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X SEMINÁRIO DOCOMOMO BRASIL ARQUITETURA MODERNA E INTERNACIONAL: conexões brutalistas 1955-75 Curitiba. 15-18.out.2013 - PUCPR
DUAS IGREJAS GAÚCHAS EM TEMPOS DE BRUTALISMO
Cláudio Calovi Pereira Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil – claudio.calovi@ufrgs.br
Cicero Alvarez Centro Universitário Metodista, Porto Alegre, Brasil – ciceroalvarez@gmail.com
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RESUMO
Ao longo da década de 60, as repercussões da arquitetura brutalista no exterior e no Brasil se fizeram sentir na arquitetura gaúcha. Localmente, essa referência toma lugar similar ao que ocupara a Escola Carioca na década anterior. Dentre as primeiras manifestações de influência do brutalismo no Rio Grande do Sul estão duas igrejas construídas em Porto Alegre, projetadas por arquitetos formados localmente. A primeira é o Centro Evangélico de Porto Alegre (1959), projeto de Carlos e Suzy Fayet. A segunda é a igreja de Nossa Senhora do Líbano (1963), paróquia católica de rito maronita projetada por Emil Bered. As duas igrejas apresentam a estrutura portante como protagonista da configuração do espaço e da expressão plástica. Ambas são caixas retangulares, com vão transversal vencido por pórticos de concreto, com 20 metros de extensão na primeira igreja e 15 metros na segunda. Na igreja luterana, há uma sequência de cinco pórticos com intervalo de 5,50 metros entre si. Na igreja maronita, há uma sucessão de oito pórticos com intercolúnio de 4 metros. A igreja evangélica tem pórticos de perfil duplo, com pilares/viga de seção "H". Junto ao teto, dois dutos de concreto para ar condicionado correm longitudinalmente, afixados aos pórticos. Já a igreja maronita tem pórticos simples, com vigas de seção mais alta no centro, que enfatizam o eixo do altar, assim como se adaptam à inclinação da cobertura. Os dutos neutralizam um pouco a leitura rítmica dos pórticos na igreja evangélica, acentuando a perspectiva ao altar, enquanto a integridade dos pórticos em sequência na igreja maronita mantém íntegra a percepção celular do espaço. Nas duas igrejas, os pilares dos pórticos tem seus intervalos preenchidos por muros de alvenaria. No entanto, estes muros não tocam os pilares de concreto, originando um hiato onde estreitas janelas percorrem toda a dimensão vertical das paredes. Três vigas de contraventamento atravessam essas janelas-fita na igreja maronita, enquanto uma o faz na igreja evangélica. Desse modo, a face lateral apresenta o ritmo muro-vazio-pilar-vazio-muro. Texturas, cores e luz acentuam cada um destes componentes verticais em sequência. Na igreja maronita, Bered faz acréscimos sutis. Primeiro, divide a face interna dos muros de alvenaria em dois planos inclinados para o meio. Depois, termina estes muros antes de alcançarem o vigamento da cobertura, permitindo que as janelas verticais sejam unificadas por janelas horizontais no topo. As caixas tem suas fachadas principais definidas por muros. A igreja evangélica dos Fayet tem a caixa em projeção sobre a rua com muro cego de concreto, onde se previa um baixo-relevo dos quatro evangelistas (atualmente há uma grande cruz de ferro). O acesso à igreja se dá em pátio lateral. Já a igreja maronita tem acesso frontal, o que implica em ter uma face mural perfurada. O Centro Evangélico é uma encomenda de maior porte, pois abriga em edifício anexo a sede nacional da Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil. O conjunto tem dois corpos: à frente, a igreja e, ao fundo, um bloco verticalizado definido por faixas horizontais de combogós. Ao lado da igreja, há uma praça elevada com campanário brutalista. A vista frontal mostra a contraposição da caixa de concreto diante do véu de elementos vazados. As duas igrejas servem para caracterizar algumas influências do brutalismo na arquitetura gaúcha. A expressão da estrutura enfatiza seu papel modular e rítmico, num todo articulado com planos de fechamento. Há uma sutileza na montagem do envelope formal, que permite a leitura da estrutura ao mesmo tempo independente e integrada aos planos de fechamento. O artigo descreve com atenção as duas igrejas e traça paralelos delas com outras obras eclesiásticas modernas da época, auxiliando na identificação dos temas que caracterizam esse período na região.
Palavras-chave: Brutalismo. Arquitetura: igrejas. Porto Alegre.
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ABSTRACT
During the sixties, the impact of Brutalism in international and Brazilian architecture was also felt in Rio Grande do Sul. Locally, such reference takes the place previously occupied by the modern architecture done in Rio de Janeiro by the so-called “Escola Carioca” in the previous decade.Among the first manifestations of Brutalist influence in Rio Grande do Sul are two churches built in Porto Alegre and designed by architects graduated in the city. The first is the Evangelical Center of Porto Alegre (1959), designed by Carlos and Suzy Fayet. The second is the church of Our Lady of Lebanon (1963), a Catholic parish temple of Maronite rite, designed by Emil Bered.Both churches present the supporting structure as the main feature of their spatial configuration and plastic expression. Both are defined as rectangular boxes supported by a sequence of concrete porticoes 20 meters wide in the first church and 15 meters wide in the second. In the Lutheran church there is a sequence of five porticoes separated 5,50 meters from each other. In the Maronite one, there is a succession of eight porticoes separated 4 meters from each other. In the evangelical church there are double porticoes with pillars and beams in “H” shape. Close to the ceiling, two large concrete ducts for air conditioning run longitudinally, attached to the porticoes. The catholic church has simple porticoes, with beams wich are higher in the middle, emphasizing the central axis to the altar and revealing the inclination of the roof. The longitudinal concrete ducts counterbalance the rhythm of the sequence of porticoes in the Lutheran church, but the Maronite temple keeps the integrity of the modular articulation of space.In both churches, the voids between the pillars of the porticoes are filled with brick walls. These walls never touch the pillars, creating long and narrow windows, interrupted by secondary beams. Therefore, the side facades present the rhythm “wall-void-pillar-void-wall”. Textures, colors and light emphasize each of these vertical components in sequence. Im the Maronite church, Bered introduces subtle novelties in relation to the previous project. Firstly, he divides the brick walls in two segmented plans. Secondly, he ends these walls before reaching the beams above, allowing for a horizontal band of windows that unifies the vertical ones.The churches in the form of boxes have main facades defined by walls. The Fayet design places the box in projection over the street with a concrete facing, in which a bas-relief of the four evangelists was planned. The access to the church was located in the side courtyard. In the case of the Maronite church there is a frontal access.The Evangelical Center is a bigger commission, as it comprises not only the Church of Reconciliation, but also another building for the headquarters of the Lutheran Church in Brazil (IECLB). The ensemble has the church in front and to the rear, the vertical building with horizontal bands of pierced concrete blocks (combogós). On one side of the church, there is an elevated courtyard with a bell tower. The view from the street allows for the perception of the contrast between the enclosed form of the church and the lightness of the veil of pierced blocks in the rear building.Both churches serve to illustrate some influences of brutalism in local architecture. The expression of structure emphasizes its modular and rhythm character, coordinated with the wall enclosure. There is a subtlety in the assembling of the formal envelope, as one sees the structure both independent and coordinated to the side walls. The article describes both churches in some detail and make comparisons with other contemporary modern temples, in order to identify the themes that characterize this period in Rio Grande do Sul.
Keywords: Brutalism. Church architecture. Porto Alegre.
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DUAS IGREJAS GAÚCHAS EM TEMPOS DE BRUTALISMO
No cenário arquitetônico brasileiro, o final da década de 50 e o início dos anos 60 são anos em
que Brasília estava em construção e quando também surgiam as primeiras obras do Brutalismo
paulista. Em Porto Alegre, essa época caracteriza a diminuição da influência da Escola Carioca de
arquitetura moderna e o advento das referências brutalistas. Esse momento é representado por
obras como o auditório Araújo Viana (Fayet e Marques, 1960) a Refinaria Alberto Pasqualini -
REFAP (Fayet, Araújo, Marques, Pereira, 1962), a Gráfica da UFRGS (Bered, 1962), a sede da
Secretaria Municipal de Obras - SMOV (Marques, Vallandro, Silva, 1966), o Clube do Professor
Gaúcho (Marques, Vallandro, 1966) e o edifício FAM (Fayet, Araújo, Marques, 1967). No início
desse período, são projetadas em Porto Alegre duas igrejas muito pouco discutidas na
bibliografia, que ilustram aspectos peculiares da arquitetura moderna gaúcha em tempos dos
influxos iniciais do brutalismo. A primeira é a igreja luterana da Reconciliação, que é parte do
Centro Evangélico de Porto Alegre (CEPA) projetado Carlos e Suzy Fayet em 1959. A segunda é
a igreja católica de rito maronita de Nossa Senhora do Líbano, projetada por Emil Bered em 1962.
A similaridade tipológica de ambos os templos como igrejas em formato de caixa, assim como sua
semelhança estrutural e plástica que as ligam ao brutalismo, justificam sua análise conjunta.
O concurso para o Centro Evangélico de Porto Alegre
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana se estabeleceu em Porto Alegre em 1856, quando 48
famílias de imigrantes alemães evangélicos decidiram reunir-se em lugar próprio. Em 1865, é
inaugurado um salão de reuniões na rua Senhor dos Passos, local da atual igreja, na área central
da cidade. Este salão não podia ter forma externa de templo, já que igrejas eram exclusividade do
catolicismo romano no Brasil imperial. Somente em 1902, já durante a República, é que os
luteranos inauguram a torre neogótica de seu local de reuniões, tornando-o um templo. Projetada
pelo arquiteto Johann Grunewald, autor de igrejas neogóticas católicas no estado, a torre se
posicionava como foco perspectivo da rua 24 de Maio (atual praça Otávio Rocha), sendo visível
desde a praça XV de Novembro. Durante a década de 50, surge o desejo dos líderes da
comunidade luterana de Porto Alegre de construírem um novo templo, com maior capacidade e
que melhor expressasse seu papel na vida da cidade. Afinal, dentre os luteranos da congregação
haviam famílias de origem alemã (Renner, Wallig, Foernges, etc.) com importante participação na
economia do estado. Desse modo, pastores e líderes da comunidade decidiram construir um novo
templo para 1.000 pessoas, que também incluísse em seu programa um salão de eventos para
600 pessoas, salas de aula para instrução bíblica, apartamentos para pastores e instalações
administrativas para a igreja. O terreno então ocupado pela antiga igreja foi ampliado pela
aquisição de um lote lindeiro. Sua localização é privilegiada, pois está diante de uma praça
triangular, em seu ponto mais alto.
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O concurso foi organizado pelo IAB-RS, com resultado anunciado em 29 de abril de 1959. O juri
foi composto por três membros da comunidade luterana, um engenheiro e cinco arquitetos, entre
os quais Emil Bered, Ary Canarim e Vera Fabrício, autores de importantes obras modernas na
cidade. O concurso teve 28 trabalhos inscritos, dos quais 16 de equipes gaúchas e 12 do resto do
país. A dupla formada por Carlos Maximiliano Fayet e sua esposa, Suzy Brucker Fayet,
conquistou a vitória por unanimidade. Em segundo lugar ficou a dupla Castelar Peña e Harry
Hubner, seguida por Miguel Pereira e João Carlos Paiva (3º lugar), Moacyr Moojen Marques,
Nestor Nadruz e Leo Ferreira da Silva (4º lugar) e Maurício Schneider, de São Paulo (5º lugar).1
Os quatro primeiros colocados tiveram alguns desenhos publicados na época ou posteriormente.
Os três primeiros projetos apresentam em comum a disposição da igreja na parte frontal do
terreno, como um prisma retangular abstrato, que tem a seu lado direito um pátio com
campanário.2 A colocação do volume do templo no lado esquerdo do terreno, comprado para a
nova obra, pode ter sido influenciada pela existência da antiga igreja neogótica à direita. Fotos da
construção mostram que, no projeto vencedor, o novo templo não interferia na área do antigo. Do
mesmo modo, nos três primeiros colocados do concurso, o posicionamento do campanário
demonstra a intenção de manter o foco perspectivo da antiga igreja na vista distante. Ao fundo do
terreno se localiza o edifício com salas de aula, administração e apartamentos, independizado do
volume do templo. Desse modo, estes projetos decidem priorizar a expressão do templo, que se
destaca no conjunto e é dotado de uma esplanada lateral para contemplação, reunião e acesso.
Nos três projetos prevalece a imagem brutalista: o casal Fayet e a equipe de Peña e Hubner
privilegiam o revestimento em pedra do prisma da igreja, enquanto a proposta de Pereira e Paiva
apresenta uma caixa de vidro e concreto, sustentada por vigamentos metálicos aparentes. Por
sua vez, o projeto de Marques, Nadruz e Silva (4º lugar) opta pelo preenchimento total da frente
do terreno, conferindo um aspecto palaciano ao edifício e mesclando campanário, edifício em
altura e base.3
O projeto vencedor encontra-se melhor documentado, permitindo perceber as diferenças entre o
que foi proposto no concurso e o que foi executado.4 Como afirmado, Carlos e Suzy Fayet
propõem um partido com a caixa monumental do templo disposta ao lado de uma esplanada
lateral, com um edifício mais alto ao fundo. Tal como as propostas premiadas com o 2º e o 3º
lugar, Carlos e Suzy fazem do templo um volume em forma de paralelepípedo colocado em leve
projeção sobre uma base que vence o desnível da rua. Muros delimitam as duas divisas. A caixa
do templo está à esquerda, separada do muro por um grande vitral. Sua fachada é cega, com
previsão de revestimento em placas de mármore branco e de um baixo-relevo ilustrando os quatro
evangelistas. À direita da caixa, há uma laje mais baixa que indica o acesso à esplanada e ao
templo. Ao contrário da praça seca dos projetos das equipes Peña & Hubner e Pereira & Paiva, o
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casal Fayet prevê um espaço arborizado. Nele também se encontra o campanário, à semelhança
dos outros dois projetos. Contudo, os Fayet o fazem bem mais alto e mais encorpado, efetivando-
o como um terceiro componente da composição, junto com o bloco da igreja e o edifício ao fundo.
Além disso, ele se torna um marco do edifício visto à distância, tanto desde o privilegiado espaço
aberto da Praça Otávio Rocha como na perspectiva da avenida, desde a Praça XV.
O edifício ao fundo é distinto do templo pela convencionalidade da divisão regular em lajes, que é
manifestada na fachada. Ainda assim, é dotado de abstração suficiente para não emular os
edifícios comuns do entorno, por meio de faixas contínuas de combogós que o protegem da forte
insolação oeste. Desse modo, obtém distinção suficiente para integrar o conjunto eclesiástico
como coadjuvante. No projeto do concurso, os arquitetos propuseram uma solução mista, onde os
combogós eram usados apenas nos quatro primeiros pavimentos. Essa solução já é revisada nos
desenhos publicados logo após o concurso, favorecendo a unidade do projeto. Os quatro
primeiros pavimentos da torre destinam-se a funções administrativas e comunitárias, tendo pé
direito mais alto (3,50m). Os três pavimentos de apartamentos e o terraço tem altura de 2,85m. No
coroamento do edifício, encontra-se outra citação à escola carioca, em adição ao combogó das
fachadas: uma sequência de cascas apoiadas em pilotis que configura o terraço. Nesse sentido, a
composição apresenta uma curiosa combinação de templo de imagem brutalista contra barra no
estilo da escola carioca. Essa característica é indicativa do momento de transição vivido na
arquitetura da cidade naquele momento.
Fig. 1: Vista CEPA (concurso; fonte arquivos CEPA);
Fig. 2: Planta e corte CEPA (execução; fonte: Xavier, 1987).
Evidentemente, o destaque cabe à arquitetura do templo. A caixa, que tem 32 metros de
comprimento por 20 de largura e 11 de altura, se projeta em balanço sobre uma base recuada,
onde os pilares são ocultos pelas esquadrias das garagens, acentuando a atectonicidade. A caixa
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não é totalmente cerrada, pois apresenta aberturas na forma de faixas envidraçadas verticais que
rasgam os muros. Na fachada principal, o átrio se prolonga até a divisa à esquerda. Desse modo,
o plano cego da fachada corresponde à planta retangular do salão do templo, enquanto a
extensão do átrio é demarcada pelo grande vitral. Outro vitral surge na fachada do pátio,
correspondendo ao trecho da caixa que está em balanço sobre a rua. Esta fachada é projetada
em duas faixas horizontais distintas. Na parte superior, surgem vitrais estreitos entre os pilares e
os planos de alvenaria. Na parte inferior, os arquitetos esboçam painéis com pinturas ou baixos-
relevos que se integrariam ao programa iconográfico dos vitrais e esculturas da fachada principal.
Embora o uso extensivo da arte na arquitetura eclesiástica seja natural, cabe salientar a estreita
associação entre ambas no Palácio da Justiça (1952), importante obra anterior de Carlos Fayet
em parceria com Luís Fernando Corona.
Disposto no sentido leste-oeste, o templo é acessado junto à rua, por meio de escadaria lateral.
Adentra-se o edifício através de um átrio separado do espaço de culto. Trata-se de um espaço
verticalizado e alongado, que tem em sua extremidade a pia batismal da antiga igreja, iluminada
pelo grande vitral da fachada principal. A seguir, entra-se no templo num giro à direita, sob o
mezanino suspenso por tirantes. O templo mostra sua amplidão pela ausência de colunas ou
outros elementos que possam interferir na percepção do amplo espaço cúbico como um todo. Os
vigamentos da cobertura são ocultos por um forro segmentado de natureza acústica, que se
articula com as paredes do lado esquerdo, executadas como muros oblíquos cuja inclinação gera
aberturas voltadas para o altar. A parede à direita é diferente, revelando os pilares que apoiam as
vigas da cobertura. A distância entre eixos é de 3 metros e o intervalo é preenchido por um plano
de alvenaria de tijolos separado dos pilares por vitrais. A solução caracteriza um interior
heterogêneo, onde a textura do tijolo atua como elemento unificador dos planos de vedação
distintos. O altar é enfatizado por sua profundidade, coisa pouco comum na arquitetura
protestante. Seu foco visual são os tubos do órgão da igreja.
A base do templo abriga um grande salão de eventos com 23m de extensão e 20m de largura. O
espaço é fracionado por duas linhas de pilares que não se projetam no templo acima, definindo
uma nave central de 11m de largura. O salão tem 5,40m de altura e destina-se a festividades,
palestras, apresentações e projeção de filmes. O acesso ao salão se dá pelo pátio e pelo edifício
ao fundo. Como espaço subterrâneo em relação ao templo, ele é iluminado e ventilado por pátios
em depressão nos dois lados. Na parte junto à rua, foi prevista uma garagem com quatro vagas,
provavelmente destinadas aos pastores residentes.
O campanário foi situado no pátio interno, próximo ao templo. Em seu projeto, Peña e Hubner o
definem como uma delgada estrutura para abrigar os sinos, enquanto Pereira e Paiva apresentam
uma placa que enquadra os sinos no topo. Tal como antes afirmado, Carlos e Suzy fazem do
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campanário um terceiro componente da composição. Isso implica conferir à torre volume e altura.
Desse modo, a caixa do templo e a torre sineira se colocam como volumes contrastantes
integrados pelo pano de fundo do edifício-barra, desmaterializado pelo véu de combogós. A
consciência da importância do campanário como foco visual da igreja fica evidente após a vitória
dos Fayet. Nos desenhos do concurso, a altura do campanário (sem a cruz) coincide com a laje
de cobertura do terraço do edifício-barra. No projeto executivo de julho de 1960, a torre ganha
2,10m de altura, tornando-se a parte mais alta do conjunto (29,10m contra 27m da barra, em
relação ao piso do templo). O aumento de altura da torre já ficara claro nos desenhos publicados
em 10 de maio de 1959, dez dias após o resultado do concurso.
Centro Evangélico: do projeto executivo à construção
Carlos e Suzy Fayet completaram o projeto executivo do Centro Evangélico de Porto Alegre em
julho de 1960, cerca de um ano e três meses após o resultado do concurso. Afora os aspectos já
referidos, o projeto de 1960 não apresenta mudanças significativas em relação ao que venceu o
concurso. A cerimônia de lançamento da pedra fundamental precedeu a finalização do projeto
executivo, ocorrendo em 15 de novembro de 1959. Em 22 de maio de 1960 é anunciado o início
da demolição da igreja antiga. No entanto, fotos da construção mostram que o templo antigo
permaneceu de pé por mais tempo e apenas o edifício em altura foi erguido imediatamente. Isso
provavelmente se deve à menor complexidade construtiva do edifício em altura e sua posição
mais distante do templo antigo. O novo templo demorou muito mais para ser completado, sendo
inaugurado somente em julho de 1970. Durante estes 10 anos, os autores revisaram aspectos
significativos da proposta.
Examinando o atual edifício, percebe-se que o projeto inicial foi bastante simplificado para a
execução. O alto campanário foi substituído por outro muito menor, praticamente invisível desde a
rua. Com isso, a igreja perdeu boa parte de seu apelo visual no contexto urbano verticalizado do
entorno. O pátio arborizado deu lugar a uma esplanada seca, pavimentada. O salão de festas sob
o templo foi substituído por uma garagem de dois andares. Com isso, também desaparecem os
pátios laterais em depressão. A fachada do templo perdeu a extensão até a divisa do terreno pela
remoção da área do vitral frontal no átrio, tornando o formato de caixa mais explícito. O balanço
da caixa sobre a rua passou a ser apoiado por quatro vigas que se destacam em projeção além
do volume. O revestimento de mármore branco da fachada e os baixos-relevos dos quatro
evangelistas não foram executados, sendo substituídos por um muro de concreto aparente. Uma
cruz metálica foi afixada ao muro posteriormente, lembrando a fachada do projeto de Peña e
Hubner. As mudanças na fachada principal acentuaram o caráter brutalista do edifício.
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Também ocorreram mudanças no interior do templo. O átrio perdeu sua extensão com o grande
vitral e também deixou de ter a altura total da caixa, devido ao novo posicionamento do mezanino
sobre ele. Essa mudança fez do átrio um espaço de altura simples, desajustado
proporcionalmente em relação ao templo. No interior do templo, a solução adotada para o muro do
pátio interno foi replicada no outro lado, com a supressão dos planos de alvenaria oblíquos
intercalados por planos de vidro. O forro de planos inclinados também foi suprimido. A estrutura
da cobertura antes era configurada por nove vigas transversais com espaçamento de três metros,
exceto na parte em balanço. No templo construído, cinco pórticos duplos de concreto armado
articulam a caixa transversalmente, erguendo-se a 11 metros de altura e cobrindo o vão de 20
metros. Seus intervalos laterais de 5,50 metros são preenchidos por planos verticais de alvenaria,
separados dos pilares por vitrais. Desse modo, estrutura e planos de fechamento são identificados
visualmente. Essa mudança conferiu maior unidade ao interior do edifício, pois a estrutura
portante passou a ser a protagonista principal. Os pórticos são amarrados por duas linhas
contínuas de vigamentos horizontais: a primeira define uma linha de vergas de portas (no lado do
pátio), enquanto a segunda está mais próxima da laje de cobertura. As portas principais se
encontram nas extremidades da fachada do pátio. Junto a laje de cobertura, duas grandes
canaletas de concreto para o ar condicionado são afixadas nos pórticos, enfatizando a leitura do
espaço na direção do altar e amarrando a leitura rítmica da sequência de pórticos e planos de
fechamento. Em sua forma final, o templo enfatiza mais suas ligações com o brutalismo, pelo uso
abundante do concreto bruto e da alvenaria de tijolos, assim como pela exposição franca da
estrutura portante.
Quase nada do programa iconográfico sugerido no projeto de Carlos e Suzy Fayet foi executado.
Na verdade, a presença dos quatro evangelistas na fachada principal seria surpreendente num
templo protestante, onde está proscrita a veneração de imagens de escultura ou pintura. Talvez
as pinturas murais ou relevos da fachada do pátio tenham enfrentado o mesmo problema de
aceitação. Os vitrais de desenho abstrato não tiveram restrições, mas sua execução foi muito
simplificada.
Embora as perdas tenham superado os ganhos na versão final do Centro Evangélico, o edifício
construído é uma contribuição de destaque à arquitetura eclesiástica moderna em Porto Alegre.
Do projeto original, o campanário e o átrio foram as maiores perdas. O interior do templo hoje
sofre com a falta de bancos tradicionais de igreja, que a ocupariam espacialmente de forma muito
mais efetiva do que as cadeiras individuais usadas. Além disso, a colocação de caixas de som,
aparelhos de ar condicionado e ventiladores nas paredes desalinha o interior do edifício. Apesar
disso, o templo se destaca por suas proporções amplas e equilibradas, pelos ritmos da articulação
de seus membros estruturais, pela caracterização efetiva do espaço sacro em termos modernos e
pela noção adequada de monumentalidade na disposição das partes da composição.
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Fig. 3 - CEPA: interior do templo (fonte: autor); Fig. 4 - Nossa Senhora do Líbano: interior (fonte: autor)
A igreja de Nossa Senhora do Líbano
Três anos após o julgamento do concurso para a Comunidade Evangélica de Porto Alegre, um
dos integrantes da comissão julgadora projeta outra igreja na cidade. Os traços comuns entre
essas igrejas merecem ser considerados. Em agosto do ano anterior havia sido criada a primeira
paróquia católica de rito maronita na capital gaúcha, denominada Nossa Senhora do Líbano, para
atender a comunidade cristã de origem libanesa. O arquiteto Emil Bered, descendente de
libaneses maronitas, é contatado para em 1962 projetar a nova igreja, num terreno na avenida
Jerônimo de Ornellas. O programa abrange o templo, com alguns quartos para visitantes e
secretaria na parte posterior e um edifício anexo contendo um refeitório e alojamentos. Em 23 de
abril de 1963 as obras da igreja são iniciadas e a 15 de agosto de 1964 a primeira missa é
celebrada na nova igreja, embora os acabamentos ainda estivessem incompletos.
O templo maronita projetado por Bered é bastante similar em seu partido ao templo luterano de
Carlos e Suzy Fayet. Trata-se de uma caixa medindo 35 metros de comprimento por 15 de largura
e 10 de altura, comparados a 32 x 20 x 11 metros na igreja dos Fayet. As duas igrejas apresentam
a estrutura portante como protagonista da configuração do espaço e da expressão plástica. O
templo maronita é estruturado por uma sucessão de oito pórticos simples com intercolúnio de 4
metros, enquanto a igreja evangélica tem uma sequência de cinco pórticos duplos com intervalo
de 5,50 metros entre si. No templo maronita, Bered usa vigas com seção maior ao centro, gerando
uma inclinação que enfatiza o foco no altar e acomoda a inclinação da cobertura. Não havendo os
grandes dutos de concreto junto ao teto do templo luterano, a igreja de Bered dá maior ênfase à
percepção celular do espaço pela sequência dos pórticos.
Nas duas igrejas, os pilares dos pórticos tem seus intervalos preenchidos por muros de alvenaria.
Estes muros não tocam os pilares de concreto, originando um hiato onde estreitas janelas
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percorrem toda a dimensão vertical das paredes. Três vigas de contraventamento atravessam
essas janelas-fita na igreja maronita, enquanto duas o fazem na igreja evangélica. Desse modo,
os muros laterais de ambos os templos apresentam o ritmo muro-vazio-pilar-vazio-muro. Texturas,
cores e luz identificam cada um destes componentes verticais em sequência. No templo maronita,
Bered introduz variações sutis ao tema comum. Primeiro, divide a face interna de cada tramo de
alvenaria em dois planos inclinados, num artifício acústico que pode ter sido suscitado pelos
planos inclinados dos Fayet no projeto do concurso. Estes, todavia, não tinham efeito acústico
pois tinham faces voltadas aos fundos da igreja. Junto ao teto, Bered termina estes muros de
alvenaria antes de alcançarem o vigamento da cobertura, permitindo que as janelas verticais
sejam unificadas por janelas horizontais no topo. Isso confere ao interior da igreja uma expressão
de materialidade dos elementos (muros de alvenaria, pórticos de concreto) combinada com a
desmaterialização provocada pelas fitas de luz que parece desconectá-los. Ao mesmo tempo, a
regularidade modular do espaço é sutilmente animada pela leve obliquidade dos muros e pela
suave inclinação das vigas da cobertura. Esta “delicadeza brutalista” é característica de muitas
obras modernas gaúchas do período, como as já citadas Refinaria Alberto Pasqualini (Fayet,
Araújo, Marques e Pereira,1962), a Gráfica da UFRGS (Bered, 1962) e o edifício FAM (Fayet,
Araújo, Marques,1967).
Os dois templos-caixa tem suas fachadas principais definidas por muros. A igreja evangélica de
Fayet tem a caixa em projeção sobre a rua com muro cego de concreto e acesso pelo pátio
lateral. Já a igreja maronita tem acesso frontal, o que implica em ter uma face mural perfurada. A
fachada original de Bered não é um plano fechado, mas apresenta o primeiro pórtico da série com
um plano horizontal de fechamento adicionado ao centro, onde há janelas verticais para o coro e
uma imagem esculpida da padroeira do Líbano. Na parte inferior estão as portas de acesso,
ladeadas por planos envidraçados com um gradil de motivos geométricos orientais. Motivos de
natureza similar se repetem na parede ao fundo do altar principal. A fachada do templo maronita
ainda previa um esbelto campanário, que relembra aquele proposto por Peña e Hubner em seu
projeto para o Centro Evangélico. Além disso, o edifício com refeitório e alojamentos deveria ser
integrado ao templo e ao campanário pela projeção de sua laje de cobertura. Nem o campanário
nem a laje foram executados.
Referências, influências, releituras
A similaridade entre os dois templos não significa mera influência absorvida pelo segundo projeto.
É bastante provável e natural que a participação de Bered no concurso do Centro Evangélico
tenha tido alguma influência em seu trabalho posterior no templo maronita. No entanto, quando
Bered definiu seu projeto em 1962, ele guardava pouca semelhança com o projeto do concurso de
Carlos e Suzy Fayet, aparte o formato em caixa e as dimensões gerais.5
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O templo-caixa de Bered sempre foi explícito na expressão serial de sua estrutura portante,
enquanto o projeto do concurso dos Fayet só apresentava essa estrutura numa das fachadas.
Nesse sentido, a solução de Bered poderia conter uma depuração e amplificação de algo sugerido
no projeto vencedor do concurso. Em 1962, o templo luterano estava longe de mostrar suas
formas finais. Desse modo, também se poderia perguntar se a rápida construção da igreja
maronita de Bered não teve alguma influência na revisão do projeto do templo luterano construído
posteriormente.
As duas igrejas servem para caracterizar algumas influências do brutalismo na arquitetura gaúcha.
A expressão da estrutura enfatiza seu papel modular e rítmico, num todo articulado com planos de
fechamento. Há uma sutileza na montagem do envelope formal, que permite a leitura da estrutura
ao mesmo tempo independente e integrada aos planos de fechamento. Essa sutileza se revela na
manutenção de algumas características da arquitetura da escola carioca em combinação com as
influências brutalistas, reveladas desde a combinação entre torre com combogós e caixa de
fachada cerrada no projeto do CEPA (1959) até a delicada fachada de madeira perfurada por
topos de viga de concreto do edifício FAM (1967).
A arquitetura eclesiástica moderna do período não fornece uma referência específica para estes
projetos. O partido pode ter sido influenciado pelas igrejas-salão da tradição colonial portuguesa,
bem representados na cidade pela igreja de Nossa Senhora das Dores. Em termos modernos, o
formato em caixa tem exemplo na fase brutalista de Le Corbusier através da igreja do mosteiro de
La Tourette, iniciado em 1953 e concluído em 1959, ano do concurso do CEPA. Contudo, a caixa
de La Tourette é um monobloco de concreto com aberturas isoladas e sem destaque da estrutura
portante. Deve ter auxiliado como referência do partido volumétrico dos templos gaúchos. A igreja
de Santa Anna, em Düren, Alemanha (Rudolf Schwarz, 1951-56) é um volume de base trapezoidal
que contém a caixa retangular da igreja, com janelas verticais de um lado, muro de pedra no outro
e laje com entramado de vigas de concreto na cobertura. Poderia ser inspiração para alguns
aspectos do projeto vencedor do concurso. Há uma referência anterior: a Tabernacle Church of
Christ em Columbus, EUA (Eero e Eliel Saarinen, 1940-42). Esta é uma igreja-caixa integrada a
edifícios-barra com áreas administrativas e comunitárias. A planta é retangular com aberturas
verticais no lado direito e muro cego com galeria térrea no lado esquerdo. Tal como nos projetos
do concurso, há um alto campanário no pátio lateral, próximo ao templo.
No entanto, é possível que existam referências ainda mais próximas. Gottfried Böhm, famoso
arquiteto alemão de igrejas modernas no pós-segunda guerra e prêmio Pritzker em 1987, visitou o
Brasil na década de 50 e aqui construiu três igrejas: as matrizes de Clevelândia (PR, 1953-54) e
Brusque (SC, 1955-61) e a catedral de Blumenau (SC, 1953-58). A última igreja, terminada um
ano antes do concurso para o Centro Evangélico, apresenta analogias com as duas igrejas
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gaúchas. Sua grande nave é um prisma retangular com 60 metros de comprimento6 por 23 de
largura e 15 de altura. A planta da igreja é composta por 15 intercolúnios de cinco metros. Nove
intercolúnios correspondem à congregação, três ao altar e três ao pórtico de entrada. Algo maior
que os templos gaúchos, principalmente em sua extensão, a catedral de Blumenau também se
distingue deles pela presença de uma nave central de 13 metros de largura separada das naves
laterais por linhas de colunas esbeltas. O teto branco combina abóbadas de berço nas laterais
com abóbadas de aresta ao centro, todas de pouca profundidade, num jogo volumétrico que
lembra algo do forro dos Fayet no projeto do concurso do CEPA. O tratamento dos muros laterais
de Böhm combina a marcação dos pilares de concreto (identificados pela cor branca, tal como as
colunas e o teto) com o preenchimento dos intercolúnios por blocos de arenito rosa. Junto ao topo
de cada intercolúnio, surgem aberturas com vitrais. Na área do altar, o preenchimento de arenito
rosa cede lugar aos vitrais em toda a extensão no lado esquerdo. No plano de acesso à igreja
também predominam os vitrais. Embora não haja uma similaridade evidente entre a catedral de
Böhm e os edifícios gaúchos, é notável neles a combinação da exibição plástica da estrutura com
a expressividade dos materiais num partido de volume geometricamente preciso.
Fig. 5 - Nossa Senhora do Líbano: fachada original (fonte: arquivo Emil Bered);
Fig. 6 - Catedral de Blumenau: interior (fonte: autor)
Desse modo, as igrejas gaúchas se mostram válidas em dois sentidos. Primeiramente, elas se
inserem no debate da arquitetura da época, mostrando aspectos importantes da interpretação
gaúcha do influxo brutalista em seus primeiros momentos. Em segundo lugar, elas mostram a
importância pouco considerada da arquitetura eclesiástica no escopo da arquitetura moderna, ao
se mostrarem conscientes dessa produção e oferecerem soluções investigativas singulares num
contexto que, sendo periférico, mostra-se relevante.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Xavier, Alberto e Mizoguchi, Ivan. Arquitetura Moderna em Porto Alegre. São Paulo: Pini, 1987. Marques, Sergio Moacir. Arquitetura moderna brasileira no sul. 1950-1970 (tese de doutorado). Porto Alegre: PROPAR-UFRGS, 2012. Müller, Fábio. O templo moderno 1850-1960 (tese de doutorado). Porto Alegre: PROPAR-UFRGS, 2011.
NOTAS
1 Correio do Povo, 10/05/1959, pp. 17 e 27. 2 Ver Correio do Povo, edições de 10/05/1959; 23/08/1959 e 06/09/1959. 3 Ver Marques, 2012. 4 Documentação do arquivo do CEPA. 5 Tanto o formato em caixa como seu tamanho eram comuns aos três primeiros colocados no concurso. 6 O comprimento total, incluindo o pórtico externo, é de 75 metros.