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In Memorian
do Sr. Eduardo Cabral
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Agradeo a Deus e ao meu
pastor e amigo
Carlos Nogueira
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Como Pastor do Dr. Eliardo Cabral, desejo parabeniz-lo por
este exemplar biogrfico, que conta a comovente estria de sua vida.
Que desde o seu nascimento houve uma luta travada do mal contra a
sua existncia. Porm, Deus j o havia escolhido antes da fundao
do mundo e atravs das suas misericrdias, sua vida foi preservada
para encontrar a verdadeira alegria da vitria.
Secularmente, como Promotor de Justia; espiritualmente,
como Evangelista e Secretrio de Misses do Campo Monte Castelo,em Teresina-PI, da Igreja Assemblia de Deus Ministrio de
Madureira, e que tambm pode dizer: eu e a minha casa serviremos
ao Senhor.
Recomendo ao caro leitor que leia esta obra, pois a mesma tem
grandes lies de vida e lhe encorajar a vencer as duras
adversidades existenciais.
Pr. Carlos da Silva Nogueira
Presidente da CONEMAD-PI e da Igreja Evanglica
Assemblia de Deus Ministrio de Madureira em Teresina-PI
Monte Castelo.
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SUMRIO
1. Estamos em Guerra......................................................................6
2. Algumas Doenas Espirituais.....................................................143. Viajando nas Asas do Tempo.....................................................18
4. Fora do Mundo dos Vivos Antes de Morrer................................22
5. Ponte Estreita e Perigosa...........................................................30
6. A Viagem dos Sonhos................................................................35
7. A Viagem de Retorno.................................................................41
8. Recordaes Amargas...............................................................44
9. Deciso Confirmada...................................................................53
10. Incio de Ministrio....................................................................58
11. Mudana de Hbitos.................................................................63
12. Dizimista Consciente.................................................................69
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CAPTULO I Estamos em Guerra
udo Acabado. Era maro de 1998. Rua Jaime da Botica,
Planalto Ininga, em Teresina. No interior da casa n580, um
homem estava preso nas garras de Satans. A luta estava
travada. A derrota parecia certa, pois, a cada dia, a opresso
aumentava e o desejo de morrer se tornava incontrolvel. Ao alcance
da mo se encontrava dentro de uma pasta preta, de nilon, um
revlver calibre 38, marca Taurus, com seis balas, aguardando a
deciso de apertar o gatilho, quando o cano da referida arma se
apoiasse na tmpora, no peito ou mesmo introduzido em sua boca.
Em mais de uma ocasio, aquele miservel homem pegou e olhou
detidamente aquela arma e buscava no seu interior coragem para
cumprir as ordens que Satans colocava em sua mente.
T
Em determinada ocasio, quando tudo parecia irreversvel,
o tal homem levou a sua mente ao seu tempo de infncia, mais
precisamente ao seu nascimento, quase morto, ocasio em que, de
fato, foi desenganado pelo mdico que trabalhou no parto. Detendo-se
nesse fato, sem entender o motivo de ter meditado em sua
sobrevivncia, quando aparentemente no tinha mais vida. A partirdaquele momento navegou atravs da mente, percorrendo um longo
trajeto, pontilhado de muitas experincias dramticas, em que a vida e
a morte andaram lado a lado em luta travada, como se fosse uma
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guerra, em que, at aquele momento, a vida vencia todos os
combates.
Diante desse quadro, ele fechou os olhos, desistiu
momentaneamente do seu intento, e passou a reviver a sua distanteinfncia. Infncia dividida em duas etapas bem distintas: a primeira do
nascimento aos seis anos e a segunda dos sete aos doze anos.
Quando tentava nascer, a sua me morava numa fazenda,
situada a 34Km da sede do municpio. Primeiro filho de um casal
campons com larga tradio rural no interior do Estado do Cear.
Pessoas acostumadas com as constantes secas. Conheciam bem a
paisagem do serto. Audes sem gua; ossos secos dos animais que
morriam de fome nos campos e nas vrzeas sem pastos. Depois de
setenta e duas horas preso no ventre de sua me; horas contadas do
incio do trabalho de parto, no nasceu, mas foi arrancado a ferro. O
mdico deu a sentena: no h esperana de sobrevivncia, mas,
caso sobreviva, no prestar para nada, pois depender de remdios
permanentemente, para ter uma vida de constantes convulses e
diversos outros tipos de problemas de ordem neurolgica. De uma
forma ou de outra e por vias das dvidas, mandaram chamar o Padre
Lus, vigrio muito prestigiado no lugar, a enfermeira, Dona Alice, e o
marido dela, seu Joo, que foram os padrinhos do menino, para no
morrer pago. Um grande ferimento na cabea, conseqncia dos
ferros usados para arranc-lo das entranhas da me. Ferimentoque no era a principal causa da provvel morte da criana, que
morreria mesmo porque seus intestinos estavam sem funcionar.
Tambm no urinava. Vencido o primeiro combate. Ali estava iniciando
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a infncia aquele primognito. Nascido no seio de uma famlia de
catlicos nominais e muito tradicionais.
Sete tios paternos e algumas tias se encarregaram de
oferecer carinhos e cuidados aquele pequeno vivente, que contava,ainda, com um grande afago por parte dos avs paternos.
A criana, em verdade, no era atraente. Embora sendo
criana, j apresentava sinais de feira, que seus parentes tentavam
ignorar, mas logo deixaram transparecer, em suas palavras, as suas
opinies sobre a extica aparncia da criana. O menino tinha uma
cabea enorme, com uma tambm enorme cicatriz do lado direito,
resultado do grande ferimento produzido pelos frceps. Olhos muito
grandes. Era o que logo comearam a comentar: menino feio!.
O ano era 1954, quando o aludido menino nasceu em
janeiro. Corria o ano e a criana recebia algum carinho dos pais, mas
j em janeiro de 1955, ele perdeu a ateno de sua me que acabava
de dar luz a sua primeira irm. Este sim, parto normal, sem ferimento
na cabea, proporcional ao corpo, olhos bonitos. Uma linda criana,
diziam com convico. As atenes foram todas canalizadas recm-
nascida que, por sua vez, perdeu para outra menina que nasceu em
dezembro do mesmo ano de 1955. Pronto. Agora, em menos de dois
anos, j so trs crianas, sem ter nascido ningum gmeo.
O tempo parecia muito lento, mas logo chegou o ano de
1960, quando a prole j era composta de seis filhos, dois meninos equatro meninas, sendo que o mais velho contava apenas seis anos de
vida e era cada vez mais feio e triste. Diziam que seria um HOMEM,
mas ningum falava nada das coisas que fazem um menino feliz. Ao
contrrio, o que o garoto mais ouvia eram as frases proferidas pelos
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parentes e que diziam: que menino feio!, menino da cabea
grande!. Em 1960, adotando um projeto mal planejado, o pai daquele
menino feio vendeu tudo o que tinha no interior do municpio e se
transferiu para a cidade onde deu incio a uma nova atividadeprofissional. Deixou para trs a experincia que tinha adquirido de
seus pais, incluindo seus avs, nascidos e criados em propriedades
rurais, praticando a agricultura de subsistncia, dosada com a criao
de pequenos rebanhos, ele avanou em direo ao comrcio varejista,
de forma to insegura quanto um cego conduzindo um automvel. No
se consegue fazer o que no se conhece.
O casal e seus seis filhos pequenos fixaram residncia em
uma pequena vila de um bairro distante do centro da cidade. Era
verdadeiramente um mundo totalmente novo para aquele garoto de
seis anos, que acabara de perder o contato com os nicos rostos at
ali conhecidos: os dos seus parentes. Eles ficaram l no interior. Agora
ele no tinha ningum para chamar de tio, nem um colo, no recebia
mais nenhum abrao, nenhum carinho. Dois meninos se
apresentaram, eram filhos de um vizinho, tambm comerciante. No
se estabeleceu nenhuma amizade entre o recm-chegado e os
meninos da cidade. Existia uma pequena diferena de idade,
aproximadamente dois anos, que eles tinham a mais. Isto no impedia
o relacionamento. Acontece que existia uma timidez to grande, uma
introverso indisfarvel tomava conta daquele menino, que ainda topequeno, j podia sentir uma barreira que o separava dos demais: a
sua aparncia. Todos diziam que ele era muito feio, ento ele
acreditou que era mesmo muito feio. Ora, menino feio no meio dos
outros no serve seno para ser objeto de zombaria. Um dizia:
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parece um cabur, outro completava: olho de caminho. Logo o
garoto feio corria chorando para a presena de sua me. Queixava-se
das ofensas, mas a me que tambm achava seu pimpolho o mais
feio de todos, recomendava que ele fosse brincar sozinho, tem nadano, vai brincar sozinho. Acontece, que o pai tinha um bom
estabelecimento comercial, mas o filho no tinha um nico brinquedo.
Ficaria para o resto de sua vida a lembrana daqueles caminhes que
os filhos dos Seu Nenm, o vizinho comerciante, conduziam com
habilidade manobrando os tais brinquedos com aqueles cordes.
Que caminhozinho lindo! Balbuciava o referido menino. Fora do seu
alcance, ele se contentava, ali, naquela janela, somente em
contemplar aquele vai e vem dos belos caminhezinhos. Um dia ele
ganhara o nico brinquedo de toda sua infncia, mas ficara na casa de
sua av, em poder de um menino que ela estava criando, era tambm
um caminho, mas muito mal feito, que nem parecia com os
caminhes dos filhos do vizinho.
Mas nem tudo era to mal assim. Algo existia naquele
menino feio do interior, e sem amigos. Sobrevivente de um parto
complicadssimo. A beleza dele comeou a desabrochar quando ele
comeou a estudar. Agora, ele acabava de ganhar mais um slogan: o
que tem de feio, tem de inteligente. Outros falavam,
equivocadamente, tambm com uma cabea dessas... Ocorre que,
enquanto o filho era um destaque inegvel no colgio, onde estudava,o pai estava indo falncia nos seus negcios. Falncia decretada em
menos de dois anos de atividade comercial, pela completa falta de
conhecimento da rea comercial. Caiu tudo por terra. Meninos fora do
colgio. O que parecia ser belo naquele menino, estava sendo
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enterrado, a famlia volta para o interior. A propriedade vendida para ir
cidade virou um pesadelo, pois pertence aos compradores. No
resta nada dela. Tudo fora investido no comrcio que acaba de
quebrar. Seis filhos pequenos. Final de 1962. Os bens da famliaestavam em processo de inventrio, pois o patriarca havia falecido,
sendo que os herdeiros estavam em completo desacordo com a ida do
falido para o meio deles. O fardo no lhes seria leve, No seria e no
foi. O casal e os filhos se alojaram em um antigo depsito. Quatro
paredes sem luz e sem gua, que alis, quela poca no existiam
(luz e gua), nem nas casas residenciais. A lamparina a querosene era
a nica fonte de luz artificial noite. Redes para os meninos e uma
cama, do que restou para o casal. Alis, cama onde seriam
concebidos mais quatro filhos.
O tempo foi passando, agora parecia mais lento ainda. O
pai no tinha e nunca teve resistncia fsica para trabalhar no
pesado. Nasceu filho de patro, viveu como um patro. Agora no
tem outra alternativa: ou comia de esmolas, dadas pela me, viva, ou
pega as ferramentas da roa, que a pouco tempo ele entregava aos
seus trabalhadores, na sua ex-propriedade. Ele no agentava. Ia
para a roa, levava uma cabaa com gua, e um pedao de fumo de
corda, para fazer o que chamava p-duro, mas no produzia quase
nada alm de muitas lgrimas.
Meu filho, dizia ele, vendi tudo que tinha e fui para acidade porque eu nunca consegui estudar. Eu queria muito e no pude
estudar. Ento fui para a cidade para dar estudos a voc, meu filho, e
aos seus irmos. Eu no queria e no quero criar vocs aqui. Tenho
desejo que vocs tenham um futuro diferente. Agora nada posso fazer,
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no sou um homem da roa, no nasci para o trabalho pesado, no
tenho resistncia. Cada vez chorava mais.
L no depsito onde dormiam, a me chorava muito mais.
A falta de esperana sufocava aquela famlia.O menino estava de volta ao seu habitat, mas o quadro
agora j bem diferente. Alm de continuar bastante feio e triste, suas
inseparveis caractersticas, passou a ser parte de um grave
problema. A viva no tinha estrutura financeira para suportar. Em
conseqncia disso e por outros motivos, inclusive uma nova
gestao, os irmos daquele pobre e desanimado pai de famlia se
tornaram muito revoltados, ameaando-o at de uma boa surra, pois
entendiam que ele era o nico culpado por tudo que estava
acontecendo a ele e a sua famlia.
Portanto, como se tornou inevitvel, ele foi morar com sua
famlia na fazenda de um bondoso parente (primo de sua me),
distante dali muitos quilmetros. Igualmente distante ficava o futuro
que aquele homem pretendia alcanar. Longe da escola, isto , dos
estudos, o menino em referncia comea a trabalhar naquela fazenda
em alguns trabalhos pesados, incluindo o trabalho em lavouras
alheias, mediante pequenos pagamentos que eram utilizados no
sustento (sobrevivncia) dos seus irmos. Alis, sobreviver, quela
poca j seria uma vitria parecida com um milagre.
Enquanto ele repassava na memria essas lembranas,deitado em uma rede no interior da referida casa, a porta do quarto se
abriu. Entrou sua esposa, acendeu a luz, dizendo que estava ali para
fazer os curativos em suas feridas. Ela estava falando das feridas do
seu corpo fsico, enquanto ele acabava de lembrar de algumas das
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feridas da sua alma. Aplicados os medicamentos, cuidadosa e
carinhosamente, o quadro era desalentador, pois no se vislumbrava o
menor sinal de melhora. A pele daquele miservel homem estava
totalmente comprometida. A coceira era to cruel, que causararapidamente grandes estragos. Enormes feridas infeccionadas e
tumores (furnculos), em espantosa quantidade.
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CAPTULO II Algumas Doenas Espirituais
Sentimento de culpa que atormentava aquele pecador
era extremamente intenso. Ele no entendia a causa de
to terrvel desconforto. Somente aps um longo tempo
tomou conhecimento do motivo daquele fenmeno espiritual. Alm
do sentimento de culpa, j estavam presentes naquela vida outros
males, destacando-se a solido, o vazio existencial e os medos.
OO primeiro grande medo que o atormentava,
depois da morte, era no ter a sua sade de volta, pois desde
novembro do ano anterior, 1997, que aquele terrvel mal estava
alojado em sua pele. Acrescente-se a tudo isso o fato de no ser
um filho da cidade. Logo no podia contar com nenhum parente ou
com algum amigo. Viera do interior, sul do Estado, onde exercera a
funo de Promotor de Justia durante nove anos. Agora, estava ali
com a sade afetada, sem ter um amigo na cidade, sem dinheiro,
ao contrrio, experimentava um processo de endividamento muito
acentuado. Contava contra ele uma restrio em seu crdito
financeiro, isto , uma indicao no SERASA. Um carro quecomprara financiado se encontrava transferido a um indivduo
enganador, que h seis meses no pagava uma nica parcela do
financiamento. Cara nas garras malditas dos agiotas. Descia em
queda livre, rumo ao chamado fundo do poo.
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Desejava encontrar um nico motivo para sorrir,
para ser feliz, mas no conseguia ver nenhuma razo para viver,
viver o futuro, talvez, por isso, voltou quela distante fazenda para
viver novamente o passado, sem perceber que aquele passadoestava intimamente ligado ao momento que vivia e ao futuro que o
Diabo tentava roubar-lhe.
Sentado no alpendre da casa grande daquela
fazenda, onde alguns homens conversavam. Todos estavam
resignados. Ali nenhum tinha sonhos. Ningum ousava mudar
absolutamente nada em sua vida. Viviam uma vida sem riscos,
porm sem novidade, sem emoes. O mundo ali era muito
pequeno. Todos se sentiam satisfeitos com qualquer coisa, menos
um: o menino feio. Contava oito anos de vida, quando ouviu o seu
pai comentar que os jovens iam servir ao Exrcito Brasileiro e que
era servio obrigatrio aos dezoito anos. Queria amanhecer o dia
seguinte com aquela idade para se mudar daquele lugar. No sabia
que ainda teria mais trs anos pela frente at surgir a primeira
oportunidade de voltar a estudar na cidade, em casa de parentes.
Durante os referidos trs anos, aquele menino que parecia ficar
mais feio, viveu numa pobreza financeira muito grande.
O pai no permaneceu muito tempo naquela
fazenda do parente de sua me, tamanha era a humilhao que
sofria por parte dos filhos do proprietrio daquelas terras.Decidiu voltar ao depsito que ocupara
anteriormente, na propriedade de sua me, e receber as
humilhaes, e no poucas, dos seus prprios irmos.
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Para um dos irmos, que era comerciante, o pai
do garoto em tela passou a trabalhar. Contratado para fazer tijolos.
O mtodo era o mais rstico. O mais primrio que se tem
conhecimento: cavava-se o barro em local adequado, que eramexido com gua at ficar bem pastoso como uma massa.
Colocava-se o barro numa forma que, retirada, deixava no cho
dois tijolos de cada vez. A olaria, onde os tijolos eram feitos, ficava
perto do aude, de onde o menino chamado feio trazia a gua para
preparar o barro. Com os dois ps dentro do barreiro, pisando pra
l e pra c, aquele garoto era o nico auxiliar do seu pai, durante
um longo perodo em que conseguiram a sobrevivncia da famlia
com os ps e as mos no barro.
Enquanto trabalhavam no barreiro, isto , naquela
olaria, eles no tinham outro alimento, no almoo ou na janta, alm
do chib, uma mistura de gua, rapadura raspada e farinha de
mandioca. Muitas vezes o pai tinha srias crises intestinais, alm
do inusitado alimento, o calor era muito intenso. O trabalho era
realizado debaixo de um sol escaldante.
Agora tem que continuar, porque o dbito crescia
no comrcio do irmo patro. Que fornecia algum mantimento para
uma famlia de dez pessoas: o casal e oito filhos. O mais velho era
o que pisava barro no barreiro com os prprios ps, enquanto o
mais novo arrastava o bumbum no cho batido do depsito ondemoravam.
Pai e filho conversavam debaixo de uma moita,
enquanto tomavam o chib, na hora do almoo. Ele dizia ao filho
algo que ficaria para o resto de sua vida. As grandes lies foram
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passadas daquele pai para o filho ali naquela olaria. Destaquem-se
estas: Um homem deve ser honesto, mesmo que no tenha nada
na vida, mas no pode deixar de ser honesto.Um grande defeito
de um homem ser fofoqueiro e mentiroso. Nunca queira o queno seu. Um ladro pior do que qualquer outro criminoso. E
tantas outras lies de ordem moral, que no foram afetadas pela
misria financeira, repentina, na vida daquele homem.
Ali parado, olhos fixos no teto daquele quarto, que
seria o palco do mais tenebroso desatino, aquele homem s
percebeu que sua esposa falava com ele depois que ela o chamou
vrias vezes. Parecia atolado no barreiro de barro de onde sara h
tantos anos.
O que foi que houve? Indagou ela.
Nada.
Parece que voc estava to distante.
Quem? Eu? No. Impresso sua.
Voc est melhor?
Melhor...!? No sei. Acho que no. Acho que
pouca coisa mudou. Quer dizer, a diferena que hoje estou mais
velho.
No consigo entender.
Depois...um dia voc vai entender. Agora, saia e
apague a luz. Eu quero dormir um pouco.Dormir era a fuga preferida daquele infeliz. A fuga
da realidade. Aquele homem, mesmo sendo um promotor de
justia, se encontrava vencido. Estava derrotado pela opresso
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maligna. Satans lhe devorara tudo e ele no sabia, nem
desconfiava da terrvel ao do Inimigo.
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CAPTULO III Viajando nas Asas do Tempo
o dormiu. Agora ele comeava a perceber a ligao
estreita que existia entre o momento de sua vida e o seu
passado. Alguma coisa precisava ser entendida. Foram
muitas lutas. Muitas provas. Tudo em sua vida foi obtido mediante
uma superao de obstculos aparentemente intransponveis.
NDiante desse novo quadro que se desenhava,
embora no esboando nenhuma melhora da sua sade (fsica,
financeira e psicolgica), ele se afastou um pouco da obsessiva
idia de suicdio, pois sentiu desejo de reviver mais um pouco o seu
tempo de infncia e adolescncia.
Ao retornar quela fazenda, ele se deparou com o
seu pai numa situao pior do que a sua. Lembrou bem que seu
genitor estava com um dente to infeccionado que o colocava
gemendo dia e noite, impedindo-o completamente de trabalhar na
mencionada olaria. Sem assistncia mdica, no lhe restava outra
alternativa, seno esperar que a bolsa estourasse por fora do seu
queixo, o que de fato ocorreu, derramando todo o pus, ou seja, a
secreo que lhe provocava a quase insuportvel dor. Abatido,
depois do inexplicvel sofrimento, que durou vrios dias, no tinhaabsolutamente nada para fazer um caldo. Ele chorou. Chorou de
forma sentida, dizendo que se o pai dele fosse vivo ele no estaria
naquela situao. Mandou uma filha, a mais velha, comprar fiado
no fornecimento meio quilo de acar, 100g de caf e um pacote de
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biscoitos. Ela foi, mas voltou sem trazer nada. Ainda restava um
pouco de sal em uma lata e gua, no muito boa, no pote.
Cado ali, no interior daquela casa da citada Rua
Jaime da Botica, aquele Promotor de Justia estremeceu, aovislumbrar, atravs da memria, situao mais difcil vivida por seu
pai. Parou um pouco. Pensou mais um tempinho e logo voltou para
perto do seu pai que se encontrava naquele interior to distante, no
tempo e no espao. Viu o pai ali deitado esmorecido e com muita
fome. Lembrou claramente da atitude que adotou: foi casa do seu
tio no para pedir fiado novamente. No. Foi l pedir emprestado o
cachorro chamado Fox, que era bom de pre.
O Fox pegava pre na corrida. E foi assim que o
menino, que um dia seria um Promotor de Justia, retornou para
casa levando trs pres. Ao tomar o caldo dos bichos, o doente
comeou a ter uma expressiva melhora, ocasio em que disse que
nunca tinha tomado um alimento to especial.
Decorrido mais algum tempo naquele lugar, a
famlia j estava morando numa modesta casa. Sara do depsito,
mas a qualidade de vida permanecia a mesma. No se
apresentava nenhuma perspectiva de uma vida melhor.
Conduzindo um jumento com duas ancoretas, o
menino, que j contava onze anos, ia buscar gua para beber em
um aude distante, exatos seis quilmetros de sua casa.Eram duas cargas todos os dias: uma para sua
casa e outra para a casa de sua av, de onde vinha o minguado
(mas providencial) sustento de seus irmos menores (sete irmos
pequenos).
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Enquanto retirava a gua das ancoretas e a
colocava nos potes da casa de sua av, em uma manh quente de
domingo, aquele menino ouviu uma pergunta que, de acordo com a
resposta, mudaria a trajetria de sua vida.O esposo de sua tia Zilda, de nome Sales,
perguntou ao seu compadre Eduardo:
Compadre, voc deixa esse menino ir comigo
para o Quixad, para estudar?
Se ele quiser ir, compadre, eu deixo. Sei que
fico de pernas quebradas, porque ele quem me ajuda, mas...
Era a resposta que o menino queria ouvir.
Pois compadre, ajeite o menino, mais tarde tou
saindo e vou levar esse bixim. Esse menino, compadre, o que tem
de feio, tem de inteligente...
Era o comentrio que ele no queria ouvir.
At a hora da partida para a cidade, sem
conscincia do que estava acontecendo, o menino viveu a deliciosa
vida com esperana. Vida com alegria. Alegria de sonhar que iria
estudar. Que teria uma nova vida. At esqueceu o fato de que
deixaria naquele lugar a sua famlia em profunda misria financeira.
chegada a hora. O Jipe azul, de paralamas
arredondados, estava na porta da casa de sua av. O carro era
fretado pelo tio comerciante na cidade. Viera visitar os familiares daesposa que morava naqueles confins dos sertes.
O menino se sentou no banco traseiro e ali ficou
pensativo. A vontade de mudar de vida lhe tiraria a saudade dos
irmos e pais, alm das coisas daquele lugar, que, mesmo ruins,
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ele gostava e no sabia. verdade. Ele gostava de pegar piaba de
anzol no aude. Gostava de armar fojos nas veredas dos pres.
Gostava de...gostava....
A tia, momentos antes da sada, indagou: Onde t a bolsa do menino? Ele respondeu:
Bolsa?! Tenho no senhora.
Eu tou falando bixim das roupas, voc no
entendeu no?
O menino olhava assustado para aquele monto
de gente em volta sem saber o que dizer.
Eu no tenho roupa...s tem esse calo e essa
blusa eu ganhei hoje pra viajar. Os chinelos o papai fez de pneu
com tiras de couro cru. No tenho outras no senhora.
Ele no sabia nem conseguia imaginar o tamanho
da humilhao que sofreria dali pra frente.
Ocorre que o tio que o convidara estava decidido
a ajud-lo.
Ao anoitecer, estava entrando naquela cidade
pela segunda vez. A primeira em companhia dos seus pais, para
estudar. Agora, a segunda vez levado por seu tio, tambm para
estudar.
Assim, tomado de comovente gratido quele
bondoso homem, que ficaria em sua mente para sempre, o agoraPromotor de Justia dorme um pouco mais distante do suicdio.
CAPTULO IV Fora do Mundo dos Vivos Antes de Morrer
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o havia encontrado coragem para ceifar sua prpria
vida, no entanto, tambm no se encontrava encorajado
para continuar vivendo. Ali estava morando em uma casaalugada. Considerava o aluguel muito alto. O chamado custo de
vida tambm muito caro. Quando viera do interior, sem conhecer
ningum, alm de alguns poucos colegas de profisso, ele no
conseguiu fazer amizade seno com dois alcolatras: um muito
violento, que sempre conduzia um revlver 38 cheio de balas e
outro tremendamente escarnecedor, muito debochado mesmo.
Mas, agora, como estava com a pele quase toda infeccionada e
tomando antibiticos at os cachaceiros se afastaram dele.
N
Ali ele estava s. No queria incomodar seus
colegas de trabalho. Um deles, em certo dia, tentou falar do
evangelho de Jesus para ele, mas foi logo e prontamente rejeitado
por aquele homem que entendia diferente. Alis, o nico crente
naquela instituio ministerial.
No! No aceito! Da minha vida cuido eu.
Sustentava com uma veemncia espantosa.
Depois voc vai entender que no pode viver
sem a proteo de Deus. Sustentava o colega evanglico.
Aquele homem ainda no estava preparado para
ouvir as grandes verdades que no conhecia. Ele pensava quetinha o direito de fazer ou no fazer o que bem entendesse, sem o
controle de ningum.
Quase no saia daquele quarto alm das
constantes sadas em pensamento.
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E foi nas asas da sua imaginao que se
deslocou Escola Santa Ins em Quixad, onde estudou quando
ali esteve pela primeira vez, em 1960. Da referida escola, ele
guardava timas recordaes. Visitou tambm quela escolaparticular, no bairro Puti, onde fora matriculado por determinao
do seu tio, que no permitiu a sua permanncia no Grupo Escolar,
por causa do ensino que, no seu entendimento, era fraco.
Naquela escola, o menino do interior estudava na
mesma turma do casal de filhos adotivos do seu tio.
Como seus primos guardavam entre si
caractersticas bem distintas: a menina bem morena, bem escura, e
o menino muito branco, alm de outros detalhes que distinguiam
um do outro, certo dia a professora quis saber dele se o referido
casal era filho legtimo ou no dos seus tios. O embarao estava ali
diante daquele menino que nunca caiu na simpatia da irm do seu
pai. Por um instante ele exitou, mas logo ele lembrou da orientao
recebida do pai l na olaria: um homem no deve ser mentiroso.
Professora, eles so criados pelos meus tios
como se fossem filhos.
Voc t dizendo que eles so adotivos?
Isso mesmo.
Duas horas depois ele j estava sabendo quanto
custava dizer a verdade. A humilhao foi muito grande e o Diabono o levou de volta para a fazenda porque o Sr. Sales era
verdadeiramente um homem bom e estava mesmo decidido a
ajudar aquele pr-adolescente a sair do barro.
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chegado o ano de 1966. A seca no serto era
severa. Devastadora. No auge da crise o pai daquele menino
compareceu ao comrcio do Sr. Sales, onde momentaneamente o
garoto se encontrava s, ocasio em que aquele homem se dirigiuao filho, dizendo o seguinte:
Meu filho, eu no consegui arranjar nada para
levar pros seus irmos e l em casa eu no deixei nada, coloque a
numa sacola umas duas rapaduras, uns quilos de farinha e uns
biscoitos pra eu levar e depois eu falo com o compadre Sales. Ao
que o filho respondeu ao pai:
Papai, acho melhor o Senhor falar logo com ele.
A resposta do menino tinha como base outra lio
que aprendera na olaria, quando seu pai lhe disse que no se deve
pegar coisa nenhuma alheia, sem autorizao do proprietrio.
Cumpre lembrar que no ouve a solicitao ao Sr. Sales, tendo o
Sr. Eduardo retornado a sua casa sem levar absolutamente nada
para os filhos que l passavam fome.
Aquele garoto no estava passando fome,
juntamente com seus irmos mais novos, no entanto sentia a
mesma angstia. Sofria o sofrimento deles. Tinha dentro de si um
desejo muito grande de vencer aquela terrvel dificuldade.
Em determinado dia estava no comrcio do seu
tio Sales, quando ali chegou uma senhora que morava em SoPaulo, olhou fixa e demoradamente para aquele garoto, antes de
formular a seguinte pergunta:
- Voc quer ir morar em So Paulo? Se quiser, eu
te levo para minha casa. Voc vai estudar e ser um homem.
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- No senhora. Posso ir no senhora. Papai no
deixa eu ir com a senhora no senhora.
Ali ele ficou com muita curiosidade. Indagava a si
mesmo de como seria a vida num lugar to distante. Alis, halguns anos morava um tio seu em So Paulo. Durante alguns dias,
ele ficou entendendo que acabara de perder uma boa oportunidade
de mudana de vida. Mudana de vida para ele, mas que no
significava melhora nenhuma na vida de seus pais e seus irmos.
Ainda permaneceu naquele lugar por mais um
pouco de tempo. Ocorre que, como estava oprimido, por causa das
constantes e severas humilhaes que sofria, um tio de seu pai de
nome Antnio, aconselhou ao sobrinho a retirada do seu filho
daquele lugar, antes que algo pior viesse a acontecer.
E foi assim que, aos catorze anos de idade,
aquele adolescente voltou para a dura realidade da casa dos seus
pais, onde a pobreza era extrema. A fome e a doena rondavam
aquela casa. Aquele rapazinho entrou num estado de to grande
desnimo que quase no falava nada com ningum. Estava sempre
calado e em algum lugar sozinho. No gostava de ficar perto de
gente. Nem mesmo com a av dele aceitava falar alguma coisa.
Quando falava, era pronunciando as palavras pela metade, como
se fosse uma parte da palavra para dentro dele mesmo. Algo
estava para acontecer e aconteceu: comeou a ter contato combebidas alcolicas, para logo em seguida fazer uso de cigarros.
Juntamente com os vcios, chegou a ele tambm um forte
sentimento de revolta e um tremendo impulso de violncia. Com
tais atributos, passou a se envolver em confuses e brigas, pois
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quando ingeria bebidas alcolicas ficava bastante transtornado, ou
seja, como se fosse louco. Enfurecido.
Com o nico propsito de ajudar ao filho e sem
saber o que estava fazendo, o pai daquele jovem passou a levar ofilho presena de um umbandista, para expulsar dele o coisa
ruim, fato que ocorreu pela primeira vez no final de 1968.
O tal umbandista deu logo a sentena: ele um
mdium de nascena e precisa ser desenvolvido, para fazer
trabalhos com muito poder, inclusive de mover as coisas com um
simples olhar.
Isso interessou muito quele jovem. Como todas
as pessoas viventes, ele gostou demais da idia de ter poder
sobrenatural. Aceitou a proposta de se desenvolver, sem desconfiar
de nada. Claro, ele no sabia que se tratava de uma grande
mentira do servo de Satans.
Durante as sesses de Umbanda, para
desenvolver a sua mediunidade, era ingerida uma boa quantidade
de marafa e fumados muitos cigarros, o que contribuiu mais e
mais para os vcios que j tomavam conta daquele pobre infeliz,
que parecia, no entanto, animado com a idia de ter poderes.
Alm da possibilidade de se tornar um vidente, o
jovem j alimentava, o sonho de casar-se com uma sobrinha do
macumbeiro, que tambm era dada prtica maligna da feitiaria. chegado o ano de 1970. Agora ele j est
contando dezesseis anos de vida. Quando no estava no chamado
terreiro de macumba, ele cuidava do gado de uma fazenda que seu
pai tomava conta e amansava burro bravo. Esclarea-se que no
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ano de 1968, em outubro, o Sr. Eduardo conseguiu emprego na
referida fazenda, o que significou espantar a fome e a misria, pois
ali ele tinha direito a leite e peixe com abundncia para a sua
numerosa famlia.O Jovem se tornou um pegador de boi bravo nos
carrascos do serto. Pegava um boi bravo em qualquer lugar do
mato. Certa vez, como desafio, ele pegou um boi no mato fechado,
carrasco, montado num cavalo em plo, isto , sem sela, e sem
camisa, ou seja, alm de no vestir um gibo de couro, que protege
a pele, ainda tirou a prpria camisa ficando nu da cintura para cima.
Era um espanto, diziam os que presenciaram a faanha. Agora,
ele estava desejando algo mais: queria pegar um boi bravo no
carrasco, noite, s com o claro da lua. Ele, em verdade, desejava
mostrar que era capaz de fazer alguma coisa sobrenatural, para
provar que era mesmo dotado de poderes estranhos.
Mas no seu interior batia, fortemente, de forma
induvidosa, um sentimento de que tinha muita coisa errada. Ele no
poderia casar-se com aquela macumbeira to cheia de problemas
e, principalmente, porque ele no tinha nada alm da prpria vida.
Alm disso, ele comeou a questionar a utilidade daqueles
possveis poderes, no tocante desejada mudana em sua
trajetria de vida. Ele decidiu e comeou a falar para algumas
pessoas que iria embora para So Paulo, logo que tivesse seusdocumentos pessoais em mos, especialmente, o certificado de
reservista, ou de dispensa do servio obrigatrio das Foras
Armadas. Sustentava com muita convico: no ficarei aqui. Essa
vida no a que eu desejo para mim. Duas horas da madrugada
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dentro de curral tirando leite de vaca no o que desejo continuar
fazendo.
Mais uma vez a esposa daquele miservel
homem entrou naquele quarto. Dessa vez para dar-lhe umapssima notcia:
- No agento mais. Voc vai ficar mais uma vez
sozinho.
Ela se referia ao primeiro casamento fracassado
do seu marido.
- Tem problema no, ele rebateu: voc saindo
por aquela porta, e eu colocando um fim em tudo isso com um
simples t!.
Disse isso enquanto apontava o indicador para a
sua prpria tmpora direita.
E em tom muito agressivo, como de costume, ele
falou para ela: voc j devia ter era ido. V! V logo! Suma da
minha frente! Quem voc pensa que para me afrontar com esse
tipo de insulto e ameaa? Voc tem que entender que eu sou um
cabra macho e no abro nem para um trem cheio de chumbo.
Ela chorou, mas segurando o filhinho caula nos
braos que contava dois meses de vida, decidiu ficar e suportar
mais um pouco com resignao.
Pouco depois da desavena e dos impropriosproferidos pelo doente, ele dormiu novamente. Era o que mais
gostava de fazer naqueles difceis dias da sua vida.
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CAPTULO V Ponte Estreita e Perigosa
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avegando numa velocidade superior velocidade da luz,
aquele pobre homem estabelecia paralelos entre a sua
infncia, adolescncia e juventude, com os dias que estava
vivendo ali naquela capital mafrense.
NEle j estava convencido pelo seu prprio
entendimento de que no seria curado de tantas feridas no seu corpo
fsico. O que ele no tinha conscincia era de que sua alma estava
muito mais doente do que a sua carne.
Realmente ele desejava ver aquilo chegar ao fim.
Ocorre que os remdios no produziam nenhum resultado. Ele sofria
tambm com o pensamento de que sua famlia(esposa e filhos) iria,
possivelmente, para o controle de outro homem como costuma
acontecer em casos semelhantes(morte ou separao voluntria).
Sentia cimes. Cimes imaginrios da esposa. Concordara e at
mandara ir embora, no dia anterior, pensando em morrer, mas ele
sabia que para viver, sem ela, seria mais complicado.
bom salientar, que ele sempre desejou ter uma
famlia. No entanto, no conseguia cuidar satisfatoriamente da famlia
que tinha. Perdera a primeira: esposa e um filho e estava ficando sem
a segunda: esposa, duas filhas e um filho. O sentimento de culpa
aumentava a cada dia.
De forma incontida, agora ele voltava ao passado,
talvez buscando explicao para certos acontecimentos, quem sabe,desejando entender o momento dramtico que estava vivendo.
Longe. Bem longe, no tempo e no espao, ele
comeou a reviver mais um perodo de sua vida em uma outra olaria.
Olaria situada numa fazenda de nome So Bernardo. Lembrava bem
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que o ano era 1972. Os dois anos anteriores foram de estiagem(secas
severas). O Sr. Eduardo saiu daquela fazenda, que tomava conta. No
tinha para onde ir. Foi morar na aludida fazenda So Bernardo. O filho,
que completara dezoito anos em janeiro acabara de ser dispensadopelo glorioso Exrcito Brasileiro, por insuficincia fsica temporria.
No recebeu logo o tal certificado de dispensa e no tinha dinheiro
para viajar com destino a So Paulo: seu grande sonho; sua grande
esperana de mudar de vida.
Portanto, enquanto no obtinha o valor da
passagem, e para no ser mais um desocupado, foi para a olaria com
o Raimundo e o Zez. Seu trabalho, desta vez, no seria amassar o
barro com os prprios ps. No, esse seria o trabalho destinado ao
Zez. A sua tarefa era cortar lenha para queimar os tijolos fabricados
naquela olaria. O almoo no seria o chib. O alimento era um feijo
to bichado, que, enquanto cozinhava, os gorgulhos iam subindo e
eram lanados fora da panela com uma colher. Mas a maioria deles
morria no prprio gro e viravam alimento tambm. Feijo com sal,
farinha, rapadura e gorgulho. No almoo e na janta. Eles, Raimundo e
Zez, diziam que a comida tinha o melhor tempero do mundo: a fome.
A tristeza naquele jovem era visvel. Tudo lhe parecia
sem esperana. O tempo agora estava passando um pouco mais
rpido. Era bem diferente do tempo em que contava apenas oito ou
nove anos de idade. A sua expectativa de ingressar na carreira militarj era pgina virada. A possibilidade de concluir pelo menos o primrio
fugia completamente do seu controle. Trabalhava sozinho no mato
cortando lenha com um pesado machado. Dormia ao relento: rede
armada de um lado para outro. No tinha a quem recorrer e no sabia
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recorrer. No sabia falar com Deus. No sabia quem era Deus.
Durante sua infncia ouviu muito sua me falar de So Francisco e de
Nossa Senhora de Ftima. Alis, nome dado por ela a um dos filhos e
a primeira filha, Francisco e Ftima. A me do rapaz fazia promessa ese dizia devota de tais santos, mas aquele jovem no tinha nenhuma
devoo a ningum. Ele s queria mesmo era sair dali. A ajuda
poderia ser de qualquer santo. Surpreendentemente ele no estava
confiando nos tais poderes dos guias da umbanda para tirar-lhe
daquele lugar, nem para deles obter qualquer outro benefcio. E foi na
completa ignorncia espiritual que ele recorreu a uma senhora que ele
tambm no conhecia: A padroeira do Brasil, Aparecida. Ocorre que
sem questionamento do aspecto espiritual, certo dia o Sr. Eduardo foi
aquele lugar levando um convite que fora formulado por um tio do
mencionado jovem, irmo da me dele, chamado Ricardo. Este
mandara convidar o sobrinho para trabalhar com ele na cidade de
Quixad e na vizinhana vendendo confeces de porta em porta. Era
o conhecido Galego.
Eis uma aparente e nova oportunidade. E seria at
boa, caso ele tivesse um pouco mais de facilidade na comunicao
verbal com as pessoas e fosse menos tmido.
O tio Ricardo era bastante animado e com ele o
aludido sobrinho trabalhou at o incio de fevereiro de 1974, quando
embarcou em um nibus para So Paulo cheio de esperanas. Umacoisa, todavia tirava-lhe a alegria: a lembrana do lugar onde se
despediu dos seus pais e dos seus irmos. O lugar era muito ruim e
distante da cidade. A pobreza nunca se afastava daquela famlia.
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Beber, ele no estava bebendo, mas ia vrias vezes
janela do quarto para fumar. Fumava e soprava a fumaa pela janela
sem perceber que uma boa parte daquele veneno ficava ali mesmo no
quarto e atingia em cheio o seu filhinho de apenas alguns meses devida que dormia em um bero. Ali, naquele quarto, Ele desejava
ardentemente viver o passado, porm de modo diferente, sem a
devida conscincia de que o passado era semelhante fumaa que
ele soprava naquela janela: nunca mais voltaria quele lugar.
O nico meio ao seu alcance para tocar o passado
era o que ele estava usando: a sua lembrana.
Diariamente ele demorava olhando umas dez
imagens de santos ali expostas no seu dormitrio, todavia no
clamava a nenhuma delas. Somente olhava. bem da verdade, ele
no estava clamando a ningum. Ele queria mesmo era morrer, mas
no morria.
Depois de fazer os curativos naquela manh, sua
esposa conversou demoradamente com ele. Pouco a pouco, aquele
homem se tornava mais esmorecido. No tinha mais nenhum projeto.
Estava se entregando. Considerava-se vencido. No reunia foras
para reiniciar.
- Noto voc muito calado. O que voc tem pensado
tanto? Indagou a esposa.
- Eu no gostaria de falar dessas coisas agora. Eleretrucou.
- Que coisas? Posso saber?
- No. Quer dizer, at pode...eu que no quero...
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- Eu acho que voc vai sair dessa. Voc um
vencedor. Tem gente muito pior do que voc.
- Tem mesmo. T morto e sepultado.
- Fale assim no. Voc ainda novo. Tenha f.- Tenha o qu? Ora vamos...venhamos e
convenhamos. F...f lutar pelo que quer. Lutei demais. Deu nisso.
T na pior. Agora no luto mais por nada. Acabou. Acabou mesmo.
- Tente relacionar dez coisas boas em sua vida e
voc vai ver que tem muito mais.
- Tem mais nada...
- Procure lembrar.
- Lembrar o que mais tenho feito. No posso viver
de lembranas. As lembranas do passado no esto me ajudando
em nada no presente.
- , mas lembre que voc formado em Direito e por
isso voc ...
- Esquea isso.
Ele falou para ela esquecer, mas foi exatamente
esse tema que ocupou a sua mente nas longas horas seguintes.
CAPTULO VI A Viagem dos Sonhos
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o dia 12 de fevereiro de 1974, com vinte anos de idade, ele
chegava em So Paulo por volta das 16:00 horas. Foi levado
da estao rodoviria para a casa do seu tio que morava na
zona norte daquela metrpole. Depois do primeiro banho de guaquente(chuveiro eltrico), o humilde rapaz foi at ao porto de
entrada daquela casa e olhou atentamente para o desconhecido.
Muita fumaa no ar, mas, em verdade, alm da fumaa havia muitas
outras coisas no ar.
N
A notcia j estava l. Eles j sabiam do
comportamento daquele moo nordestino, quando estava embriagado.
Portanto, antes da primeira bebedeira, naquele lugar, o recm-
chegado foi levado a um terreiro de umbanda, para receber uns
passes e ficar livre das perturbaes causadas pelos encostos.
Tava na cara que era encosto ruim, sustentavam com convico.
Naquele terreiro, ele ouviu mais uma vez o enganoso
relato: ou desenvolve a mediunidade, para receber os seus guias, ou
voc fica doido. O mensageiro do Satans acrescentou que em
contrapartida, caso fosse feito o processo de desenvolvimento, os
poderes seriam muito grandes, inclusive movimentar as coisas sem
toc-las.
Dessa vez, ao contrrio da anterior, ele no sentiu
vontade de aceitar aquela proposta coisa nenhuma. O rapaz estava
em So Paulo com a inarredvel determinao de mudar sua trajetriade vida, mas no sendo um macumbeiro. Isto no. Ousou, em
verdade, ser um advogado. Como?! Um advogado?! Sim, quem sabe
um promotor de justia.
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De um certo homem, empresrio, recebeu a seguinte
lio: voc precisa mesmo de um negcio para ganhar muito
dinheiro. No apenas dinheiro, mas muito dinheiro.
No entendimento dele, quem tem muito dinheiro notem nenhum tipo de problema. Defendia sua tese com unhas e dentes
afirmando que tudo se resolve com dinheiro.
Era um homem casado, de cuja unio tinha um casal
de filhos, ainda crianas. A sua esposa era bem jovem e bela, mas,
mesmo assim, ele tinha uma poderosa amante; uma espcie de
crebro dos negcios dele. Alis, empresas que cresciam
rapidamente, como ele desejava. O tempo passou rapidamente e,
quando o filho estava ingressando na universidade, a amante
(crebro dos negcios, como ele gostava de dizer) morreu com um
cncer exatamente no crebro. As atividades sofreram um inevitvel
abalo. Ele ficou muito desanimado, pois perdera mais do que o amor
secreto da vida dele; perdera a insubstituvel administradora das suas
empresas. Mas, de qualquer modo, como quem tem dinheiro, no tem
problema, ele tocou os seus negcios a partir dali como pde.
Ocorre que, mais um tempinho, o filho sofreu um
grave acidente no trnsito; perdeu as duas pernas e morreu dizendo
que no podia morrer, enquanto o referido empresrio e pai chorava
confessando que estava morrendo juntamente com o filho.
A mulher, que j freqentava habitualmente oscentros de umbanda, revoltada com a amante do marido, passou a
freqent-los diariamente, onde contraiu uma manifesta insanidade
mental. Mas, como tinha muito dinheiro, no se deve nem pensar em
problemas. Faltava a filha. A moa engordou demais; tornou-se um
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tanto boba, casou-se com um malandro, drogado, traficante de
drogas, que entrou naquela brecha para mostrar, claramente, o que
acontece a quem perdeu a dcima segunda aula de Jesus e no
busca em primeiro lugar o Reino de Deus.Matriculado em uma escola para adultos, ligada e
mantida pelo SESI, ele concluiu o antigo primrio que ficara inacabado
h alguns anos l em Quixad. No final de 1975 estava sendo
diplomado. No precisa mais dizer que ele tinha uma certa facilidade,
quando o assunto era estudar.
Nos dois anos seguintes, 1976-1977, num curso
supletivo e estudando de forma surpreendente(intensamente), ele
conseguiu o diploma do equivalente ao antigo ginsio. oportuno
ressaltar que em novembro de 75 seus pais e irmos foram residir em
So Paulo, sendo que, a partir da, passou a receber grande incentivo
por parte dos seus pais.
No se pode perder de vista a indisfarvel
indefinio no tocante a uma religio. No se decidira pelo baixo
espiritismo, embora o freqentasse, notadamente quando se sentia
oprimido ou de ressaca da bebida.
No se sentia atrado por nenhuma igreja evanglica
e ningum, ningum mesmo, lhe falou do evangelho de Jesus durante
aqueles anos. Falavam e o levavam constantemente para os terreiros
de macumba.Mas foi ainda assim, sem saber quem era Jesus, que
do incio de 1978 at junho de 1979, ele obteve o diploma no mesmo
curso supletivo do equivalente ao antigo cientfico ou colegial(2 grau
ou Mdio).
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De julho a dezembro de 1979 freqentou um
cursinho e estudou ainda mais intensamente, com o determinado
propsito de ingressar numa faculdade de Direito. Inscreveu-se em
dois vestibulares: o famoso e difcil vestibular da FUVEST, queselecionava para a USP(Universidade de So Paulo as velhas
ARCADAS de tantas celebridades e no vestibular das Faculdades
Metropolitanas Unidas FMU).
Nas opes, tanto de uma quanto da outra, ele
colocou Direito nas duas primeiras e Economia na terceira opo.
Aprovado na primeira fase do elitizado vestibular da
FUVEST, no logou xito na segunda etapa. Os detalhes no so
interessantes agora. Chamado a se matricular na Metropolitana,
figurando na primeira chamada, pois obtivera timo resultado no
vestibular.
Pode at parecer inacreditvel, mas aquele jovem
no realizaria o to acalentado sonho de se formar em Direito, pelo
menos era o que ele estava vislumbrando atravs da sua tica
puramente humana. A faculdade era particular e muito cara. Alm
disso, ele estava desempregado. Saliente-se que ele no tinha
nenhuma profisso que lhe assegurasse um bom salrio. Trabalhara
inicialmente, como ajudante na oficina do seu tio, onde rapidamente
aprendeu a soldar com solda eltrica. medida que avanava nos
estudos ia mudando com muito sacrifcio de atividade. Saiu da soldaeltrica, na fbrica, e passou para o comrcio, como vendedor, e
depois em um escritrio que fazia a contabilidade de uma empresa
comercial. quela poca era muito difcil sair de uma metalrgica e
passar para o comrcio ou para qualquer outro tipo de servio. Em
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todos os lugares era exigida uma tal experincia de pelo menos dois
anos na atividade pretendida. Em seis anos, havia trabalhado em sete
lugares diferentes, detalhe que dificultava mais e mais a obteno de
um novo emprego. Algumas pessoas mais prximas comearam asugerir que ele tinha que desistir daquele curso, pois ele no tinha a
mnima condio financeira para pagar aquela faculdade to cara.
Ora, deveria se dar por satisfeito com um curso de operador de
computador sustentavam com um tom bem insinuante e crtico.
Ainda restava o ento crdito educativo cuja
solicitao foi negada.
Decorridos os primeiros seis meses, ele j
reconhecia o limite. Caso a segunda solicitao do crdito educativo
tambm fosse negada, ele teria mesmo de reconhecer a derrota. O
sonho viraria um tremendo pesadelo. A insegurana era muito grande.
O desnimo tomava conta. Tudo o aconselhava a desistir. Resolveu
permanecer ali ate a divulgao do to esperado resultado da seleo
do crdito educativo.
Seu quadro se agravava mais e mais com a
presena de uma ex-namorada, que teve um filho dele, durante o
perodo do cursinho, pr-vestibular, ou seja, no final de julho 1979.
Disse que estava grvida. Ele exigiu que ela no interrompesse a
gestao. poca, completando um ano e reconhecido pelo pai,
necessitava de ajuda para o seu sustento.Saliente-se que aquela criana tornou-se um homem
digno. Hoje um cidado casado, honesto e trabalhador.
O final de tanta ansiedade chegou e foi colado numa
parede daquele prdio. Um dos cinco nomes aprovados era o dele:
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Jos Eliardo de Sousa Cabral. De longe ele leu o nome que saltava
aos seus olhos: CABRAL. Com o resultado to esperado, vieram
tambm os pessimistas:
- Se eu fosse voc, no aceitaria o crdito educativo,voc no termina de pagar o dbito nunca.
- Se voc fosse eu, sem o crdito educativo, voc
no se formaria nunca, porque eu no posso pagar o curso. Agora s
quero estudar. Depois de formado eu vou pensar no pagamento.
Ele no estava preocupado com o dbito nem com o
diploma, queria mesmo era uma profisso que transformasse
definitivamente a sua vida. Muitos estavam estudando ali em busca de
status, pois j estavam com suas vidas resolvidas financeiramente,
mas o Eliardo Cabral no era gerente de banco, no era comerciante,
como muitos alunos daquela escola superior de Direito.
CAPTULO VII A Viagem de Retorno
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om o diploma registrado no MEC e a carteira de advogado
no bolso, o jovem advogado partiu de volta para a sua terra
natal no final de dezembro de 1985. Antes de retornar ao
Cear, Eliardo Cabral sofreu uma grande decepo na reaprofissional.
CAinda lhe faltava um ano para concluir a graduao
em Direito, quando ele conheceu um senhor de cabelos brancos, que
falava com muito domnio o portugus e era professor de latim. Dizia-
se advogado h muitos anos, com escritrio muito bem localizado no
centro da capital paulista. Era em um prdio situado na Praa Carlos
Gomes, muito prximo, portanto, dos fruns: cvel, criminal e do
Palcio da Justia.
Tudo lhe parecia um verdadeiro presente. Ora, quem
est se formando, especialmente em Direito, quer logo mostrar
servio. Colocar em prtica o que aprendeu nos bancos da escola. A
alegria tornou-se maior quando o Dr. Gomes lhe ofereceu uma
sociedade no referido escritrio.
Concludo o curso, j no incio do ano de 1985, o
jovem bacharel recebeu uma carteira provisria de advogado. O seu
nome passou a figurar no quadro dos advogados de So Paulo. O
Dr. Gomes mandou imprimir alguns blocos de formulrios para
peties com os dois nomes: primeiro o dele, Dr. Gomes, e um pouco
abaixo o nome do novel advogado. Ambos indicavam no aludidodocumento os respectivos nmeros de inscrio na OAB/SP.
Surpreendentemente, quando Cabral no conseguia
vislumbrar nada mais venturoso, pois j se encontrava scio de um
escritrio de advocacia, aconteceu o inusitado: o entusiasmado
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advogado chegou ao final da tarde ao aludido escritrio, vindo de uma
demorada audincia no Frum Regional de Pinheiros (capital),
ocasio em que encontrou o escritrio todo revirado. As mquinas de
escrever no se encontravam no local. Ausentes, tambm, estavam osblocos de papis de peties e as pastas dos clientes. As gavetas
estavam praticamente vazias.
Antes das suposies, Cabral ligou para o Dr. Amaral,
amigo advogado que freqentava quase diariamente aquele escritrio,
onde conversava demoradamente e passava grandes dicas da
advocacia para o colega mais novo. Em verdade, Amaral era um
advogado em final de carreira, bastante idoso, e demonstrava muito
apreo pelo novo colega, a quem fazia declaraes de amizade:
- Dr. Amaral, boa tarde, o que se passa? Acabei de
chegar ao escritrio e aqui t tudo revirado.
- Aguarde a um pouco que eu j estou indo ao seu
encontro.
- Mas me diga logo o que foi que houve.
- O Gomes est preso.
No demorou muito tempo, pois o seu escritrio era
muito prximo dali, o Dr. Amaral chegou.
Sem rodeios, passou rapidamente a relatar os fatos:
- O Gomes no tem inscrio na Ordem, pois ele no
nem bacharel em Direito.- Mas doutor...
- Ele realmente professor de portugus e de latim. E
nada mais.
- E eu?! Como fico?!
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- No se preocupe, porque eles j examinaram a sua
inscrio e constataram que verdadeira. Alm disso, o Gomes sai
logo, pois ele tem um problema muito grave no corao, sendo que
poder morrer a qualquer momento.- Mas Dr. Amaral, ele foi preso s por falso exerccio
da advocacia?
- No, ele tem outras acusaes contra ele, depois eu
te contarei tudo.
Acontece que ele nunca lhe contou toda a verdade e
nem houve necessidade disso. Com o que Eliardo Cabral soube do
seu scio, foi o bastante para largar tudo naquela grande capital e
voltar definitivamente para a sua terra natal, com a dura lio de que
perigoso depositar toda confiana no Homem, que , por natureza,
falvel. Mas, lamentavelmente, ele ainda no sabia que fiel Deus,
conhecimento que veio obter alguns anos depois.
CAPTULO VIII Recordaes Amargas
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liardo Cabral continua no Planalto Ininga, na Rua Jaime da
Botica, n580, em Teresina, em janeiro de 1998, onde ainda
consegue suportar a idia de suicdio, mas no resiste o
impulso de ir Maranguape-Ce e reviver o ano de 1986 naquelacidade.
ESua esposa tenta iniciar um dilogo, mas ele no
aceita. Foge da conversa sob o argumento de que vai dormir, como
costumeiramente fazia.
Tudo parecia muito confuso. Contava trinta e dois
anos de vida. Um alcoolismo no assumido, mas que j se tornara
preocupante e indisfarvel. Fumava exageradamente e se envolvia
muito facilmente com mulheres no recomendveis. O seu pequeno
escritrio, alm de muito modesto, situado no mesmo prdio do frum,
tornou-se rapidamente em um ponto de encontro amoroso. s vezes,
ele estava ali s portas fechadas com uma namorada, quando outra
chegava e comeava a bater na porta, gerando um ambiente
extremamente desagradvel. Os comentrios circulavam quase
sempre com alguns acrscimos. A imagem daquele recm-chegado
advogado j no era boa, decorridos pouco mais de trs meses
naquela comarca. Residia na casa da sua irm mais velha, que era
funcionria do Banco do Brasil, juntamente com o seu esposo.
O comportamento daquele jovem com as mulheres
levou severos aborrecimentos ao seu cunhado, que atendia, comfreqncia, os telefonemas de mulheres, que ligavam noite
procurando informaes do tal namorador.
A insatisfao do cunhado foi aumentando pouco a
pouco e chegou ao ponto de gerar distrbios no seu relacionamento
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conjugal. Muitas vezes Eliardo chegava de madrugada, bastante
embriagado, falava sozinho, incomodava mesmo aquele casal: sua
irm e seu cunhado.
Decidiu morar sozinho. A irm concordou com a idiae no tinha motivo para discordar, bem bvio que no. Uma das
namoradas queria que ele fosse logo morar com ela. Ele no quis.
Pensava em recuperar os doze anos que vivera em So Paulo, quase
sem se divertir, dedicado aos estudos e ao trabalho. Mas, contrariando
os seus propsitos, em Abril de 1986, precisamente no dia 19, ele
conheceu a mulher que seria sua primeira esposa. Em 30 de maio do
mesmo ano, aconteceu o que lhe parecia ser a soluo de alguns
problemas. Casou-se e transferiu o pequeno escritrio de advocacia
para a Serra da Ibiapaba, regio prspera, sendo que fixou residncia
na cidade de Tiangu.
De junho de 1986 a novembro de 1988, Eliardo Cabral
causou e viveu um perodo de grande tribulao. Sem Deus em sua
vida, o alcoolismo se tornou mais e mais intenso; as desavenas
conjugais tornaram a convivncia insuportvel para ambos, o que
resultou em momentos de separao, com duras perdas materiais e
morais para ele.
No incio de 1988, largou tudo em Tiangu e retornou
para So Paulo, levando apenas alguns objetos de uso pessoal.
Sem dinheiro e sem equilbrio emocional, em SoPaulo ele no foi aceito pelos seus familiares. O nico que lhe recebeu
foi o seu pai. A prpria me o mandou de volta, dizendo que ali no
servia mais para ele. Sustentava que o lugar dele era com a esposa e
o filhinho de um ano de vida que ficara com a me. Ele at concordou
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em voltar, diante da irremedivel rejeio, mas no tinha dinheiro
suficiente para voltar. Alm disso, a esposa tinha ficado muito
magoada, talvez no o aceitaria de volta e o sentimento de vergonha e
culpa o atormentava, empurrando-o para a bebida alcolica de formairresistvel. Bebia e se embriagava diariamente. Chorava de dor na
alma por no conseguir acertar. Sentia uma presso muito
esmagadora contra o seu eu, algo que no conseguia entender estava
acontecendo em sua vida. Verdadeiramente, ele no vivia como
gostaria, mas no conseguia sair daquela rota, no conseguia mudar
a sua trajetria e ningum estava conseguindo lhe ajudar. Ningum ali
tinha o que ele precisava, e O QUE tinha no estava ali; ele ainda no
conhecia O QUE poderia lhe ajudar. Ele no enxergava a sada. Foi a
que o seu sogro entrou na sua histria alm de ser sogro:
- Meu filho, volte. Disse-lhe ao telefone, para fazer o
concurso de promotor no Piau. As inscries j esto abertas.
- No tenho...
- Amanh mesmo mandarei o dinheiro pra voc voltar.
Tire passagem para Sobral, que mandarei algum lhe esperar.
Naquela plataforma da rodoviria estava uma mulher
visivelmente abatida, de culos escuros, bem escuros, que no
conseguia sorrir, mas era ela quem estava ali, a sofrida esposa e uma
irm dela.
- Fez boa viagem? Ela indagou.- Mais ou menos...Como est o...? Perguntou pelo
filho e comeou a chorar.
- Se preocupe no, t todo mundo te esperando. Eles
ainda te querem. J recuperei a tua mquina de escrever.
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Foram conversando no nibus no percurso de 86Km
que separam Sobral de Tiangu. Ele se sentia um miservel, culpado
por tudo. Uma angstia tomava conta do corao dele. O desejo de
beber se tornava cada vez mais incontrolvel. Acontece que ele sabiaque se ingerisse bebida alcolica, estragaria tudo, pois ele se tornava
em outra pessoa quando estava embriagado. Ficava, como diziam,
irreconhecvel, muito violento, com atitudes muito estranhas.
Conseguiu se conter e foi pouco a pouco superando a
vergonha. Ningum lhe humilhava, mas era assim que se sentia,
humilhado. Quase no advogava. Quando ia ao frum, sentia as
conseqncias dos seus atos. J no tinha mais o escritrio, nem
lugar para morar. Vendera tudo por qualquer preo e perdeu o dinheiro
todo. No tinha mais nada alm da vergonha e os outros atributos j
mencionados. Algum indagava-lhe:
- Voc j voltou?! Demorou pouco...indagava um.
- Vai fazer o qu agora? Perguntava outro.
- Vou fazer o concurso pra promotor l no Piau.
Respondia e eles sorriam, fazendo pouco caso.
Na primeira quinzena de agosto de 1988, Eliardo
Cabral estava recebendo o comprovante de ter sido aprovado em
terceiro lugar no concurso para Promotor de Justia no estado do
Piau. Em catorze de novembro do mesmo ano, assumiu uma das
promotorias de justia da comarca de So Raimundo Nonato, ondefixou residncia com a esposa e o nico filho do casal.
Em junho de 1989, foi transferido para a comarca de
Floriano, onde viveu com a esposa e o filho at janeiro de 1992,
quando houve a separao definitiva do casal.
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E foi morando em Floriano, que, em maio de 1990,
Eliardo Cabral comprou o seu primeiro carro novo: um Fiat Prmio,
vermelho perolizado, parecia um carrinho de brinquedo. Era um carro
muito lindo. Financiado em seis parcelas iguais. Quando ele pagou aterceira parcela, colocou a sua, ento, esposa e o filho no aludido
veculo e, nele, viajou para a cidade de Tiangu-Ce. Naquela cidade,
Eliardo comeou mais uma bebedeira, como de costume. J
embriagado e dirigindo o aludido carro, em alta velocidade, ele foi ao
aude do Jaburu. Durante o banho naquele aude, ele ingeriu grande
quantidade de aguardente. Ao retornar para a cidade, imprimiu
150km/h e, com tal velocidade, colidiu com um jumento, cujo acidente
causou quase perca total do carro. Eliardo no sofreu nada, alm da
desmedida ressaca fsica e moral. bom salientar que, quem via o
carro aps o acidente, logo perguntava sobre as vtimas e se o
automvel tinha batido num poste ou em alguma rvore, tamanho era
estrago na frente do automvel. Perdeu um carro novo. Estava com
poucos quilmetros rodados. Voltou de nibus para Floriano e ficou
sem carro durante vrios meses. Antes de consumada a separao,
Cabral conseguiu trocar o Fiat restaurado por um Kadet, semi-novo,
pagando a diferena em vrias prestaes. O Kadet era um carro
muito bom. SLE, dourado, motor 1.8, tinha grande estabilidade e
oferecia bastante conforto, pois dotado de ar condicionado e direo
hidrulica.Concretizada a separao, ele entregou todos os
mveis que revestiam a casa sua ex-mulher e ficou com o carro, que
seria usado, como foi, para suas farras e desventuras durante o
perodo permitido pela separao e depois pelo divrcio.
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Certa vez amanheceu o dia. Cinco horas da manh.
Os pardais comearam a sua revoada. Os passarinhos j estavam
cantando. O sol j mostrava o seu vermelho. E ali estava Eliardo
Cabral sentado ao p daquela mesa; sozinho e bastante embriagado.Na noite anterior, estivera com algumas mulheres em
sua volta. Elas chegavam, uma de cada vez. Pouco tempo depois, j
se podiam contar quatro, at seis em volta da mesa. Isto
costumeiramente. Proferiam palavras fteis, destitudas de qualquer
sinceridade. Da mesma maneira que chegavam, saam e iam embora,
ou seja, uma de cada vez, e ali ele permanecia sozinho.
Estou aqui pior do que um cachorro pensou,
consciente de que estava completamente embriagado. Comeou a
chorar. Lembrou que em sua casa no havia ningum esperando por
ele. Pensou, por um instante, que poderia, quela hora, estar em
casa, ao lado de uma famlia: esposa e filhos. No entanto, estava ali.
Sem o respeito de ningum. claro que desejava sair daquela
situao, mas no sabia onde estava a sada.
Nessa fase de completo desatino e amargura, viajou
para Teresina, onde passou um dia inteiro bebendo. Ao retornar para
Floriano, bastante embriagado, no incio da noite, dormiu ao volante,
enquanto o Kadet estava em alta velocidade. Aconteceu. O carro saiu
da estrada e bateu com grande violncia numa mureta de proteo,
margem de um abismo. Levado para Floriano na carroceria de umcaminho. Houve perda quase total do veculo. Eliardo Cabral nada
sofreu, alm de uma grande ressaca fsica e moral.
Decorridos um ano e seis meses, sua situao jurdica
j estava consumada. Com a sentena de divrcio em suas mos, ele
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casou-se, em trinta de julho de 93, com a mulher que agora coloca
remdios em suas feridas fsicas e tenta aliviar as conseqncias das
feridas espirituais, mas sem xito, v o marido e pai de seus pequenos
filhos, definhando, definhando passos largos rumo a um grande eterrvel abismo.
Ali estava aquele homem, que visto em determinado
ngulo, parecia um vencedor, pois sara de um barreiro de barro para
ser um Promotor de Justia combativo e vitorioso no Tribunal do Jri.
No entanto, ali tambm estava, no fundo daquela rede, um homem
que no ia nada alm de um derrotado. Um homem abatido,
acabrunhado, sem projeto de vida, sem sonhos, sem nenhum desejo
alm do maldito desejo de morrer. No me resta mais nada, pensava
ele.
Quando ele buscou na memria e no encontrou mais
nenhum nome para recorrer, ele cedeu: porqu no Deus?, indagou
e ficou quieto. Quieto e confuso. No sabia como recorrer a Deus e
no tinha a mnima conscincia de que acabava de clamar ao Todo-
Poderoso e Pai Eterno.
Sua casa cheirava muito mal. incrvel. Algo como se
fosse assim um tapete molhado ou um sof com mofo. Era um cheiro
muito forte e que no saa, mesmo quando se colocava os sofs no
sol e se fazia uma boa faxina, sempre permanecia aquele cheiro
horrvel, mas como no recebia visitas, alm dos cobradores, davapara ir suportando.
Na manh de dia 22 de maro de 1998, um
ensolarado domingo, por volta das oito horas, a sua esposa foi ao
quarto e disse:
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- O Dr. Hosaas t l fora, e quer falar com voc.
- Mas eu no quero falar e no tenho o que falar com
ele, entendeu bem isso?
- Doutor, ele disse que no tem o que falar com osenhor no. Ele t meio confuso, t bastante doente, melhor o
senhor voltar outro dia. Foi o que ela disse ao visitante.
- No! Eu quero falar com ele agora. Insistiu.
Aquele determinado homem, que alm de Promotor de
Justia, era e crente, sendo que esta qualidade no agradava muito
ao colega que estava cado naquela casa.
Ela voltou ao quarto e j em tom de aborrecimento, e
com razo, disparou:
- melhor voc ir logo falar com ele.
- No possvel...o que ser que esse homem quer
comigo, que no pode ser depois? brincadeira um negcio
desses.
- Diga l Hosaas...rapaz eu tou meio ruim de
sade...um problema na minha pele...
- Eu vim lhe buscar para a Igreja e no diga que no
vai.
- E eu no vou mesmo no. Nem a roupa posso vestir.
Ligeiro ela fica toda suja de secreo desses tumores e feridas.
Voc t vendo aqui?Depois de muita insistncia e muita recusa, o Dr.
Hosaas pronunciou as seguintes palavras:
- Voc no vai porque o Diabo no deixa voc ir. At
logo.
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- , pode at ser, mas eu no vou mesmo no. At
outro dia Hosaas.
Ao voltar ao local onde estava literalmente cado,
aquele doente ouviu novamente aquelas palavras, agora no seuesprito: O Diabo no deixa voc ir.
Levantou-se, como o filho prdigo, e foi ter com Deus
ainda naquela manh no templo da Segunda Igreja Batista em
Teresina. Ali ele se lanou nos braos do Pai Eterno e por Ele foi
recebido como filho, colocando um ponto final no longo perodo
de escravido nas garras do Diabo. Ali, naquela manh, o Diabo
perdeu.
CAPTULO IX Deciso Confirmada
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voltou noite para confirmar a sua mais acertada
deciso. Entrou naquele santurio, onde se cultuava ao
Deus nico e verdadeiro. Ali era pregado o Evangelho de
Jesus Cristo na sua forma genuna.
EFoi entrando, lentamente, naquele santurio como se
estivesse desconfiando de alguma coisa. Algo diferente aquele
homem sentia naquele lugar. Olhava as pessoas e notava um certo
brilho nelas, assim como se elas fossem mais limpas, fisicamente
falando, do que ele. Tudo era novidade. Um conjunto formado por
cinco homens louvava a Deus com alguns hinos e courinhos que
ele no conhecia. Alis, ali ele no conhecia nada.
Em certo momento, antes de ser dado incio ao culto,
que estava previsto para as 19:30h, chegou quele lugar o Dr.
Hosaas Matos, o que fora convid-lo na manh daquele
inesquecvel dia e, aproximando-se do seu convidado, foi logo
perguntando:
- Voc est gostando? Ao que Eliardo Cabral
respondeu com sinceridade:
- Tou gostando. O problema que agora eu no
posso fazer o curso, porque tou sem dinheiro e doente, mas quero
deixar feita a minha inscrio, pois logo que eu puder, farei o curso.
- Que curso? Indagou o Dr. Hosaas sorrindo.
- Ora, curso para ser crente. Eu j decidi ser umcrente, assim como vocs. Respondeu aquele que no sabia nada
da Bblia nem de crentes, mas s vezes os criticava sem saber o
que dizia.
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- Para voc ser um crente, no precisa fazer curso
no incio, basta confessar em pblico que aceita Jesus como seu
nico e suficiente Salvador.
- Isso eu j fiz, tou decidido...- Voc vai confirmar a sua deciso quando o pastor
terminar a pregao da Palavra de Deus e perguntar se algum
quer aceitar a Jesus como Salvador. A voc levanta a sua mo
direita e o pastor lhe chamar l na frente para orar por voc.
Eliardo Cabral permaneceu sentado ali numa cadeira
mais ou menos no meio do santurio. Sentia-se diferente de todos
os que se encontravam naquele templo evanglico. Em verdade,
sentia-se mal cheiroso, em conseqncia das enfermidades no seu
corpo e muito mais por causa dos seus vcios e pecados. Ali
sentado, como estava, ele ainda repassava, por ser inevitvel,
como se fosse um filme, toda a sua vida. Mas agora ele se sentia
vencido pelo Poder de Deus e no mais do inimigo. J no
desejava o suicdio e no queria viver como o senhor da sua
prpria vida, sem dar satisfao a ningum dos seus atos. Ele j
desejava ter uma experincia com o Deus dos crentes.
E foi com tal propsito que levantou a sua mo
direita, na hora do apelo, e caminhou em prantos incontidos, isto
mesmo, chorando copiosamente at a presena do Deus que ele
no conhecia. Estava comeando uma nova fase na vida daquelehomem.
Voltou para sua casa e comunicou sua deciso sua
esposa:
- A partir de agora, eu serei um crente.
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- Crente!? !? Hum...!
- Crente, sim...terei uma nova vida.
- bom mesmo...
- Voc vai ver.Trs meses depois, a sua esposa tambm aceitou a
Cristo como Salvador e Senhor de sua vida. Saliente-se que, ao
contrrio do seu marido, Adriana no fumava, nem bebia, e gozava
boa sade.
- Voc precisa parar de fumar. Voc ainda t
fumando e isto no certo. Assim falava a esposa recm-
convertida ao Evangelho.
- Da bebida voc sabe que j tou livre, mas no
deixarei o cigarro com sofrimento. Ou Deus me liberta sem
sofrimento, ou continuarei fumando. Eu no vou fazer
absolutamente nada. Deus quem vai fazer.
E Deus fez mesmo. Certo dia ele acendeu um
cigarro e quando comeou a fum-lo, notou a presena de um
crente, bastante conhecido na igreja, debruado numa janela, a uns
cinco metros de distncia. Ambos ficaram calados: crente e
fumante. O fumante soltou discretamente o cigarro e, com muita
vergonha, foi a um local deserto clamar ao Senhor em alta voz:
Deus, se tu me queres como crente, ento me livra do cigarro. Eu
sei que no fui feito para fumar, na minha cabea no tem chamin,eu no posso falar contigo, Senhor, soltando fumaa pela boca e
pelo nariz. Ajuda-me Senhor...
Era o final daquela tarde. O sol acabava de se pr. O
sol sumiu l no horizonte e o vcio sumiu em algum lugar que
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somente Deus sabe. O vcio passou a ser odiado por aquele
homem, que hoje no aceita nem o cheiro da fumaa de cigarro.
Cumpre lembrar que, mesmo durante um tratamento de
pneumonia, aquele homem fumava.A libertao da bebida foi bem rpida, o vcio do
cigarro demorou um pouco mais. A cura das feridas na pele, no
entanto, demorou bastante tempo, mas foi completa.
Deus passou a trabalhar no carter de Eliardo
Cabral, com eficincia tratando, consequentemente, as feridas da
sua alma. Era um homem violento.
Apenas para esclarecer, oportuno lembrar que,
com a sua brutalidade dosada com a bebida alcolica, havia
traumatizado a sua filha mais velha, que passou a ter um
verdadeiro pavor do pai. Certo dia, enquanto ele bebia na rea, a
criana que contava pouco mais de trs anos, se aproximou dele
com um pedido: pai, pare de beber, porque quando o senhor bebe,
eu fico muito nervosa. Pediu e logo saiu dali chorando.
A me da criana veio a ele em seguida, e deu a
notcia:
- quando voc chega em casa, ela quer se esconder
em algum lugar. Ela no te agenta mais...nem eu...
- Tudo o que eu fao errado. Todo mundo faz o que
quer e ningum fala nada, mas eu, tudo que fao um absurdo. evidente que ele desejava justificar os seus erros.
Estava perdendo tudo que mais queria: uma famlia.
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Agora, entretanto, entedia que Deus daria soluo ao
seu problema. E, de fato, Deus agiu com mo poderosa e
transformou a vida daquele miservel homem.
A Bblia Sagrada nos assegura, no Evangelho escritopor Joo, 8:32 e 36: e conhecereis a Verdade e a Verdade vos
libertar; se pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis
livre. Alm disso, oportuno lembrar o que preceitua o Salmo 37,
versculo 5: entrega o teu caminho ao Senhor; confia nele, e ele
tudo far.
CAPTULO X Incio de Um Ministrio
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m setembro de 1998, Eliardo e Adriana participaram de
um Encontro de Casais com Cristo ECC a convite do
amigo e agora irmo em Cristo, Dr. Hosaas Matos e sua
esposa, do qual saiu bastante edificado.
EDurante os seis anos seguintes quele encontro, o
Senhor levantou Eliardo como preletor nos encontros de casais
com Cristo realizados em Teresina, em So Lus e em algumas
cidades do interior do Maranho.
E foi s vsperas de um desses encontros de casais
com Cristo, em Teresina, que Eliardo Cabral recebeu um
telefonema de So Paulo e na linha estava a me dele com a
seguinte informao:
- O seu pai est entubado numa UTI do Hospital do
Cncer e se voc no vier v-lo com muita urgncia, no vai
encontr-lo com vida. Ao que ele respondeu:
- Eu no posso ir antes de segunda-feira, porque
amanh, sexta-feira, estar comeando mais um encontro de
casais com Cristo e eu estarei servindo ao Senhor neste encontro.
- Pois , se prepare porque o seu pai est bastante
deformado em conseqncia do seu problema de sade.
Eliardo Cabral tinha conhecimento do grave quadro
clnico que atingira seu pai a mais de um ano, segundo notcia dada
por uma das irms dele e confirmada pela prpria me, querecomendara cautela, deixando para ir a So Paulo quando
estivesse mais prxima a morte do seu pai.
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Em verdade, ele viajou a So Paulo na tera-feira
seguinte, com o propsito definido de se despedir do seu pai que
estava deixando esta existncia.
J no hospital, em So Paulo, subiu em companhiade uma de suas irms ao nono andar daquele prdio, onde, em um
leito o seu pai vivia aparentemente os ltimos dias ou horas de
vida. Encontrou o seu velho pai, conforme informao de sua me,
bastante deformado, em conseqncia do cncer que havia tido
incio na prstata e, agora, um avanado e grave problema de
leucemia, sendo certo que os pulmes no funcionavam
satisfatoriamente e o corao estava duramente afetado por causa
do quadro geral de sua sade.
A informao colhida ali no local era de que ele
morreria com uma certa brevidade, pois contrairia infeco
generalizada, caso os aparelhos que o sustentavam vivo fossem
mantidos como estavam, pois desligados ele teria morte
instantnea.
Sem poder ajudar ao seu pai ou aos que cuidavam
dele e sem ter a quem recorrer alm do prprio Senhor da Vida,
Eliardo Cabral buscou e encontrou apoio de um pastor evanglico
e, com ele, subiu novamente ao nono andar daquele edifcio no dia
seguinte. Seu pai ainda estava consciente, mas no podia falar,
pois estava com um tubo na sua boca, outro no nariz, uma seringacom sangue no pescoo e outra com soro no brao, e vrios fios
com adesivos em seu trax. Era mesmo um quadro tenebroso, em
que a presena da morte era indisfarvel.
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Sem perda de tempo, pois no poderia permanecer
ali por mais de meia hora, o pastor Jonas apresentou ao Sr.
Eduardo o Senhor Jesus e o seu plano de salvao, isto no bojo de
um lindo e eficiente sermo. Ao final da exposio, o Sr. Eduardorespondeu por escrito que aceitava a Jesus como seu Salvador.
Pai e filho ali em lgrimas. O filho estava surpreso,
pois conhecia muito bem a posio do seu pai em relao aos
crentes. Ele sempre que falava sobre crentes, demonstrava um
elevado grau de preconceito, afirmando que morreria na lei em que
houvera nascido. Saliente-se que o Sr. Eduardo nunca aceitara
conversar ou mesmo ouvir um pregador do Evangelho de Cristo.
Ciente da salvao do seu velho pai, Eliardo Cabral
retornou Teresina um tanto aliviado, entendendo que seu pai
partiria para o Paraso, salvo em Jesus Cristo. oportuno lembrar
que os boletins saam diariamente apresentando um quadro que se
dizia ora grave ora gravssimo.
Decorridos alguns dias sem receber as notcias que
eram sempre as mesmas, ou seja, o quadro no se alterava.
Surpreendentemente, ao conversar com a sua sogra,
a esposa de Eliardo Cabral ouviu dela a inacreditvel notcia que o
Sr. Eduardo estava em casa e dormindo. Sem querer acreditar,
pensando ser mal entendido, o prprio Eliardo Cabral conversou
com a sua me e constatou a veracidade dos fatos, ao ouvir dela oseguinte relato:
- Meu filho, verdade. O seu pai est dormindo aqui
e parece que ele estava morrendo, mas era de fome. Tem comido
tudo que se d a ele.
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- Depois eu ligarei novamente, para falar
pessoalmente com ele.
Assim aconteceu. Poucos dias depois, Eliardo Cabral
conversou pessoalmente com seu pai, que ainda viveu catorzemeses antes de partir, salvo nos braos de Jesus Cristo.
A sua f restou bastante edificada diante do milagre
que ele mesmo presenciou em relao ao seu pai. Aumentou mais
e mais o desejo de continuar a caminhada com Cristo, seu
Redentor.
Ocorre que, enquanto crescia espiritualmente, a sua
situao financeira, no entanto, permanecia fora de controle. Vrios
dbitos. Ele contraa uma dvida para pagar outra. Decorridos cinco
anos, j contava dezoito dbitos grandes e se encontrava enrolado
nas garras de agiotas. Vendia chequinhos de convnio aos tais
agiotas, pagando-lhes juros impensveis. A situao parecia sem
soluo aos olhos humanos. Todo o seu salrio era canalizado para
pagamento de dbitos, pagamento de penses alimentcias e o
restante era entregue aos agiotas. No devolvia os dzimos, sendo
que uma vez ou outra colocava uma cdula de R$ 1,00 no
gazofilcio da igreja que congregava.
Dinheiro no tinha. Em compensao, ele tambm
no sofria mais do terrvel vazio em sua alma. O doloroso buraco
que existia no seu interior j estava preenchido. Jesus sarou parasempre aquela amarga ferida. No tinha dinheiro mesmo, mas tinha
esperana de dias melhores. J sentia um profundo
arrependimento de um dia ter pensado em acabar com a sua
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prpria vida. Agora sentia um grande desejo de viver na Presena
de Deus e recuperar o tempo perdido.
CAPTULO XI Mudana de Hbitos
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o longo dos anos, Eliardo Cabral havia adquirido alguns
hbitos. Um deles era colecionar pssaros em gaiolas.Outro era caar. Entendia o primeiro como hobby e o
segundo como esporte. Prticas ilegais e perversas que no foram
renunciadas por ele assim to facilmente. Ao contrrio, chegou a
agravar mais e mais o seu raqutico quadro econmico com a
manuteno de referidos hbitos, pois viajava com freqncia em
busca daquele torpe prazer. Como sabia que se tratava de algo
ilegal, no conseguia se livrar do desagradvel e diablico
sentimento de culpa. Guardava em casa as armas e armadilhas e,
no quintal, tinha um elevado nmero de marrecos e patos
selvagens. Tratava todo o seu criatrio como peas preciosas.
Oferecia s suas aves gua limpa e abundante em amplos tanques
e alimentao de boa qualidade. Mas uma coisa faltava queles
viventes: a liberdade para voar e, consequentemente, glorificar a
Deus. Nenhuma daquelas aves foi planejada pelo criador para viver
mutilada num cativeiro, mas para voar e voar alto, de acordo com o
projeto de Deus para suas vidas.
A
Deus passou a incomodar o corao daquele homem
no sentido de parar de uma vez por todas com as caadas e ele
parou. Lubrificou toda a sua armadilha e a guardou, como seguarda um trofu. Mas Deus no queria apenas que ele parasse de
caar e guardasse os seus apetrechos de caada. No. Deus
queria mais. Deus continuou agindo no corao dele, inquietando-o
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no sentido de retirar todas as aves do seu quintal e de jogar os
objetos usados na caada fora, em algum lugar distante.
Ele resistiu durante um ano e alguns meses.
Entendia que no estava pecando. Ora, que mal faz?!, pensavaele. No estou ofendendo a ningum!, sustentava, se sentindo
cheio do direito de ter os seus bichinhos de estimao. Ora,
afinal de contas, j abri mo de tudo nessa vida: bebia e muito,
agora no bebo mais, j no me encontro com os companheiros de
copo. Todos se afastaram, inclusive zombando de mim, por causa
do Evangelho. Fum