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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁCENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIATRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE GEOGRAFIA
T R A G É D I A A N U N C I A D A:“A FAVELIZAÇÃO PROMOVE A EXPANSÃO
TERRITORIAL NO SÍTIO URBANO DE BELÉM”
EDER JÚNIO LIBÓRIO
Belém – Pará
2002
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁCENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIATRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE GEOGRAFIA
T R A G É D I A A N U N C I A D A:“A FAVELIZAÇÃO PROMOVE A EXPANSÃO TERRITORIAL
NO SÍTIO URBANO DE BELÉM”
E D E R J Ú N I O L I B Ó R I O
9 7 0 3 5 0 0 5 – 0 1
BANCA EXAMINADORA
_______________________________ Conceito : ___Bom__________ Prof. Msc. Pedro Rocha Silva
_______________________________ Conceito : ___Excelente______ Profª. Msc. Suelene Leite Pavão
_______________________________ Conceito : ___Excelente______ Prof. Dr. Roberto M. de Oliveira
2
Belém, 28 de Junho de 2002
“Quando a discussão ética é feito isoladamente,
despolitiza o debate de projetos. A ética não deve ser o
centro, mas a base da discussão”
Tarso Genro –Porto Alegre/RS
3
“A política nada tem haver com a sala de aula, pois
as virtudes da política são incompatíveis com as do
professor. E não se pode ser ao mesmo tempo homem de
ação e homem de pensamento”
Max Weber
4
“È possível ser um bom cidadão sem possuir virtude;
contudo isso o faz apenas um homem de bem.”
Aristóteles
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D E D I C A T Ó R I A
Dedico essa Monografia as mulheres mais importantes em minha vida:
1º - À Dona Angelina Maria de Jesus, por ser ela, a real responsável por
esse e todos os sucessos a que eu venha conquistar em minha existência,
pois seu carinho, educação, vivência familiar e exemplo de vida foram
fundamentais e estimularam minha perseverança e dedicação acadêmica
como o será em toda a minha vida. Todo aprendizagem de mundo me
transmitido amorosamente por minha amada Mãe adotiva, e todo o amor e
consideração dispensado a mim valem bem mais que todos os títulos que
eu possa a vir receber;
2º - À Dona Barbara de Jesus Libório, minha mãe biológica; sem ela minha
aventura na Terra não seria possível. Seu amor de Mãe, sua “garra”, força,
fé e história de vida me valem de inspiração a vencer todos os desafios
que cruza(re)m meu caminho sem fraquejar jamais;
3º - E por fim à minha adorada Consorte Srª. Darcilene Guerra da Silva,
que os cuidados, tolerância e amor dispensado me conduziram, e devem
conduzir-me durante toda a vida, a mais essa vitória, cujo todos os louros
devem ser imputados a valorosa e amada mulher, esposa, e em breve,
Mãe...
6
A G R A D E C I M E N T O S
Agradeço em primeiro lugar à Deus que ofereceu a dádiva da vida, e
que me ilumina e me protege em todos os momentos, mesmo aquele em
que não mereço a sua infinita misericórdia;
Ao Departamento e Colegiado de Geografia e a Universidade federal
do Pará como um todo;
À Todos os Professores que se dedicaram em promover a construção
de meu conhecimento profissional e cidadão, em especial a meus
Orientadores Professores Roberto Monteiro de Oliveira e Fátima;
Aos funcionários do Departamento Evaldo e Angela, que servem de
forma brilhante o Departamento e Laboratório de Geografia da UFPA;
À todos os profissionais do Centro de Filosofia e Ciência Humanas,
na pessoa da Diretora do Centro Professora “Naná”;
Aos membros da Banca Examinadora, Professor e amigo Msc. Pedro
Rocha e a Professora e amiga Msc. Suelene Pavão;
À Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área
Metropolitana de Belém (CODEM) e a Primeira Comissão Demarcadora de
Limites (PCDL), respectivamente nas pessoas do Sr. Nestor e Dalberson,
que cordialmente nos cedeu as plotagens das representações
cartográficas presente na monografia;
Ao amigo e colega de profissão Danny Souza (o Índio da Geografia),
que editou os croquís existente na monografia, além de ter sido durante
todo o período acadêmico um excelente companheiro;
Ao técnico de informática Júnior por ter reparado voluntariamente
nosso computador;
À todos os moradores do Conjunto Jardim Sevilha, objeto de nossa
pesquisa, e em especial aos Senhores Sidney Rocha, Alberto Silva, João
Vigílio, Altair Rocha, Sérgio das Vísceras e ao Sr. Derocí L. do Nascimento
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(o Ceará), que gentilmente colaboraram conosco sendo nossos
informantes;
À boa amiga Renata Paixão, cujo o exemplo de companheirismo e
lealdade fortalece nossa esperança num mundo mais solidário e humano;
À amiga e camarada Regina, que sempre contagia com a vossa
alegria e ternura com que trata a todos em sua volta;
À todos os amigos (as) e companheiros (as) da “Turma do Guati”,
por ter nos proporcionado com que o período acadêmico ter sido
extremamente agradável, festivo e cheios de “Imperatividade” positiva;
Aos amigos (as) veteranos (as), atuais geógrafos (as), Expedito,
Sueli, Fabiano Bringel, Braulio, Túlio, Fernanda, e em especial, ao saudoso
Márcio Gley, com quem compartilhei bons momentos na academia, e cujo
as atitudes e posturas inspiram-me a um comportamento ético, a
motivação e atuação político-social;
Aos colegas e companheiros do Diretório Central dos Estudantes
(DCE), com quem compartilhei a gestão do DCE da UFPA do último ano;
À todos os colegas estudantes do curso de Geografia e a todos que
diretamente e indiretamente contribuíram para elaboração desta
monografia.
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Ì N D I C E D E T A B E L A E D E Q U A D R O S
1.0T A B E L A S
1.1 ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL POR RENDA....................................... 29
1.2 DISTRIBUIÇÃO GEO-ESTATÍSTICA DA POPULAÇÃO E DOS DOMICÍLIOS DE BELÉM..................................................................... 75
1.3 PROCEDÊNCIA DOS MORADORES DO DISTRITO ADMINISTRATIVO DO BENGUÍ – 1982............................................ 81
1.4 FORMA DE AQUISIÇÃO DO IMÓVEL (%)................................... 108
1.5 TEMPO DE MORADIA NO RESIDÊNCIAL (%)........................... 108
2.0 Q U A D R O S
2.1 QUANTIFICAÇÃO E PERCENTUAL DOS INFORMANTES POR SEXO E IDADE.................................................................................... 125
2.2 PROCEDÊNCIA NATAL MORADORES DO JARDIM SEVILHA 126
2.3 NÚMERO DE HABITANTES (POPULAÇÃO RELATIVA EM M²) POR APARTAMENTO................................................................................. 128
2.4 PERCEPÇÃO DOS MORADORES QUANTO A QUALIDADE DE SUA ALIMENTAÇÃO................................................................................. 130
2.5 PODER AQUISITIVO E/OU RENDA FAMILIAR DOS MORADORES DO CONJUNTO.................................................................................. 131
2.6 RELAÇÃO DE TRABALHO EM QUE ESTÃO INSERIDOS OS MORADORES DO SEVILHA........................................................... 131
9
2.7 FORMA DE AQUISIÇÃO DO IMÓVEL......................................... 132
2.8 PERÍODO DE RESIDÊNCIA MORADORES DO CONJUNTO... 132
2.9 GRAU DE ESCOLARIDADE DA POPULAÇÃO SEVILHENSE. 133
2.10 MOVIMENTO MIGRATÓRIO INTRA-URBANO (POR DISTRITO ADMINISTRATIVO) REALIZADO PELOS MORADORES.......... 134
2.11 GRAU DE SATISFAÇÃO (OU NÃO) DOS MORADORES PELO LOCAL DE RESIDÊNCIA.................................................................. 135
2.12 FATORES POSITIVOS E NEGATIVOS, INTERNOS AO CONJUNTO IDENTIFICADO PELOS MORADORES..................................... 136
2.13 NÍVEL DE PREOCUPAÇÃO DOS MORADORES PARA COM O FUTURA DO CONJUNTO................................................................ 136
2.14 SENTIMENTO SUBJETIVO DOS MORADORES PARA COM A COMUNIDADE..................................................................................... 137
2.15 GRAU DE PERCEPÇÃO DOS MORADORES QUANTO A ENTIDADE REPRESENTATIVA LOCAL........................................................... 142
2.16 GRAU DE REPRENTATIVIDADE DA ENTIDADE LOCAL (AMOJAS) JUNTO AOS MORADORES............................................................... 142
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Ì N D I C E D E F I G U R A S
1.0 F I G U R A S
1.1 MONUMENTO DO MARCO INSTITUCIONAL DA PRIMEIRA LÉGUA PATRIMONIAL DO MUNICIPIO DE BELÉM........................................... 44
1.2 CONFIGURAÇÃO DO CENTRO COMERCIAL DE BELÉM.................. 54
1.3 LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DO MUNICÍPIO DE BELÉM............... 71
1.4 CROQUI DO DISTRITO ADMINISTRATIVO DO BENGUÍ.................... 82
1.5 PLANTA URBANA DA OCUPAÇÃO JARDIM SEVILHA E RESIDENCIAIS ADJACENTES................................................................................................. 84
1.6 DELIMITAÇÃO DAS MICRO BACIAS HIDROGRÁFICAS DO DISTRITO ADMINISTRATIVO DO BENGUÍ................................................................ 87
1.7 POÇOS ARTESIANOS. PROFUNDIDADE 12 METROS......................... 93
1.8 A PISTA PRINCIPAL ANTES DO SANEAMENTO (ASFALTAMENTO) 98
1.9 REDE DE ABASTECIMENTO ENERGIA ELÉTRICA REGULARIZADA 115
1.10 FESTA DE INAUGURAÇÃO DA PISTA PRINCIPAL ASFALTADA PELO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO................................................................. 117
1.11 FOTO AÉRIA DO CONJUNTO JARDIM SEVILHA................................ 124
1.12 ESPAÇO INTERNO DOS APARTAMENTOS DE 40 M² CONSTRUÍDOS 128
1.13 FOTO DA PISTA PRINCIPAL ANTES DE SER ASFALTADA.............. 139
11
S U M Á R I O
CONSIDERAÇÕES INICIAIS..................................................................................................... 01
1.0 REFERÊNCIAL TEÓRICO............................................................................................... 04
2.0 INVESTIGAÇÃO ETIMOGRÁFICA E FILOSÓFICA ACERCA DAS CATEGORIAS
E/OU PALAVRAS CHAVES FUNDAMENTAIS À MONOGRAFIA. ....................... 12
3.0 ORIGENS HISTÓRICA,JURÍDICA E SÓCIO-MATERIAIS DA QUESTÃO DA
MORADIA POR PARTE DA POPULAÇÃO DA BAIXA RENDA............................. 17
4.0 EXCLUSÃO OU SEGREGAÇÃO: TERMOS EM DISCUSSÃO.................................. 26
5.0 FAVELA: UM TERMO E UMA REALIDADE EM DISCUSSÃO............................... 30
6.0 DA BAIXADA A PERIFERIA DISTANTE: MIGRANTES EM BUSCA DE UM
LUGAR PARA SE VIVER............................................................................................... 41
7.0 RESGATE DA FORMAÇÃO TERRITORIAL DA CIDADE DE SANTA MARIA DE
BELÉM DO GRÃO PARÁ.............................................................................................. 57
8.0 PROCESSO DE VERTICALIZAÇÃO EM BELÉM: ORIGEM GEO-HISTÓRICA DA
FORMA DE MORADIA NA FAVELA EM ESTUDO.................................................. 76
9.0 FORMAÇÃO ESPACIAL E TERRITORIAL DO DISTRITO ADMINISTRATIVO
DO BENGUÍ....................................................................................................................... 79
10.0 LOCALIZAÇÃO,ASPECTOS MORFOCLIMÁTICOS E AMBIENTAIS DA ÁREA EM ANÁLISE.............................................................................................................................. 82
11.0 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E JURÍDICA DA CONFIGURAÇÃO E USO DO
SOLO DA ÁREACOMPREENDIDO PELO RESIDENCIAL JARDIM SEVILHA... 99
12
12.0 ANÁLISE GEO-ESTATÍSTICAS SOBRE A PERCEPÇÃO COLETIVA DOS MORADORES ACERCA DO JARDIM SEVILHA...................................................... 122
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ .................................143
BIBLIOGRAFIA............................................................................................................................ 153
ANEXOS...................................................................................................................................... 158
R E S U M O
A monografia que se apresenta objetiva a avaliação para a Conclusão do Curso de
Bacharel e Licenciado Pleno em Geografia realizado pelo Departamento de
Geografia do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do
Pará, onde nós utilizamos várias escolas do pensamento geográfico, e também
teorias e conceitos das mais diversas áreas do conhecimentos científicos.
Iniciaremos demonstrando que a lingüística sempre fora utilizada como instrumento
ideológico dos grupos sociais hegemônicos para manipular e conservar o status quo
e o poder sobre os seguimentos dominados. Discutiremos depois como a questão
da desigualdade sócio econômica se instalou, e tradicionalmente, se consolidou na
sociedade brasileira, concomitante a formação do território nacional. Veremos que
termos e entendimentos são erroneamente utilizados a fim de satisfazerem
interesses ideológicos, sendo que acabam banalizados sem que impactos sejam
sentidos na realidade sócio espacial. Iremos perceber como ocorreu a formação
territorial da cidade de Belém, e como uma cidade provinciana, construída sob uma
estratégia geopolítica militar se transforma em uma metrópole regional periférica na
economia global. Nos é explicitado a influencia do êxodo rural-urbano no processo e
na forma de ocupação e uso do solo do sítio urbano da Região Metropolitana de
Belém (RMB), e em uma escala intra-urbano reflete na configuração e estruturação
da área de expansão da RMB, em especial no Distrito Administrativo do Benguí.
Verificaremos os impactos ambientais negativos que esta forma irracional de
ocupação, sem um mínimo de manejo sócio ambiental, traz para o meio; e quais as
implicações deste processo para os homens que coabitam e se relacionam com
esses espaços geográficos degradados. Estudaremos o processo de espacialização
que, efetivamente, se evidenciou na área que compreende a ocupação clandestina
do Conjunto Jardim Sevilha, denotando quais interesses e causas que contribuíram
para a ocorrência de tal fenômeno. E por fim, nos dedicaremos a análise geo-
13
estatística da realidade contemporânea da área em estudo e dos sujeitos sociais
que a compõe, sendo que tentaremos propor alternativas de superação de algumas
questões intrínsecas a área, bem como identificaremos a percepção dos moradores
em meio a uma (re)territorialização forçada, e a uma árdua construção de uma
identidade urbana e industrial, tendo como complicador a nova ordem global imposta
pela hegemonia da era técnico-científica e informacional, capitaneada pelas países
desenvolvidos e imperialistas.
A B R I D G E M E N T
The monograph that comes objectifies the evaluation for the Conclusion of the Course of Bachelor and Full Licentiate in Geography accomplished by the Department of Geography of the Center of Philosophy and Human Sciences of the Federal University of Pará, where we used several schools of the geographical thought, and also theories and concepts of the most several areas of the scientific knowledge. We will begin demonstrating that the linguistics had always been used as ideological instrument of the groups social hegemonycs to manipulate and to conserve the status quo and the power on the dominated followings. We will discuss later as the economic inequality partner's subject he/she settled, and traditionally, he/she consolidated in the Brazilian, concomitant society the formation of the national territory. We will see that have and understandings are used erroneously in order to they satisfy ideological interests, and they finish banalieds without impacts are felt space partner in fact. We will notice as it happened the territorial formation of the city of Belém, and as a provincial city, built under a strategy military geopolítics they becomes an outlying regional metropolis in the global economy. It is we to explicit it influences it of the rural-urban exodus in the process and in the occupation form and use of the soil of the urban ranch of the Região Metropolitana de Belém (RMB), and in an intra-urban scale he/she contemplates in the configuration and structuring of the area of expansion of RMB, especially in the Administrative District of Benguí. We will verify the negative environmental impacts that this irrational form of occupation, without a minimum of handling environmental partner, brings for the middle; and which the implications of this process for the men that cohabit and they link with those degraded geographical spaces. We will study the espacialização process that, indeed, it was evidenced in the area that understands the secret occupation of the Conjunct Jardim Sevilha, denoting which interests and causes that contributed to the occurrence of such phenomenon. It is finally, we will be devoted the geo-statistical analysis of the contemporary reality of the area in study and of the social subjects that it composes it, and we will try to propose alternatives of surmountion of some intrinsic subjects the area, as well as we will identify the inhabitants' perception amid a forced (re)territorialization, and to an arduous construction of an urban and industrial identity, tends as complicator the new global order imposed by the hegemony of the technician-scientific age and information, captained by the developed countries and imperialists.
14
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Adotamos, como objeto de pesquisa na elaboração de nosso trabalho
de conclusão de curso (TCC), a forma de ocupação clandestina, o uso do solo urbano e
os processos que configuram as áreas de expansão da Região Metropolitana de Belém
(RMB), tendo como ênfase a discussão sobre a (re)territorialização e a (re)construção
da identidade dos sujeitos responsáveis por essa espacialização, em virtude de sermos
um desses atores e morar em uma dessas ocupações.
Discutiremos, especificamente, o caso do Conjunto Residencial
Jardim Sevilha, onde residimos, e para tal lançamos mão de inúmeros instrumentos
informativos para subsidiar a construção do conhecimento sobre a área em questão,
desde artigos de jornais e entrevista com moradores pioneiros da área, passando por
um minucioso estudo bibliográfico acerca de teorias afins que oferecessem a devida
propriedade a pesquisa.
Teremos a presunção de apresentar-lhes alguns novos termos,
categoria e conceitos geográficos e/ou redefini-los; por exemplo: economia ilegal,
favela vertical, etc.; pois no decorrer da pesquisa percebemos a indispensável
necessidade de abordá-los, definindo-os de forma clara e contundente, para de posse
deles podermos melhor interpretar fenômenos sociais freqüentes no local, e que
refletem, em escala micro, a sociedade atual.
Partiremos da premissa de que a questão do uso e propriedade do solo
no Brasil tencionou consideravelmente a partir da promulgação da Lei da Terra em
1850, pelo Senado Federal, que definiu que a posse da propriedade e aquisição de
terras só poderia ser feito através da compra, salvaguardando algumas e limitadas
peculiaridades e direitos adquiridos, favorecendo consideravelmente os interesses dos
latifundiários da época.
15
Desde então a questão imobiliária vem se acirrando década à década,
regime à regime, culminando em escala local e temporal, no fenômeno atual e
freqüente que ocorre nas áreas urbanas, a exemplo da ocupação do Conjunto Jardim
Sevilha, localizada no Distrito Administrativo do Benguí (DABEN), mais
especificamente no bairro Parque Verde, na cidade de Belém capital do Estado do
Pará.
Em virtude da impotência, até certo ponto proposital do Estado em
todo os seus níveis, para solucionar os problemas e desequilíbrios sócio-econômicos e
culturais causados pela herança colonial e agravados pelo sistema capitalista; as
mazelas sociais se ampliam e as contradições tornam-se mais complexas.
Sendo assim, os agentes modeladores do espaço urbano de baixa renda
são obrigados a se adequarem à realidade urbana, adversa à sua condição e posição
social, e a traçarem estratégias e ações alternativas de sobrevivência, que geralmente
confrontam com os interesses dos agentes hegemônicos e também com as legislações
vigente numa sociedade capitalista, “justificando” que por sua vez a parcialidade das
ações governamentais a favor dos modeladores abastados.
Tal processo de ocupação, configuração e uso do solo urbano
organizado por meio de diferentes agentes, relações, interesses e métodos, produz um
espaço complexo em sua forma, conteúdo e funcionalidade, e ainda repleto de
antagonismos, contradições e conflitos, devido sobretudo ao caráter dialético de sua
consolidação.
A fim de elucidar os fenômeno supracitados, nós realizamos uma
exaustiva pesquisa que buscou informações na história da cidade e/ou no seu processo
de formação territorial, explorando as respectivas implicações sócio-ambientais e
psicossociais que impuseram impactos a esse espaço geográfico e aos sujeitos que nele
habitam. Considerando que os fenômenos naturais não determinam o desenvolvimento
da história que os homens constróem onde habitam, contudo, reconhecendo que esses
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fenômenos impõe facilidades e dificuldades a adaptação dos grupos sociais que optam
em estabelecerem-se em um dado ambiente, portanto constituem-se em elementos
fundamentais a suas respectivas evoluções técnicas e de territorialidade, nós
procuramos também explorar as informações ecológicas e hidrogeomorfológicas que
nos conduzissem as respostas mais verossímeis e olísticas possíveis.
Houve também de nossa parte, uma grande preocupação quanto a
representação cartográfica local, que por sua vez foi trabalhada a fim de demonstrar
visualmente a realidade analisada, e para tal um importante instrumento utilizado foi a
ferramenta de software Auto Cad. R14 e Auto Cad. Map, e os demais instrumentos de
informática necessários a elaboração da pesquisa.
Enfim é sobre esses fenômenos sociais, ambientais e urbano que
iremos discorrer; buscando, por meio dessa monografia, a sua elucidação. A partir do
capitulo seguinte vocês poderão nos acompanhar neste debate científico, cuja a valia
reside em seu poder de refletir, com muita propriedade, uma realidade vivida, sentida e
percebida quotidianamente por muitos e, até hoje, compreendida por poucos,
elucidaremos fatores que, se considerados, servirão de instrumentos de aplicabilidade
real àqueles que se interessarem por trabalhar na promoção da melhoria da qualidade
de vida da população migrante, segregada, e empobrecida de nossas grandes cidades
metropolitanas...
17
Capitulo I
REFERÊNCIAL TEÓRICO
Em termos de sustentação teórica, tentaremos fazer uso, o mais
amplamente possível, de todas as ramificações da ciência geográfica associando-a aos
mais diversos saberes interdisciplinares.
Ciente que a maior parte da população das grandes cidades industriais
européias do século XIX vivia em condições insalubres, situação esta criada pelo
desenvolvimento do capitalismo industrial, onde as disparidades entre o crescimento
econômico e a qualidade de vida eram explicita, na Amazônia como área de expansão
capitalista, as mesmas implicações foram sentidas.
Com intuito de mitigar estes impactos e de orientar o crescimento das
cidades, remediar os problemas sociais e condições inaceitáveis em que vivia a
maioria da população urbana, o Estado adotou o planejamento urbano, intervindo de
maneira direta através de construções, e indireta por meio de leis que “orientavam o
uso e ocupação do solo urbano”.
Assim o estado otimiza o uso e ocupação desse espaço no sentido de
ampliar seu poder de controle sobre o mesmo e seus habitantes, operação mascarada
pela concepção estética hegemônica e pelo discurso de salubridade e de atender os
anseios e problemas comuns, que naquele momento reproduz-e-ia no paradigma da
Belle Epoque. Esse por sua vez, era um modelo cultural, urbanístico-arquitetônico e
estético, que exaltava o requinte, o luxo e a ostentação, e fora adotado pela elite
Amazônida, que se caracterizava por valorizar os ideais e estilos diversos importados
e/ou influenciados do modos de vida vivenciados na Europa e, sobretudo, na França do
final do século XIX e início do século passado.
18
Dessa feita os trabalhadores de baixa renda, durante todo o período do
século XX, foram cada vez mais empurrados para as periferias a fim de
“descongestionar/arejar” as áreas centrais das cidades, para facilitar a especulação
sobre os terrenos, assim o centro da cidade foi reorganizado segundo a lógica estética,
racional e funcional do poder, enquanto que a periferia serviria de “escória urbana;
como nos declara Lucci :
“(...) historicamente, a ocupação do solo urbano empurrou a
população mais pobre para a periferia ou para as áreas centrais
deterioradas, de acordo com a necessidade do planejamento urbano
(...)” ( 1997; pg. 211).
Entenda-se aí, a necessidade do planejamento urbano como as regras
do capitalismo irracional e/ou desumano, onde os interesses do Estado e das grandes
empresa, hoje as imobiliárias, são prioridades em detrimento das carências da parcela
majoritária da população.
“... A cidade, portanto resulta da utilização capitalista do espaço
físico, onde é a relação de mercado que controla a operação de
apropriação e uso dos espaços urbanos”... (id.)
Por outro lado, podemos contar com o chamado planejamento
participativo, que surge tardiamente em meados da década passada, regida sob uma
ótica mais justa e democrática, pode amenizar as disparidades e distorções do
urbanismo.
Segundo o que Pedro Demo nos revela, existe componentes
fundamentais ao planejamento participativo, são eles: o primeiro é o autodiagnóstico
ou consciência critica; que pode receber“(...) apoio externo de técnicos, professores,
pesquisadores, mas em ultima instância deve tornar-se apropriação da comunidade”
(1991; pg. 55). Ou seja, fatores externos que contenham a sabedoria popular, atendam
19
as necessidades locais e, sobretudo estar de acordo com a manutenção do modo de
vida e cultura da comunidade em questão.
O segundo “(...) refere-se à formulação de estratégias de
enfrentamento dos problemas detectados, no sentido de unir teoria e prática: saber
para resolver” (id.).
E o terceiro é a necessária organização político-social para o
desenvolvimento das metas estabelecidas. Assim; Pedro Demo, definiu o planejamento
participativo como sendo:
“(...) a organização política competente de uma comunidade com
vistas a descobrir criticamente os problemas que a afetam e a
formular conjuntamente estratégias de solução, despertar para a
iniciativa própria e criando soluções possíveis.” (id.)
Durante muitas décadas o planejamento foi considerado o remédio
para todos os males que assolavam um espaço urbano; este era projetado (idealizado)
através de instituições estatais e segundo seus próprios interesses em detrimento da
localidade (comunidade) afetada, por isso mesmo observa-se, com freqüência, que os
moradores não se sentiam à vontade e reprovavam o ambiente projetado, haja vista que
não se identificavam com o mesmo, pois tais projetos eram elaborados sob total revelia
dos mesmos, devendo estes tão somente, ajustar-se ao plano preconcebido, devido a
prepotência, arrogância dos planejadores que subestimavam (e alguns ainda
subestimam) o valor da contribuição da comunidade e julgavam-se dotados de
completo arcabouço informativo e intelectual, e conhecimentos necessários para a
realização do projeto das supostas “cidades do futuro”.
Eram descartados fatores relacionados ao modo de vida, cultura, e as
necessidades reais da população, além de não ser reservado lugar ao imprevisto e
imprevisível nesses projetos e nestas cidades. Contudo na praxis, o planejamento
20
rígido provou que as idealizações eram falíveis, a exemplo do Distrito Federal e suas
cidades satélites.
Nessa concepção as classes “excluídas” e/ou de baixa renda não
recebem efetivo apoio do Estado e dos chamados poderes públicos e buscam suas
próprias soluções para os problemas, cito, o da moradia . Surgem assim os cortiços, as
favelas, as palafitas, os barracos periféricos e as ocupações coletivas clandestinas
organizadas sob a lógica, estratégia, limitações e criatividade popular. Essas ações e
intervenções populares na configuração do espaço e utilização do solo se dão por meio
dos movimentos populares que é, sobretudo:
“(...) uma estratégia de sobrevivência que desmistifica o mito da
apatia do povo e demonstra uma maior organização por parte dos
trabalhadores do setor urbano que através da mobilização ocupam
áreas ociosas da cidade e tal mobilização se caracteriza como
movimento reivindicatório urbano”. (Sousa;1995, pg. 10)
São cada vez mais freqüentes as organizações de movimentos
reivindicatórios ou populares, sejam urbanos (associações de moradores, clube de
mães, movimento dos sem-teto, etc.) ou rurais (as associações agrícolas, cooperativas,
movimentos dos sem-terra, etc.) que objetivam, primordialmente, a luta pela garantia
dos direitos fundamentais, adquiridos pela Constituição, e por melhoria de qualidade
de vida.
Tais movimentos são na maioria de natureza espontânea, ou seja, não
são controlados pelo Estado e trabalham no regime de autogestão.
O título de cidadão nunca abrangeu todos os brasileiros, haja vista que
ser cidadão é exercer todos direitos civis e políticos garantidos pela Constituição
Brasileira; contudo poucos são os que conquistaram integralmente o direito a vida, à
liberdade, à educação, à habitação, ao trabalho, e a uma vida digna para si e os seus
entes.
21
Essa afirmação pode ser confirmada teoricamente através das
colocações de Paul Singer e Lícia Valladares, que afirmam não existir um lugar digno
para camadas populares na sociedade de modelo capitalista, pois, nessas sociedades se
é necessário possuir renda e esse “segmento” da população não possui recursos para
arcar com as despesas atribuídas às melhores áreas do solo urbano, o que os exigem
ocuparem áreas degradadas ou sem a mínima infra-estrutura necessária, até o momento
que a especulação imobiliária estenda seu domínio sobre elas, criando condições
inevitável a existência de projetos que mudem o perfil daquela localidade e que
consequentemente, empurrará/expulsará esta população carente para locais cada vez
mais distante dos centros, e/ou cada vez mais degradadas, portanto, sem condições
mínimas de ocupação humana.
Neste contexto podemos entender que as invasões de terrenos urbanos
ou ocupações coletivas surgem diante da necessidade do onde morar e do como morar,
diante da impossibilidade da aquisição legal. Diante das dificuldades de sobrevivência
decorrente do agravamento da crise social, das políticas implementadas ou falta delas,
resta a grande maioria dos trabalhadores assalariados ocupar áreas desprovidas de
serviços básicos, onde não há uma legalização definitiva ou indefinida.
Segundo Lefébvre “a ordem capitalista gera o caos urbano”, contudo
a expressão caos urbano ironicamente pode ser definida como “desordem organizada”
segundo a lógica definida pelo mercado e pela segregação, pois a falta de
planejamento e a velocidade com que crescem as cidades geram uma paisagem urbana
de verdadeiro caos; onde imperam as ruas mal traçadas, casas localizadas em palafitas,
nos córregos, nas encostas íngremes, nos mangues, nos igarapés, com excessiva
concentração de pessoas em residências compactadas em espaços extremamente
restrito, onde os esgotos correm a céu aberto em meio à animais mortos e crianças
brincando, etc. Entretanto, a aparente desordem na verdade mascara a ordem do
sistema capitalista de produção e/ou o modelo social capitalista, ou ainda como
menciona Milton Santos: “(...) ao que se chama de desordem é apenas a ordem do
possível, já que nada é desordenado”(1988, Pg. 66)
22
Podemos contudo, facilmente observar que a aparente desordem da
paisagem das ocupações também apresenta uma ordem particular mesmo diante de
uma população que vive com toda espécie de dificuldades e limitações possíveis,
observa-se uma estratificação social entre eles mesmos (ora sutil ora escandalosa), as
casas localizadas próximas às avenidas ou ruas principais apresentam melhor
construção onde geralmente são instalados comércios, juntamente com a moradia onde
pode ser encontrada inúmeros equipamentos eletro-eletrônicos e são servidas de
tecnologia incompatíveis ao nível de vida da esmagadora maioria dos moradores da
área.
Verifica-se ainda quanto mais distantes das avenidas e ruas principais,
piores são as condições do espaço, de habitação e de níveis e qualidade de vida dos
moradores daqueles que ali residem. Embora as causas do fenômeno e o produto sejam
semelhantes as ocupações “Conjunto Jardim Sevilha” apresentam suas especificidades,
pois como afirma Santos:
“(...) cada lugar é singular, e uma situação não é semelhante a
outra(...). Cada lugar combina de maneira particular variáveis que
podem, muitas vezes ser comuns a vários lugares” ( id).
As áreas de ocupações ilegais representam um entrave aos projetos
idealizados pelos urbanistas do sistema hegemônico e aos interesses de mercado das
imobiliárias. Mas desenvolve-se uma política de convivência tolerante resultante
muitas vezes de interesses eleitorais de determinados setores políticos, que adotam
áreas de invasão como redutos eleitoreiros. Efetivam-se também, nessas áreas,
políticas comprometidas com a classe trabalhadora e/ou categorias sociais
empobrecidas, desenvolvidas por setores progressistas do poder governamental com
interesse de dividir o poder de gestão com a sociedade que os elegeram, na tentativa de
amenizar os problemas causados pelos péssimos indicadores sociais, administrar a
crise do capitalismo e tentar solucionar o “caos urbano” historicamente instalado nas
cidades capitalistas.
23
Por mais adversas que sejam as condições de habitação, os moradores
desejam permanecer em casa onde não paguem aluguéis e onde não existam a
necessidade de mudar constantemente.
Outro ponto a ser destacado, diante dos fatores indispensáveis à
sobrevivência nas cidades, é o valor de troca que as benfeitorias passam a possuir.
Esse valor de troca é uma demanda especulativa que encarece cada vez mais o solo
urbano, uma vez que a habitação, pautada nas regras de valorização do jogo capitalista,
torna-se uma mercadoria. Esta , por sua vez, tem preço acessível legalmente apenas a
uma determinada classe da população, pois este é definido diferencialmente pela
localização, pelos consumos e insumos coletivos (abastecimento d’água, de energia, de
transporte coletivo, etc.) que lhes são oferecidos.
O solo urbano tem um valor de troca pautado nas regras do
capitalismo, onde tudo é mercadoria e tem preço. Estes preços são definidos
diferencialmente pela localização e pelos equipamentos urbanos coletivos existentes.
Dessa forma alijados do acesso à áreas mais estruturadas, resta a população de baixa
renda ocupar áreas onde as condições de insalubridade e carências generalizadas são
co-habitantes. Assim a comunidade busca alternativas para suas necessidades, seja
através de organizações de bairro, de “seguimento” social ou através de movimentos
de resistência e ação contrária à lógica hegemônica, para a obtenção de um objetivo
comum.
Tentaremos superar as limitações no que tange a conceitos, categorias
e termos, pois como já fora exposto, não existe numerosas publicações de referência
que aborda especificamente esta questão; contudo não abriremos mão dos termos do
senso comum, próprios da localidade; e muito menos de uma busca contextual,
etimológica, histórico-espacial, imprescindível ao conhecimento da realidade atual de
nosso objeto de estudo.
Partindo dessa premissa, utilizaremos de Milton Santos os conceitos
de “Estrutura (relações entre classes sociais diferentes), Função (utilidade real de um
24
dado fenômeno), Forma (aspecto visível, paisagem analisada ), Processo (sistema
historicamente constituído, dinâmica têmpore-espacial), Fluxos (dinâmica e
mobilidade comercial e de comunicação) e Redes (sistema onde essa comunicação,
mobilidade e dinâmica atua)”, sem os quais o sucesso da pesquisa ficaria ameaçado.
Temos a certeza que no decorrer da pesquisa outros autores e outras
referências, inclusive de outras áreas do conhecimento científico aparecerão para
sustentar teoricamente nosso trabalho, do qual lançaremos mão sem hesitar.
No capítulo que se segue, por exemplo, nós discutiremos a evolução
de termos, palavras e conceitos importantes, que ao longo da história da humanidade,
foi adequando-se ás sociedades e as suas conjunturas e estruturas sociais; incorporando
o sentido ou a “essência original” e ao mesmo tempo ganhando novos significados que
melhores respondessem os anseios do momento. Esse processo demonstra claramente
que a dinâmica social encontra na comunicação e na lingüística um poderoso
instrumento a ser utilizado para reforçar, ideologicamente, as transformações sócio-
espaciais em sua dinâmica perpétua; consolidando-as.
25
Capítulo II
INVESTIGAÇÃO ETIMOGRÁFICA E FILOSÓFICA ACERCA DAS
CATEGORIAS E/OU PALAVRAS CHAVES FUNDAMENTAIS À MONOGRAFIA
Particularmente acreditamos ser interessante resgatar as raízes
etimológicas de alguns termos que consideramos palavras-chaves nesta pesquisa,
numa tentativa de discutir quais foram suas significações ao longo da história dos
homens modernos, quais as suas definições atuais numa possibilidade de se propor
uma outra definição mais próxima da realidade cotidiana desta contemporaneidade.
Um dos termos eleitos foi o de cidade, que na antigüidade clássica
teve uma raiz etimográfica do hebraico Lair, que significou para aquela sociedade a
idéia de ir e vir, denotando uma ação constante de movimento, o locus da dinâmica
sócio-espacial.
Entretanto a raiz etimológica que mais nos interessa, por ser oriunda
do berço da civilização ocidental, é a derivada da sociedade greco-romana, do latim
civitas, civitatis, que teve o significado de uma povoação de graduação mais elevada
que as vilas, onde habitava um conjunto de cidadãos, que por sua vez, eram
considerados aqueles que detinham plenos direitos e gozo civis e jurídicos. É relevante
buscar uma reflexão precisa, em virtude de se tratar de uma sociedade escravista onde
poucos detinham tais direitos.
Entendido mais claramente, em outros períodos, como o conjunto dos
cidadãos que constituem uma cidade, um Estado, porém parece não só ter conservado
o sentido de cidade como também o sentido de “agrupamento organizado”; o sentido
político foi retomado do latim por via culta, no século XVI.
26
O sentido moderno, tanto do termo cidade como o de cidadão, deve-
nos ter chegado do francês: pois perceba o teor desta transcrição que data dos
primeiros dias do mês de Outubro de 1774 e apareceu em circunstância curiosas; um
fidalgo denominado Beaumarchais, tendo sido processado por um conselheiro de
Paris, advogou em pessoa diante o parlamento e fez uma apelo á opinião pública:
“Eu sou um cidadão, disse ele; não sou nem banqueiro, nem abade,
nem cortesão, nem um favorito, nada daquilo que se chama potência,
eu sou um cidadão, isto é , algumas coisa de novo, alguma coisa de
imprevisto e de desconhecido em França; eu sou cidadã, quer dizer, o
aquilo que já devíeis ser a duzentos anos e que sereis dentro de uns
vinte talvez”(Dic. Etimológico, 1976)
O discurso de Beaumarchais teve enorme retumbância, e a datar deste
momento o título de cidadão foi adotado por todos os espíritos liberais e a todos os
homens de iniciativa e preocupados, de alguma forma, com o interesse social,
desvinculando-o da terminologia cidade. O sentido moderno incorporou ainda as
qualidades intrínsecas aos cidadãos sendo o civismo, popular, afável, meigo,
benevolente, sociabilidade, cortesia e a participação política, dentre outras.
Sociedade política e sociedade civil eqüivalem-se na etimologia já que
a palavra originária, grega ou latina (polis ou civitas), tem a mesma significação: a
cidade (comunidade organizada politicamente hoje chamada de Estado). A sociedade
seria a união moral e permanente de várias pessoas em vista de um fim comum: o fim
ou bem comum das pessoas reunidas política ou civilmente é a primeira das causas, a
causa final; as pessoas ou indivíduos racionais, reunião de pessoas (e só pessoas)
forma a sociedade, seria a causa material; a união moral e permanente resultante da
prática de atos racionais e livres, sem a colaboração voluntária dos sócios não haverá
sociedade, esta seria causa formal.
Os diversos tipos de sociedade política encontrados na história têm
algumas características fundamentais comuns, como a aldeia e a tribo. Consideraremos
27
tribo como uma sociedade de pequenas dimensões fundada em vínculos de parentesco
e a aldeia é um tipo intermediário entre a família e a tribo e caracteriza-se pela
localização territorial em torno do mercado ou da cidadela.
A sociedade política passou por uma evolução: tribos, confederação
de tribos, cidade, Império e Nação. Podemos considerar que uma cidade pode ser
construída por uma confederação de “tribos” – grupos sociais distintos e possuidores
de identidade própria - ou formada por famílias de procedência diversa associadas num
mesmo local (daí a polis e a civitas dos antigos). Em todas as formas de sociedade
política constata-se que o indivíduo nunca está abandonado a si mesmo ou aos poderes
absolutos da comunidade total: pertence sempre a um grupo familiar que se integra no
todo social – “nenhum homem é uma ilha”.
O termo Urbano, descende do latim urbe, que significava cidade
muralhada, especialmente a cidade de Roma. Por via culta um latim mais moderno
designa termo urbanu com um significado mais específico, o de cidade, urbano, que
caracteriza a cidade, com um comportamento polido, de bom tom, cultivado, bem
cuidado, espirituoso, fino. Podemos perceber que a significação passa a ser
efetivamente de qualidade e/ou virtude dos homens civilizados, um modo de vida a ser
adotados como exemplares, incorporando o termo urbanidade do latim urbanitate
qualidade do que é urbano, civilidade, boa apresentação e maneiras, o antônimo de
rústico.
Periferia deriva do grego περι elemento de composição culta, que
traduz a idéia de acerca, ao redor, em relação a, que circula por todos os lados; sendo
que quando acrescido do termo também grego φέρεια forma a o substantivo composto
περιφέρεια que é sinônimo de circunferência, parte de um círculo, e arco de círculo.
Este termo também aparece abundantemente nos registros antigos pelo latim
þĕŗĭþħĕŗĭα tendo o sentido de redondeza, daquele que habita nas proximidades.
Atualmente podemos conceber periferia como parte de um todo sistêmico marginal em
relação ao “centro” ou à posição/localização privilegiada, ou ainda hierarquicamente
superior.
28
Outro termo de suma importância neste estudo e que iremos fazer um
resgate etimográfico é o território que descende do latim territoriu, que na antigüidade
tinha uma variedade de significados, sendo que podemos destacar como importante
extensão de terra; porção da superfície terrestre pertencente a uma nação, região,
província, cidade, etc.; num período mais recente território pôde ser entendido como:
tudo o que está encerrado dentro das fronteiras, um espaço que se estende até ao
alcance dum tiro de peça de artilharia, área de jurisdição ordinária. Ademais
preferimos definir território como uma porção delimitada do espaço geográfico onde
se estabelecem as diversas relações de poder e dominação do homem em relação à
natureza e entre si, sendo que este sempre está impregnado do sentimento afetivo e de
pertencer, de auto-identificação simbólica.
Considerando estes conceito à território a de se investigar a raiz
etimológica também do termo Identidade. Este termo pertence à derivação do latim
tardio identitate que nada mais era que a propriedade de ser perfeitamente igual a
outro, semelhança, analogia, paridade absoluta; que por sua vez é um desdobramento
do latim identicu (idêntico), que deriva do latim idem que significa o mesmo, ao
mesmo tempo, simultânea + mente, mesmo sentido. Identidade hoje tem um forte
sentido de auto-identificação, sendo na geografia entendida como identificação
cultural, também vinculado a um sentimento afetivo e de pertencer e/ou fazer-se parte
integrante.
Compreendemos que a linguagem e os conceitos possui uma dinâmica
própria que corrobora e acompanha a constante dinâmica sócio-espacial de uma dada
sociedade. No Brasil, por exemplo, a história dos seus homens assegurou a
perpetuação da estrutura fundiária existente até hoje, e a linguagem, os termos
pejorativos e a metamorfose técnico-conceitual sempre foram utilizadas para legitimar
um “status quo” hegemônico e para garantir o poder institucional e a exploração
econômica territorial nas mãos de uma sábia elite retrógrada e conservadora.
29
No capitulo posterior iremos discorrer sobre os eventos responsáveis
pela consolidação da estrutura fundiária brasileira, que implicou na enorme e nefasta
desigualdade social evidenciada nos dias atuais, e se tornará nítido então, o
fundamental papel cumprido pela dinâmica e/ou metamorfose lingüistica na
consolidação desta situação vivenciada nos dias atuais.
30
Capitulo III
ORIGENS HISTÓRICA, JURÍDICA E SÓCIO-MATERIAIS DA
QUESTÃO DA MORADIA POR PARTE DA POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA
De alguma maneira é preciso morar; no campo, numa pequena cidade,
nas metrópoles, etc.; morar é como vestir, alimentar, trabalhar, namorar, amar, é uma
necessidade básica dos indivíduos. Historicamente modificam-se as características da
habitação, contudo sempre existe a necessidade de morar, haja visto que não se é
possível viver sem ocupar uma dado espaço.
É no interior das casas que se realizam as demais atividades, além de
prover abrigo, é o lugar do repouso, da privacidade, das refeições, da higiene pessoal,
enfim da convivência com os grupos domésticos. Dever se considerar também como
lugar de trabalho, pois sempre se trabalha nela para a própria manutenção e produzir
maior grau de conforto, assim como para lavar, passar, cozinhar e, muitas vezes na
produção econômica para a subsistência familiar.
Espacialmente diferem-se as formas das moradias, sendo essas
características refletidas nos bairros, nos tamanhos dos lotes, na “conservação” de
acabamento nas casas, na infra-estrutura presente, a densidade ou rarefação
demográfica ou de ocupação, etc., pode-se a partir dessas observações ter a noção da
segregação sócio-espacial existente.
Esta gama de diversidade não estão diretamente relacionadas a
diferentes tempos de ocupação, ou seja, não necessariamente foram ocupados em
momentos diferentes e, com o passar do tempo serão naturalmente servidos de infra-
estrutura de equipamentos e serviços coletivos. Trata-se de uma variação no mesmo
tempo e espaço, da mesma forma que o computador é contemporâneo ao
31
analfabetismo, e as favelas são das usinas nucleares por exemplo. A segregação
sócio-espacial é visível até para os observadores menos atentos...
Essa diversidade deve-se a produção e distribuição diferenciadas das
cidades e refere-se a diferente capacidade de pagar dos possíveis compradores, tanto
pela casa terreno quanto pelos serviços coletivos. Somente aqueles que desfrutam de
determinado poder aquisitivo podem morar em áreas bem servidas de equipamentos
coletivos e em casas com um certo grau de conforto. Já quem não pode pagar vivem
em arremedos de moradias, nas externas, longínquas e degradadas periferias ou áreas
centrais ditas deterioradas.
Devemos considerar o termo favela, a partir deste trabalho, enquanto
zonas de fronteira urbana, regularizadas ou não, onde sobrevivem a maioria da
população de baixa renda; geralmente essas áreas caracterizam-se por serem
degradadas e pouco consolidadas estética, econômica, na estrutura e culturalmente;
resultado da inserção não planejada de um agrupamento humano numa dada área
urbana sem prévia preparação adequada para suportar a essa ocupação, tendo como a
moradia sua função prioritária.
Nessas favelas há inclusive àqueles que “não moram”, que estão
completamente excluídos do sistema social; são os que vivem embaixo das pontes,
marquises, praças e logradouros públicos, viadutos, que não possuem e nem têm
condições de possuir um teto fixo ou fixado no solo. Nestes arremedos no interior das
cidades, mergulham-se num “turbilhão” de miséria e de sujeira o que torna ainda mais
difícil ter energia para resistir a suas respectivas influências psicossocial destes
ambientes inteiramente degradados e aos efeitos dessa miséria.
Como muitos moram mal é de supor que existe um enorme déficit de
casas que possam ser compradas ou alugadas. Uma ligeira observação um abismo
entre, de um lado, um grande número de anúncios de casas, terrenos, apartamentos e
demais imóveis para vender e para alugar, de imóveis utilizados como comércios e
serviços – residências transformados para este novo uso – e, de outro, a carência de
32
moradias. Se todas as casas e terrenos em ofertas fossem ocupados, mesmo assim
continuariam a faltar casas para se morar. Estima-se que o déficit de moradia no Brasil
seja superior a 22 milhões de unidades, o que corresponde a quase 10% do déficit
mundial .(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 1999)
Diz Engels, quando analisou a crise de moradia na Alemanha de 1872
que:
“(...)uma sociedade não pode existir sem crise habitacional, quando a
maioria dos trabalhadores só tem seu salário, ou seja, o
indispensável para a sua sobrevivência e reprodução, quando as
melhorias mecânicas deixam sem trabalho as massas operárias,
quando as crises industriais determinam, de um lado a existência de
um forte exército de desempregados (de reserva) e, de outro jogam
repetidamente nas ruas grandes massas de trabalhadores; quando
os proletários se amontoam nas ruas das grandes cidades; quando o
ritmo da urbanização é tanto que o ritmo das construções de
habitação não a acompanha; quando, enfim o proprietário de uma
casa, na sua qualidade de capitalista, tem o direito de retirar de sua
casa, os aluguéis mais elevados. Em tal sociedade assim a crise
habitacional não é um acaso, é uma instituição necessária”. (F.
Engels, 1976).
A moradia não é um bem fracionável em partes que possam ser
“vendidas” e/ou utilizada ao longo do dia, da semana ou do mês. Não se pode morar
um dia e no outro não morar. Morar uma semana e na outra não morar. È possível
propor uma suposição que alguns despossuídos – aqueles que não podem pagar –
possam “pedir” uma casa velha para morar ? Ou ir ao fim da feira coletar sobras de
frutas e verduras ou legumes, etc., e “pedir emprestado” uma cozinha numa casa
qualquer para cozinhar? Nós consideramos que a infracionalidade da casa é um
aspecto importante do morar.
33
Termo infracionável e infracionalidade deve ser entendido aqui como
a propriedade de um “bem”, matéria, ou “valor construído socialmente” que
dificilmente possa ser compartilhado/dividido com terceiros e/ou alheios ao círculo
familiar.
Numa sociedade capitalista, para morar há de ser necessário possuir a
capacidade de pagar por essa mercadoria não fracionável, que compreende a terra e a
edificação, cujo o valor é medido em função, também, da localização em relação aos
equipamentos e serviços coletivos e a infra-estrutura existente nas proximidades da
casa/terreno. O Decreto-Lei 399, que em 1938 regulamentou o salário mínimo diz:
“O salário mínimo será determinado pela soma das despesas diárias
com alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte,
necessário a vida de um trabalhador adulto”.
Portanto o trabalhador deveria receber pagamento pelos seus serviços
que cobrissem suas despesas com a habitação. Entretanto como adquirir uma
casa/terreno se os valores dos salários são prevista a uma despesa diária? É possível
que o pagamento diário refira-se ao aluguel, porém, mesmos os contratos de aluguel
são, em geral, anuais e neste período o trabalhador corre o risco de desempregar-se.
Assim podemos afirmar que um metro quadrado de qualquer terreno, em qualquer
localização, é superior ao valor do salário mínimo mensal, mesmo para os valores
estipulados originalmente.
Até 1822 a distribuição de terras no brasil era realizada pelo regime de
doação de sesmarias. As sesmarias que nada mais eram que lote de terra inculto ou
abandonado, que os reis de Portugal cediam a sesmeiros que se dispusessem a cultivá-
lo, esse lote ou légua de sesmaria possui 3.000 braças, ou 6.600 metros, sendo no
Brasil doados até 15 há. Essas foram as unidades elementares de apropriação do
território brasileiro, inspiraram-se na antiga legislação fundiária portuguesa do século
XIV, destinada a promover o uso produtivo das terras agrícolas daquele país.
34
A lei de sesmarias (1375) surgira da necessidade de reanimar a
agricultura, relegada ao abandono por uma pequena nobreza proprietária mais
interessada nos lucros e honra proporcionado pelas guerras contra os espanhóis. A
legislação implantada pela Coroa obrigava os proprietários a cultivarem as terras ou a
cederem parte delas para o usufruto dos camponeses. A exploração familiar a terra em
pequenos estabelecimentos era encarada, na época, como meio de superação da crise
cerealífera da península Ibérica. No Brasil, contudo, a política das sesmarias retomou
apenas uma parte da tradição lusitana a idéia da conexão entre a propriedade da terra e
o seu uso produtivo, sendo renegada ao plano marginal o incentivo à exploração
camponesa, que fazia parte do outro aspecto dessa tradição.
Sem levar em conta a ocupação indígena, após o descobrimento e a
conquista, por graça de Deus, as terras da colônia passaram a pertencer ao Monarca
luso, o qual por esse direito fazia concessões de sesmarias (grandes extensões de
terras) e doações de datas (lotes menores). Estas formas de atribuir terras, impunha
obrigações para quem as recebia e, teoricamente, o não cumprimento de algumas
obrigações fazia com que a terra fosse devolvida (que ficasse devoluta, como de fato).
Em 1822 foram suspensas as concessões reais, e , desta data até 1850,
a terra passou a pertencer a quem “quisesse” ocupá-la – melhor dizendo, pudesse
ocupá-la. Até 1850 a terra não era uma mercadoria, não podia ser comprada ou
vendida, ou seja não possuía valor de troca, e sim um valor moral, de uso e definia o
status social do possuidor da concessão .
Com a instituição da Lei 601 de setembro de 1850, conhecida no
senso comum como a Lei das Terras, só quem podia pagar era reconhecido como
proprietário juridicamente definido em lei. Além do valor moral, a propriedade passou
a ter um valor econômico e social. O capital se desenvolveu e impôs politicamente o
reconhecimento da propriedade privada da terra.
O preço da terra originalmente como uma forma de impedir, naquele
momento histórico, o acesso do trabalhador sem recurso às terra. Este momento refere-
35
se à passagem do escravismo ao trabalho livre e a grande migração de trabalhadores
europeus. A declaração do Conselho de Estado em 1842 é esclarecedora a esse
respeito:
“Com a profusão de datas de terras tem, mais que outras causas,
contribuído para a dificuldade que hoje se sente de obter
trabalhadores livres, é seu parecer que de ora em diante sejam as
terras vendidas sem exceção alguma.
Aumentando-se, assim, o valor das terras e dificultando-se,
consequentemente, a sua aquisição, é de se esperar que o imigrante
pobre alugue o seu trabalho efetivamente por algum tempo, antes de
obter meio de se fazer fazendeiro”(Baldez, 1986).
Fica evidente que o Conselho de Estado considerava fundamental
impedir o acesso à terra pelos trabalhadores livres, o que se torna efetivo com a Lei de
Terras de 1850, ficando assim sancionado o princípio que baniu o trabalhador da terra.
Define que a terra será vendida no mercado e que terá preço, que deverá ser
inacessível aos trabalhadores, para que estes se constituam efetivamente em mão-de-
obra para a lavoura. Como o professor José de Souza Martins bem afirmou, “a terra
tornou-se cativa do capital – Os homens livres, com o fim da escravidão, e a terra
cativa”.
Assim uma porção de terra passa a ser considerada mercadoria
geradora de renda no modo de produção capitalista; uma mercadoria que só tem preço
acessível a uma determinada classe social. Surge a partir daí, instrumentos que
viabilizaram o aparecimento da chamada a especulação imobiliária.
Seus mecanismos, relacionados à ocupação da cidade podem ser
praticados de várias formas. A mais comum refere-se ao interior da área loteada e diz
respeito à retenção deliberada de lotes. Em geral, atraem-se moradores para lotes
piores localizados, em relação aos equipamentos e serviços, para em seguida e
36
gradativamente prover a ocupação do restante da área. A simples ocupação de alguns
já aumentam o preço dos demais lotes, “valorizando” toda a área em questão.
Esta forma de ocupação programada é comum o especulador deixar
lotes estrategicamente localizados para a instalação de serviços e comércio de
abastecimento diário. Estes lotes terão, obviamente, seus preços elevados em relação
aos das residências, haja vista que visam a conquista de um mercado que se amplia e
se consolida.
Outra forma de atuação da especulação imobiliária refere-se à
possessão de vastas áreas – latifúndio urbanos -, que em via de regra consiste em não
fazer “uso social” destas áreas próximas a loteamento já existente ou de áreas
potencialmente situadas nas vias de expansão urbana. Assim os proprietários se
beneficiam não só da produção (valorização) social da cidade, mas também da
produção (valorização) que ocorre nos terrenos vizinhos. Enfim, os proprietários que
deixam a terra vazia, ociosa, sem nenhum uso, apropriam-se de uma renda produzida
socialmente.
Os movimentos especulativos, estão sofrendo uma forte oposição por
meio de toda uma produção da casa e da cidade, que estão desvinculada ao círculo
imobiliário: que são as ocupações expontâneas e as formações de favelas. Nesta forma
de produção estão ausente a legitimidade jurídica da propriedade da terra, a
incorporação imobiliária, a industria de edificação e por vezes até a industria de
construção relativa aos insumos; entretanto promovem efetivamente a produção de
residências e participam da configuração das cidades.
Os proprietários de terra, quando especuladores, deixam terras vazias,
fazendo uma ocupação da cidade com uma aparência de caos. Vastos espaços ociosos
numa cidade cuja tendência é se espraiar pelas periferias. Terras sem uso e homens
sem terra coexistindo no mesmo espaço e tempo. É, em via de regra, o fundamental
fator que impulsiona o fenômenos das ocupações de terras e das formações das
37
favelas, contrariando os princípios da legalidade jurídica e o da propriedade privada,
um dos pilares “sagrados” do modo de produção capitalista.
Não existe mecanismo claro de limitação à propriedade de terra. O
Estado dispõe sobre o uso da propriedade, contudo é bem mais significativa a defesa
da propriedade do que a limitação ao uso ou ao acesso a quem não tem.
Em tese a propriedade deveria ser subordinada “ao interesse social e
coletivo” (Constituição de 1934), ou ao “bem estar social” (Constituição de 1946), ou
“a função social” (Constituição de 1969). São na verdade abordagens genéricas da
garantias do direito de propriedade. Na Constituição de 1988 esta questão foi colocada
pelos movimentos reivindicatórios e seus representantes, desta vez de forma
abrangente e relacionada à questão do uso, em detrimento aos proprietários e seus
representantes constituintes, que explicitavam a defesa da propriedade, daqueles que já
as possuíam.
A tese vitoriosa na Constituinte de 1988, foi a que propôs mecanismos
de limitação da especulação imobiliária, que explicitou em forma de legislação, que
nos casos de propriedade sem uso justifica-se a desapropriação do imóvel para “fins de
interesse social ou utilização coletiva”, com o pagamento do valor venal do imóvel
em títulos de dívida pública, para fim de permitir uma produção do espaço urbano
mais justa e igualitária. Somou-se a essa legislação a proposta de taxação progressiva,
que fixa valores do imposto territorial mais elevados para as terras ociosas.
Longo e penoso é o processo em que se vem construindo, tanto as
residências quanto as cidades, nas periferias. O termo periferia, contudo, é com
freqüência utilizado para os designar os setores mais precariamente atendidos por
serviços públicos e não, necessariamente, pelas distâncias dessas áreas em relação ao
centro comercial urbano da cidade. Não se considera periferia os loteamentos e/ou
condomínios de alto padrão, bem dotados de serviços públicos mesmo aqueles
localizados em áreas distantes do centro.
38
Da mesma forma, no capitulo que segue, demonstraremos o quanto o
termo exclusão está sendo banalizado pela exaustão e falta de consistência que este
está sendo invocado para explicar os fenômenos sociais, causando uma certa confusão
teórica e uma perda de exatidão dessas análises, resultado da disposição do autor a
demonstrar sua simpatia pessoal quanto a um certo ponto de vista quanto ao fenômeno
em questão, parcializando-o.
39
Capitulo IV
EXCLUSÃO OU SEGREGAÇÃO: TERMOS EM DISCUSÃO
Propomo-nos a uma saudável polêmica: negar a banalização que
costumou-se fazer, tanto na academia, quanto nos movimentos reivindicatórios e senso
comum, a cerca da generalização do termo exclusão social. Estamos convencidos que
para melhor explicar os contrastes urbanos e sociais o conceito de segregação e
segregação gradiente é bem mais eficaz, sendo exclusão um termo com grande carga
ideológica e com uma definição etimológica exagerada, atribuindo-lhe uma
aplicabilidade radical.
Pois vejam; quanto à deterioração e fim de um ecossistema,
subentende-se que houve ocorrência de inclusão, pela presença “alienígenas”, de
subsistemas dentro do ecossistema. A segregação se baseia na associação e
desorganização (desequilíbrio) de atividades dentro de um espaço sensível e
concentrado, que nega a inter-relação com as atividades circunvizinhas, propiciando a
formação de um subsistema dentro de um dado sistema. Milton Santos em 1985, a esse
respeito disse:
“A um processo de reprodução ampliada das classes, correspondente
um processo de reprodução ampliada do espaço, posto que ocorre
não só um aumento numérico das classes, gerando, por conseguinte, a
necessidade de reprodução de novas áreas segregadas para os grupos
sociais que surgem e de novas estratégias por partes de outros
agentes modeladores”.
A concepção de concentração do solo se refere as relações humanas e
não as relações ambientais, portanto é possível dentro dele existirem o surgimento de
40
pequenos ecossistemas, pois continuam sendo parte do ecossistema de onde se
implantaram. O gradiente de troca refere-se aos processos de transferência que se
produzem nos ecossistemas por impacto dessas atividades ou grupos segregados, cujo
os motivos podem ser de ordens distintas: ordens econômicas, quando essas
transferências produzem em função da especulação urbana e imobiliária, pois os
terrenos próximos serão mais valorizados do que aqueles afastados; ordens funcional,
quando se permite a opção de geração de atividades complementares; e de ordem
infra-estrutural, quando existe a possibilidade de anexar-se as redes implementadas;
por serviços de diversas índole, como transporte, saúde, educação, etc.
Geralmente os processos de segregação gradiente é dotada de
conotações do tipo econômico e social em forma de expressões ideológicas.
“Na prática urbanística se conhecem duas formas de processos de
segregação gradiente nas atividades residenciais, uma auto
segregação que é claramente identificada nos espaços especialmente
periféricos, produtos de assentamentos das classes dominantes que
buscam a melhoria do ambiente, ou também ao fato de localização de
população de baixa renda como mecanismo de defesa aos processos
de legalização; a outra é a segregação imposta que é característica
de população de baixa renda que não tem opções de como e onde
morar e localiza-se nas áreas que são reservadas. O processos de
gradiente se produz em relação aos níveis sócio-econômicos em
questão”. (Trindade Júnior, 1993).
Em Belém pode-se observar inúmeros casos de auto segregação
gradiente concentrada, um dos exemplos mais notáveis é o das chamada área
institucional situadas nos limites da primeira légua patrimonial, sua especialidade se dá
não só pela extensão territorial deste espaço segregado, como também pelo impacto
que causou a organização urbana de Belém.
41
A concepção de concentrado não implica necessariamente em
densidade populacional ou de complexidade funcional, existes casos que tais limites
estão fixados por meio de outros aspectos físicos, como em alguns condomínios
situados nas áreas periféricas de Belém, que fixam altos valores ao terreno como forma
de garantir o controle social, sendo este o lugar de população de alto poder aquisitivo.
Em vários casos se restringe a circulação dos moradores, como é o
caso de várias áreas de ocupação expontâneas, que recorre a violência como sistema de
controle (talvez até involuntariamente). Uma das formas mais comuns de segregação
imposta é a constituição, como forma de estratégia de sobrevivência, de ocupações
urbanos que se produzem em espaços ociosos.
No que tange as estratificações nas estatísticas sociais, que classifica a
sociedade em classe “A”, “B”, “C”, “D”, “E”. Não podemos negar a intenção
governamental de se amenizar ou mascarar a realidade social estabelecida, até para não
causar uma revolta generalizada, sendo que tal estratificação massifica nossa
sociedade, reconhecimento a todos - a maioria absoluta - enquanto consumidores e
cidadãos, mascarando assim, as contradições e as lutas de classes
Essa estratificação oficial, dentre inúmeras outras que servem a
determinados e específicos propósitos estatísticos e ideológicos, estabelece que os
cidadãos são classificação de acordo com o seu poder de consumo ou renda familiar,
da forma explicitada na tabela a seguir:
*Tabela 01- Estratificação social por renda
Classes Sociais Renda Mensal Classificação Segundo o
Poder de Consumo
Alto Poder Aquisitivo Acima de R$ 10.000,00 Classe “A”
Classe Média Alta De R$ 2.001,00 a R$ 10.000,00 Classe “B”
42
Classe Média De R$ 1.001,00 a R$ 2.000,00 Classe “C”
Classe Média Baixa De R$ 301,00 a 1.000,00 Classe “D”
Classe Baixa- Pobres De R$ 100,00 a R$ 300,00 Classe “E”
Fonte: Sociedade de Proteção ao Crédito –SPC, 2002 e IBGE, 2000
Podemos concluir que por estar pertencente a um sistema, mesmo de
forma desigual, desprestigiada ou marginalizada, um dado segmento social não
necessariamente está excluído e sim segregado pois, apesar da marginalização, são
reconhecidos e se reconhecem como sujeitos sociais; sendo que devemos entender
como excluído aquele que não é permitido ou opta por não pertencer ao determinado e
hegemônico sistema social, se colocando inteiramente á parte, como são os casos dos
loucos de ruas, mendigos e grupos sociais que optam por pertencer a uma sociedade
“alternativa” – hipies e místicos esotéricos -, sendo que não participam dos processos
produtivos, de circulações, políticos e reivindicatório, etc., característico da sociedade
urbano-industrial hegemônico na contemporaneidade, haja visto que tais grupos não
são reconhecidos socialmente – pois movimentam menos que meio salário mínimo por
mês -, bem como não se identificam e/ou reivindicam participação no sistema social
hegemônico vigente.
43
Capitulo V
FAVELA: UM TERMO E UMA REALIDADE EM DISCUSSÃO
As primeiras favelas surgem no Brasil logo após a Guerra de Canudos,
na cidade do Rio de Janeiro - RJ. Foi formada, no Morro da Providência atual região
portuária do Rio de Janeiro, pelos soldados recrutados para lutar contra a “milícia
religiosa” de Antônio Conselheiro, que foram atraídos pela promessa de ganhar uma
moradia na então Capital Federal, contudo depois da campanha, os militares
responsáveis, naquele momento histórico, pelo Estado brasileiro ordenaram aos
superiores daqueles praças a não cumprir a promessa.
Estes soldados logo foram dispensados pelo serviço militar, por não
mais se fazerem necessário, e suas indenizações não garantiam o provento de suas
moradias. E aliado a isso teve como complicador a tradição do exército brasileiro em
se deixar acompanhar pelas mulheres durante as campanhas militares. Estes soldados
recrutados que estavam com suas famílias, a grande maioria deles distantes de suas
terras natais, se recusaram a voltar a suas respectivas moradias antigas; iniciaram um
movimento reivindicatório, logo sufocado pelas forças oficiais, sendo que se
recolheram ao Morro da Providência e lá estabeleceram suas moradias.
O termo favela surgira, originalmente, em virtude da grande
ocorrência, no Morro da Providência, de um arbusto da família das Eufobiáceas
(Jatropha phyllacantha), muito comum nas caatingas de Belo Monte, na Bahia onde
ocorrera a peleja.
Segundo Aurélio de Oliveira favela refere-se “a um conjunto de
habitações populares toscamente construídas (geralmente em morros) e desprovidas
de recursos higiênicos”. Já de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
44
Estatística (IBGE), favela diz respeito “a um aglomerado de pelo menos cinqüenta
domicílios – na sua maioria carentes de infra-estrutura – e localizados em terrenos
não pertencentes aos moradores”.
Esse Instituto define ainda, o que distingue a favela de outros locais de
moradia também sem infra-estrutura; para esse órgão é a natureza da ocupação das
terras que o diferencia de seus pares desprovidos de serviços e equipamentos urbanos.
A rigor nós pudemos observar que todas as considerações (relatórios e pareceres)
oficiais procuram, de alguma forma, não considerar o exercício da cidadania enquanto
indicador de seus trabalhos, o que reflete nos resultados das análises e conceitos que
elaboram; mascarando assim as respectivas responsabilidades afins, procurando
sempre individualizar o problema, o que implica no abrandamento da questão e na
dissimulação de suas causas, que a nosso entendimento se encontra intrínsecos a
estratificação e a “luta de classe”.
Para essas áreas os mais variados termos são utilizados: invasão de
terras alheias, apropriação indébita ou indevida de vazios urbanos, câncer urbano, vila
miséria, etc.
Nós consideramos que na atualidade o termo favela melhor se
enquadra na definição de áreas urbanas em condição de fronteira; aquelas ainda não
plenamente consolidadas, cuja as feições estão se configurando em meio a crises e
conflitos sociais, em detrimentos de sua legitimidade ou não em relação à propriedade
da terra ou da distância deste loteamento em relação ao centro comercial.
Sendo que a terminologia de “invasão” e “ocupação” está sendo
normalmente utilizada com um forte atributo ideológico independente dos usos, razão
e valores terrenais; pois veja: quando o interesse é descaracterizar ou desvalorizar a
razão social da moradia o termo utilizado com freqüência é o de “invasão”,
independente do sujeitos sociais que as utiliza; entretanto se o interesse for valorizar
ou bem caracterizar a razão social do uso da terra a termo largamente utilizado é o de
45
“ocupação”, seja qual for o sujeito que a utiliza o que está valendo é o interesse e o
nível de relação que o declarante tem com os residentes da respectiva área em questão.
Qual é a razão da existência de favelas? Esta pergunta nos parece
óbvia contudo esta foi respondida com muita propriedade por João Apolônio Gomes,
um favelado da cidade de São Bernardo do Campo, numa carta publicada no Boletim
das migrações de São Paulo, isso em 1983, que diz o seguinte:
“ A favela cresce através do migrante, do homem do campo, porque
na roça não dá mais para viver. Porque o fazendeiro dá mais para um
boi, ou plantar um capim do que deixar um trabalhador plantar um
milho ou feijão. Através também do aluguel que prefere alugar para
quem tem cachorro do que a pessoa que tem um filho. O boi e o
cachorro vale mais que o trabalhador e o seu filho. E através do
salário mínimo que é muito baixo e da falta de emprego. Por isso não
está mais existindo mias lugar, nem de fazer um barraco. Porque já
está tudo lotado. A favela cresce também através da mentira. Uma
pessoa sai de qualquer cidade grande e vai passear no interior e
chega lá, e mente para um companheiro dele, que lá onde ele está ele
vai ganhar mais; e chega lá ele não vai ganhar, então ele não tem
condições de pagar o aluguel e vai morar na favela.
Sempre aparece na favela um para dar ordem, mas não aparece um
para pedir melhoria na favela. E quando aparece é perseguido. A
gente não mora na favela por que gosta e nem por que quer, mas
porque é obrigado: para manter a família e não morrer de
fome”.(Jornalivro ano II, nº3, 1983).
Esta expressiva definição de um morador de favela mostra, com toda a
sua clareza, as causas da existência das favelas e de seu crescimento. O intenso êxodo
rural, por falta de condições de sobrevivência é atribuída à atração da cidade.
Esta expulsão segundo o relato, parece estar ligado á transformações
da agricultura de subsistência em pastagens. Os baixos salários, ou a inexistência
46
destes, impedem o pagamento de aluguéis, implicando na recusa de “aceitar” crianças
enquanto cachorros são bem vindos, refletem uma situação nefasta: a casa deverá ser
alugada a que possa pagar; sendo que, por dedução, sustentar um cachorro e talvez
filhos denota essa condição...
Quando analisamos a referência que nosso relator faz a mentira como
um fator para o desenvolvimento das favelas, devemos primeiro compreender as
razões subjetivas que levam um indivíduo a não reconhecer ou declarar seu “fracasso”
e mascarar a sua realidade apresentando-a de forma a demonstrar aos demais que
“estão bem de vida”, inclusive por meio de inverdades.
Outro fator, muito significativo, pode-se atribuir a mentira vinculado
pelos meios de comunicação de massa – a mídia -, quando este apregoam a fartura e o
grande números de empregos da cidade, vendendo a todos, sem distinção, um
estilo/modelo de vida; basta nós observarmos o que os meios de comunicação
“vendem”: o bem estar e o luxo, através das grifes de roupas, bebidas, cigarros, bem
como a responsabilidade do indivíduo em “vencer”, sendo que a mídia cria também
uma expectativa e novos valores e símbolos sociais.
Considerando o entendimento do IBGE, a favela se constitui numa
ocupação juridicamente “ilegal” de terras. Terras sem uso, em geral do poder público
são ocupadas pelas famílias sem terra e sem teto.
O IBGE atesta ainda que, mais de 80% da população favelada mora
em regiões metropolitanas, o que serve de um primeiro demonstrativo de que a
chamada crise habitacional está concentrada onde também se concentra a produção, ou
seja, concentração de riqueza e de pobreza, pois nas metrópoles o preço das terras são
mais elevado, o que torna mais difícil o acesso a terra e à moradia a uma grande
parcela da população.
47
As favelas começam a serem “sentidas” no momento em que se
expande o processo de industrialização-urbanização, e a partir da década de 50 passam
a ser consideradas, pelas autoridades constituídas, como problema.
Problema este que ao longo do tempo tem sido visto de várias formas:
como um local de marginais, sendo imprescindível acabar com as favelas para acabar
com a marginalidade; como um “curral eleitoral” lugar de se conseguir votos, sendo
necessário visitá-los, fazer promessas, tratá-los como iguais haja visto que os seus
votos valem como de qualquer outro; e até como resultado do processo de migração e
os favelados vivem desta forma, porque estão es “integrando” no meio urbano,
“criam” um lugar que lhes lembram o campo.
Segundo esta ultima visão é preciso treinar, educar os moradores da
favela a se integrar no meio urbano, para que possam passar da casa de madeira para o
de alvenaria, para que familiarize-se com os serviços urbanos e para que possam se
incorporar ao mercado de trabalho e a cidade. Podemos notar que todos as visões
acerca das favelas e dos favelados são pejorativas e contem uma pesada carga de
preconceito...
A favela surge da necessidade do onde e do como morar. Se não é
possível comprar uma casa pronta, nem o terreno para autoconstruir, tem-se que buscar
uma solução. Para muitos a solução é a favela. A favela é um produto da conjugação
de vários processos: da exploração dos pequenos proprietários rurais e dos camponeses
em geral e da superexploração da força de trabalho no campo, que conduz as
sucessivas migrações rural-urbana, bem como as interurbanas, sobretudo das pequenas
e médias para as grandes cidades.
È também produto do processo de empobrecimento da classe
trabalhadora em seu conjunto, bastando lembrar que o valor real do salário mínimo
tem sido extremamente depreciado e está, no atual momento, num dos seus mais
baixos patamares, cerca de 60% do seu valor real em 1960. É resultado também do
preço da terra urbana e das edificações, sendo que a favela exprime a luta pela
48
sobrevivência e pelo direito ao solo urbano de uma parcela significativa da classe
trabalhadora.
As favelas são, para a população, uma estratégia de sobrevivência.
Uma saída, uma iniciativa (ás vezes dirigida), que levanta barracos de um dia para o
outro, contra uma ordem segregadora. Uma iniciativa que, inclusive desmistifica o
mito da apatia do povo: é possível considerar apático um indivíduo que luta pela
sobrevivência, que busca resgatar seus direitos usurpados? Por todos esses argumentos
a favela deveria ser vista como uma estratégia de sobrevivência daqueles que não
possuem outra alternativa para prover uma residência para si e sua família.
Nós compreendemos que o ato de morar, de residir é amplo, complexo
e estende-se além dos limites físicos da casa propriamente dita; este deve ser
entendido como um fenômeno psicossocial que está intimamente ligado á persepção
que esses indivíduos constróem em relação a seus espaços de relações, espaços
cotidianos ou espaço vividos por eles próprios e seus pares, sendo estes impregnado do
sentimento afetivo e de identidade, onde a (re)territorialização ocorre segundo a
capacidade de adaptação deste com o referido ambiente, seja ele qual for. O
fundamental, neste caso, seria o grau de satisfação que o dado indivíduo adquire junto
a sua moradia.
Consideramos tão expressivo este fator que “arriscamos” a uma
analogia entre “morar e namorar”, no sentido que o indivíduo quando se
territorializa em um determinado ambiente ele não apenas habita em um meio físico, a
procura de abrigo e segurança; ele, na verdade, “namora” com as relações que se
estabelecem em seu entorno, namora sua moradia, sua vizinhança, seu ecossistema,
enfim estabelece uma relação intensa e afetiva com seu espaço circundante, da mesma
forma que este cortejaria/namoraria um outro indivíduo do gênero sexual de sua
opção...
49
Ao longo do tempo um conceito hegemônico de favela que se mantém
em detrimentos de inúmeros outros, é o que se refere aos seus ocupantes como sujeitos
de uma ocupação irregular.
As definições que se referiam às características da moradia estão
paulatinamente mudando a medida em que se modificam as características das
residências que antes eram de madeira e sucata e hoje passam a ser de “madeirit” e
blocos de cimento.
Os moradores das maiorias das favelas não são os proprietários legais
das terras que ocupam para moradia, contudo as ocupações tornam-se cada vez mais
legitimada pelo próprio poder público; pois este sem condições de resolver o problema
da falta de moradia e pressionado pelos moradores, o poder público mantém
programas de urbanização das favelas.
Os moradores cada vez mais lutam pelo direito de concessão real de
uso ou usucapião urbano. O primeiro diz respeito em conquistar o direito de utilizar o
imóvel por um prazo que não exceda 99 anos.
O segundo, que trata do usucapião urbano, também é uma
reivindicação que se coloca para os movimentos de moradia, sobretudo depois da
promulgação do Estatuto da Cidade, por parte do Governo Federal, instrumentalizado
por meio da Lei nº 10.257 de 10 de Julho de 2001, em que no interior de sua Seção V -
Do usucapião especial de imóvel urbano – no artigo 9º reza que:
(...)“aquele que possuir como sua áreas ou edificação urbana de até
duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para a sua moradia ou
de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural”(...) (Estatuto da
Cidade, 2001)
50
(...)e ampliado por meio do artigo10º onde declara que:
(...)“As áreas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados,
ocupada por uma população de baixa renda para sua moradia, por
cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível
identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis
de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não
sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural”(id).
Percebemos pelo princípio desta legislação uma analogia conceitual e
jurídica oriundo do direito romano: o uti possidetis (interdito possessório: a posse
legitimada e justificada por uma circunstância da realidade, pela ocupação efetiva). A
expressão completa é “Utis nunc possidetis, quominus ita vim fieri veto”. Utis
possidetis, ita possidiatis ou como possuis, continuais possuindo.
A noção da legitimidade conferida pela ocupação já fora inúmeras
vezes utilizada como princípio jurídico para legitimar o domínio territorial do Estado
brasileiro sobre terras em litígio, desde o período colonial (por exemplo o Tratado de
Madri), tendo consigo uma tradicional ganhos nacional, devido ao sucesso dos bons
serviços prestados, pelo também tradicional do corpo diplomático brasileiro.
A consagração deste princípio legal, agora sendo utilizado para dirimir
conflitos e litígios territoriais urbanos, nos traz a esperança de ganhos significativos
aos movimentos reivindicatórios de moradia e uma radical mudança no
comportamento dos agentes imobiliários, sobretudo os especuladores, haja vista a
tradicional aceitação deste princípio jurídico ao longo de nossa história nacional.
A legislação municipal, em Belém, que regulava e controlava o uso do
solo, em décadas anteriores, não parecia estimulada a inovar o seu enfoque sobre os
agentes que produziam a cidade, posto que não criava nenhum mecanismo que
posicionasse frente á atuação desenfreada do capital imobiliário.
51
Não conseguimos definir com fundamento, até o final deste trabalho,
se esta ausência foi fruto do desconhecimento de tais instrumentos, mas acreditamos
na hipótese de que o que ocorreu aqui foi um reflexo das tendências observadas em
outras cidades do país, de que a omissão da lei teria sido a implicação da luta de forças
entre os vários agentes que compunham o quadro político daquela época e cuja
omissão legal, teria sido extremamente providencial num momento que o mercado da
construção civil, maior gerador de emprego direto e renda no município, declinava
ante a grave crise enfrentada durante toda a década perdida (1980-1990).
O aspecto mais irracional de tal omissão, é que se a verticalização da
1º Légua serviu para fortalecer definitivamente o capital imobiliário, serviu também
para consolidar como única alternativa possível de terras “habitáveis” um espaço
brutalmente segregado, forçando a população socialmente carente a se alojar como
podia nas inóspitas e insalubres baixadas que envolvem as áreas nobres de Belém.
A legislação do município de Belém em 1979 sequer menciona a
busca do interesse coletivo, quando o direito á cidade ou bem estar físico e social do
cidadão, como o faz sua sucessora – a Lei de desenvolvimento urbano de 29/01/1988 -
que diz em seu art. 2º:
“São objetivos prioritários da política de desenvolvimento urbano
municipal:
I. Ordenar e controlar a utilização, ocupação e
aproveitamento do solo do território do município, no sentido de efetuar
a adequada distribuição das funções e atividades nele exercidas, em
consonância com a função social da propriedade;
II. Atender às necessidades e carências básicas da
população quanto às funções de trabalho, circulação, habitação,
abastecimento, saúde, educação, lazer e cultura, promovendo a melhoria
da qualidade de vida”.
52
No início dos anos 90, seguindo a tendência da década anterior, a
situação social se torna insustentável e mais uma vez o espaço urbano é o palco
privilegiado de exemplos da segregação e das crescentes tesões sociais.
A periferia se adensa e se faveliza rapidamente, a violência urbana
explode e a omissão das leis em vigor e das políticas públicas contribuem para
consolidar, “como possível”, uma alternativa ilegal de acesso a um pedaço de chão,
que vem a ser a ocupação urbana de terrenos e/ou empreendimentos imobiliários
privados ou públicos ociosos no interior da malha urbana.
A segregação, e muitas vezes a exclusão, de boa parte da população
dos seus direitos de habitar (e por conseguinte de morar), por conta da valorização e
aumento abusivo do preço do solo, consolidou a luta de classes dentro deste espaço e
vem desafiando a intocabilidade do “sagrado” conceito de propriedade privada.
Esse processo causa uma intensa mobilidade horizontal da população
de baixa renda, que passam a ser, de forma bem particular, incorporadores e
produtores do espaço urbano. No capítulo a seguir faremos uma discussão mais
profunda acerca desse fenômeno sócio-espacial ocorrido em Belém do Pará.
53
Capitulo VI
DA BAIXADA À PERIFERIA DISTANTE: MIGRANTES EM BUSCA
DE UM LUGAR PARA SE VIVER
O Instituto de Desenvolvimento do Estado do Pará (IDESP) associado
á Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) através do Estudo
Ambiental do Estuário Guajarino em 1990 definiu como “Baixada”, título este
entendido como genuinamente Amazônida, a toda áreas que ficando normalmente
abaixo da cota de 4 metros, sendo que tais áreas são sujeitas a inundação pelas marés,
pois a maregrama típico, quanto a Belém, estipulou a preamar em mais de 3,20 metros
e a baixamar em mais de 0,50 metros, embora as cotas máximas conhecidas alcancem
mais de 4,11 metros na preamar e mais 0,37 metros na baixamar, entretanto se ocorre
sua ocupação por palafitas e construções variadas enseja nestes sítios efeitos retentivos
ou estagnantes quanto as águas das marés, efeitos que se tornam mais intensos e
graves quando as preamares coincidem com fortes precipitações pluviométricas.
Informação fundamental quando compreendemos que o processo de
ocupação das baixadas teve sua origem no mesmo processo de crescimento da cidade
de Belém, que se inicia em 1832 com a demolição da muralha defensiva do Convento
de Santo Antônio. É a partir dali que se deu origem a praça na qual convergiam
inúmeras vias, originando no efetivo espraiamento da cidade.
Na medida que a cidade crescia, ela encontrava entraves naturais a seu
crescimento que eram os igarapés, lagos e lagoas. Nesse processo o primeiro passo
para transpor os obstáculos naturais foi a construção das Docas mais próximas ao
centro, e posteriormente deram origem aos processos de canalização, aterramento e
posterior ocupação urbana; neste sentido a Doca do Imperador foi a primeira a ser
54
aberta em 1851, que mais tarde foi batizada como Doca do Reduto. Quase na mesma
época foi construída a Doca do Igarapé das Almas. Em 1898 se fez o mesmo com a
Doca de Souza Franco.
A pouco mais de meio século de sua retificação, o Igarapé do Reduto
desaparece para dar lugar a construção do Porto de Belém, e em seguida, em 1910 o
Igarapé da Almas é desviado.
A ocupação dos igarapés pode-se identificar como primeiro processo
de “invasão-sucessão”, que transformou os ecossistemas das áreas de baixadas, antes
espaços predominantemente naturais que cumpriam uma função fundamental na
reprodução do sistema ambiental da micro-região, como regulador da umidade e da
temperatura, assim como o de amortizador dos processos perene das marés, bem como
o de fonte de alimentícia para a reprodução das espécies aquáticas da região, que hoje
se constituem em espaços canalizados, desflorestados e contaminados por dejetos
produzidos pela ação antropogênica.
As transformações ambientais e climáticas que se produziram nestes
espaços, provocando impactos urbanos, que no caso específico da temperatura local,
tem seu efeito na vida cotidiana da população de Belém, ao extremo de modificar
espaços, que mesmo não sendo utilizados durante todas as horas do dia, incidem
substancialmente sobre a área urbana aumentando a sensação térmica em vias e
corredores de circulação e suas respectivas circunvizinhanças.
As habitações de espaços intermediários aos arredores do centro
urbano de Belém trazem consigo desde o princípio, o surgimento dos conflitos de
ordem legal. Já na década de 30 se tem notícia de conflitos fundiários em áreas que
atualmente pertencem aos bairros de Umarizal e Telégrafo. Contudo o processo de
ocupação sistemática só deu início na década de 50 quando se apresenta um
crescimento populacional mais intenso, colaborado pela presença do “Cinturão
Institucional” que estrangulou sobremaneira este crescimento, o que implicou por
55
apresentar uma ocupação com dos tipos espaços, o de dentro do Cinturão com
valorização mais alta e os de fora do cinturão com valorização bem menores.
“Formando um anel que, o Rio Guamá até a baía do Guajará, se
estende junto aos limites da 1º Légua Patrimonial da cidade, tais
áreas passaram a separar a malha urbana belemense à medida em
que esta também se expandiu pela 2º Légua Patrimonial, pois em
virtude dos usos que se atribuem tais espaços, as instituições
detentoras não podem consentir que todo sistema viário de uma parte
tenha a normal continuidade pela outra parte, resultando disso que
tão somente umas poucas vias servem à expansão urbana. Ademais,
parcela expressiva de tais áreas institucionais situa-se em terrenos
altos e secos, pelo que contribui para diminuir a disponibilidade
destes terrenos para uso da população que, conforme a cidade tem
crescido, ocupa espaços alagados ou alagáveis ou vai se localizar na
periferia afastada”. (Companhia de Desenvolvimento e
Administração da Área Metropolitana de Belém, 1980) .
56
Figura 1: Monumento do Marco da Primeira Légua
Patrimonial do Município de Belém;
Fonte : Eder Libório - 2000
Este processo especulativo se intensificou na década de 60, com a
troca no sistema de valores do solo urbano, pois este acabou por determinar a presença
ou não de infra-estrutura básica, em virtude da pouca oferta e cada vez mais crescente
demanda.
“Nesse processo de intervenção do Estado em relação à efetiva
incorporação de áreas alagadas, há quer se enfatizar jogo em que o
solo urbano está envolvido, no processo de valorização dos espaços
das cidade. A urbanização dessas áreas é realizada á medida em que
estas possam estar inseridas diferentemente, em termos de
localização, ao contexto da cidade.” (Trindade Júnior, 1993).
57
Nós consideramos que a compreensão setorizada das obras de
recuperação das baixadas, resolve situações particulares, agravando as condições dos
espaços circundantes. Isto porque a elevação das cotas das vias e terrenos
isoladamente, passa a drenar água para as porções inferiores, inclusive retendo ou
dificultando seu escoamento como é o caso da Avenida Bernardo Sayão. Soma-se a
isso o fato de que , as canalizações dos igarapés, levado a cabo, sem sistema de
comportas, fazem com que os leitos desses cursos sejam responsáveis pela penetração
d’água nas áreas de baixadas, como eram os casos dos afluentes do Guamá.
Compreender os processos de crescimento das cidades dos países
subdesenvolvidos, é um compromisso inadiável, sobretudo para as autoridades
responsáveis pelo planejamento urbano, haja vista as previsões para um futuro
imediato de que a maioria absoluta das cidades habitadas por um milhão de pessoas
hoje passarão a quadruplicar essa cifra, sendo que serão estas, a moradia de três
quartos das populações de suas regiões. As cidades Amazônicas pertencentes a estas
previsões, por terem taxas elevadíssimas de crescimento urbano e demográfico, serão
futuro albergue de mais da metade das populações de suas regiões.
Sem exceção, as autoridades governamentais estão conscientes desta
preocupante realidade, contudo seguem sob a égide da estrutura centralista, oscilando
entre os interesses dos especuladores imobiliários urbanos e as necessidades imediatas
da população, sem as mínimas condições de se encontrar uma forma de conciliá-los,
para que se permita uma real possibilidade de organização e planejamento urbano com
alguma perspectiva de equilíbrio sócio-ambiental.
Somos todos conscientes que o principal entrave para que se encontre
uma solução para a problemática habitacional é econômico, pois um número
significativo da população resolve suas necessidades de moradias de maneira
incremental, mediante estratégias que lhes garantam um lote urbano a um custo não
superior a US$ 2.000,00, sendo que os governos municipais são incapazes,
economicamente, de atendê-los com serviços básicos e infra-estrutural. O pivô de
maior relevância para multiplicação deste círculo de desequilíbrio, geralmente está
58
relacionado a um problema de ordem estrutural, tendo a ver com as desigualdade com
que estão distribuída as riquezas nacional, como evidência Lisboa:
“Evidente que a ação do Estado, no que se refere à questão urbana,
tem se mostrado ineficiente, haja vista que os programas
implementados tem se caracterizado por serem qualitativa e
quantitativamente insignificantes, atingindo apenas parte dos
problemas existentes nas cidades.” (1989).
A complexidade desta problemática se acentua quando visualizamos o
ordenamento político institucional, composto por três agentes fundamentais, e quase
nunca em sintonia, que são: os Governos Federais, que atuam em escala do território
nacional; os Governos Estaduais, que é responsável por agir a nível regional com suas
secretarias e departamentos afins; e por fim o que atua na escala local que são os
Governos Municipais. A probabilidade de resolução dos problemas habitacionais, só
são verdadeiramente visualizadas quando tais demandas forem encaminhadas pelos
diversos níveis de poder em conjunto, cada um em suas especificidade e competência,
buscando uma mesma meta comum.
A Cidade de Santa Maria de Belém do Grão Pará, historicamente
considerada como o portal que une a Região Amazônica ao resto do mundo, sobretudo
no período colonial, bem como ao centro financeiro, administrativo e tecnológico
nacional nos dias atuais, passou desde sua fundação por vários estágios de organização
urbanísticos, dentre eles os mais significativos foram: o colonial, que caracterizou por
ser a primeira cidade com fim estratégico militar nascida e sustentada por uma
economia extrativista e portuária; o período republicano, com a implantação da
primeira légua patrimonial e seu cinturão ecológico, além da adesão urbanístico e
arquitetônica do estilo e estética francesa da “Belle Epoque”; e na modernidade, em
que generalizou-se um evidente processo de centralização e concentração das
atividades produtivas hegemônicas, incorporando uma fisionomia que se define por
um processos de invasão-sucessão e saturação do espaço urbano, assim como um
alarmante processo de segregação social que provoca a degradação ambiental.
59
Na atualidade, como todas as cidades que ultrapassou seus limites dos
fluxos e das distancias aceitáveis, tanto física quanto tecnologicamente, e não resolveu
os problemas intrínsecos de seu crescimento acelerado, se encontra buscando soluções
que lhe permitam superar seu incontrolável crescimento, cujos prognósticos são
verdadeiramente desalentadores.
Nas experiência de todas as cidades latino americanas, e por
conseguinte de Belém, os trabalhos e esforços de recuperação de áreas para
urbanização sempre implicou num forte argumento ou pólo de atração para a
migração, há casos em que esses processos alcançaram taxas de crescimento
superiores a 17% nos períodos de sua implementação; tal afirmação nos induz a
acreditar que um projeto urbanístico radical produzirá algo similar, agravando ainda
mais os processos de invasão-sucessão.
“(...) entre 1950 e 1960, só no bairro da Condor, viu sua população
aumentar em 580,90%, o do Jurunas em 101,80%, o do Guamá em
68,52%,, o que corresponde a uma variação absoluta de 15.065
habitantes para o Jurunas (no maior aumento registrado em Belém na
década 1950-60), 10.619 para a Condor e 9.515 para o
Guamá”(Penteado, 1968).
Entendendo - nesta monografia - processo de invasão-sucessão como
aquele em que se estabelece transferencia do espaço urbano, de um valor funcional
para outro, de um valor social para outro, e em conseqüência de um valor ambiental
para outro.
A invasão se refere a introdução de novas atividades urbanas em um
ecossistema urbano estável, provocando um desequilíbrio em suas condições de
relações e interações. A sucessão é o respectivo processo de acomodação desse
ecossistema em função das novas exigências das relações impostas pelas incipientes
atividades introduzidas.
60
Um ecossistema urbano não é modificado de uma só vez; em cada
espaço intra-urbano se apresentam inúmeros processos de invasão-sucessão, os que se
produzem de maneira sucessiva as margens do processo de crescimento dos espaços
urbanos, é assim que eles interferem nas atividades básicas das cidades, e que podem
ser motivadas por aspectos diversos: funcionais, infra-estruturais, econômicos, etc.;
são os que impulsionam os demais processos de remodelagem urbana.
É importante perceber que qualquer lugar possibilita uma clara leitura
de seus processos de invasão-sucessão, pois veja: um riacho constitui um ecossistema
natural que cumpre uma função fundamental para os processos ecológicos do rio,
equilibrando as descidas das marés (preamar e baixamar), dotando de alimento ás
espécies aquáticas e propiciando proteção para reprodução de determinadas espécies
aquáticas e terrestres, etc. Quando as cabeceiras e/ou vales dessa várzea sofre uma
ocupação expontânea e passa a ser utilizado como residência humana, esse
ecossistema é alterado por força das atividades antropogênicas que ali começam a se
produzir, transformando a calha fluvial de segunda ordem, que em outrora era um
coletor natural, em um coletor de resíduos sólidos e dejetos urbanos.
A sensibilidade dos ecossistemas são muito grandes, sobretudo os
naturais, por que todos os seus componentes estão interrelacionados e em constante
interação entre si, em equilíbrio, de tal forma que ao se modificar um dos “elo”, todos
os demais se acomodam, modificando sua composição original em busca de um novo
“equilíbrio”.
Da mesma maneira, quando um igarapé é convertido em Doca, se
produz uma invasão, introduzindo ali atividades de navegação como portos e trapiches
para pequenas embarcações, as atividades comerciais e produtos pesqueiros, as
residências das populações que se dedicam diretamente as atividades pesqueiras e
comerciais, etc.
61
Todos os processos pertencentes ao ecossistema original passa as ser
afetado pela introdução das novas atividades, o que implica diretamente, num processo
de troca, dos quais os diversos elementos procuram a se acomodar haja vista que ser
produziu-se, neste nicho, uma sucessão que deve se equilibrar sob a forma de um
ecossistema modificado.
Num ecossistema urbano e social, as habitações dos espaços
beneficiados pelas implementações de políticas públicas e por equipamentos urbanos,
acabam favorecendo origem a atividades residenciais cada vez mais sofisticadas,
inclusive do tipo vertical, sendo que proliferam as atividades comerciais e de
transportes que estas geram e introduzem ao ecossistema, ocasionando pela terceira
vez processos de transformações e de equilíbrio de uma nova forma de sucessão.
Abelém, fez referência aos processos de invasão-sucessão quando escreveu o seguinte:
“O PAI (Plano de Ação Imediata, 1976) previa a remoção de famílias
da área que iria sofrer a drenagem para a construção do canal e
aterramento da mesma. No entanto, o plano não teve o sucesso
esperado, uma vez que as famílias não conseguiram se fixar nas
áreas para qual foram removidas; a área sob a intervenção não
recebeu o tratamento prometido; as famílias que permaneceram, não
foram beneficiadas; e a valorização do espaço ficou garantida, não
só no local, como também na área destinada á remoção ”(Abelém,
1988).
No caso concreto do conjunto Jardim Sevilha, iguais todas as áreas
periféricas junto aos eixos de expansão metropolitano, o processo foi bem parecido,
em razão de tratar-se de espaços geográficos dependentes das funções urbanas do
centro da cidade, e por ter uma área de influência cujo os contornos pode-se encontrar
áreas consolidadas em meio processos em consolidação.
Outra definição importante relativa a este estudo é a que Castells
definiu como concentração-desconcentração, e tem como fundamento a forma de
62
organização das atividades urbanas em torno de sua região central, causando
sobrecarga espacial e a concentração de funções urbanas em um determinado lugar,
que se expressa por sua intensidade, concentrada em torno de uma determinada função
básica, que contudo produz uma disfunção por “desprezar” as demais funções, e
estabelecendo um regime de prioridades baseado em fatores estritamente econômicos.
Essa falta de prioridade obrigam o deslocamento das funções
desprestigiadas e/ou desvalorizadas, que procuram espaços disponíveis, nas maiorias
das vezes, na periferia das cidades, constituindo um processo de desconcentração
daquelas atividades “desprezadas” que situavam nos setores centrais antes da
concentração funcional na zona central, sendo obrigadas a construir-se em outros
espaços oxigenando-os, a partir dessa desconcentração.
Geralmente ocorre com o crescimento das atividades comerciais,
aquelas que se dão preferencialmente em relação ao sistema de transporte; tal
concentração atraem as atividades financeiras, que por sua vez atraem as atividades
administrativas, e assim por diante; esse processo é responsável pelo espraiamento das
atividades residenciais originárias, sendo que sua população é que sustenta essas
atividades comerciais implicando no surgimento de novos processos de concentração
de atividades comerciais desta vez em função dos núcleos residenciais, dando origem a
uma nova escala de concentração: os distritos; e assim sucessivamente.
São característicos esses processos de formação de centros urbanos
nas cidades Pan-Amazônicas, sendo que Trindade Júnior fez o seguinte comentário
sobre Belém:
“...Um exemplo desses processos mostra-nos a concentração de
atividades comerciais na zona central da cidade, que por contato com
núcleos históricos e com outros espaços de ocupação mais recente,
vivenciou um pouco dos vários processos que marcaram a construção
do espaço urbano de Belém: o de centralização e de consolidação da
área central, o de descentralização.” (Trindade Júnior, 1993).
63
No caso específico de Belém, com o espraiamento das atividades
residenciais ao longo da Avenida Alte. Barroso, Br-316 e Augusto Montenegro,
produz-se a desconcentração destas atividades, em alguns casos reproduzindo os
modelos originais; possibilitando inclusive a implantação de centros comerciais mais
complexos, como Shopings Centers, em função do potencial de concentração
populacional dessas áreas. Entretanto, esse não é um processo pontual, se produz de
maneira sucessiva na medida em que se produz as transferências urbano-espaciais,
gerando os distritos e bairros, que em muitos casos constitui-se em verdadeiros centros
comerciais de maneira espontânea pela demanda local ou pela ação dirigida do plano
diretor urbano, produzindo por sua vez novos processos de desconcentração.
É importante considerar que, apesar da tendência das populações que
habitam as áreas centrais retirar-se geralmente para as áreas periféricas, estas áreas
centrais ainda seguem tendo uma atração muito forte para outros níveis e setores da
população das periferias, que buscam vantagens que não dispõe em seus respectivos
locais de origem.
Este fenômeno é comum em Belém, pois tanto as população de alta
renda e algumas de classe média desejam viver em áreas de cotas altas da periferia,
sendo que a população de baixa renda e de classe média baixa tem o objetivo morar
nas zonas centrais.
Em relação as áreas de baixadas, por se tratar de áreas que sofrem
grande influência do centro urbano de Belém, e serem habitadas, estas são um arsenal
dos processos intra-urbano de centralização-descentralização do centro urbano, se
manifestando tanto pelo transbordo das atividades comerciais, financeiras e
administrativas quanto na implementação de residências para reassentamento das
populações periféricas, ambas propicias dos processos de centralização, como os
processos de realocação das atividades residenciais em outras áreas mais afastadas, em
virtude da saturação dos espaços urbanos, que por sua vez voltam a nutrir o processo
de centralização-descentralização.
64
A partir de uma observação impírica, notamos que a cidade de Santa
Maria de Belém do Grão Pará define a estrutura de setores urbanos; que configura
concentricamente em torno de sua zona central – centro comercial -, definido a partir
do bairro da cidade velha e do porto de Belém; como sendo resultado imposto pelas
singularidades da geografia da cidade, que por sua vez se projeta (espraia) para o leste
e para o sul do continente. (Observar Figura 02).
A partir da região central se estende seus eixos principais e seu
primeiro arranjo espacial, onde se situa o centro de comercio varejista e a industria de
serviços; a exemplo do que ocorre nos eixos viários da Avenida Senador Lemos, Alte.
Barroso, Presidente Vargas e 1º de Dezembro, este ultimo pelo potencial vislumbrado
por seu futuro prolongamento.
O paradigma latino americano de urbanização, o diferencia dos
demais modelos devido a uma especial discrepância em relação a estes, pois não são
determinadas as zonas residenciais dos trabalhadores, ficando assim pouco claras as
zonas residenciais dos setores populares, que situam-se em função dos centros de
comércios formais, criando verdadeiros núcleos urbanos de comercio informal, como
se pode perceber no distrito do Guamá.
Os espaços compreendidos em torno dos centros de comércios
minoritários e de oficinas (serviços), assim como ao longo dos eixos de circulação, são
ocupados por residência de nível médio em especial na forma de verticalização. Estas
são claramente observadas em todas as avenidas das zonas centrais e das vias que
conectam o centro urbano com as vias de primeira ordem e segunda ordem, como a
avenida Magalhães Barata, Pedro Miranda, Duque de Caxias, Bernal do Couto.
A localização das residências de auto nível possuem indicadores
importantes, que são: sua vizinhança com os bairros populares e dos setores, ditos
perigosos, e a condições de seus terrenos; que no caso de Belém adquire especial
importância, por tratar-se da escassez de terrenos altos em relação as cotas dos rios.
65
Estas cotas altas e mais valorizadas encontram-se justamente em alguns setores, como
ao longo da Rodovia Augusto Montenegro, Bairro do Coqueiro, Val-de-Cães, etc.
Da mesma forma, as chamadas áreas suburbanas, são representadas no
caso da cidade de Belém, pelas áreas periféricas desprevilegiadas, cuja definição
encontram claras diferenciação sociológicas, haja vista que a primeira se refere a uma
periferia da cidade ocupada por uma população tradicional e estável, em detrimento da
segunda que está caracterizada por ser uma periferia ocupada principalmente por uma
população migrante e “anônima”.
Estas particularidades na estrutura de Belém lhe dão uma especial
significação na zona de influência do Distrito Administrativo do Benguí, por ser o elo
de ligação e de influência direta do centro urbano com o restante da Região
metropolitana de Belém (RMB), e por conter importantes eixos de comunicação que
tendem a atrair o crescimento do comércio e as indústrias de serviços, em virtude do
forte potencial populacional, inclusive no que tange a incorporação progressiva de
residências de nível médio e alto.
Isso significa que, num futuro próximo, o atual comercio minoritário e
informal localizado ao longo da Rodovia Augusto Montenegro, Artur Bernardes,
Mário Covas, Transcoqueiro e Tapanã serão substituídos por novas atividades, e
consequentemente também os serão as residências populares dependentes destes tipo
de atividades comercial. A tendência do processo de invasão-sucessão, motivado pela
forte centralização exercida pelo centro urbano de Belém e pela regiões intermediárias
nos distritos administrativos do DASAC e DAENT, será acelerado no que diz a
respeito as habitações das áreas populares ao longo dos eixos viários mencionados.
A sucessão traz consigo a expulsão dos comércios descapitalizados e
informais, no qual lhes cabe a realocação para algum setor da cidade ou da RMB, cada
vez mais longínquo, onde haja forte presença de consumidores para seus mercados,
dando origem a outro processo da invasão-sucessão por parte das residências dos
66
setores de baixo poder aquisitivo, que buscam a proximidades destes mercados e vice-
versa.
Para proporcionar uma visão mais ampla, dos fatores que
determinaram os processos de ocupação e configuração espacial e econômica de
Belém do Pará, iremos a seguir discorrer sobre a formação territorial do município
supracitado.
67
Capítulo VII
RESGATE DA FORMAÇÃO TERRITORIAL DA CIDADE DE SANTA
MARIA DE BELÉM DO GRÃO PARÁ
Belém, (ex-Santa Maria de Belém do Grão-Pará) Capital do Estado do
Pará, que se localiza na zona de unidade geológica Bragantina, fundada em 12 de
janeiro de 1616, quando Francisco Caldeira Castelo Branco construiu o fortim do
Presépio, que mais tarde se transformou na cidade de Santa Maria de Belém do Grão-
Pará. O local foi escolhido pelos portugueses como defesa do nordeste brasileiro às
incursões de piratas holandeses, ingleses e franceses.
Situado na entrada da bacia amazônica, o local oferecia ótimo abrigo a
navegação e proporcionava fácil acesso à toda Amazônia. A cidade evoluiu muito a
partir de 1867, por dois motivos principais: abertura do rio Amazonas à navegação
internacional e instalação na região da exploração da borracha. A cidade se tornou
entreposto de toda a região, e grandes melhoramentos urbanos foram realizados.
Com a decadência econômica da borracha, esse progresso não teve
continuidade, sendo que somente nos últimos decênios Belém voltou a retomar o ritmo
de desenvolvimento. A expansão do mercado interno do país, refletiu-se no
aparecimento de novos bairros, na multiplicidade de instalações fabris e num grande
centro comercial, dotado de modernas edificações.
A cidade de Belém, assenta-se sobre terraços de planície quaternária,
com altitudes variando de sete a quatorze metros. Graças à situação geográfica, na
entrada do rio Amazonas, Belém representa o papel de maior entreposto comercial da
Amazônia Oriental. Concentra para exportação quase todos os produtos do
extrativismo regional destinados ao mercado interno e externo, ao mesmo tempo que
68
recebe para distribuição no interior de seu perímetro tributário, manufaturas nacionais
e estrangeiras.
Pouco a pouco Belém vai se industrializando, com beneficiamento de
produtos agrícolas e exploração florestal. Possui fábricas de móveis, curtumes de
couros e peles, fiação de algodão, juta e malva, fábricas de produtos alimentícios,
sabões, artigos de perfumaria, roupas, calçados, bebidas e alguns estabelecimentos
metalúrgicos. Conta com duas usinas termelétricas de gestão federal, Val-de-Cães e
Miramar, que lhe asseguram um potencial energético 36.000 KW a mais que os
750.000 KW recebidas da Usina Hidrelétrica – UH - de Tucuruí. Além do porto ligado
ao rio Amazonas pelos estreitos de Breves e ao litoral norte do mar territorial brasileiro
pela Baía de Guajará, possui duas importantes rodovias: a Belém-Bragança e a Belém-
Brasília.
Turisticamente a cidade oferece, além de hotéis, restaurantes e
cinemas modernos, numerosos pontos de interesse turístico, como sobrados com
fachadas de azulejos antigos, vários mercados onde são encontrados produtos típicos
da Amazônia, o Bosque Rodrigues Alves, o Museu Emílio Goeldi, o Parque da
Residência, o Theatro da Paz e o famoso cais do Ver-o-Pêso, dentre inúmeros outros
pontos. A cidade é também sede de arcebispado.
Destacam-se ainda: o museu Goeldi, que é o centro de pesquisas sobre
a fauna, a flora, a etnologia e a geologia regional; o Instituto Evandro Chagas e o setor
amazônico do Serviço Especial de Saúde Pública, que se dedicam ao estudo das
doenças tropicais e a atual Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(EMBRAPA), centro científico dedicado aos problemas do desenvolvimento da
Agricultura e da Pecuária na região amazônica. Possui superfície 736 km.
A história da cidade de Belém confunde-se, como será visto na
descrição que segue, com a própria história do Pará através de quatro longos afanosos
e fecundos séculos de formação e desenvolvimento.
69
A cidade de Belém foi fundada no dia 12 de janeiro de 1616, por
Francisco Caldeira Castelo Branco, antigo capitão-mor do Rio Grande do Norte, que
partindo do Maranhão, como chefe de uma expedição de 200 homens, em três
caravelas (Santa Maria da Candelária, Santa Maria da Graça e Assunção), comandadas
por Pedro de Freitas, Álvaro Neto e Antônio Fonseca, lançou os alicerces da cidade no
lugar hoje Forte do Castelo.
O fortim de madeira teve o nome de "Presépio", em cujo interior foi
levantada uma capela para o culto religioso, sob o orago de Nossa Senhora da Graça.
Essa fortificação, que ainda hoje subsiste, dominava militar e estrategicamente os
caminhos fluviais possíveis de ameaça a colônia.
Caldeira Castelo Branco, embora soldado de Felipe da Espanha, sob o
jugo de quem se achava Portugal, não se esqueceu que a empresa estava a cargo de
portugueses e desse modo deu às novas terras conquistadas a denominação de Feliz
Lusitânia, colocando-as sob a proteção de Nossa Senhora de Belém.
Na tropa de Caldeira Castelo Branco se encontrava Pedro Teixeira,
cujo nome está ligado à exploração do Amazonas, como o mais famoso perlustrador da
gleba. E Pedro Teixeira varou a selva por terra, de Belém ao Maranhão, para levar a
notícia do feito e trazer provimentos alimentícios de guerra, para a consolidação dos
novos domínios. Vencidas a lutas com os selvagens (Tupinambás e Pacajás) e com os
invasores estrangeiros (holandeses, ingleses e franceses), a cidade perdera, já, a
primitiva denominação de Feliz Lusitânia, passando a ser Nossa Senhora de Belém do
Grão Pará, para a qual Felipe da Espanha concedera os foros da Capitania.
Em 1650, a população somava 80 pessoas livres, sem incluir os
nativos, os religiosos e os soldados. Era o que dizia o Padre Antônio Vieira na sua
"Resposta aos Capítulos do Procurador do Maranhão". As primeiras ruas foram
abertas, todas paralelas ao rio. Os caminhos transversais levam ao interior. Era maior o
desenvolvimento para o lado Norte, onde os colonos levantaram as suas casas de taipa,
dando começo à construção do bairro que é hoje chamado de Cidade Velha.
70
Do Forte do Presépio saíram os desbravadores do povoado. Densa
mata circundava a terra. O Igarapé Pirí, vindo do Norte, onde depois foi construído o
Arsenal de Marinha, descia pelo povoado, indo desaguar perto do forte, onde está hoje
a boca do Ver-o-Pêso. Os primeiros habitantes da parte sul foram os religiosos
capuchos do Santo Antônio, que construíram, à margem do Paraná-Guaçu, o hospício
do Una.
Até o meado do século XVII, Belém possuía, além dessa construção, o
convento e a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, obra dos Carmelitas calçados, no
local onde Bento Maciel possuíra uma casa de residência; a Igreja e o Convento de
Nossa Senhora das Mercês, construídos em 1640, por frei Pedro de La Cirne e frei
João da Mercê e onde, em 1796, D. Francisco de Souza Coutinho mandou instalar a
Alfândega, que lá ainda continua. A Santa Casa de Misericórdia foi fundada em 24 de
fevereiro de 1619.
Absorvidos os portugueses com o domínio da região amazônica e
sempre perturbados pelos índios e estrangeiros, não foi lhes possível cuidar, nos
tempos iniciais, do progresso da capitania. O móvel maior a ambição do ouro era
causa principal dessa estagnação, que apesar do meio século de permanência, "dava a
colônia a orientação dos primeiros dias". “A idéia da fortuna imediata toldava todos
os espíritos, sem distinção de crença ou de cargos”, diz consagrado historiador
paraense a respeito dessa fase da vida belemense. E a cidade tinha de sofrer, no seu
progresso, as conseqüências do espírito ambicioso de seus primeiros povoadores.
Em 1676, chegaram da Ilha dos Açores 50 famílias, no total de 234
pessoas. Eram agricultores, que o Senado da Câmara localizou no trecho da cidade,
que se chamou de Rua São Vicente, atual Manoel Barata (outrora Pais de Carvalho).
Nessa época já estava instalada a Alfândega e construíram-se a Fortaleza da Barra e o
Forte S. Pedro Nolasco. Na Igreja e convento de Santo Alexandre o Padre Antônio
Vieira pregou alguns de seus monumentais sermões.
71
No século XVIII a cidade começou a avançar para a mata, ganhando
distância do litoral. Pela Bula Apostólica de 13 de Novembro de 1720, foi criado o
Bispado do Pará e o 1. Bispo foi D. José Bartolomeu do Pilar, da ordem dos
Carmelitas Calçados. Nesta época a população era de 6 574 homens livres.
A lei de 12 de junho de 1748 estabeleceu o derrame de moeda de
metal-cobre, prata e ouro, para substituir os novelos de algodão e os gêneros nativos,
que eram o dinheiro da época.
A requerimento dos habitantes, foi fundada em 1755, a companhia de
comércio, cuja finalidade era "nutrir a fortuna individual dos moradores". Durou 22
anos e 7 meses. Trouxe ao Pará 12 587 escravos africanos, dos quais muitos foram
vendidos para Mato Grosso, por falta de compradores no Pará.
Foi iniciada a construção do Palácio do Governo, planta do arquiteto
Antônio José Landi, cuja conclusão se deu em 1771. Em 1793, D. Francisco de Souza
Coutinho, governador, capitão-general de Grão Pará e Rio Negro, organizou o sírio de
Nossa Senhora de Nazaré, tradicional préstito religioso, que movimenta todo o Estado.
Estabeleceu-se o serviço oficial do Correio; criaram-se escolas de
ensino primário e de humanidades; foi feita a abertura de poços de serventia pública, a
fundação do Jardim Botânico. As tropas militares ficaram agrupadas numa imensa
casa térrea que se estendia da travessa São Francisco a de São Pedro, donde veio o
nome de largo dos quartéis, hoje praça da Bandeira e Saldanha Marinho.
O Hospital de Caridade fora criado e Dom Frei Caetano Brandão, 6
Bispo do Pará, o obreiro mor. Também estava instalada a justiça. Ao terminar o ano de
1799, a cidade contava com 1 083 residências e 10 620 habitantes. Dom Francisco de
Souza Coutinho, cavaleiro da Ordem de Malta e capitão-de-fragata da Real Armada
Portuguesa, era o governador e capitão-general do Grão Pará e Rio Negro.
72
O século XIX assinala, em seu primeiro quartel, o fim do período
colonial. Em 15 de agosto de 1823, o Pará aderiu à independência, após um período
agitados de lutas. A população do Município era de 12 467 almas. "O Paraense" foi o
primeiro jornal publicado no Pará, tendo circulado em 1 de abril de 1822, sendo seu
fundador Felipe Patroni. Em 1828, por lei de 1 de outubro, foi criada a Câmara
Municipal de Belém.
"A Cabanagem", revolução nativista, levantou o Pará todo. Uma onda
de sangue que abalou a terra paraense de 1833 a 1836. É também a página mais
emocionante e dramática da história da Amazônia. Em 1850, a população de Belém
era estimada em 40 980 habitantes. A "abertura do rios Amazonas, Tocantins, Tapajós,
Madeira e Negro à navegação dos navios mercantes de todas as nações", e representou
um notável feito e proporcionou desenvolvimento à capital paraense.
O recenseamento de 1 de agosto de 1872 apurou 84 867 habitantes. A
16 de novembro de 1889 a república foi proclamada no Pará.
Dissolvida a Câmara Municipal, por decreto n. 3, de 5 de dezembro
de 1889, da Junta Provisória Republicana, foi, em seu lugar, criado o Conselho
Municipal, composto de cinco membros, sendo um deles presidente, nomeados pelo
governador do Estado. Em 21 de fevereiro de 1890, o decreto n. 67 alterou a
constituição da Câmara, que passou a ter 7 vogais e o nome de Conselho de
Intendência Municipal. Com a lei orgânica dos municípios, em 28 de outubro de 1891,
"os municípios passaram a ser governados por um Intendente, com funções executivas
e um conselho Municipal com funções deliberativas".
O Conselho Municipal foi eleito em 15 de novembro de 1891, para o
triênio 1891-1894, sendo Intendente o Dr. Gama Abreu, barão de Marajó e vogais: Dr.
José Antônio Pereira Guimarães, José Marques Braga, Dr. Teodorico Cícero Ferreira
Pena, Antônio Delfim da Silva Guimarães, Filadelfo de Oliveira Conduru, Cícero da
Costa Aguiar e Ramiro da Silva Castro.
73
A administração de Antônio José de Lemos, Intendente de 1897 a
1911, foi a fase áurea do município de Belém. Com apurado gosto, embelezou a
cidade, tornando-a atraente e desenvolveu-a, a ponto de faze-la o maior empório
comercial do vale amazônico. Os calçamentos de madeira foram substituídos pelo
granito. Construídos o Mercado de Ferro, o quartel do Bombeiros, o asilo de
Mencidade, o Necrotério Público, iniciada a rede de esgotos; os largos foram
transformadas em praças ajardinadas; abertura de ruas e travessas no bairro do Marco e
promovido o melhoramento do perímetro urbano. Mais uma légua de terra foi dada ao
patrimônio municipal; a iluminação pública instalada por eletricidade e servida a
particular por gás carbônico; a viação pública, por tração animal, foi substituída por
bondes elétricos; dois grandes jornais locais "A província do Pará" e a "folha do
Norte", refletiam a febre de progresso da capital Guajarina; suntuosos prédios;
esplêndidas moradias; belas avenidas e ruas.
Foi essa Belém que o singular e sugestivo Antônio Lemos,
maranhense radicado no Pará e enamorado da terra adotiva, apaixonado pelo seu
progresso, transformou de um semipântano quase inacessível ao civilizado, no
urbanístico e notável pórtico da Amazônia imensurável, solitária e fecunda. A queda
política de Antônio Lemos, logo seguida da derrocada da borracha e a primeira guerra
mundial, pararam a grande metrópole.
Sucedeu a Lemos, em 12 de junho de 1911, o coronel Sabino
Henrique da Luz, vice-presidente do Conselho, que permaneceu nas funções até 5 de
dezembro do mesmo ano, quando foi substituído pelo Dr. Virgílio Martins Lopes de
Mendonça, que completou o restante do período em 1913, quando foi escolhido para o
triênio que começava nesse ano. Renunciando à função, veio a ocupá-la o Dr. Dionísio
Ausier Bentes.
Em 1914, com a reforma constitucional de 3 de setembro, pela Lei
n.1.409, de 26 do mesmo mês e ano, os Intendentes da capital passaram a ser de
nomeação do governo estadual. Foi primeiro Intendente nomeado o Dr. Antônio
Martins Pinheiro, que teve como sucessores, daquele ano até 1930, os Drs. Cipriano
74
José dos Santos, Manoel Rodrigues dos Santos, Antônio Crespo de Castro, Cel. José
Maria Camisão, Senador Antônio Facióla.
Com a vitória da revolução de 1930, foi Primeiro Intendente de Belém
o Dr. Ismael de Castro, seguido do Dr. José Carneiro da Gama Malcher e Padre
Leandro Pinheiro, que foi, com a mudança do nome de Intendência para Prefeitura, em
virtude do Decreto-Lei n. 12 398, de 11 de novembro de 1930, último intendente da
capital.
Seguem-se efetivamente, após o Padre Leandro Pinheiro, os prefeitos
Abelardo Conduru (duas vezes), Afonso Almeida, Alcindo Cacela, Emanuel de
Almeida Morais, Jerônimo Cavalcante, Alberto Egelhard e Lopo de Castro.
Após a ditadura, com a reconstitucionalização de 1945, foi eleita a
seguinte Câmara de Vereadores: Adolpho Burgos Xavier, Lucival Lage Lobato,
Francisco do Céu Ribeiro Souza, Armando Dias Mendes, Benedito José de Carvalho,
Mário Chermont, Augusto Belchior de Araújo, Raimundo Farah, Antônio Carlos dos
Santos, Melquíades Teixeira Lima.
Belém, não só pela já citada lei estadual, que lhe retirara a autonomia
eletiva, mas também, pela lei federal n. 121, de 22 de outubro de 1937, vinha
impedida de escolher os seus mandatários, porém, a lei federal n. 1 645, de 16 de
julho de 1952, conferiu-lhe o direito de eleger os seus prefeitos quatrienalmente, tendo
ocorrido a primeira eleição em 27 de setembro de 1953, da qual saiu vitorioso o
candidato Dr. Celso Carneiro da Gama Malcher, atual ocupante.
O município de Belém, primeiramente foi constituído dos distritos de
Belém, Icoaraci (ex-Pinheiro), Mosqueiro e Val-de-Cães, consoante a lei n. 158, de 31
de dezembro de 1948, ainda vigente.
Atualmente, Belém está em uma fase de notório e franco progresso,
graças a fatores exponenciais, como sejam os da sua ligação aérea direta com o resto
do Brasil e várias partes do mundo; a instalação de novas indústrias e núcleos
75
comerciais globalizados; o surgir de importantes instituições de ensino; a atração de
nacionais e estrangeiros para as atividades as mais diversas no comércio, indústria e
agricultura; a modernização da estética urbana; o crescimento populacional; a fixação
da sede de notáveis organismos da administração nacional e de pesquisas científicas; a
transformação do transportes coletivos; e, finalmente, a auspiciosa ligação terrestre
com o Nordeste e o Sul do país, através de rodovias e ferrovias de excepcional relevo
para sua completa integração econômica, cultural e humana.
Situado num dos braços de saída para o rio Amazonas, à margem do
Delta de Franco Estuarino do Rio Pará, o município de Belém é formado por terras
planas, aluvionais em grandes extensões. Nas regiões mais baixas, próximo ao
estuário, ou ainda no vale do seu rio principal, o Guamá, que atravessa o seu território
de oeste para leste ou nos inúmeros igarapés, as terras são sujeitas às inundações
periódicas, devido a influência das marés.
É nesta zona baixa do estuário, às margens da bacia de Guajará, junto
a foz do rio Guamá, que se situa Belém. A cidade possui posição privilegiada, sendo
considerada porta de entrada na Amazônia, em decorrência do seu porto acessível,
amplo e de intenso movimento comercial.
O município localiza-se na zona "Guajarina", segundo o consenso dos
estudiosos da matéria, embora figure na divisão regional do Conselho Nacional de
Geografia na zona "Bragantina", fisiograficamente falando.
A fundação de Belém, representou o início da dominação Lusitana
militar e econômica sobre a Amazônia. Devido sua posição geográfica - a 1º 28’ 03”
de latitude sul e 48º 29’ 18” de longitude oeste – se constituiu um lugar privilegiado
para ocupação das famílias proveniente do Açores que aqui se estalaram e dedicaram-
se a atividades agrícolas sobre tudo o plantio de legumes e extrativismo das “drogas do
sertão” e na busca de metais preciosos. Este tipo de colonização não surtiu o efeito
desejado quando os colonos iniciaram o cultivo de extensas áreas férteis no vale do rio
Guamá, estas cedidas por meios de sesmarias.
76
As principais fontes ou atividades produtivas iniciais foram o cultivo
do tabaco, a produção do açúcar e aguardente. As primeiras ruas surgiram à leste do
Forte do Presépio denominado rua do Norte, atual rua Siqueira Mendes; Rua da
Cadeia, atual João Alfredo, Rua da Praia, atual 15 de Novembro e São Vicente de
Fora, atual Serzedelo Corrêa e outras foram surgindo ao longo do tempo.
A ocupação da cidade obedeceu uma seleção em base de um critério
espontâneo onde foram ocupadas áreas de cotas mais altas. A topografia da área
ocupada pelo sítio urbano de Belém, apresenta uma certa regularidade nas curva de
nível, variando de 4 a 15 metros, sendo que, 40% de todas suas terras constituí-se pior
aluviões recentes resultantes depósitos efetuados pelos rios amazônicos ou seja dos 18
mil ha da sede de Belém, 5.017 ha são terrenos cuja as cotas hipsométricas estão
abaixo de quatro metros constituindo-se por áreas alagadas, que contornavam o
povoamento que só serão ocupadas quando as terras de cotas mais elevadas se
tornarem escassas implicando em um problema infra-estrutural.
O Estado tentando evitar um povoamento sob uma lógica caótica,
decide estabelecer limite para o núcleo urbano Belemense instalando, como vai se
comentado mais minuciosamente, o marco da primeira Légua patrimonial, contudo
esse evento não conseguiu conter a expansão urbana, que prosseguiu muito além do
limite estabelecido.
Nesse processo de expansão surgem vilas, passagem e travessas no
intuito um contigente populacional entretanto este o extrapolava obrigando a
população de baixa renda a procurar outros locais cada vez mais distante do núcleo
principal, locais inocupados.
Belém foi sempre considerada uma cidade horizontal, com edificações
de tipologias herdadas do passado, taipa e pedra, em vasta representação de
exemplares arquitetônicos do século XVII, que fizeram por muito tempo, parte de um
77
cenário requintado, onde o que mais de destacavam na paisagem com maior
volumetria eram Igrejas e conventos.
O processo de verticalização belemense, inicia-se de maneira
paulatina na década de 40, o que irá favorecer a expansão da metrópole, porém seus
antecedentes datam do período do apogeu gomífero, pois está diretamente ligado ao
capital proveniente desta atividade. Os prédios que datam deste período são
precisamente o Theatro da Paz, o orfanato Antônio Lemos e o Colégio Gentil
Bittencourt...
A cidade de Belém, vale reafirmar, está localizada sob as coordenadas
geográficas 1º 28’ 03” latitude sul e 48º 29’ 18” longitude oeste, e sua altitude é de 14
metros, cabendo-lhe o 24. lugar, em altitude dentre os demais cidades do estados. No
que tange ao meso climatologia, uma das características do município é o seu clima,
que, de acordo com a classificação Aw de Köppen, que corresponde ao clima de
savana, cujo as características é possuir o mês mais frio tendo a temperatura média
superior a 18ºC; sendo que a isotermia de inverno de 18ºC com o clima tropical
chuvoso garante uma precipitação anual maior do que a evopotranspiração do período,
impondo um domínio quente-úmido e chuvoso no inverno.
Observou-se em 1997 a temperatura média anual de 27,1C, tendo
sido registrada a máxima absoluta de 33,4C e a mínima absoluta de 20,6C. A média
das máximas foi de 31,5C e a média das mínimas marcou 22,2C.
As chuvas são freqüentes e abundantes, caindo com maior intensidade,
de dezembro a junho, tendo atingido, em 1999, a altura de 2 855 mm. Não há porém,
estação seca, pois o mês menos chuvoso (outubro) tem a média de 86 mm. A unidade
relativa, média anual, e de 89%.Belém é, sem dúvida, uma das cidades onde chove
mais do mundo, situada como está na faixa equatorial.
Belém o 94 município do Estado, com a superfície de 719 Km².
Coloca-se, portanto, na relação dos menores municípios paraenses. Todavia, sua área
78
já foi imensa. No começo do século seus limites iam até o atual município de
Capanema, então Quatipuru. Em 1920, tinha 9 366 km², sofrendo desmembramento
para instalação de Castanhal e Santa Isabel, depois da Revolução de 1930. O último
retalhamento de seu território, para criação de Ananindeua e Barcarena, ocorreu 1944,
quando possuía a área de 3 822 km². Em relação a superfície territorial dentre as
capitais brasileiras, Belém ocupa o último lugar em termos de área superficial e sítio
urbano.
Os principais acidentes geográficos do município, são os seguintes:
Rio Guamá, de leste para oeste, navegável em toda a sua extensão e servindo de via de
comunicações entre Belém e os municípios de São Domingos do Capim, Irituia, São
Miguel do Guamá e Ourém. A Baía do Guajará, onde se localiza o Porto da cidade de
Belém, é formada pela confluência dos rios Guamá, Acará e Moju, e de Santo
Antônio. Ilhas: de Caratateua ou das Barreiras (Outeiro), Jutuba, Paquetá-Açu, Urubu-
oca, Cotijuba, Mosqueiro, esta última se acha localizada no Distrito Administrativo do
mesmo nome, tendo como componentes os bairros de Chapéu-Virado, Farol, Murubira
e Ariramba, dentre outros menos aprazíveis que, com suas praias, constituem o local
de veraneio para os habitantes da Região Metropolitana de Belém (RMB). A cidade de
Belém faz limites territoriais com as cidades de Acará ao Sul; de Colares ao Norte; de
Barcarena a Oeste e por fim a Ananindeua a Leste.
O Governo Federal institui, por meio da Lei Complementar Nº 14 de
08 de Agosto de 1973, a criação da RMB que engloba, naquele momento, as cidades
de Belém e Ananindeua, e cujo aspecto mais significativo, está exposto em seu artigo
5º, alíneas “a” e “c” que abre a alternativa de, em nome de um planejamento integrado,
utilizar as terras metropolitanas para que possam promover e potencializar o
desenvolvimento econômico. Atualmente congregam a RMB cinco cidades sendo elas
respectivamente: Belém; Ananindeua; Marituba; Benevides e Santa Barbara do Pará,
sendo todas estes municípios encontram-se praticamente conurbados; a existência da
BR-316, que liga a capital do Estado ao restante do país, contribui com a facilidade de
locomoção dos imigrantes, provenientes do interior, em busca de melhores condições
de vida na cidade metropolitana, . Em virtude de sua influência enquanto metrópole
79
regional da Amazônia Oriental, bem como pela proximidade geográfica, as cidades de
Barcarena, Mojú e Castanhal estão de certa forma inseridas, de forma periférica à
RMB. (Observar Figura 03).
Há em Belém uma das mais vivas, notáveis e famosas manifestações
de culto religioso de todo o país, que é o chamado Círio de Nossa Senhora de Nazaré.
A origem do Círio, que é a mais cara e mais presente tradição do povo católico do
Pará, remonta a fatos Lendários. Rezam as crônicas dessa bela história que é a imagem
de Nossa Senhora de Nazaré, hoje venerada na formosa Basílica, que tem seu bem-
querido nome, foi encontrada em lugar ermo das matas próximas à Belém, por um
caboclo chamado Plácido, nos idos do século XVII.
Há versões as mais diversas e até desencontradas sobre a aparição da
Imagem. Nem todos dão o mesmo local. Nem é unanime a opinião quanto à data exata
do achado. Certo é que a confirmação é geral sobre o encontro da imagem em meio à
solidão de vegetais e pelo rústico Plácido.
Consta do histórico do templo, que hoje abriga a imagem ter sido este
edificado juntamente no ponto em que a mesma fora aparecida, por Plácido, que
tomara a si os cuidados de guardá-la, zela-la e cultiva-la à altura dos méritos que lhe
são atribuídos pela Fé Católica.
A festividade tem início na manhã do segundo sábado de Outubro,
com a procissão chamada "Trasladação rodo-fluvial", que conduz a imagem de Nossa
Senhora de Nazaré do Colégio Gentil Bittencourt para a Catedral fazendo com que a
mesma cruze todos os principais eixos viários e fluviais da cidade .
Há, também o famoso "Boi Bumbá", os “Pássaros Juninos” e as
“Quadrilhas Juninas”, que são folguedos animados utilizados durante as festividades
das quadra junina; e dançados nos bailes populares e aristocráticos.
O Bosque Municipal "Rodrigues Alves" é recanto da selva amazônica
(Hiléia) com toda pujança da tropical floresta, com os seus 15 ha de espaço verde
80
dentro da cidade, possui densos arvoredos, valioso orquidário; e belas aves e pássaros
próprios da região, sendo que no ultimo mês de março se conquistou seu “status mor”
e transformou-se em Jardim Botânico Municipal.
O Museu "Emílio Göeldi": Órgão de projeção científica, reconhecido
mundialmente, foi fundado no ano de 1866, pelo naturalista Domingos Soares Ferreira
Pena, com o nome da Associação Filomática. Possui as divisões técnico-científica de
antropologia botânica e geologia. Sua biblioteca é especializada em história natural e
mantém permanentemente exposição de cerâmicas marajoara e tapajônica. O parque
Zoobotânico ocupa uma área de 52 000 m², em pleno centro de Belém. É uma amostra
viva da fauna e flora amazônica. São mais de 4 000 plantas (incluindo as árvores). O
aquário abriga algumas das espécies ictiológicas mais raras dos rio amazônicos. A
exposição Amazônica, o Homem e o ambiente, ocupa o pavilhão Eduardo Galvão.
O EMBRAPA, antigo Instituto Agronômico do Norte, é o centro de
estudos e pesquisas, com culturas agropecuárias próprias da região, e atua junto
projetos na Região.
O Theatro da Paz: é a casa oficial de espetáculos. Representa uma das
mais belas construções antigas da cidade. Localizado na Praça da república,
antigamente conhecida como "Largo da Pólvora", destaca-se pela beleza verdejante
das mangueiras que arborizam. Edificado de modo majestoso "Theatro da Paz",
produto do gosto neoclássico, com magnífica série de colunas gregas de formas
harmoniosas. Foi construído pelo governo no Segundo Império, e inaugurado a 15 de
fevereiro de 1878 com o artista dramático Vicente Pontes de Oliveira, sendo no último
mês restaurado completamente pelo Governo Estadual.
O Palácio Lauro Sodré, antiga casa oficial do expediente
governamental e Instituto de Educação, datando a sua construção do ano de 1771, com
lindas pinturas, móveis antigos, e assoalho com um trabalho de madeira fora do
comum. Atualmente em reforma, sendo cogitado sua reutilização como museu do
Estado.
81
Palácio Antônio Lemos: casarão antigo e majestoso, onde estão
sediados órgãos da administração municipal, existe também, na parte da Comuna, uma
coleção de móveis históricos e quadros artísticos dos mais lindos, sugestivos e
notáveis da pintura nacional e até estrangeira, (Pinacoteca Municipal).
O Ver-o-Pêso tem sua origem datada do Século XVII, o seu nome
deriva da existência à época de Posto Fiscal, a Casa do Haver-o-Pêso, onde eram
pagos os impostos a que estavam sujeitos os gêneros trazidos para a sede da Província.
Símbolo cultural e turístico da cidade, é um conjunto de doca, feira e mercados. Lá que
se encontram um janelão escancarado para o rio Guamá e Baía do Guajará. Um grande
espaço aberto, que somados à novíssima Estação das Docas, são patrimônios em que
se pode desfrutar belezas e amenidades do lugar.
O porto de Belém, construídos pelos ingleses no começo deste século,
conta com 15 armazéns com capacidade de carga para 213 600 m³. O números de
guindastes é 12. O cais acostável mede 935 metros de extensão. A profundidade do
ancoradouro varia de oito a dez metros.
Belém é chamada a "Cidade das Mangueiras", em virtude de sua
arborização urbana ser feita quase que exclusivamente por frondosas mangueiras, o
que lhe dá com singularidade um aspecto típico, formando essas frondosas árvores
belos túneis vegetais, como se verifica na Praça da República e às Avenidas Nazaré e
São Jerônimo.
Belém, cidade amazônica, localizada na foz do Rio Amazonas, de
clima tropical quente-úmido, fundada em 1616 por Francisco Caldeira Castelo Branco,
teve seu período áureo, na época da Borracha, sendo como um grande centro de
comercialização desses produtos. Tendo como as principais obras históricas que
representava o progresso da era onde foi nominada a principal cidade equatorial do
mundo, tais como o Theatro da Paz, O porto do Ver-o-Pêso, Museu Paraense "Emílio
Goeldi", Palácio Antônio Lemos, etc.
82
Tem hoje sua economia voltada para o Turismo e Comércio; as
atrações turísticas que envolve o mercado de ferro, o Ver-o-Pêso, a caixa d'água de
São Braz, a praça Batista Campos, A Estação das Docas, o Terminal Aeroviário
Internacional, Memorial Magalhães Barata, Conjunto Arquitetônico de forma
eclesiástica do inicio do século, o Parque da Residência, o mercado São Braz, as orlas
de Icoaraci e Mosqueiro, etc. Tem como manifestação religiosa o Círio de Nazaré, que
se realiza todos os anos, é reconhecida mundialmente, e a festividade de Iemanjá
realizada na Ilha de Caratateua (Distrito de Outeiro) no sétimo dia de dezembro.
Belém do Pará possui uma população absoluta de 1.280.614
habitantes, e deste total 608.253 ou 49,5% são homens e 672.371, ou seja 52,51% são
do sexo feminino; sendo que na zona urbana vivem 1.272.354, portanto 99,35% da
população total, remanescendo nas áreas rurais apenas 8.260 dos seus habitantes total
ou apenas 0,65%..
Belém possui um total de 296.352 domicílios, e a média de habitantes
nestes é de 4,3 pessoas por residência; e a distribuição geográfica e administrativa
desses habitantes e desses domicílios estão dispostos da seguinte forma:
83
*Tabela 02 - Distribuição geo-estatística da população e dos domicílios de Belém
Distritos
Administrativos
Nº de
Habitantes
Porcentagem
(%)
Números de
Domicílios
Porcentagem
(%)
DAGUA(do Guamá)
349.535 27,3 75.906 25,6
DASAC(da Sacramenta)
249.370 19,5 55.690 18,8
DABEN(do Benguí)
237.303 18,5 56.383 19
DABEL(de Belém)
140.574 11 36.606 12,4
DAICO(de Icoaraci)
133.150 10,4 31.522 10,6
DAENT(do Entroncamento)
116.561 9,1 27.560 9,3
DAMOS(de Mosqueiro)
27.896 2,2 6.347 2,1
DAOUT(de Outeiro)
26.225 2 6.38 2,1
Total de Habitantes 1.280.614 100 96.352 100 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística– Censo Demográfico 2000.
A belíssima cidade morena, tem como muitos atrativos o artesanato,
muito valorizado e de destaque nacional. Outro ponto de destaque de Belém, é a
cozinha típica com suas raízes indígenas: prato como Pato no tucupí, maniçoba,
tacacá, os exóticos e saborosos peixes amazônicos, mussuã, casquinha de caranguejo,
além de sobremesas e sorvetes, ou frutas regionais como: bacuri, cupuaçu, uxi,
pupunha, graviola, biribá, ingá e outras tantas variedades.
Todas esses sem números de especificidades e “atrações” intrínsecos à
Belém, oferece-lhe uma aporte exótico, uma aparência bucólica e um “ar”
saudosístico, que mascara uma realidade sinistra por que passa a maioria da população
da cidade que estão desprovidos de vivê-la plenamente. As formas requintadas das
edificações mais proeminente contribui com a disseminação desse equívoco, o qual
tentaremos ilustrar-lhes, com melhor precisão possível, nos capítulos que se seguem.
84
Capítulo VIII
PROCESSO DE VERTICALIZAÇÃO EM BELÉM: ORIGEM GEO-HISTÓRICA
DA FORMA DE MORADIA NA FAVELA EM ESTUDO
Os primeiros sinais de verticalização, na cidade, surgem na Avenida
15 de Agosto, atual Presidente Vargas, a qual só teria uma ocupação efetiva no início
da década de 30 na administração de Manuel Barata, quando se procede o alinhamento
da avenida. O edifício Manoel Pinto da Silva representa o marco da verticalização
nesta avenida do centro comercial de Belém.
Foram doados terrenos que a margeavam com a condição de neles
serem construídos prédios de boa apresentação, tendo como objetivo, incentivar a
urbanização e favorecer a verticalização. Este objetivo não foi alcançado, pois a
verticalidade se restringiu a prédios de no máximo três pavimentos.
O crescimento vertical efetivou-se posteriormente na avenida 15 de
Agosto devido a concentração de vários fatores que favoreciam esse fenômeno:
possuir altas cotas de nível altimétricos, correspondendo ao nível de 10 metros; e ser
considerado o principal corredor econômico do novo centro comercial, por onde
escoava a produção econômica da cidade, por possuir acesso direto ao porto.
A primeira tentativa de regulamentar a verticalização tem por base a
Lei de Maio de 1957, na qual o principal objetivo era a construção de prédios de alto
“gabarito”, com altura correspondente de no mínimo dez pavimentos na avenida
Portugal, Avenida Castilho França, Avenida João Alfredo e no bairro de Umarizal
(Doca de Souza Franco).
85
Com o fomento ás atividades industriais e agrícolas através de órgão
federais de atuação regional e a conexão territorial mais importante feita pela Rodovia
Belém-Brasília, a transformação urbana de Belém se acelera (dado a intensificação das
correntes migratórias) e, do início dos anos 70 ao final dos anos 80 do século passado,
esse movimento se consolida, principalmente nos bairros da Pedreira e Sousa e Marco,
sendo que rompe a fronteira de ocupação da 1º Légua Patrimonial e avança pelos
corredores de expansão delimitados pelas Áreas Institucionais, rumo a Icoaraci e
Ananindeua.
Enquanto isso, a verticalização se acentuava e o mercado imobiliário
se estruturava para melhor atuar dentro da cidade tradicional. Os resultados desse
crescimento se tornam visíveis quando começam a esbarrar em suas fronteiras; com
isso tenta-se romper a barreira representada pelo cinturão institucional imediatamente
após a 1º Légua patrimonial, favorecendo a consolidação da área de expansão da
cidade como tal, ao longo dos eixos viários da Rodovia BR-316 (rumo á Ananindeua)
e da Rodovia Augusto Montenegro (rumo á Icoaraci). Belém que havia crescido sem
pressa até então, passa a crescer mais intensamente e ao longo da década de 70
experimenta o adensamento do tecido urbano na área central, incorporando
definitivamente a lógica e a prática de apropriação do espaço urbano oriundo da
especulação imobiliária frente à atraente alternativa da verticalização.
Todo esse complexo processo, culmina nas políticas habitacionais
intensificada nas últimas décadas, incentivadas pelos órgãos federais de fomento à
habitação e que favorecem, sobremaneira, os setores imobiliários da economia (o
capital imobiliário local), na qual priorizam a implementação de conjuntos e
condomínios habitacionais de classe média e populares. Estes empreendimentos são na
maioria verticalizados, e são destes que originam o fenômeno da ocupação do conjunto
Jardim Sevilha.
Todo esse processo influenciou sobremaneira na ocupação e
configuração das áreas de expansão, sobretudo com a intervenção estatal e dos
incorporadores imobiliários (capital imobiliário). Faremos a seguir ao discussão desse
86
processo, tendo como o referencial o a formação sócio-espacial do Distrito
Administrativo do Benguí.
87
Capitulo IX
FORMAÇÃO ESPACIAL E TERRITORIAL DO DISTRITO ADMINISTRATIVO
DO BENGUÍ
O lugar em que está localizado o Distrito Administrativo do Benguí
(DABEN), se compunha de várias fazendas sendo que as principais eram a fazenda
Água Cristal, Fazenda Livramento, Fazenda Una, e inúmeros sítios menores; e bem
antes de ser caracterizado como bairro, ainda compondo a zona rural (“cinturão
verde”) vinculado a cidade de Belém, este era o local onde se desenvolvia o cultivo de
hortas, granjas, pequenas vacarias, fazendas e uma grande extensão fundiária
desocupada, que posteriormente passou a pertencer a órgãos militares, prefeitura e às
famílias Acatauassú Nunes e Umbelino Quadros.
No início do século XX, teve como destaque a abertura da estrada de
ferro de Belém-Pinheiro; que se inicia em Belém, conta dentro do município, com três
estações (Belém, Entroncamento e Icoaraci) e cinco paradas, estas situadas no ramal
ferroviário para Icoaraci; ramal da linha de Bragança, que iria ligar a Vila de Pinheiro
(atual Distrito Administrativo de Icoaraci) a Belém, onde se localizava as casas de
veraneio da burguesia local da época.
Na confluência da estrada de ferro moravam duas famílias de
estrangeiros europeus, que tinham dois filhos cujo os nomes eram respectivamente
Benjamin e Guilherme, sendo apelidados de Bem e Gui. As famílias preocupadas com
a situação de seus filhos, que utilizavam diariamente o veículo ferroviário para irem a
escola na Vila de Pinheiro, resolveram colocar uma placa com os nomes “Bem e Gui”
para demarcar o local da parada junto aos condutores dos veículos. Daí com o costume
diário, juntaram-se os dois termos criando as palavras Benguí, surgindo assim a
88
denominação do respectivo bairro e por influência deste o nome do Distrito
administrativo.
O fator fundamental importância para o povoamento do Distrito está
ligado a ocupação de uma área denominada “Invernada”, em Agosto de 1976; este
lugar localizado na travessa Padre Eutíquio no bairro da Cremação, pertencia ao
Estado e logo nos primeiros dias de ocupação a polícia militar se fez atuante,
procurando impedir a continuação do processo de ocupação, travando um impasse
entre a luta pelo direito de morar e o estado, que dizia destinar o local a construção do
quartel do bombeiros.
Mesmo com a pressão por parte do estado representado pela polícia
militar as famílias ocupantes se recusavam a se retirar e exigiam junto ao poder
público a desapropriação da área. Esse fato, fez com quer o governo prometesse aos
moradores que eles iriam ser remanejados para um local próximo na Estrada Nova;
contudo isso não ocorreu desta forma. Os ocupantes foram retirados e a prefeitura ,
através da Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de
Belém (CODEM), que comprou uma área no bairro do Benguí para alojar essas
famílias no loteamento efetuado.
Podemos também destacar que a população era predominantemente
composta por imigrante das áreas centrais de Belém, e em um número menor do
interior do Estado do Pará, sendo ínfima aqueles provenientes de outros Estados da
Federação, como podemos observar na tabela a seguir:
*Tabela 03 – Procedência dos moradores do Distrito Administrativo do Benguí -1982
Localidade de Origem %
Áreas Centrais de Belém 66,15
Interior do Estado 25,42
Outros Estados 12,43
Fonte: ARAÚJO, 1982.
89
Somado a uma variedade de fatores, cito: o rompimento da 1º Léguas
Institucional, a intenso e contínuo fluxo migratório rumo a metrópole regional e a já
existente estrada de ferro Belém-Pinheiro contribuiu pela continuidade acelerada da
ocupação deste distrito, sendo esta executada sob uma lógica caótica e
majoritariamente ilegal, além de ter, no início, o aparecimento daqueles que se diziam
proprietários, e que passaram a vender ilegalmente terrenos.
Em 1993, essa área constituíam-se efetivamente em uma área urbana
na periferia da grande Belém, extremamente carente e desprovido das infra-estruturas
básicas suficientes a habitabilidade humana (Observar Figura 04), e com um graves
impactos ambientais negativos como observaremos no capitulo seguinte.
90
Capitulo X
LOCALIZAÇÃO, ASPECTOS MORFOCLIMÁTICOS E AMBIENTAIS DA ÁREA
EM ANÁLISE
A área de intervenção objeto deste estudo, representado pelo conjunto
Jardim Sevilha, pertence a Região Ambiental das áreas urbanas ou de Expansão
Urbana, sendo delimitado ao Norte pelo residencial Greenville II, ao Sul pelo conjunto
Orlando Lobato, a Leste pelo conjunto Pedro Teixeira e a Oeste pela Rodovia Augusto
Montenegro Km 07 (Observar Figura 05).
As áreas de influência direta desta ocupação são exatamente aquelas
que constituem os limites do conjunto, as quais são formadas por zonas urbanas,
podendo oferecer um destaque as:
I - Zona constituída ao corredor de tráfego viário, a Rodovia
Augusto Montenegro, cuja as peculiaridades em termos de influência com a áreas
estudada refere-se as questões de ordem econômicas, pois funciona como um
grande escoadouro da mão de obra local, bem como pelas atividades produtivas e
de serviços fixadas ao longo do seu eixo absorverá considerável números de
moradores do conjunto;
II - As zonas urbanas representadas pelos conjuntos Orlando
Lobato, Pedro Teixeira e Residencial Grennville II, localizados respectivamente, a
Sul, Leste e Norte do Jardim Sevilha influenciará e sofrerá influência reciproca do
conjunto tanto nas questões econômicas; haja visto que participam ativamente do
comércio e serviços local, como consumidores e clientes, sendo que o último em
menor escala, fortalecendo-o e estimulando a sua diversificação e expansão; assim
como em termos afetivos, de identidade e de relações humanas, sendo que o
Sevilha acaba por se tornar um centro de circulação de pessoas, mercadorias e via
de acesso aos outros conjuntos residenciais estabelecendo, reciprocamente, entre
91
estes laços e relações afins bastante intensas, podendo se observar por meio da
quantidade de pessoas de outras áreas residências circunvizinhas que escolhem o
Jardim Sevilha como o seu locus do lazer e entretenimento, refletindo diretamente
no comportamento e nas relações interpessoais dos moradores.
Elegemos como áreas de influência indiretas as zonas de ocorrências
de diversos bairros, loteamentos, ocupações, condomínios habitacionais e áreas
comerciais, todos localizados ao longo ou às proximidades da Rodovia Augusto
Montenegro, do Tapanã e Mário Covas e que apresentamos como sendo os principais
os inclusos no Distrito Administrativo do Benguí, tais como: Jardim Sideral, Conjunto
Satélite, Residencial Rui Barata, Bairro do Benguí e a áreas comercial do
Entroncamento.
Destacamos dentre estes a áreas do Entroncamento por ser o principal
ponto de (re)abastecimento do comércio local; o conjunto Satélite por dispor do
colégio de ensino fundamental e médio Helena Guilhon, em que estudam a grande
maioria dos jovens do conjunto; e o residencial Rui Barata, bairro do Benguí e Sideral
sendo que estes estabelecem uma relação de parentesco e de afetividades (entre
moradores) bastante visíveis.
Na áreas em estudo, o clima predominante é o Aw segundo a
classificação Köeppen, caracterizando-se por ser quente e úmido com a estação seca de
junho a novembro e um período úmido bastante acentuado nos demais meses do ano.
A temperatura média anual é da ordem de 28º C e a umidade relativa do ar gira em
torno de 90%. O regime pluviométrico fica geralmente próximo a 2.500 mm por ano.
As chuvas não se distribuem igualmente durante o ano sendo de janeiro a abriu a sua
maior concentração, implicando em grandes excedentes hídricos.
A classificação AW de Köeppen designa a um clima de savana, cujo as
características é não possuir um mês frio característicos das latitudes temperadas,
tendo a temperatura média anual superior a 18ºC; sendo que a isotermia de inverno de
18ºC com o clima tropical chuvoso garante uma precipitação anual maior do que a
92
evopotranspiração do período, impondo um domínio quente-úmido e chuvoso no
inverno do Hemisfério Sul.
O município de Belém é banhado por cerca de 300 rios e igarapés que
compões 5 microbacias hidrográficas. Ao todo 60% de sua área são compostos por 39
ilhas, sendo que apenas 40% compostos de área continental. Assim, após 199 anos
após o aterramento do Igarapé do Pirí, primeira ação de urbanismo de Belém que
definitivamente iniciou historicamente a relação de afastamento entre a cidade e seus
cursos d’água, em 1803.
Analisando a questão hidrográfica da Região Metropolitana de Belém
– de acordo com os números supracitados – vemos a grande ocorrência de drenagem
nesta região. Entretanto se considerarmos apenas a área do conjunto Jardim Sevilha,
constatamos uma grande ausência em termos hídricos, com a exceção apenas da
microbacia do Igarapé do Ariri, situado acerca de 1 Km do limite leste do conjunto, no
qual está devidamente posicionado entre os divisores de águas do referido igarapé, e
das microbacias do Igarapé Paracurí e Igarapé Mata-Fome, sendo que os dois últimos
fazem parte do conjunto de recursos d’água e furos que constituem o Estuário
Guajarino. Já o Igarapé Ariri deságua no Rio Maguari que só depois vai pertencer ao
conjunto de recursos citado, sendo sua foz na Baia do Guajará (Observar Mapa 06).
Estudos bibliográficos, associados aos trabalhos de campo
desenvolvidos na área, identificaram em termos pedológicos, a existência de dois tipos
de solos: Latossolo Amarelo e Concrecionário Lateríticos.
Segundo Costa (1988), os Latossolos Amarelos apresentam uma
textura média a muito argilosa, profundos envelhecidos, sob cobertura de floresta
densa. A cor varia de branca – acizentada a muito escuro no horizonte “A” e amarela
nos horizontes inferiores. É formado predominantemente, a partir dos sedimentos do
Grupo Barreira e dos sedimentos Pós-Barreiras, em relevo planos e suavemente
ondulados. O termo Barreira tem sido utilizado desde o século XIX através de
inúmeros trabalhos, sobre os sedimentos que constituem as grandes falésias ao longo
93
da Costa litorânea brasileira. E a partir disso, diversos autores tem se preocupado em
estudar essas seqüências, a fim de melhor definirem o uso do termo, bem como a sua
localidade.
O tipo Concrecionário Laterítico, corresponde á solos profundos,
formados por uma mistura de grãos finos e concreções de arenitos ferruginosos,
preenchidos, na maioria dos casos, no horizonte “B”. Estão associados ao podzólico
vermelho – amarelo, sob terreno suave a ondulado do período Terciário.
Os aspectos geomorfológicos foram estudados e identificados em
função da interação de dados bibliográficos e pesquisa de campo, onde foi possível
observar o relacionamento, quase homogêneo, das diferentes formas de relevo
presentes com base nas litologias existentes.
A morfologia observada na área da favela vertical é resultado da
atuação de diversos ciclos de erosões, que se manifestam de forma direta sobre a
geologia ocorrente na área, através de processos erosivos naturais e antrópicos, após a
retirada da cobertura vegetal original tornando o local mais vulnerável aos impactos de
fenômenos intempéricos de desenvolvimento constante, sendo necessário a
intervenção de ações de engenharia a fim de amenizar tais impactos, causando então, a
formação do atual modelo geomorfológico.
No geral, a área se constitui geomorfologicamente de paisagem
totalmente pediplanadas relacionadas a um relevo de nivelamento médio, com
pequenas porções mais baixas levemente dissecadas justamente no lado Leste do
conjunto, em virtude da aproximação da calha do Igarapé do Ariri.
O projeto RADAM – folha SA. 22 Belém, escala ao milionésimo vol.
4, engloba a área, em termos geomorfológicos, como pertencendo ao Grande Domínio,
em escala regional, denominado de Unidade Morfo-estrutural e Morfoclimático,
classificado como Planalto Rebaixado da Amazônia e Planície Amazônica.
Correspondem a depósitos Pleistocênicos e Holocênicos. Em escala micro e/ou local
94
essas informações não condiz, exatamente, com a realidade impírica apresentada, em
virtude, da falta imprecisão da escala ao milionésimo, quando referimo-nos a área
compreendida ao Jardim Sevilha; entretanto entendemos que vele considerar esses
dados como genéricos, haja vista que toda a cidade, incluindo obviamente a área em
análise, está inclusa na abrangência da pesquisa realizada pelo projeto RADAM.
A unidade geomorfológica referente ao planalto Rebaixado da
Amazônia, corresponde às áreas de terra firme constituída pelos Pediplanos Neo-
pleistocênicos do grupo Barreiras em geral laterizados e por cobertura dentrítica
aluvio-coluvionares, parcial ou totalmente pedogêneizados, adquirindo caráter de
unidade edafoestratigráfica. O planalto Rebaixado da Amazônia, representa
praticamente 90% da área e a Planície Amazônica os 10% restante.
Destacam-se na área em questão, as formas erosivas e as retificadas,
representadas pelas superfícies pediplanadas, que correspondem os aplainamentos em
retomada de erosão, elaborados geralmente em rochas sedimentares, parcialmente
recobertas por depósitos inconsolidados.
Os aspectos geológicos estão representados na área da ocupação por
uma seqüência sedimentar constituída de litologias pertencentes ao período do
Terciário e Quaternário Pleistocênico e Helocênico da Era Cenozóica.
Os sedimentos Terciários tem a maior representatividade, com
aproximadamente 60% de ocorrência. Está representado pela sedimentação do grupo
barreira, cuja as exposições mostram um evidente controle topográfico, em locais de
ausência de cobertura Dentrítica Quaternária.
As coberturas Pleistocênicas Quaternárias correspondem aos
sedimentos mais antigos deste período, os quais formam os terraços aluviais.
Litologicamente estas áreas possuem camadas intercaladas de sedimentos areno-
argiloso e argilo-arenoso, contendo seixos, com granulometria finíssima, de
composição quartzosa de cor esbranquiçada.
95
Os sedimentos mais recentes identificados na área em questão, ou
seja, os Quaternários Holocênicos, correspondem aos depósitos da calha
pluviométrica, identificados nas áreas mais baixas sempre acompanhado das margens
das drenagens pluviais superficiais local. São constituído por sedimentos bastante
finos e presença de matéria orgânica dos rejeitos urbanos locais, dos tipos areias finas,
siltes e argila.
Estudos sobre as águas subterrâneas tem sido realizados a mais de
quatro décadas, cujo o principal objetivo é melhor conhecer o balanço hídrico de
determinada região, assim como pesquisar e descobrir água de boa qualidade para o
consumo humano.
Estes estudos hidrogeológicos, em referência a nossa áreas de estudo,
são controlados de maneira geral pelas características do meio físico, sobretudo a sua
composição, estrutura das litologias e grau de vulnerabilidade, etc..., levando-se em
conta a profundidade do lençol freático e os seus parâmetros físicos do substrato.
Ao cair na superfície da terra parte da água tende a se infiltrar e no
subsolo sua tendência é deslocar-se no sentido dos níveis de energia hidráulica, da
mais alta para os mais baixos devido as diferenças de nível e de pressão. Em função
disso, as rochas da crosta tendem a armazenar e conduzirem as águas subterrâneas,
formando os sistemas hidrogeológicos. Tais pesquisas tem comprovado a existência
desses aqüíferos em quaisquer região, depende muito do controle da dinâmica de
circulação de fluxo, o qual foi desenvolvido inicialmente por Darcy (1856) e Dupuit
(1863).
Theis (1935), em termos hidrogeológicos, os seus estudos de
fundamentos da hidráulica de poços, baseiam-se em analogias com fluxo de calor e
mais tarde, em conceitos exclusivamente hidráulicos. Em 1955, Hantsush & Jacob,
realizaram trabalhos hidrogeológicos visando o conhecimento de diversos conceitos
exclusivos para hidráulica. Em 1940, Hubbert estabeleceu fundamentos para a
96
circulação desses fluxos das águas subterrâneas, tomando como base os meios
geológicos.
Na Região Metropolitana de Belém, e especificamente no conjunto
Jardim Sevilha, foi constatado através das observações de poços artesianos que os
aqüíferos são constituídos por areias de granulometria fina e média, pertencente aos
depósitos da Idade Quaternária, são bastante rasos onde observamos uma profundidade
média que vai de 7 a 16 metros; e em menor escala ocorrem os de composição
areníticas e de areia fina e grossa, comumente associada a seixos quartzosos de
diâmetros milimétricos a centimétricos, esses pertencem ao fácies do Grupo Barreira
no qual encontramos aqueles poços com profundidade maiores, próximos dos 16
metros de profundidade.
Em termos de zona de descarga desses aqüíferos, foi possível
constatar que isso se processa por meio das águas pluviais que se precipitam em toda a
área. O lençol freático da região é do tipo livre e bastante raso, sendo que podemos
observar poços escavados de até 4 metros de profundidade. Devido as características
hidrogeológicas do meio físico, tais como: boa porosidade e permeabilidade, tipo do
aqüífero, baixo declive topográfico (< 15º), boa infiltração e pequeno escoamento,
verificamos que a área é bastante vulnerável a contaminação das suas águas
subterrâneas da região.
Além desses parâmetros mostrarem a vulnerabilidade dos lençóis
freáticos locais, ainda há a presença de um conjunto de elementos poluidores, advindos
de uma única fonte de contaminação a originada pelas atividades humanas e pelo uso
depredatório do meio.
O consumo de água no conjunto é feito a partir de poços artesianos,
sendo estes muito deficientes, construídos por meio de técnicas rudimentares (quando
houve alguma técnica), sendo que se utilizam bombas de baixa capacidade específicas
para poços rasos.
97
Atualmente existe em uso no conjunto Jardim Sevilha 74 poços
artesianos, desprovidos de proteção contra agentes poluidores, com revestimento de 4”
de diâmetro e 5mm de espessura em tubo de PVC., distribuídos por todos os 60 blocos
de 16 apartamentos cada, e ainda 2 na áreas da feira, sendo que alguns comerciantes
também possuem seus poços. A distribuição da água para consumo humano se dá de
forma comunitária; esta distribuição é realizada normalmente através do bombeamento
de um poço pertencente ao condomínio do bloco para uma caixa d’água comum de
capacidade que varia de 1000 a 2000 litros, sendo paga uma taxa, por apartamento,
referente ao valor da energia elétrica consumida pela bomba. As exceções a este
sistema só existe junto a alguns comerciantes que possuem seus próprios poços e
sistema de reservatórios.
Figura 07: Poços Artesianos. Profundidade 12 metros.
Fonte Eder Libório - 2000
98
No que tange a flora, a áreas por estar toda urbanizada à nível de
ocupação de um empreendimento imobiliário, se encontra praticamente desprovida de
vegetação, encontrando apenas a ocorrência de vegetação tipo capoeira, conseqüentes
das atividades antrópicas, típicas às existentes em terrenos baldios, nas áreas livres ao
Sul e à Oeste da ocupação. A cobertura vegetal primária foi totalmente destruída para
dar lugar ao empreendimento habitacional, restando apenas o matagal nos locais
subtilizados pelos moradores.
A medida que a ocupação do Distrito Administrativo do Benguí foi
devastando a cobertura vegetal original, destruindo o ecossistema, vai influenciando na
mesma proporção nos aspectos faunísticos, causando o afastamento de todas as
espécies silvestre. Atualmente, essa fauna no contexto da área não existe, à exceção de
alguns pássaros regionais mais resistentes, que de vez ou outra visita o residencial,
devido justamente a intensa presença humana, e até por se tratar de uma zona urbana.
Devido a área estar contida em uma zona de expansão urbana e
metropolitana, é observada a existência de uma intensa atividade antrópica na mesma,
causada pelos próprios moradores, que as exercem sob uma lógica caótica e sem
nenhum planejamento e/ou preocupação ecológico-econômico.
Nota-se que, em toda relação homem/meio ocorre uma determinada
situação de mudança no quadro ambiental, afetando diretamente a qualidade de vida, a
estética local e a auto estima dos moradores e usuários deste meio ambiente. Dessa
forma, os aspectos ambientais desempenham papel preponderante nas avaliações
social e econômica de qualquer área, e, sobretudo, esta questão é determinada pelo
comportamento humano, pois não é pelo meio físico que a qualidade de vida, que os
paradigmas estético e a auto estima individual e coletiva se referencia, haja visto que
os últimos estão em função dos segundo e estes em função do primeiro. Como
exemplo em nossa área de análise temos vários impactos sócios ambientais,
produzidos pela própria ocupação e atividade residencial.
99
O trinônimo homem/sociedade/meio ambiente muito aplicado nos
diversos estudos de análises de sistemas ambientais, requer uma grande atenção da
moderna teoria dos sistemas, baseando-se que elas geralmente estudam a fundo os
problemas científicos, definindo através de uma análise geral da organização dos
sistemas, as relações complexas e dinâmicas das partes, sobretudo quando essas partes
são rígidas.
Por se constituir a teoria dos sistemas um potencial interdisciplinar
generalizador e integrador, ela recentemente tem sido amplamente aceita e utilizada
em todos os principais campos de pesquisa científica. Trata-se de uma teoria
fundamentalmente baseada na quantidade de energia que entra e sai no sistema
(energia e matéria), produzindo trabalho o qual se constitui o responsável pela a
evolução e manutenção de um dado sistema.
Tal procedimento denominamos de entropia, a qual corresponde ao
conjunto de fenômenos químicos e metabólicos de transformações, desenvolvimentos,
renovações, etc. dos elementos que compõem os sistemas abertos.
Queremos entender a áreas delimitada pelo conjunto Jardim Sevilha
como um ecossistema considerando este como uma unidade ambiental dentro da qual
todos os elementos e processos estão interrelacionados, de modo que uma mudança em
um deles resultará em alterações em outros componentes. É um ecossistema composto
de dois sistemas relacionados: o “sistema natural” e o “sistema cultural”, sendo que o
primeiro constitui-se de elementos do meio físico e biológico e o segundo é
constituído pelo homem e suas atividades.
Devido a presença desses intensos processos de mudanças ou
transformação, e tomando como base a análise ambiental sistêmica, pode-se perceber
atualmente um enorme desequilíbrio ambiental principalmente no que diz respeito ao
meio físico, causado exclusivamente pela ação humana, o que por seu turno implica na
convivência do homem em um ecossistema totalmente degradado e de alta
vulnerabilidade as poluições que comprometem as qualidades hídricas a serem
100
consumidas. As pessoas procuram desenvolver adaptações a fim de criar um suporte
que garantam atender suas respectivas necessidades de sobrevivência num ambiente
precário.
Esta capacidade corresponde a uma forma específica de a comunidade
conviver em determinado ambiente, resistindo à todas as dificuldades ecológico-
econômico.
Devemos considerar que para atender suas necessidades os homens
utiliza-se do ambiente provocando mudanças e, sobretudo, gerando resíduos, os quais
constituem alterações ambientais praticamente irreversíveis á geração produtora. E a
medida que o tempo passa as relações entre o homem e a natureza estão cada vez mais
distanciadas. O meio pode até exercer influencia sobre o processo de urbanização,
entretanto, os homens impõe modificações bem mais significativas ao ambiente,
alterando e muito as suas características.
A área do conjunto Jardim Sevilha pode ser entendida como um
ecossistema onde fenômenos naturais e as atividades humanas provocaram em meio ao
processo de desenvolvimento urbano, sucessivas transformações no seu ambiente.
Observa-se que uma das implicações mais contundentes dessa ocupação, que obedeceu
a uma lógica caótica, fruto de todo um processo de urbanização que seguiu a mesma
lógica, é a poluição de seu meio físico, caracterizado de forma genérica pela remoção
da vegetação, alteração da topografia, nos tipos e formação de solos, o grande acúmulo
de detritos e de dejetos e a contaminação do lençol freático da região.
Essas alterações vem afetar diretamente os aspectos estéticos visíveis
na paisagem da áreas e consequentemente num processo de baixa estima dos seus
moradores, além de danos impactantes ali desenvolvidos. A proliferação de insetos,
roedores e cães vadios também nos foi evidenciado por causa do acúmulo de lixo. O
acelerado processo de adensamento populacional na área, é um dos responsáveis pelo
aumento gradativo das agressões ao meio ambiente, causando a poluição visual,
auditiva ou sonora e dos recursos hídricos locais.
101
A poluição auditiva e/ou sonora é causada pelos bares que,
desrespeitam as normas legais (70 decepeis ao dia e 60 à noite) de padrão de emissão
de volume de som em áreas residenciais, sendo que nos finais de semana a situação
fica ainda mais grave em virtude da contratação sistemática de aparelhagens ainda
mais potentes; somado a isso aparece, freqüentes e aleatoriamente, circulam carros de
som fazendo suas publicidade das mais diversas, a qualquer hora do dia.
Em função da pesquisa feito “in loco”, foi possível detectar que ainda
existe, em grande quantidade, uma disposição aleatória dos resíduos sólidos na área de
ocupação, que acabam por afetar definitivamente a qualidade da água utilizada pela
população, em virtude da contaminação dos poços artesianos rasos ali distribuídos.
Em detrimento de esforços isolados, que culminou na construção de
uma depósito de acondicionamento temporário de resíduos sólidos domésticos comum
á toda comunidade – depósito de lixo comunitário -, tais resíduos sólidos são
caracterizados na área, por diversas concentrações de lixões mal acondicionados, entre
os blocos e nas áreas livres, que são jogados sem nenhum controle.
Estes constituem verdadeiras fontes de poluições principalmente para
a água como já fora colocado anteriormente, além de contribuírem, substancialmente,
para concentração e proliferação de insetos, roedores, cães de ruas, e outros que são
propícios a fornecerem o aparecimento de doenças endêmicas nas pessoas que ali
convivem, dentre as quais podemos citar como as mais freqüentes: a febre tifóide, as
várias versões de dengue, hepatite, esquistossomose, malária, irritações e/ou patologias
na pele cito: micoses, escabioses, impinges, além de verminoses e leptospirose. Sendo
os mais afetados são as crianças por serem mais sensíveis e as mais expostas ao
ambiente contaminado.
102
Figura 08: A pista Principal antes do Saneamento (Asfaltamento)
Fonte: Eder Júnio Libório
Outro ponto negativo sobre o lixo, é o grande acumulo nos canais de
drenagem pluvial e nas rede de esgoto local, principalmente nos vertedouros dos
bueiros, prejudicando sensivelmente o escoamento normal dos fluxos d’água, exigindo
progressivas ações de limpeza e manutenção da respectiva rede. Esses resíduos sólidos
corresponde aos lixos domésticos e industriais, originados a partir das residências e
mercearias, comércio e bares improvisados ao longo dos blocos de apartamentos.
103
Capitulo XI
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO E JURÍDICA DA CONFIGURAÇÃO E USO
DO SOLO DA ÁREA COMPREENDIDA PELO RESIDENCIAL JARDIM
SEVILHA
A década de 80 e início de 90 do século passado, foi um período de
mobilização social sem precedentes na história brasileira, sendo que o Estado do Pará
foi palco privilegiado destes fenômenos sociais, que refletiam a intensa luta de classes
no interior da sociedade brasileira, fruto do ápice das transformações sócios espaciais
promovidas durante as décadas anteriores, sobretudo em virtude da mudança do
modelo de desenvolvimento implementada no país, que optou pelo paradigma urbano-
industrial desenvolvimentista em detrimento do antigo modelo agro-exportador.
As implicações destas mudanças de opções causou uma verdadeira
revolução à sociedade Amazônida, que sofreu um intenso fluxo migratório (êxodo
rural-urbano), uma readequação em sua função na Divisão Territorial e Internacional
do Trabalho, bem como uma grande intervenção política por parte de órgãos do
Governo Federal que não mediu esforços para impor uma integração territorial na
região da Grande Hiléia, sem contudo, considerar as populações e atividades
originárias e/ou tradicionais locais.
Tudo isso refletiu enormemente na configuração regional, e de forma
significativa no que tange as cidades através da imposição, acelerada e mal planejada,
de um modo de vida urbano àqueles que por gerações aprenderam a conviver segundo
o tempo da natureza. A cidade de Belém foi um laboratório “vivo” desta experiência.
Exemplos desta ebulição dos movimentos sociais ocorrido neste período podemos citar
o movimento pelas Diretas Já em 1984, o surgimentos e atuação de entidades como a
Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimentos dos Trabalhadores Rurais sem
104
Terra (MST), o movimento que levou ao impeachment do Presidente Collor de Mello,
este último capitaneado pelos estudantes brasileiros organizados em torno da União
Nacional dos Estudantes (UNE), ao nível nacional, sendo que à nível regional
podemos citar estes mesmos movimentos, que se fizeram fortes no Estado, bem como
outros também importantes como: o movimento em prol do direito da meia-passagem
aos estudantes, a ocupação de milhares de silvícolas em Altamira-PA, para impedir a
construção de Usinas Hidrelétricas ao longo do Rio Xingú e etc..
Toda esta mobilidade social, aliada às abruptas transformações sócio-
espaciais que trouxeram incontestáveis prejuízos, tanto econômico, como cultural e
territorial às populações originárias, proporcionou um envolvimento das massas e um
respectivo avanço na consciência, mesmo que com orientação exógena, tênue e
temporário, deste conjunto de seguimentos sociais prejudicados pelas políticas
públicas implementadas.
Todo esse processo favoreceu a ratificação de uma tendência crescente
de ocupações ilegais na Área de Expansão da Região Metropolitana de Belém. Esse
conjunto de acontecimentos veio culminar com a ocupação ilegal do Residencial
Parque Ville I e II - atual Conjunto Jardim Sevilha -, por parte da população
imigrante, subempregada e moradores das periferias degradadas de Belém, isso no dia
06 de outubro de 1993.
Consideramos ser de fundamental importância, para compreendermos
a tomada de tal iniciativa, retratarmos como estava constituída a conjuntura política
administrativa e partidária daquele momento ao nível local, regional e nacional.
Em Belém acabava de assumir o governo municipal o Ilustríssimo Sr.
Hélio Gueiros do Partido da Frente Liberal (PFL), que substituía pela via eleitoral o
empresário Augusto Resende do Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB). No Estado o Sr. Carlos Santos tentava dar continuidade ao governo de Jáder
Barbalho que havia se descompatibilizado para disputar vaga no Senado Federal,
ambos do PMDB.
105
Ao nível Federal o mineiro Itamar Franco do PMDB, concluía a
gestão do ex-presidente Fernando Collor de Mello do Partido da Reconstrução
Nacional (PRN) deposto no ano anterior.
Antes de ser deposto Fernando Collor aplicou políticas que
dificultaram ainda mais o acesso a moradia aos trabalhadores brasileiros e impôs uma
“quebradeira” em toda a indústria de construção civil, e deu início ao declínio, ainda
mais intenso, nas políticas de habitação popular, a exemplo da retenção da poupança
popular, não priorizando as aplicações dos recursos da então extinta Banco Nacional
de Habitação (BNH) e Sistema Financeiro de Habitação (SFH) em 1986, substituída
pela Caixa Econômica Federal (CEF) que utilizava recursos do Fundo de Garantia de
Tempo de Serviço (FGTS), bem como desprestigiando as Companhias Habitacionais
(COHAB) estaduais; processo este que vem se agonizando desde então até os dias
atuais.
O espaço onde situa o residencial em questão, fora em haras e uma
estância bubalina de propriedade do Sr. Saíd Xerfan, político influente na época;
contudo nos anos anteriores este acumulou dívidas junto ao Estado e ao município,
sendo a maioria por meio de impostos territorial e empréstimos nos bancos oficiais.
E mediante a um acordo oficial o mesmo quitou parte considerável de
seu débito cedendo a área que compreende o Jardim Sevilha e o Green Ville II para o
governo Estadual, que por sua vez transferiu a administração do terreno à Cooperativa
dos Empresários do Setor de Produção Imobiliária (COESPI); que não por acaso o Sr.
Saíd Xerfan possuía participação privilegiada.
Esta Cooperativa empresarial articulou-se com a Empresa Imobiliária
DEL REY afim de executar um empreendimento imobiliário que atendesse a classe
média naquele local, no qual se constituía em três conjuntos de quinze edifícios com
quatro pavimentos cada e dezesseis apartamentos em cada uma das duas entradas de
cada edifício, na qual receberia a denominação de Parque Ville I, Parque Ville II e
106
Parque Ville III sendo de responsabilidade da DEL REY a administração do
financiamento, a construção dos imóveis e a gerência nas vendas tendo que fazer os
respectivos repasse das partes dos lucros que cabiam à cooperativa e seus cooperados.
Como de praxe a imobiliária solicitou, no ano de 1988, financiamento
à CEF, que repassou recursos do FGTS, para implantação do projeto habitacional,
sendo contratado que na mesma proporção que a obra fosse sendo construída o repasse
da verba iria sendo feito. Entretanto tanto a cooperativa quanto a Del Rey passa por
sérios problemas financeiros no final da década de 80, tal qual toda a indústria
imobiliária; o que se complica em virtude da retenção compulsória dos recursos
monetários existentes nos bancos por parte do Governo Federal capitaneado pelo
presidente Collor de Mello.
O empreendimento que se encontrava em “marcha lenta” paralisa-se
de vez, deixando a obra com a seguinte situação: no que se refere aos dois primeiros
conjuntos, estes ficaram semi acabados, enquanto nem foi iniciada a construção da
terceira etapa do projeto.
O abandono ao empreendimento imobiliário associado a
intensificações das crises econômico sociais, bem como a incipiente atração ás áreas
próximas aos eixos de expansão da Região Metropolitana de Belém por parte da
população migrante e daquelas de baixa renda moradoras das favelas centrais recém
valorizadas, mais as implicações da conjuntura político-partidária do período propiciou
a ocorrência do agravamento das tensões sociais e não coincidentemente a ocupação
ilegal do conjunto inacabado.
Vale ressaltar que do meio ao final da década anterior havia uma
grande mobilização entorno da discussão da reforma urbana, sendo que os movimentos
sociais e reivindicatórios ligados a causa da moradia promoviam constantes invasões
de terrenos visando a fixação de residências, estas com uma nítida “condescendência”
de muitas das autoridades constituídas, a exemplo do que ocorreu na ocupação do
107
Pará-Acre-Amapá-Rondônia (PAAR) em Ananindeua, de Jaderlândia em Marituba, do
Laranjal em Barcarena, do Carmelândia em Belém, dentre inúmeros outros.
É importante perceber a participação implícita, ás vezes declarada, de
políticos ligados a legenda partidária PMDB em todas as grandes ocupações, num
momento de sua maior ascensão e popularidade. Podemos verificar também a
proximidades destes eventos com os pleitos eleitorais e os respectivos intentos
eleitoreiros de seus promotores que agiam em sua maioria nos bastidores dos
acontecimentos.
Algumas figuras ligadas a essa legenda se tornaram históricas por
instituírem um movimento tão sistemático que foi classificado de “Indústria da
Invasão”, pela intensidade dos eventos, pelo nível de especulação que se seguia e pela
freqüência das lideranças nesses eventos, entre elas podemos citar a Sra. Carmem de
Nazaré Rodrigues que dentre tantas, liderou a ocupação do Carmelândia no bairro do
Uma, cujo o nome é em sua homenagem; João Vigílio de Deus que liderou inúmeras
ocupações inclusive a do Jardim Sevilha, Rui Barata e contribuiu com a do Cabano,
todas as citadas no Distrito Administrativo do Benguí (DABEN); o advogado Jáder
Dias que praticamente assessorava juridicamente todas as ocupações e o próprio Sr.
Jáder Barbalho que se tornou uma figura pública importantíssima no cenário tanto
regional quanto nacional, assumindo inclusive o governo do Estado por duas vezes,
chegando até ao posto de Presidente do Senado Federal da República, incontáveis são
as ocupações, em todo o Estado do Pará, que tem o seu nome como homenagem.
É interessante reparar que todas essas figuras tem ou tinham
vinculação com a sigla partidária supracitada, e com certeza esse fato não era nenhuma
coincidência do destino. Fica claro então que o a adoção do termo ocupação
expontânea para designar as ocupações ilegais de terrenos urbanos é completamente
equivocada, haja visto que todas elas, sem exceção, são dirigidas ou por entidades
representativas ou por lideranças ligadas a organizações políticas partidárias, sendo
que também sem exceção, as entidades representativas do movimento popular e/ou de
108
moradia também possui, em sua essência, uma vinculação político partidária que pode
oscilar de acordo com a conjuntura de uma denominação à outra.
No caso específico do conjunto Jardim Sevilha o Sr. João Vigílio, até
então filiado ao PMDB, foi orientado a organizar um grupo de pessoas e efetivar uma
ocupação nos prédios inacabados pela DEL REY. O grupo de lideranças foi recrutado
entre braçais, algumas em conflito com a lei, contudo estas possuíam “pulso forte”,
eram de “decisão firme”, “valentes”, dentre outras virtudes que segundo os pioneiros
da ocupação foram fundamentais para garantir o sucesso e a resistência da ocupação,
ante as investidas dos órgãos de repressão do Estado, na figura da Polícia Militar
(PM), a serviço do capital imobiliário local, bem como na imposição da ordem interna
da ocupação e coordenação coletiva dos demais ocupantes.
Os demais ocupantes foram recrutados principalmente entre
moradores das áreas vizinhas, cito: Tapanã, Conjunto Maguari, Jardim Sideral, bairro
do Benguí; dentre outros em menor número provenientes dos bairros do Jurunas,
Condor, Guamá e Terra Firme.
Essas eram igualmente famílias dirigidas por braçais, muitos
desempregados que moravam pagando aluguel e só tinham como alternativa de
moradia, e por que não dizer de sobrevivência, participar de alguma ocupação para
poderem adquirirem o direito básico de morar. Podemos declarar que entre os
primeiros ocupantes havia uma grande maioria de excluídos, sobretudo por serem
migrantes do meio rural e não haverem se adaptado a vida urbana em que estavam
inseridos.
A ocupação ilegal foi garantida pela persistência do grupo de
liderança inicial, pois na primeira e segunda investida eles foram retirados pela PM do
Estado. Um fato curioso ocorrido foi que um senhor, cujo o nome os informantes não
souberam precisar, que teve garantido o remanejamento para uma área de loteamento
oficial localizado na Cidade Nova em Ananindeua, em virtude do mesmo estar munido
de todos os seus pertences – um fogão, um colchão, todas as suas vestimentas, panelas
109
e mais algumas bugigangas - e uma cadela, seu animal de estimação, no qual
argumentando que não tinha outro lugar para ir, sensibilizou os demais infratores bem
como os policiais, que articularam o seu remanejamento e garantiram de forma legal e
legítima a sua moradia, isso na primeira investida da ocupação.
A maioria das pessoas retiradas montaram acampamento em frente a
churrascaria Pavan, sendo que enquanto negociavam sua permanência ameaçavam a
ocupação da Rodovia Augusto Montenegro. A segunda tentativa também foi frustrada;
contudo, dois dias depois, eles se organizaram em número maior – cerca de 1000
pessoas -, e a exemplo do senhor que havia garantido sua moradia mediante a presença
de seus pertences e de sua “família”, trouxeram consigo toda a suas respectivas
mudanças definitivas. Esse fato ocorrido no dia 06 de outubro de 1993, deu-se de
madrugada sendo que pela manhã todos estavam mais ou menos estabelecidos nos
apartamentos semi acabados.
A distribuição inicial dos apartamentos deu-se de maneira aleatória,
em que cada morador poderia escolher o apartamento que quisesse, em virtude da
grande oferta diante da procura inicial; entretanto as pessoas só tinham garantido os
seus imóveis caso os ocupasse efetivamente.
Inúmeros foram os casos de pessoas que demarcaram suas posses mas
não a ocuparam definitivamente, e quando voltavam dias depois encontravam outros
nos respectivos apartamentos, sendo que as lideranças garantiam a razão dos ocupantes
efetivos. No início imediato não foram permitida a venda ou a especulação. Contudo
havia casos que um mesmo grupo de pessoas amigas ou com alguma ligação,
ocupavam blocos de apartamentos inteiros e os defendia até com armas, tendo estes as
“bênçãos” das lideranças originárias; demonstrando que era só questão de tempo para
a especulação ser liberada, como de fato...
Se observarmos a fundo a questão jurídica, econômica e
administrativa; na qual nós não tivemos sucesso em obter as documentações que
comprovariam o que declararemos aqui, por isso mesmo, de forma hipotética;
110
perceberemos que, na verdade os mais beneficiados com a ocupação foram a COESPI
e a Empresa DEL REY. Ambas solicitaram reintegração de posse e a restituição
integral, por parte do Estado, dos investimentos que as mesmos diziam ter realizados
no projeto.
Os montantes sempre foram contestados pelos órgãos oficiais, contudo
todo o investimento previsto para a conclusão da obra foi restituído pela Caixa
Econômica Federal à DEL REY, cerca de R$ 30 milhões, mesmo o projeto estando,
naquele momento, apenas 30% concluído. A Caixa Econômica Federal (CEF),
declarava só ter investido R$ 10 milhões na obra.
No campo jurídico, a COESPI responsabiliza a empresa DEL REY
pela ocupação, e esta responsabiliza a COESPI e a CEF, que por sua vês solicita a
justiça reintegração de posse a dois “atores” que no momento participavam da
negociação contudo não residiam na ocupação – um deles era o Sr. Alberto Silva,
assessor parlamentar do vereador pelo PMDB José Maria Costa -; em virtude desta
confusão jurídica inviabilizando a identificação da culpabilidade e/ou da competência
do possível autor do delito, que nós interpretamos por ser proposital. A justiça logo
arquivou o caso na 4º Vara Cível Federal justificando “a falta de condições de definir
o julgamento ao litígio em virtude da equivocada elaboração dos autos do processo
por parte dos representantes dos interessados”, sendo que desde 1994 não mais foi
provocado a justiça sobre o litígio.
Em seguida ambas as empresas abriram falência, sendo que a DEL
REY, logo abriria uma nova imobiliária com o nome de VILLA DEL REY, e com
uma pessoa jurídica (CPNJ) diferente e nova diretoria administrativa.
O empreendimento Green Ville II, condomínio de auto poder
aquisitivo, estava ameaçado em virtude das poucas vendas ocorrida na primeira
versão, entretanto a nova VILLA DEL REY surge capitalizada e soergue o
empreendimento que atualmente possui comprovado sucesso, bem como inicia
111
imediatamente outros projetos, a exemplo do Residencial Cidade Jardim, vizinho do
Jardim Sevilha.
Os moradores, ou pelo menos os seus interlocutores, reivindicavam,
naquele momento que o empreendimento saísse da competência da CEF e fosse
negociada junto a COHAB da época, que tinha como presidente o Ilmo. Sr. Eliezer
Rêgo das Neves, que seria futuramente candidato a deputado Federal pelo PMDB.
Novamente percebemos a participação e direcionamento sutil e eleitoreiro das
agremiações partidárias na questão dos movimentos de moradias e/ou ocupação
expontânea.
Passado o momento inicial e tendo garantido a consolidação de fato da
ocupação iniciou um grande movimento especulativo e um intenso fluxo de
mobilidade de moradores na favela vertical. Os apartamentos eram vendidos a valores
irreais. Alguns custavam R$ 800,00 outros mais bem acabados R$ 1.000,00. Alguns
moradores encontraram em seus apartamentos resquícios de materiais de construção,
sobretudo para acabamento e esquadrias; estes foram sumariamente vendidos, o que
sobrou foi algumas peças do andaime que estão em poder da Dona Ana, presidente do
antigo Clube de Mães.
Até pouco tempo os apartamentos eram vendidos ás dezenas por
semana o que representava um fluxo de mobilidade entre os moradores
incompreensível; só depois da conquista da legalização da energia elétrica e do asfalto
na avenida principal que houve um visível refreamento nesta mobilidade. Resultado
disto é que apenas 9,70% dos residentes no conjunto são remanescente da ocupação
original, de acordo com a amostragem registrada na pesquisa de campo.
*Tabela 04 –Forma de aquisição do imóvel (%):
Por meio de Ocupação Adquiriu de
Terceiros
Alugado Cedido por Terceiros
(Temporário)
9,70 % 85% 20% 2,10%
112
* Tabela 05 - Tempo de moradia no residencial (%)
De 0 a 1 Ano De 1 a 4 Anos De 4 a 8 Anos Mais de 8 Anos
9,70% 22,60% 58% 9,70%
Após a consolidação da ocupação, com o relaxamento das pressões e
torno da desapropriação do terreno, os primeiros moradores começaram suas
atividades sócio-econômicas cotidianas, tendo a necessidade de construir uma nova
identidade de acordo com a nova realidade a que estavam inseridos. Muitos dos
pioneiros, como já fora falado anteriormente, não conseguiram se adequar a esse novo
gênero de vida e logo venderam suas possessões e deixaram prematuramente o
conjunto.
Contudo, tantos os que ali chegavam quanto os remanescentes tiveram
que (re)territorializar-se ao nova forma e estilo de moradia. Como a grande maioria
constituíam-se de resultado do êxodo rural-urbano, esta (re)territorialização dava-se
tanto no modo de vida cultural quanto no que tange as atividades econômicas, tendo
como fator complicador a forma verticalizada da nova moradia, o espaço doméstico
extremamente restrito, a alta densidade demográfica local que reflete diretamente na
privacidade familiar e na troca entre culturas nem sempre compatíveis e a falta de
atividade econômica compatível com o conhecimento técnico prévio dos moradores,
que se encontravam em sua maioria desempregados ou subempregados.
A saída econômica para muitos foi aproveitar a demanda demográfica
e partir para informalidade dentro do próprio conjunto, montando tabuleiros nas suas
vias de acesso que vendiam desde material de higiene até alimentos e, sobretudo
bebidas.
Assim surge os comércios no interior do conjunto. Inicialmente de
forma improvisada e, com o passar do tempo, evolui-se e complexibiliza, inclusive
com oportunismo premeditado e planejamento. Esses oportunismo ocorrem na medida
113
em que os atores sociais da área se apossam de espaços coletivos com o argumento de
fazer dele alternativa produtiva de emprego e renda para a família, contudo após
garantir a posse o vende a terceiros, geralmente trazendo prejuízo a coletividade do
entorno mais próximo
O fato relevante, que podemos considerar um marco neste processo
das atividades terceárias meio a uma área nitidamente residencial, foi a cessão no ano
de 1994, de uma extensa área no centro do conjunto (bem ao lado da caixa d’água)
para se estalar uma panificadora. Cessão esta feita mediante pagamento monetário, ao
então presidente da associação durante a segunda gestão da entidade, Sr. Evandro –
vulgo China. Foi este o primeiro comércio, não improvisado, a se estabelecer
efetivamente na ocupação.
No ano seguinte, durante a terceira gestão da entidade presidida neste
momento pelo o Sr. Deroci Lopes do Nascimento – Vulgo Ceará -, é delimitada e
comercializada lotes (denominado “Box” pelos moradores), no centro do conjunto,
atras da caixa d’água sul, cujo o objetivo inicial era o de se estabelecer uma feira livre
“comunitária” no conjunto, para resolver o problema dos tabuleiros nas vias de acesso
(naquela época caminhos estreitos entre lamaçal e mato), bem como o de garantir
minimamente o emprego e renda de algumas famílias.
O projeto da feira resultou em um complexo processo de apropriação
territorial e econômico. Primeiro por ter, como pano de fundo, um interesse
especulativo de que o idealizou, que não se preocupou em cadastras as famílias, e
verificar se as mesmas tinham a intenção e habilidades comerciais. Em segundo lugar,
por não haver um planejamento da demanda de e da quantidade dos produtos a serem
comercializados, o que implicou em muito prejuízos e desestimulou os primeiros
feirantes. E por final, a dificuldade de aquisição dos víveres a serem comercializados
no local.
Tudo isso propiciou a venda paulatina dos “boxs”, que seriam então,
utilizados para fins de moradia, sobretudo àqueles que tinham agregados em suas
114
residências ou familiares sem abrigo, recém chegados do interior. Assim nasceu a
“Vila Nóia”, que ao longo dos período de ocupação foi-se expandindo, e se torna uma
ocupação horizontal no interior de uma ocupação vertical, fruto da especulação
terrenal interna.
A denominação “Vila Nóia” se deu pelo o fatos dos delinqüentes
locais utilizarem as vielas desta área, sempre escuras, vazias, ermas e subutilizadas á
noite para fazerem suas reuniões e praticarem tráfico e consumo de drogas ( maconha
misturada á pasta de cocaína), que regionalmente é chamada de “Nóia”, por uma
analogia a o distúrbio psicológico denominado paranóia.
Hoje a “Vila Nóia” já possui cerca de quarenta residências, dois
açougues, uma serralharia, cinco tabuleiros de verdureiros, dois bares, um depósito de
bebidas, uma eletrônica, um serviço de papelaria e correios (Big Serviços) e um
matadouro de galinhas. Atualmente já está iluminada, contudo continua sendo
utilizada para a realização de jogos de baralhos e comércio e consumo de drogas, com
a plena conivência dos moradores da área.
De forma similar surgiu também a “Vila Madalena”, situada à leste do
conjunto, na saída para o conjunto Orlando Lobato e Pedro Teixeira; na qual uma
antiga moradora solicitou um espaço de 10x10metros para construir uma lavanderia
“comunitária” para a mesma explorar e tirar o seu sustento. Contudo logo após ter
construído uma poucas benfeitoria a mesma o vendeu, abrindo precedente; e hoje toda
a área rente ao muro que limita o Jardim Sevilha do Conjunto Pedro Teixeira está
ocupado com residências bares e até uma estância de materiais de construção. O nome
Vila Madalena se deu em virtude de essa polêmica ocupação se efetivou no período
em que se transmitia, pela Rede Globo, uma telenovela com o mesmo nome.
È interessante perceber que apesar de circunscrito à ocupação original,
tanto a “Vila Nóia” quanto a “Vila Madalena” se constitui um apêndice a parte da
favela vertical, tanto pela suas respectivas localizações, quanto aos seus processos de
formação, tendo ainda funções e formas diferenciada... Isso reflete de alguma forma no
115
sentimento coletivo em relação às “vilas” e vice-versa: tanto que, inclusive, as
denominações são expressadas como de um lugar á parte, uma comunidade á parte.
Todos os projetos pensados para a comunidade essas áreas nunca
foram consideradas, da mesma forma que seus moradores impõe resistência quanto a
participação dos processos de organização e/ou confraternização mais coletiva; e
quando os fazem, são de forma a autosegregar-se ou a se opor às atividades em
questão. Existe um forte sentimento; este recíproco entre a favela vertical e horizontal
circunscrita ao mesmo território; de autonomia e segregacionista entre as partes...
No princípio a ocupação passou por sérios problemas de infra-
estrutura, pois só havia no local as edificações semi acabadas. Com a presença dos
primeiros moradores no local, urgia a resolução, prioritária e imediata, no que tange a
questão da energia elétrica, distribuição de água e construção das escadas.
A segunda foi resolvida com a abertura de poços artesianos rasos na
entrada de cada bloco de apartamentos, cujo o valor da perfuração e instalação de
tubulações e equipamentos de distribuição deveriam ser rateados de forma comunitária
entre todos que residissem no dado bloco; instituindo o condomínio por bloco de 16
apartamentos. O condomínio possui a atribuição de zelar pela limpeza, manutenção, e
contas coletivas referentes ao bloco em questão.
O ultimo problema de estrutura não foi encarado como uma prioridade
muito objetiva, nem pela entidade representativa dos moradores nem pelos
condomínios – responsáveis pela manutenção; sendo que as escada foram sendo
construídas de forma autônoma e desarticulada no conjunto como um todo. Alguns
condomínios solucionou a questão da edificação das escadas já no primeiro ano, sendo
que ainda coexiste, depois de oito anos de ocupação, blocos de apartamentos que
mantém escadas improvisadas em madeira.
A energia elétrica foi o pivô de inúmeros eventos no conjunto, desde
desvios de verba por parte de membros da Associação até o falecimento de moradores.
116
Nos períodos iniciais que precedeu a ocupação a única solução
possível para suprir a necessidade de energia elétrica eram as instalações dos “gatos”.
“Gato” é o nome popularmente designado às instalações de condutores irregulares que
se ligam à rede da concessionária oficial de energia, a fim de desviar, de forma ilegal,
energia elétrica para seu consumo mais variado. Existe também outras denominações
como: “gambiarra”, “varal”, “rabo de rato”, “by pass”, etc.
A princípio cada um morador ficou responsável em “puxar” a energia
para o seu apartamento, contudo a medida que a então estatal Centrais Eletricas do
Pará (CELPA) intervia retirando e confiscando os cabos condutores, os moradores
passaram a produzir os “gatos” de forma planejada, coordenados pela Associação dos
Moradores do Conjunto Jardim Sevilha (AMOJAS), entidade representativa dos
moradores do local.
Essa coordenação nem sempre foi satisfatória, haja vista de fatos
ocorrido, em pelo menos um dos momentos que precederam ao confisco da fiação. Em
1994, ocorreu um desses momentos, em que toda comunidade coletou o dinheiro (R$
7,00 cada família) para novamente adquirir a fiação para refazer a rede irregular, pois
energia elétrica é em a necessidade básica e dela nenhum urbanita pode prescindir.
Estando de posse de todo o dinheiro, pertencente a quase 1000 famílias, o então
presidente Sr. Evandro (...) – Vulgo China -, desapareceu do conjunto por um bom
período, sendo destituído toda a sua diretoria e apresado, em forma de material
elétrico, apenas parte do erário desviado.
A energia era desviada da rede existente no conjunto Orlando Lobato,
especificamente na rua Coletora primeira paralela ao Sevilha, e nos postes da Rodovia
Augusto Montenegro, o que trazia muita preocupação e aborrecimentos aos moradores
daquele conjunto habitacional vizinho. Não eram raros as quedas de energia e a
queima de eletro-eletrônicos, bem como as denúncias, as queixas e a atmosfera de
animosidade existente entre as duas comunidades.
117
Numa destas instalações clandestina um dos chefes de famílias da
ocupação faleceu, em virtude da falta de competência na execução daquela atividade,
bem como prejudicado pelo clima úmido, pós chuvoso do momento. Um outro
morador, apelidado de “Careca”, foi assassinado por ter aproveitado a instalação de
terceiros como ramal para extensão que abasteceria sua residência, provocando a
queima de equipamento do vizinho, causando grande discórdia que acabou em crime.
A partir desses fatos os moradores se mobilizaram a fim de regularizar
o fornecimento de energia no conjunto, onde houve desde solicitações formais a estatal
reivindicando o benefício, até ocupação efetiva do prédio da administração central do
órgão responsável.
Inicialmente foi instalado uma grande caixa de registro na entrada do
conjunto, que marcava o consumo total dos habitantes do Sevilha; entretanto esta
iniciativa foi frustrada por motivo de inadimplência de muitos dos moradores. Um
novo movimento reivindicatório foi iniciado; agora para que se distribuísse e
registrasse individualmente a energia a ser consumida, bem como se instalasse a
iluminação pública padrão na pista central do conjunto, sendo que naquele momento
esta iluminação era improvisada com condutores inapropriados e postes de madeira.
O “relojão”, como era denominado a caixa registradora central de
consumo no conjunto, foi quebrada e ligada diretamente sem passar pelo registro, e
logo, a central da CELPA foi ocupada novamente. Coincidentemente, a mesma
concessionária estatal estava em via de ser privatizada sendo um desgaste naquele
momento ela conviver com protestos freqüentes em sua central, o que facilitou a
conquista da demanda. Um outro fator que facilitou essa conquista, que só veio se
efetivar em 1998, foi uma dívida que esta tinha com a prefeitura municipal que pode
ser amortizada com a execução da benfeitoria, mediante inúmeras articulações das
lideranças do local. Regularizado a energia a telefônica se instalou em seguida,
resolvendo outra das demandas locais.
118
* Figura 09 - Rede de abastecimento de energia elétrica regularizada
Fonte: Altair Rocha-1998
Hoje ainda existe processos ou movimento junta a Rede CELPA,
agora privatizada, a fim de garantir a não instalação do projeto “Energia às Claras”,
apelidado vulgarmente por “Olhões da Celpa”. A própria Rede já tentou, por três
vezes, promover a instalação dos equipamentos de leitura externa á residência,
intrínsecos ao programa “Energia ás Claras”, contudo foi impedida pela população,
que inclusive agrediu os funcionários mais “dedicados” a empresa.
Entretanto a realidade é que, o conjunto Jardim Sevilha é uma das
poucas comunidades do Estado do Pará que resistiu, e não aderiu ao programa
supracitado, sendo que a leitura ainda é feita na forma tradicional. Só para via de
119
curiosidade, a favela registra um altíssimo índice de inadimplência e de apropriação
indébita de energia elétrica...
As articulações da lideranças locais em busca de solucionar a questão
energética, coincide com o momento que o conjunto vive uma intensa mobilidade de
seus moradores, o que reflete na configuração sociocultural e na mudança da
mentalidade coletiva.
Esse momento é contemporâneo também á implementação, por parte
do poder municipal, do programa de “Orçamento Participativo” (OP), onde todas as
comunidades são convocadas a decidir onde seria aplicadas parte das verbas da
prefeitura municipal, sendo que conquista sua demanda a comunidade que participar
com maior número de moradores nos fóruns de deliberação do programa – assembléias
distritais e municipais do OP -. Nesse critério o Sevilha já levava vantagem por sua
especificidade geo-demográfica. A vantagem se apresenta exatamente na quantidade
de pessoas que reside na favela vertical (população absoluta estimada entre 4000 e
5000 habitantes, sendo sua população relativa estimada em 20 habitantes por metro
quadrado) de forma concentrada, bem como na localização geográfica privilegiada do
conjunto (no centro do Distrito Administrativo) que favorece a mobilização das
pessoas, em massa, para qualquer lugar do Distrito, além da facilidade em vias de
acesso.
Foi questão de tempo surgir novas lideranças cito: Sr. Paulo Rabelo
morador do bloco 15 A ; Sr. Sidney Rocha residente do bloco 03 B; Nelson morador
do bloco 27 B; Pedro Paulo antigo morador do bloco 10 A e hoje do 14 A; Rui Vinente
morador do bloco 21 A; Altair Rocha morador do bloco 07 B; e o próprio autor que
mora no bloco 30 B; dentre outros, sendo que “agregou–se” moradores mais antigos, e
deu-se início à oposição àquelas lideranças tradicionais da ocupação, e as suas
ideologias e metodologias; movimento este denominado Frente Sevilha. Instalou-se
então uma franca e, até certo ponto belicosa, disputa pelo micro poder local.
120
Essa disputa foi fundamental para as conquistas, tanto da energia
elétrica via CELPA, quanto do asfaltamento da pista principal através do Orçamento
Participativo.
Nesse processo foi também conquistado para a comunidade, através
do OP, uma quadra poliesportiva com uma praça no entorno, e a terraplanagem da rua
lateral do lado B paralela aos blocos pares com a iluminação pública incluída; sendo
estas duas últimas ainda não realizada pelo órgão municipal.
Figura 10: Festa de Inauguração da Pista Principal Asfaltada pelo Orçamento Participativo Fonte: Altair Rocha – 1998
O conjunto já foi considerado de alta periculosidade, em virtude
sobretudo, por ter entre seus moradores pioneiros, elementos em conflito com a lei. O
conjunto já fora reduto da marginalidade de seu entorno e esconderijo de algumas
quadrilhas de traficantes de assaltante de bancos da cidade, isso nos primeiros três
anos de ocupação.
121
Ao mesmo tempo que se intensificou a mobilidade e/ou fluxos de
substituição da população originária, associado à conquista paulatina de melhores
infra-estrutura, essa população à margem da lei foi sendo combatida e persuadida a se
mudar. Vão ocorrer inúmeras denúncias, que levarão a várias prisões de elementos
miliantes e ao desbaratamento de algumas quadrilhas do crime organizado.
Um evento pode ser citado como um marco nesse processo: quando
em 1996 os moradores se sentindo coagidos pela ação dos marginais solicitou uma
diligência policial ao Comando Geral da PM, informando vários nomes, crimes e as
rotinas desses elementos no conjunto, como de fato vai ocorrer dias depois na forma
de uma “batida multirão” (segundo nos afirma o Sr. Alberto Silva), e por conseqüência
leva a prisão da maioria dos marginais que atuavam no local na época.
Atualmente, a favela é tida, pelos moradores como tranqüila. Ainda
existem no Jardim Sevilha, como em todos os locais do mundo globalizado, pessoas
que sobrevivem do fruto da economia ilegal, contudo estas atividades marginais não
são praticadas no interior da favela (como em outrora), sendo que isso implica em uma
percepção coletiva e/ou comunitária de um ambiente satisfatoriamente tranqüilo e
seguro, em detrimento da fama externa que ainda persiste, reforçada pela aparência
estética característica das áreas em consolidação (áreas de favela).
Economia Ilegal é definido, nesta monografia, como o ramo de
atividade econômica e/ou produtiva, praticados por aquelas pessoas que estão alijadas
do processo produtivo formal e informal, em virtude da crise estrutural da economia,
que acompanhou o processo de globalização; em que estes, por não conseguirem se
adequar ou transferir-se produtivamente para outras atividades socialmente aceitas,
sobrevivem (e sustentam as suas famílias) por meio de furtos, assaltos, tráfico de
drogas, contrabando, seqüestro, promoção de jogos de azar, etc., enfim, por meio de
todas e quaisquer atividade consideradas “fora da lei” pela sociedade brasileira e/ou
ocidental.
122
Neste sentido, em muitos casos, essa atividade é a única alternativa de
sobrevivência do indivíduo, que movimenta majoritariamente a economia capitalista
de inúmeras cidades e até países; a exemplo das cidades de Abaetetuba, Breves, no
Estado do Pará, que possuem como base econômica mais vigorosa o contrabando, e
mesmo a Colômbia se considerarmos a escala nacional em que o narcotráfico é a
muitos anos o principal produto comercial de exportação e de geração de emprego,
mesmo sendo, em ambos os casos, atividades ilegais.
No Sevilha, as ocorrência mais freqüentes na atualidade, que rompe
com a rotina do ambiente, diz-se respeito à questões de família ou de animosidade
entre vizinhos, e ainda por conflitos referente a posse de áreas livres/coletivas; sendo
que inexiste no conjunto gangues de jovens infratores e “pichações” (sendo que o
conjunto dos moradores resistem energicamente a tais ocorrências).
Apesar das poucas manifestações e tradições religiosas de massa
desenvolvidas no interior do Jardim Sevilha, o conjunto conta hoje com seis templos
religiosos cito: Igreja Católica; Assembléia de Deus; Deus é Amor; Igreja
Quadrangular; Igreja Adventista do Sétimo Dia, e por fim a Pentecostal Igreja
Missionário de Jesus.
A medida em que foi avançando o processo de especulação interno e a
ocupação das áreas livres as diversas denominações religiosas demarcaram suas
possessões e edificaram seus templos, que gradativamente vão se ampliando em
extensão terrenal, no volume de engenharia e na aglutinações de fiéis. A exceção da
Igreja católica, que adquiriu seu espaço por meio de doação da Associação,
referendada por todos os moradores em Assembléia Geral.
Os templos e a adesão religiosa estão distribuída da forma que iremos
expor a seguir:
A Igreja Católica edificou seu templo imediatamente ao lado do Bloco
2 B, de frente para a Rodovia Augusto Montenegro e em detrimento de sua modesta
123
instalação, por indução podemos afirmar que, ela possui a maior parte dos fiéis dentre
os moradores, cerca de 40%.
A Igreja Assembléia de Deus edificou seu templo, inicialmente de
madeira e hoje possui uma edificação suntuosa de alvenaria, em frente aos blocos 6 e 8
B, sendo que agrega cerca de 15% dos fiéis entre os habitantes do conjunto.
Situada de frente o espaço coletivo existente entre os blocos 2 e 4 B,
encostada no muro que limita o conjunto Jardim Sevilha do Conjunto Orlando Lobato
(situação geográfica que se repete em todos os templos edificados defronte aos blocos
pares e na “Vila Nóia”), a Igreja Quadrangular conter entre o seu “rebanho” 10% dos
fiéis locais.
A Igreja Pentecostal Missionário de Jesus adquiriu seu espaço e
edificou seu templo na área que compreende a “Vila Nóia”, e atualmente se encontra
construindo e ampliando as suas possessões em alvenaria, acreditamos que agregue
10% dos fies da comunidade.
A Igreja Adventista do Sétimo Dia se edificou bem no centro da
ocupação, ao lado da caixa d’água norte, e deve atrair, também, cerca de 5% dos fiéis.
Já a Igreja Deus é o Amor edificou o seu templo, em madeira, na saída
do comunidade para o Orlando Lobato, defronte o bloco 30B; hoje se encontra em
franca expansão cuja a edificação está sendo construída em alvenaria, esta
denominação religiosa não deve agregar mais que 5% dos habitantes do conjunto a seu
“rebanho”.
Gostaríamos de considerar, como de fato, que cerca de 15% dos
habitantes da ocupação são agnósticos ou pertencem a outras denominações religiosas,
tanto cristãs como afrodescendentes e asiática...
124
Existe atualmente um assédio da Igreja Universal do Reino de Deus,
junto a AMOJAS, a fim de também se instalar no conjunto, que até o momento está
conseguindo resistir às “seduções”, sob a justificativa que os espaços remanescentes
devem ser resguardados para, num futuro próximo, se edificarem equipamentos de uso
coletivo, que beneficiem toda a população independente de credo religioso...
No próximo capitulo, detalharemos com maior profundidade a
realidade sócio econômico e a percepção que os moradores possuem sobre seu espaço
de moradia; a favela vertical Jardim Sevilha.
125
Capitulo XII
ANÁLISE GEO-ESTATÍSTICAS SOBRE A PERCEPÇÃO COLETIVA DOS
MORADORES ACERCA DO JARDIM SEVILHA
Com a intenção de se diagnosticar qual é a real situação da favela
vertical hoje, segundo a percepção e declaração dos próprios moradores, nós
aplicamos um questionário (em anexo), cujo os dados nos serviu de base estatística
para uma interpretação discursiva sobre os elementos que julgamos ser caros para um
entendimento científico acerca deste fenômeno social; que, resguardando as devidas
proporções e escalas, se reproduzem em todas as periferias desta nova sociedade
técnico-científica e informacional.
Além do questionário, aplicado a trinta e uma famílias escolhidas
aleatoriamente e abordadas em suas respectivas residências, fizemos também
entrevistas abertas a “figuras públicas” locais, nas quais eram lideranças políticas e
religiosas, membros dos movimentos de jovens e de mulheres, comerciantes,
moradores pioneiros da comunidade. Vale ressaltar que distribuímos sessenta
questionários contudo conseguimos recuperar e analisar apenas o número declarado, e
são destes que se basearão a pesquisa.
Todos estes elementos nos subsidiaram a análise, que por meio de
uma amostragem matemática, temos a presunção de apresentar uma “radiografia” local
da realidade vivenciada no local, a qual iniciaremos a seguir.
No Conjunto Residencial Jardim Sevilha, agrupamento humano
possuidor de elementos físicos, funcionais e culturais que o caracteriza como uma
favela vertical, dispõe atualmente de exatos 1.080 imóveis em seu interior distribuídos
da seguinte forma: 999 residências, sendo 943 apartamentos, 40 residências edificadas
126
na “Vila Nóia” e 16 edificados na “Vila Madalena”; 75 estabelecimentos comerciais e
de serviços sendo sua distribuição: 55 estabelecimentos de comércio e serviços
espraiado em toda dimensão da pista principal e 1 “rádio-cipó” conjugado com curso
de informática instalados no 3º andar do bloco 28 B, 6 pontos instalado na “Vila
Madalena” e 14 instalados na delimitação da “Vila Nóia”, ainda 6 templos religiosos,
tudo no perímetro do conjunto (Observar Figura 05 - pag. 84 desta monografia).
Alguns atividades de comércio e serviços merecem destaque, em
virtude de seu porte e/ou seu fluxo de circulação de pessoas e mercadorias, bem como
pelo poder de influência que transcende a comunidade. Podemos enumerar dentre estes
três mercados1, uma panificadora2, dois salões de beleza3, dois bares dançantes4, 2
depósitos de bebidas5, uma papelaria com serviços de correios6, um açougue7, uma
farmácia8 e por fim um “rádio-cipó” e publicidade9.
Os moradores que responderam o questionário tinham entre 17 e 46
anos. Nos ficou nítido que estas pessoas são as “líderes” dentro do seio familiar; sendo
inclusive declarado, várias vezes durante a abordagem, que a família iria aguardar um
determinado membro estar presente para que este possa permitir a doação das
informações, bem como para responder as questões. Mediante a isso não podemos
considerar as idades dos informantes, nem o sexo, para estabelecer a pirâmide etária
do conjunto em questão.
1 Mercantil Alimenta; Mercadinho Fé em Deus e Mercado do Natan;2 Panificadora e Pizzaria Sevilha3 Casa da Beleza e Salão Atual4 Zouk’s Bar e Bar o Vermelhão5 Depósito de Bebidas Casa Carol e Depósito de Bebidas Comercial Preço Menor6 Big Serviços7 Açougue Boa Esperança8 Armarinho FarmaSantos9 Publicidade Salmo 23
127
Figura 11 : Foto Aérea do Conjunto Jardim Sevilha
Fonte: Eder Libório - 1996
O interessante foi verificar que - se considerarmos a dedução como
uma fator objetivo da análise impírica - o questionário foi respondido majoritariamente
por mulheres (67,7%), o que nos leva a acreditar que as famílias do Sevilha são
dirigidas em sua maioria por mulheres, independente da presença masculina efetiva na
família; bem como percebemos o importante papel da juventude na direção das
famílias faveladas.
*Quadro 01 – Quantificação e percentual dos informantes por sexo e idade
MASCULINO FEMININO IDADE
Quant. % Quant. %
De 17 a 25
anos (Jovens)
De 26 a 40 anos
(Jovens adultos)
Acima de 40
anos (Adultos)
Quant. % Quant. % Quant. %
128
10 32,3 221 7,7 07 22,5 18 58,1 06 19,4
Tivemos a oportunidade de observar o qual é a importância da
migração campo-cidade para a formação, desde a origem destas comunidades, e como
este movimento horizontal intra-regional contribui para o crescimento das metrópoles.
Compreendemos também a causa da opção da ordem caótica como
forma de organizar seus espaços, haja vista que a realidade, o tempo vivido e o
conhecimentos prévios trazidos do interior, pouco contribui para o entendimento dos
novos símbolos e necessidades objetivas intrínsecos à vida urbana.
Acreditamos que a nova territorialização e a construção de uma nova
identidade só se efetiva na segunda geração da família deste migrante, que até este
momento irá experênciar crises de identidade e de cultura que poderá, inclusive,
promover o desagregamento ou, no mínimo, abalos na estrutura familiar dos mesmos.
Um outro fator impactado, por esta ausência de “competência” urbana,
é meio ambiente em que estas pessoas são inseridas. A medida em que no interior, e
sobretudo no meio rural, elas não têm acesso a gama de produtos industrializados que
encontra na cidade, bem como convivem coletivamente em vastos ambientes, em
detrimento da realidade da cidade, os resíduos destes produtos não são percebidos
necessariamente como problema, contudo no meio urbano não prescinde maior
cuidado no condicionamento e na manipulação dos mesmos, que se complica quando
consideramos o número dessa população inapta vivendo no meio urbano.
Esses impactos se apresenta por meio de acúmulo de resíduos e
dejetos nos mais variados subsistemas que compõe ecossistema urbanos, influenciando
negativamente a estética física e saúde da biota local, gerando também prejuízos na
auto estima coletiva dos habitantes do referido ecossistema, que passa a desvalorizá-lo,
e a reproduzir atitudes que provocam a permanência desses fatores, que por fim, se
consolida como um “círculo vicioso” perpétuo...
129
Se considerarmos o déficit técnico e a ausência quanto as habilidades
produtivas veremos que essa população estará sujeita à pauperização gradiente,
ampliada pela crise estrutural da economia mundializada, que implicará no
tensionamento das demandas sociais, que por sua vês abastecerá o setor terceário
atrofiado da economia e, conseguinte os setores da economia ilegal, tendo como
resultado final a explosão da violência urbana que toda a sociedade global, e em
especial o Brasil, vivência nos dias atuais.
Como podemos observar na tabela abaixo, o Sevilha é um exemplo
em escala micro dessa realidade, produzido por meio de processos históricos na opção
política de desenvolvimento adotado em escala nacional, por meio da subordinação ao
desenvolvimento desigual e combinado, impostos pela Divisão Internacional do
Trabalho (DIT), capitaneado pelas potências hegemônicas, às sociedades periféricas.
*Quadro 02 – Procedência natal dos moradores do Jardim Sevilha
Interior do Estado do Pará Capital (Belém) Outros Estados
Quant. % Quant. % Quant. %
17 54,85 08 25,8 06 19,35
O déficit habitacional se explicita quando verificamos a população
absoluta de muitas das residências do conjunto analisado, onde, em um bom número
de casos vivem sete, ou mais pessoas, circunscrita a uma moradia de apenas quarenta
metros quadrados. Percebemos ainda a grande freqüência de membros agregados a
estas famílias.
Esta grave situação causa grande desconforto e a falta da
imprescindível privacidade entre seus membros, sendo ainda mais um fator de
discórdia e conflitos familiares, intensificando os fatores de desestruturação e/ou
promiscuidade doméstica.
130
Temos a clareza que esta realidade não é “privilégio” desta favela
vertical, pelo contrário, infelizmente a maioria das famílias de baixa renda vivem esta
situação idêntica de indignidade sócio-econômica, causada pela falta de
implementação de políticas públicas habitacionais sérias, por parte da elite política e
econômica nacional, que em detrimento de trabalhar para amenizar as crises sociais
priorizam políticas que beneficiam tão somente o grande capital.
Isso nos responde também o porque as vias do conjunto e suas áreas
de convivência coletiva; cito: bares, salões de beleza, frente dos blocos; são sempre
muito movimentados, oferecendo ao conjunto a aparência de um “formigueiro
humano”, fenômenos que não ocorrem em agrupamentos residenciais vizinhos como é
o caso do conjunto Orlando Lobato, Pedro Teixeira e Green Ville II, por estes
possuírem, per capta, menores densidade demográfica por família e maiores espaços
para convivência doméstica.
Chegamos a conclusão que por haver uma condições de restrição na
extensão espacial das residências, determinam que as pessoas não se sintam à vontade
e confortáveis em suas moradias, obrigando-as a procurarem nessas áreas externas
ambientes que lhes possam proporcionar tais sentimentos. Esse também é um fator que
prejudica substancialmente a auto estima das pessoas, sobretudo os jovens e os idosos.
*Quadro 03:- Número de habitantes (população relativa em m²) por apartamentos
De 2 a 4 Moradores De 5 a 7 Moradores Acima de 7 Moradores
% Pop. Rel.(hab./m²) % Pop. Rel.(hab./m²) % Pop. Rel.(hab./m²)
67,5 0,75 hab./m² 26 1,5 hab./m² 6,45% > 2 hab./m²
131
*Figura 12 :Espaço Interno dos Apartamentos de 40 Metros² Construídos Falta de Conforto em Meio a Alta Densidade Demográfica Fonte : Eder Libório - 1997
Detectamos que a ocupação movimenta financeiramente valores
consideráveis, devido a sua alta densidade demográfica. A renda per capta do conjunto
oscila em torno de R$ 225,00 mensais, perfazendo uma movimentação financeira
mensal, pelo total de moradores da comunidade, de cerca de R$ 1.012.500,00.
Desmistificamos também, a equivocada máxima que os moradores de
favela são excluídos, pois, no exemplo do Sevilha, a sua grande maioria possui uma
renda familiar, segundo declaração deles próprios, superior a R$ 600,00, colocando-os
no rol da classe média baixa, segundo os órgãos oficiais, por conseguinte estes
estariam incluídos nas maiorias dos processos econômicos sociais, bem como se
reconhecem e são igualmente reconhecidos com sujeitos ativos da economia e
produção social nacional.
A população do Sevilha, genericamente falando, se inclui nessa
estratificação como cidadãos de classe “D”, portanto “consumidoras”; tendo inclusive
famílias de classe “C”. Entretanto esses dados praticamente não refletem na melhoria
da qualidade de vida, nem individual nem tão pouco da coletividade dos moradores em
questão. Isso ocorre em virtude do alto grau de individualidade e ausência de
132
solidariedade em que está submetida a mentalidade da população local, que se
expressa em suas posturas e comportamentos... Com certeza este é resultado do
paradigma ocidental a que as pessoas são induzidas a adotar como seu, por meio dos
mais diversos instrumentos ideológicos, que inclusive são trabalhados (pela grande
mídia) dentro de suas próprias casas sem que elas se apercebam.
Essa população, proveniente de movimentos migratório rural-urbano;
portanto que possui uma cultura que valoriza uma alimentação farta e natural; e que se
integra socialmente de forma segregada, considera que sua família se alimenta bem, o
que reforça a tese de um mercado interno em potencial, sobretudo no que diz respeito a
alimentação e bebidas, pois a maior parcela dessa renda é aplicada nestes produtos:
*Quadro 04 - Percepção dos moradores quanto a qualidade1 de sua alimentação
Alimentam-se sempre
bem (três vezes ao dia)
Alimentam-se sempre
mau
Alimentam-se com qualidade
variável
Quant. % Quant. % Quant. %
18 58,06 09 29,04 04 12,90
Reconhecemos que existe uma grande parcela de pessoas residente na
ocupação que vivenciam situações financeiras que podem ser consideradas como um
fragrante atentado aos direitos humanos, tão qual é o grau de indignidade e miséria a
que estão submetidas. A estas sim, podemos considerar como excluídas, contudo
reconhecendo que as mesmas lutam por sua inclusão e são de alguma forma
reconhecidas como tal.
1 A qualidade deve ser entendida tanto nutricional quanto por quantidade de refeições diárias.
133
Torna-se nítido a razão da proliferação contínua de estabelecimentos
de comércios e de serviços na circunscrição da comunidade, haja vista que existe um
volumoso mercado interno a ser explorado; tendo um potencial ainda mais expressivo
pois pode contar com a benesse de sua posição geográfica estratégica, sendo o
conjunto localizado no centro de inúmeras outras áreas residenciais, servindo-lhes
inclusive, de via de acesso para as suas respectivas populações.
Ao analisar o quadro a seguir, devemos considerar, como de fato
conhecemos, a existência de várias família detentoras de poder aquisitiva ainda
maiores que aos declarados que não atuaram como nossas informantes.
*Quadro 05: Poder aquisitivo e/ou renda familiar dos moradores do conjunto
De 0 a 1 S.M. De 1 a 3 S.M. De 3 a 5 S.M. De 5 a 7 S.M. Não Declarou
Quant. % Quant. % Quant. % Quant. % Quant. %
08 25,8 13 41,93 05 16,12 03 9,65 02 6,41
No que tange a relação de trabalho e/ou ocupação produtiva os
moradores, em idade ativa, possui uma situação similar as divulgada na imprensa pelos
os órgãos oficiais. Refletindo proporcionalmente as influências, já tratadas
anteriormente, da crise estrutural da economia globalizada, que encontra-se em sua
fase técnico-científica e informacional, segundo definiu brilhantemente o saudoso
geógrafo Milton Santos. Essa realidade caracteriza-se por extinguir inúmeros postos de
trabalho, sendo que as pessoas tendem a migrar para outros setores produtivos, a fim
de conseguir o sustento para si e suas famílias; se sujeitando inclusive em reduzir seus
ganhos e abrir mãos de direitos adquiridos. Muitos são obrigados a deixar suas terras
natal, como é o caso de muitos moradores da área pesquisada.
134
Como resultado disso temos de conviver com um intenso e
prolongado agravamento da crise social e o aumento da violência. No Sevilha as
pessoas estão ocupadas produtivamente segundo demonstra a tabela a seguir:
*Quadro 06 – Relação de trabalho em que estão inseridos os moradores do Sevilha
Economia Formal
(Carteira Assinada)
Economia
Informal
Situação de
Desemprego
Não Declarou
Quant. % Quant. % Quant. % Quant. %
13 41,93 12 38,70 05 16,15 01 3,22
A ocupação do Sevilha, contrariando a alta densidade demográfica
constatada, ainda não se completou. Existe no conjunto cerca de 10% de apartamentos
fechados, segundo a declaração de alguns dos informantes que relataram que em seus
respectivos blocos existem, de um a dois, apartamentos fechados, sendo que, os
titulares de suas posses aguardavam a valorização imobiliária ou a regularização dos
mesmos, para oferecer um destino socialmente produtivo aos mesmos.
Entre os moradores existem ainda, aqueles que tomam conta de
possessões alheias, e outros que moram de aluguel. Sendo que a maioria adquiriu sua
posse através da compra no mercado “paralelo”, pois a ocupação encontra-se ainda em
situação de litígio judicial ou irregular.
O quadro a seguir demonstra a conivência dos moradores com a
atividade especulativa, bem como o percentual de moradores que adquiriram suas
possessões por meio desse método e ínfimo números de pioneiros que permaneceram
no conjunto após a ocupação se consolidar, bem como demonstra o aumento no
período de permanência e adaptação dos moradores ao conjunto, tende a se esgotar:
135
*Quadro 07 - Forma de aquisição do imóvel;
Adquiriu através de
ocupação
Adquiriu através da
compra
Alugado Cedido por
terceiros
Quant. % Quant. % Quant. % Quant. %
03 9,67 26 85,87% 01 3,22% 01 3,22
*Quadro 08: Período de residência dos moradores no conjunto;
Menos de 1 ano De 1 à 4 anos De 5 a 8 anos Superior a 8 anos
Quant. % Quant. % Quant. % Quant. %
03 9,67 06 19,35% 19 61,31% 03 9,67
No índice de escolaridade, que demonstra o nível cultural da
população, o conjunto está, até certo ponto, bem “colocado”. Esse indicador também
deveria garantir o grau de competência que a população de uma determinada área
possui para solucionar os seus problemas mais elementares, contudo, se relevarmos a
observação impírica, algumas dessas demandas básicas, ainda não foram solucionadas,
a exemplo da questão ambiental e da revitalização das áreas coletivas.
Apesar de, obviamente, não declarada o analfabetismo, em virtude do
questionário ter sido respondido individualmente, sabemos que umas poucas pessoas
na comunidade não possuem a habilidade de leitura e nem de escrita. Inclusive a
própria entidade representativa – AMOJAS -, já foi “anfitrião” de projetos de
alfabetização de jovens e adultos, contando com a adesão, no início, de 25 pessoas. O
quadro abaixo, por amostragem estatística, nos revela a situação declarada pelos
informantes.
136
* Quadro 09 - Grau de escolaridade da população Sevilhense
Nível fundamental
(Incompleto)
Nível Médio
(completo ou não)
Nível Superior
(completo)
Abaixo do Nível
fundamental (Por Indução)
Quant. % Quant. % Quant. % %
16 51,58 11 41,97 02 6,45 05
Percebemos também a forte influência da migração intra-urbana na
composição da população do conjunto. Isso demonstra que o processo de invasão-
sucessão das atividades centrais sobre as suas áreas periféricas próximas, provoca a
segregação gradiente das atividades marginais situadas nas respectivas áreas, fazendo
com que elas se desloquem cada vês para locais mais distantes dos centros comerciais.
Aqui tais atividades devem ser entendidas como as atividades residenciais e as de
comercio de mercadorias básicas de subsistência.
Esses movimentos também nos revela a forte atração disposta entorno
dos eixos de expansão da Região Metropolitana de Belém (RMB), bem como os
movimentos migratórios não se encerram com a chegada do migrante na cidade
grande, e sim com a sua adaptação ao modo de vida urbano; que vai ocorrer depois da
construção da identidade por parte da geração que sucederá a sua, possibilitando que
esta territorialize-se definitivamente.
O quadro a seguir nos mostra como foi este movimento que
configurou o atual agrupamento humano residindo no conjunto Jardim Sevilha.
*Quadro 10 –Movimento migratório intra-urbano (por Distrito Administrativo) realizado pelos moradores do conjunto
DABEM DAGUA DABEL DASAC DAOUT DAENT Direto do
Interior
Quant % Quant. % Quant. % Quant. % Quant. % Quant. % Quant. %
09 29 03 9,6 03 9,6 04 13 01 3,2 03 9,6 08 26
137
A pesquisa demonstrou que a maioria das famílias se territorializaram
ao ambiente oferecido pela comunidade do Sevilha, pois a grande maioria não mais
deseja se locomover para outras áreas, resultado que retrata o nível de adaptação e de
identidade que estas pessoas construíram junto ao ecossistemas em que estão inseridas.
Iremos considerar que a atitude de morar, mais que um ato de se obter
um abrigo físico para o descanso e/ou uma proteção contra as intempéries naturais. É
na verdade, uma relação psicossocial complexa, em que o indivíduo se relaciona
plenamente, tanto com o meio ambiente tanto quanto com a vizinhança de seu entorno.
Esta convivência, necessariamente, é impregnada de sentimento afetivo, em que as
pessoas sentem-se pertencentes ao espaço geográfico de moradia, e sente que este lhe
pertence reciprocamente. È estabelecido também uma rotina que agrada aos sentidos,
um equilíbrio à vida cotidiana. Toda relação de estada duradoura contrária a descrição
acima deveria ser considerada uma mera habitação física, tal qual um alojamento
militar ou de trabalhadores de empreiteiras.
Os movimentos intra-urbanos existem, sobretudo, em virtude desta
procura inconsciente por ambientes que possam proporcionar uma estabilidade física,
emocional e segurança.
O conjunto, ao longo de seu processo de incorporação enquanto
subsistema metropolitano, adquiriu infra-estrutura e nível de convivência que favorece
a estas demandas subjetivas; ao ponto de que as pessoas declarem que se sintam
seguras, em meio a ambiente repleto de relações amistosas, e com infra-estrutura e
condições de sobrevivência e desenvolvimento melhor que os seus respectivos lugares
de origem.
A seqüência de tabela que se seguem demonstra um pouco deste
sentimento, que é mais nítido quando se vivência essa realidade in locus, em
detrimento dos contrastes sociais, conflitos e das restrições vividas pela população da
favela. Elas retratam, especificamente, as resposta que a população nos deu quando
138
questionadas, respectivamente, se, gostariam de se mudar do conjunto caso a situação
lhes permitisse; quais eram o mais significativo problema e a maior benesse de se
morar na comunidade e se elas se preocupam com o futuro da ocupação.
* Quadro 11 - Grau de satisfação (ou não) dos moradores com o local de residência
Deseja se mudar quando
possível
Não pretende se mudar Indiferentes a esta
Indagação
Quant. % Quant. % Quant. %
06 19,35 22 71 03 9,65
* Quadro 12: Fatores positivos e negativos, internos ao conjunto, identificados pelos moradores
Lixo Falta de
organização
Outros Não sabe
identificar
Boa
localização
Segurança ou
Tranqüilidade
Fatores
negativo
Q. % Q. % Q. % Q. % Q. % Q. %
1
0
3
2
0
6
1
9
0
5
1
6%
1
0
3
2%
-
-
-
-
-
-
-
-
Fatores
Positivo
Q. % Q. % Q. % Q. % Q. % Q. %
-- -- -- -- 07 23 11 35 08 26 05 16
* Quadro 13 – Nível de preocupação dos moradores para com o futuro do conjunto
Preocupam-se com o
futuro do Jardim Sevilha
Não se preocupam com o
futuro do Jardim Sevilha
Não declarou
Quant. % Quant. % Quant. %
25 80,66 03 9,67 03 9,67
139
A última tabela é precedida, no questionário de um comentário
espontâneo do informante, e estes nos revela o que nós já havíamos afirmado em
momentos anteriores, acerca da mentalidade individualista e pouco solidária dos
moradores do Jardim Sevilha; pois veja: perguntado o que essas pessoas fazem
efetivamente para contribuir com o futuro da comunidade, elas declaram que
contribuem com a limpeza e com a manutenção de seus respectivos blocos.
Esses indivíduos são desprovidos de todo e qualquer responsabilidade
cidadã, bem como não nutrem de um sentimento comunitário integral, visualizando,
apenas, a suas realidades mais objetivas e imediatas, delegando para os demais as
responsabilidade de zelar pelo bem estar e pela sustentabilidade coletiva mais ampla e
totalitária; tal qual nos é, sutil e constantemente, sugerido, e por que não dizer,
ensinado pelo “modelo de vida americano”, hegemônico no mundo atual, e que dispõe
de uma divulgação massiva pela grande mídia, que nos visita diariamente e introduz
em nossas mentes o ideário que os interessa...
Contrariando as previsões, quanto a auto estima dos moradores da
ocupação clandestina, as suas declarações nos leva a acreditar que os mesmos às
mantém elevada. As informações denotam, não só a sua satisfação por morar em um
lugar privilegiado e/ou valorizado geograficamente, ou por não mais ter que pagar
aluguel, etc.; na verdade essas informações demonstram um sentimento de prazer e de
forte adaptação dos moradores com a sua forma de moradia, em detrimento dos
mesmos morarem em uma área ilegal que possuem um forte estigma de “invasão” e
uma “visão” externa preconceituosa sobre a mesma. Os dados expostos na tabela
abaixo demonstram isso.
* Quadro 14 - Sentimento subjetivo dos moradores para com a comunidade
Sente-se
Orgulhoso
Sente-se
Indiferente
Sento-se
Constrangido
Não Declarou
Quant % Quant % Quant % Quant %
16 48,38 10 32,25 01 3,22 04 12,90
140
Quanto a organização comunitária, presente desde os primórdios da
ocupação, os resultados demonstram uma certa indiferença dos moradores para com a
entidade que os representa; e até um descaso quanto a importância da mesma.
Acreditamos que esse fenômeno pode ser explicado quando
analisamos o histórico das gestões que se sucederam na administração do conjunto;
sem considerar os possíveis juízos de valores que possamos, equivocadamente, tecer
sobre cada uma; sendo que elas vivenciaram contextos diferenciados, situações e
demandas singulares e conduziram uma administração para uma população em
constante mobilidade...
A primeira gestão, liderada pelo Sr. João Vigílio, se caracterizou por
seu “pulso forte” e “valentia”, e até por uma complacência com as ações de
delinqüentes na área. Atitude perfeitamente concebível, considerando o momento de
tensão e a necessidade da manutenção da ordem local para a consolidação da
ocupação. Contudo os moradores mantinham mais uma relação de temor junto aos
líderes do que de respeito e representatividade.
A segunda gestão, liderada pelo Sr. Evandro (...) que, segundo nos foi
informado depôs a primeira pela força, promoveu uma certa continuidade à gestão
anterior; contudo as questões da violência se tornaram insuportáveis sem que as
lideranças pudessem intervir. Essa foi efetivamente deposta pela comunidade, em
virtude do desvio do dinheiro rateado para aquisição de materiais elétrico, necessário
para reinstalação clandestina da rede de energia.
A terceira e a quarta gestões foram lideradas pelo Sr. Deroci,
conhecido no local pelo codinome “Ceará”; este se realizou um projeto que eu
particularmente denominei de “projeto serviçal”, cuja maior característica é o
assistencialismo, paternalismo e a execução de serviços básicos, como limpeza,
capinagem, desentupimento de esgoto, etc, por ele próprio, passando assim a imagem
do líder trabalhador, esforçado, como de fato.
141
Em sua gestão foi resolvida a questão da violência, sendo que
inúmeras vezes ele mesmo apontava os bandidos para a polícia e até os enfrentava em
público, nunca se deixando intimidar, o que reforçou sua imagem de homem bravo,
valente e protetor da comunidade. Essas atitude fez com que ele conquistasse por dois
mandatos a gestão da AMOJAS.
Figura 13: Foto da pista principal antes de ser asfaltada Demonstra a incipiente ocupação das áreas coletivas para
fins comerciais Fonte: Eder Libório - 1997
Todas as demandas, reivindicações e relações externas eram
centralizadas por ele, que na maioria das vezes não informava nem para os demais
142
diretores o que se passava; aliado a isso surge uma outra entidade no local, Clube de
Mães, que passa a fazer oposição sistemática a ele, isolando-o gradativamente.
Nesta gestão foi marcada pela especulação imobiliária interna, tanto
nas transferência das posses dos apartamentos, quanto nas concessões de áreas
coletivas a quem pudesse pagar, fato que de certa forma trouxe desgaste a sua imagem.
A oposição se intensificou, a mobilidade de moradores provocava uma
acelerada mudança na mentalidade coletiva, e novos atores sociais e/ou líderes iam
sistematicamente se estabelecendo no residencial.
Todo esse processo culminou numa disputa acerradíssima á gestão da
AMOJAS em 1999, na qual o Sr. Ceará possuía ainda um ligeiro favoritismo. Contudo
em virtude de conflitos ocorrido dias anterior ao pleito, o mesmo foi impugnado da
disputa, sendo que o Sr. Evandro, que contou com o apoio da chapa impugnada, se
sagrou vitorioso nessa disputa.
A quarta gestão, a exemplo da ultima liderada também pelo Sr.
Evandro, não chega ao fim. È decretado o seu impeachment em uma Assembléia Geral
massiva comandada pelo seu antigo aliado conjuntural, Sr. Deroci. Formou-se então
uma Junta Governativa, cuja a atribuição era de administrar o conjunto e conduzir um
novo processo eleitoral extraordinário num prazo de seis meses.
Neste processo sagrou-se eleita uma chapa que demonstrava ser
genuinamente de oposição aos projetos e posturas das administração anteriores.
Devemos considerar também, nesta disputa do poder local, que a grande mobilidade de
moradores já havia reduzido e se estabilizado, sendo que os novos pouco conheciam
aqueles que postulavam a direção, e tomando suas decisões segundo os comentários e
“rótulos” que cada um havia incorporado.
Outro fator que pode ter sido determinante para vitória deste grupo,
foi a proximidade do pleito interno com a eleição municipal; haja vista que esse grupo
era (e ainda o é) reconhecido como militantes do Partido dos Trabalhadores (PT), cujo
143
o prefeito vitorioso disputava a reeleição pelo mesmo partido e que, na sua gestão
municipal anterior, havia realizado várias obras de infra-estrutura no conjunto. Essa
identificação dentre outros fatores foi decisiva para a vitória desse grupo, que ainda era
desconhecido pela maioria por terem se estabelecido a pouco tempo na ocupação, e
estavam se afirmando como liderança locais.
Essa gestão, a atual, está sendo marcada, e entendida pelos moradores
mais atentos, pelo excesso de disputa e mobilização para fóruns externos à
comunidade, sendo que nesse “quisito” a comunidade têm se destacado
favoravelmente, pois por três vezes consecutiva elegemos membros da comunidade
como conselheiros e delegados em todos os concelhos deliberativos e fiscalizadores do
poder público municipal. Entretanto, internamente, essa gestão é vista como ausente,
desarticulada, e com personalidade fraca, ou seja sem o poder de decisão nos casos
polêmicos.
A atuação, geralmente ocorre em casos extremos em que a situação
fica insuportável e as críticas intensas e generalizadas, ou em ações pontuais com o
auxílio do Governo Municipal.
Essa realidade se evidencia em virtude da opção e/ou postura, do
governo supracitado, que passou a seduzir e a cooptar as lideranças comunitárias e
sindicais de toda a cidade, incluindo-as em seu quadro técnico a fim de evitar uma
oposição sistemática por parte da sociedade civil organizada. tal atitude nos surpreende
pois esta mesma política foi adotada pelo o governo ditatorial e fascista de Getúlio
Vargas – 1937-1945. Essa política estatal implicou no “ingessamento” de parte dessas
entidades, fato que ocorreu com a AMOJAS. Atualmente temos três membros
importantes da diretoria da entidade local (incluindo o presidente e o vice) fazendo
parte do quadro governamental municipal. Essa falta de atuação local reflete no nível
de consciência dos moradores, como nos retrata a tabela abaixo.
*Quadro 15 : Grau de percepção dos moradores quanto a entidade representativa local.Conhecem a existência de
entidade representativo localNão conhecem a existência de entidade representativo local
Não souberam responder
144
Quantidade % Quantidade % Quantidade %
14 45,15 11 35,5 06 19,35
Esse histórico, que demonstra o afastamento progressivo da entidade
local com os seus objetivos e, consequentemente, de sua base de atuação, explica em
parte, a indiferença dos moradores á organização, bem como a sua gradual tendência a
não participar dos eventos promovido pela mesma, deixando de reconhece-la como tal.
A questão já discutida, sobre os fatores que favorecem a individualidade e o
sentimento autonomista, também contribui com esse processo. No quadro a seguir
retrata exatamente esse sentimento.
* Quadro 16 : Grau de representatividade da entidade local (AMOJAS) junto aos moradoresSentem-se representados Não sentem-se representados Não Declararam
Quantidade % Quantidade % Quantidade %
08 44,5% 09 50% 01 4,5%
145
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As Pressões causadas pela explosão urbana afetam sensivelmente a
formação das cidades com relação a três importantes fatores: o social, o econômico e o
ambiental. Cada um destes aspectos desempenha um papel muito importante dentro do
crescimento ordenado dos centros urbanos, uma vez que estão altamente relacionados
entre si.
A desvinculação de qualquer um destes fatores das políticas de
planejamento urbano, reflete-se numa queda significativa na qualidade de vida da
população, o que, posteriormente, leva as cidades a uma condição de desequilíbrio e
insustentabilidade.
Estudos realizados pela ONU indicam que, no ano 2020, em torno de
80% da população estará concentrada nos centros urbanos, cabendo, aos países do
terceiro mundo, uma grande parcela deste aumento. Diante desta dramática
perspectiva, seria necessário que as autoridades dos países subdesenvolvidos
tomassem medidas rápidas e estratégicas que possam diminuir as precárias condições
de infra-estrutura atualmente existente nos centros urbanos, a fim de melhorar o bem
estar da população.
Os problemas urbanos são mais evidentes e mais críticos à medida que
se analisam as cidades localizadas na região da Pan-Amazônia. Segregadas
praticamente das políticas de planejamento e crescimento econômico regional, cidades
como Manaus, Belém Tabatinga, Letícia, Florencia, Iquitos, entre muitas outras,
amargam hoje, sérias frustrações sociais, econômicas e ambientais, por terem sido
marginalizadas e desconsideradas dos seus respectivos contexto de planejamento
urbano nacional.
146
Em termos de desenvolvimento urbano, Belém é um caso muito
especial. Durante os anos dourados do “ boom” da borracha, a cidade chegou a atingir
níveis de desenvolvimento econômico que lhe valeram o título de metrópole da
Amazônia. Grandes empreendimentos e reformas urbanísticas foram realizadas na
cidade, como resultado das exportações de borracha. Belém passou a ser considerada a
cidade mais importante da região Amazônica, devido a sua importante função de
entreposto de exportação e importação dos mais diversos produtos.
Passados os anos gloriosos da economia gonífera, o processo de
apropriação do espaço urbano em Belém adquiriu dimensões dramáticas. As ondas
econômicas de produção extrativista trouxeram para o Estado milhares de pessoas de
outras áreas do país. Este contingente, uma vez passada a euforia da produção
extrativista e sem uma perspectiva de emprego não espaço agrário Amazônida,
procurou refúgio na grande metrópole regional.
Sem nenhuma infra-estrutura urbana capaz de absorver rapidamente
este fluxo de pessoas, iniciou-se desse modo, um processo de ocupação espontâneas da
área urbana da Região Metropolitana de Belém (RMB). Tal condição tem provocado
significativas alterações nos aspectos, sociais econômicos e ambientais da cidade.
A exemplo de Belém, as cidades Pan-Amazônicas cresceram em
função da colonização dirigidas, visando ocupar e incorporar os “espaços vazios” à
atividade econômica nacional. Nesse processo de ocupação, a força de trabalho serviu,
não para a formação de uma economia de mercado que pudesse gerar as condições
necessárias para expandir a economia regional e provocar assim, grandes
transformações sociais e econômicas na região, mas para responder a um processo de
produção extrativa, que servia apenas a interesses nacionais e transnacionais.
Passado muitas décadas da época da colônia, os privilégios dados á
grande empresa na locação de terras, acentuou as profundas diferenças sociais
147
existentes na região, provocando assim o êxodo rural-urbano. Tudo isso tem levado a
uma deterioração das condições do gênero de vida urbana.
A crise urbana é o centro da atenção mundial. As autoridades
internacionais, perplexas diante das estatísticas que mostram um quadro assustados
para os próximos vinte anos, têm iniciado, com bastante de atraso, um movimento
internacional para conscientizar a sociedade da importância do desenvolvimento
urbano com sustentabilidade sócio-ambiental, como um ponto para o alcance da
cidadania. Um bom exemplo foi a reunião internacional “HABITAT II” promovida
pela ONU, durante o mês de junho de 1996, em Istambul, Turquia; cujo o principal
objetivo era analisar e encontrar soluções para os problemas urbanos que afetam a
grande maioria das capitais e metrópoles do mundo.
Dada a relação capital-trabalho que intensificou a ocupação da região
Amazônica, as cidades converteram-se em centros polarizadores de fluxos de recursos
e mão-de-obra para exploração da região. A implementação de grandes projetos, além
da época dourada da borracha, foram responsáveis pela transformação econômica das
cidades, trazendo como uma das implicações, um acelerado e descontrolado processo
de crescimento urbano, sobretudo demográfico e deficitário em equipamentos e
serviços públicos.
A ação do Estado em acompanhar esse desenvolvimento com uma
infra-estrutura urbana adequada, praticamente não existiu. A falta de um cuidadoso
monitoramento do fluxo migratório para as cidades, e especialmente a falta da
implementação das diretrizes definidas nos planos diretores para ocupação racional
dos espaços urbanos, colocam hoje as autoridades ante a uma situação de extrema
complexidade com relação a sua capacidade econômica e logística para resolver os
sérios problemas das cidades.
A atitude tolerante das autoridades para com as ocupações
espontâneas clandestinas e a incapacidade do Estado em encontrar alternativas para
148
resolver uma situação deficitária de moradia popular, contribui para causar danos
irreversíveis ao crescimento ordenado das cidades, sobretudo as da região Amazônica.
O processo de ocupação ilegal, que tomou conta das maiorias das
cidades, desencadeou uma série de desequilíbrios que comprometem a qualidade de
vida das pessoas e, principalmente, inviabilizam a própria estrutura urbana da cidade.
As condições adversas de moradia e insalubridade de grande parte das
“invasões”, tem um efeito nocivo na população. Em Belém, por exemplo, cerca de
seiscentos mil pessoas moram em áreas de baixadas ou em periferias pauperizadas,
completamente inadequadas a qualquer tipo de moradia decente, comprometendo a
saúde das pessoas. O auto número de doenças às quais a população trabalhadora é
exposta, afetam seriamente a capacidade de participar ativamente no processo
econômico da cidade.
Como resultado concomitante às ocupações ordenadas sob uma lógica
caótica, gerou-se outro grave problema, desta vez de características ambientais. Os
impactos do desmatamento indiscriminado das áreas verdes do sítio urbano traz
implicações negativas a qualidade de vida das pessoas, sendo estas difícil de serem
dimensionados. A degradação ambiental é maior nas áreas mais pobres, que carecem
de serviços básicos como saneamento, água, energia, etc. A falta de controle sobre os
resíduos sólidos e dejetos, afetam seriamente as condições de vida e saúde dos mais
carentes.
À medida que aumentam os processos de ocupação clandestina, a
desarborização rompe o equilíbrio entre as áreas verdes e o espaço construído. Este
equilíbrio é considerado como fator fundamental na determinação do ecossistema
urbano que, por sua vez, se reflete, também no ecossistema humano.
O descompasso entre o crescimento urbano nas cidades amazônicas e
a falta de um planejamento adequado por parte das autoridades, exige uma total
reformulação das políticas relacionadas com a gestão urbana, de forma tal que seja
149
possível compatibilizar a nova realidade social e econômica dos países, com um
crescimento ordenado e controlado.
Será necessário não só um programa dirigido para recuperar as áreas
degradadas, como também um aperfeiçoamento dos instrumentos de gestão e
regulação do processo de ocupação do solo urbano. Desta forma, será necessário
preparar as cidades para o milênio que se inicia, reduzindo as desigualdades sócio-
econômicas e os desequilíbrios ambientais causadas durante as ultimas décadas, no
espaço urbano da Amazônia.
No momento em que se repensa, a nível mundial, o ecossistema
humano, a fim de reverter a situação de deterioração das áreas urbanas, é fundamental
que se tenha a idéia clara do quadro existente na Região Amazônica, com relação à
implementação de políticas urbanas e habitacionais dirigidas a solucionar os graves
problemas que têm contribuído para criar as condições que estão levando as cidades a
um processo de rápida degradação social, econômica e ambiental.
Assim vejamos uma suposição para ilustrarmos essa hipótese de ação
dirigida, cujo o objetivo seria minimizar tais impactos e planejar racionalmente uma
cidade para um futuro próximo:
O Governo Federal agiria, necessariamente, substituindo os objetivos
estritamente voltados para a macro economia, reordenando uma inversão dos
processos produtivos, desativando a lógica financista, voltando os capitais para as
atividades essencialmente produtivas, e ao mesmo tempo criando mecanismos de
distribuição da riqueza nacional.
Os Governos Estaduais e suas respectivas secretarias afins,
responsabilizariam por ampliar a base financeira habitacional através de créditos para
unidades populares, estimulando ao mesmo momento pesquisas científicas e
tecnológicas, proporcionando e facilitando assessoria técnicas para as auto-
150
construções, além de promover uma descentralização do poder decisório sobre os
recursos e implementações de tais programas.
Caberia aos municípios fazer os respectivos cadastramentos das áreas
públicas e privadas que serviriam de base para a elaboração dos planos, tanto para uma
reforma urbana ampla quanto para os ordenamentos habitacionais, constituindo
mecanismos de concessão de uso para evitar a especulação imobiliária, orientando
capitais para a produção de materiais de construção e fomentando o financiamento de
moradias mediante a regularização das terras ocupadas ilegalmente, lançando mão da
Lei Nº 10.257 de 10 de julho de 2001, Estatuto da Cidade, em sua Seção V - art.9º e
12º.
Deveriam, “em tese”, também ser tomadas diversas medidas paralelas,
como por exemplo a contextualização das propostas habitacionais do plano diretor, o
cumprimento austero do código de postura municipal, a definição de planos de uso do
solo, descentralização espacial das atividades terceárias, penalização da especulação,
hierarquização da estrutura viária e uma racionalização dos transportes coletivos com a
instituição de terminais de integração em áreas estratégicas, priorização dos
equipamentos e serviços urbanos e uma redefinição tecnológica em função das
crescentes demandas, etc.
Se os municípios não contam com uma base de objetivos concretos
para a solução integral dos problemas, suas ações continuarão sendo pontuais e seus
impactos no solo servirão para a sustentação e/ou manutenção dos processos de
reprodução do espaço urbano nas condições atuais, sendo que também se adiarão cada
vez mais suas soluções definitivas, o que implica diretamente no agravamento dos
problemas, em razão do que já fora citado, assim como pelas aceleradas transferência
das escalas e/ou responsabilidades sobre os problemas.
Os órgão públicos deveriam agir, também, no sentido de popularizar a
consciência ambiental, cumprindo e fazendo cumprir o Art. 225, 1º inciso VI da
151
Constituição Federal de 19881, bem como fiscalizar e punir severamente os abusos e
desvio de conduta que prejudiquem o ambiente coletivo. A promoção de eventos que
viessem premiar publicamente indivíduos e comunidades que cumprissem a suas
respectivas responsabilidades ambientais, também contribuiria para conscientização,
pois estimularia uma mudança de postura de uma população. Se aliarmos a tudo isso,
uma política agressiva de paisagismo, teremos um visibilidade no impacto positivo das
ações implementadas, bem como um aumento na auto estima coletiva (...)
Esse esforço, se implementado as ações mencionadas, faria com que
os governos atuassem em todos os francos do problema, desde a educação e
conscientização, isto é na prevenção; até a fiscalização e aplicação de penas, na
remediação; não abrindo mão da ampliação das políticas públicas intrínsecas à
questão.
No interior das comunidades, como a do Jardim Sevilha, isso deve ser
objeto de um trabalho exaustivo, com muita divulgação, campanhas educativas, e
austeridade àqueles que, de alguma forma, não contribua para a sanidade do ambiente
coletivo.
Um diagnóstico desanimador foi obtido quanto a organização
comunitária, o que demonstra o já a muito suspeitado: que os movimentos sociais
comunitários passam por um refluxo progressivo e uma grave crise de
representatividade; fenômeno que se reproduz nos demais segmentos dos movimentos
sociais desde a primeira metade da década dos anos 90.
Essa situação, falando especificamente dos movimentos de bairro, é
resultado de um gradativo processo de desgaste na imagem das instituições
representativas ante a opinião pública, somada a incapacidade de suas lideranças em
resolver as novas demandas que se apresentam com os mesmos métodos atuação. Se
exige hoje uma nova forma de atuação política, e as lideranças necessitariam de
apreender novas habilidades técnico-social para evoluir e/ou acompanhar as mudanças 1 Art. 225; 1º, inciso VI – Promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; (...)
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sociais do período, em que as relações com o Estado e os mecanismos de mobilização
teriam enfraquecido o poder de barganha dessas entidades. Somado a isso a grande
mídia, vende a ideologia do individualismo e da competitividade exacerbada,
impedindo uma unidade entre semelhantes a fim de resolver problemas comuns.
Promoção de pequenos eventos de confraternização, de cultura e
esporte que envolvesse as famílias da comunidade poderia servir tanto para aproximar
vizinhos, estreitando laços de amizade e empatia, quanto para “oxigenar” a
representatividade da entidade, sendo inclusive útil como política financeira da
entidade; o que resolve um outro problema o da autonomia e independência.
Contudo a autonomia só pode ser garantida segundo o desejo dos
líderes. Uma liderança com pouco tempo disponível e sérios problemas objetivos e
domésticos à ser solucionado está vulnerável à cooptação governamental e/ou político-
partidária, o que implica no atrelamento, engessamento e perca da identidade e
representatividade do movimento em questão. Um líder ideal para uma comunidade
carente seria uma pessoa já aposentada, decidida e como personalidade forte, tolerante
à diferenças e ao novo e com um forte sentimento altruísta, pois nesse perfil se somaria
tempo disponível, necessidades objetivas pelo menos parcialmente atendidas,
paciência e experiência de vida, virtudes estas imprescindíveis à causa popular...
Podemos concluir, por meio de uma “radiografia” geo-psicossocial,
que comunidades como a da favela vertical pesquisada existe milhares espalhadas por
este país; onde se amontoam várias de pessoas em espaço ínfimos, definindo uma
altíssima densidade demográfica a esses ambientes; num sistema de
superagromeração. É comum três ou mais famílias morarem num espaço de uma
residência.
Nestes apartamentos (ou barracos), tudo é enfeitado e pintado com
cores vivas (amarelo, azul, vermelho), assim como não faltam quantidade enorme de
quadros de artistas, santos e políticos. Especulamos que façam isso para amenizar e
“colorir” a própria pauperização, ou mesmo para valorizar o pouco que possui.
153
Numa favela existem pouquíssimos lugares para lazer, por isso os
moradores supervalorizam as ruas, e os bares. Enquanto uma família de classe média
ou rica tem medo do espaço externo a de suas casas, o favelado se sente o verdadeiro
dono da rua. A ocupação da rua revela o sentimento de liberdade, de descontração, de
“conforto” que muitas vezes no interior da casa não tem. Na rua da comunidade, se
fala uma linguagem coloquial, sem gramática, sem densidade de conteúdos e sem
correção, entretanto sem preconceito e discriminações, sendo esta repleta de uma
comunicação íntima, afetiva e direta...
Esse povo pobre se agarra na “carga” invisível da fé. Através da fé,
manifestada nos encontros semanais, nos cultos evangélicos, nas celebrações e
símbolos diversos de sua religiosidade, que o povo festeja e vivência a fraternidade
sonhada entre os homens e seus grupos, muitas vezes “impedida”, pelos instrumentos
ideológicos, de serem praticadas em seu quotidiano real.
Toda essa realidade pode ser minimizada com um pouco de esforço e
vontade política das autoridades constituídas, contudo só se resolveria de fato com
uma grande ação planejada, a curto, médio e longo prazo, em que o centro dos
esforços estivessem remetidos na (re)conquista da auto estima coletiva, na educação
massiva e qualificada e garantia de direitos básicos de toda a população, que implicaria
diretamente na conscientização de toda a sociedade; sendo que somente ela, como um
todo, é capaz de promover essa transformação revolucionária, no sentido cultural....
154
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