Post on 26-Dec-2015
description
GUIA 2 – TERMOS ESPECTROSCÓPICOS ATÔMICOS
QUÍMICA I TUTOR: Gabriel do N. Freitas
Como já discutido no guia 1, uma configuração eletrônica não corresponde,
normalmente, a um único estado possível para o átomo. Vamos começar explorando um
pouco mais o caso da distribuição eletrônica para o Boro, no estado fundamental (1s2 2s2 2p1).
Os subníveis completos (1s e 2s, cada um com 2 elétrons, que é o número máximo que
podem comportar) não serão necessários para a determinação dos estados possíveis (ou, em
outras palavras, os termos espectroscópicos), logo trabalharemos apenas com o subnível 2p, e
diremos que temos uma configuração eletrônica 2p1 ou, simplesmente, p1.
1ª etapa – Construção da Tabela de Microestados
1A) 1 elétron (p1)
Como esse único elétron de valência no subnível 2p pode ser descrito, em termos de
orbitais? Talvez um palpite fosse:
(1)
Ok, esta é uma possibilidade válida. Antes de verificarmos outros palpites, vamos
apenas mudar um pouco nossa notação. Ao invés de representarmos os orbitais do subnível p
pela forma usual px, py e pz, representaremos esses 3 orbitais por -1, 0 e +1. O que são esses
valores? São as projeções de momento angular orbital (ml) possíveis para os orbitais desse
subnível. Quer dizer que o ml=-1 para o px, ml=0 para o py e ml=+1 para o pz ? Não exatamente,
mas talvez nesse curso seja um pouco difícil de explicar rigorosamente a relação entre a
representação px/py/pz e (-1,0,+1). Eles estão relacionados por uma transformação puramente
matemática, sem nenhum significado físico maior. Logo, essas representações são
equivalentes e optaremos pela segunda por tornar mais simples a determinação dos termos
espectroscópicos. Ao utilizarmos essa nova notação, não nos importaremos com o nível em
questão (se é 2ª camada, ou 3ª, etc), já que os estados possíveis para uma configuração 2p1
são os mesmos de um 3p1, 4p1, etc.
Escrevendo nosso primeiro palpite na nova notação, temos:
(2)
Mas essa será a única possiblidade? Por que o elétron deveria ter a “setinha para
cima” (ms=+1/2), e não “para baixo” (ms=-1/2)? Ou então, por que ele está descrito pelo orbital
com ml=-1, e não pelo ml=0 ou ml=+1? A resposta é: não há nenhuma razão especial. Logo,
temos que considerar todas as possibilidades. Note que todas elas respeitam, ou seja, estão de
acordo com a configuração eletrônica p1, e não podemos descartar nenhuma delas.
Vamos escrever todas as possibilidades?
(3)
Ao todo são 6 possibilidades para uma configuração p1. A essas possibilidades daremos
o nome de microestados. A um mesmo estado do átomo pode estar associado um conjunto de
microestados. Verificaremos isso mais adiante.
Ao invés de escrevermos o conjunto de microestados como em (3), utilizaremos uma
forma alternativa e equivalente, dada tabela a seguir:
(4)
Na 1ª linha (horizontal), temos os valores de MS=±1/2, que correspondem às
“setinhas” para cima e para baixo. Na 1ª coluna (vertical), temos os valores possívels de mL,
que nesse caso de 1 elétron, correspondem aos valores de ml dos orbitais do subnível em
questão. Nas demais caixinhas temos símbolos do tipo (A±). O valor de A é o valor de ml do
orbital que descreve o elétron; o índice positivo ou negativo indica se o elétron está com a
“setinha pra cima” (ms=+1/2) ou para baixo (ms=-1/2).
É importante que você note que as figuras 3 e 4 são equivalentes, com a seguinte
correspondência:
(5)
Onde os algarismos em romano correspondem aos esquemas da figura (3). Essa tabela
(5) serve para que você entenda a notação da tabela (4), mas você não precisará construí-la
para obter os termos espectroscópicos de um átomo.
Nossa tabela de microestados está completa. Esse é o fim da etapa 1. Antes de
partirmos para a etapa 2, vamos repetir essa etapa 1 para um caso um pouco mais complicado
de 2 elétrons.
1B) 2 elétrons (p2)
Vamos novamente escrever todos os microestados possíveis para uma configuração do tipo p2,
como a do carbono, por exemplo (1s2 2s2 2p1).
(6)
Note que nem consideramos a possibilidade de 2 elétrons com mesmo spin descritos
por um mesmo orbital, o que é proibido pelo Princípio da Exclusão.
Agora iremos montar a tabela de microestados. Quais os valores de ML e MS usaremos
em nossa tabela? Nós teremos que somar os valores de ml e ms individuais dos elétrons. Se
você já construiu todos os microestados, como em (6), você pode somar os valores de ml e ms
para cada um deles. Para o microestado I, por exemplo, ambos os spins apresentam ms=+1/2;
logo, a soma é MS=+1. Um dos elétrons está num orbital p com ml=0 e outro num orbital com
ml=-1, então a soma é ML=-1. A título ilustrativo, podemos fazer o mesmo para todos eles (veja
se você consegue obtê-los):
Microestado ML MS
I -1 +1
II 0 +1
III +1 +1
IV -1 -1
V 0 -1
VI +1 -1
VII -1 0
VIII 0 0
IX +1 0
X -1 0
XI 0 0
XII +1 0
XIII -2 0
XIV 0 0
XV +2 0
(7)
Analisando a tabela (7), observamos que os valores possíveis de ML são -2,-1,0,+1,+2 e
para MS são -1,0,+1. Esses serão os valores das linhas e colunas de nossa tabela de
microestados.
(8)
Há um outro jeito menos trabalhoso de se obter esses valores. Vejamos para os
valores de MS primeiro. Todo e qualquer elétron apresenta momento de spin s=1/2. Como
temos 2 elétrons, a soma dos valores de s individuais é Smáximo=1/2+1/2=1. O valor máximo da
tabela MS máximo será sempre igual ao valor de Smáximo, nesse caso, +1. E os demais valores de
MS? Vamos subtrair sucessivamente o valor de MS máximo de 1 em 1, até atingirmos o valor de
MS máximo com o sinal negativo. Então, além de MS=+1, os outros valores de MS serão
MS=+1-1=0 e MS=0-1=-1 (paramos por aqui, já que MS=-1 é igual ao MS máximo com o sinal
negativo).
Vejamos agora como obter os valores de ML. Como a configuração é p2, e o subnível p
apresenta momento angular l=1 (lembre-se que o subnível s apresenta l=0, o p tem l=1, o d
tem l=2, o f tem l=3, e assim por diante), a soma dos valores de l dos elétrons é Lmáximo=1+1=2.
Agora, o procedimento para obtenção dos ML é idêntico ao feito para os MS. O valor de ML
máximo é ML=+2. Os demais valores são: ML=2-1=1 ; ML=1-1=0; ML=0-1=-1; ML=-1-1=-2. Esses
são os mesmos valores obtidos por inspeção da tabela (7), mas não precisamos construir todos
os microestados. Você pode achar que o trabalho em construir todos os microestados não foi
grande, e esse segundo método não é tão mais eficiente. Agora imagine se tivéssemos uma
configuração f7, ou p2d1?
Muito bem, agora vamos preencher a tabela de microestados, assim como fizemos
com o Boro.
(9)
Novamente, apenas para reforçar o significado da notação empregada acima, a tabela
de microestados utilizando a numeração de I a XV do esquema (6) ficaria:
(10)
Isso entendido, podemos partir para a 2ª etapa.
2ª etapa – Obtenção dos termos espectroscópicos a partir da tabela de microestados
2.1 – Considerações iniciais
Esta etapa é simples, mas requer um pouco de cuidado. Antes de começar a obter os
termos, vamos a um exemplo para entendermos melhor o processo a ser descrito na seção
seguinte.
Tomemos um termo espectroscópico arbitrário, por exemplo, 3F (a simbologia
completa de um termo espectroscópico conta ainda com um índice inferior correspondente ao
valor do momento angular total J, mas o deixaremos de lado, por enquanto). Quantos
microestados correspondem à esse termo, e quais os valores de ML e MS de cada um deles?
Analisemos primeiramente a parte de spin. O índice superior é a multiplicidade de spin
(2S+1), logo o valor de S do nosso exemplo é S=1. Logo, segundo já comentado anteriomente,
os valores de MS serão +1, 0 e -1.
A letra F quer dizer que o momento angular orbital total é L=3. Assim, os valores de ML
serão +3,+2,+1,0,-1,-2,-3.
Para um termo do tipo nA (ignorando o índice J), haverá 1 microestado para cada
combinação dos valores de MS e ML. Ou seja, teremos ao todo 3x7=21 microestados
associados ao 3F (3 valores de MS e 7 de ML). Se quiséssemos colocar isso numa tabela similar à
de microestados, teríamos o seguinte:
ML \ MS +1 0 -1
+3 X X X
+2 X X X
+1 X X X
0 X X X
-1 X X X
-2 X X X
-3 X X X
(11)
Pus um “X” para indicar que há 1 microestado para cada combinação de ML e MS, sem
me importar quem ele realmente é em termos de orbitais.
Digamos agora que, além do termo 3F, temos um outro, 1P, por exemplo. O valor de S
será 0 para esse termo, logo MS=0 é o único valor possível para a projeção do momento
angular de spin. L=1, permitindo os valores +1,0,-1 para ML. Assim, haverá 1x3=3 microestados
associados ao estado 1P. Vamos acrescentá-los na tabela?
ML \ MS +1 0 -1
+3 X X X
+2 X X X
+1 X X X X
0 X X X X
-1 X X X X
-2 X X X
-3 X X X
(11)
Por fim, digamos que há um termo 1S. Os únicos valor de MS e ML possíveis é zero.
Logo, haverá apenas um microestado, que então é acrescentado:
ML \ MS +1 0 -1
+3 X X X
+2 X X X
+1 X X X X
0 X X X X X
-1 X X X X
-2 X X X
-3 X X X
(11)
Você percebe o que fizemos? A partir dos termos espectroscópicos, construímos uma
tabela de microestados, em que determinamos o número de microestados para cada par
(ML,MS). Na etapa 1, obtivemos a tabela completa; agora iremos extrair os termos
espectroscópicos, num processo inverso ao utilizado para construir a tabela (11).
2.2 – Termos para o Boro (p1)
Vamos fazer o caso mais simples do Boro no estado fundamental. Já obtivemos a
tabela de microestados: é a tabela (4). Para extrairmos os termos espectroscópicos,
começaremos olhando os microestados que apresentam os maiores valores de MS e/ou ML
(por conveniência, os maiores valores positivos). Para o caso em questão, será o microestado
I, com MS=+1/2 e ML=1. Já discutimos que para um dado L, o valor máximo de ML é igual ao
próprio L. Assim, se o ML máximo é ML=1, o L do termo espectroscópico correspondente será
L=1. Da mesma forma acontece com o S; se o MS máximo é +1/2, o S do termo espectroscópico
correspondente é S=1/2.
Ora, se o termo apresenta L=1 e S=1/2, seu símbolo é 2P. Quais serão os microestados
associados a esse termo? Os valores possíveis de ML são +1,0 e -1; para o MS, +1/2 e -1/2.
Logo, para cada combinação dos valores possíveis de ML e MS, há 1 microestado associado ao
termo. Ao todo, serão 3x2=6.
Um termo está descoberto: 2P. Como, em princípio, não sabemos se ele é o único
termo, iremos fazer assim: a) eliminar os microestados associados a esse termo; b) descobrir
um próximo termo partindo do microestado restante com maior ML/MS.
Executando o passo a, temos:
(12)
Eliminados os microestados associados ao termo 2P, não nos restou nenhum microestado.
Logo, o processo está terminado, nem precisaremos proceder ao passo b.
Para finalizar, não podemos nos esquecer dos valores de J dos termos
espectroscópicos. Na realidade, o 2P não é um único termo. O valor de J máximo é
Jmáx=L+S=1+1/2=3/2. Esse valor de J não é o único possível; temos de subtraí-lo de 1 em 1 até
atingir o Jmínimo que é igual a Jmín=|L-S|, em que essas barras (“| |”) significam o módulo. O
valor de J mínimo, para o nosso caso, é Jmín=|1-1/2|=1/2. Como esse valor já é o Jmáx subtraído
de 1, não há nenhum outro valor entre Jmáx e Jmín. Os valores de J possíveis são 3/2 e 1/2.
Assim, o termo 2P é, na verdade, 2 termos: 2P3/2 e 2P1/2.
Para evitar confusões, só consideramos os valores de J possíveis na determinação dos
termos espectroscópicos depois de termos eliminado todos os microestados da tabela.
Terminado. Fique atento, pois é muito comum querermos saber a energia relativa dos
estados, isto é, saber ordenar os termos espectroscópicos em ordem crescente ou
decrescente de energia. Para tal, você deverá aplicar as regras de Hund, como descritas no
final do capítulo 11.
2.2 – Termos para o Carbono (p2)
Façamos o mesmo processo do Boro para o Carbono. Inspecionando a tabela de
microestados (9), verificamos que o microestado III é o microestado, entre aqueles com o
maior MS possível, isto é, MS=+1, com maior ML (nesse caso, ML=1). Assim, deduzimos que ele
pertence a um estado com S=1 e L=1, ou seja, a um termo 3P. Entretanto, temos que eliminar
todos os microestados associados a esse termo, que admite valores de MS=+1,0,-1 e ML=+1,0,-
1. Abaixo, eliminamos esses microestados (ao todo, serão 3x3=9):
(13)
Você deve estar se perguntando por que eu, na coluna de MS=0, cortei os primeiros
microestados de cada quadrado, e não o segundo ou o terceiro. A resposta é: tanto faz. O
importante, na determinação dos termos, é que se elimine a quantidade correta de
microestados com os valores corretos de ML e MS, mas não exatamente qual microestado.
Vamos então olhar os microestados restantes. Dentre eles, o que apresenta maior valor de ML
e/ou MS é o (+1+,+1-), ou seja, com ML=+2 e MS=0. Esse microestado está associado a um
termo com L=2 e S=0, ou seja, um termo 1D. O 1D contém microestados com ML=+2,+1,0,-1,-2 e
MS=0. Eliminando esses 5x1=5 microestados da tabela (13) com riscos em laranja, temos:
(14)
Temos, até aqui, os termos 3P e 1D. No entanto, ainda sobrou 1 microestado, com MS=0 e
ML=0. Assim, o termo espectroscópico associado será o 1S, que contém apenas 1x1=1
microestado. Vamos eliminálo em verde, por fim:
(15)
Tabela de microestados esgotada, temos os termos 3P, 1D e 1S. Só falta agora acharmos os
termos completos, considerando os valores de J.
3P
Jmáx=L+S=1+1=2 ; Jmín=|L-S|=|1-1|=0; J=2,1,0
Termos: 3P2 , 3P1 ,
3P0
1D
Jmáx=L+S=2+0=2 ; Jmín=|L-S|=|2-0|=2; J=2
Termos: 1D2
1S
Jmáx=L+S=0+0=0 ; Jmín=|L-S|=|0-0|=0; J=0
Termos: 1S0
Termos espectroscópicos associado à configuração p2 : 3P2 , 3P1 ,
3P0 , 1D2 ,
1S0