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[Digite aqui] MESA TEMÁTICA COORDENADA/MTC: PROTEÇÃO SOCIAL ANTE O AVANÇO DO CONSERVADORISMO NO BRASIL E OS DESAFIOS DO TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NOS TERRITÓRIOS DE VIVÊNCIAS EMENTA Análise da complexidade de implementação da Proteção Social pós-2016 no Brasil, visando assegurar direitos no âmbito de um movimento conservador sustentado em preceitos fundamentalistas que postulam a redução da intervenção do Estado e o desmonte da proteção social. Com base em pesquisa bibliográfica e de campo realizadas nas regiões norte e nordeste, aborda elementos de como nesse contexto, elementos conservadores presentes na trajetória histórica da Assistência Social tendem a ser reforçados. Por outro lado, numa outra perspectiva, realiza abordagem acerca da proteção social a partir de análises advindas de experiências de trabalho de campo na região nordeste, no âmbito do Serviço de Atenção Integral à Famílias (PAIF) realizadas no ano de 2018. Tal abordagem adota o território como ponto de partida e expressão das desigualdades econômicas e socioespaciais, o que demanda elementos relacionados à configuração de grupos tradicionais, territórios e territorialidades diversas a serem incorporados no trabalho social com famílias. INTEGRANTES DA MTC: Alice Dianezi Gambardella. Doutora em Serviço Social, Políticas Sociais e Movimentos Sociais pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo (PUSP). Pós-doutoranda no Programa PNDP/Capes/PPGSS/UFPB. Cleonice Correia Araújo. Doutora em Políticas Públicas. Professora Associada/DESES/UFMA Emanuel Luiz Pereira da Silva. Professor Adjunto do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba (DSS/UFPB). Vice-Líder do Núcleo de estudos em Políticas Sociais NEPPS/UFPB. Maria do Socorro Sousa de Araújo (Coordenadora da MTC). Doutora em Políticas Públicas. Professora Associada na Universidade Federal do Maranhão, com exercício na graduação em Serviço Social e no PPGPP/UFMA Marinalva de Sousa Conserva. Profa. Associada da Universidade Federal da Paraíba; Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFPB e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Politicas Sociais

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MESA TEMÁTICA COORDENADA/MTC:

PROTEÇÃO SOCIAL ANTE O AVANÇO DO CONSERVADORISMO NO BRASIL E OS

DESAFIOS DO TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS NOS TERRITÓRIOS DE VIVÊNCIAS

EMENTA

Análise da complexidade de implementação da Proteção Social pós-2016 no Brasil, visando assegurar direitos no âmbito de um movimento conservador sustentado em preceitos fundamentalistas que postulam a redução da intervenção do Estado e o desmonte da proteção social. Com base em pesquisa bibliográfica e de campo realizadas nas regiões norte e nordeste, aborda elementos de como nesse contexto, elementos conservadores presentes na trajetória histórica da Assistência Social tendem a ser reforçados. Por outro lado, numa outra perspectiva, realiza abordagem acerca da proteção social a partir de análises advindas de experiências de trabalho de campo na região nordeste, no âmbito do Serviço de Atenção Integral à Famílias (PAIF) realizadas no ano de 2018. Tal abordagem adota o território como ponto de partida e expressão das desigualdades econômicas e socioespaciais, o que demanda elementos relacionados à configuração de grupos tradicionais, territórios e territorialidades diversas a serem incorporados no trabalho social com famílias.

INTEGRANTES DA MTC:

Alice Dianezi Gambardella. Doutora em Serviço Social, Políticas Sociais e Movimentos Sociais pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo (PUSP). Pós-doutoranda no Programa PNDP/Capes/PPGSS/UFPB. Cleonice Correia Araújo. Doutora em Políticas Públicas. Professora Associada/DESES/UFMA Emanuel Luiz Pereira da Silva. Professor Adjunto do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba (DSS/UFPB). Vice-Líder do Núcleo de estudos em Políticas Sociais NEPPS/UFPB. Maria do Socorro Sousa de Araújo (Coordenadora da MTC). Doutora em Políticas Públicas. Professora Associada na Universidade Federal do Maranhão, com exercício na graduação em Serviço Social e no PPGPP/UFMA Marinalva de Sousa Conserva. Profa. Associada da Universidade Federal da Paraíba; Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFPB e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Politicas Sociais

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ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO POLÍTICA PÚBLICA: dilemas para assegurar direitos ante

o movimento de avanço do conservadorismo

Cleonice Correia Araújo1

Maria do Socorro Sousa de Araújo2

RESUMO: O presente artigo apresentado à XIX JOINPP traz

reflexões acerca da complexidade da Política de Assistência

Social no contexto da ofensiva liberal conservadora no Brasil.

Analisa os dilemas que envolvem a implementação de uma

Política que busca assegurar direitos no âmbito de um

movimento conservador sustentado em preceitos

fundamentalistas que postulam a redução da intervenção do

Estado na proteção social. A análise aqui apresentada se orienta

pela compreensão de que o desmonte da proteção social integra

um processo de aprofundamento da pobreza e das

desigualdades sociais ancorado nas determinações da

acumulação do sistema capitalista no atual contexto de crise.

Palavras-chave: Assistência Social,Direitos Sociais,

Conservadorismo.

ABSTRACT:.This article presented to XIX JOINPP brings reflections about the complexity of the Social Assistance Policy in the context of the liberal conservative offensive in Brazil. It analyzes the dilemmas that involve the implementation of a Policy that seeks to secure rights within a conservative movement based on fundamentalist precepts that postulate the reduction of state intervention in social protection. The analysis presented here is guided by the understanding that the dismantling of social protection integrates a process of deepening poverty and social inequalities anchored in determinations of the accumulation of the capitalist system in the current context of crisis. Keywords: Social Services, Social Rights, Conservatism.

1 Doutora em Políticas Públicas UFMA, Professora Associada no Departamento de Serviço Social. da Universidade Federal do Maranhão. Integrante do GAEPP (Grupo de Estudo e Avaliação da Pobreza e das Políticas Direcionadas à Pobreza) 2 Doutora em Políticas Públicas UFMA, Professora Associada no Departamento de Serviço Social da Universidade

Federal do Maranhão. Integrante do GAEPP (Grupo de Estudo e Avaliação da Pobreza e das Políticas Direcionadas à Pobreza) e do Grupo Estado multicultural e políticas públicas: [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

O presente artigo foi elaborado a partir do projeto de pesquisa AVALIANDO A

IMPLEMENTAÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NA REGIÃO NORTE

E NORDESTE: significado do SUAS para o enfrentamento à pobreza nas regiões mais pobres

do Brasil, que tem como objeto de investigação a Política de Assistência Social (PAS) nas

regiões Norte e Nordeste, especificamente no que se refere à implementação do Sistema

Único de Assistência Social (SUAS). No processo de investigação foram consideradas as

seguintes dimensões: análise crítica do conteúdo, dos fundamentos e da percepção que os

sujeitos diretamente envolvidos na implementação do SUAS têm sobre a Política Nacional de

Assistência Social (PNAS) e o SUAS; e Investigação sobre a implementação do SUAS em

uma amostra intencional das Regiões Nordeste e Norte do Brasil, constituída pelos estados

do Maranhão, Ceará e Pará, incluindo uma amostra representativa constituída no total por 18

municípios, incluindo as capitais de cada estado. Buscamos verificar como está sendo feita a

implementação do SUAS no âmbito dos CRAS, dos CREAS e dos Centros POP, nos

municípios selecionados, sendo que no presente texto analisaremos dados referentes à

pesquisa de campo realizada no Maranhão.

E ainda, as reflexões ora apresentadas foram inseridas no contexto de uma

investigação complementar, em decorrência da necessidade de analisar a Política de

Assistência Social na atual conjuntura econômica, política e social, considerando o processo

de desmonte da proteção social brasileira, as contrarreformas em curso, e o consequente

desmonte de direitos ante a ofensiva liberal conservadora após o golpe desferido no ano de

2016. Em termos de procedimentos de pesquisa para contemplar esta dimensão específica

do estudo, realizamos revisão bibliográfica do tema e análise de documentos recentes que

dizem respeito a Política de Assistência Social no Brasil. Foram, ainda, desenvolvidas

entrevistas com os gestores da PAS dos três Estados da região Norte e Nordeste (Pará,

Maranhão e Ceará) e os gestores municipais das três capitais que integram a amostra da

pesquisa empírica, quais sejam: Belém, São Luís e Fortaleza. Foram ainda coletados

depoimentos de sujeitos, estudiosos e usuários engajados na Política em âmbito nacional.

Com esses informantes procurou-se identificar possíveis rebatimentos da conjuntura brasileira

recente na Política de Assistência Social e na implementação do SUAS.

Neste sentido, o artigo aborda o processo histórico de constituição da Política de

Assistência Social e do Sistema Único de Suas a partir do marco regulatório da Constituição

Federal de 1988 até o contexto atual na realidade socioeconômica e política no Brasil, focando

a análise no movimento de (des)construção que se acelera após o golpe de 2016 e a eleição,

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no ano de 2018, de um governo identificado com ideais neofacistas e sustentado pelo projeto

liberalconservador.

Pensar a Política de Assistência Social e o Suas nesse movimento assume

centralidade, considerando a sua complexidade e as perspectivas em disputa no âmbito da

Política, sendo uma que busca afirmar a assistência social como política pública, direito do

cidadão e dever do Estado, como preconiza a Loas no seu artigo primeiro, e outra que

reproduz o legado conservador constitutivo da trajetória histórica dessa Política expresso em

práticas marcadas pelo improviso, pela precarização e caráter emergencial. É importante

atentar que a ofensiva liberal conservadora que se destaca e se reatualiza, se objetiva

também nas políticas sociais, e, nesse contexto, elementos conservadores presentes na

trajetória histórica da Assistência Social tendem a ser reforçados.

Consideramos que a construção da Assistência Social como política integra o

processo de construção histórica da proteção social brasileira. O padrão brasileiro de

intervenção do Estado no âmbito da proteção social compõe uma trajetória de contradições

e limites que conformaram e sustentaram um padrão caracterizado por respostas

fragmentadas às demandas sociais, pautado no princípio do mérito a partir da posição

ocupacional no âmbito da estrutura produtiva, e incipiente no que diz respeito à abrangência

e cobertura da sua população.

Esse padrão expressa o enfrentamento da questão social em um contexto com

peculiaridades estruturais e conjunturais históricas típicas de um desenvolvimento econômico

e político de uma sociedade de capitalismo periférico e tardio. O sistema de proteção social

brasileiro se desenvolveu, portanto, com traços conservadores, paternalistas, configurando-

se insuficiente, incompleto ou até mesmo perverso, demonstrando as debilidades e

fragilidades tanto do processo econômico, quanto organizativo, marcado pela cultura do

autoritarismo e do favor na medida em que a relação entre a sociedade e a burocracia estatal

era fortemente mediada pelo clientelismo, ainda persistente na sociedade brasileira.

A ofensiva conservadora reatualizada e metamorfoseada apresenta-se como

estratégia das classes dominantes de sustentação do sistema capitalista no contexto atual de

crise, desmontando o sistema de proteção social e os direitos sociais em favor de uma

sociedade regulada por um mercado absoluto, sem limites, cabendo ao Estado assegurar as

condições para a primazia desse mercado, e ainda, “(...) a função coercitiva de reprimir

violentamente todas as formas de contestação à ordem social e aos costumes tradicionais”

(Barroco, 2015, p.625).Acrescenta-se a isso uma “campanha escancarada de defesa da

militarização da vida social, do armamento, do rebaixamento da maioridade penal e da pena

de morte no Brasil” (BARROCO, 2015, p. 626). Isto significa a instituição de um Estado policial,

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violento, bem como a retomada do enfrentamento das expressões da questão social como

caso de polícia, reforçada pela moralização, pela ordem, pela repressão em favor da defesa

das liberdades individuais e da propriedade privada.

O avanço e explicitação do pensamento conservador articulado a estratégias que,

em geral, se contrapõem à configuração do Estado Democrático de Direito, seguem em

paralelo ao aumento da pobreza e da desigualdade social. Em decorrência desse avanço

destaca-se a compreensão da questão social e suas expressões como resultantes de

desagregações individuais e morais conformando uma (i)racionalidade que veicula a

naturalização da questão social e ofuscamento das suas determinações socioeconômicas.

A ofensiva conservadora, sua disseminação ideológica contribuem para a

instituição de uma sociabilidade regida pela violência social. Com o suporte das mídias

dominantes, expressões da questão social tendem a ser tratadas como casos de polícia

incentivando-se, não a resolução coletiva dos problemas, como seria esperado, mas, explícita

ou subliminarmente, a culpabilização dos mais afetados, no caso os trabalhadores pobres.

Trata-se do reforço de estratégias de controle da vida cotidiana dos trabalhadores pobres com

a evocação do Estado policial ante a incapacidade de enfrentar a pobreza e a desigualdade

pela via da proteção social.

As reflexões aqui desenvolvidas, com base em pesquisa de campo, documental e

bibliográfica, buscam responder a uma questão central: como se articulam,no atual contexto,

a implementação da Assistência Socialcomo política pública que objetiva assegurar direitos

sociais e o avanço do conservadorismo na particularidade da sociedade brasileira?

2 A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: trajetória de avanços e recuos a partir da

constituição federal de 1988

A Constituição Federal de 1988, decorre de um processo historicamente

construído a partir da luta de diferentes grupos e sujeitos sociais pela institucionalização da

proteção social como responsabilidade estatal. Expressa ideais universalistas articulados a

uma ideia ampliada de cidadania, em busca da expansão da cobertura de políticas sociais no

que diz respeito ao usufruto de bens e serviços socialmente produzidos, garantias de renda e

equalização de oportunidades na perspectiva de superar um sistema excludente e não

distributivo marcado pelo autofinanciamento buscando assim ampliar à noção de Proteção

Social.

Essa Constituição configura-se, como referência legal para consolidação da

Assistência Social como política pública no âmbito da proteção social e estabelece duas

diretrizes que orientam a organização da Política de Assistência Social, inscritas no art. 204º

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da CF de 1988: I – A descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as

normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às

esferas estadual e municipal, bem como às entidades beneficentes e de assistência social; e,

II – A participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação

das políticas e no controle das ações em todos os níveis.

O Sistema de Proteção Social brasileiro assume contornos diferenciados (pelo

menos no aspecto formal-legal) mediante a introdução de dispositivos de cariz democrático,

orientados pela lógica da universalização vinculada à ideia de cidadania universal, inserindo

a noção de direitos sociais e de responsabilidade pública a partir da instituição da Seguridade

Social. É essa concepção de proteção social e os pressupostos subjacentes na Carta

Constitucional de 1988 que vão se expressar na Política de Assistência Social a partir da

LOAS (Lei 8.742 de 07 de dezembro de 1993) e da sua inserção no campo da Seguridade

Social. Desse modo, a inserção na Seguridade Social confere a assistência social o caráter

de política pública afiançadora de direitos.

A LOAS, por sua vez, reafirmou os conteúdos dos art. 203º e 204º, da CF/1988,

definindo ainda como diretriz para a PAS, a primazia da responsabilidade do Estado e o

comando único das ações em cada esfera de governo e institui, no seu art. 30º, três

importantes instrumentos de gestão do sistema descentralizado e participativo: os Conselhos

de Assistência Social, os Planos de Assistência Social e os Fundos de Assistência Social.

(BRASIL, 1993).

No ano de 2004, o Conselho Nacional de Assistência aprovou a Política Nacional

de Assistência Social, em vigor, a qual estabelece o formato da Política através da proposta

de implementação do Suas – Sistema Único de Assistência Social como modelo de gestão

para operacionalização das ações, criado pelo então Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome - MDS, conforme previsto na Loas.

A estruturação da Política de Assistência Social, nos moldes de gestão do Suas,

compreende um conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios hierarquizados por

modalidades de proteção social (básica e especial) e níveis de complexidade. Introduz a

concepção de sistema orgânico com definição de responsabilidades para as instâncias

federadas e, consequentemente, coloca desafios para sua concretização, dada a

complexidade que envolve o funcionamento da rede socioassistencial. Outrossim, há que se

considerar, os determinantes socioeconômicos e políticos que incidem e influenciam na forma

como esta política pública tem sido implementada na sociedade brasileira.

No decorrer das três últimas décadas a contar da instituição da CF 1988, a

Assistência Social vem tentando se configurar como política pública de responsabilidade

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estatal, apresentando avanços no âmbito jurídico-normativos e na construção de uma nova

institucionalidade a partir da implementação do SUAS, com inovações nas áreas da gestão,

da execução e do controle social. A esse respeito Silva (2015, p.2), posiciona-se refletindo

que,

A despeito da hegemonia neoliberal e em decorrência de lutas e resistência dos trabalhadores, são inegáveis os avanços ocorridos na assistência social desde 1988 aos dias atuais. No entanto, a herança da histórica filantropização, do controle e moralização da questão social, voltados para a integração e a coesão societária, expõe as contradições da institucionalização do Sistema Único de Assistência Social como um processo novo. Ele se iniciou na perspectiva de superação das formas tradicionais de gestão dos serviços, programas, benefícios e projetos da assistência social, mas é constantemente interditado pelo conservadorismo renitente, pelos limites dos conceitos adotados, pelas condições em que se materializa e, ainda, pelo contexto neoliberal que confronta e derrui a lógica do direito. A direção neoliberal na política social brasileira, com a estratégia da contrarreforma, tensiona a proposta do sistema, interpondo o tecnicismo, com a seleção socioeconômica, valendo-se da focalização.

No sentido colocado pela autora, importa atentar para o papel atribuído às políticas

sociais no contexto da ofensiva liberal conservadora. No atual contexto de fortalecimento de

ideais ultraliberais é eleito, no Brasil, um governo que compactua com suas premissas. É

preocupante a crescente privatização das respostas à questão social via parcerias público-

privado que tendem a ocultar seu caráter histórico-estrutural, suas determinações e

contradições, bem como suprimir o caráter de direito social historicamente conquistado,

reiterando a lógica da meritocracia, das concepções e práticas integradoras, moralizadoras,

direcionadas ao pobre subalternizado, obediente, disciplinado e passível de punição.

Há um processo de desmonte em curso que afeta a Seguridade Social brasileira

e, em particular, a Política de Assistência Social. Para Silveira (2017), a Política de Assistência

Social encontra-se em risco com evidentes retrocessos que ameaçam as bases de

sustentação do SUAS. A autora aponta que o cenário atual expressa tendências regressivas

explícitas ou ocultadas nas narrativas que demarcam fragilidades do Sistema, tais como:

dificuldades inerentes à execução de recursos repassados para os municípios pelo Fundo

Nacional de Assistência Social – FNAS e pela ausência de padrões relativos aos custos dos

serviços. São justificativas utilizadas pelo Governo federal “para a cristalização da agenda no

SUAS, especialmente na expansão do financiamento e dos serviços, inclusive os tipificados,

mas não cofinanciados”. (SILVEIRA, 2017, p. 488).

Os atuais processos de regulação do capital sob a orientação neoliberal, as

prerrogativas para as políticas sociais em países como o Brasil, norteadas, em grande parte,

por organismos internacionais, seguem na direção do que Soares (2000) denomina de

crescente fragmentação da gestão do social, associadas a um movimento de restrição e

retrocesso das políticas sociais, cada vez mais focalizadas, seletivas e emergenciais

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direcionadas a situações de pobreza extrema. O que temos constatado, na esteira do golpe

de 2016, é uma sucessão de medidas que tem reforçado e acelerado o processo de desmonte

das políticas sociais, em particular do Suas, conferindo maior visibilidade e consistência a

perspectiva conservadora como tentaremos refletir no item a seguir.

2.1 A assistência social no maranhão entre a garantia de direitos e o reforço à perspectiva

conservadora

A pesquisa de campo realizada no Estado do Maranhão possibilitou a identificação

das diferentes percepções dos sujeitos com relação a Política de Assistência Social. Foram

priorizados no processo investigativo os diferentes sujeitos sociais envolvidos no processo de

implementação do SUAS: gestores, técnicos, conselheiros e usuários. As diferentes

percepções aqui expostas e analisadas foram obtidas mediante entrevistas com gestores e

grupos focais com usuários, técnicos e conselheiros, além de observações registradas em

diário de campo no âmbito da pesquisa já informada nesse artigo.

As entrevistas e grupos focais foram orientadas pelas seguintes questões: O que

é a Política de Assistência Social e o SUAS para os diferentes sujeitos? Quais as percepções

sobre o processo de implementação do SUAS? As respostas foram gravadas em áudio com

a permissão dos participantes, posteriormente transcritas e sistematizadas conforme os eixos

elencados na pesquisa.

No geral, a percepção do conjunto dos sujeitos revela a contraposição entre o

desenho da Política e sua implementação. Há uma distância entre o que foi forjado nas

conquistas constitucionais e a regulamentação subsequente, tanto no aspecto teórico-

normativo como na atuação no âmbito dos municípios. Também revela um processo lento de

avanço do Suas expresso na sua secundarização no âmbito dos municípios e que se reflete

na estrutura precarizada do SUAS, na distribuição insuficiente dos recursos e na precarização

dos serviços.As condições estruturais, de prédios, para funcionamento dos serviços

expressam a necessidade avançar em investimentos nessa área. Por ocasião da realização

das visitas e dos grupos focais, observamos estruturas prediais que não garantem, por

exemplo, acessibilidade aos (às) usuários (as). Equipamentos públicos como CRAS, CREAS

e Centros Pops, há prevalência de estruturas alugadas e adaptadas, em geral, precarizadas

e inadequadas.

A despeito do conhecimento acerca da Política de Assistência Social e do Suas

como estratégia de gestão, sobretudo entre gestores e técnicos, constatamos que esse

conhecimento se restringe aos marcos regulatórios. Nas equipes de referências dos

equipamentos públicos, identificamos técnicos que ainda têm limitações quanto à concepção

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e direção da Política em âmbito municipal estadual e federal e ficam mais restritos ao

conhecimento sobre o serviço que executam diretamente nos equipamentos. Foram poucos

os sujeitos que se destacaram pela reflexão crítica dos impasses na execução da política de

proteção social no âmbito de um sistema de produção que gera riscos e vulnerabilidades de

forma permanente, ou seja, a partir da sistematização das reflexões das suas intervenções,

estudos e discussões que participam. Em gera, observamos entre os sujeitos dificuldade em

compreender a Política de Assistência Social no contexto da Seguridade Social, suas as

tensões e contradições para assegurar direitos em uma conjuntura adversa, de prevalência

de programas reducionistas, da continuidade do ranço assistencialista e da escassez de

recursos.

Dentre os sujeitos da pesquisa destacamos os (as) usuários (as) considerando

que parte significativa destes demonstra o não reconhecimento da Assistência Social como

direito. Predomina, neste segmento, a compreensão da Assistência Social como ajuda

reiterando a histórica lógica do favor e da gratidão. Ademais, muitos (as) usuários (as)

associam a Política de Assistência Social ao CRAS, aos serviços e algumas ações

específicas, o que também denota conhecimento restrito.

Para este segmento, geralmente violado em seus direitos fundamentais, as

respostas em relação a percepção da assistência social se deslocaram para as dificuldades

pessoais vivenciadas, suas apreensões em relação a um futuro incerto, ausência de

perspectivas e a possibilidade iminente de perda da segurança que os serviços e benefícios

representam. As expectativas focam nas questões mais imediatas como a alimentação, a

urgência no repasse do aluguel social, o recebimento da cesta básica, a obtenção da

passagem para retorno ao local de origem dentre outras ações de caráter imediato e

emergencial.

A discussão que se desenrolou com os (as) usuários (as), mostrou que estes (as),

na sua maioria, possuem trajetórias marcadas por adversidades difíceis de serem superadas,

de imediato, no contexto de suas condições objetivas de existência. Tais adversidades

culminaram com a redução de suas perspectivas, horizontes e desejos de forma que

demonstraram satisfação e conformidade com o que recebem. Reiterando a lógica

conservadora, reproduzindo o trato moral de ajuste à normatividade da política como o pobre

merecedor, ou seja, o pobre que conhece o seu lugar, que valoriza os serviços recebidos sem

reclamar, avaliar ou questionar.Consoante Pereira (2002, p. 34):

Com um mínimo de provisão social espera-se, quase sempre, que os beneficiários dessa provisão deem o melhor de si e cumpram exemplarmente seus deveres, obrigações e responsabilidades. [...] Dos pobres, portanto, exige-se, sistematicamente, o máximo de trabalho, de força de vontade, de eficiência, de prontidão laboral e de conduta exemplar, até quando não contam com o tal mínimo de provisão como direito devido; e qualquer deslize cometido por eles lhes será fatal, sob

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todos os aspectos. É que, diferentemente do rico, o pobre tem que andar na linha e aceitar qualquer oferta de serviço e remuneração, pois sua condição de pobreza continua sendo vista como um problema moral e individual e, consequentemente, como um sinal de fraqueza pessoal que deverá ser condenada.

A resignação como elemento integrante da ordem conservadora preconiza o

ajustamento, a aceitação passiva da condição de usuário (a). É esperado deste segmento a

conformidade e satisfação com os serviços e as possibilidades de inserção no mercado de

trabalho e melhoria da renda após os cursos profissionalizantes ofertados pela Política, tendo

a clareza de que essa inserção depende de “esforços pessoais”, Com isso, exclui-se os

determinantes estruturais decorrentes da relação capital e trabalho e mais, reforça-se a

passividade na espera dos serviços, na participação das atividades desenvolvidas pelos

equipamentos dissociada de compreensão da Assistência Social como direito.

Trata-se de um campo fértil para a reprodução do conservadorismo como um

movimento que coaduna concepções e metodologias forjadas na ordem burguesa,

moralizando expressões da questão social mediante desenvolvimento de ações que

reafirmam a lógica individualista, fiscalizatória, integradora, punitiva, individual, de

ajustamento pautadas na meritocracia. E neste sentido que ações psicologizantes,

individualizadas ganham relevo ao passo em despolitizam a questão social, remetendo-a para

o âmbito das desagregações morais, desajustamentos individuais e desestruturações

familiares.

Verificamos, junto aos sujeitos, a urgência de debates e reflexões críticas sobre

os conceitos que fundamentam a Política de Assistência Social a exemplo de pobreza,

território, família no sentido de confrontar esses conceitos com a compreensão de gestores e

técnicas (os), em geral, impregnadas de estigmas que se reproduzem na relação com os (as)

usuários (as), sob a forma de julgamentos sociais e morais que comprometem uma

compreensão do (da) usuário (a) como sujeito submetido a injustiças sociais determinadas

social e economicamente.

Identificamos como elementos característicos nas ações socioassistenciais

desenvolvidas nos municípios pesquisados, uma ênfase na busca de soluções imediatas,

subjetivas, psicologizantes, moralizadoras e individualizadas, que investem na autoestima

visando o empoderamento, a autonomia e o bem-estar social e familiar. Elementos balizados

no movimento conservador, reatualizado para o enfrentamento ideológico da crise mundial do

capitalismo e para o combate a políticas e direitos sociais. Cabe assinalar que, as normas e

orientações técnicas nacionais que balizam as ações socioassistenciais, na maioria dos

municípios brasileiros, na implementação do SUAS, são permeadas por preceitos de cariz

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conservador, apesar dos avanços que representam no processo de institucionalidade da

Política de Assistência Social.

Ressaltamos, portanto, que o conjunto de fatores estruturais e conjunturais,

articulados a fragilidade de apreensão dos conteúdos teóricos, conceituais e mesmo

metodológicos do trabalho que a Política de Assistência Social e o SUAS preconizam, incide

no trabalho da equipe técnica e das (dos) e gestoras (es). O trabalho socioassistencial

planejado e desenvolvido reproduz ações que têm o caráter mais de disciplinamento e

moralização dos trabalhadores e trabalhadoras pobres dissociado de enfoques políticos e

pedagógicos na perspectiva da sua organização como sujeito coletivo e organizativo. As ações

socioassistenciais desenvolvidas, reiteram a condição de subalternidade dos sujeitos

demandatários da Política, desqualificados pelo senso comum e pela lógica contrária a

cidadania que mantém e reproduz o discurso do pobre merecedor no interior de uma Política

que tem como objetivo assegurar proteção social como direito.

3 CONCLUSÃO

No contexto pós-golpe 2016 é imposto ao país um projeto de retrocessos que

revela uma crise moral e civilizatória expressa no agravamento da pobreza e da desigualdade,

na fragilidade dos vínculos sociais, na precarização das condições de vida e no

descompromisso do Estado e da sociedade com a construção de respostas efetivamente

democráticas. Há um evidente recuo do Estado na implementação de políticas sociais

direcionadas ao enfrentamento da questão social e à reprodução social da classe

trabalhadora. Ante o avanço do desemprego e das inseguranças sociais a proteção social é

fragilizada, submetida aos ditamesda política fiscal exigida pelo capital financeiro e sua

hegemonia.

Nesse contexto a Política de Assistência Social se defronta com recuos em termos

de investimentos públicos e é alvo de críticas conservadoras, por se tratar de uma conquista

social pautada em ideais democráticos e viabilizar direitos sociais. Há uma exigência, cada

vez mais institucionalizada, pelo gerencialismo tecnicista, pela focalização, pelo controle, pelo

julgamento moral, pelo ajustamento e pela punição de trabalhadores e trabalhadoras pobres.

O Suas sinaliza uma possibilidade de democratização das relações sociais e

enfrentamento a pobreza como expressão da questão social, seu processo de implementação

estão condicionados a recursos e investimentos públicos, mas também como assinala Silva

(2015, p.8) “...da compreensão e, sobretudo, do compromisso de superar os vícios de uma

assistência social conservadora e tradicionalista na abordagem às expressões da questão

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social. Essa prática histórica é reprodutora tanto das relações de favor e clientelistas, como

das formas de apropriação privada da esfera pública”.

A despeito de suas contradições a inserção da Assistência Social na Seguridade

Social brasileira sinaliza a possibilidade de rupturas ao regulamentar como direito ações que

historicamente estiveram inscritas na lógica do favor, ao considerar como cidadãos de direito,

sujeitos tutelados pela caridade, filantropia e paternalismo e, principalmente, por projetar a

possibilidade de ruptura com práticas assistencialistas e clientelistas. Contudo, a herança

histórica dessas práticas e sua imbricação com a assistência social na perspectiva da

integração societária, expõeas contradições do processo de institucionalização do Suas nos

municípios. Um processo que se institui preconizando a superação das formas tradicionais de

gestão dos serviços socioassistenciais, mas é frequente e contraditoriamentelimitado pela

premência do conservadorismo, pelafragilidade das concepções adotadas, pelas precárias

condições de estrutura e, ainda, pelo contexto neoliberal que vem erodindo a lógica do direito

e da cidadania.

O atual contexto, com suas particularidades políticas e socioeconômicas, favorece,

portanto, a reedição do pensamento conservador e seu recrudescimento nas ações

socioassistenciais. Essa reedição contribui para explicitar a centralidade das famílias pobres

nas políticas sociais, particularmente, na Política de Assistência Social e expõe o movimento

contraditório de um Estado que exige de trabalhadores e trabalhadoras pobres a proteção

social que nega a estes.

O movimento conservador tem avançado na proposição de alternativas contrapostas

à perspectiva democrática. Alternativas que se materializam sob a forma de medidas

restritivas da responsabilidade pública com a proteção social. Destaca-se, por exemplo,

adenominada Emenda Constitucional 95, aprovada no governo Michel Temer (2016 – 2018)

que instituiu, de forma arbitrária, o Novo Regime Fiscal (NRF) para a União pelos próximos

vinte anos, e estabeleceu limites para as despesas primárias inviabilizando, portanto, a

vinculação dos recursos para as políticas sociais conforme estabelecido na Constituição

Federal de 1988; mais recente a Proposta de Emenda à Constituição – PEC n. 6/201

apresentada pelo governo eleito em 2018, Jair Bolsonaro, que propõe a reforma da

Previdência Social Pública tendo como aporte a sua capitalização o que, na prática significa

o seu desmonte e privatização com implicações para os trabalhadores e trabalhadoras

pobres. Tratam-se de medidas que incentivam valores liberais como a competitividade, o

individualismo e, por outro lado, explicitam a capacidade do capitalismo em produzir e agravar

desigualdades e barbáries sociais.

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O Suas, como um processo em construção, sinaliza uma possibilidade histórica de

consolidação da proteção social. Essa consolidação, depende, por um lado, de recursos e

investimentos públicos que potencializem sua estruturação,em termos de atendimento e

controle democrático, como sistema afiançador de direitos; e por outro, de um compromisso

político com a superação do ranço conservador. Isto exige a autonomização política dos (as)

usuários (as) como requisito para um processo coletivo e organizado de construção de um

novo projeto societário.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição Federal 1988. Brasília, DF, 1988.

________. Lei nº 8742, 07 de dezembro de 1993 (LOAS), dispõe sobre a Lei Orgânica

Assistência Social e dá outras providências, Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1993.

________. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria Nacional de

Assistência Social. Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Norma Operacional Básica

- NOB/SUAS. Brasília, 2005.

SOARES, Laura Tavares. Os custos sociais do ajuste neoliberal no Brasil. São Paulo:

Cortez editora, 2000.

SILVA, MaisaMiralva da. Assistência social na realidade municipal: o SUAS e a prevalência

do conservadorismo, Revista Katálysis, Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 41-49, jan./jun. 2015

SILVEIRA, Jucimeri Isolda, A assistência social em risco:conservadorismo e luta por direitos.

In: Revista Serviço social &Sociedade, São Paulo, n. 130, p. 487 – 394, set./dez. 2017.

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REFLEXÕES SOBRE LUGAR, TERRITÓRIO E POLÍTICAS PÚBLICAS

Emanuel Luiz Pereira da Silva3

RESUMO: Partimos do chão concreto das Políticas Públicas,

construindo um caminho de análise, a partir das diversas

perspectivas de lugar e território como ponto de partida. Temos

como pressuposto a crítica de Milton Santos a globalização e

aos processos que atuam no mundo acentuando e

aprofundando desigualdades sócio espaciais. O território, hoje,

pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em rede: as

redes constituem uma realidade nova que, de alguma maneira,

justifica a expressão verticalidade.

Palavras-chave: Lugar. Território. Proteção Social. Políticas

Públicas.

ABSTRACT: We start from the concrete ground of public policy,

building a path of analysis from various perspectives of place and

territory as a starting point. Milton Santos's critique of

globalization and the processes that are operated around the

world accentuate and deepen socio-spatial inequalities. The

territory today can be formed of contiguous places and places in

a network: networks constitute a new reality that, in some way,

justifies the expression verticality.

Keywords: Place.Territory. Social Protection. Public Policy.

3 Doutor e Pós-doutor em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor Adjunto do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba (DSS/UFPB). Vice-Líder do Núcleo de estudos em Políticas Sociais NEPPS/UFPB.

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1 INTRODUÇÃO

Vamos para o terreno porque o que lá encontramos é

profundamente inimaginável a partir da poltrona4.

Ponho os pés na terra para senti-la e gerar, a partir desse contato, a tentativa das

primeiras compreensões das escalas territoriais que se apresentam em um mesmo lugar.

Decisões precisam ser tomadas, que fazer?

Escrever significa entrar, querendo-se ou não, no círculo do comentário. Este, por

sua vez, é uma espécie de segregação da escrita e refere-se menos à inevitabilidade da leitura

do que à fatalidade da releitura. Que se saiba, nenhuma escrita existente é capaz de escapar

ao ato de ser relida e ao processo virtualmente interminável que com esse ato se desencadeia.

Ora, se o risco daí derivado nos leva a redundar, enfim, num mero jogo de palavras se

substituem mutuamente na mira de uma verdade textual, quanto mais o jogo se prolonga,

mais parece uma miragem. Para a antropologia essa queda no circuito interpretativo

representa a ameaça da sua reconversão em pura filologia.

Para fins didáticos e reflexivos partimos do chão concreto das Políticas Públicas como

afirma koga (2003); Silva (2016), construindo um caminho de análise, a partir das diversas

perspectivas de lugar e território como ponto de partida. Temos como pressuposto a crítica

de Milton Santos a globalização e aos processos que atuam no mundo acentuando e

aprofundando desigualdades sócio-espaciais em que o autor retoma com toda a sua energia

peculiar dois conceitos da Geografia: o conceito de território e o conceito de lugar. A

vinculação dessa analise as Políticas Públicas reflete no campo de atuação do Serviço Social

brasileiro que se materializa nas políticas sociais tendo-a como mediação.

O autor propôs que o “espaço geográfico” (sinônimo de “território usado”) seja

compreendido como uma mediação entre o mundo e a sociedade nacional e local, e assumido

como um conceito indispensável para a compreensão do funcionamento do mundo presente.

Ele chama atenção para o novo funcionamento do território, através de horizontalidades (ou

seja, lugares vizinhos reunidos por uma continuidade territorial) e verticalidades (formadas por

pontos distantes uns dos outros, ligados por todas as formas e processos sociais).

O território, hoje, pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em rede: as

redes constituem uma realidade nova que, de alguma maneira, justifica a expressão

4RegnaDarnell exprime nesta epígrafe a História da Antropologia Americanista, editada em 2001 sob o

título InvisibleGenealogies. Mostra que uma antinomia centenária, com a qual Malinowski marcou para sempre a prática da profissão de antropólogo, continua vigente e com admirável saúde: entre a poltrona e o terreno, os grandes intérpretes da antropologia contemporânea não têm dúvida em defender a via que arrancou a disciplina aos confortáveis e diletantes sofás do gabinete acadêmico.

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verticalidade. Mas além das redes, antes das redes, apesar das redes, depois das redes, com

as redes, há o espaço de todos, todo o espaço, porque as redes constituem apenas uma parte

do espaço e o espaço de alguns. São, todavia, os mesmos lugares que formam redes e que

formam o espaço de todos. Quem produz, quem comanda, quem disciplina, quem normaliza,

quem impõe uma racionalidade às redes é o Mundo. Esse mundo é o do mercado universal

e dos governos mundiais. O FMI, o Banco Mundial, o GATT, as organizações internacionais,

as Universidades mundiais, as Fundações que estimulam com dinheiro forte a pesquisa,

fazem parte do governo mundial, que pretendem implantar, dando fundamento à globalização

perversa e aos ataques que hoje se fazem, na prática e na ideologia, ao Estado Territorial.

Convidamos ao leitor atento, a analisar o método pautado no território usado5 que é

científico por tratar da reprodução social da vida dos sujeitos protagonista da história.

2 AS ACEPÇÕES DE LUGAR E TERRITÓRIO

As acepções de “Lugar” são numerosas, visto que, “Lugar” comporta, tanto em

português quanto em inglês (place), designando uma localidade, uma área determinada ou

indeterminada ou mesmo a um espaço qualquer (SOUSA, 2015, p. 111).

Partindo do Dicionário Houaiss da Língua portuguesa, constatamos que os

sentidos variam de “área de limites definidos ou indefinidos” a “conjunto de pontos

caracterizados por uma ou mais propriedades”, como também, adentrando em outros sentidos

geométricos abstratos, passam por “área apropriada para ser ocupada por pessoa ou coisa”,

“assento ou espaço onde uma pessoa se põe como passageiro ou espectador”, e de tal modo

que se segue nesta perspectiva de construção. Assim, “lugar” é muito mais do que o chão

que, na concepção dos povos indígenas potiguar6, “terra” quase tanto como “espaço”, um

“termo valise”, chegando ao ponto de torna-se um passe-partout,no âmbito do senso comum,

sem contar os usos em discursos especializados.

Analisando o trabalho de John Agnew, Ulrich Oslender, em um admirável artigo,

sintetizam assim os três aspectos principais ou significados da discussão geográfica em torno

da ideia de place que seriam, a saber: Location[localização], Locale[de difícil tradução, mas

imperfeitamente traduzível como substantivo “local”, porém sem relação com um nível escalar

particular] e senseofplace[sentido de lugar].Com propriedade teórica nessa discussão,

Oslender (2004) afirma que de forma generalista, location se refere à área geográfica físico-

5Segundo SANTOS (1998, p. 24) “[...] devíamos tomar o território através de uma noção dinâmica, isto é, o território

usado. Isso que é científico não é o território, é o território usado. E o espaço, que é uma forma de ver o território também, formado de sistemas de objetos e de sistemas de ações numa união indissolúvel e dialética.”. 6 Povos indígenas que vivem em um conjunto de 32 Aldeias localizadas no Litoral Norte do Estado da Paraíba, Nordeste, Brasil.

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material e aos modos como ela é afetada pelos processos econômicos e políticos operando

em uma escala mais ampla. Sendo assim, o autor explicita que o impacto de uma macro-

ordem sobre um lugar e as maneiras pelas quais certos lugares são inscritos, afetados e

tornados sujeitos aos condicionamentos das estruturas econômicas e políticas que,

normalmente, se originam fora da própria área.

Esta apreensão de location adentra a concepção de um antídoto contra o

subjetivismo ao discutir-se o lugar, e não como um rígido contexto dentro do qual as interações

sociais são fixadas como ações predeterminadas esperando apenas para acontecer. Isso,

portanto nos acautela com relação ao menosprezo tanto da estrutura quanto da escala, que

é frequentemente observado nos tratamentos fenomenológicos do lugar, e contextualiza de

modo relevante os lugares nos marcos de uma produção geral da escala geográfica enquanto

um princípio central de organização, em conformidade com a qual ocorre a diferenciação

geográfica (OSLENDER, 2004).

Ainda na análise de John Agnew e Ulrich Oslender apontam o segundo aspecto,

o qual

Se refere aos quadros espaciais [settings] formais e informais nos quais as interações e relações quotidianas são construídas. No entanto, mais do que meros quadros físico-materiais [physical setting] de atividades, localeimplica que esses contextos são ativa e rotineiramente acionados por atores sociais em suas interações e comunicações quotidianas [...] (OSLENDER, 2004, p. 961-62).

O último aspecto toma por base a própria ideia de locale, edificou-se o conceito

de “sentido de lugar” ou senceplace, o qual

Se refere às maneiras como a experiência e a imaginação humanas se apropriam das características e qualidades físico-materiais [physicalcharacteristicsandqualities] da localização geográfica. Ele [ o conceito de senceofplace] captura as orientações subjetivas que derivam do viver em um lugar em particular como um resultado de processos sociais e ambientais interconectados, criando e manipulando relações flexíveis com o espaço físico-material [physicalspace]. As abordagens fenomenológicas do lugar, por exemplo, têm tendido a enfatizar os modos como os indivíduos e as comunidades desenvolvem ligações profundas com os lugares por meio da experiência, da memória e da intenção (RELPH, 1976; OSLENDER, 2004, p. 962)

De acordo com Souza (2015), a despeito da existência de várias acepções da

palavra “lugar” e em que pese a existência de diversos aspectos, mesmo no âmbito da

conceituação sócioespacial (exercício proposto por Agnew, retomado por Oslender e que,

também em português, pode ser feito), há, porém, um sentido que se veio afirmando como

mais específico, no plano conceitual, desde a década de 1970 e é aquele que interessa no

presente estudo: o lugar como espaço percebido e vivido, dotado de significados, e com base

no qual desenvolvem-se e extraem-se os “sentidos de lugar” e as “imagens de lugar”, esses

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por sua vez, consistem no lugar em que as políticas sociais/públicas ganham sentido e

materialidade.

Na língua inglesa, com o vocábulo place, permanece sendo a língua em que essa

acepção se estabeleceu mais firmemente, muito embora a Geografia brasileira também já

esteja acostumada com ela. Ao passo que em alemão, a palavra ortnão consegue, até hoje,

carregar o sentido denso de espaço vivido, como em placeou mesmo em lugar.

O Território como conceito tem sua gênese nos discursos das ciências

especificadas como naturais, tendo na atualidade forte uso na Geografia, nas Ciências

Sociais, Ciências Humanas e Serviço Social. A emersão do termo consolida-se, nos avanços

da proposta de Ratzel (1990), que além de trazer o debate territorial para a Geografia, o coloca

como necessário à reprodução da sociedade e do Estado.

Conforme Silva (2016), a análise do território usado implica reconhecer que as

formas materiais e imateriais de períodos passados condicionam as ações sociais atuais e

seus respectivos projetos. A menos que possamos acreditar na ideia de que cada etapa de

modernização seja sempre positiva para a totalidade dos sujeitos sociais, fica difícil não

perceber que as rugosidades de momentos anteriores constituem um patrimônio que deve ser

levado em conta para entendermos a localização dos eventos atuais (SANTOS, 1996; SILVA,

2016).

Na atualidade, a aplicação do conceito de território apresenta-se, de formas

diferenciadas, pois não só os contextos históricos se alteraram drasticamente, como a própria

ciência buscou novos paradigmas, novos métodos e consequentemente novos problemas

demandados por condições objetivas do chão concreto da vida.

Continuando o constructo delineado a partir das ideias propostas por Ratzel

“organismos que fazem parte da tribo, da comuna, da família, só podem ser concebidos junto

a seu território” (RATZEL, 1990, p. 74), e ainda, “do mesmo modo, com o crescimento em

amplitude do Estado, não aumentou apenas a cifra dos metros quadrados, mas, além disso,

a sua força, a sua riqueza, a sua potência” (RATZEL, 1990, p. 80). De fato, desenha-se

claramente que o autor defende a tese de que o território é um espaço necessário a qualquer

população e seu Estado para evoluir, em todas as suas dimensões e sentidos.

Notamos sua aproximação com os preceitos de Darwin (evolucionismo) e a

compreensão do território humano muito próximo do território de outras espécies, objeto da

Biologia. Para Darwin então, o território é o espaço desde o qual uma família encontra sua

subsistência, até o espaço necessário à evolução de um Estado, que deve assim, sempre

pensar na aquisição de mais espaços territoriais.

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Outro autor chave nesta discussão é Raffestin. Contrapondo-se à ideia de Ratzel

(1990), ele começa sua tese analisando-o: “o quadro conceitual de Ratzel é muito amplo e tão

naturalista quanto sociológico, mas seria errôneo condená-lo por ter "naturalizado" a geografia

política, algo que às vezes ocorreu.” (RAFFESTIN, 1993, p. 2). Logo, a proposta de Raffestin

é repensar o conceito de território deixado por Ratzel e pela Geografia Política Clássica.

Para o autor, as bases para a compreensão do território como uma relação do

homem com o espaço, estão no poder, como coloca, o território “(...) é o resultado de uma

ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível”

(RAFFESTIN, 1993, p. 143). Trata-se de “(...) um espaço onde se projetou um trabalho, seja

energia e informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder”

(RAFFESTIN, 1993, p. 144). Na concretização de um programa, o ator idealiza um projeto e

busca assegurar “a ligação entre os objetivos intencionais e as realizações” (RAFFESTIN,

1993, p. 145), processo que se desenrola através de embates no plano das relações sociais;

afinal, como defende Foucault (2009 b, p. 105), “(...) não há poder que se exerça sem uma

série de miras e objetivos”.

Em consonância com Foucault, Raffestin (1993) considera o poder como

consubstancial, “parte intrínseca de toda relação” (RAFFESTIN, 1993, p. 52), pois “se

manifesta por ocasião da relação” (p. 53). O poder “é um processo de troca ou de

comunicação quando, nas relações que se estabelecem, os dois polos fazem face um ao

outro ou se confrontam” (p. 52). Assim como Foucault, Raffestin (1993) admite a existência

da resistência, considerando-a como a expressão do “(...) caráter dissimétrico que quase

sempre caracteriza as relações” (RAFFESTIN, 1993, p. 52). O problema é que Foucault

(2009b) não entende as relações de poder como “uma oposição binária entre dominadores e

dominados” (RAFFESTIN, 1993, p. 104), mas como uma multiplicidade de correlações de

forças, que “se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e móveis”

(FOUCAULT, 2009b p. 104).

A partir da célebre produção Por uma geografia do poder, Claude Raffestin tem

como uma de suas finalidades romper com o pensamento da geografia política clássica,

segundo a qual o Estado é a única instituição dotada de poder. Dessa forma, Raffestan não

comete o erro de uma leitura unívoca e unilateral da realidade social, como bem coloca Kosic

(1986) na tese da pseudoconcreticidade7. Sendo assim, demonstra-se que existem outras

organizações dotadas de poder político, pois todo o conteúdo é político (GALVÃO, 2009).

7Cf. KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

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3 O TERRITÓRIO COMO CHÃO CONCRETO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Partimos da perspectiva em buscar um enquadramento teórico e operacional

relacionado a categoria analítica “território usado”, no intuito de esclarecer quais os elementos

que permitem sua instrumentalização, tanto para o planejamento como para a avaliação de

políticas públicas. É com base na reflexão conceitual posta neste artigo que se expõe as

observâncias de como o conceito de território vem sendo apropriado pelo Estado para a

determinação de espaços diferenciados de intervenção por meio de políticas públicas e quais

as principais vantagens e contradições que esta nova abordagem apresenta, dado o contexto

sociopolítico brasileiro contemporâneo. Antes disso, contudo, considera-se apontar as

determinações históricas recentes que permitiram a adoção deste conceito no campo das

políticas públicas.

A partir, da reflexão sobre a operacionalização do conceito de território no

planejamento e na Implementação de Políticas Públicas nos leva a 1962, em que, a ação

deliberada de planejamento estatal teve como marco a criação do Ministério do

Planejamento8, tendo como economista Celso Furtado, em que, suas teses serviram como

fundamentação as principais ações governamentais de planejamento econômico naquela

época e ainda persistem como referências importantes. Furtado confiava no processo político

para reverter este quadro perverso de dependência, que gerava desigualdades extremas

entre as frações do território brasileiro e era, a seu ver, responsável pelo subdesenvolvimento

do país. Por isso, a questão do desenvolvimento regional esteve fortemente presente na obra

de Furtado. Para ele, um “processo de integração teria de orientar-se no sentido do

aproveitamento mais racional de recursos e fatores no conjunto da economia nacional”

(FURTADO, 2003, p. 249).

Para a nossa reflexão que tem como base a vida social pós CF 1988, partimos da

concepção de Brandão (2007), políticas de desenvolvimento com maiores e melhores

resultados são aquelas que não discriminam nenhuma escala de atuação e reforçam as ações

multiescalares – microrregionais, mesorregionais, metropolitanas, locais, entre outras,

contribuindo para a construção de escalas espaciais analíticas e políticas adequadas a cada

problema concreto no interior de um território, referente a uma determinada comunidade, a

ser diagnosticado e enfrentado.

Alguns fatores que diferenciam as políticas públicas, entre si devem ser levadas

em consideração no planejamento e avaliação no tocante a seu objeto de tratamento

8Período que teve como presidente da República Federativa do Brasil, João Goulart.

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(Assistência Social, Saúde, Educação, habitação etc.), que as distingue enquanto políticas

setoriais de ação especificas.

Nessa concepção, as políticas se diferem pelo âmbito de sua cobertura, a ser

definida pelos gestores e organismos responsáveis, sobretudo quanto ao público a ser

envolvido, os critérios de inclusão e, em alguns casos, as localidades específicas para sua

execução. Assim, a abordagem territorial para o planejamento de políticas públicas auxilia no

entendimento dos fenômenos sociais, contextos institucionais e cenários ambientais sob os

quais ocorrerá a intervenção desejada, de maneira a propiciar meios mais acurados para a

definição de diagnósticos e alcance de metas, parcerias necessárias e instrumentos de

implementação.

Guimarães Neto (2010), afirma que as formas de concepção de políticas públicas

e de atuação governamental baseadas no território surgiu com base em vários aspectos bem

característicos do Brasil. Vejamos bem tal afirmação:

Um desses aspectos diz respeito à dimensão continental do Brasil. Este fato, associado à grande heterogeneidade e diferenciação do território passou a exigir, para ser eficaz no encaminhamento de soluções, um tratamento apropriado e adequado para os espaços diferenciados: macrorregiões, mesoou microrregiões ou territórios. Agrega-se a isso a grande desigualdade territorial do Brasil da perspectiva do desenvolvimento econômico e social, resultante de complexos processos históricos, que é hoje um dos temas da maior relevância dentro e fora da academia: a questão regional brasileira. [...] se tais desigualdades são marcantes quando se consideram as macrorregiões tradicionais (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste), mais significativas se tornam quando se desce à análise dos estados ou de microrregiões no interior do país (GUIMARÃES NETO , 2010, p. 49).

Diante do exposto, o enfoque territorial se expressa, sobretudo, no tratamento de

um nível específico da realidade e na operacionalização de algumas instâncias empíricas

fundamentais. Sabourin (2002), explica que, o planejamento das ações de Estado, sob esta

perspectiva, envolve três desafios de grande relevância na atualidade: i) estabelecer ações

que garantam uma representação democrática e diversificada da sociedade, a fim de que os

diferentes grupos de atores possam participar mais ativamente das tomadas de decisão e ter

mais acesso à informação; ii) realizar ações de capacitação junto aos atores locais para que

possa ser formada uma visão territorial de desenvolvimento, rompendo a visão setorial como

a única forma de análise; e iii) estabelecer novas formas de coordenação das políticas

públicas, no que se refere aos recursos, às populações e aos territórios, baseadas em novas

lógicas de desenvolvimento.

A abordagem territorial permitiu, ainda, o nascimento de um discurso de reva-

lorização do meio rural na definição de políticas públicas, que antes era suprimida nas ações

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de desenvolvimento regional, basicamente voltadas para a estruturação dos espaços

urbanos. Esta revalorização se deu com base em duas importantes vertentes. 1) refere-se ao

caráter multifuncional que a agricultura familiar estabelece com o território, sobre o qual o

meio rural deixa de ser entendido somente por suas características produtivas e passa a ser

valorizado também por seus aspectos sociais, culturais e ambientais, embora a atividade pro-

dutiva agropecuária permaneça como atividade nuclear de seu espaço (Maluf, 2001). Para

esta fração socioprodutiva, que se representa de modo diferenciado no território nacional, a

propriedade rural familiar, que se interconecta com outras circunvizinhas formando as

comunidades rurais, não é apenas lócus de produção, como no caso das grandes

propriedades agrícolas empresariais, mas também o território de vivência, da formação de

laços de proteção social, da reprodução cultural, e de todos os fatores materiais e simbólicos

que ratificam uma identidade própria na vida social; 2) posicionamento contrário à dicotomia

rural-urbano, que negligencia as relações sociais que são desenvolvidas na prática em

decorrência dos diversos mecanismos de integração do rural com o urbano (Abramovay,

2003; Silva, 2012). Esta interligação entre os territórios usados, com características distintas

é denominada por Favareto (2007, p. 22) de “dinâmicas territoriais de desenvolvimento”. Para

uma intervenção sobre estas dinâmicas, o autor realçou a necessidade de entender as

articulações entre suas formas de produção e as características morfológicas dos fios que

tecem a realidade social local, a partir do entendimento de suas relações de “oposição e

complementaridade”.

Concluímos através de vivências no campo das políticas públicas, a existência de

uma tendência em que tanto as políticas públicas quanto os arranjos institucionais promovidos

por elas sejam organizados em torno de questões setoriais tradicionais, o que Henriques

(2011, p. 40) chamou de “isolacionismo setorial”. Com isso, permanece a dificuldade para a

construção de programas de natureza intersetorial que dialoguem com as várias dinâmicas

(existentes ou potenciais) das economias territoriais.

4 CONCLUSÃO

O ponto de chegada de nossa reflexão, afirma e revela a nossa acepção sobre lugar

e território em plena consonância com Milton Santos, de que o lugar independentemente de

sua dimensão, constitua-se em sede da resistência da sociedade civil, mas nada impede que

aprendamos as formas de estender essa resistência às escalas mais altas.

Para isso, é indispensável insistir na necessidade de conhecimento sistemático da

realidade, mediante o tratamento analítico desse seu aspecto fundamental que é o território

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(o território usado, o uso do território). Antes, é essencial rever a realidade de dentro, isto é,

interrogar a sua própria constituição neste momento histórico. Seu entendimento é, pois,

fundamental para afastar o risco de alienação, o risco da perda do sentido da existência

individual e coletiva, o risco de renúncia ao futuro.

Milton Santos coloca que a totalidade para a compreensão da realidade deve ser

analisada, a partir de três escalas: primeira escala é a totalidade do modo de produção, o

espaço geográfico; segunda escala é a totalidade da formação socioespacial, o território

usado; terceira escala que se refere à totalidade do cotidiano, o lugar.

O lugar é onde ocorre a dialética do território entre as redes e os lugares contíguos.

Nos lugares também ocorre a dialética entre verticalidades e horizontalidades, racionalidades

e contra racionalidades, solidariedades organizacionais e solidariedades orgânicas, enfim,

entre os agentes do circuito superior que tem como base, alto grau de tecnologia, capital e

organização. De outro lado tem-se o circuito inferior com um nível menor dessas variáveis.

Tal êxito do autor demonstra que em seu pensamento não havia uma preocupação em

seguir uma corrente filosófica. Acima disso, Milton Santos procurou criar, produzir e

desenvolver um método de análise geográfico tendo como base a dialética. Ainda com toda

a complexidade em termos dos elementos que a temática envolve, a abordagem territorial traz

avanços expressivos. Estes avanços podem ser ressaltados tanto no que se refere à visão

anterior de desenvolvimento, que tinha por base as escalas macrorregionais brasileiras que

congregam uma realidade extremamente heterogênea para serem pensadas enquanto

totalidade, quanto ao espectro essencialmente municipalista, dado que os municípios são ins-

tâncias muito numerosas, além de pequenas e com estrutura precária (em sua grande

maioria).

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NOVOS ELEMENTOS PARA PENSAR A PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA E O TRABALHO

SOCIAL COM FAMÍLIAS NO TERRITÓRIO DE VIVÊNCIA NA REGIÃO NORDESTE.

Alice Dianezi Gambardella9

Marinalva de Sousa Conserva10

RESUMO: A Vigilância Socioassistencial e o desenho de bons

diagnósticos são essenciais como ponto e partida para a

interveniência governamental na gestão e operação do trabalho

social com famílias no território de vivência. As demandas e

necessidades sociais relatadas pelas famílias que aderem ao

Paif são matéria-prima para o serviço, mas, ainda assim,

procuramos evidenciar novos elementos que possam contribuir

para a afiança da proteção social a partir das características dos

territórios e traços culturais praticados pelas famílias.

Palavras-chave: avaliação de políticas públicas, proteção social

básica, trabalho social, território de vivência, Paif.

ABSTRACT: Socioassistential monitoring and the design of

diagnoses are essential to improve the governmental

intervention in the management and operation of social work with

families, in your living area. The demands and social needs

reported by the families, that adhere to the Paif, are an essential

product for the public service, but, nevertheless, we try to

evidence new elements that can contribute to the assurance of

social protection, from the cultural tradition practiced by the

families in the territories of life.

Keywords: public politics evaluation, social protect, social work,

space of life, Paif.

9 Doutora em Serviço Social, Políticas Sociais e Movimentos Sociais pela Pontificia Universidade Católica de São Paulo (PUSP).Pós-doutoranda no Programa PNDP/Capes/PPGSS/UFPB. 10Professora do curso de Graduação e de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba,

João Pessoa/PB,.Doutora em Serviço Social pela UFRJ. Pós doutora em Serviço Social pela PUC-SP.

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1 INTRODUÇÃO

O artigo em voga foi elaborado a partir de desdobramentos e acúmulo e experiências

de trabalho de campo de caráter nacional, no âmbito do Serviço de Atenção Integral à Famílias

(PAIF) realizada no ano de 2018.11 Certamente um estímulo para desencadear novas

perspectivas de estudos e pesquisas de âmbito acadêmico a fim de serem partilhadas e

somadas a outros estudos acerca desta temática que pesquisadores têm investigado Brasil

afora.

Partimos da compreensão de que a Proteção Social Básica (PSB) configura-se como

o centro articulador e estruturante da Política de Assistência Social, quando se pensa na

prevenção das diversas situações a que os indivíduos podem vivenciar nos seus territórios de

convívio, e também, o campo da provisão do fortalecimento do bem-estar individual e familiar.

Como nos informa a Política Nacional de Assistência Social (PNAS, 2004, p.33), ela tem como

objetivo “prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e

aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários”. Sendo destinada em sua

essência “à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza,

privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e,

ou, fragilização de vínculos afetivos – relacionais e de pertencimento social (discriminações

etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras)”.

O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), inaugurado pela

PNAS (2004), consolida-se a partir da Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais

em 2009, reconhecendo que “as vulnerabilidades e riscos sociais, que atingem as famílias,

extrapolam a dimensão econômica, exigindo intervenções que trabalhem aspectos objetivos

e subjetivos relacionados à função protetiva da família e ao direito à convivência familiar”

(BRASIL, 2012, p. 09-10). O PAIF, se constitui, portanto, na porta de entrada de atenção

primária e de caráter continuado, ofertado no CRAS, cujo principal função é de fortalecimento

do papel protetivo das famílias, de maneira que sejam protagonistas sociais, de modo tal

sociais e capazes de responder pelas atribuições de sustento, guarda e educação de suas

crianças, adolescentes e jovens, bem como de garantir a proteção aos seus demais membros

em situação de dependência, como idosos e pessoas com deficiência, como prevê a

Constituição Federal (MDS, 2012).

Assim, o PAIF é basilar para o fortalecimento da PNAS como política pública, dever

do Estado e direito de cidadania que, além de enfrentar riscos sociais, atua na sua prevenção.

11 A pesquisa “Aprimoramento do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF -, a partir da identificação, sistematização e análise de práticas metodológica de trabalho social com famílias” foi desenvolvida no âmbito do JOF: 0292/31278/2017, PNUD, 2018.

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Inova ao materializar a centralidade e responsabilidade do Estado no atendimento e o

acompanhamento das famílias, de modo proativo, protetivo, preventivo e territorializado,

assegurando o acesso a direitos e a melhoria da qualidade de vida. Nesta direção, partimos

das seguintes premissas:

▪ O trabalho social com famílias supõe, portanto, a produção de um saber-fazer, construído

e partilhado no coletivo de redes colaborativas presentes no território de vivencia; supõe

ainda, a existência de relações e vínculos horizontais que dialoguem com os agentes e

famílias no território, numa dimensão de trocas de saberes interdisciplinares e

colaborativos.

▪ O trabalho social com famílias exige permanente processo de formação que qualifique a

análise de práticas - individual e coletivas. O que demanda à necessidade constante de

estudos que possibilitem elucidar caminhos e estratégias metodológicas em torno do

trabalho social no âmbito da Proteção Social Básica, frente ao cenário de dilemas e

desafios dos fluxos e processos em escala do cotidiano da gestão do território e das

cidades;

▪ O trabalho social não começa a partir da técnica ou do técnico, mas se constrói à medida

que as trajetórias de vida se encontram e indicam pontos em comum, que se conectam a

determinantes econômicos, políticos, sociais, culturais;

▪ Cabe ainda o registro que ainda prevalece uma desvinculação entre o trabalho social e a

luta pela sobrevivência cotidiana dessas famílias, que ainda são vistas pela composição

de sujeitos de direito, cidadãos possuidores de história, trajetórias de vida.

Portanto, partimos da hipótese de que um dos fatores elementares para a identidade

e o fortalecimento de vínculos interpessoais se dá pelas mediações sócio culturais que

configura expressão primeira de pertença ao grupo, ao território; assim como, para as

crianças, a socialização se perfaz pela sua família e costumes.

Considera-se ainda que, quanto maior a razão de dependência apresentada num

determinado espaço, maior deveria ser a atenção diferenciada para trata-lo com a finalidade

de garantir-lhe equidade frente aos demais. Nesse sentido é pressuposto dado que o território

se constitui como “o chão das políticas públicas” – lugar em que o onde (se realiza) faz

diferença! Nessa perspectiva, o território é um determinante na gestãoda proteção social

básica, que incide diretamente na gestão municipal, responsável pela oferta de serviços na

rede socioassistencial.

Outra importante dimensão a ser contemporizada se refere aos mecanismos de

avaliação de municípios e serviços a serem contemplados pelos governos Federal e

Estaduais com co-financiamento e repasses dos recursos para o funcionamento dos mesmos.

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Entre eles destacam-se o Índice de Gestão Descentralizada (IGD) e o Indicador de

Desenvolvimento do Centro de Referência de Assistência Social (IDCRAS).Ressalta-se que

o PAIF é realizado no âmbito da proteção social básica do município, mediante repasses para

o co-financiamento do serviço no bloco da proteção básica, embora nem todos os serviços

sejam, necessariamente, co-financiados pelos demais entes.

Mas a perspectiva financeira pautada nos índices supracitados não detém conteúdos

acerca da qualidade dos serviços, tão pouco da satisfação de seus usuários, sobremaneira,

das condições objetivas para oferta do serviço (recursos humanos, orçamentários,

infraestruturais etc.), assim como atenuam a relação do cidadão com o seu território. Nesse

sentido, há que se investigar outros elementos que possam abarcar subjetividades acerca da

atuação dos trabalhadores do SUAS, das famílias, do território, sem perder a essencialidade

para atuação em standards do sistema único de alcance nacional.

A PSB está atenta em contribuir com a “inclusão e a equidade dos usuários e grupos

específicos, ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais,

em áreas urbana e rural”. PNAS (2004:33). Nessa perspectiva de ampliar a capacidade da

política de adentrar ao chão, ao território de vivência das famílias, o II Plano Decenal da

Assistência Social (2016-2026), classificou os grupos específicos em um conjunto de 15

segmentos, a saber: indígenas; quilombolas; ciganas; comunidades de terreiro; extrativistas;

pescadores artesanais; ribeirinhas; assentadas da Reforma Agrária; acampadas rurais;

agricultores familiares; beneficiárias do Programa Nacional de Crédito Fundiário; atingidas por

empreendimentos de infraestrutura; de presos do sistema carcerário; de catadores de material

reciclável; pessoas em situação de rua; muito embora o Censo CRAS (2018) ainda atenha-se

a classificação de 6 grupos, a saber: quilombolas, indígenas, ribeirinhos, ciganos, de matriz

africana e de terreiro, extrativistas e outros.

Portanto, é a partir da presença dos grupos específicos que esta investigação

procurou contribuir com a análise dos serviços de proteção social ofertados localmente.

Aproximando a escola de pensamento que trata dos direitos humanos pelo prisma do

multiculturalismo e interculturalidades e o saber fazer dos serviços de proteção social

territorializados.

Essa vertente acadêmica é defendida por pesquisadores como Boaventura (2009)e

outros que juntos assumiram pensar o valor do território e das práticas culturais presentes,

aos saberes fincados no território de vivência das famílias, no caso em voga, que chegam ao

CRAS, ao PAIF. São expressivos ainda os pesquisadores que compreendem o CRAS como

um instrumento da política pública para meiação com os cidadãos, muitos associados a escola

de pensamento fundada pela Gestão Social; gestão esta que poder vir a ser mediada por

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governos ou sociedade civil, se perfazendo pelo respeito às práticas e culturas sociais, muitas

vezes, de ordem ancestral, mas também culturalmente demarcada pelo meio, numa gestão

compartilhada e horizontalizada entre os atores envolvidos. Entre outras perspectivas,

salvaguardamos a de Araújo: “trata-se de uma modalidade [de gestão] que pressupõe um

humanismo radical, criatividade e ética. Enquanto objeto social para lidar com as

contingências entre o público e o privado na consolidação das democracias (...)”. (ARAÚJO,

2014, pg. 88).

Poderíamos ainda mencionar a psicologia do ambiente, que nas palavras de Ribeiro

(2018) possibilitam

Uma análise ampliada sobre as relações das pessoas com um dado espaço territorial (...) permite reconhecer como os indivíduos compreendem suas crenças, afetos, significados, forma de apropriação dos espaços, sinais de pertencimento e/ou desenraizamento ao lugar (...), levando em conta aspectos sociopolíticos, socioeconômicos, culturais e contextuais. (RIBEIRO, 2018, p.46).

Portanto, há um acúmulo tendo sido produzido em diversas áreas do conhecimento,

não apenas circunscrito ao Serviço Social, que aportam recursos valiosos para os estudos e

pesquisas que, como este, pretendem agregar novos elementos para re-qualificar o trabalho

social com famílias em seu território de vivência.

2 MÉTODOS E TÉCNICAS

A investigação deste objeto se sustentou em dados primários e secundários, a fim

de compor uma parte dos instrumentos que avaliam a PSB, a partir da construção de um

mosaico de elementos combinados por meio da operação dos CRAS, do PAIF e do território

de vivência das famílias que se utilizam do serviço em voga.

A estratégia diferencial da investigação foi a de analisar a presença versus ausência

de povos tradicionais entre os municípios da região metropolitana das capitais nordestinas,

com território contíguo à capital. Ao todo o estudo versou sobre um conjunto de 62 municípios.

O estudo versou essencialmente na Região Nordeste do país, sobretudo na atenção

as áreas de alcance da região metropolitana das capitais (vide Imagens 1-9), com recorte

daqueles municípios circunvizinhos de territorialidade contigua à capital. A exceção foram as

regiões metropolitanas de Salvador e São Luís do Maranhão, que embora constituam um

grupo de municípios que exercem influências entre si, não necessariamente são território

contíguos, mas com separação territoriais impostas pela natureza da sua geografia (cercadas

por mar, rios e ilhas). Ressalta-se que entre as capitais nordestinas, a única que não está

localizada pela cercania do mar é Teresina, capital do Piauí.

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Imagem 1 a 9 – Mapas das Regiões metropolitanas das capitais nordestinas, com

destaque para os municípios selecionados para o estudo.

Salvador/BA Aracajú/SE Maceió/AL

Recife/PE João Pessoa/PB Natl/RN

Fortaleza/CE Teresina/PI Maranhão/MA

Fonte: elaboração própria, com auxílio do Google Maps, 2019.

Utilizamos o software Excel como auxílio para análise e tratamento de dados

secundários coletados nas seguintes fontes: Ministério da Cidadania e antigo Ministério do

Desenvolvimento Social, IBGE e IPEA.

Finalmente, adotou-se uma análise crítica acerca das diversidades socioterritoriais e

suas implicações na oferta e relatividade impostos aos serviços de proteção social na Região.

3 DISCUSSÕES

Nem sempre as áreas de abrangência dos CRAS abarcam grupos específicos,

contudo, já é uma tônica a quantidade absoluta de serviços que atuam com grupos específicos

com características diversas, seja pela presença do equipamento no território seja pela

atuação de equipes volantes que transitam pelo território.

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Gráfico 1 – Evolução de CRAS atuando com grupos específicos no Brasil, 2015-2018.

Fonte:elaboração própria, baseado em MDS/Censo SUAS, 2018.

Entre os anos de 2015 e 2018 este incremento foi de 1234 serviços incorporando o

trabalho social com famílias caracterizadas por uma especificidade. As maiores expressões

dos grupos específicos são de característica quilombola (25,99), seguidos dos povos

indígenas e ribeirinhos (17,71 e 16,89 respetivamente), os grupos de ciganos (13,92), de

matriz africana e de terreiros (9,53) e extrativistas (5,86) também estão presentes no território

nacional, mas com menores expressões.

Gráfico 2 – Proporcionalidade de Grupos específicos atendidos em CRAS no Brasil, 2018.

Fonte:elaboração própria, baseado em MDS/Censo Suas, 2018.

Ainda há uma expressão de 10,13% de grupos de outra natureza não descrita no

CensoSUAS (MC, 2018), conforme observado no Gráfico 2.

O apontamento descoberto neste estudo foi a discrepante incidência da presença de

CRAS atuando com grupos específicos entre as Regiões brasileiras. A região Nordeste detém

praticamente o dobro de serviços com essa prática interventiva, somando 41,99% da

totalidade. Soma-se a este, por exemplo, a desvinculação da Razão de Dependência aos

indicadores sintéticos apropriados pelo Governo, para transferência de recursos, ou similares

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como o Índice de Desenvolvimento Humano, Índice de Gini, entre outros com algum grau de

correlação socioterritorial agregada.

Se consideramos a proporcionalidade entre a presença de CRAS versus a presença

de CRAS atuando com grupos específicos essa expressão recairia sobre as regiões Norte e

Centro-oeste com 48,87% e 48,54% respectivamente. O Nordeste vem em sequência com

uma proporcionalidade de 36,94 serviços atuando com grupos específicos.

Tabela 1 – Proporcionalidade de CRAS atuando com grupos específicos por Região do

Brasil, 2018.

Fonte:elaboração própria, baseado em IBGE (2019) e MDS (2014).

Outra importante referência regional recaí sobre a Razão de Dependência, que

correlaciona o peso da população considerada dependente/inativa, com idades entre 0 e 14

anos e maiores de 65 anos, frente a população potencialmente ativa, com idades entre 15 a

64 anos. A tabela 1, demonstra tamanha expressividade dessa taxa no Brasil, mas, as regiões

Norte (69,0%) e Nordeste (62,6) as únicas que superam a média nacional.

Uma análise amiúde das Regiões Metropolitanas que compreendem a capital dos

Estados do Nordeste explicita ainda uma forte presença de grupos específicos, destacando

sua presença, inclusive, nas capitais de Estado, como observado nos municípios de Teresina

(com 100% dos CRAS atuando com grupos específicos), São Luís (65%) e João Pessoa

(54%). Nas demais capitais há presença de serviços atuando com grupos específicos, mas

atuando em menor proporção; com exceção de Recife e Natal, que não indicaram atuar com

grupos desta natureza.

Brasil e

Regiões

Proporcionalidade de

CRAS atuando com

grupos tradicionais

versus a presença de

CRAS na Região

Razão de

dependênciaTaxa de Urbanização

(1)

NA % NA % NA % % %

Norte 12.342.627 7,46 302 12,98 618 7,50 48,87 69

Nordeste 46.995.094 28,42 977 41,99 2.645 32,10 36,94 62,6

Sudeste 70.190.565 42,44 447 19,21 2.843 34,50 15,72 49,9

Sul 24.546.983 14,84 301 12,94 1.516 18,40 19,85 51,6

Centro-Oeste 11.296.224 6,83 300 12,89 618 7,50 48,54 52,3

Brasil 165.371.493 100,00 2.327 100,00 8.240 100,00 _ 55,5

Presença de CRAS atuando

com grupos tradicionais

(específicos)

% CRAS no Brasil

2016Projeção da população total

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Gráficos 3 a 11 – Presença de CRAS atuando com Grupos Específicos em municípios da

região metropolitana de capitais da Região Nordeste, 2018.

Fonte: Elaboração própria, baseada em MDS/Censo SUAS, 2018.

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A priorização de dados de conteúdo mais qualitativo e territorializado, como são os

serviços que atendem grupos tradicionais (específicos), demonstrou-se estratégico para

pensar a proteção social e o território de vivência e, sobretudo, para uma atenção diferenciada

e própria para o trabalho social com famílias no território de vivência.

As capitais de Estado e suas respectivas regiões metropolitanas, são verdadeiras

áreas de conurbação de cidades, cada vez mais urbanas e complexas, que exercem

influências entre si, sobretudo, pela regência de ordem econômica que propagam.

Nesse sentido, observar a presença de grupos tradicionais em capitais de Estado é

uma informação altamente relevante, no sentido de desvelar a força das tradições culturais

frente às imposições individualistas e fluidas que caracterizam os centros uranos das grandes

cidades e metrópoles, normalmente caracterizados por grupos específicos formados por

atingidos por empreendimentos de infraestrutura;por presos do sistema carcerário;por

catadores de material reciclável;por pessoas em situação de rua, por exemplo.

Ademais, é forçoso registrar que os dados são uma proxy da realidade e não a

realidade em si, portanto, não significa que os grupos tradicionais tenham sido extintos ou

“mudado de lugar” (indígenas, ribeirinhos, quilombolas etc.). Nesse sentido, o dado é ainda

mais valioso, pois ressalta a hipótese de que eles podem estar aonde sempre estiveram, mas

o trabalho social na ponta ainda não os tenha identificado, portanto, um elemento a ser

pautado com diferentes estratégias, pela vigilância social in loco.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Avaliação das políticas públicas é uma tônica para assegurar maior efetividade dos

serviços públicos à população, menor custo-benefício para alcance de resultados eficientes

e, portanto, com vistas a gerar alterações da realidade social e dos cidadãos no seu território

de vivência.

O estudo revelou que os indicadores de monitoramento da PSB (IDCRAS e IGD)

são frágeis para representar características, perfil e performance na oferta de seguranças e

de direitos cabidos e esperados neste âmbito de proteção (básica), na medida em que ater-

se sobre a presença de CRAS atuando com grupos específicos/tradicionais, não basta para

reorientar as premissas do trabalho social com famílias no território – aonde há de fato um

grupo, uma cultura – mas é um caminho que parece promissor.

Na historiografia do Brasil já são conhecidos os dados que mostram que a população

do Nordeste foi “relegada à própria sorte por muito tempo”, por projetos políticos que

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privilegiavam o desenvolvimento de determinadas regiões em detrimento do

subdesenvolvimento de outras. Os traços desse processo histórico de esquecimento

acompanham os movimentos de desenvolvimento, principalmente por meio de práticas que

carregam “vícios” e se enraizaram, consolidando uma cultura política equivocada.

Ao mesmo tempo, não se pode negar a riqueza e o potencial de inovação, das

manifestações culturais, da arte, das reservas naturais entre outras, detém sobre a relação

de vida no território de vivência e, portanto, na relação de pertença social que a Região

Nordeste apresentou.

Portanto é forçoso reiterar a urgente readequação dos instrumentos da política

pública de assistência social, a fim de proteger os vínculos primários de proteção social – que

antecedem a presença do Estado – e são imprescindíveis para dar concretude e maximizar

os resultados do trabalho social com famílias no seu território de vivência.

Reitera-se que o planejamento e o financiamento são ferramentas para

sustentabilidade da gestão municipal, do CRAS e do PAIF. Embora ainda pouco dominados

na sua vinculação com as peças orçamentárias, conseguem, incrivelmente, suprimir e

prevalecer sobre o teor do serviço propriamente dito, sobre a clareza acerca de suas funções,

de suas responsabilidades e resultados locais. É duro observar o governo engessado num

modus operandi pouco claro, por vezes duvidoso, que não desvela elementos que nos

permitam responder, a final, em que medida o PAIF tem contribuído para o fortalecimento da

Proteção Social Básica no território?

O domínio da vigilância socioassistencial é uma via que precisa ser absorvida em

todos os níveis da gestão da PSB. A partir do manejo dos dados foi possível identificar quão

rico e precioso são os territórios que abrigam e alimentam culturas ancestrais que conferem

identidade ao indivíduo e seu grupo por sobre o território vivido, endossando os princípios da

psicologia ambiental. Quanto devem ser protegidos esses vínculos de proteção vicinais

primevos que mal se expressam nas demandas sociais? Como podem os indicadores de

monitoramento parecerem fadados à lógica tosca de justeza monetária se não são expressos

os vínculos de proteção social da rede primária das famílias no território, pela sua cultura e

pertença?

Talvez seja correto inferir que levantamos mais dúvidas do que respostas, mas esse

passo é irrefutável para salvaguardarmos qualidade princípios para re-orientar o trabalho

social com famílias no Nordeste; para a proteção dos traços culturais que são a sua maior

riqueza, ainda que num contexto socioeconômico absolutamente fragilizado pela sua história

e pelas permanências socioeconômicas desta história. Essa é uma tônica que cunhou o Norte

e o Nordeste do país – e será por esse mesmo motivo, a justificativa para avançarmos na luta

Page 37: MESA TEMÁTICA COORDENADA/MTC: PROTEÇÃO SOCIAL ANTE … · 2019-12-04 · O presente artigo foi elaborado a partir do projeto de pesquisa AVALIANDO A ... e os gestores municipais

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por prioridade e equidade na distribuição de recursos governamentais para promoção e

proteção social de nossos povos.

REFERÊNCIAS

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______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais. Brasília, DF, 2014 (reimpressão) . ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.Contribuições para o Aprimoramento do PAIF: Gestão, família e território em evidência. Consulta pública entre 30 jan. 2019 e 18 de mar de 2019. Brasília, 2018. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.Censo SUAS 2015-2018. Brasília, 2018. Consulta em 25 de abr. de 2019. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.Orientações Técnicas da Vigilância Socioassistencial. Brasília, 2013. ______. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.Caderno de Orientações sobre o Índice de Gestão Descentralizada do Sistema Único de Assistência Social - IGDSUAS. Brasília, 2012. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. IBGE/DPE/Departamento de População e Indicadores Sociais. Divisão de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica. Projeto UNFPA/BRASIL (BRA/98/P08) - Sistema Integrado de Projeções e Estimativas Populacionais e Indicadores Sócio-demográficos. IBGE, 2018. RIBEIRO, E.M. Indivíduo e Contemporaneidade. Universidade Federal da Bahia, Escola de Administração, Gestão do Desenvolvimento Territorial. Salvador, 2018. SANTOS, B.S. Direitos Humanos: o desafio da interculturalidade, In Revista de Direitos Humanos, n. 2, nov. de 2009. Acesso em 22 de abr. de 2019.