Post on 09-Jan-2017
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ-UECE
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS- CESA
MESTRADO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
CARLOS RUBENS GARCIA ALVES
MUSICALIDADE, CULTURA E UMA SOCIOLOGIA DA PRODUÇÃO
ARTÍSTICO-MUSICAL DO BLUES CEARENSE.
FORTALEZA
2015
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CARLOS RUBENS GARCIA ALVES
MUSICALIDADE, CULTURA E UMA SOCIOLOGIA DA PRODUÇÃO
ARTÍSTICO-MUSICAL DO BLUES CEARENSE.
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado Acadêmico de Políticas Públicas e
Sociedade, da Universidade Estadual do
Ceará-UECE, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Políticas
Públicas e Sociedade.
Orientadora: Professora Drª Kadma Marques
Rodrigues
3
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Sistema de Bibliotecas
Alves, Carlos Rubens Garcia Alves.
Musicalidade, Cultura e uma Sociologia da Produção Artístico-
Musical Cearense.
[recurso eletrônico] / Carlos Rubens Garcia Alves.
– 2015.
1 CD-ROM: il.; 4 ½ pol.
CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho
acadêmico com 97 folhas, acondicionado em caixa de DVD
Slim (19 x 14 cm x 7 mm).
Dissertação (mestrado acadêmico) – Universidade
Estadual do Ceará, Centro de Estudos Sociais Aplicados,
Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade,
Fortaleza, 2015.
Área de concentração: Políticas Públicas e
Sociedade. Orientação: Prof (A). PHD. Kadma Marques Rodrigues.
1.Sociologia. 2. Urbano. 3. Arte. 4. Cultura. I.
Título.
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AGRADECIMENTOS
Continuo agradecendo primeiramente “ essa força cósmica que rege o
mundo (seja ele proveniente da natureza, da música, de Cristo, Alá, Orixás ou
Buda). Por estar inserido na loucura cotidiana que é produzir e ser produzido
pelo(s) saber(es).
Dedico aos meus pais Raimundo Lino Alves e Maria Garcia Alves.
Referências em TUDO ao mais simples olhar.
Também agradeço a Yara Maria Bernardes Monteiro. Amor, refúgio,
dedicação, sabedoria... Mulher na mais completa e linda interpretação do
termo.
Agradeço também a todos aqueles que fazem parte da Cena Blues de
Fortaleza. Obrigado por contribuírem para concepção/ fruição do trabalho e
também para a afirmação de como a realidade de qualquer pesquisa é múltipla.
Agradeço a minha Orientadora Kadma Marques Rodrigues, pela
gentileza de acreditar na ideia da pesquisa. Aos professores Pedro Rogério e
Anne Sophie pelas valiosas contribuições.
A todos os amigos e amigas que de formas variadas tornam a vida
mais leve tanto nos dias de luta, como nos dias de glória. Eles e elas sabem.
Já prevejo o sorriso e a cobrança de não terem sido citados. Não há
necessidade. Estarão comigo sempre. Incondicionalmente.
Agradeço a agência de fomento CAPES pela bolsa de pesquisa que
propiciou o trabalho.
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RESUMO
Este trabalho objetiva analisar a dinâmica cultural provocada pelo gênero musical blues na
cidade de Fortaleza. Tem como indícios para a reflexão a confrontação dos discursos dos
agentes que divulgam o estilo na cidade a partir da Associação Casa do Blues1, e os elementos
valorativos que constituem a formação de público. Do ponto de vista metodológico foi realizado
o trabalho de campo que consistiu em: a) observação dos eventos e shows promovidos pelas
bandas de blues em espaços públicos e privados da cidade de Fortaleza, complementados por
entrevistas semiestruturadas, b) captação de registros audiovisuais e, c) anotações em diário de
campo. Do ponto de vista teórico, categorias como “racionalidade musical” presente na obra de
Max Weber, “mundo da arte” de Howard Becker e aquela de “campo”, elaborada por Pierre
Bourdieu, têm subsidiado a compreensão de processos de identificação cultural e de aderência a
símbolos de distinção manifestos pelo público, o qual tem a musicalidade como substrato para a
combinação prática desses elementos.
Palavras Chaves: blues, Cultura, arte, cidade, sociabilidade.
1 Em meados do ano de 2008 tem origem o Circuito Casa do Blues, O projeto surgiu a partir do encontro das bandas
de blues e já conta com apoio da Prefeitura de Fortaleza para realização de shows com bandas locais. Segundo seus
idealizadores, o evento é “uma reunião festiva das bandas de blues de Fortaleza, trazendo para o público da Cidade
uma opção acessível de diversão”. A programação acontece aos sábados nos principais bairros de cada secretaria
executiva regional da cidade; e a partir dessa reunião é possível identificar a transformação dos espaços urbanos
(praças da cidade) em palcos para apresentações musicais.
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ABSTRACT
This paper aims to analyze the cultural dynamics caused by the blues genre in Fortaleza. Its
indications for reflection confrontation of the discourses of the agents that disseminate the style
in the city from the Association House of Blues, and evaluative elements of the public training.
From a methodological point of view was conducted fieldwork consisting of: a) observation of
events and concerts promoted by blues bands in private and public spaces of the city of
Fortaleza, complemented by semi-structured interviews, b) capture of audiovisual records, c)
notes in a field diary. From a theoretical point of view, categories such as "Music rationality"
present in the work of Max Weber, "art world" of Howard Becker and that of "field", made by
Pierre Bourdieu, have supported the understanding of cultural identification processes and
symbols manifest adhesion to distinguish the public, which has the musicality as a substrate for
practical combination of these elements.
Key Words: Blues Culture, art, city, sociability
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LISTA DE IMAGENS
Figura 1– Logotipo Peixe Frito Blues Clube........................................................................8
Figura: 2- Musico de Blues Kazane.....................................................................................8
Figura 3: Kazane e Sub Blues.............................................................................................9
Figura 4-Encarte do CD Blues Ceará..................................................................................10
Figura 5: Cartaz promocional House Blues.........................................................................11
Figura 6: Casa do Blues......................................................................................................11
Figura 7: Festival Jazz e Blues de Guaramiranga...............................................................15
Figura 8: Festival Canoa Blues............................................................................................16
Figura 9: Circuito Casa do Blues/ Mercado Joaquim Távora..............................................18
Figura 10: Cartaz Promocional/ Circuito Casa do Blues......................................................18
Figura 11: Espaço Casa do Blues/ Benfica..........................................................................19
Figura 12: Casa do Blues/ Estoril.........................................................................................21
Figura 13: Circuito Casa do Blues/ Parque Adahil Barreto..................................................23
Figura 14: Cartaz Promocional/ Allysson dos Anjos.............................................................26
Figura 15: Subcultura Punk..................................................................................................40
Figura 16: Ted Boys.............................................................................................................41
Figura 17: Tributo a Roberth Johnson..................................................................................53
Figura 18: Cartaz Promocional/ Banda In Blues...................................................................54
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................................4
1. BLUES: ORIGENS E PROCESSOS MUSICAIS....................................................................13
1.1 Os primeiros ícones do blues.........................................................................................17
1.2 Blues e a musicalidade como expressão cultural................................................................ 20
1.3. A Expansão do mercado cultural do Blues nas cidades..................................................23
1.4 A consolidação do blues nas grandes cidades.....................................................................28
2. O SURGIMENTO DO ROCK-BLUES BRASILEIRO..............................................................32
2.1 O blues no Ceará.................................................................................................................36
2.2 O Festival Jazz e Blues de Guaramiranga...........................................................................41
2.3 A Associação Casa do Blues................................................................................................44
2.4 O Blues no Estoril.............................................................................................................47
3. A CIDADE MUSICAL: PERSPECTIVAS EM TORNO DA MUSICALIDADE BLUES...........50
3.1 Contextualização das Políticas Culturais e sua relação com o blues cearense..................52
3.2. A influência do Capital Cultural na Formação de Públicos...................................................56
3.3 A racionalidade estética: uma análise do blues a partir da sociologia da arte......................60
4. PERSPECTIVAS DA ANÁLISE DA MUSICA POPULAR: ESCOLA DE FRANKFURT E A
INDÚSTRIA CULTURAL..................................................................................................... 63
4.1. Howard Becker e o contexto do Jazz em Chicago.............................................................65
4.2 A música popular e uma análise a partir da perspectiva das cenas.....................................67
4.3 A Emergência das Subculturas.............................................................................................67 5. MUSICA E ESPAÇO URBANO: UMA INDICAÇÃO DE ANÁLISE A PARTIR DAS
CENAS..............................................................................................................................71
5.1 As cenas Urbanas.........................................................................................................74 5.2 Os sujeitos do Blues e o espaço urbano.......................................................................,,,,,,,76
5.3. Sociologia da musica a partir do “ Mundo da Arte”..................................... ........................77
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................84
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................89
11
“A Maior riqueza do homem é sua incompletude. Nesse
ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou - eu
não aceito. Não aguento ser apenas um sujeito que abre
portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra
pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc. Perdoai. Mas eu preciso ser outros. Eu
penso renovar o homem usando borboletas.”
Manoel de Barros
12
INTRODUÇÃO:
A delimitação de um objeto sempre é marcada por tensões. O
pesquisador, envolto em seu contexto de análise tende a captar tudo aquilo
que é “sentido” em campo em formato de dado pesquisado.
Max Weber, já afirmou que a o pesquisador tem acesso apenas a uma
dentre varias interpretações possíveis de todo fenômeno. Embora a delimitação
do objeto seja importante seja uma tarefa difícil, ela é importante, pois a
delimitação tem impactos na metodologia e na “logística” da pesquisa.
Assim, segui demarcando fatos, elegendo possibilidades, delimitando
perspectivas que buscavam tornar claro aquilo que me propus a analisar de
forma sistemática.
Primeiramente esse trabalhou resultou na elaboração da monografia
intitulada Blues Cultura e Sociabilidade Urbana: uma análise Antropológica de
seu percurso na Cidade de Fortaleza. No intuito de construir a monografia, fui
selecionando os fatores relevantes e os conceitos para a pesquisa: formação
de movimentos identitários por meio da musica, etnomusicologia, distinção
cultural, sociabilidades urbanas, dentre outros conceitos.
No entanto, selecionar implica em deixar “de fora” aquilo que não
“serve” no momento para os objetivos, pois sempre é necessário delimitar o
conhecimento na tentativa de se conceber um trabalho científico.
Em seguida, partindo dessa premissa, pensei em inverter a lógica que
utilizei para a monografia, passando a buscar, aquilo que não foi “selecionado”
para esse objetivo. Diante disso, passei a pensar nesse percurso cientifico,
naquilo que não foi registrado de uma forma mais objetiva, como uma
etnografia desses espaços e das relações sociais envolvidas em torno dos
grupos que consumiam um estilo musical e cultural “distinto” na cidade2.
2 Tanto em Fortaleza, como em Canoa Quebrada, ou principalmente o Festival de Jazz e Blues de Guaramiranga, existia certo “status”, uma distinção cultural em torno das pessoas que participavam do evento, para exemplificar, cito a propaganda do Festival jazz e Blues de Guaramiranga 2013, onde a imagem de uma cidade da “boa musica” é bastante explorada: http://www.youtube.com/watch?v=jV8IXYtB8_U
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Na pesquisa monográfica visitei também os lugares públicos e privados
em Fortaleza que promoviam o estilo musical do Blues3. Esses espaços, estão
situados frequentemente na parte Leste da cidade e esse foi um dos primeiros
fatores que me intrigaram como pesquisador: a maioria dos equipamentos,
ditos “culturais” da cidade, bem como as apresentações de seus principais
artistas privilegiavam a parte mais “nobre” ( no sentido subjetivo e de maior
consumo) de Fortaleza.
Nesses espaços existia certa simbologia peculiar dos grupos que
frequentavam os eventos, geralmente, sujeitos bem diferentes do meu contexto
sócio econômico, tanto em termos de consumo, como na linguagem, nas
roupas, nos modos de se comportar, na maneira de “curtir uma boa musica”4.
Esses dados representavam um obstáculo à pesquisa: na maioria das
vezes tive que me adequar aos espaços, mudar minhas vestimentas, adequar
meu vocabulário, consumir aquilo que era proposto pelos espaços, não no
sentido de querer me tornar “um deles”, mas sim de me aproximar daquilo que
era partilhado pelos grupos que frequentavam esses espaços.
Logo, me vi adentrando um universo até então pensava conhecer. Um
universo onde existe certo consumo cultural diferenciado, com padrões de
comportamento próprios, símbolos e distinções culturais que são estruturantes
e estruturados por toda uma cadeia que é formada pelo espaço físico, pelos
frequentadores e por aquilo que era produzido em torno do Blues como
manifestação cultural.
3 Alguns pesquisadores colocam o Blues como oriundo das “Worksongs” (canções de trabalho) entoadas
pelos negros nas fazendas de algodão, principalmente nos campos do sul dos Estados Unidos. Segundo Hobsbawm: “o ponto importante a respeito do Blues é que ele marca uma evolução não apenas musical, mas também social: o aparecimento de uma forma particular de canção, comentando a vida cotidiana (Hobsbawn, (1989, p.66). Essa caracterização do Blues é colocada no sentido de dar maiores subsídios ao entendimento conceitual do estilo.
4 O gênero musical Blues é citado tanto pelos artistas como por aqueles que veiculam o estilo (Público, produtores, radialistas, proprietários de bares, jornalistas, critica especializada) como uma musica de “qualidade”. Na pesquisa monográfica é um dos fatores que mais se sobressaem no tocante a sua distinção cultural como estilo musical. È através do fortalecimento desse conceito que o Blues e seus agentes adentram nos espaços mais “elitizados” da cidade.
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O pesquisador argentino, Nestor Garcia Canclini (2001), na obra
“Consumidores e Cidadãos”, afirma que o consumo pode ser interpretado como
um "conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e
os usos dos produtos". Dessa forma, o ato de consumir não passaria apenas
pela dimensão individual do gosto ou da afinidade, pois o consumo seria um
espaço privilegiado pela interação social. Logo, o consumo vai além das
questões ligadas ao “mundo das necessidades” haja vista que contempla a
dimensão das distinções culturais.
No entanto, o consumo não é realizado apenas para estimular a
fragmentação social. Para Canclini, o consumo não é um espaço apenas da
distinção, haja vista que no momento em que consumimos, nos “conectamos” a
contextos de integração e de trocas simbólicas na sociedade.
Consumir, nesse sentido, também se manifesta como uma relação de
pertencimento por meio de práticas culturais e sociais inerentes a essa ação.
Dessa forma, o consumo vai além das questões econômicas ( troca de
mercadorias) tornando-se um espaço profundamente marcado por questões
simbólicas e culturais.
Diante disso, meu objeto de pesquisa para o mestrado, passa por uma
etnografia dos espaços e das formas de sociabilidade que tem como
característica um consumo cultural “diferenciado” na cidade de Fortaleza por
meio do movimento cultural do blues.
O referido trabalho objetiva uma análise sobre a “movimentação
cultural” do gênero musical blues na cidade de Fortaleza. Tendo como indícios
para a reflexão os discursos dos agentes que divulgam o estilo na cidade, bem
como os elementos valorativos que constituem a formação de público.
Do ponto de vista etnográfico foi realizado: a) trabalho de campo, que
consiste na observação dos eventos e shows promovidos pelas bandas de
blues nos espaços públicos e privados da cidade, complementada por
entrevistas semiestruturadas, b) captação de registros audiovisuais e, c)
anotações em diário de campo.
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Do ponto de vista teórico, categorias como “racionalidade musical”
presente na obra de Max Weber, “mundo da arte” de Howard Becker e aquela
de “campo”, elaborada por Pierre Bourdieu, têm subsidiado a compreensão de
processos de identificação cultural e de aderência a símbolos de distinção
manifestos pelo público, o qual tem a musicalidade como substrato para a
combinação prática desses elementos.
Outro fator preponderante na pesquisa está inserido na análise da
relação entre a politica cultural da cidade e o movimento cultural (Associação
Casa Do Blues).
Busco compreender assim esse acontecimento mediante a
investigação das formas pelas quais os agentes organizam seus discursos
sobre sua própria produção cultural, mas também analisando as
movimentações que poderíamos entender como de “formação de públicos”,
evidenciando produções e consumos culturais distintos em nossa cidade.
16
1. BLUES: ORIGENS CULTURAIS E PROCESSOS MUSICAIS
O blues (em termos técnicos) pode ser definido como uma performance
vocal e/ou instrumental que se vale de notas musicais definidas por uma
frequência baixa, evitando notas de escala maior, por meio de uma estrutura
sonora que se repete ao longo da canção. Entretanto, a concepção dessa
musicalidade também pode ser compreendida pela própria significação do
termo “blues” que caracteriza um ritmo “melancólico” e de “lamento” que
estabelece uma relação direta com o contexto social em que a população
negra estava inserida.
Tendo como contexto, as fazendas de algodão do sul dos Estados
Unidos ( Alabama, Mississipi, Louisiana e Geórgia) do final do séc. XIX; em sua
origem, o blues era utilizado como um instrumento cultural de “fuga” perante o
sistema escravista estabelecido.
Nesse sentido, a população negra, passava por um processo de
privação que se estendia até mesmo à confecção de instrumentos musicais de
percussão ou sopro ( peculiares da cultura africana), dessa forma restando,
como recurso, apenas a utilização da voz. De acordo com Hobsbawm: “o
ponto importante a respeito do Blues é que ele marca uma evolução não
apenas musical, mas também social: o aparecimento de uma forma particular
de canção, comentando a vida cotidiana” (Hobsbawn, (1989, p.66)).
O entendimento acerca dos fatores sociais relacionados a concepção
da musicalidade blues tem origem no período escravagista. Nesse contexto, o
tráfico de africanos estabelecido pelos americanos com o intuito de “abastecer”
esse sistema social vigente ( compreendido entre os séculos XVI e XVII) era
legitimado pela crença na inexistência de seres humanos com pigmentações
de pele distintas. Essa crença, tornava a cor “branca” o parâmetro definidor de
espécies e subespécies, como assim concorda Santos ( 1980, p. 52)
“pretos, mestiços e índios eram vistos, naquele tempo, como
raças. Eram vistos como subespécies. Mulato é apenas uma
derivação linguística de mula; quanto aos índios, os teólogos
discutiram mais de cem anos se eles teriam ou não uma alma”.
17
Apenas a partir do início do séc. XX a ideia totalitária de subespécie
passa a ser questionada pelos estudos da Escola de Chicago5, em especial,
por Franz Boas, que defendia a tese na qual o estado mental dos imigrantes
não estavam relacionados à problemas de ordem fisiológica, mas sim, às
alterações advindas do contexto social. Subtraídos de seus lugares de origem,
a população africana adotou novas formas de convivência. Proibidos de
exercerem seus ritos originais, ocultaram e reformularam suas práticas
tradicionais no intuito de assim, expressarem sua cultura.
A proibição, principalmente dos cantos, batuques e dos ritos religiosos,
era utilizada como um mecanismo que visava impedir a comunicação entre as
diversas etnias de escravos inseridos nesse contexto; uma vez que essa ação,
poderia facilitar e promover a organização de movimentos de resistência contra
a ordem estabelecida. Para Muggiati (1995, p.9), “os brancos receavam que
pudessem ser usados como um código, incitando a rebelião”. E esse era um
dos principais medos, se não o “maior” receio dos senhores: a comunicação
entre os diversos grupos de escravos dispersos, já que em muitos locais
sustentados pelo sistema escravagista, os africanos eram a maioria da
população.
No contexto do sistema escravagista, por vezes as praticas culturais
eram externalizadas nos momentos de labor; os escravos durante esse período
entoavam canções, fazendo da voz um instrumento de resistência e de
lembrança de sua cultura africana. Segundo Charters:
“enquanto trabalhavam, seguiam o solista da canção, que os
mantinha unidos ao cantar breves frases improvisadas às quais
eles respondiam com um único verso repetido com um estribilho”
Essa prática musical foi denominada de work-songs. (1995, p. 9)
5Franz Boas, intelectual americano, analisou criticamente as teorias que estabeleciam as
diferenças intelectuais a partir das raças. Por meio de relatos científicos, Boas (1947) descreveu que os estudos sobre raça estavam, em sua maioria, equivocados. A partir disso, poderíamos entender a cultura, num contexto relacional e geral.
18
Outra manifestação africana executada no território norte-americano foi
caracterizada pelo holler, uma forma de cantar frases curtas e gritadas. Porém,
o holler estava relacionado a uma maneira velada de comunicação, pois, entre
os cantos berrados existiam frases que sugeriam a presença dos capatazes e
senhores como, por exemplo, “Aí vem o tio Sam” ou “Will Jackson está
chegando”. Desta forma, enquanto os hollers eram praticados de modo
discreto, as work-songs eram executadas na presença dos capatazes e
senhores.
O fato das work-songs serem uma das únicas manifestações
permitidas nesse contexto, pode estar relacionado a questão do rendimento do
trabalho, haja vista que essa prática musical possibilitava um ritmo capaz de
potencializar ( e cadenciar) os movimentos do corpo humano no regime de
trabalho. Por isso, para Muggiati:
[...] estas canções ajudavam a amenizar e racionalizar o trabalho e o tornavam mais rentável. Tranquilizavam também o proprietário, que as ouvia, garantindo que os seus escravos estavam sob controle, no
devido lugar (MUGGIATI, 1995,p.9).
A prática musical não só favorecia a ordem e o resultado do trabalho,
mas o próprio escravo que a utilizava como forma de resistir às pressões e a
exaustão das tarefas impostas pelo sistema escravista. Para Carvalho (apud
LAURENTIIS, 2009), a música parecia “amenizar” o sofrimento do trabalho, no
momento em que remetia à sua cultura de origem. Mesmo com as proibições
impostas à cultura africana, os escravos encontravam formas diversas de
incorporar suas práticas aos costumes impostos. Beltrão ressalta que:
[...] o negro – trazido à força para o trabalho escravo – ia encontrando também seu caminho de integração, que incluía uma aparente submissão e uma admirável retenção de suas características étnicas, de suas crenças, de suas instituições sociais, dos seus costumes de origem (1980, p. 14).
Várias foram as formas de violência simbólica e cultural impostas pelos
grandes latifundiários. Uma dessas opressões consistiu na tentativa de
arbitrária de incorporar a cultura negra aos valores religiosos dominantes. Essa
19
imposição estimulou o contato dos africanos não só com outras crenças, mas
também com a musicalidade europeia.
Diante disso, as manifestações tribais africanas adequaram-se aos
instrumentos e padrões religiosos europeus. De acordo com Vilela (2008, p. 57)
“a maior influência europeia talvez seja a da religião: “o grande despertar”,
movimento protestante sectário, democrático, frenético e igualitário”; surgido no
início do século XIX, que forneceu “a estrutura harmônica com a qual se
construiu o Blues”. Para Essen (1975, p.15), “a música do blues foi o resultado
de uma interação do arsenal melódico e declamatório afro-americano com as
harmonias europeias mais simples”.
Esse processo de entrelaçamento entre culturas distintas seria o que
Canclini (2008) define como “culturas híbridas”, isto é, “processos
socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma
separadas, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas”
(2008, p.19).
No entanto, apesar do desenvolvimento dos processos de hibridação
cultural, os indivíduos inseridos em situações de dominação permanecem
conscientes de seu contexto original, pois não deixam de assimilar costumes
anteriormente vividos. Silva (2009) acrescenta que os processos de
hibridização “nascem de relações conflituosas entre diferentes grupos
nacionais, raciais ou étnicos. Eles estão ligados a histórias de ocupação,
colonização e destruição. Trata-se, na maioria dos casos, de uma hibridização
forçada” (2009, p.87).
Após o período da escravidão, os africanos e seus descendentes
perceberam que mesmo na condição de “livres”, viveriam a mercê dos grupos
dominantes, pois a liberdade era “reconhecida”, entretanto os direitos não eram
assegurados.
Desta forma, o sistema escravagista possibilitou, mesmo que de
maneira forçada, a hibridação de culturas díspares. Canclini (2008, p. 29)
reforça que “a hibridização ocorre em condições históricas e sociais
específicas, em meio a sistemas de produção e consumo que às vezes operam
como coações segundo se estimam na vida de muitos migrantes”. Portanto,
dois fatores influenciaram as primeiras composições do Blues são justamente:
20
a proibição das práticas culturais africanas e a evangelização forçada dos
escravos, ocorrida no início do século XIX.
1.1 OS PRIMEIROS ÍCONES DO BLUES
A origem do Blues sempre esteve envolta a mistérios. Por mais que
existam inúmeros estudos relacionados, não há se tem um marco histórico
específico que comprove seu surgimento. De acordo com Charters (1995), a
primeira canção de Blues registrada surgiu em 1912, de autoria de W.C. Handy
(1873 – 1958) e se chamava The Memphis Blues. Apesar de esse episódio
servir de referência para o surgimento do Blues, sabe-se que o gênero musical
era praticado muito antes dessa data, nos campos do sul dos Estados Unidos.
De acordo com Charters :
“Alguém cantou o primeiro blues. Parece que não existe nenhuma forma de descobrir quem foi o cantor ou quem desenvolveu pela primeira vez o blues tal e como o conhecemos, mas trata-se de uma música com uma forma específica, e em alguma parte, provavelmente numa cabana do Delta, um cantor que conhecia as melodias e as estrofes improvisadas dos cantos de trabalho do Mississipi, decidiu cantá-las de uma maneira nova. Aí nasceu o blues” (CHARTERS, 1995, p. 8).
Nesse contexto, há a introdução dos meios de comunicação de massas
como o rádio, o gramofone, o próprio show-business e o inglês que já
prepondera sobre os dialetos africanos nas letras; o blues configura-se numa
música considerada americana, concebida pela população negra, mas que
passa a ser cada vez mais apreciada e difundida pela população branca norte-
americana.
A primeira figura a despontar como músico de blues foi Charley Patton,
em meados dos anos 20. Posteriormente, na mesma época, surgem nomes
como os de Son House, Willie Brown, Leroy Car, Tommy Johnson, entre
outros. No entanto, foi na década de 30 que surge o lendário Roberth Johnson,
considerado o nome mais influente do blues. Johnson viveu pouco tempo,
apenas 27 anos. No entanto suas 29 canções gravadas entre 1936 e 1937, são
consideradas como os maiores clássicos de blues de todos os tempos.
21
IMAGEM 02- Musico de Blues Robert Johnson.
Fonte:, http://www.itineraires-blues.com/ Acessado em 17 de Maio de 2013, às 14h.
A breve vida de Roberth Johnson é envolvida em mistérios e algumas
lendas reforçam esse fato: como que o mesmo teria morrido envenenado por
um whisky oferecido pelo marido de uma de suas amantes em pleno show,
outras que o seu sucesso veio através de um pacto feito com o diabo, no qual
ele ofereceria sua alma e em troca seria o maior cantor de blues de todos os
tempos.
No início dos anos 40, em busca de melhores condições de vida e
oportunidades uma grande parte da população negra americana emigrou para
Chicago levando consigo a cultura do blues. Nesse contexto, o Blues passa por
uma inovação com a introdução de instrumentos musicais elétricos, o que abriu
uma gama enorme de novas possibilidades, permitindo que os adeptos
ao gênero pudessem ter uma projeção artística mais acentuada.
Como representante dessa inovação surge o nome do guitarrista T-Boe
Walker, que com sua influência do jazz consagrou o formato clássico do blues
moderno: baseado na repetição de 12 compassos da melodia base e com o
solo totalmente livre do acompanhamento (ou seja, utilização da improvisação
22
musical), o que não ocorria até então, já que o solista era na maioria dos casos
o responsável pela parte rítmica instrumental.
Outro ícone dessa nova fase foi Muddy Waters, o primeiro músico a
eletrificar todos os instrumentos de sua banda. Foi o primeiro bluesman a ser
reconhecido fora dos Estados Unidos, principalmente na Inglaterra, sendo
influência direta para bandas como The Beatles e Rolling Stones. Muddy
Waters é responsável pela composição e/ou interpretação de clássicos do
blues como Baby Please Don´t Go e Hoochie Coochie Man, entre outros.
Outro nome que consagrou a guitarra elétrica como instrumento
fundamental no Blues foi B.B King (Ver Figura 3). Com seu estilo único de tocar
(“fraseando o instrumento”) dando aos solos um caráter quase verbal. É
considerado como o “rei do blues”, influenciando praticamente todos os
guitarristas que vieram posteriormente. Nesse contexto ainda podemos citar
nomes como o baixista Willie Dixon (considerado o “poeta do blues”) e
Howlin´Wolf (guitarrista e gaitista famoso por sua voz rouca) que influenciou
músicos como Eric Clapton (Ver Figura 3), Jeff Beck, Jimmy Page e Stevie Ray
Vaughan.
Figura 03: Albert King, BB. King,Eric Clapton e Stevie Ray Vaughan/
Fonte:http://www.telegraph.co.uk/culture/music/music-news/9735119/BB-King-The-Life-
Of-Riley-DVD-review.html Acessado em 15 de Novembro de 2014, às 19h.
23
Essa contextualização do Blues, por meio de seus principais ícones é
colocada no sentido de dar maiores subsídios ao entendimento conceitual e
histórico do estilo. Logo, análise dos condicionantes que nos remetem a uma
sociologia das práticas musicais e discursivas do Blues em Fortaleza também é
considerado um viés para o trabalho de pesquisa.
1.2 BLUES E A MUSICALIDADE COMO EXPRESSÃO CULTURAL
A população negra, a partir de sua prática específica, no contexto da
escravidão, utiliza-se da musicalidade ferramenta de expressão cultural de
grupos. Nesse sentido, o bluesman Son House (1902- 1988) possui uma das
citações mais reproduzidas em torno do que se aproximaria da origem do
blues:
As pessoas insistem em me perguntar onde os blues começaram e tudo o que posso dizer é que, quando eu era garoto, a gente estava sempre cantando nos campos. Não chegava a ser canto, era mais gritaria, mas nós fazíamos nossas canções sobre as coisas que estavam acontecendo com a gente na época e acho que foi assim que o blues começou (1965, apud CHARTERS, 1995, p. 1).
Temáticas que envolviam as “desilusões amorosas” também eram
evidenciadas nas composições de Blues. Esse traço é um fator presente,
principalmente, nos músicos inseridos no contexto dos espaços urbanos. No
entanto, referir-se às mulheres nas canções era uma prática característica
desde o início do gênero musical e que também “camuflava” determinados
formas de protestos.
Por exemplo, em algumas canções, as letras “amorosas” serviam como
recurso para denuncias sobre a situação da população negra inserida num
sistema de extrema repressão. No documentário “Feel Like Going Home”
(2003), o bluesman Willie King (1943 – 2009) enfatiza como acontecia esse
“protesto” em forma de canção. De acordo com o músico, os bluesmen da
região do Sul:
24
[...] cantavam sobre suas mulheres, mas na verdade, falavam sobre os chefes. Os antigos Blues dizem: “Minha garota é tão cruel, ela não me trata bem, ela fica com todo o meu dinheiro”. Estavam falando do chefe, mas era o jeito de disfarçar, Eles não podiam dizer que o chefe não o tratava direito. Você seria encontrado enforcado em uma árvore pela manhã. Morreria antes do dia clarear.
Com relação a essa forma de “protesto” que utiliza-se da musica,
Hobsbawm (1989) enfatiza que, para um público externo ao contexto de
criação dessas canções, o significado pode não ser compreendido em sua
“mensagem”. Pois, conforme o autor, “a arte folclórica, inevitavelmente, perde
muito de sua concreção assim que sai da comunidade que reconhece suas
alusões detalhadas e referências” (1989, p. 105).
Essas questões entram em consonância com a análise de Moraes
(1983) com relação à noção de musicalidade. Segundo o autor, cada contexto
histórico possui um sistema complexo de organização musical, o que torna as
manifestações culturais, nem sempre compreendidas em suas especificações.
Conforme Muggiati (1995), a região do Mississippi possuía uma “densa
população afro-americana, pobre e isolada, forçada a criar suas próprias
diversões”. Como lugar de encontro dessas formas de manifestações, o Blues
se disseminou, por exemplo, em casebres de madeira denominados de
jookjoints ou barrelhouses. Esses espaços eram utilizados para apresentações
de concertos, salões de dança e bares. Segundo o autor, a expressão
jookjoints se originou na África Ocidental, oriunda da palavra joog, que significa
“agitar” ou “sacudir”.
25
Imagem:Jookjoints/ Fonte:http://www.photographium.com/slack-season-belle-glade-florida-
1941-february/ Acessado em 22/09/2013
Até meados da primeira década do século XX, o Blues era uma
manifestação cultural exclusiva das regiões do Sul dos Estados Unidos;
entretanto, as situações impostas ao povo negro após o sistema escravagista
incentivaram homens e mulheres a buscarem outras formas de sobreviver, em
regiões afastadas do Sul.
Nesse período, inúmeras pessoas migraram para as cidades
industrializadas do Norte, em especial, Chicago e Nova York.6 Isso porque a
população negra do sul possuía uma ideia positiva sobre as cidades do norte.
Inclusive, alguns dos Blues sulistas referiam-se à Chicago como “doce
Chicago”.7
6Arbex Jr. Afirma que a migração de negros para o Norte dos Estados Unidos intensificou a composição
demográfica racial do país. Em 1910, os negros estavam, predominantemente, nas áreas rurais. Após a
Segunda Guerra, a população negra já se concentrava nos centros urbanos. Em 1960, havia 1,1 milhão
de negros em Nova York, 810 mil em Chicago, 530 mil na Filadélfia, 480 mil em Detroit e 410 mil em
Washington. O autor argumenta, ainda, que esse fato propiciou aos negros , novas formas de mobilização
e os transformou em uma potência eleitoral significativa. José Arbex Jr., Outra América: apogeu, crise e
decadência dos Estados Unidos, São Paulo, Moderna, 1993, p. 46.
7Robert Johnson, Sweet home Chicago, ressalta a imagem da cidade que era reproduzida na
época.
26
No entanto, ao contrário da imagem propagada das regiões do Norte, a
vida nessas cidades também era conturbada. A segregação urbana revelou
outras formas de exclusão social. Esse fator impulsionou a população negra
oriunda das regiões do Sul a permanecerem utilizando a musicalidade como
forma de manifestação.
1.3. AS CIDADES DO BLUES: DIFUSÃO E PERSPECTIVAS SONORAS
No entanto, o contexto urbano revelou novos formatos para o discurso
do blues. Além dos fatores do campo presente em algumas composições,
foram “musicadas” outras questões relativas à vida urbana; assim, se nos
campos, algumas composições de blues manifestavam a insatisfação do
trabalho rural; na cidade, discursavam sobre o desemprego, a violência etc.
Paul Oliver ( data) discorre acerca de como o Blues tomou outras perspectivas
a partir do momento em que foi inserido no contexto urbano:
O Blues é o lamento dos oprimidos, o grito de independência, a paixão dos lascivos, a raiva dos frustrados e a gargalhada do fatalista. É a agonia da indecisão, o desespero dos desempregados, a angústia dos destituídos e o humor seco do cínico. O blues é a emoção pessoal do individuo que encontra na música um veiculo para se expressar. Mas é também uma música social: o blues pode ser diversão, pode ser música para dançar e para beber, a música de uma classe dentro de um grupo segregado [...] (1978, apud MUGGIATI, 1995, p. 53).
Dessa forma, mesmo tendo sua origem na região do Mississippi, o
blues se expandiu para todos Estados Unidos ( e para outros países) a partir
das cidades de Chicago e Nova York. Essa projeção musical foi além das
peculiaridades sonoras específicas das cidades do sul incorporando novas
temáticas e formatos. De acordo com Miller ( 1975), o blues consiste em:
“experiências amargas, experiências que o cantor sempre partilhou com seus ouvintes, as quais são, por conseguinte, características do grupo; e essas experiências não são reprimidas, mas sim descritas de maneira realista. E tem mais: em face de tais experiências, recorre-se à atitude energética que permite exigir uma vida feliz no real, por meio de uma letra afirmativa, da ironia, da articulação musical ou de um blues fanfarrão no estilo de Hoochie Coochie Man” (MILLER, 1975, 162).
27
Nas cidades, a população negra do Sul estabeleceu uma cultura
específica de grupo. Relacionando a dinâmica das tradições musicais africanas
em meio às tradições norte-americanas, o Blues cria um novo formato cultural,
que mantém estreita relação com a diáspora de seus precursores. Desta forma,
o Blues, como expressão específica de grupo, pode ser considerado uma
representação hibrida do processo libertário dos escravos e do cotidiano
vivenciado pelos mesmos nas cidades.
O processo de expansão da musicalidade blues foi definida por
Hobsbawn ( 1989) como uma “revolução industrial do entretenimento popular”.
No caso, a consolidação da indústria do entretenimento norte-americana
ocorreu nacionalmente ( início do século XX) visando o mercado internacional.
Diante disso, a divulgação do gênero musical blues ocorreu paralela ao
processo de desenvolvimento da indústria do entretenimento norte-americana.
A concentração da população negra do Sul em cidades nortistas,
atrelada ao desenvolvimento do mercado cultural como teatros e agências de
contratação, a reprodução pela pianola e toca-discos, o fonógrafo, os filmes, o
rádio, a televisão e as máquinas de música a moeda - Juke Box evidenciaram o
circuito do mercado de entretenimento, acelerando as publicações e
distribuições de produtos culturais. Dentre os produtos culturais da indústria de
entretenimento expostos, o Blues se destacou, despertando o interesse da
indústria de discos da época.
O processo de migração acelerada de grupos da população negra do
Sul para o Norte, de certa forma, fomentou o surgimento de manifestações que
trouxeram novas formas de entretenimento por meio da música, fator esse que
os tornou público consumidor potencial de produtos culturais específicos. O
ano de 1920 foi caracterizado por uma série de gravações musicais destinadas
a esse publico emergente. No início, os formatos das gravações eram simples,
sem muito critério às regras de concepção, que logo seriam impostas e
revisadas, pelos produtores musicais.
Devido aos processos de gravações em cidades do interior, algumas
gravadoras se deslocavam para as regiões do Sul com equipamento móvel,
registrando assim, diversos “blues rurais”. Segundo Miller ( 1975), “há poucos
indícios relativos às instruções que teriam sido dadas aos músicos, e muito
28
poucas razões para crer que se tratasse de uma produção musical elaborada
em função do alvo a atingir” (1975, p. 41). Era evidente que as letras de
resistência de grupos não eram reproduzidas pelos músicos, diante do objetivo
dos produtores musicais.
Já o processo das gravações nas cidades era realizado de uma
maneira mais explícita, onde as composições estavam sujeitas ao julgamento
dos profissionais contratados pela indústria que, por sua vez, interferiam
diretamente no formato das canções de Blues. Miller destaca que:
[...] as músicas eram fabricadas segundo o princípio da divisão do trabalho, ou seja, confiando-se a letra e a melodia a especialistas (muitas vezes, indivíduos sem nenhuma ligação com a tradição do blues e que, por isso mesmo, davam-lhe interpretação errada, dele fazendo uma forma musical que servia para os diversos fins e que, em suas mãos, se tornou melancólica) (MILLER, 1975, p. 36).
Nesse contexto, a introdução do blues no mercado das gravadoras
norte-americanas, se deu num formato padronizado, a partir de um sistema
industrial de entretenimento. Pois, para Horkheimer e Adorno (1985,), “a cultura
contemporânea confere a tudo um ar de semelhança. O cinema, o rádio e as
revistas constituem um sistema. Cada setor é coerente em si mesmo e todos o
são em conjunto”.
A música configurada no Blues, nesse contexto, também se insere
nesse sistema cultural, pois com o surgimento do rádio, há a distribuição e
divulgação massiva das canções através da radiodifusão. Essa relação,
inicialmente, entre as duas formas de comunicação ( televisão e rádio), pode
ser interpretada como início da produção musical em série. Dessa forma, o
gênero musical passa a ser explorado como um veículo de comunicação e
entretenimento dos diversos grupos sociais. Inicialmente, o formato de canção
que se destinava ao publico negro era chamado de “Black Records” após
algum tempo foi denominado de “Race Records”.
A inserção de alguns músicos de Blues no universo da indústria cultural
está relacionada às condições socioeconômicas da população negra, que
também se utiliza da composição de canções como instrumento para a
ascensão social tão almejada nas cidades do Norte. Com isso, a população
que se encontrava excluída dos espaços e atividades culturais utiliza a música
29
como uma possibilidade de sobrevivência, fazendo com que houvesse um
acréscimo do número de bluesmens, principalmente nas cidades de Nova York
e Chicago (Ver Figura 6).
Figura 06: Cantores de blues de Chicago Fonte: http://eil.com/shop/moreinfo.asp?catalogid=373417. Acessado em 27 de
setembro de 2014
Esse crescimento do número de músicos de blues, desperta o
interesse das grandes gravadoras que passam a explorar a cultura musical da
população afro-americana a partir de um viés comercial. De acordo com Miller
(1975), não havia interesse por parte da indústria em registrar a música afro-
americana visando uma suposta conservação cultural. O objetivo visava,
exclusivamente, o mercado.
A entrada de um grande número de músicos, no mercado cultural do
Blues, na busca por melhores condições, ocasionou um estado de
concorrência entre os criadores do gênero. Essa situação fez com que as
gravadoras passassem a pagar valores reduzidos por cada gravação.
Segundo Miller (1975), o músico de Blues recebia em média de 10 a
30 dólares por faixa, com exceção de alguns poucos músicos que chegavam a
receber 50 dólares por canção, tendo como exemplo Blind Lemon Jefferson.
30
No entanto, essa quantia era insuficiente diante da situação imposta aos
músicos. Como ressalta Miller:
“A indústria de disco não pagava ao intérprete de blues naquela época, o suficiente para que ele vivesse disso. Os músicos não recebiam porcentagens sobre a venda de seus discos, todo o pagamento dos royalties se fazia somente às companhias gravadoras, às quais os músicos cediam seus direitos em troca de uma quantia fixa, para uma só vez “(1975, p.40).
A partir do pensamento de Horkheimer e Adorno, é possível constatar
que a indústria cultural8 interfere no processo de criação do Blues, em um
primeiro momento, visando transformá-lo num produto como tantos outros
produzidos em série: “Só reconhecendo os efeitos ela despedaça a sua
insubordinação e os sujeita à fórmula que tomou lugar da obra” (ADORNO,
2007, p. 15). Segundo Adorno (2007), a intenção das grandes gravadoras da
época era adequar as produções culturais visando uma maior aceitação desses
“produtos” para uma maior publico:
Até os mínimos detalhes são modelados segundo a sua receita. A indústria cultural, mediante suas proibições, fixa positivamente – como a sua antítese, a arte de vanguarda – uma linguagem sua, com uma sintaxe e um léxico próprios. [...] Mas os matadores – produtores ou reprodutores - são os que usam esse jargão com tanta facilidade, liberdade e alegria, como se fosse a língua que, há tempos, foi reduzida ao silêncio (ADORNO, 2007, p. 18).
Diante da imposição das grandes gravadores para que as canções de
Blues não possuíssem discursos específicos, o gênero se “adequa” às
imposições dos executivos que comandavam as indústrias de discos.
Assim, visando a produção em série, o Blues se “transforma”
adequando-se as exigências do mercado cultural. Os artistas que seguiram os
ditames da indústria fonográfica sofreram críticas da população negra
8 Este formato de produção cultural inerente ao sistema capitalista foi denominado por Theodor W. Adorno
e Max Horkheiner de Indústria Cultural, conceito formulado em 1947. Segundo os autores, por meio da
Indústria Cultural “a produção de mercadorias culturais foi padronizando fórmulas estéticas de grande
aceitação, oriundas, sobretudo da cultura popular. Tais fórmulas foram se cristalizando, permitindo a
operação de um amplo processo de estandardização. Como, porém, o sempre igual precisa permanecer
sem correr o rico de exaustão, a pseudo- individuação preenche os estandards com detalhes, com efeitos
que garantem aos produtos uma aura particularidade e permitam até que concorram com distinção num
mercado cada vez mais disputado” (Márcia Tosta DIAS, in WILLIAMS, 2007: 432)
31
americana, que anteriormente, tinha uma identificação com as letras de Blues
que, por sua vez, era sinônimo de resistência cultural e símbolo de identidade
de grupo.
Todavia, para os bluesmen que viviam em situação de miséria, não
aceitar a proposta das gravadoras seria recusar aquilo que almejavam nos
espaços urbanos: oportunidades de ascensão social. No entanto, apenas
alguns bluesman conseguiram sobreviver exclusivamente da música, como
exemplo B.B. King (1925) e Ray Charles (1930 – 2004), que chegaram a ter
projeção e a serem reconhecidos pela indústria de discos.
1.4. A consolidação do blues nas grandes cidades
Com o objetivo de atenderem ao crescimento do mercado fonográfico,
as gravadoras passam a buscar novos talentos nas cidades do Sul do país. A
partir do processo de gravações e distribuição de discos dos músicos rurais foi
descoberta a existência de três estilos de blues entre os anos 1925 e 1926: o
Blues tocado na região do Delta, o blues típico da Costa Leste e o Blues texano
( região do Texas).
O Blues do Delta se caracteriza por ter uma grande influência africana
com pouca melodia, ritmo sincopado com “riff”9 e um canto forte e tenso, com
efeitos de falsetes. Uma das peculiaridades do estilo é a utilização do
“bottleneck”, um gargalo de garrafa que o músico deslizava sobre as cordas
para obter um efeito vibratório das “blue notes”.10 Entre os artistas mais
conceituados deste estilo estão: Charlie Patton, Tommy Johnson, SonHouse,
Bukka White, Big Joe William e Robert Johnson.
9O conceito de “riffs” tem relação com a base harmônica do jazz, blues e rock. Em suma, refere-se á uma
progressão de acordes, intervalos ou notas musicais, que apresentam repetição no contexto de uma
melodia.
10Uma estrofe de blues é constituída por 12 compassos, onde estão presentes os três acordes básicos de
uma tonalidade: tônica, subdominante e dominante. Essa composição harmônica é fundamental para o
blues, sendo tradicional ou mais moderno. A “blue note” deriva do resultado do embate entre dois
sistemas acústicos: o pentatônico (escala de cinco notas) que os escravos trouxeram da África, e o tonal,
de origem europeia, com 7 notas. Berendt, O jazz: do rag ao rock, p. 124.
32
O Blues típico da Costa leste está situado na região dos Apalaches
(Vírginias, Tenessi, Geórgia, Kentucki e Carolinas). Esse estilo é caracterizado
por ser “mais leve”, em virtude de que nessa região a segregação e o
preconceito demonstravam serem mais “brandos”. Desse movimento se
destacam: Blind Blake, Reverendo Gary Davis, Blind Boy Fuller, e Josh White.
Questões de ordem geográfica fizeram com que o Blues produzido na
região do Texas recebesse influência da cultura hispano-mexicana. Dentre os
músicos que mais se destacaram temos: Texas Alexander, Blind Lemon
Jefferson e Leadbelly. Vale ressaltar que, mesmo com as peculiaridades e
diferenças dos Blues do Sul, o ritmo apresenta os instrumentos utilizados por
seus músicos, como algo em comum dentre os estilos. A guitarra se destaca
por ser um instrumento barato e de fácil transporte, além de facilitar o trabalho
dos Bluesman, nos momentos de composição (blues notes) e nas
apresentações.
Apesar de todas as questões referentes às grandes cidades como a
pobreza, desemprego e discriminação, o blues pautado num contexto urbano
expressava o desejo de liberdade e “musicava” o amor. Em virtude das novas
configurações socioeconômicas, a estrutura musical do Blues passa a agregar
novas temáticas e sonoridades como, por exemplo, a eletrificação dos
instrumentos e a utilização da guitarra ligada a amplificadores acústicos. Diante
dessas mudanças as cidades de Memphis (Tenessi), Saint-Loius (Missouri) e
Chicago (Illinois) serviram como espaço para o surgimento de novas
perspectivas para este gênero musical.
Após o período da Segunda Guerra Mundial, surge na cidade de Nova
Orleans um estilo de blues diversificado, denominado de “rhythm and blues”.
Essa expressão foi criada pela revista Bilboard11 para se referir à antiga
denominação “racemusic”. Segundo Herzhaft12, esse estilo tem como
característica a utilização de ritmos mais intensos com influências do “boogie-
11 Ver http://www.billboard.com.br 12 Herzhaft, Blues, p. 69
33
woogie”13 e de sonoridades “mais sentimentais” integrando instrumentos como
o piano a guitarra elétrica e ao contrabaixo.
A repercussão deste gênero musical desperta a atenção do produtor
Sam Phillips (Sun Records, situada na cidade de Memphis), que passa a
financiar o processo de gravação de canções do repertório negro por artistas
brancos. Acerca dessa questão, Gérard Herzhaft afirma: “Philips ficou chocado
ao constatar o crescente número de adolescentes brancos de Memphis que, à
revelia de seus pais, comprava discos de blues, dançava essa música”.Sam
Phillips foi quem descobriu e lançou no mercado artistas como Elvis Presley e
Jerry Lee Lewis.
Diante disso, a junção de estilos musicais provenientes dos guetos, o
surgimento de uma indústria fonográfica que pautava seus produtos visando o
público jovem, e o desenvolvimento dos veículos de comunicação como o rádio
e televisão, investiram acentuadamente na musicalidade blues como um novo
produto cultural entre os jovens da época. Acerca desse produto cultural,
Hobsbawm afirma que:
“A novidade na década de 1950 foi que os jovens das classes alta e
média, pelo menos no mundo anglo-saxônico, que cada vez mais
dava a tônica global, começaram a aceitar a música, as roupas e até
a linguagem das classes baixas urbanas, ou que tomavam por tais
como modelo. O rock foi o exemplo mais espantoso. Em meados da
década de 1950, subitamente irrompeu do gueto de catálogos de
“Raça” ou “Rhythm and Blues” das gravadoras americanas, dirigidos
aos negros pobres dos EUA, para tornar-se o idioma universal dos
jovens, e notadamente dos jovens brancos” (Eric Hobsbawm, A era
dos extremos, São Paulo, Companhia das Letras, 1999, p. 324)
Dessa forma, o Blues, um estilo que teve sua origem na população
negra, nos setores mais marginalizados da sociedade americana, influencia
diretamente uma nova expressão musical: o rock-and-roll. Diante do
surgimento desse fenômeno musical, os veículos de comunicação exploram
13Roberto Muggiati conceitua o “boogie-woogie” como um estilo musical influenciado pelo blues,
afirmando, que: “Um boogie tocado por um bluesman, com voz e violão, é algo parecido ao boogie-
woogie no aspecto rítmico, uma música enérgica cheia de balanço, que já distancia do blues dolente
tradicional”. Muggiati, Blues, p. 137.
34
maciçamente o estilo, divulgando a música pelo país e obtendo uma grande
audiência entre jovens brancos e negros.
O rock-and-roll trazia um impulso jovem que sugeria “uma
sensualidade” (por meio de sua performance musical) que tencionava as
normas da classe média branca americana. Com isso, a linguagem musical do
estilo rock-and-roll é traduzida como uma forma diretamente relacionada aos
anseios de liberdade e contestação da juventude da época (principalmente a
partir da década de 50); a partir de então, o rock se transforma num estilo que
influência a música mundial. Como catalisador desse novo fenômeno cultural
há a figura do cantor Elvis Presley (Ver figura 7), tido como um dos ícones do
rock-and-roll.
Figura 7: Elvis Presley
Fonte: http://www.midnightrock.eu/midnight_rock_helps_build_jailhouse_rock/
Acessado em 24 de setembro de 2014, às 16 hrs.
35
2. O SURGIMENTO DO ROCK-BLUES BRASILEIRO.
O rock brasileiro nasce com forte influência da cultura musical norte-
americana; principalmente a partir das performances musicais de Elvis Presley,
Chuck Berry (Ver Figura 8) e da indústria cultural americana com o filme “Rock
Around the Clock”/ Balanço das Horas”.
Figura 8: Chuck Berry.
Fonte: http://www.dr.dk/Nyheder/Regionale/Oestjylland/2014/01/15/134824.htm. Acessado em 25 de outubro de 2014, às 15 h.
No momento em que o estilo chega ao país, em virtude do
desconhecimento do ritmo e dos instrumentos por parte do publico jovem, o
rock n roll foi difundido inicialmente através das orquestras de jazz, e pelos
cantores de época como Betinho e Seu Conjunto, Nora Ney e Cauby Peixoto.
Diante desse fato, o rock n roll tomou conta dos rádios, televisões e
produziu ídolos como Sérgio Murillo, Tony e Celly Campello, que foram
responsáveis por promover os hits iniciais do novo gênero. A cantora Nora Ney
foi responsável pela gravação do primeiro rock no país ( Rock around the
clock); e Cauby Peixoto realiza a interpretação do primeiro rock com letra em
português ( Rock and Roll em Copacabana).
36
Na década de 60, com a influência de bandas (Beatles e Rolling
Stones), o rock brasileiro consolida-se como um produto cultural também
produzido no país. O movimento surgido com a Jovem Guarda tendo como
expoentes os cantores Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, tocava
para a juventude em programas de televisão, shows ao vivo e em inúmeros
discos.
No ano de 1966, liderados por Roberto Carlos, é realizado o I Festival
de Conjuntos da Jovem Guarda, promovido pela TV Record, evento que teve
uma grande repercussão no país, divulgando a linguagem do rock para um
grande publico jovem. Podemos citar também como destaques dessa época os
grupos: Renato e Seus Blue Caps, Os Incríveis e The Fevers. Paralelamente
ao movimento da Jovem Guarda surge a Tropicália, que introduz a guitarra na
tradicional MPB e o discurso político no rock, produzindo a versão brasileira da
“psicodelia mundial”. Neste movimento destacaram-se intérpretes,
compositores e arranjadores como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato
Neto, Rogério Duprat e, de forma especial, o grupo Os Mutantes.
Nos anos 70, afirma-se definitivamente a identidade do rock nacional,
com composições em português, juntamente com o processo de
desenvolvimento da técnica, dos equipamentos e dos estúdios. Foi a época
que se introduziu no país a realização dos mega shows, seja em casas de
espetáculos, ginásios e em grandes espaços.
Destacaram-se ainda nos anos setenta os grupos Som Imaginário, O
Peso, O Terço, Secos & Molhados, entre outros. O grande destaque desta
década foi o cantor e compositor Raul Seixas, que chegou a fazer shows com
canções de Blues misturando estilos que iam de Elvis Presley a Luiz Gonzaga.
Nos anos 80, a banda carioca “Barão Vermelho”- cuja formação inicial
era composta por Maurício Barros (teclados), Guto Goffi (bateria), Dé(baixo),
Roberto Frejat (guitarra) e Cazuza (vocal), - que mantinha como principal
característica uma mistura de rock com influência do blues14, grava a canção
“Blues da Piedade”, esse fator demonstra o nível de inserção do Blues no Rock
14O Blues era veiculado no Rio de Janeiro no início dos anos 80, sendo uma das influências importantes
para a cena do rock carioca. Os bluesmen de maiores destaques da época foram Zé da Gaita e Celso
Blues Boy, que se apresentavam em espaços como o Circo Voador.
37
brasileiro. Diante disso, principalmente a partir do final dos anos 80, temos a
organização de um contexto musical específico em torno dos festivais de Blues
no Brasil.
Figura 9: Banda de rock Barão Vermelho ( Cazuza e Frejat), anos 80
Fonte: http://epoca.globo.com/regional/sp/cultura/noticia/2013/11/show-holografico-traz-bcazuza-de-volta-aos-palcosb.html Acessado em 14 de Outubro de 2014, às
12 h.
Nessa época, podemos citar também, a Banda carioca “Blues Etílicos”,
que tem um repertorio exclusivamente dedicado ao Blues, sendo considerada a
primeira banda de Blues brasileira. Segundo o integrante e gaitista da banda,
Flávio Guimarães:
A gente começou a tocar no Circo Voador abrindo shows pro Barão Vermelho, pro Celso Blues Bloy... Até que em 88, 89, a gente começou a fazer shows no Circo já anunciando como Blues Etílicos, tendo outras bandas abrindo pra gente. Eu diria que a gente é a primeira banda de blues brasileira a ter uma carreira regular. Existiam até outras bandas, mas elas faziam shows esporádicos, e não lançavam LPs. Algumas conseguiram lançar um LP independente, mas depois sumiram... Quer dizer, não tinha uma regularidade, até porque não existia um mercado pra isso no Brasil. E o Blues Etílicos foi a primeira banda a conseguir ter uma continuidade.
(http://www.bluesnjazz.com.br/arquivo/entrevista_do_mes2.htm).
Ou seja, a partir do final dos anos 80, no Brasil, há a concepção de
uma cena blues tendo como características bandas específicas e festivais
destinados a promover o estilo. Esses festivais foram importantes para o
38
gênero, pois promoviam o encontro de grandes nomes do Blues mundial com
a “semente” daquilo que posteriormente se tornaria a “cena brasileira do
Blues”. Devido à troca de experiências o Blues Brasileiro passa a adquirir seu
próprio vocabulário musical, sobressaindo-se cantores e bandas que
compuseram a versão nacional do estilo.
O blues é considerado o precursor de vários outros estilos musicais, no
entanto, foi um dos últimos movimentos musicais a se destacar no Brasil. Com
o desenvolvimento dos meios de comunicação, o gênero musical é promovido
no Brasil por meio do cinema, principalmente em meados da década de 20,
tendo como exemplo o filme "O Cantor de Jazz", em 1927; é também
impulsionado pelo rádio e a indústria de discos.
Nos anos 30 e 40, surgem as Big Bands da Era do Swing. O Blues,no
Brasil, esteve inserido no repertório do jazz, no Rock and roll dos anos 50 e no
rock britânico dos anos 60. Só em meados dos anos 70 começaram a surgir as
primeiras bandas específicas de Blues. Na própria MPB e no Rock nacional
dos anos 60 e 70 é possível identificar os primeiros Blues nos repertórios de
Roberto Carlos, Gal Costa com a canção Vapor Barato/1971/Macalé-
Salomão, Elis Regina (Black is Beautiful/1971/Valle-Valle) e nas bandas de
rock, utilizando como exemplo: Made in Brazil, Ave de Veludo e Celso Blues
Boy.
Na época, as críticas especializadas, influenciadas pela vertente rock
denominavam o Blues de "rock-baladas". Os festivais de jazz de São Paulo
(1978 e 1980), Rio-Monterey (1980) e Free Jazz, a partir de 1985, trouxeram
ao Brasil grandes expoentes do cenário do Blues, como John Lee Hooker,
Champion Jack Dupree, B.B.King, Albert King , Albert Collins, Big Joe Willians,
Clarence "Gatemounth" Brown, Bo Diddley.
Por sua vez, no ano de 1989, acontece na cidade de Ribeirão Preto/SP
o I Festival internacional de Blues no Brasil. Com a presença de grandes
nomes do Blues mundial como: Buddy Guy, Junior Wells, Albert Collins, Magic
Slim e Etta James, tal festival teve como representantes brasileiros André
Cristovam e a Blues Etílicos. No ano de 1990, o 2° festival aconteceu em São
Paulo no ginásio do Ibirapuera, e as atrações foram Koko Taylor, Bo Diddley,
Magic Slim, John Hammond, The KinseyReport & Big Daddy Kinsey.
39
Nos anos 90, o país se torna uma “rota do Blues”, contando com
apresentações de grandes nomes do gênero, e o crescimento de um público
específico para o estilo. Nesse contexto, há uma diversificação de nomes e
bandas de Blues de Norte a Sul do país e também o surgimento de casas
especializadas para o estilo.
2.1 O BLUES NO CEARÁ
As primeiras bandas de blues no Ceará foram influenciadas pelo
gênero musical Rock e em torno dessa apropriação, os músicos passaram a
organizar uma cena, principalmente utilizando-se da divulgação dos festivais
universitários e apresentações em bares e casa de shows locais.
Inicialmente, esses lugares abrigavam estilos diversos como Rock, a
musica popular cearense, e dentre esses o blues. Entretanto, na década de 90,
a cena musical urbana do blues passa a estruturar-se em torno do surgimento
de bandas específicas e das primeiras produções musicais que fomentam o
desenvolvimento dessa cena musical na cidade. Com isso, a partir da interação
entre as primeiras bandas e organização de eventos culturais há o surgimento
de um novo contexto musical na cidade de Fortaleza.
Figura 1–Logotipo:Peixe Frito Blues Clube
Fonte: Pesquisa Direta, Carlos Rubens Garcia Alves, 2011.
40
Figura: 2- Musico de Blues Kazane. Figura 3: Kazane e Sub Blues Fonte: Pesquisa Direta, Carlos Rubens Garcia Alves, 2010. Fonte: Internet. Acessado em 21/05/2014
Esses primeiros espaços, tiveram importância fundamental para o
desenvolvimento do contexto do blues em Fortaleza, haja visto que
proporcionavam apresentações musicais ao vivo. De acordo com o musico de
blues e artista plástico Marcos Vinícius -“Kazane” (considerado um dos
precursores do gênero musical em Fortaleza), o “ Bar Peixe Frito”, situado na
Praia de Iracema, foi considerado um dos principais espaços de promoção das
primeiras bandas de blues:
O nome Peixe Frito não é por conta que vende peixe frito, mas tem relação com os bluesman do Mississipi que costumavam ir pra beira do rio fazer o fightfish (peixe frito). Como eles não tinham espaço de lazer, ou iam para os cabarés, ou pra beira do rio do Mississipi... ai nessa idas por rio, eles tocavam o blues que tinha como nome “peixe frito”... daí o nome do bar.( Kazane).
As primeiras bandas de Blues também divulgavam seus trabalhos pro
meio dos festivais de música universitária. No ano de 1996, há a elaboração do
CD Blues Ceará, que consistiu num marco histórico para a produção do gênero
na cidade de Fortaleza:
“Idealizado pelo Estúdio Iracema e Peixe Frito Blues Clube, o CD Blues Ceará foi produzido em parceria com as Bandas, Matutaia, Gang da Cidade, Trakajá Blues Experiment e Kazane e Sub Bues, gravaram dezesseis músicas originais e inéditas... Sem dúvida existem aqui: fatos pioneiros: O registro do Blues no Ceará e a parceria tríplice para a produção do CD. O Bar Pontal de Iracema promoveu três meses de shows com as bandas, os cachês foram
41
revertidos para a prensagem, e o Estúdio garantiu as horas de gravação e demais despesas” ( Encarte do CD Blues Ceará)
Nesse trabalho, consta a produção musical de quatro bandas pioneiras
do estilo (Matutaia, Gang da Cidade, Trakajá Blues Experiment e Kazane Sub
Blues). Esse trabalho, segundo seus idealizadores, foi realizado através da
parceria entre as bandas, que utilizavam os cachês das apresentações para a
elaboração do CD.
Diante disso, a cena do Blues em Fortaleza passa a ter um veículo de
divulgação que colabora para a formação de um contexto musical específico na
cidade. Logo, essa reunião das bandas de Blues de Fortaleza pode ser
entendida como um dos primeiros registros históricos e culturais ( em termos
profissionais) da produção de Blues no Ceará.
Figura 4-Encarte do CD Blues Ceará
Fonte: Pesquisa Direta, Carlos Rubens Garcia Alves, 2011.
Durante os anos 2000, houve também, uma articulação em torno da
cena “blueseira” cearense, com a criação do evento House of Blues, que tinha
como objetivo propiciar apresentações das bandas de blues cearenses no
espaço Buon Amicis, localizado na Rua Dragão do Mar, 80, Praia de Iracema.
42
Figura 5: Cartaz promocional House Blues
Fonte: http://www.houseofblues.com/. Acessado em 21/05/2014
Figura 6: Casa do Blues
Fonte: http://www.houseofblues.com/. Acessado em 13 de Agosto de 2011, às 18h.
O Blues conta com espaços em jornais de grande circulação em
Fortaleza, como o Diário do Nordeste e Jornal O Povo; eventualmente há a
publicação de matérias acerca da Cena Blues na cidade. A partir de esforços
desses agentes (artistas, produtores e empreendedores independentes, mídia
especializada), o Blues Cearense se estabelece como atividade cultural na
cidade. Como veículos de comunicação existem vários elementos que
43
colaboram para a dinâmica das movimentações do Blues, como a utilização de
redes sociais: Blogs, fóruns de discussão na Internet, twitter e principalmente o
facebook são os principais veículos divulgadores do Blues na cidade de
Fortaleza.
O gênero musical também conta com dois espaços de veiculação em
rádio: Programa Encontro com o Blues (pela rádio Universitária), e o Programa
Abluesando (pela rádio da Assembleia Legislativa de Fortaleza). Esses
programas são semanais e servem como espaço tanto de difusão do Blues
local como do Blues mundial.
Esse formato de programação difusora também serve como
mecanismo legitimador de uma crítica especializada que reveste o Blues de um
caráter estético, que acaba por se difundir nos senso comum. Fomenta-se,
assim, a formação de um público com estilos diferenciados. Com relação à
formação do público, Soares concorda:
Neste ponto, deve- se chamar atenção para o fato de que não se pode estudar uma modalidade musical, sem que se leve em conta o universo material e sócio-cultural do seu público, ainda que não se possa estabelecer uma demarcação rigorosa deste; sendo assim, no que pese as considerações sobre o mecanismo da produção e circulação da canção (...) é de fundamental importância deter alguma atenção sobre o comportamento do público em relação a um tipo ou modalidade musical dado (...). Com isto, quer se afirmar que não é o suficiente o investimento promocional para que se obtenha necessariamente uma resposta favorável do público indiscriminadamente. ( SOARES,1995 p.70).
Portanto, a análise do gênero Blues em Fortaleza revela novas
perspectivas, trazendo novas formas de se perceber a cidade, oferecendo
subsídios para a compreensão das transformações sociais realizada pelos
agentes sociais, inscritos num determinado contexto e espaço cultural.
44
2.2 O FESTIVAL JAZZ E BLUES DE GUARAMIRANGA
No ano de 2000 é realizada a primeira edição do evento de maior
repercussão do Blues no Ceara: O Festival de Jazz e Blues de Guaramiranga.
O Festival é realizado na cidade citada, localizada na Serra de Baturité, que
fica à 92 km da capital, Fortaleza. O evento acontece durante o período
carnavalesco e já faz parte do calendário cultural cearense. Com relação ao
festival, segundo Maria Amélia Mamede (2007)15:
“O Festival Jazz e Blues de Guaramiranga teve sua primeira edição no ano 2000. Surgiu a partir de uma proposta muito bem estudada e planejada, de ofertar ao público brasileiro e mais especificamente ao cearense, um produto cultural diferenciado no período de carnaval” ( Mamede, 2007, p.53)
O objetivo da criação do evento passou pela necessidade de criar uma
programação “alternativa” que rompesse a lógica dos investimentos culturais
carnavalescos que privilegiam os grandes centros urbanos em detrimento das
periferias:
“Sabíamos que era uma ideia ousada levar Jazz, Blues e musica instrumental, durante o carnaval, para o interior do Ceará, em pleno Nordeste brasileiro... Normalmente, os eventos de maior destaque têm início nos grandes centros urbanos e só depois alcançam as periferias e cidades interioranas. Uma lógica fácil de compreender quando se analisa pela ótica dos patrocinadores: o interesse das organizações ao viabilizar um patrocínio cultural é a exposição da marca para seu publico, e este é mais numeroso e tem maior poder aquisitivo nas grandes cidades.” ( Mamede, 2007, p.53)
Há também , segundo os idealizadores do festival, ações que visam a
criação de plateia, haja vista que a repercussão das apresentações musicais e
criação de uma cena musical vai além da disposição de lugares voltados ao
estilo:
Para valorização dos talentos locais, sabíamos também que não bastava abrir o espaço para apresentações desses músicos. Era
15 Graduada em Jornalismo e com mestrado em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará, trabalha no segmento da comunicação desde 1980. Foi professora nas disciplinas na área de Comunicação, Administração e Cultura em cursos de extensão, graduação, e pós-graduação em institutos e universidades do Ceará. Em 1996, publicou o livro A construção do Nordeste pela mídia (SECULT/ CE). No mesmo ano, funda a empresa Via de Comunicação e Cultura que é responsável pela organização do Festival Jazz e Blues de Guaramiranga.
45
preciso ter plateia. Além disso, o consumo cultural tem suas especificidades; o publico só prestigia o que já conhece, aqueles que a indústria fonográfica já conseguiu consagrar. Então, nossa estratégia foi colocar o músico cearense para abrir as apresentações de artistas já reconhecidos no cenário nacional. Dessa forma, garantimos o publico para o conhecimento da produção local. ( Mamede, 2007, p.54)
A criação de um quesito “qualidade” nos gêneros musicais veiculados
no Festival, passam pela legitimação advinda do campo midiático local e
nacional ( programas de rádio, TV, jornais, revistas especializadas e as redes
sociais). Dessa forma, a divulgação de uma “musica de qualidade” influencia e
é influenciada pelos mais diversos meios de comunicação:
“Essa visibilidade possibilitada pela mídia também influencia no aspecto da valorização da produção artística cearense. Através dela os músicos cearenses tiveram espaço para mostrar seu trabalho em veículos regionais e nacionais como Folha de São Paulo, Diário de Pernambuco, Revista Backstage, Bravo!, Jazz+, Agência Reuters, dentre outros. Foram páginas inteiras dedicadas aos nossos músicos- o que sem o festival, dificilmente seria possível. Com o seu trabalho valorizado e divulgado, esses artistas sentiram-se estimulados a gravar CDs com suas composições, muitos deles utilizando, inclusive, o espaço do festival para gravações ao vivo.” ( Mamede, 2007, p.55)
È notório também a apropriação do evento, realizado pelas bandas de
blues que se utilizam da repercussão em torno do festival para promover seus
trabalhos musicais.
Assim, podemos visualizar a importância dos diversos agentes que
compõem o desenvolvimento das cenas musicais. Acerca da apresentação
realizada do festival, o musico de blues Roberto Lessa, ressalta a relevância do
evento para o fomento da cena de blues:
A repercussão foi maravilhosa! Não tenho constrangimento em dizer que o festival escancarou as portas para o estilo no Estado. Apesar de escutarmos e tocarmos o blues antes da primeira edição, nós somos filhos do festival. O Ceará é referência quando o assunto é forró. Quem sabe não se torna também no Blues” (Diário do Nordeste 15/03/2014)
O musico considera que o festival Jazz e Blues de Guaramiranga
funcionaria como uma “vitrine” no sentido de divulgar a produção musical dos
46
grupos locais. No caso, a Associação Casa do Blues teve uma maior
divulgação em virtude das apresentações no Festival.16
Figura 7-Festival Jazz e Blues de Guaramiranga- Fortaleza Fonte: Pesquisa Direta. Carlos Rubens Garcia Alves, 2014.
16 Fonte: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/caderno-3/blues-label-lanca-
1-album-de-estudio-1.845358
47
Figura 8- Festival Canoa Blues17- Fortaleza Fonte: pesquisa direta. Carlos Rubens Garcia Alves
2014
2.3 A ASSOCIAÇÃO CASA DO BLUES18:
Em meados do ano de 2008 tem origem o projeto Casa do Blues. O
projeto, teria sido gestado a partir do encontro dos músicos ( Leonardo
Vasconcelos, Roberto Lessa e Artur Menezes, integrantes da banda Blues
17Além desse espaço, há o Festival Canoa Blues (realizado na praia de Canoa Quebrada).
Esse dois eventos já fazem parte do calendário cultural do Ceará e servem tanto como espaços legitimadores dessa produção simbólica e cultural, mas também como lugar de intercâmbios culturais entre a produção local de Blues e seus expoentes nacionais e internacionais.
18 Histórico da Associação Casa do Blues: Teatro das Marias, localizado na Praia de Iracema
(Junho a outubro de 2008). Mercado dos Pinhões, Bairro Joaquim Távora (Março a junho de 2009). Espaço Casa do Blues, Bairro Benfica ( Novembro de 2010 a Abril de 2011). Circuito Casa do Blues, evento que passou por nove bairros de Fortaleza (novembro de 2011 a Julho de 2012). Espaço cultural Estoril, na Praia de Iracema, apresentações no período de abril a novembro de 2014.
48
label); a intenção seria a criação de um circuito musical onde as bandas
pudessem apresentar esse estilo na cidade de Fortaleza.
Assim, em torno dessa movimentação artística, os músicos almejavam:
promover shows, realizar divulgações coletivas e buscar diversas iniciativas
com o intuito de dar maior impulso à produção “blueseira” cearense:
“O primeiro palco da empreitada foi o Teatro das Marias, na Praia de Iracema, entre junho e outubro de 2008. Após a realização das apresentações, o projeto foi convidado pelo poder público para realizar shows no Mercado dos Pinhões, localizado no bairro Joaquim Távora, reunindo cerca de 500 pessoas por noite entre março e junho de 2009” (jornal Diário do Nordeste 24/04/2014)
Dessa forma, o projeto surgiu a partir do encontro das bandas de blues
da cidade, contando, com apoio da Prefeitura de Fortaleza para realização de
shows com bandas locais. Segundo seus idealizadores, o evento seria “uma
reunião festiva das bandas de blues de Fortaleza, trazendo para o público da
Cidade uma opção acessível de diversão”. De acordo com o documento oficial
do Projeto Casa do Blues:
“A idéia é simples: consolidar o blues no Ceará a partir de shows realizados periodicamente em local e data que facilite o contato com todo o universo do gênero. A partir daí a intenção é conquistar parcerias que se identifiquem com o contexto do blues, somando esforços que construirão cada vez maior a Casa do Blues. No ano de 2009, os planos ganharam dimensão prática com a fundação da Associação Casa do Blues, que entre outras realizações em sua recente existência já realizou apresentações em espaço cedido pelo Festival de Jazz e Blues de Guaramiranga e conquistou o apoio da Prefeitura de Fortaleza para a produção de shows de blues na capital durante todo o ano.” ( Fonte: Projeto Casa do Blues)
A programação acontecia aos sábados nas principais praças de cada
secretaria executiva regional da cidade; e a partir dessas reuniões foi possível
identificar a transformação dos espaços urbanos (praças da cidade) em palcos
para apresentações musicais.
49
Figura9-Circuito Casa do Blues na Praça do Mercado Joaquim Távora. Fonte: Pesquisa Direta, Carlos Rubens Garcia Alves, 2011.
Figura 10-Cartaz Promocional do Circuito Casa do Blues- Fonte Internet- acessado em março de 2014
50
2.4 O BLUES NO ESTORIL
O projeto Casa do Blues originou- se a partir da intenção de músicos
de blues cearenses, em construir espaços para divulgação de suas produções
musicais.
Após um intervalo sem apresentações19 (em virtude de um impasse de
verbas entre a Secretaria de Cultura de Fortaleza e a Casa do Blues) o projeto
retoma suas atividades no Estoril20, um espaço cultural, que já abrigou a
“boêmia fortalezense” e que se constitui como um dos lugares tidos como “
culturais” na cidade de Fortaleza.
No período de novembro de 2010 a abril de 2011, a Associação Casa
do Blues, funcionou num espaço próprio visando a continuidade das
apresentações musicais.
Figura 11. Espaço Casa do Blues- Bairro Benfica- Fonte: Pesquisa direta Carlos Rubens Garcia Alves- Março de 2011
19 Fonte: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/caderno-3/sem-casa-para-o-blues-
1.386461 20 A construção do Estoril ( ou o Villa Morena) está inserida no contexto da década de 1920. O lugar
também serviu como residência aos norte-americanos nos anos de 1940. Após o termino da II Guerra
Mundial, o prédio foi arrendado por portugueses e passou a ser utilizado como bar e restaurante.
Exatamente nesse contexto que ganhou o nome de Estoril. Nesse local, se encontravam diversos nomes da
cultura e boêmia cearense.
51
Já no ano de 2011, as atividades da Associação foram retomadas a
partir de um nova parceria com a Prefeitura de Fortaleza. Nessa nova fase,
foram realizados shows em nove bairros da capital cearense culminando com
a apresentação no Parque Adahil Barreto, reunindo em torno de 3 mil pessoas
durante o evento.
Segundo os organizadores, a nova fase do projeto Casa do Blues,
contemplará duas bandas a cada apresentação ( com participação deoutros
músicos por meio das jam sessions,) totalizando 30 sábados ( maio a
novembro de 2014) de apresentações musicais gratuitas das bandas que
fazem parte do circuito blueseiro fortalezense.
Em entrevista ao jornal Diário do Nordeste, Leonardo Vasconcelos
(musico da banda Blues Label e um dos fundadores da Associação Casa do
Blues), citou a importância do projeto para a organização das bandas em torno
da criação de espaços para as apresentações:
Havia a ideia de que as bandas competiam entre si em uma concorrência desenfreada e vimos que isso era prejudicial. Percebemos que todos tinham mais a ganhar somando esforços do que ficar digladiando por espaços. Acho que a nossa iniciativa pode ser utilizada como exemplo para movimentos de outros estilos musicais ou mesmo para outras linguagens artísticas. Isso facilita quando realizamos parcerias com outras entidades. Nosso plano é atrair a iniciativa privada para o projeto” ( diário do Nordeste 24/04/2014)
Diante disso, a partir das apresentações do Circuito Casa do Blues,
inicialmente localizado na Praça do Mercado Joaquim Távora ( Avenida Pontes
Vieira) seguida de forma itinerante nos bairros de Fortaleza, e nas
apresentações no Estoril é que pude ter contato com a dinâmica cultural
promovida pelos sujeitos através da música.
52
Figura 12-Casa do Blues- Estoril- Fonte: Pesquisa direta. Carlos Rubens Garcia Alves, 2014
Nesse contexto, a cidade toma novas configurações e formas de
sociabilidade distintas. A fluidez e a ausência de territórios e grupos sociais
fixos na cidade se revelam como uma característica que dialoga diretamente
com a movimentação dos eventos de Blues e seu publico em Fortaleza.
53
3. A CIDADE MUSICAL: PERSPECTIVAS EM TORNO DA MUSICALIDADE
BLUES
Para Georg Simmel ( 1983) em texto intitulado (“A metrópole e a vida
mental”), a partir do séc. XIX a metrópole condiciona o indivíduo a adotar uma
série de práticas e modos de vida que se caracterizam pelo distanciamento
entre eles no que se refere às relações sociais e afetivas: “Assim, [...] o tipo
metropolitano de homem [...] desenvolve um[a] [‘tecnologia’] que o protege das
correntes e discrepâncias ameaçadoras de sua ambientação externa, as quais,
do contrário, o desenraizariam” (p. 13).
Essa “tecnologia” desenvolvida pelo homem metropolitano influencia a
maneira como o indivíduo passa a se comportar diante desse novo contexto na
urbe. Essa forma de comportamento é o que G. Simmel vai conceituar de
“atitude Blasé”.
Essa atitude se define a partir do sentimento de indiferença que os
indivíduos mantém entre si nas relações sociais na metrópole. No entanto, nas
sociedades contemporâneas, há como característica a formação de
agrupamentos socioculturais juvenis nos espaços sociais das grandes cidades;
questão essa que nos remete a uma análise diferenciada daquela interpretada
por G. Simmel com relação ao cotidiano urbano no começo do século XX.
Assim, por meio da dinâmica dos deslocamentos urbanos juvenis surge
um novo paradigma social, sobretudo estético-cultural, onde os sujeitos
urbanos elaboram práticas de sociabilidade que perpassam a noção de um
individualismo próprio das grandes cidades.
Nesse contexto, as relações sociais adquirem uma nova estrutura,
onde os espaços físicos e culturais não carecem de territórios definidos: “O ser
humano contemporâneo é fundamentalmente desterritorializado” (GUATTARI,
1992, p. 170).
Logo, a estrutura cotidiana do espaço urbano (com um fim em si
mesmo) é alterada a partir das novas configurações provenientes das práticas
culturais dos sujeitos. Por meio de novos usos, a cidade adquire contornos
inusitados e as relações sociais passam a adquirir sentidos múltiplos. Dessa
forma, o indivíduo das grandes cidades reelabora seus vínculos a partir de
54
rituais de socialização (sair à noite para os shows de Blues, reuniões de
grupos, sair com os amigos para baladas etc.).
Figura 13-Circuito Casa do Blues no Parque Adahil Barreto
Fonte: Pesquisa Direta, Carlos Rubens Garcia Alves, 2012.
Portanto, a ressignificação dos espaços públicos por meio da música e
a criação de um contexto sociocultural diverso a partir das apresentações no
espaço urbano são fatores que se contrapõem ao discurso de uma cidade
ditada pelo caos, indiferença e pela efemeridade das relações sociais. De
acordo com Magnani:
“Justamente para dar conta da dinâmica do uso da cidade venho desenvolvendo uma série de categorias – pedaço, trajeto, mancha, circuito – elaboradas em contextos especiais de pesquisa e cujo propósito era contrapor-se a um determinado tipo de discurso, comum na mídia (e também em muitas análises e diagnósticos técnicos) sobre o decantado caos das grandes cidades contemporâneas. Com a aplicação dessas categorias foi possível observar ordenamentos e regularidades na cidade, identificando e descrevendo, por exemplo, lugares de encontro, pontos de referência, espaços de lazer e vivência coletiva, vínculos de sociabilidade, sistemas de troca e reciprocidade, em contraste com o quadro de isolamento, desordem e fragmentação dentro do qual a cidade é muitas vezes descrita. (Magnani 1998[1984]; 2000; 2002)
55
A disposição espacial da cidade em termos de “logística cultural”, por
vezes tende a concentrar as produções artísticas em determinadas áreas da
cidade, o que faz com o que uma parte da sociedade tenha maior acesso a
essas atividades culturais.
Diante disso, esse circuito de apresentações, assim como o valor
simbólico do gênero musical também podem ser criticamente discutidos, a
partir de uma análise de como se estrutura uma politica cultural em torno da
formação de públicos. Como exemplo, veremos no próximo capítulo, uma
contextualização histórica a partir da experiência do Estado Francês no campo
das políticas culturais.
3.1. CONTEXTUALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS CULTURAIS E SUA RELAÇÃO
COM O BLUES CEARENSE.
Com o intuito de retomar sua influencia cultural mundial, o estado
francês, principalmente a partir da criação do Ministério de Assuntos Culturais
da França (criado em 1959), implementou políticas culturais, tornando-se
referencia, no que tange a intervenção do estado no plano cultural tendo como
exemplo, as maisons de la culture, projeto que concebia um modelo de
democratização cultural por meio da preservação, difusão e acesso ao
patrimônio cultural ocidental e francês.(RUBIM,2007).
De acordo com Rubim (2007), o modelo de democratização cultural
adotado pelo Estado francês, teria como objetivo aproximar a relação entre as
classes populares e a cultura ocidental; tendo como fator de aproximação, a
facilidade do acesso aos bens culturais.
Dessa forma, haveria uma maior distribuição dos bens culturais entre a
população, a partir da consideração de que com condições de acesso às
instituições e espaços públicos culturais, também estariam estimulando uma
maior adesão critica e estética ao publico frequentador desses espaços.
Nesse contexto, o Estado francês promoveu uma politica que visava
estimular a frequência da população nos equipamentos culturais incluindo-se
(museus, teatros, centro culturais, concertos, recitais etc.) mediante a utilização
56
de uma politica que reduzia os preços dos ingressos desses eventos e
apresentações artísticas, chegando até mesmo a gratuidade. Haja vista, que
com essa ação, haveria um acréscimo no público a ser atraído.
Essa ação política, deriva do entendimento que a ausência e a má
distribuição dos espaços culturais, ou o alto valor cobrado para o acesso,
justificariam a profunda cisão existente entre uma cultura externa ( ou de
qualidade) e as classes populares. No entanto, essa política não obteve êxito,
pois segundo Botelho:
“a prática redundou numa falsa democratização, pois baseava-se na crença da aptidão natural do ser humano em reconhecer “o belo” e “a verdade”, apenas pela possibilidade de ter acesso às instituições da cultura erudita”. ( Botelho,2001 pág 80).
Essa concepção de acesso, como ferramenta de disseminação do
Blues, é amplamente utilizada por seus idealizadores incluindo-se os agentes
sociais envolvidos no Projeto Casa do Blues21.
Um dos desafios da pesquisa, que tem como intuito captar uma das
perspectivas do contexto do blues, passa pelo entendimento daquilo que
definimos como o publico específico do blues na cidade de Fortaleza. Mas
como definir o conceito de público? Parece-me salutar afirmar que há uma
característica própria dos diversos tipos de publico, que seria a dispersão.
O conceito de público é variável, haja vista que em muitos eventos,
existia propriamente um direcionamento para o publico de blues-rock; dois
estilos que mantém um publico distinto, mas que por vezes se situam num
mesmo espaço devido a influencia histórica do blues para a própria origem do
rock e a similaridade de alguns ritmos musicais entre as duas vertentes.
21 O projeto surgiu a partir do encontro das bandas de blues e contou com apoio da Prefeitura de
Fortaleza para realização de shows com bandas locais. Segundo seus idealizadores, o evento é “uma reunião festiva das bandas de blues de Fortaleza, trazendo para o público da Cidade uma opção acessível de diversão”. A programação aconteceu aos sábados nas principais praças de cada secretaria executiva regional da cidade; e a partir dessa reunião foi possível identificar a transformação dos espaços urbanos (praças da cidade) em palcos para apresentações musicais.
57
Figura 14-Cartaz Promocional Allysson dos Anjos Fonte: Internet. Acessado em
29/05/2014
No entanto, a partir da pesquisa para o mestrado, passei a revisitar os
principais eventos de Blues e pude notar a existência de uma característica
com relação ao público presente.
Era comum observar os mesmos sujeitos (principalmente com relação
ao público) que acompanhavam as apresentações de Blues tanto na cidade de
Fortaleza como em Guaramiranga ( Festival Jazz e Blues) contrariando a
noção de que a questão do acesso aos espaços físicos seria um fator
preponderante na intenção da formação de publico.
No caso, o Projeto Casa do Blues22, teve como um dos objetivos a
formação de plateia, descentralizando as apresentações musicais dos espaços
privados, levando o gênero musical para as praças de cada Regional da
cidade.
A ideia de um projeto que fomentasse a formação de publico a partir de
um contato com o estilo (pressupondo uma não adesão ao Blues, por fatores
22 Atuando na capital cearense desde 2008, a Casa do Blues teve como ponto de partida para
shows a praça do mercado do Joaquim Távora, em seguida com apresentações em espaço cultural próprio e após o Cuca, Volta da Jurema, Centro Dragão do Mar, CCBNB, João XXIII, Lago Jacarey, Conjunto Ceará e Benfica.
58
como a ausência de espaços para os eventos) fez parte da concepção do
projeto Casa do Blues:
“A idéia é simples: consolidar o blues no Ceará a partir de shows realizados periodicamente em local e data que facilite o contato com todo o universo do gênero. A partir daí a intenção é conquistar parcerias que se identifiquem com o contexto do blues, somando esforços que construirão cada vez mais a Casa do Blues.” ( Fonte: Projeto Casa do Blues)
No entanto, existem diversas formas de se conceituar o público que
participa dos eventos de Blues; para o musico de Blues e artista plástico
Vinicius Aurelio (Kazane):
“O blues ele não tem um publico enorme como tem o forró, como tem o axé, ou ate mesmo o samba (que tem um publico maior). O nosso publico é restrito... sei lá 100 pessoas.. mas são fieis, eles chegam tarde, depois da meia noite. É o pessoal que chega depois de varias baladas. Quem curte blues é assim, eles já chegam atrasados... Mas eles tão lá! Não é aquela coisa de quem compra ingresso antes... Blues é assim, ele vai no dia que ta afim, mas é um publico fiel. A maioria são músicos, a gente faz show mais pra musico. ( entrevista realizada em 08/05/13)
Diante disso, uma das perspectivas para se entender o movimento
cultural do Blues passa pela relação entre o papel do poder publico, a formação
de plateia, e a movimentação politica promovida pelos músicos e produtores
culturais. Essa relação é permeada por um conjunto de fatores que se
configuram na concepção e implantação das politicas culturais.
A partir dessa perspectiva, Rubim (2007), realiza uma reflexão acerca
das “tradições criadas” advindas da relação entre Estado e a cultura no Brasil.
Para o autor, existem três características fundamentais que marcam a historia
da relação entre o Estado e a cultura no país, são elas: ausência, autoritarismo
e instabilidade.23
No entanto, o entendimento de conceitos como cultura e públicos
permeados por noções elitistas e generalistas seriam características das
políticas culturais no país. A partir de uma contextualização histórica, essas
características foram incorporadas através da experiência do Estado francês,
23 Segundo o autor, esses três fatores influenciaram as políticas culturais implementadas pelo Estado brasileiro até o
ano de 2002.
59
no âmbito da implementação de políticas culturais, principalmente naquilo que
se entende como democratização cultural24
3.2. A INFLUÊNCIA DO CAPITAL CULTURAL NA FORMAÇÃO DE
PÚBLICOS
Em outro contexto, já no ano de 1964, foi realizada uma pesquisa
coordenada pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu, que teve como objetivo
analisar os hábitos culturais europeus, principalmente, a questão da frequência
aos espaços de museus.
Os resultados dessa pesquisa foram reunidos na obra O amor pela
arte. Os museus de arte na Europa e seu público (BOURDIEU, 2007) que
dentre suas análises, demonstrava a relação entre o público que frequentavam
os museus e outros espaços culturais e sua origem socioeconômica, atrelada
ao seu capital cultural.
Os resultados obtidos da pesquisa indicaram que, a implementação de
politicas que visavam a redução das barreiras físicas entre uma cultura erudita
e as classes populares através de estímulos a visitação aos museus (seja por
gratuidade ou redução dos preços dos ingressos), revelaram-se como
iniciativas insuficientes.
Diante disso, a partir da análise de Bourdieu, o modelo de
democratização da cultura, se revela como um processo vertical e
centralizador, principalmente no âmbito da definição dos conceitos de publico e
capital cultural25, que permeavam as ações politico-culturais francesas.
Nesse contexto, o processo de centralização e implantação de políticas
culturais, acarreta questionamentos quanto ao caráter democrático e
participativo da sociedade, reduzindo o nível de abrangência das políticas
públicas, assim como a continuidade das ações planejadas.
24 Rubim destaca o autor Philippe Urfalino (2004) que considera André Malraux, a partir de sua experiência no
Ministério de Assuntos Culturais da França, como o responsável pela noção de política cultural na
contemporaneidade.( (RUBIM, 2009, p.95).
25 A noção de “capital cultural” é formulada por Bourdieu (2007) e compreende o repertório cultural de
um indivíduo formado a partir da sua vivência escolar e familiar.
60
O conceito de cultura utilizado no processo de democratização cultural
apresenta como base, um formato erudito, legitimado pelos setores que
definem os parâmetros estéticos a serem determinados, por vezes anulando a
diversidade cultural existente a partir de uma hierarquização cultural.
No caso, outro equívoco na concepção de democratização da cultura
seria a noção de público como um fator homogêneo, sendo a capacidade de
fruição restrita a uma esfera social.
Dessa forma, o paradigma da democratização cultural considera que
somente a fruição, como substância de um sistema cultural, é relevante para a
formação do capital cultural do indivíduo, a revelia de todos os processos
sociais e culturais pela constituição desse capital.
Além disso, a questão em torno da acessibilidade aos bens culturais é
tida pela concepção da democratização cultural como uma questão que
envolve fatores meramente financeiros e físicos, não aprofundando o debate
em torno de uma dimensão ampliada de política cultural.
Diante disso, a partir do paradigma de uma democratização cultural,
consequentemente, há uma valorização de uma cultura erudita como elemento
norteador de políticas culturais no ocidente.
No entanto, a partir da pesquisa empreendida por Pierre Bourdieu,
notou-se que as políticas culturais, com base no conceito de democratização
cultural não reverteram o cenário desigual com relação ao acesso da
sociedade à produção cultural legitimada, não integrando os demais setores da
sociedade no campo das artes eruditas (Botelho, 2011).
Com relação ao blues, a questão do acesso passa pelo entendimento
dos diversos tipos de públicos e plateias que compõem o cenário musical nos
eventos, haja vista que a questão do publico dos eventos de Blues, sempre se
revelou como um fator que despertava a atenção nas apresentações.
Durante o projeto Casa do Blues, existia um publico “fiel”, em sua
maioria, formada por jovens, que acompanhavam as apresentações nos
diversos pontos da cidade. Por vezes, a familiares dos músicos se instalavam
em frente ao palco e interagiam com as bandas, fazendo parte da plateia. Em
uma apresentação ocorrida no Teatro das Marias (Praia de Iracema), tive a
seguinte experiência:
61
A apresentação de Blues fazia parte do encerramento de um evento o “Cineclube Blues”; a banda musical da noite (Blues Label), é formada por músicos que também fazem parte de outras bandas, esse é uma fator comum na maioria dos grupos, ou seja, os mesmos músicos tocam em diferentes bandas de Blues. Também pude constatar que os integrantes, trazem seus próprios instrumentos e montam a estrutura das apresentações ( transporte e disposição dos instrumentos no palco, afinação, etc). O público nessa apresentação era formado por alguns familiares e amigos dos músicos que consumiam bebidas alcóolicas e assistiam sentadas ao espetáculo, interagindo entre si. ( etnografia realizada em 15/06/13).
Para o músico de Blues, Felipe Cazaux, a relação de sua arte com o
publico desempenha um papel fundamental em sua carreira musical:
“... tocar em Fortaleza... eu não sigo essa de é melhor tocar aqui ou ali, entendeu? Agora com certeza, a única coisa que posso te dizer é que com relação a melhor e pior é que é melhor você tocar num show cheio. Isso é certeza. Se você vai tocar e tem tipo cinquenta pessoas empolgadas em assistir teu show eu já acho massa . Se tem umas trinta pessoas eu já acho considerável. Abaixo disso, a gente já fica achando que é pouco e tal.. mas não vou mentir pra você.. toquei ano passado em Guaramiranga e contabilizaram que foi o maior publico da historia do Festival. Foi Massa! ( entrevista realizada em 05 de outubro de 2013)
Diante disso, essa concepção, integra um novo entendimento acerca
da questão do público, ou seja, “uma política cultural atualizada deve
reconhecer a existência da diversidade de públicos, com as visões e interesses
diferenciados que compõem a contemporaneidade.” (CALABRE, 2007, p.11).
Nesse contexto, a incorporação do conceito de democracia cultural,
exige consequentemente, uma ampliação daquilo que definimos como cultura
por meio de uma abordagem que leve em conta as dimensões antropológicas
inseridas nesse conceito, pois:
a cultura se produz através da interação social dos indivíduos, que elaboram seus modos de pensar e sentir, constroem seus valores, manejam suas identidades e diferenças e estabelecem suas rotinas. Dessa forma, cada indivíduo ergue a sua volta, e em função de determinações de tipo diverso, pequenos mundos de sentido que lhe permitem uma relativa estabilidade. (BOTELHO, 2001, p.74)
Para Botelho, o nível de amplitude do conceito de cultura prescinde de
políticas também abrangentes, que perpassem a esfera política, haja vista que
para a autora:
62
“a cultura, em sua dimensão antropológica, não é uma responsabilidade específica do setor governamental dela encarregado: ou ela é uma diretriz global de governo, ou não poderá existir efetivamente como política específica”. (BOTELHO, 2001, p.76).
Nesse contexto, um conjunto de políticas voltadas para o plano cultural,
passa pela necessidade de uma harmonia entre os serviços públicos culturais e
a formação de plateia.
Ou seja, a criação de uma política que possa assimilar as novas
tecnologias juntamente com investimentos no setor de mediação cultural.
Nessa perspectiva, a pesquisa coordenada por Bourdieu revelou perspectivas
diferenciadas a partir da existência de uma cisão entre o publico e a produção
artística; de acordo com Botelho:
Os resultados de pesquisas foram de encontro a essa suposição, mostrando que as barreiras simbólicas eram fator prepoderante, impedindo que novos segmentos da população tivessem acesso à oferta da cultura “clássica”. A força dos resultados teve papel fundamental na mudança do paradigma, pois hoje não se fala mais em democratização da cultura, mas sim em democracia cultural, que, ao contrário da primeira, tem por princípio favorecer a expressão de subculturas particulares e fornecer aos excluídos da cultura tradicional os meios de desenvolvimento para eles mesmos se cultivarem, segundo suas próprias necessidades e exigências. (BOTELHO, 2001, p.81).
Dessa forma, com a inserção desses elementos na análise sobre o
modelo de democratização cultural, surge um novo paradigma: o modelo de
democracia cultural. Esse modelo para as políticas culturais contemporâneas
foi difundido no contexto europeu, principalmente com o auxílio da Unesco26 e
almeja um entendimento maior do conceito de cultura pois:
“... reconhece a diversidade de formatos expressivos existentes, busca uma maior integração entre cultura e vida cotidiana e assume como condição da política cultural a descentralização das intervenções culturais.” (BOLÁN, 2006, p.87 apud RUBIM , 2009, p.96).
26 Segundo Botelho (2001, p.83), a UNESCO, sediada em Paris, foi responsável pela
propagação em outros países de políticas surgidas no contexto francês.
63
Logo, as políticas culturais definidas nesse novo contexto, acabam por
promover a descentralização das ações culturais, tendo implicações inclusive
nas questões referentes aos processos de municipalização da cultura.
Por conseguinte, o processo de descentralização cultural, além de
promover maior interlocução entre os diferentes níveis da gestão pública,
favorece o desenvolvimento das expressões culturais locais, aproximando
ainda mais poder público e sociedade27.
Para tanto, visando uma reflexão acerca dos conceitos de publico,
sociedade, cultura e estética busco uma sociologia da arte, tendo a
musicalidade do Blues Cearense, como base para a construção de um
pensamento sociológico. È o que veremos no próximo capítulo.
3.3 A RACIONALIDADE ESTÉTICA: UMA ANÁLISE DO BLUES A PARTIR
DA SOCIOLOGIA DA ARTE:
Na sociologia, com relação as primeiras análises sociais a partir de
elementos musicais, podemos citar Max Weber (1995) que na obra Os
fundamentos racionais e sociológicos da música, analisou a história da música
ocidental relacionando-a com o processo de racionalização do capitalismo
numa perspectiva conceitual e histórica.
Dessa forma, Weber, enfatiza uma relação entre a criação artística
individual e a utilização dos meios técnicos utilizados para esse fim. Há em sua
análise, uma busca acerca de como um aparato (ou meios técnicos) favorece
e/ou limita a criação artística.
No entanto, Weber não afirma a existência de uma relação causal entre
o meio técnico e o campo artístico. Trata-se antes de uma relação de
interdependência entre esses fatores.
Diante disso, uma sociologia da arte ou da música não reside apenas
no seu caráter estético podendo ser conduzida por meio da análise dos meios
técnicos utilizados para expressão da arte. Assim, para Weber, a análise
27 In apud Cultura e Municipalização (LEITÃO, 2009) para aprofundamento da discussão
acerca da descentralização da gestão cultural no país.
64
empírica da arte estaria relacionada ao estudo dos meios técnicos de
expressão; essa seria a sua contribuição para uma sociologia da arte.
Max Weber analisa o campo artístico de uma forma bastante peculiar28,
pois em sua perspectiva, uma investigação sociológica que evidenciasse
apenas a fruição, ou a expressão artística, se afastaria do campo empírico.
Com isso, o autor propõe uma “segmentação” entre sociologia da arte
e sociologia estética, a qual, estaria condicionada a juízos de valor sobre a
produção artística. No entanto, a esfera artística, no caso musical é formado
pela interação de valores estéticos, políticos, culturais etc.
Com relação a esfera musical do blues em Fortaleza, tive que me
adaptar a uma sonoridade distinta de meu contexto; para apreciar o blues
precisei captá-lo não apenas como uma mistura de ritmo e melodia (ou o que
está sendo dito), mas sim, atentar para o modo como os três elementos citados
se articulam na composição musical.
A isto os bluesmen, a exemplo de um dos integrantes da banda Blues
Label, o tecladista Leonardo Vasconcelos, denomina de Feeeling Blues
(sentimento blues).
“o Blues é simples. São poucas notas. Mas o que define a magia do blues é o “como” em pequenas notas o músico consegue passar um sentimento carregado,..é aí que fazer Blues se torna difícil e pessoal, é aí que reside a identidade do músico. Nunca a mesma música, soa da mesma forma. Vai depender de como o músico quer expressar e isso se relaciona com o próprio estado de espirito no momento.( Leonardo Vasconcelos, tecladista da banda Blues Label)
Durante a pesquisa, tentei apropriar-me conceitualmente esse
sentimento blues. Nesse contexto, apenas a percepção de uma “sublimação
artístico-sonora” tenderia a ser superficial, haja vista que a dimensão do prazer
estético enfatiza tão somente a individualidade do ser.
Ao contrário, a concepção de um movimento artístico e cultural passa
pela interação de diversos fatores tanto de ordem objetiva (instrumentos, redes
28 Weber também destaca a importância do desenvolvimento do racionalismo econômico “como aspecto
mais notável da vida econômica atual como um todo”. Dessa forma, o desenvolvimento de um espirito do
capitalismo estaria relacionado ao processo de inserção do racionalismo “sobre os problemas básicos da vida”. A
grande questão que se coloca é como essa racionalização da vida, impulsiona a devoção ao trabalho e uma noção de
vocação, tornando-se, um “dos elementos mais característicos da nossa cultura capitalista”.
65
de distribuição, mídia, técnica etc.) como o papel da “subjetividade”
especificamente no campo artístico.
Essa “subjetividade” do campo musical serviu de objeto de estudo para
a Escola de Frankfurt, que teve como um dos seus teóricos, Theodor Adorno
(1947). Adorno, apresenta o conceito de Indústria Cultural no livro: Dialética do
Esclarecimento (1947), escrito em parceria com Horkheimer.
Para os referidos autores, o conceito de Indústria Cultural, tem relação
com a exploração, com fins comerciais e econômicos, de bens considerados
culturais, não só daqueles criados unicamente para esses fins, mas também
daqueles tidos como “genuinamente” culturais, descaracterizados pela
exploração econômica que os transformou em produto.
Na Industria Cultural, portanto, há um processo de padronização tanto
dos bens culturais, mas também de seus consumidores, a partir de uma arte
que deve ser consumida universalmente.
66
4. PERSPECTIVA DA ANÁLISE POPULAR: ESCOLA DE FRANKFURT E A
INDÚSTRIA CULTURAL
As análises acerca da musica popular, ganham ênfase, principalmente
a partir dos estudos de Adorno29, e da Escola de Frankfurt ( início séc. XX).
Adorno ( 2002), adotava a perspectiva da crítica cultural; diante disso,
determinados tipos de musica (commodities) seriam produções oriundas da
Industria Cultural e outras, seriam tipos “sérios” de musica, que a partir de uma
postura reflexiva, buscavam uma nova conceituação na sociedade. Dessa
forma, a musica popular seria uma produção mercadológica acrítica, de caráter
não reflexivo, visando uma estandardização massiva (Adorno e Horkheimer
;1985)
Portanto, a música popular seria produto de uma falsa individuação, ou
seja, de um processo de relação entre cultura e o mercado. Esse processo
culminaria numa estandardização que dispensando a individuação,
impulsionaria o individuo à mera imitação.
O individuo, nesse contexto, torna-se então, esteriotipo sob a égide da
indústria cultural. Podemos caracterizar, assim, o processo de pseudo-
individuação na musica popular como um cotidiano cultural industrializado; “ as
particularidades do eu são mercadorias monopolizadas e socialmente
condicionadas que se fazem passar por algo de natural” (Adorno; Horkheimer,
1985 p.128).
Diante disso, a originalidade da produção musical se desvincularia de
seu aspecto “ original” para se submeter às regras do mercado cultural, tendo
como consequência, segundo os pensadores da escola de Frankfurt, “ocupar
os sentidos dos homens da saída da fábrica, à noitinha, até a chegada ao
relógio do ponto, na manhã seguinte [...]” (Adorno; Horkheimer, 1985 p. 108).
29 Sua análise é produto do contexto do advento do rádio, a partir do seu exílio nos Estados
Unidos no final da década de 1930. Nesse período, juntamente com demais pesquisadores no Bureau Social Research da Columbia University, teve uma noção da amplitude de veiculação da musica popular por meio do rádio.
67
De acordo com esse viés, a indústria cultural seria o mais inflexível de todos os
estilos.
No entanto, a discussão em torno da obra de Adorno, para o trabalho
de pesquisa, torna-se um referencial no sentido de dar subsidio a uma história
de análise da musica popular. A intenção é partir de seus conceitos para
discussões mais contemporâneas com relação a temática, o que por si, é
imprescindível. Concordo com Keith Negus ( 1996), ao afirmar que um estudo
acerca das audiências de musica popular devem se ater a obra de Adorno.
Fatores como a “ regressão da audição” ( Adorno, 1999) ou o
tratamento infantilizado que acomete os consumidores de musica no contexto
da indústria cultural, se revelam como adjetivos que acabam por limitar uma
discussão que ultrapasse a lógica de uma produção musical “industrial”.
Dessa forma, as noções inseridas aqui, sobre a obra de Adorno, tem a
intenção de abrir perspectivas para o entendimento de questões sobre a
musica que, privilegiem como afirma Negus ( 1996) um papel cada vez mais
ativo dos sujeitos. Essa perspectiva nos leva a compreensões sobre a musica
popular que vão além de um “pessimismo” existente na crítica cultural de
Adorno.
A necessidade de novas compreensões, guiaram a pesquisa para dois
modelos distintos de pensamento que se completam em suas abordagens: O
pensamento da Escola de Chicago, a partir das noções de Howard Becker e
sua pesquisa sobre os músicos de jazz na década de 1950; linha de
pensamento, essa, que utilizou- se do conceito de subcultura para
compreensão sociológica das ações desviantes.
E também, os Estudos Culturais ingleses a partir do Burmingham
Centre for Contemporary Cultural Studies ( CCSC)30 que ao também se
apropriarem da noção de subcultura, buscaram explicitar a origem e existência
30 Com relação aos estudos originados do Burmingham Centre for Contemporany Cultural Studies
(CCCS), a crítica de alguns pontos do pensamento de Adorno ( tendo em vista sua crítica cultural) ganha
a seguinte dimensão: a música, como qualquer outro commoditie existente, teria como característica,
também contribuir para a construção de uma identidade, uma forma de pertencimento a uma “ subcultura
espetacular” que traria um novo entendimento da musica, não apenas como uma forma de alienação, mas
sim de resistência dos jovens da classe trabalhadora com relação aos novos panoramas que se
apresentaram no contexto da Inglaterra pós-guerra (Hall e Jefferson, 1975; Hebdige, 1979)
68
de grupos urbanos que surgiram no contexto da Inglaterra ( pós-guerra), tendo
como grupo, para exemplo, o movimento punk.
4.1 HOWARD BECKER E O CONTEXTO DO JAZZ EM CHICAGO
As pesquisas de Howard Becker (que foi pianista de jazz) acerca dos
jmúsicos de Jazz fizeram parte de sua tese de mestrado. Na ocasião, o autor,
acompanhou as atividades dos músicos que se apresentavam na noite da
cidade de Chicago (Becker, 1951).
Por meio desse estudo, Becker passa a adotar a perspectiva de uma
sociologia da arte, onde, visava (utilizando o conceito de “mundos da arte” ou “
art words”) uma sociologia das ocupações aplicadas ao trabalho artístico. Essa
concepção sociológica é notória, pois admite o fato de que “os artistas não
eram tão diferentes de outros trabalhadores” (BECKER, 1982 p. 10). Segundo
Becker:
Mas para Adorno a sociologia da música quer dizer "por que Schõnberg é melhor do que os outros". Logo me irritei com Adorno, porque um dos seus primeiros artigos traduzidos para o inglês era sobre jazz. E não era apenas um artigo contra o jazz, era um artigo racista. Ele quase falava da música negra como "música da selva" - acho que usava essa expressão. Era horrível, e eu pensei: "Esse sujeito não sabe nada. Qualquer pessoa poderia cometer um erro desses, que é um erro muito sério. Ou ele é um tolo ou é um preguiçoso que não faz o seu trabalho direito, não sabe do que está falando." É uma coisa horrível de se dizer sobre ele, mas eu disse. Ele foi muito ofensivo. [...] Adorno praticava um tipo de elitismo do qual eu realmente não gostava. Toda a teoria da sociedade de massas que homens como Adorno criaram reflete exatamente, uma visão elitista das culturas da classe trabalhadora. Apesar de não ter lido todos os seus trabalhos, eu não estava de acordo com a opinião deles (Becker, 1990, p. 132).
Assim, Becker, desenvolve sua pesquisa sendo influenciado pelos
direcionamentos do que se tornou reconhecido pela Escola de Chicago. Dentre
esses “direcionamentos” sobressaem determinadas características como a
adoção de um trabalho empírico minucioso, atrelado a métodos qualitativos de
pesquisa. É, sobretudo a partir dessas características, que a análise de Becker
sobre os músicos de Jazz é estruturada.
69
Esse trabalho foi realizado por meio da própria visitação do sociólogo
aos “lugares do jazz” e também por sua interação com os músicos de Chicago.
Becker, utiliza-se de uma análise sobre aquilo que é considerado uma “boa ou
má musica”, fator esse visível principalmente na tensão existente nas
apresentações em que os músicos tocam musicas “feitas” para a dança,
quando na verdade, queriam estar atuando, tocando o Jazz e exercendo sua
capacidade musical do improviso; tão ao seu gosto e que é tão peculiar a esse
estilo.
Nesse caso, pode-se considerar que a atuação “desviante” do musico
de Jazz, no momento em que surge essa tensão entre “tocar o que se gosta” e
“tocar para agradar”, acarreta a criação de uma visão própria de si que faz
com que se vejam como pessoas dotadas de um dom especial; enquanto que
os “ squares”, ou os “caretas”, seriam aqueles que tinham uma pouca
capacidade de fruição musical.
Diante disso, a análise de Becker, acerca do universo do jazz é
formada por meio de vivências do próprio autor e relatos de seus parceiros
também músicos, compondo, assim um estudo mais detalhado do contexto em
questão.
Podemos traçar assim, uma diferença entre os escritos de Adorno31 (
1969) que tratavam a os estudos da musica popular de uma forma mais
generalizada, conferindo-lhe um caráter padronizado. Dessa forma, não
haveria condições de se visualizar a dicotomia existente entre a dance music (
ou outros gêneros) com relação ao universo do jazz.
Com isso, ao explicitar as diferentes abordagens sobre a musica
popular, o trabalho de pesquisa segue uma linha direcionada aos estudos
advindos da sociologia americana, presentes na Escola de Chicago.
31 Adorno analisa a musica jazz a partir de um contexto onde esse estilo seria um mero produto da
indústria cultural.
70
4.2 A MÚSICA POPULAR E UMA ANÁLISE A PARTIR DAS PERSPECTIVAS
DAS CENAS
Segundo Bennett (2004), os estudos da musica popular se
consolidaram a partir da inclusão de uma série de novas abordagens em
termos de perspectivas32, principalmente, por meio do IASPM ( Internatinonal
Association for the Study of Popular Music), associação essa, criada no ano de
1981. Para Bennett, a atividade acadêmica sobre música passa por uma
compreensão das implicações socioculturais que a musica exerce no contexto
cotidiano da sociedade.
No caso, a perspectiva das cenas musicais, no início, era utilizada por
músicos e jornalistas que descreviam as atividades dos grupos musicais e de
admiradores de determinados gêneros específicos (como por exemplo:
movimento do blues de Chicago, a musicalidade do jazz de New Orleans, entre
outros.); somente nos anos de 1990, essa perspectiva torna-se um modelo
acadêmico de trabalho.
Dessa forma, a perspectiva das cenas se consolida a partir de uma
crítica teórica das pesquisas sobre musica ( realizadas até então) que
utilizavam o conceito de subcultura como parâmetro primordiais para seus
modelos de análise.
4.3 A EMERGÊNCIA DAS SUBCULTURAS
O conceito de subcultura foi utilizado inicialmente pela Escola de
Chicago com a finalidade de pensar sociologicamente questões como o crime e
o desvio. No início da década de 1970, essa noção foi apropriada pelos
teóricos33 do Burmingham Centre for Cultural Studies ( CCCS); no caso,
32 Algumas disciplinas como: sociologia, historia, antropologia, economia, estudos culturais e de mídia,
estudos de linguagem, folclore e psicologia, de acordo com Bennet (2004), compunham as reuniões da
IASPM e outros eventos acerca da musica popular.
33 Esses teóricos foram influenciados pela tradição britânica, principalmente, por pesquisadores como
Raymond Williams, Richard Hoggart e E. P. Thompson48. A análise desenvolvida pelo centro de estudos
tinha como foco, a emergência de subculturas juvenis no contexto pós-segunda guerra mundial.
71
visando um entendimento acerca da movimentação cultural promovidas por
grupos de jovens na Inglaterra do pós-guerra, tendo como exemplos os punks,
teddy boys e os mods.
Figura15-Subcultura Punk- Fonte: http://fashionandpower.blogspot.com.br/20110201
Acessado em 08/05/2014
Uma das principais críticas ao conceito de subcultura diz respeito à
rígida associação entre os fatores estéticos musicais e as classes sociais de
origem daqueles que compartilham de determinados estilos. Para os
estudiosos do CCCS, as “subculturas” se configurariam em espaços de
resistência criados pela classe operária britânica, frente às grandes questões
estruturais de sua existência na época.
Como exemplo da associação entre estética musical e classe social,
cito Jefferson ( 1976), onde afirma que o estilo que compunha a vestimenta
peculiar dos teddy boys, estava relacionada ao incremento do poder aquisitivo
de jovens trabalhadores no contexto pós guerra, que ( por exemplo)
proporcionariam o uso de ternos, que outrora, era privilégio da classe média
inglesa.
Esse exemplo ilustra o entendimento acerca do conceito de subcultura
adotado pelo CCCS, que visualizava a musica popular e a adoção de uma
variabilidade de estilo visual e de bens de consumo, como uma consequência
do aumento do poder de comprada classe jovem trabalhadora inglesa.
72
Figura 16. Ted Boys. Fonte: http://parkaavenue.blogspot.com.br/2012/09/the-boating-blazer-how-mods-made.html Acessado em 08/05/2014
No entanto, para Bennett (1999), o termo “subcultura”, se revelaria
inadequado como instrumento de análise para as categorias que relacionavam
musica, identidade, juventude e estilo. Segundo o sociólogo britânico, essa
conceituação parte de uma rigidez sociológica onde uma cultura se divide em
traços coerentes e fixos com relação a outras culturas, conferindo-lhe um traço
homogêneo ao mesmo tempo em que dispares.
A partir dos estudos de Maffesoli ( 1988), Bennett ( 1999), destoando
da noção de subcultura, estabelece o conceito de neo-tribo como um novo
parâmetro para a análise sociológica da relações existentes entre musica,
juventude e estilo.
Mafessoli, adota o conceito de tribos no intuito de analisar as
estruturas que se expressam por meio dos estilos de vida. Para o autor, as
identidades tribais seriam mais compreendidas a partir de uma relação de
consumo do que propriamente, de fatores como classe ou gênero.
Nesse contexto, a noção de lifestyle, também proposta por Maffessoli e
aqui representado para além de seu mero significado ( modo de vida); seria um
recurso de análise para compreender a construção de grupos em torno de suas
identidades. Com isso, os indivíduos elegeriam determinados padrões de
consumo, articulando-os culturalmente a modos de expressão individuais.
73
Portanto, essa linha de pensamento, se difere daquela difundida pelos
estudiosos do CCCS (que apregoavam a existência de formas de resistência
frente a estruturas sociais estabelecidas), pois visualizava nas relações de
consumo, formatos de emancipação cultural.
Diante disso, o autor, a sociedade de massa, traria uma maior
liberdade, pois ofereceria aos indivíduos, uma maior gama de lifestyles por
meio do consumo de bens. No entanto, Bennett (2004) apresenta uma nova
análise para os estudos culturais, a partir da utilização da perspectiva das
cenas musicais. Essa perspectiva colabora com a formação de um pensamento
sociológico acerca da cena musical do blues em Fortaleza.
74
5. MÚSICA E ESPAÇO URBANO: UMA INDICAÇÃO DE ANÁLISE A PARTIR
DAS CENAS
O intuito de analisar o contexto musical da cena cultural do blues na
cidade de Fortaleza- CE, passa pela compreensão de que os fenômenos
musicais da cidade estão (na perspectiva adotada) inteiramente relacionados
com a construção de práticas, significações e representações sociais, tendo
como lugar, o contexto urbano.
O espaço urbano de Fortaleza, com seus lugares, bares, casas de
shows e equipamentos culturais, não são compostos apenas de aspectos
geográficos e materiais, mas também, são formados por uma pulsação
revelada por meio das relações sociais e dos campos simbólicos e culturais.
Essa “pulsação” existente no espaço urbano por meio das práticas
sociais tem como elementos estruturais, o modo de como os indivíduos
exercem formas peculiares de ser e se apropriar das cidades. Com isso, de
acordo com Carlos ( 2004):
“ o que marca e determina as relações entre pessoas e entre elas e a cidade é o uso, e é por isso que no espaço se lê a continuidade da história. Dessa forma, busca-se privilegiar as ações dos sujeitos, através da sua apropriação e do uso que fazem das formas culturais”
Segundo Michel de Certeau ( 1995) existe uma distinção entre as
noções de espaço e lugar. Para o autor, o conceito de lugar se refere a um
ordenamento definido pelas relações de sociabilidade, enquanto que “o espaço
é um lugar praticado”, ou seja, é fruto das relações humanas nos espaços de
coexistência que colaboram para a formação de redes de significados.
A partir dessas redes de significados, são produzidas as mais variadas
formas de se conceber (discursos) a cidade. Nesse contexto, as relações
sociais, por meio de suas práticas e sujeitos, remodelam o espaço urbano
conferindo à cidade, espaços múltiplos de representação:
É construção de um ethos, que implica na atribuição de valores ao que se convenciona chamar de urbano, é produção de imagens e discursos que se colocam no lugar da materialidade e do social e que os representam; é percepção de emoções e sentimentos; é expressão de utopias, desejos e medos, assim como é prática de
75
conferir sentidos e significados ao espaço e ao tempo, que realizam na e por causa da cidade.” ( Pesavento, 2002, p.24)
Diante disso, a relação existente entre a produção musical popular e o
contexto das cidades, pode ser analisada a partir de suas práticas e
representações. Segundo o historiador francês Chartier (1990) é preciso “
identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada
realidade social é construída, pensada, dada a ler. Essa perspectiva nos
remete a um compreensão do espaço urbano que privilegia as relações que
constituem esse espaço:
.
Pode-se pensar uma história cultural do social que tome por objeto a compreensão das formas e dos motivos – ou, por outras palavras, das representações do mundo social – que, à revelia dos atores sociais, traduzem as suas posições e interesses objetivamente confrontados e que, paralelamente, descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou gostariam que fosse (Chartier, 1990 p.19)
Conforme Chartier, em consonância com o pensamento de Clifford
Gueertz (1989 ), tem se a necessidade de uma compressão dos fenômenos
sociais para além de uma “ textualização da cultura” haja vista, que esses
fenômenos se revelam também no campo das “práticas não discursivas”:
Não podemos pensar que há uma identidade necessária entre a lógica propriamente textual e as estratégias das práticas. Foucault estudou em seus livros a tensão entre as séries discursivas e os sistemas não-discursivos. Michel de Certeau plasmou isto na tensão entre as estratégias discursivas e as táticas de apropriação. Bourdieu refletiu sobre as razões escolásticas e o sentido prático. Nesses três casos de vocabulários teóricos diferentes o que há em comum é a diferenciação entre a lógica da produção textual ou da decifração de um texto utilizando as escritas e as práticas ou estratégias de outras formas de construção, que são as práticas cotidianas, habituais etc. (Chartier, 1995, V.8)
Portanto, a análise social, a partir de suas representações, amplia a
discussão em torno tanto das ações dos sujeitos, por meio de suas
construções simbólicas e signos de pertencimento, quanto as questões
referentes ao espaço urbano, palco de suas ressignificações.
Deste modo, há uma interação constante entre a ação e o espaço de
atuação dos sujeitos. As produções musicais, nesse sentido, são
76
compreendidas a partir de uma prática social. Já essa prática, resulta na
formação de representações acerca dos aspectos urbanos:
Particular urban and suburban places or spaces have thus come to have symbolic significance within popular music culture, including the city streets and highways of classic rock music and the garages, cellars, and lofts of alternative or bohemian culture. Such places are not just represented through music making but may also be experienced ( Cohen, 2007, p.10)
Acerca da relação entre a musica e as praticas culturais urbanas, Sara
Cohen (2007) ressalta como exemplo, o processo de transformação urbana
ocorrida nos anos de 1990, na cidade de Liverpool, onde se destaca a atuação
dos músicos em relação ao cenário urbano e suas implicações:
The built environment is associated with particular ideas about creativity, and along with the sonic environment it has commonly provided music makers with a rich, symbolic resource that they can draw upon in the production of popular music sounds, lyrics, and visual images (…)I have so far argued that music makers actively produce and characterize place through their social, ideological, and emotional engagement with the built environment ( Cohen, 2007 p. 9)
Assim, o fenômeno do blues na cidade de Fortaleza, tem como
perspectiva de análise, a constante interação entre as produções musicais e as
práticas socais como fatores de transformação dos espaços urbanos e
construção de identidades culturais que fomentam a criação de uma cena de
blues local.
Essa análise visava uma compreensão da emergência de culturas
urbanas juvenis, a partir de fatores como: conflito de gerações, classes sociais
e a próprio contexto sociocultural:
(…) social groups develop distinct patterns of life, and give expressive form to their social and material life experie ce. The term subculture or ‘subsets’ refer to the ‘smaller, more localised and differentiated structures, within one or another of the larger cultural networks. (HALL, 1976, p.10)
No entanto, para Thornton ( 1996) a perspectiva adotada pela noção de
subcultura tem recebido críticas principalmente pelos seguintes fatores:
abordagem das subculturas, como um fator de resistência cultural e também
77
por um formato de análise que cria uma visão superficial e dicotômica entre as
subculturas e tudo aquilo que seria produção cultural de cunho conformista.
Outra crítica estrutural reside na utilização do conceito de classe como
definidor dos estilos juvenis, excluindo assim, as possibilidades criativas e
identitárias advindas do campo da moda, da musica etc.
5.1 AS CENAS URBANAS
De acordo com a perspectiva de Straw (2004), as cidades
contemporâneas, por meio da noção de cenas, estabelecem parâmetros de
distinção, mesmo inseridas numa época de produções culturais de caráter
global:
Cena designa aglomerações particulares de atividade social e cultural sem especificar a natureza das fronteiras que as circunscrevem. Cenas podem ser distinguidas de acordo com sua localização (como na cena St. Laurent de Montreal), o gênero de produção cultural que os dá coerência (um estilo musical, por exemplo, como em referências à cena electroclash) ou a atividade social vagamente definida ao redor da qual elas tomam forma (como as cenas urbanas de jogos de xadrez). Cena nos convida a mapear o território da cidade de novas formas, ao mesmo tempo designando certos tipos de atividade cuja relação com o território não é facilmente afirmada. [...] Cena é um modo de falar da teatralidade da cidade – da capacidade da cidade de gerar imagens de pessoas ocupando espaço público de modos atrativos. Nesse respeito, cena captura o senso de efervescência e exibição que são características duradouras de uma estética urbana, como tem sido elaborada na literatura, música e cinema. Aqueles cujos interesses primários são as dimensões lúdica ou experiencial da cultura urbana são levados à cena como um conceito que expressa essas dimensões de formas flexíveis. […] Cenas emergem do excesso de sociabilidade que cerca a busca de interesses, ou que abastece a inovação e experimentação contínuas dentro da vida cultural das cidades. O desafio para a pesquisa é aquele de reconhecer o caráter elusivo e efêmero das cenas, ao mesmo tempo em que reconhece seu papel produtivo e até mesmo funcional dentro da vida urbana. Cenas são elusivas, mas elas podem ser vistas, mais formalmente, como unidades de cultura da cidade (como subculturas ou mundos da arte), como uma das estruturas de evento através da qual a vida cultural adquire sua solidez. Cenas são uma das infraestruturas da cidade para troca, interação e instrução (STRAW, 2004, p. 412-413)
Portanto, para Straw a cena apresenta um caráter fluido e flexível ao
mesmo tempo em que define condições funcionais, em termos culturais, para a
cidade. A musica, nesse sentido influencia uma interatividade entre sujeitos na
78
urbe, configurados na vida noturna das apresentações em bares, casas de
shows e centros culturais.
Sthal ( 2003) também constrói uma crítica aos estudos subculturais,
principalmente, na ênfase exercida em questões relacionadas aos estilos
visuais em detrimento de questões que objetivariam a importância do consumo
musical no surgimento e estabelecimento de variados movimentos culturais
juvenis.
Para Freire Filho ( 2006) outra observação crítica fundamental, diz
respeito ao entendimento da cidade como um mero cenário de atuação dos
sujeitos, excluindo o aspecto urbano como um fator que influencia e é
influenciado pelas produções sócio musicais. Assim, segundo Barbero ( 1995):
“Na América Latina, vários autores começaram a diferenciar, por esse motivo, do ponto de vista metodológico e epistemológico, a sociabilidade, uma outra dimensão da sociedade. Com isso, há que se repensar o conceito de hegemonia, não em termos da hegemonia ideológica do grupo que dirige a sociedade, mas de uma sociedade muito mais fragmentada, uma sociedade que não tem um só centro, como dizem os pós-modernos, e na qual a vida cotidiana tem um papel muito mais importante na produção incessante do tecido social. Ou seja, a vida cotidiana é o lugar em que os atores sociais se fazem visíveis do trabalho ao sonho, da ciência ao jogo(...)”.( Barbero, 1995, p.59)
Com isso, as apropriações do espaço urbanos promovidas pelos
indivíduos, (re)criam significados sobre seu próprio espaço social. Dessa
forma, os aspectos culturais, adotados no cotidiano pelos sujeitos tencionam a
noção de homogeneidade dos discursos culturais “oficiais”. Para Burke ( 1997):
Uma cultura não é homogênea. Talvez existam culturas que são mais ou menos homogêneas, mas são culturas muito pequenas, que contam com umas milhares de pessoas, como, por exemplo, a cultura dos tupinambás. No entanto, quando falamos da cultura inglesa, francesa, brasileira, é impossível pensar em homogeneidade. Existem sempre o que os sociólogos chamam de subculturas, variações ( Burke, 1997, p.10).
A partir do desenvolvimento dos estudos das subculturas, o conceito de
cena se revela como uma nova perspectiva para os estudos culturais. Segundo
Freire ( 2006), esse conceito, oferece novos subsídios para a compreensão
das redes de produção culturais que fazem parte do contextos dos grupos
juvenis nos espaços urbanos contemporâneos:
79
Scene designates particular clusters of social and cultural activity without specifying the nature of the boundaries which circumscribe them. Scenes may be distinguished according to their location (as in Montreal’s St. Laurent scene), the genre of cultural production which gives them coherence (a musical style, for example, as in references to the electroclash scene) or the loosely defined social activity around which they take shape (as with urban outdoor chess-playing scenes. (STRAW, Will. Cultural Scenes. Loisir et société/Society and Leisure, vol. 27, no. 2 (Straw, 2004, p.411)
O conceito de cena torna mais amplo a discussão em torno dos
estudos culturais, pois considera que os movimentos musicais não seriam
determinados estritamente por noções de classe, gênero, ou raça; mas sim, a
partir de suas práticas e representações. Para Stahl ( 2004), essa noção,
privilegia as redes de sociabilidades, realizadas por meio das apropriações que
redefinem as configurações culturais por meio da atividade musical
Portanto, ao privilegiar a atuação dos sujeitos por meio das conexões de
sociabilidade, o conceito de cena é fundamental para a compreensão da
relação existente entre as produções culturais e os espaços de blues da
cidade.
5.2 OS SUJEITOS DO BLUES E O ESPAÇO URBANO
Na pesquisa, almejo analisar a dinâmica existente entre os “sujeitos do
blues e suas apresentações no espaço urbano, principalmente no tocante a
como se definem e estabelecem padrões de troca e comportamento na cidade
de Fortaleza.
Dessa forma, a cena musical do blues, influencia por meio de suas
práticas e representações, na maneira em que os sujeitos organizam,
experimentam e se apropriam da cidade. O espaço urbano, nesse caso, é
entendido para além de suas dimensões físicas e materiais, levando em conta,
assim, toda uma rede de significações montadas a partir das vivencias de seus
sujeitos.
Para Michel de Certeau ( 1995) os “ usos” ou as “maneiras de fazer”
estão relacionadas “ às práticas pelas quais usuários se re- apropriam do
80
espaço organizado pelas técnicas da produção sócio-cultural” . Diante disso, as
cenas musicais, como práticas sociais:
(...) por combinação, cria para si um espaço de jogo para maneiras de utilizar a ordem imposta do lugar ou da língua. Sem sair do lugar onde tem que viver e que lhe impõe uma lei, ele aí instaura pluralidade e criatividade. Por uma arte de intermediação ele tira daí efeitos imprevistos ( Certeau, 1995, p.92)
Na perspectiva adotada por Sennett ( 1988), a diminuição dos espaços
públicos no século XX, teve como consequência, a redução das mais variadas
formas de relação de sociabilidades e vivências coletivas que se configurariam
nos sentidos de pertencimento.
No entanto, outras perspectivas influenciam a reinvenção dos espaços
urbanos, principalmente com a emergência de novos valores estéticos, sociais
e culturais. Nesse contexto, nota-se a existência de fluxos específicos de
interação no contexto urbano que reinventam o ser e estar na cidade,
tencionando os padrões culturais.
De acordo com Leite (2004), é preciso a compreensão dos lugares
como “espaços praticados” por meio de circuitos simbólicos de identificações e
especificidades. Todavia, mediante as articulações culturais não haveria a
existência de um consenso, mas sim, uma interação acerca das
representações do lugar e dos signos culturais promovidos pelos sujeitos.
Nesse caso, a análise sobre a atividade cultural do blues tem como
premissa o fato de ser uma dinâmica situada essencialmente no contexto
urbano, ou seja, uma forma cultural de se relacionar com a cidade.
Assim, as cenas musicais do blues, tomadas como práticas sociais
específicas, ao transformarem os diversos espaços da cidade, passam a
conferir á cidade, um processo de interação cultural particular. Assim, a cidade,
a partir dos eventos de blues, torna-se espaço de encontro e trocas simbólicas
vivenciadas a partir de seus sujeitos.
Dessa forma, o blues no contexto urbano de Fortaleza, pode ser
compreendido a partir de uma sociologia da arte. Essa perspectiva é salutar no
sentido de compreender a musicalidade como um processo concebido e
difundido coletivamente no art word.
81
5.3. SOCIOLOGIA DA MUSICA A PARTIR DO “MUNDO DA ARTE”
Vários estudos no âmbito da sociologia da cultura e da arte analisaram
o fenômeno da música como uma perspectiva central de estudo sociológico.
Diante do exposto, almejo também adotar essa perspectiva, compreendendo a
produção musical de blues em Fortaleza, a partir de um objeto de análise
sociológica.
Segundo Howard Becker ( 1982), o fazer artístico envolve um
complexo processo, haja visto que prescinde da cooperação de vários sujeitos
e organizações para a produção e circulação de estruturas artísticas
produzidos por esse mundo, isto é, o mundo da arte ( art words). Para Becker,
os art worlds seriam representados pelos contextos onde os processos
coletivos são necessários para a concepção de produções consideradas
artísticas.
No caso, seja o contexto histórico, as condições objetivas de cada
época, ou até mesmo os processos de divulgação de obras, criação de
movimento artísticos, ou exposições; todos esses fatores são influenciados
pela organização e cooperação dos sujeitos para que o mundo da arte seja
idealizado e construído.
Nesse contexto, a compreensão dos processos coletivos em torno do
blues em Fortaleza, a partir do conceito de art world, torna-se um dos pilares
do trabalho sociológico de análise.
De acordo com análise proposta por Becker existe uma lógica de
funcionamento do mundo da arte que evidencia a maneira como ele se
estrutura. É desta forma que Becker propõe seu entendimento acerca do
mundo artístico, por meio de um processo de relação com os fatores que
configuram o segmento artístico da sociedade. Morais e Soares ( 2000)
articulam também uma compreensão acerca do conceito artístico de Becker:
“ Em outras palavras, o mundo artístico – isto é, artistas, pessoal de apoio, meios de distribuição e divulgação, público – opera a partir de convenções (um conceito importante no esquema aplicativo de Becker). É a partir das convenções que se atribui o papel de artista a um determinado membro da cadeia de cooperação e a outros o papel de coadjuvantes, assim como se
estabelece entre o artista e o público (MORAIS; SOARES, 2000).
82
Dessa forma, o efeito emocional provocado pelo trabalho artístico é
proveniente das apropriações de conhecimento e dos sistemas de convenções
realizados pelos artistas e seus públicos. Nesse caso, segundo Becker,
podemos evidenciar qualquer evento artístico e procurar a rede de relações de
pessoas, cuja atividade coletiva tornou possível que o evento ocorresse da
maneira planejada.
Há várias produções acadêmicas sobre a formação das redes de
prazer, gosto, criatividade e identidade, que também se relacionam diretamente
com a análise do objeto em questão.
Como exemplo, para João Freire Filho ( 2006), a perspectiva espacial
de cena musical, foi apropriada (de forma mais sistemática) por sociólogos e
antropólogos interessados em descrever e analisar espaços localizados de
produção e consumo cultural (especialmente, musical). Dessa forma:
A assim chamada “virada espacial‟ na pesquisa sobre as diversas culturas musicais está em sintonia com a ênfase renovada na conceituação do espaço urbano seja como campo estratégico de articulação de políticas culturais e cívicas (Como deve ser usado o espaço disponível? Por quem? Para quê?) e de incremento de produção cultural regional, seja como esfera da vida cotidiana onde vicejam múltiplas atividades, representações culturais e inúmeros processos de sociabilidade, constituídos e afetados tanto por circunstâncias locais como por demandas e desejos translocais (Stahl 2004: 51-53 apud FREIRE FILHO, 2005, p.4-5)
Segundo Freire Filho ( 2005), as cenas musicais fornecem subsídios
para um entendimento acerca de contextos culturais urbanos e redes de
significações artísticas.
Com isso, essa perspectiva nos levaria a compreensão de redes,
afiliações, tessituras que revelam as práticas culturais e as dinâmicas
identitárias dos grupos, no contexto dos espaços urbanos contemporâneos,
além de oferecer recursos reflexivos para o entendimento sociológico da
formação das alianças afetivas de determinados grupos.
Todavia, é importante evidenciar que a delimitação dos contornos das
cenas não se limita, necessariamente, às fronteiras de seu espaço físico.
Existem “contornos” simbólicos e apropriações culturais que transformam os
espaços, atribuindo novos significados a contextos diversos nos espaços
urbanos.
83
É possível afirmar que a dinâmica de emergência de valores estéticos
locais podem indicar aspirações universais. O significado político e cultural das
cenas seria definido pelo grau de articulação entre interesses comuns
(definidos por gostos e prazeres). As cenas artísticas podem interferir, assim,
na forma pela qual os aspectos urbanos são organizados, vistos e
experimentados.
No caso do Blues em Fortaleza, existe uma reverberação dessa prática
musical e social no espaço da cidade que colabora para a criação de um
processo complexo de interações entre produção artística- cultural, o contexto
urbano e a formação de identidades grupais diferenciadas.
No decorrer do trabalho de pesquisa, dialogo com perspectivas que
evidenciam também as estratégias de valoração que os sujeitos e grupos
sociais colocam em prática, desenvolvendo para tanto, critérios de qualidade
que distinguem as experiências de audição musical ao passo que fornecem
elementos acerca das formações dos grupos musicais:
“Eu tento comparecer a maioria dos shows de Blues em Fortaleza. Fui também a um Festival de Blues em Canoa Quebrada há alguns anos e apesar do já consagrado Festival de Jazz & Blues de Guaramiranga ainda considero que são poucas as oportunidades de eventos relacionados ao Blues no estado do Ceará, por isso tento comparecer sempre que posso a todos os eventos. A princípio tive contato com o estilo devido a grande influência do Blues principalmente no Rock’nRoll. Com isso, conheci mais sobre o estilo e escutei os clássicos do Blues os quais me identifiquei muito com o som e com a maneira expressiva, virtuosa e intensa de alguns músicos ao tocar. Enfim, escutar Blues é algo emocionante, difícil de explicar, mas só quem gosta para entender.” (Luana Karine, 21 anos, entrevista realizada em 18/05/2014)
Dessa forma, a música (Blues), no contexto de Fortaleza, mediante
sucessivas identificações empreendidas por indivíduos e grupos, caracteriza a
formação de grupos culturais e o processo de hierarquização de gostos.
Com relação à formação de uma identidade cultural, não se trata
apenas de uma intenção comercial, mas está em jogo um habitus em torno do
gênero que, por sua vez, provém de uma apropriação histórica do Blues.
84
Figura 17. Tributo a Roberth Johnson.Fonte: Pesquisa Direta, Carlos Rubens Garcia Alves, 2010
È comum, no contexto de Fortaleza, os músicos realizarem “tributos”,
ou seja, homenagens aos expoentes do blues mundial que influenciam
diretamente no formato de suas apresentações musicais. Parece-me um
estímulo para um processo de identificação cultural que vai além do “ouvir” e
passa pela incorporação de um capital cultural específico tanto por parte dos
músicos quanto do publico.
85
Figura 18. Cartaz Promocional. Fonte: Internet.
A música (Blues), no contexto de Fortaleza, colabora na construção da
identidade de indivíduos e grupos, na formação de grupos culturais e no
processo de hierarquização de gostos. Assim, grupos sociais surgem,
comunicam e trazem a público suas características, afinidades e gostos
compartilhados.
Trotta (2007) coloca algumas questões que são válidas para o
entendimento do gênero musical, já que a qualidade estética é um ponto
recorrente.
Falar em qualidade significa se referir aos processos de hierarquização produzidos por sujeitos e grupos sociais para valorizar suas práticas em detrimento de outras. Tais processos são resultados de intensos embates (...).Todo debate sobre música popular está atravessado pela questão do gosto, ou seja, pelas escolhas individuais e coletivas que resultam da construção de afinidade e identidades musicais, revelando sentimentos compartilhados que estão sempre envolvidos em alta carga emotiva(TROTTA, 2007, p.1-2).
O nível de legitimidade dessas avaliações estéticas varia de acordo
com os atores sociais que as realizam. Os juízos ou legitimidades adquirem
uma maior relevância na medida em que se estabelecem estruturadas nas
hierarquias compartilhadas socialmente, ou seja, no senso-comum.
86
Neste sentido, a experiência musical popular usufrui de uma
complementaridade entre indivíduo e sociedade, uma vez que produzem
características afins por meio da afirmação de um estilo compartilhado.34
Nesse sentido, de acordo com Frith:
O prazer que a música pop produz é um prazer de identificação – com a música que gostamos, com seus artistas, com as outras pessoas que gostam dela. E é importante observar que a produção de identidade é também uma produção de não-identidade – é um processo de inclusão e exclusão. Este é um dos aspectos mais impressionantes do gosto musical. As pessoas não apenas sabem o que gostam, elas também têm uma idéia bastante clara do que não gostam e têm uma forma bastante agressiva de declarar esse não gostar (FRITH apud TROTTA, 2007, p. 5).
Por seu turno, Bourdieu afirma que o processo de consumo cultural
tem grande influência dos agentes que intermediam esse processo (crítica
especializada, designers, publicitários e jornalistas). As discussões em torno da
obra de Bourdieu estão orientadas por recursos analíticos de compreensão:
O habitus é, com efeito, princípio gerador de práticas objetivamente classificáveis e, ao mesmo tempo, sistema de classificação (principiumdivisionis) de tais práticas. Na relação entre as duas capacidades que definem o habitus, ou seja, capacidade de produzir práticas e obras classificáveis, além da capacidade de diferenciar e de apreciar essas práticas e esses produtos (gosto), é que se constitui o mundo social representado, ou seja, os espaços dos estilos de vida” (BOURDIEU, 2008, p. 162).
Durante a pesquisa, uma das questões evidenciadas diz respeito ao
blues ser entendido por seus sujeitos como uma musica de “qualidade”,
havendo claramente a criação de grupos com “estilos” diferenciados que
tencionam o “fazer” cultural existente na cidade. A música, nesse contexto,
atribui um status simbólico tanto ao espaço como ao público presente,
redefinindo os processos de identificações socioculturais.
34 Esse fator está presente em alguns gêneros já consagrados que, por si só, já carregam uma carga simbólica que o
legitimam como é o caso da MPB, do Jazz e do Blues que, segundo Trotta, carregariam toda uma ambiência
favorável de legitimação da crítica especializada que se difunde no senso-comum.
87
6.CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dessa incursão sociológica nos espaços de blues em Fortaleza,
foi que pude me aproximar de determinadas variáveis com relação à esse estilo
musical. O blues, que é revestido de um caráter “qualitativo”, como uma musica
de qualidade por seus agentes (músicos, produtores, mídia e público)
relaciona-se com o fator físico e espacial que engloba os locais que
disponibilizam as apresentações do gênero na cidade.
Mas como se estrutura a formação de um “gosto” para a apreciação de
uma “musica de qualidade”? Essa perspectiva pode nos remeter a debates
infindáveis sobre aquilo que é bom ou ruim em termos estético-musicais, haja
vista que uma discussão acerca do gosto parte da nossa experiência em
termos de valores, conhecimentos, campos sociais e classes as quais
vivenciamos.
Dessa forma, para Bourdieu ( 2007) qualquer análise relativa à
essência da disposição estética, única maneira socialmente considerada como
'conveniente' para abordar os objetos socialmente designados como obras de
arte (...) está necessariamente destinada ao fracasso.6 Assim, um dos
resultados apontados pela pesquisa foi justamente o enfoque em como se
estrutura o gosto musical do blues ( a partir de modos de gostar próprios)
segundo um caráter qualitativo atribuído por seus agentes sociais em
detrimento de uma discussão acerca do mal e do bom gosto.
Esse processo de formação de um estilo é notório nos discursos do(s)
público(s) que frequentam as casas de show, existe uma “cumplicidade” em
termos de atribuição qualitativa ao que está sendo veiculado. Em diversos
momentos, os frequentadores se utilizam de recursos para estimular a
continuidade de um estilo voltado para a divulgação de uma boa musica
principalmente nas apresentações em que o músico se vê diante da situação
entre tocar algo que a “casa” define como repertório e aquilo que o musico e os
frequentadores compartilham como uma “boa música”:
88
Imagem. Fonte: Internet
“eles não sabem o que ouvem” ( Caca Freitas)
“...o talento e a arte dependem de gente como você (Linconl Silveira)
“Só pra ratificar o recado, os maiores sucessos no Ceará são, Aviões,
Solteirões, Safadão......"Pai perdoa - lhes, eles não sabem o que fazem" (Lucas
23,34) Obs: Não sou evangélico.” ( Glauber Guerra Costa)
“maxo, fui pra um show num barzinho, a banda tava simplesmente
destruindo tudo e a galera nem dava atenção, você via os caras tocando,
dando tudo de si, tentando fazer o melhor show possível, e ninguém batendo
palma... fico meio puto com isso... não consigo ficar indiferente a uma boa
apresentação, ou talvez, qualquer apresentação, quem me conhece sabe que
sou sempre um dos mais animados. detalhe, as pessoas pagaram para estar
lá...” ( Cauby Andrade)
“Um dos melhores cachês que tu já ganhou, não?! Muito massa!” (João
Paulo Matos)
89
Esses relatos nos oferecem uma maneira diversificada de se apropriar
do blues produzido na cidade. Em contextos de apresentação variados, o
público também passa a definir aquilo que é considerado uma boa musica ,
concordando ou não com aquilo que está sendo veiculado, numa clara disputa
simbólica por legitimidade.
Logo, aquilo que é considerado como “boa musica” tende a ser
interpretado por diversas matizes até mesmo entre os próprios músicos. Por
vezes, a utilização do termo “Blues” como adjetivo encontra-se inserido num
campo de disputa simbólica que almeja uma legitimação diferenciada. Segundo
o musico de blues cearense, Allysson do Anjos:
“A gente percebe que em Fortaleza já estamos em um nível de qualidade altíssimo se tratando de boa parte das bandas que levantam esta bandeira mas por outro lado percebo também e isso a muito tempo que o rótulo "Blues" ou o pejorativo "Jazz e Blues" muitas vezes é utilizado como carimbo de qualidade em boa parte das vezes por pessoas que não conhecem bem os estilos. O próprio rótulo "Blues" é utilizado como carimbo de qualidade o que nem sempre é! Assim, por ter o rótulo, muitos pressupõe de cara que é bom ou é sofisticado... eu já vi shows de blues que não eram.” (entrevista realizada em 22/10/14.)
Ou seja, a partir do prestígio adquirido por determinados sujeitos(as)
com relação ao seus grupos, há uma tentativa de imposição dos seus valores
como processos “naturais” , “camuflando” o embate através dos quais esses
mesmos valores foram gradativamente inseridos.
Assim, é por meio do gosto, que os sujeitos (as) demarcam suas
posições de distinção e poder (re)definindo seus processos identitarios e
critérios de valoração em cada contexto. Dessa forma, o blues é analisado a
partir de sua lógica própria e das “forças” que atuam no sentido da construção
de legitimidades.
A obra de Pierre Bourdieu (2007) revela a formação do gosto na
sociedade e como se estrutura as disputas por distinção social; essa análise se
insere no contexto da produção/consumo de blues em Fortaleza.
Logo, valendo-se dessa perspectiva, a pesquisa também foi
direcionada para o estabelecimento de uma relação entre os equipamentos
90
culturais e o índice de desenvolvimento humano ( IDH)35 e de que forma esses
dois parâmetros fornecem subsídios para o entendimento do blues como um
fenômeno “qualitativo” tanto em termos espaciais quanto simbólicos.
Com relação a essa perspectiva, os lugares do blues, tendem a se
concentrar em determinados bairros que apresentam um maior Índice de
desenvolvimento Humano (IDH). Como “lugares” do blues, podemos citar: Café
Pagliuca ( Aldeota), Floresta Bar ( Aldeota), Degusti (Papicu), Seu Boteco
(Aldeota), L’café Art & Bistrô ( Aldeota), All Greens Pub ( Aldeota) , Boozer´s
Pub & Hostel ( Praia de Iracema), Subsolo Pub ( Aldeota), Da Matta Café e
Restô( Cambeba) e Manga Bourbon ( Meireles).
35 O IDH: é uma medida utilizada para analisar o desenvolvimento humano a partir dos índices de economia
(renda), educação (taxas de alfabetização e matricula escolar) e saúde. O IDH varia entre 0 (reduzido
desenvolvimento humano) e 1 (desenvolvimento humano total); quanto maior a proximidade do índice (um), maior
o desenvolvimento do país. No país, a análise é aplicada em conjunto com o Programa das Nações Unidas para o
desenvolvimento (PNUD), o Instituto de Pesquisas Aplicadas ( IPEA) e a Fundação João Pinheiro de Minas gerais.
Fonte: http://www.pnud.org.br/IDH/IDH.aspx?indiceAccordion=0&li=li_IDH
91
Fonte: IPECE
Fonte : IPECE
92
Localização dos Espaços de Blues em Fortaleza
Portanto, nota-se que os espaços de divulgação do blues em Fortaleza
se concentram nas regiões com maior IDH. Diante disso, nota-se um processo
de hierarquização da cidade onde determinados equipamentos culturais
tendem a se localizar nas regiões mais “valorizadas” da cidade. Há uma
desigualdade no tocante a distribuição dos espaços do blues em Fortaleza que
vai além das diferenciações socioculturais, colocando a questão do espaço
físico também como elemento de diferenciação. Essa é uma questão central
que se insere como prerrogativa para continuação da análise.
93
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