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UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS ORIENTAIS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM LNGUA HEBRAICA, LITERATURA E
CULTURA JUDAICAS
Candido Sousa da Silva
QUESTES DE GNERO DO HEBRAICO: " "
ZARRAR UNEKEV BARA OTAM (Anlise dos termos zarrar unekev na lngua hebraica)
So Paulo 2009
CANDIDO SOUSA DA SILVA
QUESTES DE GNERO DO HEBRAICO: " "
ZARRAR UNEKEV BARA OTAM (Anlise dos termos zarrar unekev na lngua hebraica)
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lngua Hebraica, Literatura e Cultura Judaicas da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, para obteno do ttulo de Mestre em Letras rea de Concentrao: Lngua Hebraica
Orientadora: Profa. Dra. Eliana Rosa Langer
So Paulo
2009
Dedico este trabalho minha av Olmpia (in
memorian) que me inspirou a nunca desistir de meus
objetivos quando dizia: o tempo s ruim pra quem
no sabe esperar; aos meus pais que acreditaram e
lutaram por mim desde minha tenra idade; a minha
esposa Claudia Regina, pela compreenso dos
momentos ausentes e pela colaborao constante nas
profcuas opinies. Em suma, a toda minha famlia,
traduo mais simples e slida do fruto do amor puro
e verdadeiro.
AGRADECIMENTOS
A realizao deste trabalho foi, para mim, a concretizao de um sonho, no
qual mais uma etapa foi finalizada abrindo-se para novos horizontes a percorrer.
Grandes descobertas aconteceram, alm de encontros e desencontros com pessoas
e materiais que fizeram e fazem parte de meu desenvolvimento. Quero externar
minha gratido a todas as pessoas, professores, amigos e famlia que, de alguma
forma, contriburam para realizao desse trabalho e se tornaram partes deste
processo: o carinho, as idias, o tempo, as sugestes, o apoio, o estmulo, o afeto,
as crticas, os retornos etc.
Acredito que cabe, em primeiro lugar, como agradecimento a beno que diz:
Bendito s Tu, Senhor nosso Deus, Rei do Universo, que nos conservastes em
vida, nos amparaste e nos fizeste chegar a este momento.
A meus pais Isaias Alves da Silva e Olinda Sousa da Silva, agradeo pelo
exemplo de luta e de vida. Por tantas coisas... Sobretudo pelo amor, e por tudo o
mais, sempre.
Agradeo minha orientadora, Profa. Dra. Eliana Rosa Langer, pela
participao ativa e direta neste sublime passo a caminho do nosso
engrandecimento profissional, nos ensinando a conciliar os momentos de
austeridade e ternura, fatores primordiais na realizao de um trabalho cientfico,
meu eterno agradecimento. Suas sugestes me forneceram pistas de leitura e suas
avaliaes foram de imensa valia. Agradeo pelo estmulo durante todo o
desenvolvimento do projeto de pesquisa.
Ao professor Reginaldo Gomes, agradeo pela empatia, pelas boas palavras
e pelas dicas nas horas certas, alm dos ensinamentos to teis sobre a lngua
hebraica e as lnguas semticas.
Quero expressar minha gratido ao Programa de Ps-Graduao em Lngua
Hebraica, Literatura e Cultura Judaicas, na pessoa do seu Diretor, Profa. Dra.
Suzana Schwartz, atravs do qual tive a oportunidade de dar um importante rumo ao
meu crescimento cientfico e profissional. Sou grato aos professores Henrique
Samet e Ieda Maria Alves que prestaram preciosas informaes enriquecendo este
trabalho no processo de qualificao do mesmo. A todas as pessoas do
Departamento de Letras Orientais e Centro de Estudos Judaicos da Universidade de
So Paulo que participaram, contribuindo para realizao deste trabalho, direta ou
indiretamente, externo meu agradecimento.
Tambm quero expressar minha gratido pela ajuda generosa do programa
de bolsa da Capes. Este precioso auxlio me permitiu desenvolver e concluir o
presente trabalho.
Sou eternamente grato aos meus irmos pelos incentivos ao meu esforo
neste empreendimento. Agradeo, em particular, s minhas irms Cristiane da Silva
Brando e Clara Elaine Sousa da Silva, alm de minha amiga Mnica Sousa do
Amaral, por se dispuserem a fazer a reviso final do texto, um rduo trabalho, com
exmia dedicao.
Quero agradecer, por fim, minha esposa Claudia Regina, mulher notvel e
importante na minha vida, porque participou de modo singular de cada passo, de
cada etapa desta pesquisa. Sou grato pela sua imensurvel pacincia e
compreenso exigida ao longo desta jornada de estudos.
Muito obrigado por partilharem comigo todos esses inestimveis momentos.
O gnero a mais enigmtica das categorias gramaticais. um tpico que interessa aos no-lingistas como tambm aos lingistas e se torna mais fascinante quanto mais investigado.
Greville G Corbett
RESUMO
SILVA, Candido Sousa da. Questes de Gnero do Hebraico: " "
zarrar unekev bara otam, anlise dos termos zarrar unekev na lngua hebraica.
Orientadora: Profa. Dra. Eliana Rosa Langer. So Paulo: USP/FFLCH/DLO; CAPES,
2009. Dissertao (Mestrado em Lngua Hebraica).
A proposta desta dissertao analisar as questes de gnero da lngua
hebraica, atentando para o problema de representao e uso de termos conhecidos
como zarrar unekev diante das configuraes da flexo de gnero. Lexicgrafos,
gramticos e estudiosos do hebraico, em geral, tendem a divergir entre si quando
tratam do assunto tanto na conceituao quanto na classificao lexical, alm do
uso. A partir deste fato, que funciona como mola propulsora de nosso trabalho,
organizamos uma pesquisa centrada na questo da possibilidade ou da
impossibilidade de representao dos termos zarrar unekev levantados desde os
primeiros textos da Mikr (texto bblico) at os dias atuais. Pretendemos, a partir dos
conceitos de gnero e da estratificao lingstica do hebraico, localizar esses
questionamentos e apresentar alguns apontamentos para a discusso sobre a
natureza de nosso tema e seu desenvolvimento atravs de fatores sociolingsticos
e das decises levadas a cabo por via de autoridades gramaticais e lexicgrafas.
Para isso, coletamos e analisamos dados desde o hebraico bblico at os dias
atuais. Por fim, desejamos, atravs dos dados atuais da lngua hebraica, apresentar
nossas reflexes e apontar possveis tendncias no uso dos termos zarrar unekev,
que se tornam mais fascinantes quanto mais so investigados.
Palavras-chave: Questes de gnero. Representao. Fatores sociolingsticos. Autoridade gramaticais e lexicgrafas. Termos zarrar unekev
ABSTRACT
SILVA, Candido Sousa da. Gender Questions in Hebrew: " "
zarrar unekev bara otam, analysis of the terms zarrar unekev in the Hebraic
language. Advisor: Professor Eliana Rosa Langer (PhD). So Paulo:
USP/FFLCH/DLO; CAPES, 2009. Dissertation (Masters in Hebrew Language).
The aim of this dissertation is to analyze gender questions in the Hebraic
language considering the representation issue and the use of the terms known as
zarrar unekev in relation to the configurations of gender inflection. Lexicographers,
grammarians and specialists in Hebrew, in general, tend to diverge when they deal
with the matter, not only with regard to the conceptualization but also the lexical
classification and use. Having this difficulty of categorization as a starting point for
our study, we organized a research centered on the possibility or impossibility of the
representation of the terms zarrar unekev gathered from the first texts of the Mikr
(biblical text) to the current days. Considering gender concepts and the Hebrew
linguistic stratification, we intended to locate these questionings and present some
notes for the discussion on the nature of our theme and its development through
sociolinguistic factors and decisions made by means of expert authority. For our
purposes, we collected and analyzed data from the biblical to the present Hebrew.
Finally, based on the current data of the Hebraic language, we presented our
reflections and pointed out possible tendencies in the use of the terms zarrar
unekev, which become more fascinating the more they are investigated.
Key words: gender questions. representation. sociolinguistic factors. expert authority. terms zarrar unekev.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AEC Antes da Era Comum adj. adjetivo apud obra citada por ARC Bblia Sagrada (em portugus) Verso Almeida Revista e Corrigida Cf. Conforme Dt Livro de Deuteronmio EC Era Comum Ecl Livro de Eclesiastes fem. feminino BHS Bblia Hebraica Sttugartensia Ibidem ou ibid na mesma obra id. igual a anterior i.e. isto Jn Livro do Profeta Jonas Jr Livro do Profeta Jeremias masc. masculino
Ml Livro do Profeta Malaquias num. numeral op. cit. Obra j citada p. Pgina p. ex. por exemplo pl. plural sg. singular subst. substantivo I Rs Primeiro Livro de Reis II Rs Segundo Livro de Reis II Sm Segundo Livro de Samuel v.- verbo v. aux. verbo auxiliar (ser/estar)
)( masculino )( feminino
" (zarrar unekev) masculino e feminino
TRANSLITERAO
A relao entre unidades fonolgicas, nesse caso entre hebraico e portugus,
tem por base o princpio da equivalncia. Este trabalho adotar a transliterao
proposta por Kirschbaum et alli (2009) que objetiva simplificar a forma de
transcrio, tornando a grafia mais prxima da lngua portuguesa. Desta forma,
teremos os seguintes esquemas:
Consoantes Hebraico Representao Hebraico Representao
1. 12. l 2a. b 13. , m 2b. v 14. , n 3. , g, gu 15. s, ss 4. , d 16. 5. h 17a. p 6. v 17b. , f
7. z 18. , ts
8. r, rr 19. q
9. t 20. r
10. y 21a. sh
11a. k 21b. s, ss
11b. , rr 22. , t
Vogais e ditongos
Hebraico Representao Hebraico Representao , , a ai
, ,, e ei , i oi
, , o ui , u
a ou quando tnica , e , ou quando tnica
o , ou quando tnica
SUMRIO
APRESENTAO........................................................................................................ 16
1 INTRODUO........................................................................................................
17
1.1 OBJETIVOS............................................................................................................
17
1.2- METODOLOGIA.....................................................................................................
19
1.2.1- Instrumentos utilizados....................................................................................... 20
2- A ESTRATIFICAO DA LNGUA HEBRAICA......................................................
25
2.1- ESTRATOS LINGSTICOS E ESTRUTURA GRAMATICAL DA LNGUA HEBRAICA....................................................................................................................
25
2.1.2 - Hebraico Bblico.................................................................................................
26
2.1.3 - Hebraico Mishnico............................................................................................
30
2.1.4 - Hebraico Medieval.............................................................................................
32
2.1.5 - Hebraico Atual....................................................................................................
34
3- CONSIDERAES ACERCA DO GNERO...........................................................
37
3.1 - CONCEITO DE GNERO.....................................................................................
38
3.2 - GNERO NATURAL VERSUS GRAMATICAL.....................................................
39
3.3 - CATEGORIAS GRAMATICAIS OU INFLEXIONAIS.............................................
40
3.3.1 - Categorias morfossintticas...............................................................................
41
3.4 - GNERO: UMA VISO DIACRNICA ................................................................
43
3.4.1 - O gnero nas lnguas semticas......................................................................... 44
4- QUESTES DE GNERO NO HEBRAICO.............................................................
50
4.1- O GNERO NO HEBRAICO..................................................................................
50
4.1.2- Gramtica hebraica tradicional...........................................................................
51
4.1.3- Heterogeneidade lingstica e gramatical do gnero no hebraico......................
57
4.2- GNERO NO HEBRAICO: UM ELEMENTO MORFOSSINTTICO.....................
59
4.2.1- Do lxico para a morfossintaxe: incongruncias no gnero...............................
60
4.2.2- Morfossintaxe: o gnero nos pronomes pessoais e nas inflexes verbais.........
62
4.2.3- Morfossintaxe: numerais cardinais e a polarizao de gnero........................... 65
4.2.4- Sufixos pronominais: uma morfossintaxe distinta............................................... 70
5- ZARRAR UNEKEV ....................................................................
72
5.1- CONCEITO DE ZARRAR UNEKEV..............................................................
72
5.2- ZARRAR UNEKEV: TRATAMENTO LEXICAL DO TERMO..........................
73
5.2.1- zarrar unekev: anlise dos dados do tratamento lexical.............................
75
5.3- ZARRAR UNEKEV: PERSPECTIVAS HISTRICAS E SUAS TENDNCIAS QUANTO AO USO................................................................................
80
5.3.1- zarrar unekev no Hebraico Bblico..............................................................
81
5.3.2- zarrar unekev no Hebraico Mishnico.........................................................
83
5.3.3- zarrar unekev no Hebraico Medieval...........................................................
86
5.4- OS TERMOS ZARRAR UNEKEV NO HEBRAICO ATUAL: UM PARADIGMA EM QUESTO........................................................................................
89
5.4.1- zarrar unekev e seu uso no hebraico atual atravs de grupo de fatores............................................................................................................................
90
5.4.2- Hebraico Atual: uso e emprego de esh ........................................................
92
5.4.3- Hebraico Atual: uso e emprego de Kos.........................................................
103
5.4.4- Hebraico Atual: uso e emprego de dererr.....................................................
113
6- CONSIDERAES FINAIS...................................................................................... 124
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................................. 132
ANEXOS....................................................................................................................... 139
APRESENTAO
A presente dissertao constitui-se resultado de uma pesquisa qualitativa,
realizada durante o curso de Mestrado em Lngua Hebraica, da Faculdade de
Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo. Objetivou-se
investigar as questes de flexo de gnero do hebraico e explicitar as peculiaridades
de nosso objeto de estudo, contribuindo para o ensino / aprendizagem da flexo de
gnero em hebraico com enfoque na anlise dos vocbulos classificados como zarrar unekev.
O trabalho aqui apresentado surgiu, tambm, como resposta demanda por
parte da comunidade acadmica discente, que solicita suportes s suas indagaes
sobre possveis incongruncias, alm das particularidades da flexo gnero na
lngua hebraica. Cabe ressaltar que estas indagaes refletem, por outro lado, uma
realizao pessoal na busca pelo conhecimento que nos enriquecer em estudos
posteriores dentro do campo lingstico hebraico.
Espera-se que, atravs das discusses e reflexes aqui expostas, a
comunidade acadmica possa realizar operaes oportunas que a leve a estruturar o
conjunto de informaes em um todo coerente e significativo e, ainda, compreender
melhor as alteridades de gnero que permeiam a lngua hebraica e que se mostram,
freqentemente, incmodas, outras vezes, contraditrias e altamente reveladoras de
tenses.
17
INTRODUO
1.1 OBJETIVOS
Definida como cincia que investiga a linguagem com mtodo prprio, a
lingstica, em seu objetivo, consiste em elaborar uma teoria geral que permita
descrever todas as lnguas do mundo (Ramanzini, 1990).
necessrio considerarmos que existem vrias ramificaes decorrentes dos
estudos lingsticos. Contudo, no se trata aqui de defender uma determinada
corrente lingstica, antes, de divulgar um estudo didtico em que se procurou
organizar, ordenar e explicitar transformaes por meio da interao atravs de
diferentes mecanismos abrangidos no campo morfolgico da lngua hebraica.
O gnero assinalado por Cobertt (1991) como a mais enigmtica das
categorias gramaticais. Discusses trazidas por Waltke & OConnor (2006) ressaltam
que o gnero, como um aspecto da morfologia, afeta tanto a sintaxe quanto o lxico,
alm de desempenhar um papel importante na estrutura do hebraico. Seguimos os
passos dos estudos terminolgicos (Barros, 2004) e estabelecemos a partir destes,
parmetros de referncia a fim de garantir condies de execuo de nossa
pesquisa.
Como referenciais tericos, adotamos mais de perto, no de maneira
ortodoxa, as orientaes de Corbett (1991), Lyons (1979), Waltke (2006) entre
outros, alm do apoio da lexicografia hebraica, seja em trabalhos bilnges, semi-
bilinges ou monolnges, como a obra de Even Shoshan (1977 e 2006).
Procuramos analisar nas obras selecionadas, a temtica flexo de gnero,
buscando tratar de maneira crtica, no sentido construtivo, como os estudiosos
trabalham com as questes e particularidades sobre o tema na lngua hebraica.
Assim, encaminhando as nossas reflexes para a especificidade do fenmeno
lingstico do caso zarrar unekev ( " ).
18
Recentemente, tem-se intensificado o interesse dos pesquisadores por
estudos relacionados flexo de gnero em geral. Pautado nisto, julgamos de
grande relevncia os aspectos que propomos desenvolver e que, sendo focalizados
atravs da interdisciplinaridade, resultaro, na medida do possvel, em avanos
relacionados aos conceitos tericos na lngua hebraica.
Para entendermos melhor e focalizar os problemas do tema proposto,
necessrio, em primeiro lugar, nos familiarizarmos com alguns pontos de vista
tericos sobre a interpretao das caractersticas da flexo de gnero. Assim,
acreditamos que se torna significativo retomar a idia do termo gnero no meio
lingstico.
Inicialmente, procederemos ao estudo acerca da estratificao lingstica do
hebraico. Neste, buscaremos delinear consideraes diacrnicas (desenvolvimento
do hebraico e das lnguas judaicas), diatpicas (variaes do hebraico nos lugares
da disperso judaica) e diastrticas (conhecimento varivel do hebraico segundo a
classe social). Atravs disto, procuraremos examinar os mecanismos internos da
hibridizao lingstica (aos nveis morfolgico, sinttico e lexical) e a dinmica de
coexistncia entre vrios subsistemas dentro do sistema diglssico apresentada nos
vrios estratos lingsticos da lngua hebraica.
Concomitante, teceremos, tambm, algumas consideraes acerca do
gnero. Desta forma, pretendemos discutir conceito e origem do termo gnero,
buscando um entendimento sobre gnero natural e gnero gramatical. Dentro do
campo morfolgico, refletiremos sobre as categorias gramaticais ou inflexionais, e
nestas, as categorias morfossintticas. Em seguida, temos como proposta esboar
uma viso diacrnica sobre o gnero nas lnguas semticas.
Alm disso, trataremos das peculiaridades na flexo de gnero na lngua
hebraica, a funcionalidade destes paradigmas e possveis entraves que possam ser
gerados, em suma, as questes de gnero em hebraico. Comearemos abordando a
gramtica hebraica tradicional, em seguida, procuraremos destacar as
caractersticas da heterogeneidade lingstica e gramatical do gnero no hebraico.
Prosseguindo, temos a inteno de observar o comportamento do gnero na lngua
hebraica e seu desdobramento distinto no campo morfossinttico.
19
Nosso estudo se apoiar na anlise e reflexo dos substantivos zarrar
unekev. Desta forma, pretendemos demonstrar a atuao destes desde o hebraico
bblico at os dias atuais, e verificar como estes se comportam quanto ao uso e
emprego.
1.2- METODOLOGIA
Barros (2004) descreve que a qualidade de um trabalho no campo
terminolgico pressupe o levantamento das unidades que os especialistas
realmente utilizam, pressupe a descrio do uso e, s posteriormente, a avaliao
da convenincia da denominao1. Partindo deste argumento, escolhemos, em
nosso estudo, o paradigma da pesquisa qualitativa, pois seu campo de atuao
interdisciplinar, transdisciplinar e muitas vezes contradisciplinar, que atravessa as
humanidades, as cincias sociais e as fsicas...2.
A pesquisa qualitativa multimetdica, pois envolve uma perspectiva
interpretativa e construtivista. Assim, esta investigao envolve o uso intencional de
uma variedade de materiais empricos (estudo de caso, observao, textos
histricos, interaes e textos visuais etc) que descrevem momentos, problemticas
e significados dentro de um contexto lingstico e scio-cultural.
Dentro da metodologia qualitativa, optamos pelo uso do estudo de caso.
Escolher fazer um estudo de caso significa, segundo Stake (1998), antes de
qualquer escolha metodolgica, o interesse da parte do investigador num caso
concreto, ou seja, o estudo das particularidades e complexidades de um caso
singular. De acordo com Merriam (1988), o estudo de caso o exame de um
fenmeno especfico.
1 BARROS, Lgia Almeida. Curso Bsico de Terminologia. So Paulo: EDUSP, 2004. p. 17. 2 DEZIN E LINCOLN, 1994, p.3 apud BAROCAS, Ester Barzellai. Ivrit Laktanim. 2006 (Tese de doutorado USP/FFLCH/DLO)
20
Portanto, neste trabalho, nos concentraremos no seguinte caso dentre as
questes de gnero da lngua hebraica: anlise dos termos classificados como
zarrar unekev. Assim, por meio desta escolha de mtodo de investigao
qualitativa do estudo de caso pretendemos, portanto, compreend-lo.
1.2.1- Instrumentos utilizados
Os instrumentos centrais escolhidos para o recolhimento de informao, nesta
pesquisa, foram: gramticas; compndios, manuais e concordncias bblicas;
dicionrios; textos acadmicos diversos (seja impresso ou disponvel on-line);
programas computacionais que trabalham com os textos bblicos, talmdicos etc e,
por ltimo, a Internet.
Decidimos, ento, num primeiro estgio, realizar um levantamento da
ocorrncia de substantivos zarrar unekev dentro do lxico da lngua hebraica e,
assim, atravs dos dados obtidos verificar a situao atual desta classificao. Os
questionamentos bsicos desta etapa incluram temas como a configurao do
ensino de gnero no hebraico; a conceituao e descrio do termo zarrar
unekev e a organizao sistemtica do mesmo pelos especialistas de lngua
hebraica tanto na gramtica quanto no lxico. Estas foram questes que nos
pareceram mais relevantes para comearmos o processo, e um ponto de partida de
obter informaes referentes ao tema.
Na elaborao desta primeira fase contabilizamos o nmero de palavras
classificadas como zarrar unekev e elegemos como corpus a lexicografia
hebraica. Pautado na crena de que a estrutura lexical foi concebida para propiciar
uma grande facilidade de acesso consulta, aliada conciso e clareza das
definies e demais informaes, selecionamos, dentre os dicionrios existentes,
trs tipos distintos:
21
Bilnge: - Milon ivri-Portuguezi (Dicionrio hebraico-portugus)3, alm de - : -/ Milon ivri-
Portuguezi / Portuguezi-ivri-Portuguezi (Dicionrio portugus-hebraico /
hebraico-portugus)4.
Semibilige: +2000 :-- Milon Lelomdei "ivrit: "ivri-"ivri-angli (Dicionrio para o ensino do hebraico: hebraico-hebraico-
ingls +2000)5 e Word Point6.
Monolnge: Milon Sapir (Dicionrio hebraico-hebraico verso em multimdia)7, - Milon even Shoshan (Dicionrio Even Shoshan,
edies de 1977 e 2004)8, Rav Milim (2008 / verso on-line)9 alm
do Thesaurous Hebrew presente no Babilon 10.
No intuito de ampliar nossa viso sobre o assunto, recorremos aos
compndios e gramticas de lngua hebraica, assim como informaes da Academia
de Lngua Hebraica disponveis na Internet. Por ltimo, coletamos informaes a
partir de textos acadmicos, entre os quais: teses, dissertaes e artigos publicados,
alm de busca em fruns e blogs sobre lngua hebraica11.
3 BEREZIN, J. Rifka. Dicionrio Hebraico-Portugus. So Paulo: Edusp, 1995. 4HATZAMRI, Abraham & MORE-HATZAMRI, Shoshana. Dicionrio Portugus-Hebraico / Hebraico-Portugus. So Paulo: Sfer, 2000.
5 ,; , . 2000+ -- : . -: ,1990. 6 WORDPOINT MULTILINGUAL DICTIONARY for Windows 98/ME/NT/2000/XP. Version 2.120. GalTech Soft Ltd, 1999-2003. 1 CD-ROM.
7 , . : - . : ,1997. 8 , . .: - ,1977
_________. : .: ,2004.
9 - : .(on-line) 2008 Melingo Ltd 10 BABYLON HEBREW THESAURUS (Hebrew-Hebrew) for Windows 98/ME/NT/2000/XP/Vista. Version 7.0.3. Babylon Ltd., 1997-2008. 1 CD-ROM. 11 http://hebrew-academy.huji.ac.il/question3.html
1php#_ftnref.malefemale/irregulars/org.ivrit-safa.www://http www.tapuz.co.il/blog/viewentry.asp?entryid=1254905 www.donkey.co.il/forum/message.aspx?id=316155 www.haaretz.co.il/hasite/spages/811897.html Ver lista completa nas referncias bibliogrficas.
22
Este mapeamento permitiu-nos, considerando os dados recolhidos, traar
uma proposta de elaborao de um estudo, primeiramente, no campo lexical
(conceituao e classificao dos substantivos zarrar unekev) e, em seguida,
nas esferas morfossintticas referentes ao gnero (configuraes que estabelecem o
uso dos termos e sua respectiva concordncia com o gnero).
Para a realizao das anlises foi indispensvel o uso dos recursos criado
pelas tecnologias de informao. Assim, lanamos mo de programas
computacionais de busca textual, tais como Davka Writer, Bblia On-line, Bible
Works entre outros. Alm destes, foi imprescindvel o uso da Internet, pois como
destaca Barros:
A Internet um instrumento imprescindvel ao trabalho terminolgico contemporneo, est presente em todas as suas etapas, desde sua concepo, a constituio do corpus do qual se extraem os termos, at a elaborao de definio ou a publicao do trabalho final. A rede mundial pe a nossa disposio [...] um caudal de informao at pouco tempo inimaginvel. (2004:17)
Como nosso estudo est, de certa forma, ligado ao campo terminolgico, foi
de grande valia as afirmaes de Barros de que trabalhar com terminologia na
atualidade pressupe valer-se dos recursos que temos a nossa disposio graas ao
novo contexto criado pelas tecnologias de informao12.
O auxlio da Internet foi indispensvel em todas as etapas da pesquisa, seja
na busca de referenciais tericos ou mesmo na constituio do corpus a ser
analisado. Entretanto, por falta de filtros para as informaes desejadas,
demandamos muito tempo em nossa pesquisa para encontrar e selecionar fontes de
qualidades.
Para delinearmos um perfil dos substantivos zarrar unekev, aps realizar
testes estatsticos com o intuito do levantamento das ocorrncias e classificao dos
mesmos dentro do lxico da lngua hebraica, buscamos analisar o comportamento
destes substantivos dentro do texto hebraico.
12 BARROS (2004:17)
23
Deste modo, desenvolvemos um corpus respeitando a singularidade da
composio da lngua hebraica13. Por isso, coletamos dados presentes em
diferentes estratos lingsticos e traamos um estudo que abarcasse as fases mais
significativas, assim, observamos quatro perodos distintos atravs de seus
representantes:
A fonte bblica, i.e., o " Tanarr14. Neste estrato lingstico nos
deparamos como materiais de pesquisa os programas computacionais
(Davka Writer 6.0, Bible Works 6.0, Bblia On-line 2.0 etc), a Bblia
Hebraica Stuttgartensia e a ,
Konkordantsia Radash LeTor, Neviim UKetuvim Nova
Concordncia para o Tanarr de Even Shoshan.
A Mishn, ou seja, Lei Oral. Estrato, este, conhecido como perodo da
Lngua dos Sbios, encontramos-no digitalizado e disponvel, dentro do
programa Davka Writer 6.0.
O Sidur15 foi utilizado como representante do hebraico medieval
(tambm acessvel no programa Davka Writer 6.0).
O hebraico moderno nos permitiu fazer um levantamento de dados
atravs da Internet. Para isso, lanamos mo das principais
ferramentas de busca on-line, como os sites: www.google.co.il,
www.walla.co.il, www.haaretz.co.il, na tentativa de encontrar o corpus
pretendido, bem como outros dados mencionados em nossos
exemplos, constados nas referncias bibliogrficas.
A partir deste corpus foram coletados dados da ocorrncia de concordncia
de gnero dos substantivos zarrar unekev elencados pelo lxico. importante
frisar que os dados pesquisados corroboram a tese de estratificao da lngua
13 Segundo BEREZIN (1995), o hebraico moderno no o resultado de uma evoluo natural [...], pois seus diferentes estratos lingsticos [...] histricos e literrios contriburam para a organizao de sistema sincrnico, em que coexistem lado a lado elementos lingsticos [...] sem haver nem mesmo a climatizao de formas arcaicas. 14 " Tanarr (abreviatura de Tor, Neviim e Ketuvim, isto , Lei, Profetas e Hagiografia) GUINSBURG, J. Guia Histrico da Literatura Hebraica. So Paulo: Editora Perspectiva, 1977. 15 Livro Judaico de Orao.
24
hebraica, pois nem todos os vocbulos de nossa busca estavam disponveis em
todos os segmentos de nosso corpus, uma vez que alguns tratam de temas
especficos.
importante ressaltar que nossa pesquisa on-line teve uma durao
aproximada de quatro meses e os dados foram coletados no perodo de fevereiro a
junho de 2008. Todos os vocbulos apontados como zarrar unekev foram
usados na busca. Mas, apresentaremos aqui apenas a comparao de trs termos
(os vocbulos esh fogo, dererr caminho e kos copo) que foram
analisados atravs da busca de situaes que demonstrassem concordncia
contrastiva de gnero. Para isso, selecionamos algumas variveis encontradas nas
configuraes tanto ao gnero masculino quanto ao feminino.
25
2- A ESTRATIFICAO DA LNGUA HEBRAICA
Na primeira parte deste captulo, lanamos mo da noo de linguagem como
faculdade humana universal, pois atravs desta que uma sociedade se comunica e
retrata o conhecimento e entendimento de si prpria e do mundo que a cerca, e a
noo de lngua como uma dada manifestao particular, histrica, social e
sistemtica da comunicao humana (Marcushi, 2005). Assim, pode-se dizer que as
lnguas so no apenas um cdigo para comunicao, mas, fundamentalmente, uma
atividade interativa (dialgica) de natureza scio-cognitiva e histrica. Tendo como
referencial a proposio de que lngua manifestao particular e uma atividade
dialgica de natureza scio-cognitiva e histrica, faz-se necessrio traar um perfil
da lngua hebraica, que tambm referencial para nosso tema em questo.
2.1- HEBRAICO: ESTRATOS LINGSTICOS E ESTRUTURA GRAMATICAL
Fischler16 destaca que por causa de quatro coisas os judeus foram
resgatados do cativeiro do Egito: por no mudarem seus nomes, por no mudarem
sua lngua, por no revelarem seus mistrios e por no repudiarem a circunciso. O
mesmo acrescenta que a sobrevivncia destes como um povo na dispora teve
como principal causa a preservao da lngua hebraica, a qual juntou comunidades
dispersas unindo-as ao seu passado comum.
Estabelecer quando o hebraico, uma na constelao de lnguas cognatas
chamadas pelos fillogos de semticas17, passou a configurar lngua de Israel
16 FISCHLER In: RABIN, Chaim (org). Ressurgimento da lngua hebraica. Trad. Rifka Berezin. So Paulo: Bnai Brith, 1973. 17 We are, to be sure, saying in effect that Hebrew, Aramaic, Arabic, Geez [] are semitic languages Cf. BENNETT, Patrick R. Comparative Semitic Linguistics: a manual. Vinona Lake, 1998; Veja tambm: BERGSTRSSER, Gotthelf. Introduction to the Semitic Languages: Text Speciments and Grammatical Sketches. Idiana: Eisenbrauns, 1983.
26
algo impreciso (Ausubel, 1967). No entanto, tudo o que se sabe com alguma certeza
que, na aurora da histria judaica documentada, o hebraico cristalizou-se como
lngua verncula dos israelitas e desta forma perdurou at 134 E.C. (revolta de Bar
Korba contra os romanos).
Apesar de aproximadamente dezessete sculos de exlio e no configurar
como lngua cotidiana, visto que a disperso do povo judeu pelos diversos pases
criou a necessidade de falar diferentes idiomas, o hebraico no perdeu sua
vitalidade e fora por causa da religio, outrossim, d testemunho disso o
florescimento de uma extensa produo literria hebraica na dispora. A viso do
pesquisador sobre a lngua hebraica contempornea pode ser extremamente parcial,
alm de causar ao incauto enormes percalos, se considerar que o hebraico atual
resultado de uma evoluo natural e orgnica da lngua como usualmente ocorre.
Conforme Berezin (1995), os diferentes estratos lingsticos produzidos nos
diversos perodos histricos e literrios contriburam para a organizao de um
sistema sincrnico, em que coexistem, lado a lado, elementos lingsticos de todas
as fases anteriores, indistintamente, sem haver nem mesmo a eliminao de formas
arcaicas.
Para maior convenincia, a histria do hebraico como lngua pode ser dividida
em quatro fases distintas: a bblica, a mishnica, a medieval e a moderna (Ausubel
1967), as quais buscaremos descrever. Entretanto, para os estudos desta pesquisa,
quando tratarmos da ltima fase (moderna), ofereceremos um enfoque ao hebraico
atual, seja ele considerado moderno ou israelense.
2.1.2 - Hebraico Bblico
Se todas as lnguas cultas recebem influncia de suas obras clssicas, no
caso do hebraico renovado, a influncia da linguagem bblica foi especialmente
intensa (Berezin, 1995). Considerado como o primeiro estrato lingstico da lngua
hebraica, por se fazer presente na memria coletiva judaica, como resultado de sua
27
organizao religiosa, o hebraico bblico foi introduzido de forma natural e macia no
idioma renovado.
A reestruturao do novo hebraico ao beber nas fontes do texto bblico traz
consigo o alicerce, um vocabulrio bsico de diversas reas relatadas nas Escrituras
Sagradas, o ncleo formal dos sistemas e das formas gramaticais, tais como: a
estrutura do substantivo, fato de extrema relevncia em nossa pesquisa por causa
da categorizao e flexo de gnero, os Binyanim18, alm dos tempos verbais.
Contudo, o conceito de hebraico bblico no deixa de ser uma fico, como
o tambm o conceito de texto bblico, visto que estes refletem um milnio inteiro
de desenvolvimento lingstico, pelo que no podem deixar de refletir hebraicos
diferentes e de terem incorporados diversos dialetos (Barrera, 1995).
Os dialetos hebraicos locais e as diferenas de pronuncia j eram observados
pouco depois da conquista de Cana ter sido efetuada pelas tribos israelitas que
voltavam do Egito. Um exemplo interessante disso foi registrado no livro de Juzes
(Shoftim) 12: 4-7:
..." - "...(BHS, 1998)
vayomeru lo emor-na shibolet vayomer sibolet velo yachin ledaber Ken
Traduo: Ento lhe diziam: Dize, pois, shibolete; porm ele dizia sibolete,
porque no podia pronunciar assim bem... (ARC, 1997)
Examinando atentamente o texto do hebraico da Bblia, os fillogos
descobriram a presena de muitas palavras tomadas de emprstimo ao egpcio, ao
hitita, ao acdico, ao aramaico, ao persa, ao grego etc. (Ausubel, 1967). A interao
entre Israel e seus vizinhos era intensa e, desta forma, podemos dizer que a
formao do hebraico foi progressiva.
O estudo comparado das formas literrias bblicas e de outros documentos
coevos, achados por arquelogos na Palestina, mostram que o hebraico do perodo
formativo da Tor estava em pleno uso, e no uma simples literatura litrgica. 18 O verbo hebraico distribudo em sete construes verbais que podem, de uma mesma raiz, criar vrios verbos diferentes, contudo dentro do mesmo campo semntico.
28
Rabin (1973) destaca que a ameaa iminente dos filisteus gerou um ambiente
propcio para a unificao lingstica que se solidificou sob o domnio davdico-
salomnico, a qual conhecemos como hebraico clssico do Primeiro Templo. Para o
autor, provvel que a maioria dos emprstimos estrangeiros deste hebraico data
de contatos antigos entre hebreus e cananeus e, desta forma, no tempo de Davi j
se encontrava incorporada lngua.
Prenunciando a enorme mudana lingstica que adviria em Israel, surge nas
obras profticas de Jeremias, que datam aproximadamente do perodo da destruio
do Primeiro Templo, em 586 A.E.C., um versculo completo em aramaico19 (10:11):
..." - - "...
kidna lehon elahayah di-shemaya vearka la avadu yevadu mearea umin-
tarrot shmayaele
Traduo: Assim lhes direis: Os deuses que no fizeram os cus e a terra
desaparecero da terra e de debaixo deste cu.
O vasto desenvolvimento lingstico milenar no hebraico bblico, descrito por
Barrera (1995) anteriormente, deixou vestgios em vrias reas da gramtica da
lngua hebraica ratificado nos exemplos acima. Alm disso, a obra do Cronista e dos
livros de Qohelet e Ester mostram a evoluo da lngua nos perodos persa e grego.
No tocante ao gnero, podemos observar a presena de palavras que
assumem as categorias de masculino e feminino ( zarrar unekev), em alguns
casos no mesmo contexto, as quais estudaremos em particular, alm de outras
situaes referentes ao gnero que demonstra a heterogeneidade lingstica e
gramatical do hebraico bblico.
Observe a seguir o caso de substantivos zarrar unekev retirado de I Rs
13,10, conforme descrevemos:
19 O aramaico, uma das lnguas correlatas, era j na poca a lngua mais falada no Oriente Prximo e no Oriente Mdio.
29
..." - -- "... vayelerr bedererr arrer velo-shav badererr asher ba ba el-beyt-el
(masc. no hebraico) (fem. no hebraico) Traduo: E foi por outro caminho e no voltou no caminho pelo qual viera a Betel.
Dentro da lexicografia hebraica a palavra dererr caminho classificada
como capaz de assumir as categorias de gnero masculino e feminino. Contudo,
isto, geralmente, ocorre em situaes diversas. No exemplo acima, percebemos que
o movimento lingstico era to intenso que em um mesmo contexto conseguimos
encontrar uma situao atpica como esta, onde uma palavra est assumindo as
duas categorizaes de gnero simultaneamente.
Apesar de apresentar formas fixas para a determinao da categoria de
gnero, como a terminao - e - -t para caracterizar o feminino, -im para o
plural masculino e -ot para o plural feminino, observa-se, contudo, muitas
excees a essas regras simples. Segundo Hadas-Lebel (1992) h femininos sem
sua marca caracterstica, masculinos plurais usando a terminao do feminino e o
mesmo processo inverso. Alm disso, certas terminaes em - no tm nada a
ver com feminino, as quais podem tratar-se simplesmente do modo de marcar o
lugar onde se vai (He-locale20).
Para compreendermos o desenvolvimento lingstico produzido na histria da
formao e transmisso dos textos dos livros bblicos, faz-se necessrio estudarmos
paralelamente a evoluo do judasmo das pocas persa e helenstica.
Entretanto, este no foco de nossa pesquisa, antes queremos demonstrar
que o hebraico bblico, principal base para o renascimento ou revigoramento da
lngua hebraica em sua vertente atual, apesar de ser um texto clssico, apresenta
maior heterogeneidade do que as outras fases descritas por Ausubel (1967),
trazendo conseqncias imediatas ao novo hebraico. 20 Segundo Kelley, o hebraico usa freqentemente o sufixo - para indicar a direo de um verbo de movimento. O he-locale pode ser acrescentado a substantivos comuns ou prprios ou, ento, a advrbios de lugar. Nunca acentuado e no deve ser confundido com a terminao do feminino singular dos substantivos. KELLEY, Page. Hebraico Bblico: uma gramtica introdutria. So Leopoldo: Sinodal, 1998. p.179.
30
2.1.3- Hebraico Mishnico
verdade que todas as lnguas, inclusive a lngua hebraica, esto se
desenvolvendo permanentemente. Percebemos no estrato lingstico anterior, que
as condies scio-culturais estavam em constante mudana, cuja evoluo
produtiva criava novos termos. Como no h processo de desenvolvimento sem a
correspondente expresso no plano lingstico, desta forma faz-se necessria uma
normalizao terminolgica. E isto o que acontece durante o perodo mishnico.
Segundo Ausubel (1967), o hebraico mishnico, lngua em que se escrevera a
Mishn, i.e., o cdigo da Lei Oral, demonstrou ser uma lngua mais sutil e menos
declamatria que sua precedente (hebraico bblico). Alm disso, sua maior
flexibilidade e expressividade potencial tm sido atribudas no somente
importao de muitas palavras aramaicas, estrutura gramatical aramaizada, como
tambm um matiz lgico-argumentativo prximo do grego, provavelmente
desenvolvido nos dias dos hasmoneus.
Entretanto, no podemos esquecer que vrios emprstimos lingsticos
decorreram de palavras (e expresses) gregas e latinas como conseqncia da
aculturao do povo judeu com o helenismo e a dominao romana. Todavia, no
cabe dizer que o hebraico mishnico era uma lngua artificial, formada por elementos
do hebraico bblico e do aramaico, desprovida de todo apoio numa lngua viva,
desenhada especialmente para as discusses rabnicas21.
A gramtica, o lxico e o estilo literrio do hebraico mishnico repousam
sobre a base de um hebraico coloquial cujo uso sobreviveu durante esta poca,
embora no estivesse generalizado (Barrera, 1995). Isto demonstra que este estrato
lingstico se inscreve perfeitamente na evoluo lingstica da lngua bblica com
caractersticas prprias.
Dentre as inovaes, percebemos que, alm dos emprstimos lingsticos, a
lexicografia evoluiu ampliando as significaes dos vocbulos existentes por
influncia da condio diglssica, pelo uso de elementos genuinamente semticos 21 BARRERA, Julio Trebolle. A Bblia Judaica e a Bblia Crist: introduo histria da Bblia. Petrpolis: Vozes, 1995. p.76.
31
no encontrados no hebraico bblico, como no exemplo da substituio do pronome
relativo asher por she, alm de transformaes significativas no sistema verbal etc.
significativo o fato de que o hebraico mishnico apresente grandes
diferenas com relao ao texto bblico, uma vez que, este desenvolvimento
lingstico resulta de um hebraico coloquial acrescido, principalmente, introduo
de influncias diglssicas diversas. Podemos notar que estas influncias vo
delinear novos rumos na categorizao de gnero de algumas palavras, em
especial, aquelas que assumem tanto o masculino quanto o feminino, apontando
para uma possvel tendncia posterior do uso, a qual veremos em nosso estudo de
caso.
Observe que por influncia do aramaico, kos copo, termo com forte
tendncia ao feminino no estrato lingstico conhecido como hebraico bblico,
tratado como um termo masculino. Esta ampliao na classificao do gnero pode
ser encontrada na palavra sad campo, tratada no contexto scio-cultural
bblico como masculino, que elencado no hebraico mishnico como um termo ora
masculino ora feminino22.
Enquanto o hebraico era falado, era latente e perceptvel a diferena entre a
lngua bblica (linguagem literria) e a lngua rabnica (coloquial, mais pobre do que o
escrito, mais sistemtico e mais homogneo). A linguagem rabnica oscilava entre
essas duas lnguas cuja fuso se deu com a escrita.
O contato do hebraico com o aramaico transformou a estrutura de
pensamento do primeiro. Apesar do surgimento de novos elementos gramaticais no
hebraico, a influncia do aramaico no foi total. possvel observar isto atravs da
linguagem talmdica, na qual encontramos as duas lnguas coexistindo.
Segundo Rabin (1973:60), como j aconteceu no ltimo estgio do hebraico
bblico (quando este deixou de ser falado), assim a linguagem da Mishn tambm
gozou de um longo perodo de criatividade em sua fase final.
22 The largest number of loanwords consists of those borrowed directly or indirectly from Aramaic [...] (kos) cup is treated as masculine and (sadae) field as masculine or feminine, as in Aramaic. SENZ-BADILLOS, Angel. A History of the Hebrew Language. Cambridge University Press, 1993. p. 201.
32
2.1.4- Hebraico Medieval
Consoante Ausubel (1967:464), antes que o hebraico mishnico tivesse o
tempo ou a oportunidade de atingir a uma fase criadora, ou o povo judeu pudesse
iniciar um renascimento de uma cultura nacional em hebraico, a vida judaica ficou
semi-submersa pelos catastrficos acontecimentos histricos23. Assim, o hebraico
mishnico comeou a declinar e morrer gradativamente [...] restringindo-se somente
nas reas intocveis da leitura e da leitura da Torah.
Constituindo um fenmeno cultural, provavelmente, sem paralelo em toda a
histria das lnguas da humanidade, o hebraico deixou de ser falado, contudo
continuou vivo na escrita. Aps ter sido deixado muitos sculos em um estado de
quase abandono, durante o perodo da Idade Mdia, houve novamente uma
revivescncia do hebraico falado, cujo fio condutor foi retomado a partir do hebraico
rabnico24.
No entanto, no fcil estabelecer limites precisos para o estrato lingstico
da lngua hebraica ao qual conhecemos como Hebraico Medieval25. Durante o clima
cultural humanstico da civilizao rabe-judaica dos pases islmicos, judeus
eruditos realizaram esforos ingentes para conseguir um renascimento do hebraico.
Dentre estes podemos destacar filsofos, poetas, gramticos, tradutores, gegrafos,
astrnomos, matemticos, cientistas, mdicos e exegetas bblicos.
Como sabemos, at meados da Idade Mdia, a lngua ainda no era
considerada um atributo de nacionalidade, no entanto, os judeus produziram uma
literatura ocidentalizada em lngua hebraica, porm, no aspiravam, uma funo
oficial para tal lngua. neste perodo que encontramos o dicionrio rabe-hebraico,
23 Dentre tais podemos destacar: a destruio e saque do Templo de Jerusalm 70 E.C., massacre em Massada, revolta de Bar-Korba etc. 24 we have already said that Rabbinic Hebrew stopped being used as a living vernacular around the end of the second century CE, surviving for several centuries, however, alongside Aramaic, as a literary language [].SENZ-BADILLOS, 1993. p. 202. 25 Is not easy to establish precise boundaries for that stage of the hebrew language generally known as Mediaeval Hebrew []. SENZ-BADILLOS, id.
33
grande obra de Saadia Gaon, utilizando os princpios lingsticos mais modernos da
poca26.
Talvez a melhor ilustrao literria do renascimento do hebraico na Idade
Mdia esteja na constelao de extraordinrios poetas filsofos e litrgicos que
surgiu no sul da Espanha nos sculos XI e XII27. Alm de suas prprias obras, os
judeus tiveram grande importncia devido ao seu ofcio de tradutor.
Para as obras cientfico-filosficas, os judeus usavam o rabe como suporte,
enquanto o hebraico usado na traduo podia ter origem tanto na Mishn quanto no
texto bblico. Este estilo cientfico criou termos hebraicos calcados na lngua rabe.
Desta forma os tradutores enriqueceram o lxico e ampliaram o campo semntico de
outras palavras sem a necessidade de alterar a sintaxe da lngua hebraica.
possvel fazer a observao de que as questes de gnero eram latentes
durante este perodo, no qual encontramos uma das advertncias de Yehuda Ben
Tibon (um dos tradutores mais importantes da poca) deixadas para seu filho:
Tome cuidado com os erros de lngua, de construes, de gramtica e de gnero masculino e feminino, pois s vezes o cotidiano da lngua estrangeira nos induz ao erro28.
Ao longo do perodo medieval, a lngua hebraica continuou a se desenvolver.
Segundo Ausubel (1967:465), na Espanha medieval, na Provena e na Itlia, o
hebraico foi usado, pela primeira vez, em composies profanas como stiras
poticas, versos de amor, poemas de expresses e sentimento, bem como em obras
cientficas sobre gramtica, lexicografia, geografia, medicina, astronomia e
matemtica.
A posio do hebraico entre os judeus, na Idade Mdia, se parece com a do
latim entre os cristos da Europa Ocidental, a do grego entre cristos orientais, a do
rabe clssico entre os mulumanos, e a do snscrito na ndia durante a Idade
26 Saadiahs attempts to promote a better knowledge of Hebrew, through important Works of grammar and lexicography, left a deep impression on subsequent philology. SENZ-BADILLOS, 1993, p. 214. 27 AUSUBEL, Nathan. Judaica: Conhecimento Judaico I, (Vol. 5). Koogan Editor, 1967. p. 465.
28 , . . : " ,".
34
Mdia29. Para Rabin (1983), o uso destas lnguas serviu quase exclusivamente para
todo o tipo de atividade que utilizava a escrita, contudo o mesmo no ocorria na
comunicao diria.
A literatura hebraica medieval floresceu durante o perodo entre os sculos VII
e XIII. Entretanto, a lngua hebraica entrou em declnio, novamente, devido s
condies instveis da vida comunitria judaica, as Cruzadas, a Peste Negra etc, e
permaneceu em estado de estagnao at a Renascena.
2.1.5- Hebraico Atual
A transio do hebraico medieval para o moderno ou hebraico israelense
aconteceu muito lentamente, durante vrias dcadas. De acordo com alguns
estudiosos, esta nova fase do idioma teve incio no dcimo sexto sculo30. Rabin
(1983:84) assinala que durante este perodo (sculos XVI e XVII) o hebraico passou
por um desenvolvimento, que a primeira vista, d impresso de decadncia [...], mas
deve-se consider-lo como a expresso de uma poca efervescente e tumultuada,
em que o desejo de rebuscar e usar expedientes complexos conduziu violao
das regras da lngua.
Fruto do sculo XVIII, a literatura da Haskal, conhecida tambm como
iluminismo judaico, seguindo os moldes do iluminismo europeu, estabeleceu como
essncia principal o retorno s razes e o nacionalismo. Desta forma, buscava-se o
purismo lingstico que desejava a reativao do hebraico a partir do texto-fonte, a
Bblia, e, por outro lado, o movimento rrassdico, que se apoiou, tambm, na Mishn
e no Talmud gerando uma literatura vista como a expresso natural do esprito
popular da poca.
29 RABIN, Chaim. Pequena Histria da Lngua Hebraica. 1.ed. Trad. Rifka Berezin, So Paulo: Summus Editorial,1983. p. 65 30 The transition from Mediaeval to Modern or Israeli Hebrew came about slowly, over several decades. According to some experts, a new phase of the language had already begun in the sixteenth century. SENZ-BADILLOS, 1993. p. 267.
35
Um surto literrio hebraico teve lugar nas dcadas de 1880 e 1890. No
entanto, o hebraico como lngua falada, no conseguiu fazer progresso aprecivel31.
importante destacar que a literatura da Haskal no s colocou os alicerces do
sionismo, atravs de seus temas bblicos, que despertaram o anseio por uma
existncia livre e pela plenitude da vida nacional, mas tambm preparou o terreno
para o renascimento do hebraico como lngua diria, elaborando ao mximo os
meios de expresso do hebraico bblico e adaptando-os para transform-los em
veculos de pensamento da era moderna32.
O incio deste renascimento visto pelos estudiosos na fundao do
primeiro comit de lngua hebraica em 189033. Apesar dos esforos de Eliezer Ben
Yehuda, personagem importantssimo no renascimento e revitalizao da lngua
hebraica, isso no foi aceito de modo imediato34. Contornados este e outros
conflitos, o florescimento deste idioma (hebraico) revitalizado trouxe consigo uma
disputa entre os estilos de linguagem (lngua hebraica pura, ou bblica, e uma
mescla lingstica oriunda do Talmud, Tiberades e rabnica). Enquanto a Vaad
Halashon (comit em prol da lngua hebraica) buscava meios de conciliao entre os
estilos e a sistematizao uniforme da lngua, surge uma gerao cuja lngua
materna a hebraica em todos os seus estilos.
Retomando Berezin (1995), destacamos que os diferentes estratos
lingsticos contriburam para a organizao de um sistema coeso, no qual
encontramos, paralelamente, elementos lingsticos de todas as fases anteriores.
Esta reestruturao do novo hebraico ao beber em vrias fontes trouxe
consigo o alicerce, um vocabulrio das diversas reas relatadas nas fontes
fornecidas, o ncleo formal dos sistemas e das formas gramaticais. Assim, as
31 AUSUBEL (1967:468) 32 RABIN (1983:87) 33 La rsurrection de l'hbreu parl est souvent date de l'anne 1890 qui vit la fondation du premier Comit de la langue hbraque mais il va de soi qu'on ne peut attribuer de date de naissance prcise un long processus qui met en jeu tant de facteurs divers. HADAS-LEBEL, Meirele. L,Hbreu: 3000 ans dhistoire. Paris: ditions Albin Michel, 1992. p. 151. 34 Sur la terre mme o l'hbreu tait cens trouver des conditions favorables son dveloppement, les obstacles ne manquaient pas. Le sionisme politique n'tait mme pas venu sa rescousse puisque son fondateur. Herzl, journaliste et crivain de langue allemande, n'envisageait pas qu'on pt demander en hbreu un billet de train au guichet d'une gare [...] fin 1913, clate dans le pays la guerre des langues, les langues em question tant lhbreu et lallemand. Ibidem, p. 145.
36
dificuldades encontradas referentes s questes de gneros foram no apenas
absorvidas da fonte primria (Tanarr), como tambm ampliadas pelos outros estratos
lingsticos presentes no renascimento da lngua hebraica.
37
3- CONSIDERAES ACERCA DO GNERO
O gnero a mais enigmtica das categorias gramaticais. um tpico que interessa aos no-lingistas como tambm aos lingistas e se torna mais fascinante quanto mais investigado35.
Corbett
Com base na convico de que uma adequao terminolgica funciona como
uma mola propulsora, essencial para todos aqueles que tm, na linguagem e nas
linguagens, sua ferramenta de trabalho e de reflexo, de produo e de criao, de
promoo de interaes sociais36, o foco deste captulo essencialmente a busca
de um conceito de gnero.
Todo o estudo lingstico necessita constituir suportes tericos e
metodolgicos a fim de demonstrar sua aplicabilidade. Nesta perspectiva,
propusemos fazer uma explanao prvia de nossos propsitos, na qual
buscaremos trazer tona um breve estudo reflexivo sobre o gnero a partir das
literaturas exploradas.
Neste sentido, acreditamos ser necessria a realizao de uma pesquisa
pautada, na medida do possvel, no campo terminolgico. Assim, tomaremos como
referenciais conceitos desenvolvidos por Ldia Almeida Barros, em seu livro intitulado
Curso Bsico de Terminologia (2004), buscando uma conceituao sobre o termo
em questo.
Como a construo do conceito de gnero implica conhecer as nuances do
tema proposto, ser conveniente focalizar e discutir sobre a questo gnero natural
versus gramatical, alm de um estudo sobre categorias gramaticais ou inflexionais,
abarcando seu carter morfossinttico. Finalizando, apresentaremos um breve
histrico do gnero nas lnguas semticas.
35Gender is the most puzzling of the grammatical categories. It is a topic which interests non-linguists as well as linguists and it becomes more fascinating the more it is investigated. CORBETT, Greville G. Gender. New York: Cambridge University Press, 1991. p. 1. 36 BARROS (2004:19).
38
3.1- CONCEITO DE GNERO
Freqentemente temos a impresso de que, quanto mais as pesquisas
lingsticas avanam, mais necessitamos estabelecer uma normalizao
terminolgica. Podemos observar em nosso referencial terico que no h processo
de desenvolvimento cultural sem uma correspondente expresso no plano
lingstico.
De forma geral, o termo gnero extremamente polissmico, a tal ponto de
Cobertt (1991) consider-lo como a mais enigmtica das categorias gramaticais, pois
alm de despertar interesses tanto na rea lingstica quanto em outras
(Antropologia, Biologia etc.) torna-se mais fascinante quanto mais investigado. Por
outro lado, necessrio mapear as possibilidades de interpretao dentro de um
aparato cultural especfico, uma vez que em alguns idiomas gnero central e
penetrante, enquanto em outros est totalmente ausente37.
A palavra gnero deriva etimologicamente do latim genus, via francs arcaico,
e originalmente tem o significado de tipo ou espcie38. O termo genus, por sua
vez, derivado historicamente da raiz indo-europia gen/gon39. Entretanto, a
investigao deste remonta perodos ancestrais. A tradio gramatical ocidental,
comeando pelos filsofos gregos, desde o sculo 5 A.E.C., j especulava sobre o
gnero, cuja noo de masculino surge atravs do conceito de anomalia40.
Para entender o que os lingistas entendem por gnero, temos, segundo
Corbett, um bom ponto de partida na definio de Hockett de que genders are class
of nouns reflected in the behavior of associeted words, i.e., gneros so classes de
substantivos refletidas no comportamento de palavras associadas.
37... in some languages gender is central and pervasive, while in others it is totally absent... COBERTT, op. cit., p. 1. 38 Id. ...derives etymologically from Latin genus, via Old French gendre, and originally meant 'kind' or 'sort'. 39 is derived historically from the Indo-European root gen/gon . ARONOFF, Mark. Morphology by Itself: Stems and inflectional classes. London: The Mit Press, 1996. p. 66. 40 Cf. NEVES, Maria Helena de Moura. A Vertente Grega da Gramtica Tradicional: Uma viso do pensamento grego sobre a linguagem. So Paulo: Editora UNESP, 2005. p.105.
39
3.2- GNERO NATURAL VERSUS GRAMATICAL
comum na lexicografia vermos que, como destaca Aronoff (1996), the term
gender is often understood as being essencitially connected to sex41. O autor
exemplifica isto atravs da descrio do The Shorter Oxford English Dictionary:
Each of the three (or two) grammatical kinds, corresponding more or less to distinctions of sex (or absence of sex), into which sbs. are discriminated according to the nature of the modification they require in words syntatically associated with them.
Na viso de Corbett, esta classificao freqentemente corresponde a uma
distino de real de sexo, pelo menos em parte, mas freqentemente tambm no
faz42, pois o gnero enquanto organizao de diferena, no reflete a realidade
biolgica primeira, mas constri o sentido dessa.
Conforme Neves (2005: 198), ao trabalharem com as categorias
gramaticais43, os filsofos gregos compreenderam a operao de concordncia em
gnero e perceberam a falta de correspondncia entre gnero e sexo, [...] apontando
que a diferena de gnero apenas gramatical, no refletindo diferenas do mundo
real. Desta forma, os gramticos inovadores e criativos da escola sofista
anteciparam as terminaes dos lingistas modernos pela observao de dois
princpios no campo do gnero44: (1) a propriedade de concordncia e (2) o
estabelecimento do gnero gramatical.
Contudo, veremos em nosso estudo da lngua hebraica, como sinaliza
Aronoff, que, ao menos, etimologicamente, esta associao entre gnero e sexo
parcialmente correta45.
41 ARONOFF, op. cit., p. 65. 42... classification frequently corresponds to a real-world distinction of sex, at least in part, but often too it does not .... COBERTT, op. cit., p. 1. 43 Categoria costuma manter o significado mais tradicional de conjunto de propriedades que se associa a determinada parte do discurso, como Caso, Pessoa, Tempo, Modo, Aspecto, Voz, Gnero, Nmero .... ROSA, Maria Carlota. Introduo Morfologia. So Paulo: Contexto, 2006. p.91. 44 WALTKE, Bruce K.; OCONNOR, Michael P. Introduo Sintaxe do Hebraico Bblico. So Paulo: Cultura Crist, 2006. p. 97. 45 etimologically, this association between gender and sex is parttly correct . ARONOFF, op. cit., p. 65.
40
3.3- CATEGORIAS GRAMATICAIS OU INFLEXIONAIS
No trabalho de Neves (2005), descrito no tpico anterior, percebemos que o
gnero tratado desde os gregos, pais da gramtica tradicional, como uma
categoria gramatical. O termo categoria, costumeiro nos trabalhos de morfologia46,
ser utilizado em nossas consideraes como suporte terico para tratarmos de
gnero.
Segundo Rosa (2006:115), as categorias so elementos que emprestam
propriedades acidentais substncia. notrio, na obra de Rosa, a relao
intrnseca entre as categorias gramaticais e o estudo da inflexo, ou flexo.
Observemos que o termo acidente designativo para ambos, fato visto de modo
anlogo nas afirmaes de Waltke & OConnor:
Aristteles (384-322 a.C) prosseguiu ao listar as terminaes tpicas de cada gnero, assim classificando os nomes de acordo com suas inflexes ou acidentes.47
Definindo inflexo, podemos destacar que a inflexo [] serve para
completar uma palavra marcando suas relaes dentro de estruturas maiores48. A
partir deste embasamento terico de categorias gramaticais e inflexo, acreditamos
que ao falarmos das primeiras, sem dvida, estaremos fazendo referncia ltima,
e vice-versa. O autor Anderson (1985) destaca que existem trs categorias primrias
inerentes de inflexo nominal, dentre as quais encontramos, o gnero como outra
categoria comum em substantivos, a qual consiste em uma diviso de lxico de
idioma em vrias classes diferentes para propsitos de concordncia49.
46 ROSA, op. cit., p. 91. 47 Id. 48 inflection [] serves to 'complete' a word by marking its relations within larger structures . ANDERSON, Stephen R. Inflectional Morphology. In: SHOPEN, Timothy. Language Typology and Syntatic Description. Cambridge, Gr. Brit.: Cambridge University Press, 3v. 1985. p. 175. 49 ... Another common category in nouns is that gender. This consists in a division of lexicon of language into a number of different classes for purposes of agreement .
41
importante ressaltar que, como o nosso objetivo se restringe ao estudo do
gnero, somente abordaremos quaisquer outras categorias gramaticais quando se
fizer necessrio ou para fins de exemplificao.
3.3.1- Categorias morfossintticas
Para evitar possveis ambigidades acarretadas pelas muitas acepes com
que o termo categoria empregado nos estudos lingsticos, adotaremos aqui o
termo categoria morfossinttica, pois nossa ateno estar voltada para as
modificaes na estrutura da palavra.
Uma categoria morfossinttica obrigatria para uma classe de palavra
como um todo numa dada lngua50. Assim, como esperada a existncia da
dimenso nmero/pessoa nos verbos de lngua portuguesa (e.g., cantei - 1 pes.
sg.), a incidncia do gnero latente na lngua hebraica, a qual, alm das classes
dos substantivos e adjetivos, pode ser encontrada tambm nos numerais cardinais,
como shelosh trs (masc.) e shalosh trs (fem.).
Segundo Rosa, a realizao de uma categoria morfossinttica num lexema
se faz a partir de um elenco restrito de possibilidades. Dentre estas possibilidades,
Anderson (1985:172) props trs tipos, nos quais a presena do gnero possvel:
Ns podemos distinguir trs tipos diferentes de categorias que podem ser dadas realizao formal. Primeiro, uma determinada propriedade inflexional pode ser inerente. [...] A segunda classe de propriedades inflexionais que ns podemos distinguir o jogo de categorias relacionadas que refletem a posio que a palavra ocupa em estruturas maiores [...] Finalmente, ns podemos reconhecer uma classe de categorias gramaticais que surgem em uma palavra por concordncia com propriedades de alguma outra palavra ou frase51.
50 ROSA, op. cit., p. 120. 51 ...we can distinguish three different sorts of categories that may be given formal realization. First, a given inflectional property may be an inherent one. [] The second class of inflectional properties which we can distinguish is the set of relational categories, which reflect the position the word occupies in larger structures [] Finally, we can recognize a class of grammatical categories that arise in a word by agreement with properties of some other word or phrase .
42
A presena da propriedade de inerncia visvel na lngua portuguesa em
relao ao gnero. Cmara Jr. (1970:81) demonstra isto atravs da seleo lexical
(homem/mulher), a qual possui gnero imanente, intrnseco. Sendo que o primeiro
faz referncia ao masculino e o segundo elencado como um termo feminino. No
difcil encontrar situaes semelhantes na lngua hebraica. Waltke & OConnor
demonstram de modo anlogo a existncia do gnero inerente:
Nomes de gnero lexicalmente opostos podem ser usados para designar cada membro da dade macho-fmea (p. ex., av pai e em me). (2006:101)
A segunda classe de propriedades inflexionais busca registrar a atuao da
concordncia. De acordo com Rosa (2006:121), o controlador determina as
propriedades que sero estendidas pela concordncia.
No exemplo a seguir, da lngua hebraica, temos o pronome at tu
(masc.) atuando como controlador de concordncia de gnero. Cabe ressaltar aqui
que, em algumas lnguas semticas como no hebraico, a distino pronominal, alm
das terceiras pessoas, se faz presente tambm nos pronomes pessoais de segunda
pessoa. Desta forma, podemos afirmar que at tu (masc.) faz oposio ao
pronome at tu (fem.) em gnero.
Observemos como o verbo dibarta disseste (masc.) controlado por
at tu (masc.), copiando a propriedade inerente de gnero presente neste:
? ? shelrra
ima im dibarta at
seu/sua me com falaste tu Classe pron. poss. subst. prep. verbo pron. pess. Gnero masc. fem. masc. masc.
N / Pessoa 2 sg. 2 sg. 2 sg.
Na estrutura acima, o pronome possessivo shelrra seu/sua (masc.) no
depende das propriedades de ima me (fem.), para apresentar concordncia
com o mesmo. As indicaes morfolgicas de gnero de shelrra referem-se a
propriedades relacionais que so impostas pela posio estrutural ocupada pela
43
palavra e das propriedades lexicais de at, com quem estabelece uma relao
de referncia.
3.4- GNERO: UMA VISO DIACRNICA
na Antiguidade ... a origem e o estudo das classes de palavras e categorias gramaticais ainda hoje em voga na educao das lnguas modernas.
Ramanzini
Neste tpico, teceremos algumas consideraes sobre a histria do gnero,
tendo como fundamentao principal os estudos de Biderman52, Waltke & OConnor,
Neves, Bliboim dentre outros.
Biderman (1974) destaca que todos os grupos culturais vivenciam as
conseqncias da oposio sexual e social entre o homem e a mulher; originando-
se, ento, destes dados da realidade, a categoria de gnero. Acrescenta ainda a
eminente filloga que, nas lnguas caracterizadas pelo gnero masculino e feminino,
as figuras simblicas tero uma categorizao masculina ou feminina; ou seja,
funcionaro como representaes antropomrficas, mticas, literrias.
Portanto, os fenmenos naturais com finalidades masculinas ou femininas
eram categorizados, conseqentemente, como nomes masculinos ou femininos; o
que, provavelmente, transformou a fertilidade da terra em uma causa para a sua
caracterizao do feminino. Os princpios masculino e feminino presentes nas
formas sagradas e misteriosas da vida foram vistos na cosmoviso dos povos como
fatos culturais bsicos e expressos na categoria de gnero.
notrio afirmar que a cultura responsvel pela transformao das coisas
em entidades sexuadas por intermdio de redes de significados que abarcam o
gnero. Em contrapartida, o gnero no um conceito que apenas descreve as 52 BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. A Categoria do Gnero. Tese Livre Docncia: USP, 1974 In: SANTOS, Jayme Clio Furtado dos. Categorias de Gnero nos Substantivos da Lngua Portuguesa: Uma Abordagem Morfossinttica. (UERJ/CiFEFiL)
44
relaes entre homens e mulheres, mas uma categoria terica referida a um
conjunto de significados e smbolos construdos sobre a base de percepo da
diferena sexual. Esses smbolos so utilizados na compreenso de todo universo
observado.
O cdigo simblico, i.e., o gnero pode tambm servir para interpretar e
estabelecer significados que no tm relao direta com o corpo, sexualidade, nem
as relaes homem/mulher, categorizando em termos masculinos e femininos as
relaes e alteridades da natureza. Desta forma. torna-se, portanto, necessrio
mapear as possibilidades de interpretao dentro de um aparato cultural especifico,
uma vez que o gnero, enquanto organizao de diferena, no reflete a realidade
biolgica primeira, mas constri o sentido dessa realidade. E essa construo nunca
neutra, mas plena de contradies.
Os estudos filosficos e lingsticos acerca do gnero remontam
antiguidade clssica grega. Estes impulsionaram muitos estudiosos a versarem
sobre o assunto, os quais buscaram compreender as vertentes da origem e do
funcionamento da categoria de gnero nas diversas lnguas existentes. Vimos, em
Corbett (1990), que o estudo do gnero se torna mais fascinante quanto mais o
investigamos, desta forma, delimitaremos nossa ateno diacrnica em algumas
consideraes acerca das lnguas semticas.
3.4.1- O gnero nas lnguas semticas
Segundo a hiptese conhecida como Sapir-Whorf, a linguagem interpenetra a
experincia, de tal forma, que as categorias mais profundas do pensamento so
diferentes nas diversas culturas. Baseado na teoria do relativismo lingstico,
procuraremos delinear a origem do gnero, atrelando-o ao contexto cultural semtico,
pois as categorias da lngua e a cultura formam uma unidade, resultando desse fato
diferentes formas de expresso entre falantes de lnguas distantes.
45
Contudo, existem muitas discusses em torno de uma trivial questo, como
destaca Bennett (1998)53: what is a Semitic language? O mesmo autor apresenta
uma descrio coerente da questo em pauta da seguinte maneira:
Ns somos, estamos seguro, ao dizer com efeito que o hebraico, aramaico, rabe [...] so idiomas semticos e definimos como semticos os idiomas cujas caractersticas gramaticais e lxicas so relacionadas mais entre estes idiomas do que para qualquer outro.
Nos textos clssicos acerca da lngua hebraica, Waltke & OConnor (2006: 97)
procuram mostrar que muitos lingistas, dos sculos VIII e IXX, versaram sobre o
gnero, demonstrando esta construo cultural dos povos semitas:
Os assim chamados povos primitivos individualizaram os objetos, ordenando-os em um dos dois gneros baseados no sexo, de acordo com as caractersticas do objeto. Objetos considerados como fortes, grandes, ativos, etc., eram tidos como masculinos, e objetos considerados como sendo suscetveis, delicados, passivos, etc., vieram a ser femininos.
Corroborando esta linha de raciocnio, W. Wright (1890), autoridade notvel
em gramtica rabe, observa que a imaginao vvida dos semitas concebia todos
os objetos [...] como dotados de vida e de personalidade. Deste modo, para eles
existem apenas dois gneros, como existem na natureza apenas dois sexos54.
Waltke & OConnor (2006) destacam que esta percepo e concepo esto
subjacentes maioria das gramticas hebraicas, tais como as de Gesenius,
Gesenius-Kautzch-Cowley, Joon & Muraoka entre outras.
Segundo Ibrahim (1973)55, os verdadeiros herdeiros dos gramticos gregos
foram os rabes, os quais demarcaram o gnero em formas masculinas e femininas,
reconhecendo que o feminino um termo marcado, classificando-o em:
Verdadeiro feminino (nomes animados que denotam fmeas), como em me; yald menina etc.
53... we are, to be sure, saying in effect that Hebrew, Aramaic, Arabic [...] are Semitic languages, and then defining Semitic as the set of languages whose grammatical and lexical features are more closely related to these languages than to any other . BENNETT, op. cit., p. 1. 54 WILLIAN, Wright. Lectures on the Comparative Grammar of the Semitic Languages. Cambridge: Cambridge University, 1890 Apud WALTKE; OCONNOR, op. cit., p. 98. 55 IBRAHIM, Muhammad Hassan. Grammatical Gender. The Hague: Mouton & Co. N.V. Publishers, 1973. apud WALTKE; OCONNOR, op. cit., p. 97.
46
Feminino metafrico (nomes inanimados, com ou sem terminao feminina). Podemos exemplificar isto atravs do termo erets terra.
Um dos motivos da classificao deste vocbulo como feminino se deve
ao fato de uma de suas caractersticas ser a fertilidade em analogia com
as mulheres.
Feminino morfolgico (nomes usados exclusivamente para referir-se a machos e nomes tratados como masculinos, mas possuindo uma
terminao feminina, e.g. qohelet narrador, layla noite.
Waltke & OConnor (2006), ressaltam que categorias semelhantes podem ser
estabelecidas para o hebraico bblico em similaridade com as lnguas semticas. Isto
evidenciado nas afirmaes de Joon & Muraoka (2000:493):
[] com seres vivos os substantivos para o masculino e feminino naturalmente tem a correspondncia de gnero (gnero fsico) [...] Alm dos seres vivos, o gnero metafrico: alguns substantivos so masculinos, por analogia com seres masculinos; os outros so femininos, na analogia de seres femininos.56
Como um membro do grupo lingstico semtico, o hebraico claramente uma
lngua de gnero dicotmico, na qual quase todo substantivo57 e a maioria dos
verbos, alm dos pronomes, so classificados atravs de gnero masculino ou
feminino58. Alm disso, o Tanarr59 reflete uma sociedade na qual os papis de
gnero binrio esto solidamente definidos. De sorte, Joon & Muraoka destacam
que em alguns casos termos masculinos so tratados como femininos quando
56 with living beings the nouns for the male and female naturally have the corresponding gender (physical gender) [] Apart from living beings gender is metaphorical: some nouns are masculine, by analogy with male beings; the others are feminine, on the analogy of female beings. JOON, Paul & MURAOKA, T. A Grammar of Biblical Hebrew: Part Three: Syntax. Roma: Editrice Pontifcio Instituto Bblico, 2000. p. 493. 57Id. Noun gender presents multiple difficulties. The biblical texts allow us to determine the gender of only about half of the noun. 58pronoun, verb [...] are differentiated two genders, masculine and feminine, and these [...] not merely in the third person but in the second as well. BERGSTRSSER, , op. cit., p. 7. 59 Bblia Hebraica, conhecida por ns como Antigo Testamento.
47
fazem referncia ao feminino60. O exemplo a seguir demonstra e confirma a teoria
acima:
" "[...]61 vayelerr shlom arrarey astarot elohey tsodonim vearrarey milkom []
Traduo: E foi Salomo aps Astarot, deusa dos sidnios e aps Milkom [...].
interessante observarmos que elohei usado para Deusas62, quando o uso deste vocbulo concretamente estabelecido dentro do Tanarr (Bblia
Hebraica) como masculino. Isto demonstra que a funo primria do sistema de
gnero sinttica, pois o mesmo um sistema de concordncia que conecta
palavras relacionadas dentro de uma orao.
O hebraico, assim como as lnguas semticas, se conforma com alguns
paradigmas de gnero que podem ser evidenciados por estudos comparativos. Por
exemplo, o gnero no atribui sexo nos seres inanimados, mas apenas o designam
imperfeitamente nos animados. Alm disso, os gneros gramaticais so partes
rudimentares dos sistemas semticos.
Waltke & OConnor destacam que no h razo porque os nomes
inanimados esto num gnero gramatical particular63. Essa incongruncia fica
evidente no contraste de termos hebraicos que designam o mesmo significado,
como o vocbulo giva e Har monte, porm possuem diferentes gneros.
O primeiro refere-se ao termo feminino, enquanto o segundo reporta-se ao
masculino.
60 ...in some cases a masculine is treated as feminine when talking about female.... Veja JOON; MURAOKA. op. cit., p. 494. 61 I Rs 11, 5 62 Ibid. JOON; MURAOKA: Noteworthy is the fact that Hebrew has no proper word for goddess. 63 WALTKE; OCONNOR, op. cit., p. 101.
48
Alguns nomes inanimados assumem simultaneamente dois gneros, como
o caso de dererr caminho na lngua hebraica. Isto pode ser verificado em 1 Rs
13, 10:
pron. sub. pron. sub. fem. fem. masc. masc.
" - -"
vayelerr badererr arrer velo-shav badererr asher ba ba el Beit-El
Traduo: E foi por outro caminho e no voltou no caminho pelo qual viera a
Betel.
No primeiro uso, dererr caracterizado como masculino atravs de
arrer outro, enquanto posteriormente concorda com o feminino. Isto evidenciado
atravs de b nela. Outra caracterstica que podemos assinalar nas lnguas
semticas o uso inverso das marcas de gnero por alguns substantivos quando
flexionado no plural. Contudo, O uso de formas femininas plurais de nomes que se
referem a machos encontrado mais comumente em outras lnguas semticas do
que no hebraico64.
Aronoff (1996)65 aponta que, no hebraico, aproximadamente 80 nomes
masculinos, atualmente, utilizam normalmente o sufixo feminino ot. Dentre estes,
podemos destacar avot. Em contrapartida, so trinta ou mais nomes femininos
que utilizam o sufixo ou desinncia masculina plural im. Para exemplificar isto
recorremos palavra nashim mulheres que, como podemos observar,
apresenta a terminao (marca caracterstica masculina).
Embora haja numerosas excees, nas lnguas semticas, os nomes
masculinos so, como regra geral, no-marcados, enquanto os nomes femininos so
marcados. O feminino marcado por um ou dois sufixos, - (oriundo da forma
arcaica at) e t66. Os sistemas de gneros semticos refletem um trao de um
64 Id. 65 approximately 80 masculine nouns in current use that take the normally feminine suffix ot . [] are thirty or so feminine nouns that take the im plural suffix . ARONOFF, op. cit., p. 76. 66 masculine nouns are, as a general rule, unmarked, while feminine nouns are marked. The feminine is marked by one of two endings, - (bound form at) and t . MCCARTER, P. Kyle Jr.
49
sistema mais antigo de classe nominal67. Para Speiser (1938), o que agora o
formador feminino em semtico comeou como elemento acusativo. O autor observa
que em todas as lnguas semticas o sufixo -(a)t tinha, pelo menos, quatro valores
semnticos e, somente posteriormente, veio apresentar a especializao definitiva
do feminino com objetos animados.
Hebrew In: WOODARD, Roger D. The Cambridge Encyclopedia of the Worlds Ancient Languages. New York: Cambridge University Press, 2004, p.336. 67 Ibidem WALTKE; OCONNOR, op. cit., p. 102
50
4- QUESTES DE GNERO NA LNGUA HEBRAICA
Neste captulo, apresentaremos uma reviso das anlises feitas sobre o
gnero na gramtica da lngua hebraica. Desta forma, faremos algumas abordagens
sobre sua heterogeneidade lingstica e gramatical, buscando pontuar possveis
inadequaes.
4.1- O GNERO NO HEBRAICO
Os estudos que compreendem a gramtica do hebraico correspondem a um
extenso perodo de anlises, com influncias de pocas e estratos lingsticos, mas
representam, no seu todo, uma tendncia, notavelmente, homognea. Isto
particularmente vlido para as vises tradicionais do gnero. Por isto, no nos
referiremos aos autores isoladamente, a no ser para exemplificao e eventuais
diferenas de tratamento. A reviso aqui apresentada tem o objetivo de fazer o
levantamento de aspectos relevantes ao tema estudado, dos conhecimentos
satisfatoriamente elaborados sobre ele, e dos aspectos inadequadamente tratados.
Abordaremos para isso, em primeiro plano, as vises gramaticais tradicionais
da lngua hebraica e, posteriormente, trabalharemos com a heterogeneidade
lingstica e gramatical do gnero apresentado nesta lngua.
Finalmente, nos deteremos a um estudo morfossinttico, demonstrando
possveis incongruncias do gnero, como, por exemplo, a polarizao. Desta forma,
pontuaremos a possibilidade do gnero ser aplicado em diversos nveis como:
lexical, pronomes pessoais, nas inflexes verbais, numerais cardinais, sufixos
pronominais etc.
51
4.1.2- Gramtica hebraica tradicional
A tradio gramatical da lngua hebraica apresenta uma evoluo progressiva
no seu tratamento do gnero, no sentido de pouco a pouco tender caracteriz-lo
como um fenmeno formal, ao invs de semntico. Observamos que os gramticos
mais antigos, ao tentar dar ao gnero uma definio semntica, se deparavam com
as incongruncias entre formas e significados. Podemos citar os estudos de
MCCarter (2004)68 quando explica que o gnero no hebraico corresponde, em
princpio, classificao natural dos seres em machos e fmeas, p.ex. em
me, av pai etc.
Se a lngua fosse lgica, os nomes dos seres que no pertencem a uma
dessas duas classes naturais, como shulrran mesa e erets terra,
deveriam ser neutros69. Mas o uso das lnguas arbitrrio e acaba por atribuir,
tambm, gneros masculinos e femininos a termos semanticamente neutros. Assim,
no binarismo hebraico, shulrran mesa visto como um termo masculino e
erets terra funciona sempre no feminino.
Certamente, por isto Joon & Muraoka (2000) concluem que em hebraico o
gnero s vezes determinado pela significao, e freqentemente s pela
terminao70, mas insistem ainda que estes ltimos consistem numa imitao das
classes naturais71.
Progressivamente, os gramticos, ao se afastarem da definio semntica do
gnero das palavras, abandonaram tambm as aluses figuradas aos sexos das
coisas e dos vocbulos. Passaram a definir o masculino e o feminino como duas
68 As a rule, if the referent of a noun is naturally masculine, the noun will be masculine ( par touro) and if the referent is naturally feminine, the noun will be feminine ( para vaca). MCCARTER, op. cit., p. 336. 69 O gnero neutro no se caracteriza por marcas ntidas, tanto no aspecto formal como no semntico. CMARA JR, J. M. Histria e Estrutura da Lngua Portuguesa. Petrpolis: Vozes, 1972. p.72. 70 [...] gender is often indicated by gender endings. JOON; MURAOKA, op. cit., p. 493. 71 Apart from living beings gender is metaphorical: some nouns are masculine, by analogy with male begins; the others are feminine, on the analogy of female beings. Id., p. 494.
52
classes gramaticais nas quais os vocbulos se distribuem, com funo tambm de
distinguir machos e fmeas nos nomes referentes a seres vivos72.
Os autores observaram que tambm as terminaes dos substantivos nem
sempre trazem informao sobre gnero, e.g. qohelet narrador, layla
noite, nashim mulheres etc. Ento, concluram que o gnero gramatical dos
substantivos deve ser localizado73:
adj. sub. Nos adjetivos74: "- "[...] 75
vayehi-lo nashim sarot
Traduo: E ele tinha mulheres princesas [...]