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Curso de Formação de Agentes Penitenciários Módulo 05- Violência, Crimes e Controle Social
Disciplina: Abordagem Sócio-Psicológica da Violência e do Crime
Módulo 05- Violência, Crimes e Controle Social
Disciplina: Abordagem Sociopsicológica da Violência
e do Crime
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Disciplina: Abordagem Sócio-Psicológica da Violência e do Crime
Módulo 05- Violência, Crimes e Controle Social
Disciplina: Abordagem Sociopsicológica da Violência e do Crime
1- ALGUNS ASPECTOS DA FENOMENOLOGIA DA VIOLÊNCIA
A pergunta que se faz, quando se fala em violência, refere-se ao sentido de se voltar a um
tema que está presente em nosso cotidiano como um dos fenômenos sociais mais
inquietantes do mundo atual. Vista dessa forma, podemos dizer que a violência é um
elemento estrutural, intrínseco ao fato social . Esse fenômeno aparece em todas as
sociedades; faz parte, portanto, de qualquer civilização ou grupo humano: basta atentar para
a questão da violência no mundo atual, tanto nas grandes cidades como também nos
recantos mais isolados.
A palavra violência significa constrangimento físico ou moral, uso da força, coação, torcer o
sentido do que foi dito, estabelecer o contrário do direito à justiça , negar a livre manifestação
que o outro expressa de si mesmo a partir de suas convicções. Corresponde, também, a um
sentido de inadequado, de fora da proporção, em sua expressão e conteúdo. Esses padrões
de comportamento, que não estão à margem da cultura, mas a compõem, como um de seus
elementos nucleares, conduzem a sociedade contemporânea a uma orgia de sadismo e
crueldade, que mais aberrante se torna, na medida em que passa a ser um elemento do
cotidiano.
De modo paradoxal, os tempos atuais assistem a uma escalada da violência com maior
sensibilidade frente ao sofrimento humano. Os ícones da violência massificada no presente
século – Hiroshima: o extermínio em massa das populações civis japonesas; a intolerância
frente às minorias étnicas; as referências às mais variadas formas de brutalidade nas quais a
humanidade se compraz, tais como a fome (seja na Etiópia ou a de um mendigo à porta de
nossa casa), a exploração generalizada do ser humano, o consumo e a acumulação
predatórios, a deterioração generalizada das formas societárias de existência –
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trazem como resultado um estado geral de indiferença, no qual o bem e o mal expostos ao
olhar, sem intermediação, tornam-se um simples dado do cotidiano, entre tantos outros, e
talvez não o menos incômodo. Estabelece-se um estado geral de apatia, de tranquilidade
“aceitação”, tanto nos que aplicam a violência, direta ou indiretamente, como naqueles que a
sofrem diuturnamente.
A tradição ocidental manifesta-se hoje como uma consequência do processo de
racionalização, que se iniciou em fins do século XVIII, e é caracterizada por ser uma
“civilização legal”. No entanto, toda a legislação moderna que tenta coibir a violência não tem
alcançado seus objetivos. A língua geral da lei parece não ecoar na violência da sociedade
contemporânea. É como se fosse uma visitante recém-chegada a uma cidade que
desconhece totalmente seu significado. Marco Polo, um viajante do século ...... “ignorando
totalmente as línguas do Levante, só podia se exprimir extraindo objetos de suas malas:
tambores, peixe salgado, colares de dentes de facoqueiros e, indicando-os com gestos,
saltos, gritos de maravilha ou de horror, ou imitando o latido do chacal e o pio do mocho” -
De modo geral, a violência deixa transparecer uma reivindicação de ordenamentos sociais
mais justos - como se sabe, o conceito de justo (conceito relativo, mas sempre dotado de
valor) é eminentemente arbitrário - e, por outro lado, denuncia a impotência do Estado, que
não consegue cumprir seu projeto (muitas vezes mais anunciado que desejado) de unificar e
equilibrar a sociedade.
No Brasil, historicamente, tem-se discutido a questão envolvendo a reivindicação da
construção de novo Código Penal como uma solução para a violência. Nesse sentido,
convém lembrar que, já em 1830, data do nosso primeiro Código Penal houve um código
considerado como um dos mais avançados para o mundo da época. Isso se deu,
ironicamente, talvez acintosamente, numa sociedade escravocrata.
Os Estados nacionais modernos foram montados a partir da dissolução dos poderes
tradicionais, no momento das grandes revoluções burguesas. O exemplo mais eficaz para
comprovar essa tese é a forma de punição adotada no mundo atual.
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O juiz de nossos dias - magistrado ou jurado - não julga sozinho. Ao longo do processo
penal, e da execução da pena, prolifera toda uma série de instâncias anexas. Pequenas
justiças e juízes paralelos se multiplicam em torno do julgamento principal: peritos,
psiquiatrias ou psicólogos, magistrados da aplicação das penas, educadores, funcionários da
administração penitenciária fracionam o poder legal de punir. Podemos dizer que nenhum
deles partilha realmente do direito de julgar; que uns, depois das sentenças, só têm o direito
de fazer executar uma pena fixada pelo tribunal; e, principalmente, que outros - os peritos -
não intervêm antes da sentença, para fazer um julgamento, mas para esclarecer a decisão
dos juízes.
No imaginário social, o poder de punição fica sendo identificado através de outros aparelhos
de Estado, como por exemplo, a polícia. Enquanto, na Idade Média, o poder de punir
concentrava-se na pessoa do soberano - que exercia seu poder através da punição pelo
suplício público aos criminosos, dando visibilidade máxima, dessa forma, ao poder real -, na
modernidade, o poder de punir tornou-se uma estratégia cujos efeitos de dominação
funcionam como disposições, manobras, táticas e técnicas de funcionamento, que retratam
uma rede de funcionamentos tensos e complexos. Por outro lado, o poder não se aplica pura
e simplesmente em termos de obrigação ou proibição, não s aprofunda dentro da sociedade
apenas na relação entre o cidadão e o Estado, mas em toda a sociedade por meio das
relações sociais. Ou seja, deve-se ter em conta uma complexa relação onde todo o corpo
social é vigiado e controlado1.
As observações acima nos permitem perceber que é possível falar sobre o poder da
violência, caracterizando-a de várias formas, como por exemplo:
1. 1 - Violência institucionalizada, como uma característica da burocracia do Estado,
cujos exemplos são de todos conhecidos. É o caso das instituições totais; da tirania das
pequenas guerrilhas oficiais ou não-oficiais; da violência coercitiva, que garante a
obediência.
1 Sobre o tema, consultar:
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1986 ________, Eu, Piere Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. Rio de Janeiro: Graal, 1984
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Desse modo, a violência dos poderosos recebe uma crítica que se esgota no discurso
inócuo. A violência dos fracos, por outro lado, é punida concretamente, sentida por eles na
carne e no espírito (ou no que restou dele). Nesse sentido, é fundamental que se pense
sobre a violência institucionalizada como uma característica da sociedade moderna2.
1. 2 - A violência anônima, que parece ter função construtiva no contexto social. Essa
posição é vista por MICHEL FOUCAULT, em Vigiar e Punir, como a íntima relação que une
a polícia e a delinquência, o carrasco e o condenado, num jogo de poder onde os desejos se
entrecruzam e se complementam mutuamente: daí a presença inconfessável e necessária
do carrasco.
A violência manifestada como delinquência - ou seja, violência enquanto ato degradado -
possibilita o controle, assim como a compartimentalização generalizada da esfera social.
Para FOUCAULT, ela funciona como um “observatório político”, do qual se servem policiais,
estatísticos, psiquiatras, psicólogos, sociólogos e outros especialistas. Esse aspecto
possibilita perceber que a violência tem servido historicamente como laboratório para o
conhecimento moderno. A compartimentalização possibilita um controle social onipresente e
onipotente. Assim, foi possível construir uma sociedade que, panóptica por um lado, mas
cega às suas conjunturas existenciais por outro lado, permitiu instalar o campo de ensaios
do controle social. Isso porque, enquanto violência especifica, separada e classificada,
justificará e comportará outras instâncias de uma ordem social baseada na separação
(órgãos judiciários, polícia, trabalho social, casas de recuperação, prisões, manicômios etc.).
1. 3 - A violência banal, que está ativa na paixão social, é retratada na resistência das
massas (o silencio das massas), como descrita por MICHEL MAFFESOLI3. Trata-se de uma
ritualização da violência, que não deixa de ser prospectiva. O slogan bem conhecido “faça
2 GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozs, 1974.
________. Estigma. Rio de Janeiro: Zahar, 1982. ________. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 1974. ________. Ritual de la interacción. Buenos Aires: Viltera S/A, 1974 3 MAFFESOLI, Michel. Dinâmica da violência. São Paulo: Revista dos Tribunais/Vértice, 1987.
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amor, não faça guerra” corre o risco de ter, nas próximas décadas, prolongamentos
insuspeitos.
A criminalidade retrata o grau de justiça de uma sociedade. Uma sociedade totalmente justa
não poderia avaliar de maneira normativa ou judicativa o que se chama de criminalidade.
Estamos diante de um instinto eterno de destruição, que é inútil negar, portanto, é melhor
admiti-lo e analisar como ele participa da estrutura social de forma conflituosa e paradoxal,
tal como se apresenta na civilização contemporânea.
Por outro lado, a violência, em suas diferentes manifestações, é reprimida pelos aparelhos
de Estado e deve ser controlada através das ações de indivíduos pertencentes a esses
aparelhos. Esses indivíduos, ao agir contra tais manifestações, o fazem de forma
institucionalizada, de modo que suas ações não se realizam por eles mesmos. Eles prestam
serviços para os que estão acima deles. É, no entanto, importante que se diferenciem as
formas de violência que devem ser reprimidas oficialmente, tais como as gangs, a máfia, e
o crime organizado em geral.
1.4 - A violência interna, que desagrega todo um sistema de sentidos e de valores no palco
universal, vem-se constituindo como um problema na sociedade contemporânea. O exame
das condições objetivas dessa sociedade poderia ser pensado através de um espaço onde a
dignidade humana aparecesse como condição de “recuperação” das injustiças.
Para ERICH FROMM4, “A espécie de „divisão do trabalho‟, como chama W. James, pela qual
alguém ama sua família, mas não tem sentimentos pelo „estranho‟, é um sinal de
incapacidade básica de amor”. A sociedade que não consegue desenvolver uma
compreensão satisfatória sobre um sistema de valores que inclua reciprocidade que
satisfaçam a arte da troca por si própria, desvinculada da compulsão consumista e
cumulativa, não consegue evitar a violência (ou, pelo menos, algumas de suas
manifestações). A falta de amor que caracteriza nossa sociedade manifesta-se na autofagia
que leva à destrutividade.
4 FROMM, Erich. A arte de amar. Belo Horizonte; s.d., p.86-87
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Um exemplo significativo, apresentado por FROMM5, sobre como o homem moderno vive
em um estado de violência, é a relação que ele mantém com o tempo: “O homem moderno
pensa que perde alguma coisa - o tempo - quando não faz as coisas rapidamente; todavia,
ele não sabe o que fazer com o tempo que ganha - a não ser matá-lo”. Outro valor que
parece estar tomando lugar de destaque em nossa sociedade é o medo, que vem
substituindo a confiança, a crença, o saber, a liberdade, o amor, entre outros valores.
FROMM6 refere-se ao medo como fraqueza. Esse medo, por sua vez, pode gerar um
comportamento típico dos fracos: a ânsia de poder. Para FROMM, “a ânsia de poder não se
origina da força, mas da fraqueza”.
A excelente biografia de Hitler, escrita por JOACHIM FEST, é extremamente ilustrativa a
esse respeito. O medo, segundo alguns, une os homens; segundo outros, os separa. Mas o
que podemos observar é que o medo, tanto une como separa. Talvez uma das faces mais
deprimentes da realidade urbana contemporânea seja o isolamento voluntário, com grades
nas residências, nos condomínios, nos centros empresariais, nas escolas etc.
Como vemos, falar de violência implica uma reflexão que vai muito além da questão da
criminalidade. É, no entanto, importante que direcionemos o debate sobre a violência rumo
aos interesses específicos deste artigo
O relato do assassinato que ocorreu há cerca de trinta anos, tornando-se um fato social que
abalou toda a sociedade carioca. Um jovem vestibulando, chamado Odilo Costa Neto, foi
assassinado, em 1964, tentando defender-se e à sua namorada, reagindo a um assalto no
Rio de Janeiro. Esse fato, na época, foi matéria dos veículos de comunicação durante
semanas na imprensa nacional. A família de Odilo, que pertencia a um segmento importante
da sociedade carioca e tinha muitas relações - cabe lembrar a importância da palavra
“relações” na cultura brasileira -, mobilizou a opinião publica daquela cidade, fazendo com
5 FROMM, Erich. Op. Cit., p. 118-119
6 FROMM, Erich. O medo à liberdade. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 133 – 149.
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que vários segmentos sociais exigissem dos governos Estadual e Federal providências de
vários tipos.
Nos últimos anos, centenas de pessoas do mesmo nível social têm sido assaltadas,
agredidas, sequestradas, assassinadas e violadas, muitas vezes na presença de familiares,
sem que esses fatos tenham a repercussão do caso acima relatado. A diferença é que hoje
já não temos a mobilização que ocorreu no caso de 1964. A afirmativa leva a várias
questões, entre elas, podemos dizer, então, que ocorreu uma adaptação na sociedade
contemporânea, particularmente nas grandes cidades?
A sociedade manifesta dificuldades de suportar os índices de agressividade; esse dado criou
a possibilidade de negociação com os agressores. Tal prática passou a existir desde que a
violência nas grandes cidades começou a se generalizar e frequentemente é acionada.
Ocorrem situações em que os agredidos aceitam perder os bens materiais para garantir sua
integridade física e moral. Parece, no entanto, que esse espaço de negociação tende a
diminuir consideravelmente. Constantemente os assaltos são acompanhados de crimes
contra a propriedade e a honra (entendida esta como o valor de uma pessoa a seus próprios
olhos, e também aos olhos de sua sociedade), quando não acompanhados de assassinatos.
É nesse caso que se coloca a questão da tolerância e da aceitação, da permissividade,
maior ou menor, por parte das vitimas, das exigências e ameaças dos assaltantes. O que
estamos vendo claramente é que o valor básico a sustentar a conduta dos agredidos é a
sobrevivência propriamente dita. Manter-se vivo, talvez a qualquer custo, é o objetivo das
pessoas agredidas. Impõe-se assim, de múltiplas formas, o estado de natureza.
Através de uma visão sócio-histórica, há que se constatar uma mudança de costumes e
valores associada às dramáticas transformações da vida urbana. Esses aspectos
estenderam-se de tal forma, que se tornou possível vermos hoje uma banalização e
rotinização da violência, cujas consequências trazem o excesso que tende a se cristalizar
como uma perversão difícil de ser controlada.
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Para podermos refletir seriamente sobre a problemática da violência, faz-se necessário
analisar a questão para além da criminalidade, pois essa questão representa apenas um
diagnóstico das idiossincrasias sociais e das desestruturações vividas no momento atuali
2- ASPECTOS BIOLÓGICOS NA ETIMOLOGIA DO COMPORTAMENTO AGRESSIVO
A agressão é um problema significativo em nossa sociedade, provocando impactos sociais,
psicológicos e econômicos, quanto aos quais pode ser impossível fazermos uma completa
avaliação As raízes ambientais e psicológicas do comportamento agressivo vêm sendo
estudadas há muitos séculos; porém, somente nos últimos 25 anos, têm sido feitas
investigações sistemáticas a propósito das possíveis vulnerabilidades biológicas para tal
comportamento. Durante esse período, muito se aprendeu sobre o papel dos sistemas
endócrino e de neurotransmissores como inibidores ou facilitadores de comportamento
agressivo. Infelizmente, os estudos que avaliam a vulnerabilidade biológica no
comportamento agressivo são dificultados por diversos fatores. Primeiro, embora fatores
biológicos possam desempenhar um papel importante no desenvolvimento desses
comportamentos, é impossível omitir a influencia de fatores ambientais e aprendidos na
gênese da agressão. Segundo, existem problemas para definir agressão para propostas de
investigação de fatores biológicos predisponentes. Todos os seres humanos experimentam
raiva e podem comportar-se agressivamente quando dada provocação necessária. Além
disso, o comportamento agressivo pode ter variadas causas, tais como o prejuízo cognitivo,
a depressão e outros. Finalmente, muito do que sabemos relativamente à neurobiologia da
agressão vem de dados de estudos com animais, e pode ser difícil estender tais resultados
ao ser humano.
Alguns dos possíveis fatores biológicos que podem modular o impulso agressivo em seres
humanos.
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2. 1. LESÕES CEREBRAIS
Cerca de 70% dos pacientes com danos cerebrais secundários a trauma contuso exibem
irritabilidade e agressão. Além disso, muitos pacientes com história de raiva descontrolada
têm uma história de trauma encefálico.
Apesar de haver uma correlação entre comportamento agressivo e dano cerebral, o dano em
si pode não ser responsável pelo aumento da agressão. Por exemplo, a incidência
aumentada de dano cerebral em populações violentas pode ser devida à maior probabilidade
com que esses indivíduos se envolvem em situações (por exemplo, brigas) em que podem
sofrer dano cerebral. Seria útil demonstrar-se uma relação causal, evidenciando que os
pacientes com dano em uma ou mais regiões cerebrais especificas exibem consistente
aumento dos níveis de comportamento agressivo impulsivo. Infelizmente, nem todos os
estudos esclarecem onde poderiam se encontradas as lesões que aumentam a
agressividade.
2. 2. ESTERÓIDES SEXUAIS
Em seres humanos, os andrógenos parecem ter um papel na regulação do comportamento
agressivo, mas a natureza desse papel não é clara. Delinquentes violentos parecem ter
níveis mais altos de testosterona do que delinquentes que cometeram crimes não violentos
(furto, roubo, tráfico de drogas), e aqueles com altos níveis de testosterona também são
mais agressivos na prisão. Em delinquentes violentos alcoolistas, a alta concentração de
testosterona livre no líquido céfalo-raquidiano (LCR) está associada ao aumento da
agressividade. Em crianças agressivas, também pode haver uma relação entre níveis de
testosterona salivar e agressão observada.
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2.3 SEROTONINA
A conexão entre serotonina (5-HT) e agressão foi estabelecida através de repetidas
observações de que anormalidades na função central da 5-HT se correlacionam à agressão
impulsiva. Mais evidencias sobre o importante papel que a serotonina desempenha
regulando a agressão vêm de estudos demonstrando que drogas que “estimulam” a
serotonina podem ser efetivas na redução do comportamento agressivo impulsivo. Em um
estudo duplo-cego, de 13 semanas em 21 pacientes com transtorno de personalidade
borderline, houve diminuição clínica e estatisticamente significativa na raiva entre pacientes
recebendo fluoxetina, independente das mudanças na depressão.
2. 4. DOPAMINA E NOREPINEFRINA
Os sistemas cerebrais dopaminérgico e noradrenérgico também parecem desempenhar um
papel na gênese do comportamento agressivo impulsivo. Estudos em animais sugerem que
o aumento da atividade dopaminérgica cerebral cria uma condição em que os animais estão
mais propensos a responder de forma impulsiva e agressivamente a estímulos ambientais.
2. 5 ALTERAÇÕES EM ENZIMAS QUE DEGRADAM MONOAMINAS NO SNC
O comportamento agressivo tem sido relacionado com alterações nas catecolaminas. Uma
enzima presente nos neurônios, a Catechol O-methyltransferase (COMT), inativa
catecolaminas.
2. 6. HORMÔNIOS DA TIREÓIDE
Os hormônios da tireóide parecem ter uma correlação com o comportamento agressivo e
violento nos indivíduos. As ações dos hormônios da tireóide e do Sistema Nervoso Simpático
estão estreitamente correlacionadas. O excesso de hormônios da tireóide causa uma
diminuição na atividade simpática, enquanto a deficiência dos mesmos acentua a atividade
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simpática. Sinais de baixa atividade simpato-adrenal foram demonstrados em populações de
criminosos.
2. 7 OUTROS FATORES NEUROBIOLÓGICOS
Outros sistemas cerebrais têm sido implicados na vulnerabilidade ao comportamento
agressivo. Por exemplo, efeitos centrais da arginina vasopressina (AVP) podem influenciar o
comportamento agressivo. Foi constatado que microinjeções de bloqueadores do receptor de
AVP no hipotálamo anterior de hamsters diminui a agressão, enquanto a injeção de AVP no
hipotálamo ventrolateral leva à agressão ofensiva.
2.8. INTERAÇÕES ENTRE SISTEMAS
Considerar que apenas um sistema neurobiológico influencia o comportamento agressivo
seria ingênuo. Infelizmente, porém, foram realizados poucos estudos sobre a interação entre
os diferentes sistemas cerebrais que podem contribuir para a regulação do comportamento
agressivo. Os estudos conduzidos sugerem possibilidades intrigantes. Por exemplo, quando
ratos que se tornaram dominantes após administração de testosterona receberam agonistas
da serotonina, foi demonstrada uma diminuição dose-dependente da agressividade. Tais
informações sugerem que os sistemas serotonérgicos podem interagir com esteróides
sexuais para regular o comportamento agressivo.
10. CONCLUSÕES
Como mencionado previamente, é provável que a tendência a atacar violentamente de modo
verbal ou fisicamente os outros seja influenciada por uma interação entre múltiplos fatores
biológicos complexos. É necessário investigar como esses sistemas interagem uns com os
outros para desenvolver um entendimento mais completo da influencia do cérebro sobre o
comportamento agressivo.
Negligenciar fatores psicossociais nas causas do comportamento agressivo também seria
ingênuo. Embora fatores ambientais sejam responsáveis por muito da predisposição à
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agressão, têm sido realizados poucos estudos sistemáticos para explorar a relação entre
experiências de vida e agressão.
Além disso, não houve estudos bem delineados da interação entre biologia e o ambiente de
um individuo na gênese do comportamento agressivo. Existe alguma evidencia de
associação entre abuso e negligência na infância e distúrbio de personalidade antissocial
parental e descendência.
3- CINCO TIPOS DE PERSONALIDADES CRIMINOSAS
3.1 Criminoso Nato – Portador de um património genético causador de sua criminalidade.
Esse criminoso é o “Homem Selvagem”, uma espécie de subtipo humano, um ser corrupto.
3.2 Criminoso Louco ou Alienado – Portador de uma perturbação mental associada ao
comportamento desviante, considerado como um louco moral.
3.3 Criminoso Profissional – Não possui bases biológicas inatas, mas torna-se criminoso
por forças e pressões de seu meio. Começa por um crime simples e ocasional e pode
reincidir.
3.4 Criminoso Primário – Comete um ou outro crime por força de um conjunto de factores
circunstanciais do meio, mas não tende para a recaída.
3.5 Criminoso por Paixão – vítima de um humor exaltado, de uma sensibilidade exagerada,
nervoso, explosivo e inconsequente, a quem a contrariedade dos sentimentos leva a cometer
esses actos, impulsivos e violentos, como solução para suas crises emocionais.
4- ESTADOS MÓRBIDOS QUE COMPROMETEM A CONSCIÊNCIA E A FACULDADE MORAL
Existem, em medicina, numerosos estados patológicos capazes de interferir na memória, na razão, na imaginação e no juízo. A perturbação dessas áreas da performance mental da pessoa tem recebido muitas denominações e descrições clínicas. A perda de memória se tem denominado "amnésia"; um juízo falsamente negativo sobre si mesmo pode ser chamado de perda da autoestima (sintoma da depressão), outras vezes, se esse falso juízo
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for falsamente positivo, poderá ser chamado de "mania". Na área da imaginação e do juízo patológicos, teremos as alucinações e delírios, entre outros.
Não obstante, observa-se, algumas vezes, a existência da Faculdade Moral mesmo onde há prejuízo de outras áreas psíquicas. Como se esse atributo fosse mais uma dádiva que uma capacidade. Demetrio Barcia Salorio diz ter conhecido um homem que não mostrava nenhum sinal de razão e que possuía uma excelente Faculdade Moral. Esta se apresentava de forma que a pessoa passava sua vida toda em atos de benevolência e não só era inofensivo (o que não ocorre sempre com os idiotas), como procurava ser sempre muito amável e afetivo com todo mundo. Não tinha nem ideia do tempo, mas passava várias horas do dia orando e praticando o bem. A memória, a imaginação, a razão e o juízo podem ser significativamente alterados por algumas doenças, intoxicações, traumatismos, sobretudo durante estados febris e em muitas perturbações mentais? Frequentemente se observa um paciente ter seu temperamento totalmente transformado pela doença, seja por um episódio agudo de mania, por um estado toxi-infeccioso, etc. Pessoas da mais dedicada virtude podem, durante um delírio febril, pronunciar discursos ofensivos à decência e à moral, assim como se veem casos de falta de moralidade nos maníacos, os mesmos que anteriormente se distinguiam pela lisura de caráter.
4.1 Estados psicológicos que comprometem a Consciência e a Faculdade Mora
Psicologicamente, observamos em numerosas ocasiões que a imaginação se vê alterada por exacerbação de certos medos. De igual maneira, se observa que a falta de Faculdade Moral faz com que a pessoa tenha uma especial sensibilidade pelo vício, independente de seu grau de depravação. Veja o caso da mitomania, por exemplo, a compulsão para a mentira. São pessoas afetas por uma sensibilidade mórbida a ponto de não conseguirem dar uma resposta direta a uma simples pergunta relacionada, quiçá com o tempo, ou a hora do dia, sem que perturbem a paz de suas mentes dizendo uma falsidade.
Há ocasiões em que se produzem mudanças na Faculdade Moral pelos sonhos. Às vezes, sonhamos fazer e dizer coisas que não nos permitiríamos quanto despertos.
4.2 Onde faltam a Consciência e a Faculdade Moral?
Existem pessoas que se conduzem pela vida na mais completa falta das Faculdades Morais, mas sem que isso se dê num repente da vida, depois de algum estado mórbido, acompanhando algum processo de deterioração global do psiquismo. São pessoas assim, SÃO assim. Quiçá a essência da depravação moral nos sociopatas e psicopatas consista numa total falta da Faculdade Moral. Nessas pessoas, a vontade parece perder a capacidade de
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eleger entre o bem e o mal para agir, parece perder a natural inclinação de desfrutar do bem- estar moral.
Mesmo diante da falta total de Faculdade Moral, pode ser possível que experimentem algum efeito da Consciência, como uma espécie de capacidade discriminatória entre estar agindo certo ou errado. Daí a constante dissimulação de seus atos. Em alguns casos de deficiência mental grave ou profunda, não é raro que o mesmo torpor ou insensibilidade moral afete tanto a Faculdade Moral quanto a Consciência. Esses não dissimulam a torpeza de seus atos por desconhecerem a natureza dos mesmos.
4.3 Psicopatas e o Traço Inato da Personalidade
Demetrio Barcia Salorio faz uma analogia entre o caráter inato do sentimento sublime que é a Faculdade Moral, essencial ao espírito humano, tal como o apetite por certos alimentos, também comuns a toda a humanidade. É o caso, por exemplo, do pão. Esse alimento básico e simples tem merecido o apreço de todos os povos, culturas e em todas as épocas. O fato de um(s) indivíduo(s) não apreciar(em) o pão não invalida, absolutamente, o gosto universal por esse alimento. Se encontrarmos indivíduos com estômagos desordenados pela intemperança que rechaçam esse alimento tão simples e saudável, não podemos afirmar que essa seja a constituição original dos apetites de nossa espécie, mas que os princípios do gosto não existem de modo natural na mente humana. Segundo estudiosos da personalidade humana, dá-se o nome de constituição psicopática a um desequilíbrio psíquico degenerativo, congênito, de grau variado e que dá um tom anormal à personalidade. Essas constituições são formas especiais de personalidade, com predomínio de tendências anormais por seu grau de perversidade e sua direção a ela. Através dessa constituição perversa, as atitudes do psicopata se conduzem quase exclusivamente pelos instintos, apesar de refinadas e talhadas ao teatro da vida em sociedade. Por isso, a despeito da máscara do indivíduo socialmente adequado, esses sujeitos são amorais, insensíveis, desadaptados moralmente e impulsivos. Os traços da personalidade moral do psicopata (antissocial ou sociopática) seriam:
Insensibilidade. Desde menino se observa desapego aos sentimentos e um caráter dissimulado, manifestando emoções convencionalmente esperadas para a situação. Não manifesta inclinação apaixonada por nada e nunca padece por qualquer vínculo afetivo a alguém ou alguma coisa.
Amoralidade. São insensíveis moralmente, faltando-lhes o juízo e o sentimento morais, bem como a mínima noção de ética. Normalmente o psicopata não compreende sentimentos como lealdade, solidariedade, fraternidade, caridade, respeito, abnegação,
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tolerância, perdão, resignação, e outros tantos que pertencem ao universo sublime da consciência humana.
Valores e Deveres
O psicopata é, sobretudo, uma pessoa com aversão, descaso e oposição aos valores éticos e às normas de convívio gregário. E o que são esses valores? Os valores têm sua origem nas necessidades de convivência social. Os valores nascem da soma das experiências individuais e do grupo que formam padrões de condutas desejáveis. Uma vez constituídos, esses valores são transmitidos do entorno ao indivíduo, através da família, da escola, da comunidade. Qualquer que seja o valor de uma cultura, ele teve o propósito de melhorar a sobrevivência gregária em alguma época do desenvolvimento da espécie. Conceitos externos ao indivíduo que emanam de seu entorno social e cultural são introjetados e assimilados, e logo passam a fazer parte dele, e passam a converter-se em "seus valores".
Esses valores serão decisivos para a adoção de modelos de conduta, sendo, esses conceitos (parâmetros) que permitem que a pessoa tenha uma conduta concordante ou discordante, ajustada ou desajustada ao seu entorno. Até por uma questão da lógica, havendo uma margem de ajuste desejável aos conceitos sociais, haverá também, e, obrigatoriamente, uma margem de desajuste indesejável socialmente. Quando essa margem de condutas desajustadas for ainda tolerável, estaremos diante daqueles pequenos desvios aos valores básicos. Isso sugere que em toda sociedade existe a possibilidade de tolerância a pequenos desvios das normas da comunidade humana.
Oo fato de pertencer a um grupo significa um sistema de segurança para o indivíduo, um resguardo contra seu próximo. A pessoa inserida nesse grupo terá um dever, uma responsabilidade e deverá seguir um código. Em troca, o grupo o protege de circunstâncias que poderiam ser perigosas. O dever é, então, a responsabilidade do indivíduo para com o grupo, é um elemento extrínseco à pessoa, mas é intrínseco à comunidade. Portanto, a comunidade saberá se tal pessoa vem cumprindo ou não com seu dever, se tem sido responsável ou não. Não cumprir com esses códigos individuais, faltar com esses deveres, gera aversão do sistema e, deveria gerar culpa na pessoa. A expressão da culpa sentida pela pessoa contraventora resulta, de certa forma, na anistia do sistema, pois a culpa reflete a concordância do indivíduo com os valores do sistema. O psicopata desperta sentimentos aversivos porque, entre outros motivos, falta-lhe o sentimento da culpa.
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Existem, por um lado, a lei e as normas e, por outro, as ambições do indivíduo. As ambições individuais terão aval do sistema se respeitarem as regras do jogo, os códigos da sociedade e o equilíbrio adaptativo. A sociedade tem uma limitação e uma permissão que são explícitas e correspondem às normas, às leis.
Logo há uma permissão tácita, implícita e que não está escrita, fazendo com que se tolerem alguns desvios à norma. Assim sendo, podemos dizer que a sociedade tolera certos erros, mas impõe limites a eles, portanto, há limites à ambição do indivíduo. O que a sociedade não admite é a ostentação do erro. Reincidir, não sentir culpa e não se arrepender significa ostentar o erro e desafiar o sistema. É exatamente isso que faz o psicopata.
O Psicopata, os Valores e as Normas
O psicopata, por sua vez, superdimensiona suas prerrogativas, possibilidades e imunidades; "esta vez não vão me pegar", ou "desta vez não vão perceber meu plano", essas são suas crenças ostentadas.
Toda lei ou norma gera temor e inibição, implicam a possibilidade de castigo. A lei está feita para domar, para obrigar e para condicionar as condutas instintivas dos indivíduos. O psicopata não apenas transgride as normas, mas as ignora, considera-as obstáculos que devem ser superados na conquista de suas ambições. A norma não desperta no psicopata a mesma inibição que produz na maioria das pessoas. Para os contraventores não psicopatas, vale o lema "Se quer pertencer a este grupo, estas são as regras. Se cumprir as regras está dentro, se não cumprir está fora". Mas o psicopata tem a particularidade de estar dentro do grupo, apesar de romper com todas as regras, normas e leis, apesar de não fazer um insight, não se dar conta, não se arrepender e não se corrigir. Sua arte está na dissimulação, embuste, teatralidade e ilusionismo. Os psicopatas parecem ser refratários aos estímulos, tanto aos estímulos negativos, tais como castigos, penas, contra-argumentações à ação, apelo moral etc., como também aos estímulos positivos, como é o caso dos carinhos, recompensas, suavização das penas, apelos afetivos. Essa última característica é pouco notada pelos autores. O psicopata não modifica sua conduta nem por estímulos, positivos, nem pelos negativos.
Para o psicopata, a mentira é uma ferramenta de trabalho. Ele desvirtua a verdade com objetivo de conseguir algo para si, para evitar um castigo, para conseguir uma recompensa, para enganar o outro. O psicopata pode violar todo tipo de normas, mas não todas as normas. Violando simultaneamente todas as normas seria rapidamente descoberto e eliminado do grupo. A particular relação do psicopata com outros seres humanos se dá sempre dentro das alterações da ética. Para o psicopata, o outro é “uma coisa”, mais uma ferramenta de trabalho, um objeto de manipulação. Essa é a coisificação do outro, atitude que permite
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utilizar o outro como objeto de intercâmbio e utilidade. Essa coisificação explica, talvez, torturar ou matar o outro quando se trata de um delito sexual, sádico ou de simples atrocidade.
Cognição, Relação Objetual e Comportamento do Psicopata
Algumas condutas psicopáticas podem parecer ilógicas aos demais, mas são perfeitamente lógicas para o psicopata. Isso ocorre porque entre o psicopata e as demais pessoas existem lógicas distintas, sistemas de raciocínio distintos, códigos distintos, valores diferentes e necessidades diversas. Tendo em vista o fato da conduta psicopática ser, às vezes, de muita instabilidade diante de estímulos objetivamente pequenos e, ao contrário, podendo manifestar serenidade em situações que desestabilizariam a maioria das pessoas, entende-se que o relacionamento sujeito-objeto no psicopata seja diferente.
A personalidade psicopática faz com que os indivíduos atuem sociopaticamente para satisfazer suas necessidades. Para tal, eles podem se valer da extrema sedução, de especial sensibilidade para captar as necessidades e sensibilidades do outro e manipulá-lo como melhor lhe aprouver, de mentiras e todo tipo de recursos independentemente do aspecto ético.
A relação cognitiva psicopata-sistema social (sujeito-objeto), no que diz respeito às normas e regras, se caracteriza pela total intolerância aos impedimentos naturais e coletivos, intolerância às frustrações com graves reações de descompensação diante delas, falta de arrependimento e culpa quando desrespeita as normas e regras próprias do sistema. Os momentos de crise dos psicopatas são produzidos por frustrações e fracassos e, nessas circunstâncias, seu comportamento é totalmente imprevisível, podendo chegar ao assassinato. Mas, para terceiros, eles colocam sempre a responsabilidade de seu fracasso no outro ou em elementos externos e alheios à sua responsabilidade (defesa "aloplástica"). Por outro lado, o êxito do psicopata no meio social não assegura, obrigatoriamente, que ele se estabeleça. Diante de quaisquer frustrações, sensação de rejeição ou contrariedade, ou ainda, inexplicavelmente, acaba destruindo tudo o que tinha feito, muitas vezes através de um ato banal, impulsivo ou descontrolado. Essas atitudes de descontrole, com risco e perda da situação estabelecida, são demasiadamente desconcertantes para pessoas normais, para familiares, companheiras(os) ou conhecidos. Essas atitudes totalmente inconsequentes favorecem as inúmeras rupturas conjugais que acompanham sua biografia. Em sua relação com o sistema, o psicopata pode manifestar três tipos de conduta, as quais, como veremos, confundem mais ainda as opiniões a seu respeito:
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a) Conduta normal. É sua parte teatralmente adaptada ao padrão de comportamento normal e desejável. Assim agindo, o sistema não o percebe e pode até atribuir-lhe adjetivos elogiosos. Como diz o ditado, “o maior mérito do demônio é convencer a todos que ele não existe”.
b) Conduta psicopática. É a inevitável manifestação de suas condutas psicopáticas, as quais, mais cedo ou mais tarde, obrigatoriamente se farão sentir. Entretanto, como o psicopata costuma ser intelectualmente privilegiado, ele não exerce sua psicopatia indistintamente com todos e o tempo todo. Ele elege sabiamente determinadas pessoas, vítimas ou circunstâncias. c) Rompante (surto) psicopático. É a conduta psicopática desestabilizada e que foge ao controle eletivo próprio do item anterior (conduta psicopática dirigida). Diante de grande instabilidade emocional e explosiva tensão interna, o psicopata trata de equilibrar-se através do rito psicopático, grupo de condutas repetitivas, constituindo o padrão psicopático. Nessa situação, surgem impulsos e automatismos que acabam resultando nos homicídios seriais ou extremamente cruéis, as violações, destruições e, algumas poucas vezes, suicídios.
A Responsabilidade Legal do Psicopata : É o psicopata responsável por seus atos?
O psicopata pode ser avaliado biológica ou etologicamente, considerando a variabilidade da espécie (humana), tendo sua conduta observada sob o ponto de vista estatístico, ou seja, se é raro e incomum ou comum e frequente. Pode ser objeto de estudo do sociólogo, perscrutando-se o ajuste do indivíduo ao grupo, se é adaptado ou desadaptado, bem como sob o ponto de vista do moral, se tem sido ético, antiético ou aético. Pode ainda ser arguído pelo jurista, ao julgar suas responsabilidades, pelo psicólogo, investigando-se suas motivações da conduta individual. O exame médico do psicopata, entretanto, é apenas mais uma maneira de avaliação do indivíduo, não é a única, portanto, não é a única responsável pela palavra final. O médico, portanto, deve limitar-se a seu estrito campo da medicina, o qual consiste em avaliar se uma pessoa está ou não doente. E o psicopata, pode ser raro, desadaptado, malvado, delinquente ou ter uma conduta incompreensível, mas, sob todos os critérios da patologia médica, não é um doente.
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5- CONDUTAS DESVIANTES
Condutas desviantes, como o suicídio, uso indevido de drogas, prostituição entre outros, são
tipos de comportamento que servem para a sociedade reafirmar as bases de seus códigos
morais, ajudando-a a sustentar seus estilos de vida “normal”. De certo modo, as condutas
desviantes contribuem, até mais do que os comportamentos certinhos, para o sucesso e a
vitalidade dos sistemas sociais, ajudando a tornar mais claras as regras que definem a
consciência coletiva, que determinam o que é bom senso e explicam a própria sociedade.
Desvios de conduta levam às normas sociais, que estabelecem o que pode ser feito e o
que não pode. Shakespeare uma vez escreveu que “o bem sempre brilha com mais
intensidade em um mundo de maldade”. Consequentemente, quando acentua que nos
desviantes falta alguma qualidade, a sociedade define o que são atributos dignos de
valorização, o bem moral, a força de caráter, a inteligência ou a beleza. Ou seja, a
desviância ajuda a criar um efeito contrastante, pelo qual o ato de conformar-se às normas
do grupo adquire um destaque todo especial, um sabor gratificante.A desviância serve para
alertar o grupo ou a sociedade acerca dos problemas que existem em sua própria
organização,
De uma perspectiva sociológica busca-se:
Entender o processo pelo qual comportamentos desviantes acabam constituindo-se;
Determinar os aspectos pelos quais a sociedade chega a encarar determinados
comportamentos desviantes como problema;
Mostrar o que se sabe acerca de comportamento desviante e o que as pessoas entendem
acerca de comportamento desviante (por exemplo, sobre drogas proscritas, seus efeitos
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fisiológicos e psicológicos, os estados a que induzem, os processos de formação do hábito
e o desejo de consumi-las etc.).
Conhecer a natureza e a extensão do comportamento desviante, seus padrões históricos e
sociais, inclusive de natureza política.
Tipos de comportamentos desviantes
5.1 Suicidas
Condicionados por uma postura liberal, segundo o qual somos criaturas capazes em geral de
exercer livre e racionalmente nossas próprias vontades, a sociedade moderna adota uma
atitude tolerante em relação aos comportamentos desviantes, em particular com os suicidas.
Tolerante porque, a cada dia, a sociedade parece menos disposta a punir o suicídio, ao
contrário do que fazem religiões como o islamismo, o judaísmo e o cristianismo Por isso,
apesar de o suicídio parecer uma manifestação absoluta e radical de liberalidade individual,
os sociólogos explicam como sendo fruto de pressões ou fatores sociais e culturais.
Quem fala em se matar não se suicida: na verdade, antes de tentar matar-se a maioria
oferece várias pistas, até mesmo como parte do processo de viver o ato antecipadamente.
Quem quer se matar não avisa: ao contrário, a maioria elabora o ato exaustivamente
(prepara bilhetes, organiza todos os seus assuntos cotidianos, procura saber onde foi que
errou, quem são os culpados e as razões de seu fracasso).
Só tenta ou comete suicídio quem quer se destruir: pode ser, mas quase sempre tratamento
e terapia adequada ajudam suicidas em potencial a mudar de atitude e desistir da ideia.
Suicídio é coisa de quem está perturbado emocionalmente, desequilibrado ou com sérios
problemas mentais: suicidas em potencial podem estar extremamente estressados, mas a
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verdade é que menos de 25% das pessoas que se mataram tinham algum distúrbio mental
mais sério. Ou seja, suicídio não é coisa de louco, mas de quem não consegue encarar a
vida em perspectiva ou perdeu a esperança.
Não é bom falar de suicídio com pessoas deprimidas, para não “colocar minhoca” em sua
cabeça: pelo contrario, conversar com um suicida em potencial sobre seus problemas pode
ser a melhor terapia.
5.2 Doentes mentais
O doente mental em si não constitui um problema social maior, Os problemas relacionados
com os doentes mentais tornam-se problemas sociais somente quando as comunidades se
envolvem e organizam serviços para tratar dessas pessoas. Do ponto de vista médico, o
tratamento dos doentes mentais é prerrogativa da Psiquiatria, que por sua vez os classifica
como neuróticos (quando precisam de cuidados médicos, assistentes sociais ou de
aconselhamento qualificado) ou psicóticos (se seu comportamento perde contato com a
realidade – psicóticos podem ter ilusões, acreditar que são outra pessoa, que possuem uma
missão divina ou estão sendo vítimas de perseguição, têm visões ou alucinações nas quais
ouvem vozes, ou se isolam completamente, regredindo a ponto de se comportarem como
crianças). Do ponto de vista jurídico, os psicóticos podem ser tratados como insanos
(insanidade não é uma realidade fenomênica, mas um instituto jurídico: se declarado insano,
um assassino não é considerado criminoso; não vai para a cadeia, mas para um local onde
deve ser tratado).
No Brasil a desinstitucionalização ou desospitalização é tida como uma medida para conter a
indústria da loucura, produtora de longas internações, que elevam os gastos com a saúde a
R$ 450 milhões por ano.
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5.3 Alcoólatras
Para os franceses, assim como para os norte-americanos e irlandeses, beber é coisa de
macho, símbolo de virilidade. Nós, brasileiros, associamos “samba, suor e cerveja”, achamos
que beber é sinônimo de alegria, remédio certo para afogar as mágoas. Já os italianos
acreditam que beber é saudável, mas somente como complemento de uma boa refeição –
para eles beber fora de hora é feio.
Ou seja, à medida que o grupo social a desaprova, a bebida torna-se um hábito
exclusivamente individual, um vício solitário ou compartilhado apenas com alguns
companheiros, a turma dos que gostam de molhar o bico. Uma de cada 15 a 20 pessoas
adquire o vício da bebida e ignora a diferença entre beber e ser alcoólatra. Os problemas
causados pela bebida são violência, crime, decadência (“eu fazia tudo por álcool: roubava,
me prostituía”), doença mental, acidentes de trânsito, dias de trabalho perdidos (“na sexta
faltava no serviço porque saía para beber, na segunda faltava por causa da ressaca”),
despesas de tratamento etc.
5.4 Narcomaníacos
À medida que as sociedades evoluem fica evidente que não há problema social tão
complexo, tão dependente de definições e explicações, quanto os desvios de conduta
relacionados com drogas. No Brasil, há pouco mais de cem anos, tomar café era hábito
condenável; na Rússia, na Turquia, na Pérsia e em partes da Alemanha, os fumantes de
tabaco podiam ser castigados até mesmo com a morte. Na Inglaterra, há cerca de 200 anos,
o nariz dos portadores desse vício podia ser talhado ou mesmo cortado por inteiro. Na
China, as autoridades puníam brutalmente os usuários de ópio (eram estrangulados),
traficantes e produtores (decapitados). Na mesma época, contudo, os ingleses fumavam
ópio livremente, talvez porque acreditassem que não fosse tão nocivo quanto o tabaco.
Hoje em dia, várias modalidades de uso de drogas estão incluídas no rol dos desvios
gravíssimos de conduta, ruins a ponto de representar perigo extremo para a sociedade. Até
a metade da década de 1960, a Organização Mundial de Saúde distinguia apenas:
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Vício (compulsão a usar e aumentar paulatinamente a dose, criando dependência e
causando prejuízo para o usuário e a sociedade);
Hábito (usar socialmente, sem compulsão e necessidade de aumentar a dosagem ou
causar dependência e efeitos nocivos para a sociedade);
Toxicomania (casos mais graves);
Abuso (hoje substituída por uso indevido, impróprio ou incorreto).
Dependência/tolerância produzida por vários tipos de drogas
Tipo de droga Dependência
psíquica Dependência
física Tolerância
Álcool Leve a
acentuada Leve a acentuada Alguma
Barbitúricos e alguns sedativos
Leve a acentuada
Leve a acentuada Substancial
Opiáceos (morfina)
Moderada a acen-tuada
Acentuada Acentuada
Cocaína Leve a
acentuada Nenhuma Nenhuma
Anfetaminas e demais
estimulantes
Leve a acentuada
Pequena ou nenhuma
Acentuada
Alucinógenos (LSD)
Leve a moderada Nenhuma Acentuada, em certos produtos
Maconha Leve a moderada Pequena ou
nenhuma Alguma, talvez em doses altas
Inalantes Leve a moderada Pequena ou
nenhuma Alguma, em
certos produtos
Os especialistas estão cada vez mais preocupados com a dependência (física e psíquica),
escalada (quantitativa e qualitativa), a tolerância (efeitos orgânicos causados pela diminuição
da eficiência da mesma quantidade de droga ou pelo fato de ser preciso mais droga para
causar as mesmas reações), e a prevenção (incluindo repressão, de um lado, e, de outro,
esclarecimento e tratamento, ajudando a reintegração social e familiar do ex-usuário).
5.5 Prostitutas
Uma percepção cada vez mais vigorosa é que prostituição não constitui um problema social,
mas algo profundamente enraizado na condição humana. A razão é que as pessoas que a
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praticam (geralmente mulheres, porém a cada dia há mais homens também) ganham seu
sustento e a ela se adaptam tão bem que nem de longe consideram a possibilidade de “sair
dessa vida”.
Existe até uma ideologia de prostituição, refletindo os interesses de seus adeptos,
simpatizantes e aproveitadores, que reafirma a legitimidade e respeitabilidade do ofício: Do
ponto de vista dos costumes (isto é, dos padrões que a sociedade considera relevantes), a
verdade é que, dia após dia, cada vez menos gente se utiliza do serviço de prostitutas,
preterindo-o em favor de relacionamentos sexuais fortuitos ou passageiros. O direito, por seu
turno, também ajuda a promover confusão, separando a prostituição (sistema de atos e
práticas que envolvem relacionamento sexual promiscuo, independentemente do modo
como é cometido, da habitualidade ou intenção de lucro) das pessoas. Faz isso
provavelmente levado pela moralidade pública, com seus discursos, provérbios e lições de
moral (recomendações que, na prática, não têm muita consequência, não precisam ser
observadas).
No Brasil, assim como na maioria dos países, o número exato ou aproximado de pessoas
que adotam a prostituição como meio ou estilo de vida é desconhecido, virtualmente
impossível de se conhecer.
A estrutura social da prostituição que as pesquisas revelam a as controvérsias que o
problema suscita, as dúvidas sobre as prostitutas serem “profissionais do sexo” ou
meramente “vagabundas” justificam a luta pela legitimação do ofício, o esforço de prevenir
abusos, em particular quando os envolvidos são menores de idade7. O próprio fato de
pessoas optarem livremente pela prostituição, como as pesquisas mostram, longe de servir
como pretexto para deixá-las à sua própria sorte, deve garantir-lhes todos os direitos
concedidos às profissões reconhecidas, entre outras coisas para reduzir abusos da parte dos
empresários da bilionária indústria do sexo (legal ou não) e mesmo das autoridades.
7 ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), Título VII, Capítulo I.
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5.6 Terroristas
Uma forma especifica de ação política, hoje em dia vista não raro como exemplo de
comportamento desviante, é o terrorismo – uso de violência imprevisível contra a ordem
estabelecida, procurando causar o caos ou criar situações favoráveis à sublevação
revolucionária. Terroristas costumam ser pessoas ou organizações que não contam com o
apoio da população, nem dispõem de meios mais eficazes para fazer valer suas
reivindicações e pontos de vista. Consequentemente, procuram atrair a atenção dos meios
de comunicação de massa, praticando homicídio ou sequestro, atentados etc., terroristas
podem alienar-se da comunidade, distanciar-se de seus próprios objetivos políticos e aliar-se
a grupos criminosos.
O fato de identificar o terrorismo com o comportamento (desviante) de certos indivíduos
deve-se a determinadas circunstâncias atuais: há, por exemplo, grupos terroristas que não
hesitam em vitimar pessoas inocentes (isto é, gente que não tem declaradas intenções
políticas, crianças, mulheres etc.); outros parecem seguir antigas tradições anarquistas, por
conta de isolamento político relacionado a propostas irreais.
5.7 Criminosos
Conta a lenda que um poderoso sultão de Bagdá despertou, em plena noite de núpcias, e
percebeu que a noiva não estava a seu lado na cama. Ensandecido, correu pelos corredores
e jardins de seu magnífico palácio e finalmente encontrou a mulher, em um canto escuro,
nos braços do príncipe, seu irmão.
Cego de ciúme, ali mesmo a matou, retalhando-a a golpes de cimitarra. O sultão jamais
havia sido uma pessoa emocionalmente estável, mas, a partir daquela trágica madrugada,
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passou a nutrir ódio mortal contra todas as mulheres, em particular às de extraordinária
beleza. A traição exacerbara nele a dimensão psicótica, que predispõe à formação de
personalidade extremamente extrovertida, ansiosa por sensações, e tão carente de estimulo
que só o encontra por meio de drogas e violência.
Resolveu que, a cada dia, se casaria com uma donzela de seu harém, ordenando que a
esposa fosse morta na manhã seguinte, para garantir que nunca mais seria traído. No
entanto, dizem que o amor de uma dessas moças, justamente a primeira, impediu o sultão
de executar seu plano sinistro. Com isso, pôde superar o colapso nervoso e, com sua mulher
e dois filhos, reinou sabiamente até morrer, bem velhinho e muito querido por seu povo.
O amor venceu e salvou a vida de muita gente. Para o final feliz, porém, contou muito o fato
de o sultão ser um homem poderoso; no Brasil, no entanto, rico ou pobre poderia ser
ajudado pelo fato de ter matado a esposa “sob a influência de violenta emoção, provocada
por ato injusto da vítima”. Ou ainda, a gravidade dos atos do sultão seria diminuída se
ficasse provado, por exemplo, ser portador de doença mental, que o torna “inteiramente
incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento”8. Conseqüentemente, ele e outros assassinos, não necessariamente
poderosos, dificilmente iriam parar na cadeia.
Poderiam matar quem quisessem, pois seriam considerados psicopatas – gente que comete
crimes levadas por impulsos incontroláveis.
*caso 1*
Impulsos incontroláveis: o caso da psicopatia
Em companhia de um adulto, um adolescente de 13 anos de idade invadiu uma residência para roubar. Estava na casa, sozinha, a faxineira, que, após ser golpeada duas vezes na cabeça, desmaiou e foi estuprada pelo rapaz, no quarto e na cozinha.
de responsabilidade e, por conseguinte, a “periculosidade” dessas pessoas. A intenção é proporcionar “um conhecimento do homem, de suas faculdades e inclinações”, facilitando o trabalho dos legisladores, que ditam normas sobre
8 Código Penal, artigo 26.
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Este, ao ser detido, confessou os fatos, foi reconhecido pela vítima e admitiu ter usado drogas antes do delito e ter praticado inúmeros furtos em outras ocasiões. A promotoria pediu sua internação, alegando que ele, “não obstante a pouca idade”, revelava “personalidade voltada ao crime” e constituía “verdadeira ameaça a ordem pública”. Um mês depois, foi proferida a sentença do juiz que confirmou sua internação, pois “em momento algum o menor mostrou arrependimento. Os crimes por si praticados demonstram personalidade tendente ao crime. Não vamos discutir as razões. O subjetivismo não pode ser aqui, nem neste momento, analisado”. Em linguagem jurídica, subjetivismo é “con-duta”, ou seja, ato instintivo, involuntário, reflexo, decorrente da resposta do organismo a estímulos subcorticais. Assim, quando não intervêm a vontade nem a consciência, considera-se que agimos de automática, repetindo movimentos impulsivamente. No campo do Direito, subjetivismo é assunto das técnicas de Psicologia Forense, pelas quais se busca estabelecer os fatores que modificam a capacidade dos infratores, os elementos que determinam o grau
o comportamento humano, bem como dos magistrados, que as aplicam ao pronunciar-se sobre a conduta de uma determinada pessoa”. Na verdade, esses procedimentos revelam apenas uso descuidado de conceitos no entendimento do comportamento anti-social ou das estratégias de dissimulação de quem não possui sentimento de culpa, incapaz de projetar sua própria personalidade ou de completar as conseqüências de seus atos, que se envolve em relações sexuais promíscuas, extremamente impulsivo, não sabe manter relações sociais significativas e não aprende a partir da própria experiência. Desse modo, sempre que a conduta humana não é obviamente psicótica ou neurótica, utilizam-se latas de lixo conceituas, sem nenhum significado objetivo – é o caso de noções como psicopatia ou “personalidade fronteiriça”, associada a constelações de comportamentos com obscuro fundamento de natureza biológica, no objetivo de “facilitar” a compreensão (por exemplo, dos “juristas práticos”) acerca dos complexos fenômenos de fragmentação da personalidade, que se manifestam por meio de sintomas como alucinações, delírios, alterações de personalidade e amnésias.
Fonte: DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 226.
6- Criminalidade: causas ou fatores?
“ ...............Uma estudante, de 19 anos, entrou em casa e encontrou os pais dormindo.
Acendeu a luz do corredor e deu sinal verde para o namorado, de 21 anos, e o irmão dele,
de 26. Armados com barra de ferro, entraram no quarto e mataram os pais da moça, com
golpes na cabeça. Após o assassinato, os namorados foram para um motel e o irmão foi
comer um lanche. Dias depois, confessaram tudo à policia. Não derramaram uma lágrima.
“São frios, calculistas e impetuosos”, disse um delegado. Para uma promotora, esse
comportamento é típico dos assassinos perversos, “conhecidos pelo prazer na execução do
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crime e porque nunca se arrependem”. Os três levaram para dentro da prisão os mistérios de
seu horror, que se reconhece, se descreve, mas não se explica9. “
O tempo todo nos preocupamos em entender a razão de certos indivíduos em cometerem
crimes e por que, entre esses indivíduos, alguns cometem-nos mais vezes, e por que, em
determinada quadra da vida, por algum motivo, boa parte dos infratores deixa de praticar
atos criminosos. A nossa preocupação tem raízes sociológicas, que, na opinião dos juristas,
jornalistas e do público em geral, estão todas no mesmo patamar. Ou seja,
independentemente do nível intelectual ou da extensão dos conhecimentos de quem se
pronuncia sobre criminalidade, a discussão reflete sempre o interesse maior da sociedade,
que não está no crime, mas no criminoso. Com efeito, são intermináveis os debates acerca
do que fazer com criminosos: deixá-los na cadeia, por quanto tempo (e por isso construir
cada vez mais presídios), mandá-los para campos de trabalhos forçados, bem longe, no
meio do nada, ou então simplesmente acabar com eles, executá-los. E que fazer com os
menores infratores, que, hoje em dia, cometem crimes em maior número e com muito mais
frequência que os adultos? Esse desinteresse em relação ao delito em si demonstra a
frustração diante dos eventos que dão lugar ao crime, à violência e à desordem, que a
sociedade não consegue controlar nem entender.
Quais os fatores de risco que contribuem, por exemplo, para transformar crianças e jovens
em delinquentes, e dos fatores de proteção que ajudam na formação da cidadania. ?
Atualmente se recomendam as seguintes ações preventivas:
Dar prioridade a áreas problemáticas, identificando os fatores aos quais as crianças e
jovens estão expostos;
Focalizar as populações em situação de risco maior;
Selecionar desde pronto as áreas problemáticas assim como os pontos fortes (os que
podem servir de apoio para mudanças);
Enfrentar múltiplos fatores de risco em contextos complexos, como família e escola;
Intervir de forma integrada nos múltiplos sistemas, como educação e saúde, que
influem na vida de crianças e adolescentes;
9 Época, 10 nov. 2002 (texto condensado).
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Tratamento intensivo, contatos múltiplos com crianças e jovens em situação de risco;
Concentrar-se nas vantagens comportamentais em vez de nas deficiências;
Considerar os jovens em seus próprios contextos (de relacionamentos) em vez de
individualmente.
Fatores de proteção
Criança Família Escola Vida Comunidade e
cultura
Competência e habilidades sociais Q.I. acima da média Fortes laços de família Empatia Capacidade de resolver problemas Otimismo Sucesso escolar Temperamento afável Padrões morais Auto-imagem positiva Capacidade de enfrentar adversidades
Pais envolvidos e afetuosos Clima de harmonia Mais de dois anos de diferença entre a idade dos irmãos Responsabilidades na manutenção da casa Responsabilidades na renda familiar Família segura e estável Tamanho reduzido
Clima positivo Colegas de con-duta pró-social Responsabilidade e presteza Consciência de compromisso e afeto Oportunidades de sucesso escolar e reconhecimento das conquistas Normas sobre violência
Presença de pessoas significativas Mudança de local de mo-radia Oportunidade em momentos críticos ou transições Vitais impor-tantes
Acesso a serviços públicos Cooperações comunitária Fortes laços com a comunidade Participação em grupos comunitários Normas contra violência Forte identidade cultural e orgulho étnico
Fatores de risco
Criança Família Escola Vida Comunidade e
Cultura
Nascimento prematuro Peso insuficiente ao nascer Deficiência física Dano cerebral pré-natal Ferimento ao nascer
Pais adolescentes Pais solteiros Problema psiquiátrico, especialmente depressão, abuso de álcool ou drogas Criminalidade
Fracasso escolar Atitudes agressivas Desvios de conduta (colegas) Molestamento Rejeição (colegas) Baixo índice de
Divórcio e separação Conflitos ou desastres Morte de membro da família
Desvantagens socioeconômicas Alta densidade populacional ou condições ruins de moradia Área urbana Vizinhança violenta e criminalidade Normas culturais
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Disciplina: Abordagem Sócio-Psicológica da Violência e do Crime
Baixo Q.I. Temperamento difícil Doenças crônicas Baixa capacidade afetiva Atitudes sobre agressividade Habilidades sociais insuficientes Baixa auto-estima Falta de empatia Maus hábitos alimentares Hiperatividade/ comportamento desagregador Atribuições que recebe Alienação Impulsividade Baixa capacidade de resolver problemas
Modelos antis-sociais Ambiente familiar com violência e desarmonia Discórdia entre os pais Desorganização Interação negativa/ isolamento Família muito grande Pai ausente Pai/mãe desempregado por muito tempo Pouca supervisão ou monitoramento Disciplina rude ou inconsistente Rejeição da criança Abuso Falta de carinho e afeto Baixo envolvimento com as atividades da criança Negligência
compromisso com a escola Gestão inadequada de comportamento
em relação à violência Modo como a mídia retrata a violência Falta de serviços de apoio Discriminação cultural ou social
A verdadeira história, no entanto, é que a criminalidade (em particular a criminalidade
organizada) possui raízes profundas na sociedade, tem íntimas ligações nas comunidades,
desde as mais humildes até a classe média, e mesmo nas esferas de governo e no mundo
dos negócios. Para isso, contribui o fato de o crime organizado satisfazer necessidades de
elevada demanda (eletrodomésticos e equipamento eletrônico, sexo, jogatina, esportes,
influência, entorpecentes, bebidas etc.). Por sua vez, as pessoas nem sempre concordam
que as necessidades que o crime organizado procura satisfazer sejam problemas de polícia.
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População carcerária por 100 mil habitantes
Estado População (em milhões,
1997) Presos/população
São Paulo Distrito Federal Mato Grosso do Sul Rio de Janeiro Bahia Rio Grande do Sul Pernambuco Santa Catarina Espírito Santo Amazonas
34,1 1,8 1,9
13,4 12,5 9,6 7,4 4,9 2,8 2,4
227,7 267,3 230,1 154,6 39,3
145,8 119,9 93,7
133,3 67,1
País População (em milhões) Presos/população
Estados Unidos Rússia África do Sul Singapura Brasil Canadá México
260,0 (1994) 151,5 (1994) 41,1 (1994) 3,1 (1994)
157,0 (1997) 28,0 (1994) 95,7 (1994)
558 519 368 229 142 116 97
Fontes: Ministério da Justiça e Centro Talcott, 2001.
De modo geral, porém, dados estatísticos sobre conjuntos muito grandes não ajudam a
compor uma imagem precisa, em especial no que diz respeito à real situação da
criminalidade, porque:
Muitos crimes (provavelmente a maioria) não são notificados – só 5% das vítimas de
arrombamento, por exemplo, comunicam o fato a polícia – sem falar nos casos de
homicídio que parecem morte por causa natural, da violência doméstica e da que
ocorre nas escolas, dos casos de desvio de material e de recursos nas empresas por
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seus empregados, diretores e proprietários, das inúmeras modalidades de estelionato
etc.;
A maior parte dos casos de violência sexual, rixas, atos criminosos cometidos no local
de trabalho é acobertada pelas empresas, que temem a publicidade negativa; além
disso, há os casos de corrupção envolvendo autoridades, assim como vítimas que
não estão dispostas a dar queixa;
Grande parte dos crimes fica sem solução: por exemplo, nos últimos anos a policia
dos Estado Unidos elucidou cerca de 70% dos casos de homicídio, 60% de lesões
graves, 52% de estupro, 27% de assalto, 20% de furto, 15% de veículos roubados e
14% de arrombamento.
Ademais, as estatísticas sobre criminalidade variam dependendo da região, da época do
ano, do sexo, da idade, e da classe social das vítimas e dos próprios perpetradores – por
exemplo, havia muita diferença entre as taxas de infrações cometidas em cidades pequenas
e nos grandes centros urbanos, ao passo que, hoje em dia, essas diferenças parecem ter
diminuído; do mesmo modo, em países frios os criminosos aparentemente ficam menos
assanhados durante os meses de inverno; ou no que diz respeito ao fato de haver cada vez
mais mulheres encarceradas, poucos ricos na cadeia e a esmagadora maioria dos detidos
ser composta de gente jovem, com menos de 24 anos de idade. Tudo isso leva a crer que a
verdadeira questão (e sua resposta) não reside em correlações empíricas, mas no esforço
de enquadrar o problema em termos de uma explicação sociológica sistemática.
7- Sistemas de comportamento criminoso
As modalidades de crime variam tanto quanto os tipos de pessoas que as cometem. Na
prática, a ação da polícia restringe-se a somente algumas categorias, não mais que cinco ou
seis tipos de infrações mais graves. O direito, por sua vez, não diz nada sobre as diferenças
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de estilo e padrões de violência e criminalidade, sobre os vários tipos de infratores e acerca
das relações entre vítimas e agressores, ou as diversas técnicas de cometer infrações e
como isso tudo afeta o modo pelo qual as leis são aplicadas. Isso ocorre porque a cada
variedade de crime corresponde não apenas uma definição jurídica, contida na lei, mas
também um sistema de comportamento criminoso.
Podemos identificar sete desses sistemas10, entre os quais está o de “crime violento contra a
pessoa”, que examinamos a seguir11, tomando por referência as definições contidas no
Código Penal, mas tendo em mente que a classificação proposta não inclui todos os atos
que a lei proíbe.
8- Crimes violentos contra a pessoa
Crimes violentos contra pessoa são atos envolvendo relações entre indivíduos que resultam
em lesões físicas graves ou morte. Esse tipo de crime reflete violência pessoal e individual e
inclui formas especificas: homicídio, periclitação de vida e saúde, estupro e sedução e
corrupção de menores12. São crimes que chocam a sociedade, que sempre está cobrando
mais eficiência da polícia, mas de difícil prevenção – não costumam ser premeditados, uma
vez que em grade parte são motivados por sentimentos irracionais, como medo ou paixão;
muitas das pessoas que os executam nunca estiveram envolvidas em crimes anteriormente
e não percebiam a si mesmas como criminosas (o que também ocorre com homicidas,
agressores e estupradores habituais). Além disso, os crimes violentos contra a pessoa
raramente refletem atividade de grupo: a violência é dirigida pelo agente perpetrador contra
uma vitima específica.
10
INICIARDI, James. Criminal justice. Fort Worth: Harcourt Brace, 1996. p. 91-103 11
SCURO NETO, Pedro. Manual de sociologia geral jurídica. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. Capítulo V.
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Homicídio: circunstâncias de relacionamento (Estados Unidos, 1993)
Fontes: Departament of Justice, Uniform Crime Report, 1994, e Centro Talcott.
9- Perspectiva sociológica: ênfases
9.1 Ênfase em desorganização social
12
Respectivamente, artigo 121 do Código Penal (homicídio), artigos 130 a 136 (periclitação de vida e saúde), artigo 213
(estupro) artigos 217 e 218 (sedução e corrupção de menores).
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Desvios de conduta podem ser abordados como conseqüência de mudanças sociais. Se o
encararmos a partir de uma postura que enfatiza estabilidade e coesão social, podemos
confiar que serão assimilados naturalmente, de maneira gradual, superados ou então
suprimidos.
9.2 Ênfase em conflitos de valores
Os valores que vigoram na sociedade diferem bastante e muitas vezes entram em conflito
quanto à forma pela qual se deve encarar e resolver determinados problemas – por exemplo,
que fazer para combater a criminalidade e lidar com os criminosos?
A situação diferencial de poder e autoridade – alguns grupos têm melhor condição
econômica e mais influência política, o Estado tem autoridade constitucional para impor sua
vontade aos indivíduos – é algo que determina profundamente o grau de tolerância da
sociedade, a ponto de proibir certos comportamentos por lei.
9.3 Ênfase em desvio de conduta
A ênfase em conflitos de valores é a pressuposição de que desvios de conduta e problemas
sociais em geral têm origem na necessidade – e na capacidade individual – de controlar a
influência dos valores sobre o comportamento de cada um. Por outro lado, esses desvios
podem ser vistos igualmente como resultado da ação dos próprios indivíduos, quando não
têm acesso ou não podem adquirir atitudes convencionais, aprender valores superiores,
compartilhar objetivos, desenvolver hábitos de conduta aprovada etc.
9.4 Anomia
Noção: é a anomia, que denota como a ambivalência das estruturas sociais se manifesta
por meio de normas contraditórias, de expectativas incompatíveis das quais os indivíduos
desajustados são as maiores e mais frequentes vitimas. Na sociedade moderna, resulta, de
acordo com a crescente complexidade dos sistemas sociais, em uma cada vez mais
acentuada individualização (das relações e dos atores sociais) – exigimos, por exemplo, das
crianças e dos adolescentes responsabilidade e bom comportamento, mas no geral não lhes
oferecemos reais possibilidades para que tomem decisões por si mesmos. Preferimos
acreditar – principalmente quando não se trata de nossos próprios filhos – que, estando
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submetidos a enormes quantidades de informações, em casa e pela televisão, crianças e
jovens hoje em dia estão plenamente conscientes da realidade e dos riscos que os cercam,
em qualquer circunstância. Na verdade, porém, as coisas não são assim tão simples, em
particular no que diz respeito ao sentido de responsabilidade das crianças, cuja capacidade
de entendimento não é autônoma, ou seja, não se realiza sem intervenção de agentes ou
forças externas.
Definições
Anarquista: adepto da filosofia social que acredita na possibilidade de os seres humanos
viverem harmoniosamente sem a intervenção do governo, o elemento que mais contribuiria
para a degradação da vida em sociedade. Como o poder de interesses concentrados nos
organismos governamentais é muito grande, os anarquistas duvidam que o Estado jamais
recue das posições conquistadas e, muito menos, que ele desapareça espontaneamente.
Causalidade: relação entre dois fatores ou fenômenos, um dos quais é a causa necessária
e/ou suficiente para a ocorrência do outro (efeito ou consequência) – em Sociologia
emprega-se, em vez de causa, outra noção, função, relativa às consequências ou efeitos de
certas estruturas e processos, passíveis de descrição.
Cidade-Estado: sistema político centralizado em uma cidade independente e soberana,
como nas cidades da Grécia antiga, da Fenícia e da Itália medieval.
Desviância: características comportamentais que, em determinadas situações, se
distanciam do usual ou esperado; modelos sociais de conduta à margem do que é
permitido/autorizado, sem contudo serem considerados antissociais ou associais – por conta
disso, mesmo rejeitadas pela maioria, as condutas desviantes podem ser toleradas, como
ocorre com a mendicância e a prostituição, adotadas por um número cada vez maior de
pessoas, e justificadas e até promovidas por algumas instituições.
Fenomênica: aparência, matéria de experiência percebida por meio dos sentidos.
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Livre-arbítrio: sensação de que, circunstâncias especiais à parte, podemos sempre fazer
diferente (do nosso jeito). O livre-arbítrio contrapõe-se ao determinismo, sentimento de que
todos os eventos, inclusive a ação humana, são causados independentemente de nossa
vontade. Exemplo de determinismo é o fatalismo, impressão de que o futuro é algo fixado
por antecedência e indiferente às nossas tentativas de alterá-lo.
Em verdade, a vontade (necessidade, interesse, desejo, conhecimento etc.) é sempre livre
quando corresponde a condições objetivas, que possibilitam estabelecer metas, tomar
decisões e agir de diferentes maneiras.
Moda: função social decorrente do consumo, desempenhada por “provadores” ou
“formadores de opinião”, que se manifesta na fala, nas artes, na expressão plástica, na
análise cientifica etc., e se constitui em fator de poder, afirmação e prestígio. No contexto da
sociedade moderna, devido à serialização e à universalização da produção de bens de
consumo, a moda tende a “democratizar-se” e, em consequência, exercer influência cada
vez maior sobre as personalidades, modos de vida e padrões sociais de conduta.
Neurose: perda de contato com a realidade, provavelmente por inadaptabilidade, reflexo de
conflitos inconscientes.
Paradigmas: matrizes epistemológicas ou formas padronizadas que disciplinam diferentes
perspectivas da realidade e modos de resolver problemas.
Psicopatia: termo utilizado pela mídia e por determinadas profissões para designar
distúrbios mentais severos, nervosos e de personalidade, sem no entanto distinguir entre
elementos disfuncionais, aberrantes ou meramente idiossincráticos. A noção é
frequentemente confundida com insanidade, condição que a lei e o sentimento popular
associam à necessidade de supervisão ou controle da conduta o indivíduo afetado. Mais
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adequado é usar psicoses tipo orgânicas, causadas por anormalidades físicas conhecidas
(senilidade, alcoolismo e danos ao cérebro), e psicoses funcionais (esquizofrenia,
“fragmentação da personalidade”), devidas a distúrbios no conteúdo e na forma do
pensamento, na percepção e no sentido do ser, todos de difícil tratamento, mesmo porque
podem ser causados por fatores anatômicos, bioquímicos, psicológicos, sociais, genéticos e
ambientais – o que, por outro lado, favorece a melhoria ou mesmo a cura de grande parte
dos esquizofrênicos (não graças a tratamento médico, mas à determinação da pessoa, de
sua família ou comunidade, no contexto, por exemplo, de “programas de reabilitação
psicossocial”):
A esquizofrenia é uma doença de múltiplas causas e tratamentos, com a qual é preciso lidar
ouvindo o que a ciência e os próprios pacientes há muito tempo vêm tentando nos dizer. Por
exemplo, desde 1955, George Brooks, diretor clínico de um hospital em Vermont (Estados
Unidos), vem desenvolvendo um programa de reabilitação abrangente e flexível – os
funcionários do hospital ajudam pacientes com sérios distúrbios mentais a adquirir
capacidades sociais e de trabalho, cuidar de seus afazeres cotidianos e recuperar a
confiança em si mesmos. Depois de alguns meses, muitos que não reagiam a drogas já
estão recuperados o suficiente para deixar o hospital e serem supervisionados por um
sistema comunitário. Nos anos 1980, o índice de reabilitação desse programa era de 62 a
68%.
Desgraçadamente, psiquiatras e outros profissionais que trabalham com esquizofrênicos
ainda preferem concluir, na base de manuais escritos no fim do século XIX, que é impossível
melhorar a condição dos esquizofrênicos, menos ainda reabilitá-los. O manual mais recente
da Associação Americana de Psiquiatria, de 1994, reproduz esse pessimismo. Por sua vez,
também contribuem para inviabilizar um tratamento mais efetivo forças destrutivas como o
preconceito, a descriminalização, a pobreza e os interesses dos sistemas público e privado
de previdência13.
Toxicomania: tolerância/dependência humana a venenos ou sustâncias tóxicas.
13
HARDING, Courtenay M. The New York Times, 10 Mar. 2002 (texto condensado). Sobre o mesmo assunto, ver o filme
uma mente brilhante, sobre o ganhador do Prêmio Nobel de Matemática, John F. Nash Jr., ex-esquizofrênico.
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Bibliografia:
Chitó ,Gabriel et al. A Fenomenologia da Violência . Curitiba, Ed.Juruá,1999 .
Silva,Hélio. A língua-geral da violência in Chitó, Gabriel op.cit
Tomazi,Nelson. Sociologia, São Paulo, Ed. Atual, 2007
Scuro,Pedro.Sociologia.São Paulo, Ed. Saraiva, 2004
Ballone GJ - Personalidade Psicopática - in. PsiqWeb, Internet, disponível em http://www.psiqweb.med.br/ revisto em 2008.