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Cynthia Macedo Dias
Imagens em apostilas didáticas no olhar do professor:relacionando Design e Educação
Monografia
Departamento de Artes e Design
Curso de especialização "O Lugar do Design na Leitura:multimeios, interatividades e visualidades"
Orientadora: Jackeline Lima Farbiarz
Rio de JaneiroNovembro de 2009
Direitos autorais
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho
sem autorização do autor, do orientador e da universidade.
Perfil
Cynthia Macedo Dias
Graduou-se em Comunicação Social – Jornalismo na PUC-Rio (Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro) em 2006. Cursou Cinema como segunda
habilitação, concluindo em 2008. Trabalhou com diagramação e ilustração de
material didático impresso para empresas como Laborativa Educacional e
SENAC-Rio. Trabalha na construção de cursos online na Dataprev – Empresa de
Tecnologia da Informação da Previdência Social – desde maio de 2009.
Agradecimentos
A toda a equipe da pós Lugar do Design na Leitura – multimeios e
visualidades, por acreditarem na concepção e realização de um curso tão rico e
múltiplo e por terem recebido o nosso heterogêneo grupo de alunos com enorme
vontade de compartilhar idéias e conhecimentos, ensinar e aprender.
À minha orientadora Jackeline, por clarear os caminhos e me fazer
reconhecer o verdadeiro sentido da palavra “orientação”.
Aos professores entrevistados e aos donos do curso, pela disponibilidade e
abertura.
Aos meus pais, amigos e ao Augusto, pela paciência e apoio, em todos os
momentos.
Resumo e palavras-chave
Imagens em apostilas didáticas no olhar do professor: relacionando
Design e Educação
No Brasil, os livros didáticos são a base do trabalho docente, ainda focado
no conteúdo fabular (textual). Muitos professores relatam seu despreparo para a
análise crítica das imagens do livro didático e sua utilização como ferramenta de
ensino. Enquanto isso, estudos sobre o papel do livro didático e de suas imagens
convergem para a conjugação de duas formas de linguagem – fabular e icônica
(imagética) – nas estratégias de ensino, e a necessidade da atuação dos professores
como agentes mediadores da leitura de imagens. Este trabalho partiu da
experiência da autora como revisora, designer e ilustradora na produção de
material didático de um curso preparatório para concursos ao 6º ano, e teve como
objetivo analisar as apostilas construídas, a relação dos professores com o projeto
gráfico e ilustrações e os usos e apropriações das imagens realizados por eles no
processo de ensino-aprendizagem. A pesquisa baseou-se em entrevistas com os
professores que utilizaram o material, analisadas de acordo com a incidência de
termos relevantes no seu discurso, associadas à formação e experiência de cada
um. Os resultados demonstraram que os professores estavam mais conscientes de
seu papel como mediadores da linguagem fabular do que da icônica. A fala deles
mostrou uma valorização de recursos alternativos, “concretos”, “lúdicos”, e um
grande potencial de trabalho com as imagens, que não parece ser exercido de
forma consciente, nem completa. Assim, este trabalho identifica um espaço para a
construção de materiais alternativos, destaca o potencial das imagens para o
aprendizado e do professor como mediador dessa leitura.
Palavras-chave: Imagem, professor, leitura, material didático, design,
educação.
Índice
Lista de Figuras .......................................................................................................6Introdução ............................................................................................................71.Livro didático: palavra, imagem e ação .............................................................142.O processo de produção: diálogo entre autores ..................................................233.As apostilas do curso “X”, antes e depois ..........................................................284.Três professores, três visões ...............................................................365.Conclusões ...............................................................526.Bibliografia ...............................................................56
Lista de Figuras
Tabela 1 – Perfil dos professores...........................................................................11Figura 1 – Modelo de produção emissor receptor ............................................25Figura 2 – Modelo de produção emissor receptor (com retroalimentação)......26Figura 3 – Modelo de produção no curso X ..........................................................26Figura 4 – Exemplo de conjunto (antes)................................................................30Figura 5 – Trabalhadores e matemáticos egípcios (antes).....................................30Figura 6 – Numerais Romanos (antes) ..................................................................30Figura 7 – Exemplo de conjunto (depois) .............................................................30Figura 8 – Trabalhadores e matemáticos egípcios (depois) ..................................31Figura 9 – Numerais Romanos (depois) ................................................................31Figura 10 – Capa (antes)........................................................................................32Figura 11 – Diagramação (antes) ..........................................................................32Figura 12 – Capa (depois) .....................................................................................33Figura 13 – Índice (depois)....................................................................................33Figura 14 – Diagramação (depois) ........................................................................34Figura 15 – Diagramação (depois) ........................................................................34Figura 16 – Relação volume/capacidade...............................................................47
Introdução
Estudos nas áreas do Design e da Comunicação já demonstraram que a
apreensão de informações e o envolvimento do receptor são maiores quando a
mensagem transmitida estimula mais de um sentido. Cada vez mais, percebemos
que essa premissa também pode ser aplicada à Educação.
Richard Felder (2005), pensador da Educação que desenvolveu uma teoria
de Estilos de Aprendizagem, defende que cada aluno possui diferentes maneiras
de aprender. Frente à impossibilidade de ensinar individualmente cada aluno
segundo suas preferências de aprendizagem, e à ineficácia de utilizar uma só
maneira de ensinar, Felder defende o ensino que agrega diferentes estratégias para
potencializar o aprendizado. Um dos eixos que ele estuda é a diferença entre
alunos de orientação mais “verbal” – que aprendem melhor recebendo
informações via linguagem fabular – e alunos de orientação mais “visual” – que
aprendem melhor recebendo informações via linguagem icônica.
Na forma tradicional de ensino, o professor explica a matéria (audição e
visão), escreve no quadro (visão) e os alunos lêem um texto impresso ou copiam
(visão e tato). A leitura de textos escritos (linguagem fabular) utiliza, diretamente,
o sentido da visão e o do tato (e, indiretamente, o da audição, pois geramos um
som “mental” a partir das palavras lidas).
Conforme a orientação moderna de design de suportes impressos, o “bom
design” é “transparente” ao leitor e não chama a atenção para si, priorizando a
legibilidade, a rapidez de leitura do signo verbal, o que leva, muitas vezes, à falta
de preocupação em relação a esse aspecto, principalmente por parte de
professores/leitores e dentro dos parâmetros de análise de livros didáticos.
Na medida em que parecem chegar à consciência do leitor instantaneamente, há uma impressão de que particularidades relativas à grafia não têm relevância. A pretensa invisibilidade da palavra escrita se relaciona com a passagem automatizada do visual ao sonoro que se dá através do aprendizado da leitura e escrita. (GRUSZYNSKI, 2007, p.21)
Além de transmitir informações verbais, o texto impresso é um conjunto de
manchas gráficas num suporte, cuja apresentação visual precisa ser pensada e
trabalhada segundo o público-alvo e a finalidade do objeto.
Se o design de livros didáticos segue essa orientação moderna, o sentido da
visão, para ser mais provocado e estimulado, dependerá de haver pontos, linhas,
Introdução 8
massas e cores – constituintes das imagens e grafismos, textos icônicos – como
acompanhantes do texto escrito.
Esses estudos convergem para a orientação de conjugar as duas formas de
linguagem – fabular e icônica – nas estratégias de ensino, a fim de potencializar o
aprendizado. Coelho (2008) ressalta a importância da mediação para que as
imagens atinjam o seu potencial, no uso em sala de aula:
(...) mesmo as imagens figurativas e realistas em páginas dos livros de História, costumeiramente abordadas como meras ilustrações do que relata o texto impresso – este sim encarado como a parte principal pela didática tradicional –têm o potencial de especificar detalhes de significado segundo seu modo de representação, decodificação e uso. A imagem tem peculiaridades assim como a escrita alfabética, cujos sistemas de produção de sentido têm maior ganho neste ou naquele aspecto, dependendo da habilidade do autor de um e de outro, assim como do docente no momento do uso em sala de aula. (p.5, grifos do autor)
Dessa reflexão segue a importância de estudar, além do conteúdo escrito dos
materiais didáticos, como linguagem verbal, também seu papel como signos
visuais e as imagens em si, sob seus aspectos de criação, mediação e apropriação.
Na maior parte das salas de aula hoje, no Brasil, os livros didáticos são a
base do trabalho docente, e as práticas de ensino vinculadas a esse recurso ainda
se baseiam no conteúdo fabular. Alguns professores utilizam as imagens dos
livros didáticos como instrumentos em suas aulas, integrando-as à situação de
aprendizagem, mas isso não parece representar a maioria, nem esse aspecto
costuma ser desenvolvido nos cursos de formação de professores, pelo menos em
nível de graduação1. Parece que a denominação “livro-texto”, comumente
utilizada na descrição de livros didáticos, na prática termina por se conjugar ao
esquecimento da característica da imagem como texto visual, e restringe a
utilização pedagógica dos livros ao seu conteúdo fabular. Apesar disso, nos
sentimos embasados pelo trecho da apresentação da Coleção Explorando o Ensino
– Matemática, oferecida gratuitamente pelo MEC em seu Portal:
1 Existem algumas iniciativas nesse sentido no âmbito da formação continuada. A Coleção Explorando o Ensino – Matemática – ensino fundamental, oferecida gratuitamente no portal do Ministério da Educação, integra imagens, inseridas na realização de atividades lúdicas e de contextualização de conceitos matemáticos, mas não discute a apropriação e interpretação de imagens pelos professores. O curso online Mídias na Educação, disponível também no Portal do MEC (http://www.webeduc.mec.gov.br/midiaseducacao/) para consulta e direcionado a professores da rede pública, oferece um módulo sobre “Linguagem da mídia impressa: escrita e visual” e outro sobre “A imagem na mídia impressa”, ambos no ciclo Avançado.
Introdução 9
É importante que o professor tenha consciência de que o aprendizado daMatemática no ensino fundamental não pode ser alcançado apenas com atividades lúdicas e agradáveis, mas acreditamos que permear as aulas usuaiscom aulas diferentes e motivadoras pode ser um diferencial no despertar dos alunos para a beleza da Matemática e para a sua utilização prática, cada vez mais indispensável no nosso mundo atual.2
Esta pesquisa foi fomentada por questionamentos levantados por
professores - majoritariamente de língua materna e estrangeira, das mais diversas
origens e realidades - durante palestras do II SILID/SIMAR (2008, PUC-Rio)3, a
respeito do seu despreparo para uma leitura das imagens do livro didático, uma
análise crítica das imagens desses livros, e a sua utilização como conteúdo de
ensino.
Quando participei do II SILID/SIMAR, havia acabado de assumir os papéis
de revisora, designer gráfica e ilustradora na equipe de produção do material de
Matemática de um curso preparatório para concursos de admissão ao 6º ano4. O
contato direto com os atores envolvidos (os próprios professores do curso) gerou a
vontade de investigar se a relação desses professores com o material produzido –
e com a linguagem icônica presente nesse material – seguia a tendência dos casos
testemunhados durante os Simpósios.
Assim, tomei como objetivos da presente pesquisa estudar as apostilas de
Matemática desenvolvidas para o curso – não apenas em seu conteúdo fabular,
mas essencialmente em seu conteúdo icônico –, a relação dos professores com o
projeto gráfico e as ilustrações desse material e os usos e apropriações que possam
ter sido realizados, a partir das imagens, no processo de ensino-aprendizagem.
Para investigar esses temas, entrevistei os três professores que tiveram
contato com o material estudado, no próprio curso, após o horário das aulas. As
perguntas buscaram averiguar os conceitos dos professores no que se refere: ao
peso do material impresso em relação a outros materiais; aos lugares do designer
gráfico na produção de materiais didáticos impressos e à presença da linguagem
fabular e icônica nesses materiais.
Acreditamos que esta pesquisa pode, ao dar pistas sobre a postura dos
professores frente à linguagem icônica e a relação entre sua formação acadêmica e
2 Secretaria de Educação Básica/MEC, 2004, p.73 II Simpósio sobre o Livro Didático de Língua Materna e Estrangeira e I Simpósio sobre Materiais e Recursos Didáticos.4 Não identificamos o curso nem os professores que nele trabalham, por solicitação dos próprios, por questões de privacidade e sigilo comercial.
Introdução 10
sua prática pedagógica, auxiliar a construção de uma consciência crítica em
relação ao processo de produção de material didático impresso no caso estudado e
propiciar melhorias no processo citado e uma reflexão sobre as necessidades de
formação dos professores em relação à linguagem icônica.
O curso existe desde 2002, está localizado na Tijuca – zona Norte do Rio de
Janeiro –, é particular e atende alunos das classes C e D, principalmente. Prepara
alunos para o acesso ao 6º ano e para o acesso a escolas militares, como o Colégio
Naval. Nos concursos para o 6º ano, muitos colégios exigem conhecimentos não
só do primeiro ciclo do ensino fundamental, como também do 6º e 7º anos, séries
iniciais do segundo ciclo.
Os donos do curso são um casal de professores, que, além de administrá-lo,
dão aulas e produzem seu próprio material. A professora “P” leciona Língua
Portuguesa e o professor “M1”, Matemática. O curso tem mais uma professora de
Matemática, “M2”, que também participou deste trabalho por ter utilizado as
apostilas com os alunos do curso. Apresentamos a seguir um quadro-resumo dos
perfis dos três professores.
Introdução 11
ProfessorIdade
DisciplinaLicenciatura plena e Bacharelado em Ciências Físicas e Biológicas
Licenciatura plena e Bacharelado em Português/Inglês
Administração de Empresas
Licenciatura em Matemática
Licenciatura em Matemática
UERJ UFF UFRJ UFF UFRJ1978 1988 1983 em curso 1975Dinâmica da e na sala de aula
Especialização em Análise de Sistemas
Docência Superior
UFF LABO Faculdade Bethencourt da Silva
1994 1985 década de 1990
Elaboração de um livro "Pensando e usando matemática" para ensino médio - projeto "TRI"
Curso de Tecnologia e Gestão Educacional (com Vasco Moretto)
Cesgranrio e Fundação Ford
SENAC Rio
1998 2003Professor Professor,
coordenador (muitos papéis)
Professor, coordenador (muitos papéis)
Professor Professor
Rede pública - estadual
Curso X Curso X Rede pública - municipal
Rede pública - estadual
1998 - 2007 2002 - na ativa 1992 - na ativa 1976-2000 1976 - na ativaProfessor ProfessorRede privada - Colégio Batista Shepard
Curso X
1992 - na ativa 2008 - na ativa
P M1 M256 anos
MatemáticaPortuguês50 anos
Matemática51 anos
Experiência profissional
Graduação
Outros cursos (em Educação e Pedagogia)
Pós-Graduação
Tabela 1 – Perfil dos professores
Por atender uma necessidade educacional bastante específica, o curso está
inserido em um mercado de concorrência acirrada, no qual cada material entregue
pelas instituições de ensino aos alunos pode se tornar uma “arma” nas mãos dos
concorrentes em poucas horas, e reduzir a vantagem relativa dos alunos daquela
instituição.
O material didático utilizado, desde a inauguração do curso, sempre foi
composto por apostilas e folhas soltas de exercícios, desenvolvidos pelos próprios
professores, desde a produção do conteúdo até a impressão e reprodução,
passando pela diagramação e seleção de imagens. Ao longo do tempo, os donos
do curso (professores “P” e “M1”) identificaram que alguns concorrentes e
instituições de ensino regular começaram a investir no tratamento visual de seus
materiais impressos, e perceberam que estavam ficando defasados nesse aspecto,
apesar de considerarem seu conteúdo e metodologia de ensino como diferenciais.
Introdução 12
Sentiram, então, a necessidade de procurar um designer para produzir uma
mudança no seu material, tornando as apostilas mais bonitas, atrativas e fazendo
com que elas contribuíssem, de alguma forma, no aprendizado dos alunos.
Além disso, um material visualmente interessante, que demonstrasse ter sido
bem cuidado, diminuiria a possibilidade de uma predisposição negativa dos pais
em relação ao curso, já que as apostilas têm um custo e sua aquisição é obrigatória
para o acompanhamento das aulas.
Entendemos as apostilas como uma possibilidade de livro didático partindo
da esfera com a qual Magda Soares (2002) cunha o termo – como fonte de
economia do tempo de planejamento de aula e de atividades, fruto do aumento da
clientela das escolas e da piora das condições de trabalho dos professores. Por
esse motivo, utilizaremos os Guias do Plano Nacional do Livro Didático, que
contêm critérios validados pelo MEC, como referência para o estudo das apostilas
na presente pesquisa.
Dessa forma, na segunda seção, refletimos sobre o papel do livro didático
no aprendizado, tomando emprestados conceitos de Magda e de outros autores,
como Dante (1996), Barreto & Monteiro (2008), Freitas & Ortigão (2008). Os
autores citados apresentam pesquisas que demonstram a importância do material
impresso para o aprendizado.
Eles discutem o papel do livro didático como roteiro básico para o trabalho
do professor, uma possibilidade de sistematização dos conteúdos e recurso de
economia de tempo no planejamento das aulas. Ressaltam, ainda, a importância de
o professor fazer com que sua prática pedagógica transcenda esse “roteiro-livro”,
adaptando-o às necessidades específicas do seu público, evitando tornar-se refém
de um material muitas vezes desenvolvido num centro de produção para ser
utilizado em todo o país, em regiões com peculiaridades culturais.
Com esse entendimento, em seguida, colocamos em pauta o papel das
ilustrações no livro didático, tomando como referência as diretrizes definidas pelo
governo brasileiro para esse tipo de material, materializadas no Plano Nacional do
Livro Didático – PNLD. Mantemos em perspectiva, como dito acima, que uma
apostila produzida para um público restrito tem características que a diferenciam
de um livro didático, feito para atingir milhares de alunos.
Descrevemos, na terceira seção, o processo de produção da apostila em
foco, comparando-o com outros processos de produção de material didático, com
Introdução 13
destaque para os agentes mediadores da leitura presentes em cada um desses
processos.
Na quarta seção, analisamos as apostilas para apresentar as diferenças entre
o material utilizado antes da contratação da designer e o material resultante do
desenvolvimento do projeto gráfico. Descrevemos as decisões de design tomadas
durante o projeto, em função das solicitações dos professores, a partir dos
objetivos a que o curso se propõe e do conceito que os professores tinham a
respeito do seu público-alvo.
Na quinta seção, analisamos as entrevistas realizadas com os professores, de
acordo com a incidência de termos relevantes no seu discurso, em associação com
informações referentes à formação e experiência profissional de cada um, para
buscar pistas sobre a postura deles frente às imagens e o projeto gráfico das
apostilas, procurando em seus perfis indicações de fatores que podem estar
ligados a essas posturas.
Na conclusão, refletimos sobre o caminho percorrido, destacando nosso
aprendizado em relação ao olhar dos professores, ao potencial que existe na sua
prática pedagógica e à necessidade de diálogo entre Design e Educação na
produção de materiais didáticos impressos. Lembramos as expectativas iniciais da
pesquisa e as confrontamos com a realidade que encaramos. Confirmamos e, em
alguns casos, excedemos nossas expectativas no que concerne à relação dos
professores com a imagem e à variedade de perfis que podem existir, mesmo num
ambiente reduzido como o curso X.
2. Livro didático: palavra, imagem e ação
Para investigarmos a relação dos professores do curso com as imagens e o
projeto gráfico dos materiais desenvolvidos, primeiramente identificamos o lugar
do livro didático na prática docente hoje no Brasil e no caso particular que
estudamos.
Após essa investigação, discutimos a linguagem icônica presente nesse
material – primordialmente, em forma de ilustrações. Lembramos a evolução
dessa linguagem no livro didático no Brasil e suas possibilidades de apropriação
pelo professor, esteja ela presente no livro didático ou em outros materiais que
participam do dia-a-dia na sala de aula.
2.1. O livro na sala de aula
Em pesquisa informal realizada durante a oficina de análise e seleção de
livro didático no II SILID/SIMAR (2008, PUC-Rio), cerca de 20 professores
afirmaram que o livro didático não é o único suporte de ensino, mas, apesar do
avanço do uso das novas tecnologias na educação, ainda é a base sobre a qual
podem desenvolver atividades acadêmicas diversas. Em linhas gerais, a oficina
demonstrou que o livro ora é visto como instrumento complementar na prática
pedagógica, ora como instrumento exclusivo e definitivo, às vezes até restritivo.
Freitas & Ortigão defendem que a utilização do livro didático potencializa o
aprendizado e minimiza as diferenças entre os desempenhos de alunos de
diferentes características socioculturais. Para isso, as autoras baseiam-se em
pesquisas desenvolvidas no Laboratório de Avaliação da PUC-Rio com os dados
do SAEB 2003 (Matemática – 4ª série), que indicou que “a utilização de recursos
didáticos, entre eles o livro didático, produz um aumento sobre a proficiência em
Matemática dos alunos” (FREITAS & ORTIGÃO, 2008, p.7). Outra pesquisa
significativa é a dissertação de mestrado de Oliveira (In: FREITAS & ORTIGÃO,
2008), que analisou os dados coletados pelo Estudo Longitudinal da Geração 2005
(GERES 2005). A pesquisa, realizada com 3454 alunos do segundo ano do ensino
fundamental (à época, ainda chamada primeira série) das redes municipal, privada
e federal do Rio de Janeiro e seus professores, mostrou que “as turmas nas quais o
livro didático foi utilizado aprenderam, em média, mais do que as turmas que não
tiveram a oportunidade de usar esse recurso.” (2008, p.6)
Livro didático: palavra, imagem e ação 15
Magda Soares5 explica que o livro didático sempre existiu, porém sua
presença se dava na forma de antologias, gramáticas e livros de consulta, que não
direcionavam a prática do professor. Segundo a autora, o livrou ganhou espaço no
cotidiano do professor a partir dos anos 60, na mesma medida em que a clientela
das escolas aumentava e as condições de formação e trabalho pioravam. Na
verdade, os professores passaram a cumprir extensas cargas horárias e a atender
muitas turmas, reduzindo o tempo disponível para o planejamento de aulas e o
desenvolvimento de atividades e ferramentas complementares ou alternativas.
Com isso, o livro didático assumiu papel preponderante como fonte de economia
do tempo de planejamento de aula e de atividades.
Hoje, em muitos casos, o livro é a única bibliografia disponível,
funcionando como garantia da abordagem dos conteúdos e do desenvolvimento
das competências definidos pelos planos curriculares, tendo em vista a extensão
do território brasileiro. Além disso, ele cumpre o papel de orientar os docentes
quanto aos objetivos fundamentais de aprendizagem a serem alcançados, aos
conteúdos essenciais a serem desenvolvidos e às metodologias e estratégias de
ensino a serem utilizadas (DANTE, 1996).
Os PNLDs de Matemática consultados para este trabalho (2007/2008)
destacam que os livros didáticos têm, em relação ao professor, as funções de:
: auxiliar no planejamento e na gestão das aulas, seja pela explanação de conteúdos curriculares, seja pelas atividades, exercícios e trabalhos propostos;
: favorecer a aquisição dos conhecimentos, assumindo o papel de texto de referência;
: favorecer a formação didático-pedagógica;
: auxiliar na avaliação da aprendizagem do aluno.
Para Barreto & Monteiro, “o livro didático tem importância na prática
pedagógica diária por ser suporte teórico e prático para o aluno, instrumento de
apoio para o professor e por constituir uma organização possível do conteúdo a
ser ensinado. Trata-se de uma forma de sistematização dos conteúdos a serem
trabalhados em sala de aula” (2008, p. 2). Apesar disso, segundo elas, ele deve ser
adaptado pelo professor à realidade das suas turmas, e não, numa concepção
5 Entrevista ao programa Um Salto para o Futuro – disponível em http://www.tvebrasil.com.br/SALTO/entrevistas/magda_soares.htm – acessado em 15/03/2009
Livro didático: palavra, imagem e ação 16
instrucionista de educação, ser tomado como um roteiro pronto e definitivo para a
condução das aulas.
Roxane Rojo (2005), em artigo para o programa Salto para o Futuro6 que
discute a utilização do livro na sala de aula, apresenta o conceito de livro didático
como discurso de autor em gênero didático, ou seja, o livro que parte de um:
(...) projeto didático autoral, dirigido a certos professores e certo alunado, a certo tipo de processo de ensino-aprendizagem e não a outro, e que implica uma posição do autor sobre o que ensinar, como ensinar, a quem ensinar, para que e quando etc. Este projeto autoral é, inclusive, responsável pela seleção deste ou daquele “conjunto de textos migrados” de outros campos da vida social.
No caso de uma instituição de ensino regular, tratar o livro como discurso
de autor envolveria considerar o seu projeto pedagógico (em relação aos
conteúdos e à metodologia adotada) e compará-lo com o projeto de ensino situado
do próprio professor, de acordo com as necessidades de ensino e as possibilidades
de aprendizagem dos alunos com quem ele lidará. No curso “X”, como ocorre em
algumas escolas, esse caminho foi encurtado, pois os próprios professores
desenvolveram o material, selecionaram os conteúdos e determinaram a
metodologia, segundo sua experiência de trabalho nesse contexto, de ensino
preparatório de alunos dessa faixa etária para esse tipo de concurso.
Uma apostila, principalmente no presente caso, em que estrutura e conteúdo
foram desenvolvidos pelos próprios professores, já possui como características
intrínsecas a adequação (no mínimo, de conteúdos e estratégias metodológicas) a
um público específico e exerce as funções de roteiro das aulas, para o professor, e
resumo do conteúdo, para os alunos.
Porém, através das conversas com os professores, percebemos que, pelo
aspecto comercial do curso, as apostilas não contêm todos os detalhes do
conteúdo. Servem como resumo do conteúdo e caderno de exercícios, mas os
detalhes e “pulos do gato”, nas palavras do professor “M1”, são explicados
durante as aulas e anotados pelos alunos em seus cadernos. A partir dessa
constatação, acreditamos que aumenta a importância do estudo da imagem no
livro didático e do levantamento da relação dos professores com as imagens, que,
6 O artigo faz parte da bibliografia do curso “Mídias na Educação”, oferecido através do ambiente e-ProInfo para professores da rede pública, uma das iniciativas do Governo Federal para a formação continuada de professores.
Livro didático: palavra, imagem e ação 17
por meio do trabalho deles, poderiam enriquecer a experiência de aprendizado dos
alunos sem comprometer a segurança das estratégias de ensino.
2.2. A imagem no livro didático e a ação do professor
Enquanto o livro didático se fazia presente apenas na forma de antologias,
gramáticas e livros de consultas, o lugar da imagem na sala de aula ficava
praticamente restrito aos mapas dos grandes Atlas, fechados nas gavetas dos
professores. As antologias e gramáticas eram acompanhadas, quando muito, de
cartazes e cartilhas. Com a reforma da educação, nos anos 60/70 do século XX, a
piora nas condições de trabalho do professor e a mudança do perfil
socioeconômico do alunado, os livros didáticos constituíram-se como tais,
incorporando, de certa forma, “uma soma do que antes era a aula do professor e a
consulta do aluno a obras de referência e a antologias” (ROJO, 2005). Com o
tempo e as reformas educacionais, os livros didáticos se modificaram e
começaram a conviver, nas escolas, com livros paradidáticos, jornais, revistas,
murais, entre outros. A imagem fotográfica e a ilustração passaram a povoar os
materiais que circulavam na escola, oferecendo novas possibilidades e estratégias
de aprendizagem, já que:
(...) na ilustração, geralmente, predomina o figurativo, referindo modelos da natureza ou figuras fantásticas oriundas do imaginário. A natureza figurativa é de reconhecimento rápido e permite ao leitor estabelecer conexões com o mundo e elaborar redes interpretativas. (RAMOS & PANOZZO, 2004)
Como afirma John Berger, “ver precede as palavras. A criança olha e
reconhece, mesmo antes de poder falar.” (1999, p.9). Os primeiros livros da
criança são recheados de imagens, quando não se constituem somente delas. Não
restritos por legendas, estes funcionam como “portas para os mais diversos
mundos que permitia nossa imaginação”*. (COELHO, 2008, p.1)
Nos anos de 1960, popularizou-se a televisão. Nas décadas de 1980 e 1990,
os videogames e a internet se desenvolveram, rapidamente cresceram e seguem se
modificando. A cada ano, novos suportes digitais surgem e estimulam a percepção
de crianças e jovens, notadamente a visual, pelo contato constante com telas que
oferecem informações nas mais variadas formas.
Em relação ao seu lugar no livro infantil não-didático, a ilustração foi cada
vez mais ocupando o lugar que tem hoje: o de uma linguagem paralela à do texto, * Grifos do autor.
Livro didático: palavra, imagem e ação 18
que deve ser tratada como tal, ponto para o qual convergem as opiniões de muitos
pensadores e produtores contemporâneos de ilustração infantil. Segundo Ana
Lúcia Brandão, a ilustração “é uma linguagem que dialoga com a linguagem
verbal. Ela apresenta diferentes possibilidades de leitura de um mesmo texto.”7
Ana Paula Zarur complementa: “as imagens escolhidas para ilustrar
determinado texto são enunciados visuais utilizados pelo emissor como
instrumento de determinadas ações comunicativas, convencionadas com o
receptor” (1997, p.9). Ou seja, a ilustração é linguagem, é comunicação. É
tradução do texto e extrapola o texto. É reflexo da união dele com a subjetividade
do ilustrador, sua cultura, sua memória, seu contexto histórico.
A imagem, de um ponto de vista mais prático, também ajuda a “dar corpo
ao livro, (…) dar mais consistência física à obra, possibilitando uma melhor
formatação e venda do produto final” (LINS, 2006).
A presença das ilustrações no livro infantil pode assumir diferentes funções,
segundo o estudo realizado por Luís Camargo (1995) inspirado nas funções da
linguagem propostas por Jakobson. Resumimos aqui essas funções, agregando
parte da interpretação dada por Ramos & Panozzo (2004), para identificar,
posteriormente (na quinta seção), que funções exerciam, no material em questão,
as ilustrações mais lembradas pelos professores durante as entrevistas. Camargo
apresenta as seguintes funções:
: Pontuação - quando a ilustração destaca um aspecto do texto ou demarca
seu início e término, como vinhetas e capitulares.
: Descritiva - quando objetos, cenários, personagens são descritos, ou seja,
mostrados mais detalhadamente. Camargo salienta que essa função é
predominante em livros informativos e didáticos, mas também é encontrada
em livros infantis.
: Narrativa - quando é orientada ao seu referente, a fim de situá-lo e mostrar
transformações ou ações ocorridas ao longo do tempo, contando uma
história, mostrando uma cena ou ação.
: Simbólica - quando a imagem representa uma idéia, uma metáfora.
(Ramos & Panozzo incluem, nessa categoria, a ilustração investida de
7 Entrevista concedida a Paffomiloff, para o Guia de Literatura Juvenil. Disponível em http://www.sobresites.com/literaturajuvenil/entrevista11.htm
Livro didático: palavra, imagem e ação 19
significados convencionais, num sentido sobreposto arbitrariamente, como
convenções de domínio público - sinalizações de trânsito, bandeiras de
países etc.).
: Expressiva ou ética - mostra sentimentos, emoções, valores, através de
postura, gestos, expressões faciais dos personagens e elementos plásticos
como linha, cor, espaço, luz, e pode permitir abordagens psicológicas,
sociais, culturais e expressas valores pessoais do ilustrador e outros de
caráter social e cultural.
: Estética - quando chama a atenção para a forma ou configuração visual,
representada por efeitos plásticos obtidos através da linha, cor, gesto,
pincelada, mancha, transparências, luz, enquadramento, contrastes. Não foca
a descrição, porém não pretende apenas ornamentar, mas sensibilizar o
leitor através de efeitos estéticos.
: Lúdica - quando a imagem orienta-se para o jogo ou se transforma em
jogo, incluindo a brincadeira e o humor. A ludicidade pode estar presente na
forma de representação ou no que foi representado.
: Metalinguística - quando é orientada para o código, neste caso, o código
visual, em que ocorram situações de produção e recepção de mensagens
visuais.
Camargo salienta que essas funções não têm existência independente, mas
em cada ilustração alguma função predomina, é “dominante” sobre as outras, e
essa dominante pode variar também de acordo com a visão de cada leitor. Além
disso, existem gradações de cada função. Uma ilustração pode ser mais ou menos
descritiva – mostrar mais ou menos detalhes do seu tema –, mais ou menos
narrativa, e assim por diante, variando em intensidade.
Os Guias do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) apresentam a ficha
utilizada para a avaliação das coleções a serem compradas pelo governo e
distribuídas para as escolas da rede pública. A ficha consta de uma descrição
sumária da coleção, análise de critérios eliminatórios, de aspectos teórico-
metodológicos, da estrutura editorial, do manual do professor e de outras
observações. Dentre os critérios eliminatórios, os itens que fazem referência às
ilustrações são o primeiro – do qual se pode inferir que as ilustrações não podem
Livro didático: palavra, imagem e ação 20
conter erros conceituais ou induzir o aluno a errar – e o quinto – a ausência de
preconceitos ou estereótipos que levem a discriminações de qualquer tipo, seja
nos textos ou nas ilustrações.8
Na quarta seção de critérios de avaliação – “Estrutura Editorial” – dois itens
avaliam o uso da imagem:
2 – Qualidade visual2.1 – Os textos e ilustrações são distribuídos nas páginas de forma adequada e equilibrada;2.2 – Os textos mais longos são apresentados de forma a não desencorajar a leitura.3 – Ilustrações3.1 – Estão isentas de erros;3.2 – Enriquecem a leitura dos textos, auxiliando a compreensão.9
Na ficha de avaliação do Guia 2007, para as séries do primeiro ciclo, há
mais um item que a ilustração pode influenciar:
5 – A coleção estimula a construção de uma sociedade cidadã, promovendo positivamente:5.1 – a imagem da mulher5.2 – a imagem de afrodescendentes e de descendentes das etnias indígenas;5.3 – as culturas afrobrasileiras e dos povos indígenas;5.4 – a discussão da temática da não-violência.10
Dessa forma, as representações humanas utilizadas nas ilustrações, a
diversidade de etnias, a expressão facial e corporal dos personagens e mesmo as
situações representadas podem fazer com que o livro cumpra ou não as
orientações citadas.
Dante, em artigo que está em clara consonância com os critérios de
avaliação dos Guias, defende que:
as características físicas do livro didático, como tamanho, diagramação, ilustrações e caracteres tipográficos devem ser atraentes e convidativas, mas sempre com o intuito de constituírem elementos facilitadores a mais para a leitura e a aprendizagem do aluno.
As ilustrações e cores não devem "poluir" o livro didático e, com isso, até dificultar a compreensão dos conceitos. Antes, elas devem ter relações estreitas com os objetivos e conteúdos trabalhados, contribuindo para um melhor entendimento do texto, motivando e estimulando a reflexão. Em suma, elas deverão ser partes essenciais do texto e não acessórios dispensáveis. (grifos nossos) (DANTE, 1996, p. 87)
8 Guia de Livros Didáticos PNLD 2008, p.219 Ibid., p. 2410 Guia de Livros Didáticos PNLD 2007, p.44
Livro didático: palavra, imagem e ação 21
Os aspectos citados em relação ao livro infantil de literatura também estão
presentes no livro didático. As funções identificadas por Camargo em conjunto
com as indicações do Guia do PNLD deixam clara a riqueza que pode haver nas
ilustrações e o papel que estas exercem, seja facilitando a leitura, seja
enriquecendo o conteúdo. Porém, infelizmente, a construção dessas imagens
algumas vezes ainda apresenta problemas, e poucos professores têm a consciência
de que a imagem é uma ação comunicativa, um objeto cultural, uma configuração
de linguagem, icônica, que dialoga com a linguagem fabular e pede uma leitura –
ou várias. Poucos, ainda, têm uma formação direcionada ao aprendizado de
múltiplas possibilidades da leitura de imagens.
Enquanto novas mídias vão abrindo novas portas e ampliando as
possibilidades de entrarmos em cada vez mais mundos novos, é preciso tomar
consciência de que essas portas e outras existem e não ter medo de atravessá-las,
principalmente em termos de educação.
No artigo Cautela ao usar imagens em aulas de Ciências (SILVA et al.,
2006), os autores apresentam a experiência de um curso de formação continuada
de professores em que estes foram colocados na posição de alunos e participaram
de oficinas de leitura e uso de textos e imagens no ensino de Ciências. Com isso,
buscou-se sondar as representações associadas ao uso de imagens e “propiciar
uma experiência de produção de sentidos sobre as imagens em que a leitura dos
‘alunos’ ficasse em primeiro plano em relação à do ‘professor’” (SILVA et al.,
2006, p.222).
Como expectativas em relação ao curso, voltado tanto para a leitura do texto
fabular quanto do icônico, menos da metade dos professores citaram o
aprendizado do uso de imagens nas aulas. Os pesquisadores interpretaram, a partir
desse dado, que muitos não tinham essa expectativa porque, para eles, “textos
demandam processos, técnicas, procedimentos para seu uso, o que não lhes parece
ocorrer em relação às imagens” (SILVA et al., 2006, p.224). Analisadas as falas
dos professores antes, durante e depois dessa experiência, os pesquisadores
concluíram que:
a experiência de haver lido e interpretado imagens, num contexto em que múltiplos sentidos foram produzidos, e não apenas olhando para elas, como normalmente fazemos cotidiana e automaticamente, parece ter marcado profundamente os professores-cursistas. Destaca-se, nesse aspecto, a produção de
Livro didático: palavra, imagem e ação 22
diferentes leituras, de confrontos, enfim, do contato com a polissemia da imagem, com sua não-transparência. (SILVA et al., 2006, p.231)
Como resultados do curso, os professores-cursistas declararam ter
desenvolvido: uma mudança geral de postura em relação às imagens, não só às
que são utilizadas em situações de ensino; a constatação de que imagens não são
transparentes, necessitando de um olhar atento, análise e mobilização de
conhecimentos para a interpretação e uso dessas imagens; a conclusão de que é
preciso cautela ao usar imagens como recursos didáticos; e a conclusão de que as
imagens são polissêmicas, podem ter múltiplas leituras, o que pode gerar
entendimentos diferentes da mesma imagem por professores e alunos.
Acreditamos, como John Berger, que “a maneira como vemos as coisas é
afetada pelo que sabemos ou pelo que acreditamos” (BERGER, 1999, p. 10). Daí
segue a necessidade da atuação criativa e reflexiva do professor como mediador
das imagens junto aos alunos, incorporando parte dessas “novas portas para novos
mundos”, ampliando as possibilidades de leitura do texto icônico e do fabular e
enriquecendo a experiência de aprendizado. Segue, também, a necessidade de
formar esses professores para a leitura de imagens e a atuação como mediadores.
Antes disso, achamos relevante levantar as impressões e representações dos
professores em relação ao uso de imagens no processo de ensino-aprendizagem,
principalmente no presente trabalho, em que alguns dos professores que usaram as
apostilas em suas aulas também participaram da produção das mesmas. A seguir,
vamos detalhar o processo de produção da apostila em foco e compará-lo com o
processo tradicional de produção de materiais didáticos impressos, para, na seção
seguinte, analisar as entrevistas que foram realizadas com os professores.
3. O processo de produção: diálogo entre autores
A leitura, seja do texto, seja das imagens, é mediada por diversos atores, que
se tornam autores, pois participam na produção e uso dos objetos culturais, como,
por exemplo, o livro didático. Essa visão é apresentada no artigo Agentes
mediadores da leitura – identidade e interação, no livro Os Lugares do Design na
Leitura (FARBIARZ et al., 2008), como resultado de discussões realizadas no
colóquio Roger Chartier – Apropriações de um pensamento no Brasil (2005).
Partindo da ampliação do conceito de autoria de Chartier (1996), os autores do
artigo identificam três grupos de agentes mediadores da leitura:
1. Agentes formadores – professores, pedagogos, familiares dos leitores,
entre outros.
2. Agentes produtivos – editores, escritores, designers gráficos,
ilustradores, gráficos, tradutores e revisores, entre outros.
3. Agentes culturais – comunicadores, livreiros, jornaleiros e
bibliotecários, entre outros. (FARBIARZ et al., 2008, p. 19)
Ricardo Carvalho (2008), no artigo Projeto Gráfico do Livro Didático para
comunidades específicas, lembra que Richard Hendel (2006) afirma a posição do
designer como autor nesse processo, em consonância com a descrição dos agentes
mediadores apresentada no livro citado acima. O designer de livros define
aspectos materiais e visuais que podem determinar a aceitação ou rejeição do
material e a transmissão clara da mensagem idealizada pelo escritor, aspecto
considerado inclusive pelos critérios do PNLD, como vimos anteriormente.
Por se tratar de um curso pequeno, dirigido por um casal de professores, o
processo de produção da apostila em questão foi diferente do processo
convencional de produção de materiais didáticos. Como o curso não oferece
ensino regular, mas prepara crianças para concursos ao 6º ano do Colégio Militar
do Rio de Janeiro e de outros colégios, os professores não utilizam livros didáticos
convencionais. Eles preferem produzir o próprio material didático, de acordo com
as especificidades de exigência de conteúdo e abordagem dos concursos. Sendo
assim, o conteúdo e estruturação pedagógica das apostilas foram desenvolvidos
pelo próprio professor que as utilizaria em sala de aula. Dessa forma, cada ator
O processo de produção: diálogo entre autores 24
assumiu múltiplas identidades, dentre aquelas já definidas para os agentes
mediadores:
Diretor/Professor/Coordenador pedagógico/Escritor/Editor – é dono do
curso, escreveu o conteúdo, estruturou o material, coordenou a contratação de
designer para desenvolver identidade visual e ilustrações, aprovou o projeto
gráfico e as ilustrações produzidas e utilizou as apostilas em sala de aula.
Revisora/Designer gráfica/Ilustradora – Fez revisão ortográfica do texto
escrito, desenvolveu projeto gráfico, diagramação e ilustrações do material.
O processo de reformulação das apostilas iniciou-se pela revisão e
complementação do conteúdo e dos exercícios pelo próprio professor que os havia
produzido (como foi dito anteriormente, com base em livros didáticos e no
conteúdo cobrado nos concursos). A designer foi solicitada a desenvolver uma
identidade visual e ilustrações para deixar a coleção visualmente mais agradável,
porém não houve especificação dos momentos em que entrariam as ilustrações, do
conteúdo delas nem da técnica a ser utilizada. As definições prévias resultantes de
uma conversa entre o professor de Matemática, a professora de Português e a
designer, foram as seguintes:
: que a apostila seria diagramada em uma única coluna, pois os alunos ainda
não teriam intimidade suficiente com a leitura impressa para lidar bem com
o texto em duas colunas;
: que as ilustrações e elementos gráficos utilizados seriam desenvolvidos em
tons de cinza, para minimizar problemas na reprodução por fotocópia;
: que o formato seria A4, também em função da forma de reprodução;
: que as ilustrações procurariam dar um aspecto mais “moderno” e
visualmente agradável ao material;
: que a apostila não deveria conter imagens demais.
A última especificação, segundo os próprios professores, deve-se ao fato de
o público-alvo ser formado por crianças entre 9 e 11 anos, egressas do primeiro
ciclo do ensino fundamental (principalmente cursando o 4º, 5º e 6º anos), que
precisam, além de consolidar os conhecimentos adquiridos, adquirir outros
conteúdos, de até 6º e 7º anos, e desenvolver novos processos mentais e
maturidade para prestar os concursos de ingresso no 6º ano. Tais concursos
O processo de produção: diálogo entre autores 25
exigem que as crianças façam várias provas, aplicadas muitas vezes em locais
amplos, com muitos concorrentes, como nas arquibancadas do estádio do
Maracanã. Por isso, a preocupação dos professores em oferecer um material
visualmente agradável, que não fosse árido demais, mas não apelasse demais à
imagem, como se pode observar em livros e apostilas das séries iniciais do ensino
fundamental.
Segundo eles, os principais concursos prestados pelos alunos são os do
Colégio de Aplicação da UERJ, do Colégio Pedro II e do Colégio Militar do Rio
de Janeiro. Os professores consideram as provas dos dois primeiros mais
“modernas”, por serem mais contextualizadas e conterem mais ilustrações,
enquanto a prova do Colégio Militar, foco da maioria dos seus alunos,
praticamente não é ilustrada, mas apoiada na linguagem fabular, dos enunciados e
das respostas. Foi definida, então, uma média de quatro ilustrações a cada dez
páginas de conteúdo, distribuídas conforme o conteúdo “pedisse” e conforme a
conveniência de espaço, segundo a sensibilidade da designer. Com as primeiras
ilustrações finalizadas, houve uma validação, em que o material foi aprovado, sem
comentários sobre o conteúdo, abordagem ou técnica utilizada nas ilustrações.
No artigo citado, Carvalho (2008) descreve o modelo tradicional de
produção de material didático: um modelo linear, que só supõe interação nas
extremidades, análogo ao modelo clássico da comunicação, em que há um
emissor que codifica a mensagem e um receptor que a decodifica. A figura abaixo
representa graficamente esse modelo.
Figura 1 – Modelo de produção emissor receptor
AUTOR(ES)
ESCOLAEDITORA
conteúdo
LIVRO DIDÁTICO
DESIGNER ALUNO
PROFESSOR
Modelo de produção: emissor receptor
O processo de produção: diálogo entre autores 26
Carvalho chama atenção para a postura do designer de livros frente ao seu
leitor potencial. Já que ele é um mediador, que deve tornar a comunicação entre
autor e leitor a mais clara possível, precisa conhecer de fato esse leitor, a partir da
observação das práticas de leitura, e não partir do princípio de que a percepção
visual seja universal, regida sempre pelos princípios de organização da forma
revelados pela Teoria da Gestalt. Ele defende, portanto, que o modelo não seja de
“mão única”, mas favoreça o aprimoramento do material e seu ajuste ao público
real através da retroalimentação, como mostra o diagrama abaixo:
Figura 2 – Modelo de produção emissor receptor (com retroalimentação)
Pelo pequeno porte do curso e da equipe de produção, bem como pela
formação múltipla dos próprios atores, encontramos uma situação reduzida e
diferenciada em relação a um sistema tradicional de produção de material
didático. Frente a esse processo, descrito nas seções anteriores, pudemos observar
que o “caminho” que o conteúdo percorreu foi o seguinte:
Figura 3 – Modelo de produção no curso X
AUTOR(ES)
ESCOLAEDITORA
conteúdo
LIVRO DIDÁTICO
DESIGNER ALUNO
PROFESSOR
Modelo de produção: emissor receptor
avaliação
avaliação
PROFESSOR/AUTOR/EDITOR
REVISORA/DESIGNER/ILUSTRADORA
ALUNO
conteúdo
apostila diagramada e ilustrada
apostila
O processo de produção: diálogo entre autores 27
A definição do leitor potencial desse conjunto de apostilas se deu através de
conversas entre a designer e os professores/autores, ou seja, foi alimentada pela
visão dos professores a respeito dos seus alunos, mas não ocorreu a
retroalimentação, que seria importante para o aprimoramento do projeto. A
aprovação do projeto gráfico e das ilustrações não envolveu uma análise
aprofundada do conteúdo e da forma de apresentação das ilustrações.
4. As apostilas do curso “X”, antes e depois
Esta seção presta-se à contextualização do trabalho. Descrevemos aspectos
das apostilas antes e depois do desenvolvimento da nova identidade visual e das
ilustrações, para explicitar o tipo de material com o qual os professores
entrevistados trabalhavam antes e com o qual tiveram contato, ao final do
processo de produção.
O Guia 2008 do PNLD – referente a livros direcionados às séries finais, do
segundo ciclo, do ensino fundamental – identifica, nas coleções analisadas, as
seguintes possibilidades metodológicas para o desenvolvimento das unidades dos
livros:
: Introduz o conteúdo com explanação teórica, seguida de exemplos e
atividades de aplicação propostas aos alunos.
: Inicia pela apresentação de um ou poucos exemplos, seguidos da
sistematização dos conteúdos e depois de atividades de aplicação para o
aluno.
: Principia com atividades propostas, seguidas de sistematização, mas não
dá oportunidade ao aluno para tirar suas próprias conclusões.
: Inicia com atividades propostas ao aluno. Após o envolvimento dele com
estas experiências, os conteúdos são sistematizados.
: Introduz os conteúdos em textos que dialogam com o aluno por meio de
questões e atividades que são entremeadas pela sistematização gradual dos
conteúdos.
: Propõe atividades ao aluno que incentivam a discussão dos conteúdos, mas
a sistematização fica a cargo do professor.
Na avaliação do Guia de 2008, metade das coleções utiliza as três últimas
metodologias, que valorizam a participação ativa do aluno na atribuição de
significados aos conteúdos e na construção do seu conhecimento. A outra metade
situa-se nos três primeiros casos, em que a abordagem é mais diretiva e abre
pouco espaço para experimentações, construindo generalizações a partir de
poucos exemplos.
As apostilas do curso “X”, antes e depois 29
A coleção de apostilas de matemática do curso “X” divide a matéria a ser
trabalhada para os concursos em três volumes de conteúdo e exercícios, utilizados
pelos alunos no curso e em casa ao longo do ano letivo. Em termos de conteúdo e
estratégias pedagógicas, as apostilas analisadas inserem-se no primeiro grupo de
possibilidades metodológicas citado pelo PNLD, de abordagem mais tradicional e
menos aberta, intercalando os capítulos entre as primeiras três metodologias
identificadas, estrutura que se manteve mesmo depois da revisão de conteúdos
feita pelo professor.
Para desenvolver o conteúdo, o professor consultou livros e apostilas de
outros cursos, selecionando os assuntos a partir dos temas recorrentes nas
questões dos concursos anteriores e de outros que ele imagina que possam ser
cobrados nos próximos concursos. Segundo ele, para se fazer uma apostila, “tem
que pegar os livros didáticos, colocar toda a parte conceitual e depois colocar
exercícios”11.
Devido às grandes exigências de aprendizado que os concursos demandam
no curto espaço de um ano, o curso concentra grande parte do trabalho, na
disciplina de matemática, em treinar os alunos para resolver diferentes questões de
concursos, identificar as questões mais comuns e os “disfarces” sob os quais elas
podem ser apresentadas, além de desenvolver a capacidade de encontrar questões
novas e elaborar estratégias para resolvê-las. As questões de concursos muitas
vezes contêm “pegadinhas”, detalhes que podem atrapalhar um aluno que, mesmo
sendo inteligente, não tenha sido treinado para essas situações.
Desde o início do curso, em 2002, os professores produziam e digitavam o
conteúdo das apostilas, sem a participação ou orientação de um profissional da
área do design e, consequentemente, sem imagens produzidas especificamente
para aquele material. Quando havia imagens, elas eram capturadas da internet
pelos próprios professores, segundo as necessidades pedagógicas que eles
identificavam e as estratégias didáticas que pretendiam utilizar nas aulas.
No primeiro volume das antigas apostilas de matemática, selecionado para
exemplificar este estudo, encontramos três imagens:
11 Entrevista realizada em 02 de abril de 2009.
As apostilas do curso “X”, antes e depois 30
Figura 4 – Exemplo de conjunto (antes)
Figura 5 – Trabalhadores e matemáticos egípcios (antes)
Figura 6 – Numerais Romanos (antes)
A primeira e a terceira ilustrações mostradas acima foram redesenhadas para
a nova apostila, buscando trazer leveza e humor, como solicitado pelos
professores. A segunda ilustração foi substituída por uma imagem equivalente, de
domínio público, em resolução melhor.
Figura 7 – Exemplo de conjunto (depois)
Legenda: “Uma turma de ETs também é um exemplo de conjunto”
As apostilas do curso “X”, antes e depois 31
Figura 8 – Trabalhadores e matemáticos egípcios (depois)
Figura 9 – Numerais Romanos (depois)
A seguir, vamos analisar as mudanças no projeto gráfico e diagramação das
apostilas.
As apostilas do curso “X”, antes e depois 32
Antiga apostila
Figura 10 – Capa (antes)
A capa utilizava as famílias tipográficas
Comic Sans (a mesma utilizada no
interior da apostila), Arial (no título da
disciplina) e Times New Roman (no
nome do professor).
Figura 11 – Diagramação (antes)
A diferenciação da hierarquia era feita
pelo uso de caixa alta e sublinhado.
O texto da observação só se diferenciava
do texto normal pelo recuo dos
parágrafos: enquanto o texto normal
apresentava um recuo, a observação não.
A grande quantidade de espaços em
branco incomodava os professores, pois,
segundo eles, dessa forma a apostila não
tinha “cara de livro”.
As apostilas do curso “X”, antes e depois 33
Nova apostila
Figura 12 – Capa (depois)
Foram incorporados o logotipo
oficial do curso e a onda, recurso
gráfico utilizado em outros
materiais.
O projeto gráfico aplica formas
geométricas básicas, como o
quadrado e o círculo, nas
vinhetas, por se tratar de uma
coleção de matemática para
crianças que estão saindo do
primeiro ciclo do ensino
fundamental.
A barra lateral se repete em todos
os volumes e tem ressonância no
interior das apostilas.
Figura 13 – Índice (depois)
Foi desenvolvido um índice para
facilitar o acesso aos conteúdos,
identificados até o terceiro nível
na hierarquia (capítulo, título e
subtítulo), utilizando os mesmos
elementos geométricos, num
outro arranjo.
As apostilas do curso “X”, antes e depois 34
Figura 14 – Diagramação (depois)
Figura 15 – Diagramação (depois)
A hierarquia dos conteúdos,
definida pelo professor, é indicada
visualmente através desses
elementos geométricos, aplicados
nos grafismos dos títulos e
subtítulos, que têm ressonância
nos grafismos da capa da apostila.
Buscamos dar uma noção de
movimento através da disposição
dos elementos geométricos em
diferentes direções, guiando o
olhar do início ao fim dos títulos.
A diagramação é simples, a
pedido dos professores, a fim de
facilitar a leitura e a apreensão dos
conhecimentos. A família
tipográfica escolhida (Trebuchet)
ajudou a condensar e os blocos de
texto, trazendo uma impressão
mais próxima da de um livro, uma
das solicitações do professor “M1”
no início do trabalho.
Foram desenvolvidas caixas de
fundo cinza para destacar
informações importantes, que,
antes, vinham entremeadas no
texto geral, contando apenas com
o uso de caixa alta e sublinhado
para chamar a atenção.
As ilustrações continuam apenas
em tons de cinza, devido à forma
de reprodução, por fotocópia.
As apostilas do curso “X”, antes e depois 35
As ilustrações desenvolvidas basearam-se, em parte, no próprio método de
trabalho do curso: a compreensão e memorização de determinados conceitos e
estruturas de problemas. Como as ilustrações pretendiam, muitas vezes, auxiliar a
compreensão dos conteúdos e proporcionar um ponto de apoio para a memória e o
desenvolvimento do raciocínio, algumas funções da ilustração foram privilegiadas
em relação a outras.
Todo início de capítulo conta com uma vinheta que introduz o tema,
possuindo a função dominante de pontuação, agregada a outras. Muitas ilustrações
enquadram-se na função lúdica, por trazer metáforas e humor, agregada à função
descritiva, com a finalidade de representar visualmente/graficamente conteúdos
matemáticos.
5. Três professores, três visões
Entrevistamos três professores: “M1”, dono do curso, coordenador
pedagógico, professor, escritor e editor; “M2”, professora de Matemática que
utilizou uma das apostilas; e “P”, professora de Português que participou das
definições da apostila de Matemática por dividir com “M1” a direção do curso e
ter participado da produção das apostilas utilizadas anteriormente. As entrevistas
de “M1” e “M2” foram realizadas individualmente, mas, na entrevista de “P”,
“M1” estava presente.
As entrevistas foram realizadas no próprio curso, depois do horário das
aulas, nos dias 02 e 07 de abril. A entrevista com o professor “M1” foi mais
extensa do que com as outras professoras, devido à sua atuação múltipla no
processo. Por esse motivo, após a transcrição das entrevistas, o corpo de respostas
analisadas para fins de comparação foi restrito às respostas que tratavam dos
mesmos temas, sendo as demais utilizadas apenas para fins de contextualização e
complementação das informações sobre o funcionamento do curso.
O questionário base foi estruturado em grupos temáticos, tendo sempre em
vista buscar a visão dos professores sobre:
1. Material impresso e materiais alternativos
Por que você usa a apostila12?
Quais são os critérios de seleção e organização do conteúdo pedagógico das
apostilas?
Esses critérios são baseados nas exigências de todos os concursos que elas
farão? Quais os principais concursos?
Qual é o peso do material impresso (no caso, a apostila) nas suas aulas?
Se houvesse a possibilidade de escolher outro material, qual seria? Por quê?
2. Os lugares do designer na produção do material impresso
Qual a importância do projeto gráfico para a apostila, no seu ponto de vista?
Por que incluir um designer no processo?
Qual era a sua expectativa ao contratar um designer?
O que você considera fundamental informar ao designer?
12 As cores utilizadas foram somente um recurso para destacar as palavras-chave das perguntas e auxiliar o agrupamento das próprias perguntas realizadas dentro de seus grupos temáticos e das palavras-chave buscadas no discurso dos professores.
Três professores, três visões 37
3. A presença do fabular e do icônico no processo de ensino-
aprendizagem
Como você acha que foi a recepção do projeto pelos alunos?
Qual o peso do fabular e do icônico no processo de ensino-aprendizagem a
partir da apostila?
Havendo mudança de faixa etária, esse peso muda?
O que os alunos acharam das ilustrações? Houve algum comentário? Sobre
quais ilustrações?
Qual a importância das ilustrações para os alunos?
Qual o lugar das ilustrações na sua aula? Elas contribuíram de alguma forma
no seu ensinar? Como?
4. A recepção do projeto gráfico e ilustrações pelos pais
Como foi a recepção da apostila por parte dos pais?
Qual a relação deles com o projeto gráfico?
Qual a relação deles com as ilustrações?
Você acha que as ilustrações ajudam a aceitação da compra das apostilas
pelos pais?
As perguntas respondidas pelos três professores entrevistados foram:
1. Material impresso e materiais alternativos
Qual é o peso do material impresso (no caso, a apostila) nas suas aulas?
Se houvesse a possibilidade de escolher outro material, qual seria? Por quê?
2. Os lugares do designer na produção do material impresso
Qual a importância do projeto gráfico para a apostila, no seu ponto de vista?
Por que incluir um designer no processo?
3. A presença do fabular e do icônico no processo de ensino-
aprendizagem
Qual o peso do fabular e do icônico no processo de ensino-aprendizagem a
partir da apostila?
Havendo mudança de faixa etária, esse peso muda?
Qual a importância das ilustrações para os alunos?
Três professores, três visões 38
Qual o lugar das ilustrações na sua aula? Elas contribuíram de alguma forma
no seu ensinar? Como?
Durante as entrevistas, outros temas vieram à tona, algumas vezes
distribuídos em respostas a diversas perguntas, e servem ao longo da análise para
contextualizar a visão desses professores.
A princípio, mantivemos as respostas agrupadas às perguntas que as
geraram, para fins de contextualização e análise discursiva, mas, devido aos
desvios observados nas respostas em relação ao objetivo das perguntas,
reorganizamos as respostas em função do tema a que cada uma melhor responde,
para a análise de conteúdo, que explicitaremos a seguir. A análise das
divergências entre o tema esperado para a resposta e o tema efetivamente
trabalhado pelos professores está inserida em cada situação.
5.1. Material impresso e materiais alternativos
Qual é o peso do material impresso (no caso, a apostila) nas suas aulas?
Na resposta do professor “M1”, os termos mais citados foram “apostila”
(10), “caderno” (6) e “livro” (4), o que é coerente, visto que a pergunta focava os
materiais impressos. Para cada um desses termos, verificamos outros termos
relacionados.
A “apostila”, material base do trabalho do curso, foi relacionada pelos dois
professores de matemática à palavra “importante”, e, pelo professor “M1”, a “útil”
e “ajuda muito”. “M2” a definiu como um “referencial”, que contém
“informação”, onde fica tudo “registrado”. Na mesma linha, “M1” a relacionou a
“conteúdo”, “parte conceitual”, algo “pra pegar”, um “negócio na mão”, onde fica
tudo “prontinho”, para o aluno “não ter que copiar”.
Ambos especificaram grupos de alunos para os quais a apostila, como
material de referência e resumo do conteúdo, seria mais importante: “M2” cita os
alunos “menores”, enquanto “M1” diz que ela serviria mais para o “aluno
desorganizado”, já que o “aluno maduro”, “caprichoso”, poderia ter todo o
“conteúdo” no “caderno”, que “complementa” e trabalha em “paralelo” com a
“apostila”, mas essa categoria de alunos, segundo ele, é uma “minoria”. A respeito
de materiais complementares utilizados em sua aula, “M2” diz que nunca
Três professores, três visões 39
“complementou” o material impresso com “conteúdo”, mas já incluiu
“exercícios”, tendo em vista a necessidade de “repetição” e “memorização” “sem
decorar”, no trabalho da disciplina de “matemática” no curso.
Um aspecto importante para a contextualização deste trabalho e da visão do
professor “M1” a respeito do conteúdo fabular e icônico das apostilas é o aspecto
comercial destacado por ele em relação ao curso e ao material impresso, já citado
anteriormente neste trabalho. Questionado sobre a razão do uso da apostila, em
vez de um livro-texto produzido por uma editora, ele primeiro cita a possibilidade
de produzir um material que atenda às necessidades de atender ao “conteúdo”
(“específico”, “exato”) e à abordagem do trabalho que ele precisa realizar no
curso, sem o “custo” de ter que comprar vários livros para suprir as mesmas
necessidades.
Em seguida, o professor diz que a apostila “não é tão essencial” para os
alunos, que poderiam ter o “curso todinho” dado com as anotações no “caderno”.
Isso porque o curso é, em última instância, uma empresa, cujo principal capital
são os alunos que passam em concursos e, antes disso, a metodologia e as
estratégias utilizadas para preparar esses alunos. Então, como uma decisão
estratégica, a apostila contém apenas o “conteúdo básico”, a “espinha dorsal” do
conteúdo, enquanto o “pulo do gato”, os “segredos”, as “coisas mais importantes”,
são desenvolvidas em sala e anotadas no caderno, sob pena de, colocadas na
apostila, serem facilmente apropriadas por outros cursos ou escolas atuantes no
mesmo segmento e retirarem dos alunos do curso essa vantagem relativa.
“M1” relata uma situação em que fica patente a importância do material
impresso para o apoio aos alunos e as consequências de fornecer um material tão
resumido:
Teve mãe que me ligou pra falar: “Meu filho não entendeu nada do exercício”. Aí eu fui olhar na apostila, e tava muito sucinto. Aí é aquela história que eu te falei no início: o pulo do gato tá no caderno. Aí a criança não copia, chega em casa e não consegue estudar. Então o que eu pensei seria assim um meio termo. Não deixar só o sucinto, mas também não dar tudo na apostila.
O professor diz que o material impresso é muito valorizado pelos pais e
alunos, a ponto de ficar “esquisito” se não ele existir. Com isso, entramos no
terceiro termo mais citado por ele: “livro” (4). Mas duas das quatro ocorrências
Três professores, três visões 40
desse termo se deram dentro da expressão “xerox de livro”. “M1” relata a
“medida de emergência” tomada pelo curso quando um professor que deveria
desenvolver uma nova apostila de álgebra não cumpriu sua tarefa, gerando um
“problema”, que foi sanado emergencialmente com uma “apostila de xerox de
livro”, “sem o nome do curso”. Percebe-se, assim, a importância dada ao material
impresso, tanto pelos professores quanto por pais e alunos.
Se houvesse a possibilidade de escolher outro material, qual seria? Por
quê?
Os dois professores de matemática relataram dificuldade em utilizar
materiais diferentes nas aulas, principalmente devido a uma falta de “tempo”
(“M1” – 3), dizendo que precisariam de “mais tempo” (“M1” – 1 e “M2” – 1),
associando uma maior disponibilidade de tempo ao ambiente da “escola” (“M2” –
5 e “M1” – 1).
Mesmo assim, citaram diferentes tipos de materiais. A maioria dos que
“M1” referiu estão ligados ao audiovisual, como “DVDs”, “filme”, “televisão”,
“programas”, “Telecurso”. Ele citou também outros como “brinquedos” e
“música”. Este último é o único recurso alternativo utilizado efetivamente no
curso, nas aulas de português da professora “P”, aos finais de semana. Em relação
a cada material, “M1” diz que “envolve” de uma “forma diferente”, é
“instrumento de incentivo”, e ele qualifica como “legal”, “fantástico”, “válido”.
A professora “M2” diz que, no seu trabalho na “escola particular” (2), ela
utiliza muito “o concreto” (3). Os exemplos que ela cita não lidam com o
audiovisual: um “livrinho” (2) com “figuras” desenvolvido pelos alunos a partir
de uma “poesia de matemática”, dentro do “conteúdo” que ela trabalhava naquele
“momento” (2) e um “jogo” baseado nos conceitos de “números negativos” e
“números positivos”, como se fossem dois “times” numa “disputa”, cada um
representado por uma “cor”.
Apesar de, em seu discurso, valorizar o uso de materiais alternativos, “M1”
coloca essas práticas num passado que não pode ser retomado ou num futuro que
não parece ser tão próximo, usando, além do termo “tempo” em si, outros termos
relacionados a essa idéia, como “futuro próximo”, num “outro estágio”, além de
verbos no passado. Ele relata uma ocasião em que desenvolveu com os alunos a
resolução de um problema de área que pedia a quantidade de azulejos necessária
Três professores, três visões 41
para forrar uma parede. Os alunos “recortaram” pedaços de “cartolina”
representando a parede e os “azulejos”, “colaram” e “viram que funcionava”.
Segundo ele, a experiência foi muito interessante e rica para os alunos, que
puderam visualizar a resolução do problema no espaço, e, com isso, concretizar
um conceito abstrato. Apesar disso, “M1” refletiu e achou que não valia a pena
“gastar” uma “tarde” com esse tipo de atividade, e que seria mais proveitoso para
os alunos ele ir para o “quadro” passar “problemas”, e que, numa escola, ele teria
mais “tempo” para isso.
“M2” destaca um ponto que vem ao encontro do pensamento de “M1”. Ela
valorizou muito o termo “concreto” (4), mas defende que seu lugar é a “escola”. O
“curso” seria “outro momento”, onde os alunos precisariam trabalhar “questões de
concurso”, para terem um “reforço”, um trabalho mais “técnico”. Por isso, para
ela, só se deve trabalhar no curso “material e exercícios” (“material” referindo-se
à apostila impressa). Segundo ela, trabalhar o “concreto” ou utilizar outros
materiais “nem é papel do curso”.
Já a professora “P”, segundo ela própria, devido ao fato de ter cursado uma
pós-graduação chamada “Dinâmica da e na sala de aula”, defende o trabalho com
o “aspecto lúdico”. Ela não cita materiais ou mídias específicas, mas estratégias
como o uso de “música”, “piada”, “brincadeira”, com as quais os alunos
“aprendem brincando”. “P” também cita, em outra situação, o uso de “histórias”
(5) como forma de contextualizar os conteúdos de forma “lúdica”. Ela, ao
contrário dos professores de matemática, não exclui a possibilidade da utilização
dessas estratégias no curso. Pelo contrário, ela as utiliza frequentemente.
5.2. Os lugares do designer na produção do material impresso
Qual a importância do projeto gráfico para a apostila, no seu ponto de
vista?
Por que incluir um designer no processo?
Como houve alguns desvios nas respostas em relação ao cerne das
perguntas, elas tiveram que ser reformuladas durante a entrevista para tentar
extrair dos professores suas idéias a respeito do que seja projeto gráfico e do papel
do designer no processo de construção de materiais impressos. Por isso, reunimos
as duas respostas em um só bloco e descrevemos as respostas pertinentes ao tema
a seguir.
Três professores, três visões 42
O professor “M1” focou sua resposta na importância dos “desenhos” (3) no
“livro” (3) didático, dizendo que eles “ajudam” a “ver”, a concretizar conceitos
mais abstratos. Ele diz que sente “inveja”, “admiração” quando vê os livros
“coloridos” que são usados nas escolas. Ou seja, seu conceito de projeto gráfico
passa pela presença de ilustrações e cores no material impresso.
Quanto à expectativa que ele tinha ao contratar uma designer, as palavras
que mais surgiram foram “material” e “bonito”. O professor compara o
fornecimento de um material tratado visualmente à sensação que ele tinha, quando
criança, ao ganhar um “caderno novo”, “limpinho”. Segundo ele, o material
deveria gerar uma “mudança” em relação ao que era usado no curso, tornar-se
mais “atrativo” e “atualizado”, “contribuir”, “estimular” a “aprendizagem” da
“criança”, sua disposição “para ler e para estudar”.
Ao responder especificamente à pergunta sobre qual seria a importância do
projeto gráfico, da identidade visual, para o material didático, a outra professora
de matemática, “M2”, também valorizou a ilustração e falou sobre a influência da
faixa etária para essa relevância, assunto que será tratado mais adiante. Ela inclui
também, na resposta, a idéia de que o “desenho” traz o “concreto” para a
“criança”.
Tentando compreender a idéia que ela possuía a respeito do trabalho do
designer, foi feita diretamente essa pergunta, que foi respondida mais uma vez
com a importância das ilustrações para os alunos e a influência da faixa etária.
Com suas palavras, ela descreve o acha que o designer deve ter: “talento”,
“treinamento” e “ferramenta”, que ele junta à sua “experiência” e “bagagem” para
“ilustrar” o material. Ela acredita que o designer deva recuperar lembranças de
infância para lembrar onde teve “dificuldade” ou “necessidade”, para “dar
ênfase”, “chamar a atenção” e, com isso, “passar melhor o conhecimento”. O
exemplo que ela cita é o uso de “nuvens”, “pensamentos”, os balões de fala
característicos das histórias em quadrinhos, que ela identifica como sendo muito
utilizados hoje nos “livros” didáticos.
A professora “P” associa o projeto gráfico ao desenvolvimento de um
personagem--símbolo e à construção do “marketing” do curso, além da que seria a
parte mais “importante”, segundo ela: “tornar o conteúdo mais acessível para as
crianças”. Com isso, “P” parece ser o membro da equipe com mais entendimento
Três professores, três visões 43
do conceito de projeto gráfico, agregando o aspecto comercial e a facilitação da
leitura e potencialização do aprendizado.
A partir das respostas a estas perguntas, pudemos observar que há certo
desconhecimento quanto ao conceito de projeto gráfico, à importância dessa etapa
para a construção de um material impresso eficiente e à própria extensão do
trabalho do designer e do campo do design.
Essa situação se anunciava desde as conversas preliminares sobre o
desenvolvimento do projeto, quando não se concretizou uma discussão conceitual
com os professores a respeito do projeto gráfico, deixando para a designer total
liberdade de desenvolver a identidade visual, o projeto de diagramação e o estilo
das ilustrações, contanto que fossem atendidos os requisitos citados na seção
anterior.
5.3. A presença do fabular e do icônico no processo de ensino-aprendizagem
Qual o peso da linguagem fabular e da linguagem icônica no processo de
ensino-aprendizagem a partir da apostila?
Segundo a professora “M2”, o “objetivo final” é o “texto” (2), que acaba
sendo o mais “importante”. Porém, a “ilustração” “chama atenção” (3) do “aluno”
(3) e, por isso, também seria “importante”, pois a “criança” (2) valoriza o
“exemplo” (3) que é dado no livro, principalmente se ele se “destaca”.
Para o professor “M1”, o conteúdo icônico “estimula” os alunos, mesmo
que de forma “subconsciente”. Ele acredita que, embora o “visual” funcione como
um “reforço atrativo”, o mais “importante” é o “conteúdo”, representado pela
parcela fabular das apostilas.
A professora “P”, questionada sobre a presença da linguagem fabular e
icônica nas suas aulas, disse que trabalha muito com o aspecto “lúdico”, como
citado anteriormente, e comentou algumas estratégias que utiliza: “piada”,
“música”, “brincadeira” (3). Assim, não especifica o papel da linguagem icônica
na sua prática pedagógica, mas demonstra que recorre à linguagem fabular em
registros alternativos ao tradicional presente nos livros didáticos. Como já vimos,
ela começou a trabalhar esse “aspecto lúdico” depois de cursar a pós-graduação
intitulada “Dinâmica da e na Sala de Aula”.
Três professores, três visões 44
Qual a importância das ilustrações para os alunos?
Havendo mudança de faixa etária, esse peso muda?
Como os professores associaram a questão da faixa etária às ilustrações,
antes mesmo de a segunda pergunta ter sido realizada, optamos por agregar as
respostas que comentam a faixa etária às respostas à questão sobre as ilustrações,
no presente bloco.
Tratando especificamente do papel das ilustrações no aprendizado dos
alunos, “M1” defende que essa importância “depende” (3) do “assunto” tratado,
embora a ilustração ajude em “alguns casos”. Ele dá o exemplo do conceito de
“massa”, a respeito do qual se poderia utilizar “desenhos” (4) para mostrar, por
exemplo, que um elefante tem mais massa que um rato. O professor acredita que
deve ser analisada a natureza do conteúdo trabalhado para a seleção daqueles que
serão acompanhados por ilustrações – “Quando é um problema de Física, às vezes
a ilustração é fundamental”. Segundo ele, conceitos como dízimas periódicas
seriam mais difíceis, quase impossíveis, de serem tratados visualmente: “Como é
que você vai passar pro desenho, imaginar um desenho, que sintetize o que é uma
dízima periódica?”.
“M1” cita uma história em quadrinhos que foi desenvolvida para o terceiro
volume das apostilas, que mostra um menino fazendo uma experiência e
constatando que um litro de um líquido é equivalente a um decímetro cúbico.
Segundo ele, nesse caso a ilustração teve uma importância maior. Tratando esse
tipo de “conteúdo”, que utiliza personagens, animais, objetos concretos, “M1”
acredita ser mais fácil aplicar imagens. Ele lembra problemas muito comuns nos
concursos para acesso ao 6º ano, que têm uma mesma estrutura, mas aparecem
disfarçados sob diferentes contextos. Um desses tipos de problema trabalha a
quantidade das patas de animais como galinhas e coelhos, ou das rodas de
automóveis como motocicletas e carros. Segundo ele, se esse problema estivesse
ilustrado na apostila, seria “fantástico”, pois um dos trabalhos do curso é ajudar o
aluno a compreender essas estruturas e, nesse caso, segundo “M1”, a imagem
ajuda o aluno a “associar” e a identificar outros problemas com a mesma
estrutura, funcionando como um “reforço”, um recurso de “memorização” (2).
Segundo “M2”, a ilustração “chama a atenção” (3) e se beneficia da
“curiosidade” (3) natural da “criança” (2), mas essa propriedade seria mais forte
Três professores, três visões 45
nas faixas etárias mais baixas, entre os alunos “menores” (3). A ilustração
despertaria nesses alunos o “interesse em saber o que aquilo representa”. Ela
associa aos mais novos o termo “autodidata”, pois, segundo ela, frente a um texto
acompanhado de imagens, eles “lêem”, “vêem” e “entendem”. A professora diz
não saber o que existe na “educação” que, conforme a criança cresce, passa pela
educação formal e sua “vida fica mais prática”, faz com que ela perca certa
curiosidade, certa “inocência” que os alunos teriam apenas quando pequenos. Ela
relata que às vezes tenta trabalhar “o concreto” com alunos mais velhos e eles
acham “bobagem”, “coisa de criancinha”.
Ao longo da conversa, a professora abriu uma exceção: a ilustração
chamaria mais a atenção dos alunos mais velhos – que estão mais preocupados
com os “macetes” – se tivesse um estilo diferente do utilizado na apostila em
questão: imagens “atualizadas”, “mais jovens”, com um “design” diferente, que
entrassem “no mundo deles”, incorporando temas relacionados à vida dos
adolescentes, como a “internet” e jogos eletrônicos. A professora compara essa
adequação das imagens à faixa etária à sua atualização como professora. Ela se
diz “uma coroa” e que, por isso, procura modificar sua prática para reduzir a
distância que a diferença de idade estabeleceria entre ela e os alunos.
“M1” tem a mesma visão de “M2” sobre o peso da faixa etária na relevância
da “ilustração” (4). Ela seria mais atrativa, no entender dele, para alunos de uma
“faixa etária menor”. Nessa “faixa etária” o “desenho” (3) “ajuda” (2), serve como
“estímulo” (2), pois o professor acredita que “ver” seja mais estimulante, para os
alunos mais novos, do que “imaginar”. Ele repara que “livros mais modernos” são
“todos coloridos, cheios de desenhos”.
Essa característica faz com que os livros fiquem “uma coisa assim, mais
legal, falando na linguagem deles”, “mais bonitinho”, nas palavras do professor.
Talvez, “inconscientemente”, as apostilas tenham “um gostinho mais legal” com
as ilustrações. Apesar disso, para ele, pelo “perfil do aluno” do curso, que está
mais interessado em “aprender” a “matéria”, “não faria diferença” haver ou não as
ilustrações. Ele acredita que alguns alunos “nem percebem”, seria “indiferente”
para eles haver imagens, enquanto outros “comentam” a presença das ilustrações:
Eu acho que é mais uma característica da pessoa. Você sabe, tem gente que se liga mais num quadro, numa pintura, do que outra. Tem um que olha e é tudo igual, tem outro que percebe as nuances, admira... Então eu
Três professores, três visões 46
acho que aí também entra essa parte pessoal, individual, né, de o desenho estimular mais ou menos.
Ainda assim, lembra que muitos “livros didáticos” (2) têm lançado mão da
ilustração para todas as faixas etárias e disciplinas, talvez porque venham
percebendo que a ilustração pode ser relevante também para alunos “mais velhos”
e que eles também ficariam mais “motivados” por ter “uma coisa mais colorida”.
Ele cita que alunos cursando o pré-vestibular poderiam se beneficiar de ilustrações
em matérias como História. Já para um público adulto, “M1” acredita que a
ilustração “não teria a mínima importância”. Ele dá como exemplo os materiais
utilizados em cursos preparatórios para concursos públicos: “um cara que esteja
estudando pra auditor fiscal da Receita Federal não quer saber de desenho
nenhum.”
“P”, a professora de português, acredita que o papel da ilustração seria o de
“dar uma relaxada” e facilitar a apreensão do conteúdo:
Isso já tá provado, até, cientificamente, que, quando você trabalha com imagem, (...) é muito mais fácil você abstrair, digamos assim, o conteúdo, do que você (...) ler aquilo tudo. Principalmente criança. Então eu acho que ajuda.
Para atingir esse fim, ela ressalta que as ilustrações precisam estar numa
“dosagem certa” (3), não “poluir” (2) o material, mas que tem que haver “uma
aqui, uma ali” (2). “P” diz que o principal objetivo é a “aprendizagem” (2), mas o
“objetivo” (3) específico do curso – preparar para as “provas” (3) – influencia a
decisão sobre a quantidade de imagens no material: segundo a professora, “se eu
tô preparando o aluno para o Colégio Militar, eu tenho que trabalhar nos moldes
da prova deles, que é uma prova sem ilustração”. O “excesso” de imagens
lembraria a “alfabetização”, o que, para a professora, poderia gerar uma
“dependência” nos alunos e prejudicar seu desempenho nas provas, que exigem
certa maturidade de raciocínio, baseado no conteúdo fabular.
“M1” concorda com “P” quanto à prova do Colégio Militar, que considera
mais “tradicional”, baseada no texto e que, segundo ele, beneficia o “aluno mais
maduro”, diferente da do CAp, “mais moderna”, pois inclui ilustrações e questões
contextualizadas no cotidiano.
Três professores, três visões 47
Qual o lugar das ilustrações na sua aula? Elas contribuíram de alguma
forma no seu ensinar? Como?
Para responder esta questão, buscamos, nas respostas dos professores a
todas as perguntas do terceiro bloco, as falas que descreviam experiências deles na
seleção e utilização de ilustrações em sala de aula. Esta questão teve diferentes
enfoques, uma vez que apenas os professores de matemática falaram sobre a
presente apostila, pois foram os únicos que a utilizaram em sala de aula. A
professora “P”, de português, descreveu o lugar das ilustrações nas suas aulas e
deu exemplos de imagens que selecionou para ilustrar os materiais que produziu.
A cada exemplo dado pelos professores, analisamos a função dominante da
ilustração, segundo o estudo de Camargo (1995), para observar quais as funções
das ilustrações mais comentadas por eles.
Os dois professores de matemática (“M1” e “M2”), ao mencionarem o papel
da ilustração nas suas aulas, lembraram da imagem que representa a demonstração
da correspondência entre as unidades de volume e capacidade - um litro de um
líquido ocupa perfeitamente um sólido de um decímetro cúbico de capacidade. No
material estudado, essa ilustração exerce, primordialmente, as funções descritiva e
narrativa, pois mostra, detalhadamente, diferentes estados do personagem ao
longo do tempo, executando uma ação que gerará uma conclusão matemática.
Figura 16 – Relação volume/capacidade
Três professores, três visões 48
Função Narrativa – utiliza o recurso dos quadrinhos para mostrar a ação do personagem ao
longo do tempo.
Função Descritiva – demonstra uma verdade matemática através da descrição visual de uma
experiência prática.
A professora “M2” ainda não tinha tido contato com essa ilustração no
material estudado, pois ela está presente apenas no volume três, mas comentou
espontaneamente que, no material que ela utiliza em outra instituição, essa
situação é ilustrada, porém por meio de fotografias. É relevante salientar que
nessa outra instituição ela trabalha com alunos de oitavo ano do ensino
fundamental, primeira e segunda séries do Ensino Médio. Segundo ela, a imagem
fotográfica “puxa mais a proximidade deles”.
“M2” descreveu que já havia feito um trabalho “concreto” com alunos da
rede pública sobre esse assunto, com um cubo de acrílico, mas o material se
perdeu. A partir da imagem do material, ela relembrou a experiência que havia
tido e contou a “historinha” para os alunos.
A professora “M2” descreve outra situação em que seus alunos trabalharam
com imagens: eles desenvolveram ilustrações com base em um texto literário
sobre matemática. Não podemos confirmar, pela fala da professora, se houve
interferência ou um trabalho posterior dela com as imagens produzidas pelos
alunos:
Eu já trabalhei, por exemplo, tem a Poesia de Matemática, então eu fiz eles fazerem livrinhos, com figuras, trabalhando o nosso conteúdo naquele momento, então eles tiveram que fazer uma historinha, usando a poesia, é... mas fazendo tipo um livrinho. Mas aí é mais escola. Pra aqui, eu acho que não cabe.
Nesse caso, as ilustrações podem ter tido diversas funções, dentro do
material desenvolvido pelos alunos, de acordo com a vontade e criatividade deles.
De qualquer forma, “M2” associa sempre o trabalho com “o concreto” (4) com a
“escola” (6). O “curso” (3) seria “outro momento”, em que precisam ser
trabalhadas “questões” de provas, um momento mais “técnico”.
Já comentamos, em outra seção, a importância que “M1” confere à fixação
da estrutura de problemas matemáticos para facilitar a identificação deles pelos
alunos, quando aparecem em concursos sob outros contextos. Um exemplo é o
Três professores, três visões 49
clássico “problema das patas das galinhas e coelhos”. Ele relata que, quando
trabalha esse problema com os alunos, desenha os animais no quadro para facilitar
o entendimento dos alunos. Isso gera diversão na sala de aula, pois, segundo o
professor, ele desenha “mal pra caramba”:
Aquele problema da galinha e do coelho, que num cercado você tem animais, entre galinhas e coelhos. O total de pés é “tanto”. Quantas são as galinhas e os coelhos? Eu desenho aquilo no quadro. E eu desenho mal pra caramba, né. Então eles morrem de rir, quando eu desenho a minha galinha e o coelho. Aí é uma festa aquele problema. O meu coelho sai uma caricatura de coelho, a galinha também. Aí eu fico: ah, a minha galinha é bonitinha, aí fica aquela brincadeira toda, mas eu desenho, pras eles entenderem que eu tô tirando um coelho e tô botando uma galinha. Poxa, isso dá uma motivação enorme. Então se na apostila tiver esse problema todo com desenho, vai ser fantástico.
Nesse caso, o desenho que o professor faz no quadro funciona como uma
ilustração, com a diferença de que não está fixada no suporte apostila, mas é
gerada na hora, no quadro. Assim, ela exerce a função descritiva, pois o professor
faz desenhos simples que reforçam, visualmente, a diferença na quantidade de
patas dos animais. Ao mesmo tempo, o professor toma partido da sua pouca
proficiência no desenho para transformar a visualização dos desenhos numa
brincadeira, trazendo o aspecto lúdico para a experiência dos alunos.
A professora de português comenta situações em que incluiu ilustrações já
prontas nas apostilas preparadas por ela. “P” valoriza muito o “aspecto lúdico” (3)
e, muitas vezes, a ilustração é base para que ela desenvolva uma “brincadeira” (3)
com os alunos durante as aulas e contextualize os conteúdos:
Mas eu inventei umas ilustrações lá, então, por exemplo, (...) quando eu dei adjetivos. Aí eu peguei, porque ele permite no site dele, o Mauricio de Souza, botei embaixo, “direitos reservados”, peguei uma tirinha da Mônica, e eu botei: “A Mônica é uma menina...” aí eles completam: “agressiva”, né, o que eles quiserem, eu tô dando adjetivos. Aí tem lá uma foto da Mônica lascando a porrada no Cebolinha, aí eles adoram... (grifos nossos)
Função Lúdica – incorpora o humor.
Função Expressiva – transmite uma sensação/emoção pelo semblante da personagem.
“P” reforça sempre o bom senso na determinação da “dosagem certa” (3) de
imagens inseridas nos materiais. Para ela, o material precisa ter imagens “na
Três professores, três visões 50
medida certa” (2), não em demasia, mas “um aqui, um ali” (2), pois já estaria
provado “cientificamente” que a “imagem” (2) ajuda a “abstrair o conteúdo” mais
facilmente do que apenas via texto escrito, principalmente no caso de crianças. A
imagem, assim, é vista pela professora como um meio de assimilação mais fácil,
direta.
A professora também cita a importância do reconhecimento para a
“receptividade” dos alunos em relação às ilustrações:
Então, por exemplo, quando você bota a Mônica, a Magali, a Mafalda, eles adoram. Porque eles estão, já, familiarizados. Já se você lança um desenho novo, uma personagem nova, eles até vão ler, mas não vão ter, talvez, o mesmo interesse.
Ao longo das falas de “M1”, encontramos algumas situações em que ele diz
achar importante a utilização de ilustrações:
Se você estiver ensinando massa, por exemplo, se você desenhar um rato e um elefante, por exemplo, ele vai entender que o elefante tem muito mais massa.
Se você quer ensinar um problema de velocidade e você tem um tremdesenhado, o trem que passa na estação A, e o trem que passa na estação B, aquilo vai, mesmo de forma subconsciente, estimular a criança, vendo o trenzinho, do que ela imaginar o trem.
Função Descritiva – nos dois casos. Representação visual fidedigna ou realística de objetos e
ações do mundo.
As imagens com função dominante descritiva parecem ser as mais
lembradas pelos professores, seguidas pelas que têm função dominante narrativa e
lúdica. A imagem descritiva é valorizada pelo auxílio que prestaria à
memorização de conceitos e problemas. As ilustrações também tiveram seu
aspecto estético comentado, quando os professores comentam que ela deixa o
material mais “bonitinho”, “chamando a atenção” dos alunos, despertando seu
“interesse” e “curiosidade”.
Admitimos, concordando com Silva et al. (2006), que, nas respostas dos
professores a quase todas as perguntas, existem “significações, mesmo que
implícitas, sobre o uso e a leitura de imagens em aulas”, neste caso, de
Matemática e Português. Inspirados por esse trabalho, decidimos incluir, como
fechamento deste bloco, uma rápida análise das representações relacionadas às
Três professores, três visões 51
imagens e ao uso delas que detectamos nas falas dos professores em todos os
blocos de perguntas.
Os termos “inconscientemente” e “subconsciente”, além da idéia de a
atração por imagens ser uma “característica pessoal”, citados por “M1”, nos levam
a entender que, na visão desse professor, a apropriação das imagens é algo não
controlável, não trabalhável num nível consciente, e, sendo pessoal, também não
pede interferência por parte do professor. Cada aluno terá mais ou menos interesse
pelas imagens, e elas estão lá, não precisa haver uma ação do professor. Essa
constatação parece encontrar ressonância no achado de Silva et al. (2006), quando
um professor diz que “não precisamos ensinar a ler imagens, basta mostrar as
imagens e elas falam por si só” (2006, p. 224).
Quando “M2” diz que as crianças são um pouco “autodidatas”, pois, vendo
imagem e texto juntos, elas “lêem, vêem e entendem”, lembramos de mais um
trecho do trabalho de Silva et al., desta vez encontrando um contraste. Enquanto
essa declaração da professora leva ao entendimento de que as imagens sejam algo
de compreensão clara e direta, se pelo menos acompanhadas de um texto, os
professores entrevistados naquele trabalho, após terem participado da oficina de
leitura de imagens, chegaram à conclusão de que as “imagens não são
transparentes”, e possuem “possibilidades de leitura diferentes”, tendo, por isso,
que haver “cautela ao usar imagens”, naquele caso, em aulas de ciências (2006, p.
228-229).
Também podemos perceber uma dificuldade em acreditar que imagens
podem representar – e representam, muitas vezes – conceitos abstratos, muitas
vezes fazendo uso de metáforas.
Detectamos, ainda, a idéia de que as imagens trazem leveza à leitura,
embora, em quantidades maiores, possam, na crença dos professores, prejudicar o
desenvolvimento de uma maturidade nos alunos. O excesso de imagens no
material criaria um hábito nos alunos que, se não contemplado nas provas dos
concursos, poderia prejudicá-los. Para os professores, o papel do curso é ajudá-los
a aprender a raciocinar sem ter imagens ao alcance, imaginando, criando imagens
e estruturas mentais. Mas, retomando a teoria de Felder, para um aluno visual a
imagem faria falta na hora de construir o pensamento, para, na hora do concurso,
ele lembrar melhor do conteúdo e das estratégias utilizadas em sala de aula.
6. Conclusões
O presente trabalho foi motivado, inicialmente, pela inquietação de uma
designer e ilustradora a respeito do uso que teria sido feito das ilustrações
produzidas para as apostilas de matemática do curso “X”. Num primeiro
momento, pensamos que seria possível detectar se as intenções da ilustradora em
cada ilustração produzida teriam tido ressonância na prática pedagógica dos
professores, e se essas imagens poderiam de fato ter servido como apoio ao
aprendizado dos alunos. A partir dos estudos preliminares para a construção desta
pesquisa, tomamos consciência da impossibilidade dessa “transferência” das
intenções da ilustradora para a prática pedagógica.
Coelho encontra num estudo sobre o conto de Balzac Le chef d’oeuvre
inconnu uma possibilidade de interpretá-lo como uma representação da
“diversidade inconciliável entre expressão lingüística e experiência sensível, (...) a
inapreensibilidade da imaginação visiva” (COELHO, 2008). A partir desse ponto
de vista, vemos que o caminho que foi iniciado com a leitura dos conteúdos pela
ilustradora, passou pela geração de imagens na imaginação desta e resultou na
tradução de metáforas e conceitos em ilustrações é inapreensível pelos professores
que utilizarão o material.
Além desse aspecto, muitos autores já explicitaram que a leitura,
principalmente de imagens, não é um processo linear, muito menos universal.
Cada sujeito observa, interpreta e se apropria das imagens a partir de suas
experiências prévias, de sua cultura e da mediação que é realizada.
A ilustração, assim como a imagem fotográfica, não é dada, não tem um
único significado a priori. Reza o dito popular que uma imagem “vale mais do que
mil palavras”. Independente da quantidade de sentidos que se extraia de uma
imagem, os significados apreendidos a partir dela dependerão do texto que a
acompanha, do contexto cultural do leitor e da mediação, do uso que dela se faz.
Assim, apesar dos anseios da ilustradora de colaborar com o trabalho do
professor e com o aprendizado dos alunos através do projeto gráfico e das
imagens produzidas, a partir do momento em que as imagens estão impressas no
material, a apropriação pelos alunos e a mediação realizada (ou não) pelos
Conclusões 53
professores é livre. Abandonamos, logo de início, a ilusão de encontrar nesses
interlocutores os mesmos entendimentos, pensamentos e interpretações
intencionados pelo produtor das imagens em questão.
Em paralelo, confirmamos, através de fundamentação teórica, as
potencialidades da utilização de imagens no enriquecimento do processo de
ensino-aprendizagem e a necessidade da atuação dos professores como agentes
desse processo e mediadores da leitura de imagens. Por isso, fomos em busca das
significações que os professores envolvidos teriam sobre o uso de imagens, como
forma de ajudar a própria designer a tentar enriquecer as conversas e a relação
com os professores-autores, com benefícios para o material e para os alunos, em
última instância.
Vimos que o PNLD determina, resumidamente, que as ilustrações devem
enriquecer a leitura dos textos, auxiliando a compreensão dos alunos, sem poluir
visualmente o material. Seguindo esse raciocínio, as ilustrações poderiam
constituir um recurso rico, um apoio à prática do professor, que poderia ajudar a
complementar as informações omitidas nas apostilas por conta de receios
mercadológicos. Com isso, auxiliariam o aprendizado, se utilizadas pelos
professores na sua prática pedagógica. Porém, pelas respostas que obtivemos na
entrevistas, percebemos que eles sentem-se mais mediadores da linguagem fabular
do que da icônica, mantendo, em sua maioria, as idéias de que a imagem ou é de
compreensão direta, sendo desnecessária a mediação, ou é uma questão pessoal,
sendo infrutífera a tentativa de mediação, ou que a imagem é mais produtiva
quando aplicada a faixas etárias mais baixas, sendo suficiente colocá-las no
material para que os alunos sintam-se atraídos, entendam e aprendam melhor.
Além disso, em diversas respostas, as faixas etárias mais baixas, que
constituem o universo de alunos-alvo do material estudado, foram associadas ao
uso de materiais e abordagens mais “concretas”, “lúdicas”. Desta forma, poderia
ser rico, para o alcance dos objetivos propostos pelos professores, os alunos terem
à disposição recursos alternativos ao resumo dos conteúdos, constituído pelas
apostilas e “folhinhas” de exercícios. Esses materiais alternativos ao impresso são
muito valorizados pelos professores, mas não são utilizados no dia-a-dia, devido a
alguns fatores. Segundo eles, essa situação deve-se à escassez de tempo e a uma
adequação aos objetivos do curso, que seriam muito mais rígidos do que os de
uma escola regular.
Conclusões 54
Com a presente pesquisa, pudemos perceber a influência da formação
superior, tanto em nível de graduação, quanto de pós-graduação, na prática e na
filosofia pedagógicas e na postura dos professores frente ao uso de imagens e
diferentes materiais. Foi interessante perceber os três perfis diferenciados: uma
das professoras (“P”) utiliza registros alternativos da linguagem fabular e,
algumas vezes, a linguagem icônica, em suas aulas. A professora de matemática
(“M2”) reserva esses recursos para o ambiente da escola regular e o professor de
matemática (“M1”) também não utiliza, atribuindo essa atitude à falta de tempo
para o trabalho no curso.
Sem dúvida, o ambiente estudado é muito específico, mas, ainda assim,
encontramos situação semelhante à dos professores que comentaram no II
SILID/SIMAR que não se sentiam à vontade, ou capacitados, para lidar com
imagens e escolher materiais didáticos levando em consideração essa parcela
icônica. Diante da falta de intimidade dos professores com essa linguagem, em
parte possivelmente pela falta de capacitação, em nível de graduação, para a
leitura de imagens e sua apropriação como instrumento de ensino, é importante
que o despertar dessa atitude seja incentivado por outros meios, como cursos de
pós-graduação ou iniciativas como a de Silva et al. (2006), de incluir a leitura
crítica de imagens em programas de educação continuada de professores.
Concordamos com Nathalia Cavalcante, quando afirma que “não há uma
fórmula de ensinar a ler o não-verbal. Trata-se mais do despertar de uma atitude
do que propriamente de competência porque é um processo dinâmico e que não se
dá por meio de uma organização sistemática” (2008. p. 56).
Essa colocação reflete-se bem no caso em que um dos professores
entrevistados desenhou, no quadro, os animais referidos no exercício. O professor
“M1”, que não valoriza muito a linguagem icônica nas suas falas, usou a imagem,
fez com que ela surgisse no momento da explicação, incluiu os alunos na
construção dela, gerando uma experiência muito mais rica do que se a ilustração
estivesse na apostila, muito bem executada por um ilustrador profissional, porém
não apropriada pelo professor.
No caso estudado, pela peculiaridade comercial que se apresenta, além de
desenvolver imagens que apóiem o trabalho do professor e auxiliem o
aprendizado do aluno, poderia ter havido um investimento na criação de objetos
de aprendizagem para uso em sala de aula, que não são passíveis de cópia por
Conclusões 55
concorrentes. Esses materiais criariam experiências significativas, apesar de não
resolverem o problema do aluno que não copiou.
Nas respostas do primeiro bloco de perguntas, percebe-se a importância
dada ao material impresso, tanto pelos professores quanto por pais e alunos. Ao
propor o desenvolvimento de objetos de aprendizagem, não desvalorizamos o
material impresso. Pelo contrário, ao destacar esse achado, chamamos a atenção
para que haja um cuidado cada vez maior com esse material, um estudo e análise
mais aprofundados das ilustrações, uma conversa mais próxima entre professores-
autores e a designer/ilustradora. Através desse processo, esperamos que as
ilustrações criadas sejam cada vez mais adequadas aos conteúdos e aos diferentes
estilos de aprendizagem dos alunos, contemplando também aqueles que aprendem
melhor através de recursos visuais, como sugere Felder (2005).
Neste trabalho, o foco eram as representações dos professores, mas
acreditamos que, no futuro, seria interessante realizar um levantamento da opinião
dos alunos a respeito das imagens do material impresso, como complemento à
pesquisa realizada entre os professores, inclusive como embasamento para a
construção de projetos como a oficina estudada por Silva et al. (2006).
A falta de intimidade detectada nas falas dos professores em relação à
linguagem icônica, que pode ter provocado a utilização menos freqüente dessa
linguagem em situações de ensino-aprendizagem, reflete, também, a escassez de
diálogo entre Design e Educação, gerando a confusão de termos relacionados ao
design em algumas respostas e a falta de diálogo consistente a respeito da
adequação das ilustrações e do projeto gráfico durante o processo de produção das
apostilas. A inexperiência da designer/ilustradora nesse tipo de processo, em
conjunto com a falta de tempo, sempre escasso de ambos os lados, também
contribuíram para essa escassez de diálogo com os autores do material.
A partir das entrevistas e leituras e realizadas e das reflexões alcançadas
neste trabalho, acreditamos ser possível dar novos passos no desenvolvimento do
diálogo entre Design e Educação, construindo novas pesquisas, trabalhando a
leitura e apropriação de imagens em programas de capacitação de professores e
construindo novos materiais para esse curso e outros públicos de forma mais
consciente e dialógica com autores, professores e o público final.
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