Post on 31-Dec-2020
Cidade Competitiva: a experiência das Operações Urbanas Consorciadas em Fortaleza (CE)
Resumo: Este artigo trata da utilização das Operações Urbanas Consorciadas, instrumento
urbanístico regulamentado pelo Estatuto da Cidade e tem como estudo de caso a cidade de
Fortaleza. A partir de um levantamento exploratório entre as capitais brasileiras, Fortaleza se destaca
por possuir sete Operações Urbanas Consorciadas aprovadas. Diante desses dados, o presente
artigo tem por objetivo avaliar a performance dessas operações em Fortaleza, tendo como técnica de
análise a divisão em fases de implantação das Operações no intuito de realçar as dimensões
urbanística, econômica e social. As conclusões apontam para a limitação do instrumento, estando
seu uso mais associado a alterações de parâmetros urbanísticos em projetos específicos, o que não
os caracteriza como Operação Urbana Consorciada de fato. Por outro lado, o Programa Fortaleza
Competitiva recentemente implantado pela Prefeitura, traz indícios de inovações na forma de uso do
instrumento urbanístico e pode devolver à municipalidade o protagonismo na sua utilização.
Palavras-chave: Instrumentos Urbanísticos. Mercado Imobiliário. Operações Urbanas Consorciadas.
Parcerias Público-Privadas. Planejamento Urbano.
Competitive City: the experience of using the Consortium Urban Operations in Fortaleza (CE)
Abstract: This article approach the use of Consortium Urban Operations, an instrument regulated by
the "Estatuto da Cidade", having as a case study the city of Fortaleza. Based on an overview of
interventions in Brazilian's capital, Fortaleza stands out for having seven Consortium Urban
Operations approved. In that way, this article aims to evaluate the performance of these operations in
the city of Fortaleza, with the method of dividing in phases the implementation of the seven Operations
in order to highlight the urban, economic and social dimensions. The conclusions leads to the
limitation of the instrument, mostly used associated with changes in urban parameters for specific
projects, which, in fact, does not characterize them as a Consortium Urban Operation. On the other
hand, the Fortaleza Competitiva's Program recently implemented by the City Hall, shows signs of
innovations and can give back the municipality the protagonism in the use of the instrument.
Key-words: Urban Instruments. Real Estate Market. Consortium Urban Operations. Public-private
Partnerships. Urban Planning.
Introdução Regulamentada pelo Estatuto da Cidade, em 2001, a Operação Urbana Consorciada
(OUC) é atualmente um dos principais instrumentos que viabiliza arranjos público-privados
para intervenções urbanas no Brasil. As experiências internacionais dos anos 1970 e 1980,
evidenciando soluções para grandes intervenções em áreas urbanas a serem requalificadas,
deram respaldo para o instrumento que passou a ter um uso mais frequente a partir da
década de 1990 quando o discurso da gestão empreendedora e do marketing urbano
passaram a ser adotados num contexto de liberalismo financeiro.
O instrumento, em teoria, busca equilibrar os benefícios públicos e privados na
implantação de transformações urbanas estruturais, podendo tratar não apenas de novas
regras urbanísticas, mas de toda uma reconstrução do tecido urbanístico, econômico e
social de um setor específico da cidade.
Em meados de 2007, diante do crescimento econômico do País e da maior
disponibilidade de linhas de financiamento, o mercado imobiliário esteve fortemente
aquecido e as OUCs também se tornaram mais recorrentes, pois, no impulso do boom
imobiliário, foram alavancadas as intervenções que antes estavam adormecidas.
A partir de um quadro exploratório das OUCs no Brasil, durante o período de 2001 a
20151, buscou-se evidenciar o caso de Fortaleza que se destaca com sete operações
aprovadas por lei. Esse número ultrapassa cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, o que
traz a indagação do porquê de tantas operações urbanas realizadas. Nesse sentido, o
objetivo do artigo é contextualizar a evolução do processo de implantação das OUCs em
Fortaleza e demonstrar como ela tem sido utilizada para viabilizar projetos específicos, a
partir da avaliação do processo de implantação dessas operações ao longo dos anos, à luz
do que dispõe a regulamentação no Estatuto da Cidade.
A próxima seção traz um quadro teórico sobre parcerias público-privadas e a
ascensão do planejamento estratégico no cenário internacional e nacional, para em seguida
tratar das OUCs em Fortaleza.
A cidade como negócioA transição do sistema de acumulação fordista para acumulação flexível, iniciada
com a profunda recessão da década de 1970, impulsionou uma reestruturação econômica e
produtiva nas cidades gerando transformações nas políticas urbanas associadas às
orientações neoliberais (ABRAMO, 1995; CHESNAIS, 1996; HARVEY, 2008).
Os pilares dessa reestruturação foram a flexibilização das relações contratuais e a
desregulamentação financeira, pautadas pela globalização e inovação tecnológica. A
liberalização comercial também foi essencial para as transações de investimentos
estrangeiros diretos (IED) que saltaram nos anos de 1980 (CHESNAIS, 1996).
1 A partir de 2015 o cenário de liquidez muda drasticamente no País que sai de um crescimento de 7,5% do PIB e taxa de desemprego de 5,3% para uma queda de 3,8% do PIB e 11% de desemprego, marcando um novo momento de fuga de capitais, instabilidade política e natural paralisação de investimentos (SINGER, 2018).
A emergência da financeirização do capital (fundos de investimentos, investimentos
estrangeiros diretos, títulos da dívida pública e abertura do capital) somada a ação do
Estado através de políticas urbanas balizadas por orientações neoliberais (ALVIM;
CASTRO, 2010) foram essenciais para potencializar o setor imobiliário, abrindo novas
possibilidades de investimentos na produção do espaço.
Se passa a produzir "um novo espaço sob a forma de produto imobiliário que aponta
uma mudança na aplicação do capital-dinheiro acumulado do setor produtivo industrial em
direção ao setor imobiliário" (CARLOS, 2015, p.26). O produto imobiliário expandiu-se
através de novas atividades e de diferentes configurações. Por exemplo, no setor turístico,
com imensos complexos hoteleiros; no varejo, com os shoppings centers cada vez maiores;
nos espaços culturais, com museus que viraram ícones internacionais. As intervenções
urbanas se tornaram mais recorrentes, escoando o capital além das barreiras de cada país,
com o mercado de capital "globalizado" atuando no mercado imobiliário "globalizado".
Nesse interim, a cidade passou a ser vista como uma mercadoria em potencial e
novas políticas urbanas, como a parceria público-privada e o planejamento estratégico,
surgiram para viabilizar a “cidade-mercadoria”. Para Carlos (2015, p.26) "o capital financeiro
cria um novo ciclo de acumulação com a expansão de novas atividades, focando o espaço-
mercadoria”. Trata-se de uma migração de investimentos de setores em depreciação para
novos setores, sempre objetivando maiores oportunidades de acumulação.
A exigência por gestões mais inovadoras e eficientes, geraram uma transformação
de uma governança urbana administrativa para uma governança baseada no
empreendedorismo urbano, consolidando o modelo da parceria público-privado (HARVEY,
2005).
A parceria público-privada (PPP), entendida como forma de gestão que utiliza a
iniciativa privada para a provisão de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos,
tornou-se elemento central para as transformações urbanísticas, pois com a recessão
econômica, os governos promoveram esse novo instrumento de gestão, como forma de
captação de recursos (HARVEY, 2005).
Contudo, foi especialmente na década de 1990 que o capital privado e o poder
público consolidaram sua parceria na produção do espaço urbano. As parcerias público-
privadas se tornaram mais recorrentes, e a imagem da cidade como mercadoria, promovida
por uma gestão mais empreendedora, foi potencializada. Nesta época, se consolida a base
para o chamado planejamento estratégico2, modelo que associa o marketing urbano e a
implantação de grandes projetos urbanos em áreas degradadas.
2 O termo planejamento estratégico foi associado ao trabalho de consultoria realizado pelos catalães Jordi Borja e Castells, cujo exemplo emblemático foram as intervenções ocorridas em Barcelona (1988) por conta dos Jogos Olímpicos.
O capital imobiliário e o poder público local tornaram-se grandes parceiros nesse
processo. O primeiro foi capaz de criar localizações privilegiadas e induzir a demanda por
intermédio da oferta. O segundo buscou a valorização positiva da imagem da cidade para a
captação de investimentos externos destinados ao desenvolvimento da economia urbana.
Juntos, adotaram o planejamento de mercado e introduziram as técnicas de marketing
urbano (VARGAS; CASTILHO, 2015).
O planejamento estratégico, em seu discurso, se estrutura na analogia que a "cidade
é uma mercadoria" (VAINER, 2013, p.77), tendo no marketing urbano um eixo determinante
para a gestão urbana. Vainer (2013) critica a visão de cidade-mercadoria, visto que o
consumidor de tal mercadoria não é o morador da cidade, mas sim o consumidor global,
enaltecendo a venda de atributos valorizados pelo capital transnacional. Transformada em
coisa a ser vendida e comprada, tal como se constrói o discurso do planejamento
estratégico, a cidade não é apenas uma mercadoria, mas também, e sobretudo, uma
mercadoria de luxo, destinada a um grupo de elite de potenciais compradores: capital
internacional, visitante e usuários solváveis" (VAINER, 2013, p.83).
No Brasil, foi na década de 1990 que grandes projetos urbanos pontuais foram
desenvolvidos, tanto para a renovação de áreas centrais, como em Salvador e Recife, como
para projetos de renovação de áreas industriais e portuárias em decadência, se
caracterizando com um forte marketing urbano voltado ao turismo, proporcionado pelo poder
público (MUNIZ, 2012).
Já as parcerias público-privadas iriam se sobressair no contexto das Operações
Urbanas Consorciadas, sobretudo a partir da regulamentação do instrumento pelo Estatuto
da Cidade, Lei Federal 10.257 de 2001 que em seu artigo 32 define:
[...] o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental (BRASIL, 2001).
Dentre as medidas que o poder público pode propor com a operação, o Estatuto da
Cidade, no seu artigo 32, oferece três: (i) a modificação de parâmetros urbanísticos; (ii) a
regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a
legislação vigente; e (iii) a concessão de incentivos a operações urbanas que utilizam
tecnologias visando a redução de impactos ambientais.
Estas intervenções urbanas são coordenadas pelo poder público e seguem um
marco regulatório próprio, com parâmetros de uso e ocupação distintos do resto da cidade.
Trata-se da “reconstrução do tecido urbanístico/econômico/social de um setor específico da
cidade, apontado pelo Plano Diretor” (BRASIL, 2002, p. 81).
Apesar de ser um instrumento que traz possibilidades positivas, a sua eficácia na
prática é bastante discutida. Dentre as críticas concernentes ao instrumento estão as
questões de gentrificação (FIX, 2000; ARANTES, 2013, 2012, 2014); os desequilíbrios
financeiros, que acabam por onerar o poder público, associados à pouca eficácia na
recuperação da mais-valia (FIX, 2000; MONTANDON, 2009); a questionável função social
das contrapartidas, as quais possuem ênfase em obras viárias (MARICATO; FERREIRA,
2002); a falta de integração com o planejamento da cidade (MONTEIRO, 2014); e a extrema
vinculação com a flexibilização de parâmetros urbanísticos (COTA, 2010; MONTEIRO,
2014).
Em levantamento realizado a partir da consulta ao Sistema de Solicitação de
Informação (SIC) junto às prefeituras3 foi possível construir um quadro geral e exploratório
da distribuição das Operações Urbanas Consorciadas nas capitais brasileiras, tomando-se
como recorte temporal, os anos de 2001 a 2015, conforme mostra a tabela 1.
Tabela 1 - Operações Urbanas Consorciadas em capitais brasileiras com leis aprovadas entre
2001 (marco regulatório do Estatuto da Cidade) e 2015.
Capital Nome da OUC Número da lei Ano da leiSão Paulo OUC Água Espraiada 13.260 2001Fortaleza OUC Dunas do Cocó 8.915 2004São Paulo OUC Faria Lima 13.769 2004Fortaleza OUC Jockey Club 9.333 2007
Campo Grande OUC do Polo Sul 4.800 2009Campo Grande OUC da Praças das Águas 4.795 2009
Porto Alegre OUC Lomba do pinheiro 630 2009Rio de Janeiro OUC Porto Maravilha 101 2009
Campo Grande OUC nas Regiões Urbanas do Lagoa, Anhanduizinho e Bandeira 156 2010
Recife OUC Joana Bezerra 17.645 2010
Campo Grande OUC nas Regiões Urbanas do Lagoa, Imbirussu e Segredo 181 2011
Curitiba OUC Linha verde 13.909 2011Fortaleza OUC Lagoa Papicu 9.857 2011Fortaleza OUC Sítio Tunga 9.778 2011São Paulo OUC Água Branca 15.893 2013
Rio de Janeiro OUC Parque Natural Municipal Barra da Tijuca 133 2013
Fortaleza OUC Osório de Paiva 10.403 2015Fortaleza OUC Lagoa do Sapiranga 10.404 2015
Fonte: Elaboração própria
A tabela aponta para um aumento expressivo de OUC a partir de 2007,
possivelmente relacionado com o boom imobiliário no Brasil vivenciado durante o Governo
3 As cidades de Aracaju, Belém, Cuiabá, Florianópolis, Goiânia, Palmas e Rio de Janeiro não responderam ao Sistema de Solicitação de Informação (SIC). No entanto, foram contabilizadas as OUCs na cidade do Rio de Janeiro a partir de consultas a material bibliográfico.
Lula, devido ao aporte de investimentos através do Plano de Aceleração do Crescimento.
Entre os anos de 2009 e 2011, foram aprovadas dez OUC, das dezoito existentes, ou seja,
em três anos, o número de aprovações aumentou em mais da metade em relação aos anos
anteriores. O resultado de maior relevância deste levantamento foi o destaque de Fortaleza
na quantidade de operações realizadas e em estudo: a capital cearense foi a que mais fez
uso desse instrumento, o que passaremos a discutir a seguir.
As Operações Urbanas em Fortaleza
Embora o termo OUC já fosse mencionado pelo Plano Diretor de 1992, apenas em
2009, já no âmbito do Plano Diretor Participativo de Fortaleza (PDP-For) é que o seu uso
estaria associado ao que preconiza o Estatuto da Cidade. São ao todo, sete OUC aprovadas
por lei (figura 1). Dessas sete, tem-se três operações finalizadas, ou seja, que estão com
suas contrapartidas entregues, três operações em andamento e uma operação sob agravo
de instrumento4.
4 Trata-se da OUC Dunas do Cocó. Ela é uma das maiores, correspondendo a quase 400 hectares de terras localizadas à margem do rio Cocó, importante recurso hídrico de Fortaleza. A OUC ainda não foi implementada, embora seu projeto de lei tenha sido aprovado em 2004, e por isso, não será abordada neste artigo.
Figura 1 - Localização das OUCs com a sobreposição do zoneamento de Fortaleza.
Fonte: Elaboração própria
No bojo geral das OUCs em Fortaleza, o primeiro ponto a destacar nas aqui
denominadas de OUC - Fase 1 (OUC Riacho Maceió, Jóquei Clube, Sítio Tunga, Lagoa do
Papicu), é o caráter pontual da intervenção, sendo exclusiva (e beneficiária) para apenas um
proprietário, ou seja, o dono da gleba ou terreno. Como consequência, essas primeiras OUC
possuem dimensões territoriais pequenas, menores que 25ha (tabela 2).
Tabela 2 - Operações Urbanas Consorciadas, finalizadas e em andamento em, Fortaleza.
Nome da OUC Lei N° / Ano Área (m2) StatusO
UC
s - F
ase
1
OUC Riacho Maceió Lei Nº 8.503/2000 33.241 Finalizada
OUC Jóquei Club Lei Nº 9.333/2007 232.015 Finalizada
OUC Lagoa Papicu Lei Nº 9.857/2011 203.869 Finalizada
OUC Sítio Tunga Lei Nº 9.778/2011 262.398 Em implantação
OU
Cs
- Fas
e 2 OUC Osório de Paiva Lei Nº10.403/2015 1.700.000 (aprox.) Em implantação
OUC Lagoa do
SapirangaLei Nº10.404/2015 860.000 (aprox.) Em implantação
Fonte: Elaboração própria
A OUC Riacho Maceió (figura 2) teve sua lei aprovada em 2000, mas somente em
2010 que foi iniciada sua implantação. Esta OUC se localiza em uma das áreas mais
valorizadas pelo mercado imobiliário, a avenida Beira-Mar, onde está localizada a foz do
riacho Maceió. A operação partiu da iniciativa privada e consistiu, por parte da Prefeitura,
na alteração de parâmetros urbanísticos, alterando o índice de 0.6 para 4.0, na diminuição
da área de preservação ambiental e na exclusão da área de recuperação ambiental. A
contrapartida da iniciativa privada foi a construção de um parque (inaugurado em 2014) e a
recuperação da foz do riacho Maceió, além de indenizar as famílias que habitavam
ocupações irregulares na área. Os empreendimentos imobiliários previstos (uso multifamiliar
e hoteleiro) ainda não foram implantados.
Para essa OUC, resta claro a valorização da dimensão urbanística e econômica, em
detrimento da dimensão social, corroborando com Fix (2000) e Montandon (2009) quando
do alerta para os desequilíbrios financeiros. O custo para implantação do parque, publicado
em Diário Oficial do Município, em dezembro de 2000, seria de aproximadamente R$ 2,5
milhões de reais. Corrigindo esse valor conforme a inflação, para o ano de 2014, data de
inauguração do parque, o valor seria de cerca de R$ 5,6 milhões de reais. Contudo, em
matéria do jornal (O POVO, 2014) foi relatado que a empresa haveria investido cerca de R$
7 milhões para implantação do parque, que corrigido conforme inflação para 2020, equivale
a R$ 9,3 milhões.
Figura 2 - OUC Riacho Maceió, antes (2013) e depois (2016) da implantação.
Fonte: Elaboração própria
No intuito de aferir o equilíbrio dos ganhos entre as partes, pode-se fazer o seguinte
cálculo: o aumento do potencial construtivo da área de 0.6 para 4.0, possibilitou que o valor
geral de venda (VGV) no terreno aumentasse aproximadamente de R$ 73 milhões5 para R$
488 milhões. Para se conseguir esse valor de VGV sem a OUC, o empreendedor teria que
comprar mais de 6 terrenos da mesma área do atual (o terreno atual tem cerca de cerca de
10mil m2). Ou seja, infere-se, ainda que de forma superficial, que o valor da contrapartida
de R$ 9,3 milhões recebida pelo poder público, está aquém do ganhos recebidos pela
iniciativa privada. O que denota a pouca eficácia na recuperação da mais valia, alertada por
Fix (2000) e Montandon (2009).
Já OUC Jóquei Clube (figura 3), inserida no bairro Jóquei Clube, resultou em
mudanças na Lei de Uso e Ocupação do Solo para possibilitar o reparcelamento prévio do
solo em quatro "superquadras", ou seja, acima das dimensões máxima definidas por lei,
para a construção do North Shopping Jóquei e de seis torres residenciais. A contrapartida
do setor privado foi a doação de uma quadra para a construção do hospital pela
municipalidade. Próxima à OUC está localizada a ZEIS (Zona Especial de Interesse Social)
5 Valor calculado pela multiplicação da área aproximada das quadras de 10.170m2 pelo índice de 0.6 (índice anterior à OUC) por R$12.000,00 (valor do m2 estimado de venda para o apartamento que está sendo construído no local, ano de referência 2020).
do Pici, a qual não foi incluída no perímetro da OUC e também não teve contrapartida
recebida.
Figura 3 - OUC Jóquei Club, antes(2003) e depois da implantação(2016).
Fonte: Elaboração própria
A principal alteração da operação foi no parcelamento do solo, no qual o remanejo e
a desafetação das áreas possibilitaram que as doações de terras, advindas de um
parcelamento já aprovado em parte do terreno (o loteamento Parque São Cristóvam),
pudessem ser computadas na mesma quadra, a fim de compor uma quadra maior para o
bem público.
Como contrapartida, a iniciativa privada doaria mais 7.125,25 m², para, assim,
constituir a área total da quadra necessária para o hospital. "[...] A prefeitura justificou a
manobra pela economia aos cofres públicos municipais da ordem de R$ 8,5 milhões, em
razão da substituição do processo de desapropriação pela doação com o reparcelamento
viabilizados pela OUC" (ALBUQUERQUE, 2015, p. 150). Nessa OUC também se observa
que as alterações de parâmetros urbanísticos beneficiaram sobremaneira o mercado
imobiliário e a produção da cidade para usuários solváveis, como aponta Vainer (2013),
expresso pela construção dos edifícios residenciais e shopping center a despeito de uma
ZEIS que poderia ter sido contemplada visando uma contrapartida social.
A terceira OUC do que denominamos fase 1 é a Lagoa do Papicu (figura 4),
localizada em bairro homônimo. A exemplo da Joquei Clube, esta OUC também
proporcionou a implantação de um shopping center e de torres empresariais e residenciais,
mediante alteração da classificação viária. A principal contrapartida para a municipalidade
foi a manutenção e limpeza pelo período de 10 anos da Lagoa Papicu e a construção de 75
casas para os moradores que foram deslocados que acabaram sendo substituídas por valor
financeiro para desapropriação quando da celebração do convênio.
Figura 4- OUC Lagoa Papicu, antes(2003) e depois da implantação(2016).
Fonte: Elaboração própria
Se por um lado observa-se que a Operação promoveu uma transformação
significativa no entorno da lagoa que antes era um vazio urbano ocupado por uma fábrica de
cerveja desativada, dotando a área de maior integração viária e iluminação, por outro, gerou
um custo social para parte da população de baixa renda moradora do bairro, que foi
desapropriada de suas casas em função das alterações viárias. Nesse caso, a gentrificação,
a ausência da função social das contrapartidas e a ênfase em obras viárias como apontadas
por Maricato e Ferreira (2002) ficam evidentes.
A última OUC da fase 1 a ser analisada é a Sítio Tunga (figura 5), localizada em uma
área de proteção ambiental. A OUC tem o objetivo de viabilizar novos empreendimentos
privados, em contrapartida da construção de um novo parque público urbano e de melhorias
no sistema viário. A operação também prevê a permuta da área institucional, fruto do
parcelamento, por um terreno para a construção do conjunto habitacional de interesse social
Margarida Alves, no bairro Passaré, fora da área da OUC. Apesar da lei ter sido aprovada
em 2011, foi no ano de 2018 que a operação teve seu início com a execução das obras de
infraestrutura viária e do parque público.
A contrapartida de construir as habitações de interesse social (HIS), oferecida pela
iniciativa privada, fica fora da abrangência da operação, em uma área periférica, cerca de 8
km do Sítio Tunga. Mesmo que o Plano Diretor de Fortaleza permita operações
descontínuas, ou seja, que as contrapartidas sejam implantadas em mais de um perímetro,
a avaliação comum a esse escolha de implantar HIS em área periférica, distante do
empreendimento que se beneficia dos parâmetros da OUC, se assemelha ao que Carlos
(2015) cita como a reprodução do espaço para realização da reprodução capitalista, focando
no espaço-mercadoria e estabelecendo uma nova "ordem" que amplia a fragmentação
socioespacial da cidade.
Figura 5- OUC Sítio Tunga - À esquerda, a situação existente; à direita, a proposta.
Fonte: Elaboração própria.
Em comum a todas estas OUCs apresentadas, é que elas não se utilizam de Cepac
(Certificado de Potencial Adicional de Construção), que é a venda de potencial construtivo
associado ao título financeiro, como as operações de outros municípios a exemplo de São
Paulo e Rio de Janeiro e que revertem em benefícios sociais e de infraestrutura para a área
atingida pela OUC. Em Fortaleza, observa-se que a metodologia de definição das
contrapartidas é caso a caso, a partir de termos de convênios, e se utilizando de
instrumentos como a outorga onerosa.
Tais características específicas das OUCs em Fortaleza, nessa primeira fase, conduz
à inferência que o instrumento se desenhou de forma a se adequar ao setor imobiliário da
cidade, tanto na forma de implementação (aspecto pontual), quanto na metodologia de
negociação (a não utilização de Cepac). Neste último ponto é importante ressaltar que as
OUC em Fortaleza vão além da extrapolação de índice de aproveitamento, ou seja, também
se utilizam da flexibilização de vários outros parâmetros urbanísticos (recuos, gabaritos,
zoneamento, dimensão da quadra, etc. ), o que acaba por flexibilizar a ação do mercado
imobiliário, nos moldes da cidade mercadoria apontada por Carlos (2015).
Importante ressaltar que em Fortaleza, até o início dos anos 2000, a organização do
setor imobiliário esteve diretamente relacionada com a mobilização de capital local, por
ainda não ser atrativa ao financiamento de incorporadoras nacionais e internacionais
(RUFINO, 2012). Fortaleza apresentava, portanto, números menos expressivos de produção
imobiliária que outras capitais nacionais que se utilizavam de OUC. Ou seja, a capital
cearense não tinha um setor imobiliário com forte demanda para viabilizar operações de
grande porte, em áreas mais abrangentes da cidade.
Para essa primeira fase das OUCs, não se observou um verdadeiro alcance no
sentido de impulsionar a regeneração urbana de uma área mais abrangente da cidade e sim
um desvirtuamento do conceito original regulamentado no Estatuto da Cidade,
assemelhando-se muito mais a outros instrumentos, como as operações simplificadas6 de
Belo Horizonte e as operações concertadas de Porto Alegre7, que são mais pontuais,
focadas na flexibilização urbanística.
No que diz respeito às contrapartidas, as OUCs da fase 1 não tiveram uma
negociação pautada em aspectos objetivos para o cálculo, ou seja, eram definidas caso a
caso. Já na fase 2, as novas operações passaram a utilizar cálculos e fórmulas matemáticas
para definição do terreno virtual que deve ser pago por cada flexibilização urbanística.
Também não houveram conselhos específicos de acompanhamento da OUC, tendo seus
projetos aprovados na Comissão Permanente de Avaliação do Plano Diretor (CPPD).
Já no âmbito das Células de Negócios Urbanos da Secretaria de Urbanismo e Meio
Ambiente, foram aprovadas duas outras leis de operações: a OUC Osório de Paiva e a
OUC Lagoa da Spiranga, aqui denominadas de OUCs - Fase 2, visto que se diferenciam
das outras, já que abrangem áreas maiores da cidades, possibilitando a mais de um
empreendedor aderir à operação, embora isso de fato não tenha ocorrido.
A OUC Osório de Paiva (figura 6) é uma das mais recentes. Foi aprovada em 2015 e
está inserida em uma área frágil ambientalmente, próximo ao riacho Maranguapinho, que
também é alvo de outros projetos urbanísticos. A área em questão não é valorizada pelo
setor imobiliário, por apresentar conjuntos habitacionais de interesse social, estando
localizada entre o limite de Fortaleza e o município de Maracanaú. A iniciativa da OUC partiu
6 É um instrumento que autoriza a aplicação de parâmetros diferentes para um determinado empreendimento e em troca, exige uma contrapartida.
7 Em Porto Alegre, a Operação Concertada prevista em 1999, também funciona como forma de negociação entre o poder público e a iniciativa privada para possibilitar características especiais de uso e ocupação do solo diretamente relacionadas com os Projetos Especiais.
da rede de supermercados Atacadão, que precisava de alterações de parâmetros
urbanísticos para viabilizar um novo supermercado de grande porte na área.
A operação redefine as condições de uso do solo, onde a principal alteração
aconteceu nos terrenos lindeiros à avenida Osório de Paiva, que compõem a Zona de
Recuperação Ambiental (ZRA), os quais terão índices mais permissivos de ocupação: índice
de aproveitamento máximo foi alterado de 0.6 para 1.5 mediante outorga; a taxa de
permeabilidade diminuída de 50% para 30%; a taxa de ocupação aumentou de 33% para
50%, inclusive nos subsolos; a altura da edificação aumentou de 15m para 48m. Além disso,
a lei possibilita dimensões máximas de quadra acima de 250 m, a fim de viabilizar a
instalação de grandes equipamentos. Com tais modificações, a rede de supermercados
Atacadão pode ser viabilizado. Em contrapartida, a rede de supermercados pagou cerca de
R$ 2,6 milhões8 pela outorga onerosa pelas modificações de parâmetros urbanísticos que
estão sendo utilizados, principalmente, para a construção de um equipamento cultural para
a comunidade, cuja obra foi iniciada em março de 2018 e ainda não está concluída.
Figura 6- OUC Osório de Paiva
Fonte: Elaboração própria.
Contudo, desde que a OUC Osório de Paiva foi aprovada, em 2015, apenas um
conveniado aderiu a operação, que foi a rede de supermercados Atacadão, a mesma que
propôs para a Prefeitura a implantação da OUC. Ou seja, a operação continua a ser um
8 Valor na época da assinatura do termo de convênio em 2016. Hoje, esse valor está cerca de R$3,7 milhões, de acordo com o Fundo de Desenvolvimento Urbano de Fortaleza (FUNDURB).
instrumento utilizado para viabilizar empreendimentos específicos, no caso o Atacadão, em
função de contrapartidas.
A OUC Lagoa do Sapiranga (figura 7) também é recente, com lei aprovada em 2015,
e sua implantação ainda não foi iniciada, visto que ainda não há conveniado à OUC. A
principal diretriz é a implantação do Parque Urbano da Lagoa da Sapiranga, integrando-a ao
Sistema de Áreas Verdes do Município. A OUC está localizada na Zona de Interesse
Ambiental da Sabiaguaba e segue exatamente o mesmo perímetro dessa zona. Assim como
a área da OUC Osório de Paiva, a área no entorno da Lagoa da Sapiranga também ainda
não tem alto valor imobiliário, mas possui potencial para tanto.
Figura 7- OUC Lagoa da Sapiranga.
Fonte: Elaboração própria.
A lei define novos padrões de parcelamento, de ocupação e de uso do solo. As
quadras, em casos excepcionais, poderão ter dimensões acima de 250m, e o índice de
aproveitamento foi alterado em certas áreas de 0.5 para 1.0, mediante outorga onerosa. A
OUC também propõe mudanças na adequação do uso do solo, prevendo a implantação de
atividades mediante outorga onerosa de alteração de uso. A adequação e implantação das
atividades por classe foram delimitadas e zoneadas por setores.
Esta operação não teve nenhum conveniado até o momento. Avalia-se que por ser
tratar de uma área ambientalmente frágil, em área não valorizada pelo mercado imobiliário e
pelo fato da OUC não alterar significativamente os parâmetros urbanísticos, não tenha
gerado atratividade para a parceria privada. Restando claro que a iniciativa privada é
seletiva em relação à disposição de seu capital no ambiente construído, como bem colocado
por Carlos (2015).
Por fim, o que se pode denominar como sendo as novas Operações Urbanas
Consorciadas em Fortaleza, teve início em 2015 por meio da Secretaria de Urbanismo e
Meio Ambiente (Seuma) que lançou um edital para contratação de uma consultoria no
intuito de identificar potenciais áreas de interesse para o desenvolvimento de OUC. Em
meados de 2017, a empresa Quanta Consultoria iniciou os trabalhos com o
acompanhamento da Célula de Negócios Urbanos da Seuma e a Prefeitura lançou o
Programa Fortaleza Competitiva.
O objetivo do programa, bastante associado às premissas do planejamento
estratégico, como apontado por Vargas e Castilho (2015), é promover um ambiente
inovador, com geração de oportunidades, tendo como espinha dorsal a participação da
iniciativa privada para indução das ações de melhoria dos negócios urbanos. Entre as ações
do programa estão: programa de incentivos fiscais, regulamentação de zonas especiais de
dinamização urbanística e socioeconômica, concessões públicas e arranjos público-privados
para negócios urbanos.
Dentre os critérios públicos para seleção de áreas aptas a receberem operações
urbanas foram definidos: a mobilidade urbana, enfatizando obras de infraestrutura viária em
andamento; critérios socioambientais definidos pela localização de ZEIS e zonas
ambientais; patrimônio histórico, definido pela zonas especiais de patrimônio histórico. Além
disso, as escolhas das áreas também foram embasadas pelos programas de financiamento
com bancos de fomento internacional que estão em andamento em Fortaleza, tais como o
PROREDES (BID) e o Fortaleza Cidade Sustentável (BIRD).
Já como critérios para a iniciativa privada, a consultoria ressaltou a importância da
infraestrutura urbana nas áreas a serem escolhidas, definindo que quanto mais consolidada
a infraestrutura instalada, menor o risco do negócio para a iniciativa privada e a
dependência do poder público para finalização de obras. Outro critério foi a rentabilidade do
negócio, dando prioridade de seleção para áreas limítrofes às áreas mais valorizadas da
cidade, pois o valor da terra não é o mais alto, mas com uma localização próxima às áreas
mais valorizadas há grandes chances de gerar valores imobiliários. Por fim, o último critério
relacionado ao interesse de investimento foi o grau de efetivação dos empreendimentos,
onde foram sobrepostas informações relativas às demandas e ofertas do mercado
imobiliários sobrepostas à renda da população.
Em 2018, como resultado da consultoria, foram elencadas seis áreas prioritárias
(figura 8) para Operações Urbanas Consorciadas em Fortaleza, as quais teriam melhor se
adequado aos critérios público e privados definidos pela empresa de consultoria.
O estudo delimita, a partir das seis áreas escolhidas, um arco à oeste da cidade, que
é uma zona caracterizada por menor interesse do mercado imobiliário de alto padrão, mas
que possui grandes oportunidades e necessita de maiores investimentos públicos.
Algumas das novas OUCs definidas se enquadram claramente no modelo do
empreendedorismo urbano, como apontado por Harvey (2005), que se utiliza de áreas
ociosas e degradadas, tanto nos centros históricos quanto nas áreas portuárias, como
lembra Muniz (2012), sendo o caso da OUC Litoral Central, e antigas áreas industriais,
como é o caso da OUC Leste Oeste, com grande potencial para projetos de renovação
urbana. Os projetos de leis específicas de cada OUC já foram encaminhados para a Câmara
Municipal de Fortaleza em 2019, mas até o presente momento não foram votadas.
As áreas definidas para novas OUC incluem zonas com fragilidades sociais,
principalmente Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), demonstrando que o estudo
evoluiu em relação as operações anteriormente aprovadas, que não incluíam ZEIS ou áreas
importantes para melhorias sociais.
Figura 8 - As 06 (seis) OUCs prioritárias definidas pelo estudo da consultoria.
Fonte: Canal Urbanismo e Meio Ambiente (SEUMA).
Nesse primeiro momento, pode-se concluir que a inclusão das ZEIS nos perímetros
das OUCs é um avanço, visto que nas propostas das minutas de lei de cada OUC foi
regulamentado um valor fixo de 33% do total dos recursos arrecadados para investimentos
em habitação de interesse social e regularização fundiária.
Considerações FinaisDiante do estudo apresentado, infere-se que Fortaleza possui um histórico
importante para a avaliação da implantação das Operações Urbanas Consorciadas no
Brasil, capital que desde 1992 já possuía o instrumento regulamentado pelo Plano Diretor e,
até os dias de hoje, com o Programa Fortaleza Competitiva, vem demonstrando a forte
intenção do poder público atuar à busca de parcerias público-privadas para intervenções
urbanas.
Tendo em vista que Fortaleza é a cidade com mais Operações Urbanas
Consorciadas aprovadas por lei, vale ressaltar que, principalmente, as primeiras operações
realizadas, fase 1, demonstram que o uso do instrumento, quando comparado a outras
capitais, é mais pontual, restrito à empreendimentos específicos e com foco na flexibilização
de parâmetros urbanísticos.
Avalia-se que tais intervenções não poderiam ser denominadas operações urbanas,
strictu sensu, pois mesmo que essas operações possam ter promovido alguns benefícios
sociais, acredita-se que se distanciam do modelo regulado pelo Estatuto. Longe de seguir os
preceitos do guia de implementação do Estatuto da Cidade que preconiza intervenções de
grande escala e transformações urbanísticas estruturais, o que se observa é que a maioria
são de pequeno porte e estão relacionadas com projetos pontuais, ou seja, se adequaram à
realidade do setor imobiliário da capital cearense.
Depreende-se então, que o interesse do setor imobiliário que viabilizou as operações
iniciais sempre foi pautado na negociação de empreendedores pontuais que necessitavam
de flexibilizações urbanísticas específicas para viabilizarem seus empreendimentos, ou seja,
a aplicação do instrumento tinha alcance para um terreno, atendendo a interesses privados
de implantação de um shopping center ou a viabilidade de torres residenciais em área
ambientais, por exemplo.
É importante destacar que ao se tornarem instrumentos aplicados em terrenos com
apenas um proprietário, a OUC se torna uma ferramenta que ressalta a aproximação e
articulação entre empreendedores e o poder público. Essa aproximação é importante para a
eficácia de qualquer parceria público-privada, mas por outro lado, para manter o equilíbrio
entre os ganhos das partes, o poder público deve ter ferramentas de negociação,
principalmente para calcular o valor das contrapartidas de forma transparente e precisa.
No caso das operações em Fortaleza, denominadas de OUCs - Fase 1, entende-se
que as ferramentas de negociação do poder público não foram precisas, visto que a decisão
do valor da contrapartida não passou por cálculos financeiros regulamentados e
transparentes. Sendo assim, quando não se tem a definição da forma de cálculo das
contrapartidas, a negociação fica frágil e a aferição dos ganhos de cada parte se torna
subjetiva
Nas OUC fase 2, Osório de Paiva e Lagoa do Sapiranga, verifica-se um movimento
para ampliar socialmente o uso do instrumento, pois essas operações encontram-se em
áreas de possível valorização do setor imobiliário, mas que possuem prioridades nas
intervenções públicas posto que são carentes de infraestrutura urbana. Também são áreas
que visam um perímetro maior de abrangência, indo além de empreendimentos específicos,
mas aqui também se constata a ineficiência da operação no sentido de que a prospecção
partiu do interesse privado e de um único empreendedor, restando à municipalidade a
negociação de parâmetros urbanísticos e contrapartidas ao interesse despertado pela
iniciativa privada.
Ao que parece, o Programa Fortaleza Competitiva parece ter aprendido com as
experiências anteriores e busca promover maior equilíbrio nos ganhos públicos e privados
das intervenções a partir da seleção de áreas que atendam a ambos os interesses. As áreas
definidas pelo estudo consolidam a prática, já vivenciada desde a década de 1960 no
contexto global, de recuperar as regiões onde a reprodução do espaço urbano possibilita a
reprodução capitalista, potencializando o setor imobiliário e a cidade como mercadoria em
contrapartida de ganhos sociais.
A contratação de uma consultoria para o estudo de novas operações passa a
desenhar uma nova fase nas OUC de Fortaleza. De fato, o estudo proporciona um
arcabouço importante para definição de áreas que se de um lado são atrativas para o setor
imobiliário, de outro também definem critérios do interesse público. Ou seja, foram
delimitadas áreas que possuem atratividade para o setor imobiliário, mas que também
possuem fragilidades sociais e ambientais que podem ser requalificadas através de
contrapartidas.
São nessas novas OUC que as ZEIS passam a ser incluídas nos perímetros das
operações e um percentual de 33% dos recursos arrecadados é destinado às habitações de
interesse social. Dessa forma, é importante que as ZEIS estejam incluídas no perímetro das
OUCs para que possam receber tais investimentos, mas, por outro lado, a inserção das
ZEIS nas operações pode fragilizar os direitos das comunidades, visto o processo de
valorização imobiliária dessas áreas. Devendo, portanto, ser necessário que essas
comunidades sejam ativas nos conselhos gestores de tais OUC, para assegurar seus
direitos e os recursos advindos dessas operações.
Por fim, pode-se concluir que as OUC em Fortaleza teve seu uso bastante associado
à alterações de parâmetros urbanísticos em projetos específicos, não se caracterizando
como Operação Urbana Consorciada de fato, mas que a recente criação do Programa
Fortaleza Competitiva pode trazer avanços na forma do uso do instrumento urbanístico
possibilitando ao Município o papel de protagonista na sua utilização. Resta saber se logrará
êxito frente ao cenário de instabilidade econômica e fuga de capitais que o País atravessa.
O município parece ter aprendido com as experiências anteriores, faltam aparecer os
empreendedores interessados.
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