros do prolongamento do São Francisco foram transportados para a direção da estrada do Recife a Caruaru, apenas terminado no lugar Varginhas, a seis quilômetros de Bezerros. Os trabalhos da estrada continuam com mais animação, máximos trechos da serra das Russa e na Vila de Gravatá, onde os cortes de terra estão muito adiantados20
Meses depois, a 13 de junho de 1884, Gravatá seria elevada à categoria de
cidade e Comarca, porém, conquistando sua autonomia municipal de Bezerros apenas
no período Republicano por intermédio da lei orgânica de 15 de março de 1893, se
constituindo dos distritos: Sede, Uruçu-Mirim, Chã-Grande (hoje município autônomo)
e Russinha.21
A chegada gradativa da ferrovia, que ainda não havia alcançado o perímetro
urbano, possibilitaria um acesso mais facilitado à região, já que a chamada “subida da
Russinha” ainda conhecida no início do século XX era considerada de difícil acesso,
tornando-se as ferrovias da Great Western o melhor meio a se alcançar aquele vale, em
tempos que a pavimentação da conhecida BR-232 (principal acesso de hoje ao
município) ocorreriam apenas na década de 1950.22
Os ares da ferrovia e a nova condição civil da Vila de Gravatá começariam a
destacá-la junto aos círculos sociais da capital, que passaram a conhecer o clima ameno
e condições naturais da região como favoráveis a tomá-la por lugar de repouso e mesmo
estação para cura de doenças respiratórias, sobretudo a tuberculose.
Interessante destacar também que esses novos interesses por Gravatá se
assemelhavam também aos observados na região de Garanhuns, como bem apresenta
Alfredo Leite Cavalcanti23, e de como essas regiões assumiriam ao longo das décadas do
século XX um perfil de regiões turísticas e de lazer.
A percepção desses “atrativos” na povoação gravataense atrairia mesmo novos
moradores, vindos principalmente do Recife que, ao chegarem a princípio para se
20 LINS (1993). p. 94
21 FIDEPE (1982)
22 ibid
23 CAVALCANTI, Alfredo Leite. História de Garanhuns, Recife, Centro de Estudos de História Municipal, 1983.
tratarem de doenças ou mesmo para repousarem, iam estabelecendo residências, se
fixando, e possibilitarem uma formação de novos arruados em torno da igreja Matriz. O
aumento dessa povoação e de seus arruados, no entanto, não seguiriam um
planejamento urbanístico, resultando em condições precárias de higiene e saneamento,
onde a maioria das casas não possuíam calçadas e os meios de transporte se
apresentavam precários.24
A estrada de ferro avançava a duras penas, diante das intempéries do Planalto da
Borborema, onde está encravada a Serra das Russas. Os relatos de Alberto Frederico
Lins apontam as dificuldades para que a linha alcançasse o perímetro do povoado. Neste
desenrolar, como apoio ao andamento das obras, instala-se linha telefônica na região em
1885, demonstrando que o projeto seguiria.25
É interessante perceber como na maioria das narrativas encontradas a respeito de
uma historiografia de Gravatá, ao tratar de sua urbanização, é colocada a importância da
estrada de ferro para um salto em suas configurações urbanísticas, não sendo este
aspecto narrativo presente apenas para o caso gravataense. Contudo, esse processo não
se daria de maneira pacífica, sem conflitos ou contradições no seu desenrolar, devendo-
se atentar ao significado de “progresso” impresso naquela época, sobretudo às vésperas
da República.
Ao longo de sua escrita tratando da estrada de ferro, Alberto Frederico coloca:
O próximo passo, vencida a serrania, seria a zona urbana de Gravatá, onde aguardava-se o trem para redimir todas as dificuldades da região. Traria o milagre da multiplicação dos pães. O abre-te sésamo da felicidade26
A esperança trazida pelo trem se depararia no ano de 1888 com uma Gravatá
“que pouco mais representava do que arruados a cercarem os pátios da Matriz e da
feira”, com pequenas casas a pontuarem as regiões chamadas de Boa Vista, Jucá e
Valentim.27
A urbanização na Primeira República
24 Lins (1993)
25 Ibid. p.98
26 Ibid. p. 99
27 Lins (1993)
Vem a República! E com ela, como bem destacou Levine e Manuel Correia,
poucas mudanças nas estruturas sociais. Ressaltando-se o exemplo dado por Alberto
Frederico para o caso gravataense da permanência de poder dos Rego Barros, Silveiras e
Andrades.
No contexto republicano enquanto Brasil, no que tangia à possibilidade de um
desenvolvimento socioeconômico interno, a abertura quase irrestrita promovida pelas
elites republicanas ao capital estrangeiro, sobretudo aos ingleses e americanos,
impossibilitariam a proeminência de capitalistas brasileiros, a exemplo de Delmiro
Gouveia em Pernambuco.28
Na então vila de Gravatá ainda em 1889, um desses capitalistas “oposto aos
chefes imperiais”29 das velhas oligarquias, e também amigo de Delmiro Gouveia,
aproveitaria a futura chegada da ferrovia na região para então estabelecer seus negócios.
Joaquim Maciel Didier, vindo de Pesqueira, decide estabelecer no vale do Ipojuca
gravataense uma fábrica de couro denominada São José.
Didier enxergava a vinda da ferrovia de maneira estratégica para a implantação
de seu negócio, alinhando a facilidade de transporte para o Recife (que corresponderia a
não mais que 3 horas) às próprias práticas pecuaristas já desenvolvidas na localidade
que alimentariam o serviço a qual propunha prestar.
Cabe destacar nesse processo uma possibilidade diferente daquilo que mais se
observava nos trilhos assentados na região da Zona da Mata, onde estes “seguiam os
canaviais e não as indústrias que se estabeleceram na virada do século XIX e nos
primeiros anos do novo”30 Não que os trilhos para o Agreste e Sertão tivessem um
intuito primeiro de alavancar um possível desenvolvimento industrial para a região,
porém, figuras como a de Joaquim Didier havia enxergado oportunidades.
Conquistando autonomia de Bezerros no ano de 1893, Gravatá teria inaugurada
sua primeira fábrica: São José, destinada a trabalhos com couro e idealizada por
Joaquim Didier e considerada então a maior do Estado. Além de proporcionar uma
movimentação na economia da pecuária local, a concepção industrial e empreendedora
28 SEVCENKO, N. (org.) O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: História da Vida Privada no Brasil. v 3: República: da Belle Epoque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
29 Lins (1993) p. 103
30 Silva (2013) p. 14
na figura de Joaquim Didier também traria novas concepções no espaço urbano e nas
formas de construir, estas alinhadas a práticas já observadas nos grandes centros.
Com a construção de sua residência num arruado que ligava a futura estação
ferroviária à igreja Matriz, Didier apresentava ao município uma nova moda de
construir no momento: o chalé.
As transformações socioeconômicas proporcionadas com a industrialização em
fins do século XIX e início do XX possibilitou novas maneiras de se habitar e
construir31, não apenas na Europa, mas também no Brasil, que então se encontrava
dependente deste capital estrangeiro.
A modernização dos transportes, a exemplo das linhas férreas nas províncias
brasileiras permitiu uma interligação de localidades, antes consideradas isoladas, com os
grandes centros urbanos, estes irradiadores de novas concepções sociais, tecnológicas e
urbanísticas. Equipamentos modernos de construção e marcenaria, além de novos
materiais como o ferro, circulariam nesses interiores. Na província de Pernambuco, no
governo republicano de Alexandre Barbosa Lima (1892-1896), a linha férrea para o
Agreste avançava com a continuidade das obras da ferrovia Recife –Caruaru com
sentido à Pesqueira,32 e Gravatá, estando no meio da rota, se beneficiaria com essas
inovações.
A grande dificuldade na construção deste trecho ferroviário se verificou ao longo
da Serra das Ruças, exigindo trabalhos ao longo de 10 anos (1881-1891) com a
instalação de 14 túneis, 9 viadutos e 13 estações no caminho de Recife à Gravatá.33 A
partir de então, a região experimentaria transformações, mesmo que lentas, na sua
configuração urbana, impulsionadas pela atuação do industrial Joaquim Didier.
Os braços do Estado se aproximam de Gravatá com a instalação da Coletoria
Estadual de impostos na rua do Comércio (a principal da cidade), ainda em 1893.
Percebe-se uma maior movimentação mesmo na estrada de terra das Ruças, e o gado
passa a ser transportado em boa parte nas ferrovias, dinamizando-se assim a pecuária
local.
31 REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1973.
32 Silva (2013)
33 Lins (1993)
No ano de sua emancipação oficial, da instalação de sua primeira fábrica e da
consolidação da ferrovia no perímetro urbano, assim se encontrava Gravatá em 1893 de
acordo com os relatos de Alberto Frederico Lins:34
A velha Matriz centralizava a existência da comunidade, que
dividia com a estação da estrada de ferro. Algumas dezenas
de ruas, de casario irregular e pobre. (...) essas artériasviriam,
modificadas em novas casas, calçadas ou edifícios (...)
projetando no futuro os alinhamentos do corpo urbano.
É um período em que começa a se configurar aquelas que seriam as principais
vias da cidade ao longo do século XX, incluindo uma série de edificações significativas
para a paisagem urbana da cidade, preservadas até dias atuais, planejadas então pela
figura de Joaquim Didier.
A instalação da fábrica São José exigiria, para além de sua própria edificação,
alguns equipamentos de infra-estrutura que trariam benefícios tanto para a fábrica
quanto para boa parte da população. Assim em 1896, Joaquim Didier financia a
construção de uma ponte sobre o Rio Ipojuca, possibilitando que as duas margens
povoadas do rio tivesse uma comunicação mais eficiente.
O pouco que se encontrou de historiografia disponível sobre Gravatá, a exemplo
da obra de Alberto Frederico Lins, coloca a importância da figura de Joaquim Didier no
que tange às melhorias urbanísticas e arquitetônicas na cidade.
Tudo que esse industrial de espírito filantrópico construiu em Gravatá doou seu povo. Casas, edifícios, pontes, tudo cedeu em favor da cidade35
No início do século XX assim se encontrava a cidade, nos relatos do mesmo
autor.
As esquinas da pequena Gravatá desse final de século eram fracamente iluminadas por lampiões de querosene, e que abriam amarelados arcos de luz no chão de terra batida,
34 Lins (1993) p.110
35 ibid
fantasmagorizando em rostos humanos as fachadas empobrecidas das casas pobres.36
Da necessidade de mais espaços ao ar livre de sociabilidade, já que então na
cidade só havia os pátios da Estação, da Matriz e da Feira, no ano de 1900 o então
prefeito Antonio Avelino do Rego Barros inaugura no chamado morro do Jucá, um
cruzeiro de madeira, donde atualmente se conhece a referida localidade como morro do
cruzeiro, um espaço de lazer e práticas turísticas na cidade.
Políticas de saneamento que já seriam praticadas no governo estadual de
Alexandre Barbosa Lima com a Inspetoria de Higiene do Estado37, seriam verificadas na
gestão de Gravatá no início do século XX com a transferência em 1903 do antigo
cemitério para uma área mais afastada e salubre do centro urbano.38
No ano de 1904, Joaquim Didier se transfere da sua antiga residência e constrói
o seu solar, além de uma ponte sobre a linha férrea que facilitaria a circulação entre os
dois lados da cidade que foram cortados pela ferrovia. Dois anos depois, preocupado
com a educação primária, bastante incipiente, cede um prédio a servir de externato para
a paróquia da cidade.
A ferrovia, além de dinamizar a economia local também facilitou a entrada de
novos hábitos e costumes, incluindo novas práticas religiosas. A chegada de missionário
protestantes no Estado seria debatida em texto do professor Severino Vicente,
observando as dificuldades de reorganização eclesiástica no início da República como
fator facilitador para a prática de outras religiões.39
Em Gravatá já se observaria uma atuação de missões batistas no começo do
século XX, sendo inaugurada a primeira igreja batista no ano de 1907 em edificação
existente nos dias atuais. Vale destacar o apoio de Luiz Gonçalves, proprietário de uma
fábrica de cerâmica no município para a construção do prédio.
Preocupações relacionadas ao saneamento e higienização já eram debatidas e
praticadas no alvorecer da república nos grandes centros do Brasil, a exemplo do Rio de
Janeiro com as políticas de urbanização de Pereira Passos e de saneamento de Oswaldo
Cruz. Abertura de largas avenidas, campanhas arbitrárias de vacinação, demolições de 36 Lins (1993). p. 111
37 Silva (2013)
38 Lins (1993)
39 Silva (2013). p.10
cortiços, num processo de higienização social, visavam atingir uma modernidade aos
moldes europeus a todo custo, sendo praticados no Rio de Janeiro e em cidades como o
Recife, onde seriam negados os aspectos urbanísticos e sociais verificados na malha
urbana colonial.40
Influenciados pelos planos urbanísticos da Paris de Napoleão III, que visavam
para a cidade uma maior aeração e circulação, além de propiciar um controle
sociopolítico das grandes populações e de expressar também a monumentalidade em
suas edificações públicas, as políticas urbanísticas e de saneamento no Brasil
republicano, sobretudo no Rio de Janeiro, se processariam de maneira bastante
conflituosa.
Agindo tanto no controle dos espaços privados como no dos logradouros públicos, as reformas urbanas cariocas expulsariam grande parte da pobreza e da miséria, das manifestações populares e das atividades tradicionais.41
No caso de Gravatá, essas políticas de modernização se fariam menos
conflituosas do que as observadas no Rio de Janeiro ou no Recife, e mesmo se
processariam num ritmo mais lento. O núcleo urbano gravataense apresentava ainda
uma povoação esparsa, com muitos terrenos abertos, ausência de calçamentos e de
emaranhado de construções como se verificava nos grandes centros coloniais.
Curiosamente, a urbanização de Gravatá no início do século XX, guardada as
devidas proporções, pode se assemelhar à então situação da povoação de São Paulo na
época, onde “a pequena área urbanizada e a própria escala populacional(...) foram
fatores favoráveis às intervenções e à abertura de novas áreas urbanizadas afeitas a
princípios de zoneamento social e disciplinamento do construir e do habitar.”42
Seria um processo diferente do observado nas grandes cidades coloniais do Rio
de Janeiro, Recife e Salvador, que já apresentavam alta densidade populacional e
construções dispostas numa lógica diferente do que proposto nestas reformas.
Somados a essas políticas de zoneamento e ordenamento das vias, previa-se
também intervenções de “aformoseamento” dos espaços públicos e das edificações de
40 Sevcenko (1998)
41 MARTINS, Paulo César Garcez. Habitação e vizinhança: limites da privacidade. In História da Vida Privada no Brasil. v 3: República: da Belle Epoque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 143
42 Ibid. p. 171
caráter civil-governamental. Posturas desse tipo foram adotadas pelo já eleito prefeito
de Gravatá em 1907, Joaquim Didier.
Em 1908 constrói o Paço Municipal, que junto com sua primeira residência (no
momento servindo como casa paroquial) e seu solar de 1904, representam exemplares
daquilo que se convencionou chamar de arquitetura eclética nas primeiras décadas de
República no Brasil.
Figura 1 - Paço Municipal – Gravatá
Década de 1940 – Acervo de Dilsa Farias Lopes
Figura 2 - Solar dos Didier
Foto da década de 1940 – Acervo de Dilsa Farias Lopes
No governo estadual de Herculano Bandeira (1908-1911), o autor Severino
Vicente destaca a arquitetura do momento.
A arquitetura deve ser mencionada como uma expressão do
crescimento de Pernambuco, asseverado pela construção de
prédios ecléticos, ocupantes da nova rua do Bom Jesus,
Avenida Rio Branco.43
Na análise do arquiteto Geraldo Gomes em seu artigo44, Arquitetura Eclética em
Pernambuco, o ecletismo marcava um período socioeconômico no país e no Estado de
dependência econômica da Europa, valendo-se do uso de estilos à europeia e de
materiais novos proporcionados pela revolução industrial.
O uso justaposto de estilos de variadas épocas numa mesma edificação
caracterizaria a expressão arquitetônica do século XIX e das primeiras décadas do
século XX, sobretudo no Brasil da Primeira República.
43 Silva (2013) p.21
44 SILVA, Geraldo Gomes. Arquitetura Eclética em Pernambuco. In: FABRIS, Annateresa (org.) Ecletismo na Arquitetura Brasileira. São Paulo: Livraria Nobel, 1987.
As construções de Didier, e outras que iam surgindo a partir da influência
deste45, marcavam a expressão eclética na arquitetura. Palacetes e chalés
compartilhando na mesma fachada uma pluralidades de formas e estilos: arcos ogivais,
frontões, lambrequins (ornamentos em madeira).
A edificação de chalés (chalets) seria uma prática em todo o Brasil, inclusive na
capital federal46, estendendo-se ao Recife com o desenvolvimento das indústrias têxteis
e pelo interior ao longo dos engenhos e usinas. No início do século XX, Gravatá
apresentava vários chalés ao longo de suas vias mais recentes, inspirados no ecletismo
da época, trazendo contribuições também às configurações urbanas.
Apesar de ainda não serem calçadas, as alamedas que iam surgindo ao longo do
trecho da Estação Ferroviária até a Igreja da Matriz de Gravatá já se configurariam no
espírito urbanístico do eclético, marcado pelo alinhamento das casas à rua. As
residências se apresentariam com porão alto, uma altura em relação às vias, a supressão
de alcovas e construções com tijolos e madeira serrada, além do uso de ornamentos em
madeira, a exemplo dos lambrequins.47
Ainda no ano de 1908, Joaquim Didier, na esteira das preocupações higienistas
em voga na capital nos projetos de Saturnino de Brito, financiaria a construção de um
hospital numa área mais afastada da cidade destinado ao combate da varíola. Dois anos
mais tarde com a chegada das irmãs Dorotéias, Didier cede um prédio localizado na
antiga Rua do Cruzeiro para que as irmãs pudessem atuar em seus serviços de
alfabetização de moças.48
É importante ressaltar a atuação de congregações religiosas no Estado de
Pernambuco desde o século XIX, tendo as irmãs Dorotéias aportado no Recife no ano
de 1866, responsáveis pelo estabelecimento de colégios em várias cidades do interior a
45No depoimento da professora Dilsa Farias, esta destaca os 3 chalés da atual Avenida Joaquim Didier e o chalé próximo ao prédio da prefeitura (havendo outras edificações semelhantes naquela rua que foram demolidas). Além disso, também lembra da construção do prédio que abrigava o Salão Paroquial (conhecido como Salão 3 S), num estilo semelhante ao observado na fachada do Paço Municipal
46 DEL BRENNA, Giovanna R. Ecletismo no Rio de Janeiro. In Annateresa Fabris (org), Ecletismo na Arquitetura Brasileira. São Paulo: Nobel/Edusp, 1987.
47 Nestor Goulart Reis apresenta um panorama dessas novas configurações urbanísticas e construtivas do espaço edificado eclético em seu livro Quadro da Arquitetura no Brasil.
48 Lins (1993)
exemplo de Pesqueira e Carpina, no sentido de suprirem a ausência do Estado a
proporcionar uma educação formal.49
Em 1911, com autorização do Governador Herculano Bandeira, Didier financia
a construção do prédio da Cadeia Pública, então apelidado de quartel. Interessante
destacar que essa seria mais uma edificação erguida bem ao gosto do eclético da época.
No ano seguinte o prefeito organiza o alargamento da Avenida em frente à sua
residência, que seria posteriormente chamada de Joaquim Didier. A expansão das vias
públicas, o embelezamento de prédios públicos, o interesse por paisagismo e por
questões urbanísticas colocam Joaquim Didier na ordem das preocupações vigentes no
momento, experimentado nas grandes cidades republicanas do Brasil, incluindo o
Recife, na presente gestão do governador Dantas Barreto, responsável pela
modernização do porto do Recife e pela abertura de avenidas.50
Em 1916, durante a gestão do governador Manuel Borba, Joaquim Didier
reelege-se prefeito em Gravatá. É válido destacar a amizade de Didier pelo então
governador, ambos com perfis de industriais, o que permitiu a Gravatá um maior
alinhamento às políticas do Estado.51
Tornando-se melhor relacionada com a capital, no ano seguinte Gravatá
receberia a visita do arcebispo de Recife e Olinda D. Sebastião Leme, que se solidariza
com o anseio de fieis pela construção de uma nova Matriz, diante de ressalvas do
prefeito em relação à demolição do antigo templo, sendo contrário a esta possibilidade.
Ainda nesse ano, a gestão de Didier inaugura o primeiro mercado público da
cidade52, próximo ao pátio da igreja Matriz, com o intuito de organizar a feira da cidade.
Sendo mais um prédio a se apresentar em linhas do ecletismo, representaria um espaço
fundamental nas cidades de início do século XX como “projeção da multiplicidade de
modos de vida e sociabilidade dos moradores citadinos”.53
49 Silva (2013) p. 11
50 Silva (2013)
51 Lins (1993)
52 TERMO de contrato celebrado entre a Prefeitura do Município de Gravatá e a firma Joaquim Didier e Filhos o empréstimo da importância de dezoito contos de réis em moeda corrente destinado à construção de um edifício para o mercado público. Manuscrito (Acervo Pessoal de Emanoel Silva).
53 Sevcenko (1998) p.119
Figura 3 - Mercado Público e entorno de arruados de Gravatá
Foto da década de 1940 – Acervo de Dilsa Farias Lopes
Em 1918, em face das demandas pela melhoria do ensino primário na cidade,
Joaquim Didier doaria o prédio de seu solar às irmãs Dorotéias, estabelecendo uma
identidade de ensino religioso naquela localidade, reforçado posteriormente com a
atuação das irmãs Salesianas.
No ano seguinte, em 1919, Didier termina por renunciar o cargo à prefeitura,
alegando a necessidade em administrar seus negócios industriais na Bahia. Porém, de
acordo com relatos de Alberto Frederico Lins e nos depoimentos de Dilsa Lopes, Didier
lamentava a ideia em se demolir a antiga capela Matriz para se erguer a nova igreja
demandada. Ao sair do município, deixara uma quantia em dinheiro considerável para a
paróquia a fim de se investir nas obras de um novo templo (salvo na condição de se
preservar o antigo).54
Em 1922 assume a prefeitura o genro de Joaquim Didier, Rodolpho de Morais
que também seria responsável por algumas transformações urbanísticas na cidade, a
exemplo da chegada de energia elétrica a algumas residências da cidade. No ano
54 Este relato se encontra em Lins (1993), sendo reforçado pelos depoimentos de Dilsa Lopes (2014)
seguinte terminaria as obras de Didier para a avenida próxima ao antigo solar da
família, inaugurando-a sob o nome de Sérgio Loreto em homenagem ao então
governador da época.55
É válido destacar os tratamentos urbanísticos e paisagísticos desta gestão em
Gravatá estando em sintonia com as obras realizadas por Sérgio Loreto na capital, a
exemplo da inauguração da Avenida Boa Viagem, ajardinamento de espaços vazios,
programas de arborização, além de planos de saneamento e abertura de vias e estradas
para o interior. 56
No pequeno município do agreste, o então prefeito se dispõe aformosear a nova
avenida, com um palanque ao bom estilo dos coretos orientais que ornamentava a
capital federal no começo do século, e com a arborização da cidade plantando-se mais
de 500 ficus-benjamin naquilo que proporcionou a cidade possuir, segundo Alberto
Frederico “a mais bela vegetação urbana do interior do Estado”.57
Dentre outras ações da gestão de Rodolpho de Morais estariam a reforma do
lastro da “ponte do Comércio” construída ainda em tempos da gestão Didier e a
construção de um prédio próximo ao Paço Municipal destinado ao ensino primário,
intitulado de “Paz e Trabalho”.58
O ano de 1926, em pleno período de movimentos tenentistas no país, iria marcar
o município de Gravatá nas narrativas desta temática. Tratou-se do movimento liderado
por Cleto Campelo pelo interior, saindo do Recife em direção ao Agreste, donde
tombaria às portas da Cadeia Pública de Gravatá.59
Os relatos sobre a cidade às vésperas da chegada de Cleto Campelo assim se
desenvolvem nas palavras de Alberto Frederico:
Na cidade até então calma (...) cinco dúzias de ruelas onde apenas destacavam-se os prédios da Cadeia, o Solar dos Didier e a Prefeitura, a vigiarem a Matriz centenária de Sant’Anna.60
55 Lins (1993)
56 Silva (2013)
57 Lins (1993) p.124
58 ibid
59 Ver o trabalho de CALDAS, Alberto Frederico Lins. Cleto Campelo. Recife: UFPE, 1978. 197 folhas (dissertação de mestrado)
60 Lins (1993). p.140
O autor revela o desinteresse e mesmo a apatia da população pelas questões
políticas daquele momento, que agitavam tanto o Estado como o país, mostrando que o
ocorrido com Cleto Campelo apenas havia despertado o medo e pânico da população.
No entanto, sua narrativa destaca também uma espécie de “renovação cultural”,
experimentada sobretudo pela elite local.
Fala do cinema, chamado de 15 de novembro (posteriormente Cine Holanda), na
roda da instauração de salas cinematográficas no Recife e em outras cidades do interior,
do famoso Hotel Hildebrando próximo à estação ferroviária (tal como eram dispostos os
melhores hotéis ao redor da Estação Central na capital), o romantismo da juventude, as
influências francesas nos modismos e hábitos, os saraus, as festas (sagradas e profanas),
as procissões.61
Por fim, um fato interessante ocorrido no processo de urbanização de Gravatá já
em fins da década de 1920 pode trazer discussões importantes sobre planejamento
urbano e políticas de zoneamento e ordenamento social do território. É o caso da famosa
Rua da Alegria, situada nas proximidades do então prédio do grupo escolar Paz e
Trabalho.
Situada numa área estratégica da cidade, a rua era composta por um punhado de
casas pertencentes a prostitutas da época, sendo um arruado conhecido pela boemia,
como bem seu nome prezava.62 No ano de 1927, diante das estratégias da prefeitura em
urbanizar aquela área em sintonia com as ideias de largas avenidas, liberando um
caminho que ligava a prefeitura diretamente à igreja Matriz e em prol da higienização e
da preservação da moral e dos bons costumes, o que possibilitaria a fixação de
residências “de família”, as casas foram demolidas.
Os relatos a respeito se resumem aos de Alberto Frederico Lins, que destaca a
marginalização dessas populações na época e da necessidade de estudos destes sujeitos
da história, responsável por tantas formas de sociabilidade dos núcleos urbanos, seja nos
grandes centro ou nas pequenas vilas.
É provável que esta atitude tenha ocorrido não sem conflitos. Tal como se
observara em proporções maiores nos processos de urbanização e “higienização” de
cidades como Recife e Rio de Janeiro em tempos da Primeira República. As reformas
urbanísticas levadas a cabos pelas gestões públicas e pelos interesses do capital
61 Ver o capítulo “A Bela época” em Lins (1993) p.164-167
62 “Rua da Alegria” em Lins (1993)
prezavam por essas atitudes de “limpeza urbana” não tratando unicamente de questões
formalistas do urbanismo per se.63
Caberia aqui a possibilidade de estudos futuros a respeito dos conflitos e
contradições gerados em processos de urbanização nas pequenas cidades do interior,
sobretudo entre as populações marginalizadas, durante estes períodos de reformas
urbanísticas impulsionados pelos motes da “ordem” e do “progresso”, em sintonia com
as capitais dos Estados brasileiros.
Nas vésperas da década de 1930, com as instabilidades políticas observadas no
país, Gravatá aos poucos tornava-se conhecida na rede regional que se formava no
Estado de Pernambuco, impulsionado pelo desenvolvimento dos transportes e nas
políticas de interiorização de ordem política. De clima agradável, propício ao descanso e
tratamento de doenças, a cidade serrana ia ganhando fama de local turístico, setor
atualmente bastante movimentador da economia local.
Conclusão
Ao fim da década de 1920 Gravatá ainda não experimentava equipamentos e
uma infraestrutura urbana hoje considerada essencial para as políticas de planejamento
urbano, como a presença de ruas calçadas e serviço de água encanada (apesar de ainda
ser um problema sério em muitas localidades).
No entanto, o espaço urbano que se conhece hoje do município de Gravatá, bem
como a presença de determinadas praças, pátios e edificações de certa
monumentalidade, remetem ainda ao período do município em tempos da chamada
“República Velha”, tendo este se transformado em sintonia com as políticas de
urbanização então em voga tanto no país como no Estado de Pernambuco.
Chamo a atenção para a atuação de Joaquim Didier e da necessidade de estudos
mais aprofundados sobre sua atuação no município e seus interesses enquanto industrial
e empreendedor num período marcado pelo regime de aristocracias rurais dependentes
de um capital estrangeiro.
Depoimentos como da professora Dilsa Farias, nascida e criada no município
revelam o destaque de Joaquim Didier na própria paisagem urbana gravataense:
63 Sevcenko (1998)
Você pode andar pelas ruas da cidade e apreciar obras desse memorável prefeito: o Palácio Joaquim Didier (prefeitura), o casarão ao lado, o casario da Avenida Joaquim Didier, o memorial de Gravatá (antiga cadeia pública), o Salão 3 S, a Casa Paroquial, o Mercado, a ponte da fábrica, o Açude São José e a Igreja Matriz de Sant’Anna que ao partir de Gravatá deixou a quantia para que a obra fosse construída.64
A história da urbanização de Gravatá nesse período, bem como as
transformações ocorridas nas décadas de 1930 e 1940, em gestões de prefeitos de
renome na cidade como Estevão Câmara e Aarão Lins de Andrade, ainda não se
esgotaram e estão por ser escritas. O que se percebe é que uma caminhada mais atenta
por entre suas ruas embrionárias já oferecem possibilidades para um passo inicial para
novas reflexões de sua urbanização, alinhado-se a uma pesquisa sobre documentação
recente e mesmo o uso da história oral.
Se faz urgente estudos deste porte para se entender os conflitos e processos
experimentados na urbanização deste e de muitos municípios do Agreste e Sertão
pernambucanos, diante de uma dinamização e de transformações cada vez mais
aceleradas em cidades de porte comercial e turístico como Gravatá.
Para se ter uma ideia, estudos da Fidem na década de 1980 sobre o município65
já enxergavam as mudanças (observadas como estratégicas para a atuação deste órgão)
vivenciadas na economia e na urbanização de Gravatá.
O dinamismo de seu centro urbano aliado às alterações provenientes das diversas modalidades de ocupação e uso do solo rural são condicionantes que permanentemente modificarão as interfaces socioeconômicas da realidade local.
Um dinamismo necessário, mas que se recomenda ser observado dentro de seus
limites quando se trata de questões como de preservação de patrimônios materiais e
imateriais tomados como referência pelos diferentes grupos que compõem e vivenciam
práticas e culturas na cidade de Gravatá. E no que tange aos bens materiais da cidade,
64 Depoimentos de Dilsa Farias em 12 de fevereiro de 2014
65 FIDEPE (1982)
não apenas por sua materialidade per se, mas diante de seus significados simbólicos
para a população, pesquisas referentes à sua urbanização ao longo do tempo e a
possibilidade para futuras políticas cabem a essa proposta de preservação.
Referências Bibliográficas
ANDRADE, Manuel Correia de. História das usinas de açúcar de Pernambuco. 2ª.
Edição. Recife: Editora da UFPE, 2001
CALDAS, Alberto Frederico Lins. Cleto Campelo. Recife: UFPE, 1978. 197 folhas
(dissertação de mestrado)
CAVALCANTI, Alfredo Leite. História de Garanhuns, Recife, Centro de Estudos de História Municipal, 1983.
DEL BRENNA, Giovanna R. Ecletismo no Rio de Janeiro. In Annateresa Fabris (org), Ecletismo na Arquitetura Brasileira. São Paulo: Nobel/Edusp, 1987.
FRIDMAN, Fania. Breve história do debate sobre a cidade colonial brasileira. In Cidades latino-americanas: um debate sobre a formação de núcleos urbanos. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2010.
INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO DE PERNAMBUCO (FIDEPE). Gravatá. Recife: FIDEPE/FIAM, 1982. (Monografias municipais, 8).
LEVINE, Robert. Pernambuco e a Federação Brasileira, 1889-1937, in História Geral da Civilização Brasileira, Tomo III, vol. I, org. de Boris Fausto, São Paulo, Difel, 1975
LINS, Alberto Frederico. História de Gravatá . Recife: Inojosa, 1993
MARTINS, Paulo César Garcez. Habitação e vizinhança: limites da privacidade. In História da Vida Privada no Brasil. v 3: República: da Belle Epoque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1973.
SEVCENKO, N. (org.) O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso. In: História da Vida Privada no Brasil. v 3: República: da Belle Epoque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
SILVA, Geraldo Gomes. Arquitetura Eclética em Pernambuco. In: FABRIS, Annateresa (org.) Ecletismo na Arquitetura Brasileira. São Paulo: Livraria Nobel, 1987.
SILVA, Severino Vicente. História de Pernambuco Contemporâneo: o início do século XX. Recife: UFPE, 2013 (mimeo)