O trabalho docente

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Maurice TARDIF Claude LESSARD

Professor Ulisses Vakirtzis

Trabalho interativo

Compreendida como uma atividade em que

o trabalhador se dedica ao seu "objeto"

de trabalho, que é justamente um outro ser humano, no modo

fundamental da interação humana.

Representações que se tem do Ensino

Ensino:

é visto como uma ocupação secundária ou periférica em

relação ao trabalho material

e produtivo.

Docentes:

sua missão primeira é preparar os filhos dos trabalhadores para o mercado de trabalho,

manutenção e desenvolvimento do

capitalismo,

agentes de reprodução

sociocultural.

O tempo de aprender não

tem valor por si mesmo: é uma

preparação para o trabalho produtivo.

Longe de ser uma ocupação secundária ouperiférica em relação à hegemonia do trabalhomaterial, o trabalho docente constitui uma daschaves para a compreensão das transformaçõesatuais das sociedades do trabalho.

Todos os profissionais devem necessariamente ser instruídos antes de ser o que são e para poderem

fazer o que fazem.

Constatação:

Crescente status de que gozam osofícios e profissões que têm sereshumanos como "objeto de trabalho".

Estas ocupações se referem aotrabalho interativo (relação entre umtrabalhador e um ser humano que seutiliza de seus serviços).

A escola e o ensino têm sidohistoricamente invadidos por modelos degestão e de execução do trabalhooriundos diretamente do contextoindustrial e de outras organizaçõeseconômicas hegemônicas: controleburocrático, tarefas e conteúdosprescritivos, controle do tempo(horas/aula).

Ensinar é trabalhar com seres humanos, sobre seres humanos, para seres humanos.

A docência é um trabalho cujo objeto não éconstituído de matéria inerte ou de símbolos(números, conceitos, palavras), mas de relaçõeshumanas com pessoas capazes de iniciativa edotados de capacidade de resistir ou departicipar da ação dos professores.

Necessário ligar a profissionalização do ensino ao trabalho docente:

Profissional Docente

possui autoridade sobre a execução de tarefas e conhecimentos para sua

realização.

Como analisar o trabalho dos professores?

Como qualquer trabalho humano.

A docência carrega um pesode normatividade, desaberes, técnicas, objetivos,resultados, processo...

Fazer uma crítica as visões normativas emoralizantes da docência (se interessampelo que os professores deveriam ounão fazer, deixando de lado o que elesrealmente são e fazem).

Primeiro passo para analisar o trabalho dos

professores:

Como superar os pontos de vista moralizantes e normativos sobre a docência?

Privilegiando mais o estudo do que os docentes fazem e

não tanto prescrições a respeito do que deveriam

ou não fazer.

Durante muito tempo, ensinar foi sinônimo de

obedecer e de fazer obedecer

Existem diferentes maneiras de descrever ecompreender o trabalho docente:

Docência como trabalho codificado:atividades regidas por procedimentosmetódicos.Docência como trabalho flexível:comporta diversos elementos"informais", indeterminados, incertezas,imprevistos.

Como é o trabalho em classe? • Apoiado em rotinas etradições: os professoresentram na classe, tomam apalavra, passam a lição, etc.

• Temporizado, calculado,controlado, planejado e ficasubmetido a um conjunto deregras burocráticas.

Nunca se pode controlar perfeitamente uma classena medida em que a interação em andamentocom os alunos é portadora de acontecimentos eintenções que surgem da atividade dela mesma.

O trabalho docente pode ser analisado, como todo

trabalho humano socializado, em função

de

3 dimensões:

• Trabalho como atividade: ensinar é agir naclasse e na escola em função daaprendizagem e da socialização dos alunos,atuando sobre sua capacidade de aprender,para educá-los com a ajuda de programas,métodos, livros, normas, etc.

• Trabalho como status: remete à questão daidentidade do professor tanto na escolaquanto na organização social

• Trabalho como experiência: professorexperiente para saber lidar com as situaçõesde sala de aula.

A escola como organização do trabalho docente Desde que a docência moderna existe, ela se realizanuma escola, ou seja, num lugar organizado, espacial esocialmente, separado dos outros espaços da vidasocial e cotidiana.

A escola possui características organizacionais esociais que influenciam o trabalho dos agentesescolares :Como lugar de trabalho ela não é apenas um espaçofísico, mas também um espaço social que definecomo o trabalho dos professores é repartido erealizado, como é planejado, supervisionado,remunerado e visto por outros.Esse lugar também é produto de convenções sociaise históricas que se traduzem em rotinasorganizacionais relativamente estáveis através dotempo.

Os objetivos do trabalho da escola são simbólicos ematerialmente intangíveis: tratam de concepçõessocioculturais da criança, do adolescente e do adulto,como eles devem ser, fazer e saber enquanto membroseducados (socializados e moralizados) e instruídos deuma determinada sociedade. Necessário considerar outras categorias defuncionários: sua relação entre si e com os professores. Levar em conta o surgimento das estruturasburocráticas e de instâncias ou poderes internos eexternos à escola que, de um modo ou de outro,controlam o trabalho docente ou interferem sobre ele.

Século XX •entrada massiva de alunos na organização escolar.•necessidade do sistema escolar oferecer serviços cada vez

mais diversificados a uma clientela cada vez maisdiferenciada.

•escolas maiores e necessidade de grande investimentofinanceiro e mão-de-obra nas escolas.

• aumento do número de professores e de problemas decoordenação do aparelho escolar.

•entrada de especialistas no sistema educativo• ambiente escolar dinâmico e maleável no plano

organizacional.• relações marcadas por colaborações recíprocas e por conflitos

e negociações sobre a própria intervenção e sobre a gestão dotrabalho escolar.

Ensinar é trabalhar em um ambienteorganizacional fortemente controlado,saturado de normas e regras e, ao mesmotempo, agir em função de uma autonomiaimportante e necessária (na sala de aula) paraa realização dos objetivos da própria escola.

Professor: posição de “executante autônomo” dentro da organização escolar.

Da classe ao sistema escolar

O trabalho docente não é apenas uma simplesparte do trabalho escolar, mas constitui também atarefa fundamental da escola, a razão pela qual,exatamente, essa organização existe.

A célula básica permanece intacta, ao redor dessenó central multiplicaram-se grupos, estruturas,dispositivos organizacionais mais e maiscomplexos.

Organizados numa sucessão de etapas progressivas, hierarquizadas e baseadas em

provas.

Alunos

divididos

em classe

de idade

Reagrupados

novamente

num todo

uniforme

Dispostos

em fileira

Sob a

visão

do mestre

Que exigem uma espécie de especialização do professor.

PROGRAMAS!!!PORT HIST GEO ING E.F.MAT ART

Programas

Estruturados em matérias especializadas.

Sempre haverá uma distância entre oprograma e a sua realização concretaem classe (as diferenças entre osalunos, os recursos disponíveis, otempo que passa).Os professores, queiram ou não, são obrigados a interpretar os programas

e adaptá-los continuamente às situações cotidianas.

A carga de trabalho dos professores, fatores a considerar:

• local de trabalho e recursos materiais disponíveis ou não;• localização da escola, situação socioeconômica dos alunos,

violência;• tamanho das turmas, diversidade da clientela, presença de

alunos com necessidades especiais, etc;• tempo de trabalho, vínculo empregatício, outras tarefas

além do ensino;•observância do horário, avaliação dos alunos, atendimento

aos pais, reuniões;•dupla jornada das professoras – escola e casa.

Nas últimas décadas, a carga de trabalho do professor aumentou.

Não no número de horas, mas

em

dificuldade e em complexidade.

Componentes da tarefa dos professores

•Aulas em classe com presença de alunos;

•Preparação das aulas, deveres de casa,preparação de provas e correção,atualizar-se em filmes, palestras, leiturade livros;

•Avaliação dos alunos;

•Aperfeiçoamento profissional.

A relação dos professores com os alunos:•mais complexa que antigamente: o mundo dos jovens muda

mais depressa que a escola, os alunos estão mais pragmáticose utilitaristas (conhecimentos mais funcionais).

• variada e comporta tensões: falta de respeito pelas pessoas emateriais, indisciplina, falta de motivação, dificuldades deconcentração.

•determinada por fatores ambientais: pobreza, violência,origem étnica, etc.

• comporta dilemas importantes: investimento emocional,equidade do tratamento que devem garantir a todos os alunos,apesar das diferenças individuais, sociais e culturais.

Os trabalhos e os dias•Quando se estuda as jornadas de trabalho dosprofessores, todos os eventos cotidianos estãoencaixados em ritmos e atividades relativamenteuniformes.

•Todos os alunos conhecem perfeitamente o ciclocotidiano e repetitivo do trabalho escolar, com suasalternâncias de aulas e pausas.

•Com o tempo, todas as aulas, todos os recreios, todosos professores acabam ficando parecidos e seconfundindo.

Os fins do trabalho docente

Do ponto de vista de seus resultados ou de seuproduto, tem um alcance relativamenteindeterminado:

• nenhum professor é responsável sozinho pelaeducação de um aluno;

• é um trabalho coletivo de longa duração;

• é difícil ou até impossível precisar claramentese o objetivo do trabalho foi mesmo realizado.

Esses fins...Podem ser formalmente declarados e apresentados, ou nascer durante a ação, por exemplo, pela pressão das

circunstâncias.

Também vão se transformando com a experiência adquirida

pelo trabalhador.

Pode-se dizer que:O ensino no meio escolar consiste emperseguir objetivos de socialização e deinstrução, num contexto de interação com osalunos, servindo- se de alguns “instrumentos”de trabalho: diretivas do ministério daeducação, programas, orientaçõespedagógicas, manuais, etc, que especificam anatureza dos fins e oferecem, em princípio,meios para atingi-los.

Objetivos curriculares/ programas escolares:• impõem certas ideologias, pois veiculam bem ou mal,valores pedagógicos, culturais, intelectuais, sociais;

•permitem aos professores organizarem sua ação:objetivos, expectativas, sequências, cronologias, etc.;

•unificam a ação coletiva dos professores;

•contribuem para homogeneizar as práticas escolares;

•servem para avaliar e comparar os conhecimentosescolares transmitidos aos alunos;

•dependem da experiência dos professores.

Os objetivos e programas escolares setransformam e se modelam a partir dasescolhas de ensino e das estratégiaspedagógicas feitas pelos professores.

Três situações são importantes:

o planejamento do ensino

o ensino propriamente dito

a avaliação do ensino

Planejamento de ensino

O trabalho curricular em classe Avaliação

• curto, médio e longo prazo;

• ajustado durante o processo.

• a maneira de transmitir a matéria,

• manter o interesse,

• ajustar a matéria para acompreensão dos alunos,

• gestar o tempo.

• das aprendizagens• das ações de

ensino

Os fundamentos interativos da docênciaInteratividade: principal objeto do trabalho doprofessor.

Exemplos de interação cotidianas em sala de aula:

•Interações entre o professor e o grupo: instruçõescoletivas, esclarecimentos sobre tarefas ;

•Atividade central da aula: fazer um exercício;

•Interações entre o professor e os alunos no contextoda tarefa coletiva: correções de exercícios, instruçõessobre a tarefa, avaliação, reforço.

Dimensão comunicativa das interações, opera em três planos:

oInterpretação: o professor interpreta o que acontece em sala de aula(movimentos dos alunos, suas reações, seus progressos, suasmotivações).

oImposição: o professor impõe à classe regras, conhecimentos,significações – ele é superior aos alunos.

oComunicação: o professor comunica alguma coisa aos alunos, osalunos comunicam-se com o professor e entre si.

Elemento essencial do trabalho docente e tensão central deste ofício:

lidar com coletividades atingindo os indivíduos que as compõem.

Pode-se identificar três grandes tecnologias da interação:

• a coerção,

•a autoridade,

•a persuasão.

Elas permitem ao professor impor seu programa deações em detrimento das ações desencadeadaspelos alunos, contrárias a esse programa.

•Reside em condutas punitivas reais e simbólicas desenvolvidaspelos professores na interação com os alunos em sala de aula.Uma olhada ameaçadora, uma cara feia, insultos, ironia,apontar o dedo, etc.

•A coerção reside também nos procedimentos desenvolvidospelas instituições escolares para controlar as clientelas:exclusão, estigmatização, isolamento, seleção, suspensão, etc.

Se existe educação sem coerção física, não existe, pelo contrário,educação sem exigência e coerção simbólica.

Coerção simbólica: o desprezo, a vontade de excluir alguns,considerados como nocivos.

Coerção

•Autoridade tradicional: ligada tanto ao estatuto de adulto doprofessor em relação às crianças e aos jovens quanto ao seuestatuto de “mestre'', conferido a ele pela escola.

•Autoridade carismática: capacidades subjetivas do professorpara suscitar a adesão dos alunos à sua "personalidade"profissional como meio utilizado na ação.

• Autoridade racional-legal: regulamento da organizaçãoescolar e da classe.

A autoridade reside no respeito que o professor é capaz deimpor sem coerção aos alunos.

Autoridade

É a arte de convencer o outro a fazer alguma coisa ou a acreditar em alguma coisa.

• Ela se apoia em todos os recursos teóricos da linguagemfalada: promessas, convicção, dramatização, etc.

•As crianças e os adolescentes são seres de paixões suscetíveisde se deixarem impressionar, adular, dobrar, convencer.

• Sua importância se deve ao fato de o meio linguístico ser ovetor principal da interação entre professores e alunos.

Ensinar é agir falando

Persuasão

A relação/interação entreprofessores- alunos se dá numaconcepção de um “ecossistema”.(a sala de aula é um ecossistema)

A EXPERIÊNCIA se refere à aprendizagem e ao domínio progressivo das situações de trabalho ao longo da prática cotidiana.

Ela é qualificante.

“Ensinar se aprende, em boa dose, ensinando.”

O problema do trabalho docente está em interagircom alunos que são todos diferentes uns dosoutros e, ao mesmo tempo, atender a objetivospróprios de uma organização de massa, baseadaem padrões gerais. Trabalhando com coletividades,o professor também age sobre indivíduos. Ai estáuma tensão central do oficio docente: trabalharcom coletividades, atingindo indivíduos que ascompõem.