Gustavo Franco @ Casa do Saber Rio

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Palestra "A incrível história da moeda e da hiperinflação no Brasil" , com Gustavo Franco, promovida pelo Instituto Millenium na Casa do Saber Rio. 5/7/11

Transcript of Gustavo Franco @ Casa do Saber Rio

A Incrível Históriada moeda e da hiperinflação

no Brasil

Gustavo H. B. Franco(PUC-Rio , Rio Bravo Investimentos)

Casa do Saber, Rio de Janeiro, 5 de julho de 2011

uma tese:

A moeda é uma instituição(John Hicks)

O “Sistema Financeiro Nacional”(Lei 4.595/65, CF Art. 192)

Lei 4.595/65, ementa:Dispõe sobre a política e as instituições monetárias, bancárias

e creditícias, cria o CMN e dá outras providências

Tese a ser desenvolvida:

A organização do Sistema Monetário Nacional (moeda, câmbio e bancos) foi

distorcida

para “servir” ao financiamento inflacionário do Estado

A inflação é uma receita do Estado,

decorrente da pintura de pedaços de papel,

e também de inúmeros efeitos “contábeis” (aplicação desigual de correção monetária em

ativos e passivos, rendas e despesas),

ou seja,

a inflação é um “imposto”

aplicado sem ritos legislativos.

FATO HISTÓRICO INCONTROVERSO:

A inflação se tornou

o combustível principal do “Desenvolvimento liderado pelo Estado”,

Por muitos anos

desenvolvimentismo passa a se confundir com inflacionismo,

e assim acabamos gerando (talvez) a maior inflação da História,

um dos raros casos de

hiperinflação,

portanto, uma

tragédia distributiva

NOTA DE RODAPÉ

Um pacto com o Demônio que deu errado:

usar a inflação para fazer o Bem

produziu um grande Mal

PERGUNTA DIFÍCIL:

Será que não Estamos tratando de uma forma (a inflação) ilegítima, ou mesmo ilegal, de

intervenção do Estado na economia?

Se a inflação pode ser vista como um imposto (Keynes) que incide principalmente sobre o pobre,

como é possível que não tenha sido ilegal?

Quem autorizou? Como?

Quem é responsável?

Houve uma CPI da inflação?

Parece ter sido o crime perfeito.

A tese

(instituições pervertidas produziram hiperinflação)

será desenvolvida

em 3 capítulos

3 construções em 3 momentos críticos:

1933

1965

1994

1933A ordem “getulista” & juscelinista

Era uma reorganização institucional por conta do colapso do Padrão Ouro

Padrão Ouro era uma “ordem natural”:

A unidade monetária (em tese) corresponde a xxx gramas de ouro fino

Era uma “regra” de política monetária e cambial.

Padrão Ouro: 4 pilares

- 1. Primado da Natureza- 2. Câmbio fixo (em tese)

- 3. Moeda papel, ou bancária, era “exceção” (em tese)

- 4. BC apenas um grande banco comercial

Mas esta sistema “natural”

tinha de acabar em algum momento

Pois apenas por uma coincidência divina a Natureza produziria, a cada ano, a exata quantidade de ouro para girar a economia

global

Em 1929 a ordem “natural e espontânea” entrou em colapso,

o que se passou com o Brasil?

1933: os 4 pilares da ordem getulista

Na verdade 3 criações e uma omissão

1. DL 23.501 – moeda fiduciária de “curso forçado”

2. DL 23.238 – controle cambial

3. DL 23.626 – “lei da usura”, era uma espécie de estatização do crédito

4. A ausência de um banco central

A moeda passava a ser apenas um pedaço de papel, sem nenhuma conexão com a

“Natureza”, e não havia nenhum “contrapeso” ao poder do Estado de

abusar do papel moeda de curso forçado

Outras democracias fortaleceram seus BCs para melhor proteger seus cidadãos dos

abusos de seus governos usando o papel moeda ...

Aqui não

Strictu sensu talvez tenhamos sido o último país deste planeta a criar um BC

Mas isto não criou problema nos anos 1930 e 1940 ...

Inflacionismo “anestesiado” porque o mundo estava em deflação, ou em guerra

No Brasil, começa a prevalecer nesta época a crença na indisciplina fiscal como

“virtude”, ou mesmo “redenção”, ou uma “solução nacional” que ataca a sabedoria

ortodoxa, normalmente associada ao padrão-ouro

O nascimento de uma equação pecaminosa:

JK + JMK = CLIENTELISMOGoverno bom é o que faz

OBRA

Resumo: a ordem getulista & jucelinista em 4 pilares 1. DL 23.501 - “Moeda fiduciária”, um pedaço de papel sem

conexão com a “Natureza”, todo poder ao Estado para criar papel moeda de curso forçado; nominalismo

2. Ausência do Banco Central. Outras democracias fortaleceram BC, mesmo na Am. Latina; no Brasil nenhum “contrapeso” ao novo poder do Estado

3. DL 23.238 “Controles cambiais”, definição de “operação legítima” conforme interesses do governo. Deixa de haver a “moeda internacional.

4. DL 23.626 “Lei da Usura”, ao limitar juros, “exclui” bancos privados do processo de criação de moeda (depósitos), reserva de mercado de crédito para o Estado, prenúncio da criação de sistema bancário público com recursos “fiscais”.

1965

1965: 4 pilares

3 decretos reciclados e uma frustração

1. DL 23.501/33 substituído pelo DL 857/65, para melhor acomodar

diversidade de “moedas de conta” (Correção Monetária)

2. DL 23.238/33 + Lei 4.131: Amadurecimento do monopólio

cambial.

3. DL. 23.626 “Lei da Usura” afastada do SF via Lei 4.595, mas sem

prejuízo do impulso aos bancos públicos com recursos “fiscais”; a invenção do recurso “para-fiscal”.

3. Invenção do “Orçamento Monetário”: todas as receitas não tributárias do

Estado (compulsórios, direcionamentos, carteiras

específicas), e “senhoriagem”.

4. Banco Central primeiro adiado (SUMOC) depois “subordinado” ao BB (“conta

movimento”), ao “orçamento monetário” (às necessidades de outros bancos oficiais

especialmente estaduais);

4. (bis) não era um BC, mas uma repartição do BB, uma forma de guardar aparências

4. (bis bis) Permanece fortalecida crença na indisciplina fiscal como “virtude” e que

um BC “de verdade” seria um obstáculo ao desenvolvimentismo;

4. (bis bis bis) e também a crença no mito da neutralidade da correção monetária, que era, sempre foi, “seletiva” (reserva

legal)

4. (bis bis bis bis) Correção Monetária: “moeda estável sintética” para os

escolhidos do governo

Resumo: a ordem “desenvolvimentista” em 4 pilares 1. DL 23.501 - mantido no DL 857/67, para melhor acomodar a

“correção monetária”, de aplicação seletiva, causa e anestesia para a inflação; valorismo

2. BC subordinado ao BB (conta movimento), ao “orçamento monetário”, é mecanismo de financiamento (indireto e seletivo) ao Tesouro.

3. DL 23.238/33 + Lei 4.131: Câmbio é assunto de Estado, e todas as taxas são fixadas seletivamente pela Autoridade conforme prioridades.

4. DL 23.626 “Lei da Usura” afastada do SF via Lei 4.595, bancos podem “criar moeda” via crédito, mas pagando “pedágio” e sem prejuízo do incentivo ao sistema bancário público com recursos “fiscais”

O resultado?

Hiperinflação

NOTA DE RODAPÉ:

Os liberais mais radicais não gostam de BC,

Pois não há nada pior que um BC “capturado”

Casos clássicos(critério 50% ao mes)

Casos recentes(critério 50% ao mes)

2112%2155%3444%

4561%5136%6606%

7805%

0,0%

5000,0%

10000,0%

15000,0%

20000,0%

25000,0%

30000,0%

Bras

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a Peru

Urug

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Chile

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Áfric

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Sul

FONTE: BANCO MUNDIAL

5.523.469.799.985.820%

140.096.086.793.549%

125.315.110.511%

432.023.945%

50.069.304%

6.387.293%

6.135.665%

915.704%

151.553%

109.433%47.693%41.127%

A maior inflação do mundo em 1961-94

20.759.903.275.651% nos 15 anos anteriores ao Plano Real;

14,2 quatrilhões por cento em 1961-2006 (5,5 quatrilhões por

cento em 1961-94)

Tecnologias de pagto, correção monetária, mudanças de padrão

monetário serviram para “anestesiar” a doença,

e ninguém acha que vivemos uma hiper ...

Padrão Monetário Início Fim Duração (em meses)

Inflação Acumulada

(%)

Inflação Média Mensal

1 Cruzeiro nov/42 jan/67 292 31,191 1.99%

2 Cruzeiro Novo fev/67 mai/70 40 90 1.61%

3 Cruzeiro jun/70 fev/86 190 206,288 4.10%

4 Cruzado mar/86 dez/88 35 5,699 12.30%

5 Cruzado Novo jan/89 fev/90 15 5,937 31.44%

6 Cruzeiro mar/90 jul/93 41 118,590 18.85%

7 Cruzeiro Real ago/93 jun/94 11 2,396 33.97%

8 Real jul/94 fev/04 115 150 0.80%Apr/11 202 285 0,67%

Congelamentos e mudanças de padrão monetário evitaram o vexame dos

carrinhos de mão

Nossos carrinhos de mão estavam vazios(tal como os da Alemanha)

Cruzeiro de 1942

Cruzeiro Novo 1967-70 – só carimbo

Cruzeiro de novo 1970-83

O Barão

Últimas expressões do Cruzeiro de 1970, até 1986

Cruzado de 1986 – cruzeiros carimbados e novas cédulas

Cruzado Novo de 1989 – Plano Verão

Humilhante carimbo triangular

Cruzeiros do Plano Collor – sem corte de zeros

Cruzeiros Reais criados apenas

para cortar zeros

Esgotados os herois nacionais ...

Reaproveitamentos“Apropriações”

“Colagem”

Sobre iconografia da moeda e como a arte contemporânea vê o $

O primeiro derivativo tóxico

1994

1994: 4 pilares

1. Mantido DL 857/67, mas mitigado na Lei 10.192/01, reserva a “correção monetária” para o “contrato longo”,

elimina “unidades de conta”(Ufir, etc) que eram “outras moedas”.

1. (bis) uma única moeda estável para TODOS

2. DL 23.238/33 + Lei 4.131 amenizados por (novas Res CMN) com base Lei

4.595: Liberalização e conversibilidade cambial, controles apenas no tocante a

“origem”.

2. (bis) Câmbio é preço de mercado, não tarifa pública.

2. (bis bis) uma operação bancária como outra qualquer; a taxa de

câmbio reflete a nossa “credibilidade”

3. Temas de regulação bancária (ou temas para-fiscais):

3.1. Encolhimento dos bancos públicos (de 45 para ½ dúzia, PROES);

3.2. Regulamentação prudencial universalizada;

3.3. Recaptura do CMN, e controle do “orçamento monetário”.

4. Banco Central de facto independente, ainda que não de jure.

4. (bis) Falta ainda: (i) mandatos; (ii) a competência exclusiva.

Resumo: a ordem monetária ao final do sec. XX 1. DL 23.501 - mantido DL 857/67, mas mitigado na Lei 10.192/01

“Valorismo” mitigado, “desindexação”;

2. Banco Central de facto independente. Impossibilidade de desalinhamento internacional em normas e políticas. Falta LCs do novo Art. 192: mandatos e competência. Criado a 3 anos do fim do sec. XX.

Ocaso do inflacionismo, “Desenvolvimentismo” vira “medicina alternativa”;

3. DL 23.238/33 + Lei 4.131 amenizados por (novas Res CMN) Lei 4.595: Conversibilidade em lugar de monopólio, controles apenas no tocante a compliance, e tributação.

4. Regulação bancária Encolhimento do sistema bancário público, regulamentação prudencial universal, recaptura do CMN, e a usura questão de desequilíbrio contratual.

(recente renascimento do BNDES ...)

Lições, a tese

O desenho das instituições do SFN deve defender os “interesses difusos”

(o cidadão) dos abusos dos governantes através da moeda

Instituições “fracas” incentivam (ou são criadas para facilitar) a emissão

abusiva de moeda, e tributação do pobre através da inflação

Hoje temos, embora não totalmente compostos, os “contra-pesos”

institucionais que sempre faltaram

Hoje temos um Banco Central que cumpre a sua função,

função que deveria ser constitucional,

de garantir

“moeda sadia” para todos.

Mas cada país tem a Constituição que merece,

Um exemplo preocupante(Constituição de um país vizinho)

El sistema monetario nacional debe propender al logro de los fines esenciales del Estado Socialista y el bienestar del pueblo, por encima de cualquier otra consideración.

El Poder Ejecutivo Nacional, a través del Banco Central de Venezuela, en estricta y obligatoria coordinación, fijará las políticas monetarias y ejercerá las competencias monetarias del Poder Nacional.

A Incrível Históriada moeda e da hiperinflação

no Brasil

Gustavo H. B. Franco(PUC-Rio, Rio Bravo Investimentos)

Casa do Saber, Rio de Janeiro, 5 de julho de 2011