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Claudio Blanc
Martin Luther King Jr. Herói dos Direitos Civis
Uma biografia
Projeto Cultura e Memória
do Sindicato dos Padeiros de São Paulo
Presidente: Francisco Pereira de Sousa Filho (Chiquinho Pereira) Coordenador: Aparecido Alves Tenório (Cidão)
Curador: Claudio Blanc
www.padeirosspmemoria.com.br
Sumário
O Apartheid Americano........................................................4
A Vida em Atlanta.................................................................10
Formação.................................................................................16
Heróis........................................................................................22
Luta pela Liberdade..............................................................35
O Nascimento de um Líder................................................50
Eu Tenho um Sonho.............................................................62
Prêmio Nobel..........................................................................67
O Mártir...................................................................................71
O Legado de Martin Luther King Jr...............................80
Apêndice: MLK por ele mesmo........................................86
Sobre o Autor..........................................................................93
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O Apartheid Americano
enfoque de Martin Luther King Jr. na desobediência civil se
baseava numa percepção filosófica. A ideia defendida pelo
escritor Henry David Thoreau (1817 –1862) preconizava que
todo cidadão tinha direito de se opor a um governo injusto. Era este jus-
tamente o ponto enfatizado por King: a questão do segregacionismo ame-
ricano era incentivada pelo governo de muitos estados americanos. Era
preciso reverter esse processo, estabelecendo novos conceitos, principal-
mente no que dizia respeito às “leis de Jim Crow”.
Entre o século 18 e meados da década de 1960, a maioria dos estados
americanos sustentava a segregação através das “leis de Jim Crow” – as-
sim chamadas por causa de um famoso personagem negro de shows itine-
rantes. Da Califórnia a Delaware, da Dakota do Norte ao Texas, muitos
estados e cidades impunham punição legal às pessoas que mantinham
relacionamentos inter-raciais. As mais comuns dessas leis proibiam o ca-
O
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samento entre negros e brancos e obrigavam os estabelecimentos comer-
ciais a manter separados os clientes de raças diferentes.
Segundo alguns autores, como Christy Whitman, com a abolição da es-
cravatura as leis de Jim Crow abrandaram. “Os negros eram impedidos,
mais do que oficialmente proibidos, de votar e de participar de muitas
atividades sociais”, escreveu Whitman em seu livro O Jovem Martin Luther
King (Nova Alexandria, tradução de Guca Domenico). Na verdade, a lei
estava nas mãos dos magistrados brancos que julgavam e puniam o com-
portamento dos afro-americanos segundo seus próprios conceitos.
No sul do país, a segregação racial era garantida e aplicada pela good
ol’ boys network , que poderia ser traduzida como “Associação dos Bons
Garotos”. Tratava-se de uma sociedade secreta racista, conservadora,
protestante e fundamentalista. No entanto, quem mais se destacou na
feroz manutenção da condição social que os brancos pretendiam para os
negros foi a famigerada Ku Klux Klan.
Encapuzados
Originalmente organizada no inverno de 1865-66, em Pulaski, Tennes-
see, a Ku Klux Klan foi concebida como uma fraternidade, por seis vetera-
nos confederados. O nome da organização era derivado de Kuklos, palavra
grega que significa “círculo”, mais o termo inglês clan, ou clã.
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Membros da KKK e a cruz em chamas, um dos símbolos da fraternidade racista
Logo, a KKK se espalhou como um cancro por todos os estados do sul,
incluindo em suas fileiras prefeitos, juízes, xerifes e até mesmo criminosos
comuns. Seus alvos principais eram os líderes e políticos negros, os quais
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eram sistematicamente assassinados. Através de espancamentos e tortu-
ras, os membros da KKK intimidavam a comunidade afro-americana que
desejava votar e conseguir melhores condições sociais. Embora dirigissem
sua fúria contra a liderança negra, a fraternidade assassinava os afro-
descendentes por praticamente qualquer motivo. Homens, mulheres,
crianças, idosos e até mesmo deficientes físicos eram submetidos a atroci-
dades inadmissíveis. Frequentemente os negros tentavam revidar, mas
eram em menor número e fracamente armados. O resultado da justa rea-
ção era mais terror por parte dos brancos.
O logo da KKK
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Os homens do Klan incendiavam escolas e igrejas; linchavam professo-
res e líderes educados pelos simples fato de representarem alguma luz
para sua comunidade; expulsavam homens livres de suas propriedades
por serem de uma raça diferente da sua; espancavam trabalhadores por
terem tomado empregos desejados por brancos e assassinavam tantos
outros por se recusar a trabalhar para os da sua etnia. Matavam pessoas
de cor por lerem jornais, por possuírem livros em suas casas ou, simples-
mente, por serem descendentes de escravos.
Um afro-americano que viveu no século 19 registrou numa nota a vio-
lência da Ku Klux Klan: “estamos vivendo dias de terror. As pessoas de cor
estão desesperadas. Os rebeldes avisam que os negros não terão mais
liberdade agora do que tinham quando eram escravos. Se as coisas conti-
nuarem assim, nosso destino está selado. Deus sabe que isso (que esta-
mos vivendo) é pior do que a escravidão”.
O pesadelo só terminou na década de 1960, quando investigado-
res do Federal Bureau of Investigation, o FBI, prenderam e condenaram
membros da Ku Klux Klan que haviam assassinado líderes negros no esta-
do de Mississipi. Hoje, A KKK continua ativa. Num tom mais brando, anun-
ciam que “não são racistas”, mas que buscam preservar a identidade cul-
tural de cada povo, desestimulando o casamento inter-racial. Agora, o
Klan busca fazer valer seus antiquados conceitos não mais pelo terroris-
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mo, mas pela disseminação de ideias descabidas. Será que realmente es-
tão menos perigosos?
Racismo no berço: crianças posam ao lado do Grande Dragão Verde, o líder da KKK
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A Vida em Atlanta
a história recente dos Estados Unidos, ergueu-se um perso-
nagem cujo heroísmo não consistia de vencer seus inimigos
comandando exércitos e canhões; um homem que buscava
em lugar de destruir, construir; em lugar de disparar suas armas, falar ao
coração do seu povo; um homem que, em vez de matar, procurava salvar.
Em poucos momentos a humanidade produziu um líder como foi Martin
Luther King Jr.: humilde e ao mesmo tempo digno; brando, mas de uma
coragem que não se curvava às mais tenebrosas ameaças; persistente em
sua luta e ao mesmo tempo realista.
Muitos episódios do movimento pelos direitos civis dos afro-
americanos têm sido usados para descrever Martin Luther King Jr.: “ideali-
zador e líder do boicote aos ônibus em Montgomery”, “principal orador na
Marcha de Washington”, “o mais jovem ganhador de um Prêmio Nobel”.
Mas esses eventos empalidecem frente ao fato de a política de protesto
não-violento de King ter sido a força dominante da luta pelos direitos civis
durante sua década de maior atuação, isto é, entre 1957 e 1968. Este é o
poder e também o diferencial de Martin Luther King Jr.
N
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A família King: Martin é o menino à esquerda
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King nasceu Michael King Jr., em Atlanta, Geórgia, em 15 de janeiro de
1929. Era um dos três filhos do pastor Michael (depois Martin Luther) King
Sênior (1899 - 1984)e da ex-professora Alberta Williams King. Quando o
menino tinha seis anos, o pastor King mudou seu nome e o do filho para
Martin Luther. A família vivia na casa dos avós maternos de Martin Jr., o
renomado pastor Adam Daniel Williams.
O ano de 1929 foi o início da grande depressão americana. Cerca de
65% dos afro-americanos de Atlanta perderam seus empregos, mas os
King não foram atingidos pela crise. A casa onde viviam ficava no coração
da cidade, próxima da Igreja Batista de Ebenezer, onde o avô de Martin
pregava. Era uma casa grande, com doze cômodos, onde imperava uma
atmosfera produtiva e febril. Principalmente no primeiro mês de 1929.
Alberta não passava bem no final da gravidez. No dia 14 de janeiro, seu
estado de saúde piorou consideravelmente. Finalmente, no dia seguinte,
15 de janeiro, Alberta deu à luz a um menino que aparentemente tinha
nascido morto. Até o médico se assustou. Mas, segundo o biógrafo Edgar
A. Klettner, “após vigorosa palmada do médico, o bebê principiou a gri-
tar”.
Em 1931, com a morte do pastor Adam Williams, o pai de Martin, Mar-
tin Luther King Sr., assumiu a posição de diretor espiritual da igreja onde
também Martin Jr. pregaria. Em poucos anos, Martin Sr. se tornou um
importante líder da comunidade negra de Atlanta.
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Martin Jr., sua irmã mais velha
Cristina e o caçula Alfred Daniel
cresceram em um ambiente bur-
guês e confortável. A família
nunca morou em uma casa alu-
gada e, segundo Luther King Sr.,
jamais andaram em um carro que
não estivesse totalmente pago.
Os King cultivavam a dignidade
da sua raça e espalhavam seu
exemplo através da igreja. Eram
referências.
O ambiente familiar era tempe-
rado pelas diferentes personali-
dades dos pais. Enquanto o reve-
rendo King era dado a arroubos
emocionais, Alberta atenuava a
eletricidade com a tranquilidade
do seu temperamento. Martin
puxou ao pai.
Alberta Williams King, a mãe de Martin
Também ele se rendia às emoções, chegando até mesmo a se colocar cara
a cara com a morte.
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Até os 12 anos, Martin atentou contra a própria vida por duas vezes.
Ambas pelo mesmo motivo. O que levou o menino a buscar o suicídio pela
primeira vez foi o pânico que o dominou quando viu sua avó, Jennie Willi-
ams, sofrer um acidente e perder a consciência. Julgando-a morta, Martin
pulou da janela do primeiro andar da sua casa. Não sofreu nada de muito
grave. Aos 12 anos, quando sua avó faleceu de fato, Martin tornou a se
atirar do primeiro andar da casa. Mais uma vez, não se machucou demais.
No entanto, a experiência marcou Martin profundamente. A dança que
ele executou com a morte, pontuada por ameaças, atentados à bomba, à
faca e à bala, o acompanhou por toda a vida.
Em 1935, Martin entrou na escola pública. Pouco depois, foi para uma
instituição particular, a Escola Experimental da Universidade de Atlanta.
Concluiu sua educação básica na Escola Secundária Booker T. Washington.
Além dos estudos, Martin vivia na Igreja Batista Ebenezer, o palco
onde seu pai lembrava aos negros o quanto sua raça devia preservar a
dignidade. Desde os cinco anos de idade, Martin cantava no coro da igreja.
Ao que parece ele cantava bem. A biógrafa Christy Whitman afirma que
ele “não era apenas afinado, possuía um timbre tão angelical que muitas
pessoas iam ao culto só para ouvi-lo”. Exagero à parte, é mais provável
que a qualidade da voz de Martin tenha sido um fator menos importante
do que o fato de ele ter sido filho do pastor da igreja onde cantava.
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No final da década de 1930, a
família King se mudou para uma
bela casa na Boulevard Street,
uma rua de gente abastada. Lu-
ther King Sênior já era um pastor
influente e ocupava importantes
cargos juntos a praticamente to-
dos os conselhos de direção de
diversos movimentos em favor
dos afro-americanos da sua cida-
de. Suas atividades faziam com
que ele fosse frequentemente
ameaçado de morte – principal-
mente pela sádica Ku Klux Klan.
Esse clima de terror despertou
no menino Martin a real consciên-
cia do mundo em que vivia. Logo
O pai de Martin, Martin Luther King Sênior
cedo ele percebeu as contradições sociais que geravam tanto ódio.
E tudo por causa da diferença da cor da pele. Martin crescia tomado
pelos fantasmas de sua condição de negro numa sociedade onde isso era
derrogatório.
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Formação
atin Luther King Jr. foi um aluno brilhante. Quando sua irmã
Christine, um ano mais velha, completou seis anos, o garoto
insistiu com os pais que tinha capacidade para ir à escola
junto com ela. Afinal, Martin sabia até mesmo ler placas de rua. Seus pais
cederam à insistência do garoto e o matricularam junto com a irmã.
O menino já frequentava a escola havia seis meses quando contou
aos colegas sobre sua festa de aniversário, dizendo que o bolo teria 5 ve-
las. A professora ouviu a conversa, e foi o fim do ano letivo de Martin. O
garoto teve de esperar mais seis meses para voltar a estudar. Mas esse
episódio não impediu que Martin continuasse a ser um aluno precoce.
Em 1944, com apenas 15 anos, seguindo uma tradição da família, foi
admitido no Morehouse College, antes mesmo de completar os estudos
secundários. A instituição tinha sido fundada em Atlanta, em 1867, pelo
reverendo William Jefferson White, um pastor negro que contava com o
apoio de batistas negros e brancos. Morehouse era respeitada por formar
importantes líderes afro-americanos – médicos, advogados, professores e
M
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um grande número de pastores, entre eles o pai de Martin. Ainda hoje, o
Morehouse College é a universidade mais prestigiada entre as reservadas
para estudantes negros.
O Morehouse College, onde Martin se graduou
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Consciente da explosiva situação mundial, Martin escolheu estudar so-
ciologia. A Segunda Guerra Mundial varria a Europa e moldava um novo
Estados Unidos. O mundo estava em chamas, e Martin sabia disso. Duran-
te o conflito, o Estado Maior americano condenou à morte e executou por
diferentes crimes vários soldados de suas próprias linhas. Absolutamente
todos eram negros.
A formatura de Martin no Morehouse College, em 1948
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Martin se formou em junho de 1948, com apenas 19 anos. No More-
house College, o espírito do futuro líder dos direitos civis dos afro-
americanos foi cultivado com as sementes intelectuais que viriam a flores-
cer num ideal de luta cujas armas usadas – dignidade, razão e desobediên-
cia civil – não destruíam, mas sim engrandeciam aqueles que delas lança-
vam mão.
Alguns meses depois, em outubro do mesmo ano, Martin trocou sua
Atlanta natal pela cidade de Chester, Pensilvânia, onde tinha sido admitido
na Faculdade de Teologia Crozer. Num primeiro momento, Martin não
pensava em seguir os passos do pai e do avô como pastor. No entanto, ele
percebeu a força da liderança que seu pai exercia sobre a comunidade
afro-americana da Igreja Batista Ebenezer, pedindo que seu povo andasse
de cabeça erguida, estimulando-o a não se abater pelas leis desfavoráveis
que o estado reservava à comunidade. Martin, então, passou a acreditar
que se tornar um pregador era a melhor coisa a fazer para motivar o seu
povo a se erguer e lutar pelos seus direitos inalienáveis.
Em junho de 1951, Martin recebeu o diploma de teologia. Quase ime-
diatamente, inscreveu-se no doutorado de teologia sistemática da Univer-
sidade de Boston, para onde seguiu no final de 1951. Foi nessa época que
Martin conheceu Coretta Scott, a bela e inteligente moça que viria a ser
sua esposa e sustentáculo de sua luta. Ao que parece, Coretta não tinha a
menor intenção de se casar. Queria, antes, ser cantora, e o casamento
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certamente minaria sua carreira. Martin, porém, tanto insistiu que ela
desistiu da ideia e acabou se casando com ele, em 18 de junho de 1953.
Talvez o mundo tenha perdido uma boa cantora, mas ganhou uma grande
defensora da causa afro-americana.
A jovem Coretta Scott, futura sra. Martin Luthar King Jr.
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A década de 1950 foi a época em que frutificou em Martin tudo o que
ele viria a realizar. Em setembro de 1954, ele se tornou pastor da Igreja
Batista da Avenida Dexter, na cidade de Montgomery, no Alabama. A data
marca o momento em que Martin começou sua cruzada pelos direitos
civis. Nessa época, a encapuzada Ku Klux Klan, bem como outros grupos e
a própria polícia racista, procuravam, através do medo, paralisar os negros
e mantê-los submissos. Foi quando Martin percebeu que precisava com-
bater justamente esse medo cruelmente cultivado no espírito dos afro-
americanos. Na medida em que o medo cessasse, a voz negra passaria a
ser ouvida.
Na primavera de 1955, Martin recebeu finalmente seu diploma de dou-
tor em teologia sistemática. No mesmo ano, o pastor se tornou uma das
figuras de proa do movimento pelos direitos civis em todo os Estados Uni-
dos. Entre todas as humilhações sofridas pelos negros, a mais degradante
era o regulamento da empresa de ônibus da cidade, que determinava que
os negros deviam ceder seus lugares aos brancos. Os motoristas costuma-
vam berrar grosseiramente para “os pretos desocuparem o lugar para os
brancos”. Era a injustiça das leis de Jim Crow que favoreciam os brancos
em detrimento dos negros. Foi exatamente este ponto que Martin comba-
teu para elevar a autoestima dos seus irmãos de raça, liderando uma das
mais bem sucedidas campanhas de desobediência civil jamais vista naque-
le país.
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Heróis
Desde muito cedo, Martin Luther King Jr. intuiu uma estratégia para a
luta pelos direitos civis dos afro-americanos. Ao contrário de muitos líde-
res negros, como Malcom X, por exemplo, ele sabia que não havia condi-
ções de se fazer uma revolução armada. O sangue derramado dividiria o
país e só aumentaria o ódio que uma raça nutria pela outra. King tinha
consciência de que seu movimento deveria ser pacífico.
Foi quando frequentou o Crozer Theological Seminary, em Chester,
Pensilvânia, que King entrou em contato com dois pensadores, cuja obra
definiria finalmente a direção da sua luta: Henry David Thoreau e Mohan-
das Gandhi. Enquanto o primeiro pregava a desobediência civil, o segundo
acrescentou a esse conceito a necessidade de se alcançar as metas pro-
postas através do “amor, em lugar do ódio”.
Henry David Thoreau
“Aceito com entusiasmo o lema ‘O melhor governo é o que menos go-
verna’; e gostaria que ele fosse aplicado mais rápida e sistematicamente.
Levado às últimas consequências, este lema significa o seguinte, no que
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também creio: ‘O melhor
governo é o que não governa
de modo algum’; e, quando
os homens estiverem prepa-
rados, será esse o tipo de
governo que terão”. A mente
por trás dessas ideias é a de
Henry David Thoreau (1817 –
1862), um dos mais brilhan-
tes pensadores norte-
americanos. Seus ideais liber-
tários influenciaram a estra-
tégia de homens que usaram
a resistência pacifica para
enfrentar leis discriminató-
rias impostas por superpo-
Henry David Thoreau, autor de Walden
tências dominantes. A doutrina de Thoreau entusiasmou ninguém menos
do que o Mahatma Gandhi a desobedecer ao sistema para conseguir reali-
zar suas metas políticas.
Thoreau nasceu na pequena cidade de Concord, perto de Boston, no
estado de Massachusetts. Em Harvard, onde se formou, Thoreau foi tre-
mendamente influenciado pelo livro Nature (Natureza), de seu conterrâ-
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neo e contemporâneo Ralph Waldo Emerson (1803 – 1882). Essa obra,
segundo o crítico americano Peter B. High, “é a postulação mais clara do
transcendentalismo” – a escola filosófica fundada por Emerson que pre-
coniza que o homem pode descobrir a verdade através de seus próprios
sentimentos.
O texto de Emerson é, de fato, revolucionário. Publicado em 1836, nu-
ma época em que se ensinava que “Deus criou as árvores e os animais, os
rios e os campos, para que o homem os usasse como bem entendesse”, o
livro sustenta que a humanidade não devia ver a natureza apenas como
uma coisa a ser usada.
Para Emerson, a relação entre o homem e a natureza transcende a i-
deia de utilidade. E Thoreau se identificou de tal maneira com os conceitos
de Emerson, a ponto deste considerar que o pensamento de Thoreau era
a “continuação” do seu.
No entanto, Emerson escreveu sobre a natureza de forma abstrata,
enquanto Thoreau abordou o aspecto prático. Mateiro experiente, Thore-
au descreveu plantas, rios e a vida selvagem. Ele era tão fiel ao seu ideal
que, entre 1845 e 1847, viveu numa cabana construída por ele mesmo, às
margens do Lago Walden, próximo de Concord. A experiência rendeu seu
mais famoso livro, Walden, publicado em 1854. Embora pareça, à primeira
vista, um trabalho sobre o aspecto prático de se viver sozinho em meio à
floresta, é, de fato, uma obra genuinamente transcendentalista. O autor
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tentava “viver do visível ao invisível; do temporal ao eterno”. Ele rejeitava
as coisas desejadas pelas pessoas comuns, como dinheiro e posses. Em
lugar disso, Thoreau enfatizava a busca pela verdadeira sabedoria: “se a
civilização melhorou nossas moradias, ela não melhorou aqueles que nelas
vivem”.
Thoreau, quando jovem
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Thoreau passeando à beira do lago Walden, em tela de John Warldermilch
Para Thoreau, a verdadeira alegria vinha somente depois que se dis-
pensa todas as coisas desnecessárias. “O homem é rico na mesma propor-
ção ao número de coisas que pode dispensar”, afirmava ele. Thoreau vivia,
literalmente, o que pregava. Por conta disso, foi preso.
Em 1846, Thoreau foi encarcerado por não pagar impostos. Esta foi a
forma de protesto que ele imaginou para se opor a uma sociedade escra-
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vocrata que buscava abocanhar porções do México. O pensador afirmou
que seu dinheiro seria usado para sustentar um regime que escravizava
homens e para financiar a guerra contra um país vizinho e soberano. Na
prisão, ele escreveu um dos seus ensaios mais significativos, Desobediên-
cia Civil. Foi esse texto que inspirou tanto o Mahatma Gandhi quanto Mar-
tin Luther King Jr. nas suas cruzadas. “O governo, no melhor dos casos,
nada mais é do que um artifício conveniente; mas a maioria dos governos
é por vezes uma inconveniência, e todo o governo algum dia acaba por ser
inconveniente. As objeções que têm sido levantadas contra a existência de
um exército permanente, numerosas e substantivas, e que merecem pre-
valecer, podem também, no fim das contas, servir para protestar contra
um governo permanente. O exército permanente é apenas um braço do
governo permanente. O próprio governo, que é simplesmente uma forma
que o povo escolheu para executar a sua vontade, está igualmente sujeito
a abusos e perversões antes mesmo que o povo possa agir através dele.
Prova disso é a atual guerra contra o México, obra de um número relati-
vamente pequeno de indivíduos que usam o governo permanente como
um instrumento particular; isso porque o povo não teria consentido, de
início, uma iniciativa dessas.”, diz Thoreau em A Desobediência Civil.
Thoreau também foi um ativo abolicionista. A partir de meados da dé-
cada de 1850, sua casa se tornou um lugar de encontro de ativistas anties-
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cravatura. Infelizmente, o pensador morreu precocemente e não pode
testemunhar a abolição da escravatura.
Gandhi
Gandhi em 1906, aos 37 anos
Mohandas Gandhi (1869 – 1948)
foi outro líder que influenciou so-
bremaneira Martin Luther King. A
prática do ativista indiano é notória
por unir religião e militância políti-
ca. Gandhi dizia de si mesmo não
ser “um santo que se tornou políti-
co, mas um político que esta(va)
tentando ser santo”. Sua satyagra-
ha, ou resistência passiva, aliada a
boicotes econômicos, mostrou ser
uma arma incrivelmente eficiente
contra o imperialismo britânico.
Mais tarde, usada por Martin Lu-
ther King, essa forma de luta voltou
a demonstrar sua força na
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conquista pelos direitos civis dos afro-americanos.
Além da tradição hindu, Gandhi
bebeu de fontes ocidentais. Filho
do primeiro-ministro de um pe-
queno principado indiano – Por-
bandar –, Gandhi era advogado
formado em Londres. Na Inglater-
ra, experimentou ares de democra-
cia e igualdade – ideais que viria
reivindicar para os indianos. Ironi-
camente, o liberalismo inglês viria a
se voltar contra a própria Grã-
Bretanha por meio de Gandhi.
Depois de completar seus estudos,
Gandhi foi trabalhar na África do
O menino Mohandas
Sul, onde há, ainda hoje, uma grande comunidade indiana. Foi nesse país
que o jovem advogado experimentou um preconceito que não conhecia.
Um preconceito tão injusto que fez com que Gandhi se erguesse e, duran-
te sua luta, se transformasse no mahatma, isto é, na “grande alma” que o
mundo viria a conhecer.
Durante uma viagem de trem à capital Pretória, onde participaria de
um processo, Gandhi sentiu pela primeira vez as garras da segregação.
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Gandhi e sua esposa Kasturba,em 1902
Acomodado na sua cabine de primeira classe, foi abordado por um
homem branco que se recusou a compartilhar o mesmo compartimento
com um indiano. O homem saiu e voltou com dois funcionários que orde-
naram a Gandhi que fosse para a terceira classe. O filho do primeiro-
ministro de Porbandar insistiu, mostrou seu bilhete de primeira-classe,
mas não adiantou nada. Foi empurrado para fora do trem e sua bagagem
jogada no chão.
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Assaltado por pensamentos
de indignação e humilhação,
Gandhi passou a noite na sala de
espera da estação de trem pon-
derando sobre o que deveria
fazer. E embora não precisasse se
submeter a viver na África do Sul,
decidiu ficar e lutar pelos seus
direitos. A decisão o levou a se
transformar de advogado a líder
político.
Gandhi passou vinte anos na
África do Sul defendendo os di-
reitos dos indianos. Foi um pre-
âmbulo para a luta bem-sucedida
que travaria pela independência
da Índia. Durante esse período,
O novo Gandhi, depois de despir o terno de advogado
Gandhi desenvolveu a ideia de resistência pacífica – uma forma de protes-
to político e de organizar eficientemente um movimento de massa. Gan-
dhi, porém, não gostava de chamar sua estratégia de “resistência pacífi-
ca”. Para ele, “pacífico” poderia sugerir fraqueza. Resolveu, então, chamar
sua estratégia de satyagraha, ou “força da verdade e do amor”. Mais tar-
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de, depois de ler o famoso ensaio de Henry David Thoreau, ele viria tam-
bém a usar o termo “desobediência civil”. Como o filósofo norte-
americano, Gandhi também acreditava no direito de todo cidadão de re-
sistir à injustiça do governo.
Gandhi na imagem do velho sábio que o mundo todo passou a admirar
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A primeira vez que Gandhi pôs sua satyagraha em ação foi em 1906,
quando o governo sul-africano anunciou uma lei exigindo que todos os
indianos tirassem carteira de identidade e a levassem sempre com eles. A
apresentação da carteira seria exigida em qualquer circunstância, e a polí-
cia podia até mesmo invadir as casas dos indianos para investigação.
Gandhi ficou estarrecido com essa negação dos direitos civis básicos.
Convocou um ato público num teatro de Johannesburg, do qual participa-
ram milhares de indianos. Gandhi disse que todos deviam se preparar para
lutar contra a nova lei até conseguirem que ela fosse anulada. O líder ex-
plicou que a resistência consistiria na recusa de cada pessoa em obedecer
à lei injusta e, caso fossem agredidos, não deveriam revidar com violência.
Ao contrário, os manifestantes deveriam pensar bem dos opositores. Afi-
nal, os satyagrahis, ou seja, alguém que pratica a satyagraha, não estavam
lutando contra indivíduos, mas contra os males do sistema.
A luta de Gandhi na África do Sul durou até 1914 e incluiu a reivindica-
ção de outras causas. Finalmente, em junho daquele ano, o general Jan
Smuts, ministro sul-africano encarregado dos negócios indianos, promul-
gou o Ato de Reforma da Questão Indiana – um acordo que, embora não
garantisse direitos totais aos indianos, legalizava os casamentos não-
cristãos e abolia o imposto de residência dos trabalhadores. Gandhi consi-
derou o resultado uma vitória. Duas semanas depois, deixou a África do
Sul para sempre. Agora, ele iria aplicar em seu próprio país a estratégia
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aperfeiçoada em defesa dos seus conterrâneos. Através da sua liderança,
numa luta entre Davi e Golias, o povo indiano se libertaria do mais pode-
roso império de então, a Grã-Bretanha.
Grande Alma
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Luta Pela Liberdade
Martin Luther King Jr. foi certamente o porta-estandarte da luta pelos
direitos civis dos afro-americanos. Sempre que se fala desse momento da
história dos Estados Unido seu nome vem à baila. Mas ele não foi o único
guerreiro dessa causa. Na medida em que os brancos negavam acintosa-
mente a participação dos negros na sociedade americana, diversos líderes
dos afro-descendentes organizaram seu povo em torno do orgulho da
identidade da sua raça para, juntos, defender sua liberdade e amor-
próprio.
Na verdade, o movimento de emancipação do negro nos Estados Uni-
dos data do século 19, com a organização da Underground Railroad (ferro-
via subterrânea). Depois da abolição da escravatura, os afro-movimentos
se organizaram em manifestações a favor do fim da segregação, como o
Harlen Renaissance, e na fundação de organizações anti-segregacionistas,
até, com a luta pelos direitos civis das décadas de 1950 e 1960, sedimen-
tar a integração do negro na América. É uma história fascinante, repleta
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36
da injustiça sofrida pelos negros e da coragem por eles assumida; uma
história onde uma minoria étnica é massacrada e marginalizada por um
sistema cruel, mas que responde com dignidade, tolerância e resignação
até comover o mundo todo a favor da justiça de sua reivindicação; uma
história de humildes davis defendendo-se com prosaica valentia das pode-
rosas armas de sanguinários golias; uma história onde, embora pareça
absurdamente improvável, o bem vence o mal no final.
A Ferrovia Subterrânea
Durante o século 19, mais de cem mil escravos buscaram a liber-
dade através da Underground Railroad. O nome simbólico – Ferrovia Sub-
terrânea – se refere às rotas que os cativos usavam para fugirem, quase
sempre até o México e o Canadá. Negros livres, brancos, índios e ex-
escravos atuavam como guias, conduzindo os fugitivos à liberdade.
No livro Runaway Slaves: Rebels on the Plantation (Escravos Fugitivos:
Rebeldes nas Plantações), o escritor John Hope Franklin afirma que “a
Ferrovia Subterrânea é o épico americano de coragem e cooperação de
indivíduos comuns; o que essas pessoas realizaram, individual e coletiva-
mente, mudou o curso da história”.
A “ferrovia” nada mais era do que uma organização secreta, da qual
participavam homens, mulheres e até mesmo crianças. Seu papel era dar
abrigo e orientação aos fugitivos, estabelecendo dessa forma uma rede de
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proteção que se estendia do sul dos Estados Unidos até o México e o Ca-
nadá.
Harriet Tubman, nos anos1970. A agente da “ferrovia
Subterrânea”, ajudou a libertar cerca de setenta pessoas.
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória
38
A Ferrovia Subterrânea, óleo de Charles Webber, pintado em 1893
Os prejuízos causados pelas fugas levaram o governo a estipular puni-
ções severas para os membros da “ferrovia”, desestimulando qualquer
ajuda ou simpatia aos escravos fugitivos. Segundo John Hope Franklin,
“em 1860, havia cerca de 385.000 proprietários de escravos no sul entre
os quais aproximadamente 46.000 eram agricultores. Mesmo que apenas
metade de todos os agricultores tivesse apenas uma fuga anual, e se 10 ou
15 por cento dos outros donos de escravos tivessem o mesmo problema,
o número de escravos fugitivos excederia a 50.000 por ano”.
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória
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Esses números indicam, com relação à escravatura, que até Abraham
Lincoln se empenhar na libertação dos escravos, a economia esteve na
frente daquilo que era moralmente correto. Depois da Guerra Civil (1862 –
1865), a questão girou em torno de convencer a maioria branca de que os
negros também são “gente” – iguais em tudo aos brancos, principalmente
com relação aos direitos sociais.
O Movimento Niagara
Em 1905, W.E.B. Du Bois, um professor da Universidade de Atlanta,
convocou uma reunião em Niagara Falls, Nova Iorque, para apresentar
alternativas à política de outro líder negro, Booker T. Washington. Du Bois
discordava das ideias de conciliação preconizadas por Washington e pro-
punha fundar uma organização que oferecesse uma outra forma de mili-
tância.
O Movimento Niagara, conforme Du Bois batizou a organização, era
composto da elite intelectual da comunidade afro-ameriana. Inicialmente,
a reunião convocada por Du Bois teria lugar no lado americano das catara-
tas do Niagara, mas como gerentes de hotel racistas negaram acomoda-
ções aos delegados, o encontro foi realizado no lado canadense das cata-
ratas.
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Os fundadores do Movimento Niagara, em 1905
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Os 29 participantes renunciaram a política de conciliação de Booker T.
Washington e redigiram um manifesto exigindo direito de voto aos negros,
o fim da segregação no transporte público ou em qualquer lugar e o gozo
de quaisquer liberdades que os outros cidadãos tinham direito.
Apesar da abertura de 30 filiais da organização em todo o país e de te-
rem conseguido algumas conquistas em termos de direitos civis, o movi-
mento era mal organizado e sofria com a falta de fundos, de pessoal e até
mesmo de sede. Du Bois e seus seguidores nunca conseguiram apoio de
massa para o movimento. Além disso, Booker T. Washington minou a ini-
ciativa, impedindo que ela recebesse qualquer publicidade na imprensa
negra.
O Movimento Niagara durou até 1911. Embora tenha conseguido pou-
co, permitiu a fundação de uma organização mais atuante, a National As-
sociation for the Advancement of Colored People – NAACP (Associação
Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor).
A Fundação da NAACP
Em 1908, os Estados Unidos foram sacudidos mais uma vez por
tumultos raciais. Na cidade de Springfield, Illinois, onde Abraham Lincoln
vivera, oito afro-americanos foram mortos e dezenas de outros feridos,
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória
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quando uma multidão de brancos invadiu a comunidade negra destruindo
casas, propriedades e lojas, forçando milhares de pessoas de cor a fugir.
Depois do ataque, abismado
com a violência, o inglês William
English Walling lançou a ideia de
formar “um poderoso órgão de
cidadãos” para ajudar a comuni-
dade negra a combater o pre-
conceito que sofria. Imediata-
mente, Walling recebeu o apoio
de Mary White Ovington, uma
assistente social que havia escri-
to um estudo sobre discrimina-
ção racial. Os dois partidários da
causa afro-americana marcaram
uma conferencia para a qual
convidaram os mais importantes
William Du Bois, em 1918
ativistas dos direitos civis, tanto brancos como negros – entre eles, o fun-
dador do Movimento Niagara, W.E.B. Du Bois. Da conferência nasceu a
National Association for the Advancement of Colored People – NAACP. Du
Bois se tornou o editor da revista do movimento, The Crisis, em 1910.
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43
Líderes da NAACP: Henry Moon, Roy Wilkins, Herbert Hill e T. Marshall em 1956
Em 1918, a NAACP tinha 165 filiais em todo o país e 43.994 membros.
Muitos afro-americanos do sul se afiliavam secretamente, pois sabiam que
ao fazer isso corriam o risco de perder seus empregos e até mesmo a vida.
Embora a NAACP atuasse em várias frentes – de atividades culturais a
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políticas e comunitárias – suas ações mais importante se deram nos tribu-
nais. Uma das maiores vitórias aconteceu em 1919, quando a NAACP sal-
vou a vida de quatro fazendeiros afro-americanos injustamente condena-
dos à morte pelo assassinato de um branco, durante um massacre de ne-
gros na cidade de Elaine, Arkansas, naquele mesmo ano. Graças à associa-
ção, a Corte Suprema dos Estados Unidos reverteu os veredictos e os fa-
zendeiros foram absolvidos.
A associação ganhou outros casos relativos à propriedades e ao di-
reito do voto. Fez, também, campanha por uma lei nacional contra o lin-
chamento, mas sem sucesso. Atuante até hoje, a NAACP é, sem dúvida,
um dos maiores marcos na luta pelos direitos civis.
A Renascença do Harlem
A Harlem Renasissance foi uma verdadeira explosão cultural, social e
artística que aconteceu naquele bairro negro nova-iorquino entre o final
da Primeira Guerra Mundial e meados da década de 1930. Nesse período,
escritores, artistas plásticos, músicos, fotógrafos e intelectuais afro-
americanos convergiram para o Harlem. Muitos deles vinham do sul, bus-
cando ares de maior liberdade, onde pudessem expressar seus talentos.
A revista The Crisis, a voz da NAACP, era o arauto do movimento. O en-
tão editor da revista, W.E.B. Du Bois, fazia questão de publicar histórias,
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fotos e todo tipo de material de artistas negros que conseguiam veicular.
A Renascença fez, também, do jazz e do blues a sua música. Isso passou a
atrair cada vez mais brancos ao Harlem. Durante os concertos, casais in-
ter-raciais dançavam juntos, contribuindo para quebrar o gelo do precon-
ceito.
Mas a Renaissance foi mais do que um movimento literário ou artístico.
Tinha a ver com o orgulho de ser negro, com a militância do “New Negro”,
como os participantes idealizavam o novo afro-americano, isto é, mais
atuante na exigência dos seus direitos civis. O resultado, porém, deixou a
desejar.
A Renaissance teve pouquíssimo impacto na anulação das leis de Jim
Crow, as quais separavam as raças legalmente. Certamente o movimento
contribuiu para um certo abrandamento do racismo entre jovens brancos
adeptos da música e da arte afro, mas o maior impacto dessa renascença
foi a ênfase no orgulho de ser negro.
Black Power
O Black Power foi um movimento político que surgiu em meados da
década de 1960 professando uma nova consciência racial entre os afro-
americanos. O termo foi usado pela primeira vez no contexto político no
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46
final dos anos 1950 por Robert Williams, responsável pelo capítulo da
NAACP da cidade de Monroe, na Carolina do Norte.
O Black Power tinha raízes nos
movimentos de luta pelos direitos
civis, mas seu sentido foi extrema-
mente debatido na comunidade
negra. Para alguns afro-
americanos, o Black Power signifi-
cava a busca pela dignidade racial e
pela liberdade da autoridade bran-
ca; para outros, tratava-se de uma
orientação econômica.
Foi Malcom X, um dos maiores
líderes afro-americanos, que im-
primiu a retórica, o estilo e a atitu-
de Black Power. Malcom insistia
em dirigir os esforços para a me-
lhoria social e econômica das co-
Stokely Carmichael
munidades afro-americanas, em lugar de preconizar, como Martin Luther
King Jr., a integração completa na sociedade americana.
Além de Robert Williams e Malcom X, Stokely Carmichael foi outro líder
a influenciar as ideias por trás do movimento. Carmichael tornou o Black
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Power mais popular, fazendo dele um ícone da consciência afro-
americana. Muitos aderiram. Frases como "Say it loud, I'm Black and I'm
proud" (diga alto: sou negro e tenho orgulho disso), do cantor James
Brown, se tornaram lemas de uma época libertária. Os afro-americanos
redefiniam o mundo em seus próprios termos: Black is beautiful. E na me-
dida em que James Brown cantava, Jim Crow calava.
Os Black Panthers
O Partido dos Panteras Negras foi o braço político do movimento Black
Power. O site da oficial da instituição,
http://www.blackpanther.org/legacynew.htm, afirma que o partido “foi
uma organização política progressiva à vanguarda do mais poderoso mo-
vimento por mudanças sociais nos Estados Unidos desde a Revolução de
1776 e da Guerra Civil: aquele episódio dinâmico geralmente referido co-
mo Black Power”. O site informa também que o Black Panthers “foi a única
organização negra armada a promover uma agenda revolucionária em
toda a história da luta dos negros contra a escravatura e opressão dos
Estados Unidos, representando a última grande investida dos negros por
igualdade, justiça e liberdade”.
Fundado em outubro de 1966 por Bobby Seale e Huey P. Newton, em
Oakland, Califórnia, o partido chegou a ter 5.000 membros em todo o país.
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Os fundadores do Partido dos Panteras Negras, em 1966
Buscando com sinceridade a emancipação dos afro-americanos da exclu-
são social mantida pelas leis de Jim Crow, municiados de palavras de or-
dem de Mao Tse-Tung e de Malcom X, armados com livros de direito e
rifles, os Black Panthers alimentavam os pobres, protegiam os afro-
americanos da polícia racista e apresentavam um novo paradigma de ati-
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vismo social e político. Seus “programas de sobrevivência” – como distri-
buição gratuita de alimentos – se tornaram populares nas comunidades
negras no inicio os anos 1970. No entanto, para o público e o poder bran-
cos, os panteras eram apenas uma militância contra o governo dos Esta-
dos Unidos. Essa visão era ainda mais distorcida pela polícia racista e pelo
não menos preconceituoso FBI, que assassinaram vários dos seus líderes –
muitos dos quais mal haviam saído da adolescência. Outros membros do
partido, como o Ministro Pantera de Informação Eldridge Cleaver, eram
frequentemente presos pelos motivos mais esdrúxulos.
Apesar da hostilidade do governo americano, a organização floresceu,
atraindo alguns dos líderes negros mais articulados da cena revolucionária
dos anos 1960. Gente como H. Rap Brown e Stokeley Carmichael, ambos
ex-presidentes do Student Non-Violent Coordinating Committee (Comitê
Estudantil de Coordenação Não-Violenta), e a ativista Angela Davis en-
grossaram as fileiras dos Black Panthers. Curiosamente, foram divisões
internas que enfraqueceram o partido levando-o ao seu declínio e desapa-
recimento, em meados da década de 1970. Três décadas depois, os pante-
ras negras continuam vivos nas memórias daqueles que lutaram pelos
direitos dos afro-americanos.
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O Nascimento de um Líder
s vezes, o ar se torna tão denso de elementos inflamáveis que bas-
ta apenas uma fagulha para se criar um grande incêndio. As humi-
lhantes injustiças que os afro-americanos sofriam (e que de certa
forma continuam sofrendo ainda hoje) nas mãos dos brancos volatilizaram
a atmosfera dos Estados Unidos com tanta intensidade que bastaria ape-
nas uma outra injustiça para incendiar a reação negra. E isso aconteceu de
fato, em 1955, de uma maneira fortuita e por um motivo prosaico – no
entender das autoridades, claro. Mas os afro-americanos já tinham engo-
lido muita humilhação e, depois que Rosa Parks foi presa por se negar a
ceder seu lugar a um branco no ônibus, eles não pararam até conquistar
seu objetivo.
O dia 1º de dezembro de 1955 se tornou uma data histórica. Rosa
Parks, uma costureira negra de 42 anos, residente em Montgomery, onde
Martin era pastor da Igreja Batista da Avenida Dexter, pegou o ônibus para
voltar para casa. Depois de um duro dia de trabalho, ela estava exausta.
À
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51
Sentou-se no primeiro banco que viu, ignorando a placa acima da sua ca-
beça, onde se lia “somente para brancos”.
Rosa Parker, com M.L. King Jr. ao fundo, em 1955
O ônibus foi parando nos pontos, recolhendo os passageiros que
voltavam do seu trabalho. Na medida em que os brancos iam embarcan-
do, o motorista ordenava aos negros que se levantassem e cedessem seu
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52
lugar. Todos os afro-americanos obedeceram – menos Rosa Parker. Houve
uma discussão acalorada, mas Rosa se recusou a acatar a lei de Jim Crow.
Ela estava cansada e não sairia do lugar. O motorista decidiu, então, parar
o ônibus e chamar a polícia.
O ônibus no qual Rosa Parker foi presa, hoje em exposição em museu.
Rosa foi levada para a delegacia, onde foi fichada, presa e multada por
desobedecer a lei segregacionista. O que os brancos não esperavam é que
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o incidente se transformou no marco necessário para que os líderes ne-
gros mobilizassem um boicote de ônibus de mais de um ano, até consegui-
rem derrubar a lei.
Na verdade, Rosa não foi a primeira afro-americana a ser presa e
multada por não ceder o lugar a brancos no ônibus. No entanto, segundo
militantes da luta pelos direitos civis, ela foi a primeira com “o perfil ade-
quado” porque poderia suportar “o escrutínio da imprensa e da socieda-
de”.
No dia seguinte à prisão de Rosa, E.D. Nixon, então presidente da
National Association for the Advancement of Colored People, NAACP (As-
sociação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor), pagou a fiança e a
costureira foi libertada. Nixon, porém, percebeu que aquela afronta con-
tra o povo afro-americano poderia ser a faísca que acenderia o estopim do
movimento pelos direitos civis. Imediatamente, ele ligou para Martin Lu-
ther King Jr., que embora tivesse se mudado recentemente para Montgo-
mery já era uma voz proeminente entre as lideranças negras, e marcou
uma reunião. No começo da noite daquele 2 de dezembro, os principais
articuladores negros de Montgomery se reuniam sob a liderança entusi-
asmada de Martin na Igreja Batista da Avenida Dexter. De acordo com a
biógrafa Christy Whitman, “Martin usou de todo o seu poder de persuasão
para que a reunião não descambasse para a incitação da violência como
forma de revide”. O reverendo apresentou um plano de ação que havia
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elaborado com Nixon antes da reunião. A ideia era pegar os brancos onde
doía mais, isto é, nos seus bolsos. Assim, Martin e Nixon propuseram um
boicote aos ônibus da cidade, até que a injusta lei de Jim Crow que obriga-
va que os negros a ceder seus lugares nos ônibus aos brancos fosse revo-
gada.
Rosa Parker fichada pela polícia por não ceder o lugar a um branco
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória
55
Martin Luther King Jr., preso e fichado depois do protesto em Birmingham
O movimento propunha que os afrodescendentes simplesmente
exercessem um direito de escolha: se não podiam ser tratados no mesmo
nível de igualdade dos brancos nos ônibus, não usariam o serviço. Era uma
forma de protesto justa, pacifica e, sobretudo, eficiente.
Para que todos aderissem, tornando o boicote um sucesso, Nixon
sugeriu que, no sermão do domingo seguinte, os pastores falassem em
suas congregações sobre a importância da não andar de ônibus. Nos bair-
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ros negros, também foram distribuídos panfletos com orientações sobre o
movimento. “Não pegue ônibus para ir ao trabalho, à cidade, à escola ou a
qualquer outro luar na segunda-feira 5 de dezembro. Outra mulher negra
foi presa por ter se recusado a ceder seu lugar. Não pegue ônibus para ir
ao trabalho, à cidade, à escola ou a qualquer outro lugar na segunda-feira.
Se você trabalha, pegue um táxi, uma carona ou caminhe”, diziam os pan-
fletos.
Com tanta mobilização, era natural que a informação vazasse. No
sábado anterior ao inicio do boicote, a manchete do principal jornal de
Montgomery anunciava a “ousadia” do boicote dos negros. A matéria que
comentava o movimento trazia o texto dos panfletos de divulgação na
íntegra. Os brancos não acreditavam que “cidadãos de segunda-classe” –
como eles tiranicamente viam os negros – fossem capazes de uma mobili-
zação que requeria tanta organização. Estavam redondamente enganados,
conforme vieram a perceber.
A segunda-feira 7 de dezembro assistiu à consagração do movi-
mento. Em dias normais, os ônibus transportavam cerca de 20 mil usuá-
rios negros, mas naquela segunda-feira, menos de uma centena tinha usa-
do os ônibus. À tarde, houve uma reunião entre os lideres do boicote, e
Martin foi eleito presidente de uma nova organização: a Associação de
Emancipação dos Negros de Montgomery. À noite, uma multidão de afro-
americanos se reuniu na Igreja Batista da Rua Holt. Tanta gente compare-
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória
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ceu que a grande maioria – cerca de três mil pessoas – ficou do lado de
fora do templo. A televisão gravava o evento: era a notícia do dia. Pelos
alto-falantes instalados na rua, os líderes celebravam em seus discursos o
sucesso do boicote. “O ambiente era de catarse espiritual”, escreveu C-
hristy Whitman. E em meio à todas aquelas vozes, a que soou mais alto no
coração dos afro-descendentes foi a de Martin Luther King Jr. Naquela
noite, Martin ascendeu definitivamente à posição de líder dos negros a-
mericanos.
M.L. King Jr. E Malcolm X, em 1964
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O protesto evoluiu, prosseguindo semanas a fio. Os participantes da-
vam carona espontaneamente uns aos outros. Caminhavam muito tam-
bém. Todos estavam empenhados em conseguir que suas exigências fos-
sem atendidas. Os manifestantes reivindicavam ter o direito de sentar nos
lugares vagos, receber tratamento respeitoso dos motoristas e emprego
para os motoristas negros.
Mas apesar de o boicote ter provocado um grande prejuízo, as e-
xigências dos negros não foram atendidas, e as autoridades municipais
resolveram tomar atitudes drásticas. Motoristas que participavam do
boicote dando carona aos trabalhadores eram parados e multados sob
qualquer pretexto. Aqueles que pegavam carona, por sua vez, eram amea-
çados de prisão. No entanto, o resultado das pressões foi nulo. Os afro-
americanos de Montgomery estavam totalmente comprometidos com o
boicote.
As autoridades resolveram, então, mudar de estratégia: cortar o
mal pela raiz, isto é, intimidar o principal líder do movimento. Forjando
uma batida, a polícia prendeu Martin Luther King Jr. A ação, porém, se
revelou um tremendo erro. “Se os negros já estavam unidos com esse ato
arbitrário, a união tomou dimensões vultosas, e as autoridades puderam
dimensionar o quanto Martin era admirado e respeitado pelo seu povo”,
explica Christy Whitman.
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória
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Menos de uma hora depois da prisão de Martin, uma multidão se
reunião em volta da cadeia. Os líderes procuravam acalmar a multidão,
tentando controlar uma possível revolta. O apavorado carcereiro ficou tão
fora de si que soltou Martin por conta própria. Foi uma vitória.
Mas a luta estava longe de acabar.
Na noite seguinte à sua prisão,
Martin estava numa reunião com
os líderes do boicote, quando sua
família sofreu um atentado. Coret-
ta estava na sala amamentando
Yolanda, a primeira filha do casal,
quando ouviu o barulho de alguma
coisa pesada caindo na varanda.
Intuitivamente, Coretta correu
para o fundo da casa com o bebê, a
tempo de se protegerem da explo-
são. A sala onde estivera momen-
tos antes ficou completamente
Martin, em 1964
destruída. Quando Martin chegou, havia uma multidão de negros irados
em frente à sua casa. A violência despertada pela covardia do atentado
ameaçava se alastrar incontrolavelmente por Montgomery. No entanto,
depois de se certificar de que não havia acontecido nada com Coretta e
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com o bebê, Martin acalmou os revoltosos, estimulando-os a não reagir
com violência. Foi uma outra vitória. Depois disso, até mesmo muitos
brancos passaram a admirar Martin.
A prisão e o atentado a Martin só fizeram fortalecer o boicote.
Nunca os afro-americanos estiveram tão unidos em torno de uma causa.
As autoridades, por sua vez, não sabiam o que fazer. Como último recurso,
o Grande Júri de Montgomery considerou o boicote ilegal. O passo seguin-
te foi prender os líderes e centenas de integrantes do movimento. Mas
nem essa medida arbitraria abalou os ânimos dos negros. Para espanto
dos brancos, todos se rendiam sem resistência ou até mesmo iam espon-
taneamente para a prisão.
A vitória final chegou 381 dias depois do início do boicote, em 13 de
novembro de 1956, quando a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou
que as leis de segregação de Montgomery eram inconstitucionais. O boi-
cote projetou a liderança de Martin Luther King Jr. e suas ideias de não
violência em nível internacional, mostrando que a verdadeira força do
movimento estava na união por um ideal. A desobediência civil baseada
na não-violência provara ser uma arma poderosa.
Rosa Parker
Depois da greve de mais de um ano, Rosa não conseguiu mais em-
prego em Montgomery. Além disso, ela se desentendeu com Martin Lu-
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ther King. Como resultado, acabou tendo que se mudar para Detroit, onde
as condições para os afro-americanos eram menos intoleráveis. Lá ela
passou a trabalhar para o deputado John Conyers e se aposentou em
1988. Rosa foi condecorada pela Casa Branca e pelo Congresso e passou
a ser frequentemente convidada a participar de eventos políticos, nos
quais evitava discursar.
Quando Rosa morreu, em 24 de outubro de 2005, com a saúde mental
já deteriorada e com dificuldades financeiras, ela foi amplamente home-
nageada por personalidades de todo os Estados Unidos. O presidente Ge-
orge W. Bush disse que ela foi “uma das mulheres mais inspiradoras do
século 20”. Já o ex-presidente Bill Clinton declarou que “ela foi uma mu-
lher de grande coragem e dignidade”. O reverendo Jesse Jackson, amigo
pessoal de Martin Luther King, falou que Rosa “ficou sentada para que
outros pudessem se levantar”.
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Eu Tenho Um Sonho
vitória que o movimento pelos direitos civis dos afro-
americanos conquistou através do boicote de Montgomery pro-
jetou Martin mundialmente. Sob sua liderança, “milhões de ne-
gros americanos saíram do aprisionamento espiritual, do temor, da apatia,
e foram para as ruas reivindicar sua liberdade”, escreveu o biógrafo Edgar
A. Klettner em seu livro Vidas Notáveis (Editora Globo, Porto Alegre,
1981). Para Klettner, Martin deu a arma que libertaria finalmente os afro-
americanos. “Martin Luther King, o guerreiro pacífico, revelou ao povo o
seu poder latente; o protesto não violento de massas, firmemente disci-
plinado, capacitou-o a avançar contra seus opressores num combate efici-
ente e sem derramamento de sangue”, explica o biógrafo.
Fortalecido com a vitória, Martin continuou sua luta, sempre basean-
do-se nos princípios da desobediência civil e da não-violência, ensinando
que os afro-americanos não deviam odiar aqueles que a eles se opunham.
Foi preso injustamente diversas vez, foi agredido fisicamente, o que levou
sua esposa Coretta a pedir intervenção do próprio presidente Kennedy, foi
A
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esfaqueado por uma negra, quando autografava seu primeiro livro, numa
livraria de Nova Iorque, sua casa e família sofreram atentados. Mesmo
assim, Martin não desistiu. Ao contrário, foi o protagonista do maior mar-
co na luta pelos direitos civis – a Marcha para Washington.
Se o boicote aos ônibus de
Montgomery tornou Martin um
líder da luta dos negros, a Mar-
cha para Washington o trans-
formou num ícone americano. O
acontecimento foi a maior mani-
festação já realizada na capital
dos Estados Unidos, comovendo
o mundo todo a favor da causa
dos direitos civis. Em 28 de agos-
to de 1963, em meio a um calor
abrasador, Martin Luther King
eletrizou cerca de 300 mil pes-
soas, entre brancos, negros,
estudantes, agricultores, operá-
rios, que vieram de todo o país
A marcha pelos direitos civis, em Washington, 1963
para o encontro. Diante da estátua de Abraham Lincoln, Martin proferiu
seu mais famoso discurso, Eu tenho um sonho.
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No entanto, Martin Luther King não era a principal figura da marcha.
“Quando ele fez o discurso”, disse Catherine Grahan, diretora da NAACP
na cidade de Trenton, ao jornal The Trentonian, “era para Bayard Rustin e
A. Phillip Randolph (importantes líderes negros, na época) serem as estre-
las. Não era ‘a Marcha para Washington de Martin Luther King’”.
Mas King roubou o show. Foi seu discurso inspirador que fez a todos –
inclusive as autoridades brancas – refletir e rever seus valores. “Quando
ele subiu ao palanque, ele hipnotizou a multidão”, lembra Graham, que
estava sentada num gramado, meio dormindo, até Martin discursar.
De fato, o discurso de Martin ainda é lembrado hoje, 42 anos depois de
ter sido pronunciado, por causa do impacto que teve sobre milhões de
pessoas que não estavam em Washington no dia da marcha ou que nem
mesmo eram nascidas em 1963. Doug Palmer, prefeito da cidade de Tren-
ton, no norte dos Estados Unidos, que tinha 11 anos à época da marcha,
afirmou que Martin “era um símbolo de esperança, orgulho e coragem
que combatia as injustiças e era tão articulado que podia emocionar quem
o ouvisse”. Jennye Stubblefield, que participou da marcha, explica que a
mensagem de Martin “era algo de que precisávamos naquele tempo; é
algo de que ainda precisamos hoje”.
O discurso de Martin inspirou ações semelhantes em todo o país. Nas
reuniões da NAACP, os líderes eram instruídos a estimular suas comunida-
des a la Martin Luther King. O resultado foi a vitória. De acordo com o
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reverendo Benjamin Chavis, ex-presidente da National Association for the
Advancement of Colored People (NAACP), a Marcha para Washington
levou à assinatura do Ato dos Direitos Civis de 1964 e ao Ato de Direito ao
Voto de 1965, duas conquistas vultosas que garantiram os mesmos direi-
tos dos brancos aos afro-americanos.
Martin profere seu famoso discurso, “Eu tenho um sonho”, em agosto de 1963
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A Marcha para Washington precisa, porém, continuar. Em 1993, no a-
niversário de 30 anos da marcha, o reverendo Benjamin Chavis declarou
que "a cor da sua pele ainda limita suas chances na sociedade”. Para Cha-
vis, “o sonho do dr. King ainda não se tornou realidade". O líder estudantil
Jamal Oakley, presidente da Foothill's Black Student Union (União dos
Estudantes Negros da Faculdade Foothill), concorda. Oakley acredita que a
luta pelos direitos civis ainda está longe de terminar. Recentemente, Oa-
kley promoveu uma passeata nos moldes da Marcha para Washington no
campus da faculdade. “Queremos mostrar que só porque os negros e os
brancos podem comer no mesmo lugar ou beber no mesmo bebedouro a
luta não acabou. Não queremos perder de vista o sonho do dr. King. Isso
seria terrível”.
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O Prêmio Nobel
esforço de Martin Luther King Jr. e as armas que ele usava para
fazer valer aquilo que acreditava – desobediência civil e não-
violência – acabaram sendo reconhecidos mundialmente. Em
1964, aos 35 anos de idade, Martin ganhou o Prêmio Nobel da Paz. A hon-
ra era enorme e se estendia a todos os afro-americanos. Foi o segundo
negro americano a ter tal consagração e o homem mais jovem a ser pre-
miado.
Ao receber o prêmio, em Oslo, Noruega, Martin disse que recebia o
Nobel em nome dos milhões de negros americanos que lutam “para dar
fim à longa noite de injustiças raciais”. Ele destinou o valor do prêmio, que
na época era de 50 mil dólares, ao movimento pelos direitos civis.
No sul dos Estados Unidos, porém, a reação à concessão do prêmio foi,
como era de se esperar, negativa. Os racistas do sul classificaram de “ver-
gonha para todo mundo” o fato de um negro ter recebido o Nobel. Mas a
vergonha era que na terra da “liberdade e justiça para todos” nem todos
podiam viver em liberdade e com justiça. E foi o exemplo e a coragem de
O
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homens como Martin Luther King Jr. que fizeram esta situação reverter.
Martin sonhou e ousou lutar por esse sonho.
Martin Luther King Jr. recebendo o Nobel, em Estocolmo, Suécia, 1964
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A biógrafa Chisty Whitman afirmou que “a força da crença de Martin
contagiou negros e brancos, e foi pelo exemplo de vida, pela retidão de
caráter, que ele mostrou ‘como’ fazer com que o sonho se tornasse reali-
dade”. Foi pelo fato de Martin ter colocado a liberdade acima das diferen-
ças sociais que ele pôde sensibilizar milhares de pessoas justas e honestas
em todo o mundo. Com suas palavras e ações, Martin foi capaz de estabe-
lecer uma corrente dinâmica capaz de abalar séculos de racismo. Martin
acabou se tornando o porta-voz dos oprimidos. E por causa da sua luta
incansável, ele foi escolhido duas vezes como Homem do Ano pela presti-
giosa revista Time. O Nobel veio na esteira.
Martin estava acima das mesquinharias humanas. Apesar de tudo
o que sofrera – atentados, prisões, agressões –, ele não guardava rancor.
No discurso que fez por ocasião da entrega do prêmio, Martin reiterou
que sua luta era contra a injustiça e não contra os homens.
No entanto, nem mesmo com toda honraria e reconhecimento
público, os afro-americanos deixaram de ser perseguidos. Apesar das con-
quistas do Ato dos Direitos Civis, em 1964, e do Ato de Direito ao Voto, de
1965, os negros continuaram sendo vítimas da violência dos racistas. Em
fevereiro de 1965, em Nova Iorque, a casa de Malcon X, líder do Partido
dos Panteras Negras, sofreu um atentado a bomba. Sua mulher e seis fi-
lhos sobreviveram, mas duas semanas depois, depois de fazer um discurso
no Harlem, Malcon X foi assassinado a tiros.
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Naquele mesmo ano, uma bomba foi detonada numa igreja de ne-
gros. Era um domingo de manhã, e quatro garotinhas morreram enquanto
rezavam. Meses depois, dois jovens afro-americanos foram assassinados
numa emboscada. Eram avisos a Martin sobre o que poderia acontecer
com ele e com seu sonho de igualdade.
A medalha de reconhecimento pelos esforços da paz em seu país.
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O Mártir
epois de ser premiado com o Nobel da Paz, Martin não dormiu
sobre os louros da vitória. Ao contrário. Logo depois de chegar
da Noruega, onde tinha ido receber o prêmio, assumiu novos
desafios. Na cidade de Selma, Alabama, ele liderou uma campanha pelo
registro de eleitores negros, que culminou com a Marcha da Liberdade de
Selma a Montgomery. Em seguida, Martin levou sua cruzada a Chicago,
onde lançou um programa de erradicação das favelas da cidade e uma
campanha de construção de casas populares.
No entanto, a viagem ao norte do país mostrou a Martin que os
jovens negros de lá não se impressionavam com seus discursos e pouco
ligavam para seus apelos de protesto pacífico. Martin percebeu que por
trás da ira dos jovens afro-americanos do norte estava a guerra do Vietnã
– um conflito onde os negros eram literalmente usados como “bucha de
canhão”, sendo sempre escalados para as missões mais perigosas em lugar
dos brancos. A partir desta percepção, Martin passou a lutar por uma nova
causa: o fim da guerra do Vietnã.
D
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Na Casa Branca, com Robert Kennedy, em junho de 1963.
Martin tentou criar uma nova coalizão, baseada em apoio igual para a
luta pelos direitos civis e pelo fim da guerra do Vietnã. Mas isso causou um
racha no movimento. Segundo o jornal Seattle Times,
http://seattletimes.nwsource.com/mlk/king/biography.html, a National
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Association for the Advancement of Colored People – NAACP (Associação
Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor) – viu a mudança de ênfase de
King como um “sério erro tático”, e a Liga Urbana, outra entidade que
lutava pelos direitos civis, avisou que os “recursos limitados” do movimen-
to praticamente acabariam. Mas a história provou que Martin estava cer-
to.
“Estudantes, professores, intelectuais, clérigos e reformadores imedia-
tamente abraçaram a proposta”, relata o Seattle Times. Com o apoio re-
cebido, King passou a atacar o problema doméstico que sentia estar dire-
tamente relacionado à guerra do Vietnã, isto é, a pobreza. Exigiu um segu-
ro familiar que garantisse uma renda mínima para os excluídos, ameaçou
promover boicotes em nível nacional e fazer acampamentos de protestos
pacíficos nas principais cidades americanas. Em seguida, começou a plane-
jar uma nova marcha a Washington. Dessa vez seria a Marcha dos Pobres.
Sua ideia era reunir um número tão grande de americanos excluídos em
frente ao Congresso Nacional, esperando que as autoridades reconheces-
sem seu grande número e fizessem algo em seu favor. Mas Martin teve de
interromper esses planos para apoiar a greve dos coletores de lixo de
Memphis.
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Com o presidente Lyndon Johnson, em 1966
Martírio
Em abril de 1968, os coletores de lixo do estado de Memphis, Tennes-
see, estavam em greve, reivindicando melhores condições de trabalho e
aumento salarial. Como 90% dos coletores de lixo eram negros, a greve
passou a fazer parte da luta pelos direitos civis.
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No dia 3 daquele mês, Martin Luther King Jr. foi a Memphis apoiar a
greve. Com ele, estavam dois outros importantes líderes afro-americanos:
Jesse Jackson e Ralph Albernati. Os três foram saudados por uma multidão
de cerca de trezentas pessoas. Martin, que voltava a Memphis depois de
uma malograda passeata meses antes, enfatizou em seu discurso a neces-
sidade de conduzir o movimento por meio da não-violência.
Na verdade, os negros começavam a recusar a estratégia de Martin.
Nos comícios, policiais se infiltravam à paisana e provocavam os partici-
pantes. Muitas outras frentes afro-americanas, como os Panteras Negras e
o Movimento Nacionalista Negro, não concordavam com a orientação de
Martin Luther King Jr. e reagiam, respondendo com violência às provoca-
ções. Martin dava mostras de desânimo.
Depois do incidente em Memphis durante sua última visita, Martin ha-
via se reunido com membros da Southern Christian Leadership Conference
(Conferência da Liderança Cristã do Sul), fundada por ele e outros líderes
negros em 1957 para apoiar em todo o país as organizações locais que
participavam do movimento pelos direitos civis. Desanimado com o curso
que a luta tomava, Martin chegou até mesmo a pensar em desistir, mas foi
influenciado a abandonar a ideia.
No dia 5 de abril de 1968, uma quinta-feira, Martin se reuniu com Ral-
ph Albernathy e Jesse Jackson no quarto 306 do Motel Lorraine, onde se
hospedara na nova visita a Memphis. Os três analisaram nos jornais as
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notícias sobre a greve. As matérias estavam carregadas de provocações,
esperando com isso causar a reação violenta dos grevistas negros. Qual-
quer deslize dos afro-americanos implicaria que o movimento queria “to-
mar o poder à força”, como as autoridades, inclusive o FBI, insinuavam. Se
isso fosse de fato comprovado, justificaria uma intervenção radical por
parte dos brancos. Martin queria evitar isso a todo o custo. Cada vez mais,
insistia na ideia de não reagir, de responder pacificamente às provocações
e de continuar reivindicando aquilo que consideravam ser justo.
O motel Lorraine, onde o líder negro foi assassinado, em 1968
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No final do dia, depois de tantas reuniões e discussões, Martin es-
tava extenuado. Tomou um banho e se preparou para jantar com o reve-
rendo Kyles, um dos líderes negros locais. Depois ele saiu até a sacada do
quarto. Vendo um dos assistentes de Kyles à sua espera, fez sinal para ele
esperar. Eram 6 horas da tarde. Martin não teve tempo de se virar para
sair da sacada. Ouviu-se um disparo de rifle, e Martin caiu. Ralph Alberna-
thy correu até o quarto, mas já não podia fazer mais nada: uma bala co-
varde atingira Martin na parte inferior do rosto e no pescoço. Pregando
amor, respeito e não-violência, o grande líder negro fora assassinado.
James Earl Ray, o autor do disparo, tinha feito de Martin um mártir.
A morte de Martin fez alastrar uma onda de violência em todo o
país: exatamente o contrário daquilo que Martin desejava. A partir daque-
le momento, o belicoso Partido dos Panteras Negras assumiu a liderança
do movimento pelos direitos civis dos afro-descendentes. As autoridades,
por sua vez, encontraram no radicalismo dos panteras a justificativa que
procuravam para reprimir o movimento com violência. A polícia e o FBI
apoiaram traficantes de drogas que atuavam nas comunidades negras e
infiltraram espiões nas linhas do partido, assassinaram muitos dos seus
líderes e efetuaram prisões. O resultado final pendeu em favor dos bran-
cos. No começo da década de 1970, apesar de as injustiças contra os afro-
americanos continuar, o movimento pelos direitos civis tinha perdido sua
força quase que completamente.
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória
78
A esposa, a mãe e a irmã, depois do funeral de Martin.
Mas o legado de Martin Luther King Jr. continua. Em 1969, Coretta
Scott King, viúva de Martin, organizou o Martin Luther King Jr. Center for
Non-Violent Social Change (Centro Martin Luther King Jr. Para a Mudança
Social Não-Violenta), na sua cidade natal, Atlanta. O Centro fica ao lado da
Igreja Batista Ebenezer, onde seu avô, seu pai e ele pregaram. Seu aniver-
sário, 15 de janeiro, se tornou feriado nacional – uma homenagem que
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pouquíssimos americanos tiveram. O Hotel Lorraine, onde foi assassinado,
é hoje o Museu Nacional dos Direitos Civis.
As palavras e ações de um homem como Martin Luther King Jr.
não se calam à bala, nem se perdem jamais. Em seu túmulo, no South
View Cemetery, seu epitáfio continua a proclamar seu sonho de liberdade:
“Enfim livre, enfim livre! Graças a Deus Todo-Poderoso, sou finalmente
livre”.
Aos 24 anos, pastor da Igreja de Dexter
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O Legado de Martin
Luther King Jr.
uitos escritores atingem a glória com um único livro. Ou-
tros, porém, são julgados pelo conjunto da sua obra. Martin
Luther King Jr. – que também era escritor – não deixou a-
penas uma história que marcou seus contemporâneos e as gerações futu-
ras (neste caso, a sua própria), mas legou uma grande obra através do
exemplo da sua vida. Seu legado é imenso. As realizações que levou a cabo
fizeram com que os afro-americanos sentissem orgulhos de si mesmo.
Provavelmente este é seu maior trunfo: mais do que qualquer vitória signi-
ficativa – e ele obteve muitas –, Martin Luther King ensinou seu povo a
valorizar a si mesmo.
O legado de Martin é tal que o líder foi homenageado com um feriado
nacional, o Dia de Martin Luther King Jr., celebrado em 15 de janeiro, ani-
versário do pastor. Poucos americanos têm um feriado nacional em sua
honra. Nem mesmo George Washington e Abraham Lincoln têm um ferido
M
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exclusivamente para eles – são celebrados em conjunto no Dia do Presi-
dente. Isso irrita sobremaneira os muitos brancos racistas que ainda gras-
sam nos Estados Unidos.
A marcha pelos direitos civis em Washington: ápice da carreira
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82
Numa declaração feita em cadeia nacional no programa American Dis-
sident Voices, cujo texto está disponível em inglês em
http://www.martinlutherking.org/thebeast.html, Kevin Alfred Strom fez
tudo para pintar a imagem de King como “A Besta Tomada por Santo”. Um
dos pontos que o detrator ataca é o que ele chama de “frenesi de adora-
ção ao famoso reverendo doutor Martin Luther King Jr.” que toma os Es-
tados Unidos no feriado. Mas quem lê a transcrição do discurso de Strom
percebe que sua retórica é fraca e permeada de raiva. Ele está errado. O
fato de Mártir ser um dos poucos americanos a terem um feriado para si
demonstra claramente o seu valor: um dos maiores líderes da América.
No site oficial do Martin Luther King Center
(http://www.thekingcenter.org) a própria viúva de Martin, Coretta Scott
King fala sobre o legado de Martin, ao comentar o feriado em homenagem
ao marido. “Nós celebramos nesse feriado (a memória de) um homem de
ação, que alinhou sua vida pela liberdade e justiça todos os dias da sua
vida, o homem que enfrentou corajosamente ameaças, cadeia, linchamen-
to, até finalmente pagar o preço mais alto para tornar a democracia uma
realidade para todos os americanos”.
Para Coretta, o maior legado de Martin foi seu exemplo. Colocou sua
vida, suas ações, suas palavras à serviço da sua causa. Para defender aqui-
lo em que acreditava, foi esfaqueado por uma pessoa da própria raça,
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sofreu atentados à bomba, foi preso diversas vezes, até finalmente su-
cumbir a uma bala covarde.
Martin, Coretta e os três filhos, em 1963
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A vida e as ações de Martin espelham de fato sua convicção, seu legado
político e filosófico. O biógrafo Edgar A. Klettner, citado em Martin Luther
King, O Redentor Negro (Editora Martin Claret, São Paulo), diz que “sob
sua liderança milhões de negros americanos saíram do aprisionamento
espiritual, do temor, da apatia, e foram para as ruas reivindicar sua liber-
dade (...) Martin Luther King, o guerreiro pacífico revelou ao povo o seu
poder latente; o protesto não-violento de massas, firmemente disciplina-
do, capacitou-o a avançar contra seus opressores num combate eficiente e
sem derramamento de sangue”.
Martin foi um exemplo não só para os negros, mas também para mi-
lhões de brancos que com ele aprenderam a valorizar seus concidadãos
afro-descendentes. Martin continua ainda hoje a inspirar com sua obra.
De fato, os afro-americanos conquistaram seu lugar na sociedade do seu
país, mas ainda há muito a fazer. A população mais pobre dos Estados
Unidos, bem como a dos presídios, ainda é majoritariamente negra, assim
como a que aguarda a sentença final nos corredores da morte dos cárce-
res americanos. Alguns grupos de direitos humanos afirmam que a incrível
negligencia do governo Bush no resgate às vítimas do furacão Katrina, que
varreu a cidade de Nova Orleans em setembro de 2005, se deveu princi-
palmente ao fato de as vítimas serem na grande maioria negras.
Alguns comentaristas apontam a falta de líderes como um grande pro-
blema da minoria negra americana hoje. Jesse Jackson, amigo de Martin,
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória
85
continua ativo, assim como permanece vivo o orgulho do Black Power.
Mas o exemplo de Martin não tem sido seguido. Muitos afro-americanos
acabaram se acomodando com os louros da vitória. Um vasto número
deles enriqueceu e alçou posições sociais mais altas. Há, porém, incontá-
veis negros excluídos e esquecidos, sem voz para reivindicar a atenção do
seguro social. Estes ainda precisam de um novo Martin Luther King.
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Apêndice
Martin Luther King por ele mesmo
Trechos de escritos e discursos
Sobre o atentado à faca no Harlem
“Há alguns anos, sentei-me numa loja de departamentos no Harlem,
cercado por centenas de pessoas. Estava autografando exeplares de ‘Ca-
minhada para a Liberdade’, meu livro sobre o boicote dos ônibus de
Montgomery, em 1955-56. Ao assinar o nome numa página, senti um ob-
jeto pontiagudo penetrar com força no meu peito. Eu havia sido ferido
com cortador de papel, arremessado por uma mulher que, mais tarde,
viria a ser considerada louca. Levado às pressas, em ambulância, para o
Hospital do Harlem, fiquei horas deitado numa cama, enquanto se faziam
os preparativos para extrair a faca pontiaguda de meu corpo. Passados
alguns dias, quando me senti bem para conversar com o dr. Aubrey May-
nard, cirurgião-chefe que realizou a delicada e perigosa operação, soube o
motivo da memória que precedia a cirurgia. Disse-me o médico que a ex-
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87
tremidade da lâmina estivera tocando minha aorta e que todo o meu tó-
rax fora aberto para extraí-la.
‘Se você tivesse espirrado durante todas aquelas horas de espera’, a-
firmou o dr. Maynard, ‘sua aorta seria perfurada e você se sufocaria em
seu próprio sangue’”.
“A Revolução Negra – Por que 1963?”, in Luther King – O Redentor Ne-
gro, Editora Martin Claret
A Missão Humana
“Enquanto os homens não forem em busca de sua essência e não com-
preenderem o que vieram fazer neste mundo, nada vai mudar, porque é
mais cômodo ficar como está. Mesmo que esteja doendo um pouco”.
Citado por Christy White in O Jovem Martin Luther King, Editora Nova
Alexandria, Tradução Guca Domenico
Sobre a participação das crianças no movimento pelos direitos civis:
“Uma das mais pungentes (atitudes dentro do movimento) procedeu
de uma criança de aproximadamente doze anos, que acompanhava a mãe
numa passeata. Um policial divertido interpelou-a, em tom de mofa: ‘ o
que é que você quer?’. A criança fitou-o nos olhos, resoluta, e respondeu:
‘liberdade’. Ela quase não sabia dizer a palavra, mas trombeta alguma, de
Sindicato dos Padeiros de São Paulo - Projeto Cultura e Memória
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qualquer Gabriel já produzira som mais autêntico(...) As crianças compre-
enderam quais eram os direitos porque lutavam. Ocorre-nos o caso de um
adolescente, cujo pai, devotado ao movimento, aborreceu-se ao saber que
o filho se comprometera a participar das manifestações. Proibiu-o de fazê-
lo. ‘Papai’, disse o menino, ‘mão quero desobedecer-lhe, mas já estou
comprometido. Se o senhor tentar me segurar em casa, fugirei. Se achar
que mereço ser punido, aceitarei o castigo. O senhor sabe que não estou
fazendo isso somente porque quero me libertar. É também porque desejo
liberdade para o senhor e mamãe e quero que a liberdade venha antes de
o senhor morrer’. Aquele pai refletiu e aprovou a ação do filho”.
Pretos e Brancos Reunidos, in Luther King – O Redentor Negro, Editora
Martin Claret
Eu Tenho Um Sonho
“Eu digo a vocês hoje, meus amigos, que embora nós enfrentemos as
dificuldades de hoje e amanhã, eu ainda tenho um sonho. É um sonho
profundamente enraizado no sonho americano. Eu tenho um sonho de
que um dia esta nação se levanta´ra e viverá o verdadeiro significado de
sua crença: ‘nós celebraremos essas verdades e elas serão claras para
todos:que os homens são criados iguais’”.
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“Eu tenho um sonho de que um dia, nas colinas vermelhas da Geórgia,
os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes dos
donos de escravos poderão se sentar juntos à mesa da fraternidade”.
“Eu tenho um sonho de que um dia, até mesmo o estado do Mississipi,
um lugar que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor
da opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça”.
“Eu tenho um sonho de que meus quatro pequenos filhos vão um dia
viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas
pelo seu caráter”.
“Hoje eu tenho um sonho. Eu tenho um sonho de eu um dia, no Ala-
bama, com seus racistas maledicentes, com seu governador que tem os
lábios gotejando palavras de intervenção e negação, nesse justo dia, no
Alabama, meninas e meninos negros poderão dar as mãos a meninas e
meninos brancos como irmãs e irmãos”.
“Hoje eu tenho um sonho. Eu tenho um sonho que um dia todo vale
será exaltado e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares ás-
peros serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados, e a gló-
ria do senhor será revelada e toda carne será unida”.
“Essa é nossa esperança. Essa é a fé com que regressarei para o Sul.
Com essa fé nós poderemos cortar da montanha do desespero uma pedra
de esperança. Com essa fé nós poderemos trabalhar juntos, rezar juntos,
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lutar juntos e, até mesmo, ir preso juntos em defesa da liberdade. Mas
certamente um dia seremos livres”.
“Esse dia será o dia, esse será o dia quando todas as crianças de Deus
poderão cantar uma melodia com todo um novo significado. ‘Meu país,
doce terra de liberdade, eu te canto. Terra onde meus pais morreram,
terra do orgulho dos peregrinos. De qualquer lado da montanha, ouço o
sino da liberdade’”.
“E se a América é uma grande nação isso tem de se tornar realidade. E
desse modo ouvirei o sino da liberdade...”
In O Jovem Martin Luther King, Christy Whitman, Editora Nova Alexan-
dria
O Propósito da Educação (escrito no Morehouse College, em 1948,
quando Martin tinha 19 anos)
“Enquanto participo das atividades estudantis dentro e fora da escola,
percebo que muitos estudantes têm uma concepção errada do propósito
da educação”.
“Muitos dos ‘irmãos’ acham que a educação deve instrumentalizá- los
com instrumentos de exploração apropriados para que eles possam passar
por cima das massas. Outros pensam que a educação deve dar-lhes nobres
fins, em lugar de meios para um fim. A mim parece que a educação tem
dois papéis a realizar na vida de um homem e na sociedade: um é utilida-
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de e outro é cultura. A educação deve possibilitar que o homem se torne
mais eficiente, que realize com cada vez mais facilidade os objetivos legí-
timos da sua vida. A educação deve também treinar o estudante a pensar
rápida, resoluta e eficientemente. Pensar incisivamente por si mesmo é
muito difícil. Somos inclinados a deixar que nossa vida mental seja invadi-
da por legiões de meias-verdades, preconceitos e propaganda”.
“E nesse ponto, eu me pergunto se a educação está ou não cumprindo
seu propósito. A grande maioria de pessoas ditas educadas não pensam
logica nem cientificamente. Até mesmo a imprensa, a sala de aula, o pa-
lanque e o púlpito, em muitas instâncias, não nos dão verdades objetivas e
imparciais. Salvar o homem do atoleiro da propaganda é, na minha opini-
ão, a principal meta da educação”.
In The Purpose of Education,
http://seattletimes.nwsource.com/mlk/king/speeches.html, tradução de
Claudio Blanc
As Três Dimensões de Uma Vida Completa
sermão proferido na Igreja Batista da Nova Aliança, Chicago, em 9 de
abril de 1967
“Há três dimensões em qualquer vida completa (...): comprimento, lar-
gura e altura. O comprimento da vida, conforme o conceito que usaremos
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aqui, é a preocupação pessoal com o próprio bem-estar. Em outras pala-
vras, é a preocupação consigo mesmo que faz com que as pessoas vão em
frente para realizar suas metas e ambições”.
“A largura da vida, conforme o conceito que usaremos aqui, é a preo-
cupação exterior pelo bem-estar dos outros. E a altura da vida é a busca
por alcançar a Deus. Vocês devem ter todos esses três aspectos para ter
uma vida completa”.
In The Three Dimensions of a Complete Life,
http://seattletimes.nwsource.com/mlk/king/speeches.html, tradução de
Claudio Blanc
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Sobre o Autor
Claudio Blanc é escritor, tradutor e editor, autor de cerca de 600 artigos sobre História, Ciência, Literatura e Filosofia, publicados em revistas como Discovery Magazine, Filosofia Ciência & Vida, Revista do Explorador e Grandes Líderes da História. É autor, entre outros, dos livros Aquecimento Global e Crise Ambiental, Uma Breve História do Sexo, O Lado Negro da CIA e O Homem de Darwin. Entre seus livros infanto-juvenis estão Histó-rias Sopradas no Tempo e De lenda em Lenda se Cruza Fronteiras, indica-do como Altamente Recomendável pela Fundação Nacional do Livro Infan-to-Juvenil. Claudio Blanc também assina até o momento da publicação deste livro a tradução de 40 obras nos mesmos campos de conhecimento sobre os quais escreve, entre elas os best-sellers Fumaça e Espelhos, de Neil Gaiman, e O Relatório da CIA – como será o mundo em 2020?
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Direito reservados: Sindicato dos Padeiros de São Paulo, 2014 Este artigo pode ser reproduzido para fins educativos;
a fonte deve ser citada
Projeto Memória: www.padeirosspmemoria.com.br