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7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969
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7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969
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by Jerzy Grotowski dos textos de Jerzy Grotowski Todos os direitos reservados
by Ludwik Flaszen dos textos de Ludwik Flaszen
by Eugenio Barba do texto de Eugenio Barba
2001 by Ludwik Flaszen e Carla Pollastrelli da curadoria do l ivro
SERVIO SOCIALDO COMRCIO
ADMINISTRAO REGIONAL NO ESTADODE SO PAULO
Presidente doonselho Regional
bram Szajman
iretor
doDepartamento Regional
Danilo
Santos
de
Miranda
SuperintendenteTcnico Social
Joel
Padula
Superintendentede omunicao Social
Ivan Giannini
Gerncia de o ultural
Rosana Paulo
da
unha
Gerente djunto
Paulo Casale
Gerncia de Desenvolvimento de Produtos
Marcos Lepiscopo
Gerente djunto
Walter Macedo Filho
EQUIPE DE REALIZAO
SupervisoEditorial
J Guinsburg
Revisode Texto
Lilian Miyoko Kumai
Iracema A de Oliveira
Carla Pollastrelli
Produo
Ricardo W Neves
Sergio Kon
Raquel Fernandes branches
o TeatroLaboratrio de erzy rotowski
959 969
Textos e materiais de Jerzy Grotowski e Ludwik Flaszen
com um escri to de Eugenio Barba
Curadoria de Ludwik Flaszen e Carla Pollastrelli
com a colaborao de
Renata
Molinari
Traduo para o portugus: Berenice Raulino
Fondazione
Pontedera Teatro
ii
PERSPE TIV
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SUMRIO
AS ENERGIAS DA GNESE
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao CIP
Cmara Brasileira do Livro , SP Brasil
o
Teatro Laboratrio de Je rzy Grotowski 1959 1969 / texto s e materiais de
Jer
zy Grotowski e Ludwik Flasz
en
com
um
escrito de Eug eni o Barba ; cur a
d
oria
de Ludwik Flaszen e Carla Pollastrelli
com
a colaborao de Re
nata
Molinari ; traduo par a o portugus Berenice Raulino. -- So
Paulo:
Perspectiva: SESC ; Ponte der a, IT : Fondazione Pontedera Teatro , 2007 .
Ttulo original:
II
Teatr
Lab orato
rium di Jerzy Grotowski 1959-1 969
ISBN 978 85 27
3 07
83- 3 - Perspectiva
ISBN - 978 85 98112 -35 0 - SESC-SP
I . Gro towski . Je rz y 2. Teatro - Hist
ria
3.
Teatro
- P ol nia 4. Teatro
Laborat rio Gro towski, Jerzy.
Flasze n . Ludwik .
Barb a, Euge nio.
IV Polla strelli, Carla . V Molin
ar
i, Ren at a .
p. 9
p
p 13
p
17
anilo SantosdeMiranda
O
Mund
o, o Palco e a
Inverso
dos Papis
Roberto a
cci
e Cac arvalho
Lembrana de
um
Sorriso
arla Pollastrelli
Prefcio
Ludwik Flaszen
De Mistrio a Mistrio:
Algumas
C
on
sideraes
em
Abertura
07 -1583
ndices pa ra c atlogo sistemtico:
I . Teatro Labor at rio : Artes da r
epre
sentao 792 .02
Direitos reservados em lngu a po rtuguesa a
EDITORA PERSPECTIVA S.A.
Av. Brigadeiro Lus Antn io, 302 5
0 140 1-000 So Paulo SPBrasil
Telefax: I I 3885 8388
www editoraperspectiva com .br
EDIES SESCSP
Av.
lvaro
Ramos, 991
0333 1-000 So Paulo SPBrasil
Te\. : I I 660
7 8
00 0
sescs p@sescsp org .br
ww
w.sescsp .
or
gbr
1007
CDD-792 .02
p. 35
p. 37
p.
38
p
p 8
p.
75
p.
85
Jerzy Grotowski
Invocao
para
o
Espetculo
Orfeu
Jerzy Grotowski
Alfa mega
Jerzy Grotowski
Brincamos
de
Shiva
Jerzy Grotowski
Farsa-Mi
sterium
JerzyGrotowski
A Possibilidade do Teatro
Ludwik
Fla
szen
Os ntepassados e Kordian
no
Teatro das 13 Filas
Ludwik Flaszen
O Tea tro C
ondenado
Magia
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p 8 7
p. 91
p. 98
Ludwik laszen
A
Arte
do Atar
Ludwik laszen
Hamlet
no Laboratrio Teatral
ugenio arba
Rumo a
um
Teatro
Santo
e Sacrlego
PRTICAS NA EXPANSO
Jerzy Grotowski
p.
105 Em Busca de um Teatro Pobre
Ludwik
laszen
p. 113 Depois da Vanguarda
Jerzy Grotowski
p. 119 Teatro e Ritual
rzy
Grotowski
p 137
A Voz
Jerzy Grotowski
p . 163 Exerccios
Jerzy Grotowski
p. 181 Sobre a Gnese de
pocalypsis
A PERSPECTIVA PELO AVESSO
JerzyGrotowski
p.
199
O Que Foi
JerzyGrotowski
p. 212 O Diretor
como
Espectador de Profisso
Jerzy Grotowski
p.
226
Da Companhia Teatral
Arte como
Veculo
p 245 Teatrografia
Nota dos curadores
Nas diversas sees. os textos so acompanhados por
uma
breve informao
relativa s circunstncias da composio e a destinao de uso. Issoespecialmente
para os textos inditos.
No que diz respeito aos textos de Jerzy Grotowski
que
j apareceram em re
vista ou em volume, os curadores seguiram as disposies de Thomas Richards e
de Mario Biagini - aos quais foram confiados pelo autor a tutela e os direi tos dos
prprios textos - com relao s verses a serem consideradas definitivas para
cada escrito. Isso considerando-se o fato de que em muitos casos o
autor
subme-
teu os prprios escri tos a um constante
trabalho
de rev iso e de
re traduo
.
Para cada texto de Jerzy Grotowski so fornecidas em uma
nota
no fim, na
ordem) a indicaoda primeira publicao e da verso indicada como definitiva
pelo autor.
Assinala-se tambm a primeira publicao em volume juntamente com ou-
tras indicaes consideradas relevantes para a histria dos textos.
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I
I
I
Danilo Santos de Miranda*
o
Mundo o Palco nverso
dos
Papis
Logo aps ter-se incorporado ao Teatro Laboratrio,
ainda
na ci
dade
de Opole, Ryszard Cieslak,
aquele
que viria a ser o principal ator
e, durante anos, o mais
prximo
colaborador de Grotowski, ouviu do
encenador o seguinte comentrio:
Representamos
to
completamen-
te na vida que, para fazer teatro, bas taria cessar a representao .
A frase poderia ser
apenas uma retomada
da idia bar roca de
que
o mundo , todo ele, t ea tr o, se no se convertes se em regra de
uma
dramatizao visceralmente
despojada. Alis, em um dos primeiros
textos desta coletnea
aqui
editada, Brincamos de Shiva .
podemos
ler: O
teatro indiano
antigo,
como
o
japons
an ti go e o hel nico. era
um
ritual
que
identificava em si a dana, a
pantomima,
a a tua o . O
espetculo no era represent o da realidade
construo
da iluso
mas
danar
a realidade
uma construo
artificial, algo
como uma
'viso
rtmica' voltada
realidade) .
Tais indcios nos
levam
a pensar, e o
cremos
sem despropsitos,
que talvez Grotowski buscasse no
teatro
muito mais uma forma de
vida - que se poder ia qualificar de
autntica
ou de ntegra - do que
uma
realizao dramtica tradicional. Pois a primeira constatao
que
enuncia no Em Busca de um Teatro Pobre diz que o ri tmo de vida
da civilizao
moderna
se caracteriza justamente
por
atos demasiada
mente medidos,
por
tenses,
por
um
sentimento
de
predestinao
e
mor te , pelo desejo de
ocultar
os verdadeiros motivos pessoais e assu
mir, ao contrrio, uma var iedade de papis e de mscaras. Ou seja, na
vida corriqueira j somos atores.
E o
que
oferece o teatro, em contrapartida? Para aquele
que
sai do
papel trivial da vida para consagrar-se ao papel reservado da cena, a arte
dramtica permite dedicar-se a motivos mais elevados, autoriza a retirada
Diretor do Departamento Regional do Sesc So Paulo
.1111
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10
das mscaras sociais e torna possvel
uma
ao completa, qual seja, a
de
uma
unio fsica e espiritual. Essa experincia, evidentemente s
se justifica de modo pleno
quando
oferecida a um espectador. De pre
ferncia, na intimidade de um espao ao mesmo tempo laico, por sua
natureza mas sagrado nas intenes, e
no
qual acontea, finalmente,
a emergncia de um s . O ator cnico teria pois
em
seu ministrio
no
s a preocupao de alcanar
uma
essncia teatral,
mas tambm
a de revelar uma pobreza
quase
mstica, quer dizer, despida dos falsos
caracteres do mundo ainda que considerados indispensveis sobre
vivncia pessoal ou convivncia social.
O SESC de So Paulo teve a rara oportunidade de acolher Jerzy
Grotowski e seu ltimo grande colaborador, Thomas Richards. entre
o final do ms de setembro e o incio de outubro de 1996, ocasio em
que promoveu trs atividades bastante concorridas: um simpsio de
trs dias no Teatro Anchieta. sob o t tulo de
rte como veculo
duas
sesses comentadas do documentrio de Mercedes Gregory, a respei
to dos mtodos aplicados no Workcenter de Pontedera, efetuadas no
CineSesc; e uma demonstrao livre do mtodo realizada nas depen-
dncias da Pinacoteca do Estado.
claro que a organizao do evento constituiu
um
fato de im
portncia na h is t ri a das realiz aes t ea tr ai s do Brasil e de nossa
instituio. Mas como os
que
puderam dele participar
no
foram,
compreensivelmente, muitos, temos agora
uma
ocasio favorvel de
ampliarmos a experincia a um pblico
bem
maior, constitudo
por
pesquisadores, estudantes e afccionados. nele includas as atuais e as
futuras geraes. Essa possibilidade nos dada, mais
uma
vez, pela
editora Perspectiva, cujo catlogo de textos dedicados ao universo tea
tral
continua
insupervel
em
nosso pas.
Roberto Bacci e Cac Carvalho
embr n de um orr so
Ler ou reler hoje os escritos teatrais de Jerzy Grotowski equivale
a parar o tempo, a mergulhar em um conhecimento que no permi
te aproximaes ou improvisaes, um conhecimento em que cada
termo utilizado a sntese de u experincia rigorosa: palavras que
servem mais para
trabalhar
do
que
para definir.
Mesmo assim, passando de boca a boca, de cabea a cabea, tambm
essas palavras se cansaram, perdendo a necessria aderncia com a pr
pria origem; assim, viajando pelo
mundo
escutamos muitas vezes ter
mos grotowskianos que eram seguidos por perguntas sobre Grotowski.
Foio encontro com uma grande adeso emotiva em relao a um mito
do trabalho teatral, cuja linguagem to rigorosa se coloria porm, s ve
zes, com as necessidades, as expectativas e a imaginao de
quem
falava
ou de quem perguntava, at perder o sentido original.
Ento era melhor calar, evitar a confuso
ou
a ambigidade que
o eco de cada palavra repetida
traz
consigo, conscientes
porm
da ne-
cessidade,
por
parte de muitos,
de
conhecer mais para
compreender
melhor.
Este l ivro com curadoria de
Carla
Pollastrelli e Ludwik Flaszen,
construdo com o rigor necessrio e
uma
especial ateno s tradues,
pode concretamente
ajudar
a
reaproximar
as palavras de Grotowski de
sua verdadeira prtica, trazendo a quem o ler
uma
ateno e
uma
cons
cincia novas sobre aquilo que foi o real trabalho teatral de Grotowski
e do Teatro Laboratrio.
Tivemos por anos o privilgio n em
sempre
cmodo de estarmos
prximos a Grotowski; Jerzy foi para ns primeiro um colega, depois
um amigo e, em um sentido muit o especial, um mestre.
Grotowski foi
um
grande dreror que conseguiu livrar-se do teatro
justamente para reafirmar o valor dele e este livro, voltando s razes,
fora original da sua investigao. servir certamente tambm
r
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compreender
melhor
o que Grotowski empreendeu depois da fase
teatral . Nesse sentido pode ser
um
instrumento importante de apro
fundamento
para
todos aqueles que, em outubro de 1996, fo ram de
modos diversos
testemunhas
e participantes do extraordinrio proje
to do Workcenter of Jerzy Grotowski
and
Thomas Richards em So
Paulo, realizado por iniciativa do Sesc.
Destas pginas, do seu passado teatral, Grotowski nos fala, se sou
bermos l-lo, do nosso futuro e do futuro do tea tro mesmo.
Aos tantos colegas brasileiros
que
tero nas mos este livro gosta
ramos, por fim, de dar um presente que tambm uma advertncia.
Grotowski era uma pessoa doce
que
todavia incutia sujeio e difcil
exprimir como esses dois contrrios se manifestavam nele ao mesmo
tempo. Se o observamos com os o lhos da memria podemos dizer
hoje
que
o
ponto
de encontro dessas duas diferentes vibraes da sua
personalidade estava
em um
singular sorriso:
um
sorriso pelo qual
nos sentamos observados, mas no qual podamos nos
abandonar
com
confiana.
Lendo estas pginas, nos lembramos daquele sorriso.
Setembro
de 6
S
A publicao em portugus deste livro
um
projeto da Casa
Laboratrio para as Artes do Teatro, o grupo de trabalho que h dois
anos funciona em So Paulo sob a direo artstica de Cac Carvalho
e da Fondazione Pontedera Teatro; faz parte das atividades que a Casa
Laboratrio realiza no mbito da cultura teatral compartilhando com
as pessoas de teatro brasileiras
um
patrimnio de conhecimentos, do
cumentos prticas, metodologias:
instrumentos
essenciais do fazer
artstico.
Em
nome
de Grotowski, fez-se promotor desta iniciativa editorial,
que
ao
mesmo
tempo
uma
iniciativa teatral , o SESC So Paulo,
que h dez anos tornou possvel o encontro entre o mestre polons e
artistas e estudiosos chegados de todo o Brasil e da Amrica Latina e
que hoje apia, com a costumeira viso de longo alcance, as atividades
da Casa Laboratrio.
Carla Pollastrelli
ref io
No
outono
de 1999, vr ios meses depois do desaparecimento de
Grotowski, aflorou nos
meus
colegas - Roberto Bacci e Luca Dini - e
em
mim mesma o desejo, talvez a necessidade, de pensar um encontro
que
nos permitisse reescutar . reconfrontar nos com um patrim-
nio
vivo e
ainda
agora provocante. Aquele
patrimnio
de impulsos,
sugestes, audcia, sabedoria que, de modos diversos, continua a ser
to
importante na
biografia profissional e pessoal daqueles que nos
anos setenta deram vida ao Teat ro di Pontedera e depois , nos anos
oitenta criaram as condies para a atividade do Workcenter of Jerzy
Grotowski and Thomas Richards. Ainda no estava claro, naquela pri
meira fase de elaborao, se o encontro deveria ser na forma de semi
nr io ou de congresso, mas
com
certeza
no
seria
um
congresso in
memoria . Antes um espao onde dar voz aos protagonistas e teste
munhas
da experincia do Teatro Laboratrio;
um a
ocasio adequada
para criar
um a
ponte com as geraes de artistas e estudiosos para os
quais Grotowski um
nome
ou um captulo nos livros de histria do
teatro - quase
uma
figura lendria.
No decorrer de longas conversas algumas com a participao de
Thomas Richards e Mario Biagini)
tomou
forma o proje to total com o
ttulo JerzyGrotowski: assadoe resentedeuma esquisa subdividido em
trs fases, a primeira das quais, dedicada ao Teatro Laboratrio
entre
Opole e Wrodaw ocorreu em Pontedera em outubro de 200 I.
De minha parte, aproveitando a oportunidade do congresso, havia
tambm
a
vontade
de
reunir
alguns escritos de Grotowski, publicados
em revistas inencontrveis e portanto de fato indi tos, e propor sua
publicao como materiais de trabalho. Eu
t inha e m m en te
sobre
tudo certos escritos de carter metodolgico, que na realidade des
cobrem um horizonte bem alm da metodologia Teatro e Ritual ,
Exercicos . A Voz ), mas queria republicar tambm o texto cannico
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Em Busca de
um
Teatro Pobre , em uma nova traduo, segundo a
vontade do autor . Ao mesmo tempo Ludwik Flaszen me enviara al
gumas pginas inditas - arqueo
ou
palco Grotowski, como ele as
definia - encontradas no seu arquivo particular.
Em novembro de 2000 organizamos em Pontedera um encon
tro preparatrio
do congresso para o qual convidamos os amigos do
Centro
de
Documentao
de
Wrodaw na
Polnia e,
evidentemente
Ludwik Flaszen. E foi naquela ocasio, graas sua contribuio e s
suas propostas, que se f echou o cerco, foi l
que
tomou forma esta
publicao na sua composio atual. bem mais ampla do que o meu
projeto inicial. Restava-me apenas iniciar o trabalho das tradues.
Por muitos anos, ainda antes de trabalhar
junto
a Grotowski em
Pontedera, fiz parte da confraria dos tradutores tendo feito voto de
fidelidade literalidade da palavra dita e do texto original; um voto
trabalhoso que induz a desenvolver
uma
espcie de lngua franca: s ve
zes eficaz como
uma
lmina, s vezes
um tanto
deselegante e tortuosa.
Freqentemente nos meses de trabalho nas tradues, parecia-me ou
vir de novo a voz de Grotowski: a sua voz que falava no ritmo dos escri
tos - a maior ia t ranscr ies de conferncias - e a sua voz
que
requeria
a fidelidade, a palavra precisa. Voltavam-me mente as longas sesses
noturnas
junto
com
ele a
procurar
os verbos, as preposies, a for
ar - s vezes reinventar - a lngua, fazer as frases tropearem para que
tambm
o leitor tropeasse e se detivesse. E os primeiros obstculos
que
pe o italiano so justamente termos como recitare , interpretare ,
semanticamente muito distantes da prtica teatral de Grotowski; o ou
tro problema a carncia de termos tcnicos apropriados para denotar
as diversas abordagens do trabalho nos ensaios. Apesar das dificuldades
da traduo, a longa convivncia com os textos desta coletnea foi uma
aventura apaixonante que me permitiu, entre outras coisas, encontrar
companheiros de armas de outros empreendimentos dos anos passados,
como o
nmero
monogrfico de ip rio dedicado ao Teatro Laboratrio,
publicado
em
1980. Renata Molinari -
que
seguiu de perto muitos pro
jetos e passagens de Grotowski e do Teatro Laboratrio e aqui deu
uma
insubsti tuvel contribuio de competncia, rigor, dedicao - era a
curadora, enquanto minhas eram as tradues dos textos do polons.
Mas penso tambm nas pessoas que, nos anos em que Grotowski este
ve
em
Pontedera, se empenharam em pontuais tradues, em diversas
l nguas, dos seus textos ou das t ranscr ies de encontros. Com elas,
em certos perodos, criara-se
uma
espcie de trabalho transversal de
traduo que levava como resultado a verses definitivas ou a novos
originais que substituam aqueles de incio.
Este l ivro me propiciou longas sesses de trabalho, que t inham
sempre o t rao emocionante da descoberta, com Ludwik Flaszen.
I
Lembro-me de um
encontro
em um caf de Paris
onde
se apresentou
com um envelope volumoso
que cont inha
os tesouros das pginas
palco e comeou a seguir as pegadas da primeira apario de pala
vras como arqutipo , signo e depois teatro pobre . Flaszen, que
como autor praticamente desconhecido fora da Polnia, foi um guia
extraordinrio e indispensvel atravs dos textos dos incios (dos quais
redigiu as
notas
bibliogrficas) e me parece
importante
publicar aqui
alguns dos seus escritos dos anos sessenta, alm do magistral prefcio,
composto para este volume .
O carter inicial de coletnea de materiais explica algumas pe
culiaridades no aspecto grfico desta publicao, por exemplo o fato
que
os diversos textos - sobretudo na seo palco - apresentem
uma impostao grfica no homloga. Quis-se manter nos limites
do possvel. as caracterst icas dos originais; veja-se particularmente
A Possibilidade do Teatro , com os negritos, subnegritos, i tlicos e
listas esquemticas. Trata-se de
uma
brochura de 1962
que
associa a
declarao de princpios tericos e metodolgicos, aplicados tambm
a cada
um
dos espetculos, com evidentes intenes promocionais;
englobando amplos fragmentos de crticas, com a malcia de
no
omi
tir uma crtica arrasadora, sada sob pseudnimo no rgo cotidiano
do partido (mas o
nome
do
jornal
foi omitido ). Nesse sentido note-se
que as matrias, publicadas
em
jornais e revistas importantes da poca,
devem-se em parte aos grandes nomes da crtica polonesa.
Nos textos adorou-se.
po r
outro lado, de
modo homogneo
a
denominao Teatro Laboratrio , seguindo o hbito de Grotowski
que
costumava traduzir o nome original Teatr Laboratorium nas
l nguas em que falava ou escrevia.
Enfim, esta coletnea se fecha com uma teatrografia para a qual
me
reportei amplamente a Zbigniew Osirski - definido por Flaszen
como Herdoto
do Teatro Laboratrio - a quem vai tambm o
mrito
de
ter
tirado dos arquivos e do
esquecimento
as pginas de
Brincamos de Shiva .
A cinco anos da primeira publicao na Itlia, esta primeira edi
o
em
lngua portuguesa v a luz - no por acaso
no
Brasil - graas
a
uma
feliz conspirao: o empenho do SESC So Paulo, instituio
que
ostenta j uma tradio de projetos em nome de Grotowski ; a
adeso partcipe de Jac Guinsburg e da sua edi tora Perspectiva ; as
atividades no mbito da cultura teatral da Casa Laboratrio para as
Artes do Teatro. Todavia este
empreendimento
no teria sido poss
vel sem o trabalho apaixonado competente e paciente de Berenice
Raulino sobre as t radues. Berenice aceitou confrontar comigo,
durante
extenuantes
sesses telefnicas, a verso em
portugus
de
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todo., CI. ;
u-xtos deste volume
,
no
esforo
incansvel
de
descobrir
a
SO II . ll m.tis
i l
ao original,
aceitando
manter todas as
asperezas
da
lngu.: laluda original e a
peculiar linguagem
de Grotowski.
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e na lenda , do mestre de Opole e de Pontedera?
Mudar
alguma coisa?
E o
que
ao
contrrio
confirmar?
Talvez esses textos, organizados
aqui
em o rd em
rigorosamente
cronolgica,
que
aparecem em
um
mundo to diverso daquele em que
nasceu o Teatro Laboratrio e quando Grotowski j no est mais en
ns, esses
t e x t ~ s
e s ~ a s seq.ncias de palavras escritas em tempos
d l v ~ r s o s
se
maravilharo
por
SI
mesmos,
com
a
prpria proximidade
reciproca
nestas
folhas e com a proximidade com o
ano
2001.
Grotowski amava
repetir
-
para
dizer a verdade com o
passar
do
t ~ p - que as palavras e as definies no t m grande impor tn
Ia que de bom grado podia substituir uma frmula ou uma palavra .
Po.rque s pr ica, s o
ato conta.
No
entanto,
a idia de fixar as pr
pnas
expenencias
na palavra talvez no o tenha jamais
abandonado.
E tambm no papel impresso anunciou ao mundo os seus propsitos
reformadores e rebeldes, sobretudo na
juventude.
Antes
que nos
encontrssemos no trabalho
sobre a
construo
do
Teatro Laboratrio, ele tinha provavelmente notveis ambies liter
rias. Escrevia poesias,
tendo
superado a idade cannica da adolescn
cia
para
essa ocupao. Antes de
conhec-lo pessoalmente, entre
1956
e 1958,
eu
lia os seus art igos na imprensa,
sobretudo
local.
Tinha
a
pena pesada e vida de exprimir tudo de uma vez, inclusive o sentido
ltimo
da Vida e do Cosmo; tambm os seus primeiros espetculos
em Cracvia e no Teatro Laboratrio eram assim,
mas
com lampejos
de talento diretorial, Se a grandeza cresce sobre um
certo
fracasso
on
tolgico' arriscaria a afirmao de
que
a sua cresceu sobre o fracasso
literrio.
Porm
persistia nos esforos: a obstinao e ra um dos segredos do
gnio. ~ s ~ i t u i u a
palavra
ao se rv io da vocao que
lhe
pr
pna. Mestre inigual vel da
palavra
falada, magnfico retrico e -
por
assim dizer - pregador, mas tambm sofista refinado, at o fim parecia
esperar o
momento
oportuno, escolhido sempre de modo premedi
tado,
para pronunciar-se tambm por
escrito,
na
pgina impressa.
Consciente das prprias carncias literrias, freqentemente
usava
a
forma da entrevista. E se val ia da ajuda de escribas devotos e humil
des, a cuja corporao tambm eu, livre homem de pena de renome
prprio, me vi pertencer, quando me foi
pedida
ajuda na redao de
um certo
texto seu . . . Mais de
um
entre os pertencentes
corporao
de bom grado hoje
pode
testemunhar - junto com os
tradutores
des
ses escritos de uma lngua a outra, e nem
sempre estava claro
qual
fosse a
lngua
do original-
como Grotowski-Autor-da-Mensagem
Verbal
travava
batalhas maniacais de
horas
e
horas para
cada palavra:
a
nica
capaz de exprimir exatamente o seu pensamen to a lm das
barreiras
lingsticas .
19
Nesse Fausto, faminto por espaos infinitos, hospedava o pedante
teimoso
e meticuloso
Wagner
de robe, que velava sobre a
apropriada
articulao dos desejos
desmesurados
do
patro.
Apesar
daquilo
que repetidamente
declarou, Grotowski atribua s
palavras uma enorme importncia. Como se de uma certa
enunciao
no papel impresso, e
at mesmo
de uma palavra ou de uma frmula,
dependesse
o mais alto
ser
ou no
ser. Se se prescinde do
problema
das
gafes polticas, que podiam custar caro no mundo
precedente
queda
do
muro
de Berlim, o que era para ele essencial nessa meticulosidade
lingstica?
A Santssima Preciso - Nossa
Senhora
da
sua
vida? A efi
ccia da palavra como apelo ao
inconsciente
do destinatrio? A f
na
fora do Logos - apesar de si e da convico declarada - at
mesmo
na
sua msera forma discursiva? O fato de que aquilo
que
no formu
lado com palavras no existe, ou n o existe suficientemente? Assim
como
para aqueles da gerao de hoje no existe o que no seja fixado
em forma de imagem
em
movimento...
Alis, no sem af os textos de Grotowski
atingiram
a forma de
finitiva. Era como o legendrio
pintor que percorria
os
museus onde
estavam
expostas as
suas
obras-primas e as corrigia s escondidas.
Grotowski fazia correes
inexoravelmente,
quando
com
o
tempo en
contrava formulaes mais felizes. Acontecia no querer difundir for
mulaes ou idias que j t inha superado: aproveitando a ocasio de
uma nova edio,
transformava
o velho texto de acordo com o estado
atual
das coisas . Assim,
por exemplo,
a famosa
frmula
histrica
at o
total
chegou
a escritos publicados
anteriormente,
em
que
substituiu
def in ies do t ipo o rea l ato espiritual do ator . que podiam sugerir
prticas introspectlvas, j corrigidas no trabalho com os atores em fa
vor de uma psicofsica ativa. aberta ao espao
externo,
onde tudo
contato. troca, comunho, ato em relao com o Outro.
como se Grotowski fugisse do si mesmo definvel: procurava o
ator que no
fosse ator, a atuao
que no
fosse
atuao.
o
ensinamen
to
que
fosse
desaprender.
A
deixava para
t r s o
seu
pedante
Wagner,
que pretendia codificar em pargrafos o fluido processo da vida.
Abandonou o propsito de escrever - segundo o
modelo
do seu
mestre Stanislvski -
um
manual sobre a
arte
do ator, para no cair
nas
armadilhas
inevitveis em
um
empreendimento do gnero, dos
esteretipos, que eram a sua verdadeira fobia.
Procurava
a estreita
passagem
entre a Preciso, que a condio do profissionalismo, e a
Vida. Na caa ao Mistrio do Vivente
corrente
da vida um dos seus
termos tcnicos ) mudava as modalidades do trabalho e procurava as
palavras
que denominassem
o mais fielmente possvel a fluida tangi
bilidade da Experincia. O Grotowski prtico
um
homem em perene
perseguio das palavras... .
7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969
11/125
20
Para diz-lo
em
termos simples: Grotowski tinha constantemente
necessidade da inovao terminolgica. Afirmava que a prtica precede
a sua formulao discursiva. Mas foi sempre assim? No houve talvez
palavras
que
precederam a prtica? Palavras-projeto, palavras-intento,
palavras-sonho? A nossa atividade no Teatro Laboratrio comeou com
a palavra mistrio , mas quando Grotowski o realizou na prtica?
E o
que
ser ia a obra
que
t raz o
nome
de Grotowski e a
sua men
sagem sem a produo verbal
que
acompanha a prtica? Sem essas
frmulas, essas descries de experincias, esses comentrios? Tm
um
significado mltiplo, alm daquele evidente: do
testemunho
de
algo cujo status
-
por assim dizer - onto lgico a transitoriedade. A
verbalizao, o auto-comentrio
uma
denominao feliz constituem
um
fator indispensvel do resfriamento de
um
aparato superaquecido,
mas
tambm um
elemento de fermentao. No possvel separar as
precisas anlises tcnicas ou os comentrios da mgica ressonncia
daqueles teatros pobres , desnudamentos atos totais , caminho
negativo ,
unio
de espontaneidade e disciplina ...
Como
autor
de palavras publicadas tinha perodos de suspenso:
preferia que por ele falassem outros. Ou preferia rodear-se do silncio que
era uma espcie de declarao . A estao da expanso neste mbito foram
os anos logo depois de OPrncipe Constante (1965-1969), quando o
mun
do se abriu ao nosso Teatro Laboratrio, enquanto a base das sadas era
j Wroclaw, cidade aberta. A expanso fora preparada ainda em Opole.
onde pendia sobre ns a ameaa de liquidao. E logo depois: a vertigino
sa celebridade de Grotowski, precedida pela celebridade subterrnea en
tre os eleitos. Nesse perodo sai mBusca deum
Teatro
Pobre Pouco
tempo
depois
vem
a luz textos como Exerccios , A Voz e Teatro e Ritual ,
at agora esparsos em vrias revistas, e que o leitor encontrar na segun
da parte deste volume. E o trabalho evolua
continuamente
dirigindo-se
com dramticas serpentinas
rumo ltima obra teatral de Grotowski e do
grupo do Teatro Laboratrio:
Apocalypsis cumjiguris
Anteriormente essa
evoluo fora anunciada pela
mudana
de nome: Insti tuto do Ator. Era
preciso vigiar com o mximocuidadoaquilo que saacom a marca mto
do Grotowski . Antes que sasse
m
Busca
deum
Teatro
Pobre
Grotowski j
estava em outro ponto
no
trabalho com osatores. E na transmisso verbal
era mais reservado, menos generoso de detalhes tcnicos, de formulaes
codificadas, de receitas para os exerccios.
Procurava de fato - o met iculoso explorador do
impossvel- tam
bm
o
mtodo que
no fosse mtodo.
No
queria
multiplicar a populaomundial- j bastante numero
sa - de especialistas do mtodo Grotowski . A estes, logo,
junto
com
todo o Teatro Laboratrio d um golpe, rompendo violentamente com
a
arte
do teatro enquanto esfera - apesar dos esforos extremos que
21
no tinha economizado - condenada incuravelmente ao Belo,
ou
seja
Aparncia, enquanto a nica ocupao d igna o caminho da Vida
na Verdade, ou seja, da Essncia.
o o passardos anos se torna menos radical
no
seu s e p a r ~ r s e da
arte materna e paradoxalmente se aproxima dela, embora nao volte
nunca mais a criar espetculos. Trabalhar - como pesquisador-peda
gogo - na prpr ia verso do
mtodo
das aes fsicas de
~ t a n i s l v s k i ;
e o conhecido livro de
Thomas
Richards o documenta muito bem. E e
interessante que todas as exploraes de Grotowski depois do Teatro
Laboratrio, na sua dispora institucional, geogrfica e espiritual, se
jam
conduzidas
em
osmose com as
t ~ n i c a s
.do ator,
no
.cruzamento
com
as performing arts assim Grotowski rebatiza a sua antiga c:sfera de
ao. No basta:
em
constante contato e t:o.ca com a pop';llaao atoral
e com os filhos de Tspis de qualquer espcie E seus escnbas pensan
tes e aliados ativos na palavra so teatrlogos universitrios altamente
qualificados, em lugar dos crticos, dos jornalistas e dos vagabundos de
um
tempo plenos de paixo, sem ttulos.
A arte como veculo
um
campo especfico, mas no pode pres
cindir da vizinhana, da
parentela
secreta ou
evidente com
aquilo
que
la ant iga se chama de teatro.
testemunho vvido disso o texto de
Grotowski. provavelmente j clssico, que fecha este livro.
A esses recursos do teatro reprimido devemos a terceira
parte
da nossa coletnea. Grotowski j fala depois do teatro, como de uma
perspectiva pelo avesso. Depois de e x p e r i ~ c i a s
c o ~ s i d e r a funda
mentais
por
ele mesmo observa o seu antigo OfI IO Sao o olhar e a
voz da
outra
margem. guisa de captulo de
uma
autobiografia ar
tstica. Sem as redundncias do velho combatente livre da constrio
do segredo profissional, Grotowski diz aqui coisas novas, ou de modo
diverso de antes. Talvez sem saudade?
A histria dos d iscur sos e dos textos de Grotowski
um
tema
de investigaes parte. De
qualquer
forma, atrs da prudncia de
Grotowski
em manipular
as palavras,
com medida
cuidadosa preci
so farejar certos propsitos astutos, o desejo de exercitar
um
controle
absoluto sobre a prpria imagem aos olhos da opinio pblica, ou os
prazeres inquietos de Narciso
no
jog? ~ I I : os seus e s p ~ l h o s
Osjogos lingsticos de Grotowskisao ncos e - depois dos desajeita
mentos, das poeticidades e das circunvolues chancelerescas do estilo
dos anos juvenis - alcanam uma harmonia peculiar e uma beleza;
assim dizer, objetiva. E assim a Grotowski coube encontrar a pr.opna
realizao tambm na escrita, quando a tinha encontrado como diretor
teatral , guia de atores, mestre das performing arts e
teacher
of
Performer
Diversos textos seus, embora
no
concebidos como literatura, sobre o
papel, mas
na
troca de energia com
um
auditrio vivo, tornam-se obras
7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969
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22
emblemticas e podem ser parte importante de cada antologia dos ma
nifestos teatrais
ou
artst icos do sculo - j? - passado.
A obra e o comentrio so como uma coisa s. No
um
caso
excepcional no sculo das
numerosas
revolues artsticas em
que
cada uma das artes teve que
meditar
a prpria essncia para acom
panhar as inquietudes e as aceleraes dos tempos. Em alguns casos,
o
comentrio era digno
da obra; s vezes a
superou.
So as
duas
asas, partes inalienveis da
sua
superfcie
portante. Quer
dizer talvez
que
os nossos
tempos pertencem
s pocas
que
o filsofo da hist
ria qualificaria como alexandrinas? No o sabemos. A cada modo:
scripta manent
Mas o
que
havia no princpio? poca da nossa gnese? Quando
fundamos com Grotowski o Teatro Laboratr io e f izemos o primeiro
gesto para separar a luz da obscuridade? Daquele tempo provm os
textos de abertura do presente volume.
o
ano
de 1959. Estamos
na
Polnia,
um
pas de soberania limi
tada, com um governo - depoi s dos movimentos de desestalinizao
de 1956 -
moderadamente
totalitrio. As
liberdades
art s ticas e de
pensamento
so maiores. A poltica cultural oficial se abranda as
tendncias da
arte moderna at mesmo
da ocidental,
no
so mais
proibidas.
Comea para ns um jogo apaixonante que naquele regime no
termina nunca:
como
construir o prprio nicho ecolgico de liberdade?
Como ser si mesmos- no reconciliados, rebeldes, zangados - funcio
nando
legalmente, no nico mbito possvel de uma instituio sub
vencionada? Definimos ento o nosso teatro como teatro experimental
profissional . O nome
e o status de laboratrio viro depois.
O primeiro texto da coletnea, escrito por Grotowski, Invocao a
Orfeu segundo Cocteau), com o qual inauguramos a nossa atividade.
Era dito no final do espetculo, como eplogo. uma prece de agrade
cimento ao
mundo que
dana os seus mltiplos opostos e
que
dana
Grotowski precisava de
uma
declarao verbal para esclarecer o sentido
do seu espetculo. E qual a relao entre o teatr o e a dana plena de
sentidos do universo? Naquele
momento
a resposta so as palavras,
acrescidas pelo diretor s palavras do autor. E de onde vem esse
Orfeu?
To na vanguarda, parisiense, quele tempo ultramoderno? Cobraram
nos depois de termos aberto o nosso ambicioso teatro com um trabalho
qualquer. No esqueamosporm
quem
era o prottipo mtico do heri
de Coeteau: atrs dele ocultavam-se os segredos do orfismo. E a ele se
ligavam os mistrios, segundo os testemunhos dos antigos. .
Ento, no princpio era a dana. E o mistrio - ou seja, o ritual inici
tico secreto - como aluso e tentao. O sonho do teatro como ritual.
23
Inicitico? Naqueles anos tudo isso teria parecido absurdo e pretensioso.
De resto, assim foi acolhida a Invocao .
O segundo texto da nossa coletnea lembra os rabiscos infantis, era
tracejado sobre um lenol branco que caa no final do espetculo sub
seqente de Grotowski,
Caim
segundo Byron. O texto da escrita, dessa
vez provocativamente ingnuo, contm uma mensagem afinada com o
precedente. O final de
Caim
era
uma
dana
louca, exttica de todos os
personagens do espetculo em volta do misterioso Alfa-mega, Deus
e Lcifer - como ali aparece - em uma nica encarnao. O ingnuo
comentrio
no
fundo alivia a sobrecarga metafsica daquela dana, o
seu deslize em direo alegoria. Portanto temos aqui a dana escrita
e a dana danada. De novo o sentido do espetculo declarado no
eplogo, acrescido pelo diretor.
O subttulo do drama de
Byron
mistrio , o subt tu lo do espe
tculo: grotesco
ou
seja mistrio . A dana csmica e o mistrio, ali
auto
ironicamente entrelaados com o grotesco , so os patronos de
uma obra que deve exprimir os importantes segredos do Ser.
E em fechamento quela mesma primeira temporada 1959-1960,
ainda
um
mistrio
na
verso de Grotowski:
Mistrio Bufo
segundo
Maiakvski. O
texto
do
poeta
foi integrado
po r
fragmentos de
uma
outra pea sua e, no incio e no fim, por trechos tirados dos mistrios
medievais poloneses. O espetculo, subdividido ao modo de Dante
em
inferno , purgatrio e paraso , tratava de forma burlesca, la
Bosch. o
mundo
como fluir e devir perenes , como
eu t inha
escrito no
programa da pea, porque dessa vez Grotowski, como letrista, calou-se.
Mas a idia do autor do espetculo era a mesma. Nesse mistrio - onde
no
falta o escrnio
endereado
nova
classe
com
a
sua
esttica
de gente bonita em
belas paisagens -
h
mais bufo
que
mistrio,
menos
emanaes mgicas com relao aos espetculos precedentes;
aparecem evidentes referncias ao trabalho do ator biomecnico de
Meierhold com a sua ostentada composio do corpo, a ritmizao das
aes e a acrobacia.
como o
anncio
de algo
que no
se danar mais
apenas nas enunciaes do diretor,
que
integram o texto do autor ,
nem sequer nos finais alegorizantes.
Dos dois seguintes textos de Grotowski os t tulos falam ampla
mente e claramente: Brincamos de Shiva e Farsa-Misterium . So
as primeiras tentativas de generalizao terica das pesquisas daquele
tempo. Conduzem-nos ao longo do mesmo r as to da gnese: o ras to
duplo da Dana e do Mistrio.
Os textos remontam ao mesmo perodo: quando o autor trabalhava
na encenao de
Sakuntala
segundo Kalidasa, o antigo drama indiano,
originrio da civilizao predileta do diretor. Esses textos
no
eram-des
tinados publicao. O primeiro era um apndice da tese para obteno
7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969
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24
de diploma em direo de Grotowski e foi a c a b ~ r no arquiv? da ~ s c o l a
Teatral de Cracvia.
Enquanto
o segundo - escnto para d I S C U S S ~ o no
seminrio terico do nosso teatro - encontra-se nos arquivos p ~ r ~ 1 C u l a
res dos colaboradores prximos e de amigos de confiana._Napagma.
abertura do documento datilografado aparece a observaao: materiais
tericos de trabalho para uso estritamente interno . .
Menciono
aqui
os dados que deveriam constar da nota hfbliogrfi-
ca. porque surpreende o fato de que e s c r i t ~ s to i ~ p o r t a n t e s tenham
ficado escondidos como
documentos
restntos. Fm consultado sobre
cada detalhe desses textos e
no
incentivei o
autor
a public-los.
Quem
naqueles
an
os na Polnia t ivesse louvado a divindade hin?u c o ~ o
patrono da vanguarda
teatral
teria sido aparecido como o ~ ? e n t a h s t a
um
pouco louco; e quem tivesse
c o n s i d e r a d ~
9
ue
. a
~ o c a . ~ a o
d?
~ r t e
do
teatro
seja substituir os ritos
r e l i g i o s ~ s
o f i ~ l a l s
l d e ~ a .
ahas
proxlma
do vanguardista polons Witkacy ) tena arnscado senas problemas
como perigoso extremista-livre
p e n s ~ ~ o r
e n c o n t ~ a n d o s e em desacor
do com a linha atia, embora pragrnanca
,
do partido e do estado sobre
questes relativas religio Igreja . . .
tr
Sakuntala
cuja criao
ahmentou
Brmcamos de Shiva e Fa:sa-
Misterium (ou talvez sejamesmo o contrrio?), no se inscreveu no l l ~ r o
de ouro das obras-primas do teatro do sculo xx. O prprio GrotowSkl o
tratava em um certo sentido como madrasta, embora lhe r e c o n h e c ~ s s e
um certo papel nas pesquisas
que
conduzia junto o g.rupo. Na . r e a h d ~
de foi
um
daqueles espetculos-Iaboratrio, espetaculos-mcubadelra,
cuja
importncia se v sem perspectiva. Um espetculo semelhante - alguns
anos mais tarde - ser o protoplasmtico, i n a c a b ~ d o E s t u ~ o
s
o r Ha11 let
Em Sakuntala pela
primeira
vez , graas a fanta.sla d? arquteto
Gurawski, a ao dos atares descia do palco frontal d l f u ~ d : n d o
toda a sala. E o
sonho
do ritual adqui ria a sua transposteo espacial.
A relao ater-espectador t o r n a v a - ~ e mvel, mltipla. ~ r e n h e va
riadas potencialidades. Nesse espetaculo aparecia
t ~ e m
a
partitura
do ato r, minuciosa, matematicamente exata: a partitura corporal e
vocal. O corpo-voz. Era o corpo-voz que emitia sons das palavras
compostos musicalmente, o corpo-voz que se n:ov1a segund? estrutu-
ras precisamente fixadas e ritmizadas. Mas entao era
um
b r m c ~ r com
os signos, era virtuosismo, conyen?onalidade :- Em que medida era
mistrio? O sonho da dana cosmica se aproximava do seu substra
to: o
atar
como corpo-voz (onde a voz rgo invisvel do corpo).
Essas duas ligas dinmicas que se encontraram ~ a k u n t a l a o
atar-espectador e o corpo-voz, tornam-se, no futuro proXlI?-o, a pala
vra de ordem
ou
a marca de fbrica do teatro de Grotowskl.
A poca da nossa gnese foi um tempo de.
x p l o r a ~ e s
i n t e n s a ~
e de discusses entre
n
s. O Teatro das
13
FIlas - dizia GrotowSkl
25
alguns anos depois, j da perspectiva do crescente prestgio - seria
uma outra coisa se no nos tivssemos encontrado no momento
oportuno
com Plaszen, com o arquiteto Gurawski. Esse teatro seria
uma
outra coisa se fossem
outros atares,
pessoas de sensibilidade
diferente,
outros em vez de Cieslak. da Mirecka ou de
Jaholkowski.
O teatro
seria melhor
ou pior, mas seria diverso. CfT Zbigniew
Os rski, Grotowski i j go Laboratorium Warszawa, 1980) . Essas pala
vras' hoj e que
Grotowski
nos fugiu entre os imortais, podem soar
estranhas.
No tempo da gnese no era tudo evidente, diversas opes
e
stavam
abertas: tambm querendo supor com certeza que um
criador de nvel
no
comum traga consigo desde o princpio a vi
so original da obra futura, todos os ingredientes das suas futuras
realizaes ... Grotowski estava
devorado
pela fome de Absoluto.
Cada
espetculo seu
queria -
com
todos os meios e de todos os
modos
-
evocar
o
Grande
Todo,
danar todos
os
seus
recessos de
uma vez. Como governar aquela
fome
impaciente , que consumia
tambm
a
ns,
Messias confederados do teatro? Como tornar o
Absoluto consistente?
Em um certo sentido fingindo no v- lo - subst ituindo o Grande
Absoluto pelo absoluto da teatralidade mais prximo ao ofcio.
Segui r a pegada daqui lo que inalienvel matria prima do teatro,
daquilo que especif icamente teatral . Passar atravs do buraco da
agulha da teatralidade
em
estado
puro
(Grotowski possivelmente no
usou esse adjetivo, porque era
um
teimoso conteudista). Esse caminho
conduzia atravs daquilo que pouco depois teria recebido o
nome
de
teatro pobre .
Com Brincamos de Shiva e Parsa-Misterium estamos no teatro
como ritual, onde o espectador deve participar ativamente. procedi
mento que logo foi abandonado. E o mistrio deve coexist ir com a
farsa - aquele vizinho irnico
que
o
arremeda
e desse
modo
o
torna
crvel. Aqui ainda toda essa xamance. prpria daquela esfera arcaica,
devia passar atravs da
auto
-derriso, do gro tesco entendido como
distncia, da magia das brincadeiras infantis, do jogo de convenco-
nalidade ,
em uma
palavra: atravs de todo o moderno aparato pr
prio, na Europa cartesiana, dos
c ticos,
dos rebeldes e dos hereges.
Grotowski. rebelde e herege coerente,
abandona
logo a metade asse
guradora
da frmula, a farsa , quando descobre - depois de algumas
abordagens precedentes que abr iram o caminho - a total, misteriosa
seriedade em Akropolis com o silncio dos espectadores no final ao
invs dos aplausos.
Como se chegou a isso: o le it or encontrar a descrio
no
ensaio
de Grotowski inti tulado Teatro e Ritual . Aqui gostaria de assinalar
7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969
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26
algumas
correspondncias
entre
esses
primeiros
textos, do
perodo
da gnese, e aquilo que nasceria alguns decnios depois.
Em Brincamos de Shiva lemos: a
dana
da forma , o
pulsar
da
forma . E a antiga autodefinio de Shiva, o deus do teatro: Eu
sou
pul
sar,
movimento
e ritmo . Essas frmulas eram
ento
novas em Grotowski
e
no
correspondiam totalmente a sua definio de
ento
-
bem
mais
ampla
- de
teatralidade que
era
para
ele o
substituto
laico do r itual
religioso . Eram talvez o reflexo de pesquisas mais precisas ou de in
tuies no
mbito
- d iri a - da tea tr al idade
pura ,
na
qual
a forma, o
contedo
e a
matria-prima
so uma s coisa e essa
identidade
original
abre
a
janela
sobre a metafsica.
No
texto
de Grotowski
que
fecha a
nossa coletnea,
lemos: Mas
se
trata
de
encontrar
tambm um
tempo-ritmo com
todas as suas flu
tuaes dentro da melodia. Mas, sobretudo, se
trata
de algo que uma
sonoridade
certa: qualidades vibratrias a
tal
ponto tangveis
que
de
uma certa
maneira
se
tornam
o sen tido do can to . Em
outras
palavras,
o
canto
se torna o
prprio
sentido atravs das qualidades vibratrias
(
.. .
)
Quando
falo desse sentido , falo ao mesmo
tempo
tambm dos
impulsos do corpo; isso significa
que
a sonor idade e os impulsos so o
sentido, dretarnente. O antigo Shiva metafrico
no
diz
nada
do som,
mas a substncia das coisas
permanece
semelhante.
como
se o paleo
Grotowski de Opole adentrasse
aqui
em um dilogo-eco com o
velho
mestre
de Pontedera.
Em
Farsa-Misterium lemos: A
forma
no
funciona aqui como
um
fim em si,
nem como um meio
de expresso
ou para
ilustrar
algo . A
forma
- a sua estrutura, a sua variabilidade, o seu
jogo
dos
opostos
(em
uma
nica
palavra, todos os aspectos tangveis e tcnicos
da teatralidade de
que
se falou) -
um singular
ato de conhecimento.
Em
resumo temos:
A
forma
um singular ato de conhecimento .
Estamos
aqui no
corao
do ofcio, na
passagem
entre
Artesanato
e
Metafsica.
E mais adian te : O
ato
de
conhecimento,
por
sua natureza,
algo
de aberto, no acabado, no pode ser uma repetio de mtodos e de
efeitos . A forma, de um
espetculo
a outro, no tem o dir ei to de es
tabilizar-se, o
espetculo
tude
superar a
teatralidade apreendida
(e,
conseqentemente: superar
- ou
desmentir
- o eu
apreendido ) .
Estas frases , se se
quiser restringir
ao
seu sentido estri tamente pro
fissional, poderiam passar por sbias instrues de Stanislvski. De
resto, a essa regra, anotada
secamente pelo
paleo-Grotowski, se ateve
o Grotowski subseqente
em todas
as
suas encarnaes
e
ocupaes.
Mas o trabalho do artista de teatro sobre a sua obra aqui ao mesmo
tempo
superar ou
desmentir o
eu
apreendido Portanto existe
um e u
no apreendido
alm do jogo soc ia l e dos condicionamen-
27
histricos? O
futuro autor
de o Performer j
muito tempo antes
da
genese de Opole tinha
praticado
ioga e
conhecia
muito
bem
a filoso
fia
indiana,
portanto
provavelmente
sabia o que dizia. E o
teatro
era
para ele veculo, o que
era
objeto das nossas conversaes.
Naquele
tempo:
o
te tro no seu retorno
s razes rituais. .. A
arte como
veculo
teria esperado
ainda
mais
de trinta anos a sua elaborao e o aval ter
minolgico de
Peter
Brook. No
entanto,
o
velho mestre
de
Pontedera
d
razo
ao
paleo-Grotowski
de
Opole
quando escreve sobre a
arte
como
veculo
que,
de outro lado, est l igada aos meus mais
velhos
i n t e ~ e s s e s E no l.timo texto retoma de algum modo a paleo-idia da
sua
~ u v e n t u d e o nt.ual e, liberado das servides espetacular-teatrais.
lhe
mfunde nova Vida
com
o nome de Artes r itua is . E se r ef er e aos
Mistrios da Antigidade.
Como
no princpio.
se fala aqui de dana . Mas ela est presente
nas entrelinhas.
E
esta
presente algo que um
certo
tempo - seguindo Stanislvski
c h a m a v ~ s e de
~ a r t i t u r a
do a tor. No incio
era
a
partitura
de signos
corporais
e VO aIS
composta
artif icialmente. Depois a
partitura
das
reaes fixadas, dos
pontos
de
contato . enfim
a reproduzvel cor
rente.
dos
i m p ~ ~ s ? s
visveis . A ,organicidade
no estado puro que
a
zona
intermediria entre o que e corpora l e o que espiritual. O
santo
Graal de Grotowski.
Tudo isso surgiu na
sua
forma embrionria em 1960, durante o
trabalho
com
Sakuntala e foi registrado em
Parsa-Misrerium como
p a r t i t ~ r a r tmica e
sonora , ainda sem
o
a to r como seu
sujeito. Um
ponto i ~ p ? r t a n t e na sua
evoluo
foi o
Estudo
so re
Hamlet
(fim de
1963 - mi IO de 1964); os ensaios desse
trabalho transformaram-se
em
verdadeiro
laboratrio da organicidade. Aquele espetculo
no
acaba
do
abriu
a perspectiva a um ilustre
exemplar:
o
ato
de
ator
de Cieslak
no
r n i ~ e
Constante
e em seguida abriu o caminho para
Apocalypsis
cum jiguns
(1968), a
obra
que fecha na histria criativa de Grotowski
o
perodo
do teatro dos espetculos .
A
corrente
da vida , os
impulsos que correm atravs
do cor
po , a
partitura
das reaes ... Nesse
texto fundamental
que fecha
o nosso volume e no qual magistralmente se expe como o Graal de
Grotowski mudou
radicalmente
o
prprio
destino, encontramos nu
merosos ~ c o s ou ;eminiscncias
-
conscientemente aqui
evocados - de
anos muto longmquos.
Os antigos
instrumentos
e as palavras usadas
naql;lele tempo
servem
ao
trabalho
na out ra
margem.
E impossvel comentar todos os textos. Paremos nesses quatro, total
mente d e s c o n ~ e c i d o s e pr-diluvia.nos. Neles est contida a
semente
(a
palavra. prefenda.- que Grotowski retomou de Stanislvski ) daquilo
t.en.aacontecido depois. As energias da gnese eram
impetuosas
e
impnrmram uma grande acelerao.
7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969
15/125
28
Ainda algumas observaes sobre a linguagem desses escritos. O
lxico de Grotowski
tem
um
carter
prprio peculiar.
uma terminologia
que
t ira de vrias fontes. Nela
encontram-se
palavras e
frmulas
ideadas
no
s
por
ele. Mas prescindindodo fato de
que
o prprio Grotowski
tenha inventado
algumas frmulas,
ou tenha
tirado
inspirao de
alguma parte, ou
a
tenha pego sorrateiramente
sabe-se l
onde
sem
fornece r o endereo, ou a
tenha
retomado
de al
gum
colaborador, do
annimo
caldeiro domstico - de resto, conside
rava o furto criativo um indispensvel
procedimento espiritual-
todas
as palavras e as frmulas,
independentemente
da
sua
origem, as
torna
prprias
e
em vir tude
de
uma peculiar
alquimia elas se
fundem com
ele. Sabia
t irar vantagem
delas,
tornava-se
o
seu
avalista,
dava-lhes
ressonncia.
Um dos
instrumentos
lingsticos
que freqentemente usava era
o
adjetivo
laico .
Por mui tos anos
o
companheiro
fiel do Teatro
Laboratrio: o
nosso escudo comum.
No dicionrio de
Grotowski
era
um a das
palavras-camuflagem
.
Alm
do
que,
fez
grande
carreira
no
mundo, porque respondia
ao esprito dos
tempos. Uma
vez
que
a coi
sa laica, soa
bem para
o
mecenas
de
estado
e de
partido
em
um
pas
comunista,
i gr eja d o s ina l de
que no ent ra no territrio reserva
do da d evoo . E
no
fere a sensibilidade agnstica
independente no
estilo do
Ocidente.
Mas
na
aproximao
com palavras
caracterizadas
em
sentido
religioso,
como
mistrio ou
sacro ,
incita
os espr i
tos
iluminados
em
direo a
experincias
espirituais
no ortodoxas.
Portanto a laicidade
era
uma
camuflagem, mas
tambm a lgo de
verdadeiro
em certa medida: de fato no se
tratava
ali de
propagar
crenas religiosas.
Existia no Teatro Laboratrio algo
que
se poderia
chamar
de po
ltica lexical. necessrio, se
no
se quer entrar no rol das nobres v
timas dos grandes els. o
que
na
arte
do teatro
pode
querer dizer
no
existir. preciso evitar as mentiras,
mas
as coisas nem
sequer devem
ser
definidas
sempre
com
clareza absoluta.
Aqui
indispensvel
a
arte
do eufemismo
ou
da perfrase.
Uma arte muito exigente:
a
mensagem
real deve chegar ao
mesmo tempo
queles aos quais
deveria
chegar.
Grotowski adaptava
a
linguagem
mentalidade
e ao
nvel
dos
ouvintes: era nisso um verdadeiro mestre. Como
se supusesse
que
a
verdade
uma , mas
as
linguagens so tantas,
se se
quer alcanar
eficazmente
as pessoas.
Quando considerava
necessrio, falava
como
erudito
e cientista, ou como homem
cndido pouco propenso
s
sen
tenas
abstratas.
Alm
disso
transpunha
a
sua
linguagem
para
o falar
prprio
do espr ito do
tempo, que tem
a
sua meteorologia
mvel.
No
texto intitulado
O
Diretor como
Espectador de Profisso fala
com
sinceridade
provocante:
29
Po r
que
quis
tocar
com
vocs
neste
aspecto
totalmente
artesanal
do ofcio?
...
) Nos
novos
tempos, se
quiserem
ensinar
uma
pessoa a
levitar
devem trabalhar com
ela
ensinando-a como
atravessar
a
rua
durante o horrio de pico. Hoje h uma tal
ruptura
de toda confiana,
um
tal
sentido
de
insegurana, que
se
quer aprender
s as coisas consi
deradas concretas e precisas. . .. )
Portanto,
nesse
novo
mundo
preciso
falar
com
uma
linguagem
tcnica. a
nova
linguagem.
Por
esse motivo
decidi falar-lhes dos
detalhes
tcnicos do ofcio de observador.
Essas palavras, pronunciadas
em
1984 em VoIterra - Grotowski mo
rava e trabalhava
ento
nos Estados Unidos -
prenunciavam
aquilo
que
dois anos depois teria tido incio na vizinha Pontedera. O modesto, con
creto
trabalho
do
arteso.
Mas -
como
diz
brincando
Grotowski -
com
o fim de
ensinar
a levitao.
Depois dos
anos loucos
do
teatro
da
participao com
as
suas
derivaes, depois da
ruptura repentina com
a t cnica e depoi s de
ter
praticado,
por
assim dizer, o
No-teatro
no estado selvagem, Grotowski
repete
aqui
uma
jogada da estratgia criativa
que tnhamos
elaborado
anteriormente
no Teatro Laboratrio,
quase
na
poca
da gnese: em
direo Metafsica atravs do buraco de agulha do Artesanato.
interessante
que
caso
no
se trate de jogos de palavras de natureza
puramente
t tica, mas da substncia da mensagem, o lxico de Grotowski
situa-se
freqentemente
na
estreita passagem
entre
Artesanato
e
Metafsica. Uma frmula forte
uma
definio profissional, tcnica, li
gada pr tica do ofcio, mas ao
mesmo tempo
faz relampejar significa
dos,
emana um
claro de
uma outra
dimenso. O
ponto
de partida de tal
peregrinao polissemntica
pode
ser
uma
modesta palavra de origem
cientfica ou tcnica. Ou, ao contrrio:
uma
frmula de ressonncia
-
losfica
tem
em
Grotowski
uma
rigorosa aplicao tcnica. Esses dois
planos so intercambiveis, passam livremente de
um
a outro.
A palavra desafio
pertence
quelas
preferidas
por
Grotowski. Foi
tomada
do
historiador
ingls Toynbee
que
a usa
em
referncia
situ
ao
de partida
em que
nasce
uma
civilizao.
o
contrrio
do deter
minismo
histrico: o
desenvolvimento
de
uma
civilizao
depende
do
modo
que
a
comunidade responde
ao desafio das circunstncias dadas
por exemplo,
o clima, as condies geogrficas). Em Grotowski essa
palavra t em uma
aplicao prtica:
por exemplo,
o exerccio
constitui
para
o
ator
o desafio ao
qual
deve
encontrar
resposta o
seu
organismo,
enfrentando
o risco de
superar
a dificuldade nele contida. O exerccio,
que no
seja
um
desafio ou
que deixe
de s- lo
porque
foi assimilado
rotina, no t em valor
como
treinamento
e
deveria
ser
abandona
do. Desafio
para
o
atar pode ser
cada tarefa, o papel ,
enfim
a
prpria
vocao de art is ta de
teatro.
E
em uma
esfera
mais
ampl a: a vida. O
confronto
com
o desconhecido. Ultrapassar o impossvel.
7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969
16/125
30
Um outro exemplo: a
unio em
uma verso diferente: a dal
tica) de espontaneidade e disciplina . Essa
frmula
famosa tem um
sentido
rigorosamente
tcnico. O ato do
atar
compe-se das reaes
vivas do
seu
organismo, da
corrente
dos impulsos visveis no cor
po . Todavia,
para
que esse processo orgnico no se desvie no caos,
necessria a estrutura que o canal ize, a partitura composta do movi
mento
e do som. Essa
presena
simultnea
de dois
elementos
opostos
favorece a tenso interior que potencializa a expressividade do
atar
.
Espontaneidade,
disciplina - nessas palavras podemos chegar a
sen
tir tambm
mximas
de vida ou princpios ticos. No
fundo
ressoa
Herclito: Aquilo
que
se ope converge, e a mais bela das
tramas
for
ma-se dos divergentes; e todas as coisas surgem segundo a contenda .
Esse aforismo do legendrio pensador era pintado na entrada da sala
do Teatro Laboratrio na poca da nossa gnese.
Uma out ra
frmula
que
soa como o desaf io de Gro towski : ca
minho
negativo . Ela
tem um
sentido
estritamente
tcnico, prti
co. Trata-se de no procurar no
trabalho
do atar gestos
aprendidos,
meios de expresso belos e
prontos, modos
de atuar inventados de
cabea . Mas.
por
meio
de
um
training
especfico,
individualizado
, re
mover os bloqueios psicofsicos do atar,
eliminar
os
esteretipo
s do s
comportamentos e da r ea o. chegar ao ponto
em
que o
atar
agindo
toca o desconhecido. E se for preci so : sobre essa base, construir a
partitura.
Mas
caminho
negativo ressoa de
modo
enigmtico e
no
tcnico ...
Essa frmula apartou no vocabulrio de Grotowski da teologia msti
ca crist
denominada
apoftica (negativa). Esse
caminho
em direo
Causa de Todas as Coisas exige o progressivo abandono de
tudo
aquilo
que conhecvel e conhecido, junto com os instrumentos comuns do co
nhecimento, como por exemplo, a linguagem discursiva. Aqui se avana
atravs da negao e do princpio da ignorncia. Pode-se ver -
alm
da
religio - uma analogia com o autntico processo criativo que medir
se
com
o desconhecido. E
com
aquilo
que
seria possvel
chamar
de a
vida criativa do
homem.
De
uma
semelhante famlia terminolgica derivam as palavras
freqentemente usadas
em
uma
poca nos escritos de
Grotowski
e
nos textos
can
nicos : desnudamento e sacrifcio . Essas
pala
vras
indicam
uma
concreta
orientao psicotcnica do ator na ao .
Durante os ensaios, diante dos companheiros de trabalho e dos par-
tners e em seguida, diante dos
espectadores-testemunhas.
ele
deve
tender para a plena sinceridade - sinceridade consigo me smo, com o
especifica Gr
otowski
-
n
o se esconder, mostrar o si
mesmo
ntimo
em um
singular ato
de
provocao,
que
deve evi tar
as armadilhas
do masoquismo e do narcisismo. Aquilo
que
o ator faz diante do
31
pblico no representar, fingir
artisticamente.
mas
um
ato real: de
coragem,
de humildade, de
oferta.
Com o t empo tudo isso com
preendido
na
frmula-chave
do
perodo teatral
a to total . Estamos
aqui no mbito do ofcio, mas j evidentemente alm do ofc io . A
inspirao
vinha
nesse caso dos escritos de Joo da Cruz que
tinham
confidencialmente
acompanhado o grupo no
perodo
do trabalho
sobre O
Prncipe onst nte
Por fim a frmula teatro pobre que se tornou emblemtica no
teatro do sculo passado. Naturalmente, tambm
aqui
temos um sen
tido tcnico: trata-se,
como
se sabe, de
um
teatro
em que se elimina
tudo
aquilo que no constitutivo da arte do teatro. ,
portanto,
um
delimitar
hermeticamente
o
t er reno em que
se
condu
zem as pesqui
sas. Mas o relampejar semntico dessa frmula. que pode recordar o
humilde
af monacal, vai
alm
do teatro.
A presena no lxico do Teatro Laboratrio de
tantas
referncias
crists pode
maravilhar
o lei tor. . .
Como
se Grotowski tivesse sido
um agente secreto do cristianismo no Ocidente laicizado, pago. Na
Polnia. ao contrrio, ele
pode
passar
por
um herege
impenitente
e
por um ateu
ocidental.
O nosso Teatro Laboratrio teve incio sob o signo do mistrio.
Grotowski sonhava com a dana inicit ica de Shiva e com os mis
trios
grego
s. E aconteceu um fato singular que
segue
a lgica da
autenticidade criat iva mais forte dos sonhos : o sonho dos mistrios
se realizou. Mas por meio do blasfemo, da transgresso, da violao
dos
tabu
s Grotowski realizou algo que constitui
uma
analogia com
os mistrios da idade mdia europia . com o ato de sacrifcio como
evento axial . O retorno do reprimido .
Ligando-o tradio
do ro
mantismo polons. Grotowski
define
tudo
aquilo
como vozes dos
an
tepassados, como colquio com os antepassados. Paixo - antipaixo?
Mistrio - antim istrio?
Depois do teatro dos espetculos, o
sonho
dos mistrios gregos ou
egpcios ou de
outros
no
abandona
Grotowski.
como
se
procura
sse
antepassados ainda mais longnquos . Muda tambm a sua terminolo
gia: fica
mai
s prxima das tradies da ioga. Mas mantm a sua dpli
ce ressonncia: tcnica e ao
mesmo tempo
alm da tcnica. artesanal
e
alm
do artesanato.
Como ele mesmo disse em algum
lugar
, o de
stino
de Grotowski
era: estar na passagem.
Como
o lxico desses escritos
que
uma
ono
mst ica de coisas na passagem. Ele refle te esse estado. Est tambm
ele na pas sagem.
Com
a esper ana de que na pa s
sagem
qu e leva o nome de
Grotowski,
continue
a soprar a corrente.
7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969
17/125
S
. Desejo agradecer qu i a todos aqueles que torn r m possvel este
volume, aos amigos do Teatro de Pontedera , e em p rticul r a Carla
Pollastrelli, pela paixo que colocou
no
trabalho sobre nossa publica-
o e pelo amvel af de traduzir, so retudo da lngua polonesa. Nota
edio italiana.
ref io
primeira edio
agosto/setembro 2001
S
ENERGI S GNESE
7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969
18/125
obre tr duo
o Teatro
Laboratrio deJerzy Grotowski
1959-1969), constitudo
por
artigos de
auto-
r ia de uma das f iguras mais importantes no t ea tr o no s cu lo xx e de doi s de seus
colaboradores histricos, o segundo livro sobre o trabalho do encenador de ori
ge m
polonsa a ser publicado no Brasil . O primeiro, Em
usca
deum
Teatro Pobre
data de 1971. Trinta e se is anos separam,
portanto
os dois
lanamentos
.
Osescritos de Grotowski, em sua maior parte, so transcries de conferncias e
palestras . Ao realizar esta
traduo
, portanto, procurei observar particularmente
as especificidades da lngua falada e tambm as peculiaridades da linguagem de
Grotowski. Tive
sempre
o
intuito
de
preservar
o r itmo das frases e de
manter
a
mxima fidelidade aos textos originais. E se Grotowski inventava ou adaptava pa
lavras , esse foi igualmente o meu procedimento ao traduzi-las para o portugus
A reviso foi feita juntamente com Carla Pollastrelli em longos contatos telef
nicos nos qua is discutamos minuciosamente a traduo de cada frase, de cada
palavra , na busca do
termo
preciso e do sentido
exato
. Nesse rigoroso processo,
muitas vezes, eram consultados novamente ostextos em outras lnguas queno a
i ta liana com o objet ivo de
evitarmos
qualquer tipo de distorso . Foi um trabalho
rduo mas que muito me
honrou
pela certeza de
estar contribuindo para
a am-
pliao dos horizontes de nossa
cultura
por meio da difuso no Brasi l do trabalho
desenvolvido por Grotowski
em seu
Teatro Laboratrio.
ereniceRaulino novembrode 2 6
Jerzy Grotowski
nvoc o
para
o espetculo
Orfeu
Ns te agradecemos mundo por ser.
Ns te agradecemos, por ser danarino infinito e eterno.
Ns te agradecemos porque danas o teu caos, que chegou
at
ns sob a aparncia de Cavalo do Absurdo, te
agradecemos pelo fato de que freando o teu caos)
podemos esculpir ns mesmos, a nossa liberdade.
Ns te agradecemos porque danas a
tua
ordem: a ordem
das tuas leis e a
ordem
da nossa
mente que
capaz
de compreender as
tuas
leis; e m uma palavra, o que
chegou a ns como Heurtebise e nos l iber tou.
Ns te agradecemos, mundo pois possumos a conscincia
que nos permite vencer a morte: compreender a nossa
eternidade na tua eternidade. E
porque
o
amor
nisso
mestre, abecedrio. Teagradecemos por no sermos
separados de ti, por sermos tu, porque justamente em
ns atinges a conscincia de ti , o despertar.
Ns te agradecemos, mundo por ser.
Invocao
para o espetculo Orfeu
O texto era dito pelos
atore
s no final do espetculo.
Impresso no
programa
de Orfeu de
Jean
Cocteau, adaptao e direo de Jerzy
Grotowski. Opole, outubro de 1959.
Texto original em polons.
7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969
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36
RZT
R T WW
Jerzy
Grotowski
lfa mega
Alfa
=
mega
=
mundo vocs sabem, ei
Omundo unidade todavia, que se
dana
infinitamente
vocs sabem, do
elemento
ao cerebrinizar
isto
quer
dizer de Alfa a mega. Do fazer festa
dor
tambm
vocs sabem.
Perdura-se,
mas
a a legria ,
antes
todavia),
como
nose
separar
dele,
vocs sabem
como no deixar de se importar com isso,
pardonc
Mas
no
crer
nos
espritos. Mas da prpria
dor
rir,
em
certo modo, vocs sabem,
ei
13
Fffiilas
Alfa mega
Texto do cartaz
que
descia no final do espetculo im de George Gordon Byron,
adaptao e direo de Jerzy Grotowski.
Impresso no programa do espetculo. Opole.
janeiro
de 1960.
Texto original em polons.
7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969
20/125
Jerzy
Grotovvski
rincamos de hiva
Patrono
mitolgico do
teatro indiano
antigo era Shiva. o
Danarino
Csmico que, danando, gera tudo o
que
e
tudo
o
que
destruir ;
aquele
que
dana a total idade . .. .)
Shiva.
nos contos
mitolgicos,
aparece como criador
dos opostos.
Nas e
sculturas antigas
era
representado
com
os
olhos entreaberto
s,
levemente
sorridente;
o
seu
rosto t razia a
marca
de
quem
conhece a
relatividade das coisas. .. .)
Se
eu
tivesse
que definir
as
nossas pesquisas
cnicas com
uma
frase , com um
termo
,
me
referiria ao mito da Dana de Shiva ; diria :
brincamos de Shiva .
H nisso uma tentativa de absorver a realidade de todos os seus
lados, na
multiplicidade
dos
seus aspectos
, e ao
mesmo t empo um
permanecer
como de fora, de lo nge, a
distncia extrema.
Em outras
palavras , a dana da forma , o
pulsar
da
forma
, a fluida, refrangente
multiplicidade
das
convenes teatrais,
dos estilos, das
tradies
da
atuao; a construo dos opostos: do
jogo intelectual na
espontanei-
dade, da
seriedade no
grotesco , da
derriso na
do r; a
dana
da forma
que quebra qualquer teatro
de
iluso
,
qualquer
verossirnilhana
com a vida , mas, ao
mesmo
tempo, nutre a ambio
evidentemen-
te insatisfeita) de
conter em
si, de absorver, de
abraar
a
totalidade,
a totalidade do destino humano e, atravs disso, a totalidade da r e
alidade
em
geral ; e ao mesmo
tempo
manter os
olhos entreabertos
,
um leve sorriso, a distncia, o
conhecimento
da relatividade das coi
sas. . . .)
O
teatro indiano
antigo,
como
o
japons
antigo
e o hel nico,
era
um ritual
que
identificava
em
si a
dana,
a pantomima, a
atuao.
O
espetculo
no era
representao da realidade
construo
da i lu
so) ,
mas danar
a realidade uma
construo
artificial, algo
como
uma
viso rtmica voltada realidade).
39
A dana mmica na liturgia dos Pashupati uma seita shivasta) era
um dos seis principais atas rituais. .: .) A citao mitolgica: Shiva
diz:
Sem
nome sou,
sem
forma e
sem
ao . .. ). Eu sou pulsar,
movi-
mento
e
ritmo
. . .
Shiva Gira .
A
essncia
do
t ea tro que procuramos
pulsar, movimento
e
ritmo .
Brincamos
de
Shiva
Fragmento do texto, anexado pelo autor a sua tese para
obteno
de diploma em
d reo do arquivo da Escola Teatral Superior do Estado de Cracvia, 1960) .
Cortes do
texto autori
zados.
Publica-se
segundo
Zbigniew Osirski.
rotowski wytycza trasy
Wyd. Pusty Oblok,
Warszawa. 1993.
Subttulo do texto integral: apostila para
uma
certa prtica.
Texto original em polons.
7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969
21/125
Jerzy Grotovvski
arsa Misteriumtese)
Materiais tericos de
trabalho para
uso
estritamente interno
Perguntas:
1)
Que tipo
de
arte poderia
-
de modo laico
-
s a t i s f a z ~ r c e r t ~ s
excessos da imaginao e da inquietude
desfrutados nos
ritos reh
giosos?
2) O que a ess nci a do teatro? o
que
aquele fator ~ n i ~ o que
dec ide o fato de algo ser teatral? o que permaneceria se
e l l l ~ m ? a S S e -
mos do
teatro
o
que no
teatro
a literatura, as artes p_lastlcas,.a
atualidade, as teses , o copiar a realidade)? qual elemento nao poderia
ser retomado por qualquer
outro
gnero artstico por
exemplo,
pelo
cinema)?
No se
trata aqui
de um
programa
de
eliminao
do teatro
de todos os fatores acima citados por
exemplo,
a
literatura), trata
se,
em
primeiro lugar, de orden-los hierarquicamente e de chegar
quilo
que
o ncleo da teatralidade.
Na arte, a
prova pode ser exclusivamente
a prtica.
Com
a
nossa
prtica, procurarei demonstrar que as perguntas aci:na c i t d a ~ res
pondem-se
mutuamente.
Presumo que aquilo que e a essencia do
teatro
seja capaz
-
de modo
laico - de satisfazer
certos
excessos da
imaginao e da inquietude desfrutados nos ritos
r e l i g i ~ s o s
mes
mo tempo,
suponho
que aquilo que poder ia ser o substituto laico do
ritual religioso seja o
ncleo
da
teatralidade como
arte.
Isso equivale a
pressupor
um a
funo laicizante do teatro,
41
2
O teatro a nica dentre as artes a possuir o privi lgio da ritu
alidade , De resto, em sentido puramente laico:
um
ato
coletivo. o
espectador
tem a possibilidade de co-participar, o
espetculo
uma
espcie de ritual coletivo, de sistema de signos.
O espectador, tambm no
teatro
normal , inclusive no
burgues
mente desteatralizado influi em
parte
sobre
o
desenvolver-se
do ato
criativo: digamos, se os espectadores comeam a aplaudir no decorrer
da ao cnca. os a to res devem esperar para dizer a fala
seguinte,
mudar portanto o r itmo, a velocidade e, conseqentemente, a estrutura
do espetculo. Em uma situao anloga, durante um filme, a fita no
pra, l tudo j est pronto antes,
indiferente
reao
dos
espectado
res, que no so participantes,
mas
s e exclusivamente, observadores,
espectadores.
O tea tro era e
permaneceu, mas
em um mbito residual) algo
como
um ato coletivo.
um
jogo ritual. No ritual no h a tores e no h espec
tadores. H participantes principais por exemplo, o xam) e
secund
rios por exemplo, a multido que observa as aes mgicas do xarn e
as acompanha com a magia dos gestos, do canto, da dana
etc).
O princpio da co-participao. do cerimonial coletivo, do sistema
de signos favorece a criao de
uma
certa singular
aura
psquica e co
letiva. da concentrao, da sugesto coletiva: organiza a imaginao e
disciplina a inquietude.
A
reconstruo
no teatro do
jogo
ritual a
partir
de elementos
residuais, ou seja, a res ti tuio ao
teatro
de seu princpio vital, seria
um dos objetivos principais da nossa prtica.
ma
tese
sobre a utilidade social de tal tipo de pesquisas):
ritu li-
d de do
teatro como contraproposta
em
relao
sform s ritu isd
reliqio
Aspectos prticos:
1) O espetculo. como uma espcie de cer imonial, de s is tema de
signos.
2) A eliminao da diviso entre palco e platia; estes dois espaos
so
substitudos por um espao
teatral unitrio,
ou
seja,
pelo
local
onde esto presentes, ao mesmo tempo e
sem
delimitao, os espec
tadores e os atares.
3) Os espectadores so co-atores;
por
exemplo, por
meio
da djspo
sio das cadeiras so subdivididos
em grupos
distintos,
no decorrer
da
7/21/2019 O Teatro Laboratrio de Jerzy Grotowski 1959-1969
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ao so tratados como
grupos
de figurantes exemplo, a encenao
burlesca de uma
batalha
-
parte
dos espectadores considerada
como
o exrcito inimigo, parte como as prprias reservas). Os espectadores
e os atores so ao
mesmo tempo
observadores e observados.
Em ou
tras palavras: a liquidao prtica do espetculo em favor de algo que
poderia
ser chamado ironicamente
de
part
cip culo .
Na antiqidade, na Grcia, formas teatrais semelhantes, que funcio
navam
evidentemente
ainda na
fronteira
do culto dos deuses,
eram
chamadas mist
rios da
palavra
misterium - segredo ). S que