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Tecnologia social e desenvolvimento geográfico desigual: limites e possibilidades
MARCO CARVALHO DE PINHO1
NELSON AFONSO GARCIA SANTOS2
Resumo
O artigo que aqui se apresenta aborda possíveis interconexões entre a tecnologia social e o
desenvolvimento geográfico desigual, cujo objetivo principal é o de demonstrar que através
de modelos, métodos e implantação de tecnologia social é possível diminuir as desigualdades
oriundas do processo de desenvolvimento desigual e combinado de um local ou região. Para
tanto, utilizam-se referenciais teóricos que tratam da tecnologia social e do desenvolvimento
geográfico desigual. Os problemas de pesquisa são: a) o capitalismo cria desigualdades em
seu processo de acumulação e distribuição; b) as desigualdades se agravam e se concentram
conforme se expande os sistemas; c) os modelos de desenvolvimento socioeconômico e
ambiental se dão de forma desigual e combinada; d) ações para diminuir a desigualdade
existem, mas não são incentivadas devido à baixa lucratividade. A hipótese de partida que
orientou nossa investigação foi a de que a tecnologia social é capaz de minimizar as
desigualdades locais e territoriais decorrentes do desenvolvimento desigual.
Palavras-chaves: Tecnologia Social; Desenvolvimento Regional; Desenvolvimento Geográfico Desigual;
Capitalismo; Território.
Introdução
Com a globalização e as aberturas de mercados, as empresas buscam ampliar as negociações
de mercadorias nos mais diversos cantos do mundo. A procura por maiores lucros faz as
empresas se espalharem pelo globo, residindo onde houver maior oportunidade de
rentabilidade. Buscam matérias primas baratas, bem como mão de obra barata, para crescer,
vender, e conquistar maior parcela do mercado. Neste sentido, as tecnologias atuam como
parceiras em seu processo constante de desenvolvimento e expansão. Esse constante ritmo de
1 Economista, mestrando no Programa de pós Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade
Regional de Blumenau - FURB. Membro do Núcleo de Pesquisa em Desenvolvimento Regional – NPDR/FURB.
Contato: marcocpinho@hotmail.com 2 Cientista social– UFSC. Mestre em sociologia política pela UFSC. Doutorando no Programa de pós Graduação
em Desenvolvimento Regional - FURB. Membro do Núcleo de Pesquisa em Desenvolvimento Regional –
NPDR/FURB. Professor do Departamento de Ciências Sociais e Filosofia / FURB. Contato:
nelsongarciasantos11@gmail.com
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crescimento, junto das políticas implementadas pelos Estados, resulta no processo de
acumulação e distribuição, onde se agravam as desigualdades sociais.
Neste sentido, pretende-se, aqui, contribuir na reflexão sobre a desigualdade demonstrando
que através de modelos e métodos de implantação de tecnologia social é possível diminuir as
desigualdades resultantes do processo de desenvolvimento desigual e combinado de um local
ou região, partindo da hipótese de que a tecnologia social é capaz de minimizar as
desigualdades locais e territoriais decorrentes do desenvolvimento desigual e combinado.
O artigo está estruturado em três seções: a) revisão da teoria do desenvolvimento geográfico
desigual, iniciando por uma recapitulação da formação da lei do desenvolvimento desigual e
combinado para, em seguida, ser efetuada uma rápida introdução às desigualdades brasileiras;
b) Apresenta-se definições de tecnologia social, bem como seus significados para diversos
agentes e autores, esclarecendo o papel da tecnologia social, bem como seu escopo de atuação
e, c) apresenta-se exemplos de casos em que a tecnologia social foi colocada em prática, bem
como seus respectivos resultados para, por fim, apresentar as considerações finais.
Desenvolvimento Geográfico Desigual
Lenin (1982) foi o primeiro a analisar o desenvolvimento capitalista na Rússia e suas
desigualdades de uma perspectiva socioeconômica. No entanto, foi com Trotsky (1930) que a
teoria sobre tal desenvolvimento ganhou um significado mais preciso e foi denominada de lei
do desenvolvimento desigual e combinado.
A noção de desenvolvimento geográfico desigual remete a lei de Trotsky, no entanto, esta
vincula-se aos geógrafos, com destaque para Neil Smith (1988), David Harvey (2006) e Ivo
Theis (2009), que se dedicaram em desenvolver uma teoria do desenvolvimento desigual onde
a espacialidade é resgatada. Outra contribuição, fundamental é de Chico de Oliveira, que
aborda a temática do desenvolvimento geográfico desigual a partir da perspectiva do
desenvolvimento regional desigual na análise do desenvolvimento do capitalismo brasileiro.
Segundo THEIS (2009, p. 245), a principal diferença entre a lei do desenvolvimento desigual
e combinado da teoria do desenvolvimento geográfico desigual é que
(...) enquanto a preocupação da primeira está em explicar porque uma formação
social periférica/atrasada, cujas forças produtivas não estão desenvolvidas e nem
sob o controle de uma burguesia nacional consolidada, pode experimentar uma
revolução política; a segunda constitui uma tentativa teórico-metodológica que
busca captar a espacialidade do desenvolvimento desigual, portanto, a natureza
especificamente geográfica da desigualdade socioeconômica entre regiões e países.
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Talvez deva ser dito mais: não se trata da desigualdade socioeconômica entre
espaços geográficos em geral, mas da produzida pelo capitalismo. Em outros
termos: é a geografia do desenvolvimento desigual especificamente capitalista que
importa aqui. E esta principia pela diferenciação do espaço geográfico que resulta
dos processos sociais cotidianos.
Estes processos sociais cotidianos dizem respeito a tudo que se produz e se consome, desde
materiais até serviços, em suma, a todas as mercadorias e processos que envolvem a
sociedade. Esta relação de produção/consumo nas regiões possui uma “importância incomum
no processo de acumulação de capital e no desenvolvimento geográfico desigual”.
(HARVEY, 2006, p. 82-85)
Este processo de acumulação se distingue em diferentes regiões, devido à divisão inter-
regional do trabalho, onde “[...] o avanço da divisão específica de trabalho pode ter um efeito
mais abrangente [do que a regional]. A introdução de novas tecnologias pode bem ser
responsável [...] pela diferenciação do espaço nas escalas interurbanas, regionais ou mesmo
internacional” (SMITH, 1988, p. 163-164).
“A essas modificações que ocorrem nos espaços em decorrência da introdução de novas
tecnologias nos meios de comunicação e transportes Marx chamou de a aniquilação do
espaço pelo tempo” (THEIS, 2009, p. 247).
Com o tempo, a competição capitalista promove a realocação das atividades econômicas em
direção às regiões mais vantajosas, gerando economias de aglomeração, aumentando as
desigualdades territoriais das regiões e dificultando o desenvolvimento das regiões menos
vantajosas, que são ignoradas pelo capital. Se uma determinada região se torna um centro de
acumulação de capital bem-sucedido, ela passa a ser referência para o mundo em termos de
custos, condições de trabalho e padrão tecnológico atraindo, assim, os investimentos para ela.
Ao mesmo tempo, as regiões em desvantagens, se impulsionadas de forma correta,
normalmente por investimentos públicos, já que o capital a ignora, podem se tornar regiões
que propiciem melhores condições de valorização de capital, alterando assim suas condições
de desvantagem. Devido a isso, as regiões vivenciam taxas de acumulação elevada em um
período e, em outro, uma taxa reduzida. A coexistência de espaços mais desenvolvidos e
menos desenvolvidos é resultado da dinâmica do desenvolvimento geográfico desigual, ora
sendo como produtor da desigualdade, ora sendo como resultado da desigualdade. Em outras
palavras, as desigualdades não são apenas resultados da concorrência, elas são também uma
condição para que a desigualdade ocorra.
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Feita estas considerações sobre o desenvolvimento geográfico desigual, passa-se agora às
considerações sobre como isso pode ser entendido no Brasil, pela perspectiva de Francisco
Maria Cavalcanti de Oliveira, pois, realiza importante leitura do desenvolvimento implantado
no Brasil, explicitando a fonte das desigualdades.
Na perspectiva de Oliveira (1972), o subdesenvolvido nada mais é que uma “expansão” do
capitalismo dos países desenvolvidos, perdendo-se aqui a característica histórica de
subdesenvolvido como “atrasado”, já que ele é parte do capitalismo mundial, principalmente
dos países já industrialmente desenvolvidos, inseridos pela divisão internacional do trabalho,
cabendo aos países subdesenvolvidos fornecer a mão de obra barata e os insumos de baixo
valor agregado aos países desenvolvidos, limitando, portanto, a passagem do
“subdesenvolvido” ao “desenvolvido” e reforçando a dependência em ambos.
A reprodução do capital no Brasil se dá, para Oliveira, de forma desigual e combinada e, de
acordo com sua perspectiva, uma região é entendida como “o espaço onde se imbricam
dialeticamente uma forma especial de reprodução do capital e, por consequência, uma forma
especial da luta de classes, onde o econômico e o político se fusionam e assumem uma forma
especial de aparecer no produto social” (OLIVEIRA, 1985, p. 29).
É na reprodução do capital que podem ser observadas as ‘especificidades regionais’. Na
relação entre nordeste e centro-sul, foi a região de São Paulo que começou a ditar o ritmo da
economia nacional. Antes, cada região dependia de sua relação com o exterior. Esta região
passa a comandar o crescimento do capitalismo brasileiro e, juntamente com esta expansão,
ocorre, mediante ciclos sucessivos, a destruição de outras economias regionais. ‘Esse
movimento dialético’, prossegue Oliveira (1985, p. 76), “destrói para concentrar, e capta o
excedente das outras ‘regiões’ para centralizar o capital”. Entretanto, há de se destacar que
essa destruição é, efetivamente, uma das formas da expansão do capitalismo em âmbito
nacional. Assim, a estagnação das economias regionais é, na verdade, uma nova forma de
ampliação do capital.
Segundo Oliveira (2003b), o que ocorreu no Brasil, como em outros países subdesenvolvidos,
foi um capitalismo tardio causado pela coerção estatal, ou seja, a coerção de um Estado
autoritário. Embora outros países, como Alemanha e Itália que, assim como o Brasil, tiveram
um estado autoritário, conseguiram se tornar democracias exemplares e varreram com a
desigualdade, de forma que hoje comparecem entre os países capitalistas mais igualitários
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existentes, o Brasil, diferentemente, ainda mantém-se em um patamar altíssimo de
desigualdade social.
Com este arcabouço teórico desenvolvido por Chico de Oliveira (1972, 1985, 2003), é
possível compreender como se forma o desenvolvimento regional desigual no capitalismo
brasileiro. Entretanto, existem esperanças em que sua superação ou, no mínimo, a sua
diminuição possa acontecer através de estratégias desenvolvidas pelos movimentos sociais, e
ou pelas propostas dos movimentos da economia solidária e da tecnologia social. Assim, sob
esta ótica, centraremos, neste momento, no movimento da Tecnologia Social entendendo-o
como importante ator no processo de diminuição das desigualdades geradas no capitalismo.
Tecnologia Social
A tecnologia social (TS) surge no campo da Ciência e Tecnologia (C&T) como uma
perspectiva crítica da tecnologia e como alternativa à tecnologia convencional (TC) e à
tecnologia apropriada (TA), que teve seu auge nas décadas de 1960 e 1970.
Na tecnologia convencional as tecnologias estão, fundamentalmente, a serviço das empresas
em busca do lucro e não do bem-estar social. A tecnologia neste caso visa a maximização do
lucro das empresas, usando a tecnologia desenvolvida a partir de Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D) para potencializar seus ganhos reduzindo, principalmente, seus custos de produção. Já
a TA, segundo Dagnino, Brandão e Novaes (2004, p.19), surgiu na Índia do século XIX, onde
“o pensamento de reformadores daquela sociedade estava voltado para a reabilitação das
tecnologias tradicionais, praticadas em aldeias como estratégia de luta contra o domínio
britânico”, sendo o primeiro equipamento tecnologicamente apropriado a roca de fios manual,
popularizada por Gandhi.
No entanto, o movimento em prol da TA nas décadas de 1970 e 1980 não conseguiu colocar
em prática suas ideias, pois faltou a explicação de como organizar os processos. “A inovação
não pode ser pensada em algo feito num lugar e aplicado em outro, mas como um processo
desenvolvido no lugar onde essa tecnologia vai ser utilizada, pelos atores que irão utilizá-las”.
(DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004, p. 56-57). Além disso, a abordagem crítica da
qual resulta a TS pode ser identificada nas críticas feitas a TA3 nos anos de 1970 em relação
3 E. F. Schumacher criou a expressão “tecnologia intermediária” em sua obra Smal is beautiful: economics as if people mattered de 1973 referindo-se a uma tecnologia de baixo custo, de pequena escala, simples e de baixo
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às ideias de neutralidade da ciência e do determinismo tecnológico inclusos na TA, seja “por
entenderem a ciência como uma incessante e interminável busca da verdade livre de valores e
a tecnologia como uma evolução linear e inexorável em busca da eficiência” (DAGNINO
2010, p. 79).
Para a perspectiva crítica da tecnologia4, a tecnologia desenvolve dois papéis fundamentais:
“no nível material, mantém e promove os interesses dos grupos sociais dominantes na
sociedade em que se desenvolve; no nível simbólico, apoia e propaga a ideologia legitimadora
dessa sociedade, sua interpretação do mundo e a posição que nele ocupam” (Idem, ibidem).
Já nos anos de 1990, surge a expressão Tecnologia Social (TS) que ganha força a partir dos
anos 2000. Um forte impulso se deu a partir de 2004, com a criação da Rede de Tecnologia
Social (RTS). Esta se tornou uma importante instituição de articulação de experiências e
reflexões sobre a TS. Em 2008, a RTS reunia mais de 600 instituições governamentais,
empresas estatais, órgãos privados de fim público, universidades, ONGs e movimentos
sociais.
Segundo Dias e Novaes (2010, p. 114) a TS também pode ser entendida como negação da TC
já que esta é poupadora de mão de obra, é segmentada, é alienante, é hierarquizada, visa
maximizar o acúmulo do capital e, “impõem aos países subdesenvolvidos padrões que são
orientados pelos mercados dos países desenvolvidos, de alta renda ou para a elite dos países
subdesenvolvidos”. Para eles, a TC submete os trabalhadores aos proprietários dos meios de
produção, acirra a dualidade entre os países subdesenvolvidos e desenvolvidos e provoca a
paulatina destruição da democracia e das relações sociais. Segundo os autores, em
contraposição à TC, a TS reúne cinco características fundamentais:
1) Ser adaptada a pequenos produtores e consumidores de baixo poder econômico;
2) não promover o tipo de controle capitalista, segmentar, hierarquizar e dominar
os trabalhadores; 3) ser orientada para a satisfação das necessidades humanas (...);
4) incentivar o potencial e a criatividade do produtor direto e dos usuários; 5) ser
capaz de viabilizar economicamente empreendimentos como cooperativas
populares, assentamentos de reforma agrária, a agricultura familiar e pequenas
empresas
Vários são os autores que definem TS. Para LASSANCE Jr. e PEDREIRA, (2004, p. 66), TS
pode ser definida como um “conjunto de técnicas e procedimentos, associados a formas de
impacto ambiental e, por isso, mais adequada aos países pobres. Por isso, ele se tornou o introdutor do conceito de Tecnologia Apropriada nos países ocidentais. 4 Feenberg (2010) é considerado um dos principais representantes da teoria crítica da tecnologia.
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organização coletiva, que representam soluções para a inclusão social e a melhoria da
qualidade de vida”.
Segundo Dagnino (2010, p. 210), TS é
O resultado da ação de um coletivo de produtores sobre um processo de trabalho
que, em função de um contexto socioeconômico (que engendra propriedade coletiva
dos meios de produção) e de um acordo social (que legitima o associativismo), os
quais ensejam, no ambiente produtivo, um controle (autogestionário) e uma
cooperação (de tipo voluntário e participativo), permite a modificação no produto
gerado passível de ser apropriada segundo decisão do coletivo.
Ela é pensada para os setores excluídos da organização social e, “implica participação,
empoderamento e autogestão de seus usuários” (JESUS; COSTA, 2013, p. 18).
Para o Instituto de Tecnologia Social (ITS) (2004), a base fundamental da TS é ser
desenvolvida e praticada na interação com a população e apropriada por ela.
Outra definição relevante é a da Fundação Banco do Brasil (FBB, 2016), que diz:
Tecnologia social compreende produtos, técnicas ou metodologias replicáveis,
desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções
de transformação social. É um conceito que remete para uma proposta inovadora
de desenvolvimento, considerando a participação coletiva no processo de
organização, desenvolvimento e implementação. Está baseado na disseminação de
soluções para problemas voltados a demandas de alimentação, educação, energia,
habitação, renda, recursos hídricos, saúde, meio ambiente, dentre outras. As
tecnologias sociais podem aliar saber popular, organização social e conhecimento
técnico-científico.
VARANDA e BOCAYUVA (2009, p.24) definem TS como:
Uma denominação que vem sendo politicamente construída, abrangendo um
conjunto de referenciais críticos às tecnologias convencionais, que são
subordinadas ao domínio de classe e aos dispositivos de poder das grandes
empresas. A TS contrapõe-se a essa lógica, atuando a partir de espaços e práticas
que articulam saberes e definem táticas cotidianas de resistência das classes
trabalhadoras.
Silvio Cassia Brava (2004, p. 116; apud COSTA, 2013, p. 20), por sua vez, nos diz que as
Tecnologias Sociais
“Mais do que a capacidade de implementar soluções para determinados problemas,
podem ser vistas como métodos e técnicas que permitam impulsionar processos de
empoderamento das representações coletivas da cidadania para habilitá-las a
disputar, nos espaços públicos, as alternativas de desenvolvimento que se originam
das experiências inovadoras e que se orientam pela defesa dos interesses das
maiorias e pela distribuição de renda.”
A TS valoriza a criatividade das pessoas envolvidas nos processos de solução dos seus
problemas comunitários. Suas propostas indicam que as tecnologias devem ser brandas (de
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baixo impacto ambiental), baratas e criativas, desvinculando-se de meras importações e
adaptações de modelos tecnológicos.
Apresentadas estas considerações sobre a TS, passamos a apresentar alguns casos de TS que
iniciaram, efetivamente, um processo de diminuição da desigualdade geográfica no local onde
elas foram aplicadas.
Casos de Tecnologia Social
O primeiro caso de aplicação da TS e que contribuiu na minimização dos impactos de
desenvolvimento geográfico desigual refere-se ao projeto Produção Agroecológica Integrada
e Sustentável (PAIS), implantado em 2013, nos seguintes municípios do Piauí: Floriano,
Arraial, Oeiras, Colônia do Piauí, Santa Rosa do Piauí, São Raimundo Nonato e São João do
Piauí.
A tecnologia social aqui desenvolvida está fundamentada na produção familiar através da
agricultura sustentável, sem uso de agrotóxicos e com a preservação do meio ambiente,
integrando técnicas simples e já conhecidas por muitas comunidades rurais. Mais do que uma
horta circular com um galinheiro ao centro e irrigação por gotejamento, o PAIS pretende ser
um sistema integrado e uma alternativa de trabalho, renda e melhoria da qualidade de vida
para a agricultura familiar. Como resultado, teve-se um aumento de quase 580% na renda
anual das famílias, saltando de R$ 1.047,08 para R$ 7.113,48. Entretanto, os ganhos vão além
dos recursos financeiros, pois, houve a mudança dos hábitos alimentares, com adição de
hortaliças e frutas na dieta, e a melhoria do desempenho das crianças nas escolas. Os
agricultores puderam adquirir bens e equipamentos para ampliar a produção e realizaram bem
feitorias nas propriedades. Foi criada a Associação de Produtores de Hortaliças do Sistema
PAIS e novas estratégias de comercialização foram efetivadas. Semanalmente, nas
cidades, são realizadas feiras agroecológicas com os produtos originários do projeto5.
O segundo projeto de TS é o Agroecologia Urbana e Segurança Alimentar, realizado em
Embu/SP, visando desenvolver hortas orgânicas comunitárias, oficinas e cursos de assistência
técnica, com foco em agroecologia, permacultura, segurança alimentar e nutricional,
agricultura orgânica, economia solidaria e educação ambiental, junto às populações
5 https://www.fbb.org.br/reporter-social/noticias/projeto-pais-no-piaui-gera-trabalho-e-renda-e-contribui-para-
permanencia-do-homem-no-campo.htm . Acessado em 15/03/2016
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vulneráveis, através da educação popular, onde os participantes passam a ter acesso aos
alimentos orgânicos produzidos por eles nas hortas que eles criaram.
Na 1ª fase do projeto, cerca de 840 pessoas passaram por um processo de capacitação e foram
implantados três sistemas produtivos com hortas, lavouras e sistemas agroflorestais - SAF. Na
continuação, teve-se a formação do empreendimento solidário “Elo da Terra”, que oferece aos
consumidores hortaliças e outros produtos a preços justos, bem como, a publicação da cartilha
“Agricultura Urbana na Prática”. Também foram desenvolvidas atividades de capacitação em
diversos bairros do município, em 13 hortas comunitárias realizadas em parceria com
unidades básicas de saúde – UBS, centros de referência de assistência social – CRAS,
associações de moradores, sociedade amigos de bairro – SAB, escolas da rede pública de
Ensino, etc. A implantação da tecnologia ocorre em conjunto com várias secretarias
municipais, sendo que com a secretaria municipal de saúde estão envolvidos os funcionários
das UBS dos programas saúde da família e de grupos de hipertensos e diabéticos. Com a
secretaria municipal de assistência social a parceria ocorre pelo programa de segurança
alimentar, do banco de alimentos da diretoria de seguridade social e pelo acompanhamento
das assistentes sociais nas assistências técnicas realizadas nas hortas pelos técnicos da SEAE.
Com as comunidades em situação de vulnerabilidade social e insegurança alimentar são
realizadas atividades com ênfase na produção e comercialização (geração de trabalho e renda)
e educação. Participaram das atividades nas hortas comunitárias cerca de 240 famílias em
situação de vulnerabilidade social, beneficiárias ou não de outros programas sociais, além de
pessoas interessadas pelas temáticas abordadas nas atividades. Além dos trabalhos nas hortas
comunitárias, também são realizadas palestras, cursos, seminários e encontros temáticos nas
áreas correlatas, envolvendo um maior número de pessoas6.
Finalmente, o último caso de aplicabilidade da TS, trata da ENLOUCRESCER – Associação
de Familiares, Amigos e Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Blumenau (Santa
Catarina), onde também se identifica a aproximação entre o Empreendimento Econômico
Solidário e a Tecnologia Social, na medida em que ela realiza a autogestão e a dimensão
coletiva e participativa da produção de bens e de conhecimento, a dimensão pedagógica do
trabalho e possíveis transformações das práticas de sociabilidade.
6http://fbb.org.br/tecnologiasocial/banco-de-tecnologias-sociais/pesquisar-tecnologias/agroecologia-urbana-e-
seguranca-alimentar.htm. Acessado em 15/03/2016
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Seus princípios fundamentais são: “a democracia, justiça social e liberdades fundamentais do
homem; o fortalecimento das organizações populares, com autonomia em relação ao Estado e
aos partidos políticos; a liberdade associativa; a dignidade da pessoa humana e a melhoria da
qualidade de vida”. (ENLOUCRESCER/ESTATUTO SOCIAL, 2010).
Ela propõe ações para romper com a ideia de que a pessoa com transtorno mental é alguém
que necessita de constantes cuidados e defende que estas pessoas têm amplas potencialidades
e que podem desenvolver sua autonomia. A associação é também um lugar de representação
dos usuários em instâncias governamentais e outras instituições.
Seu objetivo é oportunizar aos usuários da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), de
Blumenau, o pleno exercício da cidadania, o fortalecimento dos princípios da reforma
psiquiátrica e da luta antimanicomial. Para tanto, desenvolve ações pautadas na inclusão
social, na produção de saúde, na organização, mobilização e na geração de trabalho e renda.
A ENLOUCRESCER promove a inclusão social e estimula a geração de trabalho e renda,
pautada nos princípios da economia solidária e na efetivação de mecanismos da tecnologia
social apresentando soluções para determinados problemas e impulsionando processos de
empoderamento dos participantes.
Desde 2009 a associação participa da Incubadora Tecnológica de Economia Solidária da
Universidade Regional de Blumenau (ITCP/FURB). A partir de então a incubadora
incentivou e apoiou a criação do Grupo de Teatro “Estações da Vida” onde foram criadas
estratégias para a construção coletiva de uma peça que demonstrasse o processo de
transformação de uma pessoa aprisionada em seus problemas, até o surgimento de alguém,
que apoiado pelo grupo eleva sua autoestima, encontrando seu lugar na sociedade.
Outro grupo atuou em um atelier de cerâmica, onde, inicialmente se produziu peças que
expressavam simbolicamente os sentimentos e as emoções dos participantes, procurando
manifestar na argila sua subjetividade e o seu processo de transformação. Atualmente, se
produz peças para comercialização como flores, enfeites de natal, páscoa entre outras opções.
Tudo é pensado para ser ecologicamente sustentável, sem uso de tintas ou adornos poluentes
e, toda produção é vendida em feiras que os associados participam. Os valores arrecadados
são divididos entre os associados e cada um recebe o valor correspondente ao total de sua
participação nos grupos. Nas atividades da Associação, identifica-se a presença da Tecnologia
Social, através de um conjunto de práticas e conhecimentos onde o paciente psíquico volta a
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ser sujeito da situação, pois ela efetiva, nas suas relações, a autogestão, a dimensão coletiva e
participativa e a dimensão pedagógica do trabalho têm-se aí, pelo menos três das quatro
categorias de utopias concretas e convergentes entre Economia Solidária e TS, apresentadas
por LIMA e DAGNINO (2013). Além disso, demonstram preocupação com o meio ambiente,
com a qualidade de vida, com a inclusão social, com a criatividade dos participantes na
produção dos seus produtos. Sua comercialização não visa o lucro e, na produção dos
produtos, não há a presença dos controladores e dos controlados, não há hierarquização.
A ENLOUCRESCER, assim como os outros exemplos de efetivação da TS serve para
demonstrar que, com a Tecnologia Social é possível a construção de novas relações sociais
com menor desigualdade social.
Considerações Finais
No presente trabalho, buscou-se demonstrar que as utilizações de tecnologias sociais podem
diminuir as desigualdades sociais, propiciando melhoras às comunidades envolvidas. Buscou-
se também esclarecer as questões problemas: a) o capitalismo cria desigualdades em seu
processo de acumulação e distribuição; b) as desigualdades se agravam e se concentram
conforme se expandem os sistemas; c) os modelos de desenvolvimento socioeconômico e
ambiental se dão de forma desigual e combinada; d) ações para diminuir a desigualdade
existem, mas não são incentivadas devido à baixa lucratividade. Para tanto, utilizou-se das
teorias que abordam as leis do desenvolvimento desigual e combinado, bem como da teoria do
desenvolvimento geográfico desigual.
Nos casos de aplicabilidade da TS, podemos colocar à prova a hipótese levantada de que a
tecnologia social é capaz de minimizar as desigualdades locais e territoriais decorrentes do
desenvolvimento desigual.
No primeiro exemplo de TS, do projeto Produção Agroecológica Integrada e Sustentável, o
projeto conseguiu o feito de aumentar, em quase 580%, a renda anual das famílias. Neste
exemplo, além dos aumentos dos recursos, as famílias também mudaram seus hábitos
alimentares, com adição de hortaliças e frutas na dieta e a melhora no desempenho das
crianças nas escolas.
O segundo exemplo, Agroecologia Urbana e Segurança Alimentar, é um exemplo de trabalho
comunitário onde são realizados trabalhos com as comunidades em situação de
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vulnerabilidade social e insegurança alimentar. São realizadas atividades com ênfase na
produção, comercialização (geração de trabalho e renda) e educação.
O último exemplo, a ENLOUCRESCER conseguiu a inclusão social dos seus membros na
sociedade e também estimula a geração de trabalho e renda, pautada nos princípios da
economia solidária. Além disso, as atividades da associação se preocupam com o meio
ambiente, com a qualidade de vida, com a inclusão social, com a criatividade dos
participantes na produção dos seus produtos. Sua comercialização não visa o lucro e na
produção dos produtos não há a presença dos controladores e dos controlados, não há
hierarquização. Assim, a TS implementada consegue melhorar as condições de vida social dos
usurários da Rede de Atenção Psicossocial.
Com tais casos, vemos a confirmação de que as tecnologias sociais são capazes de minimizar
as desigualdades locais. Contribuem com o aumento da renda das famílias envolvidas,
possibilita o acesso a uma nova gama de produtos e serviços que antes eram de difícil acesso,
como a educação, a alimentação nutritiva, a melhora na saúde, possibilitando uma qualidade
de vida melhor. Não menos importante, ainda garante às famílias o controle e a gestão nos
meios de produção e comercialização de seus produtos, sofrendo menor influência das
grandes corporações no mercado local. Assim, a tecnologia social caminha para a construção
de novas relações sociais, onde a qualidade de vida e a redução da vulnerabilidade não são
esquecidas em meio ao lucro das companhias, ao contrário, os envolve diretamente nos
processos de tomada de decisão, produção e comercialização, conferindo-lhes maior
autonomia.
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