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Rev Bras Cardiol. 2013;26(2):138-141março/abril

Pfeiffer et al.Eletrocardiograma em cardiomiopatia hipertrófica e CDI

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Variações eletrocardiográficas em paciente portador de cardiomiopatia hipertróficaem uso de CDI

Resumo

A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é uma formarelativamente comum e complexa de doença cardíacagenética, sendo considerada a maior causa de mortesúbita (MS) cardíaca em pessoas jovens, incluindoatletas, respondendo por 36% dos casos em jovensatletas nos Estados Unidos (EUA). O implante decardioversor-desfibrilador (CDI) tem demonstrado altaeficácia na prevenção desse evento. Para avaliaçãodiagnóstica da CMH, o eletrocardiograma (ECG)representa ferramenta bastante útil, pois se encontraalterado em 75% a 95% dos casos clínicos. Após oimplante do CDI, como demonstrado no caso relatado,são observadas variações no ECG que podem explicar amudança benéfica na fisiopatologia obstrutiva da CMH.

Palavras-chave: Cardiomiopatia hipertrófica;Desfibriladores implantáveis; Eletrocardiograma

Maria Eulália Thebit Pfeiffer1, Dirson de Castro Abreu1, Lilian Stewart1, Monica Celente1, Washington Maciel2

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Abstract

Hypertrophic cardiomyopathy (HCM) is a relativelycommon and complex genetic heart disease, ratedas main cause of sudden cardiac death (SCD) inyoung people, including athletes, accounting for 36%of these cases in young athletes in the United States(USA). IDC implants have proved highly effective forpreventing such events. For diagnostic evaluationsof CMH, the electrocardiogram (ECG) is a very usefultool, being altered in 75% to 95% of clinical cases.After an ICD implant, as demonstrated in this casereport, variations in the ECG are noted that couldexplain the beneficial alteration in thepathophysiology of obstructive HCM.

Keywords: Hypertrophic cardiomyopathy;Defibrillators, implantable; Electrocardiogram

Dados clínicos

Paciente masculino, 15 anos, portador de CMH,sintomático, com hipertrofia septal de 2,5 cm aoecocardiograma e gradiente obstrutivo de 105 mmHgem via de saída de ventrículo esquerdo (VSVE), foimedicado com propranolol e verapamil (Figura 1). Porse manter com sintomas de dispneia e palpitações epor apresentar aumento progressivo da hipertrofiacom 3,2 cm de septo (Figuras 2A e 2B), foi submetido aimplante de CDI. Houve melhora das queixas, comredução do gradiente da VSVE, apesar da hipertrofia.Os eletrocardiogramas evolutivos mostram variações

pela mudança fisiopatológica da CMH (Figuras 3 e 4)e os registros do CDI mostram a emissão de choqueapropriado em momento de taquicardia ventricularsustentada (Figura 5).

Eletrocardiograma basalEletrocardiograma pré-implante de CDI. Ritmosinusal regular; FC =73 bpm; QRS =0,06 s; SAQRS+70°; alterações secundárias na repolarizaçãoventricular anterolateral e lateral alta; R alta em V1;q em V5 e V6 com R amplas traduzindo hipertrofiaventricular esquerda (Figura 1).

ImagemCardiovascular

Electrocardiographic changes in patients with hypertrophic cardiomyopathy using ICD

1Serviço de Cardiopediatria - Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil2Serviço de Arritmia e Eletrofisiologia - Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC) - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Correspondência: Maria Eulália Thebit PfeifferInstituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (IECAC)Rua Davi Campista, 326 - Humaitá - 22261-010 - Rio de Janeiro, RJ - BrasilE-mail: eulaliatp19@gmail.com

Recebido em: 21/07/12 | Aceito em: 03/01/13

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Figura 1Traçado eletrocardiográfico basal previamente ao implante de CDI.

Figura 3Traçado eletrocardiográfico após implante de CDI.

Figuras 2 A e 2BImagens do ecocardiograma.

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ECG (conforme registrado pelo aparelho), oeletrograma ventricular e atrial (CDI atrioventricular)e o canal de marcas com a codificação dos eventosconforme diagnosticados pelo algoritmo do CDI(eventos sentidos como taquicardia ventricular,fibrilação ventricular, ruído, terapia elétrica ou choque,bem como os intervalos RR em milissegundos). Nestecaso observa-se arritmia ventricular rápida que foisentida como "zona de fibrilação ventricular" eprontamente revertida através de choque.

Comentários

Trata-se de adolescente encaminhado a atendimentoespecializado motivado pela presença de soprocardíaco e sintomas de dispneia aos esforços epalpitações. O ECG basal mostrou hipertrofiaventricular esquerda com alterações secundárias darepolarização ventricular e no ecocardiograma foiobservada expressiva hipertrofia ventricularesquerda, com predomínio septal de 2,5 cm deespessura.

Figura 5Cardioversão de episódio de taquicardia ventricular sustentada. Traçado nos diversossítios de registro: A - atriventricular; B - atrial; C - ventricular

EcocardiogramaEvidência de expressiva hipertrofia do VE comgradiente obstrutivo dinâmico na VSVE de 76 mmHg(Figuras 2A e 2B).

Traçados eletrocardiográficos após implante deCDINa Figura 3, eletrocardiograma em N/2, apresentandoondas P de baixa amplitude (ritmo idioatrial) eativação ventricular que surge na ponta de VD (padrãoR1, S2 e S3). A ativação ventricular se deve àestimulação ventricular pelo CDI.

No traçado da Figura 4, o ECG apresenta ritmosinusal, com HVE, mas a ativação ventricular mudacompletamente. O AQRS agora é -60° e o intervalo PRé mais curto. A estimulação ventricular anormal sedeve à fusão entre a ativação normal e a ativaçãoventricular pelo CDI (Figura 4).

Registro armazenado do HolterNa Figura 5, a impressão inclui uma derivação de

Figura 4Traçado eletrocardiográfico após implante de CDI.

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Foi medicado com propranolol 160 mg/dia, tendoapresentado melhora temporária. Com o retornodos sintomas, mesmo após associação de verapamil240 mg/dia, houve aumento da espessura septal para3,2 cm e persistência de sintomas, sendo entãoindicado implante de CDI. Após esse procedimento,houve melhora das queixas, com redução do gradienteda VSVE, apesar da hipertrofia. A melhora dogradiente deveu-se à dessincronia na contraçãoventricular, induzida pela estimulação ventricularartificial a partir da ponta do VD.

Os eletrocardiogramas evolutivos mostraramvariações no modo de ativação ventricular,alternando estimulação pelo eletrodo ventricular, emponta de VD (Figura 3) e pelo sistema de conduçãonormal (Figura 4). Os registros, armazenados, do CDImostraram a aplicação de choque apropriado emepisódio de taquicardia ventricular sustentada(Figura 5).

Em relação à CMH, descrita inicialmente em 1958,trata-se de uma doença que se caracteriza porhipertrofia miocárdica de distribuição, sobretudoassimétrica, envolvendo preferencialmente oventrículo esquerdo (VE), com função sistólicapreservada e relaxamento diminuído, apresentandodesarranjo das fibras musculares cardíacas1-3.Caracteriza-se por ser uma entidade complexa, comvasta gama de manifestações morfológicas efuncionais, ocorrendo em graus e localizaçõesdiversas4,5. A CMH é considerada a maior causa deMS cardíaca em pessoas jovens, principalmenteatletas, respondendo por 36% dos casos em jovensatletas nos EUA6.

Nos pacientes com manifestação clínica, asalterações eletrocardiográficas ocorrem em 75% a95% dos casos e o ecocardiograma mostra o aumentoda espessura do VE desde leve (13 mm a 15 mm) atéimportante (30 mm), de distribuição principalmenteassimétrica1-3,5-7.

Apesar de apresentação predominantemente nãoobstrutiva, a hipertrofia pode comprometerintensamente a região do septo interventricular,gerando um gradiente obstrutivo ao fluxo no trato desaída esquerdo e, assim, causar isquemiasubendocárdica, aumentando ainda mais o risco demorte súbita. Muitos pacientes permanecemassintomáticos, outros desenvolvem insuficiênciacardíaca grave e fibrilação atrial, e alguns morremsubitamente, ainda jovens, por arritmia grave1-3,6,7.

O tratamento farmacológico se baseia, principalmente,na utilização de betabloqueadores, com o objetivo dereduzir a frequência cardíaca e o gradiente obstrutivo.Quando não há boa resposta terapêutica, ou empacientes de maior risco, há opções de miotomia,alcoolização septal e implante de CDI. O CDI, quandoadequadamente indicado, tem-se mostrado como boaopção na prevenção de MS nessa população,contribuindo também para a melhora dos sintomas,como demonstrado neste caso1-3,5,8,9.

Potencial Conflito de InteressesDeclaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Fontes de FinanciamentoO presente estudo não teve fontes de financiamentoexternas.

Vinculação AcadêmicaO presente estudo não está vinculado a qualquerprograma de pós-graduação

Referências

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