Infância(s), criança(s), cultura(s), socialização e escola ... ·...

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Infância(s), criança(s), cultura(s), socialização e escola: perspectivas

sociológicas e educacionais

Lisandra Ogg Gomes

5. Atuações e interações infantis: o sentido da cultura das crianças no espaço escolar.

Esse princípio tem como propósito mobilizar os professores a observarem e avaliarem as relações e construções sociais ocorridas entre as crianças, isto é, terem atenção para a cultura das crianças. O conhecimento dessa cultura possibilitará maior compreensão e aproximação dos acontecimentos do mundo infantil, o qual está em correlação com a cultura da qual as crianças participam. É um princípio que envolve a produção, reprodução e interpretação da cultura das crianças.

CULTURA

CULTURA DAS CRIANÇAS

EDUCAÇÃOSOCIEDADE

LÚDICO HEDONISMO

“As crianças têm cultura?”

Cultura na infância – um conjunto de práticas e ideias que atua na infância.

Crianças na cultura – trata-se da participação das crianças na cultura.

Cultura para a infância – abrange as instituições e o aparato concreto e simbólico destinados às crianças.

Cultura com crianças – as crianças tanto aprendem como ensinam na cultura da qual participam.

Cultura das crianças ou da infância – produções, significações, reproduções, difusões e interações ocorridas entre as crianças.

Cultura lúdica

Brincadeiras, brinquedos, festas religiosas e folclóricas, histórias/causos...

Cultura das crianças ou da infância

Produções, significações, reproduções, difusões e interações ocorridas entre as crianças.

Fotos sem referências aos

autores/ Sd.

A cultura das crianças

“[...] um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e ideias que as crianças produzem e partilham em

interação com os seus pares”.William Corsaro e David Eder. Children’s peer cultures. 1990

1) As crianças são atores sociais, ativas e co-construtoras da infância e sociedade;

2) As crianças socializam-se ↔ reproduzem interpretando ↔ são produtoras e produtos dos processos sociais;

3) As práticas das crianças não são neutras ou naturais, mas traduzem um pertencimento a uma dada cultura.

“[....] as crianças não constituem nenhuma comunidade isolada, mas sim uma parte do

povo e da classe que provém”.

Walter Benjamin. Reflexões. 2002.

“As crianças têm cultura?”

“Existe uma cultura infantil - uma cultura constituída de elementos culturais quase exclusivos dos imaturos e caracterizados por uma natureza lúdica atual.

[…] e de onde vêm estes elementos da cultura infantil?

Em grande parte – a quase totalidade – esses elementos provêm da cultura do adulto. São traços diversos da cultura animológica que, abandonados total ou parcialmente, transferem-se para o círculo infantil, por um processo de aceitação, incorporando-se à cultura do novo grupo.

[…] Exemplos dessas citações – que supomos infantis – são os brinquedos como “Papai e Mamãe”, “Banqueiro”, “Polícia”,

“Melancia”, “Fitas”, etc., quase todos calcados sobre motivos da vida social”.

Florestan Fernandes. As trocinhas do Bom Retiro. 2004

Elementos da cultura das crianças

1) A cultura estrutura o brincar, o jogo, as relações e as interações ocorridas entre as crianças.

“Léo e Júlio brincam entre uma atividade e outra.Júlio propõe uma brincadeira e escolhe um personagem vivenciado por ele:- Eu vou ser o pastor!- Não! Aqui não é igreja. - responde o Léo- Eu vou de blusa vermelha. - diz Júlio rindo sem se importar com o que foi dito pelo colega.- Qual o nome do seu pastor? – pergunta Léo rindo.- Sei lá!”

Pesquisa realizada com crianças de 06 anos.Jordana Castelo Branco. RJ, 2012, p. 104.

Elementos da cultura das crianças

2) Passado-presente-futuro regem igualmente as ações das crianças, não há linearidade.

““Eu era a filhinha, eu já tava na faculdade. Tchau mamãe, eu vou pra faculdade.” Mas ao mesmo tempo demonstravam que se tratava de um jogo entre meninas de 8 anos de idade, pois as mesmas filhinhas traziam as seguintes preocupações para as mães: “Tó, filhinha, mas esse dinheiro não é pra você gastar comprando doces, senão vai ficar de castigo!!...””

Pesquisa com crianças de 08 anos.Tamara Grigorowitschs, SP, 2007, p. 133.

Elementos da cultura das crianças

3) As crianças partem de roteiros (scripts).

“As crianças estão no momento da rodinha, realizando o planejamento da aula. A professora diz para elas: Hoje, não teremos recreio por causa da chuva. O que vocês querem fazer neste momento?Catarina: Vamos brincar de casinha?Cleiton: Vamos brincar de médico?Justin: Eu quero brincar de rodízio.Catarina: Ah, não Justin! Vamos fazer faz de conta!Thaís: É! Faz de conta é melhor.Maria: Então, vamos fazer uma votação?Assim que o Justin apresentou a sua proposta, várias crianças mudaram de opinião e passaram a concordar com ele. Assim, a proposta escolhida pela maioria das crianças, foi aquela sugerida pelo Justin”.

Pesquisa com crianças de 05 anos.Jacqueline Pádua de Oliveira. MG, 2012, p. 168.

Elementos da cultura das crianças

4) As relações são de interdependência, liderança e influências.

“Um grupo de meninos brincava com os carinhos em miniaturas e massinha. O Breno chegou à mesa e pediu para participar, mas o Aquio não permitiu. O Breno então pegou uma das peças e o Aquio reclamou:– Breno, devolve minha peça! Eu estava brincando com ela. Ela é minha!O Aquio reclamava usando um tom de voz alto para chamar a atenção da professora. Porém, ambos perceberam que ela não lhes dava atenção. O Aquio então passou a gritar, enquanto o Breno falou baixinho:– Você tá parecendo um bebezinho. Você quer ir pra sala dos bebês? Já dou a tampinha.O Aquio ficou constrangido, disse que não queria ir para a “sala dos bebês” – a creche – e desistiu da peça e da brincadeira”.

Pesquisa com crianças entre 04 e 05 anos.Lisandra Ogg Gomes, SP, 2012, p. 133.

Elementos da cultura das crianças

5) Construção e negociação de sentidos (gestos, movimentos, falas e expressões).

“Inês (um ano e 11 meses) aproxima-se da mesa, abaixa-se e olha para o rosto da boneca, em seguida começa a dar-lhe de comer. Outras crianças aproximam-se da mesa, Inês observa. Santiago (dois anos e um mês) empurra para o chão o lenço e o prato. Em seguida abaixa-se. Inês o olha e bate com a colher na mesa, sendo que a última batida é bastante forte e acompanhada de um olhar reprovador de Inês. Santiago levanta-se e bate com a mão e em seguida com uma moto na mesa. [...]. Santiago vai para o escorregador com uma moto na mão. Ele olha para Inês e faz alguns sons tentando chamar sua atenção. Inês desloca-se novamente para a mesa, olha para o rosto da boneca e vai até a estante buscar algumas embalagens. Inês encosta uma embalagem de suco na boca da boneca. Santiago emite alguns sons na direção de Inês, que olha e diz nã, mas ele continua a comunicar-se com ela”.

Angela Coutinho. O corpo dos bebês como lugar do verbo. 2012.

Elementos da cultura das crianças

6) O conhecimento é comunicado e compartilhado.“Vítor: Diz que é tudo muito bom, mas não é sempre assim.Rui: Pois é! Aquele detergente que limpa a moeda, a minha mãe comprou e não é assim tão bom.Investigador: Então vocês acham que a publicidade engana as pessoas, é isso?Ângela: Às vezes sim, outras não. Essa do detergente que limpa a moeda é para enganar, mas há outras que são verdade… Sei lá…Maria: Quando dizem que algumas bolachas são boas, elas são mesmo boas.Diana: E no Mac Donalds oferecem as coisas que dizem na televisão.Vítor: Pois depende… há reclames que enganam, mas há outros que são verdadeiros. Mas eles dizem sempre que é tudo muito bom que é para as pessoas comprarem”.

Pesquisa com crianças entre 9 e 10 anos.Rosa Rodrigues. Braga, 2007, p. 100.

Elementos da cultura das crianças

7) Associação e seleção produzem a imaginação.

“Clayton: Toda hora tracinho, toda hora tracinho. [comentando a atividade passada pela professora].Eles brincam de “ver quem termina a lição primeiro”.Guilherme: Olha, olha vocês tão aí, mas a gente tá “ganhano” (mostrando a folha do Gustavo).Clayton: A minha letra tá que nem a da prô, toda torta (risadas dos meninos)”.  

Pesquisa com crianças entre 05 e 06 anos.Renata P. Weffort Almeida, SP, 2009, p. 99.

Elementos da cultura das crianças

8) É criação, pois as crianças imaginam, combinam, reproduzem, produzem, modificam e difundem ideias, práticas e valores.

“Um grupo [...] está brincando de “fazer castelo”. A proposta é fazer areia molhada, mas a areia está muito seca. Renan sai para beber água e Thainá também sai. Um pouco depois chega Thainá com a boca cheia de água e cospe no “castelo”.

1- M: Eca!2- P: Que ideia, hein?3- T: Vou lá pegar mais! Saem correndo em direção ao bebedouro Renan, Ana Beatriz, Thainá, Raiana.

4- P: Foi todo mundo pegar a água com a boca no bebedouro?5- M: Ha, ha! Eu pego, quer ver? (Milena também sai correndo, seguida de Laís)6- L: Eu também!”

Pesquisa com crianças de 06 anos.Ângela Borba, Niterói, 2005, p. 246.

Elementos da cultura das crianças

9) É uma cultura diversificada e expressiva, pois abrange contextos, gêneros, idades, referências simbólicas, classes sociais, expectativas e possibilidades.

“Na casinha de alvenaria, as crianças organizaram um casamento. O Neimar disse para a Griselda, que era a líder da brincadeira: “Griselda, você não pode casar com ele (uma criança negra). Você tem que escolher um menino da sua cor.” A Griselda rapidamente respondeu: “Pode casar com qualquer cor e pode ter filho também. Você não sabe não?” O “marido” de Griselda deu uma gargalhada e continuaram a brincadeira. O Neimar, inconformado, saiu xingando todos que estavam na casinha com um “palavrão””.

Pesquisa com crianças de 05 anos. Sandra Maria de Oliveira, MG, 2012, p. 108.

Elementos da cultura das crianças

10) As crianças são co-construtoras das suas culturas.

“Rafael, da 3ª série, vem até a escada e grita para uma menina: "Você saiu do grupo? Se não saiu, vem que vai ter reunião agora!" Neste mesmo agrupamento, voltam sete meninos e ficam perto das meninas. Rafael discute com uma menina sobre quem entra e quem sai: “Já tem muita gente no clube!”. Eu me aproximo de uma menina que conheço, pergunto por que a outra não pode entrar e ela diz: “Ela é muito oferecida, exibida!” [...]; e completa, orgulhosa: “O nosso clube tem presidente e secretário””.

Tânia Mara Cruz. Gênero e culturas infantis. 2012.

Sociabilidades / Interações

1) a cultura das crianças é plural, pois está centrada nas experiências estabelecida entre elas;

2) as relações sociais entre as crianças têm um modo mais descontraído, pois as normas e os valores são estabelecidos por elas e segundo interesses delas;

3) as crianças formam seus grupos a partir de vínculos emocionais e de um sentimento de segurança;

4) os grupos apropriam-se, protegem e controlam seus espaços sociais;

5) ao compartilharem os mesmos interesses as crianças constituem suas amizades;

6) as tensões e os conflitos são altamente produtivos na medida que as crianças precisam rever e reconsiderar suas ações e falas;

7) a negociação expressa o sentido de comunidade.

SocializaçõesOs mecanismos normativos e valorativos têm como propósito ajustar as condutas dos indivíduos para uma determinada finalidade, ou seja, a educação de algo.

“Durante o parque, o Caio desistiu de brincar com os meninos e seus carrinhos, foi até a sala, guardou seu brinquedo e, quando voltou, juntou-se

às crianças que estavam na balança. Quando ele desistiu dessa brincadeira, voltou à sala, pegou seus carrinhos e quis voltar para a brincadeira dos

carrinhos. Porém, foi surpreendido pela seguinte afirmação do Aquio:– Agora você não é mais meu amigo, porque não quer brincar de carrinho.

Eu não quero que você brinque mais!Caio: – Eu quero brincar com vocês!

Aquio falou para os outros meninos: – Vamos caras, vamos fugir!Antes de saírem correndo, o Eduardo empurrou o Caio como forma de dizer

para que ele não os acompanhasse. Os olhos do Caio encheram-se de lágrimas; ele olhou para os lados, ficou alguns segundos sem saber o que

fazer até que viu o Henrique e pediu para brincar com ele”

Lisandra Ogg Gomes, SP, 2012, p. 159.

O prazer / hedonismo

“As crianças brincam porque gostam de brincar, e é precisamente em tal fato que reside sua liberdade” (Johan Huizinga. Homo Ludens, 2007).

As atividades lúdicas são experiências de prazer, felicidade e diversão.

O prazer está na interação social – sociabilidade –, por exemplo, em gabar-se do êxito ou ganhar honra, prêmio, poder, prestígio, estima...

O prazer está na criação – transgredir, ultrapassar e significar – possibilitada pela atividade lúdica.

As formas de socialização impõem medo e vergonha; o prazer passa a ser restrito (considerado fácil, irracional e eventual).

As formas de sociabilidade geram prazer em virtude do que as interações proporcionam.

Mas, a infância não é o tempo da felicidade.

Realidade.

- Projetamos racionalmente nossa vida: o passado, elemento que sustenta o presente; no presente planejamos e adiamos o prazer em nome do futuro.

- O prazer, a felicidade e o sucesso são possíveis no futuro. Adiamos o prazer em nome de um projeto futuro.

Prazer.

- O que interessa é viver o aqui e o agora.

- Busca-se o prazer do agora.

- Busca-se o sucesso e a felicidade ainda que efêmeros.

Cultura Lúdica

Cultura lúdica: significação da vida com outro sentido - o brinquedo

- é um elemento simbólico e funcional que carrega uma imagem risonha e nostálgica da infância dos adultos;

- é feito por adultos para as crianças (são co-construtoras);

- tem cores e formas – constroem uma ideia de que coisas e seres possuem alma (animismo) e são atribuídos comportamentos e formas humanas (antropomorfismo);

- tem magia.

- a mídia – através da publicidade – influencia a cultura lúdica.

“Através do brinquedo, a criança entra em contato com o discurso cultural sobre a sociedade, realizado para ela [...]” (Gilles Brougère. Brinquedo

e cultura, 2001).

Através do brinquedo, a criança é convidada a decifrar os conteúdos complexos, ricos, diversificados e estruturados dos esquemas sociais.

Bibliografia:BENJAMIN, Walter. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. SP: Duas Cidades; Editora 34, 2002.

BRANCO, Jordanna Castelo. A presença do discurso religioso em uma escola de educação infantil da rede pública do município de Duque de Caxias. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Programa de Pós-graduação em Educação. Rio de Janeiro, 2012.

BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez Ed., 2001.

COUTINHO, Angela Maria Scalabrin. O corpo dos bebês como lugar do verbo. In: ARROYO, Miguel; SILVA, Maurício R. (orgs). Corpo-infância: o exercício tenso de ser criança; por outras pedagogias. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

CORSARO, William A.; EDER, David. Children’s peer cultures. Annual Review of Sociology, vol. 16, 1990.

CRUZ, Tânia Mara. Gênero e culturas infantis: os clubinhos da escola e as trocinhas do Bom Retiro. Educação e Pesquisa. São Paulo, vol. 38, nº. 01, p. 63-78, 2012.

FERNANDES, Florestan. As “Trocinhas” do Bom Retiro: contribuição ao estudo folclórico e sociológico da cultura e dos grupos infantis. Pro-posições, Campinas, vol. 15, nº. 43, jan./abr. 2004.

FERREIRA, Manuela. Galgar fronteiras, criar “pontes”, traçar “ruas” e itinerários: a construção social de sentidos nos espaços intersticiais da sala do Jardim de Infância pelas crianças. Poiésis, Tubarão, v. 4, n. 8, jul./dez. 2011.

GOMES, Lisandra. Particularidades da infância na complexidade social – um estudo sociológico acerca das configurações infantis. Tese (doutorado) – Universidade de São Paulo. Programa de Pós-graduação em Educação. São Paulo, 2012.

GRIGOROWITSCHS, Tamara. Jogo, processos de socialização e mimese. Uma análise sociológica do jogar infantil coletivo no recreio escolar e suas relações de gênero. Dissertação (mestrado) – Universidade de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação. São Paulo, 2007.

HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. SP: Perspectiva, 2007.

MEIRELLES, Renata; REEKS, David. Território do brincar. Disponível em: http://www.territoriodobrincar.com.br/o-projeto

OLIVEIRA, Jacqueline Pádua. Posso brincar com você? Crianças, interações e formas de sociação em uma Unidade de Educação Infantil. Dissertação (mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Educação, Belo Horizonte, 2012.

OLIVEIRA, Sandra Maria de. A formação de atitudes racistas em uma unidade de educação infantil em belo horizonte: o que as rotinas e as interações entre as crianças nos revelam. Dissertação (mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Educação, Belo Horizonte, 2012.

RODRIGUES, Rosa Maria da Cunha. Ver, desejar e consumir: a relação entre a publicidade e o consumo de alimentos entre as crianças. Dissertação (mestrado) – Universidade do Minho. Instituto de Estudos da Criança – Instituto de Ciências Sociais. Braga, Portugal, 2009.

SOUSA, Mauro Wilton de. Novas linguagens. SP: Editora Salesiana, 2001.