Post on 14-Aug-2020
Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
“ A revelação da seropositividade para o VIH ao parceiro sexual:
aspectos éticos e legais”
Maria João Silva (14560)
Orientador: Dr. António Baptista
Clínica Universitária de Medicina II
2015- 2016
“O que, no exercício ou fora do exercício e no comércio da vida, eu vir ou ouvir, que
não seja necessário revelar, conservarei como segredo.”
Juramento de Hipócrates
Lista de siglas
CDOM- Código Deontológico da Ordem dos Médicos
CRP- Constituição da República Portuguesa
IST- Infecções sexualmente transmissíveis
OMS- Organização Mundial de Saúde
VIH- Vírus da Imunodeficiência Humana
Resumo
A presente revisão aborda o dilema da revelação da seropositividade, para o VIH,
ao parceiro sexual, em especial quando existe relutância deste em fazê-lo e, quando desta,
surjam perigos para a saúde dos outros, bem como identificar quais os limites da nossa
possível revelação.
Pretende-se, igualmente, explorar de que forma esta situação problema pode
constituir um conflito de interesses e deveres para o médico.
A solução não tem sido unânime e diversos profissionais assumem diferentes
posições.
A revisão procura desenvolver uma reflexão sobre os direitos e deveres das
pessoas envolvidas na situação- pacientes e profissionais de saúde, partindo do
conhecimento legal e ético para análise do ponto de vista da Bioética.
Aborda as possibilidades permitidas pela legislação para a quebra do sigilo
profissional e sua conveniência para a prevenção, e sugere algumas directrizes para
enfrentar tal problema sem perder de vista os princípios universais que orientam a
biomedicina.
Para tal foi consultada a legislação pertinente ao assunto, os códigos de ética
médica e vários artigos que preenchessem os objectivos da revisão na tentativa de
descobrir condutas mais adequadas.
Palavras-chave: segredo médico, sigilo profissional, comunicação sigilosa,
confidencialidade, privacidade, ética médica, bioética, VIH.
Abstract
This review addresses the dilemma of disclosure of HIV status to the sexual
partner, especially when there is reluctance to do it, and when this, arise dangers to the
health of others, and identify the limits of our possible revelation.
It is intended to also explore how this problem situation may constitute a conflict
of interest and duties to the doctor.
The solution has not been unanimous and many professionals assume different
positions.
The review seeks to develop a reflection on the rights and duties of those involved
in situation- patients and health professionals, based on the legal and ethical knowledge
to analysis of the bioethics standpoint.
Discusses the possibilities allowed by law for breach of professional secrecy and
its suitability for the prevention, and suggests some guidelines to tackle this problem
without losing sight of the universal principles that guide biomedicine.
This is why we consulted the relevant legislation to the subject, medical ethics
codes and several articles that met the objectives of the review in an attempt to discover
more appropriate behaviors.
Keywords: medical secrecy, professional secrecy, confidential communication,
confidentiality, privacy, medical ethics, bioethics, HIV.
7
Introdução
A primeira referência que está descrita do segredo médico remonta ao Juramento
de Hipócrates e contém na sua essência os preceitos que são considerados fundamentais
da ética médica, onde se afirmava este, como uma atitude de discrição, para proteger a
intimidade dos doentes. Com o passar do tempo, o conceito foi-se adaptando e
acompanhando as transformações sociais e históricas e a partir de meados do século
XVIII, XIX passa a assumir um carácter deontológigo e legal. (1)
Aquilo que era uma imposição moral passa a ser um direito legal proclamado. (2)
A sua importância reside no facto de haver situações ou factos que precisam de
ser mantidos em segredo.
Na área da saúde, a confidencialidade exige um cuidado ainda maior. É de grande
utilidade prática e social, pelo seu propósito instrumental e, por ser necessária à prática
da actividade médica, pois, se não existem garantias de sigilo o paciente poderá nunca
revelar informações que o médico necessita, mas também, pelo carácter da profissão que
defende valores indiscutíveis. (3)
Apesar de ser entendido como um direito-dever inviolável e de preservar a
fragilidade, a intimidade e a autonomia da pessoa, pode ser quebrado por um justo motivo,
dever legal ou consentimento, o que levanta vários dilemas.
A concepção clássica que se tinha do sigilio tornou-se necessária de contestar
perante as progressivas mudanças ocorridas na sociedade e, com o avanço tecnológico,
perdeu-se um pouco da capacidade de lidar e responder a novos dilemas morais,
emergindo novas dúvidas e inquietações nomeadamente no âmbito da saúde. (4)
O surgimento do VIH tornou imprescindível a mobilização da sociedade para
preocupações com a privacidade e confidencialidade e para a necessidade de reflectir
acerca de aspectos éticos. Trouxe à tona um dos princípios reguladores do
desenvolvimento da humanidade, a ética.
Fez surgir aspectos bastante delicados, tornando vital a necessidade de balancear
os direitos e as necessidades dos indivíduos e do bem público.
Através desta revisão sistemática, pretendeu-se abordar algumas questões
relacionadas com a posição do profissional de saúde quanto à atitude de revelar ou não o
diagnóstico do VIH a terceiros, nomeadamente, ao parceiro sexual, quando existe recusa
do doente em fazê-lo e quando estão envolvidos comportamentos de risco; se devemos
convocar o parceiro para lhe comunicar a seropositividade do companheiro, sem se estar
8
a violar o sigilo profissional ou se poderemos ser condenados por tal acto. No caso do
doente que mantenha, concomitantemente, relações sexuais conjugais e extra conjugais,
quem tem o direito à informação?
Por outro lado, caso o médico não transmita a informação ao parceiro(a) e não actue
ao convocá-lo poderá ser indiciado de propagação de uma doença com prognóstico fatal?
Qual deve ser a atitude do médico em termos de saúde pública?
9
Aspectos legais e éticos
Num breve olhar sobre a História, constatamos que o dever do segredo médico
remonta a Hipócrates. Durante a Idade Média, este passou a não ser garantido no mundo
Ocidental, tendo ressurgido, posteriormente, na Idade Moderna, fruto primeiramente, do
pensamento iluminista e, posteriormente, da influência liberal. Desde a Segunda Guerra
Mundial, resssurgiu, novamente, inspirado pela defesa dos direitos humanos. (5)
2500 anos depois de Hipócrates, a obrigação do médico de guardar segredo
mantém toda a actualidade e assume-se cada vez mais como uma necessidade. (5)
Contudo, se antigamente este era encarado, quase exclusivamente, como uma
obrigação moral, quase religiosa, não se encontrando assente em qualquer base jurídica,
hoje não pode, ser entendido nesse mesmo sentido. (5)
A própria constituição foi estabelecendo, ao longo dos tempos, leis que
garantissem uma protecção contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana,
de informações relativas às pessoas e famílias. À cabeça de tais garantias pode dizer-se
que está a protecção do segredo profissional. (6)
A CRP, defende direitos pessoais, entre os quais, o direito à reserva da intimidade
da vida privada e familiar, devendo fundar-se, também aqui, a protecção do segredo
médico. (6) Por sua vez, o direito à intimidade da vida privada e familiar inclui o direito a
impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e o direito, a
que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrém.
Outros diplomas nacionais, como o Estatuto da Ordem dos Médicos também
impõe o segredo profissional como um dos deveres dos médicos. No mesmo sentido, o
CDOM, prescreve, o dever de sigilo. (7)
Esta preocupação em proteger as pessoas quanto à reserva da sua intimidade, da
sua vida privada, consta, não só dos principais diplomas nacionais, mas de diversa
legislação internacional.
Quanto às fontes internacionais, em matéria de direito a sigilo médico, destaca-se
a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), da OMS, a Declaração de
Helsínquia, a Declaração de Lisboa (1981), a Declaração de Budapeste (1993) sobre
confidencialidade e defesa do paciente, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e
a Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina. (8)
10
O direito ao segredo encontra-se protegido constitucionalmente no âmbito dos
direitos, liberdades e garantias e, assim sendo, goza de aplicação imediata estando, desta
forma, a ele obrigadas todas as pessoas. Trata-se, portanto, de um direito absoluto de
respeito à privacidade da pessoa titular do segredo.
Contudo, a necessidade do segredo não nasceu apenas da necessidade de
protecção do doente mas também da própria profissão. O estabelecimento de normas
jurídicas que garantem o dever do sigilo e a confidencialidade das informações, não serve
apenas para proteger a intimidade e privacidade dos pacientes mas também visam
proteger a própria dignidade e prestígio da profissão médica e a confiança da sociedade
na medicina e nos profissionais de saúde. (9)
O segredo médico é, portanto, o silêncio a que o profissional de medicina está
obrigado acerca dos factos de que tomou conhecimento no exercício da sua actividade.
Inclui aqueles que são revelados directamente pelo doente ou por terceiros com quem
tenha contactado durante a prestação de cuidados bem como os factos provenientes da
sua observação clínica, dos meios complementares de diagnóstico, de factos comunicados
por outro professional de saúde, mantendo-se mesmo após a morte. (10,11)
É, portanto, aquilo que diz respeito à privacidade, não podendo ser divulgado,
tornado público ou dado a conhecer a pessoas não autorizadas.
É direito-dever, porque é, simultaneamente, a conduta esperada pelo paciente e
uma obrigação do médico. (1)
Consiste numa demonstração de respeito e responsabilidade para com o outro
constituindo, assim, numa garantia das boas relações profissionais e tornando-se num
elemento central no exercício da Medicina.
Apesar de pertencer ao doente, também se reveste de um carácter público,
servindo o médico apenas como um depositário de informação. (5)
Representa uma característica moral obrigatória da profissão e um pilar da relação
médico-doente. O dever da manutenção deste decorre da necessidade do paciente confiar,
irrestritivamente, no profissional de saúde de forma a se estabelecer uma relação médico-
doente satisfatória. (12)
A relação que se estabelece constitui um processo interactivo que se fundamenta
em princípios como a privacidade, confidencialidade e comunicação previligiada e que
são vinculativos de uma garantia de discrição profissional e dos direitos de auto-
determinação do doente onde se insere a liberdade de escolha do que deve ser privado. (1)
11
Esta remete para obrigações e deveres de ambas as partes e exige também que haja
respeito pelos limites um do outro. O relacionamento constrói-se com base na
compreeensão mútua e verdadeira através de uma relação de confidencialidade em que o
médico conta com o compromisso do paciente para revelar informações necessárias e o
paciente espera do médico o compromisso do seu sigilo. A posição que o médico ocupa
faz com que haja uma grande expectativa tando dos doentes como de toda a sociedade
acerca da natureza confidencial das informações, fazendo deste um portador de grande
responsabilidade. (3)
Esta expectativa social sobre este compromisso levou à elaboração de diferentes
normas éticas e legais que vieram reforçar o seu dever com a confidencialidade, o que
veio fazer com que o doente confie no profissional de saúde por saber da sua obrigação
com o sigilo. (3)
Excepções ao segredo
A quebra do sigilo pode resultar da ignorância, da falta de entendimento com o
utente bem como da negligência por parte do profissional. Pode ocorrer, também, por
intervenção de terceiros como é o caso de seguradoras ou de outras instituições que
colaboram nos cuidados de saúde e que, muitas vezes, necessitam de informações para
garantir a qualidade de um serviço. (1)
As informações que são transmitidas ao profissional de saúde devem permanecer
sob sigilo profissional. A decisão de revelar ou transmitir estas, é uma decisão do
paciente, sendo que, a quebra deste compromisso corresponde a uma infração. (13)
O médico não pode revelar conhecimentos que obteve no decurso do exercício da
sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou com a autorização do doente, mas, se
por alguma razão o decidir fazer, deverá ser capaz de justificar essa decisão. (4)
No entanto, podem ocorrer situações mais específicas em que a quebra do segredo
constituiu uma obrigação legal para os médicos. (14)
Tendo por base os princípios orientadores da conduta profissional e da bioética
para fundamentar a quebra da confidencialidade, esta apenas pode ser considerada em 4
situações:1- quando há alta probabilidade de acontecer um dano físico a uma pessoa
identificável e específica, estando justificado o princípio da não maleficência; 2- quando
12
existe um benefício real da quebra deste sigilo, baseando-se no princípio da beneficência;
3- quando este for o último recurso depois de esgotadas todas as abordagens, para o
respeito ao princípio da autonomia. (14)
Tendo estas razões por base, pode constatar-se que, o segredo pode ser rompido
quando houver risco de dano físico para o paciente, quando deste resultar um benefício
maior, em caso de não haver outra possibilidade e, este constituir o último recurso. (15)
A quebra deste, apenas pode ser feita em situações específicas e necessárias o que
faz com que o seu não cumprimento noutras circunstâncias implique repercussões penais.
A existência de uma justa causa deixa de configurar a quebra do segredo como
um crime como é o caso da notificação de uma doença infecto-contagiosa à saúde pública
pois, considera-se, em último caso, a defesa de um bem maior. (13)
Com efeito, a protecção da saúde pública constitui uma típica excepção à regra da
confidencialidade, (16) que identifica situações de risco, recolhe, actualiza, analisa e
divulga os dados relativos a doenças transmissíveis e outros riscos em saúde pública. (7)
O facto de existirem algumas situações legalmente justificadas e nas quais se
podem romper estes princípios, faz com que o profissional de saúde se depare muitas
vezes com um conflito entre a privacidade do seu paciente e o dever de informar terceiros
dos riscos a que estes possam estar a incorrer devido à conduta que o paciente possa estar
a ter, contra os outros ou a sociedade.
O que se tornou mais evidente com a evolução histórico-social da Medicina é que
o segredo médico deixou de puder ser visto em termos absolutos, e envolto num carácter
de inviolabilidade e sacralidade. É pois, necessária uma reavaliação da sacralidade do
segredo, com base em todas as mudanças da sociedade. (4)
Mas se por um lado é necessária a relativização do segredo, por outro também não
é necessária a abolição do segredo médico. Deve prevalecer a ideia de uma relativização
sempre fundamentada por razóes éticas, legais e socais. (7)
É necessária sempre uma actuação cuidadosa em determinadas situações especiais
da medicina, nas quais se supõe que existe um interesse superior que exige a violação
deste segredo. Estas situações não devem ser consideradas como um infracção e como tal
punidas visto que, visam proteger um interesse superior. (4)
O que fica claro, com base na literatura disponível é que juridicamente também
não existem consensos e definições claras que embassem decisões como as de revelar o
diagnóstico, sendo que neste caso pode ser útil recorrer aos princípios bioéticos.
13
No entanto, perante este conflito moral acredita-se que a decisão do profissional
de saúde não pode e nem deve ser baseada exclusivamente nos códigos de ética. Estas
devem ser dialogadas, compartilhadas e decididas de forma conjunta com pessoas que
possam partilhar valores morais diferentes.
Transmissão de informação a parceiros de doentes seropositivos
A vastidão desta epidemia introduziu diversas novas questões e fez surgir novos
dilemas morais e éticos onde se criaram impasses.
Algumas das questões que surgiram com esta temática estão relacionadas com o dever
do profissional de saúde de revelar o diagnóstico do VIH a terceiros, nomeadamente, ao
parceiro(a) quando o nosso doente se recusa a fazê-lo. Coloca-se, igualmente a questão
de, se o médico tem o dever de convocar o parceiro(a) para comunicar a seropositividade,
sem se estar a violar o segredo profissional e se podemos ou devemos ser condenados por
tal.
E se o doente mantém relações conjugais e extra conjugais, quem tem o direito à
infomação?
Por outro lado, caso o médico não transmita a informação ao parceiro(a) e não actue
ao convocá-lo, poderá ser indiciado de propagação de uma doença com prognóstico fatal?
Qual deve ser a atitude do médico em termos de saúde pública?
Perante algumas destas questões, o profissional de saúde poderá encontrar-se num
impasse e aquilo que se torna mais evidente é que existe um grande conflito moral e ético
na temática do VIH.
Como tal, torna-se imperativo ter conhecimento das normas legais, éticas e
deontológicas ao caso em apreço.
Tal como previamente sublinhado, todo o indivíduo tem o direito ao sigilo da sua
vida pessoal e do seu estado de saúde e tem o direito a não ser descriminado, sendo que
o médico não tem o direito de revelar a outrém aquilo que lhe é confiado sob pena de,
também, comprometer irremediavelmente a relação profissional. Cabe portanto a este
uma ponderação entre os prejuízos e benefícios. (17)
14
Para além da garantia deste sigilo médico ser um dos pontos-chave para o
desenvolvimento de uma boa relação médico-doente, consiste num princípio ético
fundamental para garantir a veracidade da narrativa e impedir que factos sejam ocultados.
(12)
Contudo, como já mencionado, em algumas situações pode existir a necessidade
de quebra dessa confidencialidade, principalmente, quando pode estar em causa o dano
ou morte de uma outra pessoa. (12)
A problemática do VIH veio criar uma situação especial que poderá justificar
medidas especiais e a quebra do sigilo médico. No entanto, estas medidas, têm de ser
adequadas e justificadas e realizadas de forma proporcionada ao atingimento dos seus
objectivos. (17)
Numa relação conjugal sero-discordantes, ou seja, numa relação em que um é
seropositivo e o outro não, gera-se uma situação que tem, particularmente, preocupado os
profissionais de saúde- diz respeito ao desconhecimento da seropositividade pelo membro
seronegativo, especialmente se, por algum motivo, não é utilizado o preservativo.
A decisão de revelar o diagnóstico não é estática, estando contextualizada nas
experiências do viver com VIH que abrange âmbitos da vida individual, familiar, da
comunidade e da sociedade em que a pessoa está inserida. (18)
Perante o diagnóstico, a pessoa vivencia um intenso sofrimento estando sempre
presente a angústia e o medo, além da tristeza, diante das possíveis e ainda incertas
mudanças de vida. (19)
Além do mais, os doentes são confrontados com a redução da auto-estima e o
sentimento de culpa marcado pelo estigma que geralmente acompanha a história da
doença. Este último altera inclusive a percepção que a pessoa tem por si mesma e pelos
outros alterando até a sua própria identidade. (20)
Nesta situação, o médico vai deparar-se com um confllito. Se por um lado está
vinculado pelo dever do sigilo, por outro lado, deve zelar pela saúde, integridade e vida
dos pacientes, tendo a obrigação de proteger certos bens como a vida e a integridade. (6,21)
Estão embotidos, essencialmente, dois tipos de interessses. Os do indivíduo, da
sua liberdade e privacidade e, por outro lado, os interesses da sua família, principalmente
do parceiro sexual, que corre risco de vir a ser contagiado se não forem prestadas medidas
preventivas. (17)
15
Os dois (privacidade e vida) são considerados direitos individuais equiparáveis,
no entanto, segundo alguns autores, se formos equiparar a privacidade com a vida, a vida
irá sobrepôr-se. (13)
Aquilo que se sobrepõe é que, o direito a bens jurídicos superiores merece uma
salvaguarda também superior, nomeadamente o direito à vida e à saúde, mesmo que se
tenham de sacrificar direitos protegidos como a intimidade de cada um. (6,17)
Em contraponto, a sociedade, também tem direitos e o Estado tem a
responsabilidade, de tomar medidas para prevenir a propagação de doenças como o VIH.
(17)
No entanto, entenda-se que as medidas de que a pessoa é alvo apenas serão
admitidas em nome de um objectivo comum e colectivo, em nome da salvaguarda de
terceiros e naquilo que apenas for estritamente necessário. (17)
Na opinião de alguns autores, a protecção de um terceiro constitui uma excepção
legítima mas que deve valer apenas para um terceiro identificado e não para proteger a
população em geral; apesar da dificuldade de avaliar a probabilidade de que ocorra o dano
a outrém, é preciso estar convencido dele e por fim, é preciso verificar se a revelação do
segredo atingirá seu objetivo, a proteção. (22)
Portanto, perante um doente VIH positivo, caso se verifique que não há uma
vontade natural para contar à outra pessoa e quando não existem indícios de que esse
compromisso vai ser cumprido, o médico poderá tomar a atitude de se interpôr na relação
e falar ao parceiro sexual da seropositividade. (14,17)
O CDOM em 2008, trouxe novidades nesta matéria, onde veio afirmar: “Se o
doente não modificar o seu comportamento, apesar de advertido, o médico deve informar
as pessoas em risco, caso as conheça, após comunicar ao doente que o vai fazer.” (8)
Contudo é necessário ter em consideração que este é código foi publicado sob a forma de
um Regulamento em Diário da República, e como tal não é uma lei em sentido formal.
(23)
Tal comunicação apenas deve ser feita após várias tentativas de persuasão mas
que não tenham logrado qualquer tipo de adesão do doente. Pode também informar-se o
parceiro sexual do doente portador de VIH, dos perigos em que incorrem no caso de o
doente ter tido comportamentos sexuais de risco. (24)
Nestes casos, considera-se que, a partilha de factos que são revelados para
acautelar a vida de uma pessoa, não constitui uma publicitação desses mesmos factos, não
havendo sequer uma violação do dever de sigilo. (6)
16
Ao contrário do que acontece noutros países, em Portugal prescinde-se da
comunicação prévia às autoridades como passo anterior à comunicação a terceiros. (14)
Apesar da ideologia anteriormente defendida, alguns autores apresentam reservas.
Estes argumentam que só em casos raros se encontram preenchidas todas as exigências
para se se fazer essa revelação. Isto é, que o doente poderá não ter comportamentos de
risco que colocariam em perigo a vida, integridade física, saúde ou liberdade do parceiro
e que mesmo que tais comportamentos existam a transmissão do vírus por relações
sexuais está associada a uma baixa taxa de transmissão. Para além que é bastante dificil
de estabelecer quem tem o direito de ser informado e quem não tem e até onde se pode
estender a divulgação destas informações, constituindo esta, uma área de bastante
indefinição. (7)
No oposto da situação previamente defendida, outros autores defendem que,
mesmo nos casos em que não exista uma relação médico-paciente ou uma relação estreita
de outro teor, podemos revelar o segredo de maneira a salvaguardar a vida e a integridade
física daquelas pessoas, pois, se é certo que o paciente sofrerá discriminação e estigma
social, também é certo que do outro lado está em perigo a vida e a saúde de uma terceira
pessoa. (7) Porém, perante a mesma situação problema, outros defendem que, o médico
encontra-se apenas vinculado pelo dever do segredo, não podendo quebrar este. (6)
Aquilo que sobressai de toda a análise é que no âmbito do VIH o médico está
colocado perante um conflito de valoração de normas deontológicas. Os direitos
envolvidos em ambos os lados da situação são direitos humanos fundamentais e
personalíssimos, sendo dificil de priorizar estes valores.
Além do mais, a ambiguidade destas questões está assente no facto de que não
existem parâmetros bem definidos que nos possam permitir ter uma abordagem desta
situação de forma clara e com a certeza com que geralmente os clínicos enfretam várias
problemáticas. (17)
A preocupação com o controle da epidemia e ao mesmo tempo com o bem-estar
psicossocial do paciente representa um desafio às práticas de saúde. Para associar a saúde
do próprio paciente, do parceiro e a saúde coletiva, o profissional envolvido deve
conhecer os alcances e limites de suas práticas.
O que fica claro é que se pretende encontrar um equilíbrio entre o respeito dos
interesses do indivíduo e os interesses sociais, o direito à saude e à vida de outra pessoa
e para tal é necessário e de vital importância, o médico e o estudante de medicina, terem
17
conhecimento das circunstâncias onde o sigilo pode ser quebrado, sendo estes, aspectos
vitais na formação básica do estudante de medicina.
18
Conclusão
O sigilo médico é protegido pela legislação e tem um carácter deontológico e legal
constituindo-se, portanto, como um dever do médico e um direito do paciente.
A garantia da violação deste segredo também é preconizada quando se trata de um
interesse colectivo que seja mais relevante que a sua manutenção ou mesmo em
determinadas situações em que a lei o permita. No entanto, é preciso salientar que devido
à definição subjectiva de justa causa que justifica o seu não cumprimento é muitas vezes
de dificil caraterização.
O médico é apenas um depositário de uma confidência, que deve ser mantida em
segredo com o objectivo de proteger o paciente, a sua família, a sociedade e a sua própria
profissão. No entanto apesar de este segredo pertencer ao doente, a guarda da informação
existe não pela exigência da pessoa que o conta mas, pela condição de quem a ele é
confiado e, pela natureza dos deveres que são impostos a certos profissionais de saúde. (3)
Como tal, a decisão de quebra de sigilo médico deve ser pautada pela reflexão e
pela prudência dada as repercussões éticas, penais e civis associadas.
É necessário que o médico tenha conhecimento acerca das determinações legais
que fudamentam a sua conduta no caso de uma eventual necessidade de quebra do sigilo.
O dilema da revelação da condição serológica de portador de VIH para o parceiro
sexual vem ao longo da história da epidemia causando indagações e desconforto. Seja
qual for a parte envolvida, paciente, profissional, parceiro sexual, família, ou outras, o
problema é de todos, sendo estas questões cada vez mais actuais e revestidas de maior
pertinência.
Apesar de todos os argumentos jurídicos que apontam para uma legislação
específica à qual se pode recorrer, observa-se que na prática clínica, as situações que
ocorrem impelem a uma posição e tensionam a prática dos profissionais de saúde.
Não há como seguir cegamente nem a legislação nem os preceitos dos códigos de
ética profissionais. Amparados em ambos há que se tentar diferentes estratégias,
preferencialmente negociadas e consensuadas entre profissionais e paciente, devendo-se
promover meios concretos para a revelação, pelos profissionais dos serviços de saúde, de
forma a se encontrarem medidas eficazes para o control da epidemia.
Dilemas como este, apesar de serem cada vez mais frequentes não são de fácil
resolução. Cada caso traz as suas particularidades e precisa de ser examinado de uma
forma singular. Em virtude de se tratar de um dilema ético, diversos posicionamentos
19
podem emergir o que sugere que se façam discussões de temas como este a fim de se
encontrarem soluções mais adequadas.
Seria importante estas questões não serem apenas discutidas entre os profissionais
de saúde mas também no âmbito jurídico, educacional e na sociedade de uma forma geral.
Ao iniciar o trabalho, esperavam-se respostas mais “objetivas’ de forma a munir
os profissionais de saúde, que se vêem diante do dilema da revelação do diagnóstico do
VIH ao parceiro sexual, de ferramentas mais úteis. Entretanto, o exame do material
existente mostrou que isso não seria possível e talvez nem desejável, sobretudo quando
se tem como horizonte os Direitos Humanos.
20
Agradecimentos
Ao Doutor António Baptista por deixar transparecer o seu amor pela
Medicina Interna nas aulas que leccionou e por apoiar a realização deste
trabalho. Pela disponibilidade, paciência e ajuda.
Ao Professor Doutor António Vitorino pela disponibilidade e amabilidade.
Aos meus pais, por me proporcionarem o gosto pelo estudo e me darem as
ferramentas necessárias para chegar até aqui, por terem acreditado em mim
desde o primeiro dia e por me terem dado a oportunidade de realizar o
sonho da minha vida.
A todos os meus colegas de curso e amigos, que tornaram este percurso
mais fácil e menos solitário, em especial o Ulisses Peres e a Diana Simão
por terem sido os meus constantes companheiros de luta.
21
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