Post on 11-May-2018
O PARADOXO DA FORMAÇÃO DO JORNALISTA: A MEMÓRIA
COMO CONTRAPONTO ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA
Gerson de Sousa1
1 – Introdução
A proposta deste artigo é analisar teoricamente a pesquisa em desenvolvimento em
Uberlândia que consiste em identificar e analisar as implicações da cultura na construção de
identidade do jornalista. A pesquisa, na qual coordeno e que teve inicio em janeiro de 2014
com financiamento da Fapemig, tem a proposta de construir a análise da identidade do
jornalista a partir de dois aspectos fundantes: a memória da formação teórica, com ênfase
para a educação formal e a experiência vivida na atividade profissional no cotidiano de
Uberlândia (MG).
O enfoque deste artigo está em problematizar como o conceito de memória e a
afirmativa de ser o jornalista o historiador do cotidiano podem contribuir para avaliar o
primeiro retrato dos dilemas entre a teoria e a prática. A análise está estruturada no primeiro
ano da pesquisa que consistiu em leituras críticas, a partir da base teórica dos Estudos
Culturais, e no mapeamento da formação dos jornalistas. Esses dados permitem construir um
caminho para realizar as entrevistas com os jornalistas e a análise curricular para verificar a
proposta política desencadeada pela universidade de formação do entrevistado.
Essa análise está diretamente vinculada ao objetivo geral que é registrar as reflexões
produzidas pelos entrevistados e estabelecer um sentido que responda às problemáticas de
partida desta pesquisa. A justificativa para a produção deste artigo parte em considerar um dos
elementos do objetivo específico da pesquisa: utilizar a memória como proposta teórica-
metodológica para a narrativa da micro história do jornalismo em Uberlândia.
Há algumas interrogações que articulam a produção da pesquisa e será um ponto
essencial neste artigo. Como é possível entender o poder da memória individual, coletiva ou
subterrânea do sujeito que narra diante do seu papel como produtor de sentido do cotidiano?
1 Doutor em Ciências da Comunicação, atua como Prof. Adjunto do curso de Comunicação Social: Jornalismo e
Prof. Permanente do Programa de Pós-Graduação em Tecnologias, Comunicação e Educação da Faced/UFU.
Realiza pesquisa na área de Comunicação, Cultura, Velhcice, Experiência e Memória. E-mail:
g.sousa1971@hotmail.com
Em que medida a rotina de trabalho permite espaço para que a notícia ultrapasse o valor
informativo para se tornar status histórico? Ou para ser mais preciso: será que toda notícia
publicada pode ser denominada de valor histórico? Quais são as possibilidades de que esses
sujeitos, a partir de sua formação universitária, possam valorizar a prática profissional como
elemento constitutivo de seu trabalho como historiador do cotidiano? Será que o jornalista
durante o seu processo de construção da notícia, mergulhado na velocidade do tempo de sua
produção, tem a clareza, no momento de sua ação, que se trata de produção histórica? Como
diferenciar em que momento se está diante de uma obra histórica em vez de ser mero
entretenimento, ou perene?
A provocação dessas perguntas instiga a intensidade do olhar do pesquisador para
ultrapassar a resposta como encerramento do debate: é no mergulho no centro do processo de
construção do sujeito no trabalho, na produção social jornalística, que se torna necessária
analisar a dimensão valorativa das potencialidades desses sujeitos. Esses problemas devem ser
articulados com o problema histórico no presente. Vivenciamos um período em que as
políticas públicas e a sociedade demarcam com ênfase, por um lado, no incentivo ao ensino
especializado, próximo ou distante do técnico, voltado especialmente à capacitação
profissional dos estudantes de jornalismo para que estejam atualizados no mercado de
trabalho a partir das inovações das tecnologias.
Esse predomínio é apenas um aspecto das forças que se apresentam como contraponto
teórico do que se vislumbro como pós-modernidade. Este artigo se propõe a defender a
cultura como contrapontos histórico e que enquanto manifestação política que exige, de forma
intensa desde a década de 60 do século XX, uma mudança de significado social. E, porque
não considerar, a cultura demarca a necessidade de uma formação universitária plural e
teórica para entender a produção de sentido no cotidiano do popular.
2 - Memória como Identidade
A construção da identidade do sujeito na atuação como jornalista está estruturada na
atribuição de valor à experiência vivida materializada na memória. Esta afirmativa está
relacionada ao conceito defendido por Michel Pollak ao partir da seguinte problemática: há
separação entre memória e identidade? A primeira articulação para a resposta a essa
provocação teórica segue no diagnóstico do próprio autor ao afirmar que “há algumas
designações, atribuídas a determinados períodos, que aludem diretamente a fatos de memória,
muito mais do que a acontecimentos ou fatos históricos não trabalhados pela memória”.
(POLLAK, 1992, p. 201) Eis aqui o contraponto. Pollak nos apresenta que “na maioria das
memórias existem marcos ou pontos relativamente invariantes, imutáveis”. No entanto,
“determinado número de elementos tornam-se realidade, passam a fazer parte da essência da
própria pessoa”. (POLLAK, 1992, p. 201)
A problemática desta afirmativa está em entender o porquê esses elementos, em uma
memória construída socialmente, são tornados como marcos do sujeito e levados a essência de
sua história de vida. Pollak nos indica a perspectiva por meio de outra problemática : Quais
são, portanto, os elementos constitutivos da memória, individual ou coletiva? E o autor
apresenta três aspectos que possibilita articular com a pesquisa sobre formação do jornalista.
O primeiro elemento é entender o sujeito a partir da experiência vivida a partir de três
aspectos essenciais: os acontecimentos vividos pessoalmente; os acontecimentos vividos por
“tabela” – acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se sente
pertencer; e os acontecimentos que não se situam dentro do espaço-tempo de uma pessoa ou
grupo.
O fator de projeção e identificação do sujeito, como resultante do processo de
socialização, soma-se a esse quadro. Pollak analisa o que vai denominar de memória quase
herdada. Esse processo se institui “por meio da socialização política, ou da socialização
histórica a partir da ocorrência do um fenômeno de projeção ou de identificação com
determinado passado” (POLLAK, 1992, p. 201). Esse é um elemento importante tanto na
formação teórica quando prática do trabalho jornalístico. O primeiro aspecto está em entender
como o processo formativo se aproxima ou se distancia da experiência vivida do sujeito. O
paradoxo está em analisar se há diferença e em que grau se altera a construção de si quando os
acontecimentos vividos por tabela ou os que estão fora do espaço-tempo da pessoa se tornam
predominante no processo formativo do ser para a profissão.
Para entender esse dilema torna-se necessário analisar como Pollak faz essa relação
direta entre Identidade e Memória. Para o autor: “a memória é um elemento constituinte do
sentimento de identidade, tanto individual quanto coletiva, na medida em que ela é também
um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma
pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si”. (POLLAK, 1992, p. 203) Qual sentimento
de continuidade pode orientar o sujeito em sua experiência de vida no cotidiano em que atua
se a experiência vivida é sobrepujada como instância de valor para a constituição da
memória? É possível passar por este processo sem que o próprio sentido ou significado do
cotidiano seja de alguma forma afetado no fragmento da totalidade?
É preciso tomar cuidado para que a problemática acima seja distanciada de qualquer
alusão a noção pura da experiência vivida, como se a experiência mediada tornasse o sujeito
contaminado de outro sentimento alheio ao seu ser. A proposta de trazer esta análise está em
repensar a própria problemática do processo formativo em que o eu se posiciona diante da
complexidade de analisar o seguinte pressuposto: se o sujeito que se projeta e se identifica
com os acontecimentos que estão fora de seu espaço tempo deixa de ser sujeito? A resposta
poderia ser que há no movimento interpretativo do eu a partir deste outro introjetado a
constituição do sentimento de pertencimento seja de um grupo, seja da coletividade. Mesmo
essa indagação precisa ser retirada da estrutura analítica estática para ser posta em
movimento.
De qual outro se fala quando é possível analisar a memória herdada ou enquadrada? E
sabiamente Pollak instiga ao analisar esse outro que escapa do eu. E se o outro precisa ser
analisado como inserido em um espaço diferente e dissonante do eu, abre-se o debate sobre
relações de poder e se historiciza a memória. Ao dimensioná-la historicamente, é
imprecindível analisar a identidade como espaço de conflito. Há de se reformular, por este
novo ângulo, o problema: como este estado de conflito entre experiência vivida e a memória
herdada pode definir a intensidade da formação do eu enquanto jornalista?
Neste momento é preciso recorrer para a segunda instância dos elementos
constitutivos da memória apresentada por Pollak: trata-se da memória que é constituída por
pessoas, personagens. Seja por personagens encontradas no decorrer da vida; seja por
personagens frequentadas por tabela; seja por personagens que não pertenceram
necessariamente ao espaço-tempo da pessoa. De alguma forma, ao se inserir no espaço
universitário ou do trabalho em uma redação, o jornalista se depara com rede de pessoas e
personagens como forma de sociabilidade. Essas pessoas de alguma forma edificam ou
demolem os fatos produzidos pelo sujeito na relação social e são responsáveis pelos
momentos vividos que devem ser preservados no ambiente coletivo. Ao considerar a tensão e
o conflito como imanente ao processo, reconhece-se o imperativo da hierarquização de
valores que pode estar em confronto do ouro com o eu. O poder micro instaurado nesta
relação pode estender para além da tensão e se instaurar como ato de violência o conflito.
Os lugares de memória completam o terceiro elemento. Há identificado os lugares
particularmente ligados à uma lembrança, que não necessariamente precisa ter apoio
cronológico; os públicos, de apoio da memória como de comemoração; e os lugares fora do
espaço-templo da vida de uma pessoa. Qual a importância da dimensão do espaço da
universidade e do trabalho na construção da memória e da identidade do jornalista? Um
aspecto importante nessa análise sobre os lugares de memória é verificar quais os fatores que
são delimitados como “marco” do sujeito e associado diretamente aos lugares e às pessoas.
3 – Implicações da Cultura
A base com que segue a defesa teórica e metodológica neste artigo - e que orienta a
pesquisa - está definida pelo contexto histórico: vivenciamos um período em que as políticas
públicas e a sociedade defendem o incentivo prático do jornalismo, ao ensino especializado,
próximo do tecnicismo. Esse teor está legitimado pelo discurso da capacitar como profissional
os estudantes de jornalismo para que estejam atualizados no mercado de trabalho a partir das
inovações das tecnologias. Essa vertente pragmática-funcional define um direcionamento
sobre a formação objetiva do jornalista e procura articular e simular experiências no espaço da
universidade para levar o discente a tomar familiaridade com fatos que podem ocorrer em seu
exercício de trabalho. A preocupação fundante deste atualizar está articulada a exploração das
potencialidades possibilitadas pelo investimento da tecnologia e de que o jornalismo só se
aprende na vivência da redação.
A crítica teórica estruturada na pesquisa está na defesa de outros valores no presente
que definem o contraponto analítico a esse pragmatismo no jornalismo para o âmbito
comunicacional: o valor da cultura como definidor da identidade do sujeito. A cultura
enquanto manifestação política exige, de forma intensa desde a década de 60 do século XX,
uma mudança de significado do que se entende por processo de comunicação. E, porque não
considerar, a cultura como política redefine – ou pelo menos deveria redefinir - uma
formação universitária plural e teórica para entender a produção de sentido no cotidiano do
popular.
Ao priorizar a cultura como produção de sentido no cotidiano e prática política o
primeiro ponto é considerar historicamente a irrupção dos movimentos sociais, no contexto de
comunicação, que exigem entender a realidade a partir de dois campos de luta. O presente,
destituído do futuro como espaço de realização das promessas iluministas, torna-se o período
de enfrentar a violência simbólica a partir da produção midiática realizada pelos próprios
grupos sobre si mesmos. E o passado, desvalorizado ideologicamente por ultrapassado pelo
progresso econômico-tecnológico, se configura como elemento essencial para se contrapor à
violência física sofrida pelos sujeitos. Não se trata aqui do passado estático, mas do espaço e
tempo do passado como movimento que se edifica a partir da produção de significado do
sujeito no presente.
O passado e o presente se configuram como problema conceitual no contexto de
hegemonia da comunicação. Por isso, o conceito de memória se funda como mediação para
esse período de crise da modernidade ou pós-modernidade. É preciso estabelecer a
importância de entender a memória no seu sentido metodológico e teórico. O primeiro
aspecto, metodológico, está em entender o seguinte pressuposto: o pesquisador ao se utilizar
da memória, principalmente por meio de relatos obtidos de sujeitos como a identidade
jornalista, deve estar consciente de que a profundidade da entrevista está fundamentada em
como ele estabelece a relação com o outro. A proximidade conquistada durante o processo
comunicativo se difere da atitude de impessoalidade, esta última cuja atitude fim é manter
distância objetiva.
Entretanto, a concretização dessa distância objetiva na prática da entrevista revela o
descompromisso do pesquisador em relação aos sujeitos. Descompromisso diante do seguinte
problema: como qualificar essa distância diante da recusa em considerar a emoção dos
depoimentos na narrativa, o silêncio, a pausa, o choro, a ansiedade, o sorriso, e a confiança
depositada pelos entrevistados ao definir o melhor momento para tornar dizível o indizível? A
intensidade da relação se dilui na lógica positivista da objetividade. Nesse processo, o sujeito
é novamente objetivado e o valor da memória, que deveria ser o contraponto da coisificação
sofrida por ele, se perde em seu próprio reducionismo.
Por isso, é importante precisar que as emoções registradas nas entrevistas com os
recém-formados ou com os profissionais com mais de 30 anos de formação não serão
considerados como acidente de percurso ou estratégia para fechar a imagem em close para
“sensibilizar” o público. Ato contrário: o mergulho nas aflições vivenciadas pelos sujeitos
deve ser estabelecida como significado humanista para pensar o sentido da sociedade e a
responsabilidade social do processo de formação do jornalista na sua produção dialógica com
a comunidade.
4 – Formação do Jornalista
O sentido de apresentar a necessidade da formação plural, por meio da cultura como
política, retoma o embate provocado por Luis C. MARTINO (2006) ao discutir sobre os
cursos de teorias da comunicação à luz do Jornalismo, ou mais precisamente apresentar os
obstáculos e as impropriedades das posições tecnicista e intelectualista. Ao discutir a
vertente intelectual da formação do jornalista, MARTINO dissocia do teórico. Em sua
concepção
O intelecutal não é alguém que fala em nome de determinada área do conhecimento,
mas alguém que conta com a ciência, com uma experiência particular ou com uma
erudição em geral, para discutir os assuntos da atualidade, isto é, assuntos que, em
determinado lapso de tempo, em determinada conjuntura, tornam-se relevantes para
a sociedade como um todo. (MARTINO, 2006, p. 24)
Esse conflito entre essas duas vertentes se materializa no processo de construção
histórica da identidade do jornalista. Esse embate se estabelece ora impondo o pragmatismo
na formação técnica do estudante, ora exigindo do profissional atualizado um arcabouço
teórico para o exercício do ser jornalista como responsabilidade social. O aprofundamento
desse quadro tem o objetivo de ser um importante exercício teórico-metodológico para
avaliar as consequências trazidas pela priorização ou abdicação deste modelo educacional na
construção da identidade do sujeito jornalista e nas tensões durante o exercício profissional
cujo propósito é representante o plural.
A área do jornalismo é um tênue campo de confronto entre essas duas frentes. Há
quem defenda que o curso deva sair do interior da formação denominada “Comunicação
Social” porque se perde em temáticas de outras áreas das quais a generalização só
compromete com a formação prática do jornalista. Há quem defenda o contrário: o
aprendizado técnico pode ser feito durante o exercício da redação, mas a base conceitual que
remete ao jornalista como intelectual deve ser construído na academia. Este debate, muitas
vezes, acontece de forma superficial e desconsidera todo o macroambiente do jornalismo.
Qual é realmente a realidade enfrentada pelos estudantes formados ao entrarem no
mercado de trabalho? Em que momento a universidade ao reduzir a formação acadêmica à
atualização tecnológica não compromete a própria construção social de identidade do
jornalista enquanto responsabilidade pública? Em que momento a recusa ao outro extremo, de
incentivar somente o conceitual, leva o recém-profissional a ser marginalizado pelo discurso
do progresso irreversível? Quais são realmente as tensões e conflitos vivenciados pelos
jornalistas e inscritos na memória diante dessas duas esferas de valores que passam a ser
exigidos no contexto de pós-modernidade? Esta discussão, portanto, não coloca em questão
apenas uma nomenclatura, mas uma gama de conceitos, vivências, ideias e teorias.
As discussões sobre a presença de componentes práticos e teóricos nos cursos de
jornalismo não são recentes. O ensino de jornalismo tem passado por transformações ao longo
dos anos, principalmente após ter se “profissionalizado” no século XX. No Brasil, esteve
fortemente influenciado pelas correntes europeias até o período da ditadura militar, quando
aproximou-se mais do modelo estadunidense.
“A atividade jornalística é comercial e burguesa desde sua origem, em Gutemberg.
Entretanto, com o advento do Jornalismo Informativo no Brasil instaurou-se o
processo de profissionalização da área. O fechamento do mercado de trabalho em
jornalismo vinculou o exercício da profissão aos portadores de diploma
universitário. A demanda por jornalistas com formação universitária era procedente
de uma orientação americana da nova técnica de se fazer jornalismo. Contudo, as
universidades brasileiras possuíam uma estrutura européia de ensino. Desta forma,
os cursos de formação em Jornalismo foram estruturados em dois eixos de ensino: o
técnico e humanístico.” (DIAS, 2012, p. 7)
Em que momento a hierarquização da prática sobre a teoria vislumbrando uma lógica
de mercado define os graus de conflito enfrentados pelo sujeito na sua construção prática
como jornalista? Este é um ponto de inevitável convergência das reflexões deste estudo que se
pretende aprofundar na próxima etapa da pesquisa. O que se pretende é analisar, dentre outros
aspectos, as consequências da dissociação da teoria e da prática na construção dos
profissionais que ocupam, hoje, cargos jornalísticos em emissoras de TV, de rádio, da mídia
impressa, da mídia online e de assessorias de imprensa. Ao mesmo tempo em que se mergulha
no processo de formação, a pesquisa pretende contribuir para refletir sobre os atuais
currículos dos cursos de jornalismo e o processo, pelo qual estão passando, de reformulação
de suas propostas curriculares.
“O jornalismo não é, e possivelmente nunca será, encarado como uma ciência. (...)
Não se faz nenhum tipo de concessão ao admitir que o jornalismo comporta uma di-
mensão técnica, mas isto não significa ruptura com a teoria. O jornalismo tem tudo a
ganhar em contato com um saber comunicacional, tal como este também tira
proveito desse contato, na medida mesmo em que alimenta boa parte do material de
sua reflexão. Essa relação entre comunicação e jornalismo (e mesmo com as outras
habilitações profissionais, já que não se trata de um caso isolado) relança o problema
da epistemologia da comunicação, não a nega” (MARTINO 2006, p. 29)
A importância de analisar por meio dos Estudos Culturais a construção da identidade
na formação do jornalista por meio da memória, contudo, transpassa a reflexão acerca da
formação jornalística e sobre os componentes curriculares desse processo. O que se almeja é
alcançar o debate sobre a própria constituição dos indivíduos enquanto jornalistas, seja a
partir de seu conhecimento intelectual, suas experiências ou sua prática cotidiana. A memória
e o pensamento de cada um dos entrevistados é um ponto de partida fundamental na
elaboração da análise e no mergulho da pesquisa, que visa conceder um tratamento
humanístico ao assunto e fugir das concepções meramente teóricas.
5 - Considerações finais
O principal aspecto deste artigo é construir as primeiras impressões na análise sobre a
construção histórica da identidade do Jornalista a partir da análise Cultural, dos Estudos
Culturais, e da memória como identidade social. É inegável que a defesa humanista de uma
formação intelectual não esvazia a afirmativa de ser necessário vincular ao aprendizado da
técnica. A crítica é que a predominância tecnicista nesta lógica, pelo atualizar da tecnologia,
demarca a perda da referência da responsabilidade social na formação para a dimensão da
cultura.
Ao problematizar o jornalista como historiador do cotidiano, há iminente a proposta de
conceituar o processo educativo para se atualizar no valor da cultura subscrito na mudança
histórica provocada pelos movimentos sociais. Não se trata aqui da cultura como
culturalismo, autônoma e dissociada das relações de poder no econômico e político, mas de
entender a cultura em seu significado político inscrito em um materialismo histórico-dialético
como vincula WILLIAMS (2011). Os dilemas vivenciados pelo sujeito em seu processo de
formação precisam ser analisados por dois caminhos: se estruturam no valor formativo como
sujeito na universidade ou no espaço de trabalho; e se estão próximos ou distantes dos
dilemas do outro na sociedade.
Há aqui uma linha tênue que separa a construção do eu da identificação do resultado
do trabalho materializado pela produção social. Porém, antes de redução do outro pela
exteriorização do trabalho, é preciso defrontar como análise se o reducionismo de si como
sujeito, seja pela especialização no tecnicismo, seja no aprendizado teórico deslocado da
realidade, se instaura como conflito ou como a interiorização do próprio valor do ser
jornalista.
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