O ponto
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![Page 1: O ponto](https://reader035.fdocumentos.com/reader035/viewer/2022073123/568bf1151a28ab893391e6ca/html5/thumbnails/1.jpg)
Ponto.
Ponto número um: escrever sobre ponto é… ponto assente, ponto final. E sobre esta questão,
ninguém levanta sequer um ponto, que os pontos são para se constituírem como elementos da
narrativa, e não para serem pontos – é pontes, mas em textos assim, quase se aplica aquela velha
máxima de que “quem conta um conto, acrescenta um ponto”… e se assim não o é, parecido
será. P(r)onto. – de partida para dúvidas ou discussões. E quem o poderia dizer, melhor do que
eu, seria certamente o dicionário.
Ponto número dois: Dicionário, pontuei eu. Dicionário, que é “um conjunto dos vocábulos de
uma língua ou dos termos próprios de uma ciência ou arte, dispostos por ordem alfabética e com
a respectiva significação ou a sua versão noutra língua”, diz de si mesmo o próprio, e que diz
também ser o ponto, a costura da literatura. (Lembrei-me agora, de um professor da escola
básica, que gritava aos sete ventos, a impossibilidade do dicionário falar. “O dicionário não diz,
mostra”. Mas deixem-me clarificar que quanto a este ponto, eu acho que ele estava enganado.)
Ponto cruz, entenda-se, sinal de pontuação. O ponto que dá voz, à entoação de todas as frases
que escrevo. É fácil: ponto e vírgula; travessão. Ou parágrafo.
Ponto número três: e o ponto é o nada que é tudo. Tenho a ligeira impressão de que não foi
assim que Fernando Pessoa fez valer o ponto da situação, mas de um qualquer ponto de vista
que não o meu (ou talvez até o seja) aplica-se tão bem esta definição. E ao ponto, definições não
lhe faltam: ele é a “porção de linha que fica entre dois furos de agulha ou de sovela, ao coser”, e
também “cada uma das pintas nas faces dos dados ou nas cartas de jogar”. Li algures que o
ponto, não contente, não se fica por aqui: “sinal musical que aumenta metade do valor da nota”,
“grau de consistência que se dá ao açúcar em calda” e até “questionário escolar”. Digo eu, outra
vez: o ponto é o nada que é tudo. Que me perdoe Fernando Pessoa – e o mito.
Ponto número quatro: e repentinamente, o ponto ganha vida. é ele o “empregado que no teatro
vai lendo o que os actores hão-de dizer para lhes auxiliar a memória”, mas é também um outro
ponto. Louro, de olhos azuis e com o verde do grande de Lisboa nas suas vestes, assume a pele
de Pontus Farnerud, e a verdade é que futebolisticamente falando, o sueco não tem ponto de
interesse algum.
Ponto número cinco: falando em verde, de outro ponto me lembrei. O ponto que luta pelo
ambiente, por um ar que seja respirável a todos os pontos – cantos – do mundo. É ele, como o
nome não deixa enganar, o Ponto Verde, que promove a reciclagem, como a retoma e
valorização de resíduos de embalagens. Que ponto bonito é este.
Ponto número seis: e o ponto, vivo agora, que assim o fiz ser, no ponto quatro, viaja no tempo e
no espaço que não o nosso: em Inglaterra, dá pelo nome de “dot”, ou “point”, mas na Alemanha,
só responde por “punkt”. Aqui do lado, na vizinha Espanha, troca apenas uma letra, e de ponto,
passa a “punto”, mas o ponto sabe ser requintado, e assumir formas totalmente distintas
daquelas que a nós o caracterizam: passeia-se pela Grécia como um pomposo “σημειο”, e na
gélida Rússia, sabe congelar também a nossa percepção: “точки”.
Ponto número sete: e o que começou por ser um ponto de partida, chegou ao ponto de se
assumir como o ponto de destaque: senhor professor, quantos pontos me dá, pelo escrever o
ponto assim?