Post on 20-Jul-2015
In t rodu ç ão 13
Merecem um parágrafo especial os muitos testemunhos de
pessoas com deficiência que, com simplicidade, mas de modo
sincero, enriquecem o texto e lhe outorgam a autoridade da
experiência da autora, adquirida em neste trabalho específico
ao longo de muitos anos. Um livro desta magnitude não poderia
ser escrito com base apenas na teoria. A prática pastoral, que
adequa a fé à realidade vivencial dos homens e mulheres aos
quais se dirige, tornou possível a veracidade apresentada neste
livro pelas breves, mas vivas, experiências de muitas pessoas
de várias partes da América Latina, que formaram o conheci-
mento de Brenda e, de forma muito agradável, estão inseridas
em seu texto.
É surpreendente como uma pessoa que não nasceu na
América Latina, possa nos entender com a competência que
Brenda demonstra neste volume. Ela não apenas compreende e
sistematiza o tema “deficiência”, mas demonstra ainda conheci-
mento da cultura latino-americana e caribenha, da qual faz par-
te não por nascimento, mas por sentimento de solidariedade.
Nós que convivemos com alguma deficiência em geral so-
mos muito sensíveis, atentos e reativos a qualquer intervenção
em nossa interioridade por parte daqueles que não as têm. No
entanto, quando alguém nos analisa, estuda e ensina da mesma
forma com que Jesus agiu na estrada de Emaús, merece aplauso
e reconhecimento, pois “anda em nosso mesmo caminhar”.
Recomendo este texto não somente porque tenho deficiência
física, mas também porque, em minha longa experiência como
pastor, tenho lutado por quase toda a vida para que os que têm
alguma deficiência não se tornem objeto de piedade e paterna-
lismo, mas sejam considerados objeto do AMOR de Deus, com
plenos poderes para ser parte indispensável da comunidade e
da igreja.
De f ic i e n t e: o De sa f io Da i nc lu são na igr e ja14
Por último, mas não menos relevante, a autora desta obra
destaca a diversidade da imago Dei, na qual o criador concebeu
a existência humana. Essa diversidade nos permite ver o quanto
é bela a vida sob quaisquer circunstâncias e, sob todas as condi-
ções, responder ao chamado de Deus para construir um mundo
mais justo, no qual não valem desculpas, como aquelas dadas
por Moisés, mas, sim, realizar a parte que nos toca na constru-
ção do reino de Deus, na certeza de que alguém que viva com
deficiência seja capaz de dizer posso todas as coisas naquele que
me fortalece.Rev. Noel FerNáNdez,
coordenador da EDAN
abril de 2012
c a p í t u l o 1
um caminho diferente
pessoas com deficiência vivem entre nós, mas suspeito que
saibamos muito pouco sobre sua vida. Em junho de 2011, a
Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Banco Mundial (BM)
publicaram o Relatório Mundial sobre a Deficiência. Quantos
de nós, porém, dedicam algum tempo para ler documentos des-
se tipo? Muito poucos. No entanto, a deficiência, uma realidade
que não conhecemos ou não nos atrevemos a conhecer, é total-
mente surpreendente.
Calcula-se que mais de um bilhão de pessoas vivem no
mundo com algum tipo de deficiência, o que representa 15%
da população. Em 1970, os números já nos indicavam que 10%
da população mundial tinha alguma deficiência. Como é fácil
perceber, a realidade apresentada pelos números mostra um au-
mento significativo de pessoas com deficiência.
De acordo com o relatório citado, além de outros informes,
estas pessoas enfrentam discriminação em todos os ambien-
tes. Elas são os mais pobres, recebem menos educação, têm
menos acesso a serviços de saúde, e têm a menor participação
na sociedade.
De f ic i e n t e: o De sa f io Da i nc lu são na igr e ja16
Os cristãos são a luz e o sal do mundo. Isto significa que nos-
so exemplo deve ser excelente. Há irmãos trabalhando duro
para melhorar a vida de pessoas com deficiência. Eles zelam
pelo seu bem-estar, ensinam como incluí-los na sociedade e
como valorizá-los. No entanto, na verdade, estes ainda são mi-
noria. Infelizmente encontramos nas igrejas muita confusão e
pouca informação sobre o assunto e, como resultado, a indife-
rença. É preciso ouvir as vozes daqueles que têm algum tipo de
deficiência para que possamos entender sua vida e o clamor de
seu coração.
Esta é uma história verídica:
Juan, um homem pobre que não podia andar, chegou a uma
igreja usando seus braços para movimentar-se pelo chão. Com
muita dificuldade, subiu a escadaria que dava acesso ao templo.
Quando estava prestes a entrar, alguns membros da igreja que
estavam parados à porta proibiram-no entrar. Disseram que não
era digno entrar no templo de Deus daquela maneira, arrastan-
do-se. Então, com grande tristeza, o homem foi embora e voltou
para sua casa. Pouco tempo depois, o pobre homem morreu. Ele
nunca teve a oportunidade de ouvir a boa nova da vida eterna
e do perdão de pecados. Os irmãos daquela igreja nunca chega-
ram a conhecê-lo.
Se não conhecermos pessoas com deficiência ou suas fa-
mílias, é provável que nunca consigamos entender sua vida.
Neste livro caminharemos ao lado de algumas pessoas que
convivem com deficiências, e que normalmente não chega-
ríamos a conhecer. Enquanto caminhamos, vamos ouvir suas
vozes, cada uma diferente da outra, e cada uma tão importante
quanto a outra.
Um c a m i n ho di f e r e n t e 17
Todas essas vozes foram ouvidas em igrejas da América
Latina. Algumas são tristes, fruto de experiências de rejeição
ou crítica pela Igreja, como a de Susana, que vive no Equador:
“Tenho uma deficiência motora; alguns na igreja me atribuem a
culpa por isso. Outros dizem que devo ter fé e, assim, Jesus irá
me curar. Senti-me muito frustrada com Deus quando eu era
adolescente. No entanto, tenho mais facilidade para entender os
outros e tento ajudar outras pessoas”.
Outras vozes são mais positivas. Este é Juan, um jovem de El
Salvador: “Venho de uma família cristã e trago sequelas da po-
liomielite. Deus me reabilitou por meio da igreja. Ele me ajudou,
especialmente trabalhando em minha autoestima. Na igreja en-
contro muita aceitação por parte dos irmãos”.
Outro rapaz, Esteban, também de El Salvador, afirma: “Não
posso jogar futebol, pois tenho dificuldades para falar. Existem
pessoas na igreja que não gostam de mim, mas há muitas outras
que me apoiam. Sou feliz, pois meus irmãos me aceitam”.
Em contraste, outros têm experimentado frustração, como
Olga, da Guatemala. Ela quer trabalhar na congregação, embora
seja cega: “Quando quero fazer alguma coisa, me dizem: ‘Fique
tranquila, você não precisa fazer nada’. Mas eu quero fazer algo”.
É certo alguém com deficiência não poder ou ser impedido
de ajudar na execução de alguma tarefa na igreja? Sem dúvida,
ela pode e deve ajudar. Uma criança com deficiência cognitiva,
neste caso com síndrome de Down, pode ter uma vida espiritu-
al. Ouçamos a voz de uma mãe:
Diana é uma menina com 12 anos de idade. Por ter síndrome
de Down, ela tem dificuldade para se expressar verbalmente.
No entanto, isso não a impede de conhecer o amor de Deus, ou
de repetir uma oração de aceitação ao Senhor Jesus Cristo em
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seu coração, nem de apreciar músicas que louvam e exaltam o
seu nome. Entretanto, existe algo maior que desejamos com-
partilhar. Certa ocasião, em uma reunião de oração em família
ouvimos Diana falar e interceder com ações de graças por cada
um dos membros da família. Ela o fez com uma oração coeren-
te, simples e direta. Temos certeza de que sua oração subiu ao
trono divino.
No camiNho O trabalho com deficientes é caminhar com eles. Se não esta-
mos habituados a caminhar todos os dias, isso vai nos custar
esforço, tempo e paciência. No entanto, quando Jesus nasceu,
caminhar era normal. Se lermos os textos bíblicos sobre Jesus,
perceberemos muitos aspectos culturais de seu tempo e de
como ele viveu. Homens, mulheres e crianças, todos andavam
de um lugar para outro. As pessoas importantes podiam montar
um cavalo, ou mesmo um jumento, ou então viajar em uma car-
ruagem puxada por animais. Mas o povo pobre tinha de andar.
Jesus caminhou, identificou-se com as multidões de homens
e mulheres pobres. Ele andou horas e dias com seus discípu-
los e amigos. Durante essas caminhadas, o mestre ensinou-os
diretamente e por meio de parábolas ou de ações. Podemos
imaginar tais viagens, os momentos tranquilos durante a ma-
nhã, antes do calor do meio-dia. Ou o cansaço ao final de uma
longa caminhada, quando procuravam um lugar para passar a
noite, o que poderia ser em uma casa humilde ou, simplesmen-
te, em um descampado sob as estrelas. A solidariedade durante
a caminhada conjunta, o cuidado de uns para com os outros, a
fim de que ninguém ficasse para trás, fazia parte da aprendi-
zagem. As conversas e as piadas em torno da mesa, quando fi-
nalmente chegavam a seu destino, faziam parte da aventura. As
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experiências compartilhadas faziam com que se conhecessem
melhor, especialmente se alguém estava em apuros. Quando ha-
via discussões entre os discípulos e Jesus precisava intervir, ele
os ensinava com sua palavra e exemplo.
A igreja evangélica, assim como a sociedade contemporânea de
forma geral, perdeu essa estratégia de aprendizagem. Quem tem
tempo para aprender assim, caminhando? Nós usamos o rádio, a
televisão, o vídeo e a internet para buscar novas informações. E
se queremos interagir com alguém, recorremos ao telefone, ao
correio eletrônico, ao Facebook ou ao Skype. Nosso estilo favorito
é o virtual e tecnológico, por causa da sua velocidade.
Podemos recuperar alguns dos benefícios da caminhada
compartilhada. O peregrino foi escrito pelo inglês John Bunyan
e publicado em 1678. É um livro clássico, faz parte de nossa
herança evangélica. O herói, o Peregrino, respondeu ao convi-
te para sair de sua casa e descobrir mais sobre Deus enquanto
caminhava para a cidade celestial. Ele enfrentou tentações pela
estrada e encontrou muitos outros peregrinos. Não andava sozi-
nho; sempre estava conversando com alguém. Diante da veloci-
dade da nossa vida atual, caminhar conversando e dispondo de
tempo para nos conhecer parece muito atraente. Em vez de nos
comunicarmos por telefone ou e-mail, isso nos daria a oportuni-
dade de dialogar face a face.
Os peregrinos com quem vamos caminhar são como Elena,
uma jovem que nasceu surda, e como Julia, que tem uma in-
capacidade físico-motora. Conheceremos também Rodolfo,
que começou sua caminhada sem nenhuma deficiência, mas
que, depois de um acidente, apresenta agora uma deficiência.
Conversaremos com os pais de crianças que não se dão conta
de seu estado de deficiência complexa, mas que lutam para vi-
ver e desfrutar a vida. Como declara o livro de Hebreus, é uma
multidão caminhando na fé.
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Pelo caminho, entabularemos diálogo com outras pessoas
que representam os ministérios da igreja e as organizações não
governamentais. Esta é uma caminhada em comunidade: a co-
munidade da nossa fé.
DeficiêNcia: perDa ou pluraliDaDe? Um dos conceitos que associamos à deficiência é o de “perda”,
uma vez que muitas pessoas com deficiência perderam sua
habilidade de falar, mover-se, ouvir ou ver o mundo em tor-
no delas. Acreditamos também que o nascimento com alguma
dessas deficiências torna a pessoa diminuída, como no caso de
alguém com síndrome de Down. Provavelmente esse indivíduo
não chegará a frequentar uma universidade, “perdendo” assim
a oportunidade de se tornar um profissional. Ou, recorrendo à
figura da caminhada, como alguns não podem andar, estarão
perdendo uma experiência agradável. Não é óbvio que essas
pessoas vivem experiências de perda? Podemos imaginar que
sua vida deve ser triste ou frustrante.
No livro Uma igreja de todos e para todos, a Rede Ecumênica
para a Defesa da Pessoa com Deficiência (Ecumenical Disability
Advocates Network, ou EDAN) discute a seguinte questão: é
pertinente usar em nossa linguagem o termo “deficiência” as-
sociado à perda, apesar de ser essa uma etapa da peregrinação
das próprias pessoas com deficiência? Não seria mais adequado
associá-lo ao conceito de pluralidade?
Pluralidade é, na verdade, parte da realidade em que todos
vivemos. Ninguém é igual a ninguém; cada pessoa é única. Deus
nos criou individualmente. A diversidade é nossa experiência
comum. O que pesa para nós é a amplitude da diversidade. A
compreensão de que alguns nascem sem braços, ou que falam
por sinais e gestos, em vez de usar palavras, deve ser parte da
nossa formação como cidadãos do reino de Deus.
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Desde muito jovens, ficamos fascinados por nossa aparência
e pela moda, e temos dificuldade em aceitar diferenças corpo-
rais. Especialmente quando somos adolescentes, nosso desejo é
nos mostrar exatamente como os nossos heróis da televisão ou
do cinema, ou iguais a nossos amigos. Durante a juventude, tal-
vez não gostemos de ser diferentes, mas na maturidade é mais
provável dar valor à diversidade.
A particularidade de conviver com uma deficiência não está
tanto no sentimento de perda, mas na possibilidade de uma pe-
regrinação diferente, que envolve uma caminhada e um cami-
nho diferenciados. Nessa peregrinação, teremos tempo para o
diálogo, espaços para uma boa conversa e momentos de com-
partilhar experiências diversas. Encontraremos mais oportu-
nidades para conhecer outras pessoas do que em uma viagem
rápida de trem ou de avião. Teremos mais tempo para nos co-
nhecer a nós mesmos e a Deus, nosso criador.
o propósito Da camiNhaDa Este livro serve para todos aqueles que querem ser peregrinos
junto a pessoas que apresentam alguma deficiência. O objetivo
não é apenas atingir essas pessoas para ajudá-las (ainda que às
vezes elas precisem de ajuda), mas, sim, andar com elas em di-
reção a Deus e ao seu reino. Bunyan narra que, em seu caminho,
o Peregrino queria chegar à cidade celestial: nada menos do que
alcançar a plenitude da vida eterna com Deus. Esse é também o
nosso objetivo: começando aqui e agora, terminar por alcançar
tudo aquilo que Deus tem guardado para nós. Mas, como está
escrito: As coisas que olhos não viram, nem ouvidos ouviram, nem
penetraram o coração humano, são as que Deus preparou para os
que o amam (1Co 2.9).
Se quisermos caminhar ao lado de pessoas com deficiência,
teremos de alterar nossos passos. Isso significa que devemos
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começar fazendo uma revisão de nossa vida, valores e práticas.
Precisamos avaliar os valores que formam a base de nossa vida.
Essa revisão é relevante porque afeta nossas atitudes pastorais e
a dinâmica da nossa igreja. Nossa visão deste mundo, bem como
a visão do mundo que está por vir, devem ser testadas. Elas es-
tão realmente afinadas com a Palavra de Deus?
É urgente reconhecer que todos nós, se fazemos parte do
corpo de Cristo, somos iguais. Todos nós somos “peregrinos” —
com ou sem deficiência. O que varia é apenas a forma, o ritmo
ou o estilo da progressão. O caminho da deficiência nos levará
por rotas diferentes, talvez de maneira mais lenta, mas nos dará
a oportunidade de desfrutar de novas companhia e de uma ou-
tra paisagem.
Ao longo da história, existiram no mundo pessoas com de-
ficiência que, como nós, buscaram a Deus e queriam transitar
por seus caminhos. Moisés foi um deles, Jacó foi outro; ambos
serviram fielmente ao Senhor. Podemos imaginar os milhares
de servos de Deus que, com alguma deficiência, viveram essa
realidade ao longo dos séculos e até hoje.
O difícil para nós que não vivenciamos nenhuma deficiência
é abraçar a pluralidade de pessoas e suas experiências de vida.
É compreender que todos somos criação de Deus. Para incluir
a criança ou o adulto com deficiência, devemos expandir nossa
imagem restrita de ser humano e mostrar-lhes o amor de Deus,
genuíno e sem exceção. Caso contrário, sua exclusão pode ser
um triste sinal de que a igreja não está seguindo os autênticos
passos de Jesus.
peregriNação pessoal Da autora
Muitos anos atrás, na Inglaterra, quando comecei meus estudos
em educação para crianças com necessidades especiais, nunca
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imaginei que um dia fosse trabalhar com essa população na
América Latina, em um contexto tão diferente do ambiente de
meu próprio país.
Tudo o que aprendi na universidade, e muito mais nas esco-
las onde trabalhei, impactou imensamente a minha vida e mu-
dou minhas prioridades. Apreciei meus anos como professora;
no entanto, não cheguei a fazer nenhuma reflexão profunda e
bíblica sobre a vida das pessoas com deficiência.
Como cristã, interessava-me por todos, mas, além de ape-
nas trabalhar, queria ainda ganhar dinheiro ou adquirir bens,
e ver minha família crescer. Em razão da minha formação na
Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (CIEE),
aprendi os princípios e valores bíblicos, e então me preocupei
em seguir os passos de Jesus. Cristo fez tudo por nós e agora de-
vemos aceitar seu sacrifício na cruz e viver por ele, mostrando
nosso amor e gratidão por meio de nossas ações e obediência.
Minha motivação pessoal sempre foi o amor de Cristo por mim
e seu chamado para sair em busca de outros, a fim de lhes falar
sobre Deus e seu reino. A missão integral, na qual se contem-
plam todos os aspectos de uma pessoa — o espírito, o corpo, a
mente e as emoções — o que, repetidas vezes encontramos nos
ensinamentos de Jesus, foi a meta que me empurrou para fora
do meu contexto e cultura.
Apesar disso, não conseguia entender que a população de
pessoas com deficiência é um “povo não alcançado” pelo evan-
gelho. Essas pessoas vivem hoje em nossos bairros, geralmente
com suas famílias, como um “subgrupo” ou uma “subcultura”
de nossa sociedade, e somente um pequeno número delas fre-
quenta a igreja. Poucas igrejas buscam-nas com o evangelho
ou com o apoio pastoral. Em certo sentido, elas são invisí-
veis, subsistem na mesma comunidade, mas são esquecidas e
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excluídas. Provavelmente sabem muito pouco do evangelho,
como se fossem membros de algum povo distante, para o qual
se enviam “missionários”. Eu mesma não me dava conta dessa
realidade.
Mais tarde, quando fui com minha família trabalhar no Peru,
nunca havia me ocorrido que estava indo para a América Latina
a fim de fazer uso das minhas experiências de trabalho com
pessoas com deficiência. Depois de colaborar com os grupos da
Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos no Peru e
na Costa Rica por alguns anos, decidi mudar minha abordagem.
Nossa organização missionária — Latin Link — ofereceu-me a
oportunidade de dedicar um período sabático ao estudo da teo-
logia da deficiência.
Foi um novo chamado para mim. Durante os anos em que
estive envolvida em outras questões, o mundo formado por
pessoas com deficiência tinha se alterado completamente. A
linguagem mudara, assim com as políticas, e novas leis foram
criadas. Em muitos lugares a infraestrutura estava melhor e, o
mais importante, as atitudes começaram a se transformar. Além
disso, descobri algo surpreendente: alguns cristãos que escre-
viam sobre o assunto utilizavam a Bíblia para defender suas
teses. Já não se tratava de um estudo acadêmico ou secular; tor-
nara-se um campo missionário.
Pela primeira vez, encontrava livros e artigos teológicos so-
bre pessoas com deficiência. Por mais que minha motivação se
ancorasse em minha fé, eu nunca havia estudado a Bíblia com
essa abordagem. Comecei a perceber alguns textos na Palavra de
Deus que nunca antes tinha notado. Minha aventura começava!
O Senhor usou meu tempo de ano sabático para convencer-me
de que meu trabalho na América Latina devia ser realizado sob
o enfoque da inclusão da pessoa com deficiência.
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meNsagem De esperaNça Desejo compartilhar com vocês aquilo que encontrei. É uma
mensagem de esperança e de amor, que objetiva a inclusão da
pessoa com deficiência e de sua família. Essa mensagem reco-
nhece o direito a uma vida plena dos que são obrigados a viver
com alguma deficiência; busca a participação ativa dessas pessoas
na sociedade. Elas têm estado tão negligenciadas que, em muitos
casos, é preciso começar do zero. Este é o caminho a seguir.
Entendemos que a pessoa que traz alguma deficiência tam-
bém possui dons e talentos. Ela tem também um caminho e
um processo diferentes, o que exige que aceitemos o desafio
de pensar para além da atenção assistencial. Somos instigados a
nos comprometer com o desenvolvimento dessa pessoa e a lhe
oferecer o espaço a mais como discípulo de Jesus.
Veremos novos paradigmas que podem mudar as atitu-
des. Devemos permitir que a Palavra de Deus fale conosco.
Historicamente, as pessoas com deficiência têm sido discrimi-
nadas em todas as áreas da vida. Embora seja muito difícil, pre-
cisamos reconhecer que nós, a igreja, não estamos fazendo todo
o possível para incluí-los em nosso campo de ação. Muitas vezes
agimos de forma discriminatória, sem perceber e sem pensar
nas possíveis consequências disso. Como igreja, pouco temos
refletido teologicamente, e essa falha é percebida na ausência
de pregações que abordem o tema “deficiência”. Como o assun-
to geralmente não é inserido no currículo dos seminários e fa-
culdades teológicas do continente, não é de se estranhar que
os pastores não saibam como pregar sobre o assunto. Portanto,
estamos falhando mais por omissão ou negligência do que pro-
positadamente. Eu mesma falhei, apesar de minha formação
acadêmica e da experiência adquirida. Eu não conseguia enten-
der que o reino de Deus também se destina a todas as pessoas
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com deficiência e que elas podem atuar nele. De qualquer for-
ma, elas não precisam e não querem nossa comiseração; dese-
jam, sim, nossa colaboração.
Ninguém que ame verdadeiramente a Deus age de forma
deliberada para prejudicar ou magoar um indivíduo com de-
ficiência, mas faz isso por desconhecimento da existência de
um caminho melhor. Em nossa cultura, a marginalização e a ex-
clusão têm sido tão normais que, até recentemente, ninguém
questionava a falta de envolvimento deste grupo, quando então
a própria sociedade começou a se tornar consciente do fato. A
igreja pode agora se aproveitar das muitas normas, dos acor-
dos internacionais e das legislações nacionais sobre o tema para
agir com mais empenho e garantir um tratamento mais justo e
inclusivo. Espero que o leitor esteja pronto para uma aventura
diferente, para percorrer um caminho desconhecido. Mas vale-
rá a pena.