O ponto

Post on 10-Mar-2016

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Texto escrito no âmbito da disciplina de TEP.

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Ponto.

Ponto número um: escrever sobre ponto é… ponto assente, ponto final. E sobre esta questão,

ninguém levanta sequer um ponto, que os pontos são para se constituírem como elementos da

narrativa, e não para serem pontos – é pontes, mas em textos assim, quase se aplica aquela velha

máxima de que “quem conta um conto, acrescenta um ponto”… e se assim não o é, parecido

será. P(r)onto. – de partida para dúvidas ou discussões. E quem o poderia dizer, melhor do que

eu, seria certamente o dicionário.

Ponto número dois: Dicionário, pontuei eu. Dicionário, que é “um conjunto dos vocábulos de

uma língua ou dos termos próprios de uma ciência ou arte, dispostos por ordem alfabética e com

a respectiva significação ou a sua versão noutra língua”, diz de si mesmo o próprio, e que diz

também ser o ponto, a costura da literatura. (Lembrei-me agora, de um professor da escola

básica, que gritava aos sete ventos, a impossibilidade do dicionário falar. “O dicionário não diz,

mostra”. Mas deixem-me clarificar que quanto a este ponto, eu acho que ele estava enganado.)

Ponto cruz, entenda-se, sinal de pontuação. O ponto que dá voz, à entoação de todas as frases

que escrevo. É fácil: ponto e vírgula; travessão. Ou parágrafo.

Ponto número três: e o ponto é o nada que é tudo. Tenho a ligeira impressão de que não foi

assim que Fernando Pessoa fez valer o ponto da situação, mas de um qualquer ponto de vista

que não o meu (ou talvez até o seja) aplica-se tão bem esta definição. E ao ponto, definições não

lhe faltam: ele é a “porção de linha que fica entre dois furos de agulha ou de sovela, ao coser”, e

também “cada uma das pintas nas faces dos dados ou nas cartas de jogar”. Li algures que o

ponto, não contente, não se fica por aqui: “sinal musical que aumenta metade do valor da nota”,

“grau de consistência que se dá ao açúcar em calda” e até “questionário escolar”. Digo eu, outra

vez: o ponto é o nada que é tudo. Que me perdoe Fernando Pessoa – e o mito.

Ponto número quatro: e repentinamente, o ponto ganha vida. é ele o “empregado que no teatro

vai lendo o que os actores hão-de dizer para lhes auxiliar a memória”, mas é também um outro

ponto. Louro, de olhos azuis e com o verde do grande de Lisboa nas suas vestes, assume a pele

de Pontus Farnerud, e a verdade é que futebolisticamente falando, o sueco não tem ponto de

interesse algum.

Ponto número cinco: falando em verde, de outro ponto me lembrei. O ponto que luta pelo

ambiente, por um ar que seja respirável a todos os pontos – cantos – do mundo. É ele, como o

nome não deixa enganar, o Ponto Verde, que promove a reciclagem, como a retoma e

valorização de resíduos de embalagens. Que ponto bonito é este.

Ponto número seis: e o ponto, vivo agora, que assim o fiz ser, no ponto quatro, viaja no tempo e

no espaço que não o nosso: em Inglaterra, dá pelo nome de “dot”, ou “point”, mas na Alemanha,

só responde por “punkt”. Aqui do lado, na vizinha Espanha, troca apenas uma letra, e de ponto,

passa a “punto”, mas o ponto sabe ser requintado, e assumir formas totalmente distintas

daquelas que a nós o caracterizam: passeia-se pela Grécia como um pomposo “σημειο”, e na

gélida Rússia, sabe congelar também a nossa percepção: “точки”.

Ponto número sete: e o que começou por ser um ponto de partida, chegou ao ponto de se

assumir como o ponto de destaque: senhor professor, quantos pontos me dá, pelo escrever o

ponto assim?