Post on 24-Jul-2020
[Digite aqui]
MESA TEMÁTICA COORDENADA/MTC:
PROTEÇÃO SOCIAL ANTE O AVANÇO DO CONSERVADORISMO NO BRASIL E OS
DESAFIOS DO TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NOS TERRITÓRIOS DE VIVÊNCIAS
EMENTA
Análise da complexidade de implementação da Proteção Social pós-2016 no Brasil, visando assegurar direitos no âmbito de um movimento conservador sustentado em preceitos fundamentalistas que postulam a redução da intervenção do Estado e o desmonte da proteção social. Com base em pesquisa bibliográfica e de campo realizadas nas regiões norte e nordeste, aborda elementos de como nesse contexto, elementos conservadores presentes na trajetória histórica da Assistência Social tendem a ser reforçados. Por outro lado, numa outra perspectiva, realiza abordagem acerca da proteção social a partir de análises advindas de experiências de trabalho de campo na região nordeste, no âmbito do Serviço de Atenção Integral à Famílias (PAIF) realizadas no ano de 2018. Tal abordagem adota o território como ponto de partida e expressão das desigualdades econômicas e socioespaciais, o que demanda elementos relacionados à configuração de grupos tradicionais, territórios e territorialidades diversas a serem incorporados no trabalho social com famílias.
INTEGRANTES DA MTC:
Alice Dianezi Gambardella. Doutora em Serviço Social, Políticas Sociais e Movimentos Sociais pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo (PUSP). Pós-doutoranda no Programa PNDP/Capes/PPGSS/UFPB. Cleonice Correia Araújo. Doutora em Políticas Públicas. Professora Associada/DESES/UFMA Emanuel Luiz Pereira da Silva. Professor Adjunto do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba (DSS/UFPB). Vice-Líder do Núcleo de estudos em Políticas Sociais NEPPS/UFPB. Maria do Socorro Sousa de Araújo (Coordenadora da MTC). Doutora em Políticas Públicas. Professora Associada na Universidade Federal do Maranhão, com exercício na graduação em Serviço Social e no PPGPP/UFMA Marinalva de Sousa Conserva. Profa. Associada da Universidade Federal da Paraíba; Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFPB e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Politicas Sociais
[Digite aqui]
ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA: dilemas para assegurar direitos ante
o movimento de avanço do conservadorismo
Cleonice Correia Araújo1
Maria do Socorro Sousa de Araújo2
RESUMO: O presente artigo apresentado à XIX JOINPP traz
reflexões acerca da complexidade da Política de Assistência
Social no contexto da ofensiva liberal conservadora no Brasil.
Analisa os dilemas que envolvem a implementação de uma
Política que busca assegurar direitos no âmbito de um
movimento conservador sustentado em preceitos
fundamentalistas que postulam a redução da intervenção do
Estado na proteção social. A análise aqui apresentada se orienta
pela compreensão de que o desmonte da proteção social integra
um processo de aprofundamento da pobreza e das
desigualdades sociais ancorado nas determinações da
acumulação do sistema capitalista no atual contexto de crise.
Palavras-chave: Assistência Social,Direitos Sociais,
Conservadorismo.
ABSTRACT:.This article presented to XIX JOINPP brings reflections about the complexity of the Social Assistance Policy in the context of the liberal conservative offensive in Brazil. It analyzes the dilemmas that involve the implementation of a Policy that seeks to secure rights within a conservative movement based on fundamentalist precepts that postulate the reduction of state intervention in social protection. The analysis presented here is guided by the understanding that the dismantling of social protection integrates a process of deepening poverty and social inequalities anchored in determinations of the accumulation of the capitalist system in the current context of crisis. Keywords: Social Services, Social Rights, Conservatism.
1 Doutora em Políticas Públicas UFMA, Professora Associada no Departamento de Serviço Social. da Universidade Federal do Maranhão. Integrante do GAEPP (Grupo de Estudo e Avaliação da Pobreza e das Políticas Direcionadas à Pobreza) 2 Doutora em Políticas Públicas UFMA, Professora Associada no Departamento de Serviço Social da Universidade
Federal do Maranhão. Integrante do GAEPP (Grupo de Estudo e Avaliação da Pobreza e das Políticas Direcionadas à Pobreza) e do Grupo Estado multicultural e políticas públicas: contato.socorro@gmail.com
[Digite aqui]
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo foi elaborado a partir do projeto de pesquisa AVALIANDO A
IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NA REGIÃO NORTE
E NORDESTE: significado do SUAS para o enfrentamento à pobreza nas regiões mais pobres
do Brasil, que tem como objeto de investigação a Política de Assistência Social (PAS) nas
regiões Norte e Nordeste, especificamente no que se refere à implementação do Sistema
Único de Assistência Social (SUAS). No processo de investigação foram consideradas as
seguintes dimensões: análise crítica do conteúdo, dos fundamentos e da percepção que os
sujeitos diretamente envolvidos na implementação do SUAS têm sobre a Política Nacional de
Assistência Social (PNAS) e o SUAS; e Investigação sobre a implementação do SUAS em
uma amostra intencional das Regiões Nordeste e Norte do Brasil, constituída pelos estados
do Maranhão, Ceará e Pará, incluindo uma amostra representativa constituída no total por 18
municípios, incluindo as capitais de cada estado. Buscamos verificar como está sendo feita a
implementação do SUAS no âmbito dos CRAS, dos CREAS e dos Centros POP, nos
municípios selecionados, sendo que no presente texto analisaremos dados referentes à
pesquisa de campo realizada no Maranhão.
E ainda, as reflexões ora apresentadas foram inseridas no contexto de uma
investigação complementar, em decorrência da necessidade de analisar a Política de
Assistência Social na atual conjuntura econômica, política e social, considerando o processo
de desmonte da proteção social brasileira, as contrarreformas em curso, e o consequente
desmonte de direitos ante a ofensiva liberal conservadora após o golpe desferido no ano de
2016. Em termos de procedimentos de pesquisa para contemplar esta dimensão específica
do estudo, realizamos revisão bibliográfica do tema e análise de documentos recentes que
dizem respeito a Política de Assistência Social no Brasil. Foram, ainda, desenvolvidas
entrevistas com os gestores da PAS dos três Estados da região Norte e Nordeste (Pará,
Maranhão e Ceará) e os gestores municipais das três capitais que integram a amostra da
pesquisa empírica, quais sejam: Belém, São Luís e Fortaleza. Foram ainda coletados
depoimentos de sujeitos, estudiosos e usuários engajados na Política em âmbito nacional.
Com esses informantes procurou-se identificar possíveis rebatimentos da conjuntura brasileira
recente na Política de Assistência Social e na implementação do SUAS.
Neste sentido, o artigo aborda o processo histórico de constituição da Política de
Assistência Social e do Sistema Único de Suas a partir do marco regulatório da Constituição
Federal de 1988 até o contexto atual na realidade socioeconômica e política no Brasil, focando
a análise no movimento de (des)construção que se acelera após o golpe de 2016 e a eleição,
[Digite aqui]
no ano de 2018, de um governo identificado com ideais neofacistas e sustentado pelo projeto
liberalconservador.
Pensar a Política de Assistência Social e o Suas nesse movimento assume
centralidade, considerando a sua complexidade e as perspectivas em disputa no âmbito da
Política, sendo uma que busca afirmar a assistência social como política pública, direito do
cidadão e dever do Estado, como preconiza a Loas no seu artigo primeiro, e outra que
reproduz o legado conservador constitutivo da trajetória histórica dessa Política expresso em
práticas marcadas pelo improviso, pela precarização e caráter emergencial. É importante
atentar que a ofensiva liberal conservadora que se destaca e se reatualiza, se objetiva
também nas políticas sociais, e, nesse contexto, elementos conservadores presentes na
trajetória histórica da Assistência Social tendem a ser reforçados.
Consideramos que a construção da Assistência Social como política integra o
processo de construção histórica da proteção social brasileira. O padrão brasileiro de
intervenção do Estado no âmbito da proteção social compõe uma trajetória de contradições
e limites que conformaram e sustentaram um padrão caracterizado por respostas
fragmentadas às demandas sociais, pautado no princípio do mérito a partir da posição
ocupacional no âmbito da estrutura produtiva, e incipiente no que diz respeito à abrangência
e cobertura da sua população.
Esse padrão expressa o enfrentamento da questão social em um contexto com
peculiaridades estruturais e conjunturais históricas típicas de um desenvolvimento econômico
e político de uma sociedade de capitalismo periférico e tardio. O sistema de proteção social
brasileiro se desenvolveu, portanto, com traços conservadores, paternalistas, configurando-
se insuficiente, incompleto ou até mesmo perverso, demonstrando as debilidades e
fragilidades tanto do processo econômico, quanto organizativo, marcado pela cultura do
autoritarismo e do favor na medida em que a relação entre a sociedade e a burocracia estatal
era fortemente mediada pelo clientelismo, ainda persistente na sociedade brasileira.
A ofensiva conservadora reatualizada e metamorfoseada apresenta-se como
estratégia das classes dominantes de sustentação do sistema capitalista no contexto atual de
crise, desmontando o sistema de proteção social e os direitos sociais em favor de uma
sociedade regulada por um mercado absoluto, sem limites, cabendo ao Estado assegurar as
condições para a primazia desse mercado, e ainda, “(...) a função coercitiva de reprimir
violentamente todas as formas de contestação à ordem social e aos costumes tradicionais”
(Barroco, 2015, p.625).Acrescenta-se a isso uma “campanha escancarada de defesa da
militarização da vida social, do armamento, do rebaixamento da maioridade penal e da pena
de morte no Brasil” (BARROCO, 2015, p. 626). Isto significa a instituição de um Estado policial,
[Digite aqui]
violento, bem como a retomada do enfrentamento das expressões da questão social como
caso de polícia, reforçada pela moralização, pela ordem, pela repressão em favor da defesa
das liberdades individuais e da propriedade privada.
O avanço e explicitação do pensamento conservador articulado a estratégias que,
em geral, se contrapõem à configuração do Estado Democrático de Direito, seguem em
paralelo ao aumento da pobreza e da desigualdade social. Em decorrência desse avanço
destaca-se a compreensão da questão social e suas expressões como resultantes de
desagregações individuais e morais conformando uma (i)racionalidade que veicula a
naturalização da questão social e ofuscamento das suas determinações socioeconômicas.
A ofensiva conservadora, sua disseminação ideológica contribuem para a
instituição de uma sociabilidade regida pela violência social. Com o suporte das mídias
dominantes, expressões da questão social tendem a ser tratadas como casos de polícia
incentivando-se, não a resolução coletiva dos problemas, como seria esperado, mas, explícita
ou subliminarmente, a culpabilização dos mais afetados, no caso os trabalhadores pobres.
Trata-se do reforço de estratégias de controle da vida cotidiana dos trabalhadores pobres com
a evocação do Estado policial ante a incapacidade de enfrentar a pobreza e a desigualdade
pela via da proteção social.
As reflexões aqui desenvolvidas, com base em pesquisa de campo, documental e
bibliográfica, buscam responder a uma questão central: como se articulam,no atual contexto,
a implementação da Assistência Socialcomo política pública que objetiva assegurar direitos
sociais e o avanço do conservadorismo na particularidade da sociedade brasileira?
2 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: trajetória de avanços e recuos a partir da
constituição federal de 1988
A Constituição Federal de 1988, decorre de um processo historicamente
construído a partir da luta de diferentes grupos e sujeitos sociais pela institucionalização da
proteção social como responsabilidade estatal. Expressa ideais universalistas articulados a
uma ideia ampliada de cidadania, em busca da expansão da cobertura de políticas sociais no
que diz respeito ao usufruto de bens e serviços socialmente produzidos, garantias de renda e
equalização de oportunidades na perspectiva de superar um sistema excludente e não
distributivo marcado pelo autofinanciamento buscando assim ampliar à noção de Proteção
Social.
Essa Constituição configura-se, como referência legal para consolidação da
Assistência Social como política pública no âmbito da proteção social e estabelece duas
diretrizes que orientam a organização da Política de Assistência Social, inscritas no art. 204º
[Digite aqui]
da CF de 1988: I – A descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as
normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às
esferas estadual e municipal, bem como às entidades beneficentes e de assistência social; e,
II – A participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação
das políticas e no controle das ações em todos os níveis.
O Sistema de Proteção Social brasileiro assume contornos diferenciados (pelo
menos no aspecto formal-legal) mediante a introdução de dispositivos de cariz democrático,
orientados pela lógica da universalização vinculada à ideia de cidadania universal, inserindo
a noção de direitos sociais e de responsabilidade pública a partir da instituição da Seguridade
Social. É essa concepção de proteção social e os pressupostos subjacentes na Carta
Constitucional de 1988 que vão se expressar na Política de Assistência Social a partir da
LOAS (Lei 8.742 de 07 de dezembro de 1993) e da sua inserção no campo da Seguridade
Social. Desse modo, a inserção na Seguridade Social confere a assistência social o caráter
de política pública afiançadora de direitos.
A LOAS, por sua vez, reafirmou os conteúdos dos art. 203º e 204º, da CF/1988,
definindo ainda como diretriz para a PAS, a primazia da responsabilidade do Estado e o
comando único das ações em cada esfera de governo e institui, no seu art. 30º, três
importantes instrumentos de gestão do sistema descentralizado e participativo: os Conselhos
de Assistência Social, os Planos de Assistência Social e os Fundos de Assistência Social.
(BRASIL, 1993).
No ano de 2004, o Conselho Nacional de Assistência aprovou a Política Nacional
de Assistência Social, em vigor, a qual estabelece o formato da Política através da proposta
de implementação do Suas – Sistema Único de Assistência Social como modelo de gestão
para operacionalização das ações, criado pelo então Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome - MDS, conforme previsto na Loas.
A estruturação da Política de Assistência Social, nos moldes de gestão do Suas,
compreende um conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios hierarquizados por
modalidades de proteção social (básica e especial) e níveis de complexidade. Introduz a
concepção de sistema orgânico com definição de responsabilidades para as instâncias
federadas e, consequentemente, coloca desafios para sua concretização, dada a
complexidade que envolve o funcionamento da rede socioassistencial. Outrossim, há que se
considerar, os determinantes socioeconômicos e políticos que incidem e influenciam na forma
como esta política pública tem sido implementada na sociedade brasileira.
No decorrer das três últimas décadas a contar da instituição da CF 1988, a
Assistência Social vem tentando se configurar como política pública de responsabilidade
[Digite aqui]
estatal, apresentando avanços no âmbito jurídico-normativos e na construção de uma nova
institucionalidade a partir da implementação do SUAS, com inovações nas áreas da gestão,
da execução e do controle social. A esse respeito Silva (2015, p.2), posiciona-se refletindo
que,
A despeito da hegemonia neoliberal e em decorrência de lutas e resistência dos trabalhadores, são inegáveis os avanços ocorridos na assistência social desde 1988 aos dias atuais. No entanto, a herança da histórica filantropização, do controle e moralização da questão social, voltados para a integração e a coesão societária, expõe as contradições da institucionalização do Sistema Único de Assistência Social como um processo novo. Ele se iniciou na perspectiva de superação das formas tradicionais de gestão dos serviços, programas, benefícios e projetos da assistência social, mas é constantemente interditado pelo conservadorismo renitente, pelos limites dos conceitos adotados, pelas condições em que se materializa e, ainda, pelo contexto neoliberal que confronta e derrui a lógica do direito. A direção neoliberal na política social brasileira, com a estratégia da contrarreforma, tensiona a proposta do sistema, interpondo o tecnicismo, com a seleção socioeconômica, valendo-se da focalização.
No sentido colocado pela autora, importa atentar para o papel atribuído às políticas
sociais no contexto da ofensiva liberal conservadora. No atual contexto de fortalecimento de
ideais ultraliberais é eleito, no Brasil, um governo que compactua com suas premissas. É
preocupante a crescente privatização das respostas à questão social via parcerias público-
privado que tendem a ocultar seu caráter histórico-estrutural, suas determinações e
contradições, bem como suprimir o caráter de direito social historicamente conquistado,
reiterando a lógica da meritocracia, das concepções e práticas integradoras, moralizadoras,
direcionadas ao pobre subalternizado, obediente, disciplinado e passível de punição.
Há um processo de desmonte em curso que afeta a Seguridade Social brasileira
e, em particular, a Política de Assistência Social. Para Silveira (2017), a Política de Assistência
Social encontra-se em risco com evidentes retrocessos que ameaçam as bases de
sustentação do SUAS. A autora aponta que o cenário atual expressa tendências regressivas
explícitas ou ocultadas nas narrativas que demarcam fragilidades do Sistema, tais como:
dificuldades inerentes à execução de recursos repassados para os municípios pelo Fundo
Nacional de Assistência Social – FNAS e pela ausência de padrões relativos aos custos dos
serviços. São justificativas utilizadas pelo Governo federal “para a cristalização da agenda no
SUAS, especialmente na expansão do financiamento e dos serviços, inclusive os tipificados,
mas não cofinanciados”. (SILVEIRA, 2017, p. 488).
Os atuais processos de regulação do capital sob a orientação neoliberal, as
prerrogativas para as políticas sociais em países como o Brasil, norteadas, em grande parte,
por organismos internacionais, seguem na direção do que Soares (2000) denomina de
crescente fragmentação da gestão do social, associadas a um movimento de restrição e
retrocesso das políticas sociais, cada vez mais focalizadas, seletivas e emergenciais
[Digite aqui]
direcionadas a situações de pobreza extrema. O que temos constatado, na esteira do golpe
de 2016, é uma sucessão de medidas que tem reforçado e acelerado o processo de desmonte
das políticas sociais, em particular do Suas, conferindo maior visibilidade e consistência a
perspectiva conservadora como tentaremos refletir no item a seguir.
2.1 A assistência social no maranhão entre a garantia de direitos e o reforço à perspectiva
conservadora
A pesquisa de campo realizada no Estado do Maranhão possibilitou a identificação
das diferentes percepções dos sujeitos com relação a Política de Assistência Social. Foram
priorizados no processo investigativo os diferentes sujeitos sociais envolvidos no processo de
implementação do SUAS: gestores, técnicos, conselheiros e usuários. As diferentes
percepções aqui expostas e analisadas foram obtidas mediante entrevistas com gestores e
grupos focais com usuários, técnicos e conselheiros, além de observações registradas em
diário de campo no âmbito da pesquisa já informada nesse artigo.
As entrevistas e grupos focais foram orientadas pelas seguintes questões: O que
é a Política de Assistência Social e o SUAS para os diferentes sujeitos? Quais as percepções
sobre o processo de implementação do SUAS? As respostas foram gravadas em áudio com
a permissão dos participantes, posteriormente transcritas e sistematizadas conforme os eixos
elencados na pesquisa.
No geral, a percepção do conjunto dos sujeitos revela a contraposição entre o
desenho da Política e sua implementação. Há uma distância entre o que foi forjado nas
conquistas constitucionais e a regulamentação subsequente, tanto no aspecto teórico-
normativo como na atuação no âmbito dos municípios. Também revela um processo lento de
avanço do Suas expresso na sua secundarização no âmbito dos municípios e que se reflete
na estrutura precarizada do SUAS, na distribuição insuficiente dos recursos e na precarização
dos serviços.As condições estruturais, de prédios, para funcionamento dos serviços
expressam a necessidade avançar em investimentos nessa área. Por ocasião da realização
das visitas e dos grupos focais, observamos estruturas prediais que não garantem, por
exemplo, acessibilidade aos (às) usuários (as). Equipamentos públicos como CRAS, CREAS
e Centros Pops, há prevalência de estruturas alugadas e adaptadas, em geral, precarizadas
e inadequadas.
A despeito do conhecimento acerca da Política de Assistência Social e do Suas
como estratégia de gestão, sobretudo entre gestores e técnicos, constatamos que esse
conhecimento se restringe aos marcos regulatórios. Nas equipes de referências dos
equipamentos públicos, identificamos técnicos que ainda têm limitações quanto à concepção
[Digite aqui]
e direção da Política em âmbito municipal estadual e federal e ficam mais restritos ao
conhecimento sobre o serviço que executam diretamente nos equipamentos. Foram poucos
os sujeitos que se destacaram pela reflexão crítica dos impasses na execução da política de
proteção social no âmbito de um sistema de produção que gera riscos e vulnerabilidades de
forma permanente, ou seja, a partir da sistematização das reflexões das suas intervenções,
estudos e discussões que participam. Em gera, observamos entre os sujeitos dificuldade em
compreender a Política de Assistência Social no contexto da Seguridade Social, suas as
tensões e contradições para assegurar direitos em uma conjuntura adversa, de prevalência
de programas reducionistas, da continuidade do ranço assistencialista e da escassez de
recursos.
Dentre os sujeitos da pesquisa destacamos os (as) usuários (as) considerando
que parte significativa destes demonstra o não reconhecimento da Assistência Social como
direito. Predomina, neste segmento, a compreensão da Assistência Social como ajuda
reiterando a histórica lógica do favor e da gratidão. Ademais, muitos (as) usuários (as)
associam a Política de Assistência Social ao CRAS, aos serviços e algumas ações
específicas, o que também denota conhecimento restrito.
Para este segmento, geralmente violado em seus direitos fundamentais, as
respostas em relação a percepção da assistência social se deslocaram para as dificuldades
pessoais vivenciadas, suas apreensões em relação a um futuro incerto, ausência de
perspectivas e a possibilidade iminente de perda da segurança que os serviços e benefícios
representam. As expectativas focam nas questões mais imediatas como a alimentação, a
urgência no repasse do aluguel social, o recebimento da cesta básica, a obtenção da
passagem para retorno ao local de origem dentre outras ações de caráter imediato e
emergencial.
A discussão que se desenrolou com os (as) usuários (as), mostrou que estes (as),
na sua maioria, possuem trajetórias marcadas por adversidades difíceis de serem superadas,
de imediato, no contexto de suas condições objetivas de existência. Tais adversidades
culminaram com a redução de suas perspectivas, horizontes e desejos de forma que
demonstraram satisfação e conformidade com o que recebem. Reiterando a lógica
conservadora, reproduzindo o trato moral de ajuste à normatividade da política como o pobre
merecedor, ou seja, o pobre que conhece o seu lugar, que valoriza os serviços recebidos sem
reclamar, avaliar ou questionar.Consoante Pereira (2002, p. 34):
Com um mínimo de provisão social espera-se, quase sempre, que os beneficiários dessa provisão deem o melhor de si e cumpram exemplarmente seus deveres, obrigações e responsabilidades. [...] Dos pobres, portanto, exige-se, sistematicamente, o máximo de trabalho, de força de vontade, de eficiência, de prontidão laboral e de conduta exemplar, até quando não contam com o tal mínimo de provisão como direito devido; e qualquer deslize cometido por eles lhes será fatal, sob
[Digite aqui]
todos os aspectos. É que, diferentemente do rico, o pobre tem que andar na linha e aceitar qualquer oferta de serviço e remuneração, pois sua condição de pobreza continua sendo vista como um problema moral e individual e, consequentemente, como um sinal de fraqueza pessoal que deverá ser condenada.
A resignação como elemento integrante da ordem conservadora preconiza o
ajustamento, a aceitação passiva da condição de usuário (a). É esperado deste segmento a
conformidade e satisfação com os serviços e as possibilidades de inserção no mercado de
trabalho e melhoria da renda após os cursos profissionalizantes ofertados pela Política, tendo
a clareza de que essa inserção depende de “esforços pessoais”, Com isso, exclui-se os
determinantes estruturais decorrentes da relação capital e trabalho e mais, reforça-se a
passividade na espera dos serviços, na participação das atividades desenvolvidas pelos
equipamentos dissociada de compreensão da Assistência Social como direito.
Trata-se de um campo fértil para a reprodução do conservadorismo como um
movimento que coaduna concepções e metodologias forjadas na ordem burguesa,
moralizando expressões da questão social mediante desenvolvimento de ações que
reafirmam a lógica individualista, fiscalizatória, integradora, punitiva, individual, de
ajustamento pautadas na meritocracia. E neste sentido que ações psicologizantes,
individualizadas ganham relevo ao passo em despolitizam a questão social, remetendo-a para
o âmbito das desagregações morais, desajustamentos individuais e desestruturações
familiares.
Verificamos, junto aos sujeitos, a urgência de debates e reflexões críticas sobre
os conceitos que fundamentam a Política de Assistência Social a exemplo de pobreza,
território, família no sentido de confrontar esses conceitos com a compreensão de gestores e
técnicas (os), em geral, impregnadas de estigmas que se reproduzem na relação com os (as)
usuários (as), sob a forma de julgamentos sociais e morais que comprometem uma
compreensão do (da) usuário (a) como sujeito submetido a injustiças sociais determinadas
social e economicamente.
Identificamos como elementos característicos nas ações socioassistenciais
desenvolvidas nos municípios pesquisados, uma ênfase na busca de soluções imediatas,
subjetivas, psicologizantes, moralizadoras e individualizadas, que investem na autoestima
visando o empoderamento, a autonomia e o bem-estar social e familiar. Elementos balizados
no movimento conservador, reatualizado para o enfrentamento ideológico da crise mundial do
capitalismo e para o combate a políticas e direitos sociais. Cabe assinalar que, as normas e
orientações técnicas nacionais que balizam as ações socioassistenciais, na maioria dos
municípios brasileiros, na implementação do SUAS, são permeadas por preceitos de cariz
[Digite aqui]
conservador, apesar dos avanços que representam no processo de institucionalidade da
Política de Assistência Social.
Ressaltamos, portanto, que o conjunto de fatores estruturais e conjunturais,
articulados a fragilidade de apreensão dos conteúdos teóricos, conceituais e mesmo
metodológicos do trabalho que a Política de Assistência Social e o SUAS preconizam, incide
no trabalho da equipe técnica e das (dos) e gestoras (es). O trabalho socioassistencial
planejado e desenvolvido reproduz ações que têm o caráter mais de disciplinamento e
moralização dos trabalhadores e trabalhadoras pobres dissociado de enfoques políticos e
pedagógicos na perspectiva da sua organização como sujeito coletivo e organizativo. As ações
socioassistenciais desenvolvidas, reiteram a condição de subalternidade dos sujeitos
demandatários da Política, desqualificados pelo senso comum e pela lógica contrária a
cidadania que mantém e reproduz o discurso do pobre merecedor no interior de uma Política
que tem como objetivo assegurar proteção social como direito.
3 CONCLUSÃO
No contexto pós-golpe 2016 é imposto ao país um projeto de retrocessos que
revela uma crise moral e civilizatória expressa no agravamento da pobreza e da desigualdade,
na fragilidade dos vínculos sociais, na precarização das condições de vida e no
descompromisso do Estado e da sociedade com a construção de respostas efetivamente
democráticas. Há um evidente recuo do Estado na implementação de políticas sociais
direcionadas ao enfrentamento da questão social e à reprodução social da classe
trabalhadora. Ante o avanço do desemprego e das inseguranças sociais a proteção social é
fragilizada, submetida aos ditamesda política fiscal exigida pelo capital financeiro e sua
hegemonia.
Nesse contexto a Política de Assistência Social se defronta com recuos em termos
de investimentos públicos e é alvo de críticas conservadoras, por se tratar de uma conquista
social pautada em ideais democráticos e viabilizar direitos sociais. Há uma exigência, cada
vez mais institucionalizada, pelo gerencialismo tecnicista, pela focalização, pelo controle, pelo
julgamento moral, pelo ajustamento e pela punição de trabalhadores e trabalhadoras pobres.
O Suas sinaliza uma possibilidade de democratização das relações sociais e
enfrentamento a pobreza como expressão da questão social, seu processo de implementação
estão condicionados a recursos e investimentos públicos, mas também como assinala Silva
(2015, p.8) “...da compreensão e, sobretudo, do compromisso de superar os vícios de uma
assistência social conservadora e tradicionalista na abordagem às expressões da questão
[Digite aqui]
social. Essa prática histórica é reprodutora tanto das relações de favor e clientelistas, como
das formas de apropriação privada da esfera pública”.
A despeito de suas contradições a inserção da Assistência Social na Seguridade
Social brasileira sinaliza a possibilidade de rupturas ao regulamentar como direito ações que
historicamente estiveram inscritas na lógica do favor, ao considerar como cidadãos de direito,
sujeitos tutelados pela caridade, filantropia e paternalismo e, principalmente, por projetar a
possibilidade de ruptura com práticas assistencialistas e clientelistas. Contudo, a herança
histórica dessas práticas e sua imbricação com a assistência social na perspectiva da
integração societária, expõeas contradições do processo de institucionalização do Suas nos
municípios. Um processo que se institui preconizando a superação das formas tradicionais de
gestão dos serviços socioassistenciais, mas é frequente e contraditoriamentelimitado pela
premência do conservadorismo, pelafragilidade das concepções adotadas, pelas precárias
condições de estrutura e, ainda, pelo contexto neoliberal que vem erodindo a lógica do direito
e da cidadania.
O atual contexto, com suas particularidades políticas e socioeconômicas, favorece,
portanto, a reedição do pensamento conservador e seu recrudescimento nas ações
socioassistenciais. Essa reedição contribui para explicitar a centralidade das famílias pobres
nas políticas sociais, particularmente, na Política de Assistência Social e expõe o movimento
contraditório de um Estado que exige de trabalhadores e trabalhadoras pobres a proteção
social que nega a estes.
O movimento conservador tem avançado na proposição de alternativas contrapostas
à perspectiva democrática. Alternativas que se materializam sob a forma de medidas
restritivas da responsabilidade pública com a proteção social. Destaca-se, por exemplo,
adenominada Emenda Constitucional 95, aprovada no governo Michel Temer (2016 – 2018)
que instituiu, de forma arbitrária, o Novo Regime Fiscal (NRF) para a União pelos próximos
vinte anos, e estabeleceu limites para as despesas primárias inviabilizando, portanto, a
vinculação dos recursos para as políticas sociais conforme estabelecido na Constituição
Federal de 1988; mais recente a Proposta de Emenda à Constituição – PEC n. 6/201
apresentada pelo governo eleito em 2018, Jair Bolsonaro, que propõe a reforma da
Previdência Social Pública tendo como aporte a sua capitalização o que, na prática significa
o seu desmonte e privatização com implicações para os trabalhadores e trabalhadoras
pobres. Tratam-se de medidas que incentivam valores liberais como a competitividade, o
individualismo e, por outro lado, explicitam a capacidade do capitalismo em produzir e agravar
desigualdades e barbáries sociais.
[Digite aqui]
O Suas, como um processo em construção, sinaliza uma possibilidade histórica de
consolidação da proteção social. Essa consolidação, depende, por um lado, de recursos e
investimentos públicos que potencializem sua estruturação,em termos de atendimento e
controle democrático, como sistema afiançador de direitos; e por outro, de um compromisso
político com a superação do ranço conservador. Isto exige a autonomização política dos (as)
usuários (as) como requisito para um processo coletivo e organizado de construção de um
novo projeto societário.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição Federal 1988. Brasília, DF, 1988.
________. Lei nº 8742, 07 de dezembro de 1993 (LOAS), dispõe sobre a Lei Orgânica
Assistência Social e dá outras providências, Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1993.
________. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria Nacional de
Assistência Social. Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Norma Operacional Básica
- NOB/SUAS. Brasília, 2005.
SOARES, Laura Tavares. Os custos sociais do ajuste neoliberal no Brasil. São Paulo:
Cortez editora, 2000.
SILVA, MaisaMiralva da. Assistência social na realidade municipal: o SUAS e a prevalência
do conservadorismo, Revista Katálysis, Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 41-49, jan./jun. 2015
SILVEIRA, Jucimeri Isolda, A assistência social em risco:conservadorismo e luta por direitos.
In: Revista Serviço social &Sociedade, São Paulo, n. 130, p. 487 – 394, set./dez. 2017.
[Digite aqui]
REFLEXÕES SOBRE LUGAR, TERRITÓRIO E POLÍTICAS PÚBLICAS
Emanuel Luiz Pereira da Silva3
RESUMO: Partimos do chão concreto das Políticas Públicas,
construindo um caminho de análise, a partir das diversas
perspectivas de lugar e território como ponto de partida. Temos
como pressuposto a crítica de Milton Santos a globalização e
aos processos que atuam no mundo acentuando e
aprofundando desigualdades sócio espaciais. O território, hoje,
pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em rede: as
redes constituem uma realidade nova que, de alguma maneira,
justifica a expressão verticalidade.
Palavras-chave: Lugar. Território. Proteção Social. Políticas
Públicas.
ABSTRACT: We start from the concrete ground of public policy,
building a path of analysis from various perspectives of place and
territory as a starting point. Milton Santos's critique of
globalization and the processes that are operated around the
world accentuate and deepen socio-spatial inequalities. The
territory today can be formed of contiguous places and places in
a network: networks constitute a new reality that, in some way,
justifies the expression verticality.
Keywords: Place.Territory. Social Protection. Public Policy.
3 Doutor e Pós-doutor em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Adjunto do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba (DSS/UFPB). Vice-Líder do Núcleo de estudos em Políticas Sociais NEPPS/UFPB.
[Digite aqui]
1 INTRODUÇÃO
Vamos para o terreno porque o que lá encontramos é
profundamente inimaginável a partir da poltrona4.
Ponho os pés na terra para senti-la e gerar, a partir desse contato, a tentativa das
primeiras compreensões das escalas territoriais que se apresentam em um mesmo lugar.
Decisões precisam ser tomadas, que fazer?
Escrever significa entrar, querendo-se ou não, no círculo do comentário. Este, por
sua vez, é uma espécie de segregação da escrita e refere-se menos à inevitabilidade da leitura
do que à fatalidade da releitura. Que se saiba, nenhuma escrita existente é capaz de escapar
ao ato de ser relida e ao processo virtualmente interminável que com esse ato se desencadeia.
Ora, se o risco daí derivado nos leva a redundar, enfim, num mero jogo de palavras se
substituem mutuamente na mira de uma verdade textual, quanto mais o jogo se prolonga,
mais parece uma miragem. Para a antropologia essa queda no circuito interpretativo
representa a ameaça da sua reconversão em pura filologia.
Para fins didáticos e reflexivos partimos do chão concreto das Políticas Públicas como
afirma koga (2003); Silva (2016), construindo um caminho de análise, a partir das diversas
perspectivas de lugar e território como ponto de partida. Temos como pressuposto a crítica
de Milton Santos a globalização e aos processos que atuam no mundo acentuando e
aprofundando desigualdades sócio-espaciais em que o autor retoma com toda a sua energia
peculiar dois conceitos da Geografia: o conceito de território e o conceito de lugar. A
vinculação dessa analise as Políticas Públicas reflete no campo de atuação do Serviço Social
brasileiro que se materializa nas políticas sociais tendo-a como mediação.
O autor propôs que o “espaço geográfico” (sinônimo de “território usado”) seja
compreendido como uma mediação entre o mundo e a sociedade nacional e local, e assumido
como um conceito indispensável para a compreensão do funcionamento do mundo presente.
Ele chama atenção para o novo funcionamento do território, através de horizontalidades (ou
seja, lugares vizinhos reunidos por uma continuidade territorial) e verticalidades (formadas por
pontos distantes uns dos outros, ligados por todas as formas e processos sociais).
O território, hoje, pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em rede: as
redes constituem uma realidade nova que, de alguma maneira, justifica a expressão
4RegnaDarnell exprime nesta epígrafe a História da Antropologia Americanista, editada em 2001 sob o
título InvisibleGenealogies. Mostra que uma antinomia centenária, com a qual Malinowski marcou para sempre a prática da profissão de antropólogo, continua vigente e com admirável saúde: entre a poltrona e o terreno, os grandes intérpretes da antropologia contemporânea não têm dúvida em defender a via que arrancou a disciplina aos confortáveis e diletantes sofás do gabinete acadêmico.
[Digite aqui]
verticalidade. Mas além das redes, antes das redes, apesar das redes, depois das redes, com
as redes, há o espaço de todos, todo o espaço, porque as redes constituem apenas uma parte
do espaço e o espaço de alguns. São, todavia, os mesmos lugares que formam redes e que
formam o espaço de todos. Quem produz, quem comanda, quem disciplina, quem normaliza,
quem impõe uma racionalidade às redes é o Mundo. Esse mundo é o do mercado universal
e dos governos mundiais. O FMI, o Banco Mundial, o GATT, as organizações internacionais,
as Universidades mundiais, as Fundações que estimulam com dinheiro forte a pesquisa,
fazem parte do governo mundial, que pretendem implantar, dando fundamento à globalização
perversa e aos ataques que hoje se fazem, na prática e na ideologia, ao Estado Territorial.
Convidamos ao leitor atento, a analisar o método pautado no território usado5 que é
científico por tratar da reprodução social da vida dos sujeitos protagonista da história.
2 AS ACEPÇÕES DE LUGAR E TERRITÓRIO
As acepções de “Lugar” são numerosas, visto que, “Lugar” comporta, tanto em
português quanto em inglês (place), designando uma localidade, uma área determinada ou
indeterminada ou mesmo a um espaço qualquer (SOUSA, 2015, p. 111).
Partindo do Dicionário Houaiss da Língua portuguesa, constatamos que os
sentidos variam de “área de limites definidos ou indefinidos” a “conjunto de pontos
caracterizados por uma ou mais propriedades”, como também, adentrando em outros sentidos
geométricos abstratos, passam por “área apropriada para ser ocupada por pessoa ou coisa”,
“assento ou espaço onde uma pessoa se põe como passageiro ou espectador”, e de tal modo
que se segue nesta perspectiva de construção. Assim, “lugar” é muito mais do que o chão
que, na concepção dos povos indígenas potiguar6, “terra” quase tanto como “espaço”, um
“termo valise”, chegando ao ponto de torna-se um passe-partout,no âmbito do senso comum,
sem contar os usos em discursos especializados.
Analisando o trabalho de John Agnew, Ulrich Oslender, em um admirável artigo,
sintetizam assim os três aspectos principais ou significados da discussão geográfica em torno
da ideia de place que seriam, a saber: Location[localização], Locale[de difícil tradução, mas
imperfeitamente traduzível como substantivo “local”, porém sem relação com um nível escalar
particular] e senseofplace[sentido de lugar].Com propriedade teórica nessa discussão,
Oslender (2004) afirma que de forma generalista, location se refere à área geográfica físico-
5Segundo SANTOS (1998, p. 24) “[...] devíamos tomar o território através de uma noção dinâmica, isto é, o território
usado. Isso que é científico não é o território, é o território usado. E o espaço, que é uma forma de ver o território também, formado de sistemas de objetos e de sistemas de ações numa união indissolúvel e dialética.”. 6 Povos indígenas que vivem em um conjunto de 32 Aldeias localizadas no Litoral Norte do Estado da Paraíba, Nordeste, Brasil.
[Digite aqui]
material e aos modos como ela é afetada pelos processos econômicos e políticos operando
em uma escala mais ampla. Sendo assim, o autor explicita que o impacto de uma macro-
ordem sobre um lugar e as maneiras pelas quais certos lugares são inscritos, afetados e
tornados sujeitos aos condicionamentos das estruturas econômicas e políticas que,
normalmente, se originam fora da própria área.
Esta apreensão de location adentra a concepção de um antídoto contra o
subjetivismo ao discutir-se o lugar, e não como um rígido contexto dentro do qual as interações
sociais são fixadas como ações predeterminadas esperando apenas para acontecer. Isso,
portanto nos acautela com relação ao menosprezo tanto da estrutura quanto da escala, que
é frequentemente observado nos tratamentos fenomenológicos do lugar, e contextualiza de
modo relevante os lugares nos marcos de uma produção geral da escala geográfica enquanto
um princípio central de organização, em conformidade com a qual ocorre a diferenciação
geográfica (OSLENDER, 2004).
Ainda na análise de John Agnew e Ulrich Oslender apontam o segundo aspecto,
o qual
Se refere aos quadros espaciais [settings] formais e informais nos quais as interações e relações quotidianas são construídas. No entanto, mais do que meros quadros físico-materiais [physical setting] de atividades, localeimplica que esses contextos são ativa e rotineiramente acionados por atores sociais em suas interações e comunicações quotidianas [...] (OSLENDER, 2004, p. 961-62).
O último aspecto toma por base a própria ideia de locale, edificou-se o conceito
de “sentido de lugar” ou senceplace, o qual
Se refere às maneiras como a experiência e a imaginação humanas se apropriam das características e qualidades físico-materiais [physicalcharacteristicsandqualities] da localização geográfica. Ele [ o conceito de senceofplace] captura as orientações subjetivas que derivam do viver em um lugar em particular como um resultado de processos sociais e ambientais interconectados, criando e manipulando relações flexíveis com o espaço físico-material [physicalspace]. As abordagens fenomenológicas do lugar, por exemplo, têm tendido a enfatizar os modos como os indivíduos e as comunidades desenvolvem ligações profundas com os lugares por meio da experiência, da memória e da intenção (RELPH, 1976; OSLENDER, 2004, p. 962)
De acordo com Souza (2015), a despeito da existência de várias acepções da
palavra “lugar” e em que pese a existência de diversos aspectos, mesmo no âmbito da
conceituação sócioespacial (exercício proposto por Agnew, retomado por Oslender e que,
também em português, pode ser feito), há, porém, um sentido que se veio afirmando como
mais específico, no plano conceitual, desde a década de 1970 e é aquele que interessa no
presente estudo: o lugar como espaço percebido e vivido, dotado de significados, e com base
no qual desenvolvem-se e extraem-se os “sentidos de lugar” e as “imagens de lugar”, esses
[Digite aqui]
por sua vez, consistem no lugar em que as políticas sociais/públicas ganham sentido e
materialidade.
Na língua inglesa, com o vocábulo place, permanece sendo a língua em que essa
acepção se estabeleceu mais firmemente, muito embora a Geografia brasileira também já
esteja acostumada com ela. Ao passo que em alemão, a palavra ortnão consegue, até hoje,
carregar o sentido denso de espaço vivido, como em placeou mesmo em lugar.
O Território como conceito tem sua gênese nos discursos das ciências
especificadas como naturais, tendo na atualidade forte uso na Geografia, nas Ciências
Sociais, Ciências Humanas e Serviço Social. A emersão do termo consolida-se, nos avanços
da proposta de Ratzel (1990), que além de trazer o debate territorial para a Geografia, o coloca
como necessário à reprodução da sociedade e do Estado.
Conforme Silva (2016), a análise do território usado implica reconhecer que as
formas materiais e imateriais de períodos passados condicionam as ações sociais atuais e
seus respectivos projetos. A menos que possamos acreditar na ideia de que cada etapa de
modernização seja sempre positiva para a totalidade dos sujeitos sociais, fica difícil não
perceber que as rugosidades de momentos anteriores constituem um patrimônio que deve ser
levado em conta para entendermos a localização dos eventos atuais (SANTOS, 1996; SILVA,
2016).
Na atualidade, a aplicação do conceito de território apresenta-se, de formas
diferenciadas, pois não só os contextos históricos se alteraram drasticamente, como a própria
ciência buscou novos paradigmas, novos métodos e consequentemente novos problemas
demandados por condições objetivas do chão concreto da vida.
Continuando o constructo delineado a partir das ideias propostas por Ratzel
“organismos que fazem parte da tribo, da comuna, da família, só podem ser concebidos junto
a seu território” (RATZEL, 1990, p. 74), e ainda, “do mesmo modo, com o crescimento em
amplitude do Estado, não aumentou apenas a cifra dos metros quadrados, mas, além disso,
a sua força, a sua riqueza, a sua potência” (RATZEL, 1990, p. 80). De fato, desenha-se
claramente que o autor defende a tese de que o território é um espaço necessário a qualquer
população e seu Estado para evoluir, em todas as suas dimensões e sentidos.
Notamos sua aproximação com os preceitos de Darwin (evolucionismo) e a
compreensão do território humano muito próximo do território de outras espécies, objeto da
Biologia. Para Darwin então, o território é o espaço desde o qual uma família encontra sua
subsistência, até o espaço necessário à evolução de um Estado, que deve assim, sempre
pensar na aquisição de mais espaços territoriais.
[Digite aqui]
Outro autor chave nesta discussão é Raffestin. Contrapondo-se à ideia de Ratzel
(1990), ele começa sua tese analisando-o: “o quadro conceitual de Ratzel é muito amplo e tão
naturalista quanto sociológico, mas seria errôneo condená-lo por ter "naturalizado" a geografia
política, algo que às vezes ocorreu.” (RAFFESTIN, 1993, p. 2). Logo, a proposta de Raffestin
é repensar o conceito de território deixado por Ratzel e pela Geografia Política Clássica.
Para o autor, as bases para a compreensão do território como uma relação do
homem com o espaço, estão no poder, como coloca, o território “(...) é o resultado de uma
ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível”
(RAFFESTIN, 1993, p. 143). Trata-se de “(...) um espaço onde se projetou um trabalho, seja
energia e informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder”
(RAFFESTIN, 1993, p. 144). Na concretização de um programa, o ator idealiza um projeto e
busca assegurar “a ligação entre os objetivos intencionais e as realizações” (RAFFESTIN,
1993, p. 145), processo que se desenrola através de embates no plano das relações sociais;
afinal, como defende Foucault (2009 b, p. 105), “(...) não há poder que se exerça sem uma
série de miras e objetivos”.
Em consonância com Foucault, Raffestin (1993) considera o poder como
consubstancial, “parte intrínseca de toda relação” (RAFFESTIN, 1993, p. 52), pois “se
manifesta por ocasião da relação” (p. 53). O poder “é um processo de troca ou de
comunicação quando, nas relações que se estabelecem, os dois polos fazem face um ao
outro ou se confrontam” (p. 52). Assim como Foucault, Raffestin (1993) admite a existência
da resistência, considerando-a como a expressão do “(...) caráter dissimétrico que quase
sempre caracteriza as relações” (RAFFESTIN, 1993, p. 52). O problema é que Foucault
(2009b) não entende as relações de poder como “uma oposição binária entre dominadores e
dominados” (RAFFESTIN, 1993, p. 104), mas como uma multiplicidade de correlações de
forças, que “se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e móveis”
(FOUCAULT, 2009b p. 104).
A partir da célebre produção Por uma geografia do poder, Claude Raffestin tem
como uma de suas finalidades romper com o pensamento da geografia política clássica,
segundo a qual o Estado é a única instituição dotada de poder. Dessa forma, Raffestan não
comete o erro de uma leitura unívoca e unilateral da realidade social, como bem coloca Kosic
(1986) na tese da pseudoconcreticidade7. Sendo assim, demonstra-se que existem outras
organizações dotadas de poder político, pois todo o conteúdo é político (GALVÃO, 2009).
7Cf. KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
[Digite aqui]
3 O TERRITÓRIO COMO CHÃO CONCRETO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Partimos da perspectiva em buscar um enquadramento teórico e operacional
relacionado a categoria analítica “território usado”, no intuito de esclarecer quais os elementos
que permitem sua instrumentalização, tanto para o planejamento como para a avaliação de
políticas públicas. É com base na reflexão conceitual posta neste artigo que se expõe as
observâncias de como o conceito de território vem sendo apropriado pelo Estado para a
determinação de espaços diferenciados de intervenção por meio de políticas públicas e quais
as principais vantagens e contradições que esta nova abordagem apresenta, dado o contexto
sociopolítico brasileiro contemporâneo. Antes disso, contudo, considera-se apontar as
determinações históricas recentes que permitiram a adoção deste conceito no campo das
políticas públicas.
A partir, da reflexão sobre a operacionalização do conceito de território no
planejamento e na Implementação de Políticas Públicas nos leva a 1962, em que, a ação
deliberada de planejamento estatal teve como marco a criação do Ministério do
Planejamento8, tendo como economista Celso Furtado, em que, suas teses serviram como
fundamentação as principais ações governamentais de planejamento econômico naquela
época e ainda persistem como referências importantes. Furtado confiava no processo político
para reverter este quadro perverso de dependência, que gerava desigualdades extremas
entre as frações do território brasileiro e era, a seu ver, responsável pelo subdesenvolvimento
do país. Por isso, a questão do desenvolvimento regional esteve fortemente presente na obra
de Furtado. Para ele, um “processo de integração teria de orientar-se no sentido do
aproveitamento mais racional de recursos e fatores no conjunto da economia nacional”
(FURTADO, 2003, p. 249).
Para a nossa reflexão que tem como base a vida social pós CF 1988, partimos da
concepção de Brandão (2007), políticas de desenvolvimento com maiores e melhores
resultados são aquelas que não discriminam nenhuma escala de atuação e reforçam as ações
multiescalares – microrregionais, mesorregionais, metropolitanas, locais, entre outras,
contribuindo para a construção de escalas espaciais analíticas e políticas adequadas a cada
problema concreto no interior de um território, referente a uma determinada comunidade, a
ser diagnosticado e enfrentado.
Alguns fatores que diferenciam as políticas públicas, entre si devem ser levadas
em consideração no planejamento e avaliação no tocante a seu objeto de tratamento
8Período que teve como presidente da República Federativa do Brasil, João Goulart.
[Digite aqui]
(Assistência Social, Saúde, Educação, habitação etc.), que as distingue enquanto políticas
setoriais de ação especificas.
Nessa concepção, as políticas se diferem pelo âmbito de sua cobertura, a ser
definida pelos gestores e organismos responsáveis, sobretudo quanto ao público a ser
envolvido, os critérios de inclusão e, em alguns casos, as localidades específicas para sua
execução. Assim, a abordagem territorial para o planejamento de políticas públicas auxilia no
entendimento dos fenômenos sociais, contextos institucionais e cenários ambientais sob os
quais ocorrerá a intervenção desejada, de maneira a propiciar meios mais acurados para a
definição de diagnósticos e alcance de metas, parcerias necessárias e instrumentos de
implementação.
Guimarães Neto (2010), afirma que as formas de concepção de políticas públicas
e de atuação governamental baseadas no território surgiu com base em vários aspectos bem
característicos do Brasil. Vejamos bem tal afirmação:
Um desses aspectos diz respeito à dimensão continental do Brasil. Este fato, associado à grande heterogeneidade e diferenciação do território passou a exigir, para ser eficaz no encaminhamento de soluções, um tratamento apropriado e adequado para os espaços diferenciados: macrorregiões, mesoou microrregiões ou territórios. Agrega-se a isso a grande desigualdade territorial do Brasil da perspectiva do desenvolvimento econômico e social, resultante de complexos processos históricos, que é hoje um dos temas da maior relevância dentro e fora da academia: a questão regional brasileira. [...] se tais desigualdades são marcantes quando se consideram as macrorregiões tradicionais (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste), mais significativas se tornam quando se desce à análise dos estados ou de microrregiões no interior do país (GUIMARÃES NETO , 2010, p. 49).
Diante do exposto, o enfoque territorial se expressa, sobretudo, no tratamento de
um nível específico da realidade e na operacionalização de algumas instâncias empíricas
fundamentais. Sabourin (2002), explica que, o planejamento das ações de Estado, sob esta
perspectiva, envolve três desafios de grande relevância na atualidade: i) estabelecer ações
que garantam uma representação democrática e diversificada da sociedade, a fim de que os
diferentes grupos de atores possam participar mais ativamente das tomadas de decisão e ter
mais acesso à informação; ii) realizar ações de capacitação junto aos atores locais para que
possa ser formada uma visão territorial de desenvolvimento, rompendo a visão setorial como
a única forma de análise; e iii) estabelecer novas formas de coordenação das políticas
públicas, no que se refere aos recursos, às populações e aos territórios, baseadas em novas
lógicas de desenvolvimento.
A abordagem territorial permitiu, ainda, o nascimento de um discurso de reva-
lorização do meio rural na definição de políticas públicas, que antes era suprimida nas ações
[Digite aqui]
de desenvolvimento regional, basicamente voltadas para a estruturação dos espaços
urbanos. Esta revalorização se deu com base em duas importantes vertentes. 1) refere-se ao
caráter multifuncional que a agricultura familiar estabelece com o território, sobre o qual o
meio rural deixa de ser entendido somente por suas características produtivas e passa a ser
valorizado também por seus aspectos sociais, culturais e ambientais, embora a atividade pro-
dutiva agropecuária permaneça como atividade nuclear de seu espaço (Maluf, 2001). Para
esta fração socioprodutiva, que se representa de modo diferenciado no território nacional, a
propriedade rural familiar, que se interconecta com outras circunvizinhas formando as
comunidades rurais, não é apenas lócus de produção, como no caso das grandes
propriedades agrícolas empresariais, mas também o território de vivência, da formação de
laços de proteção social, da reprodução cultural, e de todos os fatores materiais e simbólicos
que ratificam uma identidade própria na vida social; 2) posicionamento contrário à dicotomia
rural-urbano, que negligencia as relações sociais que são desenvolvidas na prática em
decorrência dos diversos mecanismos de integração do rural com o urbano (Abramovay,
2003; Silva, 2012). Esta interligação entre os territórios usados, com características distintas
é denominada por Favareto (2007, p. 22) de “dinâmicas territoriais de desenvolvimento”. Para
uma intervenção sobre estas dinâmicas, o autor realçou a necessidade de entender as
articulações entre suas formas de produção e as características morfológicas dos fios que
tecem a realidade social local, a partir do entendimento de suas relações de “oposição e
complementaridade”.
Concluímos através de vivências no campo das políticas públicas, a existência de
uma tendência em que tanto as políticas públicas quanto os arranjos institucionais promovidos
por elas sejam organizados em torno de questões setoriais tradicionais, o que Henriques
(2011, p. 40) chamou de “isolacionismo setorial”. Com isso, permanece a dificuldade para a
construção de programas de natureza intersetorial que dialoguem com as várias dinâmicas
(existentes ou potenciais) das economias territoriais.
4 CONCLUSÃO
O ponto de chegada de nossa reflexão, afirma e revela a nossa acepção sobre lugar
e território em plena consonância com Milton Santos, de que o lugar independentemente de
sua dimensão, constitua-se em sede da resistência da sociedade civil, mas nada impede que
aprendamos as formas de estender essa resistência às escalas mais altas.
Para isso, é indispensável insistir na necessidade de conhecimento sistemático da
realidade, mediante o tratamento analítico desse seu aspecto fundamental que é o território
[Digite aqui]
(o território usado, o uso do território). Antes, é essencial rever a realidade de dentro, isto é,
interrogar a sua própria constituição neste momento histórico. Seu entendimento é, pois,
fundamental para afastar o risco de alienação, o risco da perda do sentido da existência
individual e coletiva, o risco de renúncia ao futuro.
Milton Santos coloca que a totalidade para a compreensão da realidade deve ser
analisada, a partir de três escalas: primeira escala é a totalidade do modo de produção, o
espaço geográfico; segunda escala é a totalidade da formação socioespacial, o território
usado; terceira escala que se refere à totalidade do cotidiano, o lugar.
O lugar é onde ocorre a dialética do território entre as redes e os lugares contíguos.
Nos lugares também ocorre a dialética entre verticalidades e horizontalidades, racionalidades
e contra racionalidades, solidariedades organizacionais e solidariedades orgânicas, enfim,
entre os agentes do circuito superior que tem como base, alto grau de tecnologia, capital e
organização. De outro lado tem-se o circuito inferior com um nível menor dessas variáveis.
Tal êxito do autor demonstra que em seu pensamento não havia uma preocupação em
seguir uma corrente filosófica. Acima disso, Milton Santos procurou criar, produzir e
desenvolver um método de análise geográfico tendo como base a dialética. Ainda com toda
a complexidade em termos dos elementos que a temática envolve, a abordagem territorial traz
avanços expressivos. Estes avanços podem ser ressaltados tanto no que se refere à visão
anterior de desenvolvimento, que tinha por base as escalas macrorregionais brasileiras que
congregam uma realidade extremamente heterogênea para serem pensadas enquanto
totalidade, quanto ao espectro essencialmente municipalista, dado que os municípios são ins-
tâncias muito numerosas, além de pequenas e com estrutura precária (em sua grande
maioria).
REFERÊNCIAS
ABRAMOVAY, R. O futuro das regiões rurais. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2003.
BRANDÃO, C. Territórios com classes sociais, conflitos, decisão e poder. In: ORTEGA, A.;
ALMEIDA FILHO, N. (Orgs.). Desenvolvimento territorial: segurança alimentar e economia
solidária. Campinas: Alínea, 2007.
FAVARETO, A. Paradigmas do desenvolvimento rural em questão. São Paulo: FAPESP,
2007.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Rio de Janeiro: Vozes, 2009b.
[Digite aqui]
FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 2003.
GALVÃO, A.R.G. et al. O Território e a Territorialidade: contribuições de Claude Rafestin In
Saquet, M.A.; Souza, E.B.C. de. (Orgs.) Leituras do conceito de território e de processos
espaciais (pp.33-46), São Paulo: Expressão Popular, 2009.
GUIMARÃES NETO, L. Antecedentes e evolução do planejamento territorial no Brasil. In:
MIRANDA; C.; TIBÚRCIO, B. Políticas de desenvolvimento territorial no Brasil: avanços
e desafios. Brasília: NEAD, 2010.
HENRIQUES, R. Do olho do furacão. Revista democracia viva, n. 46, 2011.
MALUF, R. Políticas agrícolas e de desenvolvimento rural e a segurança alimentar. In: LEITE,
S. (Org.). Políticas públicas e agricultura no Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2001.
KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
KOGA, Dirce. Medidas de Cidades: Entre Territórios de Vida e Territórios Vividos. São
Paulo, Cortez Editora, 2003. 299p
OSLANDER, Ulrich. Fleshing out the geographies of social moviments: Colombia’s
Pacific coast black communities and the “aquatic space”. Political Geography, nº 23,
2004, pp 957-85.
RAFFESTIN, Claude. Por uma geografia do poder. Tradução de Maria Cecília França. São
Paulo: Ática, 1993.
RATZEL, Friedrich. Geografia do homem (Antropogeografia). In: MORAES,Antônio Carlos
R (Org.); FERNANDES, Florestan (Coord.). Ratzel. São Paulo: Ática, 1990. p 32-150. (Col.
Grandes Cientistas Sociais, 59).
SABOURIN, E. Desenvolvimento rural e abordagem territorial: conceitos, estratégias e atores.
In: SABOURIN, E.; TEIXEIRA, O. A. (Orgs.). Planejamento e desenvolvimento dos
territórios rurais. Brasília: Embrapa, 2002.
SANTOS, M. A natureza do espaço – Técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo:
Hucitec, 1996.
[Digite aqui]
SILVA, Emanuel Luiz Pereira da. Territorialidades e Proteção social: Conflitos
Socioambientais Indígenas Vivenciados na Pesca Artesanal no litoral norte da Paraíba.
229p. 2016. Tese (Doutorado em Serviço Social) – Faculdade de Ciências Sociais, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016.
SAQUET M. Os tempos e os territórios da colonização italiana, Porto Alegre: EST Edições,
2003/2001.
______. A abordagem territorial: considerações sobre a dialética do pensamento e do
território. In: SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE MÚLTIPLAS TERRITORIALIDADES, 1.,
2004a, Canoas. Anais... Canoas/Rio Grande do Sul: ULBRA/UFRGS, 2004a.
SOUZA, Marcelo Lopes de. Os conceitos fundamentais da pesquisa sócioespacial. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.
SANTOS, M. Entrevista em Caros Amigos, São Paulo, n. 17, ago 1998.
SILVA, S. P. Território e estruturas de mercado para produtos tradicionais. Revista isegoria,
v. 1, n. 2, 2012.
[Digite aqui]
NOVOS ELEMENTOS PARA PENSAR A PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA E O TRABALHO
SOCIAL COM FAMÍLIAS NO TERRITÓRIO DE VIVÊNCIA NA REGIÃO NORDESTE.
Alice Dianezi Gambardella9
Marinalva de Sousa Conserva10
RESUMO: A Vigilância Socioassistencial e o desenho de bons
diagnósticos são essenciais como ponto e partida para a
interveniência governamental na gestão e operação do trabalho
social com famílias no território de vivência. As demandas e
necessidades sociais relatadas pelas famílias que aderem ao
Paif são matéria-prima para o serviço, mas, ainda assim,
procuramos evidenciar novos elementos que possam contribuir
para a afiança da proteção social a partir das características dos
territórios e traços culturais praticados pelas famílias.
Palavras-chave: avaliação de políticas públicas, proteção social
básica, trabalho social, território de vivência, Paif.
ABSTRACT: Socioassistential monitoring and the design of
diagnoses are essential to improve the governmental
intervention in the management and operation of social work with
families, in your living area. The demands and social needs
reported by the families, that adhere to the Paif, are an essential
product for the public service, but, nevertheless, we try to
evidence new elements that can contribute to the assurance of
social protection, from the cultural tradition practiced by the
families in the territories of life.
Keywords: public politics evaluation, social protect, social work,
space of life, Paif.
9 Doutora em Serviço Social, Políticas Sociais e Movimentos Sociais pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo (PUSP).Pós-doutoranda no Programa PNDP/Capes/PPGSS/UFPB. 10Professora do curso de Graduação e de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba,
João Pessoa/PB,.Doutora em Serviço Social pela UFRJ. Pós doutora em Serviço Social pela PUC-SP.
[Digite aqui]
1 INTRODUÇÃO
O artigo em voga foi elaborado a partir de desdobramentos e acúmulo e experiências
de trabalho de campo de caráter nacional, no âmbito do Serviço de Atenção Integral à Famílias
(PAIF) realizada no ano de 2018.11 Certamente um estímulo para desencadear novas
perspectivas de estudos e pesquisas de âmbito acadêmico a fim de serem partilhadas e
somadas a outros estudos acerca desta temática que pesquisadores têm investigado Brasil
afora.
Partimos da compreensão de que a Proteção Social Básica (PSB) configura-se como
o centro articulador e estruturante da Política de Assistência Social, quando se pensa na
prevenção das diversas situações a que os indivíduos podem vivenciar nos seus territórios de
convívio, e também, o campo da provisão do fortalecimento do bem-estar individual e familiar.
Como nos informa a Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004, p.33), ela tem como
objetivo “prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e
aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários”. Sendo destinada em sua
essência “à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza,
privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e,
ou, fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social (discriminações
etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras)”.
O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), inaugurado pela
PNAS (2004), consolida-se a partir da Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais
em 2009, reconhecendo que “as vulnerabilidades e riscos sociais, que atingem as famílias,
extrapolam a dimensão econômica, exigindo intervenções que trabalhem aspectos objetivos
e subjetivos relacionados à função protetiva da família e ao direito à convivência familiar”
(BRASIL, 2012, p. 09-10). O PAIF, se constitui, portanto, na porta de entrada de atenção
primária e de caráter continuado, ofertado no CRAS, cujo principal função é de fortalecimento
do papel protetivo das famílias, de maneira que sejam protagonistas sociais, de modo tal
sociais e capazes de responder pelas atribuições de sustento, guarda e educação de suas
crianças, adolescentes e jovens, bem como de garantir a proteção aos seus demais membros
em situação de dependência, como idosos e pessoas com deficiência, como prevê a
Constituição Federal (MDS, 2012).
Assim, o PAIF é basilar para o fortalecimento da PNAS como política pública, dever
do Estado e direito de cidadania que, além de enfrentar riscos sociais, atua na sua prevenção.
11 A pesquisa “Aprimoramento do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF -, a partir da identificação, sistematização e análise de práticas metodológica de trabalho social com famílias” foi desenvolvida no âmbito do JOF: 0292/31278/2017, PNUD, 2018.
[Digite aqui]
Inova ao materializar a centralidade e responsabilidade do Estado no atendimento e o
acompanhamento das famílias, de modo proativo, protetivo, preventivo e territorializado,
assegurando o acesso a direitos e a melhoria da qualidade de vida. Nesta direção, partimos
das seguintes premissas:
▪ O trabalho social com famílias supõe, portanto, a produção de um saber-fazer, construído
e partilhado no coletivo de redes colaborativas presentes no território de vivencia; supõe
ainda, a existência de relações e vínculos horizontais que dialoguem com os agentes e
famílias no território, numa dimensão de trocas de saberes interdisciplinares e
colaborativos.
▪ O trabalho social com famílias exige permanente processo de formação que qualifique a
análise de práticas - individual e coletivas. O que demanda à necessidade constante de
estudos que possibilitem elucidar caminhos e estratégias metodológicas em torno do
trabalho social no âmbito da Proteção Social Básica, frente ao cenário de dilemas e
desafios dos fluxos e processos em escala do cotidiano da gestão do território e das
cidades;
▪ O trabalho social não começa a partir da técnica ou do técnico, mas se constrói à medida
que as trajetórias de vida se encontram e indicam pontos em comum, que se conectam a
determinantes econômicos, políticos, sociais, culturais;
▪ Cabe ainda o registro que ainda prevalece uma desvinculação entre o trabalho social e a
luta pela sobrevivência cotidiana dessas famílias, que ainda são vistas pela composição
de sujeitos de direito, cidadãos possuidores de história, trajetórias de vida.
Portanto, partimos da hipótese de que um dos fatores elementares para a identidade
e o fortalecimento de vínculos interpessoais se dá pelas mediações sócio culturais que
configura expressão primeira de pertença ao grupo, ao território; assim como, para as
crianças, a socialização se perfaz pela sua família e costumes.
Considera-se ainda que, quanto maior a razão de dependência apresentada num
determinado espaço, maior deveria ser a atenção diferenciada para trata-lo com a finalidade
de garantir-lhe equidade frente aos demais. Nesse sentido é pressuposto dado que o território
se constitui como “o chão das políticas públicas” – lugar em que o onde (se realiza) faz
diferença! Nessa perspectiva, o território é um determinante na gestãoda proteção social
básica, que incide diretamente na gestão municipal, responsável pela oferta de serviços na
rede socioassistencial.
Outra importante dimensão a ser contemporizada se refere aos mecanismos de
avaliação de municípios e serviços a serem contemplados pelos governos Federal e
Estaduais com co-financiamento e repasses dos recursos para o funcionamento dos mesmos.
[Digite aqui]
Entre eles destacam-se o Índice de Gestão Descentralizada (IGD) e o Indicador de
Desenvolvimento do Centro de Referência de Assistência Social (IDCRAS).Ressalta-se que
o PAIF é realizado no âmbito da proteção social básica do município, mediante repasses para
o co-financiamento do serviço no bloco da proteção básica, embora nem todos os serviços
sejam, necessariamente, co-financiados pelos demais entes.
Mas a perspectiva financeira pautada nos índices supracitados não detém conteúdos
acerca da qualidade dos serviços, tão pouco da satisfação de seus usuários, sobremaneira,
das condições objetivas para oferta do serviço (recursos humanos, orçamentários,
infraestruturais etc.), assim como atenuam a relação do cidadão com o seu território. Nesse
sentido, há que se investigar outros elementos que possam abarcar subjetividades acerca da
atuação dos trabalhadores do SUAS, das famílias, do território, sem perder a essencialidade
para atuação em standards do sistema único de alcance nacional.
A PSB está atenta em contribuir com a “inclusão e a equidade dos usuários e grupos
específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais,
em áreas urbana e rural”. PNAS (2004:33). Nessa perspectiva de ampliar a capacidade da
política de adentrar ao chão, ao território de vivência das famílias, o II Plano Decenal da
Assistência Social (2016-2026), classificou os grupos específicos em um conjunto de 15
segmentos, a saber: indígenas; quilombolas; ciganas; comunidades de terreiro; extrativistas;
pescadores artesanais; ribeirinhas; assentadas da Reforma Agrária; acampadas rurais;
agricultores familiares; beneficiárias do Programa Nacional de Crédito Fundiário; atingidas por
empreendimentos de infraestrutura; de presos do sistema carcerário; de catadores de material
reciclável; pessoas em situação de rua; muito embora o Censo CRAS (2018) ainda atenha-se
a classificação de 6 grupos, a saber: quilombolas, indígenas, ribeirinhos, ciganos, de matriz
africana e de terreiro, extrativistas e outros.
Portanto, é a partir da presença dos grupos específicos que esta investigação
procurou contribuir com a análise dos serviços de proteção social ofertados localmente.
Aproximando a escola de pensamento que trata dos direitos humanos pelo prisma do
multiculturalismo e interculturalidades e o saber fazer dos serviços de proteção social
territorializados.
Essa vertente acadêmica é defendida por pesquisadores como Boaventura (2009)e
outros que juntos assumiram pensar o valor do território e das práticas culturais presentes,
aos saberes fincados no território de vivência das famílias, no caso em voga, que chegam ao
CRAS, ao PAIF. São expressivos ainda os pesquisadores que compreendem o CRAS como
um instrumento da política pública para meiação com os cidadãos, muitos associados a escola
de pensamento fundada pela Gestão Social; gestão esta que poder vir a ser mediada por
[Digite aqui]
governos ou sociedade civil, se perfazendo pelo respeito às práticas e culturas sociais, muitas
vezes, de ordem ancestral, mas também culturalmente demarcada pelo meio, numa gestão
compartilhada e horizontalizada entre os atores envolvidos. Entre outras perspectivas,
salvaguardamos a de Araújo: “trata-se de uma modalidade [de gestão] que pressupõe um
humanismo radical, criatividade e ética. Enquanto objeto social para lidar com as
contingências entre o público e o privado na consolidação das democracias (...)”. (ARAÚJO,
2014, pg. 88).
Poderíamos ainda mencionar a psicologia do ambiente, que nas palavras de Ribeiro
(2018) possibilitam
Uma análise ampliada sobre as relações das pessoas com um dado espaço territorial (...) permite reconhecer como os indivíduos compreendem suas crenças, afetos, significados, forma de apropriação dos espaços, sinais de pertencimento e/ou desenraizamento ao lugar (...), levando em conta aspectos sociopolíticos, socioeconômicos, culturais e contextuais. (RIBEIRO, 2018, p.46).
Portanto, há um acúmulo tendo sido produzido em diversas áreas do conhecimento,
não apenas circunscrito ao Serviço Social, que aportam recursos valiosos para os estudos e
pesquisas que, como este, pretendem agregar novos elementos para re-qualificar o trabalho
social com famílias em seu território de vivência.
2 MÉTODOS E TÉCNICAS
A investigação deste objeto se sustentou em dados primários e secundários, a fim
de compor uma parte dos instrumentos que avaliam a PSB, a partir da construção de um
mosaico de elementos combinados por meio da operação dos CRAS, do PAIF e do território
de vivência das famílias que se utilizam do serviço em voga.
A estratégia diferencial da investigação foi a de analisar a presença versus ausência
de povos tradicionais entre os municípios da região metropolitana das capitais nordestinas,
com território contíguo à capital. Ao todo o estudo versou sobre um conjunto de 62 municípios.
O estudo versou essencialmente na Região Nordeste do país, sobretudo na atenção
as áreas de alcance da região metropolitana das capitais (vide Imagens 1-9), com recorte
daqueles municípios circunvizinhos de territorialidade contigua à capital. A exceção foram as
regiões metropolitanas de Salvador e São Luís do Maranhão, que embora constituam um
grupo de municípios que exercem influências entre si, não necessariamente são território
contíguos, mas com separação territoriais impostas pela natureza da sua geografia (cercadas
por mar, rios e ilhas). Ressalta-se que entre as capitais nordestinas, a única que não está
localizada pela cercania do mar é Teresina, capital do Piauí.
[Digite aqui]
Imagem 1 a 9 – Mapas das Regiões metropolitanas das capitais nordestinas, com
destaque para os municípios selecionados para o estudo.
Salvador/BA Aracajú/SE Maceió/AL
Recife/PE João Pessoa/PB Natl/RN
Fortaleza/CE Teresina/PI Maranhão/MA
Fonte: elaboração própria, com auxílio do Google Maps, 2019.
Utilizamos o software Excel como auxílio para análise e tratamento de dados
secundários coletados nas seguintes fontes: Ministério da Cidadania e antigo Ministério do
Desenvolvimento Social, IBGE e IPEA.
Finalmente, adotou-se uma análise crítica acerca das diversidades socioterritoriais e
suas implicações na oferta e relatividade impostos aos serviços de proteção social na Região.
3 DISCUSSÕES
Nem sempre as áreas de abrangência dos CRAS abarcam grupos específicos,
contudo, já é uma tônica a quantidade absoluta de serviços que atuam com grupos específicos
com características diversas, seja pela presença do equipamento no território seja pela
atuação de equipes volantes que transitam pelo território.
[Digite aqui]
Gráfico 1 – Evolução de CRAS atuando com grupos específicos no Brasil, 2015-2018.
Fonte:elaboração própria, baseado em MDS/Censo SUAS, 2018.
Entre os anos de 2015 e 2018 este incremento foi de 1234 serviços incorporando o
trabalho social com famílias caracterizadas por uma especificidade. As maiores expressões
dos grupos específicos são de característica quilombola (25,99), seguidos dos povos
indígenas e ribeirinhos (17,71 e 16,89 respetivamente), os grupos de ciganos (13,92), de
matriz africana e de terreiros (9,53) e extrativistas (5,86) também estão presentes no território
nacional, mas com menores expressões.
Gráfico 2 – Proporcionalidade de Grupos específicos atendidos em CRAS no Brasil, 2018.
Fonte:elaboração própria, baseado em MDS/Censo Suas, 2018.
Ainda há uma expressão de 10,13% de grupos de outra natureza não descrita no
CensoSUAS (MC, 2018), conforme observado no Gráfico 2.
O apontamento descoberto neste estudo foi a discrepante incidência da presença de
CRAS atuando com grupos específicos entre as Regiões brasileiras. A região Nordeste detém
praticamente o dobro de serviços com essa prática interventiva, somando 41,99% da
totalidade. Soma-se a este, por exemplo, a desvinculação da Razão de Dependência aos
indicadores sintéticos apropriados pelo Governo, para transferência de recursos, ou similares
[Digite aqui]
como o Índice de Desenvolvimento Humano, Índice de Gini, entre outros com algum grau de
correlação socioterritorial agregada.
Se consideramos a proporcionalidade entre a presença de CRAS versus a presença
de CRAS atuando com grupos específicos essa expressão recairia sobre as regiões Norte e
Centro-oeste com 48,87% e 48,54% respectivamente. O Nordeste vem em sequência com
uma proporcionalidade de 36,94 serviços atuando com grupos específicos.
Tabela 1 – Proporcionalidade de CRAS atuando com grupos específicos por Região do
Brasil, 2018.
Fonte:elaboração própria, baseado em IBGE (2019) e MDS (2014).
Outra importante referência regional recaí sobre a Razão de Dependência, que
correlaciona o peso da população considerada dependente/inativa, com idades entre 0 e 14
anos e maiores de 65 anos, frente a população potencialmente ativa, com idades entre 15 a
64 anos. A tabela 1, demonstra tamanha expressividade dessa taxa no Brasil, mas, as regiões
Norte (69,0%) e Nordeste (62,6) as únicas que superam a média nacional.
Uma análise amiúde das Regiões Metropolitanas que compreendem a capital dos
Estados do Nordeste explicita ainda uma forte presença de grupos específicos, destacando
sua presença, inclusive, nas capitais de Estado, como observado nos municípios de Teresina
(com 100% dos CRAS atuando com grupos específicos), São Luís (65%) e João Pessoa
(54%). Nas demais capitais há presença de serviços atuando com grupos específicos, mas
atuando em menor proporção; com exceção de Recife e Natal, que não indicaram atuar com
grupos desta natureza.
Brasil e
Regiões
Proporcionalidade de
CRAS atuando com
grupos tradicionais
versus a presença de
CRAS na Região
Razão de
dependênciaTaxa de Urbanização
(1)
NA % NA % NA % % %
Norte 12.342.627 7,46 302 12,98 618 7,50 48,87 69
Nordeste 46.995.094 28,42 977 41,99 2.645 32,10 36,94 62,6
Sudeste 70.190.565 42,44 447 19,21 2.843 34,50 15,72 49,9
Sul 24.546.983 14,84 301 12,94 1.516 18,40 19,85 51,6
Centro-Oeste 11.296.224 6,83 300 12,89 618 7,50 48,54 52,3
Brasil 165.371.493 100,00 2.327 100,00 8.240 100,00 _ 55,5
Presença de CRAS atuando
com grupos tradicionais
(específicos)
% CRAS no Brasil
2016Projeção da população total
[Digite aqui]
Gráficos 3 a 11 – Presença de CRAS atuando com Grupos Específicos em municípios da
região metropolitana de capitais da Região Nordeste, 2018.
Fonte: Elaboração própria, baseada em MDS/Censo SUAS, 2018.
[Digite aqui]
A priorização de dados de conteúdo mais qualitativo e territorializado, como são os
serviços que atendem grupos tradicionais (específicos), demonstrou-se estratégico para
pensar a proteção social e o território de vivência e, sobretudo, para uma atenção diferenciada
e própria para o trabalho social com famílias no território de vivência.
As capitais de Estado e suas respectivas regiões metropolitanas, são verdadeiras
áreas de conurbação de cidades, cada vez mais urbanas e complexas, que exercem
influências entre si, sobretudo, pela regência de ordem econômica que propagam.
Nesse sentido, observar a presença de grupos tradicionais em capitais de Estado é
uma informação altamente relevante, no sentido de desvelar a força das tradições culturais
frente às imposições individualistas e fluidas que caracterizam os centros uranos das grandes
cidades e metrópoles, normalmente caracterizados por grupos específicos formados por
atingidos por empreendimentos de infraestrutura;por presos do sistema carcerário;por
catadores de material reciclável;por pessoas em situação de rua, por exemplo.
Ademais, é forçoso registrar que os dados são uma proxy da realidade e não a
realidade em si, portanto, não significa que os grupos tradicionais tenham sido extintos ou
“mudado de lugar” (indígenas, ribeirinhos, quilombolas etc.). Nesse sentido, o dado é ainda
mais valioso, pois ressalta a hipótese de que eles podem estar aonde sempre estiveram, mas
o trabalho social na ponta ainda não os tenha identificado, portanto, um elemento a ser
pautado com diferentes estratégias, pela vigilância social in loco.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Avaliação das políticas públicas é uma tônica para assegurar maior efetividade dos
serviços públicos à população, menor custo-benefício para alcance de resultados eficientes
e, portanto, com vistas a gerar alterações da realidade social e dos cidadãos no seu território
de vivência.
O estudo revelou que os indicadores de monitoramento da PSB (IDCRAS e IGD)
são frágeis para representar características, perfil e performance na oferta de seguranças e
de direitos cabidos e esperados neste âmbito de proteção (básica), na medida em que ater-
se sobre a presença de CRAS atuando com grupos específicos/tradicionais, não basta para
reorientar as premissas do trabalho social com famílias no território – aonde há de fato um
grupo, uma cultura – mas é um caminho que parece promissor.
Na historiografia do Brasil já são conhecidos os dados que mostram que a população
do Nordeste foi “relegada à própria sorte por muito tempo”, por projetos políticos que
[Digite aqui]
privilegiavam o desenvolvimento de determinadas regiões em detrimento do
subdesenvolvimento de outras. Os traços desse processo histórico de esquecimento
acompanham os movimentos de desenvolvimento, principalmente por meio de práticas que
carregam “vícios” e se enraizaram, consolidando uma cultura política equivocada.
Ao mesmo tempo, não se pode negar a riqueza e o potencial de inovação, das
manifestações culturais, da arte, das reservas naturais entre outras, detém sobre a relação
de vida no território de vivência e, portanto, na relação de pertença social que a Região
Nordeste apresentou.
Portanto é forçoso reiterar a urgente readequação dos instrumentos da política
pública de assistência social, a fim de proteger os vínculos primários de proteção social – que
antecedem a presença do Estado – e são imprescindíveis para dar concretude e maximizar
os resultados do trabalho social com famílias no seu território de vivência.
Reitera-se que o planejamento e o financiamento são ferramentas para
sustentabilidade da gestão municipal, do CRAS e do PAIF. Embora ainda pouco dominados
na sua vinculação com as peças orçamentárias, conseguem, incrivelmente, suprimir e
prevalecer sobre o teor do serviço propriamente dito, sobre a clareza acerca de suas funções,
de suas responsabilidades e resultados locais. É duro observar o governo engessado num
modus operandi pouco claro, por vezes duvidoso, que não desvela elementos que nos
permitam responder, a final, em que medida o PAIF tem contribuído para o fortalecimento da
Proteção Social Básica no território?
O domínio da vigilância socioassistencial é uma via que precisa ser absorvida em
todos os níveis da gestão da PSB. A partir do manejo dos dados foi possível identificar quão
rico e precioso são os territórios que abrigam e alimentam culturas ancestrais que conferem
identidade ao indivíduo e seu grupo por sobre o território vivido, endossando os princípios da
psicologia ambiental. Quanto devem ser protegidos esses vínculos de proteção vicinais
primevos que mal se expressam nas demandas sociais? Como podem os indicadores de
monitoramento parecerem fadados à lógica tosca de justeza monetária se não são expressos
os vínculos de proteção social da rede primária das famílias no território, pela sua cultura e
pertença?
Talvez seja correto inferir que levantamos mais dúvidas do que respostas, mas esse
passo é irrefutável para salvaguardarmos qualidade princípios para re-orientar o trabalho
social com famílias no Nordeste; para a proteção dos traços culturais que são a sua maior
riqueza, ainda que num contexto socioeconômico absolutamente fragilizado pela sua história
e pelas permanências socioeconômicas desta história. Essa é uma tônica que cunhou o Norte
e o Nordeste do país – e será por esse mesmo motivo, a justificativa para avançarmos na luta
[Digite aqui]
por prioridade e equidade na distribuição de recursos governamentais para promoção e
proteção social de nossos povos.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, E.T. Gestão Social. In: BOULLOSA, Rosana de Freitas (org.). Dicionário para a formação em gestão social. Salvador: CIAGS/UFBA, 2014. P.85-90. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Artigo 20. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB-SUAS). Brasília, DF, 2012. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social, PNAS/2004. Brasília, MDS, 2005.
______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais. Brasília, DF, 2014 (reimpressão) . ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.Contribuições para o Aprimoramento do PAIF: Gestão, família e território em evidência. Consulta pública entre 30 jan. 2019 e 18 de mar de 2019. Brasília, 2018. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.Censo SUAS 2015-2018. Brasília, 2018. Consulta em 25 de abr. de 2019. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.Orientações Técnicas da Vigilância Socioassistencial. Brasília, 2013. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.Caderno de Orientações sobre o Índice de Gestão Descentralizada do Sistema Único de Assistência Social - IGDSUAS. Brasília, 2012. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais. Divisão de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica. Projeto UNFPA/BRASIL (BRA/98/P08) - Sistema Integrado de Projeções e Estimativas Populacionais e Indicadores Sócio-demográficos. IBGE, 2018. RIBEIRO, E.M. Indivíduo e Contemporaneidade. Universidade Federal da Bahia, Escola de Administração, Gestão do Desenvolvimento Territorial. Salvador, 2018. SANTOS, B.S. Direitos Humanos: o desafio da interculturalidade, In Revista de Direitos Humanos, n. 2, nov. de 2009. Acesso em 22 de abr. de 2019.