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Introdução
1. Contextualização e apresentação do tema
A cidadania está “na moda” e raro é o dia em que não se ouve falar dela. O
Estado Português interessa-se pelos direitos e deveres do seu povo1, a União Europeia
zela pelo cidadão europeu2, sendo de salientar a preocupação em preparar o cidadão
para a “aldeia global”3. Até há quem fale “de cidadania no masculino e no feminino,
porque é aí que tudo se gera” (Prazeres, 2008, Agosto, p. 34). Hoje em dia, quem ignore
esta temática corre o risco de viver à margem da sociedade.
Ora, a escola insere-se na sociedade, à qual pertence e da qual depende (Proença,
1990; Perrenoud, 2005), portanto “comporta no seu seio os mesmos conflitos, as
mesmas diferenças e os mesmos desafios que existem na sociedade em geral”
(Perrenoud, 2002, p. 89), “reproduzindo, assim, aí, o caldo de cultura que está na base
da chamada complexidade social” (Lúcio, 2008, p. 18). Para além disso, a sociedade
está em permanente mudança e a escola, “por natureza uma instituição com funções de
passagem cultural e socialização” (Roldão, 1999a, p. 16), tem um ritmo de mudança
mais lento, que dificilmente responde com adequação às necessidades do momento, o
que justifica as queixas que habitualmente se ouvem acerca da ineficácia da escola
(Roldão, 1999a). Assim, o empenho em tornar acessível o conhecimento a um público
muito diversificado e em tempo útil, tem exigido um grande esforço de adaptação, tanto
da escola, como dos professores (Proença, 1990; Roldão, 2005).
Foi lançado à escola o repto de definir como objectivo seu a educação para a
cidadania de sucesso, podendo ser essa a resposta aos complexos e diversos problemas 1 Na Constituição da República Portuguesa, a palavra “cidadania” vem mencionada 6 vezes e “cidadão/cidadãos” 177 vezes (Lei Constitucional nº 1/2005, de 12 de Agosto). 2 A cidadania europeia foi estabelecida pelo Tratado de Maastricht, assinado a 07/02/1992 (Parte II, Artigos 17º a 22º) (http://ec.europa.eu/youreurope/nav/es/citizens/citizenship/citizenship/index_pt.html consultado em 08/08/2008). 3 A título de exemplo, o projecto Educating the global citizen - globalization, educational reform and politics of equity and inclusion in 12 countries. The Portuguese case, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e que tem como investigador responsável António Teodoro, procura saber em que medida a globalização está a afectar as reformas educacionais (http://www.eduglobalcitizen.net/index.php consultado em 08/08/2008).
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sociais da actualidade, inerentes à democratização e massificação do ensino (Lúcio,
2008). No entanto, o panorama não é risonho, pois as democracias do mundo ocidental
apresentam sinais de crise. A sua sobrevivência depende da capacidade crítica que cada
indivíduo revela em relação às ideias que vão sendo transmitidas, bem como da sua
capacidade em ultrapassar os interesses pessoais e considerar o outro. Têm sido
trilhados caminhos importantes nesse âmbito, mas há fracassos a registar. E, embora
essa assumpção das falhas seja fundamental para se prosseguir, não é suficiente. Há que
reflectir sobre o que foi feito, com que objectivos, reformular o que for necessário,
traçar novas metas, definir estratégias e avançar (Fonseca, 2001).
Esperava-se que a escola fosse uma espécie de antídoto para muitos dos
problemas diagnosticados na sociedade, como são exemplo o enfraquecimento dos laços
sociais e a violência urbana. No entanto, a escola foi, também ela, afectada pela
desordem e pela violência, sendo esta resultado dos estigmas que a sociedade inflige
nos alunos (Perrenoud, 2002).
Portugal partilha com outros países a preocupação com estas questões. E,
consciente das potencialidades da escola, atribuiu à educação para a cidadania um
carácter transversal a todas as áreas do saber, sendo transdisciplinar no ensino básico
(Decreto-lei nº6/2001, de 18 de Janeiro). Mas, a aprendizagem da cidadania nem
sempre tem sido bem sucedida, como o comprova a violência quotidiana, de que é
exemplo o episódio recente (dia 12 de Março passado), amplamente divulgado pelos
meios de comunicação social, que ocorreu na Escola Secundária/3 Carolina Michaelis
(Porto). Tratou-se de uma cena de violência numa sala de aula, filmada por um aluno no
seu próprio telemóvel e, posteriormente, partilhada no site YouTube4. Concretamente,
uma adolescente tentava recuperar o seu telemóvel das mãos da professora, que lho
havia tirado, por aquela o estar a utilizar durante o tempo lectivo. A disputa verbal e
física entre ambas foi presenciada pelos restantes elementos da turma que, no início,
foram espectadores, limitando-se a emitir risos e comentários. Num segundo momento,
alguns tentaram intervir para acalmar a situação, mas os restantes mantiveram-se
passivos e as filmagens continuaram (Leiria, 2008, Março).
4 Disponibilizado no dia 20 de Março de 2008, sob o título de 9ºC em grande, no site http://www.youtube.com/watch?v=5jubEHdCzYI.
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Este episódio, que chocou o país, inspirou reflexões preocupadas. Os aspectos
negativos são notórios, embora tivesse igualmente o mérito de agitar a geralmente
acomodada opinião pública com questões relacionadas com os problemas da educação
em Portugal, trazendo-os para a ordem do dia. Provocou um debate que extravasou os
meios restritos das elites intelectuais e/ou políticas, alargando-se ao cidadão anónimo,
ouvindo-se comentários a esse respeito nos meios de comunicação social, nos
transportes públicos, nas mesas dos cafés… Afinal, todos têm filhos, netos, sobrinhos,
amigos… na escola, que poderiam ter estado expostos a situações semelhantes.
Numa tentativa para perceber as causas do insucesso da educação para a
cidadania no nosso país, talvez se deva recuar uns anos, ainda que com brevidade.
Durante quase meio século, Portugal esteve mergulhado numa ditadura que deixou
marcas no ensino. Os valores nacionalistas eram inculcados de modo submisso e
perpetuados geração após geração, uma vez que a nação lusa, “orgulhosamente só”, se
fechou às influências estrangeiras, isolando-se num “paraíso triste”, como lhe chamou
Saint-Exupéry. A guerra colonial ajuda a abrir as portas à Revolução do 25 de Abril,
que devolve a democracia ao país (Beltrão & Nascimento, 2000). Os primeiros passos
hesitantes mas ousados, embora por vezes excessivos, do recém-nascido regime,
integraram mudanças no ensino, no sentido de aliar a criatividade à descoberta de novos
caminhos (Sampaio, 1999). Sob o signo da utopia, apanágio dos períodos
revolucionários, ambicionava-se “construir uma sociedade nova, uma escola nova e um
homem novo” (Pintassilgo, 2007, p. 61). Este é um dos períodos em que a cidadania
surge aliada à alfabetização, pois acreditava-se que a “liberdade estava intimamente
ligada ao conhecimento” [Vasco Gonçalves] (A.M., 1975, Maio5) e que “o
analfabetismo é uma marcha mítica e fatalista na sociedade portuguesa, é um nevoeiro
sebastianista em que se resguarda o real” (Moura, 1997, Novembro6). Assim, era
necessário alfabetizar, não só para a aquisição das competências de leitura e escrita,
como também para empreender uma mudança de mentalidades, que valorizasse a
capacidade de uma participação activa e consciente (Mogarro & Pintassilgo, 2006). De
facto, a educação para a cidadania foi alvo da preocupação dos governos no período
pós-revolução, embora fosse, posteriormente, desvalorizada (Sampaio, 1999).
5 A.M. (1975, Maio). Revolução cultural. Do exercício da alienação para o exercício da liberdade. O Professor, 8, 20-21. Citado por Pintassilgo, 2007, p. 62. 6 Moura, H.C. (1977, Novembro). Alfabetização. Participação das populações. O Professor, 2 (Nova série), 30. Citado por Pintassilgo, 2007, p. 63.
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Em Portugal, acresce que a sociedade mudou radicalmente, embora a escola não
se tenha alterado significativamente, nem na sua estrutura, nem nos padrões de
funcionamento, agravando o desfasamento existente, o que pode “transformar a escola
num enorme agente bloqueador, em vez de promotor da real educação dos cidadãos”
(Roldão, 1999a, p. 16).
Com a promulgação da Lei de Bases do Sistema Educativo7 em 1986 e a
reforma curricular em 1989, inicia-se um período de maior estabilidade no ensino,
embora não se concretizassem de forma significativa as soluções apontadas para a
educação para a cidadania. Por outras palavras, a disciplina de Desenvolvimento
Pessoal e Social, a Educação Cívica e a Área-Escola funcionaram esporadicamente
(Sampaio, 1999). Uns anos mais tarde, o Decreto-lei nº 6/2001, de 18 de Janeiro, lança a
Gestão Flexível do Currículo, ainda hoje em vigor, no qual a cidadania aparece como
objectivo transversal no currículo e como objecto da área curricular não disciplinar de
Formação Cívica, como já referido anteriormente. “Por tudo isto, a educação para a
cidadania é hoje, mais do que uma necessidade, uma exigência dos agentes educativos”
(Henriques et al., 2006, p. 7).
E são preocupantes os sintomas de demissão do «bem comum» diagnosticados
no povo português, nomeadamente os baixos níveis de participação na vida política e o
elevado abstencionismo nas eleições (Soares, 2003; Henriques et al., 2006); o défice
cívico das crianças e dos jovens portugueses, que demonstraram não estar interessados
em se assumir como cidadãos activos, participativos, apoiando o regime democrático,
embora desconfiados do seu funcionamento, preferindo afastar-se dos centros de
decisão políticas8 (Fonseca, 2001). O actual Presidente da República Portuguesa, Aníbal
Cavaco Silva, constatou isso mesmo no seu habitual discurso proferido no Parlamento,
aquando das comemorações do 25 de Abril deste ano. O Chefe de Estado fez referência
a um estudo científico, encomendado à Universidade Católica, As atitudes e
comportamentos políticos dos jovens em Portugal. Mais precisamente, foram colocadas
7 Lei nº 46/1986, de 14 de Outubro, que salienta a importância e a necessidade da educação para a cidadania, definindo o perfil do cidadão ideal: livre, responsável, autónomo, solidário, valorizando a dimensão humana do trabalho (Capítulo I, Artigo 2º, Alíneas 4), possuidor de um espírito democrático, pluralista, respeitador dos outros e suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, possuidores de espírito crítico e criativo em relação ao meio social que integram e em relação ao qual devem empenhar-se na sua transformação progressiva (Capítulo I, Artigo 2º, Alíneas 5). 8 Dados mencionados por Fonseca (2001), referentes a um estudo elaborado por Menezes, I (1995). Educação Cívica em Portugal: Estudo preliminar, Lisboa: Instituto de Inovação Educacional.
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três perguntas, a saber: qual era o número de Estados da União Europeia; quem foi o
primeiro Presidente da República eleito depois do 25 de Abril; se o PS dispunha ou não
da maioria absoluta no Parlamento. “«Pois, senhores deputados, metade dos jovens
entre os 15 e os 19 anos e um terço entre os 18 e os 29 anos não foi sequer capaz de
responder correctamente a uma única das três perguntas», disse e repetiu” (Botelho,
2008, Abril, p. 2). De seguida, renovou um apelo feito noutra ocasião “para que os
cidadãos tomem o futuro nas suas mãos e participem nas soluções.” (Botelho, 2008,
Abril, p. 2).
O eclipse da família pode ser apontado como uma das explicações para tal
atitude por parte dos jovens. A melhoria do nível de vida dos portugueses, devido ao
crescimento económico e ao aumento do poder de compra, gerou um consumismo
exagerado, sendo comum ouvir referências ao sobre-endividamento das famílias. Para
além disso, passou-se a enaltecer um estilo de vida baseado nas aparências e no
egocentrismo. Não alheios a estes fenómenos estão os meios de comunicação, cujo
alcance se torna maior devido à incapacidade das famílias e/ou das escolas em
contraporem como referência um código de valores (Soares, 2003).
Segundo Fernando Savater (2006), antes de chegarem à escola as crianças já
passaram pela experiência educativa do ambiente familiar, ou seja, pela socialização
primária. A escola será o local para a socialização secundária, onde se adquirem
conhecimentos e competências de alcance mais especializado. Mas, a primeira
compromete a segunda e, como agravante, “enquanto a função educativa da autoridade
paterna se eclipsa, a educação televisiva conhece uma intensidade cada vez maior,
oferecendo sem esforço nem pudores que descriminem o produto exemplarizante
outrora manufacturado pela actividade artesanal familiar hierarquizada.” (Savater, 2006,
p. 77). Se as crianças aprendem as virtudes por imitação, então a longa exposição diária
ao lixo televisivo, da internet e dos jogos de computador com violência e crueldade,
propicia o desenvolvimento de efeitos nefastos no carácter (Marques, 2008).
O facto de a família não estar a cumprir as tarefas que lhe foram destinadas, tem
como consequência o aumento do campo de actuação e da responsabilidade da escola.
Assim, o professor tem a responsabilidade acrescida de ajudar as crianças a organizar a
informação a que têm acesso mais ou menos indiscriminado, fornecendo-lhes
instrumentos cognitivos para que a possam combater, torná-la benéfica ou menos
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prejudicial. Por outras palavras, a transmissão de valores e de referências outrora
iniciadas no seio familiar, quando não estão entregues ao imprevisto, foram, em muitos
casos, transferidas para a escola. Esta situação acarreta outros problemas, como “a
sobrecarga de funções tem retirado aos professores energias e tempo para o desempenho
da função fundamental: o ensino” (Marques, 1998, p. 14).
É igualmente de considerar o facto de, nas sociedades desenvolvidas actuais, a
opinião pública e a classe política pretenderem uma escola eficaz, capaz de preparar
para a vida, sem implicações pesadas no erário público. Fruto da democratização do
ensino, regista-se uma procura crescente pela escola, embora os resultados não sejam os
desejados, uma vez que a um nível superior de escolaridade os jovens não têm
correspondido com comportamentos mais tolerantes e mais responsáveis. Para além
disso, os diplomas perderam o prestígio de outrora e já não são garantia de emprego
que, por sua vez, tem diminuído. Assim, as famílias debatem-se com um problema sem
fácil resolução. Por um lado, os pais pressionam os filhos no sentido de obterem sucesso
escolar, por outro os jovens não acreditam que seja esse o caminho para vencerem as
dificuldades com que se vão deparar. Então, reserva-se para a escola uma missão quase
impossível, ou seja, formar uma juventude que não acredita que a escolaridade lhe
assegure o futuro (Perrenoud, 1999).
Realmente a escola reconhece a importância de educar para a cidadania,
nomeadamente na luta contra a desagregação social, mas muitas vezes limita os seus
esforços à via cognitiva, através da transmissão de conhecimentos úteis, como regras de
conduta social, informações sobre o sistema político ou história das instituições ou
quem se destacou... esquecendo que “não é por reflexo condicionado que se aprende a
ser cidadão, mas também não é através de “aulas” cheias de referências distantes dos
problemas que afectam as vidas dos seres humanos que, no concreto, nos rodeiam”
(Fonseca, 2001, pp. 7-8).
Sendo professora de História do Ensino Básico e Secundário, estes episódios,
nomeadamente o sucedido na Carolina Michaelis e o discurso do Presidente da
República, relembraram-me algumas das preocupações que tenho relativamente ao
ensino, ou seja, a educação para a cidadania numa escola em mudança, de modo a poder
dar resposta aos novos desafios lançados pela sociedade actual, também ela em
mutação. Que a legislação reserva às escolas um espaço para educar no âmbito da
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cidadania, é um facto. O que se passa na prática, essa é outra questão, para cuja resposta
pretendo dar um contributo com esta dissertação, Aprender cidadania no Ensino Básico
com a disciplina de História: três percursos no concelho de Odemira.
2. Relevância, pertinência e motivação
A investigação começa com a identificação de um problema que inquieta e que é
traduzido em questões (uma ou várias), para as quais se pretende dar resposta
(Tuckman, 2002; Pacheco, 2006). A origem desta dissertação de mestrado esteve numa
curiosidade antiga. Desde os tempos em que era apenas aluna, que me cativavam os
fenómenos que tinham lugar na sala de aula e que iam além da mera aprendizagem dos
conhecimentos científicos. Lembro-me como atraía a minha atenção o modo como o/a
professor/a entrava, a sua disposição, o que trazia vestido, como saudava os alunos,
indicadores de como a aula ia prosseguir. Podia ser interessante, envolvente e com
oportunidade para “umas piadas”. Outras vezes era melhor permanecer atento e ficar
quieto, pois o terreno era movediço. Reparava nas questões relacionadas com o
comportamento e as atitudes dos colegas e do professor, a reacção de todos às
provocações que, aqui e ali, iam surgindo, a consideração mútua que se ia
estabelecendo, o respeito pelas tais fronteiras, não visíveis mas reais, que separavam
alunos de alunos e estes do professor. Mais tarde, vim a perceber que o que polarizava o
meu interesse eram questões relacionadas com a educação para a cidadania. Se a
escolha da licenciatura em História não foi estranha a estas razões, quanto à do
mestrado não tenho dúvidas.
Reflectir sobre a prática profissional, pensar sobre o que se fez, o que se faz e o
que poderá ser feito, tem sido uma preocupação constante ao longo da minha carreira. O
mestrado surgiu como um momento privilegiado para o poder fazer de um modo mais
sistemático, fundamentado e acompanhado. As leituras indispensáveis, a actualização
implícita, a troca de ideias com professores e colegas, o acesso a contextos educativos
diferenciados, constituiram um fermento que catalisou essa análise individual,
permitindo “desconstruir e explicar para compreender” (Roldão, 2004, p. 5). Contribuir
para que os alunos sejam cidadãos conscientes, críticos e activos, melhorando,
simultanemamnte a prática lectiva, beneficia os alunos e constitui um desafio aliciante.
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Odemira não foi uma escolha aleatória. Foi o concelho que acolheu a maioria
dos anos da minha prática lectiva e ao qual estou ligada através de laços familiares.
Estudar uma região conhecida, permite contextualizar melhor os dados recolhidos,
havendo como que um descodificador natural facilitador da compreensão das
mensagens, permitindo de uma forma mais clara aferir o meio. Os perigos da demasiada
proximidade estão acautelados, pois numa das escolas nunca trabalhei e a outra deixei-a
há sete anos atrás, com uma realidade diversa da actual. Na época participei na
preparação da implementação da Gestão Flexível do Currículo, apenas efectivada no
ano seguinte à minha saída. Para além disso, a opção por uma região geográfica
conhecida permitiu resolver as questões relacionadas com os limites de tempo impostos
pelo mestrado.
Quanto à opção pela disciplina de História do 3º Ciclo do Ensino Básico, deve-
se ao facto de ter sido o denomidador comum dos anos que leccionei. Mesmo sem
querer, a rotina vai-se instalando, com as vantagens e inconvenientes implícitos. Se por
um lado facilita a planificação de actividades, simplificando a inter e
transdisciplinaridade, por outro permite (des)cansar, podendo pôr em causa a
criatividade e abrindo as portas à monotonia, pois “infelizmente, de rotinas não
interrogadas é feito muito do quotidiano dos professores e das escolas” (Roldão, 2004,
p. 5). Assim, aprofundar as potencialidades do currículo de História do 3º Ciclo do
Ensino Básico, com a tónica na cidadania, enriquecido com as experiências de outros
colegas, pode ser o gatilho que despolete a criatividade, promotora de inovação.
A presente dissertação teve ainda como motivação mostrar a importância e
polivalência que a História tem no currículo. Deste modo, penso contribuir para que o
ensino desta disciplina ultrapasse a situação de risco em que se encontra, por ser uma
disciplina pouco escolhida pelos alunos e encarregados de educação, que consideram ser
uma área que não lhes garante o futuro (Veríssimo, 2008, Março). Ora, a História, não
se esgota no conhecimento e compreensão crítica do passado e do presente, facilitadores
das projecções para o futuro. É uma área com “particular sensibilidade para a mudança,
importante para a realização plena dos indivíduos, o exercício da cidadania, a aceitação
da multiculturalidade e o desenvolvimento sustentado da sociedade” (ISCTE, 2007).
Esta disciplina “dá aos jovens a possibilidade de analisar fontes com perspectivas
diversas, interpretar visões, compreender intenções, debater opiniões, ou seja, construir
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uma prática de cidadania” (Veríssimo, 2008, Maio). Todas as disciplinas contribuem
para o ambiente onde se aprende a ser cidadão, mas a História fornece o contexto e
estrutura.
3. Organização do estudo
Esta dissertação, Aprender cidadania no Ensino Básico com a disciplina de
História: três percursos no concelho de Odemira, inicia-se com a introdução, onde se
apresenta e contextualiza o tema, fala-se da relevância, pertinência e motivação e expõe-
se a organização do estudo, em quatro capítulos.
No capítulo 1 – A Educação para a cidadania e a disciplina de História -, faz-se
a revisão da literatura de acordo com os objectivos a atingir. Assim, clarificam-se e
discutem-se conceitos como cidadania, currículo, valores e competências. Aborda-se a
educação para a cidadania na Gestão Flexível do Currículo, concretizando a escola
enquanto espaço de cidadania e o papel dos professores na cidadania. Por fim,
apresentam-se as razões para ensinar/aprender História e o modo de o fazer,
particularizando como aprender cidadania com a disciplina de História.
No capítulo 2 – O Estudo - formulam-se o problema, os objectivos e as questões
de investigação, descrevem-se e justificam-se as opções metodológicas.
No capítulo 3 – Análise e discussão dos dados – é feita a caracterização dos
participantes, das escolas e do meio envolvente, analisados e discutidos os dados
obtidos nas entrevistas.
No capítulo 4 – Reflexões finais - apresentam-se as conclusões e reflexões que
foram surgindo ao longo do estudo, respondem-se às perguntas que nortearam esta
dissertação, referem-se as limitações do estudo, fazem-se sugestões para futuras
investigações e termina com uma reflexão pessoal.
Por último, acrescentam-se os apêndices e as referências bibliográficas.
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Capítulo 1. A Educação para a cidadania e a disciplina de História 1.1. Cidadania
Cidadania. Questionei-me demoradamente acerca do seu significado. Não que
fosse novidade, nem como vocábulo, nem nas práticas que lhe estão associadas, mas a
noção adquirida até à data, conscientemente insuficiente, incomodava ao ponto de
suscitar um conhecimento mais profundo dessa “palavra, que estava quase fora de uso e
está de novo na moda” (Perrenoud, 2002, p. 26).
O tema da cidadania deixou-me por muito tempo não indiferente, mas ambivalente. . . . Só podia conhecer a sua importância como pano de fundo, . . . mas causavam-me, e ainda me causam, exasperação os efeitos do modismo e o aspecto encantatório dos apelos a uma «educação para a cidadania»” (Perrenoud, 2005, p. v).
No final da década de 90 do século XX, a cidadania parece ter entrado de
rompante e, de forma abrupta, invade o vocabulário educacional, correndo o risco de se
banalizar (Figueiredo, 2002; Menezes, 2005). Renovado o convite para reflectir acerca
desta temática nesta dissertação, experimentei, mais uma vez, a sensação de estar
perante um conceito polissémico “ao mesmo tempo simples e complexo, acessível e
impalpável” (Letria, 2000, p. 10).
Depois de várias leituras realizadas, de palavras trocadas com professores,
colegas e amigos, enquanto reflectia acerca deste conceito, ocorreu-me uma
comparação. Quando se contempla uma praia, difícil é ignorar as rochas que se abeiram
do mar ou o que restou delas, a areia. E quem não a conhece? Está ao alcance de todos,
disponível para quem a quiser, podendo ser contemplada de longe, mas convidativa a
uma aproximação. Tal como a cidadania, quando se vive em sociedade.
Perguntei, informalmente9, o que se entendia por areia e por cidadania,
separadamente. Todos conheciam as palavras, no entanto, quando confrontados acerca
do seu significado, a reacção foi contornar a resposta, aludindo ao facto de não haver
necessidade de especificar o que é de conhecimento geral, remetendo-se para
9 Fiz esta experiência várias vezes, apenas em conversas informais entre amigos e colegas.
11
relacionamentos evasivos, como a praia, a proximidade do mar, as construções e
brincadeiras… no caso da areia. Com a cidadania aconteceu algo de semelhante, sendo
referidas palavras como direito, dever, respeito, participação, democracia,
responsabilidade, educação, disciplina, solidariedade10, integração e acção na sociedade,
etc.
De longe, o areal parece uma imensidão branca, mas apreciado de perto,
distinguem-se os pequeníssimos grãos das cores das variadas rochas que lhe deram
origem. Também a cidadania, pode ser tida como um todo composto por várias partes,
tendo em conta a diversidade de pessoas existentes numa sociedade, ou, considerando
por outro prisma, a cidadania civil, política, social, ambiental...
No início do dia, o areal levemente ondulado parece novo a estrear, pois o vento
e a água trataram de o alisar, renovando a oportunidade de se sentir a impressão de ser o
primeiro a experimentá-lo. No final do dia, o tapete serpenteado deu lugar a uma
amálgama de pegadas anónimas, marcas de todos quantos por ali passaram. E raro será
aquele que não leva consigo um pouco de areia agarrada a si. Se estivermos atentos,
todos os dias nos surgem situações, aparentemente novas, relacionadas com a cidadania,
transmitindo, por vezes, a sensação de se ser pioneiro nessas experiências, que se
enriquecem com o contributo de cada um e que ficarão registadas na memória de todos.
Quem se aproximar da beira-mar, pisa o areal, macio e informe, que oferece
alguma resistência ao andar, se comparado com a dura calçada ou o escuro alcatrão.
Quando se vive em sociedade, atento aos aspectos relacionados com cidadania, sente-se
alguma reacção por parte daqueles que apenas se concentram em resolver os seus
próprios assuntos, esquecendo olhar em seu redor.
E qual a sensação que se experimenta ao agarrar a areia? Parece fácil, ali mesmo
ao pé, à discrição. Conseguimos tê-la na mão, mas se não se tiver cuidado, escorrega
por entre os dedos. Também a cidadania se esvai, se não estivermos atentos.
Actualmente, cidadania é uma expressão de uso corrente, apesar de ser um
conceito complexo, problemático e ambíguo (Nogueira & Silva, 2001). A
10 Estas nove palavras foram as referidas pelos três participantes do estudo, aquando da entrevista, embora algumas delas fossem igualmente mencionadas nas referidas conversas.
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multiplicidade das interpretações e a pluralidade dos sentidos11, favorece o uso abusivo,
que pode comprometer a “bondade intrínseca” com que aparece no discurso educativo,
que provém da possibilidade de “salvar” as relações entre o Estado e o indivíduo
(Menezes, 2005). Em permanente evolução, tem raízes num passado longínquo e uma
história para contar. Este conceito que “nasce com a transformação de súbdito em
cidadão” (Henriques et al., 2006, p. 15) evoluiu conforme o papel que os indivíduos
foram assumindo na sociedade.
Assim, remontando à Antiguidade Clássica, o conceito de cidadania surge no
seio do regime democrático, ligado à comunidade de cidadãos, responsáveis pelo
governo da cidade-estado e pelas leis que os regiam. Por outras palavras, abrangia
apenas cerca de 10% da população, uma vez que os metecos, as mulheres e os escravos
estavam excluídos. (Paixão, 2000). Na Roma Antiga, durante a República, a cidadania
era considerada uma honra, um estatuto que conferia regalias e distinguia quem o
possuía (Beltrão & Nascimento, 2000). Para além disso, desempenhou uma função
integradora nos territórios conquistados e não abrangia o poder político entregue à
aristocracia. Assim, eram cidadãos os indivíduos do sexo masculino, homens livres e
chefes de família, que usufruíam em pleno dos seus bens, o que para a maioria
significava observância às leis (Henriques et al., 2006).
Durante a Idade Média, dominou o teocentrismo e as relações feudo-vassálicas,
época em que os soberanos mantinham com os seus súbditos, vínculos perpétuos de
dependência, empurrando a cidadania para um período de hibernação. A animação do
comércio e progressiva afirmação da burguesia acordou a cidadania latente, que foi
despertando nas comunas, corporações e universidades (Paixão, 2000; Henriques et al.,
2006).
No final da Idade Moderna, como reacção contra as restrições impostas pelo
absolutismo régio e a sociedade de ordens, ressurgiu com força a ideia de cidadania. São
disso sinal evidente as revoluções dos séculos XVII e XVIII (Revolução Inglesa, 1688;
Revolução Americana, 1774-76; Revolução Francesa, 1789), bem como a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789). Os princípios aí enunciados inspiraram a
actual concepção de cidadania, baseada na “soberania da Nação e da Lei, na igualdade
11 O texto “Educar para a cidadania pode ser…” de Maria Odete Valente (2001) é esclarecedor desta multiplicidade.
13
de todos os cidadãos” (Paixão, 2000, p. 5), ideias mais tarde retomadas pela ONU, em
1948, na Declaração Universal dos Direitos Humanos. É de salientar que o vínculo de
cidadania passou a ser entre o indivíduo e a comunidade, participando aquele nos
destinos desta, substituindo a outrora existente relação de subordinação e dominação, do
soberano para com o súbdito (Henriques et al., 2006). Cidadania não é mais um
privilégio ou uma opção, pois é outorgada automaticamente na maioridade cívica
(Perrenoud, 2002).
Ao longo do século XX, as Guerras Mundiais, a Guerra Fria, o fim desta
conduzem à afirmação das democracias por oposição aos totalitarismos. A solidariedade
humana institucionaliza-se através das lutas das minorias. O mundo avança rapidamente
impulsionado pelo progresso da ciência e da técnica. É o século da massificação, do
diálogo Norte-Sul, das contestações da juventude (movimento hippy e Maio de 68) que
apelam à justiça, liberdade, igualdade, felicidade para todos contra as políticas
belicistas. Espera-se das escolas uma mudança de atitude, no sentido da autenticidade e
tolerância, por oposição ao autoritarismo e rigidez do período anterior (Beltrão &
Nascimento, 2000).
Tradicionalmente, na herança da Revolução Francesa, ser cidadão está
relacionado com a defesa de uma identidade nacional, por outras palavras, ter uma
língua, território, história, religião, tradições, leis, sentimentos e crenças em comum,
simbolizados por uma bandeira e um hino. Durante o século XX, esta ideia do Estado-
Nação foi renovada e deu origem aos Estados plurais, isto é espaços transnacionais,
multiculturais, multilingues, cuja influência política, em alguns casos, ultrapassa a
Nação (Paixão, 2000; Cibele, 2002). Assim, “é necessário que se incentive o gosto
pela(s) comunidade(s) (locais, nacionais, transnacionais) de forma a que se seja capaz
de accionar o sentido crítico, sem com isso quebrar o elo de pertença” (Cibele, 2002, p.
42).
O aparecimento de espaços supra-estaduais, como a União Europeia,
contribuiram para a erosão da soberania do Estado. Assim, o conceito de cidadania
passou a contemplar a defesa de um destino comum, incluindo progressivamente outros
direitos para além dos humanos, como os individuais, cívicos, políticos, sociais,
económicos, culturais, e os denominados direitos das novas gerações, ou seja, os
ambientais, aqueles que conduzam à paz e ao desenvolvimento sustentável (Paixão,
14
2000; Henriques et al., 2006). No entanto, no que diz respeito aos direitos humanos e
fundamentais, de modo a promoverem a inclusão no Estado democrático, têm-se vindo
a impôr de fora para dentro, de cima para baixo, o que dificulta a interiorização
individual (Soares, 2003).
Assim, actualmente, o forte apelo da globalização conduz à padronização, por
um lado; mas, por outro lado, confunde, na medida em que priva o indivíduo dos
elementos estáveis na percepção da diversidade e da fragilidade das suas crenças
(Soares, 2003). Vive-se numa época de crise generalizada de valores, com um ritmo de
mudança civilizacional acelerado, em que os regimes democráticos defendem a abertura
da escola a todos, combatendo o analfabetismo, pois a informação permite uma opção
esclarecida e consciente (Beltrão & Nascimento, 2000).
O poder de escolha faz tomar dolorosamente consciência de que poder escolher não implica saber escolher. E, no entanto, é necessário aprender a fazê-lo porque cada vez mais as escolhas influenciam, não apenas os destinos individuais, mas também os destinos colectivos (Beltrão & Nascimento, 2000, p. 23).
A multifacetada sociedade actual é exigente para com o cidadão, pedindo-lhe
uma atitude crítica, ou mesmo interventiva, pois a sua participação pode reflectir-se a
nível das instituições em que colabora, mas também pode ter repercussões a nível
nacional (Soares, 2003).
Nunca o cidadão foi tão vigiado, controlado e socialmente comprometido como hoje, o que o obriga a uma preparação específica em termos pessoais e sociais para conciliar o seu projecto de vida e a sua liberdade com as exigências da sua comunidade, seja ela a sua cidade, o seu país ou o mundo (Soares, 2003, p. 9).
Num esforço de definir o conceito, cidadania é uma criação humana (Henriques
et al., 2006), é uma qualidade (Figueiredo, 2001; Espinha, 2007), um atributo
(Henriques et al., 2006), um estatuto de pertença (Perrenoud, 2003; Audigier, 2006:
Henriques e tal., 2006; Mogarro & Martins, 2007) dos indivíduos inseridos num espaço
político (Fonseca, 2001; Audigier, 2006) e que participam em instituições sociais
(Fonseca, 2001). É um vínculo jurídico-político entre o indivíduo e um Estado, que se
traduz num conjunto de direitos e obrigações (Figueiredo, 2001; Henriques et al., 2006;
15
Mogarro & Martins, 2007), “nomeadamente o direito de participar na formação da
vontade soberana e as obrigações cívicas, fiscais e de defesa” (Henriques et al., 2006, p.
399). “É uma caminhada contínua pela conquista de direitos para todos” (Afonso,
2005).
Decorrente do carácter polissémico de cidadania, há uma multiplicidade de
temáticas que lhe são afins, tais como concepções e atitudes sobre o Estado e a
nacionalidade, relativas à religião, às diferenças de raças, etnias e culturas, relacionadas
com a estrutura e o papel da família e questões de género, com a saúde, com os valores
como a civilidade, convivência social e regulação de relações interpessoais, relações do
ser humano com a natureza e organização sócio-económica (Mogarro & Martins, 2007).
Para Maria do Céu Roldão (1999), o conceito de cidadania que vigora nas
sociedades ocidentais desde o pós-guerra, renasce em Portugal com o 25 de Abril e
pode ser entendido como “um modo de inteligir o todo social, relacionar-se com os
outros e assumir competências participativas e interactivas numa dada sociedade” (p. 9).
Carla Cibele Figueiredo (2002), compara cidadania a uma balança, em que num
dos pratos estão os direitos do Estado para com o cidadão e, no outro, os deveres destes
para com o Estado. E, se se considerar uma vivência activa e crítica, então cidadania só
é possível em democracia, onde liberdade e igualdade de oportunidades sejam valores
fundamentais dos cidadãos.
Para Isabel Menezes (2005), cidadania “implica um reconhecimento de
personalidade num limite geográfico, . . . inclui tantos direitos de participação na vida
política (cidadania activa) como direitos de existência (cidadania passiva), . . . remete
para direitos universalistas e formalmente atribuídos pela lei, . . . garante, dentro de
certos limites, uma igualdade processual . . . e também substantiva” (p. 15).
Cidadão é o indivíduo que pertence a um Estado livre (Figueiredo, 2001;
Espinha, 2007), a uma democracia (Audigier, 2006), a uma comunidade politicamente
articulada (Henriques et al., 2006), que lhe garante direitos políticos, civis (Figueiredo,
2002; Audigier, 2006; Espinha, 2007), jurídicos e sociais (Afonso, 2005) e confere
obrigações inerentes a essa condição (Figueiredo, 2001; Audigier, 2006; Henriques et
al., 2006). Entre os seus direitos estão o de participar no poder, directamente ou como
representante (Audigier, 2006), partilhando “valores e regras comuns a diferentes níveis
de intervenção” (Afonso, 2005, p. 10). É, ainda, aquele que desenvolve um sentimento
16
de pertença, uma dimensão afectiva relacionada com a continuidade de gerações e com
a solidariedade com os seus contemporâneos (Audigier, 2006).
E, apesar de estarmos em plena era da globalização, considerando inclusive a
consequente descaracterização dos modelos nacionais, o sentimento de pertença dos
cidadãos ainda mantém como referência a comunidade nacional (Beltrão & Nascimento,
2000). Desta forma, o estatuto de cidadania está presente nas leis fundamentais de
vários países, o que também se verifica em Portugal.
Assim, na Constituição Portuguesa, no preâmbulo menciona-se que “a
Assembleia Constitutinte afirma a decisão do povo português . . . de garantir os direitos
fundamentais dos cidadãos” (Lei Constitucional nº 1/2005, de 12 de Agosto,
Preâmbulo), como a universalidade (Artigo 12º) e a igualdade (Artigo 13º). O Artigo 4º
refere-se especificamente à Cidadania Portuguesa afirmando que “são cidadãos
portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção
internacional”. No Artigo 9º, assume-se que “defender a democracia política, assegurar
e incentivar a participação democrática dos cidadãos na resolução de problemas
nacionais” (Alínea c) é uma das tarefas fundamentais do Estado. Mais, um dos direitos
pessoais que a Lei Fundamental do Estado Português garante é a cidadania (Artigo 26º,
nº 1) e a sua privação só se pode efectuar nos casos previstos por este diploma (Artigo
26º, nº 4), sendo da “exclusiva competência da Assembleia da República legislar [sobre
a] aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa” (Artigo 164º, Alínea f).
Afirma-se ainda que “todos têm direito à educação e à cultura” (Artigo 73º, nº 1), “com
a garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar” (Artigo
74º, nº 1).
A Constituição de 1976, bem como as sete revisões que se seguiram,
contribuíram para a alteração da sociedade portuguesa. Será de destacar a de 199212,
que reforçou a ideia de cidadania europeia que, embora “salvaguardando para si um
lugar secundário . . . articula o local com o global em três níveis – o europeu, o nacional
e o regional” (Soares, 2003, p. 19). Na base estão um conjunto de valores comuns:
12 A Lei nº 23/92, de 16 de Setembro, “a terceira revisão constitucional, de 1992, constituiu uma revisão extraordinária exigida pela necessidade da sua adequação ao Tratado de Maastricht que instituiu a União Europeia. Respeitando as regras sobre a titularidade da soberania, a revisão constitucional autorizou o exercício em comum de poderes (legislativos/executivos, antes exercidos a nível central, regional ou local) quando e se tal se revelar necessário para a construção europeia, com respeito pelo princípio da subsidiariedade.” (http://www.cne.pt/index.cfm?sec=1001000000&step=2&letra=C&PalavraID=158).
17
democracia, os direitos do Homem, o respeito pela pessoa humana e a solidariedade.
Estes direitos cívicos, políticos, económicos e sociais são confirmados na Carta dos
Direitos Fundamentais da União Europeia13, a saber: dignidade, liberdade, igualdade,
solidariedade, cidadania e justiça (Soares, 2003).
O Conselho da Europa esclareceu que, cidadão e cidadania, são conceitos em
permanente actualização, devendo ser encarados num sentido mais lato, uma vez que o
Estado-Nação deixou de ser a única fonte de autoridade. Define cidadão como “a pessoa
que coexiste numa sociedade”, sendo ambos os termos considerados como um estatuto
com implicações práticas. Assim, cidadania e cidadão são conceitos que envolvem
questões relacionadas com direitos e deveres, igualdade, diversidade e justiça social,
questões essas que decorrem num espaço público, em que os indivíduos agem em
conjunto, provocando impacto na vida da comunidade (O’Shea, 2003, p. 7).
Outros autores optam por definir cidadania através dos valores e das
competências14 que lhe estão associados.
Deste modo, Jorge Sampaio, Presidente da República Portuguesa entre 1996 e
2006, afirma que
a cidadania é responsabilidade perante nós e perante os outros, consciência de deveres e direitos, impulso para a solidariedade e para a participação, é sentido de comunidade e de partilha, é insatisfação perante o que é injusto ou o que está mal, é vontade de aperfeiçoar, de servir, é espírito de inovação, de audácia, de risco, é pensamento que age e acção que se pensa. (Paixão, 2000, p. 3)
Segundo António Fonseca (2001),
na perspectiva do Estado, a cidadania significa lealdade, participação e serviço em benefício da colectividade. Na perspectiva do indivíduo, a cidadania traduz-se por liberdade, autonomia e controlo político dos poderes públicos. (p. 43)
É difícil chegar-se a um só conceito de cidadania, mas será que é necessário?
Voltando à comparação com a areia, pode-se não saber exactamente o que é, mas todos
lhe chegam e podem desfrutar dela. Talvez seja mais importante ter-se apenas uma
13 A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia está disponível no site http://www.europarl. europa.eu/charter/default_pt.htm. 14 Os conceitos de “competências” e “valores” são abordados nas p. 27 e seguintes.
18
noção aproximada de cidadania, que possibilite a sua prática no quotidiano, em vez de
conhecer o conceito científico, mas reservá-lo para doutos debates ou artigos. Afinal, “a
melhor definição é aquela com a qual nos identificamos ou a que construímos individual
ou colectivamente” (Figueiredo, 2002, p. 53).
1.2. Educar para a cidadania
Educação para a Cidadania Democrática, segundo o Conselho da Europa, é “um
conjunto de práticas e actividades desenvolvidas como abordagem ascendente, que
procura ajudar os alunos, os jovens e os adultos a participar de forma activa e
responsável nos processos de tomada de decisões das respectivas comunidades”
(O’Shea, 2003, p.11). Promove uma cultura de democracia e de direitos humanos,
fortalecendo a coesão social, a compreensão mútua e a solidariedade. É um processo de
aprendizagem ao longo da vida, dirige-se a todos os indivíduos e empenha-se em
proporcionar “oportunidades de aquisição, aplicação e divulgação de conhecimentos,
competências e valores ligados aos princípios democráticos” (O’Shea, 2003, p.12).
Deste modo, preocupa-se a participação, parceria, coesão social, acesso, solidariedade,
equidade e fiabilidade.
Nas palavras de François Audigier (2006), a educação para a cidadania, é um
espaço onde se constrói uma determinada concepção de viver em sociedade. Tem
causado ambiguidades e tensões que, no caso da escola, se têm traduzido em hesitações
com a escolha entre aprendizagens normativas e aprendizagens abertas ao debate, à
pluralidade e à iniciativa que fomente a autonomia. Além disso, por um lado pretende-
se que contribua para garantir a ordem na escola, mas, por outro há que assegurar aos
alunos uma aprendizagem de direitos e liberdades. O estudo de temas contemporâneos é
essencial, mas estes envolvem temáticas de conflito e violência, que exigem preparação
e precaução para uma abordagem na diversidade de opiniões. E, em prol da pluralidade
e mobilidade de quem a vai construindo, arrisca-se a erosão da herança de um passado.
Maria João Mogarro e Maria José Martins (2007) sistematizam três grandes
metodologias para o ensino de cidadania: (1) a educação para o carácter, que enfatiza a
doutrinação, a passagem de valores de uma geração mais velha para os mais novos; (2)
o relativismo cultural, que protege a neutralidade do professor promovendo a utilização
19
de estratégias de clarificação e aceitação de valores; (3) promoção do desenvolvimento
global dos indivíduos, através de estratégias que abarquem componentes cognitiva,
afectiva e comportamental, conciliando o respeito pela diferença com a admissão do
universal.
1.2.1. Cidadania e a Gestão Flexível do Currículo
A presente dissertação enquadra-se no âmbito da Reorganização Curricular
consagrada pelo Decreto-lei nº 6/2001, de 18 de Janeiro. Para melhor contextualizá-la e,
uma vez que currículo é “considerado um dos principais alicerces de qualquer sistema
educativo” (Gaspar & Roldão, 2007, p. 17), inicio por clarificar o conceito de currículo,
ainda que com brevidade.
Palavra de étimo latino, que pode significar “corrida”, “acto de correr” e “pista
de corrida”, a ideia de currículo vai-se mudando ao longo do tempo, de forma a adequar
a oferta às necessidades, ou seja, dar resposta às variações económico-sociais, aos
valores e às ideologias sócio-educativas que se confrontam numa dada época. Mesmo
circunscrito ao âmbito da educação, este conceito é passível de múltiplas interpretações
conforme o nível em que for colocado (Roldão, 1999; Abrantes, 2001; Gaspar &
Roldão, 2007).
Tradicionalmente, o currículo foi entendido como informação que era
transmitida de geração em geração. Quando essa função foi assumida socialmente,
institucionalizou-se, organizando-se a relação entre o ensinar e o aprender, dando
origem ao sistema educativo (Roldão, 1999; Gaspar & Roldão, 2007). Ora, se educação
é “um processo contextualizado de desenvolvimento interacional e contínuo do
indivíduo” (Gaspar & Roldão, 2007, pp. 18), então, para se compreender um
determinado currículo, deve-se ter em consideração a sociedade e a época que o
enquadram. Neste sentido,
o currículo é a arena política e social onde se joga a inclusão e a exclusão real dos indivíduos, qualquer que seja o poder ou poderes que subjazem à definição e legitimação histórica e social de um dado currículo e da respectiva institucionalização em estruturas organizativas” (Roldão, 200315, p. 18 citado por Gaspar & Roldão, 2007, pp. 21).
15 Roldão, M. C. (2003). Gerir o currículo e avaliar competências – as questões dos professores. Lisboa: Presença.
20
Currículo escolar, num sentido mais lato, é “o conjunto de aprendizagens que,
por se considerarem socialmente necessárias num dado tempo e contexto, cabe à escola
garantir e organizar” (Roldão, 1999, p. 24), tendo em conta o modo como é feito, “o
lugar que ocupam e o papel que desempenham no percurso escolar ao longo do ensino
básico” (Abrantes, 2001, p. 41). Ao nível das autoridades educativas, currículo refere-se
a um conjunto de orientações sobre as aprendizagens consideradas fundamentais para
cada ciclo do ensino básico, explicitadas em competências essenciais (as transversais e
as específicas das disciplinas), mas também as experiências de aprendizagens que os
alunos devem viver no seu percurso escolar. Ao nível da escola, currículo está ligado ao
modo como os professores operacionalizam essas orientações com os seus alunos
(Abrantes, 2001), ou seja, é “um plano, completado ou reorientado por projectos, que
resulta de um modelo explicativo para o que deve ser ensinado e aprendido; compõe-se
então de: o que, a quem, porquê e quando vai ser oferecido, como e com que é
oferecido” (Gaspar & Roldão, 2007, p. 29). Assim, o currículo deve definir objectivos a
atingir, determinar os conteúdos a abordar, contemplar as capacidades / aptidões e as
competências a desenvolver.
Durante bastantes anos em Portugal, a única face visível do currículo era o
programa. Mas, se currículo “é o conjunto das aprendizagens pretendidas”, o programa
é “um percurso organizativo que pretende organizar as aprendizagens”, por outras
palavras, “é um plano de acção, um meio de alcançar fins pretendidos seguindo uma
linha e sequência, [ou seja,] é um meio, não o fim” (Roldão, 2004a, p. 28).
Hoje em dia, época em que a diversidade caracteriza as escolas, o currículo pode
ainda ser encarado como “um meio de reorganizar a prática educativa no sentido de
promover a inclusividade”, na medida em que serve de mediador entre professores,
alunos e pais, promovendo a comunicação com vista a alcançar o sucesso (Oliveira &
César, 2007, p. 236).
“Paradoxos e contradições caracterizam necessariamente a substância do
currículo escolar – já que nele se conjugam os vectores da preservação e da resposta a
necessidades novas” (Roldão, 1999, p. 27). Assim, o caminho orienta-se no sentido de
abandonar a lógica pendular de escolher entre cultura ou competências de vida, saberes
ou processos de trabalho, uniformidade ou escolha totalmente livre, formar as
21
dimensões pessoais e sociais dos alunos ou apetrechá-los com um bom nível de
conhecimentos (Roldão, 1993 e 1999). Tal dialéctica conduz regularmente à luta de
abolir a tendência anterior, em vez de tentar encontrar sínteses integradoras equilibradas
capazes de promover mudanças, conjugando os propósitos da escola na actualidade e os
dos cidadãos a que se destina (Roldão, 1993 e 1999). A inadequação curricular que tem
existido a este nível, traduz o desfasamento entre as expectativas face à escola e a baixa
eficácia social (Roldão, 1999), que, por sua vez, serve de suporte às críticas que têm por
alvo a escola.
Gestão curricular sempre se fez, pois “gerir, isto é, decidir o que ensinar e
porquê, como e quando, com que prioridades, com que meios, com que organização,
com que resultados…” (Roldão, 1999, p. 25). A expressão teve a aparência de novidade
talvez pelo uso linguístico abusivo que dela se fez quando se lançou a Reforma
Educativa de 2001. A denominada Gestão Flexível do Currículo também reflecte uma
aproximação das decisões, outrora centralizadas no poder central, à escola e aos
professores, ou seja, aumenta a responsabilidade dos gestores locais.
Todavia, qualquer que seja o nível em que é tomado, o currículo deve ser “um
ponto de partida de uma reflexão colectiva para a acção educativa” (Beltrão &
Nascimento, 2000, p. 46) e não um conjunto de orientações rígidas. Em 1998, Ramiro
Marques disse que
todas as componentes do currículo se conjugam para promover o fracasso escolar e o insucesso educativo. . . . Continua a defender-se que os currículos devem ser rigorosamente iguais para todos os alunos [e] notam-se pressões cada vez maiores para o cumprimento dos programas a todo o custo. . . Numa tal escola, aparentemente igual para todos mas na verdade extremamente desigual nos resultados, só podem nascer o fracasso, a frustração e a indisciplina (p. 7).
Ora, a Gestão Flexível do Currículo foi “uma procura de respostas adequadas às
diversas necessidades e características de cada aluno, grupo de alunos, escola ou região”
(Abrantes, 2001, p. 42) e uma contribuição “para a construção de uma escola para todos,
mais humana, criativa e inteligente (Benavente, Novembro, 2000, p. 2). Assim, as
palavras de ordem são: diferenciação, adequação e flexibilização (Benavente, 2000;
Abrantes, 2001).
22
Concentrando a atenção em Portugal e na educação para a cidadania, a
legislação actualmente em vigor expressa a sua preocupação em formar bons cidadãos.
Um dos princípios orientadores da organização e gestão do currículo no Decreto-lei nº
6/2001, é a “integração, com carácter transversal, da educação para a cidadania em
todas as áreas do saber” (alínea d, artigo 3º), acrescentando que “constitui formação
transdisciplinar no âmbito do ensino básico” (ponto 1, artigo 6º). O mesmo diploma
determina que a Formação Cívica, área curricular não disciplinar, é um “espaço
privilegiado para o desenvolvimento da consciência cívica dos alunos como elemento
fundamental no processo de formação de cidadãos responsáveis, críticos, activos e
intervenientes” (alínea c, ponto 3, artigo 5º).
Deste modo, a Formação Cívica16 surgiu como uma oportunidade para o diálogo
e para a reflexão sobre preocupações dos alunos, sobre a sua participação individual e
colectiva na turma, na escola e na comunidade (Benavente, 2000; Abrantes, 2001).
Neste âmbito, educação para a cidadania tem como objectivo central “contribuir para a
construção da identidade e do desenvolvimento da consciência cívica dos alunos”,
concretizando-se “através de um plano que abrange o trabalho a realizar nas diversas
disciplinas e áreas do currículo” (Abrantes, 2001, p. 54), sendo sugeridos temas como a
educação para a saúde, a educação sexual, a educação rodoviária ou a educação
ambiental. Enquanto área curricular não disciplinar17, pretendeu-se que fosse
transversal, integradora dos diversos saberes, devendo ser desenvolvidas em articulação
com as outras disciplinas e com as outras áreas curriculares não disciplinares,
contrariando a “lógica aditiva” (ser mais uma área entre as demais). Este foi o espaço
concebido para
16 “Formação Cívica” e “Educação para a Cidadania” tem sido utilizadas, muitas vezes, como sinónimos, embora a primeira tenha um carácter mais formal, relacionada com o conhecimento das capacidades e valores que governam uma sociedade democrática. A Educação para a cidadania está mais ligada a experiências e vivências (Soares, 2003). 17 Aquando da Reorganização Curricular do Ensino Básico, estabelecida pelo Decreto-Lei nº 6/2001, de 18 de Janeiro, Paulo Abrantes (2002), referiu que uma das intenções era dar resposta “a uma das deficiências crónicas do nosso sistema: planos de estudos baseados quase exclusivamente em sequências de aulas” (pp. 9-10), problema agudizado a partir do 2º ciclo, à medida que o número de disciplinas e professores aumentam. Neste contexto, são criadas a Área de Projecto, o Estudo Acompanhado e a Formação Cívica, as três áreas curriculares não disciplinares. Esta expressão foi escolhida por integrarem o currículo obrigatório, embora não como “disciplinas”, ou seja, sem obedecerem a um programa, temas, conhecimentos ou métodos específicos.
23
criar melhores condições para o desenvolvimento de competências relacionadas como estudo pessoal, o envolvimento em estudo interdisciplinares ou a reflexão e o debate sobre questões fundamentais, de uma maneira sistemática, organizada e apoiada, mas em que os alunos vão assumindo uma crescente autonomia e responsabilidade (Abrantes, 2002, p.12).
O que, por outras palavras, significa privilegiar a educação para a cidadania,
como um objectivo da escola básica, de modo a assegurar a formação integral dos
alunos (Abrantes, 2001). E, apesar das três áreas mencionadas se enquadrarem nesse
âmbito, a Formação Cívica dedica-lhe uma atenção particular, conforme referido
anteriormente.
Assim, um dos aspectos inovadores da Gestão Flexível do Currículo foi,
precisamente, a presença da educação para a cidadania que, por um lado, assumiu um
carácter transversal a todos os níveis de ensino básico, por outro, lhe reservou um
espaço privilegiado para ser desenvolvida na área curricular não disciplinar de
Formação Cívica. Desta maneira, consegue conciliar dois aspectos de uma questão que
continua em aberto: se a educação para a cidadania deve constituir uma disciplina
autónoma ou se é o ambiente cívico e democrático da escola que propicia essa
aprendizagem.
Para Ramiro Marques (1998), não é suficiente uma abordagem de vários
conteúdos de educação cívica nos programas das várias disciplinas, nem mesmo a
existência de uma área curricular, disciplinar ou não, que assegure o desenvolvimento
pessoal e social nos alunos. A eficácia passará por uma mudança na estrutura e
organização dos estabelecimentos de ensino, como escolas com o máximo de mil
alunos, uma gestão escolar participada por alunos, professores e pais, estabilidade e
formação do corpo docente, menos turmas por professor e maior acompanhamento deste
aos alunos. E acrescenta
se quisermos que a escola promova o desenvolvimento integral dos alunos, teremos de a tornar , não apenas um bom local de trabalho, mas também um local onde dê gosto viver. . . . Nesta época, caracterizada pela incerteza, pela rapidez e pela duplicidade das informações e da mobilidade tecnológica, torna-se imperioso que a escola volte a assumir as preocupações humanísticas, éticas e estéticas que fizeram dela, num passado distante, um centro de formação insubstituível (Marques, 1998, p. 8).
24
O Relatório da Comissão Europeia sobre educação e formação de 1997 (citado
por Roldão, 1999) refere que o ensino de valores para a cidadania não deve cingir-se a
um aumento do número de horas de educação cívica, substituindo disciplinas ou
sobrecarregando horários, nem através de professores especializados, devendo ser uma
tarefa de todos os professores.
António Fonseca (2001) considera que a educação para a cidadania deve deixar
de ser um objectivo educacional e assumir-se como um processo pedagógico em si
mesmo. Não concorda que haja uma disciplina específica, sendo de opinião que os
conteúdos que lhe são afectos sejam disseminados no currículo regular, pelas diferentes
disciplinas. Assim, cada professor será co-responsável pela educação para a cidadania,
cujos conteúdos devem ser transdisciplinares com uma abordagem interdisciplinar. Para
evitar a ambiguidade e distorção, há que criar condições que assegurem um quadro de
referência no domínio da cidadania, sendo essencial respeitar o contexto, as tradições
nacionais e internacionais. De igual forma, há que ter em conta a formação de
professores, a elaboração de programas de acção para as escolas básicas e secundárias e
produção de produtos curriculares de apoio.
Ainda segundo o mesmo autor, a educação para a cidadania deve contemplar as
seguintes dimensões: (1) aquisição de conhecimentos através do conhecimento do
funcionamento da democracia e das instituições democráticas (políticas, jurídicas e
financeiras), os direitos, liberdades e responsabilidades dos cidadãos e o contexto social
onde se vive; (2) adesão aos valores de democracia, tendo em conta os valores
relacionados com os Direitos do Homem, como a dignidade do ser humano, o respeito,
a liberdade, a solidariedade, a tolerância, a compreensão ou a “coragem cívica”; (3)
formação de competências operatórias, tais como a capacidade de resolução de conflitos
sem recurso à violência, argumentação e defesa do ponto de vista pessoal, integração de
argumentos alheios, reconhecimento e aceitação das diferenças, fazer escolhas,
assumpção de responsabilidades, estabelecimento com os outros de relações
construtivas, desenvolvimento do espírito crítico, capacidade de relativizar verdades
tidas como absolutas (Fonseca, 2001).
Na mesma linha de ideias, Carla Cibele Figueiredo (2002, 2005), defende que a
educação para a cidadania vai-se “concretizando ao longo do percurso educativo
porque, fundamentalmente, é um processo de desenvolvimento de competências
25
cognitivas, sociais e afectivas desenvolvidas em «situação» e em estreita ligação com
um conjunto de valores que caracterizam as sociedades democráticas” (2002, p. 55).
Assim, a educação desempenha um papel importante no âmbito da cidadania, uma vez
que esta é um processo em construção permanente. E, como vertente socializadora, é
importante que haja consonância entre o que é dito e o que é feito, sendo fundamental
criar situações para que as crianças e jovens aprendam a pensar criticamente, em
contextos de participação, onde tenham que assumir responsabilidades, apercebendo-se
que a sua voz é ouvida e pode fazer a diferença. Deste modo, “o contexto institucional
da escola é fundamental para a aprendizagem da Cidadania, . . . [Assim,] faz mais
sentido afirmar que se aprende «na Cidadania» . . . do que supor que se «educa para a
Cidadania»” (Figueiredo, 2005, p. 23).
Segundo Philippe Perrenoud (2005), uma disciplina específica de educação para
a cidadania (a que chama “catecismo cidadão”), perdida na enorme carga horária, não
resolve o problema. O autor aponta três níveis acção: (1) construir conhecimentos e
competências através da argumentação; (2) utilizar os saberes para desenvolver o
respeito e a compreensão do outro, envolvendo todas as disciplinas; (3) trabalhar os
valores, as representações e os conhecimentos sobre a democracia.
Isabel Menezes (2005) considera importante saber quais as concepções de
cidadania subjacentes, mas nunca explicitadas, nos documentos orientadores da política
educativa. Só assim se poderá esclarecer se educação para a cidadania é apenas um
meio de difusão, socialização e reconhecimento de direitos; ou se
cidadania seria concebida como um produto-em-progresso de um contínuo processo de deliberação e construção social e política, competindo à escola promover capacidades pessoais e sociais para que os jovens possam dar um contributo para a própria definição e expansão do que a cidadania é. (Menezes, 2005, p.18)
Acrescenta que a cidadania constrói-se na multiplicidade de experiências
quotidianas em contextos diversos, sendo uma ilusão pensar que a sua aprendizagem se
pode restringir ao contexto escolar. Isto não invalida que a escola deva assumir a sua co-
responsabilidade. “A educação para a cidadania comes with the territory” (Menezes,
2005, p. 19).
26
François Audigier (2006) defende que a educação para a cidadania nas escolas
deve ser desenvolvida em três vertentes, que se complementam. Assim, por um lado,
haver uma disciplina autónoma, uma vez que existem conteúdos científicos específicos
dessa temática, relacionados com o direito e a política, não contemplados nas outras
disciplinas. Por outro lado, desenvolver competências que permitam estudar e
compreender problemas da actualidade, sugerindo trabalhos multi-, trans- ou pluri-
disciplinares que desenvolvam nos alunos referências para viverem em sociedade. Por
último, se a escola se propõe a transmitir princípios e valores, então deve funcionar
segundo esses mesmos princípios e valores.
De qualquer maneira, as questões de cidadania têm sido sempre curriculares,
uma vez que seguem as orientações ideológicas do poder vigente. Transmite-se o que se
considera importante saber/conhecer numa determinada época e sociedade, o que
explica a diversidade de dimensões curriculares, cujas denominações “vão desde
educação cívica a formação pessoal e social, educação para os valores e outras”
(Roldão, 1999, p. 9). “A escola é um dos principais «aparelhos ideológicos do Estado»,
possivelmente aquele que desempenha um papel mais determinante. . . . Qualquer
professor tem clara consciência de que a sua acção . . . está largamente determinada por
condicionantes de política geral e de política educativa em particular” (Pombo, 2002, p.
58). “C’est une question de choix, à niveau politique. L’école n’appartient pas aux
enseignants” (Audigier, 2006, p. 12).
Apesar de a educação para a cidadania estar consagrada na legislação portuguesa
(decreto-lei nº6/2001), como área transversal no currículo, é de salientar a “ausência de
indicações precisas sobre as matérias de estudo. . . [e a] falta de critérios para avaliar um
programa de ensino” (Henriques et al., 2006, p. 9). Estes constrangimentos não são
fáceis de ultrapassar, pois “a comunidade escolar precisa de uma orientação que reforce
a autonomia e convivência dos seus membros, a formação do carácter e os valores da
democracia” (Henriques et al., 2006, p. 9). Assim, o desafio da cidadania surge como
uma meta longínqua, mas que, paradoxalmente, os educadores devem assumir como fio
condutor das suas práticas. “Será que, mais uma vez, nos é pedida a construção de um
edifício do qual desconhecemos as plantas, os materiais necessários, e cujas técnicas de
construção nos são completamente estranhas?” (Beltrão & Nascimento, 2000, p. 17).
27
Segundo Ramiro Marques (2008) “as escolas públicas portuguesas estão a falhar
em muitas áreas . . . [e] onde os resultados ficam mais longe do desejado é a educação
do carácter das crianças e jovens” (p. 7). A origem deste fracasso aponta para a
abordagem cognitivo-desenvolvimentista, influenciada por Kohlberg, que privilegia a
aquisição de competências cognitivas, em detrimento da acção moral, dos hábitos e
virtudes do carácter. Sugere como alternativa uma proposta pedagógica nascida nos
Estados Unidos da América na década de 90 do século XX. A Nova Educação do
Carácter, defende que as crianças precisam de ir desenvolvendo qualidades de carácter
(disposições e hábitos) à medida que crescem, como a responsabilidade, coragem,
temperança, sentido de justiça, autodomínio e prudência. Estas virtudes podem ser
adquiridas de três formas: pelo exemplo, pela prática directa e através de narrativas.
1.2.2. Valores e competências para a Cidadania
Valores são “aquilo que confere normas à conduta” (Espinha, 2007, p. 1581) e,
quando relacionados com a cidadania, ajudam a esclarecer o seu significado. São
“princípios, padrões” (Houaiss, 2007, p. 622), referenciais que “guiam nas decisões, nas
escolhas, na construção de uma sólida identidade psicossocial” (Beltrão e Nascimento,
2000, p. 54). São “um ideal orientador da decisão e acção pessoais.” (Henriques et al.,
2006, p. 413) e “que, normalmente, se adaptam da sociedade e época” (Espinha, 2007,
p. 1581).
Ramiro Marques (2003) define valores como “qualidades que as coisas possuem,
mas que não estão nelas de modo sensível” (p. 16). São apreendidos e inferidos pela
inteligência, mas sobretudo pelas emoções e sentimentos. Produzem reacções nas
pessoas e, na medida em que provocam reacções, motivam atitudes e comportamentos.
“Os valores não são transmitidos ou construídos mas sim descobertos através da
identificação, do testemunho, do exemplo e da vivência” (p. 16).
A educação para a cidadania implica uma educação para os valores, embora não
se esgote nela (Beltrão & Nascimento, 2000.). Por outras palavras, os valores estão
constantemente presentes na educação para a cidadania, mas é importante que não
fiquem reduzidos a um conjunto de normas e princípios (Audigier, 2006). O professor
não deve limitar a sua função à promoção de novos conhecimentos, devendo estar
28
consciente que as opções que faz e o clima que promove na sala de aula influenciam os
alunos (Baião, 2005).
São vários os autores que enumeram os valores para a cidadania:
Para António Fonseca (2001) os valores da cidadania estão relacionados com
democracia e são a liberdade, a participação responsável, a solidariedade social, a
defesa e o respeito pela vida e pela natureza, mas também a competitividade e a
inclusão. Os princípios a ter em conta são os relacionados com os Direitos Humanos,
conforme mencionados pelo Conselho da Europa18, alicerce da cidadania democrática.
Maria Rosa Afonso (2005), como pano de fundo para definir os valores em
cidadania, considera os valores pessoais, juntamente com os colectivos, pois o cidadão
é, simultaneamente, um indivíduo e um membro da sociedade. Assim, “são valores
éticos individuais a liberdade, autonomia, respeito e justiça. Valores que estão, sempre,
onde estiver a pessoa, seja qual for o lugar, a circunstância, o estatuto e o papel social
que cada um desempenhe” (p. 10).
Segundo Mendo Henriques, João Reis e Luís Loia (2006), os valores cívicos são
“o conjunto de disposições de origem moral cuja manifestação constitui a condição para
o exercício de uma cidadania responsável.” (p. 413). E são a responsabilidade moral, a
autodisciplina, o respeito pelo valor individual, próprio e alheio, a dignidade humana, o
respeito pela supremacia do Direito, a capacidade crítica e vontade de negociar e
alcançar compromissos. (p. 63).
Os valores cívicos mencionados no National Standards for Civic and
Government Center for Civic Education, (1994) são a coragem, tolerância, patriotismo,
espírito de compromisso, respeito pela lei, solidariedade, participação, abertura,
transparência, respeito pelos outros, civilidade (citado por Henriques et al., 2006, p. 64).
Tolerância, respeito pela diferença e formação para uma cidadania aberta e universal
são os valores recomendados nos relatórios internacionais (UNESCO, 1996; Comissão
Europeia, 1995 e 1997; OECD, 1994 e 1998 citado por Roldão, 1999, p. 14).
No entanto, não basta o ensino directo dos valores, para se aprender democracia
há que experimentá-la, processo que exige tempo e vivência (Marques, 1998).
18 Starley, H. & Tibbits, F. (1996). Human rights education in schools. Strasbourg: Council of Europe.
29
A questão em torno das competências é antiga, mas teve mais visibilidade na
escola nos Anos 90 do século XX via mercado de trabalho, cada vez mais exigente e
onde se sentiu primeiro o reflexo da inadequação e/ou insucesso escolar. Longe de se
esgotar no campo profissional, a própria sociedade formula a questão se a formação
escolar se traduz em competências individuais e sociais. Pois, as consequências da
ineficácia constituem um problema político e social, na medida em que “os não
competentes” serão potenciais excluídos, marginalizados, desempregados… (Roldão,
2004a).
No âmbito da Gestão Flexível do Currículo, Noémia Félix (1998) definiu
competência como “um saber que se utiliza radicado numa capacidade, cujo domínio
envolve treino e ensino formal, como um conjunto de recursos para fazer face a novas
situações” (p. 77). Para Paulo Abrantes (2001) competência é um saber em acção que
integra conhecimentos, capacidades e atitudes, “a aquisição progressiva de
conhecimentos deve ser enquadrada pelo desenvolvimento de capacidades de
pensamento e de atitudes favoráveis à aprendizagem” (p. 44). Deste modo, as
competências essenciais a salientar são “os saberes que se consideram fundamentais
para que os alunos desenvolvam uma compreensão da natureza e dos processos de cada
uma das disciplinas, assim como uma atitude positiva face à actividade intelectual e ao
trabalho prático que lhe são inerentes” (p. 44).
Segundo Philippe Perrenoud (1999 e 2002), as competências são “uma
capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em
conhecimentos, mas sem limitar-se a eles” (Perrenoud, 1999, p. 7). “Manifestam-se na
capacidade de um indivíduo em utilizar os seus recursos cognitivos múltiplos para agir
da melhor maneira, face a situações complexas, imprevisíveis, evolutivas e sempre
singulares” (2002, p. 92). Os conhecimentos são “representações da realidade, que
construímos e armazenamos ao sabor da nossa experiência e da nossa formação”
(Perrenoud, 1999, p. 7). Para enfrentar uma determinada situação, em geral, temos que
mobilizar vários recursos cognitivos, entre os quais estão os conhecimentos. Umas
vezes são requeridos a um nível mais elementar e disperso, outras mais complexos e
organizados. A construção de competências “é inseparável da formação de esquemas de
mobilização dos conhecimentos com discernimento, em tempo real ao serviço de uma
acção eficaz” (Perrenoud, 1999, p. 10).
30
Maria do Céu Roldão (2004a) define competência como “saber que se traduz na
capacidade efectiva de utilização e manejo - intelectual, verbal e prático” (p. 20).
Assim, é mais competente quem é capaz “de usar adequadamente os conhecimentos –
para aplicar, para analisar, para interpretar, para pensar, para agir – nesses diferentes
domínios do saber e, consequentemente, na vida social, pessoal e profissional” (p. 16).
Competência é uma meta, “é o objectivo último dos vários objectivos que para ela
contribuem” (p. 22) e “uma vez adquirida, não se esquece nem se perde” (p. 21), por
oposição aos conhecimentos inertes acumulados, que se perdem por falta de uso.
Um debate, tão antigo como a escola, “opõe os defensores de uma cultura
gratuita aos partidários do utilitarismo” (Perrenoud, 1999, p. 13). Este “dilema não pára
de ser redescoberto, de ser aparentemente decidido, antes de renascer alguns anos
depois, sob outros vocábulos” (Perrenoud, 1999, p. 11). Por outras palavras, coloca-se a
questão se se vai à escola para adquirir conhecimentos, ou para desenvolver
competências, ou seja, será melhor as cabeças “bem-feitas” ou “bem-cheias”, o que
corresponde a escolher entre duas visões do currículo, uma que privilegia a transmissão
de conhecimentos, deixando a sua mobilização (construção de competências) a cargo da
formação profissionalizante ou da vida em geral; a outra, limita a quantidade de
conhecimentos ensinados, preferindo exercitar a sua mobilização.
Assim, à pergunta “conhecimentos profundos ou perícia na implementação?”,
Perrenoud (1999) responde “ambos!” (p. 11). “Formar em competências não pode levar
a dar as costas à assimilação de conhecimentos, pois a apropriação de numerosos
conhecimentos não permite, ipso facto, a sua mobilização em situações de acção” (p. 8).
Coloca esta questão como uma escolha de prioridades, uma vez que é impossível fazer
tudo, devendo ser ponderado o que será mais útil. Nos primeiros anos de ensino, parece
haver maior consenso no sentido das competências, como ler, escrever, etc. À medida
que as disciplinas aumentam, o dilema afirma-se com mais força. Diz o mesmo autor
que o sistema educacional tem sido construído de cima para baixo, ou seja, o ensino
superior refere o que pretende ao ensino secundário e este ao básico. Ora, as
universidades privilegiam os conhecimentos, sendo elas a origem das maiores críticas
da reformulação da escola básica e secundária em competências. Os maiores defensores
das competências vêm do meio profissional, do mundo económico, que está orientado
no sentido da acção.
31
Aceitar uma abordagem por competências é, portanto, uma questão ao mesmo tempo de continuidade – pois a escola jamais pretendeu querer outra coisa – e de mudança, de ruptura até – pois as rotinas pedagógicas e didácticas, as compartimentações disciplinares, a segmentação do currículo, o peso da avaliação e da selecção, as imposições da organização escolar, a necessidade de tornar rotineiros o ofício de professor e o ofício de aluno têm levado a pedagogias e didácticas que, às vezes, não contribuem muito para construir competências, mas apenas para obter aprovação em exames… (Perrenoud, 1999, p. 15)
Segundo Perrenoud (1999), a opção da escola pela via dos conhecimentos,
prende-se com facto de estar familiarizada com essa via, receando uma alteração para
uma orientação para as competências que exige uma planificação diferente da habitual.
Por outro lado, é mais fácil avaliar conhecimento que competências, na medida em que
estes exigem uma exposição a realidades com um grau de complexidade crescente, mais
exigente em termos de tempo. Como exige um esforço suplementar a todos os
envolvidos, abre as portas às críticas, por parte de professores, alunos e encarregados de
educação. Os alunos resistem, pois para desenvolverem competências, têm que correr
novos riscos inerentes à exposição com maior frequência a situações novas, tendo que
cooperar, projectar-se e questionar-se. Este esforço pode traduzir-se em mais trabalho,
que conduz a reclamações, podendo levar os encarregados de educação a reagir,
expressando o seu desagrado. Quanto aos professores, têm que recriar e utilizar novos
meios de ensino, olhando para os conhecimentos como ferramentas que vão sendo
mobilizadas consoante as situações-problema que têm que criar, o que implica um grau
de improviso maior. As planificações têm que ser mais flexíveis, a compartimentação
disciplinar deve ser menor, os contratos didácticos têm que ser repensados, bem como a
avaliação. A novidade, geralmente, assusta e exige, mais que não seja, um esforço de
adaptação.
Maria do Céu Roldão (2004) afirmou existir na actualidade um terrível equívoco
por parte da opinião pública, pouco informada acerca de questões relacionadas com a
educação. Concretamente, esse engano contempla duas partes: por um lado “associa-se
qualidade a um modelo antigo, que só foi supostamente de qualidade porque a maioria
dos alunos eram… «de qualidade», na medida em que largamente seleccionados e
bastante homogéneos” (p. 7), factores que favorecem, por si só, o sucesso escolar,
independentemente de como e por quem é ministrado; Por outro lado, “acreditar que
32
flexibilizar, contextualizar, diferenciar o modo de organizar o trabalho de ensinar, ou
seja, de gerir o currículo, corresponde necessariamente a descer a qualidade do ensino”
(p. 7). Acrescenta que
a qualidade reside exactamente . . . em produzir bem, respondendo adequadamente à diversidade das situações e, por isso, promovendo, para todos, os mais altos níveis de qualidade possíveis. Qualidade a que não só os próprios cidadãos têm direito, como as sociedades desenvolvidas o exigirão cada vez mais” (Roldão, 2004, p. 7).
Quanto à questão que competências escolher para formar um cidadão, Carla
Cibele Figueiredo (2002) considera que, sendo educação para a cidadania um espaço
transversal, para ele convergem várias áreas do saber da vida em sociedade. Logo, é
natural que lhe estejam associadas competências transversais ou transdisciplinares e
sugere as seguintes: construção de identidade, desenvolvimento de relações
interpessoais, estabelecimento de regras para a vida numa sociedade democrática,
comunicação e expressão, da tomada de decisões, da formação de um pensamento
crítico e reflexivo, da resolução de problemas, da consecução de projectos. Para além
destas, salienta que a importância de serem articuladas com diversas áreas do saber, de
modo a preparar cidadãos intervenientes em questões cívicas. Acrescenta ser ainda
“necessário ampliar o conhecimento das crianças e dos jovens sobre si mesmos e suas
culturas, sobre os princípios e as instituições democráticas, sobre a justiça e a forma
como esta funciona, sobre os media e os seus interesses e conflitos” (p. 57).
Relativamente à metodologia, faz o apelo à participação com informação, lembrando
que “a acção sem reflexão de pouco vale e que a informação por si só não produz
cidadãos activos” (p. 58).
Um cidadão de plenos direitos deve ter competências que lhe permitam
participar de modo responsável na vida pública. Assim, Mendo Henriques, João Reis e
Luís Loia (2006) avançam com uma proposta de competências que são necessárias
desenvolver. São elas: “a capacidade de persuadir através do discurso e da cooperação;
a capacidade de saber articular interesses e objectivos; a capacidade de estabelecer
consensos que sirvam o bem comum; a capacidade de gerir conflitos até alcançar um
desenlace positivo.” (p. 9). Os autores salientaram que o desenvolvimento de
competências para a cidadania democrática deve ser acompanhado pelo envolvimento
directo dos alunos na comunidade escolar, de modo a que possam praticar as
33
aprendizagens realizadas, sentindo e partilhando as dificuldades inerentes à prática.
Assim, podem “assumir responsabilidades na gestão dos assuntos da turma; participar
na vida das associações estudantis; apresentar petições à assembleia escolar e ao
conselho pedagógico; realizar serviços à comunidade; dirigir-se à comunicação social;
simular actividades de organismos governamentais, legislativos e judiciais; dialogar
com representantes dos poderes e dos interesses privados.” (p. 9-10).
No âmbito da Gestão Flexível do Currículo, nas áreas curriculares não
disciplinares, destinadas a todos os alunos, pretende-se desenvolver competências
transversais como “a capacidade de organização pessoal, curiosidade intelectual,
autonomia nas próprias aprendizagens, a predisposição para reflectir sobre o trabalho
realizado e sobre os problemas, a iniciativa pessoal, o sentido de responsabilidade.
Além disso, são de salientar ainda as capacidades ligadas a estratégias de resolução de
problemas, assim como à pesquisa e utilização de diversas fontes de informação”
(Abrantes, 2002, p. 16).
Ainda há muito para saber acerca de como se constroem competências para a
cidadania, mas que isso sirva de impulso para se progredir e não de desculpa para não se
fazer (Audigier, 2006).
1.2.3. Escola, espaço de Cidadania
Os homens não são imortais e a precariedade da vida veio impor a exigência da escola, a urgência do ensino. . . . A escola é essa instituição, esse lugar de transmissão do legado cultural entre gerações pela qual o homem conquista a eternidade, não dos indivíduos, mas da cultura (Pombo, 2002, p. 27).
A escola é ou pretende ser . . . mais do que o lugar por excelência da instrução ou, se se preferir, do ensino enquanto processo de transmissão do saber entre gerações, ela se pretende também como lugar de formação do Homem (Pombo, 2002, p. 57).
Quando foi inventada e, depois, divulgada, a fotografia, nos finais do século
XIX – inícios do século XX, as formas de arte ressentiram-se, em particular a pintura.
Para quê pintar retratos, se a fotografia reproduzia de modo mais real e fiel a pessoa que
a encomendava? Ou as paisagens? Ou… Esta aparente crise na pintura, empurrou-a na
procura de algo novo. Assim, surgem novos movimentos artísticos, como o
34
Impressionismo, preocupado em captar as sensações produzidas pela Natureza19, o
Expressionismo, mais interessado na interiorização da produção artística do que na sua
exteriorização20, o Cubismo que trata a Natureza por meio de formas geométricas21,
entre outros. Hoje, pintura e fotografia coexistem. Situação idêntica está a passar a
escola face aos meios de comunicação social, com os quais se vê envolvida numa
espécie de competição, perdida no início, no que à quantidade e à velocidade de difusão
diz respeito. A escola está a reposicionar-se na sociedade.
O aumento e difusão acelerados da informação nos dias de hoje, a cargo dos
jornais, da internet, da televisão, entre outros meios de comunicação, bem como dos
transportes, que facilitam as relações à escala planetária, levaram a que a escola se
questionasse acerca do seu papel na sociedade, uma vez que deixa de ser a única
responsável por conservar os saberes e passá-los à geração seguinte (Proença, 1990;
Oliveira & César, 2007). Maria do Céu Melo (2003) afirma que a escola “tem vindo a
perder o seu prestígio e eficácia não apenas como instituição educativa privilegiada,
mas também como instrumento legitimador e reprodutor do conhecimento gerado nas
comunidades científicas” (p. 22), função que passou para os media, que se assumiram
como ‘sujeitos activos’ na sociedade.
Assim, a escola debate-se com o desafio de se focar no que acontece fora dela,
“sem contudo perder a sua ambição de analisar e reflectir sobre o conhecimento que é
partilhado” (Oliveira & César, 2007, p. 237). Uns consideram que a sua função se está a
diluir, arriscando-se a desaparecer, acusando de inutilidade os saberes que integram o
currículo. Outros, porém, encaram essa questão com ânimo e, embora reconheçam que
são necessárias mudanças, acham que a sua tarefa sai reforçada, uma vez que mais
nenhuma outra instituição desempenha algumas dimensões nucleares nas sociedades
ocidentais. Concretamente, a escola é responsável pela passagem estruturada do quadro
referencial da cultura dominante numa dada sociedade, pela socialização conjunta dos
indivíduos de todas as culturas presentes nessa mesma sociedade, pelo apetrechamento
com instrumentos cognitivos de análise, reflexão, pesquisa e produção do conhecimento
e pelo ensino explícito de estratégias organizativas do conhecimento e do discurso
(Roldão, 1999). “Eis porque as finalidades da educação têm sofrido uma constante
19 http://pt.wikipedia.org/wiki/Impressionismo consultado em 10/09/2008. 20 http://pt.wikipedia.org/wiki/Expressionismo consultado em 10/09/2008. 21 http://pt.wikipedia.org/wiki/Cubismo consultado em 10/09/2008.
35
evolução à medida que as transformações sociais criam novas necessidades e
expectativas no homem” (Proença, 1990, p. 38).
A crise da escola de que se houve falar, segundo Maria do Céu Roldão (1999,
2004a, 2005), corresponde a um desajuste entre um tipo de escola que se tenta manter
imutável, tanto a nível organizativo como curricular, perante um público, que aumentou
e se diversificou, e os saberes, consideravelmente mais complexos. Se a massificação
foi um desafio já foi superado na sua generalidade, agora há que “«massificar o
sucesso», ou seja, garantir a todos uma qualidade educativa satisfatória” (Roldão, 1999,
p. 33). Nas palavras de Daniel Sampaio (2008, Novembro),
o impasse da escola actual resulta de se encontrar esgotado o modelo tradicional de ensinar, organizado para instruir o aluno médio e com razoável motivação. Muitos dos estudantes nas nossas salas de aula estão lá por obrigação ou porque não encontram nada melhor para fazer” (p. 4).
Num primeiro impulso de reacção à mudança, geraram-se mecanismos de
acréscimo de exclusão, depois, de diminuição de exigência. No entanto, estas respostas
revelaram-se incompatíveis com a necessidade de subir o nível educacional das
populações, pois “já não é pensável a sobrevivência social e individual sem o acesso ao
conhecimento cada vez mais disponível e, por isso mesmo, cada vez mais definidor de
inclusão ou exclusão social” (Roldão, 2005, p. 12).
Neste contexto, a escola deixou de ser um mero veículo de acessibilidade ao
saber disponível, assumindo um papel central como “instituição responsável pela
educação estruturada e estruturante para todos os cidadãos” (Roldão, 2005, p. 12).
“Enfrentando cada vez mais desafios, procura resolver as questões do sucesso
educativo, da diversidade, da exclusão social e do direito a uma cidadania activa e
democrática” (Silva & César, 2007, p. 1). E, embora “longe de conseguir a meta ideal
de equipar os jovens com conhecimentos e competências que os coloquem em situação
de equidade social” (Oliveira & César, 2007, p. 236), o currículo escolar passou a ser
uma resposta eficaz no apetrechamento (empowerment) de competências que
correspondam às exigências da sociedade do conhecimento (Roldão, 2005). Pois, falar
de “todos” engloba uma diversidade, o que em termos curriculares, se traduz no
seguinte: em vez de se pensar numa turma homogénea, há que considerar o binómio
core curriculum (currículo nacional) / projecto curricular (currículo a nível da escola).
36
Por outras palavras, as aprendizagens essenciais comuns e a sua concretização em
determinado contexto. A gestão curricular acontece na articulação destes dois elementos
e a flexibilização dos currículos é possível mantendo como referência as aprendizagens
a garantir no final, que devem ser alvo de avaliação interna e externa (Roldão, 1999).
“A escola já é um contexto de educação para a cidadania, independentemente
de esta ser uma função que lhe é, social ou legalmente, atribuída” (Menezes, 2005, p.
19) e não se ensina a ser cidadão, aprende-se e requer participação (Fonseca, 2001;
Perrenoud, 2002). É um caminho lento, complexo, trabalhoso, mas necessário. Esse
processo implica aquisições cognitivas, apropriação de valores, de códigos e de
competências para aprender a viver em democracia, base do exercício da cidadania.
Para além disso, requer o envolvimento dos indivíduos numa comunidade, pois os
contextos servem de factores facilitadores entre o juízo moral e o nível de acção, entre a
capacidade de julgar e a de agir - “uma educação para a cidadania mas também uma
educação na cidadania” (Fonseca, 2001, p. 37).
Quando confrontado numa entrevista acerca da sua formação como cidadão
Jorge Sampaio (1999) respondeu que foram importantes para o desenvolvimento do seu
espírito democrático os pais, o convívio com os amigos, as causas assumidas em
comum, o ambiente do liceu que frequentou (considerado aberto para a época), as
leituras (salientando aquelas sobre política), as viagens e as actividades das associações
académicas, essenciais para uma participação cívica e politização (Sampaio, 1999).
Salienta
que a participação em geral é sempre vantajosa como forma de exercício de cidadania, como modo de dar testemunho e de receber, de nos colocarmos perante as dificuldades e anseios e de os procurar resolver, sobretudo com os outros. E depois porque participar é o reverso de isolamento . . . da soberba, da auto-suficiência. Participar solidariza, comunitariza; em suma, é uma forma fundamental de democracia moderna (Sampaio, 1999).
Acredito que a autonomia das escolas só assume um sentido pleno se for construída com base em projectos em que os estudantes participem. . . . A participação é fundamental. Uma experiência associativa nas primeiras etapas da vida escolar pode desenvolver competências essenciais ao exercício de cidadania” (Sampaio, 1999).
37
Uma escola organizada de forma democrática deve entregar aos alunos o poder
de decisão (na medida do possível), pois decidir implica escutar, considerar o outro,
analisar uma dada situação sob diversos pontos de vista, sentido de responsabilidade, ou
seja, operações cognitivas importantes que se devem começar a desenvolver e exercitar
na escola, para depois serem continuadas com a exposição a contextos múltiplos, único
modo de aprender e desenvolver atitudes e competências de cidadania. Os conteúdos
que devem ser abordados são ligados com os valores que estão na base da participação
democrática, por um lado; por outro, relacionados com os instrumentos e mecanismos
capazes de operacionalizar as regras da democracia.
Assim, os alunos devem abandonar a atitude passiva que lhes foi reservada no
passado, sendo de incentivar a participação, promovendo a reflexão sobre si próprios, o
contacto com o diferente, o desafio de dogmas estabelecidos, a construção de uma
moral autónoma. São de promover temas centrais da vida humana, dilemas da
actualidade social, experiências significativas, desafios pessoais e sociais dos alunos
(Fonseca, 2001). E, se os alunos estiverem envolvidos a trabalhar em algo que seja
significativo para eles, seja individualmente ou em grupo, tudo se torna mais fácil e
eficaz (Abrantes, 2002. P. 16).
Um autêntico programa de acção no âmbito da educação para a cidadania deve
ser amplo e abarcar os novos desafios do mundo actual, como: o multiculturalsmo; a
exclusão social; o “regresso” dos valores à educação; o ambiente na procura de um
desenvolvimento sustentável; a participação no funcionamento de instituições,
associações, etc.; a integração num espaço mais vasto, como a Europa e o mundo, mas
sem renunciar à identidade nacional; a defesa dos direitos das crianças; a participação
mais global da mulher no funcionamento da sociedade; distribuição de recursos mais
equitativa entre o meio rural e urbano; garantir um efectivo acesso à educação. Nesse
programa a motivação seria avaliar os cidadãos que temos e perspectivar os cidadãos
que queremos para o novo século. Como estratégia, a escola deveria funcionar como
mini sociedade, equilibrando a teoria e a prática. O objectivo seria levar as crianças e
jovens a realizar actividades de natureza cívica, a nível local, nacional e/ou global e
considerar as dicotomias: autonomia/coesão social, neutralidade/modelos de excelência,
eficácia/risco. A educação deve proporcionar ao aluno o contacto com realidades
diversas, incentivando-o a fazer escolhas, ou seja, o aluno deve ter possibilidade de
38
progressivamente construir uma realidade cívica de si próprio, sem que lhe seja imposta
do exterior. Assim, o exercício de cidadania reconhece o “outro social” e contempla o
“eu cívico”, enraizado na tradição, mas aberto aos novos desafios que a humanidade vai
lançando (Fonseca, 2001).
Ora, a escola é uma comunidade capaz de reproduzir as condições da vida social.
Neste sentido, pode ser um local onde o aluno aprenda a viver em sociedade, onde
adquira conhecimentos e competências ligados às realidades cívicas (atrás enumeradas)
com que o mundo de hoje se vê confrontado. Por outras palavras, onde haja acesso à
teoria, mas também oportunidade para exercitá-la na prática, efectuando uma avaliação
dos resultados obtidos para si e para a comunidade. Assim, as crianças e os jovens não
seriam apenas meros espectadores, aguardando a sua vez de serem adultos e poderem
intervir, sendo desde pequenos cidadãos activos, participantes e responsáveis (Fonseca,
2001; Perrenoud, 2002; O’Shea, 2003; Henriques et al, 2006; Lúcio, 2008).
A educação para a cidadania democrática deve, então, ter como meta formar
pessoas livres. O sujeito deve cultivar a autonomia pessoal estando exposto à
diversidade e complexidade sociais, de modo a ser capaz de formar opiniões resistindo
às pressões do colectivo, aceitando o diálogo como meio de mediar conflitos, tendo
abertura para se colocar no lugar do outro para que haja uma maior compreensão,
aceitação e respeito, mesmo que não subscreva a ideia apresentada. Os valores
democráticos alicerçados nos direitos humanos devem ser o quadro referência. Um
sujeito formado neste contexto deverá ser mais sensível à exclusão social, sendo arauto
da escola inclusiva, onde a solidariedade ocupa um lugar central, “na procura do sentido
de cada um na sua relação com o outro, e na convicção de que só nesta relação se atinge
a expressão maior da dimensão pessoal e humana” (Lúcio, 2008, p. 33).
“O cidadão de hoje é um «mestiço» cultural, a escola é a instituição que melhor
pode torná-lo «fluente» no entendimento das várias culturas e componente na
articulação e uso das respectivas ferramentas” (Roldão, 1999, pp. 20-22). E, nesse
sentido, a escola é um espaço de cidadania, ou seja, um “projecto . . . que procura lançar
e concretizar os princípios da cidadania democrática” (O’Shea, 2003, p. 11).
39
1.2.4. Professores e a Cidadania
Decidir na incerteza e agir na urgência: essa é uma maneira de caracterizar a especialização dos professores, que . . . fazem “impossíveis”, . . . porque o aprendiz resiste ao saber e à responsabilidade (Perrenoud, 2000, pp. 11-12).
“A ênfase da educação para a cidadania é a ênfase no que se teme (porque está
em falta) e se deseja controlar” (Menezes, 2005, p. 14). Assim, abordar a educação para
a cidadania provoca receio nos professores. Considerando todas as reticências que uma
generalização implica, esta é a reacção que tenho observado nos colegas e que eu
própria experimentei, facto, aliás, que me levou a querer aprofundar esta temática na
presente dissertação.
Ainda é comum nas escolas, actuar-se como se a educação tivesse como
finalidade apenas a transmissão de conhecimentos, relegando para segundo plano as
estratégias que visam a formação integral do indivíduo. Esquecem-se, esses educadores,
“que estas também desempenham um papel fundamental na concepção de tipo de
cidadão que se pretende formar através da acção educativa” (Proença, 1990, p. 39). E,
actualmente, os professores vêem-se confrontados com “turmas com estudantes de
nacionalidades diferentes que mal falam português, . . . perante os inúmeros problemas
sociais e familiares que muitos alunos trazem para a sala de aula” (Sampaio, 2008,
Novembro. p. 4).
O protagonismo que é pedido aos professores exige mudanças no âmbito da sua
identidade e do desenvolvimento profissional, passando, também, pela criação de
condições para que essas alterações ocorram (Abrantes, 2001). De jogadores de futebol,
passam a treinadores, o que exige um novo tipo de competências. São alterações que
assustam, sobretudo se se pensar que a maioria dos docentes receberam formação para
serem “jogadores” e não “treinadores”. As respostas aos problemas complexos com que
a escola tem que lidar, vão-se delineando e concretizando, mas não acontecem ao ritmo
rápido que talvez fosse desejável.
No âmbito da educação para a cidadania, François Audigier (2006) considera
que o principal papel do professor é conceber situações que propiciem aos alunos a
40
construção de conceitos, ferramentas indispensáveis para decifrar, analisar e
compreender o real.
No quadro da Gestão Flexível do Currículo, a escola e os professores passam a
desempenhar funções essencialmente a nível da decisão e organização, deixando o
terreno da execução para os alunos. Assim, “os professores não são «correias de
transmissão» entre programas e manuais «prontos a usar» e os alunos”. Os professores
são profissionais que identificam e interpretam problemas educativos e procuram
soluções para esses problemas, no quadro de orientações curriculares nacionais”
(Abrantes, 2001, p. 43). No caso concreto das áreas curriculares não disciplinares
constituíram um desafio especialmente exigente para os docentes, por serem algo novo,
sendo, por isso mesmo, aconselhado que os professores envolvidos fossem escolhidos
pelo seu perfil, experiência, formação e motivação, dependendo daí o seu sucesso
(Abrantes, 2002). E, se se considera a educação para a cidadania importante, então deve
ser integrada na formação dos professores (Audigier, 2006).
Para Maria do Céu Roldão (1999), o professor tem tido sempre um estatuto
híbrido, pois reparte as suas funções entre ser profissional e funcionário, ou seja, de
semi-profissionalidade. No contexto de mudanças da escola, a tendência vai no sentido
das características de profissão ganharem terreno face às de funcionário, assumindo o
professor uma acção mais esclarecida e interveniente, cabendo-lhes uma
responsabilidade acrescida relativamente ao currículo, sua avaliação, ajustamento e na
selecção e/ou produção de materiais curriculares. Segundo Olga Pombo (2002), a
responsabilidade de um professor é com o saber e o seu ministério professo são os
alunos.
Que atitudes se podem encontrar entre os professores quando confrontados com
a função de educar para a cidadania?
Philippe Perrenoud (2005) faz um apelo para que não se sobrecarreguem os
programas das disciplinas, de modo a haver espaço e tempo para que professores e
alunos construam conjuntamente saberes e competências de cidadania, nomeadamente
através do contacto com realidades diferentes e do debate que conduz ao confronto de
opiniões.
Carla Cibele Figueiredo (2002) recomenda como percurso para a educação para
a cidadania por um lado, evitar erros como correr de conferência em conferência,
41
livraria em livraria… à procura da última informação sobre cidadania; não saber por
onde começar; ou embrenhar-se em análises disciplinares sobre o tema; por outro lado,
considera seis atitudes possíveis: (1) Uns, imputam à escola a função de ensinar, ficando
para a família a de educar, sendo melhor manter essas tarefas separadas, como
prevenção de possíveis conflitos. Sendo a educação para a cidadania “um motor de
análise e da discussão de questões de identidade, de cultura, de valores e até de política,
não é considerada por estes professores uma função sua, mas da família” (p. 44). Mas,
não há neutralidade na função de professor, mesmo que haja um esforço nesse sentido,
ele trai-se na forma como trabalha, como lida com os alunos. “Cada professor ensina
sobretudo aquilo que é” (Pombo, 2002, p. 67).
O que passa fundamentalmente para os alunos é a figura humana, a presença concreta do professor, o modo como com eles se relaciona, como se interessa pelos seus interesses, o modo como vive e cultiva a sua profissão, o modo como se situa face ao saber que ministra, a paixão que o anima (Pombo, 2002, p. 67).
A educação para os valores tem o professor como interveniente principal, seja qual for a sua disciplina, porque o professor, ao interagir com as crianças e os adolescentes, assume-se como um adulto significativo que educa através do exemplo, da sua maneira de ser e de estar, da forma como comunica e como se relaciona, da forma como organiza a sala de aula e concretiza o processo de ensino/aprendizagem, Quanto mais consciente estiver dos seus papéis, mais fácil será a consecução dos objectivos sócio-morais prescritos (Marques, 1998, p. 32).
Assim, as fronteiras atrás referidas são artificiais. (2) Outros, atribuem grande
importância ao facto de concluírem o programa extenso, do qual não se podem desviar
em prol do seu cumprimento. Ora, não é necessário acrescentar nem desviar o programa
para se abordar a educação para a cidadania, pois “os objectivos do domínio da
formação pessoal e social cruzam o saber da disciplina” (p. 45) e a gestão curricular é
da responsabilidade do professor. (3) Há aqueles que reconhecem a importância de
educar para a cidadania, no entanto, outros colegas estarão, com certeza, mais
vocacionados. Se “educar é a palavra-chave que reúne todos” (p. 46), a todos diz
respeito. (4) Há também quem acolha bem as inovações, mas se sinta inseguro pelo
facto da sua formação inicial não ter incluído essa área. Aí a resposta está na formação.
Resgatar para o professor, o direito e o dever de ser exigente para consigo mesmo, para com a sua profissão, para com os seus alunos e para com o
42
saber que, face a eles, representa e incarna e deve actualizar (Pombo, 2002, p. 67).
(5) Há quem pense “sozinho não sou capaz…”, pois inovar e mudar sozinho é difícil. O
apoio dos colegas e, sobretudo, de instituições abertas à novidade, pode ser o catalisador
necessário e suficiente. (6) E, existem outros que, com plena consciência disso ou nem
por isso, há muito que já educam para a cidadania. Pois, mesmo com diferentes
designações, houve experiências anteriores no sistema educativo português, como é o
caso do DPS ou da Área-escola, experiências essas que podem constituir uma mais-
valia.
“Enfin, la citoyenneté et l’education à la citoyenneté sont sous notre
responsabilité” (Audigier, 2006, p. 12) e “educar para a cidadania pode ser educar o
olhar sobre o outro e, de regresso, o olhar sobre o eu e ficar atento a olhar o agir de nós
com o outro, sem descanso e enquanto somos credores deste mundo” (Valente, 2001, p.
14).
1.3. A disciplina de História e a Cidadania
“Vivemos, hoje, uma cultura do instante, e o eterno ocupa cada vez menos
espaço no quotidiano do homem ocidental. Esta valorização do momento cultiva o
esquecimento e constrói-se sobre ele” (Felgueiras, 1994, p. 36). Perante isto, esperava-
se uma desvalorização da História, o que de facto se verifica na escola, por parte dos
alunos que não reconhecem nessa ciência a utilidade de outras. Mas, não deixa de ser
curioso que tenha aumentado o gosto pela História a nível da população em geral, o que
justifica a procura pelo cinema, séries televisivas, romances históricos, biografias, banda
desenhada, etc. no âmbito da História (Proença, 1990; Roldão, 1993; Felgueiras, 1994).
A explicação deste aparente paradoxo pode estar numa reacção instintiva do ser humano
à “cultura do instante”, procurando preservar o seu passado, conservar a sua identidade
e restaurar o seu património. Para além disso, os momentos de crise despertam a
reflexão e suscitam a busca da identidade pessoal e civilizacional, onde a História pode
ser o alicerce da cultura (Felgueiras, 1994). “O passado, como o pobre, está sempre
43
connosco, não porque o decidimos tolerá-lo como fazemos com a pobreza, mas porque
não lhe conseguimos escapar” (Rogers22, 1984 citado por Felgueiras, 1994, p. 37).
É de considerar igualmente que a História divulgada pelos media é “viva”, fala
da vida quotidiana, dos “sem história”, tão distante da História do currículo português,
que espartilha pela linearidade cronológica desmotivadora. Para além disso, o acesso à
informação através das linguagens audiovisuais é mais apelativo e exige menor esforço
que a leitura e compreensão das tradicionais narrativas históricas (Melo, 2003).
O interesse pelo passado pode também ser visto como uma fuga à massificação
impessoal, imposta pelo mundo global em que vivemos, bem como uma procura de
referências num imaginário que permite escapar ao universo excessivamente racional
divulgado pelos media e que nos envolve no dia-a-dia. Do mesmo modo, banalizam-se
as festas e diluem-se as tristezas num quotidiano excessivamente ocupado, esvaziando-
se os espaços e os tempos comuns - “a memória colectiva” - que conferiam um
sentimento de pertença a uma determinada comunidade. Ao se interrogarem sobre si
próprias, as pessoas sentem necessidade de mergulharem nas suas raízes para
encontrarem respostas acerca da sua identidade. Neste contexto, a escola,
nomeadamente através da disciplina de História, pode assumir um papel importante nas
respostas a dar. “A nação carece de um cimento agregador que lhe dê realmente
consciência do que é, passando por uma memória do passado, um nexo de interesses e
valores do presente, um projecto sentido no colectivo para o futuro (Roldão, 1993, p.
30).
1.3.1. Porquê ensinar/aprender História
“A História é o estudo da vida”, no entanto tem sido uma disciplina esquecida no
currículo, não só a nível nacional, mas também a nível europeu. Há quem continue com
a opinião que a História se resume ao conhecimento do passado, que é transmitido aos
alunos pelo professor com ajuda do manual, mas existem novas propostas para o ensino
da História (Barca, 2003, Janeiro).
Se o Português é essencial aos alunos, desde tenra idade, porque se aprende a
comunicar; e se a Matemática é importante, pois ensina as noções do domínio
22 Rogers, P.J. (1984). The new history. Theory into pratice. Londres: The Historical Association.
44
quantificável necessárias ao mundo do trabalho; com a História adquire-se a consciência
do tempo e da sociedade, a dimensão do mundo em que vivemos (Félix, 1998).
“Os três principais motivos tradicionais para o ensino da História [são:] a) iniciar
a criança numa herança específica e numa visão do mundo, instalando-lhe um conjunto
de crenças morais; b) respeito pelo passado do seu grupo; c) usar uma imagem comum
do passado para manter uma identidade do grupo humano a que pertence” (Partington23,
1980 citado por Felgueiras, 1994, p. 42).
Margarida Felgueiras (1994) apresenta algumas razões para se integrar História
no currículo: (1) o professor deve alargar os interesses dos alunos; (2) promove a
autonomia intelectual, na medida em que é abstracta, pois os dois conceitos que lhe
servem de base, o tempo e o espaço, também o são; (3) a sua metodologia pode
contribuir para aprendizagem de sucesso; (4) enquanto disciplina humanística, está
ligada às concepções e valores da sociedade em geral e das comunidades em particular,
sendo primordial na educação para a cidadania; (5) o desenvolvimento cognitivo deve
ser acompanhado do moral e socioafectivo, contribuindo a História para o
desenvolvimento do carácter da criança; (6) contribui para um sentido de pertença, dos
valores; (7) promove a compreensão da mudança na continuidade; (8) colabora na
alteração de padrões de comportamento na escola secundária, ajudando a banir o
vandalismo; (9) facilita uma maior compreensão do meio; (10) possibilita fazer juízos
fundamentados.
Segundo Noémia Félix (1998), hoje em dia pretende-se que a História contribua
para desenvolver as noções de tempo e de espaço, a compreensão da multiplicidade dos
factos e inter-relações, oriente na complexidade do mundo actual, de forma a ser
considerada a diversidade, que implica o desenvolvimento de atitudes de respeito e
solidariedade (Félix, 1998). Para esta autora as finalidades do ensino da História são: (1)
“a compreensão e explicação do mundo em que vivem através do passado” (p. 58); (2)
explicar o presente; (3) manter a memória colectiva, através do conhecimento das
origens e fundamentos da vida colectiva; (4) desenvolver a dimensão temporal do
Homem, através dos conceitos de mudança e permanência; (5) adquirir procedimentos
(como tratamento de informação, investigação, etc.), valores (tolerância, solidariedade,
etc.) e atitudes; (6) compreender o que se passa a nível internacional; (7) aprender a
23 Partington, G. (1980). The ideia of na historical educaion. Windsor: NFER Publising Company.
45
eliminar estereótipos e pré-juízos; (8) fomentar a abertura a uma História multicultural;
(9) desenvolver atitudes positivas de âmbito ambiental. Assim, agrupou estas
finalidades em 3 grandes categorias: (1) saber ou objectivos cognitivos; (2) saber-fazer
ou métodos da História; (3) saber-ser ou atitudes. Considerando três dimensões: a
humana, a política e a económico-social.
Assim, a História deve ser uma das disciplinas que integram o currículo do
Ensino Básico, pela “promoção da compreensão histórica, pelo seu valor intrínseco para
o avanço do conhecimento sobre nós próprios, considerados individual e
colectivamente, e não por razões meramente extrínsecas e instrumentais” (Felgueiras,
1994, p. 38). Actualmente, o ensino da História permite “desenvolver no aluno
competências de «bom conhecimento» que lhe possibilitam compreender criticamente a
sua realidade e reconhecer-se como sujeito capaz de a transformar através de uma
participação consciente na vida da comunidade (local, nacional, mundial) (Félix, 1998,
p. 61). É, pois, o seu carácter formativo que justifica a sua presença na estrutura
curricular (Santos, 2000). Por outras palavras, a História desempenha um papel
importante na formação da identidade própria, preserva e continua a memória colectiva
e a consciência nacional, sendo importante na formação para a cidadania.
Maria do Céu Roldão (1993) lançou o desafio aos professores de História para
levarem os alunos a “sentirem o gosto e a utilidade da aprendizagem desta disciplina,
porque lhes interessa, porque se adequa às suas possibilidades e capacidades, porque
lhes permite descobrir e descobrir-se, numa sociedade que progressivamente vão
compreendendo melhor” (Roldão, 1993, p. 17). Para isso, sugere um repensar sobre o
universo de valores pedagógicos, sem preocupações com as conotações com atitudes
acusadas de passadismo e propõe: (1) uma atitude de pesquisa histórica a desenvolver
pelos alunos que utilize documentos de índole diversa e seja complementada com a
exposição do professor e/ou dramatizações, antecedidas por um tratamento rigoroso; (2)
relembra que os dados cronológicos são importantes, na medida em que constituem um
referente importante para a localização mental, pois está provado que a memorização,
após a compreensão e organização dos conteúdos, confere orientação e segurança aos
alunos, conduzindo-os para o sucesso; (3) um dos factores que aproxima os alunos à
História é a via da identificação (ou rejeição) com outros homens que viveram no
passado, ou seja, é “o papel dialéctico de certas figuras relativamente ao seu contexto
46
histórico” que abre o caminho à compreensão histórica, sendo mais difícil a adesão às
interpretações estruturais. “Não são os métodos em si que são activos ou passivos, mas
o uso que o professor faz deles, consoante os diferentes objectivos que pretende atingir”
(Roldão, 1993, p. 19).
1.3.2. Como se ensinar / aprender História
Existe um paradoxo em torno da educação histórica em Portugal: temos uma História rica, quer como passado quer como produção de conhecimento; queixamo-nos de que os jovens não sabem nada desta disciplina; apesar disso, as universidades pouco investem na pesquisa no domínio do Ensino da História (Barca, 2000, p. 14).
A disciplina de História está sempre numa posição vulnerável na escola. Quando
faltam horas no desenho curricular, é candidata à redução dos tempos lectivos ou a ser
integrada numa área disciplinar, mas, paradoxalmente, se o currículo está em discussão,
História é um foco de controvérsia (Lee, 2000). Em Portugal tem havido nuances, mas a
actual situação no ensino básico é de currículo integrado no 1º Ciclo, como Estudo do
Meio, currículo interdisciplinar no 2º Ciclo, como História e Geografia de Portugal e
disciplina autónoma no 3º Ciclo, como História (Félix, 1998).
O ensino da História está condicionado pela idade e desenvolvimento intelectual
e psicológico dos alunos, bem como pelos conteúdos que ensina, entre outros factores
inerentes ao sistema educativo e à sociedade em geral (Proença, 1990). E, são múltiplas
as causas24 responsáveis pela contínua evolução das instituições escolares, sendo cada
vez mais importante que a escola prepare os alunos para a autonomia, devendo ser
abandonada a didáctica tradicional em prol da auto-instrução. E, com maior ou menor
eficácia, os currículos escolares têm tentado acompanhar este processo de
desenvolvimento. “Actualmente, já não faz sentido, que as mudanças curriculares se
24 Factores como “as transformações tecnológicas . . .; o crescente avanço do sector terciário; a acentuada concentração urbana a que corresponde o correlativo despovoamento dos campos; avanços consideráveis no domínio da saúde e da higiene; o progressivo desenvolvimento do trabalho social da mulher, com evidentes repercussões na estrutura e educação familiares; o desenvolvimento dos mass media, o cinema, rádio e televisão, que modificou por completo a natureza dos tempos livres e lazeres e tem contribuído para uma crescente massificação cultural; o alargamento da “sociedade de consumo” que, para além das necessidades primárias cria constantes necessidades artificiais pelo recurso às imposições publicitárias; o recente alertar das populações face aos problemas ecológicos resultantes das transformações industriais” (Proença, 1990, p. 63).
47
façam por imposições de alterações políticas conjunturais, como era comum no século
passado, mas antes que qualquer inovação no currículo seja convenientemente
preparada” (Proença, 1990).
O conhecimento histórico constrói-se a partir do tempo, da causalidade e da
compreensão da mudança e tem as seguintes características: (1) pensamento
cronológico; (2) compreensão histórica; (3) análise e interpretação histórica; (4)
investigação histórica; (5) análise de temas históricos e a tomada de decisões. Embora
se inter-relacionem, estes factores podem ser agrupados em categorias como a
aprendizagem de conceitos, a explicação histórica e o problema do tempo. O professor
de História deve facilitar ao aluno a construção desse conhecimento através de apoios,
incentivando-o a expressar as “ideias históricas”. Segundo Topolsky25 (1982, citado por
Félix, 1998), há dois tipos de explicações em História: as intencionais, onde intervêm
personagens, que tentam explicar os factos pela motivação e, estando relacionadas com
a empatia, são as mais comuns nos alunos até os 15 anos; quanto às causais, são de
carácter mais abstracto e explicam através do relacionamento de factores económicos,
políticos e sociais. O professor deve utilizar, sempre que possível, os dois tipos,
podendo apoiar-se na narrativa histórica, que foi reabilitada, facilitando a acessibilidade
dos mais novos ao conhecimento histórico, na medida em que dá significado a
conteúdos que antes se pensava apenas serem adequados a adolescentes (Félix, 1998).
As dificuldades demonstradas pelos alunos na aquisição do conhecimento
histórico, não parecem não estar relacionadas com a natureza do conhecimento histórico
em si, mas sim com o domínio de técnicas de trabalho intelectual, como a capacidade de
observação, de leitura/escrita, de síntese, de compreensão de textos, etc). Facilita a
compreensão histórica fornecer aos alunos “saberes de referência”, que lhe permitem
relacionar acontecimentos, associar personagens e/ou conceitos, sendo estes marcos tão
mais importantes quanto mais novos são os alunos (Félix, 1998).
Caracterizando a França dos Anos 80, Suzanne Citron (1990) afirmou haver uma
sabotagem ao ensino da História, pois o modo de olhar o passado tinha mudado, embora
a historiografia escolar se mantivesse, o que justificava a ruptura cultural entre a
juventude e as gerações precedentes. Então, apelou a uma nova maneira de fazer
História, uma vez que “o olhar «científico» duma História Nova é humilde perante a
25 Topolsky, J. (1982). Metodologia de la historia. Madrid: Cátedra.
48
complexidade e perante os limites do conhecer” (p. 101). Este quadro é idêntico em
Portugal, onde a informação também passou a ser transmitida através dos meios de
comunicação em “pedaços estilhaçados, abordagens em caleidoscópio . . .
representações em puzzle, patchwork de espaço-tempo” (pp. 100 - 101), utilizando as
novas linguagens electrónicas, do audiovisual ou da banda desenhada, onde a imagem
se impõe com força numa “nova ordem simbólica que já não é a da escrita linear e a do
pensamento por ela produzido e apela às representações e aos modos de pensar pré ou a-
escriturais” (p. 101). Para grande parte das crianças e jovens, a televisão é a companhia
eleita, distanciando-os da cultura tradicional clássica e introduzindo-os num novo
universo mental, onde a imaginação se liberta sem a subordinação à grafia da escrita.
Assim, “é irrisório e ilusório propor como «história» a crianças enformadas pela
televisão a diacronia linear duma narrativa pseudocontínua, sempre presente como
trama de fundo dos programas” (p. 101). Neste contexto, o ensino de História como foi
estruturado no século XIX é anacrónico na actualidade, “o olhar que os criadores da
historiografia escolar lançam sobre o passado já não é o nosso. Não se pode pedir aos
professores que o ressuscitem. . . . [O melhor] é formular . . . uma nova problemática:
substituir ao sistema das disciplinas compartimentadas a prioridade do Sujeito a formar”
(p. 23). Pois, “numa sociedade onde os media e outras fontes de informação e
comunicação se tornam crescentemente mais disponíveis, torna-se necessário que os
alunos adquiram competência de leitura e interpretação” (Melo, 2003, p. 23). Em vez de
se ignorar a cultura popular (televisão, cassetes, música, etc.), pode-se tentar
transformar essas fontes em recursos didácticos, usando-as para melhorar o
conhecimento histórico dos estudantes (Barbosa, 2005).
Os modelos didácticos para ensinar História foram evoluindo e, em Portugal,
estão integrados num contexto muito peculiar, pois a um longo período de estagnação e
endoutrinamento, seguiu-se uma ruptura e inovações múltiplas. Ora, as Ciências Sociais
e Humanas, como é o caso da História, vão reflectindo as mudanças ideológicas e
conjunturais (Roldão, 1993).
Assim, no período anterior a 1974, a matéria era “dada”, ou seja, era transmitida
“imposta sob um determinado «formato», incontestável, único, inatacável” (Roldão,
1993, p. 13). Seguia-se a lógica da disciplina (ensino tradicional), em que o professor
era o emissor e o aluno o receptor, que devia repetir para memorizar datas, nomes e
49
factos (Proença, 1990; Félix, 1998). Era uma história factual, centrada na cronologia dos
acontecimentos políticos, enaltecendo as grandes figuras, como símbolos da ideologia
nacionalista. A interpretação histórica era pobre e manipuladora, escamoteando tudo
quanto fosse incómodo ao regime. Em coerência estavam as metodologias, que se
cingiam ao livro único (legalmente autorizado) e o ensino expositivo baseado nesse
manual, apelando à memorização-reprodução passivas por parte dos alunos, avaliados
nas “chamadas26” e “pontos27” (Roldão, 1993).
Depois, de 1974 à Reforma Educativa de 1986, foram introduzidas várias
alterações, que enriqueceram e complexificaram o ensino da História. Passou-se por um
período em que abriu as portas à informação vinda de outros países, responsável por
actualizações sucessivas, e por vezes contraditórias, de programas e metodologias,
consoante a conjuntura política ia sofrendo alterações. As mudanças mais marcantes
foram: programas organizados numa perspectiva estrutural; metodologias activas,
colocando o aluno na construção do saber histórico, aproximando-as do método
científico da História; abandono do livro único, substituído por vários compêndios e/ou
por materiais coligidos ou elaborados pelos professores e alunos (Roldão, 1993). Os
novos princípios psicopedagógicos privilegiam a lógica do aluno, permitindo-lhe
desenvolver as suas capacidades, ensinando-o a pensar. Assim, o ensino da História
deixa de ser meramente informativo, valorizando o carácter formativo (Proença, 1990).
Os currículos focaram-se no local/regional (aqui) e na contemporaneidade (agora),
perdendo a História a sua identidade como saber específico. O professor é o organizador
dos instrumentos que possibilitam a aprendizagem (Félix, 1998).
As adaptações necessárias exigidas pelas drásticas mudanças deste período
fizeram com que professores e alunos andassem um pouco perdidos, facto agravado
pela preocupação maior estar em tudo quanto contrastasse com o período anterior,
fazendo tábua rasa do que vinha de trás, em vez de se concentrarem esforços numa
busca criteriosa no que fosse cientifica e pedagogicamente mais adequado. Como
consequência cometeram-se exageros, tais como conotar-se o ensino activo com a
actividade do aluno e o ensino passivo com qualquer tipo de exposição ou transmissão
de conhecimento; privilegiou-se o trabalho na sala de aula, pela descoberta e
26 “Chamadas” aconteciam quando o aluno era chamado para responder às perguntas que o professor lhe fazia, com ou sem aviso prévio. 27 “Pontos” eram os testes de avaliação escritos.
50
compreensão de conteúdos e conceitos, em detrimento do estudo extra aula e
memorização; valorizaram-se aspectos formativos (desenvolvimento de capacidades,
promoção de atitudes e domínio de técnicas de trabalho) (Roldão, 1993), minimizando a
importância dos conteúdos, que são um meio e não um fim, ou seja, no caso da História,
servem para explicar a realidade que nos rodeia (Proença, 1990; Roldão, 1993; Félix,
1998), provocando um desequilíbrio nos resultados, pois as capacidades, atitudes e
técnicas desenvolvem-se sobre conteúdos e não no vazio; nos manuais, em prol dos
documentos, gráficos, mapas, imagens, etc., o texto informativo contínuo de síntese e de
estudo quase desapareceu (Roldão, 1993).
A implementação da Reforma Educativa, com a Lei nº 46/86, de 14 de Outubro,
trouxe novos programas ao Ensino Básico, no sentido de superar as contradições
anteriores e adequar o ensino da História às características e modos de aprender dos
alunos. Deste modo, o saber histórico foi sendo integrado em vivências e situações
personalizadas do aluno, para que este lhes desse significado (Roldão, 1993). Assim,
tendeu-se para o equilíbrio, para uma aprendizagem significativa e construção do
conhecimento, em que se respeita a lógica da disciplina como um conhecimento em
construção. O papel do aluno e do professor complementam-se, pois este tem
conhecimento que aquele vai reelaborar mediante as propostas deste. Assim, o
professor, baseando-se em conteúdos, planifica actividades que facilitem ao aluno a
construção de significados. É um modelo integrador que segue uma perspectiva
construtivista, havendo uma preocupação em adequar as estratégias aos alunos a que se
dirigem, aos conteúdos e às finalidades. Isto não significa que se deva abandonar por
completo a memorização ou a transmissão de conteúdos programáticos, mas sim dar
importância aos métodos de trabalho, de desenvolvimento de atitudes e competências e
ao domínio de determinadas técnicas (Proença, 1990; Félix, 1998). Este modelo seguiu
uma lógica global, em que o ensino da História deve ser iniciado no 1º Ciclo, no qual os
alunos aprendem a pensar, em termos históricos, realidades simples numa perspectiva
multidisciplinar das Ciências Sociais (Estudo do Meio). No 2º Ciclo os alunos
contactam com ideias gerais que lhes permitem compreender a vida e a organização
social (História e Geografia de Portugal). Finalmente, no 3º Ciclo, estuda-se a evolução
dos homens através dos tempos, numa organização cronológico-temática (História)
(Félix, 1998).
51
Com a Gestão Flexível dos Currículos, recupera-se a lógica do professor, tendo
este que contextualizar as aprendizagens de forma a dar uma dimensão didáctica aos
conteúdos (Félix, 1998). O objectivo foi “proporcionar materiais que pudessem ajudar
os professores e as escolas a gerir, com flexibilidade e rigor, os currículos nos contextos
específicos em que trabalhavam” (Vasconcelos, 1998, pp. 5-6). Não foi sua primeira
finalidade alterar os programas em vigor, mas sim trabalhá-los de uma maneira
diferente (Félix, 1998; Vasconcelos, 1998). Respeitando as características próprias de
cada disciplina do currículo, pretendeu-se aumentar a eficácia e adequação das práticas
educativas de modo a se atingirem os objectivos da educação básica, a “base da
educação e de um desenvolvimento permanente” (Félix, 1998, p. 12). Assim, era
essencial que se equilibrasse o desenvolvimento de atitudes com a aquisição de saberes,
para se conseguir desenvolver o espírito crítico. Deste modo, solicitou-se aos
professores que gerissem o currículo, que tomassem decisões curriculares, para além de
organizarem as situações de aprendizagem, algo diferente do que estavam habituados a
fazer. Assim, tornou-se necessária uma reflexão teórica sobre as aprendizagens,
métodos e técnicas, mas igualmente sobre a própria disciplina, sobre o saber (Félix,
1998).
Nas últimas décadas têm-se desenvolvido linhas de investigação no sentido de
traçar os perfis dos alunos no final da escolaridade básica, baseados nas competências a
atingir. Segundo Noémia Félix (1998), as competências essenciais28, no âmbito da
disciplina de História, que o futuro cidadão deve desenvolver ao longo dos três ciclos do
Ensino Básico, ou seja, aquelas que contribuem para a formação de uma consciência
histórica (meta fundamental da aprendizagem histórica), são as seguintes: (1)
conhecimento da realidade em que vive; (2) conhecimento e compreensão da natureza
social e individual do ser humano; (3) tratamento de informação; (4) desenvolvimento
de atitudes tolerantes tanto intelectual como socialmente; (5) respeito e valorização do
património histórico. E, como finalidades essenciais: (1) desenvolver o interesse pelo
passado; (2) compreender os valores da nossa sociedade; (3) conhecer as situações e
acontecimentos mais importantes do seu próprio país e do mundo; (4) desenvolver
conhecimento sobre a cronologia; (5) compreender as diferenças entre o passado e o
futuro e que as pessoas de outras épocas viveram valores e atitudes diferentes dos
28 O conceito de competência foi abordado de modo alargado noutro ponto da dissertação - ver p. 29 e seguintes.
52
nossos; (6) distinguir entre factos históricos e a sua interpretação; (7) procurar
explicações para a mudança; (8) compreender que os acontecimentos têm uma
multiplicidade de causas; (9) estimular a compreensão dos processos de mudança e
continuidade; (10) desenvolver a perspicácia, baseada na informação, para obter uma
valorização do passado.
É com base nestas finalidades e no programa existente que os conteúdos do
currículo podem ser flexibilizados. Mas, para atingir estas metas, há ainda que contar
com as capacidades que devem ser desenvolvidas ao longo do ensino básico e que,
juntamente com as cinco competências nucleares atrás referidas, devem constar no
perfil do aluno. Espera-se que, no final dos três ciclos da escolaridade básica, os alunos
possuam conhecimentos e capacidades que possam ser mobilizadas para resolver
situações da sua vida activa. Assim, e apenas reportando ao final do 3º Ciclo, os alunos
devem ser capazes de: (1) explicar situações históricas, mostrando consciência da ideia
de mudança; (2) demonstrar que têm consciência das diferenças entre descrições
históricas e as fontes empregadas para as elaborar; (3) reconhecer que o valor das fontes
é determinado pelas questões que se põem; (4) seleccionar a informação relevante a fim
de realizar uma exposição completa, precisa e equilibrada usando algumas das
“convenções” da comunicação histórica (Félix, 1998).
No ano 2000, Isabel Barca (2000 e 2001a) descrevia a situação do ensino da
História em Portugal da seguinte forma:
o discurso escolar sobre a cognição e aprendizagem continua a centrar-se em ideias estereotipadas e abstractas sobre o desenvolvimento cognitivo, catalogando o raciocínio das crianças em pensamento concreto e o dos adolescentes em pensamento abstracto, como se não ocorressem variâncias. E a riqueza de significados múltiplos que os aprendentes constroem sobre a realidade, mesmo antes de situações de ensino formal, é desprezada, desperdiçando-se assim um capital cultural precioso para a transformação do senso comum em pensamento científico (Barca, 2001a, p. 7).
Os pedagogos queixam-se de abordagens sobrecarregadas de conteúdos e baseadas na memorização. Seria também possível fazer uma crítica de uma perspectiva demasiado «cientista». . . . e uma abordagem desconstrucionista do ensino da História . . . que pode levar os alunos a atitudes acríticas” (Barca, 2000, p. 19).
53
No entanto, existem novas perspectivas para o ensino da História,
nomeadamente no domínio da cognição histórica, que deu os primeiros passos em
Portugal, na Universidade do Minho, na transição do século XX para o XXI, com Isabel
Barca e Maria do Céu Melo. Concretamente, no âmbito do Construtivismo, procura-se
saber como é que os sujeitos constroem as suas ideias (Barca, 2001a). Neste contexto, a
aprendizagem é “um processo de construção interpretativa por parte dos alunos . . . [ou
seja,] aprender um determinado conteúdo supõe atribuir um sentido e construir os
significados implicados nesse conteúdo” (Barbosa, 2005, pp. 5 e 7).
No domínio da cognição reconhecem-se como características do conhecimento
histórico a multiplicidade e a provisoriedade, na medida em que as conclusões
correspondem a interpretações, apenas passíveis de serem confirmadas ou refutadas
pelos dados existentes (Barca, 2000; Lee, 2000). Para além disso, as explicações
históricas são diversas e parcelares, uma vez que estão imbuídas dos juízos de valor de
quem as formula, bem como do objecto que é alvo de análise. Estes traços são
enriquecedores, não constituindo um obstáculo na contínua descoberta do conhecimento
histórico. Os critérios intersubjectivos de validação das produções demarcam a fronteira
entre uma resposta histórica e uma ficcional, sendo o que reúne maior consenso a
consistência com a evidência29 (Barca, 2000). Assim, aprender História na escola é
saber sobre o passado, mas também sobre o conhecimento histórico (Lee, 2000).
Esta abordagem deve ser explorada gradualmente na aula de História e permite
compreender melhor o mundo que nos rodeia, de uma forma sincrónica e diacrónica,
uma vez que é feita através da aquisição de competências de análise, de crítica, de
argumentação, a par com a aquisição de informação (Barca, 2001 e 2003; Lee, 2000).
Deste modo, pretende-se trabalhar a componente académica de uma forma mais
sofisticada, multi-perspectivada, pois “os historiadores não trabalham apenas uma
perspectiva, de contrário estariam a ser parciais e subjectivos. O verdadeiro historiador
tem em conta fontes e pontos de vista diversos.” (Barca, 2003, Janeiro). Assim, os
alunos começam por aprender porque razão algumas explicações e interpretações são
mais seguras que outras (Lee, 2000).
29 Consistência com a evidência, “entendida como o conjunto de indícios fornecidos pelas fontes sobre o passado” (Barca, 2000, p. 30).
54
Em Inglaterra houve uma experiência pioneira no que ao ensino da História diz
respeito. Procurou-se promover um ensino activo, desde as décadas de 60 e 70 do
século XX, tendo essas ideias que destacam a cognição sido incluídas no currículo no
início dos Anos 90. Concretamente, tentou-se descobrir qual a origem das ideias e
conceitos que os alunos têm quando iniciam a aprendizagem de História. Constatou-se
que os alunos trazem consigo um determinado conceito de sociedade actual, sendo esse
o ponto de partida para compreenderem as sociedades do passado. Assim, os conteúdos
passaram a ser utilizados como uma forma de compreensão das diferentes interpretações
do passado por um lado, por outro, do papel das diversas fontes. Por outras palavras, são
os próprios alunos que consultam as diversas fontes, as confrontam e tiram conclusões,
apercebendo-se que não existe uma imagem una do passado, mas sim várias. A Irlanda e
os países nórdicos já estavam a trabalhar nesse sentido, quando os países mediterrânicos
ainda estavam a dar os primeiros passos (Barca, 2003, Janeiro).
Então, se se pretende desenvolver um determinado tema, deverá começar-se
pelas ideias tácitas que os alunos já têm sobre esse mesmo assunto, ou seja, as
assumpções que os alunos têm através do senso comum e que podem entrar em conflito
com o conhecimento que lhes chega na escola (Lee, 2000; Melo, 2001), uma vez que
“funcionam como uma fonte de hipóteses explicativas na senda de conhecer o passado,
as instituições, as pessoas, os valores, as crenças e os comportamentos” (Melo, 2001, p.
45). Por outras palavras, o ponto de partida para o ensino da História deverá ser
o conhecimento tácito substantivo histórico, definido como um conjunto de proposições que versam aspectos da História, construídas a partir de uma pluralidade de experiências pessoais idiossincráticas e sociais, e ou mediatizadas pela fruição de artefactos expressivos e comunicativos. O adjectivante tácito deve-se ao facto de que os indivíduos não reconhecem esse conhecimento como independente ou concorrente do conhecimento científico ou curricular (Melo, 2003, p. 33).
Assim,
aprendizagem será a capacidade de ‘construir’ uma representação pessoal e nela agrupar uma pré-existente visão social da realidade . . . e aprender, nesse sentido, implica a ocorrência de modificações e o estabelecimento de relações entre o nosso conhecimento prévio e o novo que chega, numa dinâmica circular contínua (Melo, 2003, p. 31).
55
E, as ideias tácitas não devem ser menosprezadas, uma vez que têm tendência a
perdurar, mesmo após o confronto com o ensino formal, sendo evidente que as suas
concepções são parciais, provisórias, etc. Face à evidência, frequentemente os alunos
mobilizam estratégias alternativas como a adição, correspondência, selecção de
evidências confirmatórias, excepção à regra, criação de novas variáveis, silêncio, entre
outras (Melo, 2001 e 2003).
Pelo menos em parte, a persistência dessas ideias explica-se pelas suas
características, tais como: (1) “baseadas em experiências e vivências pessoais dos
alunos; (2) são geradas por processos primários de abstracção e problematização; (3)
muitas das ideias pertencem ao domínio das crenças, enraizadas no universo cultural
dos indivíduos e como tal têm uma permanência de longa duração, oferecendo uma
resistência a mudanças abruptas; (4) a sua persistência deriva da dificuldade dos
indivíduos se distanciarem e de exercerem auto-crítica; (5) são fáceis de ser recordadas
porque pertencem muitas vezes a contextos vivenciais que foram ou são relevantes para
os alunos (sensibilidade, sentimentos, etc.); (6) os alunos encontram nelas semelhanças
com a situação ou fenómeno científico em estudo; (7) estas ideias persistem porque
contêm em si mecanismos circulares de auto-alimentação e legitimação/reprodução
pacíficas” (Melo, 2001, p. 45).
1.3.3. Aprender Cidadania com a disciplina de História
No âmbito da formação para a cidadania, o objectivo da acção educativa é
disponibilizar uma cultura que lhe permita a reflexão sobre os problemas actuais, de
modo a compreender o mundo em que vive. Assim, uma preparação, tanto a nível físico
como intelectual, deve proporcionar ao futuro cidadão, não só o desenvolvimento das
faculdades individuais, mas também daquelas necessárias para a vida em sociedade.
Tendo uma visão crítica da realidade, dotado de eficácia e eficiência na sociedade em
que vive, vai-a transformando. Vista deste modo, a educação é um processo dinâmico
que tem
em conta a interacção entre a pessoa humana, em todos os seus aspectos, e a sociedade parte da definição prévia do tipo de cidadão que se pretende obter como produto da acção educativa e do conhecimento da sociedade que vai acolher esse futuro cidadão (Proença, 1990, p. 37).
56
Assim, o cidadão é alguém “que deve possuir competências básicas afectivas, de
comunicação, tecnológicas, ecológicas e sociohistóricas” (Félix, 1998, p. 62), que saiba
orientar-se no tempo e tenha consciência histórica, que articule o presente com o
passado e o futuro, distinguindo “o real do imaginário, a permanência da mudança e os
tempos das mudanças” (Félix, 1998, p. 62). E, neste âmbito, o contributo da disciplina
de História é importante, sendo de valorizar a sua vertente formativa, bem distinta do
carácter doutrinador ou manipulador que teve outrora. Deste modo, ao aprender História
com entusiasmo, a criança está a estruturar a sua identidade pessoal e sentimentos de
pertença, ou seja, a adquirir referências e valores para a sua formação pessoal e
socialização. Ao avançar no conhecimento do real, vai distinguindo contrastes,
expondo-se a situações diversas experimentadas por outrem no passado, com
dificuldades e esforços variáveis, com as quais se identifica ou rejeita. Paralelamente,
vai desenvolvendo competências técnicas como a pesquisa de informação, hábitos de
leitura e estudo, gosto pela descoberta e pelo saber. E, numa fase mais adiantada,
proporciona
uma atitude reflexiva e crítica, a aquisição de hábitos de rigor e análise, a interiorização de valores pessoais, o enriquecimento da compreensão dos fenómenos sociais e, paralelamente, o domínio de competências necessárias à tomada de decisões, à resolução de problemas e à prática mais consciente de cidadania (Roldão, 1993, p. 47).
Maria Cândida Proença (1990), considera que “numa disciplina como a História
é impossível não abordar o problema dos valores, porque o aluno é permanentemente
confrontado com uma variedade de valores que se relacionam com acções dos
indivíduos, grupos ou culturas” (p. 61). A política educativa baseia-se em valores, mas a
cada valor não está associado um bem intrínseco ou uma verdade absoluta. Este é um
problema delicado com que os professores têm de lidar, pois esta área disciplinar pode
ser um meio privilegiado para dar a noção da relatividade dos valores, embora deva
existir uma reflexão prévia e cuidada sobre se querem ou não fazê-lo. Em caso
afirmativo, então há que distinguir entre os valores que estão subjacentes a uma
determinada política educativa e aqueles que o próprio docente pretende transmitir aos
alunos. Por outro lado, há que dar a noção que se pode optar por determinados valores,
devendo assegurar-se a oportunidade de todos o fazerem, tendo em conta os seus
limites, a sua hierarquização e que cada escolha implica uma determinada actuação, que
57
tem consequências. Isabel Barca (2001a) refere-se ao juízo de valor como característica
genuína da História-conhecimento, na medida em que as explicações históricas são
construídas por alguém a partir de algo, facto que não a enfraquece, enriquece-a. Deste
modo, compreende-se que o ensino da História pode contribuir para a formação integral
do aluno, preparando-o para actuar na vida cívica, como cidadão consciente face a uma
realidade diversa e dispersa.
Assim, o ensino da História pode ser encarado “como formação para a cidadania
e para a participação democrática, na certeza de que somos seres sociais, situados,
políticos, enraizados num tempo, num espaço e num contexto, mas projectados para o
Futuro” (Vasconcelos, 1998, p. 6). É ainda importante para o desenvolvimento da
cidadania nos alunos, na medida em que os põe em contacto com a herança histórica do
seu país, que lhes permite melhorar competências como o pensar por si próprios e
analisar criticamente, desenvolver atitudes como a honestidade intelectual, o rigor, a
curiosidade, a abertura e a tolerância30 (Félix, 1998). Nesta perspectiva, a educação deve
ser simultaneamente conservadora, na medida em que transmite a cultura tradicional e
integra o indivíduo na sociedade, e inovadora, por estar aberta a novos valores,
preparando para compreender e actuar criticamente, de modo a contribuir para a
transformação da sociedade em benefício dos seus membros (Proença, 1990).
A História, “mestra da vida”, garante a sobrevivência do passado, retirando
exemplos e experiência necessários às gerações presentes e futuras, legitimando e
fortalecendo nações. À medida que se foi afirmando como ciência, a História foi
perdendo a sua vertente moralizadora, mantendo o que lhe é intrínseco ao próprio
objecto e método: (1) contribuição para a estruturação da memória colectiva; (2)
carácter formativo por lidar com situações humanas que envolvem opções, valores,
decisões, formas de organização social e política, revoluções, crises; (3) domínio de
métodos de análise de situações sociais, sentido crítico, rigor do pensamento, promoção
de atitudes de tolerância. Ainda que partilhe estes factores com outras ciências sociais, a
História fá-lo de um modo menos impessoal e mais englobante por lidar com a
realidade social passada, considerando interacções dinâmicas, possibilitando o contacto
com a evolução das sociedades, incluindo a vivência de tensões, conflitos, sentimentos e
valores. Assim, “intimamente relacionada com o problema de identidade pessoal e
30 Estas são recomendações do Conselho da Europa.
58
nacional, está a questão do papel da História na construção dos valores e na preparação
para o exercício consciente da cidadania” (Roldão, 1993, p. 32).
A preocupação com a cidadania e a sua inclusão na reorganização curricular, não
só em Portugal como noutros países ocidentais, está directamente ligada a três factores:
(1) Aparente alheamento da juventude com a intervenção política, “aparente” pois a
participação verifica-se quando a situação lhes interessa (caso do acesso ao ensino
superior, ao trabalho, etc.). (2) Ressurgimento de grupos ideológicos de cariz totalitário
ou mesmo neo-nazi (mais evidentes na Alemanha e Estados Unidos da América),
fenómeno que já se verificou emergir em períodos com crise de valores, como
actualmente. Durante a infância e a adolescência, os indivíduos necessitam de
referências consistentes para formar a sua personalidade e identidade, seja pela sua
aceitação ou rejeição. Geralmente são os adultos a origem desses valores e a sua
ausência gera angústia e ansiedade, que pode conduzir à adesão a algo que lhes dê a
segurança que necessitam, como é o caso de uma ideologia de cariz totalitário. (3) A
crença que a escola pode ser a responsável por implementar os valores considerados
necessários à formação do cidadão das sociedades democráticas. Se é um facto que a
escola, em tempos, veiculou os valores do poder vigente, também é verdade que as
funções da escola se alargaram, abarcando funções a nível da inovação, investigação,
dinamização da comunidade, inclusão social, etc. E as expectativas excessivas podem
conduzir à utopia e ao fracasso (Roldão, 1993).
A aprendizagem da História na perspectiva da cognição histórica, como atrás
mencionado, pode assumir um papel fundamental na construção da uma cidadania
activa e esclarecida, pois ao seleccionarem e organizarem informação, os alunos estão a
desenvolver competências que a sociedade pede a qualquer cidadão, tais como, saber
fazer escolhas para melhor decidir. O contributo é menor quando se trabalha a disciplina
de História numa perspectiva de reprodução de informação, ainda que considerando o
nível local, nacional e global. Mas, mesmo neste caso, pode dar uma noção dos
diferentes tipos de democracia ao longo dos tempos e compreender que existem
sociedades onde os valores democráticos não são respeitados. E, com essa perspectiva
de diferença, os alunos podem construir valores de tolerância e de participação,
aplicáveis na sociedade onde estão inseridos (Barca, 2003, Janeiro).
59
Um professor de História, para ensinar, vê-se na posição de conciliar o seu papel
de historiador com o de pedagogo. Pode optar por uma “abordagem técnica, encarando
o processo ensino/aprendizagem como uma acção intencional e sistemática, organizado
da melhor maneira, tendo em conta os objectivos educacionais, conteúdos
programáticos, estratégias de ensino e sistema de avaliação; ou pode fazer uma
abordagem humanística, em que a didáctica se ocupa fundamentalmente da dimensão
humana no processo ensino/aprendizagem, preocupando-se em especial, com a
aquisição de determinadas atitudes pelos seus alunos.” (Proença, 1990, p. 20). O mais
sensato, integrado e global será uma posição concertada, que contemple ambas.
Para além disso, a tarefa do professor de História passa por ajudar os alunos a
perceber que a História não está contida nos manuais, nem é transmitida
misteriosamente por uma testemunha neutra. É um conhecimento que se vai construindo
provisoriamente, com base em critérios mais ou menos fiáveis. Assim, os alunos
deverão ser munidos de ferramentas que lhes permitam optar conscientemente por uma
ou outra história da História (Lee, 2000), facto que se reveste de particular importância
se se considerar a diversidade e quantidade de recursos informativos que existem à
disposição dos alunos. O processo de selecção, gestão e compreensão de fontes
históricas, geralmente resulta num conflito silencioso, privado e raramente audível.
Assim, os professores devem “adoptar uma atitude didáctica diferente, proporcionando
situações onde os alunos possam explicitar e ter consciência do conhecimento tácito
substantivo histórico que têm, e os modos como ele infere ou coexiste com o
conhecimento histórico que aprendem na escola” (Melo, 2003, p. 26).
Actualmente, os professores vêem-se confrontados com vários desafios, como o
de “conseguir criar nos alunos o gosto pela História e ser capaz de o fazer
adequadamente nos diferentes estádios do seu desenvolvimento” (Roldão, 1993, p. 45).
Espera-se que contribua para que os seus alunos modifiquem atitudes, de maneira a
serem cidadãos com uma intervenção crítica na sociedade. Outro desafio vem da
internacionalização do ensino da História, com múltiplas inovações que são trabalhadas
e divulgadas em encontros nacionais e internacionais, que preparam uma perspectiva
universal (Félix, 1998).
Se há novos desafios, surgem novos problemas, como o facto de, tanto os
programas como os manuais veicularem o programa oficial que, também ele tem uma
60
historiografia implícita, raramente explicitada. No entanto, é ao professor que cabe a
decisão acerca de qual a imagem da História que veicula na sala de aula, pois é ele
quem transforma o “saber sábio” (científico) em “saber ensinado” (Félix, 1998).
A História pode proporcionar instrumentos intelectuais, capacidades de
encantamento e apetite pela cultura, aspectos importantes na formação e estabilidade de
um indivíduo. Se bem formado e melhor informado, sentindo-se bem consigo mesmo,
consciente do seu envolvimento com a sociedade e do carácter irrepetível do percurso
humano através dos tempos, então estão reunidos os requisitos para ter um olhar crítico,
mas humano sobre o que o rodeia, sendo “um Homem mais rico, uma pessoa mais feliz,
um cidadão mais interveniente” (Roldão, 1993, p. 48).
61
Capítulo 2. O Estudo
2.1. Problema, objectivos e questões de investigação
Para a realização deste estudo, parti do pressuposto que a disciplina de História
desempenha um papel importante na abordagem da cidadania nas escolas e que os
professores desta área disciplinar se preocupam em desenvolver competências de
cidadania nos seus alunos. Para além disso, assumi que as competências para a
cidadania são sempre desenvolvidas na sala de aula pelo professor, seja de maneira
consciente, seja pela sua postura, atitudes, escolhas, etc. Logo, a formação e o percurso
individual de cada professor têm influência na sua prática lectiva, nomeadamente no
modo como trabalham o tema da cidadania.
Assim, a questão central formulada foi: Como são desenvolvidas as
competências de cidadania na disciplina de História por três professores do 3º
Ciclo do Ensino Básico do concelho de Odemira?
Os objectivos traçados para orientarem a investigação foram os seguintes:
- Conhecer as concepções pedagógicas de três professores de História sobre
o carácter formativo do currículo de História do 3º Ciclo do Ensino
Básico em relação à cidadania.
- Identificar as metodologias, as estratégias, as actividades e os recursos
utilizados pelos professores na promoção de competências para a
cidadania.
- Relacionar o percurso profissional e pessoal dos professores com o
desenvolvimento de competências de cidadania nos seus alunos.
Para atingir estes objectivos, formularam-se as seguintes questões de
investigação:
62
Tendo em vista o desenvolvimento de competências de cidadania nos
alunos…
- … que papel reconhecem os professores à disciplina de História?
- … como interpretam os professores o programa da sua disciplina?
- … quais os temas do programa que são privilegiados do ponto de vista da
cidadania?
- … que metodologias, estratégias, actividades e recursos utilizam os
professores?
- … qual o contributo do percurso profissional e pessoal dos professores
participantes?
2.2. Metodologia
2.2.1. Natureza do estudo
O estudo que realizei inseriu-se no paradigma interpretativo, seguindo uma
abordagem qualitativa. Para além da própria temática – cidadania – o sugerir, os dados
analisados são de natureza qualitativa, ou seja, não são números nem directamente
mensuráveis (Bodgan & Biklen, 1994). Uma investigação interpretativa foca a sua
atenção na acção humana no contexto social, bem como no modo como o investigador a
explica, tendo em conta o actor, mas igualmente aqueles que com ele interagem
(Guimarães, 2003; Lessard-Hérbert, Goyette & Boutin, 2005). No âmbito da educação,
a investigação interpretativa centra-se nos significados que os alunos e professores
criam quando acontece a aprendizagem e no modo como esses sistemas se desenvolvem
e mantêm (Lessard-Hérbert e tal., 2005).
A minha intenção foi compreender como três professores de História do 3º Ciclo
do Ensino Básico trabalharam o currículo desta disciplina, tendo em vista o
desenvolvimento das competências de cidadania nos seus alunos. Para além disso,
identificar que metodologias, estratégias, actividades e recursos utilizaram, salientando
o papel do manual adoptado, uma vez que foi o recurso eleito por todos os participantes.
Tratou-se, então, de um estudo de situações que decorreram num ambiente natural, “rico
63
em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza uma realidade de forma
complexa e contextualizada” (Lüdke & André, 1986, p.18).
Como professora de História que, até à data, tem leccionado turmas dos 7º, 8º
e/ou 9ºanos, esta foi também uma oportunidade para reflectir sobre a minha prática
profissional. Assim, foi um estudo que se inseriu numa perspectiva humanista,
colocando questões relacionadas com a interioridade de professores, havendo
claramente uma aproximação da investigadora para com o fenómeno estudado, o que
não é possível num paradigma positivista (Bodgan & Biklen, 1994).
Como a investigação se realizou num contexto específico, o concelho de
Odemira, optei pela modalidade estudo de caso. Também me encorajou o facto de ser
uma modalidade recomendada não só para investigadores experientes, como também
para principiantes (Bodgan & Biklen, 1994). Para além disso, adequava-se às variáveis
com que tinha que lidar, concretamente a calendarização estava circunscrita a um ano
lectivo e o estudo era empreendido por uma investigadora isolada. Assim, a
investigação incidiu sobre um «sistema limitado» (Bounded system) (Guimarães, 2003),
uma vez que houve delimitações que impuseram contornos claramente definidos (Lüdke
& André, 1986), sob pena de não ser concluído dentro do prazo. Ora, estudar apenas um
caso, proporcionou a oportunidade de aprofundar um determinado aspecto em menos
tempo (Bodgan & Biklen, 1994; Bell, 2004), o que foi ao encontro das minhas
necessidades. No entanto, estou consciente que se trata apenas de uma parte e, ainda que
seja significativa (duas das quatro escolas básicas dos 2º e 3º ciclos do concelho de
Odemira), não se deve perder de vista o todo que as integra. Só assim serão possíveis
comparações com outros exemplos do mesmo tipo, que podem conduzir a
generalizações (Bell, 2004).
Lüdke & André (1986) listam características próprias do estudo de caso em
abordagens qualitativas, as quais estão presentes nesta dissertação, a saber: (1) visar a
descoberta, ou seja, partindo de um quadro teórico inicial, deve estar aberto aos novos
elementos que surgem, podendo ser acrescentados – o que foi feito após as entrevistas;
(2) enfatizar a interpretação em contexto – o contexto onde as escolas se situam era-me
familiar31; pretender retratar a realidade de forma completa e profunda, procurando o
investigador revelar a multiplicidade das dimensões presentes – analisei
31 Situação descrita na Introdução, ponto 2 – Relevância, pertinência e motivação (p. 7).
64
sistematicamente os dados recolhidos; (3) usar uma variedade de fontes de informação –
ora as fontes foram tanto os inquéritos, como a análise documental; (4) revelar
experiência vicária e permitir generalizações naturalísticas sem, no entanto, deixar de
estar atenta ao perigo da distorção, pois a generalização pode colocar em causa a
validade do estudo (Bell, 2004); (5) procurar representar os diferentes pontos de vista,
por vezes contraditórios – o que surgiu ao confrontar as opiniões entre os entrevistados;
(6) utilizar de uma linguagem e uma forma acessível, podendo a apresentação conter
relatos com linguagem informal, dramatizações, desenhos, fotografias etc. – houve essa
abertura, que se manifestou num clima de à vontade com os participantes, durante as
entrevistas e não só.
2.2.2. Os participantes
Os participantes foram professores de História do 3º Ciclo do Ensino Básico,
seleccionados em função da área geográfica que escolhi trabalhar, o concelho de
Odemira. Foram três por serem os responsáveis por leccionar todas as turmas do 3º
Ciclo das duas escolas do concelho, que se disponibilizaram a colaborar.
Com todos eles, embora em alturas diferentes, estabeleci um contacto telefónico
prévio (Bell, 2004) no qual combinei um encontro pessoal. Nessa reunião preparatória,
apresentei o tema e os objectivos da investigação, esclarecendo que se destinava a uma
investigação no âmbito desta dissertação. O anonimato foi assegurado, tendo a primeira
entrevista a duração aproximada de uma hora e a segunda cerca de trinta minutos,
ambas audiogravadas.
Optei por uma investigação dissimulada (Bogdan & Biklen, 1994) relativamente
aos órgãos de gestão das escolas onde os professores participantes leccionavam, pois
poderia conduzir à exposição indesejada por parte destes, causando um efeito inibidor
aquando da realização das entrevistas.
Assim, do ponto de vista ético, foram respeitados os requisitos de um
consentimento informado por parte dos sujeitos (Bodgan & Biklen, 1994; Carmo &
Ferreira, 1998) e de não serem “expostos a riscos superiores aos ganhos que possam
advir” (Bodgan & Biklen, 1994, p. 75).
65
Ainda houve outro participante, se assim se pode dizer, na medida em que há
sempre interferência do investigador, pois “não existe a investigação conceptual e
metodologicamente neutra (Pacheco, 2006, p. 22). “É mais fácil reconhecer que os
nossos pontos de vista podem imiscuir-se numa análise de dados do que evitar que tal
aconteça” (Bell, 2004, p. 142).
2.2.3. Recolha de dados
Sendo o objectivo principal deste estudo o modo como os professores de
História desenvolvem competências de cidadania nos seus alunos, privilegiei como
método de recolha de dados a entrevista. Foi a partir desses dados, que analisei os
recursos que os docentes mencionaram utilizar e aos quais tive acesso. Assim, o
programa de História e os manuais, apenas foram analisados nos temas por eles
referidos e na medida em que se relacionavam com a cidadania.
Quanto à opção pela segunda entrevista, surgiu da necessidade de fazer o
balanço das actividades realizadas durante o ano lectivo. Foi efectuada na interrupção
lectiva da Páscoa (Abril de 2008), pois geralmente no terceiro período o volume de
trabalho aumenta, sendo de realçar o processo de avaliação dos alunos, nomeadamente
os exames dos 6º e 9º anos, que envolvem directa ou indirectamente a maioritariamente
os professores, sobretudo quando se trata de escolas pequenas, como é o caso.
Assim, os métodos de recolha de dados foram os inquéritos (questionários e
entrevistas) e a análise documental (Lessard-Hérbert e tal., 2005), ou seja, uma
estratégia composta, uma vez que é raro que um único método permita fornecer toda a
informação necessária (Ketele & Roegiers, 1999).
Foi considerada a hipótese de se realizar a observação de aulas, método
geralmente complementar das entrevistas (Bodgan & Biklen, 1994; Ketele & Roegiers,
1999; Bell, 2004; Lessard-Hérbert e tal., 2005). Tal opção foi abandonada após ter
auscultado os participantes. Embora nenhum se tivesse negado abertamente, todos se
mostraram pouco receptivos, atitude antagónica à disponibilidade demonstrada
relativamente aos outros pedidos. Tanto quanto me apercebi em conversas informais, a
justificação deve-se ao facto de ter sido o primeiro ano em que a avaliação de
professores do Ensino Básico e Secundário, nos novos moldes, foi para o terreno. E,
embora não se tenha concretizado na amplitude prevista inicialmente, como é sabido,
66
essa avaliação tem agitado os ânimos dos docentes nas escolas e entre estes e o
Ministério da Educação32. Para além de implicar uma maior sobrecarga de trabalho para
os professores, sobretudo na fase de implementação, está prevista a observação de aulas.
Não sabendo exactamente o que esperar, nenhum dos participantes estava com vontade
que houvesse uma outra intervenção nesse sentido, desejo que foi compreendido e
respeitado.
Assim, este estudo centra-se no discurso dos sujeitos (objectivo das entrevistas)
e não nos comportamentos observáveis (objectivo da observação) (Ketele & Roegiers,
1999).
2.2.3.1. Os inquéritos
Era necessário transformar a informação comunicada em dados, uma vez que
“formam a boa base de análise . . . [e] incluem os elementos necessários para pensar de
forma adequada e profunda acerca dos aspectos da vida que pretendemos explorar”
(Bogdan & Biklen, 1994, p.149). Assim, recorri aos inquéritos para recolher informação
variada sobre os indivíduos, à qual não se poderia aceder através da observação e que
não se circunscrevia ao presente, reportando também ao passado (Ketele & Roegiers,
1999; Ghiglione & Matalon, 2005). Para além disso, as entrevistas e os questionários
permitem medir o que uma pessoa sabe (informação ou conhecimento), os seus gostos
(valores e preferências) e o que pensa (atitudes e crenças) (Tuckman, 2002; Lessard-
Herbert e tal, 2005).
Assim, os dados deste estudo foram maioritariamente recolhidos utilizando a
técnica do inquérito, usual na investigação qualitativa (Pacheco, 2006), em dois
momentos:
32 Exemplo disso foram as manifestações dos professores dos dias 8 de Março e 8 de Novembro de 2008, em Lisboa. Nesta última, “estiveram mais professores do que os cem mil que participaram na manifestação de 8 de Março” (Leiria, 2008, Novembro, p. 2), a “maior manifestação de sempre de professores . . . e na qual os sindicatos estimam que tenham estado 85% dos profissionais da classe, ou seja, cerca de 120 mil professores (em Março foram cem mil)” (Carvalho & Marques, Novembro, 2008). Talvez também seja um indicador a considerar o facto de “em 2008 já se reformaram quase quatro mil professores e educadores de infância. E, apesar de perderem regalias, cada vez mais optam pela reforma antecipada. . . . Das duas uma: os professores estão a ficar velhos ou cansados” (Alves, 2008, Outubro, p. 2).
67
Quadro 1. Calendarização da recolha de dados
Momentos Objectivo Instrumento - Identificar os participantes Questionário
1º - Janeiro/Fevereiro.2008
- Saber como os participantes promoveram o desenvolvimento das competências de cidadania nos alunos
1ª entrevista semi-estruturada
2º - Abril.2008 - Fazer o balanço das actividades realizadas - Definir cidadania
2ª entrevista semi-estruturada
Foi realizado um questionário (Apêndice A), com a finalidade de recolher dados
para identificar os participantes. Foi pensado para ser respondido por escrito (Lessard-
Hérbert et al., 2005), embora passasse à forma oral, servindo de introdução à entrevista
propriamente dita. Essa decisão foi tomada perante o primeiro entrevistado, uma vez
que me pareceu despropositado passar-lhe as folhas do questionário para que
respondesse enquanto eu o observava, também não fazendo sentido entregar-lhas no
final. Essa alteração, que justifico com a minha inexperiência, explica também a
repetição de informações que surge no final da primeira entrevista, nomeadamente nas
perguntas (números 19 a 22) sobre a formação e áreas de interesse (Apêndice C), com
as quais se pretendia situar o entrevistado para as questões seguintes.
Quanto às entrevistas, foram realizadas duas a cada um dos três professores,
conforme referido anteriormente e indicado no Quadro 1.
A entrevista, como “um dos processos mais directos para encontrar informação
sobre um determinado fenómeno” (Tuckman, 2002, p. 517), consiste “numa conversa
intencional . . . dirigida por uma das pessoas, com o objectivo de obter informações
sobre a outra” (Bogdan & Biklen, 1994, p.134), “sobretudo interrogando-as e não
observando-as, ou recolhendo amostras do seu comportamento” (Tuckman, 2002, p.
308). Assim, “a entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem do
próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre
a maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo” (Bogdan & Biklen, 1994,
p.134). E, “dado que pessoas diferentes têm também diferentes perspectivas, pode
emergir assim um quadro razoavelmente representativo da ocorrência ou ausência do
fenómeno e, desse modo, propiciar-nos uma base para a sua interpretação” (Tuckman,
68
2002, p. 517). Pode assemelhar-se a uma conversa entre amigos e foi o que aconteceu
de facto.
Tem a vantagem de ser flexível, o que permite que as respostas possam ser
desenvolvidas e clarificadas (Carmo & Ferreira, 1998; Bell, 2004) e possibilita maior
profundidade na abordagem (Carmo & Ferreira, 1998). No entanto, há que considerar o
tempo que esta técnica envolve (Carmo & Ferreira, 1998; Bell, 2004), bem como a
subjectividade, pois corre-se o risco da parcialidade. Os entrevistadores são seres
humanos e não máquinas, logo podem influenciar os entrevistados, “mas, se for apenas
um investigador. . . será parcial de forma consciente, passando assim despercebido.”
(Bell, 2004, p. 141-142). Para além disso, “a análise de repostas pode levantar
problemas e a formulação das questões é sempre tão exigente. . . . Mesmo assim
podemos obter material preciso a partir de uma entrevista” (Bell, 2004, p. 137). Assim,
na recolha de informação pela via da entrevista ou do questionário tem de se ter sempre em conta que, mesmo nas questões ditas mais objectivas, tudo o que se obtém é uma declaração do sujeito sobre a observação que ele faz do seu próprio pensamento, comportamento ou situação (Costa, 2001 citado por Pacheco, 2006, p. 22).
Consciente que “quanto mais padronizada for a entrevista, mais fácil será
agregar e quantificar os dados” (Bell, 2004, p. 139) e que “as entrevistas não
estruturadas centradas num só aspecto e conduzidas por um entrevistador habilidoso
podem fornecer dados valiosos ” (Bell, 2004, p. 140), a minha opção foi pela situação
de compromisso, ou seja, por entrevistas semi-estruturadas.
É importante dar liberdade ao entrevistado para falar sobre o que é de importância central para ele, em vez de falar sobre o que é importante para o entrevistador, mas o emprego de uma estrutura flexível, que garanta que todos os tópicos considerados cruciais são abordados, eliminará alguns problemas das entrevistas sem qualquer estrutura. . . . A vantagem consiste em estabelecer previamente uma estrutura, simplificando assim grandemente a análise subsequente (Bell, 2004, p. 141).
Assim, “fica-se com a certeza de se obter dados comparáveis entre os vários
sujeitos, embora se perca a oportunidade de compreender como é que os próprios
sujeitos estruturam o tópico em questão” (Bogdan & Biklen, 1994, p.135). A estrutura
69
com alguma flexibilidade não pôs em causa dados essenciais, num estudo com respostas
delicadas na medida em que se relacionavam com a prática lectiva dos docentes.
Antes da realização das entrevistas propriamente ditas, houve o cuidado de
planear, tendo em conta os vários procedimentos a seguir (Carmo & Ferreira, 1998).
Para além disso, “para maximizar a neutralidade do processo e a consciência das
conclusões, é útil construir um esquema para a entrevista” (Tuckman, 2002, p. 517).
Assim, foi elaborado um guião para cada entrevista, que garantiu que os principais
temas foram abordados e, simultaneamente, constituiu uma estratégia “para obter uma
variedade de perspectivas sobre as mesmas questões” (Tuckman, 2002, p. 517). Não
houve, no entanto, uma preocupação excessiva em segui-lo (Oliveira, 2004). “O guião,
longe de incomodar, foi oportuno para sistematizar ideias e organizar a conversa”
(2008, Fevereiro, Notas de Campo da 1ª Entrevista com a Ana).
Longe de ser inibidor, como receei, o guião foi útil para nos disciplinar, pois “as conversas são como as cerejas” e facilmente resvalam para temas afins, interessantes sem dúvida, mas fora do âmbito pretendido no estudo. A consciência da existência do guião foi positiva, pois serviu como avisador para que as questões pensadas não fossem esquecidas, embora não sentisse em momento algum que fosse inibidor, outro receio que tinha. Aliás, como certamente se poderá ler na transcrição, houve perguntas que introduziram mais temas que os pensados por mim com aquela questão e, como sabia que queria aqueles dados mais adiante, deixei que a conversa fluísse (2008, Janeiro, Notas de Campo da 1ª Entrevista com o Januário).
[O Fernão] foi respondendo às questões do guião, que quase passou despercebido. Reflectindo à medida que falava, a entrevista mais pareceu uma conversa, apenas denunciada pela sequência de perguntas introduzidas pelo guião e pela ausência de opiniões da minha parte (2008, Fevereiro, Notas de Campo da 1ª Entrevista com o Fernão).
Foi elaborado um guião para cada uma das duas entrevistas (Apêndices B e D),
composto pelos seguintes blocos33:
- Blocos A1 e A2: Legitimação e motivação para a entrevista.
- Bloco B1: Promoção das competências para a cidadania.
33 Os blocos da 1ª entrevista têm o número “1” à frente da letra que o designa (ex. A1). Os da 2ª entrevista têm o número “2” (ex. B2).
70
- Bloco B2: Balanço das actividades no âmbito da cidadania.
- Bloco C1: O programa de História para o 3º Ciclo do Ensino Básico e as
competências para a cidadania.
- Bloco D1: Formação e áreas de interesse dos professores.
- Bloco E1: Percursos profissional e pessoal dos professores.
- Bloco F2: Cidadania e competências para a cidadania.
- Bloco G2: Colaboração no estudo.
Quadro 2. Concepção dos guiões das entrevistas
Objectivos do estudo Questões de investigação Blocos do guião Tendo em vista o desenvolvimento de competências de cidadania nos alunos… … que papel reconhecem os professores à disciplina de História?
… como interpretam os professores o programa da sua disciplina?
Conhecer as concepções pedagógicas de três professores de História sobre o carácter formativo do currículo de História do 3º Ciclo do Ensino Básico em relação à cidadania.
… quais os temas do programa que são privilegiados do ponto de vista da cidadania?
- Bloco C1: O programa de História para o 3º Ciclo do Ensino Básico e as competências para a cidadania. - Bloco F2: Cidadania e competências para a cidadania. - Bloco G2: Coloração no estudo.
Identificar as metodologias, as estratégias, as actividades e os recursos utilizados pelos professores na promoção de competências para a cidadania.
… que metodologias, estratégias, actividades e recursos utilizam os professores?
- Bloco B1: Promoção das competências para a cidadania. - Bloco B2: Balanço das actividades no âmbito da cidadania.
Relacionar o percurso profissional e pessoal dos professores com o desenvolvimento de competências de cidadania nos seus alunos.
… qual o contributo do percurso profissional e pessoal dos professores participantes?
- Bloco D1: Formação e áreas de interesse dos professores. - Bloco E1: Percursos profissional e pessoal dos professores.
Os blocos B1 e B2, C1, D1 e E1 estão directamente relacionados com os
objectivos e questões de investigação do estudo, conforme explicitado no Quadro 2. Os
blocos A1 e A2 destinaram-se a legitimar a entrevista, motivar e agradecer a
colaboração dos participantes. Quanto outros blocos que integraram a segunda
entrevista, surgiram depois de uma análise prévia dos resultados obtidos da primeira
entrevista e alguma revisão da literatura. Considerei pertinente e necessário esclarecer
qual o conceito que cada um dos participantes tinha de cidadania (Bloco F2), uma vez
que o conceito em si é vago e amplo. Para além disso, achei interessante conhecer o
71
impacto do estudo na promoção de competências de cidadania (Bloco G2), uma vez que
nas conversas informais que fui mantendo com os professores me parecia existir. Por
último, pareceu-me oportuno sondar a disponibilidade para uma colaboração futura
(Bloco G2).
Antes de me lançar no terreno, consciente da minha falta de experiência e
alertada para a importância da entrevista-piloto (Tuckman, 2002; Bell, 2004), realizei
uma a uma amiga, também ela professora de História. Foi um meio de praticar e de gerir
melhor o tempo, de modo a garantir a clareza, para pôr “à vontade o entrevistado e lhe
permite registar as respostas de forma a saber quando a entrevista chegou ao fim” (Bell,
2004, p. 138). Para além disso, foi útil por permitir que reformulasse algumas
perguntas, que se revelaram menos claras.
Parti para o trabalho de campo munida de uma série de informações que me
pareceram de bom senso (Bell, 2004), sugeridas nas aulas do primeiro ano do mestrado
e pela literatura especializada. Consciente de entrar “no mundo do sujeito. . . como
quem vai fazer uma visita; . . . como alguém quer aprender; . . . como alguém que
procura saber o que é ser como ele” (Bogdan & Biklen, 1994, p.113).
Com autorização expressa dos entrevistados34, as entrevistas foram
audiogravadas, recomendado quando as entrevistas são longas, portanto difíceis de
memorizar (Bogdan & Biklen, 1994). Revelou-se “útil para verificar as palavras de uma
afirmação que pretenda citar e para verificar a exactidão das suas notas. . . para
empreender uma análise de conteúdo e tiver de ouvir as entrevistas várias vezes para
identificar categorias” (Bell, 2004, p. 143). As transcrições, que foram os principais
dados deste estudo, foram feitas pouco depois do seu registo, para que a memória
ajudasse a compreensão (Bogdan & Biklen, 1994). Todos os protocolos foram
verificados e validados pelos entrevistados (Bogdan & Biklen, 1994; Bell, 2004).
Foram tiradas notas de campo, “o relato escrito daquilo que o investigador ouve,
vê, experiencia e pensa no decurso da recolha e reflectindo sobre os dados de um estudo
qualitativo” (Bogdan & Biklen, 1994, p.150). Neste estudo, foram maioritariamente
redigidas em casa, para evitar constrangimentos por parte dos entrevistados. Serviram
34 Ver Blocos 1 nos guiões de ambas as entrevistas nos Apêndices B e D.
72
como suplemento, para completar os elementos que escaparam ao registo áudio, bem
como para fazer “comentários que o investigador deseje fazer” (Bogdan & Biklen,
1994).
Houve uma preocupação com o ambiente em que decorreram as entrevistas, “um
local e uma hora em que saiba que não será perturbado.” (Bell, 2004, p. 144). Assim,
por sugestão e opção dos participantes, decorreram em casa dos próprios. Em todos os
casos houve o silêncio necessário, bem como a empatia desejada e necessária a uma boa
comunicação.
A entrevista decorreu na sala de jantar, onde os dois dialogámos durante cerca de uma hora e meia, sobre assuntos que não estranhos às nossas conversas habituais sobre o ensino da História (2008, Janeiro, Notas de Campo da 1ª Entrevista com o Januário).
A entrevista decorreu no escritório, já meu conhecido de encontros prévios, sentados lado a lado numa grande secretária de trabalho, rodeados de livros, num inspirador ambiente calmo e silencioso (como convinha), apesar da sua família estar a gozar os prazeres do pós-almoço, numa tarde da quadra carnavalesca (segundo informações do próprio) (2008, Fevereiro, Notas de Campo da 1ª Entrevista com o Fernão).
Como a Ana estava cansada da gripe e de estar em casa aguardando a quarentena que o bom senso recomenda e que a interrupção lectiva do Carnaval permitiu, não iniciámos de imediato a entrevista, mas sim uma conversa, cujos contornos foram preparando o ambiente e temática anunciada (2008, Fevereiro, Notas de Campo da 1ª Entrevista com a Ana).
O balanço da realização das entrevistas foi positivo e o nervosismo inicial,
potenciado pela minha inexperiência, não constituiu qualquer entrave.
Alguns investigadores qualitativos experientes aconselham os principiantes a não efectuar revisões substanciais de literatura antes da recolha dos dados, mesmo que estejam certos da relevância da literatura. A revisão de literatura pode influenciar, demasiadamente, a escolha de temas e, assim, limitar a análise indutiva – uma vantagem importante da abordagem qualitativa (Bogdan & Biklen, 1994, p.105).
Este conselho foi seguido, tendo a revisão da literatura sido feita
maioritariamente após as entrevistas. De acordo com os objectivos definidos, privilegiei
73
as temáticas da cidadania, a educação para a cidadania, o ensino da História e como
aprender cidadania com a disciplina de História.
2.2.3.2. Outros documentos
Nas investigações qualitativas, para além dos inquéritos, utilizam-se outros
documentos interessantes e pertinentes que, para além de fonte de informação, também
permitem triangular os dados (Lessard-Hérbert, M., Goyette, G. & Boutin, G., 2005).
Nesta medida, análise dos dados ou o estudo de documentos (Ketele & Roegers, 1999),
é um método que complementa os inquéritos e, no presente estudo, foi
fundamentalmente uma análise de conteúdo.
Aquando da confirmação da primeira entrevista, pedi aos participantes que me
disponibilizassem o material que utilizavam com os alunos, relacionado com o
desenvolvimento de competências de cidadania. Os próprios perguntaram se quereria as
planificações, os Projectos Educativo e Curricular de Agrupamento, e o Plano Anual de
Actividades, sugestão que foi aceite. O material disponibilizado foi o seguinte:
- EB 2,3 do Mira:
- Material entregue pelo Januário:
- Planificações dos 7º e 8º anos;
- Projecto Curricular de Agrupamento;
- Projecto Educativo.
- Material entregue pela Ana:
- Planificações do 9º ano;
- Ficha informativa da 1ª República;
- Acetatos sobre os regimes fascista e nazi;
- Apresentação em Power Point sobre a C.E.E. e a U.E.;
- Apresentação em Power Point sobre os regimes totalitários;
- Projecto do Clube Europeu.
- EB 2,3 do Monte:
- Material entregue pelo Fernão:
74
- Planificações dos 7º, 8º e 9º anos;
- Regulamento e relatórios sobre o Clube da Rádio;
- Projecto Educativo;
- Plano Anual de Actividades.
As fichas informativas, apresentações em power point e regulamento, projecto,e
relatórios dos clubes não foram tidos em linha de conta por não se relacionarem
explicitamente com o âmbito deste trabalho. Aliás, isto mesmo foi referido pela Ana e
pelo Fernão quando os entregaram.
As informações obtidas da análise das planificações, dos Projectos Educativos e
Curricular de Agrupamento, e do Plano Anual de Actividades, foram utilizados para
triangular os dados, fazendo o cruzamento com as entrevistas.
Os manuais adoptados foram os seguintes:
- EB 2,3 do Mira:
- 7º ano – Maia, C., Brandão, I. & Carvalho, M. (2006). Viva a História!
História 7º ano. Porto: Porto Editora.
- 8º ano – Maia, C. & Brandão, I. (2007). Viva a História! História 8º
ano Porto: Porto Editora.
- 9º ano – Diniz, M. E., Tavares, A. & Caldeira, A. M. (2004). História
Nove – 9º ano, 3º ciclo do ensino básico. Lisboa: Lisboa Editora.
- EB 2,3 do Monte:
- 7º ano – Griné, C., Griné, E. & Rua, H. (2002). Oficina da História 7 –
história das origens do homem ao século XII. História 7º ano.
Lisboa: Texto Editora.
- 8º ano – Maia, C. & Brandão, I. (2007). Viva a História! História 8º
ano Porto: Porto Editora.
- 9º ano – Alves, E., Vieira, E., Ferrão, M. C. & Maia, R. (2004).
História 9 – 9º ano. Porto: Porto Editora.
75
2.2.4. Tratamento de dados
Uma vez realizadas as primeiras entrevistas aos três participantes, procedeu-se à
redacção dos respectivos protocolos, com a passagem a escrito, na íntegra, dos registos
áudio obtidos. Deste modo, o tratamento dos dados iniciou-se enquanto a recolha ainda
estava a decorrer, o que é aconselhável para se reorientar a recolha, se se revelar
necessário (Bogdan & Biklen, 1994). Foi um processo interactivo e iterativo (Oliveira,
2004a), pois os instrumentos foram sendo adaptados, como referido anteriormente,
obtendo assim maior riqueza de dados. Exemplificando, a segunda entrevista correu
bastante melhor que a primeira, tanto a nível da concepção como da realização.
Num sentido mais amplo, [talvez] a análise comece mesmo antes da recolha de dados com a definição do enquadramento teórico e das principais questões de investigação, bem como a própria escolha dos participantes do estudo e dos instrumentos de recolha de dados. . . . Estes momentos na investigação contribuem a priori para a selecção dos dados e para os centrar de acordo com o objecto e o propósito do estudo e . . . têm um papel importante na recolha do material empírico e no desenvolvimento completo da análise. (Guimarães, 2003, p.8).
Neste estudo, “para fazerem «falar» o material” (Bardin, 2007, p.92), recorri à
técnica da análise de conteúdo
um conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais subtis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a «discursos» (conteúdos e continentes) extremamente diversificados. . . . Oscila entre os dois pólos do rigor da objectividade e da fecundidade da subjectividade. . . . [É uma] tarefa paciente de «desocultação», responde a esta atitude de voyeur de que o analista não ousa confessar-se e justifica a sua preocupação, honesta, de rigor científico (Bardin, 2007, p. 7).
Na análise de conteúdo, optei por tratar as duas entrevistas de cada participante
em conjunto. Pensei que fazia mais sentido, uma vez que se complementavam. Na
segunda entrevista, acrescentei mais dois blocos: um que teve como objectivo averiguar
o impacto que o estudo teve na prática do docente (Bloco G2); outro, cuja finalidade foi
obter uma definição de cidadania por parte dos entrevistados, que é um conceito amplo
e difícil de concretizar (Bloco F2). Este bloco não foi inserido na primeira pelo receio
76
de expor demasiado os professores. Esse é também o motivo que justifica que a
pergunta seja introduzida como “uma espécie de jogo”, no qual são pedidas três
palavras relacionadas com cidadania, escolha que foi justificada e relacionada com uma
actividade que pudesse promover essas competências (perguntas 5, 6 e 7 da 2ª
entrevista, Apêndice F).
77
Capítulo 3. Análise e discussão dos dados
Este capítulo inicia-se com a caracterização das escolas e do meio envolvente,
seguida dos professores participantes, de modo a contextualizar os dados recolhidos
através das entrevistas. Depois, analisam-se e discutem-se os dados, apresentados
segundo as categorias e subcategorias estabelecidas. As conclusões estão sintetizadas no
final do capítulo.
3.1. As escolas e o meio envolvente
As duas escolas seleccionadas foram denominadas sob as designações fictícias
de Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos do Mira (EB 2,3 do Mira), onde no triénio de
2006/2009 trabalham o Januário e a Ana, e Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos do Monte
(EB 2,3 do Monte), onde lecciona o Fernão.
Situam-se ambas no concelho Odemira, o que significa que desenvolvem
algumas actividades em comum, nomeadamente no âmbito do desporto escolar e da
Rede de Biblioteca Escolares. De diferente têm a sua longevidade, pois enquanto a EB
2,3 do Mira conta cerca de 35 anos de existência, a outra apenas foi inaugurada no ano
lectivo de 1999/200035. Assim, a primeira tem um corpo docente mais estável36 que a
segunda, onde até aos últimos Concursos de Colocação de Professores para o triénio de
2006/2009, a mobilidade anual do corpo docente rondava os 85 %37.
35 Dados retirados do Projecto Educativo do Agrupamento, ao qual pertence a EB 2,3 do Monte (2002). 36 No triénio 2007/2010, no corpo docente da EB 2,3 do Mira, apenas 5% de professores contratados, pertencendo 56% aos quadros de escola e 39% aos quadro de zona pedagógica, sendo classificado como muito experiente (Projecto Educativo do Agrupamento ao qual pertence a EB 2,3 do Mira, 2008). 37 No ano lectivo de 2001/2002, dos dezoito professores do 3º Ciclo, nenhum pertencia ao quadro de escola, seis pertenciam ao quadro de zona pedagógica, sendo 12 contratados (Projecto Educativo do Agrupamento ao qual pertence a EB 2,3 do Mira, 2002). Geralmente, apenas os colegas de órgão de gestão se mantinham de um ano para o outro.
78
Odemira38, situada no Baixo Alentejo Litoral, é o maior concelho do país com
1720,25 km2. O “clima ameno, a extensa orla marítima e uma paisagem de contrastes,
entre serras e planícies, tornaram este município de sobremaneira atractivo do ponto de
vista turístico” (Bastos & Freitas, 2004, p. 30). No distrito de Beja, é o concelho onde a
presença de imigrantes é maior39. Com uma baixa densidade populacional de residentes
(14,96 hab/km2 - quadro 3), no Verão multiplicam-se estes números, essencialmente no
litoral, pelos veraneantes que procuram as praias da Costa Vicentina, “pólos turísticos
por excelência de Odemira” (Bastos & Freitas, 2004, p. 30). Aliás, “o hábito da
frequência das praias para fins terapêuticos . . . começou a divulgar-se aqui na primeira
metade do século XIX” (Quaresma, 2006, p. 425).
Quadro 3. Indicadores do concelho de Odemira40
Indicadores Odemira Unidade Ano
Densidade populacional 14,96 Hab/km2 2004
População residente 26,106 Habitantes 2001
Taxa de natalidade 8,44 ‰ 2004
Taxa de mortalidade 13,44 ‰ 2004
Índice de envelhecimento 216,92 % 2004
Taxa de actividade 40,8 % 2001
Taxa de desemprego 8,4 % 2001
Taxa de analfabetismo 32,8 % 1991
Taxa de analfabetismo 25,7 % 2001
Médicos por habitante 0,58 ‰ 2003
Farmácia por habitante 0,51 ‰ 2003
Município carenciado e com uma população envelhecida (taxa de
envelhecimento de 216,92 %, com uma taxa de natalidade inferior à da mortalidade -
quadro 3), baixo nível médio de instrução41 e com uma elevada taxa de analfabetismo
de 25,7 % (quadro 3), apesar de ter vindo a diminuir (32,8% em 1991 – quadro 3). “A
38 Com excepção das citações identificadas, os restantes dados foram retirados do site oficial do Município de Odemira acessível em http://www.cm-odemira.pt/PT/Concelho/Geografia/Paginas/default.aspx, http://www.cm-odemira.pt/PT/Concelho/DadosEstatisticos/Paginas/default.aspx e http://www.cm-odemira.pt/PT/Viver /Economia/Paginas/default.aspx consultados em 06/11/2008. 39 A presença de alunos estrangeiros é referida nos Projectos Educativos de ambas as escolas. 40 Dados do Instituto Nacional de Estatística, consultados no site oficial do Município de Odemira, acessível em http://www.cm-odemira.pt/PT/Concelho/DadosEstatisticos/Paginas/default.aspx consultado em 06/11/2008. 41 Informação retirada do Projecto Educativo da EB 2,3 do Mira (2008).
79
nível de saúde, os serviços de atendimento médico estão centrados em Odemira”42, onde
nem médicos (0,58‰ médicos por habitante em 2003 – quadro 3), nem farmácias
(0,51‰ médicos por habitante em 2003 – quadro 3) são suficientes para atender a
população concelhia.
Com uma taxa de actividade de 40,8% e de desemprego de 8,4 % (quadro 3), a
sua economia assenta no sector primário, nomeadamente na agricultura, pecuária,
silvicultura e exploração florestal. A indústria é praticamente inexistente, embora o
comércio a retalho e os serviços tenham alguma dimensão, bem como a pesca, no
litoral. O turismo tem vindo a desenvolver-se e a assumir uma importância crescente,
bem como a restauração e a hotelaria. Estas actividades marcam o quotidiano dos
alunos, uma vez que os do meio rural (os da EB 2,3 do Monte e alguns da EB 2,3 do
Mira), ao terminarem a escola, vão ajudar os pais na lida com os rebanhos de vacas,
cabras ou ovelhas, ou nalguma tarefa agrícola ditada pela época do ano. Quando o
Verão se aproxima, alguns começam a procurar emprego para as férias nas ofertas que
sazonalmente o turismo proporciona.
A nível de acessibilidade, a rede rodoviária é aquela que melhor serve a região,
apesar de uma linha de caminhos-de-ferro atravessar o concelho, na direcção Norte-Sul,
ou seja, de Lisboa-Algarve. O interior isolado e os povoados disperso pelos pitorescos
montes alentejanos são servidos por maus acessos, factor agravado pelos escassos
horários dos transportes rodoviários43, cuja frequência aumenta significativamente nos
períodos lectivos, devido ao transporte dos alunos para as aulas. Assim se percebe que,
embora a distância quilométrica das escolas mencionadas à costa atlântica não seja
grande (cerca de 17 km num caso, 30 km no outro), ainda é frequente encontrar alunos
que apenas vão à praia, quando a escola lhes proporciona essa oportunidade, quanto
mais a uma “cidade grande”.
Na EB 2,3 do Mira, o Projecto Educativo, O caminho para o sucesso, tema
pertinente e importante num meio onde o insucesso e abandono escolar são uma
realidade. Para além das condições sócio-económicas adversas, o facto dos alunos
pertencerem maioritariamente a “famílias ausentes da escola” explica que os educandos
sejam pouco incentivados a investir na formação académica para o seu futuro 42 Citação retirada do Projecto Educativo do Agrupamento, ao qual pertence a EB 2,3 do Monte (2002). 43 “A rede de transportes que serve esta região é quase nula, dificultando a deslocação das pessoas entre as localidades” (Projecto Educativo do Agrupamento, ao qual pertence a EB 2,3 do Monte, 2002).
80
profissional. Apenas é promovida por uma minoria dos pais e encarregados de
educação, cujos filhos são um estímulo positivo para os colegas. Alguns núcleos
populacionais integram cidadãos estrangeiros, que estão harmoniosamente integrados na
comunidade educativa, constituindo uma mais-valia para diversidade cultural, na
medida em que mantêm traços da sua cultura de origem, assimilando os da cultura
portuguesa. Quanto aos professores, o desempenho tem sido afectado pela mobilidade e
carência de formação contínua.
A nível geral, a massificação do ensino, a estrutura e organização das escolas, o
tipo de ensino e avaliação tem tido consequências nefastas no sucesso escolar. No caso
concreto deste agrupamento de escolas, do 1º para o 3º Ciclo, os níveis de sucesso
diminuíram e, nos dois últimos anos lectivos, a percentagem de níveis inferiores a três
foi superior a 20%, sendo o sucesso superior a 80% no caso da disciplina de História.
Assim, na via para o sucesso, o agrupamento tem um duplo objectivo: promover o
sucesso educativo e reduzir o abandono escolar 44.
O desenho curricular do 3º Ciclo do Ensino Básico atribui à disciplina de
História uma carga horária para de um bloco de noventa minutos para os 7º e 9º anos e
um bloco e meio para o 8º ano. Para a área curricular não disciplinar de Formação
Cívica está destinado meio bloco, onde se deve abordar o tema da educação para a
cidadania, apesar de estar explicitado que é uma temática transversal, sendo “mais uma
prática que um discurso, mais uma acção que um conteúdo”. Assim, devem ser
considerados os temas seguintes: os valores e atitudes, relações interpessoais, educação
familiar, educação para a saúde, educação ambiental, educação do consumidor,
prevenção de acidentes, direitos humanos, educação sexual e educação estética. Quanto
às actividades que devem ser desenvolvidas são: a construção da identidade do aluno,
desenvolvimento de relações interpessoais, estabelecimento de regras para a vida numa
sociedade democrática, tomada de decisões, formação de um pensamento crítico
reflexivo, resolução de problemas, consecução de projectos de modo a ampliar os
conhecimentos dos alunos sobre as suas culturas, princípios e instituições democráticas,
justiça, mass media, etc.45.
44 Dados retirados do Projecto Educativo do Agrupamento, ao qual pertence a EB 2,3 do Mira (2008). 45 Dados retirados do Projecto Curricular do Agrupamento ao qual pertence a EB 2,3 do Mira (2008).
81
Na EB 2,3 do Monte, o Projecto Educativo46 visa evoluir no contexto
desfavorecido onde se insere a região, “neste tempo ver o tempo que há-de vir e
reorientar a prática, sempre corrigindo erros, para o horizonte que está para além do
horizonte”. Assim, os objectivos são promover aspectos que beneficiem a região, tais
como combater a “desertificação humana”, a falta de investimento, de ambição
profissional dos jovens e de soluções para inverter esta tendência. Apontam no sentido
de elevar a qualidade da aprendizagem e do ensino, promover as novas tecnologias,
implicar os pais no processo de ensino/aprendizagem de forma comprometedora e
constante, diversificar as ofertas de ensino considerando o contexto local, minorar ou
eliminar os constrangimentos a uma boa prática pedagógica e melhorar a qualidade dos
serviços prestados.
Como o Projecto Educativo do Agrupamento ao qual pertence a EB 2,3 do
Monte são relativos ao ano lectivo de 2001/2002, embora continue em vigor enquanto o
novo está em reformulação, não analisei os restantes dados por estarem desactualizados.
No Plano Anual de Actividades, para o ano lectivo de 2007/2008, da EB 2,3 do
Monte, vem referida uma actividade que visou “promover o espírito de cidadania
europeia”. A exposição de trabalho e bandeiras inseriu-se na comemoração do Dia da
Europa (9 de Maio) e foi desenvolvida no âmbito do Departamento de Ciências Sociais
e Humanas, ao qual pertence a História, embora o Fernão não a refira na entrevista.
3.2. Os participantes
O processo de selecção foi diferente nos três casos, embora todos se mostrassem
disponíveis desde o primeiro contacto até ao final. O modo entusiasta como
responderam às entrevistas, foi uma motivação acrescida na concretização deste
projecto. Os seus nomes aparecem sob forma de pseudónimo.
O primeiro participante do meu estudo, o Januário, é um colega de História com
quem tive o prazer de trabalhar quatro anos nesta mesma escola à qual continua a
pertencer. Tem gosto em ensinar e a preocupação em chegar efectivamente aos alunos.
Cumprir o programa não esgota a sua visão de ser professor, missão que sente como
mais exigente e abrangente, principalmente quando se lecciona num meio rural, onde
46 Dados retirados do Projecto Educativo do Agrupamento, ao qual pertence a EB 2,3 do Monte (2002). Embora elaborado para o triénio 2002/2005, continuava em vigor por se encontrar em fase de reformulação.
82
não é raro que os pais tenham habilitações inferiores às dos filhos que chegam ao 3º
Ciclo do Ensino Básico, o que os leva a considerá-los “uns doutores”, não vendo qual a
utilidade de prosseguirem estudos. As dúvidas que assaltam esses adolescentes à
medida que vão desbravando horizontes, enfrentando os costumeiros medos e receios,
esbarram muitas vezes com a falta de acompanhamento por parte dos pais, porque têm
que trabalhar, mas também porque não sabem, não podem ou não conseguem
acompanhar os filhos nessa viagem por mares que eles, progenitores, não navegaram.
Se têm a sorte de terem irmãos mais velhos, que já estudaram e foram aplicados, até têm
algum acompanhamento. Mas, se são os pioneiros da família, só uma grande motivação
e vontade de vencer os leva mais além.
Esta escolha revestia-se de algum risco pelo perigo de enviesamento das
respostas, devido à relação de proximidade que mantenho com esse colega. Mas, o
conhecimento do seu trabalho era uma garantia quanto aos dados obtidos e o
relacionamento podia ser facilitador da comunicação, fazendo com que a entrevista se
aproximasse duma conversa entre conhecidos para aprofundar os conteúdos (Bodgan &
Biklen, 1994). Estive atenta para não deixar “povoar o espaço da vida do outro com as
minhas próprias personagens” (Bullough citado por Oliveira, 2004). Tudo correu bem.
Quanto ao segundo participante, o Fernão, o contacto resultou de uma sugestão
de conhecidos em comum. Facilitava a recolha de informação o facto de ser o único
professor dos três níveis de ensino do 3º Ciclo na escola, o que aliás não constitui caso
único entre as escolas desta região. Já o conhecia pessoalmente de algumas reuniões de
trabalho e, essencialmente, através de conversas com antigos alunos, que ao se cruzarem
comigo na rua, falavam no novo professor de História com entusiasmo 47. Telefonei-lhe
e de pronto acedeu em participar.
Com a terceira participante, a Ana, o primeiro contacto foi estabelecido através
do Januário, uma vez que era sua colega de escola, sendo ambos os únicos professores
responsáveis pela leccionação da disciplina. Também ela aderiu ao projecto desde a
primeira hora.
47 Naquela altura o Fernão leccionava na escola secundária do concelho, enquanto eu trabalhava numa das quatro escolas básicas 2,3 da região.
83
Quadro 4. Caracterização dos Professores participantes no estudo48
Professor
Características Januário Ana Fernão
Data de nascimento 19/03/1961 14/02/1964 08/08/1965
Habilitação académica Licenciatura em História – variante Arqueologia Licenciatura em História Licenciatura em Ensino de
História
Habilitação profissional
Qualificação em Ciências da Educação –
Profissionalização em Serviço
Profissionalização em Serviço Estágio Integrado
Grupo de recrutamento 40049 400 400
Níveis que lecciona 7º e 8º anos 5º e 9º anos 7º, 8º e 9º anos
Tempo de serviço total 21 anos 16 anos 16 anos
Tempo de serviço na escola onde lecciona 11 anos 4 anos 2 anos
Cargos exercidos
Conselho Directivo: Presidente, vice-
presidente, secretário; Director de Turma; Delegado de grupo;
responsável por clubes (Arqueologia e Jardinagem).
Director de Turma; Coordenadora de Departamento;
responsável por clubes (Europeu e Geo-História).
Conselho Directivo; Director de Turma;
Coordenador de Departamento;
responsável por clubes (Rádio e Xadrês).
Acções de formação nas áreas de…
Língua Portuguesa; informática; História; Currículo; Cidadania e
Património.
História; Sexualidade no Ocidente
História; internet; património histórico.
Intervenção profissional e comunitária
Associação de Pais; Direcção de uma
Cooperativa de Habitação.
Membro da Associação dos Professores de
História (APH).
Membro do Círculo Cultural do Algarve e do
Centro Desportivo Universitário de Évora
(CDUE)
Interesses pessoais / passatempos
Arqueologia e Arqueologia da Paisagem; investigação em História; natação; leitura de jornais.
Ler no âmbito da História; Astronomia; enigmas
matemáticos e sudoku; praia; animais de
estimação.
Leitura; escrita (ficção); ouvir música.
Todos os professores pertencem ao quadro de nomeação definitiva, embora o
Januário e o Fernão sejam do Quadro de Escola e a Ana do Quadro de Zona
Pedagógica50. Como se pode verificar pela análise do quadro 4, têm idades próximas,
tendo nascido na década de 60. São licenciados em História, embora o Januário na
variante de Arqueologia, e profissionalizados, embora dois tenham feito a
profissionalização em serviço e um tenha o ramo educacional integrado. Todos ficaram 48 Dados retirados dos questionários e das perguntas 19 a 27 da 1ª entrevista (Apêndice C) e, quanto às acções de formação, uma listagem entregue posteriormente pelo Januário e pelo Fernão. 49 400 é o grupo de recrutamento que corresponde à disciplina de História do 3º ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário. 50 Dado retirados das listas dos Concursos para professores do Ensino Básico e Secundário.
84
colocados no grupo 400, leccionando, no ano lectivo de 2007/2008, a disciplina de
História a todas as turmas do 3º ciclo das duas escolas. À Ana foram distribuídas turmas
do 2º ciclo para completar o horário.
Quanto aos anos de serviço, a diferença entre o Januário (vinte e um anos) e os
restantes (dezasseis anos), corresponde aproximadamente à diferença etária entre eles, o
que significa que começaram a leccionar sensivelmente com a mesma idade e que já
têm uma experiência considerável no ensino. Relativamente aos anos de serviço na
escola onde estão colocados actualmente, esse foi o factor que mais os diferenciou, pois
enquanto o Januário conta onze anos, a Ana quatro (sendo que houve uma interrupção
no meio, dois seguidos de cada vez) e o Fernão apenas dois anos. A familiaridade do
Januário com a escola é maior; no entanto é de referir que o Fernão leccionava noutra
escola do mesmo concelho e todos escolheram estar nessa zona51.
Os três participantes já desempenharam cargos, tendo em comum terem sido
directores de turma, delegado de disciplina/coordenadores de departamento curricular52
e responsáveis por clubes. Quanto às áreas de formação contínua, privilegiaram a
História e temáticas afins à cidadania, como património e sexualidade. Em comum têm
ainda a intervenção profissional e/ou comunitária, embora seja diversificada. Os
interesses pessoais/passatempos apenas têm em comum a leitura e o facto de também
gostarem de áreas alheias à formação de base.
A análise comparativa dos três participantes, indica que pertencem à mesma
geração, a formação inicial e profissional é semelhante, bem como a longevidade na
experiência profissional, o que confere homogeneidade relativamente ao universo
analisado.
3.3. As entrevistas
Os dados recolhidos através das entrevistas foram submetidos a uma análise de
conteúdo, segundo a técnica da análise categorial (Pacheco, 2006; Bardin, 2007). Deste
modo, foram-se organizando sistematicamente os dados em bruto, de uma forma lógica,
51 Este dado não foi perguntado no questionário, mas soube-o nas conversas informais que antecederam as entrevistas. Para além disso, todos possuem casa própria na região. 52 Com o Decreto-lei nº 115-A/98, de 3 de Maio, passam a existir coordenadores dos departamentos curriculares em vez dos delegados de disciplina (Capítulo IV, Secção I, artigo 34º, ponto 2, alínea c).
85
coerente e sucinta, consoante as semelhanças e diferenças, modelos e questões de
importância significativa, agrupando-os em categorias (Bell, 2004; Pacheco, 2006),
“unidades que permitem uma descrição exacta das características pertinentes de
conteúdo” (Bardin, 2007, p. 117). Por outras palavras, procedeu-se à codificação.
Adoptando a metodologia descrita por Laurence Bardin (2007), iniciou-se com a
leitura flutuante dos protocolos, à qual se seguiu o primeiro tratamento, seleccionando
as ideias pertinentes e relevantes do discurso dos entrevistados, eliminando tudo quanto
estava fora do âmbito dos objectivos pretendidos, identificando as unidades de sentido
que, posteriormente, foram categorizadas.
O Quadro 5 sistematiza as categorias e subcategorias, definidas de acordo com
os objectivos e as questões de investigação do estudo.
Quadro 5. Grelha de categorização
Categorias Subcategorias 1.1. Metodologia / estratégias / actividades / recursos
1.2. Manual 1. Práticas pedagógicas
1.3. Actividades não curriculares
2.1. Interpretação do programa / currículo
2.2. Conteúdos 2. Concepções pedagógicas sobre o programa / currículo de História
2.3. Planificações
3.1. Definição de cidadania 3. Conceito de cidadania
3.2. Competências transversais / disciplina autónoma
4.1. Formação 4. Percurso profissional
4.2. Percurso profissional / influência na promoção de cidadania
5.1. Áreas de interesse 5. Percurso pessoal
5.2. Percurso pessoal / influência na promoção de cidadania
6. Impacto do estudo 6.1. Impacto da participação no estudo
Nota: Todas as categorias foram definidas tendo em conta a promoção de competências de cidadania, o que não é explicitado para simplificar a leitura.
Finalmente construíram-se as grelhas de categorização (Apêndices F, G e H),
que permitiram apresentar os dados de forma condensada e simplificada. Foram
seguidos os princípios de exclusão mútua, homogeneidade, pertinência, objectividade e
fidelidade, e produtividade (Bardin, 2007).
86
No tratamento da informação achei interessante estabelecer uma co-relação entre
os dados obtidos a partir das três entrevistas, fundamentando a prática com a teoria, ou
seja, fazer uma contra-análise entre o que é dito que é feito e o que é pensado acerca da
cidadania. Assim, sendo o objectivo principal deste estudo saber como três professores
de História desenvolveram as competências de cidadania com os seus alunos, considerei
pertinente iniciar a análise pelo que os professores disseram que fizeram na prática com
os seus alunos (categoria 1), tanto nas actividades curriculares (subcategoria 1.1 e 1.2)
como nas não curriculares (subcategoria 1.3). Prossegui no sentido de conhecer as
concepções pedagógicas dos professores sobre o programa/currículo de História
relativamente à cidadania (categoria 2), nomeadamente quanto à interpretação que
fazem (subcategoria 2.1), os conteúdos que privilegiaram (subcategoria 2.2) e como
planificaram (subcategoria 2.3). Depois, pareceu-me importante saber qual o conceito
de cidadania para cada um dos docentes (categoria 3) e averiguar até que ponto a sua
prática lectiva estava de acordo com definição que deram (subcategoria 2.1), bem como
conhecer a sua opinião relativamente à educação para a cidadania, se se deve manter
como competências transversais e/ou constituir uma disciplina autónoma (subcategoria
3.2).
Para complementar a investigação, pareceu-me pertinente analisar se o percurso
profissional dos professores teve influência nas suas práticas (categoria 4), tanto a
formação (subcategoria 4.1) como o percurso propriamente dito (subcategoria 4.2), e o
mesmo a nível do percurso pessoal (categoria 5), considerando as áreas por que se
interessam (subcategoria 5.1) e o percurso em si (subcategoria 5.2). Finalmente,
preocupei-me em saber se a participação no estudo tinha tido impacto nas suas práticas
(subcategoria 6.1), uma vez que as conversas informais apontaram nesse sentido.
3.1.1. Práticas Pedagógicas
Conhecer como os professores participantes promoveram as competências de
cidadania com os seus alunos, pareceu-me ser um bom ponto de partida tanto para a
entrevista, como para a análise dos dados. É mais fácil começar por falar daquilo que
está mais próximo e que não exige grande erudição, uma vez que a temática cidadania
assim o sugeria. “É na interrogação e no questionamento das nossas próprias práticas
87
como professores, como educadores e como investigadores em Educação que poderá
emergir alguma esperança no poder transformativo da educação” (Matos, 2005, p. 37).
3.3.1.1. Metodologia / estratégias / actividades / recursos
Agrupei numa mesma subcategoria a metodologia, as estratégias, as actividades
e os recursos, para facilitar o tratamento, uma vez que os participantes não as referiram
em separado.
O Quadro 6 compila os dados referidos pelos três professores, bem como os
temas por eles trabalhados, tendo em vista o desenvolvimento das competências de
cidadania.
Quadro 6 - Metodologia / estratégias / actividades / recursos utilizados pelos participantes
Metodologias /estratégias/actividades/re
cursos Temas Januário Ana Fernão
- Direitos do Homem / Direitos Humanos
X
- Defesa do Património X
- Religiões: cristãos e muçulmanos X
- Participação dos alunos na vida local X
- Assuntos relacionados com a escola, como o Regulamento Interno e o estatuto do aluno
X
- Escravatura X
- Contributo dos iluministas e a Revolução Francesa para a actualidade X
- “Assuntos que os alunos . . . trazem para a escola” X
- Totalitarismos X
- Grécia: condição das mulheres, racismo e democracia X
- Debate / discussão
- Descobrimentos X
- Pré-História e actualidade X
- Democracia grega e actual X
- Hebreus/muçulmanos e o conflito do Médio Oriente Israelo-palestianiano X
- “Fazer um paralelo” / “fazer a ponte” entre um determinado conteúdo e actualidade
- Democracia directa e representativa X
- Poder absoluto e democracia X
- Comunismo e a separação de poderes do Estado X
- “Fazer o contra-ponto” / comparar
- Direitos Humanos e violação dos X
88
mesmos
- Religiões: Cristianismo, Judaísmo e islamismo X
- Assembleia da República e órgãos do governo X
- Idade Média – site da Comissão para a Igualdade de Direitos entre Homens e Mulheres
X
- Escravatura – site da ONU e Amnistia Internacional X
- Pesquisa preparatória das visitas de estudo; X
- Internet / TIC / Novas Tecnologias - pesquisa - envio de trabalhos por e-mail
--- X
- Encontro de culturas – alunos alemães, holandeses, brasileiros X - Proporcionar a partilha de
experiências aproveitando a presença de alunos de culturas diferentes - Regime Nazi – reacção de alunas alemãs X
- Roma (sobre Pompeia) X
- Descobrimentos (Colombo) X
- Totalitarismos (Lista de Schindler) X - Visionamento de filmes /documentários
- Documentários sobre totalitarismos X X
- Fichas de trabalho --- X
- Templo de Diana em Évora (7ºano) X
- Monserrate, Palácio da Vila e Museu do Brinquedo em Sintra (8ºano) X
- Museu Militar (9ºano) X
- Caravela Boa Esperança X
- Visitas de estudo
- Jerónimos e Torre de Belém X - Sobre o tema da escola “Escola Ecológica” X
- Auto-recriação X X - Trabalho de pesquisa
- Totalitarismmos X - Totalitarismos – excertos de Mein Kampt e Direitos do Homem X - Leituras extra-manual /
livros - Dossiers que complementam o manual X
- Grécia – funcionamento do regime democrático e organização do poder X
- “Apontamento no caderno” - Religiões – quadro comparativo entre
Cristianismo, Judaísmo e Islamismo X
- Cartazes sobre os Direitos Humanos e a Amnistia Internacional X
- Cartazes sobre o 25 de Abril X - Exposição
- Guerra Colonial – material recolhido pelos alunos X
- Colóquio - 25 de Abril X
Estes professores utilizam metodologias/estratégias/actividades/recursos
variados na promoção das competências de cidadania com os alunos. Das treze
referidas, cinco foram utilizados por todos, o debate (que se destaca por ser referido
89
onze vezes), o “fazer o contra-ponto entre…”/comparar, visionamento de
filmes/documentários, visitas de estudo interdisciplinares e trabalhos de pesquisa (sendo
de destacar que em dois casos foram por iniciativa dos alunos). Apenas se registaram
três casos em que a utilização é exclusiva de um professor, as fichas de trabalho pelo
Januário, leituras pela Ana e o “apontamento no caderno” pelo Fernão. As restantes
foram mencionadas por dois dos docentes, pelo Januário e pelo Fernão o “fazer um
paralelo”/”fazer a ponte” entre um determinado tema e a actualidade, bem como a
partilha de experiências entre alunos de culturas diferentes; pelo Januário e pela Ana o
uso da internet e pela Ana e o Fernão as exposições (embora uma tivesse sido feita no
passado e outra não chegou a ser efectuada).
Tem havido mudanças significativas no âmbito dos recursos utilizados na aula
de História. A utilização do manual em exclusivo deu lugar a uma profusão de materiais
didácticos, que revolucionam como se aprende e o que se aprende. No caso concreto da
História, a imprensa, os audiovisuais e as novas tecnologias de informação e
comunicação são meios privilegiados para uma aprendizagem, tanto formal como
informal, todas mencionadas pelos participantes. No entanto, o carácter inovador reside
em quem utiliza os recursos e não nos materiais em si (Félix, 1998).
O sistema educativo pode servir de iniciação à participação democrática,
nomeadamente proporcionando desafios da participação, disponibilizando “momentos
para o debate, onde podem ser incutidos princípios básicos para a discussão
democrática: que cada um fale na sua vez; ouvir atentamente, falar claramente para que
todos percebam a nossa opinião; não dizer nada que fira pessoalmente o oponente”
(Soares, 2003, p. 11). O Januário atribuiu uma importância grande aos debates,
metodologia que refere acerca de oito temas diferentes (Quadro 6) e ao modo como é
implementado na sala de aula: “é organizado o debate normal na sala, em que eles
organizam-se na sala em U (…) e eles elegem um moderador e um secretário… Eu
observo apenas (…) a minha intervenção é mínima” (Apêndice F, pp. 122-123)
Outro recurso a valorizar no ensino da História é o Meio, nomeadamente no
âmbito local/regional que proporciona a investigação, fonte de exemplos, permitindo a
interacção com o património cultural. No entanto, há que não esquecer a
contextualização (Félix, 1998). O Januário refere-se variadas vezes à importância do
património, nas visitas de estudo, debates e pesquisas na internet (Apêndice F, p. 122-
123).
90
As exposições e colóquios organizados na escola, como foi o caso da Ana e do
Fernão, são importantes na formação do aluno como cidadão, na medida em que
promovem a consciência cívica e a formação política (Santos, 2001).
3.3.1.2. Manual
No início deste projecto, com base em conversas informais que tive com alguns
colegas, uma das minhas expectativas ia no sentido do manual ser um recurso destacado
pelos professores no desenvolvimento de competências de cidadania. Essa convicção
levou-me a indagar no questionário as referências do manual adoptado (pergunta nº 4,
Apêndice A, 110. ), bem como dirigir uma pergunta em particular na primeira entrevista
(pergunta nº 7, Apêndice C, p. 115). Esta expectativa não se comprovou na realidade.
Assim sendo, considerei ser desnecessária a análise dos manuais que tinha em mente,
uma vez que não poderia triangular os dados.
Por muito que se inove, o manual escolar continua a aparecer como o recurso
essencial e, muitas vezes, único, embora isso não aconteça com estes três professores. A
maioria dos professores optam por manuais abertos que permitam uma abordagem
equilibrada entre conteúdos e actividades (Félix, 1998) e parece ter sido essa a opção
dos participantes neste estudo.
Todos referiram gostar bastante do manual adoptado e o Januário foi quem o
mencionou mais vezes como sendo “extremamente rico”, que “aponta muitas pistas ao
professor”, nomeadamente no âmbito da internet e do património, para além de fazer
“um paralelo entre a época histórica . . . e a actualidade” (Apêndice F, p. 124 ). Foi este
o único aspecto salientado pelo Fernão - “naquela ponte que faz entre o passado e o
presente” (Apêndice H, p. 134). A Ana considerou que os dossiers53 “estimulam outros
saberes, outras competências e, se calhar… que se ligam a essa tal cidadania” (Apêndice
G, p. 130). Desta frase depreendi que não explorou o manual (nem os tais dossiers) em
função da cidadania, apenas apontando como um potencial recurso.
53 Os dossiers são subcapítulos do manual em que os autores aprofundam determinados temas, através de textos, imagens ou sugestões de filmes, sites na Internet, etc. Curiosamente, no manual que a Ana estava a utilizar designavam-se por “Descobrir” e não “dossiers”, designação adoptada por outras editoras (Diniz, M.E., Tavares, A. & Caldeira, A (2004), História Nove, História 9º ano / 3º Ciclo. Lisboa: Lisboa Editora, pp. 60-61, 128-129 e 174-175, 204-205 e 226-227).
91
3.3.1.3. Actividades não curriculares
Todos os professores referiram o envolvimento com clubes, sendo unânimes em
referi-los no âmbito da promoção de competências de cidadania, apesar de apenas o
Januário (Clube de Jardinagem no memento e Clube de Arqueologia no passado) e o
Fernão (Clube da Rádio no momento e Clube de Xadrez no passado) estarem a
desenvolver projectos nesse âmbito no momento das entrevistas.
O Parlamento do Jovens, actividade desenvolvida em parceria com a Câmara
Municipal, foi mencionado por todos. O Januário acrescentou um outro projecto similar,
A Assembleia e a Escola, promovido anualmente pela Assembleia da República. Ambos
são espaços que proporcionam a experiência de vivência num parlamento, sedes da
democracia, suscitando o esclarecimento de dúvidas quanto ao seu funcionamento e
momentos de debate e participação em processo eleitorais.
O Fernão acrescenta que iria, no ano seguinte, estar envolvido na Rede de
Bibliotecas Escolares, espaço privilegiado para propostas no âmbito da cidadania. Para
além dessas, quando foram pedidos exemplos de actividades sugeridas pelos próprios
docentes, em que os alunos pudessem desenvolver as competências de cidadania
(pergunta nº 7, Apêndice E, p. 121). O mesmo professor não hesita em afirmar que são
as “actividades extra-curriculares, claramente (…). Por mais que pense nisso, são
actividades muito complicadas para serem feitas no espaço da aula (…)” (Apêndice H,
p. 134).
O ensino da História não se esgota no espaço sala de aula, como confirmou Luís
Filipe Santos (2000 e 2001) no estudo que fez com cinco professores de História. À
semelhança do que se passou no presente estudo, esses docentes salientam a
importância das actividades complementares do processo de ensino-aprendizagem da
História, como no caso dos clubes escolares, que envolvem a história local, para além
da educação patrimonial. Estes objectivos são igualmente abordados nas visitas de
estudo, meio para “incentivar a criação de hábitos culturais através das visitas a museus,
monumentos, exposições e itinerários patrimoniais” (p. 99), para além de
proporcionarem a descentralização da prática pedagógica, promovendo a motivação e
consolidação das aprendizagens.
92
Por todos é salientada a importância das actividades não curriculares pela
oportunidade do envolvimento da escola com a comunidade onde se insere, essencial no
âmbito da cidadania. E,
a tarefa de realizarmos um ensino activo da História será facilitada se partirmos do estudo do meio. . . . É importante acentuar ainda que o recurso ao meio e à História local, além de interessarem extraordinariamente os alunos, permitem desenvolver e estimular o respeito, e digamos mesmo o amor, pelo património histórico-cultural (Proença, 1990, p. 59).
3.3.2. Concepções pedagógicas sobre o programa / currículo de História
Compreender as concepções dos professores significa reconhecer que, como qualquer ser humano, os docentes constroem as realidades e objectos com os quais lidam no âmbito do desempenho do seu papel profissional. Ao captar essas concepções, obtemos também elementos que nos permitem analisar melhor o modo como eles estruturam a sua prática pedagógica e assim podemos compreendê-la melhor. (Cibele, 2005, p. 23)
Nesta categoria pretendi conhecer as concepções pedagógicas dos professores
sobre o carácter formativo do currículo de História, saber como interpretavam o
programa da disciplina e qual o papel que lhe reconheciam no desenvolvimento das
competências de cidadania.
3.3.2.1. Interpretação do programa / currículo
Agrupei na mesma subcategoria programa e currículo, pois nas respostas que
obtive não houve distinção entre ambos os conceitos.
Os três professores são unânimes ao evidenciar a História como “a disciplina por
excelência . . . para o desenvolvimento das competências de cidadania” (Apêndice F,
pp. 124-125). “É a barra, a trave mestra . . . da própria cidadania . . . não se
apercebendo, [os alunos] interiorizam valores de cidadania”, disse a Ana (Apêndice G,
p. 130). É uma disciplina fundamental para o “ensino de cidadania . . . pelos seus
conteúdos é sempre educação para a cidadania . . . a única disciplina que efectivamente
de forma concreta os consegue estar a educar para a cidadania” (Fernão, Apêndice H, p.
134-136). Apresentam vários argumentos que suportam a sua opinião (Quadro 7), sendo
de destacar que todos referiram o facto dos alunos conseguirem, através desta disciplina,
93
desenvolver competências para serem cidadãos integrados numa sociedade, onde devem
intervir / participar.
Quadro 7 – Argumentos apresentados pelos professores participantes por considerarem a História fundamental na promoção da cidadania
Argumentos Januário Ana Fernão - Conhecimento e compreensão do mundo X X
- Localizar no tempo e no espaço X X
- Ser cidadão integrado numa sociedade X X X
- Transmite valores X X
- Respeitar os outros / não colidir com o espaço do outro X X
- Intervir / participar na sociedade X X X
- Sentido de pertença X
- Mostra os dois lados da questão X
- Mostrar o aspecto religioso e cultural X
- Património X X
- Conteúdos X X
- Disciplina transversal X
- Dá ferramentas úteis para a vida pessoal, profissional X
As alusões ao programa foram pacíficas e, no entender do Fernão, “está bom”
(Fernão, Apêndice H, p. 134-136). Surgiram queixas relacionadas com a falta de tempo
para o cumprir: “Só tenho pena que uma disciplina como a nossa esteja cada vez menos
valorizada em termos de horas” (Ana, Apêndice G, p. 130); “Com uma componente
lectiva tão pequenina . . . como é que consigo ter espaço para desenvolver estas
actividades e ao mesmo tempo cumprir o programa” (Fernão, Apêndice H, p. 134-136).
Segundo Maria Cândida Proença (1990), os programas de História podem ter na base
uma ordenação cronológica ou temática. Em Portugal tem-se seguido mais a primeira
opção, por possibilitar melhor a compreensão das transformações sociais. No entanto, a
sobrecarga de conteúdos nos programas tem sido a consequência que, por sua vez,
dificulta o cumprimento dos mesmos por parte dos professores (Proença, 1990).
Apesar da Gestão Flexível do Currículo apontar noutra direcção, nas entrevistas
foram várias as alusões feitas aos conteúdos que tradicionalmente estavam distribuídos
pelos diferentes níveis de escolaridade,: “Através da apresentação do património
histórico é constante ao longo dos programas do 7º e do 8º ano” (Januário, Apêndice F,
pp. 124-125); “No 9º ano é quando a coisa se proporciona mais” (Fernão, Apêndice H,
94
pp. 134-136). Na opinião de Isabel Barca (2003, Janeiro), o programa de História data
de finais dos anos 80 e, na opinião de muitos professores, é demasiado extenso, mas não
têm existido propostas para o modificar. No entanto, aos olhos da Gestão Flexível do
Currículo, os programas devem ser encarados como instrumentos para o
desenvolvimento de competências aos alunos, competências que não se resumem à
compreensão do passado, como também à utilização de fontes diversas.
Aliás, as confusões existentes quanto à distinção entre competências e
objectivos. A título de exemplo cito o Januário: “A Gestão Curricular, sim. Aí entram
algumas indicações para… apareceu uma (…) das principais competências a
desenvolver na disciplina. Embora sejam objectivos, objectivos?!? Competências muito
ditas de uma forma, como é que eu hei-de dizer… Larga, não é?” (Apêndice F, pp. 124-
125).
3.3.2.2. Conteúdos
Os conteúdos do programa de História que servem de suporte aos professores
para desenvolverem as competências de cidadania estão listados no Quadro 8.
Quadro 8 – Conteúdos do Programa de História do 3º Ciclo referidos
pelos professores participantes na promoção da cidadania54 Conteúdos Januário Ana Fernão
1.1. As Sociedades Recolectoras X - Homem/Natureza – atitude do Homem comparada com a Actualidade
X
1.2. Contributos das Primeiras Civilizações X X - A religião hebraica – comparação com Cristianismo e conflito israelo-palestiniano
X X
2.1. Os Gregos no Século V a.C.: o exemplo de Atenas X X - Democracia X X
- Sociedade X X
2.2. O Mundo Romano no Apogeu do Império X X - Cidadania em Roma X X
2.3. O Cristianismo: origem e difusão X X . Cristianismo X X
3.2. O Mundo Muçulmano em expansão X
54 Os temas estão identificados a negrito estão conforme o Programa de História, Ensino Básico 3º Ciclo - plano de organização do ensino-aprendizagem. .Vol. II. (4ª Ed.). Lisboa: Imprensa-Nacional Casa da Moeda. As outras referências estão conforme os professores as referiram nas entrevistas (Apêndices F, G e H).
95
- Islamismo X
4.1. Desenvolvimento económico, relações sociais e poder político nos séculos XII a XIV X
- Concelhos e cartas de foral – poder autárquico X
5.1. A abertura ao Mundo X X X - Expansão e Descobrimentos – encontro de culturas X X X
- Mulheres subalternizadas – comparação com actualidade X
- Escravatura X X
5.2. Os novos valores europeus X - Renascimento e Humanismo X
6.1. Absolutismo e mercantilismo numa sociedade de ordens X - Absolutismo - comparação com a democracia X
6.3. A cultura em Portugal face aos dinamismos da cultura europeia X X
- Iluminismo X X
7.1. A Revolução Agrícola e o arranque da Revolução Industrial X X
- Industrialização e o ambiente X
7.2. O triunfo das revoluções liberais X X X - Revolução Francesa e os Direitos do Homem e do Cidadão X X X
8.1. O Mundo Industrializado X X - Emigração X
- Marxismo – comparação com o liberalismo X
9.1. Hegemonia e declínio da influência europeia X - Emancipação feminina X
10.2. Entre a ditadura e a democracia X - Totalitarismos X
11.2. As transformações do mundo contemporâneo X - A União Europeia – o cidadão europeu X
- Assimetrias Norte / Sul – países mais e menos desenvolvidos X
Temas transversais: X X - Património X X
É de salientar que todos os temas principais do programa foram referidos, logo
as competências de cidadania são desenvolvidas por estes professores em todas as
temáticas.
Em comum mencionaram apenas o encontro de culturas, no tema Expansão e
dos Descobrimentos, os Direitos do Homem e do Cidadão, no tema da Revolução
Francesa. Talvez não seja de estranhar que as coincidências sejam poucas, uma vez que,
considerando uma abordagem tradicional ao programa, ambos os itens fazem parte do
8º ano, e a Ana apenas lecciona o 9º ano.
96
3.3.2.3. Planificações
As planificações constituem uma subcategoria emergente, tendo sido criada
pelas várias referências que teve por parte de todos os participantes.
As planificações surgem como uma espécie de referencial que guia os
professores, dando-lhes a noção se estão a “cumprir” ou se estão “atrasados”,
permitindo-lhes ainda organizar as ideias quando falam dos conteúdos. A título de
exemplo, posso citar o Januário: “Agora estava a pensar na planificação e estava agora a
ver apenas os conteúdos” (Apêndice F, p. 126) e a Ana “Ponho-as nas planificações a
longo prazo” (Apêndice G, p. 131).
Quanto ao Fernão, penso que algumas vezes utilizou a palavra “programa”
querendo referir-se a “planificações”, como são exemplo as frases “estou muito atrasado
no programa” e “ quando preencho papelinhos a dizer que cumpri o programa” (Fernão,
Apêndice H, p. 136). O que os professores têm que justificar no final do ano lectivo,
caso não cumpram são as planificações, que não têm que coincidir com a organização
do programa, sobretudo após a entrada em vigor da Gestão Flexível do Currículo.
Quando confrontados com a questão se planificaram tendo em conta as
competências para a cidadania, o Januário menciona que estão no início da planificação
nas atitudes e valores, a Ana diz que estão nas de longo prazo e o Fernão “confessa que
não” (Fernão, Apêndice H, p. 136). Segundo as planificações que me foram entregues, o
Januário apenas o fez para o 7º ano e conforme estão no Programa de História55, a Ana
referiu-se às dez competências gerais do currículo Nacional e o Fernão, de facto, nada
menciona.
Assim sendo, penso que não será abusivo constatar que as competências para a
cidadania não são tidas em conta nas planificações de forma criteriosa.
55 O Programa de História, como referido anteriormente, é anterior à Gestão Flexível do Currículo, portanto não está organizado tendo em conta as competências.
97
3.3.3. Conceito de Cidadania
O conceito de cidadania não é fácil de definir, como foi mencionado
anteriormente. No entanto, a maior parte das pessoas têm uma ideia quanto ao conceito,
ainda que de uma forma geral e, nesse grupo, incluí os professores entrevistados.
A primeira conclusão retirada foi precisamente a dificuldade de delimitar o
âmbito do conceito: “Não sei se está relacionado com cidadania, mas… (…) Não sei se
terá alguma coisa a ver… Porventura, é capaz de ter (…)” (Januário, Apêndice F, pp.
126-127); “Portanto não tem propriamente assim a ver com cidadania, propriamente,
mas enfim…” (Ana, Apêndice G, p. 131).
3.3.3.1. Definição de cidadania
Considerei importante saber qual a definição que cada um tinha de cidadania,
uma vez que estavam a desenvolver competências nesse âmbito com os seus alunos. Se
perguntasse directamente, corria o risco de melindrar os participantes, então resolvi
fazê-lo como uma espécie de jogo, em que tinham que referir as três palavras
relacionadas com cidadania. Foi curioso constatar que foram todas diferentes:
Educação, disciplina e solidariedade para o Januário (Apêndice F, pp. 126-127); Direito,
dever e respeito para a Ana (Apêndice G, p. 131); Participação, democracia e
responsabilidade para o Fernão (Fernão, Apêndice H, p. 136).
No entanto, verifiquei que os participantes se referiram mais vezes ao conceito,
nomeadamente quando referem as metodologias/estratégias/actividades/recursos,
quando justificaram a importância da disciplina de História na promoção de cidadania e
quando seleccionam conteúdos. Assim, cruzei os dados com o Quadro 6, Quadro 7 e
Quadro 8, de modo a completar as definições, conforme mostra o Quadro 9 (a negrito e
sombreado estão as palavras mencionadas no jogo).
98
Quadro 9 – Definição de cidadania para os professores participantes Palavras relacionadas com cidadania Januário Ana Fernão
- Educação X
- Disciplina X
- Solidariedade X X X
- Direito X X X
- Dever X X X
- Respeito X X X
- Participação X X X - Democracia X X X - Responsabilidade X - Sociedade X X X
- Património X X
- Valores X X
- Conhecimento e compreensão do mundo / pertença X X X
Com o quadro mais completo, é possível verificar que os conceitos de cidadania
dos três professores se aproximam em vários aspectos. Assim, arriscando uma definição
comum, cidadania pressupõe a participação numa sociedade democrática, organizada
segundo direitos e deveres, onde haja respeito e solidariedade, sociedade essa que
pertence ao mundo.
Na tentativa de confirmar se havia coerência entre o que disseram e o que
faziam, ou seja, entre a teoria e a prática, fui verificar se as
metodologia/estratégias/actividades (Quadro 6) desenvolvidas iam ao encontro das
palavras proferidas, tendo concluído haver correspondência.
3.3.3.2. Competências transversais / disciplina autónoma
Que as competências para a cidadania devem ser assumidas como uma
responsabilidade da escola, parece ser um facto pacífico. O modo como deve ser feito,
essa é uma questão antiga, que divide opiniões e não está resolvida, conforme
mencionado no Capítulo 1.
99
Confrontados com a pergunta se as competências de cidadania devem ser
competências transversais no currículo ou constituir uma disciplina autónoma, as
respostas dos professores participantes foram consensuais. Todos afirmaram que as
competências devem continuar transversais no currículo: “Eu acho, eu considero que
devem ser transversais no currículo” (Januário, Apêndice F, p. 127); “Vejo toda a
vantagem que seja transversal” (Ana, Apêndice G, pp. 131-132); “A cidadania é sempre
transversal e será sempre transversal. (…) Deve continuar transversal” (Fernão,
Apêndice H, pp. 137-138).
Quanto às razões apontadas, o Januário e a Ana consideram que deverá ser um
trabalho de grupo a desenvolvê-las, porque “é uma forma de fazer com que os
professores trabalhem em equipa que é muito importante. . . . Se um professor não se
isolar e trabalhar com outros colegas, de certeza que vai aprender muito . . . e os
projectos ficam muito mais ricos” (Januário, Apêndice F, p. 127), “porque obriga, se
calhar, também todos os professores a reflectir (…) num aspecto que é muito simples,
em que estamos a formar jovens e, portanto não tem que ser deixado ao professor de
História. (...) Tem que ser uma tarefa de todos nós” (Ana, Apêndice G, p. 131-132). O
Fernão encara a transversalidade como um factor intrínseco ao próprio “professor, (…)
mesmo que quisesse, dificilmente se demitia disso.” (Fernão, Apêndice H, p. 137-138).
Em comum, pode-se também salientar o facto de todos se referirem à Formação
Cívica, ainda que não houvesse nenhuma pergunta nesse sentido, não a encarando de
forma positiva. O Januário afirmou “eu vejo-a de uma forma muito negativa, (…)
porque ela é usada pelos directores de turma (…) para desenvolverem actividades
burocráticas” (Januário, Apêndice F, p. 126), opinião que a Ana secunda, “a Formação
Cívica, muitas vezes, é usada para aspectos puramente burocráticos” (Ana, Apêndice G,
pp. 131-132). Já o Fernão tem uma ideia diferente, quanto “à formação cívica, mas fico
com a sensação que até dá a formação para a cidadania. Será, mas acaba por ser mais o
ensinar pouco mais do que o deves comer com a mão direita, . . . resolver os problemas
disciplinares” (Fernão, Apêndice H, pp.137-138).
Talvez se possa concluir que, embora os professores reconheçam que a área
curricular não disciplinar de Formação Cívica não é sinónimo de educação para a
cidadania, identificaram-na como tal quando há uma referência a uma disciplina
autónoma no momento da entrevista (pergunta nº 8, Apêndice E, p. 121). Assim, o
100
Januário e a Ana, que diagnosticaram mais aspectos negativos, foram mais peremptórios
ao optarem pelas competências transversais. Já o Fernão mantém uma atitude mais
aberta,
veria com bons olhos a integração de alguns conteúdos que tivessem directamente a ver, por exemplo, com o funcionamento do regime democrático. Acho isso, esses conteúdos deveriam ser dados obrigatoriamente. (…) Se não fosse em Formação Cívica, que fosse, tudo bem, em História . . . em alguma disciplina (…). Da mesma forma que há, por vezes a questão da sexualidade (…) (Fernão, Apêndice H, pp. 137-138).
Por outro lado, a Ana sente a falta de um referencial, quando afirma
eu penso que cada escola no seu meio, no seu contexto, tem que saber definir estas linhas gerais a serem tratadas pelos docentes que leccionam Formação Cívica (…). Eu penso que deve ser uma coisa a nível de contexto, a nível local, ao nível da escola (Ana, Apêndice G, pp. 131-132).
Assim, para estes docentes, parece não haver dúvidas quanto à manutenção das
competências para a cidadania transversais no currículo, mas o assunto não fica
esgotado.
3.3.4. Percurso profissional
Nesta categoria estabeleci como objectivo compreender em que medida o
percurso profissional dos professores influenciava o desenvolvimento de competências
de cidadania nos alunos. No entanto, os resultados obtidos foram vagos e dispersos, não
permitindo tirar conclusões concretas. Assim, apenas me debrucei nos dados que
permitiram completar a identificação dos participantes, e fiz referência aqueles que
serviram para validar outros .
3.3.4.1. Formação
Os dados analisados foram integrados na caracterização dos participantes.
3.3.4.2. Percurso profissional / influência na promoção de cidadania
101
O Januário salienta a importância de seguir regras ao longo da sua vida,
afirmando “Eu nunca consegui atingir os meus objectivos (…) sem seguir regras. Tentei
sempre estudar, porque me disseram que estudar era bom (…) para mim. . . . Hoje tento
transmitir a mesma coisa aos meus alunos” (Januário, Apêndice F, p. 127). Esta é
provavelmente a razão que o levou a escolher Educação e disciplina para definir
cidadania (Quadro 9).
A Ana destaca o papel dos
professores, mas também o nosso papel enquanto formadores (… ) na transmissão de valores, quer seja numa visita de estudo (…) que não podem agredir os colegas, que têm que se respeitar uns aos outros, não podem deitar o lixo no chão, que têm que respeitar o sítio onde visitam, as pessoas com quem falam (…) mesmo dentro do espaço escolar, o facto de nós todos apelarmos a que eles sejam civicamente. . . competentes e que respeitem regras e que respeitem os outros (Ana, Apêndice G, p. 132).
Talvez esta importância atribuída às regras e ao respeito justifique a selecção dos
vocábulos direito, dever e respeito, como representativos de cidadania (Quadro 9).
O Fernão assumiu que o percurso profissional “sim, ajudou-me imenso. (…) Eu
dava Recorrente Nocturno (…). O facto de ter sido trabalhador-estudante ajudou-me
imenso a percebê-los”. Para além disso, acrescentou que vai “aprendendo a estar com os
alunos . . . e dessa forma posso (…) ensinar-lhes melhor” (Fernão, Apêndice H, pp. 138-
139). Esta atitude pode explicar a eleição da participação e responsabilidade na
tentativa de definir cidadania (Quadro 9).
Parece-me que, ainda que não seja de modo directo/explícito, o que cada um dos
professores destacou no seu percurso profissional se reflectiu no modo como definem
cidadania, logo há influências a esse nível.
3.3.5. Percurso pessoal
Nesta categoria estabeleci um objectivo semelhante à categoria anterior, embora
considerando os aspectos pessoais. Assim, pretendi compreender em que medida o
percurso pessoal dos professores contribuía para o desenvolvimento de competências de
cidadania nos alunos. Os resultados obtidos foram igualmente pouco conclusivos.
102
Assim, apenas me debrucei nos dados que permitiram completar a identificação dos
participantes, e fiz referência ao que me pareceu claro e directo nas respostas.
3.3.5.1. Áreas de interesse
Os dados analisados foram integrados na caracterização dos participantes.
3.3.5.2. Percurso pessoal / influência na promoção de cidadania
O Januário não identifica nada na sua vida pessoal que tenha influência no modo
como desenvolve competências de cidadania nos seus alunos. “Eu acho que o facto de
ter uma vida familiar estável . . . a chamada família tradicional… não me dá mais
capacidades para eu poder transmitir aos meus alunos as competências de cidadania.
Acho que conseguiria fazer isso na mesma (…)”(Januário, Apêndice F, p.128).
A Ana, pelo contrário, considera que “tu transmites enquanto pessoa, . . . tu
transmites valores aos teus alunos. . . . Valores de cidadania, (…) muito do que nós
fazemos, muitas vezes até inconscientemente, apelam à nossa consciência (…)” (Ana,
Apêndice G, p. 132). Deixando bem clara a sua ideia, dizendo que
no fundo nós carregamos todas as nossas experiências e quando as carregamos também as transmitimos, (…) a nossa maneira de ser, a nossa maneira de estar . . . e acaba por se reflectir em tudo o que tu fazes, acho eu (…) (Ana, Apêndice G, p. 132).
O Fernão concorda com a Ana, sendo explícito quanto à questão de ter vida
familiar, “tira-me algum tempo, implica que eu não faça tantas visitas de estudo como
gostaria . . . são momentos importantes na relação com a turma. . . . Não tenho
disponibilidade para ser professor e ao mesmo tempo ir fora do concelho [fazer
formação]”. E acrescenta “ter uma filha . . . ajudou-me a perceber como é que é o ser
humano”. E, no que diz respeito à “disciplina de História, a nossa forma pessoal de ver
o mundo está sempre presente. . . . Se for um professor racista a falar do Hitler (…)
103
tentará suavizar a coisa. . . Então em termos de História, (…) por mais que tentemos não
levar a água ao nosso moinho…” (Fernão, Apêndice H, p. 139).
É difícil chegar a uma conclusão neste aspecto, pois não há informações para
além das respostas dos professores. Seria necessário um estudo mais aprofundado para
se poder concluir se o percurso pessoal influencia o modo como se desenvolvem
competências de cidadania nos alunos.
3.3.6. Impacto do estudo
O objectivo desta categoria era saber se, o facto de terem participado no estudo,
tinha tido algum impacto na promoção de competências de cidadania e, em caso
afirmativo, em que medida. Foi uma categoria que emergiu ao longo do estudo, partindo
das conversas informais que tive com os professores participantes.
3.3.6.1. Impacto da participação no estudo
Os três professores reconheceram que a participação no estudo não os tinha
deixado indiferentes: “Fiquei mais desperto” (Januário, Apêndice F, p. 128); “Se calhar
tive mais atenta ao nível das atitudes dos alunos” (Ana, Apêndice G, p. 132); “Senti que
devia organizar mais qualquer actividade ligada à cidadania” (Fernão, Apêndice H, p.
140).
No entanto, na prática, parece que as alterações, se existiram, foram poucas:
“Relativamente às minhas planificações, não alterei” (Ana, Apêndice G, p. 132); “Não
te sei dizer se isso interferiu directamente com a minha maneira de dar aulas. Eu penso
que não, não alterei” (Fernão, Apêndice H, p. 140). Talvez o Januário tenha feito
alguma experiência que lhe permitiu constatar que “são assuntos, normalmente, que os
alunos também estão despertos para eles, não é? E são aulas em que eles participam
com muito mais (…) gosto, a discutir assuntos do dia-a-dia e dão a sua opinião”
(Januário, Apêndice F, p. 128).
104
Portanto, houve algum impacto a nível de sensibilização dos participantes,
embora sem consequências na prática, pelo menos no período que mediou o convite
para o estudo e a última entrevista, ou seja, do final do Verão de 2007 até Abril de 2008.
Capítulo 4. Reflexões finais
4.1. Conclusões do estudo
A questão que esteve na origem desta dissertação foi saber como são
desenvolvidas as competências de cidadania na disciplina de História por três
professores do 3º Ciclo do Ensino Básico do concelho de Odemira. Assim, foram
traçados três objectivos, à luz dos quais sistematizei e resumi as conclusões deste
estudo.
Objectivo 1. Conhecer as concepções pedagógicas de três professores de História
sobre o carácter formativo do currículo de História do 3º Ciclo do Ensino Básico
em relação à cidadania.
Os três professores são unânimes quanto ao facto da disciplina de História ser a
mais importante do currículo para o desenvolvimento de competências de cidadania
com os alunos. As razões são várias, sendo comum as que apontam para o
programa/currículo de História como meio promotor da integração dos alunos na
sociedade, como cidadãos participantes e interventivos. Para além disso, todos os temas
principais do programa de História têm conteúdos através dos quais os professores
promovem a cidadania. A dúvida chega através das planificações, onde a ausência quase
105
total de referências às competências de cidadania, não deixa confirmar o que se passa na
prática. Como o presente estudo teve algum impacto nos participantes, pode ser que, ao
planearem o ano lectivo que se seguiu ao estudo e ora decorre, essa lacuna tenha sido
preenchida.
Também se verifica unanimidade quanto à manutenção da transversalidade das
competências de cidadania no currículo, embora seja levantada a questão de ser
importante abordar algumas “linhas gerais” ou “conteúdos” com os alunos.
Relativamente ao conceito que estes docentes têm de cidadania, a partir das
palavras e expressões que os professores referiram em comum, arrisquei uma definição:
cidadania pressupõe a participação numa sociedade democrática, organizada na
observância de direitos e deveres, onde haja respeito e solidariedade, sociedade essa que
pertence ao mundo.
Objectivo 2. Identificar as metodologias, as estratégias, as actividades e os recursos
utilizados pelos professores na promoção de competências para a cidadania.
No desenvolvimento das competências de cidadania com os seus alunos, os três
professores que participaram neste estudo utilizam múltiplas metodologias, estratégias,
actividades e/ou recursos, que não denunciam a região carenciada e isolada em que as
escolas se localizam. Pressupõe-se que a dinamização das aulas é rica e variada. Longe
de se limitarem ao uso do manual, estabelecem paralelos entre as épocas históricas
estudadas e a actualidade, fazendo comparações, partilhando experiências entre os
alunos, tirando partido do multiculturalismo da região, promovendo trabalhos de
pesquisa, visionando filmes, recorrendo às novas tecnologias. Deste modo, transmitem a
ideia que estes professores estão preocupados com que as aprendizagens sejam
significativas para os alunos, distanciando-se do modelo tradicional, baseado na aula
expositiva. As visitas de estudo interdisciplinares, a realização de colóquios e
exposições podem confirmar essa ideia.
Entre os treze itens mencionados, saliento os debates, uma vez os três docentes
os promovem, sendo variadas (onze) as temáticas que lhes servem de suporte. Para além
disso, um dos participantes, o Januário, vai ao pormenor de referir o modo como se
realizam, deixando explícito que se mantém de parte, deixando à turma a
106
responsabilidade da organização. Assim, o funcionamento estará próximo de um
parlamento, sede da democracia, logo permite vivências essenciais para um cidadão.
Estas experiências são igualmente desenvolvidas pelos projectos O Parlamento dos
Jovens e A Assembleia e a Escola, actividades não curriculares, nas quais há um
envolvimento com a comunidade.
Objectivo 3. Relacionar o percurso profissional e pessoal dos professores com o
desenvolvimento de competências de cidadania nos seus alunos.
Este objectivo foi o que obteve respostas mais vagas e dispersas. Os dados
recolhidos não permitem tirar conclusões, uma vez que se baseiam apenas nas palavras
dos entrevistados, as quais não concorrem num mesmo sentido. Assim, não é possível
saber se o percurso profissional e pessoal influencia o desenvolvimento de
competências de cidadania. Para obter resultados válidos neste âmbito, será necessário
conceber um outro estudo.
A concluir o estudo relembrei-me do que escrevi no Capítulo 1: “E qual a
sensação que se experimenta ao agarrar a areia? Parece fácil, ali mesmo ao pé, à
discrição. Conseguimos tê-la na mão, mas se não se tiver cuidado, escorrega por entre
os dedos. Também a cidadania se esvai, se não estivermos atentos” (p.11).
4.2. Limitações do estudo
O facto de não ser possível observar algumas aulas dos professores que
participaram neste estudo, nomeadamente naquelas onde as metodologias e estratégias
referidas fossem postas em prática, ou mesmo seguir o desenvolvimento de uma
actividade, desde da concepção até à realização foi uma das limitações que este estudo
teve. No entanto, as contingências da actual situação vivida no país, consequentes da
implementação do novo processo de avaliação dos professores, assim o determinaram.
Outra limitação foi a escolha dos participantes, que não obedeceu a nenhum
critério aleatório, sobretudo no caso do Januário, por se tratar de um antigo colega com
o qual leccionei vários anos na mesma escola onde ainda está. No entanto, considero
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que foi mantida a objectividade desejada, para além do facto da escola ser outra, uma
vez que os alunos são outros, a maioria dos professores mudaram, bem como o órgão de
gestão, factores que asseguram um ambiente diferente. Quanto aos outros colegas, não
se coloca o mesmo problema, uma vez que o conhecimento resumia-se a saber que
existiam.
O facto de optar por um estudo de caso, condiciona à partida as generalizações,
tendo que haver muito cuidado com as comparações, apenas sendo possível em
enquadramentos semelhantes.
4.3. Problemas em aberto e futuras investigações
A cidadania, conceito cujos contornos são difíceis de determinar, logo, por
definição, será sempre um problema em aberto, um convite a acrescentar algo mais,
melhor e/ou diferente. Mas, porque não tentar construir um instrumento que ajude a
medir a cidadania nas escolas? Uma espécie de barómetro, que auxilie as próprias
escolas a saber se estão a caminhar no sentido de promover competências de cidadania
nos alunos e demais comunidade escolar. E, para além disso, que também permita
comparar-nos com outros países europeus. Enfim, algo que ajude a situar para melhorar
a acção, no sentido de construir uma sociedade mais agradável para todos.
4.4. Uma reflexão pessoal
Realizar esta dissertação representou um desafio a vários níveis, nomeadamente
enfrentar uma série de conceitos que supostamente todos os professores dominam,
mas… como disse Maria do Céu Roldão (1999) acerca do currículo “até porque se
pressupõe que todos sabemos muito bem o que é” (p. 23). É doloroso analisar e reflectir
sobre a nossa própria prática lectiva, tomando consciência quão melhor se poderia ter
feito se se soubesse mais, se se conhecessem os verdadeiros propositos de , se… e estar
ainda mais consciente de que se vai partir para o terreno fazer novas asneiras, ainda que
fundamentadas… cheia de boas intenções, tentando sempre melhorar.
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Passar a ser um investigador qualitativo é como aprender a desempenhar qualquer outro papel na sociedade. . . . Não só é preciso aprender os aspectos técnicos da forma como deve proceder, como também é preciso sentir que esse papel é autêntico e se ajusta a si (Bogdan & Biklen, 1994, p. 122).
À medida que ia fazendo as leituras necessárias para fundamentar a temática da
dissertação, fui “redescobrindo a pólvora”. Curioso, afinal, grande parte dos meus
raciocínios já tinham passado pelos neurónios de alguém. Não nego um certo
sentimento de frustração, largamente suplantado pelo consolo de não estar só, não ser
“E.T.”. (Des)agradável foi também a sensação de ler que vários autores previam grande
parte dos “males” de que poderia padecer o sistema educativo português, após a entrada
em vigor da Gestão Flexível do Currículo. Se essa previsão estava feita, porque razão
não evitaram esses (chamemos-lhes) deslizes? Conversando com um amigo acerca disso
mesmo, ele respondeu-me que há males que estão no sistema e nada se pode fazer para
evitá-los. Pergunto-me se terá mesmo de ser assim, pois penso, talvez um pouco
ingenuamente, que se a comunicação melhorasse entre quem “inventa”/”imagina” as
reformas educativas e quem as implementa no terreno, muitos desses “erros”
possivelmente desapareceriam.
O Mestrado colocou-se numa posição nova. Por um lado tive acesso a quem
estuda e pensa as reformas educativas e/ou relê/revê legislação, portanto mais próximo
do centro de decisão; por outro lado, mantive-me com ligação directa aos intervenientes
no processo educativo, alunos, professores, órgãos de gestão, auxiliares da acção
educativa e encarregados de educação. Neste posicionamento privilegiado, mas
doloroso, atrevo-me a dizer que, com excepção dos pessimistas e descrentes, me parece
que há um empenho colectivo em melhorar a Educação em Portugal. Mas, muitas vezes
do terreno, não se vislumbra o porquê de determinada medida que vai alterar uma série
de procedimentos, já confortavelmente mecanizados. Mudar, até pode ser, mas sabendo
porquê, ajuda muito a justificar todo o trabalho acrescido.
Partilho o voto optimista de Maria do Céu Roldão (1999) quando diz
se um grupo de professores pensar em criar uma escola tal como julga que seria melhor, talvez descubra processos organizativos expeditos e eficientes que não são catastróficos, podem ser económicos e vantajosos, e contudo talvez rompam com a estrutura escolar a que nos habituámos (p. 28).
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Espero que este estudo seja mais um incentivo para que os professores se
interessem pela promoção de competências de cidadania nas escolas, fazendo um apelo
em particular aos professores de História.
Ser empreendedor é realizar os sonhos, mesmo que haja riscos. É enfrentar os problemas, mesmo não tendo forças. É caminha por lugares desconhecidos, mesmo sem bússola. É tomar atitudes que ninguém tomou. É ter a consciência de que quem vence sem obstáculos triunfa sem glória. É não esperar uma herança, mas construir uma história. (Cury, 2007, p. 106).