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MOVIMENTOS NO MEIO DO MUNDO: FOTOGRAFIA E MEMÓRIA NOS
REGISTROS DAS ATIVIDADES PORTUÁRIAS DOS MUNICÍPIOS DE
MACAPÁ E SANTANA/AMAPÁ1
Luciano Magnus de Araújo, UFRN/RN, UNIFAP/AP2
RESUMO:
O presente trabalho tem como objetivo discutir e registrar fotograficamente a dinâmica
do cotidiano dos portos existentes nos munícipios de Macapá (Igarapé das Mulheres e
Porto da Beira Rio) e Santana (Porto do Grego). Nesse sentido, o registro compõe um
duplo caminho: a produção de um ensaio fotográfico desses lugares tendo em vista a
geração posterior de depoimentos a partir das imagens, e mesmo entrevistas de usuários,
trabalhadores e habitantes em volta sobre a história do lugar, suas particularidades, seu
cotidiano. Memória, cotidiano e imagem fotográfica estão presentes na compreensão
teórico-metodológica da proposta. Serão observadas as dinâmicas cotidianas, o uso do
espaço, as temporalidades, as questões subjetivas, a poesia do ir e vir. A pessoa e o
coletivo, os equipamentos, são elementos essenciais para se captar a riqueza
antropológica desses lugares. A busca pelos sentidos do que/quem espera, chega e vai.
O porto aqui é entendido como lugar de comércio, de viagem, de movimentação de
cargas, de chegadas e partidas, de solidão e multidão. Por um viés poético, igualmente,
a pretensão é também captar a ligação entre a cidade e o rio e suas complexidades de
passagem.
PALAVRAS CHAVE: Porto; Fotografia; Memória; Cotidiano.
PRIMEIRAS PALAVRAS
A presente pesquisa é um estudo que busca trabalhar com elementos de
memória, fotografia, percepções do cotidiano no espaço de portos dos municípios de
Macapá e Santana, no estado do Amapá. A pesquisa ainda está em processo. Os
resultados parciais aqui apresentados demonstram ainda um caminho interessante no
tocante a captação de depoimentos que permitam montar quebra-cabeças
memorialísticos e recortes a partir das vivências do cotidiano por parte das pessoas que
fazem parte desses cotidianos. Como é sabido, informações oriundas por meio de
1 Trabalho apresentado no I Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, ralizado entre os
dias 04 e 06 de novembro de 2014, Belém/PA. 2 Antropólogo, professor do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amapá, mestre em
Ciências Sociais, LMA3@HOTMAIL.COM
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entrevistas demandam o ganho da confiança, que por sua vez exigem tempo. Aquilo que
aqui está registrado é parte do tanto do que consegui conquistar dessa confiança, nas
tardes e manhãs possíveis dedicados ao tempo que as pessoas me permitiram. A
pesquisa possui o viés etnográfico, de abordagem qualitativa, tendo falas e imagens seus
elementos de análise fundamentais.
UM PORTO QUALQUER: LUGAR DE IDAS E VINDAS E SEUS PERSONAGENS
Um porto é um lugar sui generis. Assim como lugar de idas e vindas, assim
como lugar de ninguém e cheio de pertencimentos. Se hoje vigoram os trânsitos via
estradas, o antes era o protagonismo das ferrovias, ou as viagens de barcos e navios.
Certo romantismo talvez tenha sido perdido. Certo tempo para se viver os cenários e
paisagens talvez mudado de natureza. Mas, ainda permanecem esses lugares, as
ferrovias, mesmo seu passado áureo no Brasil, já bem distante na memória. Os portos
por sua vez ainda guardam lugares fundamentais no cotidiano dos rincões brasileiros.
Onde há vida nas margens de um rio, na beira de mar, um porto permanece.
Uma característica de destaque das cidades do norte do Brasil é a vida ribeirinha. É
óbvia e comum a alusão que se faz aos rios como estradas, vias de deslocamento.
Conhecer as manhãs e particularidades das “estradas de águas” é para muitos o
cotidiano rico de vivências. Não há como não sensibilizar-se com as imagens da vida
ribeirinha, com essa relação de limites entre a água e a terra. Uma vida híbrida. E o
olhar caminha pela paisagem, tipos humanos, acontecimentos no burburinho de tudo.
Mas o porto, qualquer porto, é esse lugar síntese de muito. Uns mais outros
menos. O tempo no porto chama as idas e vindas; que chega o que vai. E nisso esses
lugares possuem vocações que é preciso que se esteja atento para bem observar.
Existem portos típicos para aportamentos de pessoas, outros para bens e mercadorias,
outros híbridos. Mas em síntese, ao menos no norte do Brasil, os portos são espaços de
primeira importância para a dinâmica do cotidiano.
Na paisagem amazônica o porto é uma entidade onipresente. E sua
representatividade se faz personagem indistinto diante de um cotidiano onde a relação
água-terra se dá de maneira complexa e potencial. Um porto, qualquer porto, é lugar de
memória, de lembranças do tempo que a cidade ou lugar era de tal maneira e passou a
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ser outro ao longo do tempo. O porto é importante peça nas percepções de como a
economia, a cultura e as ideias circulam numa localidade.
Aquilo que é um porto é feito por seus personagens. As pessoas que fazerm
esse cotidiano são peça fundamental. Os diretamente envolvidos no transporte de gente
e de bens em suas embarcações de dimensões as mais diferentes. O trabalho braçal
feito pelos que ficam em terra e que fazem o trabalho pesado de todos os dias. O
comércio no entorno que torna vivo, em suas mais diversas modalidades, o cotidiano
do lugar.
Cenário e pessoas num relação intrincada de sentidos e símbolos. O cotidiano
muitas vezes pode ser cifrado para quem vê de fora. Os arranjos e possibilidades, os
subentendidos, as falas claras, as entrelinhas da vida social. Assim diria que as
lembranças, a memória, o saber dizer sobre as coisas do lugar possuem um canto
específico na vida de cada pessoa. E assim podemos entender que
a rememoração pessoal situa-se na encruzilhada das malhas de solidariedade
múltiplas nas quais estamos engajados. Nada escapa à trama sincrônica da
existência social atual, e é da combinação desses elementos que pode emergir
esta forma que chamamos de lembrança, porque a traduzimos em linguagem
(HALBWACHS, 1990, p. 14 apud MAIA, THIESEN, CARVALHO, 2005,
p. 38).
Certamente essa sincronia, esse conviver, deve ser o ponto por onde se pode
partir para entender de que maneira o cotidiano portuário define modos de vidas e
percepções. A malha de elementos referidos acima traduz o complicado processo, e
acesso, para se equacionar qualquer entendimento sobre a assistematicidade do
cotidiano. Mas a tentativa permanece de procurar juntar as peças do quebra-cabeças no
sentido de formar uma imagem do possível.
Essa imagem possível, quando se fala de um porto, demanda contemplar não
somente o movimento das pessoas e coisas em suas idas e vindas relacionadas ao
contexto específico, mas é preciso também que se aponte o movimento da natureza,
suas particularidades, por exemplo, nas marés, a ação do homem modificando seu meio,
os indícios de poluição, a ação antrópica em seus graus e maneiras.
É possível ainda destacar certa identificação quando se fala de área portuária
nas cidades. Em geral o porto é visto como área onde se estabelece o perigo, por vezes o
lugar do negativo, e assim em meio as opiniões os estigmas ganham força. Mas é
preciso atentar como essas imagens tomaram força no entendimento coletivo, e que
lugar possuem que possa repercutir tais representações. Nesse sentido, o poder do que
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se constrói enquanto oralidade, enquanto meio de propagação de imagens, alegorias e
metáforas é algo a se destacar:
Um dos modos mais constantes, porém ilusórios, no qual as pessoas
entendem a si próprias é mostrando-se a si mesmas através de múltiplas
formas: contando histórias para elas mesmas; dramatizando reinvindicações
em rituais e outras encenações coletivas; interpretando verdades visíveis,
reais e desejadas sobre si mesmas e a significância de sua existência em
produções imaginativas e performáticas (MYERHOFF, 1986, p. 261 apud
LIMA, 2003, p. 31).
Certamente o contar sobre suas vidas portuárias de suas particularidades define
a natureza dessa imaginação, das subjetividades, que mesmo tímidas no início da fala
podem encontrar um veio para onde deixam seguir suas imagens mentais, suas
vivências em estado de graça quando a fala, a oralidade é o meio justo e valoroso. Nesse
sentido, impulsionar, provocar essas falas nem sempre é um trabalho fácil. Houve
quem, no momento da pesquisa, se deu muito facilmente para contar o que viveu e
observou em tantos anos de trabalho e vivência nos lugares pesquisados. Por outro lado,
alguns foram bem cheios de lacunas. Feito um pensamento recortado iam até certo
ponto, talvez até onde a confiança permitisse. Ou mesmo até onde os motivos para
rememorar tinham alcançavam seu limiar de vigor. Assim feito lembrar e esquecer. E
havia momentos que esse ir ao lugar das lembranças parecia algo mágico e que num
momento, quase como se acordasse de um susto voltava-se a realidade. Houve quem
assim dissesse: “Mas isso é coisa do passado, conversa velha, o hoje é o que
importante” (fala da senhora Maria da Conceição)3.
Ainda assim insistia, mas pra senhora qual a importância desse porto aqui (o
Igarapé da Mulheres): “ora, aqui foi onde eu pude criar meus filhos, mesmo sendo
mulher, aqui foi onde eu consegui. E se fosse pra fazer de novo...” E assim se perde na
fala. Na lembrança? Na memória? Onde?...
O COTIDIANO ÀS MARGENS NOS PORTOS DE MACAPÁ E SANTANA: DOIS
CASOS
O cotidiano e seu tempo. Segundo Pais (2003, p. 47)
Tomem-se as falas do quotidiano como matéria-prima do conhecimento, num
processo de transfiguração semelhante ao do poeta que transfigura as
palavras do dia a dia em poesia. A fonte primária de todo o conhecimento é o
quotidiano, é o vivido. E, porque a realidade quotidiana me deixa lugar a
3 Entrevista feita em 10/10/2014. Todas as outras entrevistas foram feiras entre agosto e outrubro de 2014.
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realidades fluidas que se cruzam em movimentos contrários e contraditórios
(...)
É essa a força do cotidiano que interessa, o vivido, o contrário e o contraditório
como condições para que o observar seja provocado. As visões de quem observa o
cotidiano são de natureza a mostrar inquietação. É preciso flanar, é preciso se dispor, é
preciso estar em meio, alheio, dado ao lugar. Que existam mediações teóricas,
conceituais, mas que sejam de certa forma dirimidas para sentir os cheiros, os áres, os
passantes materiais e imateriais, as descobertas; deixar-se levar pelo caminho e o
descaminho, ter coragem pra fazer a pergunta: posso fotografar? E receber um não
seco, limpo como a verdade, e cheio de significado. Mas seria uma fotografia de
primeira! Mas não foi, não será.
Nesse sentido, vamos aos lugares.
O porto chamado Igarapé das Mulheres está situado no bairro Nossa Senhora
do Perpetuo Socorro, bairro de Macapá. O lugar destaca-se por alguns pontos e
demandas recentes e antigas bem interessantes. No passado, segundo Rodrigues (2014)
No antigo Igarapé das Mulheres, situado na orla da cidade de Macapá, e o
que representa o atual bairro Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Nesse
local, na década de 40, inicio do Território do Amapá, as mulheres lavavam
as roupas da família e tomavam confortáveis banhos, ficando de guarda uma
mulher com uma espingarda, chamada de Lazarina, para o caso da
aproximação de alguém do “sexo feio” (nome que, no século passado, eram
tratados os homens nos festejos do Marabaixo) para espiá-las na hora do
banho. A importância do antigo bairro reside em três fatores que devem ser
levados em conta: o cultural, o econômico e o religioso.
O aspecto cultural se caracteriza pela frequência inicial de vários regatões
que vinham, da Ilha do Pará, muitos conduzindo famílias, tanto para mudança
definitiva ao local, como também para negociações de gêneros alimentícios.
Os regatões chegavam, e enquanto os homens desembarcavam as
mercadorias e especiarias (frutas, raízes, e produtos da cidade de Belém), as
mulheres passavam a fazer amizade com as mulheres da cidade, que lavavam
roupas todas as manhãs na orla, e nesse bate-papo elas passavam as últimas
novidades. Essas notícias eram passadas aos maridos quando vinham do
trabalho, e estes compartilhavam-nas com outros cavalheiros que, todas as
manhãs, tinham seu ponto obrigatório numa espécie de “Clip Bar”, situado
em frente ao Mercado Central, próximo à Fortaleza. Assim, a cidade ficava
sabendo das novidades.
Economicamente, a importância do Igarapé das Mulheres era em razão das
mercadorias que vinham, em regatões da região das Ilhas, e eram
desembarcadas na Beira. Parte delas, constituída de frutas (melancias,
goiabas, bacabas, açaí, pupunha, graviola, biriba, etc), raízes (mandioca,
macaxeira, batata-doce, cará) e produtos oriundos das mercearias de Belém e
Breves (açúcar, arroz, condimentos como pimenta do reino e cuminho etc),
assim como produtos de lojas (vestuário, maquiagem etc).
Todos esses produtos abasteciam o mercado local. Parte deles era negociada
na própria embarcação, com vários atravessadores que compravam “a
grosso”, e outra parte levada para o Mercado Central de Macapá, onde era
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negociada “a varejo”. Assim foi o comércio de Macapá se estruturando,
tomando como base o Igarapé das Mulheres.
Aquilo que se modificou ou permaneceu ao longo do tempo pode ser
observado levando em consideração no longo trecho que caracterizava o Igarapé das
Mulheres em tempos idos. Os mesmo movimento de barcos, a dinâmica no comércio de
frutas, raízes e outros produtos. No entanto, outra práticas foram ficando defasadas ao
longo do tempo. O Igarapé das Muheres já não possui tanto protagonismo assim. Outros
pontos de comércio na cidade de Macapá tomaram a dianteira nos processo econômicos.
O porto recentemento foi beneficiado com a implantação de um mercado para
comercialização dos produtos pesqueiros. Às tarde o mercado esteva sempre fechado,
abrindo pela manhã. Em torno do porto situam-se comércios que vendem frutas
verduras, cereais. É possível encontrar também amontoados de melâncias fora desses
comércios, no entorno do igarapé, sob esteiras, denunciando, segundo reforço da fala de
sr. Manoel, comerciante há mais de quinze anos, das ações erradas da prefeitura em
obrigarem a retirada das barracas. Segundo o sr. Manoel,
derrubaram as barracas. A gente paga a licença, mas derrubaram. Mas a gente
não vai aguentar, não tem quem resista uma quentura dessas. Eu trabalho a
mais de quinze anos aqui e eles agora acham de fazer isso.
Sobre a preocupação com os produtos que vende o sr. Manoel é taxativo:
Nos produzimos e também compramos (melancia) do pessoa de fora. A gente
auxilia o produtor. Os barcos chegam, e trouxe duas mil melancias e divide
porque só um não pode ficar, não tem condição porque primeiramente o
seguinte, se eu deixar uma melancia dessa aqui pegar muito sol ela vai fazer
mal ao consumidor. Eu queria que viesse alguém aqui pra ver isso.
Na tentativa de remomorar com era o Igarapé das Mulheres, o sr. Manoel
aponta:
Aqui não tinha nada, era só aningal. Isso aqui foi feito no único governo que
trabalhou, o de Barcellos, ele construiu isso aqui. Olha e tá caindo desse jeito
(em referencia a um buraco na via do porto, afundamento de piso) esse
buraco aqui, já veio uma quinhentas vezes televisão filmar e ninguém veio
fazer nada. Esse igarapé aqui pra cavarem...e agora querem prejudicar as
pessoas que estão querendo trabalhar aqui. Quem trabalha, eu não sou
aposentado, tenho 61 anos, moro bem próximo a igreja e tenho que trabalhar.
Refletindo sobre a natureza da pesquisa depois de perguntar porque estava
sendo entrevistado. Foi explicado pela segunda vez o motivo da pesquisa e o sr. Manoel
define:
Isso é muito bom, tendo alguém que fale pela gente, porque os pequenino
não tem nem direito de falar, sabe como é. Só os grandes podem. Eu acho
uma ingratidão, não é só nós aqui, do outro lado é a mesma coisa. Ai o que
a gente tem que fazer? Os canoeiros vão se reunir aqui pra fazer um
protesto contra o prefeito, porque isso aqui nunca empatou nada, as
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barraquinhas eram pequenas, é só de madeira e cobertazinha, não tem mais
nada. Ai quando chega nós deixa tudo limpinho de novo, todos os anos a
gente faz isso. Esse agora (o prefeito Clesio) achou de fazer isso. Ai se não
tiver quem compre as melancias dos canoeiros, que vm muito quando chega
a safra, ele não tem pra quem vender, que nós é que recebemos a melancia
dele. Ela vem da região de Gurijuba, da Cariana, de todos os lugares vem.
Mas a gente não vai colocar na pedra senão vai estragar.
Nesse ponto desta-se reclamação que se repete em outra falas. A ação da
prefeitura foi, segundo os entrevistados, algo que veio a tornar as condições de trabalho
no Igarapé das Mulheres insustentável a médio e longo prazos caso não sejam tomadas
providências rapidamente. Nesse sentido a fala de outro comerciante reforça a falta de
pericia por parte da prefeitura. Segundo o sr. Dênis,
O movimento diminuiu, caiu mesmo, não foi cavado o igarapé. O igarapé taí,
até essas catraias aí tem dificuldades quando a água tá de quebra como hoje,
eles tem dificuldades, assim não entra nem catraia. Nós pra tirar a mercadoria
temos que is pro Jandiá, tem que ir pra Fortaleza, e tirar a melancia, a banana
no caminhão e trazer pra cá. Encarece tudo. Mudou pra pior.
Nesse sentido observa-se o descompasso entre prática do governo em relação
ao cotidiano das atividades dos que fazem o porto. Em outros trechos das entrevistas o
lugar da memória, das lembranças deu lugar a indignação de não se ter as mínimas
condições de trabalhao atendidas. Mas ainda assim, obstinadamente os comerciantes
estão na pedra, procurando comercializar seus produtos.
Nesse dias de calor no Amapá (mês de outubro). Dificil é não se fatigar.
Nesses dias de sol à pino o Igarapé das Mulheres é um lugar pouco frequentado,
principalmente às tardes.
O Porto do Grego está localizado no município de Santana. Ao contrário do
que foi observado no Igarapé das Mulheres, aqui o movimento é intenso. Mercadorias e
pessoas são os motivos cotidianos do porto. Nas vezes que fiz a pesquisa de campo
observei os tipos humanos que fazem parte desse mundo de idas e vindas. São os
carregadores, que na informalidade enchem seus carrinhos do tudo que vem de outras
localidades, de produtos eletrônicos, frutas, verduras, peças para automóveis...
Se No Igarape das Mulheres foi recorrente a alusão a necessidade de
aprofundamento do igarapé para aportamento das embarcações independente da quebra
mar, no Porto do Grego esse problema não impede as práticas comerciais ou o trânsito
de passageiros. Às margens do rio Amazonas, o Porto do Grego é
um trapiche particular que recebe embarcações de pequeno e médio calado.
Possui um pequeno estaleiro para concerto de embarcações, um trapiche
flutuante (02 balsas metálicas de tamanhos 35x9m e 28x9m, 01 balsa de
madeira de tamanho 18x9m) que recebe embarcações de passageiros
(PORTO, 1999, p. 63)
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Por ser um porto particular foi possível perceber nas entrevistas recorrente
reclamação: as altas taxas cobradas para retira de produtos. Segundo um dos usuários do
porto, sr. Almir, “é o único porto que é mais seguro, e o mais caro, tem um pouco mais
de segurança, mas o preço é absurdo. Porque qualquer mercadoria que entra é cobrada
uma taxa absurda e aí encarece o produto. Ai pro estado é ruim”.
Tratando de aspectos que remontam a história do lugar, o sr. Vicenildo,
encarregado do porto há dezessete anos afirma que:
Antes tinha muito movimento, tinhas muitos navios, traziam muita carga, o
movimento era praticamente direto. Hoje não, é só quando chega, e bem
poucos. Chegou aí agorinha um barco e já terminou o movimento. Essa
mudança já começou faz uns dez anos. Os passageiros quando embarcavam
aqui faziam fila pra embarcar. A fila dobrava ali, hoje em dia não se vê mais
isso. Talvez por outras opções de viagem.
É importante frisar que esse movimento pouco que o sr. Vicenildo faz alusão
certamente remete a tempos quando o porto não tinha concorrência de outros meios de
transporte. De certa forma hoje já há certa popularização do meio aéreo nos trajetos de
Macapá-Belém e resto do pais. Ainda que a viagem fluvial seja um dos meios mais
procurados. Mesmo nas tardes quando ocorreram as pesquisa de campo foi possível
observar certo movimento, certamente não o mesmo dos tempos áureos apontados pelo
encarregado do porto.
OBSERVAÇÕES NO BALANÇAR DE REDES...
Para alguns pode ser uma espera prazerosa, para outros, outras, deixar é
alongar os fios da saudade. Quem observa o movimento dos dois portos onde se deu a
pesquisa pode muito bem observar duas naturezas de movimentos. O Igarapé das
Mulheres é muito mais uma localidade de aportamento de mercadorias vindas de outros
municípios, até mesmo do estado vizinho, Pará. Alí chegam gêneros de
hortifrutigranjeiro que representam a sazonalidade da região. Já no Porto do Grego é
possível observar mais diversidade e movimento. Destacando em específico o
movimento das pessoas.
O movimento de espera de saída das embarcações se alia a outra formas de
estar. A rede armada, seja solitário, em família ou grupo, o tempo passa na paciência de
outra contagem. Parece até que esse esperar de antes da viagem propriamente já deve
ser uma preparação ao ritmo da viagem nas águas.
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IMAGENS EM VOLTA
O Igarapé das Mulheres
Sol à pino e os pombos...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
...e Seu Manoel e as melâncias ao sol...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
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...tudo é movimento parado em meio...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
...da mesma natureza que todo dia...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
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...no desafio de relacionar ontem e hoje...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
...os de terra e os da água...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
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...maré cheia ou água de quebra...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
...assim como todos podem viver...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
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...uns nos auxílios de outros...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
...da dormência ou na atividade...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
14
...pedindo via de passagem...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
O Porto do Grego
A calma parente de uma tarde...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
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...E o movimento vai sendo descoberto...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
...Onde as pessoas fazem o lugar...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
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...e mais vem vindo de lá...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
...juntado-se aos que cá estão...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
17
...na perspectiva do espaço-tempo...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
...no esforço, na lida de todo dia, pro alimento chegar...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
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...nisso que é chegar e ir...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
...no choro de despedida de quem não quer se mostrar...
Foto: Luciano Araújo (Outubro, 2014)
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(IN) CONCLUSÕES
Um trabalho dessa natureza se define por olhares, conversas, observações
entendimentos. Nada foi concluído a não ser a necessidade de registrar, buscar conhecer
mais, investigar a realidade, o cotidiano. Dar voz aos pequenos, como disse Seu
Manoel, para quem sabe se tornem grandes em suas vivências.
É preciso sair do conforto da biblioteca, da sala de aula, e ir a campo, perceber
as dificuldades que as pessoas vivem para construir suas realidades.
E sobre o ato de fotografar, fico com aquilo que disse Susan Sontag (2004, p. 21)
uma foto não é apenas o resultado de um encontro entre um evento e um
fotografo; tirar fotos é um evento em si mesmo, e dotado dos direitos mais
categóricos – intervir, invadir ou ignorar, não importa o que estiver
acontecendo
Nesse sentido, sinto o direito de realizar tudo ao mesmo tempo quando no
momento da câmera a olhar para os portos em questão. De maneira a ver o mundo que
me vê...
REFERÊNCIAS
LIMA, Nei Clara. Narrativas orais: uma poética da vida social. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2003.
PAIS, José Machado. Vida cotidiana: enigmas e revelações. São Paulo: Cortez, 2003.
PORTO, Jadson; COSTA, Manoel. A área de livre comércio de Macapá e Santana:
questões geoeconômicas. Macapá: O Dia S.A., 1999.
RODRIGUES, Edgar. Igarapé das Mulheres, um dos bairros mais antigos de
Macapá. Disponível em: http://edgar-amapa.blogspot.com.br/2011/12/igarape-das-
mulheres-um-dos-bairros.html Acesso em: 15 out 2014
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
THIESEN, Icléia; BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcanti; SANTANA, Marco
Aurélio (orgs.) Vozes do Porto: memória e história oral. Rio de Janeiro: DP&A
Editora, Uni-Rio, 2005.