Post on 12-Sep-2015
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ANTONIO PAIM
LIBERDADE ACADMICA
E OPO TOTALITRIA
Um debate memorvel
Editora Artenova S.A.
Rio de Janeiro
1979
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NDICE
Introduo do prof. Antonio Paim ............................................................4
I CARTAS E NOTAS
Professora sai da PUC em protesto contra censura
num texto de Miguel Reale .......................................................................21
Diretor da PUC contesta acusaes de professora ....................................24
Reitor da PUC considera infundadas as acusaes de
censura obra filosfica ...........................................................................27
Reafirmao da profa. Anna Maria Moog .............................................24
Carta do prof. Antonio Paim.................................................................28
Reitor nega que PUC-RJ faa doutrinao marxista .................................31
II EDITORIAIS
Filosofia intolerante (Jornal do Brasil) ....................................................36
Discriminao ideolgica (O Globo) ........................................................39
Em defesa da Universidade (O Estado de So Paulo) ..............................42
Pela liberdade (Jornal do Brasil) ..............................................................45
A opo totalitria dos intelectuais (O Estado
de So Paulo) ............................................................................................47
III ARTIGOS
O declnio da liberdade acadmica. A crise no a que vem de
fora mas a que vem de dentro Aroldo Rodrigues ..................................50
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Est entre ns a guerra pelo controle da opinio - Luiz
Carlos Lisboa ............................................................................................60
Uma linguagem enredada nela mesma Luciano Zadsznajder ................64
Universidade, tolerncia e democracia Vicente Barreto ........................69
Neutralidade acadmica Luiz Alfredo Garcia-Roza ..............................76
Ensaio de caada Franklin de Oliveira ..................................................80
A apostila da PUC Olinto A. Pegoraro ..................................................87
Marxismo e liberdade acadmica Eurico de Lima Figueiredo ..............93
Ainda a liberdade acadmica Aroldo Rodrigues................................105
As regras do jogo Simon Schwartzman............................................109
PUC e liberdade acadmica Creusa Capalbo ...................................119
Lies da crise da PUC Aroldo Rodrigues .......................................125
Liberdade, processo e Academia Olinto A. Pegoraro ........................139
Democratismo autoritrio Vicente Barreto .......................................145
Universidade e pluralismo cultural Miguel Reale .............................154
As razes da crise da PUC Antonio Paim .........................................167
Os fundamentos histrico-culturais da opo totalitria no Brasil
Antonio Paim............................................................175
Ignorncia totalitria Vamireh Chacon .............................................182
Crise da PUC: descendo s razes Henrique de Lima Vaz, SJ ........188
As formas de opo totalitria no Brasil Antonio Paim ....................196
ANEXOS
I. Manifestaes de solidariedade ....................................................205
II. Segunda carta do prof. Antonio Paim ao Reitor Mac Dowel ...........221
III. O texto censurado ......................................................................224
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INTRODUO
1. Os Eventos
O Jornal do Brasil do dia 14/3/1979 publicou uma carta
da profa. Anna Maria Moog Rodrigues, endereada ao Chefe
do Departamento de Filosofia da PUC-RJ, na qual protesta
contra a censura de um texto do prof. Miguel Rale, a ser
includo numa coletnea para servir de material didtico ao
curso da disciplina Histria do Pensamento, ministrada por
cinco professores, entre os quais a autora da carta. A seleo
dos textos que integrariam a coletnea foi efetivada em comum
pelos responsveis incluindo Plato, Aristteles, Marx, Sartre
e trs pensadores brasileiros, um deles o autor censurado. A
discriminao era de responsabilidade do Chefe do
Departamento, alegando divergncias com a atuao poltica
do prof. Miguel Reale. Por considerar este ato arbitrrio e
cerceador da liberdade acadmica, a profa. Anna Maria
apresenta o seu pedido de exonerao do Corpo Docente da
PUC. Ao transcrever esta carta, o Jornal do Brasil indicou
que, assim, vinha a pblico uma crise existente naquela
Universidade, remontando-se a carta anterior de outro
professor dirigida ao Reitor e que no fora tornada pblica -,
em que manifesta sua estranheza diante da preferncia
unilateral pela metodologia marxista.
O mesmo jornal do dia seguinte insere uma carta do
Diretor do Departamento de Filosofia em que informa ter
decidido que o texto no fosse includo numa apostila oficial
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do Departamento, face ao carter polmico e controvertido das
atividades polticas do prof. Reale. Afirma ainda que no
havia convenincia do Departamento realar uma figura
controvertida nos meios universitrios, especialmente entre
alunos. Deste modo, a chefia do Departamento assumia a
responsabilidade pela censura e atribua-lhe razes polticas, o
que vinha corroborar a alegao da profa. Anna Maria Moog
Rodrigues para afastar-se do Corpo Docente da PUC.
A edio subseqente do Jornal do Brasil (16/3/1979)
transcreve nota do Reitor da PUC-RJ em que se solidariza com
o Departamento de Filosofia, considera infundadas as
acusaes da profa. Anna Maria Moog Rodrigues, ridcula a
afirmativa de existncia de crise e faz questo de reafirmar
que nem por isto a Universidade se afastar de sua misso de
despertar a responsabilidade de seus professores e alunos. A
mesma matria que contm essa nota abrange ainda carta do
prof. Antonio Paim, do mesmo departamento, igualmente
desligando-se da PUC, a declarao da profa. Anna Maria
Moog Rodrigues de que, tendo sido a censura reconhecida de
pblico, reafirma a sua discordncia com tal procedimento e
seu afastamento da instituio.
Todos os textos mencionados constam deste livro..
Nos dias subseqentes a matria ocupou posio de
destaque na imprensa. Outros professores da PUC
denunciaram o clima de discriminao ideolgica ali vigente.
Os principais jornais do pas condenaram em editorial
igualmente anexados a esta coletnea o fato da censura como
contrrio liberdade acadmica.
Na semana de 19 a 23 de maro, viu-se na PUC-RJ um
espetculo deveras assustador e que no pode ser esquecido
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porquanto revela a audcia do grupo totalitrio, estimulado
naturalmente pelo apoio que lhe emprestou o Reitor. O
espetculo em causa transcende aquela instituio e, por isto
mesmo, deu origem a toda uma meditao que este livro
pretende refletir.
O mesmo grupo do Departamento de Filosofia, ora
apresentando-se como Associao de Docentes, ora como uma
sociedade de filosofia que havia constitudo, ora como
entidades fantasmas de estudantes, lanou em campo a ttica
de distorcer os fatos, quebrar a solidariedade do Corpo
Docente, caluniar e denegrir, e, finalmente, como disseram,
mas que caberia denominar com mais propriedade de auto -de-
f medieval, quando os herticos eram queimados na
fogueira.
O chefe do Departamento de Filosofia lanou nova nota
comunidade acadmica em que no mais fala em censura ao
texto do prof. Miguel Reale nem nas razes que a
determinaram, e tenta apresentar os professores demissionrios
como achando-se a servio de objetivos escusos. No mesmo
tom se pronunciou a Associao de Docentes, para a qual o
irrelevante episdio da organizao de uma apos tila de textos
foi habilmente aproveitado para servir aos propsitos de uma
ofensiva ideolgica; sob a aparente defesa do pluralismo
filosfico, esconde-se o inconformismo com as coisas
novas... etc. etc. As notas das entidades fantasmas dos
estudantes condenavam com veemncia o afastamento de
professores, que ocorrera no passado, e enxergavam na atual
denncia conivncia com aquelas arbitrariedades.
Mobilizaram-se estudantes para interromper aulas e dar essa
verso dos acontecimentos e ainda para gritar slogans nos
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ptios. O documento da Associao de Docentes foi lido em
coro. Desceu-se a um nvel to baixo de acusaes rasteiras
que o prprio Jornal do Brasil foi acusado de ter interesses em
terrenos na periferia da PUC; correram-se abaixo-assinados
contra o projeto de fazer passar no interior da PUC uma
estrada... Os acusados tiveram naturalmente que revidar. De
sorte que o objeto mesmo da disputa ficou de fato bastante
ofuscado. Para a opinio pblica restou a impresso de que a
PUC-RJ havia coletivamente realizado o que em seguida se
denominou de opo totalitria.
Em nota aparecida nos jornais do dia 24/3, adiante
transcrita, o Reitor encampa a tese de ter-se desencadeado uma
campanha contra a PUC; no diz uma s palavra de
condenao censura. Apesar disto, fez apelo ao
desarmamento dos espritos e ao trmino dos ataques pessoais
e ressentimentos, que teve o efeito de paralisar os promotores
desses ataques dentro da Universidade. Passa ento a primeiro
plano o debate de toda a problemtica envolvida na questo.
Esta coletnea tem justamente o propsito de refleti -lo.
Antes de passar indicao das grandes linhas do
debate conviria indicar as verdadeiras razes da censura.
2. O Autor Censurado
Explicando as razes da censura, o chefe do
Departamento de Filosofia da PUC indicou que no havia
convenincia de realar uma figura controvertida nos meios
universitrios, especialmente entre alunos. E como se
incumbiu de explicitar um dos defensores da censura, o carter
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controvertido do autor censurado prender-se-ia sua condio
de ex-integralista.
Em que pese a alegao, a esquerda brasileira no est
preocupada com a condio de ex-integralistas daquelas
personalidades que se converteram sua opo totalitria,
mesmo porque toda a sua linha de frente constituda na
atualidade por antigos expoentes do sigma como Alceu
Amoroso Lima, Helder Cmara, Roland Corbisier etc. A
circunstncia explica, alis, o boicote a que foi submetido o
livro recente de Jarbas Medeiros Ideologia Autoritria no
Brasil (1930/1945), Rio de Janeiro, FGV, 1978, prefaciado por
Raimundo Faoro onde estuda o pensamento de Alceu
Amoroso Lima, ao lado de Plnio Salgado, Francisco Campos,
Oliveira Viana e Azevedo Amaral.
As restries ao prof. Miguel Reale no se vinculam ao
passado, mas ao presente.
Participando na srie de depoimentos que O Estado de
So Paulo tem organizado, o prof. Reale teve oportunidade de
indicar que o integralismo se compunha de vrias faces. A
de Plnio Salgado, dominante, era eminentemente catlica,
inspirando-se na doutrina social da Igreja, o que era
reconhecido pelos que ento a representavam. Alceu Amoroso
Lima teria oportunidade de afirmar: Se h realmente vocao
poltica, confesso que no vejo outro partido que possa, como
a Ao Integralista, satisfazer to completamente s exigncias
de uma conscincia catlica que se tenha libertado dos
preconceitos liberais.
Afora essa vertente catlica, majoritria, havia uma
segunda corrente que vinha do socialismo que se proclamava
anticapitalista e antiburguesa. Chegou a nutrir a convico de
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que a primeira fase do corporativismo que era de
participao popular e no meramente administrativo-
burocrtica, como acabaria consolidando-se na Itlia seria o
caminho apto a facultar a desejada reforma social. Nessa
vertente inseriam-se Miguel Reale, Santiago Dantas, Jeovah
Mora e diversos outros.
Havia finalmente a terceira vertente, chefiada por
Gustavo Barros, e que receberia influncia anti-semita. (O
Estado de So Paulo, 14/5/1978, pgs. 14 e 15).
De sorte quem tendo sido estudante marxista, Miguel
Reale, entre 1933 e 1937, isto , dos 23 aos 27 anos de idade,
pertenceu ao movimento integralista. Desde 1940, quando
ganhou o concurso para reger a cadeira de Filosofia do Direito
da faculdade paulista e publicou os livros Fundamentos do
Direito e Teoria do Direito e do Estado -, ocupou-se de
elaborar uma obra verdadeiramente monumental e que
granjeou o reconhecimento internacional. Organizou e dirige o
Instituto Brasileiro de Filosofia, em que coexistem todas as
tendncias filosficas existentes no Pas, inclusive a marxista.
Teoria do Direito e do Estado, publicado em 1940,
talvez o primeiro livro no Pas a defender uma concepo do
Estado de Direito a partir do pluralismo das entidades sociais,
com uma crtica de todas as formas de estatismo jurdico.
No aprofundamento dessa compreenso, nos decnios
desde ento transcorridos, Miguel Reale chegou doutrina
contempornea mais coerentemente elaborada do carter
inelutvel da pluralidade de perspectivas filosficas. Essa
doutrina afirma no s que a filosofia comporta multiplicidade
de perspectivas, e no interior destes diferentes pontos de vista,
como igualmente que no h critrios uniformes, segundo os
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quais tem lugar a escolha de uma perspectiva. Assim, a partir
mesmo do mago do que poderia se constituir numa estrutura
totalizante e totalitria o saber filosfico Miguel Reale
refuta essa possibilidade.
A filosofia de Miguel Reale batizada de forma muito
apropriada, com o nome de culturalismo afirma que so de
ndole moral os fundamentos ltimos da evoluo da cultura,
razo pela qual as civilizaes so odos de hierarquizao dos
valores. em sua Filosofia do Direito, de que acaba de sair a
stima edio, teria oportunidade de escrever: No desenrolar
do processo histrico-cultural, constituem-se determinadas
unidades polivalentes, correspondentes a ciclos axiolgicos
distintos, como que unidades histricas da espcie humana no
seu fluxo existencial, a que denominamos de civilizaes. A
histria da cultura no , pois, unilinear e progressiva, como
se tudo estivesse de antemo disposto para gerar aquele tipo de
civilizao que vivemos ou desejaramos viver, mas se
desdobra ou se objetiva atravs de mltiplos ciclos em uma
pluralidade de focos irradiantes.
Graas significao de sua obra, da atualidade e da
universalidade dos temas com que se defronta, Miguel Reale
logrou alcanar uma posio de grande prestgio no seio da
comunidade filosfica e acadmica dos pases mais cultos da
Europa e da Amrica. Desde os anos cinqenta, figura sempre
entre os principais expositores nos Congressos Internacionais
de Filosofia. No recente Congresso de Dusseldorf, Alemanha
(1978), foi um dos quatro conferencistas oficiais. Nos l timos
anos, sua Introduo ao Direito mereceu trs edies
sucessivas em lngua espanhola. A Filosofia do Direito de
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Miguel Reale, do mesmo modo que Teoria Tridimensional do
Direito acha-se traduzida em diversos pases.
O que pesou afinal na avaliao do Departamento de
Filosofia da PUC, o quinqnio da dcada de trinta que na
verdade nunca estudaram e desconhecem inteiramente ou a
elaborao posterior de Miguel Reale, denominada de
culturalismo, e qual dediquei um pequeno livro
Problemtica do Culturalismo (1977) por sinal que
publicado pelo prprio Departamento de Filosofia da PUC?
Tudo leva a crer que a oposio do Departamento ao
culturalismo. O que alis de todo compreensvel, visto que
corresponde mais cabal refutao de todo tipo de
totalitarismo e bem sucedida fundamentao da pluralidade de
perspectivas.
Alm disto, o trabalho desenvolvido pelo IBF impediu a
penetrao no Brasil da denominada filosofia da libertao,
que circula em outros pases latino-americanos, sob o bafejo
de importantes personalidades da Ordem dos Jesutas. No
Brasil, essa doutrina teve que apresentar-se como teologia da
libertao, o que restringe de muito suas possibilidades de
difuso. No mundo contemporneo, se o interesse pela
filosofia cada vez mais restrito, o que no dizer da teologia...
3. O Debate e Suas Linhas
O debate do que se convencionou chamar de crise da
PUC-RJ desenvolveu-se em diversas linhas, e esta coletnea
no se prope abrang-las em sua inteireza.
Emergiu, de modo destacado, a preocupao com a
influncia marxista em muitas Universidades e na Igreja
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catlica. Essa preocupao compreensvel, porquanto,
sabidamente minoritria, os grupos marxistas ganham uma
caixa de ressonncia muito grande com a circunstncia
indicada.
Essa preocupao refletiu-se em notas aparecidas nos
jornais, artigos, cartas de leitores etc. Expressam-na com
propriedade o editorial do Jornal da Tarde, de So Paulo, doa
dia 20/3/1979, sob o ttulo de A PUC, um dos ltimos redutos
do marxismo, e o artigo Quase inacreditvel, do prof. Jorge
Boaventura (Folha de So Paulo, 28/3/1979).
O Jornal da Tarde observa que, na Frana, o marxismo
considerado ultrapassado, enquanto na Pontifcia
Universidade Catlica do Rio de Janeiro no s continua em
moda mas instrumento para a prtica de um autntico
terrorismo cultural. O prof. Boaventura entende que os fatos
denunciados correspondem apenas ponta de um iceberg,
cuja massa extravasa o ambiente universitrio.
A questo de como enfrentar os comunistas e grupos
afins, no plano poltico, embora diga respeito plena
configurao do projeto de convivncia democrtica que
devemos conceber e implantar, no se apresenta dessa forma
para o debate acadmico suscitado pela censura ao texto do
prof. Miguel Reale. Qualquer que seja a soluo poltica do
problema cuja questo nuclear a permisso ou no da
existncia legal do Partido Comunista ao nvel da
Universidade o tema assume conotao diversa.
Assim, ainda que legtimo e de grande atualidade, o
tema poltico no se constitui no eixo do debate em curso.
Outra questo emergente diz respeito conceituao da
Universidade Catlica. O prof. Jos Artur Rios trouxe baila
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esse tema no artigo intitulado A Pontifcia Universidade
(pluralista) Catlica (Jornal do Brasil, 24/3/1979). Essa
questo, parece-nos, diz respeito exclusivamente aos catlicos
e no comunidade acadmica como um todo.
De todo o debate suscitado pela crise da PUC-RJ, esta
coletnea pretende ocupar-se apenas da liberdade acadmica e
da opo totalitria.
4. A Liberdade Acadmica
O cerne da liberdade acadmica a liberdade de
ctedra, assegurada pela Constituio e pela tradio
brasileira. Isto significa que nenhum Departamento tem o
direito de imiscuir-se na matria, que da responsabilidade
individual do professor. A Universidade pode, certamente,
divergir da orientao que determinado professor tenha
decidido imprimir disciplina de sua responsabilidade e, neste
caso, dispensar os seus servios. Mas h de faz-lo s claras.
Essa questo foi considerada de modo abrangente nos artigos
dos professores Aroldo Rodrigues e Vicente Barreto, bem
como em editoriais da imprensa includos nesta coletnea.
Alguns mestres, entre os quais o prof. Luiz Alfredo
Garcia-Roza, vieram a pblico para aventar a tese de que a
liberdade acadmica, como a definimos, ilusria porquanto
todo saber acha-se vinculado ao poder, est a servio da classe
dominante. Este texto, como os demais na mesma linha,
acham-se igualmente transcritos, com excluso apenas daquele
de autoria do Sr. Luigi Moscatelli que, em artigo publicado no
Jornal do Brasil, invocou a falsa qualidade de membro do
Corpo Docente do Departamento de Filosofia da UFRJ,
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conforme desmentido que o prof. Paulo Alcanforado, chefe
daquele Departamento, fez publicar no mesmo jornal em
5/4/1979.
O mencionado tipo de argumento insere-se no que o
prof. Miguel Reale chama de vulgata marxista. A conceituao
da cincia e das relaes que guarda com a ideologia j
arrastaram os marxistas a sucessivos debates, sem que seus
partidrios brasileiros deles se tenha beneficiado. Talvez o
principal tenha sido o que ocorreu nos anos cinqenta,
desencadeado pelo prprio Stalin, ao indicar que nem todos os
fenmenos da vida social assumem carter de classe.
Mencionou, ento, expressamente, a lngua e a tcnica. No
curso do debate a lgica formal, que tinha sido proibida na
Rssia, voltou legalidade. As simplificaes de Lysenko
inventor de uma biologia socialista foram condenadas a
esta disciplina de novo conquistou status de cincia. Os
soviticos foram muito mais longe porquanto at mesmo a
econometria e o keinesianismo passaram a ser reconhecidos
como cientficos. Por que os marxistas brasileiros no
buscaram aprofundar esse debate e logo se agarraram s teses
anarquistas, ressuscitadas nos anos sessenta, quanto ao carter
do saber? Esse desinteresse explica-se pelo fato de que o
marxismo brasileiro tem uma dinmica prpria de
desenvolvimento, caudatria da tradio positivista.
A cincia o saber dotado de universalidade, que vale
para todos. Seu modelo acabado a fsica-matemtica. A
questo que se discute a seguinte: no podendo a sociologia
ser uma cincia apoiada em modelos matemticos, capaz de
elaborar conhecimentos de validade universal? Presos
tradio positivista brasileira, certos professores nunca
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chegaram sequer a entender o que disse Max Weber. Ao
reivindicar para o socilogo a neutralidade axiolgica, Weber
no negou que a ao humana tivesse a marca do interesse.
Apenas apontou os procedimentos atravs dos quais se pode
estud-la, preservados os requisitos que se atribui cincia. A
escola weberiana fez progressos notveis em todos os pases,
inclusive no Brasil. Ignorando este fato, e supondo-se naquelas
naes totalitrias onde o pensamento de Weber proibido, os
adeptos brasileiros da vulgata marxista falam em neutralidade,
racionalidade, cincia, sem saber precisamente o contedo de
tais conceitos e supondo que todos se encontram na mesma
crassa ignorncia. Somente essa circunstncia poderia explicar
tal primarismo.
A liberdade acadmica supe que tanto ao marxismo
erudito como ao vulgar seja assegurado o direito de expressar -
se livremente, no lugar prprio, isto , no curso especfico,
onde esteja perfeitamente configurada a responsabilidade do
titular. Para aqueles que se disponham a usar dessa liberdade
com vistas ao proselitismo poltico, a Universidade dispe de
instrumentos aptos a coibir semelhante violao dos princpios
ticos a que est obrigada a comunidade docente. No caso da
PUC, embora seja quase certo que os totalitrios formem a
minoria, o incidente assumiu as propores conhecidas graas
exclusivamente conivncia do Reitor.
5. A Opo Totalitria
A crise da PUC serviu para evidenciar que, mais uma
vez, em nossa contempornea histria, os intelectuais
brasileiros facilmente se deixam empolgar pela opo
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totalitria. Quaisquer que sejam as razes de semelhante
desfecho, o debate evidenciou que existe uma grande confuso
entre totalitarismo e autoritarismo. A histria desse sculo
registra o aparecimento e a conversibilidade de regimes
autoritrios. Mas no h precedente de sistemas totalitrios
que tenham sucumbido, salvo o nazista, derrotado numa
conflagrao blica. Cabe pois novamente reafirmar que a
opo totalitria no corresponde a uma alternativa aceitvel
para o autoritarismo.
Talvez se possa dizer que a evoluo da Repblica
brasileira, nestes noventa anos de existncia, tem se dado no
sentido da plena configurao do autoritarismo, que chega a
dominar a mquina estatal em largos ciclos. certo que,
durante toda a Repblica Velha, a poltica econmico-
financeira inspirou-se nas idias liberais da poca; que os
sucessivos estados de sitio se faziam com a aprovao do
Congresso e que, em 1926, promoveu-se reforma
constitucional que tinha como um de seus objetivos bsicos
acabar com a vitaliciedade do mandato de Borges de Medeiros
na presidncia do Rio Grande do Sul. Neste ps-guerra,
tivemos a consolidao da Justia Eleitoral, assegurando a
lisura dos pleitos e perodos da mais franca democracia, como
o Governo de Juscelino Kubitschek. Contudo, em que pese a
presena dessa vertente, que porventura expressar as
aspiraes dos mais importantes contingentes da sociedade, o
autoritarismo logra afirmar-se ao longo do perodo.
Jos Maria Belo apontou com rara felicidade o marco e
as determinantes iniciais do processo em causa, ao escrever:
Ainda no libertos das tradies parlamentares do Imprio, os
congressistas republicanos reivindicavam uma primazia
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poltica que violava a natureza do regime... O poder do
Congresso e o poder do Presidente harmonizavam-se apenas
nos artigos constitucionais; na realidade, no se entenderiam
nunca. A oportunidade para inclinar a balana em favor do
Executivo viria com o atentado em que morreu o Ministro da
Guerra de Prudente de Morais, o Marechal Machado
Bittencourt. Diz ento Maria Belo: O atentado de 5 de
novembro dava-lhe (a Prudente de Morais) os elementos de
reao que inutilmente procurara; dentro da prpria rbita
constitucional, o presidencialismo do regime adotado em 15 de
novembro de 1889 revelava a tremenda soma de poderes que
poderia enfeixar nas mos do Presidente da Repblica, e dos
quais os seus sucessores sabero colher o mximo proveito.
(Histria da Repblica, 6 edio, pg. 150).
Wanderley Guilherme indicou uma das feies tericas
que veio a assumir, denominando-a autoritarismo instru-
mental, que tem em Oliveira Viana seu expoente mximo.
Segundo este, o sistema liberal, para funcionar, pressupe o
respaldo de uma sociedade liberal. No Brasil, a sociedade
parenteral, clnica e autoritria. A farsa das eleies, o
simulacro do liberalismo, tudo isto resulta da inexistncia de
agrupamentos sociais capazes de dar-lhe autenticidade. Desse
diagnstico, Oliveira Viana concluiria que o Brasil necessitava
de um sistema poltico autoritrio, cujo programa econmico
e poltico seja capaz de demolir as condies que impedem o
sistema social de se transformar em liberal. (Ordem Burguesa
e Liberalismo Poltico, 1978, pg. 93).
V-se que essa premissa no alheia ao autoritarismo,
vigente na histria brasileira dos trs ltimos lustros.
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Assim, parece essencial compreender que a tradio
autoritria da Repblica brasileira algo de muito palpvel.
Na Repblica Velha consistia numa prtica, ao arrepio da
Constituio. No ltimo meio sculo, vivemos a maior parte
do tempo sob o signo do autoritarismo. Com a agravante de
que a tentativa de elimin-lo, neste ps-guerra, acabaria no
mais absoluto fracasso. No seria correto fazer caso omisso
dessa dura realidade.
Na nova tentativa de abandono da tradio autoritria,
em que ora nos empenhamos, os diversos grupos sociais tm o
dever de posicionar-se e no apenas a classe poltica. Em
relao aos intelectuais, o mais importante estabelecer que
ao autoritarismo se contrape o sistema representativo e no a
opo totalitria. Semelhante colocao pode parecer ociosa,
mas no , pelas razes apontadas adiante.
A expresso acabada do totalitarismo o estalinismo,
porquanto fornece o modelo mais duradouro, consolidado no
s na Rssia, mas igualmente no Leste Europeu e na China.
Deixar de reconhec-lo e limitar a condenao ao totalitarismo
de tipo nazista corresponde a justificar a tese falsa de que os
fins justificam os meios.
Consoante as anlises de Arendt e outros estudiosos, o
escopo essencial do totalitarismo quebrar a solidariedade
estruturada historicamente no seio das comunidades. Por esse
expediente, estas se transformam em massa, manobrvel e
mobilizvel para impedir o estabelecimento de qualquer forma
de pluralismo. Partido nico e aparelho repressor completam o
quadro. Somente quem se imagina beneficirio de semelhante
estrutura pode adot-la. Quem quer que admita a possibilidade
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de vir a encontrar-se em oposio a tal sistema h de repeli-lo
at mesmo por instinto de conservao.
Por isto mesmo, a recente crise da PUC-RJ, suscita
inevitavelmente a questo da esquerda democrtica. O que se
viu ali foi a emergncia plena do esprito totalitrio. Censurou-
se um texto do prof. Reale. O chefe do Departamento de
Filosofia veio a pblico para dizer no s que o fizera mas
igualmente que partira de razes ideolgicas. Ao invs de
discutir-se se aos Departamentos, mesmo por votao, deve ser
atribudo o direito de imiscuir-se nos cursos, que so da
responsabilidade dos professores, enfim, ao invs de discutir
se se deve preservar a liberdade de ctedra, o que se viu na
PUC foi o empenho de quebrar a solidariedade entre os
membros do Corpo Docente, de transform-los em massa. Os
que se posicionarem em favor da liberdade acadmica foram
agredidos de todos os modos. Tal a confuso que se
estabeleceu que, ao fim de contas, parecia que ramos ns os
censores. Parece fora de dvida que, naquela instituio, o
esprito totalitrio venceu em toda a linha.
Pode-se concluir do episdio que na PUC-RJ no h
socialistas democrticos. Se os houvesse, certamente no
teriam compactuado com a censura nem muito menos com a
operao montada para denegrir a minoria divergente.
lcito generalizar a concluso? A pergunta no
extempornea. O socialismo democrtico no Brasil, pelo
menos depois de 1930, tornou-se extremamente dbil (o que
corresponde, alis, a uma das diferenas notveis na evoluo
poltica e cultural do Brasil, em relao a Portugal,
contemporaneamente). Embora ainda abrigasse, na ltima fase,
intelectuais de renome e de grande integridade moral, como
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Joo Mangabeira ou Domingos Velasco, chegou a tornar-se
agremiao poltica sem maior expresso. provvel que o
ltimo ciclo autoritrio tenha contribudo para extingui -los de
todo. Este ser pois um dado importante da questo. A
intelectualidade estar dividida entre liberais e totalitrios,
sem nenhuma camada intermediria que busque uma sntese
mediadora, aceitando o socialismo, mas subordinando-o s
instituies do sistema representativo.
Rio de Janeiro, maio de 1979.
Antonio Paim
21
I CARTAS E NOTAS
PROFESSORA SAI DA PUC EM PROTESTO
CONTRA CENSURA NUM TEXTO DE MIGUEL REALE
A professora Anna Maria Moog Rodrigues, do
Departamento de Filosofia da PUC, apresentou em carta o seu
pedido de exonerao direo do Departamento, que
censurou o texto, extrado do livro Pluralismo e Liberdade, de
autoria de Miguel Reale, cortando-o da coletnea de textos a
ser utilizada pelos alunos da disciplina Histria do
Pensamento, durante o atual ano letivo.
A carta torna pblica uma crise existente no Centro de
Teologia e Cincias Humanas, onde os professores que
relutam em aceitar e adotar apenas uma metodologia marxista
se sentem marginalizados. No fim do ano passado, o prof. Jos
Artur Rios afastou-se do Departamento de Sociologia, por no
concordar com a metodologia imposta pelo Departamento e
por sofrer boicote deliberado.
A Carta
a seguinte a carta enviada pela professora Anna
Maria Moog Rodrigues ao Diretor do Departamento de
Filosofia da PUC, professor Raul Landim, com cpias ao
Gro-Chanceler Cardeal Dom Eugnio Salles, ao Reitor, ao
22
Vice-Reitor Acadmico, ao Decano do CTCH e ao
Coordenador do Ciclo Bsico do CTCH.
Acabo de tomar conhecimento de que a Direo do
Departamento de Filosofia da PUC/R L censurou o texto
extrado do livro Pluralismo e Liberdade, de autoria de Miguel
Reale, e o cortou da coletnea de textos a ser utilizada pelos
alunos da disciplina Histria do Pensamento.
Como do conhecimento de V. Sa. os cinco professores
da disciplina, a pedido da Direo, escolheram, aps reunies
sucessivas e cuidadoso estudo, os textos a serem includos na
referida coletnea, selecionando autores tais como Plato,
Aristteles, Comte, Marx, Sartre e trs renomados pensadores
brasileiros contemporneos: Henrique Lima Vaz, Fernando
Bastos dvila e Miguel Reale.
O critrio da seleo procurou caracterizar a pluralidade
de abordagens da complexa problemtica contempornea e
formar no aluno uma conscincia crtica, tal como pode ser
depreendido da lista de autores acima enunciada.
Como V. Sa. pessoalmente me confirmou, a razo da
censura ao texto de Miguel Reale foi a atividade poltica do
referido autor.
Tal atitude, alm de impossibilitar a formao de uma
conscincia crtica do aluno por razes de ordem poltica,
atinge gravemente a liberdade de ctedra e contraria o
pluralismo filosfico, fundamento da universidade livre e
democrtica.
Por considerar este ato de censura arbitrrio e cerceador
da liberdade acadmica, apresento a V. Sa. meu pedido de
23
exonerao do corpo docente do Departamento de Filosofia da
PUC/RJ solicitando a dispensa do aviso prvio.
Metodologia Marxista
A carta da professora Anna Maria Moog Rodrigues
torna pblica uma crise existente no Centro de Teologia e
Cincias Humanas.
Um dos professores da PUC escreveu, recentemente,
uma carta ao Reitor, Pe. Joo MacDowell, mostrando-se
preocupado com a vertiginosidade com que a PUC caminha
para a adoo sectria e passional de uma metodologia
marxista, se no mesmo para a adeso a uma filosofia
declaradamente marxista.
O Departamento de Filosofia segundo ainda o
professor -, embora solicitado a abrir uma rea de pesquisa
sobre a histria do pensamento catlico no Brasil, no s no
o fez como extinguiu esta rea, para dedicar-se lgica,
epistemologia e lingstica.
O Autor
Miguel Reale, catedrtico de Direito, ex-Reitor da
Universidade de So Paulo, membro da Academia Brasileira
de Letras, por duas vezes presidente da Associao Mundial
de Filosofia Social e Jurdica, membro do Conselho Federal
de Cultura, autor de inmeras obras sobre Histria,
Filosofia, Sociologia, Direito e Economia, e conhecido por
sua Teoria Tridimensional do Direito.
24
Entre os seus trabalhos destacam-se Pluralismo e
Liberdade, O Estado Moderno, Formao da Poltica
Burguesa, Fundamentos do Direito, Doutrina de Kant no
Brasil, Horizontes do Direito e da Histria e, mais
recentemente, Da Revoluo Democracia (1977), estudo em
que analisa o processo revolucionrio de 64, propondo
sugestes para a institucionalizao do regime, alternativas
para o ento vigente AI-5, Constituinte, habeas-corpus, estado
de direito e estado de emergncia.
(Transcrito do Jornal do Brasil, 14/3/1979)
DIRETOR DA PUC CONTESTA
ACUSAES DE PROFESSORA
O Diretor do Departamento de Filosofia da PUC, Raul
Ferreira Landim Filho, afirmou ontem em carta-resposta
profa. Anna Maria Moog Rodrigues que a direo do
Departamento no apresentou objeo quanto ao estudo,
anlise e distribuio em sala de aula de um texto do livro
Pluralismo e Liberdade, do professor Miguel Reale.
A professora Anna Maria Moog Rodrigues demitiu-se
do Departamento insatisfeita com o que classificou de censura
ao texto da obra do professor Reale, alm de, numa carta
enviada ao professor Landim, revelar uma crise no Centro de
Teologia e Cincias Humanas.
a seguinte a carta-resposta do professor Raul Landim
professora Anna Maria Moog Rodrigues:
25
Recebi com surpresa sua carta de 12 de maro. Sinto-me
obrigado a responder por escrito s graves acusaes que voc
nela veicula. Inicialmente, lamento que voc no tenha
comparecido reunio dos professores de Histria do
Pensamento no dia 7 de maro convocada pela Direo do
Departamento para debater os problemas referentes ao
programa e apostila deste ano.
Todos os professores ali presentes tiveram a
oportunidade de discutir as crticas e sugestes da Diretoria.
Estranhei a sua ausncia j que, aps trs meses de frias, voc
deveria comparecer PUC no dia 7 de maro para reiniciar as
suas atividades.
Voc acusa a Direo do Departamento de censurar
arbitrariamente o texto do professor Miguel Reale e de atingir
com isso a liberdade de ctedra. Concordo plenamente com
voc que a liberdade de ensino teria sido atingida se a adoo
do texto do professor Reale tivesse sido proibida. Entretanto,
isto no aconteceu. A Direo do Departamento no
apresentou objeo quanto ao estudo, anlise e distribuio
em sala de aula do referido texto aos alunos, se assim o
desejasse o professor. A Direo props, e foi aceito pela
maioria significativa dos professores ali presentes, que o
referido texto no fosse includo numa apostila oficial do
Departamento, face ao carter polmico e controvertido das
atividades polticas do professor Reale.
Alm disso, notava-se na apostila uma descontinuidade
na escolha dos textos entre autores clssicos como Plato,
Santo Toms, Bacon, etc., e autores brasileiros
contemporneos, uma vez que o curso versava sobre Histria
26
do Pensamento, e no sobre Histria do Pensamento
Brasileiro.
Este argumento levou inclusive certos participantes da
reunio a discutirem sobre a validade da permanncia de dois
outros textos de autores brasileiros, Padre Henrique Vaz, S.J. e
Padre Fernando vila, S.J. Esta questo ficou em aberto,
embora fosse frisado pela Direo que estes dois autores, por
serem professores da PUC-RJ, se encontravam numa situao
diferente da do professor Reale.
Ainda na sua carta, voc alegou que a deciso assumida
contraria o pluralismo filosfico. Ora, foi claramente dito na
reunio que no estava sendo julgado o contedo do texto, mas
a convenincia do Departamento de realar uma figura
controvertida nos meios universitrios, especialmente entre
alunos. Por outro lado, este pluralismo est completamente
assegurado com a presena de autores como Plato, Santo
Toms, Descartes, Sartre etc.
Estranha democracia universitria voc defende: os
responsveis pela direo do departamento no tm o direito
de propor, as propostas debatidas e aprovadas no devem ser
aceitas e a discusso dos problemas deve ser substituda pela
denncia s autoridades. Se os motivos reais do seu pedido de
demisso foram os equvocos expressos na sua carta, espero
que estes esclarecimentos a levem a reconsiderar a deciso
tomada.
(Transcrito do Jornal do Brasil, 15/3/1979)
27
REITOR DA PUC CONSIDERA INFUNDADAS
AS ACUSAES DE CENSURA OBRA FILOSFICA
A PUC Pontifcia Universidade Catlica, do Rio de
Janeiro, em nota assinada pelo reitor, Padre Joo A.
MacDowell, considera graves e totalmente infundadas as
acusaes de censura a textos e autores feitas pela professora
Anna Maria Moog Rodrigues na carta em que se demite da
cadeira de Histria do Pensamento.
A professora Anna Maria Moog Rodrigues acusou o
Departamento de Filosofia da PUC-RJ de ter exigido a
excluso de um captulo do livro Pluralismo e Liberdade, de
Miguel Reale, de uma coletnea para estudo. Outro professor,
Antonio Paim, em carta Reitoria anuncia seu desligamento
da PUC-RJ e faz as mesmas acusaes de censura ideolgica.
Nota da PUC
Fui surpreendido em Braslia pela publicao no Jornal
do Brasil de 14/3/1979 da matria Professora sai da PUC em
protesto contra censura num texto de Miguel Reale ,
transcrevendo carta com interpretaes distorcidas e
totalmente infundadas contra a Universidade.
Em resposta professora Anna Maria Moog Rodrigues,
divulgada nos jornais de hoje (ontem), o Diretor do
Departamento de Filosofia demonstrou cabalmente a falsidade
das acusaes de censura ideolgica ou cerceamento
liberdade de ctedra que lhe foram assacadas.
Diante das repercusses do episdio, a Reitoria sente-se
no dever de rejeitar, desde j e frontalmente, as informaes
28
contidas naquela matria, reservando-se o direito de voltar
oportunamente ao assunto para prestar todos os
esclarecimentos necessrios.
ridcula a afirmao da existncia de uma crise no
Centro de Teologia e Cincias Humanas , ou da marginalizao
dos professores, que relutam em aceitar e adotar, apenas, uma
metodologia marxista. Mais absurda ainda soa a insinuao de
que a PUC caminha vertiginosamente para a adoo sectria
e passional de uma metodologia marxista, se no mesmo para
a adeso a uma filosofia declaradamente marxista.
Nem por isso a Universidade se afastar de sua misso
de despertar a responsabilidade social de seus professores e
alunos, de acordo com as orientaes da Igreja, alheia a
qualquer ideologia.
Nova Carta
Venho pela presente comunicar-lhe o meu desligamento
da PUC-R J, pela circunstncia de que no posso pactuar com
o clima instaurado no Departamento de Filosofia pelos que
substituram a professora Celina Junqueira. Ao longo do
decnio em que o Departamento obedeceu direo da
professora Celina, vigorou o mais absoluto respeito
dignidade das pessoas, em que pesem as divergncias
filosficas e de outra ndole entre os seus diversos membros.
Desde o seu afastamento, paulatinamente se vem instalando
esprito intolerante e inquisitorial. vista do fenmeno,
imaginei que se tratava apenas de minoria audaciosa qual, no
fim de contas, a direo da Universidade poria cobro. Como
isso no ocorreu, instaurou-se o terrorismo cultural.
29
A direo do Departamento de Filosofia vem de proibir
a incluso de um texto do professor Miguel Reale numa
coletnea estruturada com o objetivo de bem caracterizar o
momento contemporneo da Filosofia como sendo a da
vigncia de mltiplas perspectivas. Como a medida no podia
ser justificada por nenhum critrio acadmico e a chefia do
Departamento se d conta de que a sua bandeira inquisitorial
no pode aparecer luz do dia, abertamente como tal, devendo
mascarar-se e camuflar-se, optou por acusar o prof. Reale de
ter promovido, no exerccio da Reitoria da Universidade de
So Paulo, a perseguio a professores, o que corresponde a
calnia inominvel. O professor Miguel Reale, em toda a sua
vida acadmica e no apenas nos dois perodos em que assumir
as funes de Reitor, sempre defendeu a autonomia
universitria e a manuteno da divergncia no plano prprio
das idias. O Instituto Brasileiro de Filosofia, que o professor
Reale fundou e dirige h 30 anos, rene pensadores de todas as
tendncias existentes do pas, sendo o exemplo mais
significativo do ambiente de tolerncia que cria a sua volta. A
obra filosfica do professor Reale constitui hoje, no Brasil, a
mais acabada elaborao de uma doutrina que parte justamente
da afirmativa do carter inelutvel da pluralidade de
perspectivas. E certamente esta filosofia que incomoda a
atual chefia do Departamento que, no tendo condies para
enfrent-la no plano prprio, ataca dignidade de seus
partidrios de forma irresponsvel e gratuita.
O terrorismo cultural implantado no Departamento de
Filosofia da PUC-RJ tem muito a ver com a prtica de aes
terroristas no cenrio poltico brasileiro, em passado recente.
Apenas os que hoje dirigem e inspiram o Departamento de
30
Filosofia da PUC-RJ nunca tiveram a coragem de assumir de
pblico a responsabilidade pela conduo de uma parte da
juventude catlica diretamente ao terrorismo. Levaram-na ao
sacrifcio de vidas e outros desastres, e certamente assumiriam
uma parcela do poder se vitoriosa aquela ao. Diante do
fracasso, esconderam-se em seus postos docentes, funes
alis cuja dignidade jamais souberam apreender e, por isso
mesmo, com tanta facilidade supem que os outros no a
prezam devidamente.
Devo dizer-lhe que envidarei todos os meus esforos
para transformar meu desligamento da PUC-RJ numa denncia
a ser levada ao conhecimento pblico. A conscincia
democrtica deste pas, que em outras oportunidades soube
repudiar os totalitarismos de direita e esquerda, precisa ser
advertida da escalada a que muitos, fugindo as suas
responsabilidades, assistem de braos cruzados. Postos de
mando em instituies educacionais e culturais, bem como nos
meios de comunicao, no podem ser confiados a espritos
totalitrios porque seu empenho ser sempre o de restaurar a
inquisio, eliminar a possibilidade de convivncia de pontos
de vista diversos, sufocar a crtica construtiva e fomentar a
deblaterao inconseqente que estimula irresponsabilidade
social no seio da juventude.
- (a) Antonio Paim
O professor Antonio Paim entrou como associado no
Departamento de Filosofia da PUC-R J no segundo semestre
de 1971 e tem vrias obras editadas sobre o pensamento
brasileiro em diversos setores. Promoveu reedies crticas de
textos de pensadores brasileiros.
31
Reafirmao
A professora Anna Maria Moog Rodrigues reafirmou
ontem suas acusaes contra o Departamento de Filosofia da
PUC-R J e anunciou sua demisso da cadeira de Histria do
Pensamento, que exercia h trs anos, porque no posso
concordar com a censura e o crivo que o Departamento quer
impor aos textos e autores que indicamos aos nossos alunos.
Ela enviou carta-resposta ao diretor do Departamento
de Filosofia, Raul Landim Filho, afirmando que o motivo real
do meu pedido de exonerao foi a censura do texto do autor
Miguel Reale para no realar uma figura controvertida
nos meios universitrios, isto , por razes de ordem poltica
e ideolgica.
E conclui: Mesmo na poca em que vigorava o AI-5,
tinha-se toda a liberdade na escolha de livros e textos e o que
me admira que logo agora, que o Governo se empenha para
que haja uma abertura, a direo do Departamento de Filosofia
da PUC tome atitudes arbitrrias como esta.
(Transcrito do Jornal do Brasil, 16/3/1979)
REITOR NEGA QUE A PUC-RJ
FAA DOUTRINAO MARXISTA
Qualquer doutrinao ideolgica, em particular a
marxista, incompatvel com a natureza e o esprito da
32
Universidade Catlica, declara o Reitor da PUC, Padre Joo
Augusto MacDowell, em nota oficial distribuda ontem, na
qual nega existir uma crise de liberdade, a no ser a forjada
artificialmente, a partir de um episdio menor.
Para a Reitoria da PUC, a nota pe um ponto final nas
discusses sobre as denncias de censura ideolgica s
atividades acadmicas. O mesmo interesse em encerrar o
assunto se verificava no contato com a maioria dos
professores ligados Associao de Docentes, da PUC, que
tambm no vem crise alguma na Universidade.
A Nota
A Reitoria da PUC-RJ, na conscincia de sua
responsabilidade em esclarecer a comunidade universitria e a
opinio pblica em geral, acerca das acusaes recentemente
divulgadas pela imprensa contra a Universidade.
1. Nega a existncia de uma crise de liberdade na
Universidade, a no ser a forjada artificialmente, a partir de
um episdio menor. Este episdio, perfeitamente supervel no
mbito interno, foi levado aos jornais, no intervalo de menos
de 48 horas, antes que pudesse ser esclarecido ou julgado pelas
autoridades universitrias.
2. No pode assegurar que nunca tenha havido qualquer
tipo de marginalizao de professores a generalizao seria a
priori pouco sensata contesta, porm, que tal prtica, caso
tenha alguma vez ocorrido, seja usual ou consentida pela
direo da Universidade. Os dois ou trs professores que se
33
afastaram, fizeram-no por prpria iniciativa, talvez em funo
de divergncias em relao orientao dos respectivos
Departamentos, mas sem qualquer presso, antes, convidados
expressamente a permanecer pelo prprio Reitor, que sempre
os tratou com a maior considerao, como consta de
documentos em seu poder.
3. Repudia a campanha desencadeada atravs da
imprensa contra a PUC-R J, campanha esta que, sob o pretexto
de defender a liberdade acadmica, denuncia indiscrimina-
damente professores e departamentos inteiros, instaurando um
clima de delao e intimidao no meio universitrio, que tem
provocado reaes, inclusive, no mesmo estilo, e, portanto,
igualmente deplorveis.
4. Estranha que se julguem capacitados a dar lies de
catolicismo queles que, de um lado ou de outro, ferem o
esprito cristo de verdade e respeito pessoa humana e
tentam instrumentalizar ideologicamente a Igreja e suas
instituies.
5. Afirma que qualquer forma de doutrinao
ideolgica, em particular a marxista, incompatvel com a
natureza e o esprito da Universidade Catlica.
6. Entende que a confessionalidade da Universidade
Catlica implica, da parte do corpo docente, os seguintes
requisitos:
34
a) Adeso aos valores ticos, que fundamentam a vida
universitria como o amor verdade, o respeito pessoa, a
responsabilidade social e a abertura ao dilogo.
b) Respeito aos princpios da f e da moral crist.
c) Presena, em todas as reas, do pensamento de
inspirao crist.
7. Embora se proponha a formar as pessoas num clima
de concepo integral do ser humano, com rigor cientfico e
com uma viso crist do homem, da vida, da sociedade e dos
valores morais e religiosos (Joo Paulo II), considera que tal
definio em nada prejudica o verdadeiro esprito cientfico e
a legtima liberdade acadmica, cujo exerccio tem
caracterizado a PUC-RJ, ainda em perodos difceis da recente
histria cultural do Pas.
8. Reconhece que a PUC-RJ ainda no realiza
plenamente o ideal da Universidade Catlica de promover a
evangelizao da cultura (Paulo VI), no dilogo entre a f e o
mundo contemporneo, e a soluo cientfica dos problemas
do Pas, luz dos princpios da justia social. Tal inadequao
devida, em particular:
a) influncia limitada do pensamento cristo em
alguns setores da Universidade.
b) tendncia, sempre renascente nos meios
acadmicos, de substituir o dilogo e a compreenso pela
intolerncia, a vontade de poder e o encastelamento nas
prprias posies.
35
c) atuao e ao confronto de ideologias, de direita e
de esquerda, sob formas e graus os mais diversos, no cenrio
cultural brasileiro, atuao da qual a PUC-RJ no est imune.
9. Chama a ateno para a delicadeza da tarefa de
conciliar o esprito universitrio com o carter catlico da
PUC-RJ, no contexto pluralista da sociedade contempornea,
nem pretende estar isenta de qualquer falha do discernimento
das situaes e das opes a tomar.
10. Reafirma a sua deciso de orientar a PUC-R J no
caminho da autntica fidelidade sua misso de Universidade
Catlica, de acordo com a mente da Igreja e especialmente
com as novas diretrizes contidas no documento final da
Assemblia do Episcopado Latino-Americano em Puebla e nas
palavras do Papa Joo Paulo II.
11. Faz um apelo ao desarmamento dos espritos,
serenidade e reconciliao, a fim de que, excludos os
ataques pessoais e os ressentimentos, a comunidade
universitria possa dedicar-se de corpo inteiro ao estudo dos
grandes problemas, que desafiam a lucidez, a coragem e a
criatividade dos brasileiros.
(Transcrito do Jornal do Brasil, 24/3/1979)
36
II EDITORIAIS
FILOSOFIA INTOLERANTE
O pedido de demisso de dois professores do
Departamento de Filosofia da Pontifcia Universidade
Catlica do Rio de Janeiro, como forma de protesto contra o
esprito intolerante e inquisitorial que teria passado a
prevalecer naquele Departamento, fato que s pode causar a
mais profunda perplexidade.
As demisses foram causadas pelo veto da diretoria do
Departamento a um texto de Miguel Reale includo pela
professora Anna Maria Moog Rodrigues nas apostilas que
pretendia fornecer aos seus alunos como parte de um
programa de estudos que abordava desde Aristteles a
pensadores brasileiros contemporneos, passando por uma
constelao de pensadores que inclua Plato, Karl Marx e
outros.
O veto foi apenas confirmado na resposta do
Departamento de Filosofia primeira carta de demisso,
usando-se como motivo no realar uma figura controvertida
nos meios universitrios. Expe-se, assim, um estranho mtodo
de trabalho segundo o qual medida que determinados
pensadores se tornem controvertidos, devem ser postos de
quarentena, espera da sua aceitao no mundo dos bem-
pensantes. Esse mtodo causou, como se sabe, grande prejuzo
vida cultural de um perodo bem recente da vida brasileira,
atingindo, entre outros, toda a galeria de pensadores que
orbitava no campo geral do marxismo. O marxismo ganhou o
37
seu lugar ao sol. Tornou-se mesmo, ao que parece, to atuante
nos meios universitrios, que sente-se vontade para exercer
em relao a outras escolas de pensamento o tipo de presso
que leva ao monoplio das idias.
A primeira ironia nesta perturbadora face da vida
cultural do Brasil de hoje est no fato de que o professor
Miguel Reale, considerado de direita por ter sido integralista
e por ter opinado em favor de salvaguardas que substitussem
o AI-5, foi, no plano da filosofia, responsvel pela mais
saudvel das mudanas nos mtodos de estudo e ensino das
idias. Nesse terreno, uma tradio persistente, de que o
exemplo mais famoso talvez seja Silvio Romero, mandava
apresentar as idias ao gosto do expositor. Na sua pequena
histria das idias filosficas no Brasil, Romero que foi, de
qualquer maneira, um grande esprito punha os seus
correligionrios nas nuvens e reservava, para os outros, raios
e troves. Durante muito tempo, foi assim que se ensinou
filosofia no Brasil.
Deve-se ao professor Miguel Reale, aos seus 30 anos de
trabalho no Instituto Brasileiro de Filosofia, um mtodo de
ensino que frutificava, entre outros lugares, no Departamento
de Filosofia da PUC-RJ, e em que se tratava de valorizar a
atmosfera prpria a cada obra filosfica, encarada como
expresso da sua poca e das diversas perspectivas
individuais. Ao lado disso, a obra filosfica do professor
Reale, uma das poucas reconhecidamente essenciais ao
conhecimento do pensamento brasileiro contemporneo,
baseia-se tambm ela numa doutrina que afirma o carter
inevitvel da pluralidade de perspectivas filosficas: a
filosofia como sempre o afirmou a tradio clssica um
38
conhecimento que, por tratar de todo o problema do homem,
est sempre em mutao e no pode congelar-se em
afirmaes peremptrias.
Essa bela lio do professor Reale encontrou
seguidores, como o professor Antonio Paim, autor de uma
Histria das Idias Filosficas no Brasil e que acaba de
demitir-se, igualmente, da PUC em protesto contra o esprito
intolerante e inquisitorial vigente num Departamento a que era
dedicado.
A primeira ironia do que est acontecendo na PUC ,
assim, a de que se passe a censurar, na primeira
oportunidade, os que estimularam a largueza de vistas que
tornou possvel a entrada, nas universidades, de todo tipo de
especulao intelectual.
Ironia mais grave a que faz de uma unidade catlica o
palco de demonstraes de fora apoiadas num ponto de vista
radicalmente oposto ao dos princpios cristos.
No se trata apenas de que o cristianismo pregue a
tolerncia como princpio da convivncia. Ao lado da
tolerncia no plano humano, as universidades catlicas foram
fundadas como arma de combate no plano das idias; como
instrumentos de afirmao de verdades negadas, em perodo
de crise profunda, por toda a gama dos materialismos, que
insistem em ver no homem um simples condicionamento de
fatores econmicos e sociais.
assim profundamente estranho que um tipo de
pensamento aberto e humanista perca os seus direitos de
cidade, numa universidade catlica, por fora de preconceitos
que se originam numa negao explcita dos princpios
cristos.
39
Um outro saldo melanclico a extrair deste episdio o
de que ainda temos muito que andar antes de chegar ao
primeiro estgio de uma vida cultural aceitvel.
Permanecemos, ao que parece, em plena idade da pedra. Os
censurados de ontem so os censores de amanh. para isso
que se tem gasto tanto esforo no sentido do arejamento da
nossa vida cultural e poltica?
(Transcrito do Jornal do Brasil, 18/3/1979)
DISCRIMINAO IDEOLGICA
DEVE SER a prpria Pontifcia Universidade Catlica
do Rio de Janeiro a maior interessada em fazer um exame
profundo e isento das recentes denncias que, partindo de
ilustres professores ligados instituio, afirmam ter-se
instalado ali verdadeiro clima de ditadura e terror cultural, a
servio da ideologia marxista.
ESSA AUTOCRTICA no se justificaria apenas para
considerar o fato isolado das alegaes dos professores
Antonio Paim e Anna Maria Moog Rodrigues, que se
demitiram em protesto contra o esprito intolerante e
inquisitorial, segundo eles hoje dominante no Departamento
de Filosofia da PUC-Rio, ou o libelo mais abrangente dos
professores Aroldo Rodrigues e Jos Artur Rios.
EST EM CAUSA tambm a identidade universitria da
PUC, desde que pretenda continuar fiel aos objetivos do
ensino aberto e pluralista, dando acesso despreconceituoso a
40
todas as formas de pensamento e a todos os mtodos de
anlise dos fenmenos sociais, polticos e econmicos da
histria.
NO CASO da Universidade Catlica, o seu eventual
engajamento a dogmatismos ideolgicos de esquerda criaria
situao duplamente anmala, elevando a nveis extremos a
gravidade das denncias. Pois antes de mais nada no h
como aceitar, nem sequer entender, o ensino universitrio
comprometido com doutrinas sociais de qualquer natureza.
Por outro lado, se algum compromisso deva assumir uma
instituio de ensino vinculada Igreja, o nico admissvel
o que o prenda aos princpios do catolicismo e jamais aos do
credo materialista, com tudo o que nele existe de
anticristianismo e anti-religiosidade.
ALM DO SEU comprometimento catlico, a PUC deve
refletir os valores da sociedade brasileira. Esses valores fluem
claramente de uma matriz histrica liberal, fiel ao sistema
democrtico e humanista de vida haja vista o processo de
abertura em curso e repelem com firmeza o marxismo. Sair
de tais limites, portanto, equivale a extravasar do prprio
contexto cultural do Brasil ou nele se alojar como corpo
estranho, inassimilvel e perturbador.
CLARO QUE o estudo do marxismo, em todos os seus
enfoques econmicos e politicos, no pode faltar nos
currculos universitrios. Ocult-lo ou deform-lo em
programas de ensino superior ser sempre procedimento
obscurantista e contraproducente. Mas da a transformar o
pensamento marxista ou a viso marxista do mundo em
parmetros de discriminao ideolgica, fora dos quais tudo
perde a consistncia e at a seriedade, vai distncia infinita.
41
Nesse ponto o marxismo adquire dimenses de religio e
haveremos de convir que no se trata da religio que caiba
PUC professar.
O PROFESSOR engajado torna-se, por natureza,
parcialmente inabilitado para o exerccio da docncia. Ele
no ensina, faz proselitismo, tenta condicionar tendncias e
mentes. Mas se alm de engajado o mestre se erige em censor
ideolgico, a sua inabilitao torna-se total. Ele perde por
completo a autoridade intelectual e moral, e se iguala aos
inimigos da liberdade acadmica que atuam de fora para
dentro. no h por que distingui-lo dos que procuram asfixiar
politicamente o ensino, inclusive atravs de mtodos policiais:
pelo contrrio, talvez mais perigoso, por se instalar no
mago do organismo ameaado.
A PRIMAVERA institucional brasileira reclama a
clarificao dos caminhos em demanda da plenitude
democrtica. As denncias em torno da discriminao
ideolgica na PUC-Rio trazem indesejveis elementos de
perplexidade ao processo, podendo realimentar preconceitos
opostos, tambm de inspirao totalitria, contra a qualidade,
o esprito e o dinamismo compatveis do ensino universitrio
num pas em desenvolvimento.
CABE PUC, por conseguinte, mergulhar na anlise
dos desvirtuamentos e paradoxos que lhe so apontados por
vozes idneas e trazer l do fundo as verdades exigidas por
este decisivo momento brasileiro, para as correes
necessrias.
(Transcrito de O Globo, 20/3/1979)
42
EM DEFESA DA UNIVERSIDADE
A proibio, pelo Departamento de Filosofia da PUC
do Rio de Janeiro, da incluso de um artigo do prof. Miguel
Reale em livro de textos a ser usado pelos alunos da disciplina
Histria do Pensamento no assunto interno daquela
universidade. Pelo contrrio, assume tal relevncia para a
comunidade acadmica como um todo que permite e at certo
ponto exige tomada de posio de quantos se preocupam com
a defesa da Universidade contra o assalto totalitrio razo.
Em poucas e simples palavras, o que est vindo a pblico
sobre o clima poltico-ideolgico que se vive naquela escola
fluminense demonstra que a liberdade de pensamento,
especialmente a pesquisa universitria, corre, hoje, o risco de
ser violentada por aqueles que se arvoram em juzes do
carter controvertido ou no da vida pblica dos homens de
pensamento brasileiros, e aceitam passivamente a opinio
que, sobre esses homens, os alunos (ou uma minoria ativista
deles) fazem de sua atividade poltica.
No entraremos, aqui,m na anlise das razes do prof.
Landim Filho em sua tentativa de contestar o gesto altivo da
profa. Moog Rodrigues, demitindo-se para no compactuar.
Mas no podemos deixar de assinalar que, ao dizer que o
pluralismo que deve nortear o ensino de Filosofia est
assegurado pela incluso de autores como Plato, Santo
Toms, Descartes e Sartre, o prof. Landim Filho brinca com
as palavras. Em primeiro lugar, porque, no caso de Sartre,
no se sabe a que homem se refere (se o existencialista da
43
primeira fase, o denunciador do PC, o adepto do marxismo na
viso existencialista, ou o defensor das barricadas de maio de
1968 e do processo revolucionrio e subversivo em geral). Em
segundo lugar, porque o pensamento de Sartre, em qualquer
de suas fases, nada tem em comum com o de Miguel Reale,
igualmente tomado em qualquer das fases de sua vida de
ativista e intelectual.
O importante, porm, no est em discutir se Sartre e
Reale representam a mesma corrente de pensamento; est em
haver-se oposto restrio a um autor pelo fato de haver
desenvolvido atividades polticas com as quais no se
concorda e das quais os alunos divergem. Com isso, no melhor
estilo de pensamento autoritrio, que as condena na Escola
Superior de Guerra, e totalitrio, que se condenou no
hitlerismo e no stalinismo, o critrio de aferio do reto
caminho do saber comea a passar no pela anlise do
pensamento (texto e contexto), mas da atividade poltica do
autor, e se d ao aluno, suposto estar na universidade para
aprender a ajuizar, a capacidade de dizer quais os autores
que deseja aprender e como aprender. Em outras palavras,
transforma-se a Universidade em uma escola partidria de
quadros, formadora de quantos Rubachov sejam necessrios
para estabelecer a sociedade terrorista, isto , aquela em que
o indivduo, ele prprio, o acusador de seu semelhante para
defender a idia abstrata que faz do Estado perfeito.
O mais dramtico no caso em espcie clara
configurao da presso daquilo que vulgarmente j se chama
de patrulhas ideolgicas, e que o prof. Antonio Paim classifica
corretamente de terrorismo cultural que a transformao
da ideologia marxista em critrio de aferio da verdade se d
44
em uma escola particular, mais do que particular, ligada
Igreja Catlica.
Quem se der ao trabalho (seguramente, hoje, sero
poucos) de estudar as lutas da Santa S no sculo XIX para
manter suas escolas imunes aos ideais nacionalistas leigos e
socialistas na Europa s conseguir compreender o processo
que se d na PUC fluminense aceitando as idias daqueles que
dizem ser a Igreja Catlica ou suas organizaes, hoje, o
instrumento de infiltrao das idias marxistas no seio da
sociedade, Afirmao grave, que, infelizmente, vem
encontrando comprovao na realidade.
Foi preciso que a prof. Moog Rodrigues protestasse
contra o aviltamento da idia de Universidade, e se recusasse
a ser dirigida pelos que vem no marxismo a nova verdade
revelada, para que a sociedade brasileira tomasse
conhecimento de que, alm da censura oficial, do Decreto-Lei
n 477 e dos instrumentos de exceo ainda em mos do
Governo autoritrio, h nos quadros de instituies privadas
um cdigo de segurana ideolgica, que discrimina contra os
que se recusam a pensar de uma nica maneira, esta
organizao terrorista da cultura que cria o caldo em que
medra o Estado autoritrio, primeiro, e o totalitrio, depois.
Contra esse tipo de terrorismo cultural, da mesma maneira
que contra o assalto totalitrio razo vinda do Estado, s a
mobilizao da sociedade em defesa da liberdade e da idia
da Universidade pode ter xito.
(Transcrito de O Estado de So Paulo, 21/3/1979)
45
PELA LIBERDADE
O episdio da demisso de dois professores do
Departamento de Filosofia da PUC-RJ, motivada pelo veto a
um texto de Miguel Reale nas apostilas utilizadas pelo
Departamento, assume de repente uma conotao emocional
que pode afast-lo dos seus pontos naturais de amarrao.
Antes que a algum ocorra que este Jornal no capaz
de avaliar o papel desempenhado pela PUC e pela Companhia
de Jesus, de maneira geral, na promoo cultural do
brasileiro, funo que vem sendo desempenhada
ininterruptamente desde a descoberta do Brasil, convm
lembrar que o que nos parece estar em causa, neste episdio,
no a PUC, e sim a liberdade acadmica.
Ficam, portanto, deslocadas campanhas em defesa da
PUC e demonstraes de unanimidade em torno de seus
mtodos e dirigentes, Por prezar o que a PUC significa na
economia cultural do nosso pas e sobretudo do nosso Estado,
que gostaramos de v-la representante perfeita do esprito
universitrio. Este esprito admite e solicita a unidade em
torno de princpios, sendo um dos mais importantes o da
liberdade acadmica, que a traduo do prprio esprito
universitrio.
Quando ao mais, uma universidade que pensar em
bloco, departamentos ou em qualquer outra espcie de
setorizao, estar negando-se a si mesmo, obstruindo os
canais por onde deve estar sempre circulado ar novo e puro.
Neste sentido, no lcito apelar sequer para votaes
que indicariam a vontade de supostas maiorias., Isto pode ser
46
utilizado como mtodo de administrao; como princpio
intelectual, talvez represente como parece ter sido o caso
um tipo de censura que, se odiosa fora da universidade,
inadmissvel dentro dela, no que toca liberdade de ensino.
Num Departamento de Filosofia, no se pode, por votao,
colocar pensadores em ostracismo: preciso conhecer as
obras que importam para a formao de uma conscincia
filosfica. Uma dessas obras, no momento brasileiro entre
tantas outras, como as de Gilberto Freyre, Caio Prado Jr. e
Celso Furtado a do professor Miguel Reale.
Um outro aspecto da discusso que se desencadeou em
torno da PUC discusso que s pode vir a ser proveitosa
para o dia-a-dia da Universidade o da misso de uma
universidade catlica. A esse respeito, melhor do que
poderamos faz-lo, expressou-se o Papa Joo Paulo II em
recente pronunciamento no Mxico. A universidade catlica,
disse o Papa, deve encontrar seu significado derradeiro e
profundo em Cristo, em sua mensagem redentora, que abrange
o homem na sua totalidade. Neste sentido, o professor de uma
universidade catlica no deveria ser considerado unicamente
um simples transmissor de cincia, mas tambm, e sobretudo,
uma testemunha e um educador da vida crist autntica .
informao cientfica dos estudantes conviria, pois,
acrescentar uma profunda formao moral e crist, no
considerada como algo que se acrescente de fora, mas como
um aspecto com o qual a instituio acadmica resulte, por
assim dizer, especificada e vivida. Eis os altos ideais que se
colocam frente de uma universidade catlica. Eis por que
ela no tem o direito de afastar-se dos mais altos padres de
47
vida universitria, de que a pedra de toque a abundante
oxigenao das idias.
(Transcrito do Jornal do Brasil, 20/3/1979)
A OPO TOTALITRIA DOS INTELECTUAIS
No , de fato, assunto interno da PUC do Rio,
conforme pondervamos em nosso ltimo comentrio a
respeito, o veto censrio imposto incluso de certo texto
filosfico na apostila da disciplina Histria do Pensamento, a
pretexto do carter polmico e controvertido das atividades
polticas do autor. As prprias explicaes do chefe do
Departamento de Filosofia daquele estabelecimento
universitrio ainda contriburam mais para a ampliao do
debate do tema, que j agora transcendo o episdio em si e o
gesto exemplar da profa. Anna Maria Moog Rodrigues, ao
demitir-se em testemunho da liberdade acadmica.
Que se passa?
Gilberto Freyre incisivo. Ele denuncia a ao das
patrulhas ideolgicas na rede de ensino superior do Pas, as
quais se articulam solidariamente para oferecer aos alunos
uma s opo cultural o marxismo ou melhor, uma s
direo poltica a da Rssia Sovitica. Jos Artur Rios, que
j foi chefe do Departamento de Sociologia da mesma PUC e
que se exonerou por discordar da metodologia marxista ali
48
implantada, fala em terrorismo cultural. Aroldo Rodrigues,
passando em revista a sua experincia como professor
universitrio e participante de congressos ditos cientficos,
categrico em afirmar que a liberdade, em grande parte do
ambiente acadmico de nossos dias, mito, pois que os
departamentos universitrios esto se transformando em blocos
monolticos de pensamento dogmativamente marxista-
leninista.
Uma nova trahison des clercs?
A crer em Gilberto Freyre, no seriam bem clercs, na
medida em que a maioria sem escrpulos que impe a nova
ortodoxia nos departamentos universitrios no possui grande
inteligncia. O tema merece de Antonio Paim um ensaio sobre
Os fundamentos histrico-culturais da opo totalitria do
Brasil, no qual prope duas linhas de investigao para
chegar gnese do esprito totalitrio que hoje avassala as
universidades brasileiras. A primeira configura uma hiptese
sociolgica e, seguindo a Escola weberiana, explica que,
sendo o Brasil um Estado Patrimonialista, o pensamento de
esquerda, imprecisamente definido, mascara na realidade o
desejo de partilhar desse patrimnio, ou, se se preferir, das
benesses do poder. A segunda hiptese a culturalista, e
converge com a sociolgica ao propor a tese de que o
pensamento de esquerda est ligado, entre ns, ao conceito
catlico medieval da ilegitimidade, melhor dizendo, do carter
pecaminoso do lucro. O prof. Paim lembra, a propsito, que a
Igreja deu legitimidade ao lucro quando aderiu ao
desenvolvimento, que Paulo VI considerava o novo nome da
paz.
49
O fenmeno da opo totalitria dos intelectuais,
sobretudo dos pequenos e mdios, pertence sociologia da
cultura, e foi seriamente estimulado pela traio dos clrigos
propriamente ditos, os quais, abandonando a misso religiosa,
deixaram em aberto a alternativa da eclesiologia da Terceira
Roma, ou seja, Moscou. Mas o caso brasileiro urgente, visto
que a clientela universitria do Pas 1 milho e 233 mil
alunos em 1978, matriculados em 862 escolas chamadas de
ensino superior est saindo c para fora inteiramente
desprotegida, conforme o aviso de Gilberto Freyre, contra a
ao das patrulhas ideolgicas. Como s aprenderam dos
mestres o resumo balbuciado da vulgata marxista-leninista,
que lhes fornece, ainda assim, interpretao fcil para todas
as incgnitas, amanh se vero desarmados quando tiverem de
enfrentar a realidade e o prprio bruxulear do prestgio do
pensamento marxista, o qual j um cadver insepulto nos
campos universitrios da Europa, incluindo a do Leste.
Entretanto, o mal est feito: o drama das geraes atuais o
nosso subdesenvolvimento cultural, que nos escraviza a
teorias j despejadas na lata de lixo da Histria.
(Transcrito do O Estado de So Paulo, 27/3/1979)
50
III ARTIGOS
O DECLNIO DA LIBERDADE ACADMICA
- A CRISE NO A QUE VEM DE FORA
MAS A QUE VEM DE DENTRO
Aroldo Rodrigues
A liberdade acadmica um dos valores mais
fortemente arraigados entre os homens e mulheres de cincias,
artes e letras. O direito de ter uma opinio, o direito de
discordar, o direito de filiar-se a uma posio filosfica, o
direito de apoiar-se em uma determinada teoria, o direito e o
dever de apresentar aos alunos vrios pontos-de-vista, em
suma, o direito de pensar e de propiciar a opo livre , sempre
foi a caracterstica marcante do discurso acadmico e motivo
de orgulho e satisfao das comunidades universitrias. Nas
universidades e nas associaes cientficas, artsticas e
literrias, bem como nas mesas-redondas, nos simpsios e em
outras atividades caracterizadas pelo debate de idias, o
direito de defender um ponto-de-vista, associado ao respeito
dos participantes ao direito de expresso do pensamento era,
no passado, no s plenamente reconhecido, como se
constitua at no apangio de academicidade do trabalho em
curso.
No mudo acadmico de hoje verifica-se uma
substituio do papel do cientista voltado para o estudo
51
desapaixonado do real, pelo do poltico engajado em fazer
prevalecer uma determinada corrente ideolgica. Richard C.
Atkinson, da Universidade de Stanford, disse recentemente: O
papel do psiclogo como cientista procurar dados, princpios
e leis que aumentem a nossa compreenso dos fenmenos
psicolgicos. Freqentemente, porm, ao reportar achados
derivados de pesquisas, nos tornamos advogados de uma
determinada poltica. No h razo para que os psiclogos no
advoguem pontos-de-vista polticos, mas devem faz-lo apenas
como cidados. O papel do psiclogo como cientista
apresentar os fatos e faz-lo de forma to isenta da influncia
de seus valores quanto possvel.
papel dos cidados deste pas e seus representantes
eleitos utilizarem estes fatos ao tomar decises polticas... Se
um psiclogo fascinado pelo poder poltico e pela habilidade
de moldar a opinio pblica, ele ou ela deveria candidatar -se a
cargo eletivo e no tentar disfarar esforos polticos
encobrindo-os sob a gide da pesquisa psicolgica. Eu
reconheo que difcil, seno impossvel, apresentar achados
cientficos de uma forma isenta. Mas todo o esforo deve ser
feito nesta direo. Do contrrio, a psicologia ser considerada
como uma fora social e no uma disciplina cientfica. Se isto
ocorrer, o potencial da psicologia para ajudar a resolver os
problemas da sociedade estar perdido (Richard C. Atkinson,
American Psychologist, 1977,32, 204-210).
A conseqncia bvia e inexorvel da politizao do
saber o debate apaixonado ao invs do objetivo, os
extremismos emocionais ao invs da considerao racional do
tema em debate, a polarizao de posies em detrimento de
52
um dilogo sadio, respeitoso e produtivo e, em ltima
instncia, o desaparecimento da liberdade de falar, ser ouvido
e discutido a no ser que a posio externada seja consoante
com a postura ideolgica da maioria mais ativa. o declnio
da liberdade acadmica.
A crise de liberdade acadmica a que me refiro aqui
no a que vem de fora mas a que vem de dentro;no a
decretada pela ideologia dos detentores ocasionais do poder
poltico, mas sim a imposta pela ideologia dos prprios
integrantes da comunidade acadmica. Esta , a meu ver, a
caracterstica distintiva desta nova violao da liberdade de
pensar e de opinar; o fato de ela provir do seio da prpria
comunidade acadmica que a torna sui-generis, mais
perigosa e mais grave, pois persistir mesmo aps uma
eventual abertura poltica.
Excluindo as tradicionais honrosas excees, quase
impossvel emitir-se uma opinio no ambiente acadmico de
hoje e t-la ouvida, respeitada e discutida honestamente, a
no ser que ela seja de conotao esquerdista e, de
preferncia, marxista. Isto ofuscantemente verdadeiro no
s nas reas do saber social (histria, sociologia e filosofia
em primeiro luar, seguidas de perto por teologia vulgar,
economia, psicologia, lingstica e literatura), mas tambm,
por incrvel que parea, nas reas do saber natural.
A fonte de fatos mais eloqentes para substanciar o que
assevero neste artigo a Pontifcia Universidade Catlica do
Rio de Janeiro, no por ela diferir das demais, mas em virtude
do contato dirio que com ela mantenho. Embora manancial
mais rico, no ela o nico. Meu conhecimento de
acontecimentos verificados na PUC de So Paulo, minha
53
participao em uma reunio da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Cincia (SBPC) e acompanhamento de vrias
outras, bem como o relato pessoal de profissionais de alto
conceito que atuam em diversas universidades espalhadas pelo
Brasil e ainda minha participao numa reunio anual da
Sociedade de Psicologia de Ribeiro Preto e o acompa-
nhamento das que se seguiram, alm de participao direta
em vrios simpsios, mesas-redondas, crculos de estudos e
demais reunies que se promovem no Brasil sob a gide da
dignidade acadmica, convenceram-me, de forma absolu-
tamente inequvoca, de que a liberdade em grande parte do
ambiente acadmico de nossos dias um simples mito. Isto
constitui, para mim, a mais grave crise que me foi dado
testemunhar em quase cinco lustros de trabalho acadmico
srio. A ditadura ideolgica se manifesta na orientao sect -
ria dos departamentos, no clima das reunies cientficas e
culturais e na atuao das associaes docentes e discentes.
I AUSNCIA DE LIBERDADE
NOS DEPARTAMENTOS
Os departamentos universitrios esto se
transformando em blocos monolticos de pensamento
dogmtico, totalmente fechados ao dilogo e absolutamente
intransigentes a posicionamentos contrrios ao novo status
quo. Que o digam, por exemplo, os ilustres professores que
tiveram que abandonar os Departamentos de Histria e de
Sociologia da PUC-RJ por cometerem o imperdovel erro de
pensarem de forma independente, no se filiando orientao
54
marxista neles dominante. Foram estes professores submetidos
a boicote deliberado, ao ponto de terem de se afastar; em
outras palavras, caram em desgraa pelo atrevimento de no
se submeterem servilmente pregao poltica de esquerda e
por no julgarem ser o marxismo, apesar de sua importncia e
de seus mritos, o nico mtodo vlido de anlise dos
fenmenos sociais, histricos e econmicos.
Outros departamentos da PUC-RJ e de muitas outras
universidades brasileiras, mormente no setor dos estudos
sociais (filosofia, teologia e economia principalmente)
caminham rapidamente para situao semelhante. A atmosfera
sempre a mesma. A nica verdade a chancelada pelo
marxismo; o nico mtodo vlido no exame dos fenmenos
sociais o marxista; os autores mais reverenciados e
decantados em prosa e verso so os marxistas; slogans
emocionais, falsos e superficiais so aplicados a qualquer
tentativa de posicionamento que extrapole a bitola
estabelecida pelos postulados marxistas; somente o enfoque
marxista e valorizado; os alunos so devidamente
proselitizados como se estivssemos em meio a uma cruzada
religiosa de evangelizao e no numa universidade, onde se
devem apresentar as vrias correntes de pensamento sem
tendenciosidades, deixando aos alunos a liberdade de opo
livre pela que lhes parecer mais plausvel.
pouco relevante o fato de o sectarismo aqui aludido
ser de contedo marxista. Fosse ele fascista, positivista,
psicanaltico, islmico, behaviorista, catlico, budista, enfim,
revestido e qualquer outra roupagem, seria igualmente abjeto.
Faz-se mister que se permita, numa universidade, a liberdade
de opinio, que se pratique a exposio no tendenciosa da
55
informao, que se respeite a liberdade de pensar e que se
estimule a posio divergente que, como se sabe, amide se
constitui em fonte de novos conhecimentos e de uma maior
aproximao da verdade. Expurgar os membros que
discordam dos responsveis pelos destinos do Departamento
no atitude acadmica e sim prpria de seitas fechadas,
rgidas e pouco esclarecidas. No Departamento de Filosofia
da PUC-RJ, por exemplo, acabou-se a liberdade de ctedra.
Os diretores deste Departamento acabam de censurar o texto
escolhido pelos professores da disciplina Histria do
Pensamento. Da coletnea que inclua textos de Plato, Santo
Toms, Marx, Sartre etc., constavam trs de autores
brasileiros. Um destes trs foi cortado. O texto era fora do
assunto? No. Era de autor sem mritos? No; seu autor tem
fama internacional. Era de autor que no se filia corrente de
pensamento marxista e se insurge contra ela? Sim. E, por esta
razo, foi o texto de Miguel Reale expurgado. Tentaram os
professores da disciplina no serem unilaterais e isto,
atualmente, um pecado imperdovel no Departamento de
Filosofia da PUC-RJ, e, ao que parece, em vrios outros
departamentos desta e de outras universidades, onde apenas
autores marxistas ou os simpticos a esta ideologia merecem o
nihil obstat da direo.
II AUSNCIA DE LIBERDADE NAS REUNIES
CIENTFICAS E CULTURAIS
Foi simplesmente deprimente o espetculo a que
presenciei em reunies da Sociedade Brasileira para o
56
Progresso da Cincia, da Sociedade de Psicologia de Ribeiro
Preto e em algumas promoes culturais de carter mais local
em vrios pontos do Pas. O quadro se repete com montona
identidade de contedo, mtodos de ao e fontes de
referncia. O contedo dos posicionamentos tem de estar
eivado de conotaes marxistas para ser valorizado; o boicote
sistemtico, por vezes agressivo, aos que ousam violar os
ditames da ideologia de esquerda, notrio; as fontes de
referncia variam conforme o tema do encontro. Se educao,
Paulo Freyre referncia obrigatria; se sociologia, alm de
Marx, conveniente no esquecer-se de Fernando H.
Cardoso; se histria, urge reverenciar o nome de Werneck
Sodr; se teologia, cair em desgraa quem no se
fundamentar nos telogos da libertao (Gutierrez, Segundo
etc.); se filosofia e, curiosamente, psicologia tambm, Marx
referncia obrigatria, mas muito se beneficiar o expositor
se recorrer a citaes de Habermas, Adorno, Althusser e
Foucault. A eventual contribuio substantiva de alguns
destes au